Post on 15-Oct-2015
1Sdade do Cordo
Sdade do CordoErmelinda A. Paz
Fundao UniversitriaJos Bonifcio
2 Ermelinda A. Paz
Crditos 2000 - Copyright by Ermelinda A. PazFoi feito o dispositivo legal na Biblioteca Nacional.
Todos os direitos reservados.
Edio de texto: Lgia Vassalo
Reviso de texto: Ceclia Viveiros de Castro
Digitao: Marcia Trigueiros
Cpias Musicais: Ermelinda Emma Couto
Figurinos de 1987 Maria Carmen Alves Pereira de Souza
Os figurinos de Maria Carmen foram inspirados nas Aquarelas de Di Cavalcanti, mediante
autorizao da cessionria dos direitos autorais, Dalila Luciana.
Fotografias dos figurinos de Maria Carmen: Ricardo Behring
Projeto Grfico, diagramao e assessoria produo: Eliana Formiga e Moema Mariani
Reproduo dos jornais: arquivo da Biblioteca Nacional
Reproduo dos jornais das pginas 50 e 51: Jornal O GLOBO
Reproduo das fotografias: acervo do Museu Villa-Lobos e Academia Brasileira de Msica
Este livro foi publicado com apoio da Fundao Universitria Jos Bonifcio (FUJB) como
parte das comemoraes de seu Jubileu de Prata.
Paz, Ermelinda A.
P368s Sdade do cordo / Ermelinda A.
Paz. -- Rio de Janeiro: ELF, 2000.
104 p. il
Inclui partituras
ISBN
1. Carnaval antigo 2. Cordes carnavalescos 3. Msicas carnavalescas
I. Ttulo
CDD 394.26
3Sdade do Cordo
Oferecimento
Para
A Professora Lgia Vassalo pelo estmulo para que eu realizasse este tra-
balho.
A todos aqueles que contribuiram para o enriquecimento deste fornecen-
do importantes depoimentos, ressaltando, em especial, a pessoa de Sr.
Silvio Cecotto.
Os meus pais Pacfico e Edna, minha filha Luciana, meu esposo Zanini
pela compreenso, carinho e apoio irrestrito em todos os momentos de
minha jornada.
4 Ermelinda A. Paz
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Secretaria Municipal de Cultura
Prmio Carioca de Monografia 1994
Prmio especial
5Sdade do Cordo
Sdade do CordoO Brasil precisa de educao,de uma educao que no seja de pssarosempalhados em museus,mas de vos amplos no cu da arte.
Heitor Villa-Lobos
6 Ermelinda A. Paz
7Sdade do Cordo
Agradecimentos
A publicao das partituras e letras das msicas constantes nesta obra tiveram sua inserogentilmente autorizada pelos detentores dos direitos autorais, a quem agradecemos:
MANGIONE, FILHOS & CIA. LTDA., por Aurora (de Roberto Roberti e Mrio Lago), Jardineira(de Benedito Lacerda e Humberto Porto), Mame eu quero (de Vicente Paiva e Jararaca),Pastorinhas (de Joo de Barro e Noel Rosa - 50%);
IRMOS VITALE S/A, por Al-l- (de Haroldo Lobo e Nssara), Desfile dos heris do Brasil -Senhora Rainha (msica de Heitor Villa-Lobos, letra de Hermnio Bello de Carvalho), Mal-me-quer (de Haroldo Lobo e Nssara);
Dr. DALTON VOGELER - ASSOCIAO DEFENSORA DE DIREITOS AUTORAIS FOTOMECNICOS, porAl-l- (de Haroldo Lobo e Nssara), Canto do paj (de Villa-Lobos e Paula Barros), Hino docarnaval brasileiro (de Lamartine Babo), abre alas (de Chiquinha Gonzaga), Pastorinhas (deJoo de Barro e Noel Rosa - 50%);
HERMNIO BELLO DE CARVALHO, pela poesia de Senhora Rainha;
MARIA CARMEN ALVES PEREIRA DE SOUZA, pela reproduo dos figurinos do bloco de 1987;
MUSEU VILLA-LOBOS e ACADEMIA BRASILEIRA DE MSICA pela permisso de divulgar foto-grafias e partituras pertencentes ao seu acervo;
EQUIPE DO MUSEU VILLA-LOBOS na pessoa de seu Diretor e violonista Turbio Santos;
ACADEMIA BRASILEIRA DE MSICA por seu Procurador Dr. Henrique Gandelman;
FUNDAO UNIVERSITRIA JOS BONIFCIO na pessoa de seu Presidente Professor CarlosNilo Gondim Pamplona.
8 Ermelinda A. Paz
9Sdade do Cordo
Sumrio
Pgina
Prefcio 11
Por que Sdade do Cordo? 13
O carnaval antigo 17
Msicas dos antigos cordes 21
Sdade do Cordo: 1940 25
Marcha-rancho de 1940 27
Fotos dos ensaios de 1940 28
Reproduo de recortes de jornais de 1940 32
Fotos do desfile de 1940 35
Figuras do Cordo de 1940 54
Figurinos de 1987 - Desenhos de Maria Carmen 57
Sdade do Cordo: 1987 65
Fotos do desfile de 1987 65
Msicas dos antigos cordes 69
Msicas do desfile de 1987 73
Relao dos participantes de 1987 93
Projeto Centenrio de Villa-lobos 97
Bibliografia 99
10 Ermelinda A. Paz
11Sdade do Cordo
Prefcio
Foi uma bela surpresa a leitura do Sdade do Cordo de Ermelinda A. Paz,
que perpetua uma experincia nica de Heitor Villa-Lobos, que por sua
vez pretendia perenizar o esprito verdadeiro do Carnaval Carioca atravs
dos cordes e blocos carnavalescos.
O documento de Ermelinda consegue ao mesmo tempo testemunhar mi-
nuciosa e calculadamente todos os passos de Heitor Villa-Lobos na
reconstituio do Sdade e portanto, o esprito reinante no comeo do
sculo, e restituir a tremenda emoo que cercou a constituio do Bloco
Sdade do Cordo em 1940 e sua reconstituio em 1987, ano do cente-
nrio de nascimento de Heitor Villa-Lobos.
Qualquer atividade carnavalesca levanta um desafio, algumas vezes
intransponvel. Como organizar uma festa dionisaca com uma aplicao
espartana e uma lgica que poderia exasperar Descartes?
Villa-Lobos, quando abraou seu destino, de descrever o Brasil utilizando
uma orquestra sinfnica como principal veculo de sua obra, j praticava
o difcil exerccio de descrever o caos dentro de um contexto que o da
orquestra tradicional. De certa forma, Sdade do Cordo, foi uma sinfonia
vivida e no escrita, que Heitor deixou para a posteridade.
Quando a equipe do Museu Villa-Lobos, decidiu em 1987 refazer o Sdade,
todos foram de certa maneira, conduzidos e hipnotizados pelo desejo
certeiro do grande compositor, de preservar para a eternidade o
renascimento de sua juventude, do bloco do seu corao!
O entusiasmo das pessoas trabalhando e brincando, parecia algum tipo
de parceria mgica com o bloco primordial de 1940.
12 Ermelinda A. Paz
No momento em que desfilamos, no centro da cidade do Rio de Janeiro,
os rostos de encantamento e surpresa das pessoas mais idosas eram a
saudao suprema ao gnio de Heitor Villa-Lobos. As mesmas pessoas,
que esquecendo a idade, invadiam o bloco, retornando por essa mquina
do tempo, quarenta anos atrs e ingressando no mundo de sonhos que s
a imaginao prodigiosa do povo brasileiro pde criar.
Ermelinda A. Paz nos presenteia com este livro-testemunho que enrique-
ce sua competente carreira de pesquisadora mas nos devolve a alegria de
uma experincia inesquecvel: um carnaval em companhia de Heitor Villa-
Lobos em pleno 1900!
Turbio Santos.
Diretor do Museu Villa-Lobos
13Sdade do Cordo
Tratar de Sdade do Cordo assim mesmo, obedecendo corruptela
popular da palavra uma maneira de preservar a memria nacional,
registrando aspectos do carnaval carioca. Esta festa, como todas as ma-
nifestaes de arte popular, merece ser resguardada, para que as tradi-
es no se percam. A elas se associa a personalidade de Heitor Villa-
Lobos, incansvel cultor das coisas brasileiras. Por isso ele idealizou um
grupo especial para sair no carnaval de 1940, a que deu o nome de
Sdade do Cordo. Buscava, assim, recuperar as origens desse festejo, tal
como ele ocorria no incio do sculo. Talvez uma forma de resgatar as
reminiscncias da juventude. O grande msico agiu desse modo como
uma das maneiras de contribuir para formar o gosto esttico do povo
brasileiro, a seu ver o nico meio de preparar as futuras platias para os
nossos artistas. Ele prprio nos d seu depoimento, transcrito de obra
publicada em 1946:
Por que Sdade do Cordo?
14 Ermelinda A. Paz
Sempre com o intuito de melhor informar e colaborar na edu-
cao folclrica nacional, alm das pesquisas, colheitas, estu-
dos, selees, colecionamento e ambientao musical que rea-
lizamos, de melodias annimas de todo o interior do Brasil,
desde a melopia amerndia, o cntico do negro e do mestio
cantiga infantil, reconstitumos, no ano de 1940, com imensa
dificuldade, a organizao completa do antigo cordo carnava-
lesco, gnero de agremiao recreativo-popular que viveu at
fins do sculo XIX. Com esse trabalho tivemos a inteno de
reviver o melhor aspecto tpico coreogrfico da mais acentuada
autoctonia, quer pelo ineditismo e imprevisto dos seus cnticos,
danas, indumentrias e cerimoniais pitorescos, como pelas suas
rsticas realizaes dramticas, nas quais podia-se verificar no
existir imitao maneira estrangeira, quer no todo, quer em
seus mnimos detalhes.
Para tal empreendimento, tivemos que recorrer a elementos que j se
achavam afastados da vida ativa, pois alguns deles contavam 90 anos
de existncia e tinham sido clebres na sua poca.
Com o auxlio daqueles antigos personagens, conseguimos ela-
borar, organizar e realizar um autntico cordo para o qual foi
dado o nome de SDADE do Cordo.
Diversos peridicos se ocuparam desta notcia. Podemos ressaltar o de-
poimento de Villa-Lobos publicado no jornal Estado de Minas de 20/01/
1940 e alvo de citao no Correio do Norte de 2/02/1940, no Jornal do
Commercio de 3/02/1940 e, ainda, na Gazeta de Notcias de 3/02/1940:
O SDADE do Cordo tem por objetivo animar o esprito naci-
onalista do povo e servir de documentao oficial para o Insti-
tuto de Cinema Educativo do Ministrio da Educao.
Este feito de Villa-Lobos provocou o maior interesse e gerou grandes expec-
tativas em torno do carnaval de 1940: foi considerado, como veremos mais
15Sdade do Cordo
adiante, o evento carnavalesco mais importante do ano. Apesar do sucesso
alcanado pelo Sdade do Cordo, a verdade que, com exceo dos que
participaram da exibio, a realizao carnavalesca do nosso grande compo-
sitor ficou esquecida por quase 47 anos. Em 1987, ano do centenrio do
grande maestro, a equipe do Museu Villa-Lobos teve a feliz idia de reviver o
Sdade do Cordo, em homenagem ao centenrio de nascimento do seu
patrono.
O interesse despertado pelo Sdade do Cordo prende-se a um fato im-
portantssimo: o elo que havia entre Villa-Lobos e os msicos e as mani-
festaes populares. Sempre que se fala neste nosso patrcio, fazem-se
menes muito superficiais ligao de Villa-Lobos com os chores, que
ocorreu quando ele era bem jovem ainda, no incio de sua carreira. Se-
gundo Alusio Dias, da Velha Guarda da Mangueira, sempre que Villa-
Lobos precisava de msicos populares ou quando alguma personalidade
estrangeira estava no Rio de Janeiro, como Aaron Copland, por exemplo,
Villa-Lobos os chamava ou ento levava os visitantes para o Buraco Quente,
onde morava Cartola. O maestro ensinou a usar o diapaso e, desde en-
to, Cartola e Alusio passaram a s afinar seus instrumentos assim.
O Sdade do Cordo tem por objetivo animaro esprito nacionalista do povo e servir de documentao oficial
para o Instituto de Cinema Educativodo Ministrio da Educao.
Raro o escritor que menciona os laos do compositor brasileiro com
grandes nomes como Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, Donga, Joo da
Baiana, Cartola, Alusio Dias, Herivelto Martins e muitos outros que, ine-
gavelmente, j fazem parte da histria da msica popular brasileira. O
nmero de artigos escritos sobre Villa-Lobos e suas relaes com os m-
sicos populares inferior queles que apontam suas falhas humanas e o
temperamento intempestivo do maestro. No entanto, no se pode negar
que, em escala de importncia, as relaes do nosso grande compositor
com a msica popular brasileira tm um peso muito maior para a cultura
nacional do que as anedotas que apenas contribuem para caracterizar o
16 Ermelinda A. Paz
indivduo Heitor Villa-Lobos. E isso em detrimento de um conhecimento
maior e mais aprofundado de uma obra que, pelo seu valor reconhecido
internacionalmente, j uma resposta queles que ainda questionam a
importncia desses msicos, do povo, do pas, na formao da personali-
dade musical de Villa-Lobos.
Com o reconhecimento do valor de suas composies eruditas, as apre-
sentaes no exterior, a fama de grande compositor j estabelecida, a
vida de Villa-Lobos seguiu caminhos diferentes. J no havia encontros
freqentes com os chores, os criadores da msica popular, como nos
tempos da mocidade. Mas, na essncia de suas melodias, o maestro nunca
se afastou do contato com os artistas que tanto o encantaram no passa-
do. Na sua msica h a sonoridade que provm do povo e que ele,
visceralmente, buscava.
Suas msicas de inspirao popular cheiram a Stiro Bilhar, Chiquinha
Gonzaga, Ernesto Nazareth, aos chores, cantadores, seresteiros, e apre-
sentam toda uma temtica folclrica. E, como se no bastasse, em 1949,
com seus 62 anos de idade, o jovem Villa-Lobos compe o Samba Clssico,
prestando uma homenagem e dedicando-o aos compositores populares.
Queremos ressaltar apenas um dos muitos aspectos e feitos de Villa-Lobos
nesta rea, um Villa-Lobos no to conhecido, mas muito vivo e autntico.
Por isso relembraremos o carnaval antigo, pois ele serviu de base para o
SDADE do Cordo de 1940. Que, por sua vez, serviu de base verso de
1987... Desses eventos, resgatamos vrios documentos que apresentamos
ao longo do texto. So as letras das msicas cantadas e suas partituras, so
as mscaras e os figurinos de 1987 criados por Maria Carmen.
Mergulhemos, agora, nas diferentes fases do carnaval carioca, associan-
do-o tica de Villa-Lobos.
17Sdade do Cordo
No nosso objetivo historiar os primrdios do carnaval carioca, as ori-
gens e evoluo da grande festa popular, porque j foram minuciosamen-
te estudadas por Edigar de Alencar, autor de uma verdadeira enciclopdia
sobre o assunto. O mesmo tema foi abordado por especialistas como
Eneida, Wilson Lousada, Mariza Lira, Jota Efeg e Joo do Rio. Todavia,
importante recordar os costumes dos antigos carnavais, com os animados
cordes to apreciados pelo jovem Villa-Lobos, antes de falar no grupo
de folies que ele organizou. Jota Efeg nos fala de antigamente no seu
livro sobre o Ameno Resed:
O Carnaval Carioca, no princpio deste sculo, j comeava a
renunciar s prticas do entrudo. Repudiava o estpido lana-
mento de baldes de gua, o arremesso de punhados de farinha
de trigo, de limes cheios de lquidos nem sempre odorosos, e
buscava novos divertimentos. [...] Surgiam, ento, pouco de-
pois, os conjuntos denominados Z Pereira, de criao atribu-
da a um portugus de nome Jos Nogueira de Azevedo Paredes,
O carnaval antigo
18 Ermelinda A. Paz
e que reunia alguns homens forudos a martelar incessante-
mente bombos enormes fazendo barulho ensurdecedor. O Z
Pereira evoluiu para os cordes propriamente ditos (pois essa
denominao servia, tambm, para designar qualquer grupo car-
navalesco).
Ameno Resed, Teimosos da Chama, Dlia de OuroFlor de So Loureno, Rosa de Ouro
Teimosos da Gamboa, Flor do AbacateArrepiados, Recreio da Flores
frente do desfile havia o abre-alas. Era constitudo de grupos de ndios
que, em grande nmero e com evolues imitativas dos nossos selva-
gens, sopravam chifres de boi como cornetas, produzindo silvos e inven-
tando palavras para imitar o linguajar dos silvcolas. Arcos e flechas
completavam a iluso carnavalesca. As armas indgenas eram empunha-
das como se, com elas, os falsos ndios fossem atacar o povo.
Depois do abre-alas, vinha o ponto alto dos cordes o estandarte.
Considerado como smbolo, a bandeira que particularizava cada cordo, o
estandarte era confeccionado com luxo e criatividade. Bordados mo
ou pintados com capricho, os estandartes tinham tanta importncia no
carnaval da poca que eram exibidos nos balces de jornais, bem antes
do perodo de Momo. O Jornal do Brasil e a Gazeta de Notcias estimula-
vam a criatividade dos carnavalescos, concedendo prmios aos cordes
que apresentassem os estandartes mais bonitos, ricos e originais.
Mascarados e usando fantasias, os carnavalescos do cordo constituam
uma massa heterognea em que palhaos, diabos, baianas, caveiras, clvis
se misturavam com prncipes, princesas e velhos usando enormes msca-
ras. Raramente via-se algum sem fantasia. Os automveis rodavam com
as portas abertas, para que se jogassem as serpentinas. Havia muito
confete e a lana-perfume era o ponto alto. O carnaval durava trs dias,
desde as 22 horas de sbado at as 24 horas em ponto de tera-feira,
pois fora desse prazo o folio arriscava-se a ser preso. Cada grupo carna-
19Sdade do Cordo
valesco compunha-se em mdia de 200 a 250 participantes e cantava
msicas mais lentas e cadenciadas do que as de hoje.
A figura do velho era de grande importncia no cordo. Pretos ou bran-
cos, eles constituam uma atrao comparvel aos destaques das escolas
de samba de hoje. Apoiados em grandes cajados, exibiam-se em evolu-
es, caminhando com dificuldade como se carregassem realmente o peso
dos anos. A dana dos velhos, com seus passos e volteios chamados de
letras, era considerada um ponto importante para o sucesso dos cordes.
Havia um verdadeiro confronto entre tais personagens. E o aplauso popu-
lar consagrava os que melhor desempenhavam esta funo carnavalesca.
A complicada coreografia dos velhos, muitas vezes demorando mais de
meia hora, a tcnica e o virtuosismo demonstrados em suas letras, con-
tribuam para que os cordes em que se apresentavam fossem vencedores
da preferncia popular. Os cordes eram dirigidos por um mestre ou chefe
que comandava o grupo usando um apito.
A grande era dos cordes foi o incio do sculo XX. Em 1902 formaram-se
tantos, que s nesse ano a polcia licenciou mais de duzentos. Nesse ano
nasceram os Teimosos da Chama e o Grmio Carnavalesco Dlia de Ouro.
Em 1905, aumentou de tal modo o nmero de cordes que o jornal O Pas
declarou que mesmo que nenhum clube sasse rua, mesmo que no
houvesse passeata das grandes sociedades, s o desfile dos cordes j
seria garantia de um carnaval magnfico. Em 1906, a Gazeta de Notcias
promoveu o primeiro concurso entre os cordes: o mais luxuosamente
trajado ganharia o primeiro prmio, um rico estandarte, e o segundo
lugar seria para o mais original: Uma meno honrosa em artstica ban-
deira. Foi to grande o nmero de concorrentes que a Gazeta se viu
obrigada a desdobrar os prmios: dois estandartes e vrias menes hon-
rosas.
Ameno Resed, Teimosos da Chama, Dlia de OuroFlor de So Loureno, Rosa de Ouro
Teimosos da Gamboa, Flor do Abacate Arrepiados, Recreio da Flores
20 Ermelinda A. Paz
Os cordes foram os iniciadores do carnaval carioca com cantiga espec-
fica, embora privativa de cada grupo. De acordo com Edigar de Alencar,
que se baseia em informaes de Mariza Lira, j em 1885 o cordo Flor de
So Loureno aparece nas ruas cantando msica prpria. Estes cantos,
todavia, no transpunham os limites do grupo que os entoava, deles no
tomando conhecimento o povo. Eram msicas particulares, como eram,
at determinado tempo atrs, os samba-enredos, no sendo, por essa
razo, tomadas como msicas carnavalescas. A msica de Chiquinha
Gonzaga intitulada Cordo Rosa de Ouro e composta, ao que consta, por
solicitao do referido grupo carnavalesco, foi sucesso em 1899. Ela fi-
gura como a primeira composio especialmente escrita para o carnaval
carioca.
Edigar de Alencar, que baseou seu trabalho em sria pesquisa em arqui-
vos, jornais, revistas e consultas a pessoas, atesta que por muito tempo
foram cantadas no carnaval do Rio de Janeiro msicas sem qualquer sen-
tido carnavalesco: cantigas de roda, hinos de guerra, canes folclricas,
trechos de pera, rias de operetas e at fados lirs... Costumavam exal-
tar, nas suas msicas, o tipo de beleza da mulher brasileira representado
pela morena. Alm da morena, os temas das msicas cantadas pelos cor-
des em seus desfiles mostravam as poesias mais romnticas e singelas,
passando pelos rouxinis e pela rosa. Iam at o chorar das desgraas
nacionais, caricaturando ou enaltecendo os acontecimentos ptrios.
Muitas vezes os nimos se exaltavam quando os blocos se cruzavam, pois
o cordo era briguento e arruaceiro, reunindo entre seus componentes
famosos capoeiras. Por isso, em 1907, a Polcia Federal proibiu a sada de
dois deles, Teimosos da Gamboa e Teimosos da Chama, j que a rivalidade
entre ambos gerava conflitos incontveis. A violncia trouxe conseqn-
cias srias: com o intuito louvvel de evitar os conflitos entre os cordes
e grupos carnavalescos nas competies de rua, foram postas em prtica
medidas policiais que tiveram efeitos contrrios existncia dos cor-
des. Desse modo, eles ficavam impedidos de se encontrar, o que era um
dos objetivos primeiros da manifestao.
21Sdade do Cordo
Msica dos antigos cordescarnavalescos cantada pelo
Sr. Silvio Cecotto e grafada pelaautora.
Cordo Guerreiros de So Diogo
22 Ermelinda A. Paz
Msica dos antigos cordescarnavalescos cantada pelo Sr. SilvioCecotto e grafada pela autora.Cordo Estrela do Brasil
23Sdade do Cordo
Em 1911 desaparecem os cordes, surgindo em seu lugar os ranchos. Eles
deram nova feio ao carnaval carioca, cabendo a primazia da transfor-
mao ao Ameno Resed e ao Flor do Abacate. O Ameno Resed veio a ser
considerado, mais tarde, como um marco na histria do carnaval brasilei-
ro. Ao ser fundado, pretendia criar uma novidade no carnaval da Cidade
Maravilhosa. Por isso, seus organizadores atentaram para que a renova-
o a ser feita tivesse qualidades artsticas em todos os seus aspectos,
sem desprezar o sentido popular intuitivo. Mesmo sem tentar erudio, a
realizao deveria ser esmerada e de bom gosto, para agradar o mais
possvel. O rancho acabou sendo uma escola onde se pudesse aprender
novas maneiras de formar um cortejo e constituir um prstito. Ensinaria
como juntar roupagens, alegorias plsticas, luzes e musicalidade para
obter um espetculo deslumbrante.
Ameno Resed, Teimosos da ChamaDlia de Ouro, Flor de So Loureno
Rosa de Ouro, Teimosos da Gamboa, Flor doAbacate, Arrepiados, Recreio da Flores
Com este objetivo, a nova sociedade procurou trazer para seu quadro
grande nmero de carnavalescos conhecidos que, junto aos entusiasma-
dos componentes fundadores, contriburam para a merecida fama do Ameno
Resed. Para se ter uma idia do que ela conseguiu, basta dizer que
msicos categorizados como Z do Cavaquinho (Jos da Silva Rabello);
Quincas Laranjeiras (Jos da Conceio), excelente violonista e exmio
choro; Henrique Martins (ex-trombonista da Orquestra do Teatro Munici-
pal) e os pistonistas da Banda do Corpo de Bombeiros, dirigida pelo
maestro Anacleto de Medeiros, participavam gratuitamente dos ensaios e
dos desfiles do rancho. Assim, muitos msicos de renome foram atrados
pela sociedade, como Jos Barbosa da Silva, o popularssimo Sinh,
cognominado o Rei do Samba, que fez parte da orquestra do Ameno
Resed tocando flauta e violo.
Mas em 1940 os ranchos estavam no ocaso. Os poucos que persistiam
apenas mantinham viva a tradio. No mais constituam a atrao que,
24 Ermelinda A. Paz
de 1910 a 1930, foi estimulada por grupos como o Ameno Resed, o Flor
do Abacate, o Arrepiados, o Recreio das Flores e tantos outros. Em seu
lugar, as escolas de samba evoluram, numerosas. Haviam deixado de ser
os simples blocos, grupos ou embaixadas com as baianas gingando na
batida dos tambores, pandeiros e cucas.
Ningum mais se recordava dos cordes como foram retratados anterior-
mente. Eles passaram a existir no arquivo da memria popular, na lem-
brana daqueles que os viveram ou assistiram seus desfiles na primeira
dcada do sculo. Da a idia de Villa-Lobos de restabelecer, em 1940,
um cordo desse tipo.
25Sdade do Cordo
O entusiasmo de Villa-Lobos pelo carnaval era antigo. Ele no dispensava
o bloco de sujos que se apresentava na segunda-feira de carnaval na
Praa Onze. Ia sempre assisti-lo em companhia dos amigos mais chega-
dos. L se via uma batucada com uma roda imensa, onde todos cantavam
o estribilho. Para o centro ia um dos batuqueiros, improvisando versos e
exibindo passos. Ao findar sua demonstrao, figurava uma coreografia
de capoeira, terminando-a com uma reverncia dirigida a um outro parti-
cipante. Ela era ao mesmo tempo um convite para o seguinte mostrar do
que era capaz.
Sdade do Cordo: 1940
26 Ermelinda A. Paz
Villa-Lobos saa sempre num bloco que causava estardalhao e provocava
inevitveis protestos. Certa feita, convenceu o maestro Arthur Rubinstein,
seu grande amigo, a prolongar a permanncia no Rio de Janeiro para
participar de nossa festa maior. Mrio Lago, em suas memrias, assim se
refere a essa sada:
E liderando o bloco no auge da alegria, como tambm de uma
total falta de jeito e cadeiras convenientemente moles para o
remelexo, l ia Arthur Rubinstein metido na pele da nica fan-
tasia que tinha sido possvel arranjar-lhe ltima hora: uma
baiana deslumbrante, com torso de seda e tudo.
Em relao s comemoraes de Momo, de outra vez o grande msico
teve uma idia de gnio: fazer ressurgir, em 1940, um verdadeiro cordo,
na maior fidelidade possvel, tal como ele existira no incio deste sculo.
Queria-o como antes haviam sido o Terror das Chamas, o Pavor dos Ino-
centes do Morro do Pinto, o Prazer da Pedra Encantada e tantos outros.
Precisava de uma assessoria adequada ao empreendimento. Por isso foi
buscar a cooperao de vrios integrantes de velhos cordes, dentre eles
o famoso Jos Gomes da Costa, tambm conhecido como Pai Aluf, Z
Spinelli ou Z Espinguela, autor da marcha de cordo Brasil, do Sdade
do Cordo. Alis, foi ele quem iniciou os preparativos para aquilo que
veio a se chamar o Sdade do Cordo.
Quem foi este carnavalesco que recebeu uma incumbncia to importan-
te? Para descobri-lo, buscamos depoimento de pessoas que o conhece-
ram, como seus filhos Wilson e Crispim Gomes da Costa, Dona Zica da
Mangueira, Tia Rosinha. Esta era comadre do Espinguela e prima da por-
ta-bandeira Mocinha. Foi tambm uma das pastoras do Grupo do Pai Aluf,
tendo participado das gravaes para o maestro Stokowsky no navio Uru-
guai.
O Spinelli nasceu em 1901 e morreu com 42 anos. Foi um dos fundadores
da Mangueira, onde conheceu o maestro, como afirma Dona Zica. Mas
morava mesmo no Iraj, numa rua de terra, sem gua, luz ou asfalto,Brasil -
marcha do Sdade do Cordo
27Sdade do Cordo
28 Ermelinda A. Paz
Anita Otero emdia de ensaiodo bloco nacasa de ZEspinguela.
29Sdade do Cordo
situada na Travessa Violeta n 29, hoje Rua Baro de Jaguaribe n 52.
Sua casa era muito animada e l compareciam vrios msicos: Cartola,
Paulo da Portela, Ary Barroso, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho, Carlos
Cachaa. Villa-Lobos passou a freqent-la com a esposa. Ali se faziam
reunies de msica e, terminada a funo, comeava o pagode. Os ensai-
os tambm eram realizados ali, sempre aos domingos, das 16 s 20 horas.
Toda a famlia de Spinelli saiu no Sdade do Cordo. Ele prprio, caracte-
rizado de ndio Tuchau, desfilava com um lagarto vivo. Seu filho Wilson
junto com a me, na ala dos velhos. O filho Crispim de morcego branco.
O musiclogo Luz Heitor Corra de Azevedo tambm nos presta um inte-
ressante depoimento que ajuda a recompor a poca da preparao do
cordo:
Em 29, eu j era, ento, professor da cadeira de folclore na
Escola de Msica, e Villa-Lobos me pediu que o ajudasse, para
Dia de ensaio do blocoSdade do Cordo na casade Z Espinguela. Ainda nafoto, Arminda Villa- Lobos,
Ismailovich, Z Espinguela ena extrema direita, parte do
rosto de Villa-Lobos.
30 Ermelinda A. Paz
ver grupos que se apresentavam aqui e ali e selecionar elemen-
tos para fazer parte do Sdade do Cordo. Com isso, eu fui aos
subrbios do antigo Distrito Federal, o que uma coisa extre-
mamente pitoresca. Sou incapaz de dizer, hoje, onde. Tenho
lembranas disso e de visitas, com Villa-Lobos, ao gabinete do
Ministro do Interior na poca, que era, interinamente, o Negro
de Lima, e estava subvencionando toda essa festa do Sdade do
Cordo, porque havia muitas despesas envolvidas. Eu fazia sim-
plesmente meus relatrios verbais ao Villa-Lobos, daquilo que
eu tinha visto e a minha impresso. E ele escolheu, ele mesmo,
diretamente, os elementos [...]. Com o interesse de Villa-Lobos
os convites choviam... E, efetivamente, o Villa-Lobos dizia:
Voc vai, se voc vir um bom danarino, um bom batedor, voc
Dia de ensaio do bloco Sdade doCordona casa de Z Espinguela.Na foto, Villa-Lobos, Arminda Villa-Lobos, Ismailovich e Z Espinguela.
31Sdade do Cordo
me assinala... Eu assistia ensaios, festas, cerimnias...
No grande desfile, eu estava no palanque oficial onde se encon-
trava o Villa-Lobos e, me lembro muito bem, tambm um dos
grandes pianistas da poca. Era o Firkusny, que estava no Rio
de Janeiro dando recitais e tambm foi assistir, junto com a
Maria Amlia Rezende Martins. Ela era a secretria da Pr-Arte,
a organizao que trazia muitos desses artistas ao Brasil. No
era com esprito comercial, mas num esprito de obra social.
Villa-Lobos deu inteira liberdade ao grupo. Ele deu os seus pal-
pites porque ele tinha lembranas muito vivas dos carnavais
antigos. Isto no tem a menor dvida, mas ele deixou muito
Dia de ensaio do bloco Sdade doCordona casa de Z Espinguela.
32 Ermelinda A. Paz
vontade os elementos que tinha escolhido, alguns bastante ido-
sos. Era espantoso ver, por exemplo, a agilidade com que ho-
mens de 60, 70 anos de idade, danavam... Eu me lembro, por
exemplo, que um dos figurantes tinha que danar o famoso
miudinho, considerado a pea de alta virtuosidade da coreogra-
fia do cordo, onde s os ps se movem. Era extraordinrio.
Penso que esse era o que encarnava a figura do velho. Os ele-
mentos que participaram eram autenticamente populares. No
havia nenhum elemento profissional e no popular no Sdade
do Cordo, isso eu posso garantir.
Villa-Lobos quis reconstituir o verdadeiro esprito carnavalesco, retra-
Dirio OficialExtrato de estatutos
33Sdade do Cordo
tando-o no Sdade do Cordo. E, para isso, nenhum detalhe escapou
sua aguada percepo. Criou estatutos, cuja extrato foi publicado na
Seo I do Dirio Oficial da quarta-feira 17 de janeiro de 1940; nomeou
uma comisso para dirigir os festejos do cordo, a qual teve como presi-
dente o j referido Jos Gomes da Costa. Como exemplo da preocupao
do maestro pela perfeita organizao do cordo, podemos lembrar o tex-
to publicado em O Globo de 2/02/1940, que transcrevemos a seguir:
Prompto para desfilar o Sdade do Cordo, o reprter estra-
nhou que a Rainha dos Diabos esteja com a barba por fazer.
O maestro Villa-Lobos explica:
A rainha homem.
Homem?
Sempre foi e conservamos os costumes dos velhos carnavaes,
com suas tradies e seus apparentes erros.
Em todas as manchetes de jornais havia meno ao acontecimento. O
Sdade do Cordo estava sendo o ponto alto do Carnaval de 1940, uma
verdadeira apoteose. O Correio da Manh de 6/02/1940 dedicava quase
que a capa inteira ao evento e assim o retratava:
Sdade do Cordo Embaixada que veio lembrar o Momo dos
bons tempos. Um pouco daquele carnaval gostoso, ingnuo,
cheiroso, animado, que a batuta em frias de um maestro bra-
sileiro ressuscitou para o carioca de hoje.
At as duas horas estava bastante pacfica a Feira de Amostras.
Foi precisamente a esta hora, a marcada para o incio do Sdade
do Cordo, que o povo comeou a entrar, mas a entrar em massa
em grandes bandos. [...] Entraram de repente e encheram o
vasto recinto em meia hora. [...] No escapou nada durante
esta meia hora. Quando circunvagamos os olhos pela Feira at
pelos telhados havia gente. [...] E o carioca provou que se no
macaquito pela mania de imitao, realmente macaco na
34 Ermelinda A. Paz
35Sdade do Cordo
hora de subir em alguma coisa. [...] L pelas tantas os observa-
dores assignalaram algo vista. O maestro Villa-Lobos appareceu
no meio do grande quadrado onde se exhibiria o Cordo e
desappareceu de novo... Esperou-se mais. Nada. De vez em quan-
do, partido de algum grupo, propagava-se o tradicional grito:
T na hora! T na hora!
Muita gente j se impacientava e queria ir embora, protestava,
prometia vaias tremendas ao Cordo inteiro se demorasse mais
cinco minutos. Isto eram quatro e pouco.
O Cordo s entrou s cinco mas dissolveu todas as impacincias.
Acolhido com palmas pelo numeroso pblico que lotava as ala-
medas, os componentes do Cordo caminharam cantando: Adeus,
bela morena,/ Em teu nome ouvi falar./ Vamos ver o Sdade do
Cordo / Que saiu a passar.
Recorte do jornal A Noite com anotcia da sada do Sdade doCordo.
Villa-Lobos com o Sdade doCordo- 1940
36 Ermelinda A. Paz
A estrutura adotada para o desfile do Sdade do Cordo em 1940, com
base na orientao de Villa-Lobos, enfatiza a coreografia, porque o cor-
do um grupo de elementos caractersticos e excepcionais do povo, e
no apenas um bloco carnavalesco. A coreografia naturalmente implica
numa disciplina coletiva e em um singelo trao crtico, que remonta a
certa atitude esttica do perodo colonial, trao muito comum nas cortes
ou nas reunies da aristocracia.
Reproduo do quadro a leoMscaras, da pintora portuguesaMaria Margarida Santello.
37Sdade do Cordo
O Cordo possua dois estandartes, com croquis confeccionados pelos
pintores Ismailovitch e Maria Margarida: um era uma Vitria-rgia sus-
tentada por um sapo e presa em dois bodoques autnticos, cruzados e
intercalados de cobras vermelhas e verdes; o outro apresentava uma grande
mscara simbolizando um Amerndio zangado.
Mscaras e instrumentos do bloco.
38 Ermelinda A. Paz
Jornal A Batalha,01 de fevereiro de 1940.
Recorte de jornal A Noite Dominical,04 de fevereiro de 1940.
39Sdade do Cordo
40 Ermelinda A. Paz
O cortejo comeava com o grupo de ndios e caboclos, caracterizados
com perfeio nos adereos e na indumentria. Os ndios traziam na mo
bichos vivos. Um deles, o Z Espinguela, que representava o ndio Tuchau,
dava beijos na cabea de um lagarto. Juntamente com os ndios entra-
vam os caboclos, o cacique-chefe, o rei e a rainha dos caboclos, os caci-
ques, os guerreiros, os caadores, o Paj e Tup. Logo a seguir vinham 14
homens-sapo, com enormes mscaras de papelo imitando sapos, chefi-
ados pelo monstro do Rio Amazonas, inspirados em personagens das len-
das daquela regio.
O estandarte do grupo era a Vitria-rgia. Foi conduzido pela rainha dos
caboclos, representada pela atriz Anita Otero, uma feliz escolha de Villa-
Lobos. A beleza fascinante da atriz e a harmonia do seu bailado eram
realadas pela coreografia dos bailarinos, entre eles o clebre Perna Fina,
que causava admirao com suas famosas figuraes de dana, como a
tesoura, o corta-jaca e o miudinho.
41Sdade do Cordo
Cerca de dez metros atrs vinha o segundo estandarte, carregado por um
homem extraordinariamente robusto e musculoso. Acompanhava-o o grupo
de velhos, palhaos, rei e rainha dos diabos, diabinhos, morcegos e ou-
tros animais, caveiras, sargentos, mestre de canto e bateria, com seus
integrantes. Faziam parte da bateria instrumentos tpicos, como camises,
surdos, tamborins, pratos de loua, reco-recos de bambu e ferro, choca-
lhos de cabaa e cornetas de chifre.
Integrando a bateria do Sdade do Cordo, o grupo contou com a colabo-
rao de dois grandes msicos populares, que privaram da amizade de
Villa-Lobos. O primeiro era Angenor de Oliveira, o popular Cartola, que
saiu tocando cavaquinho. O outro foi o compositor e violonista Alusio
Dias, da velha guarda da Mangueira, que saiu tocando violo.
Depois de permanecer danando durante horas e nos mais variados esti-
los e coreografias, chegava afinal o desfecho do cortejo. Dava-se com o
encontro dos grupos, que inicialmente apresentava uma certa animosida-
de. A invaso do ambiente dos ndios e caboclos pelos componentes do
Villa-Lobos entre mscaras einstrumentos do bloco Sdade do
Cordo.
42 Ermelinda A. Paz
grupo dos velhos e diabos fez com que os primeiros se aproximassem
selvagemente e com ameaas, roando o estandarte da Vitria-rgia no
do Amerndio, como se fosse a instigao para uma batalha. Aos poucos
esse clima de beligerncia foi melhorando, at que todos confraterniza-
ram, danando na grande praa central da Feira de Amostras, e se cum-
primentaram numa euforia incomum, culminando com o beijo dos dois
estandartes. Esta cerimnia simbolizava a paz e a alegria entre os gru-
pos. Era o clmax do desfile, que seguia para a retirada, na mesma ordem
do cortejo do incio.
O Dirio de Notcias de 6/02/1940 publicou os nomes dos integrantes doElementos do bloco Sdade doCordode 1940.
43Sdade do Cordo
Cordo indicando as figuras que formavam. A anlise das figuras do Cor-
do nos permite deduzir coisas curiosas a propsito do carnaval antigo:
h figuras individualizadas, com papis socialmente destacados, como
caciques, paj, Tup, reis, rainhas, em contraste com grupos no diferen-
ciados, semelhantes aos coros, como o caso dos velhos e palhaos.
Paralelamente, o sincretismo cultural do nosso povo transparece, na coe-
xistncia entre personagens e animais do mundo da floresta brasileira e
os diabos da tradio catlica europia.
Intelectuais, jornalistas, musicistas, homens de letras, autoridades do
governo prestigiaram o maestro Villa-Lobos, aplaudindo mais esta cria-
o de um apaixonado pelas manifestaes da cultura popular. A impren-
sa deu grande cobertura ao desfile, contribuindo para a divulgao do
evento. Assim podemos ler em O Globo de 3/02/1940:
O maestro Villa-Lobos com o seu grupo Sdade do Cordo vae
reviver este ano o Carnaval de 1900. O Sdade do Cordo se
exhibir na Feira de Amostras, na segunda-feira, s 14 horas, e
na tera, s 13 horas.
Villa-Lobos e os 14 sapos-homensno desfile do bloco.
44 Ermelinda A. Paz
45Sdade do Cordo
Tambm o Correio da Manh de 4/02/1940 noticiava o acontecimento:
O maestro Villa-Lobos, um apaixonado estudioso do riqussimo
mundo folclrico brasileiro, acaba de dar os ltimos retoques
aos ensaios a que vinha submetendo a enorme legio de seus
auxiliares. [...] No h, entretanto, inveno e sim estylizao
de coisas muito do Brasil e do Carnaval. SDADE do Cordo
apresentar ao pblico um espetculo de arte puramente brasi-
leira, inspirado na bizarra concepo esthtica do gnio nativista
poca colonial.
E o Dirio de Notcias de 3/02/1940:
H uma grande curiosidade em torno da apresentao do
SDADE do Cordo, iniciativa do maestro Villa-Lobos sob o
patrocnio do DIP (Departamento da Imprensa e Propaganda).
[...] Pae Aluf o Cacique-Chefe, embora todos obedeam
orientao artstica do maestro Villa-Lobos. [...] Bailados, can-
tos, indumentria, lendas amaznicas, tudo obedece inspira-
o pittoresca das mais profundas camadas populares do Brasil.
Terminado o desfile, o SDADE do Cordo seguir o itinerrio
que a polcia determinar.
O Jornal do Brasil de 6/02/1940 tambm comentou a iniciativa de Villa-
Lobos:
A apresentao esse ano do SDADE do Cordo; um bloco
carnavalesco baseado em motivos do carnaval antigo, est cons-
tituindo a nota de maior sensao. [...] Entregue capacidade
artstica do maestro Villa-Lobos, a interessante organizao car-
navalesca promete empolgar a cidade. [...] Hontem realizou-se
na Feira de Amostras a primeira exibio do original cordo e o
seu desfile est marcado para hoje depois de uma concentrao
na Praa Tiradentes. Da desfilar pela Rua da Carioca, Rua da
Assemblia, Avenida Rio Branco e Rua Santa Luzia.
46 Ermelinda A. Paz
A Noite de 7/02/1940 publicava:
O SDADE do Cordo foi, sem dvida, o ponto culminante do
Carnaval de 1940. [...] Merece um registro especial o nmero
de autoridades e artistas que compareceram Feira comparti-
lhando com o povo as agruras de um sol causticante. [...] O
Sdade do Cordo organizado pelo maestro Villa-Lobos consti-
tuiu a nota original do Carnaval deste ano. O desfile do cordo
evocativo foi acolhido com retumbantes aplausos de uma gran-
de massa popular.
Na mesma data, saiu em O Globo:
Como toda gente esperava, o Sdade do Cordo organizado
pelo maestro Villa-Lobos constituiu uma nota differente no Car-
naval deste ano.
Detalhe do estandarte do Sdadedo Cordo.
47Sdade do Cordo
Apresentao do estandarte noSdade do Cordo, revivescncia
feita por Villa-Lobos.
48 Ermelinda A. Paz
O entusiasmo que levou Villa-Lobos a solicitar o patrocnio da Prefeitura,
do DIP e a tirar dinheiro do prprio bolso para realizar seu sonho, era
perfeitamente compreensvel. Saudosista e grande folio, o maestro no
se preocupou em fazer reviver um cordo apenas pelo aspecto cultural. A
nosso ver, ele sentia a necessidade emocional de viver novamente aquilo
que, em sua meninice e juventude, havia sido to importante. Encontra-
mos nos arquivos documentais do Museu Villa-Lobos folhas com discrimi-
nao de despesas e vales, em nome de Jos Gomes da Costa, o Z
Espinguella, que comprovam que parte dos gastos iniciais recaram sobre
o mentor do Cordo.
Vrias vezes nos perguntamos: por que o Sdade do Cordo s desfilou
em 1940? Se o sucesso de seu desfile foi to grande, por que no foi
repetido no ano seguinte? Wilson e Crispim Gomes da Costa, filhos de
Jos Gomes da Costa, nos deram a resposta: a doena e a morte do pai,
em 1943, impediram o prosseguimento das atividades.
Maria Augusta F. Machado da Silva, no Boletim Tcnico-Cultural do Museu
Villa-Lobos, n 1, de 1984, nos d uma outra verso sobre a apresentao
do Sdade:
Recortes de jornais, colecionados pela senhora Arminda Villa-
Lobos, contam que, em 1941, Sdade do Cordo voltou a se
apresentar, embora desfalcado em conseqncia de dissenes
internas entre seus componentes.
No jornal O Globo de 13/02/1950 encontramos uma informao que nos
permite deduzir a existncia de vrias apresentaes do Cordo. Mas so-
mente no ano de 1940 houve a participao e colaborao de Espinguela
e Villa-Lobos.
No houve verba para o Sdade do Cordo.
Apelo do presidente Beraldo ao prefeito Angelo Mendes de Moraes.
Manchete da pgina 4 do jornal ABatalha de 03 de fevereiro de 1940.
Primeira pgina do jornal Correio daManh, 06 de fevereiro de 1940.
49Sdade do Cordo
50 Ermelinda A. Paz
Manchete de O GLOBO em 03/02/40.
Ao lado, manchete de O GLOBO em02/02/40 e detalhe do texto
da 1a pgina do jornal A BATALHAem 01/02/40.
51Sdade do Cordo
52 Ermelinda A. Paz
Uma das agremiaes mais queridas dos folies cariocas , sem dvida, o
Sdade do Cordo, fundado em 1939 pelo maestro Villa-Lobos.
H dez anos, portanto, participa dos desfiles de segunda-feira gorda,
juntamente com os ranchos, com os seus figurantes vestidos de ndios,
mas com fantasias de ndios autnticas. Lutando com dificuldades de
toda sorte, os componentes do Sdade do Cordo sempre merecem aplau-
sos do povo, pela beleza do cortejo que apresentam. Este ano, contudo,
o Sdade do Cordo foi surpreendido com a notcia de que no contaria
com a ajuda da Prefeitura. Os cinco mil cruzeiros que costumam receber
Recortes de O JORNAL de 03/02/40.
53Sdade do Cordo
os seus dirigentes no constam da relao de despesas da Comisso de
Carnaval. E o presidente do SDADE do Cordo, Sr. Antonio Beraldo, teve
ocasio de falar sobre as novas dificuldades:
Justamente este ano, com as hervas brancas custando oito-
centos cruzeiros o quilo j gastamos cerca de seis mil cruzei-
ros que tive a notcia da falta de verba. Em todo caso no
desanimei e ainda espero que o general Mendes de Moraes, com
o seu esprito de justia, venha ordenar o pagamento do nosso
auxlio, como sempre tem acontecido. O governador da cidade
naturalmente atender ao apelo que dirijo por intermdio dO
Globo. Ser mais um servio que S. Ex. presta ao Carnaval cari-
oca, que tem no SDADE do Cordo um dos seus blocos mais
expressivos.
Villa-Lobos tocando cuca entreoutros instrumentos musicais.
54 Ermelinda A. Paz
Figuras do Cordo de 1940
Formaram o Cordo as seguintes figuras:
Grupo de ndios e CaboclosJos Gomes da Costa (Cacique-Chefe)
Annita Otero (Rainha dos Caboclos)
Joaquim dos Santos (Cacique)
Manoel Marinho dos Santos (Paj)
Joo da Matta (Tupan)
40 ndios e caboclos
14 sapos-homens
Grupo do Cordo dos Velhos (velhos e velhas)Delfino Euzbio Coelho,
Gasto Ferreira da Silva,
Valentim Jos Marcellino,
Geraldina Gomes da Costa (mulher de Z Spinelli),
Dalvina Regis, Wilson Gomes da Costa (filho de
Z Spinelli),
Alberto Ribeiro da Motta,
Alamiro Honorato da Motta e
Francisco de Mello Albuquerque
PalhaosFrancisco Henrique dos Santos,
Wenceslao Rodrigues,
55Sdade do Cordo
Lourival Gomes da Costa (parente de Z Spinelli),
Claudionor Rodrigues Marcellino,
Valentim Bento Gonalves,
Balduino dos Santos Jnior e
Jos Domingos do Amorim
SargentosAntenor dos Santos, Joaquim Vieira,
10 diabinhos e 2 morcegos (um destes morcegos era
Crispim Gomes da Costa, filho de Z Spinelli).
Rei do DiaboRoque Olivio Gomes
Rainha dos DiabosGabriel Rufino Ribeiro
Mestre de Canto e BateriaBoaventura dos Santos.
2 MestreOswaldo Cardoso.
40 executantes(bateria e coro).
Fonte: Dirio de Notcias, Rio de Janeiro, 6 fev. de 1940.
56 Ermelinda A. Paz
Figurinos inditos criados pela artista
Maria Carmen Alves Pereira de Souza
para o bloco Sdade do Cordona verso de 1987.
57Sdade do Cordo
Figura de ndia, idealizada porMaria Carmen, 1987.
58 Ermelinda A. Paz
Ao lado, ala das colombinas naconcentrao do bloco no centro
da cidade.
Abaixo, figuras de Colombina ePalhao.
59Sdade do Cordo
Figuras de Carrasco e Domin.
60 Ermelinda A. Paz
61Sdade do Cordo
Embaixo, figurinos de Clvis, Sapo,Caveira, Diabo e figurantes da
Banda e Bateria. Ao lado, foto decomponentes da bateria no desfile
de 1987.
62 Ermelinda A. Paz
Ala dos Arlequins na concentraodo bloco do Sdade no centro dacidade, em 1987
Figurino de Arlequim
63Sdade do Cordo
Representaes de ndios
64 Ermelinda A. Paz
esquerda, Pierr, acima direita,Morcego, acima Carrasco e esquerda em baixo, Vampiro,idealizados por Maria Carmen, 1987.
65Sdade do Cordo
A procura de eventos marcantes para festejar o centenrio de Villa-Lobos
preocupava Turbio Santos. Como diretor do Museu Villa-Lobos e o maior
divulgador da obra violonstica do compositor no Brasil e no exterior,
cabia-lhe uma grande responsabilidade para fixar essa data. Ele percebeu
que os eventos principais dessa comemorao seriam, de preferncia, a
criao e recriao de obras de Villa-Lobos para orquestra, msica de
cmara, instrumentos, mas tambm algum fato marcante da vida dele. A
reconstruo que o maestro fez do cordo de 1940 bem mostrava seu
amor pelas razes da cultura brasileira. Valia, ento, reconstituir o bloco
em 1987, ainda mais pela proximidade da data com o carnaval. Alm
disso, havia os contatos com elementos que conheciam muito bem a
estrutura do desfile anterior e poderiam dar uma ajuda forte.
Com base nessa idia, fez-se o Projeto Centenrio de Villa-Lobos - SDADE
do Cordo, e criou-se uma equipe, liderada por Turbio Santos. Ela se
constituiu de Fernando Pamplona, Frederico Bonfatti Teixeira Monteiro,
Sdade do Cordo: 1987Sdade do Cordo: 1987
66 Ermelinda A. Paz
Grace Elizabeth, Janio Paulo, Ligia Santos, Lus Fernando Zugliane, Mar-
celo Rodolfo, Marcia Ladeira, Maria Cristina Mendes, Mrio Lago Filho,
Mrio Otvio Vieira, Martha Clemente, Paulo Gouveia e Valdinha Barbosa.
Teve tambm o apoio de personalidades como Mrio Lago, Srgio Cabral,
Albino Pinheiro, Hermnio Belo de Carvalho. Houve, ainda, a participao
de muitos msicos, como Paulo Moura, Wagner Tiso, Macal e Martinho
da Vila, que desfilaram no bloco.
E assim, em meio a todas as outras notcias que ao longo do ano trouxe-
ram baila o nome e a obra do festejado artista, a imprensa no tardou
a veicular matria referente ao ressurgimento do bloco.
Diz o Jornal do Brasil de 20/01/1987:
Como num mgico movimento de batuta, o Museu Villa-Lobos
incorpora seu homenageado e reedita seu gesto. O SDADE do
Cordo volta a sair no Carnaval de 87, ano do centenrio do
compositor, com desfile certo no dia 5 de maro (data de seu
aniversrio), uma quinta-feira aps cinzas.
Constitudo o projeto e organizada a equipe, vieram os participantes.
Movidos pelo entusiasmo, muitos deles trabalharam gratuitamente, na
base do voluntariado. Sem essa disposio, certamente o resultado teria
sido diferente, pois sempre escasseiam os meios para as manifestaes
culturais. Em grande parte as pessoas pagaram suas prprias fantasias,
de modo que o Museu teve que arcar com despesas relativamente baixas.
Na verdade, o bloco se autofinanciou. Mas houve uma ajuda por parte da
Pr-Memria e outra da PR Marketing.
Foi fcil para o Museu Villa-Lobos arregimentar gente para essa homena-
gem, ainda mais pela forma de que ela se revestia e sobretudo conside-
rando-se a proximidade do evento com o carnaval. S de ouvir falar do
festejo, muitas pessoas se candidatavam espontaneamente. Um exemplo
o de Silvio Cecotto, que chegou ao Museu graas ao noticirio da im-
prensa sobre o SDADE do Cordo.
67Sdade do Cordo
Concentrao do Sdade doCordosob os Arcos da Lapa, Centro
do Rio de Janeiro.
Carro Abre Alas, do Sdade doCordo estacionado em Botafogo,
Rio de Janeiro.
68 Ermelinda A. Paz
Nascido a 29 de novembro de 1901, ele representa um verdadeiro arquivo
da memria nacional carnavalesca. capaz de cantar vrias msicas de
cordes do incio do sculo, que pela importncia documental foram trans-
critas. Ele vem tendo participao ativa nos festejos carnavalescos de
todas as pocas, pois tinha 11 anos quando desfilou pela primeira vez.
Fez parte de vrios cordes das primeiras dcadas do sculo: Monte Serrat,
Caboclo Pequeno, Paraso da Mocidade, Guerreiros de So Diogo. Silvio
Cecotto, em 1987, era diretor dos ranchos Unio dos Caadores e Recreio
da Sade. Autor de diversas marchas, ganhou um prmio com a marcha-
rancho Saudao Nobreza, composta para o desfile dos Unidos do Morro
do Pinto. Comps tambm uma msica especfica para o desfile do centen-
rio do maestro.
Contudo, nem todos os folies tinham a mesma prtica desse carnavales-
co ou se apresentaram ao Museu com base nas mesmas fontes de infor-
maes. Em boa parte das vezes, membros j engajados na equipe trazi-
am novos aderentes.
Isso gerou uma grande dificuldade no momento de fazer o levantamento
de quem participou dessa homenagem. Nas fichas de inscrio do Museu,
muitas vezes no constava o nome da pessoa ou alguma indicao mais
precisa. Vinham apenas dados como: filhos do Bira, namorado da filha da
Msicas dos antigos cordescarnavalescos, cantadas pelo
Sr. Silvio Ceccoto e grafadas pelaautora.
Cordes Chuveiros do Inferno,Castelo de Ouro e Paraso da
Mocidade
Ala do Sdade do Cordo emdesfile pelo centro do Rio deJaneiro.
69Sdade do Cordo
70 Ermelinda A. Paz
71Sdade do Cordo
Raquel, empregada da Helena, e assim por diante. H muitas referncias
a parentescos e amizades diretas ou indiretas. Nota-se a presena macia
da famlia, impondo suas relaes em detrimento dos nomes prprios de
cada um. interessante notar um procedimento to comum em comuni-
dades pequenas ou cidades do interior reaparecendo no bojo de um even-
to promovido por um centro intelectual que no guarda resqucios de tal
civilizao. Isso prova que no SDADE a famlia voltou a ter vez e o
relacionamento humano ganhou outra dimenso, em contraste com o
gigantismo desagregador do carnaval de hoje, que induz ao anonimato.
Notou-se tambm que o bloco agregou pessoas de todos os segmentos
sociais, econmicos e culturais com a mesma meta: a de homenagear
Villa-Lobos. Os participantes se despiram de todas as barreiras, que tom-
baram atrs das mscaras e fantasias, trajadas igualmente por emprega-
das domsticas e porteiros, professores e artistas, funcionrios pblicos
e intelectuais, crianas e adultos. Entre tantos entusiastas, estava Mr.
Wallace Keiderling, Adido Cultural norte-americano e exmio tocador de
balalaika, que desfilou com toda a sua famlia, pois tem o hbito de
participar das atividades folclricas e culturais dos pases em que tem
estado.
A coordenao do projeto e a responsabilidade da pesquisa couberam a
Ligia Santos, museloga e pesquisadora na rea de msica popular brasi-
leira. No pretendeu realizar uma detalhada reconstituio do bloco de
Villa-Lobos porque isso demandaria uma enorme e longa pesquisa tcni-
ca, que se arriscava a ser carssima e talvez no contasse com documen-
tos suficientes. Partiu ento para uma reconstruo do esprito adotado
pelo maestro, que era reviver uma sntese dos carnavais antigos. Com
isso pde ser feita uma adaptao s condies de viabilidade atuais,
sem prejuzo do festejo.
Quando o bloco ficou decidido, um dos guardas da segurana do Museu
ofereceu um samba-enredo feito por ele, obedecendo a todas as regras
da arte e falando de Villa-Lobos e Turbio Santos. S no pde ser apro-
veitado por causa da incompatibilidade com o tipo de msica adotado
nos cordes. O compositor o vigilante Carlos Ribeiro Guimares, que
desfilou na ala dos velhos com fantasia cedida pelo Museu.
72 Ermelinda A. Paz
A responsabilidade pela seleo do repertrio musical do bloco coube a
Ligia Santos junto com Raquel Ramalhete, professora universitria muito
ligada ao carnaval e que exercia atividades semiprofissionais na rea de
msica popular. Com base nos critrios definidores para a verso de 1987,
escolheu-se marcha-rancho, marchinha e algumas peas de Villa-Lobos
que poderiam funcionar com esses ritmos, como o Canto do Paj e a
Senhora Rainha. As demais msicas selecionadas recaem sobre algumas
do incio do sculo ou sobre clssicos do carnaval carioca de todos os
tempos. Alm das duas obras de Villa-Lobos j mencionadas, incluem-se:
SDADE do Cordo, feita especialmente para o bloco, e mais Z Pereira,
raio, sol, abre-alas, Pastorinhas, A jardineira, Mame eu quero, Hino
ao carnaval brasileiro, Mal-me-quer, Al-l-, Aurora. As respectivas parti-
turas e letras se encontram ao longo deste volume.
O Canto do Paj, de Villa-Lobos e Paula Barros, foi composta por Villa-
Lobos para coro a trs vozes iguais. Baseia-se na msica primitiva dos
aborgenes brasileiros, com fragmentos da msica popular espanhola, de
acordo com indicaes de Villa-Lobos na partitura. Ambientada tambm
para banda e orquestra de violes, esta msica transformou-se, pela pre-
ferncia de alunos, em pea obrigatria da maioria das concentraes
orfenicas da poca de Villa-Lobos. Integra o primeiro volume da obra
Canto Orfenico, da autoria do maestro, tendo sido editada pela Vitale
em 1940.
Senhora Rainha, de Villa-Lobos e Hermnio Bello de Carvalho, encontra-
da no primeiro volume do Canto Orfenico sob o n 21, com o nome de
Desfile aos Heris do Brasil, tendo como autores Villa-Lobos e Paula Bar-
ros. O poeta Hermnio Bello de Carvalho inseriu pequenas modificaes
de ordem rtmica e valorizou mais a linha meldica de Villa-Lobos, com
um texto bem mais apropriado e potico. Foi gravada por Altemar Dutra e
o grupo Rosa de Ouro.
A composio SDADE do Cordo foi feita especialmente por Silvio Cecotto,
para homenagear Villa-Lobos e para o desfile do SDADE do Cordo 87.
73Sdade do Cordo
A composio SDADE do Cordo
feita especialmente por Silvio
Cecotto para o desfile do
SDADE do Cordo 87.
74 Ermelinda A. Paz
Repertrio selecionado por Ligia Santos e Raquel Ramalhete, grafado pela autora.
75Sdade do Cordo
76 Ermelinda A. Paz
A pequena e simples estrofe do Z Pereira transformou-se, com o passar
dos anos, numa espcie de hino do carnaval brasileiro, para sempre liga-
da grande festa do povo, no Rio de Janeiro e em todo o pas. Baseada
em melodia importada e nascida no palco, sua estrofe-refro torna-se a
primeira msica inteiramente ajustada ao carnaval.
De acordo com Edigar de Alencar, at meados da segunda dcada deste
sculo o Z Pereira serve de abertura, encerramento e clmax a todas as
folganas carnavalescas de rua ou de salo.
raio, sol uma chula de palhao que remonta ao ano de 1882. De l
para c, vem sofrendo modificaes populares e continua dominando,
por muito tempo, o carnaval carioca. Era utilizada para apontar os que se
mascaravam de velhos.
abre-alas, de Chiquinha Gonzaga, a marcha-rancho que j seria suces-
so em 1899 e considerada a primeira composio escrita para os festejos
momsticos. Trata-se de um verdadeiro clssico da msica popular brasi-
leira. Segundo Edigar de Alencar, abre-alas a cantiga preferida do
povo em 1901.
Pastorinhas, de Joo de Barro e Noel Rosa, data do carnaval de 1938 e
inicialmente intitulava-se Linda pequena. Lanada em 1937, no alcana
nenhum xito. Aps a morte de Noel Rosa, Joo de Barro muda seu nome
para Pastorinhas. Em 1938, com gravao de Silvio Caldas, recebe da
Prefeitura do Distrito Federal o primeiro lugar. Transformou-se, com o
passar dos anos, num hino do carnaval carioca.
A marchinha A jardineira, de Benedito Lacerda e Humberto Porto, foi
gravada por Orlando Silva em 1939 e alcanou o maior xito. De acordo
com Edigar de Alencar, ela provocou celeuma porque os compositores,
embora de valor prprio, calcaram a marchinha num motivo popular que
j fora sucesso carnavalesco em 1905. Parece que seu primeiro autor legti-
mo o velho Candinho das Laranjeiras, fundador em 1896 do cordo Flor ou
Filhos da Primavera, que j em 1906 cantava esses versos to disputados.
Houve vrios aproveitadores do motivo potico e da melodia, at mesmo em
versos pardicos cantados com a mesma msica.
Clssicos do carnaval seleciona-
dos por Ligia Santos e Raquel
Ramalhete, grafadas pela autora.
77Sdade do Cordo
78 Ermelinda A. Paz
79Sdade do Cordo
80 Ermelinda A. Paz
81Sdade do Cordo
82 Ermelinda A. Paz
83Sdade do Cordo
84 Ermelinda A. Paz
Benedito Lacerda e Humberto Porto aproveitaram inclusive a frase que
lhe dava motivo: foi a camlia que caiu do galho. Essa expresso logo se
tornou popular e passou a ser aplicada com muito humor poltica e
administrao.
Mame eu quero, de Vicente Paiva e Jararaca, tornou-se uma verdadeira
coqueluche do povo no ano de 1937. E rompeu com um preconceito, pois
Jararaca, ligado s canes regionais, no era considerado um intrprete
aproveitvel para a msica de carnaval. No entanto, esta marchinha niti-
damente carnavalesca foi consagrada como a msica de maior sucesso
nesse carnaval. O grande xito obtido teve como principal razo a inter-
pretao personalssima de Jararaca.
Com o Hino ao carnaval brasileiro, Lamartine Babo pretendia criar uma
espcie de hino do carnaval brasileiro de todos os tempos, tanto no Rio
de Janeiro como no Brasil. Cantada por Almirante, obtm grande sucesso.
Porm, passado o carnaval de 1939, esquecida. Esta pea de Lamartine
um elogio e uma reverncia mulher morena, loura ou mulata, gnero
que ele to bem dominou e explorou.
Mal-me-quer, de Newton Teixeira e Cristovam de Alencar, gravada por
Orlando Silva para o carnaval de 1940, uma das mais inspiradas compo-
sies daquele ano, considerado forte no setor musical. A proibio exis-
tente na poca quanto ao uso de temas polticos levou os motivos folcl-
ricos e lricos a aparecerem com freqncia nas msicas populares.
A marcha Al-l-, de Haroldo Lobo e Nssara, foi gravada por Carlos
Galhardo em 1941, ano que no apresentou muitas msicas carnavalescas
por causa do clima da guerra. Transformou-se logo num grande sucesso.
Verdadeira splica dos carnavalescos frente aos balces de bebidas, abriu
caminho para os pedidos a Al. Da em diante, este tipo de invocao
passou a ser muito comum no carnaval.
Aurora, de Roberto Roberti e Mrio Lago, foi gravada por Joel e Gacho.
de fcil assimilao e pertence tambm ao carnaval de 1941, juntamente
85Sdade do Cordo
Carro Abre Alas, do Sdade doCordo, em desfile pela rua do
Passeio - Centro do Rio
Figurino dos elementos da bateria,criado por Maria Carmen.
86 Ermelinda A. Paz
com Ala-l-. Foram as duas marchas de destaque desse ano e conserva-
ram alto nvel de qualidade, sendo consideradas verdadeiros clssicos do
carnaval carioca. Ambas receberam os prmios da Prefeitura do Distrito
Federal.
Alm da seleo musical, a equipe se ocupou de vrios outros aspectos
do bloco. Os ensaios de quadra se realizaram no Instituto Santo Andr,
que emprestou o local. Esse educandrio j possua uma relao com
Villa-Lobos, visto que o maestro comps o seu hino, que recebeu letra do
poeta Manuel Bandeira.
Para a harmonia e o ensaio de quadra o SDADE do Cordo contou com o
artista plstico Sergio Pinto e seus irmos Aluizio e Wilson, que j traba-
lharam muito com a Velha Guarda da Mangueira. Esta funo tem mxima
importncia no bloco, pois quem a exerce deve se ocupar da coeso e
entrosamento do grupo, separar as alas e animar o conjunto.
Antes da incorporao desses participantes houve uma pequena dificul-
dade inicial: os primeiros ensaios da bateria s contaram com a presena
da garotada dos blocos do animado carnaval de rua de Botafogo, mas
eles conheciam apenas o ritmo do samba. Porm, com certa disciplina e
alguma persistncia, o problema foi resolvido com xito. E tornou-se um
prazer ouvi-los comentar as diferenas entre as vrias batidas. Dentre
esses jovens estava Marcos Andr Ferreira Gonalves, garoto de doze anos
que trabalhava como ajudante de mecnico e dirigia a bateria-mirim da
Escola So Clemente.
A bateria propriamente dita, com cerca de 30 componentes, foi trazida e
dirigida por Sergio Gonzaga, um funcionrio pblico que faz carnaval de
rua na Arnaldo Quintela e j exerceu aquela funo no Bloco da Fronha,
onde desfilava a comunidade de Botafogo antes de seus componentes
passarem para a So Clemente. Ele ainda acrescentou ao SDADE mais
umas 80 pessoas, a maioria crianas, que desfilaram na ala dos diabi-
nhos.
87Sdade do Cordo
Quem recebeu a incumbncia de cuidar do enredo, juntamente com Ligia
Santos, foi Maria Carmen Alves Pereira de Souza, a Carminha, figurinista e
cengrafa premiada. Ela fez tambm o desenho do estandarte da Vitria-
rgia e os figurinos. O carro abre-alas e as alegorias de mo e de carro os
trips correram por conta do cengrafo Marinho (Osmar Joo Pereira),
profissional com grande experincia de carnavais anteriores. Suas alegorias
pontearam as subdivises do bloco.
Por no ser um bloco de sujo, o SDADE 1987 tinha como enredo o mes-
mo de 1940: Recordao do Passado. Mas, na verdade, sua estrutura para
o desfile foge ao cortejo de Villa-Lobos e se aproxima da escola de sam-
ba, por causa da definio das mini-alas. Essas alas eram as idias dentro
do Cordo. Por sua prpria natureza, algumas eram mais livres que as
outras. Para facilitar o entendimento do pblico, frente de cada uma
delas foi colocado um estandarte sobre trips, guisa de citao. Havia
quatro idias, subdivididas em vrias alas.
A primeira parte do bloco, encabeada pelo abre-alas Villa-Lobos e o
grupo carnavalesco SDADE do Cordo sadam o povo e pedem passa-
gem, concentrava temas ligados aos ndios e floresta amaznica. Por
isso, continha alas de ndios tropicalistas ou no, caboclos e baianas.
Seus trs estandartes representavam os Cucumbis, a Vitria-rgia e a
Mscara do ndio Enfurecido. J a segunda parte continha trs subgrupos:
o dos cordes de velhos, o cortejo do inferno com rei, rainha e vrios
diabinhos, e o dos velhos carnavais, que retomava o carnaval de Veneza
Ala dos ndios, do Sdade doCordo, em desfile pela rua do
Passeio - Centro do Rio
88 Ermelinda A. Paz
atravs de figuras como pierr, arlequim, colombina, palhao e clvis. Esta
parte apresentou dois estandartes: Cordo dos Velhos e Antigos Carnavais.
O bloco explorou muito o verde e o amarelo, para jogar com a brasilidade
de Villa-Lobos. Para reforar aquelas cores, foram tambm usados o preto
e o branco, mais neutros. Porm a ala relativa ao inferno apresentou-se
em vermelho, por uma questo de coerncia. De uma maneira geral, havia
em cada ala no mximo 15 pessoas com cada tipo de roupa. Esta estima-
tiva, contudo, no muito rgida, pois o nmero de adeses que o entusi-
asmo pelo projeto acarretava levou a uma certa elasticidade, ocasionando
ao final a permisso para fantasias adaptadas, desde que no destoassem
do todo. Tambm o nmero de participantes previsto originalmente foi
multiplicado, o que significava um xito no empreendimento.
Alm de Villa-Lobos, os destaques de 1940 tambm foram homenageados
na verso do centenrio, como bem anuncia o Jornal do Brasil de 14/02/
1987:
ndios do Sdade do Cordo 87em desfile.
89Sdade do Cordo
Com grande produo cnica e musical o SDADE do Cordo,
anos depois de seu primeiro desfile, tem o mesmo enredo com
que o bloco se apresentou em sua primeira passagem: Recorda-
o do Passado.
A ndia destaque ser a atriz e bailarina Rita Freitas, que estar
ocupando o lugar que no passado foi da atriz Anita Otero.
O Mestre-Sala Cacique ser o bailarino Carlos Jesus, que vai reviver
Jos Espinguela. O grande passista de 1940 foi Perna-Fina, que
ser homenageado por Carlos Ramos, tambm bailarino.
Como fonte de inspirao para a criao das fantasias, o grupo
do Museu Villa-Lobos tem 17 aquarelas pintadas por Di
Cavalcanti, a pedido de Villa-Lobos, e que representam figuras
marcantes nos cordes.
Ao reviver a antiga Rainha dos Caboclos, Rita Freitas no reproduziu
exatamente a dana de Anita Otero, mas adaptou seu desempenho ao
esprito da segunda verso do bloco. Assim, contracenou com o novo Z
Espinguela, Carlos Augusto Silva Caetano de Jesus, que desenvolveu uma
coreografia de base indgena, adequada ao seu personagem. Quanto a
Carlinhos de Jesus no Sdade doCordo, em desfile pela rua do
Passeio - Centro do Rio
90 Ermelinda A. Paz
Joo Carlos da Silva Ramos, vestiu um traje de palhao dourado e abriu o
bloco na Arnaldo Quintela. Porm no segundo desfile preferiu ficar mais
para o meio, por causa da proximidade com o som da bateria, que favore-
cia as suas circunvolues. Elas precisavam ser marcantes, pois o perso-
nagem que ele representava era conhecido pela capacidade de desenvol-
ver as letras do alfabeto com as pernas.
A ala dos caboclos caracterizava-se pelo cunho de autenticidade, obtido
graas presena de Walter Fonseca, naquela poca com 73 anos. Ele
descende de ndios e seu bisav foi caado a lao. Por isso tem uma
tradio de s desfilar vestido com aqueles trajes, tendo comeado aos
10 anos de idade, no Morro da Matriz, onde mora h mais de 60 anos.
Walter Fonseca, naquela poca com73 anos, caracterizado como ndio.
91Sdade do Cordo
Formou sob sua responsabilidade um grupo de descendentes de ndios,
atualmente 30 caboclos que saem sempre com ele. Sua tribo antiga e
ele prprio confecciona as fantasias, feitas de siriema legtima. Ele trou-
xe para o SDADE do Cordo duas tribos, ou seja, 58 caboclos.
Logo atrs dos ndios e na frente da ala das ndias vinha, com duas
companheiras, Marcia Milhazes, bailarina que criou o Bal Carioca, inau-
gurado em 1986 com o espetculo Danando Villa-Lobos. Portanto, j
estava familiarizada com a equipe e o trabalho do Museu, integrando-se
perfeitamente ao desfile.
O bairro participou e vibrou intensamente com o bloco. Por isso, em sinal
de retribuio, o SDADE do Cordo fez seu primeiro desfile dia 3 de
maro, segunda-feira de carnaval, na Rua Arnaldo Quintela, que o foco
do carnaval tradicional de Botafogo.
No entanto, o que mais chamou a ateno foi o inusitado desfile do
bloco no centro da cidade, na data do centenrio de Villa-Lobos, dia 5 de
maro de 1987. Era uma quinta-feira aps Cinzas e o bloco se exibiu
depois do horrio de trabalho das reparties. O grupo partiu do Circo
Voador e fez, aproximadamente, o roteiro sentimental do percurso de
1940: Rua do Passeio, Rua Santa Luzia, Avenida Graa Aranha, Rua Ara-
jo Porto Alegre, para terminar em frente ao Bar Amarelinho.
Sua passagem provocou entusiasmo entre os participantes, suscitou emo-
o e reminiscncia entre os que assistiam e atraiu transeuntes. Dentre
estes ressalte-se o senhor idoso, elegantemente trajado de terno e gra-
vata, aparentemente um executivo, que se incorporou ao grupo e danou
at o fim.
A preparao do bloco gerou muita dedicao nos trabalhos e muita ale-
gria nas pessoas. S se via o prazer da festa, mas uma festa motivada por
profundas razes culturais, que identificava as pessoas com a cidade, o
bairro, o Museu, o compositor, o pas. O bloco foi um comovente elemen-
to catalisador de todo esse esforo, que integrou definitivamente o Mu
92 Ermelinda A. Paz
seu Villa-Lobos na comunidade do seu bairro e marcou sua presena na
cidade.
A novela Roda de Fogo, em cartaz na TV Globo no ano de 1987, tambm
homenageou o centenrio de Villa-Lobos. O ator Mrio Lago, atravs de
seu personagem (Antnio Villar), contracenando com Tarcsio Meira (o
filho Renato) e relembrando os velhos tempos, fala da ltima vez que
brincou no carnaval, em 1940, no bloco SDADE do Cordo, criado por
Villa-Lobos.
O SDADE do Cordo verso 1987 teve uma funo muito importante:
resgatou um carnaval ldico, sem concurso, mais autntico, que aglutinou
todas as camadas sociais liberando-as de barreiras, conforme o sentido
primitivo dessa festa. Ao mesmo tempo, mostrou que possvel danar
pelo prazer de brincar, sem a sensualidade ostensiva que tomou conta do
trduo de Momo.
Dois palhaos do Sdade doCordo
93Sdade do Cordo
Relao dos Participantes de 1987Conforme as Fichas de Inscrio do Museu Villa-Lobos
Arlequins
Ana Lcia Milhomens, Antonia Barbosa, Betina Boetger,
Bruno Boetger, Cludia Marchesi, Claudia Dottori, Dinorah de Almeida,
Diva Dulcelina, Doriane Calvet, Ella Grinsztein, Eliseo Camargo,
Giovanna Rosso del Brenna, Geny Nicolavsky, Giulia del Brenna,
Henri Bataillard, Lenian Boetger, Luciana Helena Sobral,
Maria Tereza Duarte, Marlene Aguiar, Marli, Regina Vieira,
Roberto Boetger, Rodrigo Boetger.
BandaAndrea, Aninha, Eduardo, Helena, Ivan, Luiz, Mag, Valesca.
Bateria
Amigo da Vitria, Camilo, Carlos Negreiros,
Carlos Eduardo Mendes de Jesus, Luiz Srgio do Buraco Quente,
Marcelo Fortuna, Martinho da Vila, Nelsinho, Presidente do bloco da
Arnaldo Quintela e mulher, Raquel Ramalhete, Robson Lobianco,
Srgio (responsvel pela bateria da Arnaldo Quintela), Turbio,
Walter Luiz.
Caveiras
Azvete Fogaa, Jurema Barbosa Dirio.
Carrascos
Casey Keiderling, Maria Teresa Moraes, Wallace Keiderling.
Clvis
lvaro Mrcio Guerra, Camilo Augusto Siqueira, Christina Boller,
Elaine Fernandes, Elizabeth Coelho Lente, Ftima Maria da Veiga,
Hermnio, Mrcia Ancora da Luz, Marta Ramalhete, Solange Jansen,
Graa (irm do Mrio Lago Filho).
94 Ermelinda A. Paz
Colombinas
Anna, Ana Alice Pinto, Ana Maria Quintanilha Drumond, Carmen Lent,
Dbora Alvarez Valente, Edialeda Nascimento,
Fernanda Rachel Costa Figueiredo, Helosa, Jan Lira, Lisa Laureano,
Karina Pinto, Lcia Maria Sobral Duarte, Mrcia Frana Ribeiro,
Maria Auxiliadora Ramos Moretti, Maria Cristina Fernandes,
Maria do Rosrio Galhardo, Maria das Graas Santos,
Maria Helena dos Santos, Regina, Sandra Santos, Sonia Aguiar Lopes,
Sula Dain, Soeli Baldez de Moura, Sulema Mendes de Budin,
Vitria Alice Teles dos Santos.
Diabinhos
Alexandre Nicolavsky S. dos Santos, Felipe Fernando Figueiredo Lobo,
filhos da Helosa (3), filha do Serra da Bateria, Jair (filho do Bira),
Lgia Mariana Ford, Wladimir Fogaa, Sonia Regina dos Santos Oliveira.
DominsAmlia Zaluar, Janet Landseth, Marcelo P. Carpilovsky,
Mnica Gentil Gibson, Rejane Mendona.
Fantasmas
Acy Gomes, Bruno Faria.
ndias
Clia Regina Costa Reis, Eliane Cancela Duarte, Hilda (Museu),
Lia Freitas Leal, Mrcia Ladeira, Mrcia Milhazes,
Mrcia Zara (filha da Lgia Santos), Marta Cristina Clemente, Mnica,
Slvia Regina, Suely Sampaio, Vera (Lgia).
Morcegos
Ecila Ford, Renata Pereira Rego de Magalhes, Rosrio Keiderling.
Palhaos
Ana Maria Figueiredo Lobo, Ana Maria Moreira Borges,
Ana Maria Rezende Lima, Ana Maria Silvrio, Angela Martins Ramalho,
95Sdade do Cordo
Anesio Dutra, Antonio Mariano P. Gusmo, Arthur Frederico Leite Lopes,
Conceio Turchetti, Elizabeth Leite, Guacira Xavier Pereira,
Katia A. da Luz, Maria Amlia, Maria Clara Jorge (amiga da Grace),
Maria Izabel PennaBuarque de Almeida, Maria Luiza Testa Tambellini,
Maria Santos, Mario de Aratanha, me da Andrea, Marta Ancora da Luz,
Olga Savary, Orlando Ancora da Luz,
Pedro Cardoso Sampaio (namorado da Mrcia), Rosngela de Almeida,
Sebastiana Maria P. Gusmo, Vitria Pamplona.
Pierrs
Ana Maria Periard, Ana Maria Tavares, Ana Regina,
Andra (Ana Regina), Andr, Giovanne Rosso Del Brenna,
Ivone Cunha Rego, Johanna Sonkin, Marco Antonio Maia,
Margareth Rismondo, Marie Diarifat, Marisca Darcy, Rosisca Darcy,
Sonia Fassini.
Princesinhas do InfernoAndrea Lima Campos (estagiria do MVL), Amparo,
Maria Helena (amiga da Marta, secretria do MVL).
Rainha do Inferno
Mnica Mangia (Monique).
Rei do Inferno
Bira Dantas.
Vampiros
Paulo Srgio Duarte (funcionrio da Pr-Memria), Michel Schwartzman.
Velhos
Irmo do Paulo (funcionrio do Museu), Carlos (guarda do Museu),
Janio Paulo, Nelson Goyanna de Carvalho, Porteiro da Sorocaba,
Roberto Maculan.
96 Ermelinda A. Paz
Alm das alas que constavam do projeto inicial do SDADE do Cordo,
houve, no final do cortejo, um grupo sui generis. A Comisso organizadora
do evento permitiu aos folies que se apresentaram para desfilar o uso de
fantasias prprias, desde que fossem aprovadas pela equipe e no desto-
assem do esprito do bloco. Desde grupo fizeram parte, entre muitos
outros, as seguintes pessoas:
Edna Tit, Eliane Sztajnberg, Miltom Ferreira Tit, Perola Sztajnberg,
Antonieta.
Pierr ao final do desfile.
97Sdade do Cordo
PROJETO CENTENRIO DE VILLA-LOBOS - SDADE DO CORDOElaborado pelo Museu Villa-Lobos
Introduo
Os cordes de Carnaval grupos de mascarados, velhos, palhaos, dia-
bos, reis, rainhas, sargento, baianas, ndios, morcegos, mortes, etc.
marcaram a infncia e a juventude de Heitor Villa-Lobos, cuja relao
com a msica popular vem dessa poca.
Nossa proposta de trazer de volta o Sdade do Cordo, reconstitudo por
Villa-Lobos em 1940, uma forma no s de homenage-lo mas de reviver
uma tradio carnavalesca ingnua, animada, gostosa e desconhecida
para os folies de agora.
mbito de Atuao:
A populao carioca e muito especialmente a comunidade de Botafogo,
atravs da Associao de Moradores.
Resultados Previstos:
Conhecer, compreender e popularizar Villa-Lobos.
DESENVOLVIMENTO DO DESFILE
1 parte
Abre-Alas:
VILLA-LOBOS E O GRUPO CARNAVALESCO SDADE DO CORDO SADAM O
POVO E PEDEM PASSAGEM
Enredo:
RECORDAO DO PASSADO
Destaque: Palhao verde e amarelo
Ala de ndios e ndias tropicalistas que mostram o esprito da coisa, com
3 homens e 9 mulheres.
Alegoria de mo: Chocalho
Baianas: 20
Estandarte: OS CUCUMBIS
98 Ermelinda A. Paz
Ala de ndios caboclos com cerca de 12 figurantes
Alegoria: Arco e Flecha
Ala dos sapos: 8 fantasias com mscaras
Estandarte: VITRIA-RGIA
Porta-Estandarte
Cacique Mestre-Sala
Estandarte: MSCARA DE NDIO ENFURECIDO
10 ndios verde e amarelo
Alegoria: Arco e flecha
2 Parte:
Bateria - sargentos e chites - 30 figurantes
Msicos - 6
Estandarte: CORDES DE VELHOS
6 prncipes, 6 princesas, 6 reis, 10 rainhas, 12 princesinhas do inferno (pastorinhas).
Ala dos diabinhos, com 20 ou 25 (crianas)
Os Disfarces
15 componentes, com figurinos diferenciados
Ala dos Velhos
10 velhos (5 ternos verdes, 5 ternos amarelos: jovens com mscaras)
Cerca de 10 velhos (velhos mesmo)
Estandarte: ANTIGOS CARNAVAIS
Pierr, Arlequim, Colombina
12 palhaos preto e branco
Palhaos diferentes, coloridos.
99Sdade do Cordo
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Musicologia. Rio de Janeiro, (VI), 1946.
100 Ermelinda A. Paz
Esta edio de 1.000 exemplares destina-se nica e exclusivamente di-
vulgao da obra de Villa-Lobos - nestes 40 anos de sentida ausncia -
no tendo portanto fins lucrativos.
Este livro foi publicado com apoio da Fundao Universitria Jos Bonifcio
(FUJB) como parte das comemoraes do seu Jubileu de Prata.
Este livro foi impresso em junho de 2000 na Grfica Editora Lidador, em
papel couch matt 120 g. com tipografia ITC Officina Sans BT, com fotolitos
produzidos pela Arc Press.