Post on 07-Jan-2017
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
UM ESTUDO DOS ASPECTOS DISTRIBUTIVOS DA PREVIDNCIA SOCIAL NO BRASIL
Lus Eduardo Afonso
Orientador: Prof. Dr. Reynaldo Fernandes
So Paulo 2003
Reitor da Universidade de So Paulo Prof. Dr. Adolpho Jos Melfi
Diretora da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade Profa. Dra. Maria Tereza Leme Fleury
Chefe do Departamento de Economia Profa. Dra. Elizabeth Maria Mercier Querido Farina
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
UM ESTUDO DOS ASPECTOS DISTRIBUTIVOS DA PREVIDNCIA SOCIAL NO BRASIL
Lus Eduardo Afonso
Orientador: Prof. Dr. Reynaldo Fernandes
Tese apresentada ao Departamento de Economia da Universidade de So Paulo para obteno
do ttulo de Doutor em Economia
FICHA CATALOGRFICA
Afonso, Lus Eduardo Um estudo dos aspectos distributivos da previdncia social no Brasil / Lus Eduardo Afonso. -- So Paulo : FEA/USP, 2003. 124 p. Tese - Doutorado Bibliografia
1. Previdncia social Brasil 2. Economia I. Facul- dade de Economia, Administrao e Contabilidade da USP.
CDD 368.4
i
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Reynaldo Fernandes, cuja orientao foi vital execuo e
concluso deste trabalho. Desde a sugesto do tema, seu direcionamento foi
fundamental para que fossem encontrados os rumos adequados a esta tese.
Aos professores Eduardo Amaral Haddad e Narcio Aquino Menezes Filho, por
todas as oportunidade propiciadas ao longo do curso.
Aos professores Paulo Picchetti e Hlio Zylberstajn, pelos comentrios e
sugestes feitas no exame de qualificao.
Aos velhos amigos do tradicional almoo das quintas-feiras: Antonio Carlos de
Almeida Pinto, Artur Ferreira Pinto, Eduardo Wongtschowski, Luis Srgio Borges da
Rocha Mattos e Roberto Campos. Flvia Pesqueira Mendona, Gilberto Sato e
Nelson Kiyoshi Hashitani tm sido grandes amigos.
Frederico Araujo Turolla, Joana Agata Mobarah e Maria Antonieta Del Tedesco
Lins, velhos companheiros da FGV, merecem uma lembrana mais do que especial.
Slvio Yoshiro Mizuguchi Miyazaki teve a pacincia de ler alguns captulos.
Aos colegas do curso de doutorado. Adriana Schor, Lgia Maria de Vasconcellos
e Marislei Nishijima, com quem tive a oportunidade de conviver e com quem muito
aprendi. Eduardo Luiz Machado deu uma grande ajuda, dispondo-se a ler uma verso
preliminar e indicando vrios pontos que poderiam ser melhorados. Edson Paulo
Domingues merece ser lembrado tambm.
Mario Antonio Margarido colaborou bastante. Andressa Guimares Rego deu
uma importante ajuda com as atividades docentes cotidianas. Meus chefes, Jos
Francisco Vinci de Moraes e Orlando Assuno Fernandes, possibilitaram a reduo
da minha carga didtica durante o perodo de concluso da tese.
Aos meus pais, Jos Mauro e Lenira e ao meu irmo Jos Mauro (que mais uma
vez revisou com enorme cuidado as vrias verses deste texto), que me apoiaram em
todos os momentos.
ii
SUMRIO INTRODUO ....................................................................................................... 01 CAPTULO 1 Um breve histrico da previdncia social no Brasil ................. 04
1.1) Introduo ................................................................................................... 04 1.2) Primrdios do sistema previdencirio: das primeiras organizaes ao
incio da interveno governamental em 1930 ........................................... 06 1.3) Perodo 1930-1945: consolidao da interferncia governamental e
criao dos IAPs ......................................................................................... 10 1.4) Perodo 1945-1966: o caminho rumo unificao ..................................... 14 1.5) Perodo 1966-1988: unificao, expanso e crise....................................... 17 1.6) Perodo 1988-1999: universalizao e reforma; um processo inconcluso.. 24 1.7) Consideraes finais ................................................................................... 30
CAPTULO 2 Aspectos conceituais e resenha dos trabalhos empricos ......... 31
2.1) Aspectos conceituais................................................................................... 31 2.2) Trabalhos empricos: EUA ......................................................................... 36
2.2.1) A primeira gerao: 1977-1995 ...................................................... 36 2.2.2) A segunda gerao: 1995-2003....................................................... 45
2.3) Outros pases............................................................................................... 54 2.4) Consideraes finais ................................................................................... 60
CAPTULO 3 Construo do banco de dados: perodo 1976-1999 ................. 61
3.1) Introduo ................................................................................................... 61 3.2) Diviso por grupos...................................................................................... 63
3.2.1) Caractersticas comuns.................................................................... 63 3.2.2) Contribuies e vnculo profissional .............................................. 64
3.3) Dados empregados: caractersticas e limitaes......................................... 66 3.4) Metodologia de clculo de contribuies e benefcios ............................... 68 3.5) Mudanas na legislao previdenciria no perodo 1976-1999.................. 74 3.6) Descrio dos dados.................................................................................... 82
CAPTULO 4 Clculo das taxas internas de retorno ....................................... 89
4.1) Introduo ................................................................................................... 89 4.2) Procedimento economtrico........................................................................ 89 4.3) Resultados ................................................................................................... 92 4.4) Concluses ................................................................................................ 107
Bibliografia ............................................................................................................ 112
iii
LISTA DE GRFICOS
Grfico 3.1.......................................................................................................... 84 Grfico 3.2.......................................................................................................... 84 Grfico 3.3.......................................................................................................... 87 Grfico 3.4.......................................................................................................... 87 Grfico 4.1.......................................................................................................... 94 Grfico 4.2.......................................................................................................... 94 Grfico 4.3.......................................................................................................... 95 Grfico 4.4.......................................................................................................... 95 Grfico 4.5........................................................................................................ 101 Grfico 4.6........................................................................................................ 102 Grfico 4.7........................................................................................................ 102 Grfico 4.8........................................................................................................ 103 Grfico 4.9........................................................................................................ 103 Grfico 4.10...................................................................................................... 104 Grfico 4.11...................................................................................................... 104
iv
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.1 ........................................................................................................... 08 Tabela 1.2 ........................................................................................................... 15 Tabela 1.3 ........................................................................................................... 27 Tabela 1.4 ........................................................................................................... 27 Tabela 2.1 ........................................................................................................... 38 Tabela 2.2 ........................................................................................................... 41 Tabela 2.3 ........................................................................................................... 42 Tabela 2.4 ........................................................................................................... 43 Tabela 2.5 ........................................................................................................... 45 Tabela 2.6 ........................................................................................................... 46 Tabela 2.7 ........................................................................................................... 47 Tabela 2.8 .......................................................................................................... 48 Tabela 2.9 .......................................................................................................... 50 Tabela 2.10 ......................................................................................................... 51 Tabela 2.11 ......................................................................................................... 52 Tabela 2.12 ......................................................................................................... 53 Tabela 2.13 ......................................................................................................... 55 Tabela 2.14 ......................................................................................................... 56 Tabela 2.15 ......................................................................................................... 56 Tabela 2.16 ......................................................................................................... 57 Tabela 2.17 ......................................................................................................... 58 Tabela 3.1 ........................................................................................................... 75 Tabela 3.2 ........................................................................................................... 76 Tabela 3.3 ........................................................................................................... 77
v
Tabela 3.4 ........................................................................................................... 78 Tabela 3.5 ........................................................................................................... 78 Tabela 3.6 ........................................................................................................... 79 Tabela 3.7 ........................................................................................................... 79 Tabela 3.8 ........................................................................................................... 80 Tabela 3.9 ........................................................................................................... 80 Tabela 3.10 ......................................................................................................... 80 Tabela 3.11 ......................................................................................................... 81 Tabela 3.12 ......................................................................................................... 81 Tabela 3.13 ......................................................................................................... 81 Tabela 3.14 ......................................................................................................... 83 Tabela 3.15 ......................................................................................................... 83 Tabela 3.16 ......................................................................................................... 85 Tabela 3.17 ......................................................................................................... 86 Tabela 3.18 ......................................................................................................... 88 Tabela 4.1 ........................................................................................................... 92 Tabela 4.2 ........................................................................................................... 93 Tabela 4.3 ........................................................................................................... 97 Tabela 4.4 ......................................................................................................... 100 Tabela 4.5 ......................................................................................................... 100 Tabela 4.6 ......................................................................................................... 101 Tabela 4.7 ......................................................................................................... 101 Tabela 4.8 ......................................................................................................... 105 Tabela 4.9 ......................................................................................................... 106 Tabela 4.10 ....................................................................................................... 106
vi
Resumo
Este trabalho tem como objetivo estudar os aspectos distributivos da previdncia
social no Brasil. Com base na legislao previdenciria e utilizando-se como fonte de
dados a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), so computadas as
contribuies efetuadas e os benefcios recebidos por cada pessoa da amostra, no
perodo 1976-1999. A partir destes clculos so estimados os fluxos esperados de
contribuies e benefcios por toda a vida de grupos de indivduos representativos.
Estes grupos so formados de acordo com as caractersticas comuns dos indivduos.
A partir destes fluxos so calculadas, para cada um dos grupos, as taxas internas de
retorno intrnsecas ao sistema previdencirio. Os resultados mostram que os grupos
com menor nvel de educao tm taxas de retorno superiores quelas obtidas pelos
demais grupos. As taxas tambm so diferenciadas conforme as regies do pas.
Nota-se que as taxas de retorno de todos os grupos tm crescido ao longo dos anos.
Estes resultados evidenciam a existncia de caractersticas distributivas na
previdncia social brasileira.
Abstract
This work has the objective to study the distributive aspects of the Brazilian
social security system. Based upon the social security legislation and using as a data
source the Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), contributions
made and received benefits for each sampled individual were considered, in the
period of 1976 to 1999. Based on these calculations, the expected contributions and
benefits flows of representative groups of individuals were estimated. These groups
are formed in accordance to common characteristics of these individuals. Upon these
flows, for each group, the internal rates of return inherent to the social security
system were assessed. The attained results showed that groups with lower education
levels achieved higher rates of return than the remaining groups. The rates are also
different according to the country's regions. One can note that the rates of return of
all groups have grown over the years. These results clearly show the existence of
distributive characteristics in the Brazilian social security system.
1
Introduo
Nos ltimos anos a previdncia social ganhou relevncia na agenda do pas.
Tornou-se consensual a viso do equacionamento adequado da questo
previdenciria como um dos pilares mestres para a organizao das contas pblicas e,
portanto, para o crescimento econmico sustentado do Brasil.
A necessidade do equilbrio oramentrio da previdncia tornou-se mais
cristalina aps a estabilizao econmica iniciada com o Plano Real. A queda
abrupta dos ndices de preos trouxe tona inconsistncias e tenses latentes. Antes
mascarados e amortecidos pelo manejo de mecanismos de convivncia forada com
altos ndices de inflao por parte dos agentes econmicos, tais problemas se
manifestaram de forma clara no descompasso das contas da previdncia social. O
frgil equilbrio existente desvaneceu-se rapidamente, transformando-se em
crescentes dficits, tanto no INSS, quanto nos regimes de previdncia dos servidores
pblicos nas trs esferas de governo. Alm de ter sido agravada por questes
conjunturais, como o baixo crescimento econmico, esta situao tambm carrega o
peso de questes estruturais fundamentais. A primeira a queda nos ndices de
formalizao (e contribuio previdenciria) no mercado de trabalho. A segunda o
rpido processo de envelhecimento da populao brasileira, fazendo com que o
nmero de idosos cresa a taxas bastante elevadas.
No INSS, o aumento dos dficits foi influenciado pela incorporao progressiva
de benefcios de carter assistencial. Tambm tm grande importncia as mudanas
determinadas pela Constituio de 1988, que acentuaram o carter distributivo da
previdncia, particularmente na rea rural. No houve, no entanto, a proviso de
fontes de recursos na magnitude e qualidade desejadas. No caso dos servidores
pblicos, um conjunto especfico de regras, que lhes deu direitos inacessveis aos
trabalhadores do setor privado, igualmente relevante.
Entretanto, o consenso restringe-se s questes de equilbrio entre receitas e
despesas. Outras funes e caractersticas da previdncia, embora fundamentais,
carecem de um tratamento mais cuidadoso. Talvez a mais importante de todas seja
aquela referente aos aspectos distributivos. Estes so inerentes a quaisquer sistemas
previdencirios devido complexa dinmica das variveis demogrficas e
2
econmicas e ao fato destes sistemas usualmente agregarem programas de cunho
assistencial.
Portanto, a previdncia desempenha um papel essencial na realocao de
recursos, tanto entre os indivduos de uma mesma gerao, quanto entre pessoas de
coortes diferentes. Este processo distributivo deve ser analisado de forma adequada,
para que se possa avaliar as polticas previdencirias empreendidas pelo pas.
Uma das formas calcular as taxas internas de retorno das contribuies
efetuadas e dos benefcios recebidos por parte dos indivduos. Esta uma maneira de
se tentar responder s duas perguntas, bastante relacionadas, feitas implicitamente
nos pargrafos anteriores. A primeira quanto ao valor dos benefcios pagos. Sero
eles de fato to reduzidos quanto concebido pelo senso comum? A segunda quanto
ao carter distributivo: seria a previdncia to injusta com seus segurados? Ou o
sistema previdencirio pode ser um tipo de contrato social vantajoso para
determinados grupos?
Com base nestas consideraes, nesta tese visa-se testar duas hipteses. A
primeira que o sistema previdencirio brasileiro no paga benefcios to baixos
(dadas as contribuies correspondentes) quanto se costuma conceber. A segunda
que a existncia das organizaes previdencirias pode ser vantajosa para alguns
grupos, particularmente aqueles pertencentes s classes mais baixas das regies mais
pobres. De modo oposto, para as faixas de renda mais elevadas, os ganhos parecem
ser bastante reduzidos. Evidncias na direo dessas hipteses confirmariam o
carter distributivo e a progressividade do sistema previdencirio brasileiro. Esta
constatao significaria que os grupos mais pobres da populao obteriam taxas de
retorno mais elevadas que os grupos mais ricos.
Alm desta introduo, a tese composta por quatro captulos. No primeiro
feito um histrico da previdncia social no Brasil. Procura-se mostrar as principais
mudanas ocorridas e relacion-las com o contexto econmico de cada poca.
Argumenta-se que no Brasil a previdncia sempre tratou alguns grupos de forma
diferenciada, havendo assim indcios da existncia de impactos distributivos
significativos. O segundo captulo aborda algumas questes conceituais ligadas
previdncia social, enfatizando os aspectos distributivos. Tambm feita uma
resenha dos trabalhos empricos sobre o tema.
3
Na seqncia, o captulo 3 traz a primeira parte do trabalho emprico da tese.
Inicialmente feita a descrio da metodologia empregada nos clculos de benefcios
e contribuies. Apresentam-se tambm as principais mudanas ocorridas na
legislao previdenciria no perodo 1976-1999. feita ao final uma breve descrio
de alguns resultados preliminares e dos dados empregados nos clculos posteriores.
No quarto captulo, dando prosseguimento ao procedimento emprico, procura-se
estimar para cada grupo de indivduos com determinadas caractersticas comuns os
fluxos de contribuies e benefcios para os perodos anterior a 1976 e posterior a
1999. So ento calculadas as taxas internas de retorno obtidas por cada um dos
grupos. Por meio destas possvel quantificar os aspectos distributivos do sistema
previdencirio brasileiro. Encerrando, so apresentadas as concluses da tese.
4
Captulo 1 Um breve histrico da previdncia social no Brasil
1.1) Introduo
O objetivo deste captulo expor de maneira resumida como as organizaes
relacionadas previdncia social evoluram no Brasil, desde seus primrdios at
1999. As principais alteraes sofridas pela previdncia esto relacionadas com as
mudanas econmicas vividas pelo pas. A diviso do histrico foi feita tendo como
critrio fatos ou mudanas institucionais relevantes para alterar os rumos do sistema
previdencirio brasileiro. Procura-se mostrar que a previdncia brasileira
tradicionalmente tratou de maneira desigual as pessoas, privilegiando determinados
grupos em detrimento de outros. Este histrico sugere que tais privilgios, associados
incorporao de benefcios de cunho assistencial, so uma parte importante da
explicao para as dificuldades de equacionamento das contas da previdncia nos
ltimos anos.
Antes de comear a traar o histrico, faz-se necessrio tecer algumas
consideraes tericas e definir alguns conceitos que sero utilizados ao longo do
trabalho1. O primeiro conceito , naturalmente, previdncia social. Emprega-se aqui
uma tipologia similar quelas apresentadas por Oliveira e Beltro (1997) e FIPE
(1993). A previdncia social tem as caractersticas de um seguro social, cujo
objetivo assegurar aos indivduos, por meio de um fluxo continuado de
pagamentos, as condies necessrias a sua manuteno e a de seus dependentes.
Esses pagamentos so fruto da reduo ou da perda de capacidade laboral,
usualmente decorrentes da velhice, embora eventos como acidentes de trabalho ou
morte possam ser includos no rol de benefcios. Fica implcito, portanto, que deve
haver, em algum grau, relao entre as contribuies efetuadas e os benefcios
recebidos.
Para que tenha direito ao benefcio, usual que o indivduo compulsoriamente
tenha efetuado contribuies organizao previdenciria durante sua vida ativa. H
duas linhas para explicar essa compulsoriedade. Na primeira, apresentada por Veall
(1986), a inexistncia de contribuies obrigatrias poderia causar um problema de
1 Alguns aspectos aqui discutidos so tratados em Afonso (1999, cap. 1).
5
risco moral. Alguns indivduos poderiam no contribuir para a previdncia
(preferindo consumir uma maior parcela de seus recursos), o que resultaria, a priori,
em uma renda insuficiente na velhice. Esta trajetria intertemporal de consumo seria
adotada de maneira racional, pois os indivduos saberiam que as pessoas no se
aprazem em ver seus semelhantes em condies inadequadas e assim, o Estado
adotaria medidas de cunho compensatrio, para lhes prover mnimas condies de
vida. Argumento semelhante exposto por Sandmo (1995).
A lgica da compulsoriedade das contribuies pode ser explicada tambm por
uma segunda maneira, bastante diferente, pela existncia de miopia. Neste caso, as
pessoas - dadas as incertezas ao longo de sua vida, o longo horizonte de tempo
envolvido e sua racionalidade limitada - poderiam ser levadas a avaliar de maneira
incorreta suas necessidades na velhice, subpoupando os recursos necessrios a seu
sustento quando no estiverem mais trabalhando. Esta abordagem apresentada, por
exemplo, por Feldstein (1985).
Dando prosseguimento s definies, o termo assistncia social refere-se aos
programas de cunho distributivo, seja por meio de recursos, seja em espcie. Seu
objetivo transferir renda dos grupos mais ricos para os menos privilegiados. Neste
caso, o vnculo entre as contribuies efetuadas e os benefcios recebidos bastante
tnue, podendo at mesmo no existir. Desta forma, o nus do financiamento deve
recair sobre as pessoas de renda mais elevada. J a sade caracterizada pelas aes
cujo foco o bem-estar fsico e mental dos indivduos. Como os servios mdicos
devem estar disponveis a toda populao, razovel supor que seu financiamento
deve ser feito compulsoriamente por todos, por meio de impostos. Portanto, a relao
entre os pagamentos feitos e os servios utilizados tambm no direta.
Feita esta sucinta exposio, fica claro que previdncia, assistncia social e
sade so, ao menos no plano terico, trs programas distintos, com fontes de
financiamento separadas e funes diferentes2. Porm, no Brasil, assim como em
outros pases, tal separao no se verifica na prtica, pois desde as primeiras
organizaes, os trs programas encontram-se, ao longo dos anos, imiscudos em
graus variados. Dado este entrelaamento, traar a histria da previdncia implica
tambm mencionar algumas aes nas reas de sade e assistncia.
2 Para uma descrio mais detalhada destas funes, ver, por exemplo, Aaron (1982).
6
1.2) Primrdios do sistema previdencirio: das primeiras organizaes ao
incio da interveno governamental em 1930
J na gnese das organizaes previdencirias podem ser encontradas algumas
das razes do tratamento desigual, permeado de privilgios para alguns grupos e
parcimonioso para outros, que se constituir em uma caracterstica marcante e
negativa da previdncia no Brasil. Em sua origem, o nmero de possveis
beneficirios pequeno, o nmero de entidades grande, e as regras, diversas. Ao
longo dos tempos, em um processo inacabado, as tentativas de universalizao e
uniformizao de regras para os diversos grupos sociais sero outra marca
igualmente notvel. A extenso dos direitos previdencirios, particularmente na fase
inicial, ocorre em trs dimenses, com algum grau de sobreposio entre si. A
primeira quanto ao vnculo empregatcio, do setor pblico para o setor privado. A
segunda refere-se ao extrato social, das classes mais ricas e organizadas para as mais
pobres. A terceira dimenso geogrfica, estendendo-se os direitos dos
trabalhadores urbanos para os rurais. Esta expanso significou a progressiva criao
de benefcios e incorporao de caractersticas assistenciais bastante importantes.
Organizaes ligadas s questes sociais so bastante antigas no Brasil . O
trabalho da EPGE/FGV (1992) assinala que j no incio do perodo colonial existiam
organizaes de carter assistencial, como a Casa de Misericrdia de Santos em
1543. Faro (1993a) classifica o Montepio Geral de Economia dos Servidores do
Estado (Mongeral) fundado em 1835 como a primeira instituio previdenciria do
Brasil. Seus segurados eram os funcionrios do Ministrio da Economia. Mediante
suas contribuies, eram proporcionados benefcios de ordem previdenciria. Antes
porm, em 1821, havia sido concedida aos professores, aposentadoria aps 30 anos
de servio, havendo ainda a opo de um abono de 25% para aqueles que
continuassem em atividade3. No entanto, segundo Sousa (2002) no h registro que
tal medida tenha sido de fato implementada. Em Brasil (2002) lista-se um plano
assistencial para rfos e vivas de oficiais da Marinha em 1795, replicado para o
Exrcito em 1827.
3 Similar ao abono-permanncia, por vrios anos disponvel aos trabalhadores do setor privado, cuja concesso foi extinta em 1988.
7
No final do sculo XIX aumenta rapidamente o nmero de organizaes
previdencirias, centradas em empresas e organizaes ligadas ao governo. Eram
financiadas por contribuies dos empregados e os benefcios consistiam em
assistncia mdica e auxlio em caso de desemprego, invalidez ou morte. Atravs da
atuao do Estado, por meio de legislao especfica, comeam-se a erigir alguns
mecanismos de amparo a grupos de funcionrios pblicos. Em maro de 1888, um
decreto definiu os critrios de aposentadoria para os funcionrios dos Correios. Os
trabalhadores deveriam ter no mnimo 30 anos de servio e 60 anos de idade. No
mesmo ano foram criadas Caixas de Socorros nas estradas de ferro. No ano seguinte
foi criado o Fundo de Penses dos trabalhadores da Imprensa Nacional. Em 1890,
somam-se nascente rede de proteo social os funcionrios da Central do Brasil e
do Ministrio da Fazenda. Dois anos depois, os operrios do Arsenal da Marinha do
Rio de Janeiro passam a contar com aposentadoria por invalidez e penso por morte.
J no sculo XX, em 1911, criada a Caixa de Penses da Casa da Moeda e em 1912
os beneficiados so os funcionrios da Alfndega do Rio de Janeiro.4
Em Brasil (2002: 15) ressalta-se com bastante propriedade que as categorias
inicialmente aquinhoadas pelo tratamento especial dado pela nascente estrutura
previdenciria eram justamente "responsveis pela base de formao do Estado e de
sustentao dos poderes militar e burocrtico". Na ltima dcada do sculo XIX, o
Brasil era um pas de incipiente desenvolvimento econmico, com economia baseada
na exportao de produtos agrcolas, de urbanizao bastante limitada e recm-sado
de um regime escravocrata. Portanto, as categorias com vnculo profissional mais
claramente estabelecido eram os empregados do setor pblico, a quem inicialmente a
previdncia social beneficiou, por meio de condies inacessveis aos trabalhadores
do setor privado. Esses privilgios enraizaram-se fortemente e mantiveram-se no
sistema previdencirio at o incio do sculo XXI.
Apesar da importncia das organizaes voltadas aos funcionrios pblicos, h
consenso entre os autores quanto ao marco inicial da previdncia social no Brasil.
Este foi a Lei Eloy Chaves (Decreto 4682) de 24 de janeiro de 1923, que determinou
a criao das Caixas de Aposentadoria e Penses (CAPs) em cada empresa
ferroviria. Eram oferecidos quatro tipos de benefcios: aposentadoria (normal ou por
4 Parte das informaes sobre as mudanas na legislao previdenciria tem fonte MPAS (1999c).
8
invalidez), assistncia mdica ao segurado e seus dependentes, medicamentos com
preos especiais e penso aos dependentes em caso de morte. Para ter direito
aposentadoria, o trabalhador deveria ter pelo menos 50 anos de idade e 30 anos de
servio. O sistema previdencirio j nasceu limitado, por beneficiar apenas os
ferrovirios; no-focado, por ofertar benefcios mdicos e assistenciais5 e generoso,
por proporcionar aposentadorias por invalidez e penses.
O financiamento era feito por meio de contribuies dos empregados (3% dos
salrios), das empresas (1% da receita bruta), dos consumidores (devido ao aumento
de 1,5% nas tarifas) e outras fontes espordicas. O recolhimento era feito pela
prpria empresa. O valor da aposentadoria tinha como base os salrios (Y) recebidos
nos ltimos cinco anos de servio, sendo calculado conforme apresentado na Tabela
1.1.
Tabela 1.1 Salrios e valores de aposentadoria - Lei Eloy Chaves
Salrio (Y) Valor da aposentadoria
Y 100$0006 90% do salrio 100$000 < Y 300$000 90$000 + 75% do valor entre 101$000 e 300$000 300$000 < Y 1:000$000 250$000 + 70% do valor entre 301$000 e 1:000$000 1:000$000 < Y 2:000$000 250$000 + 65% do valor entre 301$000 e 2:000$000 Y > 2:000$000 250$000 + 60% do valor entre 301$000 e o salrio
Fonte: Sousa (2002: 25)
Cada CAP (organizada no mbito das firmas) era administrada por uma
comisso composta por representantes dos empregadores e empregados, sendo
utilizado o regime de capitalizao. O Estado era externo a esse tipo de organizao,
ficando restrita sua atuao aos casos de conflito. Com este arranjo, o nmero de
associados por CAP era reduzido, havendo em contrapartida grande nmero de
instituies. Em abril de 1923, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, cujas
atribuies incluam as questes ligadas previdncia social. O nmero de
indivduos cobertos era bastante limitado frente ao total da populao e em pouco
5 interessante notar que nos EUA a previdncia foi institucionalizada apenas em 1935. Munnell (1976: 155) aponta que no incio os benefcios se limitavam s aposentadorias. Penses foram incorporadas em 1939. Somente em 1956 foram includas as aposentadorias por invalidez. 6 L-se cem mil ris.
9
tempo o sistema j dava mostras de sua fragilidade.7 Segundo Stephanes (1993: 26),
j em 1930 se verifica a primeira crise do sistema, com casos de "fraude, corrupo e
descalabro", abrindo as portas de uma longa histria de atos ilcitos ligados
previdncia social.
Em dezembro de 1926, a Lei 5109 ampliou o sistema de Caixas, estendendo-o
aos porturios e martimos. Tambm foram includos benefcios adicionais, como o
auxlio-funeral, auxlio servio-militar, reduo de prazos de carncia, eliminao da
idade mnima para aposentadoria e estabilidade no emprego aps 10 anos. As
contribuies ao sistema tambm foram ampliadas. As empresas passaram a
contribuir com 1,5% de sua receita bruta anual e a parcela repassada aos
consumidores subiu de 1,5% para 2% do valor das tarifas. Menos de dois anos
depois, em junho de 1928, a Lei 5845 incluiu na rede de proteo os funcionrios dos
servios telegrficos e radiotelegrficos.
Tratando das desigualdades j existentes, Carvalho (1995) aponta que a Lei Eloy
Chaves apenas estendera aos trabalhadores do setor privado direitos j concedidos
aos servidores pblicos e s Foras Armadas. Porm, no foram todos os
trabalhadores a serem abrangidos pelo seguro social. Seguindo a tradio iniciada no
sculo XIX e que seria uma caracterstica das vrias alteraes posteriores na
previdncia, tal extenso de direitos foi limitada e elitista. Inicialmente foram
beneficiadas as categorias mais organizadas do setor privado urbano, e com o passar
do tempo, os direitos (ou parte deles) foram concedidos aos demais trabalhadores8.
Os ferrovirios, porturios e martimos foram beneficiados por estarem vinculados
aos setores mais dinmicos da economia, ligados ao processo de expanso
econmica induzida pelas exportaes de caf. Ainda na viso de Carvalho (1995:
32-33), a Lei Eloy Chaves teria sido influenciada por empresrios da So Paulo
Railway Company (Estrada de Ferro Santos-Jundia), tendo como objetivo
subjacente a limitao dos movimentos trabalhistas e a manuteno da estrutura
vigente.
7 Uma possvel razo o fato de sistemas previdencirios apresentarem rendimentos de escala crescentes. Para uma viso mais detalhada deste argumento, ver Mitchell (1996) e Valds-Prieto (1994). 8 Nessa poca a populao urbana era minoritria. Segundo dados do IBGE, em 1940 o pas tinha 41,24 milhes de habitantes. A populao rural era de 28,36 milhes de pessoas, ou seja, cerca de 68,8% do total.
10
De forma correlata, a institucionalizao da previdncia pode ser entendida
como mais um item na ampliao dos direitos sociais e trabalhistas ocorrida na
dcada de 20. Em 1925 comeou a vigorar a lei que estipulava frias remuneradas e
no ano seguinte foram aprovadas restries ao trabalho infantil. Weinstein (1999: 76)
trata dessas mudanas e ressalta a resistncia por parte dos industriais,
principalmente os paulistas, ao aumento dos direitos dos trabalhadores.
Oliveira e Teixeira (1986: 34) apontam que a estrutura previdenciria ento
adotada era "caracterizada pela amplitude na definio de suas atribuies, pela
liberalidade na concesso de benefcios e servios; pela prodigalidade nos gastos
com estes servios e benefcios; e por outro lado, pela natureza fundamentalmente
civil das instituies de previdncia, tanto no que se refere sua gesto, quanto no
referente a sua estrutura financeira".
1.3) Perodo 1930-1945: consolidao da interferncia governamental e criao
dos IAPs
Este perodo corresponde ao primeiro governo Vargas, no qual importantes
mudanas sociais e econmicas ocorreram. De acordo com o esprito dessas
transformaes, a previdncia social se expandiu, principalmente nas reas urbanas,
e se alterou. Como resultado, a partir de 1930 o sistema previdencirio comeou a
assumir caractersticas bastante diversas da fase anterior, principalmente na
organizao das entidades previdencirias, com a criao dos Institutos de
Aposentadorias e Penses (IAPs).
Com a ascenso de Getulio Vargas ao poder, as mudanas provocadas pela crise
de 1929 e as dificuldades enfrentadas pelo setor cafeeiro, a relao de foras no pas
comeava a se alterar. Com a expanso da produo domstica, a representatividade
do mercado interno aumentou9 e os trabalhadores assalariados comearam a ter
maior peso no cenrio poltico-econmico.
Em contraste com as demandas sociais da emergente classe urbana, o sistema de
Caixas at ento adotado gerava um volume de recursos insuficiente para um
funcionamento estvel, dado o pequeno nmero de afiliados. Com este novo quadro
11
sendo desenhado, o Estado passa a dar maior ateno aos trabalhadores urbanos (e
questo previdenciria), agregando-os sua base de sustentao poltica.
Esta fase teve como caracterstica fundamental o fato de a vinculao passar a
ser feita no mais atravs de empresas, mas sim atravs de categorias profissionais,
ou profisses relacionadas, em mbito nacional. Com esse intuito foram criados os
IAPs e a cobertura previdenciria estendeu-se para quase todos assalariados e boa
parte dos trabalhadores autnomos urbanos. A inteno do governo de interferir e
nortear o funcionamento do sistema previdencirio se manifesta de modo inequvoco
com a criao, em novembro de 1930, por meio do Decreto 19433, do Ministrio do
Trabalho, Indstria e Comrcio, que agregou vrios rgos j existentes. Uma de
suas funes era regulamentar e supervisionar a previdncia social.
Fausto (1997: 140) aponta que o novo ministrio marca a emergncia de um
novo tratamento dado fora de trabalho, que "implicava o reconhecimento da
existncia da classe [trabalhadora] e visava a control-la com os instrumentos da
representao profissional, dos sindicatos oficiais apolticos e numericamente
restritos". D'Araujo (1999: 116) analisa de forma semelhante as mudanas sociais e
trabalhistas da era Vargas. A autora aponta que estas geraram "uma nova elite
sindical, grande parte dela acomodada e palaciana". Porm, relativiza a to propalada
engenhosidade de Vargas e contextualiza as mudanas, ao apontar que polticas
sociais semelhantes foram empreendidas contemporaneamente em outros pases e
que Getulio soube seguir o "sinal dos tempos". Medeiros (2001: 10-11) aponta
tambm que as polticas adotadas no primeiro governo Vargas eram dirigidas aos
trabalhadores urbanos para no ferir os interesses das oligarquias rurais, ento
dominantes no cenrio poltico nacional.
Em 1931, o Decreto 20465 tem como finalidade reformar a legislao referente
s Caixas. Um dos objetivos deste decreto a limitao dos gastos das Caixas com
assistncia mdica e servios complementares a 8% das receitas. Este decreto
tambm ampliou o regime da Lei Eloy Chaves, estendendo-o aos trabalhadores dos
demais servios pblicos. O nmero de Caixas, que crescera rapidamente, chega a
140 em 1932 [Oliveira et al. (1994)]. Em 1933 criado o Instituto de Aposentadoria
9 Um exemplo das alteraes ocorridas no perodo pode ser visto na participao dos impostos de consumo e de importao na receita total. Entre 1910 e 1930, estes passam de 10,4% e 55,0%, para 21,0% para 37,3%, respectivamente [Abreu (org.) 1992: 397].
12
e Penses dos Martimos (IAPM), tendo como afiliados os trabalhadores de empresas
da marinha mercante. O ano de 1934 a data de incio do Instituto de Aposentadoria
e Penses dos Bancrios (IAPB). Suas atribuies eram basicamente as mesmas das
primeiras CAPs. Neste perodo a interferncia do governo progressivamente
comeava a limitar as funes de supridores de servios de assistncia mdica e
hospitalar que os institutos de aposentadoria e penses possuam. A atividade-fim de
tais entidades passava a ser a previdncia social, podendo manter servios de
assistncia mdica. Ainda assim, a rea de sade ficava sujeita a uma
"regulamentao especial", enquanto o Estado no pudesse assumir de modo
exclusivo uma atividade que era sua incumbncia e no das instituies de
previdncia [Oliveira e Teixeira (1986)].
Em 1934 foram criados o IAPC (Comercirios), a Caixa de Aposentadoria e
Penses dos Trabalhadores em Trapiches e Armazns de Caf e a Caixa de
Aposentadoria e Penses dos Operrios Estivadores. Estas duas ltimas, apesar da
denominao, eram tambm instituies de carter nacional. Em 1936 foi criado o
IAPI, englobando os industririos. Em 1938, um ano aps a decretao do Estado
Novo, o Decreto-Lei 288 criou o Instituto de Previdncia e Assistncia dos
Servidores do Estado (IPASE), mesmo ano de criao do Instituto de Aposentadorias
e Penses dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETEC). Outro ato
importante o Decreto-Lei 5452 de 1943, que criou a Consolidao das Leis do
Trabalho (CLT), que tambm regulamenta a legislao da previdncia social.
Souza (1999: 17) aponta que esse modelo de Welfare State nascente tpico de
pases subdesenvolvidos, nos quais os benefcios limitam-se "aos trabalhadores dos
setores mais modernos da economia e aos funcionrios da burocracia". Ficam assim
patentes os privilgios de certos grupos, nestes anos iniciais da estruturao do
sistema previdencirio. Draibe (1985, cap. 1) lista uma srie de rgos
governamentais criados no perodo 1930-45, cuja funo era aparelhar o Estado para
sua emergente funo de agente principal de um projeto de desenvolvimento
econmico. A atuao de rgos como o Departamento Administrativo do Servio
Pblico (DASP), criado em 1938 e a legislao sindical implantada em 1931
coadunavam-se com o modelo nascente de "relaes do trabalho eminentemente
corporativista, sob a gide do Estado".
13
Alm de o nmero de institutos ter crescido, no final da dcada de 30 e incio da
dcada seguinte tambm so criados vrios rgos de cunho assistencialista. Em
1938, criado o Servio Central de Alimentao do IAPI, que seria absorvido dois
anos depois pelo Servio de Alimentao da Previdncia Social. Em 1941 cria-se o
Servio de Assistncia a Menores (SAM). No ano seguinte, tm incio as atividades
da Legio Brasileira de Assistncia (LBA), voltada a questes relacionadas
maternidade, infncia, amparo aos idosos e assistncia mdica aos necessitados.
Em 1944 cria-se o Servio de Assistncia Domiciliar e de Urgncia (SAMDU).
Como pode ser notado, no perodo analisado, a estrutura previdenciria do pas
se alterou bastante, com a incorporao das vrias entidades assistenciais.
Concomitantemente, cresceram as alquotas de contribuio dos empregados. J em
1931, a contribuio havia sido elevada para 4% do salrio, atingindo posteriormente
at 8%. No caso do IAPI, mesmo assim, o nmero de benefcios disponveis foi
reduzido e seu valor real foi diminudo, dado que o aumento do valor nominal no
acompanhou a inflao do perodo. Complementando, em 1940 foi fixada em 60
anos a idade mnima para a aposentadoria, para todos Institutos e Caixas em que este
limite inexistia. O crescimento do sistema pode ser notado pelo aumento no nmero
de beneficirios. Pires (1995: 169) mostra que no perodo 1930-1945 o nmero de
aposentados passa de 8009 (7013 para os pensionistas) para 110.724 e 124.401,
respectivamente. Estes valores configuram taxas anuais de crescimento de 19,1%
para o nmero de aposentados e 21,1% para o nmero de pensionistas. Duas
caractersticas permaneceram inalteradas: a disparidade de benefcios
proporcionados pelas instituies e o regime de capitalizao adotado.
Ao final desse perodo, a previdncia era superavitria. Segundo Sousa (2002: 34
e 66) em 1945 as despesas em moeda da poca foram de Cr$ 994.711.150,80,
representando 42,14% das receitas, cujo valor era de Cr$ 2.360.263.092,30. Neste
mesmo ano, as 31 Caixas e 5 Institutos tinham 2.997.947 associados (como se
designava na poca). Estes representavam 51% da PEA urbana10, composta por
5.877.797 pessoas. Havia ainda 110.724 aposentados e 124.401 pensionistas. Se
fizermos a hiptese de que inexistia o acmulo de aposentadorias e penses, a
10 Este nmero no muito superior aos cerca de 43% encontrados para 1997. [MPAS (1999b)]
14
relao contribuintes/beneficirios era de 12,75, tpica de regimes no maduros, e
bastante superior aos 1,30 do ano de 1999, apontados em Brasil (2002: 10).
1.3) Perodo 1945-1966: o caminho rumo unificao
Este perodo se caracteriza pelas iniciativas governamentais de uniformizar as
regras do sistema previdencirio. Tambm notvel a tendncia deteriorao da
situao financeira dos IAPs. Esta situao resultado de fatores que impactaram
tanto as despesas, quanto as receitas do sistema.
Em 1945 criou-se o Instituto de Servios Sociais do Brasil (ISSB). Sua funo
seria substituir todos os IAPs, acabando assim com as disparidades existentes e
impondo normas nicas ao sistema previdencirio. No entanto, a sada de Getulio
Vargas do poder abortou essa tentativa de uniformizao, e este rgo (que deveria
tambm ter atribuies nas reas assistencial e de sade) no chegou a funcionar de
fato. Longos 19 anos passaram-se entre a criao do ISSB e a unificao da
previdncia, que s se concretizou em 1966. Este mais um exemplo de que
mudanas na rea previdenciria (com perda de privilgios detidos por alguns
grupos) tendem a ser de lenta tramitao, difcil execuo e, por vezes, parcos
resultados.
A presena estatal se ampliou em 1946, quando foram criados o Conselho
Superior e o Departamento Nacional de Previdncia Social, rgos com funes
normativas. No ano de 1954, o processo de consolidao das CAPs levou formao
de 7 grandes institutos: IAPFESP, IAPI, IAPC, IAPETEC, IAPM, IAPB e IPASE.
No perodo em questo ocorre um notvel aumento no percentual representado
pelo gastos com assistncia mdica, que passam de 2,3% dos valores arrecadados em
1945, para 14,9% em 1966. Este incremento evidencia uma mudana importante no
modelo previdencirio, no qual os gastos assistenciais11 passaram a ter maior peso.
Paralelamente, aumentam tambm, em valores reais os dispndios com
aposentadorias e penses. De modo progressivo, medidas governamentais que
permitem aos institutos ampliar o nmero de benefcios, aumentar seu valor e
facilitar o acesso dos dependentes so implementadas. Oliveira e Teixeira (1986:
11 De certo modo, uma situao similar quela gerada pela Constituio de 1988.
15
162-5) sumariam as mudanas ocorridas e fornecem vrios exemplos destas medidas.
Essa postura expansionista nos servios (e gastos) oferecidos pode ser vista na
Tabela 1.212.
Tabela 1.2 Valores de receitas, aposentadorias e penses da previdncia social - 1945 e 1966
(Em Cr$ de 1945)
Ano Aposent. Penses Aposent. + Penses Receitas 1945 313.900 127.600 441.500 2.353.400 1966 4.817.200 1.697.200 6.514.400 15.432.300Var. 1945-1966 (%) 1.434,63 1.230,09 1375,52 555,74 Taxa de cresc. Anual (%) 13,89 13,11 13,67 9,37
Fonte: clculos do autor com base em Oliveira e Teixeira (1986: 339-40)
Como pode ser constatado, apesar de as receitas terem crescido, em termos reais,
cerca de 9,37% ao ano, o crescimento das despesas foi ainda mais elevado, atingindo
13,67% ao ano. Com isso fica patente outra caracterstica da previdncia brasileira,
que posteriormente se repetiria mais vezes: a capacidade de se criar benefcios sem
que os recursos aumentem na proporo adequada.
Aparentemente, a ingerncia governamental no se revelou muito eficiente. A
problemtica dvida da Unio com a previdncia social comea a se configurar nesse
perodo. A Lei 159, de 1935, definira que o sistema previdencirio deveria ser
financiado de forma tripartite, com contribuies iguais por parte de trabalhadores,
empregadores e do Estado. Porm, o no cumprimento das obrigaes por parte do
governo fez com que o dbito acumulado da Unio rapidamente crescesse e
alcanasse em 1960 (valores de junho de 1998) o equivalente a R$ 5,16 bilhes.
[Oliveira, Beltro e David (1999: 1-2)].
A mudana do regime, de capitalizao para repartio, efetuada no incio dos
anos 60, configura portanto uma necessidade prtica, ditada pela insuficincia de
recursos e pela necessidade de consumir parte das reservas at ento acumuladas.
Com base em Oliveira, Beltro e David (1999) e principalmente Pires (1995: 178-83)
parece razovel inferir que o regime de capitalizao ento vigente, passou a se 12 Valores nominais extrados de Oliveira e Teixeira (1986: 339-340) deflacionados com o deflator
16
mostrar inadequado frente ao grande crescimento das despesas e principalmente
acelerao inflacionria dos anos 50.
No havia na poca um sistema financeiro estruturado, que pudesse fornecer
ativos de longo prazo, com algum tipo de garantia contra a inflao, que somente
entre 1950 e 1960 alcanou mais de 453%. Some-se ainda, agravando o problema, a
inexistncia de correo monetria (criada em 1965) e a arcaica lei da usura, que
limitava os juros em 6% ao ano. Restavam poucas alternativas razoveis de
aplicaes. Entre elas se incluem o emprstimo dos recursos excedentes construo
de casas populares, a compra de imveis, a aquisio de ttulos de empresas estatais,
como CSN e Vale do Rio Doce, ou a compra de ttulos pblicos. O direcionamento
governamental para esses ativos por vezes era uma imposio dos objetivos de
poltica econmica, deixando em segundo plano os princpios bsicos de
rentabilidade e liqidez13. Quando as despesas passaram a crescer, o descompasso
entre receitas e despesas se acentuou, impondo a mudana para um regime de
repartio.
A medida legal mais importante do perodo a Lei 3807. Aprovada em agosto de
1960, aps longos 14 anos de discusses, a Lei Orgnica da Previdncia Social
(LOPS) consolidou e uniformizou as normas existentes entre os Institutos. Passaram
a ser segurados compulsoriamente os trabalhadores autnomos e profissionais
liberais e os empregadores (Beltro, Pinheiro e Oliveira, 2002). As alquotas de
contribuio foram fixadas em 6% a 8%, tanto para trabalhadores, quanto para
empregadores, com um teto de contribuio equivalente a 5 vezes o maior salrio
mnimo do pas. De forma bastante diferente do ideal de universalizao vigente a
partir de 1988, os beneficirios da previdncia foram definidos como todos que
exercessem atividades remuneradas e seus dependentes.
A LOPS bastante detalhada e completa. Em seus 183 artigos, alm da definio
das normas referentes s contribuies e aos benefcios, o governo delimita a
organizao dos Institutos, normatizando sua estrutura e administrao. Esta
regulamentao torna, de uma forma que j vinha sendo h muito delineada, mais
rgido o controle das organizaes previdencirias e centraliza a formulao de
implcito do PIB, de Abreu (org.) (1992, apndice). 13 uma situao semelhante ao direcionamento das aplicaes dos fundos de penso das empresas estatais na dcada de 80. Matijascic (1993) descreve bem esta situao.
17
polticas de longo prazo por parte do governo. Em setembro do mesmo ano,
complementando a LOPS, foi aprovado o Regulamento Geral da Previdncia Social.
Apesar da abrangncia da LOPS, os trabalhadores rurais somente foram
includos no sistema previdencirio no penltimo ano do governo Joo Goulart, em
1963, quando foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural. No mesmo ano criado
o salrio-famlia. No ano seguinte a vez do Fundo de Indenizaes Trabalhistas,
que seria substitudo pelo Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS) em 1966.
Finalizando, em 1965 cria-se o Fundo de Assistncia ao Desempregado.
1.4) Perodo 1966-1988: unificao, expanso e crise
A unificao iniciada em 1960 com a Lei Orgnica da Previdncia Social foi
efetivada pelo o Decreto-Lei 66 de 21 de novembro de 1966. Este importante ato fez
uma srie de modificaes na legislao. O salrio-de-benefcio14 definido pela
mdia dos salrios dos ltimos 12 meses de contribuio. Estrategicamente, no h
no decreto nenhuma meno correo dos valores salariais pelos ndices de
inflao. No processo de expanso das atribuies so definidos tambm benefcios
assistenciais, como a aposentadorias por invalidez e o auxlio-doena (artigo 32) e
assistncia mdica (artigo 45). E, dando continuidade tendncia de uniformizao,
o Decreto-Lei 72 agregou os 6 institutos de aposentadoria e penses remanescentes
(com exceo do IPASE) e criou o Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS).
Na posio de artfice de vrias das mudanas estruturais implantadas no
governo Castello Branco, Campos (1994: 718), aponta 3 motivos para a unificao
dos institutos: diminuir os custos administrativos, homogeneizar a qualidade da
assistncia prestada e evitar que os institutos se transformassem em "feudos eleitorais
de partidos polticos, com amplas possibilidades de corrupo".
Com estas alteraes, gerou-se uma estrutura que basicamente se mantm desde
ento, na qual dois sistemas previdencirios existem simultaneamente. O primeiro,
gerido pelo INPS (ou por seus sucessores), abrange todos os trabalhadores do setor
privado. O segundo, que abarca todos os funcionrios pblicos no vinculados
CLT, na verdade o conjunto de todos os sistemas pblicos existentes nos nveis
federal, estadual e municipal. A estrutura ps-unificao, ao separar definitivamente
18
funcionrios pblicos e privados, consolidou as desigualdades, caracterstica sempre
presente em nossa previdncia.
Com as alteraes feitas, unificou-se o custeio da previdncia, utilizando-se o
supervit de alguns institutos para cobrir o dficit de outros. E, seguindo uma
tendncia que j vinha sendo desenhada desde 1930, o governo assumiu o controle
da previdncia social. Empresas e trabalhadores perderam totalmente as funes
gerenciais que haviam tido [Oliveira et al. (1994: 4)].
Estas medidas centralizadoras devem ser entendidas como parte de um processo
mais amplo de endurecimento do regime militar e reduo dos direitos civis.
Certamente houve pouco espao para que a sociedade discutisse essas alteraes,
dado que o AI-2 em outubro de 1965 havia extinguido os partidos polticos e
implantado o bipartidarismo. Os Decretos-Lei (forma pela qual o governo vinha
legislando) 66 e 72 entraram em vigor cerca de um ms aps o Congresso Nacional
ter sido fechado por 10 dias em outubro e aproximadamente dois meses antes da
implantao da nova Constituio em janeiro de 1967.15
A unificao dos IAPs e a criao do INPS coadunam-se com as alteraes
empreendidas pelos governos Castello Branco e, posteriormente, Costa e Silva no
sistema tributrio. Estas tm como caracterstica a centralizao das decises pelo
governo federal e como objetivo a modernizao da estrutura tributria, dotando o
pas de fontes de financiamento que pudessem estimular o crescimento econmico. O
Ato Complementar 40 de 1968, que reduziu os repasses ao FPE e FPM, de 10 para
5% da arrecadao do IR e do IPI marca a perda de poder tributrio de estados e
municpios frente Unio [Varsano (1996: 9-10)].
Este perodo marcado por vrias reformas e criao de novos rgos. O trao
comum que a cada mudana, a previdncia se torna mais abrangente, em nmero
de segurados, funcionrios, benefcios e, conseqentemente, em volume de recursos
administrados. Em uma viso bastante pessimista, cada reforma uma "resposta
mope da burocracia pouca eficcia do sistema, permeado de graves ineficincias
funcionais e administrativas" [Carvalho e Faro (1993: 8)].
14 Valor usado como base no clculo da aposentadoria a que o segurado tem direito. 15 Para um resumo bastante sinttico da situao poltica da poca, ver Fausto (2002).
19
O final dos anos 60 e o incio da dcada de 70 so um retrato dessas vrias
mudanas. Em 1969 foi ampliada a previdncia rural, que seria posteriormente
substituda pelo Pr-Rural, institudo em 1971 e regulamentado no ano seguinte.
Schwarzer e Querino (2002: 14) assinalam que este programa, de caractersticas
beveridgeanas, teve carter inovador, por romper o vnculo entre o esforo
contributivo e o benefcio recebido. Como a tributao da comercializao da
produo agrcola no era suficiente para fazer frente aos dispndios, o
financiamento era na sua maior parte feito por meio de um acrscimo na contribuio
patronal (mais 2,4% pontos percentuais), caracterizando assim uma espcie de
subsdio cruzado entre os grupos urbano e rural.
No ltimo quadrimestre de 1970 foram criados o Programa de Integrao Social
(PIS) e o Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico (PASEP). Em
1975 estes dois programas seriam unificados, criando-se o PIS-PASEP.
Os empregados domsticos somente ganharam a condio de segurados em
1972. A regulamentao da condio de autnomo ocorreu em junho de 1973 no
governo Mdici, por meio da Lei 5890. Este relevante ato deu nova forma
legislao previdenciria, definida at ento pela Lei 3807 de 1960 e pelos Decretos-
Lei 66 e 72 de 1966. A Lei 5890 tornou mais ampla a definio do segurado e dos
seus dependentes. Pela primeira vez, a companheira (se mantida h 5 anos ou mais),
e no apenas a esposa, passou a ser includa entre os possveis dependentes. A
extenso dos benefcios complementada pela assistncia alimentar, assistncia-
complementar e servios de reabilitao fsica, como assistncia reeducativa e
readaptao profissional. No tocante s contribuies, de forma semelhante ao que
vigoraria brevemente no final da dcada de 90, j se incluem as contribuies de
aposentados e pensionistas entre as fontes de receitas, com alquotas de 5% e 2%
respectivamente. No entanto, esta situao durou por pouco tempo, pois o artigo 1
da Lei 6210 de 1975, j no governo Geisel, excluiu os dois grupos de benefcirios
do rol compulsrio de contribuintes.
Neste mesmo ano de 1973, foram includos os jogadores de futebol. Em 1974,
por meio da Lei 6179, foi criada a renda mensal vitalcia, destinada a amparar os
idosos (das reas urbana ou rural) acima de 70 anos ou invlidos. O direito a este
novo benefcio no era irrestrito. Os beneficirios deveriam ter sido filiados por no
20
mnimo 12 meses ao INPS, exercido atividade remunerada por no mnimo 5 anos
sem serem filiados ao INPS, ou terem ingressado no INPS aps os 60 anos, sem
terem direito aos benefcios. Esta mesma lei estendeu a estes idosos o direito
assistncia mdica. Em 1976 os benefcios previdencirios foram estendidos ao
empregador rural e a sua famlia.
Para fazer frente a esta maior amplitude de obrigaes, em 1974 o Ministrio do
Trabalho e Previdncia Social sofre uma ciso. Surgiu ento o Ministrio da
Previdncia e Assistncia Social (MPAS), responsvel pela elaborao e execuo
das polticas de previdncia e assistncia mdica e social. Em 1977 ocorreu a
instituio do Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social (SINPAS). O
objetivo era a formao de uma estrutura na qual os rgos seriam especializados por
funo. Para atender a este direcionamento, novos rgos foram criados e outros
tiveram suas funes redefinidas.
O INPS passou a ser responsvel somente pela manuteno e concesso de
benefcios. O Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social
(INAMPS), recm-criado, ficou responsvel pela prestao de servios de assistncia
mdica, nas reas rural e urbana. Outra autarquia nova, o Instituto da Administrao
Financeira da Previdncia e Assistncia Social (IAPAS), passou a ser responsvel
pela gesto administrativa, financeira e patrimonial do sistema. O componente
assistencial ficou a cargo da Legio Brasileira de Assistncia (LBA).
Complementando o SINPAS, foram criadas ainda a Fundao Nacional do Bem-estar
do Menor (FUNABEM), a empresa de Processamento de Dados da Previdncia
Social (DATAPREV) e a Central de Medicamentos (CEME), responsvel por
distribuir medicamentos gratuitamente ou a preo de custo. Esta ltima permaneceu
no mbito do MPAS at 1985, quando foi transferida para o Ministrio da Sade.
Na viso de Silva e Mdici (1991: 72) estas mudanas organizacionais seriam
fruto da percepo por parte do governo Geisel da necessidade de focar melhor as
polticas sociais em grupos merecedores de pouca ateno at ento. Essa
surpreendente preocupao social parcialmente corroborada pelo depoimento
posterior do prprio Geisel em DAraujo e Castro (1997: 317).
Ainda em 1977, a Lei 6435 foi a medida inicial cujo objetivo era regulamentar o
funcionamento das entidades de previdncia privada abertas e fechadas. Esta lei
21
surgiu na trilha do surgimento e rpido crescimento de vrios fundos de penso
ligados principalmente s empresas estatais. Matijascic (1993) faz um retrato
acurado do processo de expanso destes fundos e das posteriores mudanas de
legislao, particularmente na dcada de 80. Portocarrero (1993) aponta que a Lei
6435 veio atrelada experincia das duas maiores entidades de previdncia ento
existentes (Previ16 e Petros), que assim puderam facilmente se adaptar a seus termos.
No incio dos anos 80, o INPS entrou em grave crise, que j se configurava
desde o final da dcada anterior, dada a sensvel reduo na relao entre receitas e
despesas. Silva e Mdici (1991) identificam razes dessa crise na grande ampliao
do sistema feita nos anos 70, sem que fossem adotadas medidas visando maior
eficincia, modernizao tecnolgica e implementao de novos procedimentos.
Segundo Oliveira e Teixeira (1986), este quadro foi agravado pelo aumento da
sonegao das obrigaes previdencirias e pela reduo das transferncias por parte
da Unio.
Estes problemas so um reflexo dos graves desequilbrios macroeconmicos
pelos quais passava o pas. Em 1981, aps 38 anos de crescimento ininterrupto, o
PIB sofreu uma abrupta queda de 3,1%, preponderantemente devido diminuio de
10,4% no produto industrial [Abreu (org.) 1992: 408]. Neste mesmo ano, a inflao
(como um pressgio do que seriam os anos seguintes) ultrapassou pela primeira vez a
histrica marca de 3 dgitos, chegando a 100,7%. Certamente a conjugao desta
acelerao nos ndices de preos e a reduo da atividade industrial, principal
geradora de empregos no setor formal, deve ter influenciado na reduo dos salrios
reais e, portanto, na massa de contribuies previdencirias.
Os problemas que o INPS enfrentava nessa poca parecem ter como motivos a
conjugao de fatores estruturais (relacionados incompatibilidade entre a expanso
dos benefcios e as fontes de financiamento) juntamente com uma questo
conjuntural representada pela crise econmica pela qual o pas passava no incio dos
anos 80. O esgotamento do financiamento externo (que representara papel
importante na dcada de 70) aliado a um desequilbrio fiscal crescente so alavancas
do rpido aumento do endividamento do governo, que se reflete na reduo de sua 16 A Previ mais antiga que a previdncia social no Brasil. Sua antecessora, a Caixa Montepio dos funcionrios do Banco do Brasil foi fundada em 1904. A denominao Previ foi adotada apenas em 1967. [Previ (1993)].
22
capacidade de execuo de polticas de longo prazo. Para Sallum Jr. e Kugelmas
(1991) trata-se de uma crise da forma de organizao do Estado Desenvolvimentista,
vigente desde os anos 30. Baer (1993, cap 3), enfatizando os aspectos econmicos,
traz um retrato bastante acurado do impacto interno do processo de ajustamento
externo executado na primeira metade da dcada de 80. A autora mostra que de 1980
a 1985 as dvidas interna e externa somadas do setor pblico cresceram em termos
reais 324,04%. No mesmo perodo, as despesas com juros saltaram de 1,12% para
4,48% do PIB, sendo 3,35% relativos dvida interna e 1,13% relativos externa.
Para tentar reverter este quadro, nos anos seguintes foram tomadas medidas cujo
objetivo era equilibrar as contas pblicas, por meio do aumento de receitas. No
ltimo trimestre de 1981 por duas vezes a alquota do IPI foi majorada para uma
srie de produtos. Em dezembro, por meio do Decreto-Lei 1911, o governo obteve
autorizao para emisso de uma srie especial de Obrigaes Reajustveis do
Tesouro Nacional (ORTNs), cujo objetivo era cobrir o saldo devedor da previdncia
junto rede bancria17. Neste mesmo ano, por meio do Decreto-Lei 1910, a alquota
de contribuio dos empregadores sofreu expressivo aumento, passando de 15,9%
para 18,2%18. Em 1982, por meio do Decreto-Lei 1940 foi criado o Finsocial. Sua
funo, bastante ampla, conforme definido em seu artigo 1, seria o custeio de
investimentos assistenciais nas reas de alimentao, habitao popular, sade,
educao e amparo ao pequeno agricultor. Os recursos seriam basicamente oriundos
de uma alquota de 0,5% da receita bruta das instituies financeiras, seguradoras e
empresas que comercializassem mercadorias; ou 5% do valor do imposto de renda
devido para as empresas que comercializassem servios.
Posteriormente, novas medidas foram tomadas, sempre buscando o equilbrio de
curto prazo, tornando o sistema cada vez mais complexo. Agravando este quadro,
tais medidas comearam a configurar uma inadequada tendncia que se consolidaria
posteriormente: o uso de contribuies como fonte auxiliar de financiamento.
Algumas, como a Contribuio provisria sobre movimentao ou transmisso de
valores e de crditos e direitos de natureza financeira (CPMF), nascida como IPMF, 17 O valor total era de CrS 180 bilhes, equivalente a R$ 2,934 bilhes em setembro de 1999. Os ttulos eram corrigidos por 60% da correo monetria aplicvel s ORTNs e rendiam juros de 5% ao ano.
23
a Contribuio social para financiamento da seguridade social (COFINS), a
Contribuio social sobre o lucro das pessoas jurdicas (CSLL), alm de
apresentarem caractersticas no-progressivas, tm incidncia em cascata.
A segunda metade dos anos 80 foi marcada pela convivncia com taxas de
inflao bastante elevadas, que contriburam para agravar o desequilbrio das contas
da previdncia. Como ser descrito no captulo 3, esse perodo marcado pela
criao de indexadores e limites de contribuio de curta durao e duvidosos
resultados. As constantes mudanas de rota na poltica econmica durante o governo
Sarney so um retrato da reduzida capacidade de administrar de maneira adequada
um quadro econmico turbulento em meio a um processo de transio poltica, rumo
a um regime democrtico. razovel inferir que as constantes trocas de ministros no
perodo agravaram os problemas gerenciais e prejudicaram a formulao adequada
de estratgias. Entre os anos de 1985 a 1990, o Ministrio da Previdncia teve seis
ocupantes, vrios dos quais escolhidos por critrios estritamente polticos. A
longevidade no cargo parece no ser uma caracterstica dos responsveis pela
previdncia. Com base em Sousa (2002), podem ser contabilizados 43 ministros
entre 1930 e 2002. A mdia de permanncia no cargo, bastante reduzida, de cerca
de um ano e oito meses. Obviamente, esse constante rodzio danoso concepo e
manuteno de aes de longo prazo, essenciais a qualquer poltica previdenciria.
Draibe (1998: 3-4) bastante crtica ao analisar o sistema de proteo social
brasileiro (no qual se insere a previdncia) no final dos anos 80. Sua avaliao
bastante negativa, dada a incapacidade que este apresentava de cumprir
adequadamente suas funes. A autora cita como exemplos dos problemas existentes
a baixa capacidade de incorporao dos grupos mais pobres, a baixa eficincia dos
programas sociais na reduo da pobreza e da desigualdade e os problemas oriundos
da m focalizao, que tenderam a agravar privilgios e perpetuar distores. Esta
anlise corrobora o ponto de vista de Costa (1987). Tratando das aposentadorias por
tempo de servio e por idade, o autor argumenta que Regime Geral de Previdncia
Social (RGPS) do INPS no era ento, nem compensatrio, nem redistributivista. O
sistema previdencirio funcionava, em seu ponto de vista, de maneira inadequada,
reproduzindo a desigualdade de renda do pas.
18 As Tabelas 3.2 e 3.16 do captulo 3 apresentam, respectivamente, os valores das alquotas de contribuio definidas pela legislao e as alquotas efetivamente pagas.
24
1.5) Perodo 1988-1999: universalizao e reforma; um processo inconcluso
Este perodo inicia-se em 1988, com a promulgao da Constituio. Esta
representa uma mudana da postura dos legisladores frente s questes sociais. H
uma manifesta preocupao em tentar garantir o acesso de toda populao ao
conjunto de direitos sociais. No intuito de conceber uma estrutura legal que norteasse
o atendimento a essas necessidades, o artigo 194 da Constituio cidad19 (conforme
o epteto da poca) apresenta o ento inovador conceito de Seguridade Social. Este
se refere a um conjunto integrado de aes governamentais e da sociedade visando
assegurar os direitos nas reas de sade, previdncia e assistncia social. A
seguridade social passou a ser organizada de acordo com os seguintes objetivos
[Brasil (2003)]:
Universalidade da cobertura e do atendimento;
Uniformidade e equivalncia dos benefcios e servios s populaes urbana e
rural;
Seletividade e distributividade na prestao dos benefcios e servios;
Irredutibilidade do valor dos benefcios;
Eqidade na forma de participao no custeio;
Diversidade da base de financiamento;
Carter democrtico e descentralizado da gesto administrativa, com a
participao da comunidade, em especial de trabalhadores, empresrios e
aposentados.
Por um lado, esta nova concepo, ao ser implementada, gerou inequvocos
ganhos de bem-estar para vrios grupos, como a populao rural. Por outro, tambm
contribuiu para agravar o desequilbrio entre receitas e despesas do INPS. A
habilidade em criar novos direitos (e despesas) no foi acompanhada, com anloga
competncia, na criao de obrigaes (e fontes de financiamento) compatveis.
Igualmente problemtico foi o desenho de seguridade que emergiu do processo
poltico que deu origem nova Constituio. Carbone (1994: 116), de forma
25
otimista, aponta que o modelo de proteo social d uma "expectativa de direitos
sociais" aos indivduos. Porm, pouco vale essa suposta "expectativa" se no foram
gerados recursos adequado a sua concretizao.
Contemporaneamente promulgao da Constituio, no final dos anos 80,
vrias medidas foram tomadas no sentido de aumentar as receitas, tanto destinadas
recm-criada seguridade, quanto previdncia social. Essa necessidade de aumento e
diversificao das fontes de financiamento era um claro indicador da inconsistncia
entre o volume de recursos arrecadado e os benefcios prometidos por um sistema de
seguridade cada vez mais agigantado. No ms de dezembro de 1988 a Lei 7689 criou
CSLL, com alquota de 8%, que, menos de 1 ano depois, seria elevada para 10%20.
Em 1989, a alquota de contribuio patronal foi elevada de 18,2% para 20% e
imps-se uma sobrealquota de 2,5 pontos percentuais sobre as instituies
financeiras21. E, em novembro do mesmo ano, no ocaso do governo Sarney, a
alquota do Finsocial foi elevada de 0,5% para 1% da receita bruta das empresas
comerciais, instituies financeiras e seguradoras.
No ano seguinte, j no efmero governo Collor, extinguiu-se o Ministrio da
Previdncia e Assistncia Social. A previdncia, na forma de secretaria, foi
incorporada ao recm-criado Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social
(MTPS). A rea assistencial passou para o mbito do Ministrio da Ao Social e a
rea mdica para o Ministrio da Sade, assim como o INAMPS. As mudanas
atingiram tambm o INPS e IAPAS, que se fundiram, dando origem ao INSS.
As dificuldades de financiamento da seguridade social motivaram a criao de
mais uma fonte de financiamento. Em dezembro de 1991, a Lei Complementar 70,
criou a Cofins.22. Com alquota de 2%, incide sobre o faturamento mensal das
empresas.
O impacto das modificaes implementadas pela constituio de 1988 no se fez
sentir de imediato, pois estas dependiam da aprovao da regulamentao especfica,
19 A constituio de 1988 a primeira a tratar da aposentadoria dos funcionrios do setor privado. Todas as anteriores (1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967) faziam referncias apenas s aposentadorias dos servidores pblicos. 20 Posteriormente, a Lei 9316 de 1996 elevou novamente a alquota a 18%. 21 Sobre este ponto, ver a Tabela 3.4 do captulo 3. 22 A criao da Cofins baseia-se no artigo 195 da Constituio, que previa o financiamento da seguridade social por toda a sociedade em geral, e por parte dos empregadores em particular, por meio de contribuies sobre os salrios, faturamento e lucro.
26
por meio da legislao ordinria. Isto, como tradio na histria da previdncia
social, demorou a se concretizar e s aconteceu no comeo da dcada seguinte. Em
1990, a Lei 8112 instituiu o regime nico dos servidores da Unio, autarquias e
fundaes federais. Foi o passo inicial de uma srie de medidas destinadas a
disciplinar o sistema previdencirio dos servidores pblicos. Este ponto, que at
ento havia recebido pouca ateno, iria se constituir nos anos seguintes em um dos
mais relevantes temas para as finanas pblicas do Brasil.
A importante Lei 8212 de 24 de julho de 1991 instituiu o plano de custeio da
seguridade social do RGPS. Segundo esta lei, a seguridade social deveria ser
financiada pela sociedade (direta ou indiretamente), atravs de recursos provenientes
de municpios, estados, Distrito Federal, Unio e contribuies sociais. Um ponto
interessante que esta lei coloca a Unio como responsvel por aportes financeiros
desde que a insuficincia de recursos se d no pagamento de prestaes continuadas
da previdncia. Deste modo, ficam excludas as reas de sade e assistncia social. J
a Lei 8213, promulgada na mesma data, estabelece o plano de benefcios da
previdncia social.
Conforme citado anteriormente, as alteraes originadas da Constituio de 1988
s comearam a ter efeitos mais concretos para o INSS a partir de 1992, aps a
regulamentao por meio das Leis 8212 e 8213. A melhoria das condies de vida e
a reduo da pobreza no meio rural nos anos 90 so, em parte, explicadas por trs
importantes alteraes na previdncia rural. A primeira o aumento do piso de
benefcio, que dobrou, passando de 0,5 para 1 salrio mnimo. Com isso
aumentaram-se os valores das aposentadorias e penses, estas ltimas antes limitadas
a 30% do benefcio principal. A segunda mudana que ambos os cnjuges
passaram a ter direito ao benefcio, possibilidade anteriormente limitada a somente
um deles, usualmente o marido. A terceira alterao a reduo em cinco anos nas
idades mnimas para aposentadoria por idade, que passaram a ser de 60 anos para os
homens e 55 anos para as mulheres. Delgado e Cardoso Jr. (1999), Beltro, Oliveira
e Pinheiro (2000), Silva e Delgado (2000) e Silva (2000) so alguns trabalhos que
estudam essas mudanas na rea rural.
A maior generosidade na concesso de benefcios rurais pode ser vista nas
Tabelas 1.3 e 1.4, que mostram, respectivamente, o fluxo de novos benefcios rurais
27
e urbanos e a quantidade de benefcios em manuteno. A diferena de fluxos alterou
a composio do estoque, ou seja, o nmero de beneficirios. No perodo 1990-1994,
o nmero de benefcios rurais em manuteno elevou-se em 48,43%. Em que pese a
concesso de benefcios urbanos tambm ter crescido, a parcela de benefcios rurais
aumentou de 34,71% para 40,79% do total.
Tabela 1.3 Fluxo de novos benefcios urbanos e rurais
1990-1994
Ano Benefcios rurais novos Benefcios urbanos novos 1990 414.847 975.846 1991 280.703 1.079.195 1992 797.185 1.189.945 1993 1.124.682 1.320.883 1994 618.430 1.462.723
Fonte: MPAS (2001)
Tabela 1.4
Estoque de benefcios urbanos e rurais em manuteno 1990-1994
Ano Benefcios rurais Benefcios urbanos Total
Nmero % Nmero % Nmero % 1990 4.329.345 34,71 8.144.393 65,29 12.473.378 100,00 1991 4.101.366 32,46 8.534.205 67,54 12.635.571 100,00 1992 5.005.727 36,51 8.704.040 63,49 13.709.767 100,00 1993 6.046.648 39,99 9.075.487 60,01 15.122.135 100,00 1994 6.426.147 40,79 9.327.033 59,21 15.753.180 100,00
Fonte: MPAS (2001)
Este incremento nas quantidades e valores dos benefcios enfatizou o papel
social da previdncia para reduzir a pobreza e melhorar as condies de vida na rea
rural. A importncia da previdncia como componente da renda dos domiclios
cresceu de maneira expressiva.
A tentativa de reestruturar a previdncia social, iniciada com as Leis 8212 e 8213
se estende pelo perodo 1992-1994. Estes anos podem ser caracterizados pelo
reduzido nmero de mudanas estruturais e por iniciativas no sentido aperfeioar os
controles gerenciais e os procedimentos administrativos. Segundo Mdici e Marques
28
(1994: 3-6), o sistema se tornou mais eficiente, pelo combate s fraudes, aumento da
capacidade de arrecadao e negociao de dvidas. No entanto, tais medidas
mostraram-se insuficientes para fazer frente ao incremento das despesas. Dado esse
desacerto, a busca do equilbrio entre receitas e despesas teve como um de seus
instrumentos a eliminao de repasses para a rea de sade a partir de julho de 1993.
Em novembro de 1992, j no Governo Itamar Franco, o Ministrio do Trabalho e
da Previdncia Social foi novamente desmembrado e voltou a ser designado
Ministrio da Previdncia Social. Em 1995, no comeo do primeiro governo
Fernando Henrique Cardoso, mais uma mudana alterou a designao e as
atribuies do Ministrio, que passa a ser denominado Ministrio da Previdncia e
Assistncia Social (MPAS), forma que se mantm at o incio do sculo XXI. Estas
freqentes alteraes na vinculao e nas atribuies do rgo responsvel pela
questo previdenciria no final dos anos 80 e incio da dcada de 90 podem ser
consideradas um reflexo da situao econmica do pas que, enfronhado em uma
inglria luta contra as altas taxas de inflao, no havia tratado de maneira adequada
as questes estruturais de longo prazo.
No governo FHC, particularmente no primeiro mandato, entre 1995 e 1998, fica
evidente o descompasso entre os bons resultados obtidos no processo de
estabilizao econmica e os reduzidos progressos obtidos no aperfeioamento do
regime previdencirio. A persistncia de baixas taxas de inflao a partir de 1995
enfatizou essa dicotomia e tornou mais transparente o desajustamento entre receitas e
despesas da previdncia social. Uma combinao de escassa habilidade poltica (ou
reduzida determinao) governamental e elevado poder de reao de alguns grupos
contrrios impediu a concretizao da to aguardada reforma previdenciria, apesar
deste tema ter se mantido nas primeiras pginas da agenda poltica nos oito anos do
governo FHC. Um fator importante para explicar essa inrcia talvez tenha sido o fato
de o governo no conseguir transmitir com clareza para a sociedade qual o modelo
previdencirio desejado. Esta falta de definio dos rumos a serem seguidos
certamente reduziu o nmero de aliados nessa difcil empreitada. Coutinho (1998:
12) aponta como fatores restritivos reforma a fragmentao do apoio poltico (o
que torna difcil o embate do governo com as coalizes de resistncia) e o fato dos
benefcios oriundos serem dispersos e se materializarem apenas no longo prazo.
29
Coelho (1999) desenvolve argumento semelhante, enfatizando as disputas pelo poder
entre os diferentes grupos do poder executivo.
Concomitantemente s prolongadas discusses sobre alteraes no INSS, o
regime previdencirio dos servidores pblicos, seus privilgios, diferenas em
relao ao RGPS e seu enorme desequilbrio atuarial ganharam relevncia da agenda
do pas. A Lei 9630 de abril de 1998 uma tentativa de regulamentar e uniformizar
alquotas e regras de contribuio dos funcionrios pblicos civis da Unio,
autarquias e fundaes. Esta lei define uma alquota de 11% para as contribuies
dos funcionrios pblicos das trs esferas de governo.
Sua vigncia foi bastante reduzida. No processo de mudana de rumos da
poltica econmica desencadeado pela desvalorizao cambial do incio de 1999 e da
premente necessidade de uma poltica fiscal mais restrita, foi sancionada a Lei 9783
de 28 de janeiro de 1999. Por meio deste polmico ato definiu-se que os aposentados
e pensionistas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio tambm passariam a
contribuir para o financiamento de seu regime previdencirio, com base em uma
alquota de contribuio bsica de 11% sobre o valor total da aposentadoria ou
penso. Alm disso, seu artigo 2 definia sobrealquotas temporrias23 de 9%,
incidindo sobre a faixa salarial entre R$ 1200,00 e R$ 2500,00 e de 14% para
salrios acima de R$ 2500,00. Talvez j prevendo a reao que tal medida geraria,
tornou-se isenta de contribuio a parcela da aposentadoria ou penso inferior a R$
600,00, valor este aumentado para R$ 3000,00 quando o servidor fosse aposentado
por invalidez ou tivesse mais de 70 anos.
Cedendo forte presso do funcionalismo pblico, a Lei 9988 de 19 de julho de
2000, em seu artigo 7, revogou as sobrealquotas temporrias. A mesma lei tambm
decretou a devoluo aos funcionrios e beneficirios dos valores cobrados a mais no
curto perodo de existncia de cobrana adicional, que nem chegou a seis meses.24
Em novembro de 1999, visando