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AVEIRO E A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA 1400-1800 ATAS DAS 8. as JORNADAS DE HISTÓRIA LOCAL E PATRIMÓNIO DOCUMENTAL DE AVEIRO

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AVEIRO E A EXPANSÃOMARÍTIMA PORTUGUESA

1400-1800

ATAS DAS 8.as JORNADAS DE HISTÓRIA LOCAL E PATRIMÓNIO DOCUMENTAL DE AVEIRO

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© Câmara Municipal de Aveiro e Âncora Editora

Direitos reservados porÂncora EditoraAvenida Infante Santo, 52 – 3.º Esq.1350-179 Lisboaancora.editora@ancora-editora.ptwww.ancora-editora.ptwww.facebook.com/ancoraeditora

Câmara Municipal de AveiroPraça da República3810-153 [email protected]/municipiodeaveiro

As “Jornadas de História Local e Património Documental” são uma organização conjunta da Câmara Municipal de Aveiro e da ADERAV–Associação para o Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro

Coordenador da colecção: Álvaro GarridoSelecção e tratamento documental: Câmara Municipal de Aveiro – Divisão de Cultura, Turismo e Cidadania – Arquivo Histórico

Capa: Sofia Travassos | Âncora Editorasobre pormenor de: Duarte d’Armas, ca 1465-?“Limites de Portugal”Fronteira de Portugal fortificada pellos Reys deste Reyno. Tiradas estas Fortalezas no tempo del Rey Dom Manoel [Manuscrito] / copiadas por Brás Pereira, 1642Biblioteca Nacional de Portugal, Manuscritos Reservados, IL. 192

Edição n.º 280111.ª edição: Maio de 2017Depósito legal n.º 425995/17

Pré-impressão: Âncora EditoraImpressão e acabamento: VASP DPS

ISBN: 978 972 780 603 4

Nota: a opção, ou não, pelas regras do novo Acordo Ortográfico é da exclusiva responsabilidade de cada autor.

AVEIRO E A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA1400-1800

Obras publicadas nesta coleção:

1. A Saga dos Astrolábios

A.A.V.V.

2. A Economia Marítima Existe

Álvaro Garrido (introd. e coord.)

3. Museu Marítimo de Ílhavo: Um Museu com História

Álvaro Garrido e Ângelo Lebre

4. Culturas Marítimas em Portugal

Francisco O. Nunes (introd. e coord.)

5. Octávio Lixa Filgueiras: Arquitecto de Culturas Marítimas

Álvaro Garrido e Francisco Alves (coord.)

6. Mútua dos Pescadores: Biografia de uma Seguradora da Economia Social

Álvaro Garrido

7. Mares de Sesimbra – História, memória e gestão de uma frente marítima

em torno de a indústria da pesca em Sesimbra de Baldaque da Silva (1897)

Luís Martins (org.)

8. O Rio Mira no Sistema Portuário do Litoral Alentejano (1851-1918)

António Martins Quaresma

9. Portugal no Mar

Álvaro Garrido (introd. e coord.)

10. A Frota Portuguesa do Bacalhau – Uma História em Imagens

Jean-Pierre Andrieux

AVEIRO E A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA

1400-1800atas

8.as Jornadas de História Local e Património Documental

AVEIRO 2014

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AVEIRO E A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA 1400-1800

8.ªs Jornadas de História Local e Património Documental – Novembro 2014

PROGRAMA

sexta, 21 nov

09:00h entrega de documentação

09:30h sessão de abertura JoséAgostinhoRibauEsteves, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro LauroAmandoFerreiraMarques, Presidente da Direção da ADERAV

moderação de JoãoMarujo (Câmara Municipal de Aveiro; Serviço de Bibliotecas e Arquivo Histórico)

MOTIVAÇÕES POLÍTICAS, ECONÓMICAS, SOCIAIS E RELIGIOSAS

10:00h conferência inaugural O País nos alvores de quatrocentos LuísMiguelDuarte (Universidade do Porto)

11:00h pausa para café

ECONOMIA E SOCIEDADE

11:30h Linhas de força das políticas portuguesas de colonização: os começos – Marrocos e ilhas do Atlântico Norte

JoaquimRomeroMagalhães(Universidade de Coimbra)

14

11:50h Aveiro na época dos Descobrimentos DelfimBismarckFerreira(Investigador)

12:10h Gentes de Aveiro nos alvores de Quinhentos SaulAntónioGomes(Universidade de Coimbra)

12:30h debate

13:00h almoço livre

moderação de LuísSouto(Universidade de Aveiro; ADERAV)

14:30h A produção cerâmica de Aveiro no tempo da expansão marítima portuguesa SóniaFilipe(Universidade de Coimbra) ePauloMorgado(Universidade de Aveiro)

14:50h A carga dos navios de Aveiro A e B InêsPintoCoelho,JoséAntónioBettencourt e PatríciaCarvalho (CHAM–FCSHdaUniversidadeNovadeLisboa)

15:10h As urcas do sal: Aveiro nas rotas do comércio internacional SaraPinto(Universidade do Porto)

15:30h Nota geográfica sobre o povoamento na área de Aveiro no início de quinhentos JorgeArroteia(Universidade de Aveiro)

15:50h pausa para café

A CONSTRUÇÃO DO IMPÉRIO – OS PERSONAGENS

16:30h Fernão de Oliveira JoséEduardoFranco(Universidade Nova de Lisboa)

16:50h Antónia Rodrigues PaulaDuarte(Investigadora)

17:10h João Afonso de Aveiro FranciscoMessiasTrindade(Investigador)17:30h debate 18:30h conclusão dos trabalhos do dia

15

sábado, 22 nov

moderação de MadalenaPinheiro(Câmara Municipal de Aveiro; Serviço de Bibliotecas e Arquivo Histórico)

A IMPORTÂNCIA DA DOCUMENTAÇÃO E SUA PRESERVAÇÃO NA RELEITURA DA HISTÓRIA

09:30h Património arquivístico em Aveiro – repositórios digitais e acesso PorfíriodaSilva(Arquivo Distrital de Aveiro)

09:50h A preservação da memória da cidade através da cartografia antiga NunoSilvaCosta(CIEMar - Ílhavo)

A CULTURA, A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA

10:10h A náutica: ciência e tecnologia na navegação portuguesa FranciscoContenteDomingues(Universidade de Lisboa)

10:30h A arqueologia subaquática na Ria de Aveiro: estado da arte FranciscoAlves(Inst. Arqueologia e Paleociências da Universidade Nova de Lisboa)

10:50h pausa para café

11:10h Rumo ao Mar Oceano: Aveiro na arquitetura e construção naval dos Descobrimentos António VítorCarvalho(Universidade de Aveiro)

11:30h As descobertas arqueológicas na Ria de Aveiro – qual a importância do “Porto de Aveiro” nos séculos xiv e xv SérgioDias(Arquivo do Porto de Aveiro)

11:50h debate

12:30h almoço livre

moderação de JoséAntónioChristo(Museu de Aveiro; ADERAV)

14:00h Aveiro e o Mar Com.JoséRodriguesPereira

16

14:20h A dimensão global da arte no contexto do diálogo intercultural entre o Oriente e o Ocidente RuiOliveiraLopes(FaculdadedeBelasArtes–UniversidadedeLisboa)

14:40h Os retratos de João de Albuquerque e da Princesa Joana FernandoAntónioBaptistaPereira(FaculdadedeBelasArtes – Universidade de Lisboa)

15:00h A viagem das plantas RosaPinho(Universidade de Aveiro)

15:20h debate

O QUE PERMANECE

16:00h conferênciafinal A expansão portuguesa na historiografia aveirense ManuelFerreiraRodrigues(Universidade de Aveiro)

17:00h sessão de encerramento MiguelCapãoFilipe, Vereador da Cultura Câmara Municipal de Aveiro LauroAmandoFerreiraMarques,PresidentedaDireçãodaADERAV

ECONOMIA E SOCIEDADE

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NOTAGEOGRÁFICASOBREOPOVOAMENTO NA ÁREA DE AVEIRO AO INÍCIO DE QUINHENTOS

JorgeArroteia1

Universidade de Aveiro

Introdução

Tal como acontece noutras áreas litorâneas a evolução do povoa-mento, da população e das suas actividades, está associada a factores geográficosnaturais,àerosãoeàsedimentaçãomarinharelacionadascomaacçãodosventosecorrentes.ÉoquesepodeverificarnaárealagunardeAveiroenabaciahidrográficadobaixoVouga,talhadanosterrenos da Orla Sedimentar e ocupada pelos depósitos carreados pelo leito do antigo “Vacca”romanoedosmuitosafluentesqueconcorrempara a construção desta área ribeirinha.

A par dos sedimentos interiores, a marcha das correntes marítimas, dos ventos e das marés, contribuiu para que a sedimentação resultante desse origem ao cordão marítimo e dunar do litoral, que na sua marcha a sul da foz do rio Douro e a partir da carga sólida transportada por esterio,permitiuaedificaçãodohaff de Aveiro e da paisagem lagunar que lhe anda associada. Nestas circunstâncias a análise do povoamento desta parte do território deve ter em conta a evolução morfológica da linha de costa e as actividades da população, nomeadamente as de na-tureza piscatória, salícola, comercial-marítima e outras, dependentes da evolução da linha costeira e das acessibilidades com o exterior.

1 [email protected]

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Jorge Arroteia Aveiro e a Expansão Marítima Portuguesa 1400-1800

A evolução do antigo burgo de Aveiro constitui um exemplo, que agora se evoca, associando alguns dados dessa evolução morfológica à população registada no Numeramento de 1527-1532. Uma singela home-nagem aos que continuam a ver na grei onde habitam o interesse histórico egeográficodesituações,queaparentementeultrapassadas,podemvirarepetir-sedadaaalteraçãodascondiçõesnaturaise/oudeintensificaçãoda carga humana sobre os terrenos sensíveis desta região lagunar.

Sobre a evolução física

A evolução do litoral português tem merecido a atenção de diversos autores:A.Girão,F.Martins,S.Daveau,A.Dias,cujostrabalhostêmcontribuído para o conhecimento desta parte do território nacional e da “ria” de Aveiro. Muitos outros como J. Gaspar, I. Amorim, A. Neves, têm aprofundado temas relacionados com a história da povoação de Aveiro e da rede de lugares, antigos concelhos e municípios, situados naáreadeinfluênciaurbanadacidadedaria.Doconjuntodestesrelatosfica-nosaimagemdaantigavilaecidademarítima,inicialmentedotadadeumportode“barraaberta”,queascondiçõesgeográficasalteraramdandoorigemaciclosdevidaurbana,marítimaecomercial,comrefle-xos sobre a animação dos territórios ribeirinhos, dos concelhos rurais e do traçado dos eixos de circulação e transporte.

ComoemtempoescreveuFredericoMoura(1968,n.º5,15):“Apraz-meveraGeografiaaprocurardominarohomemeohomemalutarparavenceraGeografia”.Estetemsidooexemploseguidopelaspopulaçõesribeirinhasestabelecidasnasmargensdo“haff”terminaldorioVouga,preenchido por água, sedimentos e aluviões que deram origem ao sítio do burgo de Aveiro, situado em “reentrância da costa rochosa sobre o mar em que se desenvolvia uma espécie de outeiro, ladeado ao sul pelo decli-ve de rabães e ao norte pelo vale do Cojo” (Gaspar, 1997, 16). O mesmo autor prossegue (loc. cit.): “Assim sendo, com certeza que os transco-danosconstruíramumarudimentaríssimafortificaçãodedefesanosítioonde seria mais tarde, na época cristã, a Igreja de S. Miguel (…)”.

Esta localização estratégica da Vila, no contacto entre o mar e o rio,olitoraleasserraniasdointerior,próximada“confluênciadevá-rias linhas de comércio, muito próxima de estradas que atravessavam o País”, nomeadamente da “Estrada Mourisca” (Silva, 1997, 16) que

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Nota geográfica sobre o povoamento na área de Aveiro ao início de Quinhentos

atravessava o Reino a nascente de Aveiro. A poente corria o cordão litoral, que sofreu ao longo de séculos uma deslocação gradual para sul decorrente da acção conjugada da sedimentação marinha e lagu-nar, fazendo com que à data da fundação da nacionalidade a linha de costa actual andasse pelas imediações de Ovar, progredindo para sul até Estarreja, Aveiro, Ílhavo, Vagos e Mira.

Aproximação ao traçado da linha de costa medieval no Baixo VougaIn: Bastos, M. R. e Dias, J. M. A. (2002) 2

No século xiii situava-se já próximo da Torreira; no início do século seguinte atingia já as proximidades de S. Jacinto, prosseguindo na sua

2 Bastos, M. R. e Dias, J. M. A. (2002) – “Uma representação do litoral português: o Baixo Vouga (Séculos IX-XIV). in: O litoral em perspectiva histórica (Séc. XVI a XVIII). Porto, Instituto de História Moderna, 111-126

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marcha para meio-dia; no começo do século xvii, os depósitos de areias estariam a sul da Costa Nova.

Perfildolitoral(F.Martins)Martins,A.F.,1947,24.3

A propósito da sedimentação litoral decorrente das correntes litorais, escreveu Martins (1947, 17):

“os materiais assim transportados acumulam-se normalmente no recôncavo das baías ou de encontro a promontórios que interceptem o

3 Martins,A.F.(1947)–“Aconfiguraçãodolitoralportuguêsnoúltimoquarteldoséculoxiv: apostila a um mapa”. Separata de BIBLOS, vol. xxii, 35 pp.

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sentido dessas correntes; se as condições da costa o permitem, surgem restingas ou cordões litorais, cuja ponta progride no sentido do mo-vimento de transporte, ao contrário do que sucede com o avanço dos depósitos apoiados de encontro a um obstáculo”.

Exemplificando,esclarece:“O cordão litoral que se estende do Carregal às proximidades de

Mira, no litoral de Aveiro, avançou de Norte para Sul, precisamente no sentido da corrente que lhe deu origem; os areais de Quiaios e Mira e o ‘cabedelo’ da Gafanha, seu extremo setentrional, embora formados por depósitos transportados pela mesma corrente, cresceram de Sul para o Norte, apoiados no pontal do Cabo Mondego”.

Ainda sobre a evolução deste cordão litoral e sobre a formação do “haff”deAveiro,paraoqualconcorremosaluviõesdoVougaedeoutraslinhas de água, regista (op. cit.):

“Nos princípios do século xiii estava já formado o cabedelo da Murtosa; e o da Gafanha, que partindo dos areais de Mira, crescia para o Norte, seria na extremidade setentrional, mas só aí, um território ala-gadiço, um labirinto de baixios, um dédalo de canais. Por essa época, umnovocordãodeareias–outraflechalitoral–avançavadesdeocar-regal e, crescendo para o Sul, atingira a latitude da Torreira; continuando aprogressão,oseuextremoestavanosfinsdoséculoxiv um pouco ao norte do local, então ainda domínio marítimo, onde seria mais tarde edificadaacapeladaSenhoradasAreias.”

Reconhecendo a existência de uma larga abertura entre a ponta da Gafanha e o cabedelo do Carregal, e sobre a sedimentação interior, o autor esclarece (op. cit.):

“No interior, várias ilhas formadas por aluviões tinham vindo a lume, vistoque,melhordefinidoo‘Haff’,aentradadaságuasdamarédimi-nuíadevolume,dondemenorvelocidadenavazanteedaí,insuficiente transporte para o mar dos materiais carreados pelo Vouga e outras linhas de água (…)”. Como resultado desta sedimentação temos a constituição das ilhasmais extensasdeSama,Testada,MonteFarinha,Ovos.Nolitoral, “seguindo para o Sul, a costa da Gafanha foi desenhada levan-do em conta o sentido da corrente litoral, a direcção predominante das vagas de oscilação e o sítio da torre – outra torre antiga – levantada a OcidentedeVagos”.Tratava-sedefortificaçõeserguidasjuntodalinhade costa primitiva destinadas à vigia e defesa contra a invasão berbere nas suas razias junto das populações marítimas.

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RepresentaçãocartográficadabarradeAveiroIn:Daveau4,2007/2008,Fig.7

Registos posteriores mostram que o cabedelo de areias ultrapassou a zona da Vagueira, prolongando-se a Mira até à sua abertura no início deOitocentos.Estasequência,bemfirmadanaevoluçãodasactividadeseconómicas locais, na vida da cidade e na evolução da sua população, condiz com a formação das muitas lezírias do interior onde assentam as povoações ribeirinhas alimentadas pela terra fértil, produção de sal e viveiros de diferentes espécies piscícolas, consumidas localmente ou transportadas pelo comércio para outros mercados.

O mapa transcrito por Daveau (op. cit.) disso nos dá conta: a barra do Vouga abre-se para o espaço interno da laguna antes de demandar o Oceano através de uma abertura que as correntes e as marés, os ventos e os sedimentos, se encarregam de obstruir e de arrastar cada vez mais para sul do meridiano aveirense.

4 Daveau, S. (2007/2008) – “O fragmento de mapa corográfico de Portugal da RealAcademiadelaHistoriadeMadrid.Fasesderealizaçãoeutilização”.In:Cadernos de Geografia,n.ºs26/27–2007-2008.Coimbra,FLUC,3-17

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Nota geográfica sobre o povoamento na área de Aveiro ao início de Quinhentos

FragmentodeMapaCorográficoIn: Daveau5,2007/2008,Fig.2

A história antiga de Aveiro, descrita por Gaspar e outros autores, diz bem da luta entre os habitantes locais, especialmente mareantes e pescadores,marnotosecomerciantes,naafirmaçãodosseusprivilégiose na construção desta Vila e Cidade. De acordo com Gaspar (1988, 105) “o burgo do século xv estava a conhecer um período de grande progres-so, graças à actividade dos moradores, ao desenvolvimento da indústria salineira, à protecção real e à vinda de pessoas nobres e ilustres. Os seus habitantes eram (...) uns pescadores e mareantes, outros marnotos e me-didores, outros armadores e construtores navais, outros mercadores e comerciantes,outrosartíficesdeconstruçãocivilemesteirais,outrosfidalgos,religiososeclérigos”.

5 Daveau, S. (2007/2008) – “O fragmento de mapa corográfico de Portugal da RealAcademiadelaHistoriadeMadrid.Fasesderealizaçãoeutilização”.In:Cadernos de Geografia,n.ºs26/27–2007-2008.Coimbra,FLUC,3-17

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A partir de meados do século xvi notícias diversas relatam os desai-res sofridos pela barra local devidos aos fenómenos de assoreamento. A descrição de A. Costa (1930, II, 1087) ajuda-nos a compreender a di-mensão desse fenómeno: “o tempestuoso inverno de 1575, obstruindo--lhe de areias o porto e a barra, deu princípio à sua decadência”. Nota ainda o mesmo autor (ob. cit., 1087) que, “com o decorrer do tempo agravou-se tanto esta desgraça, que a barra, pelo movimento das areias, foiremovidaquinzemilhasmaisparasul, tornando-sediffícileperi-gosa; os fertilíssimos campos, que tinham chegado em alguns annos a produzir 30.000 moios de trigo, e as celebradas marinhas, d’onde se tiravam annualmente 12 a 16 mil moios de sal ou se esterilizaram (...) ou alagadas se converteram em terrenos pantanosos e insalubres que muito concorreram para que a villa se fosse despovoando”.

Para Girão (1922, 167) o baixo Vouga abrange “as terras marginais do esteiro, sobretudo vizinhas da foz do Vouga (parte dos concelhos de Ovar, Estarreja, Aveiro, Ílhavo e Vagos”. Ao tempo a que nos referimos não estava ainda constituída a “Gafanha”, que se estende “pelos conce-lhos de Ílhavo e Vagos, e dando o nome a vários lugares (...), é antigo areal adaptado à cultura pelo homem, à custa de um trabalho insano e dos adubos extraídos da “ria”.

Neste contexto territorial a Vila de Aveiro surge como povoação comer-cial e portuária mais importante, com funções administrativas e religiosas que garantem a subsistência da população à sua volta e o desenvolvimento de diversas actividades agro-rurais, agro-marinhas e piscatórias, que ani-mam este centro e o mercado rural circundante. Tal acontece a par de inú-meras transformações naturais operadas na linha de costa, no desenho da laguna de Aveiro, nas condições de circulação interna e ligação ao exterior, naevoluçãodassuasactividadeseconómicasenaafirmaçãodestecentrode mercado e de serviços em relação à região envolvente.

Da população e povoamento

Serve este enquadramento e evolução posterior ao início de Quinhentos, para situar o povoamento local no contexto das transforma-çõesgeográficasoperadasnalinhadecosta.Porpovoamentoentende-se a distribuição dos habitantes no território na sua relação directa com os factores naturais e históricos, o seu estado e actividades.

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Dadas as características do litoral, assumimos como terras de Aveiro o espaço lagunar do baixo Vouga, que de acordo com Galego eDaveau (1986) intensifica-sena áreada laguna, alastrandoapartirdaqui em função dos eixos de circulação litorais e do interior que ser-vem as terras baixas da depressão marginal que ladeia as formações do maciço antigo, atravessadas pelo médio Vouga. Serve de exemplo o eixo de povoamento estabelecido entre a Cidade de Coimbra e as terras daFeira,quesereplicanolitoralatravésdoeixogandarêsconstruídoentre Montemor-o-Velho e Vagos.

Debruçando-se sobre as terras da laguna, o eixo mais densamente povoado estende-se entre Ovar e Vagos, abarcando Esgueira e Aveiro, Arada e Ílhavo. Na sua demarcação interior o sistema de povoamento lagunar abarca outras povoações como Antuã, Angeja e Sousa, herdei-ras de antigos concelhos que a divisão administrativa contemporânea veio a incluir noutros municípios, hoje integrados na Comunidade Intermunicipal da Ria de Aveiro.

Quanto à população de Aveiro no início do século xvi e ao panorama do povoamento à data da realização do “Numeramento de 1527-1532”, – destinado ao levantamento dos “moradores ou vizinhos” residentes nas seis comarcas do Reino – ordenado por D. João III a todos os cor-regedores do Reino (op. cit. 12), importa assinalar os objectivos dessa operação (Rodrigues, 2004)6:

“folgarei de saber quantas cidades vilas e logares ha em vossa cor-reiçom e os nomes deles e asi quantos moradores neles ha…hu espri-vam ira a cada hua das cidades vilas e logares dessa comarca e em cada hu deles escrepvera quantos moradores ha no corpo da cidade ou vila e arrabaldes e quantos no termo declaramdo quantas aldeãs ha no dito termo por seus nomes e quantos moradores ha em cada hua delas e asi quantos vivem fora dela em quintas casaes e erdades.”

O cadastro da população do Reino em todas as suas comarcas, então determinado, vem dar sequência a outros levantamentos rea-lizadosparafinsmilitares:casodoRoldosBesteirosdoConto (em1422) e a outras contagens de âmbito local especialmente para finsfiscais e tributários.Conforme assinala Sousa (1979),muitos destesregistos tinham âmbito local e só parcialmente traduziam os efeitos dos 6 In: http://www.cepese.pt/portal/pt/investigacao/working-papers/populacao-e-prospec-tiva/portugal-nos-seculos-xvi-e-xvii.-vicissitudes-da-dinamica-demografica/Portugal-nos-seculos-xvi-e-xvii-Vicissitudes-da.pdf. 30NOV14

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movimentos naturais da população, sobretudo os causados pela mor-tandade associada a pestes e outrasmaleitas, relatadas nos finais daIdadeMédia.ContudocomaafirmaçãodaIdadeModernaedopoderRégio centralizador dos negócios do Reino, impunha-se um conheci-mento mais exacto da população, nomeadamente das suas reservas para o serviço militar, para as guarnições defensivas e navegações marítimas exigentes em mão de obra e recursos.

De acordo com Daveau (2001, 25)7, o Numeramento em referência veio permitir a “melhoria do conhecimento da distribuição do povoa-mento e da população, bem como das diversas jurisdições, no quadro da rede administrativa existente”. A falta de precisão dos conceitos de mora-dor, vizinho e fogo, usado nos documentos quinhentistas, tem levantado dúvidas sobre o n.º exacto de habitantes referentes a estes levantamentos. Para Ribeiro (1955, 98), a designação de “morador” abrangia os fogos (e os moradores reunidos numa família), as viúvas, bem como os solares e as casas de campo, com os seus escravos e servidores e ainda os conven-tos, com toda a sua clientela. Daí que tenha proposto a relação de quatro a cinco habitantes por fogo, o que daria uma população total entre 1,1 e 1,4 milhões de almas. Usando este critério, a população residente no espaço alargado da Estremadura deveria orçar os 65421 moradores.

Por sua vez assinalam Galego e Daveau (1986, 11), “quando D. João III mandou realizar o conto de todos os moradores do reino, havia já expe-riênciadeoperações semelhantes (…),masafinalidadedesteeramaisvasta pois, além dos aspectos relativos a um eventual recrutamento militar eàhipótesedasintençõesdeordemfiscaletributária(…),estáexplícitoointeressedeconhecerexactamenteoslimitesdostermos,comafinali-dade de se proceder a uma nova delimitação das comarcas ou correições (…), o que veio a acontecer ainda no reinado de D. João III”.

Neste registo, a cidade de Aveiro e a área lagunar está incluída na Comarca da Estremadura, onde se contava a cidade de Coimbra, estendendo-se até à cidade de Lisboa e terras vizinhas e cujos limites orientais seguem a depressão periférica que margina o Maciço Central português, até à Bacia sedimentar do rio Tejo. Nesta extensão do Reino cabiam 128 unidades jurídico-administrativas (num total de 634 cadas-tradasnoReino),assimidentificadas(op.cit.,17):Cidade–2;Vila–121; Concelho – 1; Couto – 1; Julgado – 2; Comenda – 1. 7 Daveau, S. (2001) – “A descrição territorial no numeramento de 1527-1532”. In:

PENÉLOPE: Revista de História e Ciências Sociais, 25, 7-39

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Nota geográfica sobre o povoamento na área de Aveiro ao início de Quinhentos

Comarca Sedes Moradores Estremadura Lisboa 13010 Santarém 1988 Coimbra 1329 Aveiro 894 (…)

Sedes das unidades administrativas com mais de 100 moradores In: Galego e Daveau, 1986, 107

AidentificaçãodasVilas,sedesdeconcelho–ecomotalpovoa-ções mais importantes, “funcionando como núcleo organizador de uma extensa área rural” (op. cit., 20) –, está bem representada na área litoral do futuro distrito de Aveiro a qual regista uma ocupação humana mais próxima da do Noroeste português. Tal acontece por razões históricas do processo de povoamento do solo português depois da Reconquista, da colonização das áreas mais férteis do litoral, da expansão das activi-dades económicas a diversos centros – nomeadamente aos centros por-tuários –, do incremento da circulação entre centros do poder religioso e administrativo com as povoações vizinhas.

AviagemdeJorgeFernandezem1527earecolha dos dados do Numeramento da Estremadura

In: Galego e Daveau, 1986, Mapa IV

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Jorge Arroteia Aveiro e a Expansão Marítima Portuguesa 1400-1800

A par da evolução física do território lagunar anteriormente assi-nalada, o povoamento quinhentista assenta na construção económica e marítima da Vila de Aveiro, da Vila de Esgueira e na construção social das Vilas vizinhas. Contudo este movimento foi afectado por causas naturais ligadas ao movimento da população relacionadas com as pes-tes e a saída da população para a Índia, os Açores e a Madeira, a costa de África e para Espanha, movimentos facilitados pelo comércio ma-rítimo e contactos com o exterior. A estas razões junta-se a “dramática diáspora da comunidade judaica portuguesa provocada pela perseguição religiosa” (Galego e Daveau, 1986, 22).

Estas situações estão plasmadas no cômputo geral de “fogos” mais próximos arrolados na área da laguna e da Vila de Aveiro.

Unidade administ.

Nome Conc.Actual

N.º moradoresactual

(…)V. dEixo Eixo Aveiro 109V.da EngegaV.dEsgeyra Esgueira Aveiro 311V. dIlhovo Ílhavo Ílhavo 130V.dArada Aradas Aveiro 27V.dAveyro Aveiro Aveiro 1460V.da Irmida Ermida Ílhavo 11V. de Çoza Soza Vagos 78V. de Vagos Vagos Vagos 118

Numeramento de 1527 – Comarca da EstremaduraIn: Galego e Daveau, 1986, 96-97

Os dados referidos, se comparados com as muitas referências da época editadas em Gaspar (1986), permitem destacar:

– a evolução crescente da Vila portuária de Aveiro no decurso da época medieva e os privilégios que esta alcançou por parte do poder régio desde o tempo em que o Infante D. Pedro se tornou donatário de Aveiro;

– o contributo para o desenvolvimento local (pesca, comércio ma-rítimo, salinas) recorrente da entrada da Infanta Joana para o Convento de Jesus, em Aveiro (1472) e da estadia da princesa nesta cidade;

– a importância da povoação no início de Quinhentos com a ob-tenção do “foral Manuelino” de 1515, ao tempo da evolução física da

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Nota geográfica sobre o povoamento na área de Aveiro ao início de Quinhentos

barra e do contributo do comércio marítimo e das actividades locais no desenvolvimento da povoação;

–o significado dos dados relativos aosmoradores residentes nasdiferentes circunscrições administrativas à data do Numeramento de 1527 e o padrão de povoamento dominante na área de Aveiro, da sua laguna e nas terras da orla sedimentar litoral.

Remate

Os dados anteriores acentuam a importância de Aveiro como centro de referência e a concentração humana e das actividades económicas or-ganizadoras do espaço ribeirinho, num cenário de agravamento das con-dições físicas, sociais e políticas do Reino, responsáveis pelo declínio da navegação lagunar e do comércio marítimo, pela perda da população e quebra das suas actividades. Realçam ainda o contributo do “complexo histórico-geográfico”naafirmaçãodasactividadeshumanasedospila-res de crescimento (Arroteia, 1998) que suportam a evolução urbana de Aveiro, da sua laguna e região.

Palavras-chave: cartografia histórica, evolução física da ria deAveiro, numeramento da população, povoamento.

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urbano. Aveiro, Universidade de AveiroBastos, M. R. e Dias, J. M. A. (2002) – “Uma representação do litoral

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Jorge Arroteia Aveiro e a Expansão Marítima Portuguesa 1400-1800

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Sousa, FernandoAlberto P. (1979) –A população portuguesa nos iníciosdo século xix. Porto, Faculdade de Letras do Porto (Dissertação deDoutoramento – Policopiada).

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ÍNDICE

Nota de abertura JoséAgostinhoRibauEsteves 7

aMar Aveiro na Expansão MiguelCapãoFilipe 9

Palavras Iniciais LauroArmandoFerreiraMarques 11

O Portugal que foi a Ceuta: certezas e dúvidas LuísMiguelDuarte 17

ECONOMIA E SOCIEDADE

Linhas de força das políticas portuguesas de colonização: os começos – Marrocos e ilhas do Atlântico Norte JoaquimRomeroMagalhães 41

Aveiro na época dos Descobrimentos DelfimBismarckFerreira 61

Aveiro e as suas Gentes na abertura de Quinhentos SaulAntónioGomes 85

428

A navegação na Ria de Aveiro na época moderna: arqueologia subaquática e marcas na paisagem PatríciaCarvalho,JoséBettencourteInêsPintoCoelho 167

O mercado internacional do sal de Aveiro na Época Moderna SaraPintoeInêsAmorim 179

Nota geográfica sobre o povoamento na área de Aveiro ao início de Quinhentos JorgeArroteia 195

A CONSTRUÇÃO DO IMPÉRIO – OS PERSONAGENS

Distinguir, legitimar e defender Portugal segundo o humanista Fernando Oliveira: Notas para uma história das Ideias de Portugal no século xvi JoséEduardoFranco 211

Antónia Rodrigues, uma Aveirense nos Descobrimentos. PaulaDuarte 229

João Afonso de Aveiro – o Homem e a História FranciscoMessiasTrindade 251

A IMPORTÂNCIA DA DOCUMENTAÇÃO E SUA PRESERVAÇÃO NA RELEITURA DA HISTÓRIA

A preservação da memória da cidade através da cartografia antiga NunodaSilvaCosta 271

A CULTURA, A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA

A arqueologia subaquática na Ria de Aveiro: estado da arte FranciscoAlves 283

Rumo ao Mar Oceano: Aveiro na arquitetura e construção naval dos Descobrimentos AntónioVítorCarvalho 305

429

As descobertas arqueológicas na Ria de Aveiro – qual a importância do “Porto de Aveiro” no séc. xiv e xv SérgioDias 325

Aveiro e o Mar Com.JoséRodriguesPereira 339

Dois «retratos» na Aveiro Quatrocentista – O Túmulo de João de Albuquerque, Senhor de Angeja, e o Retrato da Princesa Joana FernandoAntónioBaptistaPereira 353

A viagem das plantas RosaPinho 377

O QUE PERMANECE

Os Descobrimentos Portugueses na primeira historiografia aveirense ManuelFerreiraRodrigues 399