UM CASO DE SÍNDROME DE COMPRESSÃO DO TRONCO … · pHmetria esofágica Colonoscopia Ecografia...

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196 N.ALMEIDA ETAL GEVol.13

CasosClínicos/ClinicalCases

UM CASO DE SÍNDROME DE COMPRESSÃO DO TRONCOCELIACO COM EVENTUAL COMPONENTE IATROGÉNICON.ALMEIDA,P.AMARO1,C.GONÇALVES,C.GREGÓRIO1,D.GOMES1,M.OTERO3,H.GOUVEIA1,D.FREITAS1

Resumo

Apresenta-seocasodeumdoentede64anoscomepigas-tralgias,náuseasevómitosrecorrentes,associadosaaste-nia,anorexia e emagrecimento significativonosúltimosmeses.Estasqueixasestavampresentesdesde1998masagravaram-se em2002após cirurgiapara correcçãodeacalásia.Peranteaavaliaçãoefectuadacolocaram-secomohipótesesdiagnósticasumapancreatiteaguda idiopáticarecorrenteouumaisquémiamesentérica.Arealizaçãodearteriografiaabdominalevidenciouumaestenosesignifica-tivadotroncocelíaco,compatívelcomsíndromedecom-pressãodotroncocelíaco.Arevisãodoprocessoradiológi-cosugeriueventualsequeladelobectomiasuperioresquer-darealizadaem1994.

Summary

A64yearsoldmanpresentedwithrecurrentepigastricpain, nausea and vomiting associated with asthenia,anorexia and significantweight loss in the lastmonths.Thesecomplaintsbeganin1998butworsenin2002,aftersurgery for achalasia.The evaluationperformed so farfavoredthediagnosisofrecurrentidiopathicacutepancre-atitisoramesenteric ischemia.Abdominalangiographyperformedrevealedasignificantceliactrunkstenosiscom-patible with celiac trunk compression syndrome.Reevaluationoftheradiologicalfilesuggestedasequelofleftsuperiorlobectomyperformedin1994.

GE-JPortGastrenterol2006,13:196-201

(1) ServiçodeGastrenterologiadosHUC,Coimbra,Portugal(2) ServiçodeGastrenterologiadoHospitaldeSantoAndré,Leiria,Portugal(3) ServiçodeImagiologiadosHUC,Coimbra,Portugal

Recebidoparapublicação:15/11/2005Aceiteparapublicação:03/05/2005

INTRODUÇÃO

ASíndromedeCompressãodoTroncoCelíaco(SCTC),também conhecida por Síndrome daBandaCelíaca,Síndrome deCompressão peloLigamentoArqueadoMédioeSíndromedeDunbaréumaentidadeclínicaconhecidadesde1963.NesteanoHarjola(1)publicouumcasodealívioacentuadodedorabdominal,apóstersidoefectuadaa libertaçãodo troncocelíacodacom-pressão exercida sobre ele por um gânglio celíacofibrótico.Estaentidadetemsidoalvodealgumacontro-vérsiamasdevefazerpartedodiagnósticodiferencialdasdoresabdominaiscrónicas.Emtermosanatómicos,acompressãodotroncocelíacoé geralmente condicionada por estruturas adjacentescomo o ligamento arqueadomédio, que une os doispilaresdodiafragma,eosnervosegângliosdoplexocelíaco(2).Aprópriacompressãopode,porsisó,condi-cionarumareorganizaçãodaparedearterialcomespes-samentodaíntimaedesorganizaçãodascamadasmédiaeadventícia.Em termos fisiopatológicos há quatro hipóteses paraexplicaradornestesdoentes(2,3).Asduasprimeiras,neuropáticas,postulamqueadorésecundáriaàirritaçãodasfibrasdoplexocelíacoprovocadapelavibraçãoarte-rialoupelahiperestimulaçãodefibrasdosistemaner-

vososimpáticoexistentesaestenível,condicionandovasoconstricçãoeisquémia.Asoutrasduas,vasculares,defendemqueascolateraisexistentesentreoleitovas-cular do tronco celíaco e o leito vascular da artériamesentéricasuperior(asprincipaiscolateraissãoaspan-creático-duodenais e as pancreáticas dorsais) ou sãoinsuficienteseadorresultada isquémiado“intestinoanterior” ou são demasiado amplas e durante a fasedigestivaháacentuado“roubo”desangueporpartedoterritóriovasculardotroncocelíacoedestemodoadorresultadaisquémiado“intestinomédio”.Emboranãoexistamcritériosdediagnósticobemestabe-lecidos(2),nemumdoentetipobemdefinido,estasín-dromeparece sermais frequenteno sexo feminino eentreos20eos50anosdevida.Osintomacardinaléadorabdominalcrónica.Estacomeçadeformagradual,muitasvezesmesesaanosantesdodiagnósticofinal,eévariávelnasualocalizaçãocompredomínionosqua-drantessuperiores.Tambémévariávelnasuanaturezasendoporvezesdescritacomoummerodesconfortoe,outras vezes, como uma dor intensa tipo cólica. Arelaçãodadorcomasrefeiçõestambémnãoéconstantemas,quandoexiste,condicionaumaverdadeira fobiaalimentar(2)epodelevaraemagrecimentosignificati-vo.Asnáuseaseaseructaçõesacompanhamfrequente-menteoquadroclínico.

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Noexameobjectivoéfrequenteencontrar-seumindiví-duolongílineo,emagrecidoecomumsoproepigástriconaauscultaçãoabdominal,queseintensificaduranteaexpiração,faseemqueacompressãoexercidasobreotroncocelíacoseexacerba.Odiagnósticodefinitivoéestabelecidopelaarteriografiaabdominal. A lesão típica da SCTC consiste numaestenoseexcêntrica,lisa,davertentesuperiordotroncocelíaco, a cerca de 1 a 2 cm da sua origem, e comdilataçãopós-estenóticaem40a50%doscasos(2).Assim,aSCTCpoderáserumacausadedoresabdomi-nais crónicasmas o seu diagnóstico é de exclusão erequerumestudoexaustivoparaafastaroutrascausasmaisprováveis.Pelasuararidade,émuitofrequentequesóseestabeleçaodiagnósticováriosmesesouanosapósoiníciodasqueixas.Nãoéincomumasmesmasserematribuídas aumquadropsicossomáticoou funcional,face àdesproporção entre aperturbação causada aosdoenteseaescassezdeinformaçãoobtidapelaavaliaçãocomplementarrealizada.Daíointeressedestecasoclíni-coeabreverevisãodestapatologia.

CASOCLÍNICO

Apresenta-seocasoclínicodeumdoentede64anosdeidade,caucasiano,casado,bancáriodeprofissão(refor-mado) e que em 08/2004 recorreu ao Serviço deUrgência(SU)porqueixasdeepigastralgias,semirradi-ação,acompanhadasdenáuseasevómitos,comcercade24hdeevoluçãoecomalgunsepisódiospréviossimi-lares.Desde2002queestedoenteestavaaseracompa-nhadonoambulatórioporapresentarepisódiosdedorabdominaldelocalizaçãovariável(predominantementenoepigástriomasocasionalmentenaregiãoperiumbili-calemesmonohipogástrio),denaturezatambémvariá-

velassumindonalgumasocasiõesascaracterísticasdedorabdominaltipocólica,masporvezestipomoedouroousómenteumdesconforto.Aevoluçãodestasqueixasálgicaseraigualmentevariávelalternandoperíodospau-cissintomáticosou assintomáticos comperíodosmaisexuberantes. Estes episódios álgicos eram acompan-hadosdeformamaisoumenosfrequentedepirose,eruc-tações,regurgitaçãoevómitos(raros).Inicialmentenãose verificava qualquer relação clara com factores dealívio ou agravamento, nomeadamente as refeições.Apósavaliaçãocomplementarefectuadaquenãoreve-loualterações significativas, foi instituída terapêuticaempíricacomprocinéticoseinibidoresdabombadepro-tõesmasobtiveram-seresultadosmuitolimitados.ApartirdeAbrilde2003estesepisódios tornaram-semais frequentes e intensos, condicionando mesmoalguns internamentos.Nestes períodos verificou-se apresençadevaloreselevadosdeamilasúria(3a5xsupe-rioraonormal)eamilasémia(<2xsuperioraonormal)mascomlipasémiasnormais,assumindoasqueixasálgi-casumacorrelaçãocomasrefeiçõesesurgindomesmo“medodecomer”.Duranteesteperíododetempoverificou-seumaperdadepesoprogressiva,masmaisacentuadanosúltimos18meses,comreduçãode13,8%dopesocorporal.OsantecedentespessoaissãoapresentadosnoQuadro1.Emrelaçãoaosmesmoséimportantereferirquealobec-tomia superior esquerda se complicou com o desen-volvimento de hemotórax, com necessidade de colo-cação de dreno torácico, condicionando à posteriorifenómenos de espessamento pleural e fibrosemedi-astínica.Aalergiaaoiodoederivadosfoiestabelecidacombaseemreacçãoadversaaocontrasteendovenosoadministradonodecursodeumapielografia realizadaem1991.Talfactocondicionavaaavaliaçãoimagioló-gicadopâncreasedoseixosvascularesabdominais.Nesteinternamentoodoenteestavabastanteemagreci-do,dehábitoasténico,com idadeaparentesuperioràidade real, sem alterações à auscultação cardio-pul-monar,comabdómensemsopros,moleedepressívelmasdifusamentedolorosoàpalpaçãoprofundaemborasem evidênciasde irritaçãoperitoneal.Não seobser-varamedemasperiféricosnemadenopatiaspalpáveisanívelcervical,axilarouinguinal.Peranteestequadrotãoinespecíficojátinhamsidoefec-tuadosmúltiplosexamesauxiliaresdediagnósticoqueseexplanamnoQuadro2.Tendoemlinhadecontaestasalteraçõeseaevoluçãorecentedasintomatologianomeadamenteacorrelaçãocomas refeiçõeseoemagrecimento,ashipótesesdediagnósticoqueassumiammaiorrelevânciaeramasdepancreatite aguda idiopática recorrente e isquémiamesentérica.Nestesentidorealizou-seumapancreato-

Quadro1-AntecedentesPessoais

1 Acalásiadiagnosticadaem2001com tentativadedilataçãocom

balãoRigiflex®

2 Esofagocardiomiotomia deHeller e fundoplicatura deDohr em

2002

3 Lobectomia superior esquerda em 1994, por hemoptises recor-

rentes,mostrandooestudoanatomo-patológicoapresençadeum

hamartocondromaperi-brônquico

4 Prostatectomiaradicalporviasupra-púbicaem1991,porhiperpla-

sianodular

5 Hipertensãoarterial

6 Insuficiênciaaórticaligeiraamoderada

7 Alergiaaoiodoederivados

8 Ausênciadehábitostabágicoseetílicos

RMNcominjecçãodesecretinaquenãorevelouquais-queralterações.Apóscontactocomocolegadaangiografiaeexplicadosaodoenteeàfamíliaosriscosinerentesàutilizaçãodeprodutodecontrasteoptou-sepela realizaçãodeumaarteriografiaabdominalaqualdemonstrouapresençadeestenosesignificativadotroncocelíaco,superiora50%,excêntrica,comdilataçãopós-estenótica(Figura2).Ascaracterísticasdaestenosesugeriamquepodiaresultardeumacompressãoextrínseca.Aartériamesentéricasuperiornão tinhaquaisqueralterações.EstavaassimestabelecidoodiagnósticodeSíndromedeCompressãodoTroncoCelíaco.Curiosamente,comarevisãodoprocessoimagiológicoverificou-sequeantesde1994aaortanãotinhaqualquerangulaçãomas amesma tornou-se bastante evidenteapósacirurgiapulmonarrealizada,observando-setam-bémoutrasalteraçõescomoaelevaçãodahemicúpuladiafragmáticaesquerda(Figura3).Estesfactoslevantamahipótesedeasalteraçõesarteriaisseremconsequênciadorepuxamentoemdirecçãocranialdaaortatorácicaeabdominal pelas alterações fibróticas subsequentes à

cirurgia torácica. Deste processo terá resultado oencravamento e a compressão do tronco celíaco nasestruturasligamentaresqueladeiamaaortanasuatran-siçãodotóraxparaoabdómen.Em termos terapêuticos foi tentada angioplastia per-cutânea,massemsucessopornãoseconseguircateteri-zar selectivamente o tronco celíaco,mesmo por viaumeral.Foientãopropostacirurgiamas,estanão foirealizadaporsetratardeumdoentecomelevadoriscocirúrgico.OdoentefoiorientadoparaaConsultadaDoremedicadocomváriosanti-álgicoscomo tramadolegabapentina,commelhoriaparcialdasdoresabdomi-nais. Realizou-se posteriormente bloqueio do plexocelíaco, com resultadosmoderados encontrando-se odoentepaucissintomáticodesdehá8meses.

DISCUSSÃO

A Síndrome de Compressão do Tronco Celíaco foidescritapela1ªvezem1963porHarjola(1)etemsidoalvodecontrovérsiadesdeentão.AssumiumaiorimportânciaquandoDunbareseuscole-gasapresentaramuma sériede15pacientescomdorabdominalecompressãodotroncocelíaco,demonstradaangiograficamente,comalíviosintomáticoapóssecçãodoligamentoarqueadomédio.Subsequentemente, foram descritos vários casos queteriamsidotratadoscomsucessomas,em1972,Szilagyiecolaboradores(4)puseramemcausaestaentidade.Arevisão dos casos tratados cirurgicamente até então,mostrouqueexistiapoucauniformidadenosmétodosdediagnósticoede tratamentoeo tempodeseguimentopós-cirurgiaerademasiadoreduzido,parasepoderemextrairilaçõessobreasuaeficácia.Estesautoresdefen-

Quadro2-ExamesComplementaresdeDiagnósticorealizadosapartirde2002

ExamesComplementaresdeDiagnóstico

Hemograma,Bioquímica,SumáriadeUrinastipo2,

EndoscopiaDigestivaAltaepHmetriaesofágica

Colonoscopia

EcografiaAbdominal

TACabdominal(efectuadasemcontraste)

ECO-endoscopia

RMNabdominal

Colangiopancreato-RMNcominjecçãodesecretina

Resultados

- Semalterações

- Semalterações

- Diverticulosedocólonesquerdo

- Calcificações hepáticas puncti-formes

-Nefrolítiasenãoobstrutivaàesquerda-Ectasiadaaortaabdominalajusantedotroncocelíaco

- Estudodopâncreasnãoconclusivo- Espessamento nodular da paredegástrica

- Semalterações

- Sem alterações do pâncreas e viasbiliares

- Aortamoderadamenteaumentadadecalibreefrancamentetortuosanasuatransiçãotoraco-abdominal

- Discretadilataçãoaneurismáticadaorigemdotroncocelíaco(Figura1)

-Semalterações

Figura1-ImagemdeRMNmostrandoacentuadatortuosidadedaaortanasuatransiçãotoraco-abdominal.

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rinseviasurinárias),colonoscopiaeTACabdominal.Muitasvezesénecessárioalargaroâmbitodesteestudoerealizarestudoscontrastadosdotubodigestivo,pielo-grafiaintravenosaecolangiopancreatografiaretrógradaendoscópicaoucolangiopancreatoressonânciamagnéti-ca(CPRM).Noquedizrespeitoaodoenteapresentado,foram realizadosváriosexamesquenão forammuitoesclarecedores relativamenteàsuasituaçãoclínica.Ofactodeexistirhistóriadealergiaaprodutosdecon-traste iodados condicionava seriamente a abordagemdiagnóstica.ARMNrealizadamostravaumaangulaçãoacentuadadaaortanasuatransiçãotoraco-abdominaleumadilataçãoaneurismáticadaorigemdotroncocelía-co.QuandoocasofoidiscutidocomaCirurgiaVascularentendeu-sequesódificilmenteestaalteraçãoestarianaorigemdasdoresabdominaisqueodoenteapresentava.OdiagnósticofinaldaSCTCéestabelecidoatravésdaarteriografiaabdominalmascadavezmaissedefendeautilizaçãodoEco-Dopplerabdominalnorastreiodaes-tenose/oclusãodosgrandeseixosarteriaisabdominais(7)empacientescomclínicasugestivadeisquémiaintesti-nalcrónica.Nodoenteemquestão,àmedidaqueasquei-xas se foramacentuando,adquirindomaiorcorrelaçãocomasrefeiçõeseapósseexcluireventualpatologiapan-creáticaporRMNecolangiopancreato-RMcominjecçãodesecretina,ahipótesequemelhorenquadravaasquei-xasapresentadaseaselevaçõesdaamilasémiaedaami-lasúriadosepisódiosmaisexuberantes,eraadaisquémiaintestinal.Asseguradaaexistênciadeumprovávelbaixoriscoalérgico,pelareduzidanaturezaalergénadoscon-trastesactualmenteutilizados,optou-sepelarealizaçãodaarteriografiaquedemonstrouaexistênciadalesãocon-sideradadiagnósticadaSCTC(Figura2).Emtermosterapêuticoséútilrecordarqueacompressãodotroncocelíacoégeralmentecondicionadaporestru-

diamquenãoexistiaumabasefisiopatológicafidedignaparaestasíndromeumavezque,teoricamente,sóocor-reriaisquémiavisceralsepelomenos2eixosvascularesarteriaisestivessemcomprometidos.Poroutrolado,de-monstrou-seaexistênciadeumareduçãosignificativadocalibredotroncocelíaconumapercentagemelevada(até24%)deindivíduos,queeramsubmetidosaarterio-grafiaporoutrosmotivosenãotinhamquaisquerquei-xasálgicasabdominais(5).Sóem1985,comostrabalhosdeReillyecolaboradores(6)queapresentaramasériemaisnumerosaebemdo-cumentadadedoentescomestapatologia,aSCTCvoltaaserreabilitada.Conforme já foi dito previamente, o diagnóstico daSCTCpassaporexcluirmosoutraspossíveisemaisfre-quentescausasdedorabdominal,atéporquenãoexis-temcritériosdediagnósticobemdefinidos.Estaentidadeparecesermaisfrequentenosexofemini-noeentreos20eos50anosdevida.Osintomacardi-naléadorabdominalcrónica,deinícioinsidiosoedecaracterísticasmaldefinidas.Estesparâmetrosvariáveisnasalgiasabdominaisaplicam-sena íntegraaonossodoente.Emtermosdeexameobjectivooachadomaisrelevanteé apresençadeum sopro epigástricona auscultaçãoabdominalquese intensificaduranteaexpiração.Nonossodoente,omesmonãoestavapresentemastalnãoinvalidaodiagnóstico.Aliás,estemesmosopropodeestarpresentenumnúmerosignificativodeindivíduosassintomáticos.Relativamente aos exames auxiliares de diagnóstico,tratando-sedeumdiagnósticodeexclusão,podereque-rerumabateriaampladeexamesquepassamobrigato-riamenteporumestudoanalíticocompleto,endoscopiadigestivaalta,ecografiaabdominal(nãoesquecendoos

Figura2-Imagemdeangiografiaabdominalquemostraacompressãoexistentesobreavertentesuperiordotroncocelíaco(seta)comdilataçãopós-estenóticaeartériamesentéricanormal(B).

A B

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turasanatómicasadjacentes,comooligamentoarquea-domédioeosnervosegângliosdoplexocelíaco(2).Contudo,estacompressãopodecondicionarumareor-ganizaçãodaprópriaparededa artéria, com espessa-mentoda íntima secundárioàproliferaçãodecélulasmusculareslisaseaumentodamatrizextracelularedes-organização das camadasmédia e adventícia. Estasalterações podemmodificar a abordagem terapêuticapois,duranteoprocessodelibertaçãodotroncocelíacodas estruturas que o comprimem, se se constatar aexistênciadeum espessamentodaprópriaparededomesmoénecessárioprocederarevascularização.Asopçõesterapêuticaspassampelaangioplastiatranslu-minalpercutânea,emboraosucessodestapareçaserlimi-tado (8)epelacirurgiacomdescompressãodo troncocelíacoporsecçãodasestruturasqueocomprimem.Sepossível,deveserefectuadadilataçãodotroncocelíaco,eventualmentecomdilatadorescoronários,ousecçãodazonalesadaereconstruçãodotroncocelíacoporanasto-mosetopo-a-toposeeletiverlongitudesuficienteou,senãotiver,comby-passaorto-celíaco.Nestedoentereali-zou-se inicialmente tentativadeabordagempercutâneaporviafemoraleumeralmas,nãoseconseguiucateteri-zarselectivamenteotroncocelíacopelatortuosidadequeaprópriaaortaapresentava.Propôs-seentãocirurgiamasamesmafoiproteladaporqueosproblemascardíacosde

queodoenteeraportadoreosprocedimentoscirúrgicosprévios,comprovávelexistênciademuitasaderências,condicionavamumriscocirúrgicoelevado.Opasso seguinte consistiu em tentardiminuir ador.Atendendoàs4hipótesesparaexplicarasqueixasálgi-casnestesdoentes(2,3)procedeu-seàadministraçãodemedicação anti-álgica, nomeadamente fármacos queactuamsobreadorneuropáticacomoagabapentinaeposteriomenteaobloqueiodoplexocelíaco.Osresulta-dosobtidos,emboralimitados,levam-nosapensarqueos2mecanismosneuropáticos já referidospodem,defacto,contribuirparaaetiologiadadornonossodoente.Acompressãodotroncocelíacopeloligamentoarquea-domédioécomumsendomesmoconsideradaumavari-anteanatómicanormal(9).Naliteraturaestãodescritosalguns casos de compressão do tronco celíacosecundáriaacirurgia,sobretudoduodenopancreatecto-mia (10).Nestedoente,a revisãodoprocesso imagi-ológicopermitiuconstatarqueaangulaçãodatransiçãotoraco-abdominaldaaorta(assimcomoaelevaçãodahemicúpula diafragmática esquerda) surgiu após alobectomia superior esquerda e respectivas compli-caçõesocorridasem1994epoderá ter sidoagravadapelacirurgiadaacalásiarealizadaem2002(Figura3).Nãoédetododescabidoassumirumacorrelaçãoentreestascirurgiaseoquadroclínicoqueodoenteveioadesenvolver.Nãoencontrámosnenhumoutrocasosimi-lardescritonaliteratura.Estamosassimperanteumaentidaderara,controversa,masquetemosdeterpresentenodiagnósticodiferencialdascausasdedorabdominalcrónica.Aeventualetiolo-giaiatrogénicanocasoapresentadoreforçaaimportân-ciadeatendermosaosantecedentespatológicosdosnos-sosdoentes.

Correspondência:

N.AlmeidaServiçodeGastrenterologia–HospitaisdaUniversidadedeCoimbraAvenidaBissayaBarretoePracetaMotaPinto3000-075CoimbraTelefone:239400438;Fax:239482805e-mail: nuno.p.almeida@clix.p

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