Mares de Sesimbra Nº1

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A Informação que conta UNESCO recusa ARRÁBIDA:

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O Mares de Sesimbra é um novo jornal local, com distribuição pela Internet, devotado a um jornalismo independente, caracterizado também pela actualidade e qualidade, procurando sempre aprofundar as principais notícias, revelando o que se encontra para além da espuma superficial dos acontecimentos.

Transcript of Mares de Sesimbra Nº1

MARES

SESIMBRAde

31 Maio de 2014, Ano 1 , nº 1 Director: João Augusto AldeiaA Informação que conta

A candidatura da Arrábidaa Património da Humanidadefoi chumbada pela UNESCO.Dois relatórios demolidores –um relativo aos bens natu-rais, e outro aos bens cultu-rais – criticam diversosaspectos da candidatura.

Mas, ainda pior do queisso, afirmam que o valor daArrábida nestes dois domíni-os, embora possa ser consi-derado importante a nívellocal ou regional, não temum carácter excepcional glo-bal que permita a sua classi-ficação.

A Associação de Municí-pios da Região de Setúbal,responsável pela candidatu-ra, parece aceitar as conclu-sões da UNESCO. Pág. 4

Vestígios Romanos noTony da Marisqueira

Dia doPescador

As obras de reconstruçãode um edifício do largo deBombaldes – onde funciona-va o Tony da Marisqueira –puseram a descoberto anti-gos pisos em lajes de calcá-rio, de boa construção, numnível inferior ao piso do res-taurante.

O arqueólogo que acom-

panha as obras realizou aliuma pequena escavação,que revelou vestígios de ce-râmicas do período romano.

Entretanto as obras, uminvestimento angolano desti-nado a edificar uma pequenaunidade hoteleira, têm estadoparadas.

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UNESCO recusa ARRÁBIDA:

O Dia do Pescador, 31 deMaio, está a ser celebradocom a entrega de distinçõesa diversos pescadores, coma inauguração de um monu-mento no Moinho de Baixo, eanda com a apresentaçãode pinturas artísticas em di-versas portas de Sesimbra.

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Eleições Europeias:PS vence em Sesimbra

Zonas Costeiras

Desemprego a subirPág. 2

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um murro no estômago da região

2 31 Maio 201 4MARES DE SESIMBRA

Europeias:PS vence em Sesimbra

Em Sesimbra as eleiçõeseuropeias foram ganhas peloPartido Social ista, com 28,3% dos votos, seguindo-se aCDU, com 24,2 %, e depois acoligação PSD-CDS, com1 5,6%. Os dois primeirosultrapassaram o PSD-CDS,que obtivera o primeiro lugarem 2009.

Em quarto lugar colocou-se o MPT, com 7,5% dos vo-tos, um resultado muito supe-rior aos 0,8% de 2009,fenómeno idêntico ao queocorreu a nível nacional, de-vido à popularidade própriado seu candidato, o advoga-do Marinho Pinto.

Ainda em Sesimbra, o BEpassou para 5º lugar, com6,3% dos votos, muito abaixodos 1 5,1 % de 2009.

Comparando estes resul-tados com os nacionais, des-

tacam-se as perdas do BE,que desceu em Sesimbra 8,8pontos percentuais (pp), maisdo que a nível nacional (me-nos 6,2 pp), e da coligaçãoPSD-CDS (menos 9,6 pp),neste caso menores do queno total nacional (menos 1 2,4pp).

A CDU consegue umasubida de votos (mais 2,9 pp)superior à verificada no país,onde aquela coligação subiu2 pontos percentuais.

A percentagem de abs-tenção voltou a ser muitoelevada em Sesimbra(68,7%), maior do que há 5anos (63,6%) e maior do quea nacional (66,1 %). Foi naQuinta do Conde que aabstenção abteve o valormais elevado, tendo atingidoos 70,

Vestigios de cerâmicasdo período Romano foramdescobertos no largo deBombaldes, em Sesimbra,durante as obras de recons-trução do edifício onde funci-onou o conhecido restaurante"Tony da Marisqueira", obri-gando à paragem das obrasaté que seja feita uma ade-quada avaliação da sua im-portância.

A obra estava a ser acom-panhada por um arqueólogo,uma medida obrigatória devi-do ao facto da mesma estarcompreendida na zona deprotecção da Fortaleza deSantiago, o que aconteceapenas numa das extremida-des da área em obras.

A este arqueólogo com-pete acompanhar toda a obra,precisamente para detectareventuais vestígios com inte-resse histórico. Os achadossão levados ao conhecimentoda Direcção-Geral do Patri-mónio Cultural, a quem com-pete, em último lugar, adecisão sobre o andamentoda obra.

Os trabalhos têm estadosparados, apenas se realizan-do algumas sondagens nosubsolo à procura de maisvestígios.

As referidas descobertasarqueológicas não colocarãoem causa a continuação dasobras, que será retomadamais tarde ou mais cedo. Oatraso, contudo, já não impe-dirá que os trabalhos se pro-longuem para o Verão, com

os inconvenientes que se po-dem adivinhar.

Sesimbra Romana

Não são estes os primei-ros vestígios romanos na vilade Sesimbra; as obras reali-zadas há alguns anos naavenida da Liberdade, próxi-mo da Fortaleza de Santiago,puseram a descoberto algu-mas cerâmicas e "cetárias",ou tanques para preparaçãode pasta de peixe: o afamado"garum", tão apreciado emRoma.

Vestigios de fábricas parapreparação de "garum" têmsido descobertas em deze-nas de locais dos estuáriosdo Tejo e do Sado. Nesta últi-ma cidade, existem numero-sas destas cetárias nosubsolo da Praça do Bocage.

Em meados do séculoXX, quando se realizaramobras do restaurante Mateus,no largo da Fortaleza, tam-bém foram postos a desco-berto vários tanques.

Nessa altura, como domi-nava ainda a ideia de queSesimbra "nascera" no morrodo Castelo e que só mais re-centemente passara para abeira-mar, esses tanques fo-ram classificados como "sal-gadeiras", e esquecidos.

Provavelmente, serãotambém vestígios da Sesim-bra romana, algo que traba-lhos arqueológicos futurospoderão comprovar.

Bloco em quedamaior do que a nível nacional

Votação no concelho de Sesimbra

201 4 2009 diferençaPartidos em pontos

votos % votos % votos percentuais

PS 3.701 28,3% 24,1 % 4,2

CDU 3.1 63 24,2% 21 ,3% 2,9

PSD-CDS 2.038 1 5,6% 25,2% -9,6

MPT 977 7,5% 0,8% 6,7

BE 828 6,3% 1 5,1 % -8,8

PAN 385 2,0% -- --

Livre 338 2,6% -- --

PCTP/MRPP 278 2,1 % 1 ,6% 0,5

PNR 92 0,7% 0,5% 0,2

PTP 72 0,6% -- --

MAS 66 0,5% -- --

PPM 62 0,5% 0,3% 0,1

PND 61 0,5% -- --

PPV 56 0,4% -- --

PDA 1 8 0,1 % -- --

POUS 8 0,1 % 0,1 % -0,1

BRANCOS 461 3,5% 5,7% -1 ,6

NULOS 461 3,5% 2,7% 0,8

ABST. 28.630 68,7% 63,6% 5,1

Vestígios romanosno Tony da Marisqueira

1 .000

500

0

1 .500

2.000

2.500

3.000

DesempregoO desemprego em Se-

simbra voltou a subir no mêsde Abri l depois de ter desci-do durante Fevereiro e Mar-ço. Segundo dados do IEFP,o número de desempregadosregistado era de 2.328.

Mais de metade destesdesempregados (51 ,2%) per-tencia ao escalão etário dos35 aos 54 anos. Em termosde escolaridade, o maior pe-so é do ensino secundário,que representa 28,7%.

201 0 201 3201 22011 201 4

331 Maio 201 4 MARES DE SESIMBRA

Sesimbra acolheu emMaio uma importante confe-rência sobre zonas costeirase estuarinas, organizada pelaEstuarine & Coastal SciencesAssociation.

Ao longo de seis dias,250 investigadores debate-ram temas tão diversos comoa ecologia a biologia de pei-xes, de algas ou do fitoplânc-ton, as consequências dasalterações climáticas ou acontaminação das águas,entre muitos outros.

Apesar de se terem abor-dado temas científicos muitoespecial izados, outros houveque mais próximos dos pro-blemas que se colocam à vi-

da diária das comunidades,tais como a gestão de ecos-sistemas, o papel do domíniopúblico marítimo na protec-ção das zonas costeiras, aaquacultura offshore, a legis-lação marítima e a governan-ça das zonas costeiras. Sãotambém problemas com queSesimbra se debate no pre-sente, no entanto, para alémdo apoio logístico prestadopela Câmara, não houve par-ticipação da comunidade lo-cal nos trabalhos daConferência.

Um dos dias foi integral-mente dedicado à gestão eciência aplicada à gestão:segundo Henrique Cabral,

res-ponsável, do lado por-tuguês, pela organizaçãodeste congresso, foram ap-resentadas propostas "quemostram o desfasamentoentre a ciência e a gestão,pois apenas uma pequenaparte do conhecimentocientífico é uti l izada pelos

decisores políticos". Segundoo investigador, a responsabil-idade por este facto deve serparti lhada: "Os cientistas nãoconseguem muitas vezesaproximar-se dos administra-dores e estes, muitas vezes,não procuram a informaçãocientífica disponível".

Zonas costeirasem debate em Sesimbra

Henrique Cabral é jábem conhecido em Sesim-bra. Logo após a constitui-ção do Parque MarinhoLuiz Saldanha, em 2005,foi ele quem conduziu umestudo, encomendado pelaCâmara Municipal, acercado impacto do parque so-bre a pequena pesca local– estudo que, infel izmente,não teve continuidade.

O investigador consi-derou que o número deinscrições no congressosuperou as espectativas:“Estávamos a contar commenos de 200 participan-tes, e tivemos 250, de 40países diferentes, colocan-do-nos problemas logísti-cos, que a CâmaraMunicipal conseguiu resol-ver muito bem”.

Outro aspecto positivoo envolvimento de estu-dantes, bem como de no-mes muito conceituadosno domínio da investiga-ção científica

Aproveitámos para pe-dir a Henrique Cabral umponto de situação sobre o

Parque Marinho Luiz Sal-danha. “As equipas quetem acompanhado o par-que marinho, têm publica-do artigos recentes quemostram um aumento dabiomassa de peixe, do nú-mero e peso do peixe nazona que está mais prote-gida, o que pode ter umefeito benéfico para a pes-ca, porque esses peixespodem alastrar para outraszonas e reforçar as captu-ras da pesca”, disse o in-vestigador, acrescentandono entanto que “são ne-cessárias bases de dadolongas, mas o processo deinvestigação foi interrompi-do."

"No nosso país é muitodifíci l manter programasde investigação a longoprazo. O financiamento àinvestigação tem ciclos de3 a 4 anos, depois acabamos projectos e não há con-tinuidade, o que é um pro-blema grave. E istocontrasta com outros paí-ses, que têm planos delongo prazo”.

MARE ­ Ciências do Mar e AmbienteHenrique Cabral des-

tacou a criação recente deum novo centro de investi-gação, o MARE:

“Resulta da fusão dealgumas unidades de in-vestigação anteriores, epassará a ser, em Portu-gal, o maior centro de in-vestigação ligado ao mar.

Tem uma perspectiva umpouco diferente, pois esta-rá muito virado para osproblemas da sociedade:os problemas da pesca, daaquacultura, do bem-estardas populações ribeiri-nhas, serão temas de pri-meira l inha na nossainvestigação”.

Lauren McWhinnie, joveminvestigadora inglesa, mani-festou satisfação pelo modo

Bruno Fragoso, da Uni-versidade do Algarve, trouxea Sesimbra uma apresenta-

Vera Semeoshenkova, daRússia, está a fazer o douto-ramento em gestão costeira

como decorreu o congresso:“Há grande diversidade depessoas e de países, commuito bons estudos, deba-tendo como é que podere-mos integrar política eciência.” Admite que o diálo-go entre investigadores e de-cisores políticos é difíci l :“Como biólogos, temos deadaptar a nossa linguagempara sermos melhor compre-endidos e conseguirmos ummelhor envolvimento no pro-cesso de decisão politica.”

ção sobre aquaculturaoffshore. Sobre esta activida-de em Portugal, reconheceuque existem algunsexemplos, mas que ainda es-tá no princípio. Entre os prin-cipais problemas colocadospor esta actividade, referiuos volumes de algas tóxicas,“Por causa do risco de con-sumo, e não tanto por colo-car em perigo a produção”.

Considerou Sesimbra“Um sitio interessante, a co-mida é óptima.”

marítima, e especificamentesobre a gestão das praias.Na Rússia o problema não étanto a pressão urbana, massim o crescimento exageradode espécies exóticas, ou eu-trofização: “temos muitas in-dústrias, e o problema são asdescargas que fazem."

Sobre Sesimbra, confes-sou: “ Oh! Gosto de Sesim-bra, não me quero ir embora!Gosto especialmente da co-mida e do peixe, é um lugarmaravilhoso!"

4 31 Maio 201 4MARES DE SESIMBRA

Sítios classificados pela UNESCOem PortugalPaisagem cultural de Sintra

Região Vinhateira do Alto Douro

Centros Históricos do Porto, Guimarães e ÉvoraConvento de Cristo, em Tomar

Torre de Belém e Mosteiros dos Jerónimos,

Batalha e Alcobaça

Universidade de Coimbra

UNESCO chumbacandidatura da Arrábida

Um a um, a UNESCO fezcair os argumentos apresen-tados sobre o valor excepci-onal da Arrábida. Tanto osvalores naturais (como asplantas endémicas, ou osvestígios “únicos” da forma-ção geológica, ou das flores-tas mediterrânicas) como aherança cultural, são relativi-zados, afirmando a UNESCOque existem outros locais doMediterrâneo que possuemmaior diversidade e original i-dade, quando não são mes-mo postos em dúvida.

Críticas como a da faltade coordenação entre insti-tuições e de coerência entrediversos instrumentos deplaneamento, ou a ausênciade um plano de gestãoabrangente para a área ob-jecto da candidatura, juntam-se a constatações sobre da-nos irreparáveis provocadospelas pedreiras e pela cons-trução e urbanização queenvolve a Arrábida.

Nem o Queijo de Azeitão– uma “importação” doutraregião no século XIX – nema colónia de golfinhos do Sa-do, convenceram a UNES-CO, que afirma que, nestecaso, são mais os barcospara a sua observação doque os próprios golfinhos.

No caso de Sesimbra,são referidas como elemen-tos negativos, as pedreirasda Achada/Risco, e as grutasdo Zambujal, parcialmentedestruídas por vandalismo epela pedreira ainda em labo-ração.

Oportunidade de re-flexão ?

A dupla análise demoli-dora – falta de qualidade dacandidatura, e falta de ex-

cepcionalidade dos valoresapresentados, bem como aexistência de inúmeras ame-aças e inconsistências nagestão deste território – po-deria ser uma oportunidade

de reflexão para a comunida-de, seja para contestar algu-mas das afirmações daUNESCO, seja para reflectirsobre aquelas em que en-contra fundamento.

A própria UNESCO reco-nhece que um dos aspectospositivos da candidatura foi ode ter proporcionado o diálo-go entre entidades que habi-tualmente não dialogam. Mas

nem isto parece assegurado:a Associação de Municípiosda Região de Setúbal(AMRS) já retirou da sua pá-gina os dossiê da candidatu-ra e parece reconhecer –sem qualquer tentativa deaprofundar o debate – que aUNESCO tem razão.

Para quem se habitou aouvir falar da Arrábida comocontendo características úni-cas a nível mundial, não de-ve ser fácil digerir asconclusões da UNESCO.

Mas este “murro no estô-

mago” poderia servir para umexercício de humildade e dereflexão sobre aquilo que épossível corrigir, e sobre omodo de o fazer – nomeada-mente quanto às falhas deplaneamento e gestão territo-rial .

Primeiro devagar,depois à pressa

A Associação de Municí-pios da Região de Setúbalapresentou a candidatura daArrábida a Património Mundi-al da UNESCO no início de201 3, embora a ideia originaltenha surgido em 2001 , numartigo de Pedro Ataz publica-do no jornal digital Setúbal naRede. Na fase final ainda foipreciso acelerar o processo,sob pena de uma nova opor-tunidade de candidatura ape-nas surgir daqui a um par deanos: muito tempo perdidopara uma corrida desenfrea-da no final.

Inicialmente pensou-seem candidatar apenas acomponente natural da Ser-ra, mas depois foi decidido

candidatar também a compo-nente cultural, uma decisãológica, já que a Arrábida ac-tual resulta da transformaçãoda paisagem natural pela ac-tividade humana.

Quer a componente natu-ral, quer a humana (ou cultu-ral) da Arrábida são únicas,mas a sua paisagem estáhoje muito “contaminada” oumesmo “destruída”, no quetinha de original, pela “mo-dernidade” do crescimentourbano e do turismo, e poragressões visuais como asdas gigantescas crateras daspedreiras de calcário, quealimentaram a política do“betão” das últimas décadas.Além disso, as actividadestradicionais – com excepçãoda pesca – estão hoje prati-camente abandonadas.

E foi isso mesmo que aUNESCO constatou. Apre-sentaram-lhe o queijo deAzeitão como uma das nos-sas original idades, mas de-pois comprovou que aagricultura e o pastoreio tra-dicionais já não existem naArrábida. Apresentaram-lhe

Procissão de Nossa Senhora d'el Carmen, nas Pedreiras. A UNESCO considerou que asmanifestações rel igiosas da Arrábida são idênticas a muitas outras da zona mediterrânica.

531 Maio 201 4 MARES DE SESIMBRA

Do relatório da ICOMOS

«As areas afectadas pelas pedreiras e pelo desenvolvi-mento urbano (não incluídas na candidatura, mas numa “zonatampão”) não só afectam negativamente a integridade visualda Arrábida, como as actuais tendências económicas e soci-ais já não permitem sustentar os processos tradicionais queformaram a especificidade do bem.

«Os argumentos relativos aos aspectos culturais não fo-ram demonstrados, sendo pouco substanciais e genéricos.

«Um ponto forte é o envolvimento das comunidades lo-cais, bem como a extensiva participação das autoridades po-líticas locais, mas faltam um compromisso político de longoprazo e estratégias claras.

«Muitas das justificações apresentadas poderiam aplicar-se a vários sítios do Mediterrâneo e não parecem ser especí-ficas da Arrábida.

«O mosaico da paisagem cultural não foi descrito ou ca-racterizado em relação aos processos históricos e culturaisque ocorreram na região.

«O Turismo também ameaça a Arrábida, e a candidaturanão aborda especificamente o Turismo, nem indica medidaspara l idar com a possíveis consequências negativas da pres-são turística associada à pressão construtiva.

«Nas áreas edificadas, a reabil itação parece problemática,ou mesmo improvável.

«Não se apresentam argumentos que demonstrem que aArrábida possa ser considerado como um exemplo único ouexcepcionalmente representativo de uma propriedade em queaspectos naturais e culturais constituem um todo coerente.

«O queijo de Azeitão resulta de uma importação de outraregião de Portugal, durante século XIX, por isso parece sermuito recente para ser considerada como distintiva da Arrábi-da.

«Outras características imateriais, e em particular as ma-nifestações rel igiosas, apresentam simil itudes com expres-sões análogas presentes em todo o Mediterrânio.

«Um depósito de inertes no Zambujal foi l icenciado em201 0, com um período de uti l ização previsto para 1 6 anos.

«Os instrumentos de planeamento municipal não foramcapazes de impedir o desenvolvimento de aglomerações ur-banas densas; os instrumentos legais de protecção estão fo-cados principalmente nos valores naturais, numa baseindividual, e não são suficientes para precaver os efeitos ne-gativos das pressões urbanísticas.

Do relatório da IUCN

«Os valores cársicos da Arrábida não se comparam comoutros da lista do Património Mundial, apesar da notável Gru-ta do Frade. A gruta do Zambujal encontra-se danificada porvandalismo e impactos indirectos das pedreiras.

«O Monumento Natural da Pedra da Mua já fez parte du-ma candidatura apresentada por Portugal e Espanha, em2009, para a qual se recomendou também a não inscrição.

«Vários peritos contestaram a raridade da brecha da Ar-rábida, e muitos dos depósitos desapareceram devido a ex-tração.

«Vários peritos contestaram que a Arrábida seja o únicotroço da costa Atlântica que mantém vestígios do encerra-mento do Mar de Tétis e subsequente formação do Mar Me-diterrâneo.

«Os golfinhos do Sado estão debaixo de forte pressão,quer de contaminação, quer do turismo. É maior o número debarcos de observação do que o de golfinhos.

«A Arrábida não preenche os requisitos de protecção, de-vido às complexidades legais e institucionais, e à falta de umquadro protector global.

certas paisagens como “úni-cas” – por exemplo, a “vistada Calhariz para a Quintad’el Carmen” ou a “Falésia eTerras do Risco”, mas nãofoi possível esconder que to-da a serra se encontra rode-ada de uma intensa rede deestradas, e ameaçada pelapressão urbanística e activi-dades industriais.

A ilusão das “zonastampão”

A candidatura pensou ul-trapassar estas “chagas”com a limitação da zona acandidatar, colocando as zo-nas problemáticas – comoas pedreiras ou a cimenteiraCECIL - numa área de zonas“tampão”, para que não pu-dessem servir como factorel iminatório. Mas foi pura ilu-são. As “zonas tampão”, ou“de protecção”, deveriamservir para conter ou l imitaras ameaças ao núcleo ex-cepcional, e não é isso queacontece: a fábrica e as pe-dreiras continuam em labo-ração, uma manutenção dasameaças.

Além disso, com partesdo Parque Natural da Arrábi-da colocadas em zonas tam-pão, e outras zonas de forado Parque colocadas dentroda área a candidatar, criou-se aumentou-se a complexi-dade da zona candidata, doponto de vista da gestão pú-bl ica: quem, e como, faria agestão futura desta zona?Não havia resposta, nem pla-no de gestão, nem estruturascriadas, nem financiamentoassegurado – e este foi outrodos pontos que pesou negati-vamente na apreciação daUNESCO.

Ausência deexcepcionalidade?

Um dos problemas destascandidaturas é que a UNES-CO coloca a fasquia bem al-ta. Mas é precisamente porisso que a classificação co-mo Património Mundial é umprémio tão apetecido. Certa-mente ninguém ignoraria queuma vegetação e uma culturasemelhante à nossa se de-senvolveu por todo o Medi-terrânio. Sabe-se que a

vegetação da Arrábida é me-diterrânica, que a nossa gas-tronomia é mediterrânica,que no nosso passado lon-gínquo e histórico houve tro-cas culturais e comerciaiscom o Mediterrâneo – a pro-va-lo, os vestígios Fenícios eRomanos que têm sido des-cobertos, nas últimas déca-das, em toda a Arrábida ezonas envolventes.

Mas cada sítio não é eleúnico, à sua maneira? Certa-mente que sim, só que aclassificação da UNESCOexige que essa especificida-de seja claramente demons-trada, baseada emfundamentação científica, etambém que seja salvaguar-dada a defesa do bem quese pretende classificar, atra-vés de instrumentos legaisde protecção, de instituiçõesque os apliquem, de activida-des económicas que não oscoloquem em causa.

No caso da Arrábida, umadas frases mais frequentesdos relatórios da UNESCOsão: “não foi provado”, “nãofoi documentado”, “há peritosque colocam dúvidas”, etc.Parte desta falha deve-se à

ausência de estudos publica-dos sobre muita da nossa re-al idade natural, paisagística ,histórica e cultural. Quemtrabalhou na candidatura te-ve de se defrontar com estal imitação.Sem um debate transparentee aprofundado, uma dúvidaque poderá ficar no ar é pre-cisamente esta: feito essetrabalho, demorado e minuci-oso, de caracterização danossa realidade natural ecultural, provar-se-á a faltade excepcionalidade da Arrá-bida, ou não?

Algumas das conclusões da UNESCO

Li com toda a atenção anotícia que vai ser publicadasobre este assunto da Can-didatura da Arrábida. Por ou-tro lado, voltei a ler os doisrelatórios da IUCN e ICO-MOS que foram produzidosno âmbito da avaliação dacandidatura, e voltei a confir-mar o que tinha sentido apósuma primeira leitura, "na dia-gonal", destes documentos:são ambos muito críticos,para não dizer arrasadoresda candidatura apresentadapela AMRS! Os aspectosprincipais estão muito bemsintetizados na notícia.

Na verdade, uti l izandolinguagem futebolística, foiuma goleada de 6 a 0! ! Nemum dos 6 critérios (4 naturaise 2 culturais) invocados nacandidatura para justificar aclassificação da Arrábida co-mo Património Mundial foiconsiderado pelos avaliado-res como tendo sido atingidoou cumprido! Para além dis-to, em ambos os relatóriosde avaliação, é dada especi-al ênfase às ameaças quepairam sobre a área a classi-ficar, nomeadamente nas re-

A retirada da candidaturada Arrábida a património na-tural terá deixado muitas pes-soas surpresas. Não meincluo nesse número. Sem terconhecimento aprofundadodos alicerces da candidatura,pelos materiais de divulgaçãocom que fui contactando epor algumas conversas e in-tervenções de alguns dosresponsáveis técnicos doprojecto fui-me apercebendode várias das suas fragil ida-des. Tinha, além disso, a per-cepção de que só umaproposta sabiamente estrutu-rada poderia conseguir a ins-crição da serra e do seupatrimónio na lista do Patri-mónio Mundial. Mesmo que asua excepcionalidade fossereconhecida, era quase im-possível não ser, desde logo,integrada na “l ista negra” doPatrimónio da Humanidadeameaçado.

Não tenho conhecimentoscientíficos para me debruçarsobre a componente naturalda candidatura. A investiga-ção que venho desenvolven-do sobre a cultura espiritual emonumental da Arrábida per-mite-me contudo concordarcom quase todas as afirma-ções constantes do relatórioemanado do ICOMOS (que,na prática, ditou a sentençade morte desta candidatura).

Não se podem apagar asameaças que estão a sufocara Arrábida e a sua cultura: aindústria turística, a pressãourbanística, a actividade daspedreiras e da cimenteira.Concordo que não há qual-quer excepcionalidade no to-pónimo “Arrábida”, nem norito dos círios, nem no fabricodo vinho e do queijo, nemnas técnicas de pesca. Tam-bém não concordo com os li-mites do território posto aconcurso e, sobretudo, vergo-

giões l imites e envolventepróxima: a existência de áre-as industriais, pedreiras e acimenteira, com enorme im-pacte (irreversível) na paisa-gem, excessiva urbanizaçãoe com deficiente planeamen-to, pressões turísticas dema-siado elevadas e poucocontroladas, com destaquepara Sesimbra.

Surpresa? Confesso quenão fiquei surpreendido. Nu-ma das raras ocasiões (ain-da em 2009, no início desteprocesso) em que pude tro-car opiniões directamentecom os técnicos da AMRSque coordenaram o processoabordei estes problemas, emespecial os relacionadoscom a pressão turística e daconstrução e senti uma rela-tiva indiferença. . . na altura fi-quei com sensação de queera um "não assunto".

Quanto aos critérios nãomerecerem o reconhecimen-to de um valor patrimonialúnico e mundial, mas apenaslocal / regional, é necessáriofazer alguma reflexão e as-sumir alguma humildade. Éfrequente a sensação (muitoportuguesa?) de que possuí-mos tudo o que há de melhorno mundo – temos os melho-res vinhos, as melhores prai-as, a melhor gastronomia, osmelhores futebolistas (aqui,talvez, com razão), as me-lhores paisagens, etc. , etc.De facto, é capaz de não serbem assim. . .

Apesar do tom crítico dosrelatórios, destaco um co-mentário final um deles (daIUCN): ". . . encorajam-se es-forços continuados para agestão da Península no seutodo de uma forma integra-da". Vale a pena pensar nis-to, seriamente.

me à evidência do organismointernacional: houve uma ex-cessiva focalização em bensindividuais, sem se funda-mentar adequadamente asua relação com a paisagem,o povoamento e a sua cultu-ra.

Como bem viu OrlandoRibeiro, a Arrábida é um sis-tema geográfico de que nãose podem retirar a natureza,a ocupação urbanística e ar-quitectónica do território,bem como o povoamentodesde há milhares de anos,como toda a cultura tradicio-nal e erudita aí desenvolvidae em desenvolvimento. A ex-cepcionalidade da Arrábidareside no entrançar de todasestas dimensões: território ea toponímia antiga que o ex-prime; povoamento e sua re-lação com a natureza;espiritual idade e suas ex-pressões lendárias, arquitec-tónicas, rituais e l iterárias. Éum excepcionalidade sisté-mica, não individual, quepermitirá considerar estaparcela de Portugal como“paisagem cultural da huma-nidade”.

Vale a pena retomar acandidatura nestes pres-supostos. E, ao mesmotempo, propor com audácia ecoragem política estratégiaseficazes que resolvam deuma vez por todas, ou pelomenos minimizem os seusefeitos, os câncros queafectam a região em apreço:a urbanização inconsciente edesregrada; o turismo mas-sificado e industrial ; a explor-ação e destruição daestrutura geológica da serrapelas pedreiras que a vãocomendo e deixando feridasquase insanáveis.

Seremos capazes? Cer-tamente que sim.

Opinião

Paulo SáCaetano

6 31 Maio 201 4MARES DE SESIMBRA

Ruy Ventura

731 Maio 201 4 MARES DE SESIMBRA

A Câmara Municipal deSesimbra volta a comemoraro Dia do Pescador – 31 deMaio – com uma série de ini-ciativas, cujo ponto alto é aentrega de distinções aos

O Mares de Sesimbra éum novo jornal local, comdistribuição pela Internet,devotado a um jornalismoindependente, caracteriza-do também pela actual ida-de e qualidade, procurandosempre aprofundar as prin-cipais notícias, revelando oque se encontra para alémda espuma superficial dosacontecimentos.

Embora não contandocom colunas regulares deopinião, o Mares de Sesim-bra procurará completar onoticiário mais relevantecom a opinião de quemconhece os assuntos trata-dos.

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O “chumbo” da candida-tura da Arrábida a Patrimó-nio Mundial deveria seruma oportunidade para queas comunidades desta “Pe-nínsula da Arrábida” reavali-assem a imagem quefazem do seu próprio terri-tório e das suas práticasculturais, resistindo à tenta-ção de reduzir os valoresessenciais a miríficos “pro-dutos turísticos”. Até estemomento, poucas são asreacções locais conhecidas.

Há um “sebastianismo”pós-moderno que sonhacom hordas de turistas apalmilhar os caminhos da

serra, a deambular pelosareais ou a mergulhar nassalsas águas, a fotografaras igrejas e procissões e aesvaziar o prato em restau-rantes e tascas – e que ar-risca descaracterizar osvalores imateriais, depoisde ter destruído grande par-te da paisagem. Turistassão visitas. Como tal, sãobem-vindos, com a salva-guarda de que se tivermosa nossa casa sempre cheiade estranhos e a toda a ho-ra, a nossa própria vida sepode transformar num infer-no. É a UNESCO que o diz:“um acréscimo do turismopode causar a invasão dazona candidata, com impac-to directo nos valores paisa-gísticos através do usointensivo das áreas costei-ras e desenvolvimento des-controlado de actividadesao ar l ivre.”

Uma das medidas apon-tadas na candidatura era aavaliação das “capacidadesde carga”, ou seja, da quan-tidade máxima de “visitasturísticas” que se podemadmitir sem prejuízo para asua ecologia – esperemosque, independentemente dacandidatura, tal objectivo seconcretize em breve, paratoda a Arrábida – incluindoSesimbra.

João Augusto Aldeia

Dia do Pescador

EditorialTraineiras:

Princesa de SesimbraPesca longínqua:

ParmaPesca peixe-espada preto:

Jóia da CoroaPesca polivalente e costeira:

Armindo JoséPesca polivalente local com convés:

DulcemarPesca polivalente local sem convés:

Fina FlorPesca da toneira e palangre:

KikasPescador há mais tempo em actividade:

José Alberto Gaspar Garrau

Do programa das come-morações faz também partea inauguração de um monu-mento de homenagem à artechávega, na praia do Moinhode Baixo, e uma visita à em-presa local DOCAMARINHA,no Zambujal.

Outra "inauguração" des-te dia serão uma série depinturas feitas em portas davila de Sesimbra por artistasseleccionados através de umconcurso.

Algumas dessas portaslocalizam-se em edifíciosabandonados, como é o ca-

MARES DE SESIMBRA - publicação electrónica

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Edição em software l ivre:

paginação: SCRIBUS

edição de imagem: GIMP

A presente edição segue as normas anteriores ao AcordoOrtográfico actualmente ainda em fase de aprovaçãopelos diversos países de lingua oficial portuguesa

barcos que mais pescaramem diversas categorias, bemcomo ao pescador há maistempo em actividade. É a se-guinte a l ista dos distinguidosdeste ano:

so do antigo Ribamar (duasportas viradas para o largodo Grémio e outra para a ruaCândido dos Reis), ou emedifícios da Câmara: edifícioda rua Aníbal Esmeriz e nomercado do peixe (fotografiade baixo, com a pintura aindainacabada).

As pinturas estavam su-jeitas a um "mote": o slogan"Sesimbra é peixe", que aCâmara lançou no ano pas-sado com o objectivo de au-mentar a notoriedade deSesimbra em termos turísti-cos.