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  • 1Sdade do Cordo

    Sdade do CordoErmelinda A. Paz

    Fundao UniversitriaJos Bonifcio

  • 2 Ermelinda A. Paz

    Crditos 2000 - Copyright by Ermelinda A. PazFoi feito o dispositivo legal na Biblioteca Nacional.

    Todos os direitos reservados.

    Edio de texto: Lgia Vassalo

    Reviso de texto: Ceclia Viveiros de Castro

    Digitao: Marcia Trigueiros

    Cpias Musicais: Ermelinda Emma Couto

    Figurinos de 1987 Maria Carmen Alves Pereira de Souza

    Os figurinos de Maria Carmen foram inspirados nas Aquarelas de Di Cavalcanti, mediante

    autorizao da cessionria dos direitos autorais, Dalila Luciana.

    Fotografias dos figurinos de Maria Carmen: Ricardo Behring

    Projeto Grfico, diagramao e assessoria produo: Eliana Formiga e Moema Mariani

    Reproduo dos jornais: arquivo da Biblioteca Nacional

    Reproduo dos jornais das pginas 50 e 51: Jornal O GLOBO

    Reproduo das fotografias: acervo do Museu Villa-Lobos e Academia Brasileira de Msica

    Este livro foi publicado com apoio da Fundao Universitria Jos Bonifcio (FUJB) como

    parte das comemoraes de seu Jubileu de Prata.

    Paz, Ermelinda A.

    P368s Sdade do cordo / Ermelinda A.

    Paz. -- Rio de Janeiro: ELF, 2000.

    104 p. il

    Inclui partituras

    ISBN

    1. Carnaval antigo 2. Cordes carnavalescos 3. Msicas carnavalescas

    I. Ttulo

    CDD 394.26

  • 3Sdade do Cordo

    Oferecimento

    Para

    A Professora Lgia Vassalo pelo estmulo para que eu realizasse este tra-

    balho.

    A todos aqueles que contribuiram para o enriquecimento deste fornecen-

    do importantes depoimentos, ressaltando, em especial, a pessoa de Sr.

    Silvio Cecotto.

    Os meus pais Pacfico e Edna, minha filha Luciana, meu esposo Zanini

    pela compreenso, carinho e apoio irrestrito em todos os momentos de

    minha jornada.

  • 4 Ermelinda A. Paz

    Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

    Secretaria Municipal de Cultura

    Prmio Carioca de Monografia 1994

    Prmio especial

  • 5Sdade do Cordo

    Sdade do CordoO Brasil precisa de educao,de uma educao que no seja de pssarosempalhados em museus,mas de vos amplos no cu da arte.

    Heitor Villa-Lobos

  • 6 Ermelinda A. Paz

  • 7Sdade do Cordo

    Agradecimentos

    A publicao das partituras e letras das msicas constantes nesta obra tiveram sua inserogentilmente autorizada pelos detentores dos direitos autorais, a quem agradecemos:

    MANGIONE, FILHOS & CIA. LTDA., por Aurora (de Roberto Roberti e Mrio Lago), Jardineira(de Benedito Lacerda e Humberto Porto), Mame eu quero (de Vicente Paiva e Jararaca),Pastorinhas (de Joo de Barro e Noel Rosa - 50%);

    IRMOS VITALE S/A, por Al-l- (de Haroldo Lobo e Nssara), Desfile dos heris do Brasil -Senhora Rainha (msica de Heitor Villa-Lobos, letra de Hermnio Bello de Carvalho), Mal-me-quer (de Haroldo Lobo e Nssara);

    Dr. DALTON VOGELER - ASSOCIAO DEFENSORA DE DIREITOS AUTORAIS FOTOMECNICOS, porAl-l- (de Haroldo Lobo e Nssara), Canto do paj (de Villa-Lobos e Paula Barros), Hino docarnaval brasileiro (de Lamartine Babo), abre alas (de Chiquinha Gonzaga), Pastorinhas (deJoo de Barro e Noel Rosa - 50%);

    HERMNIO BELLO DE CARVALHO, pela poesia de Senhora Rainha;

    MARIA CARMEN ALVES PEREIRA DE SOUZA, pela reproduo dos figurinos do bloco de 1987;

    MUSEU VILLA-LOBOS e ACADEMIA BRASILEIRA DE MSICA pela permisso de divulgar foto-grafias e partituras pertencentes ao seu acervo;

    EQUIPE DO MUSEU VILLA-LOBOS na pessoa de seu Diretor e violonista Turbio Santos;

    ACADEMIA BRASILEIRA DE MSICA por seu Procurador Dr. Henrique Gandelman;

    FUNDAO UNIVERSITRIA JOS BONIFCIO na pessoa de seu Presidente Professor CarlosNilo Gondim Pamplona.

  • 8 Ermelinda A. Paz

  • 9Sdade do Cordo

    Sumrio

    Pgina

    Prefcio 11

    Por que Sdade do Cordo? 13

    O carnaval antigo 17

    Msicas dos antigos cordes 21

    Sdade do Cordo: 1940 25

    Marcha-rancho de 1940 27

    Fotos dos ensaios de 1940 28

    Reproduo de recortes de jornais de 1940 32

    Fotos do desfile de 1940 35

    Figuras do Cordo de 1940 54

    Figurinos de 1987 - Desenhos de Maria Carmen 57

    Sdade do Cordo: 1987 65

    Fotos do desfile de 1987 65

    Msicas dos antigos cordes 69

    Msicas do desfile de 1987 73

    Relao dos participantes de 1987 93

    Projeto Centenrio de Villa-lobos 97

    Bibliografia 99

  • 10 Ermelinda A. Paz

  • 11Sdade do Cordo

    Prefcio

    Foi uma bela surpresa a leitura do Sdade do Cordo de Ermelinda A. Paz,

    que perpetua uma experincia nica de Heitor Villa-Lobos, que por sua

    vez pretendia perenizar o esprito verdadeiro do Carnaval Carioca atravs

    dos cordes e blocos carnavalescos.

    O documento de Ermelinda consegue ao mesmo tempo testemunhar mi-

    nuciosa e calculadamente todos os passos de Heitor Villa-Lobos na

    reconstituio do Sdade e portanto, o esprito reinante no comeo do

    sculo, e restituir a tremenda emoo que cercou a constituio do Bloco

    Sdade do Cordo em 1940 e sua reconstituio em 1987, ano do cente-

    nrio de nascimento de Heitor Villa-Lobos.

    Qualquer atividade carnavalesca levanta um desafio, algumas vezes

    intransponvel. Como organizar uma festa dionisaca com uma aplicao

    espartana e uma lgica que poderia exasperar Descartes?

    Villa-Lobos, quando abraou seu destino, de descrever o Brasil utilizando

    uma orquestra sinfnica como principal veculo de sua obra, j praticava

    o difcil exerccio de descrever o caos dentro de um contexto que o da

    orquestra tradicional. De certa forma, Sdade do Cordo, foi uma sinfonia

    vivida e no escrita, que Heitor deixou para a posteridade.

    Quando a equipe do Museu Villa-Lobos, decidiu em 1987 refazer o Sdade,

    todos foram de certa maneira, conduzidos e hipnotizados pelo desejo

    certeiro do grande compositor, de preservar para a eternidade o

    renascimento de sua juventude, do bloco do seu corao!

    O entusiasmo das pessoas trabalhando e brincando, parecia algum tipo

    de parceria mgica com o bloco primordial de 1940.

  • 12 Ermelinda A. Paz

    No momento em que desfilamos, no centro da cidade do Rio de Janeiro,

    os rostos de encantamento e surpresa das pessoas mais idosas eram a

    saudao suprema ao gnio de Heitor Villa-Lobos. As mesmas pessoas,

    que esquecendo a idade, invadiam o bloco, retornando por essa mquina

    do tempo, quarenta anos atrs e ingressando no mundo de sonhos que s

    a imaginao prodigiosa do povo brasileiro pde criar.

    Ermelinda A. Paz nos presenteia com este livro-testemunho que enrique-

    ce sua competente carreira de pesquisadora mas nos devolve a alegria de

    uma experincia inesquecvel: um carnaval em companhia de Heitor Villa-

    Lobos em pleno 1900!

    Turbio Santos.

    Diretor do Museu Villa-Lobos

  • 13Sdade do Cordo

    Tratar de Sdade do Cordo assim mesmo, obedecendo corruptela

    popular da palavra uma maneira de preservar a memria nacional,

    registrando aspectos do carnaval carioca. Esta festa, como todas as ma-

    nifestaes de arte popular, merece ser resguardada, para que as tradi-

    es no se percam. A elas se associa a personalidade de Heitor Villa-

    Lobos, incansvel cultor das coisas brasileiras. Por isso ele idealizou um

    grupo especial para sair no carnaval de 1940, a que deu o nome de

    Sdade do Cordo. Buscava, assim, recuperar as origens desse festejo, tal

    como ele ocorria no incio do sculo. Talvez uma forma de resgatar as

    reminiscncias da juventude. O grande msico agiu desse modo como

    uma das maneiras de contribuir para formar o gosto esttico do povo

    brasileiro, a seu ver o nico meio de preparar as futuras platias para os

    nossos artistas. Ele prprio nos d seu depoimento, transcrito de obra

    publicada em 1946:

    Por que Sdade do Cordo?

  • 14 Ermelinda A. Paz

    Sempre com o intuito de melhor informar e colaborar na edu-

    cao folclrica nacional, alm das pesquisas, colheitas, estu-

    dos, selees, colecionamento e ambientao musical que rea-

    lizamos, de melodias annimas de todo o interior do Brasil,

    desde a melopia amerndia, o cntico do negro e do mestio

    cantiga infantil, reconstitumos, no ano de 1940, com imensa

    dificuldade, a organizao completa do antigo cordo carnava-

    lesco, gnero de agremiao recreativo-popular que viveu at

    fins do sculo XIX. Com esse trabalho tivemos a inteno de

    reviver o melhor aspecto tpico coreogrfico da mais acentuada

    autoctonia, quer pelo ineditismo e imprevisto dos seus cnticos,

    danas, indumentrias e cerimoniais pitorescos, como pelas suas

    rsticas realizaes dramticas, nas quais podia-se verificar no

    existir imitao maneira estrangeira, quer no todo, quer em

    seus mnimos detalhes.

    Para tal empreendimento, tivemos que recorrer a elementos que j se

    achavam afastados da vida ativa, pois alguns deles contavam 90 anos

    de existncia e tinham sido clebres na sua poca.

    Com o auxlio daqueles antigos personagens, conseguimos ela-

    borar, organizar e realizar um autntico cordo para o qual foi

    dado o nome de SDADE do Cordo.

    Diversos peridicos se ocuparam desta notcia. Podemos ressaltar o de-

    poimento de Villa-Lobos publicado no jornal Estado de Minas de 20/01/

    1940 e alvo de citao no Correio do Norte de 2/02/1940, no Jornal do

    Commercio de 3/02/1940 e, ainda, na Gazeta de Notcias de 3/02/1940:

    O SDADE do Cordo tem por objetivo animar o esprito naci-

    onalista do povo e servir de documentao oficial para o Insti-

    tuto de Cinema Educativo do Ministrio da Educao.

    Este feito de Villa-Lobos provocou o maior interesse e gerou grandes expec-

    tativas em torno do carnaval de 1940: foi considerado, como veremos mais

  • 15Sdade do Cordo

    adiante, o evento carnavalesco mais importante do ano. Apesar do sucesso

    alcanado pelo Sdade do Cordo, a verdade que, com exceo dos que

    participaram da exibio, a realizao carnavalesca do nosso grande compo-

    sitor ficou esquecida por quase 47 anos. Em 1987, ano do centenrio do

    grande maestro, a equipe do Museu Villa-Lobos teve a feliz idia de reviver o

    Sdade do Cordo, em homenagem ao centenrio de nascimento do seu

    patrono.

    O interesse despertado pelo Sdade do Cordo prende-se a um fato im-

    portantssimo: o elo que havia entre Villa-Lobos e os msicos e as mani-

    festaes populares. Sempre que se fala neste nosso patrcio, fazem-se

    menes muito superficiais ligao de Villa-Lobos com os chores, que

    ocorreu quando ele era bem jovem ainda, no incio de sua carreira. Se-

    gundo Alusio Dias, da Velha Guarda da Mangueira, sempre que Villa-

    Lobos precisava de msicos populares ou quando alguma personalidade

    estrangeira estava no Rio de Janeiro, como Aaron Copland, por exemplo,

    Villa-Lobos os chamava ou ento levava os visitantes para o Buraco Quente,

    onde morava Cartola. O maestro ensinou a usar o diapaso e, desde en-

    to, Cartola e Alusio passaram a s afinar seus instrumentos assim.

    O Sdade do Cordo tem por objetivo animaro esprito nacionalista do povo e servir de documentao oficial

    para o Instituto de Cinema Educativodo Ministrio da Educao.

    Raro o escritor que menciona os laos do compositor brasileiro com

    grandes nomes como Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, Donga, Joo da

    Baiana, Cartola, Alusio Dias, Herivelto Martins e muitos outros que, ine-

    gavelmente, j fazem parte da histria da msica popular brasileira. O

    nmero de artigos escritos sobre Villa-Lobos e suas relaes com os m-

    sicos populares inferior queles que apontam suas falhas humanas e o

    temperamento intempestivo do maestro. No entanto, no se pode negar

    que, em escala de importncia, as relaes do nosso grande compositor

    com a msica popular brasileira tm um peso muito maior para a cultura

    nacional do que as anedotas que apenas contribuem para caracterizar o

  • 16 Ermelinda A. Paz

    indivduo Heitor Villa-Lobos. E isso em detrimento de um conhecimento

    maior e mais aprofundado de uma obra que, pelo seu valor reconhecido

    internacionalmente, j uma resposta queles que ainda questionam a

    importncia desses msicos, do povo, do pas, na formao da personali-

    dade musical de Villa-Lobos.

    Com o reconhecimento do valor de suas composies eruditas, as apre-

    sentaes no exterior, a fama de grande compositor j estabelecida, a

    vida de Villa-Lobos seguiu caminhos diferentes. J no havia encontros

    freqentes com os chores, os criadores da msica popular, como nos

    tempos da mocidade. Mas, na essncia de suas melodias, o maestro nunca

    se afastou do contato com os artistas que tanto o encantaram no passa-

    do. Na sua msica h a sonoridade que provm do povo e que ele,

    visceralmente, buscava.

    Suas msicas de inspirao popular cheiram a Stiro Bilhar, Chiquinha

    Gonzaga, Ernesto Nazareth, aos chores, cantadores, seresteiros, e apre-

    sentam toda uma temtica folclrica. E, como se no bastasse, em 1949,

    com seus 62 anos de idade, o jovem Villa-Lobos compe o Samba Clssico,

    prestando uma homenagem e dedicando-o aos compositores populares.

    Queremos ressaltar apenas um dos muitos aspectos e feitos de Villa-Lobos

    nesta rea, um Villa-Lobos no to conhecido, mas muito vivo e autntico.

    Por isso relembraremos o carnaval antigo, pois ele serviu de base para o

    SDADE do Cordo de 1940. Que, por sua vez, serviu de base verso de

    1987... Desses eventos, resgatamos vrios documentos que apresentamos

    ao longo do texto. So as letras das msicas cantadas e suas partituras, so

    as mscaras e os figurinos de 1987 criados por Maria Carmen.

    Mergulhemos, agora, nas diferentes fases do carnaval carioca, associan-

    do-o tica de Villa-Lobos.

  • 17Sdade do Cordo

    No nosso objetivo historiar os primrdios do carnaval carioca, as ori-

    gens e evoluo da grande festa popular, porque j foram minuciosamen-

    te estudadas por Edigar de Alencar, autor de uma verdadeira enciclopdia

    sobre o assunto. O mesmo tema foi abordado por especialistas como

    Eneida, Wilson Lousada, Mariza Lira, Jota Efeg e Joo do Rio. Todavia,

    importante recordar os costumes dos antigos carnavais, com os animados

    cordes to apreciados pelo jovem Villa-Lobos, antes de falar no grupo

    de folies que ele organizou. Jota Efeg nos fala de antigamente no seu

    livro sobre o Ameno Resed:

    O Carnaval Carioca, no princpio deste sculo, j comeava a

    renunciar s prticas do entrudo. Repudiava o estpido lana-

    mento de baldes de gua, o arremesso de punhados de farinha

    de trigo, de limes cheios de lquidos nem sempre odorosos, e

    buscava novos divertimentos. [...] Surgiam, ento, pouco de-

    pois, os conjuntos denominados Z Pereira, de criao atribu-

    da a um portugus de nome Jos Nogueira de Azevedo Paredes,

    O carnaval antigo

  • 18 Ermelinda A. Paz

    e que reunia alguns homens forudos a martelar incessante-

    mente bombos enormes fazendo barulho ensurdecedor. O Z

    Pereira evoluiu para os cordes propriamente ditos (pois essa

    denominao servia, tambm, para designar qualquer grupo car-

    navalesco).

    Ameno Resed, Teimosos da Chama, Dlia de OuroFlor de So Loureno, Rosa de Ouro

    Teimosos da Gamboa, Flor do AbacateArrepiados, Recreio da Flores

    frente do desfile havia o abre-alas. Era constitudo de grupos de ndios

    que, em grande nmero e com evolues imitativas dos nossos selva-

    gens, sopravam chifres de boi como cornetas, produzindo silvos e inven-

    tando palavras para imitar o linguajar dos silvcolas. Arcos e flechas

    completavam a iluso carnavalesca. As armas indgenas eram empunha-

    das como se, com elas, os falsos ndios fossem atacar o povo.

    Depois do abre-alas, vinha o ponto alto dos cordes o estandarte.

    Considerado como smbolo, a bandeira que particularizava cada cordo, o

    estandarte era confeccionado com luxo e criatividade. Bordados mo

    ou pintados com capricho, os estandartes tinham tanta importncia no

    carnaval da poca que eram exibidos nos balces de jornais, bem antes

    do perodo de Momo. O Jornal do Brasil e a Gazeta de Notcias estimula-

    vam a criatividade dos carnavalescos, concedendo prmios aos cordes

    que apresentassem os estandartes mais bonitos, ricos e originais.

    Mascarados e usando fantasias, os carnavalescos do cordo constituam

    uma massa heterognea em que palhaos, diabos, baianas, caveiras, clvis

    se misturavam com prncipes, princesas e velhos usando enormes msca-

    ras. Raramente via-se algum sem fantasia. Os automveis rodavam com

    as portas abertas, para que se jogassem as serpentinas. Havia muito

    confete e a lana-perfume era o ponto alto. O carnaval durava trs dias,

    desde as 22 horas de sbado at as 24 horas em ponto de tera-feira,

    pois fora desse prazo o folio arriscava-se a ser preso. Cada grupo carna-

  • 19Sdade do Cordo

    valesco compunha-se em mdia de 200 a 250 participantes e cantava

    msicas mais lentas e cadenciadas do que as de hoje.

    A figura do velho era de grande importncia no cordo. Pretos ou bran-

    cos, eles constituam uma atrao comparvel aos destaques das escolas

    de samba de hoje. Apoiados em grandes cajados, exibiam-se em evolu-

    es, caminhando com dificuldade como se carregassem realmente o peso

    dos anos. A dana dos velhos, com seus passos e volteios chamados de

    letras, era considerada um ponto importante para o sucesso dos cordes.

    Havia um verdadeiro confronto entre tais personagens. E o aplauso popu-

    lar consagrava os que melhor desempenhavam esta funo carnavalesca.

    A complicada coreografia dos velhos, muitas vezes demorando mais de

    meia hora, a tcnica e o virtuosismo demonstrados em suas letras, con-

    tribuam para que os cordes em que se apresentavam fossem vencedores

    da preferncia popular. Os cordes eram dirigidos por um mestre ou chefe

    que comandava o grupo usando um apito.

    A grande era dos cordes foi o incio do sculo XX. Em 1902 formaram-se

    tantos, que s nesse ano a polcia licenciou mais de duzentos. Nesse ano

    nasceram os Teimosos da Chama e o Grmio Carnavalesco Dlia de Ouro.

    Em 1905, aumentou de tal modo o nmero de cordes que o jornal O Pas

    declarou que mesmo que nenhum clube sasse rua, mesmo que no

    houvesse passeata das grandes sociedades, s o desfile dos cordes j

    seria garantia de um carnaval magnfico. Em 1906, a Gazeta de Notcias

    promoveu o primeiro concurso entre os cordes: o mais luxuosamente

    trajado ganharia o primeiro prmio, um rico estandarte, e o segundo

    lugar seria para o mais original: Uma meno honrosa em artstica ban-

    deira. Foi to grande o nmero de concorrentes que a Gazeta se viu

    obrigada a desdobrar os prmios: dois estandartes e vrias menes hon-

    rosas.

    Ameno Resed, Teimosos da Chama, Dlia de OuroFlor de So Loureno, Rosa de Ouro

    Teimosos da Gamboa, Flor do Abacate Arrepiados, Recreio da Flores

  • 20 Ermelinda A. Paz

    Os cordes foram os iniciadores do carnaval carioca com cantiga espec-

    fica, embora privativa de cada grupo. De acordo com Edigar de Alencar,

    que se baseia em informaes de Mariza Lira, j em 1885 o cordo Flor de

    So Loureno aparece nas ruas cantando msica prpria. Estes cantos,

    todavia, no transpunham os limites do grupo que os entoava, deles no

    tomando conhecimento o povo. Eram msicas particulares, como eram,

    at determinado tempo atrs, os samba-enredos, no sendo, por essa

    razo, tomadas como msicas carnavalescas. A msica de Chiquinha

    Gonzaga intitulada Cordo Rosa de Ouro e composta, ao que consta, por

    solicitao do referido grupo carnavalesco, foi sucesso em 1899. Ela fi-

    gura como a primeira composio especialmente escrita para o carnaval

    carioca.

    Edigar de Alencar, que baseou seu trabalho em sria pesquisa em arqui-

    vos, jornais, revistas e consultas a pessoas, atesta que por muito tempo

    foram cantadas no carnaval do Rio de Janeiro msicas sem qualquer sen-

    tido carnavalesco: cantigas de roda, hinos de guerra, canes folclricas,

    trechos de pera, rias de operetas e at fados lirs... Costumavam exal-

    tar, nas suas msicas, o tipo de beleza da mulher brasileira representado

    pela morena. Alm da morena, os temas das msicas cantadas pelos cor-

    des em seus desfiles mostravam as poesias mais romnticas e singelas,

    passando pelos rouxinis e pela rosa. Iam at o chorar das desgraas

    nacionais, caricaturando ou enaltecendo os acontecimentos ptrios.

    Muitas vezes os nimos se exaltavam quando os blocos se cruzavam, pois

    o cordo era briguento e arruaceiro, reunindo entre seus componentes

    famosos capoeiras. Por isso, em 1907, a Polcia Federal proibiu a sada de

    dois deles, Teimosos da Gamboa e Teimosos da Chama, j que a rivalidade

    entre ambos gerava conflitos incontveis. A violncia trouxe conseqn-

    cias srias: com o intuito louvvel de evitar os conflitos entre os cordes

    e grupos carnavalescos nas competies de rua, foram postas em prtica

    medidas policiais que tiveram efeitos contrrios existncia dos cor-

    des. Desse modo, eles ficavam impedidos de se encontrar, o que era um

    dos objetivos primeiros da manifestao.

  • 21Sdade do Cordo

    Msica dos antigos cordescarnavalescos cantada pelo

    Sr. Silvio Cecotto e grafada pelaautora.

    Cordo Guerreiros de So Diogo

  • 22 Ermelinda A. Paz

    Msica dos antigos cordescarnavalescos cantada pelo Sr. SilvioCecotto e grafada pela autora.Cordo Estrela do Brasil

  • 23Sdade do Cordo

    Em 1911 desaparecem os cordes, surgindo em seu lugar os ranchos. Eles

    deram nova feio ao carnaval carioca, cabendo a primazia da transfor-

    mao ao Ameno Resed e ao Flor do Abacate. O Ameno Resed veio a ser

    considerado, mais tarde, como um marco na histria do carnaval brasilei-

    ro. Ao ser fundado, pretendia criar uma novidade no carnaval da Cidade

    Maravilhosa. Por isso, seus organizadores atentaram para que a renova-

    o a ser feita tivesse qualidades artsticas em todos os seus aspectos,

    sem desprezar o sentido popular intuitivo. Mesmo sem tentar erudio, a

    realizao deveria ser esmerada e de bom gosto, para agradar o mais

    possvel. O rancho acabou sendo uma escola onde se pudesse aprender

    novas maneiras de formar um cortejo e constituir um prstito. Ensinaria

    como juntar roupagens, alegorias plsticas, luzes e musicalidade para

    obter um espetculo deslumbrante.

    Ameno Resed, Teimosos da ChamaDlia de Ouro, Flor de So Loureno

    Rosa de Ouro, Teimosos da Gamboa, Flor doAbacate, Arrepiados, Recreio da Flores

    Com este objetivo, a nova sociedade procurou trazer para seu quadro

    grande nmero de carnavalescos conhecidos que, junto aos entusiasma-

    dos componentes fundadores, contriburam para a merecida fama do Ameno

    Resed. Para se ter uma idia do que ela conseguiu, basta dizer que

    msicos categorizados como Z do Cavaquinho (Jos da Silva Rabello);

    Quincas Laranjeiras (Jos da Conceio), excelente violonista e exmio

    choro; Henrique Martins (ex-trombonista da Orquestra do Teatro Munici-

    pal) e os pistonistas da Banda do Corpo de Bombeiros, dirigida pelo

    maestro Anacleto de Medeiros, participavam gratuitamente dos ensaios e

    dos desfiles do rancho. Assim, muitos msicos de renome foram atrados

    pela sociedade, como Jos Barbosa da Silva, o popularssimo Sinh,

    cognominado o Rei do Samba, que fez parte da orquestra do Ameno

    Resed tocando flauta e violo.

    Mas em 1940 os ranchos estavam no ocaso. Os poucos que persistiam

    apenas mantinham viva a tradio. No mais constituam a atrao que,

  • 24 Ermelinda A. Paz

    de 1910 a 1930, foi estimulada por grupos como o Ameno Resed, o Flor

    do Abacate, o Arrepiados, o Recreio das Flores e tantos outros. Em seu

    lugar, as escolas de samba evoluram, numerosas. Haviam deixado de ser

    os simples blocos, grupos ou embaixadas com as baianas gingando na

    batida dos tambores, pandeiros e cucas.

    Ningum mais se recordava dos cordes como foram retratados anterior-

    mente. Eles passaram a existir no arquivo da memria popular, na lem-

    brana daqueles que os viveram ou assistiram seus desfiles na primeira

    dcada do sculo. Da a idia de Villa-Lobos de restabelecer, em 1940,

    um cordo desse tipo.

  • 25Sdade do Cordo

    O entusiasmo de Villa-Lobos pelo carnaval era antigo. Ele no dispensava

    o bloco de sujos que se apresentava na segunda-feira de carnaval na

    Praa Onze. Ia sempre assisti-lo em companhia dos amigos mais chega-

    dos. L se via uma batucada com uma roda imensa, onde todos cantavam

    o estribilho. Para o centro ia um dos batuqueiros, improvisando versos e

    exibindo passos. Ao findar sua demonstrao, figurava uma coreografia

    de capoeira, terminando-a com uma reverncia dirigida a um outro parti-

    cipante. Ela era ao mesmo tempo um convite para o seguinte mostrar do

    que era capaz.

    Sdade do Cordo: 1940

  • 26 Ermelinda A. Paz

    Villa-Lobos saa sempre num bloco que causava estardalhao e provocava

    inevitveis protestos. Certa feita, convenceu o maestro Arthur Rubinstein,

    seu grande amigo, a prolongar a permanncia no Rio de Janeiro para

    participar de nossa festa maior. Mrio Lago, em suas memrias, assim se

    refere a essa sada:

    E liderando o bloco no auge da alegria, como tambm de uma

    total falta de jeito e cadeiras convenientemente moles para o

    remelexo, l ia Arthur Rubinstein metido na pele da nica fan-

    tasia que tinha sido possvel arranjar-lhe ltima hora: uma

    baiana deslumbrante, com torso de seda e tudo.

    Em relao s comemoraes de Momo, de outra vez o grande msico

    teve uma idia de gnio: fazer ressurgir, em 1940, um verdadeiro cordo,

    na maior fidelidade possvel, tal como ele existira no incio deste sculo.

    Queria-o como antes haviam sido o Terror das Chamas, o Pavor dos Ino-

    centes do Morro do Pinto, o Prazer da Pedra Encantada e tantos outros.

    Precisava de uma assessoria adequada ao empreendimento. Por isso foi

    buscar a cooperao de vrios integrantes de velhos cordes, dentre eles

    o famoso Jos Gomes da Costa, tambm conhecido como Pai Aluf, Z

    Spinelli ou Z Espinguela, autor da marcha de cordo Brasil, do Sdade

    do Cordo. Alis, foi ele quem iniciou os preparativos para aquilo que

    veio a se chamar o Sdade do Cordo.

    Quem foi este carnavalesco que recebeu uma incumbncia to importan-

    te? Para descobri-lo, buscamos depoimento de pessoas que o conhece-

    ram, como seus filhos Wilson e Crispim Gomes da Costa, Dona Zica da

    Mangueira, Tia Rosinha. Esta era comadre do Espinguela e prima da por-

    ta-bandeira Mocinha. Foi tambm uma das pastoras do Grupo do Pai Aluf,

    tendo participado das gravaes para o maestro Stokowsky no navio Uru-

    guai.

    O Spinelli nasceu em 1901 e morreu com 42 anos. Foi um dos fundadores

    da Mangueira, onde conheceu o maestro, como afirma Dona Zica. Mas

    morava mesmo no Iraj, numa rua de terra, sem gua, luz ou asfalto,Brasil -

    marcha do Sdade do Cordo

  • 27Sdade do Cordo

  • 28 Ermelinda A. Paz

    Anita Otero emdia de ensaiodo bloco nacasa de ZEspinguela.

  • 29Sdade do Cordo

    situada na Travessa Violeta n 29, hoje Rua Baro de Jaguaribe n 52.

    Sua casa era muito animada e l compareciam vrios msicos: Cartola,

    Paulo da Portela, Ary Barroso, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho, Carlos

    Cachaa. Villa-Lobos passou a freqent-la com a esposa. Ali se faziam

    reunies de msica e, terminada a funo, comeava o pagode. Os ensai-

    os tambm eram realizados ali, sempre aos domingos, das 16 s 20 horas.

    Toda a famlia de Spinelli saiu no Sdade do Cordo. Ele prprio, caracte-

    rizado de ndio Tuchau, desfilava com um lagarto vivo. Seu filho Wilson

    junto com a me, na ala dos velhos. O filho Crispim de morcego branco.

    O musiclogo Luz Heitor Corra de Azevedo tambm nos presta um inte-

    ressante depoimento que ajuda a recompor a poca da preparao do

    cordo:

    Em 29, eu j era, ento, professor da cadeira de folclore na

    Escola de Msica, e Villa-Lobos me pediu que o ajudasse, para

    Dia de ensaio do blocoSdade do Cordo na casade Z Espinguela. Ainda nafoto, Arminda Villa- Lobos,

    Ismailovich, Z Espinguela ena extrema direita, parte do

    rosto de Villa-Lobos.

  • 30 Ermelinda A. Paz

    ver grupos que se apresentavam aqui e ali e selecionar elemen-

    tos para fazer parte do Sdade do Cordo. Com isso, eu fui aos

    subrbios do antigo Distrito Federal, o que uma coisa extre-

    mamente pitoresca. Sou incapaz de dizer, hoje, onde. Tenho

    lembranas disso e de visitas, com Villa-Lobos, ao gabinete do

    Ministro do Interior na poca, que era, interinamente, o Negro

    de Lima, e estava subvencionando toda essa festa do Sdade do

    Cordo, porque havia muitas despesas envolvidas. Eu fazia sim-

    plesmente meus relatrios verbais ao Villa-Lobos, daquilo que

    eu tinha visto e a minha impresso. E ele escolheu, ele mesmo,

    diretamente, os elementos [...]. Com o interesse de Villa-Lobos

    os convites choviam... E, efetivamente, o Villa-Lobos dizia:

    Voc vai, se voc vir um bom danarino, um bom batedor, voc

    Dia de ensaio do bloco Sdade doCordona casa de Z Espinguela.Na foto, Villa-Lobos, Arminda Villa-Lobos, Ismailovich e Z Espinguela.

  • 31Sdade do Cordo

    me assinala... Eu assistia ensaios, festas, cerimnias...

    No grande desfile, eu estava no palanque oficial onde se encon-

    trava o Villa-Lobos e, me lembro muito bem, tambm um dos

    grandes pianistas da poca. Era o Firkusny, que estava no Rio

    de Janeiro dando recitais e tambm foi assistir, junto com a

    Maria Amlia Rezende Martins. Ela era a secretria da Pr-Arte,

    a organizao que trazia muitos desses artistas ao Brasil. No

    era com esprito comercial, mas num esprito de obra social.

    Villa-Lobos deu inteira liberdade ao grupo. Ele deu os seus pal-

    pites porque ele tinha lembranas muito vivas dos carnavais

    antigos. Isto no tem a menor dvida, mas ele deixou muito

    Dia de ensaio do bloco Sdade doCordona casa de Z Espinguela.

  • 32 Ermelinda A. Paz

    vontade os elementos que tinha escolhido, alguns bastante ido-

    sos. Era espantoso ver, por exemplo, a agilidade com que ho-

    mens de 60, 70 anos de idade, danavam... Eu me lembro, por

    exemplo, que um dos figurantes tinha que danar o famoso

    miudinho, considerado a pea de alta virtuosidade da coreogra-

    fia do cordo, onde s os ps se movem. Era extraordinrio.

    Penso que esse era o que encarnava a figura do velho. Os ele-

    mentos que participaram eram autenticamente populares. No

    havia nenhum elemento profissional e no popular no Sdade

    do Cordo, isso eu posso garantir.

    Villa-Lobos quis reconstituir o verdadeiro esprito carnavalesco, retra-

    Dirio OficialExtrato de estatutos

  • 33Sdade do Cordo

    tando-o no Sdade do Cordo. E, para isso, nenhum detalhe escapou

    sua aguada percepo. Criou estatutos, cuja extrato foi publicado na

    Seo I do Dirio Oficial da quarta-feira 17 de janeiro de 1940; nomeou

    uma comisso para dirigir os festejos do cordo, a qual teve como presi-

    dente o j referido Jos Gomes da Costa. Como exemplo da preocupao

    do maestro pela perfeita organizao do cordo, podemos lembrar o tex-

    to publicado em O Globo de 2/02/1940, que transcrevemos a seguir:

    Prompto para desfilar o Sdade do Cordo, o reprter estra-

    nhou que a Rainha dos Diabos esteja com a barba por fazer.

    O maestro Villa-Lobos explica:

    A rainha homem.

    Homem?

    Sempre foi e conservamos os costumes dos velhos carnavaes,

    com suas tradies e seus apparentes erros.

    Em todas as manchetes de jornais havia meno ao acontecimento. O

    Sdade do Cordo estava sendo o ponto alto do Carnaval de 1940, uma

    verdadeira apoteose. O Correio da Manh de 6/02/1940 dedicava quase

    que a capa inteira ao evento e assim o retratava:

    Sdade do Cordo Embaixada que veio lembrar o Momo dos

    bons tempos. Um pouco daquele carnaval gostoso, ingnuo,

    cheiroso, animado, que a batuta em frias de um maestro bra-

    sileiro ressuscitou para o carioca de hoje.

    At as duas horas estava bastante pacfica a Feira de Amostras.

    Foi precisamente a esta hora, a marcada para o incio do Sdade

    do Cordo, que o povo comeou a entrar, mas a entrar em massa

    em grandes bandos. [...] Entraram de repente e encheram o

    vasto recinto em meia hora. [...] No escapou nada durante

    esta meia hora. Quando circunvagamos os olhos pela Feira at

    pelos telhados havia gente. [...] E o carioca provou que se no

    macaquito pela mania de imitao, realmente macaco na

  • 34 Ermelinda A. Paz

  • 35Sdade do Cordo

    hora de subir em alguma coisa. [...] L pelas tantas os observa-

    dores assignalaram algo vista. O maestro Villa-Lobos appareceu

    no meio do grande quadrado onde se exhibiria o Cordo e

    desappareceu de novo... Esperou-se mais. Nada. De vez em quan-

    do, partido de algum grupo, propagava-se o tradicional grito:

    T na hora! T na hora!

    Muita gente j se impacientava e queria ir embora, protestava,

    prometia vaias tremendas ao Cordo inteiro se demorasse mais

    cinco minutos. Isto eram quatro e pouco.

    O Cordo s entrou s cinco mas dissolveu todas as impacincias.

    Acolhido com palmas pelo numeroso pblico que lotava as ala-

    medas, os componentes do Cordo caminharam cantando: Adeus,

    bela morena,/ Em teu nome ouvi falar./ Vamos ver o Sdade do

    Cordo / Que saiu a passar.

    Recorte do jornal A Noite com anotcia da sada do Sdade doCordo.

    Villa-Lobos com o Sdade doCordo- 1940

  • 36 Ermelinda A. Paz

    A estrutura adotada para o desfile do Sdade do Cordo em 1940, com

    base na orientao de Villa-Lobos, enfatiza a coreografia, porque o cor-

    do um grupo de elementos caractersticos e excepcionais do povo, e

    no apenas um bloco carnavalesco. A coreografia naturalmente implica

    numa disciplina coletiva e em um singelo trao crtico, que remonta a

    certa atitude esttica do perodo colonial, trao muito comum nas cortes

    ou nas reunies da aristocracia.

    Reproduo do quadro a leoMscaras, da pintora portuguesaMaria Margarida Santello.

  • 37Sdade do Cordo

    O Cordo possua dois estandartes, com croquis confeccionados pelos

    pintores Ismailovitch e Maria Margarida: um era uma Vitria-rgia sus-

    tentada por um sapo e presa em dois bodoques autnticos, cruzados e

    intercalados de cobras vermelhas e verdes; o outro apresentava uma grande

    mscara simbolizando um Amerndio zangado.

    Mscaras e instrumentos do bloco.

  • 38 Ermelinda A. Paz

    Jornal A Batalha,01 de fevereiro de 1940.

    Recorte de jornal A Noite Dominical,04 de fevereiro de 1940.

  • 39Sdade do Cordo

  • 40 Ermelinda A. Paz

    O cortejo comeava com o grupo de ndios e caboclos, caracterizados

    com perfeio nos adereos e na indumentria. Os ndios traziam na mo

    bichos vivos. Um deles, o Z Espinguela, que representava o ndio Tuchau,

    dava beijos na cabea de um lagarto. Juntamente com os ndios entra-

    vam os caboclos, o cacique-chefe, o rei e a rainha dos caboclos, os caci-

    ques, os guerreiros, os caadores, o Paj e Tup. Logo a seguir vinham 14

    homens-sapo, com enormes mscaras de papelo imitando sapos, chefi-

    ados pelo monstro do Rio Amazonas, inspirados em personagens das len-

    das daquela regio.

    O estandarte do grupo era a Vitria-rgia. Foi conduzido pela rainha dos

    caboclos, representada pela atriz Anita Otero, uma feliz escolha de Villa-

    Lobos. A beleza fascinante da atriz e a harmonia do seu bailado eram

    realadas pela coreografia dos bailarinos, entre eles o clebre Perna Fina,

    que causava admirao com suas famosas figuraes de dana, como a

    tesoura, o corta-jaca e o miudinho.

  • 41Sdade do Cordo

    Cerca de dez metros atrs vinha o segundo estandarte, carregado por um

    homem extraordinariamente robusto e musculoso. Acompanhava-o o grupo

    de velhos, palhaos, rei e rainha dos diabos, diabinhos, morcegos e ou-

    tros animais, caveiras, sargentos, mestre de canto e bateria, com seus

    integrantes. Faziam parte da bateria instrumentos tpicos, como camises,

    surdos, tamborins, pratos de loua, reco-recos de bambu e ferro, choca-

    lhos de cabaa e cornetas de chifre.

    Integrando a bateria do Sdade do Cordo, o grupo contou com a colabo-

    rao de dois grandes msicos populares, que privaram da amizade de

    Villa-Lobos. O primeiro era Angenor de Oliveira, o popular Cartola, que

    saiu tocando cavaquinho. O outro foi o compositor e violonista Alusio

    Dias, da velha guarda da Mangueira, que saiu tocando violo.

    Depois de permanecer danando durante horas e nos mais variados esti-

    los e coreografias, chegava afinal o desfecho do cortejo. Dava-se com o

    encontro dos grupos, que inicialmente apresentava uma certa animosida-

    de. A invaso do ambiente dos ndios e caboclos pelos componentes do

    Villa-Lobos entre mscaras einstrumentos do bloco Sdade do

    Cordo.

  • 42 Ermelinda A. Paz

    grupo dos velhos e diabos fez com que os primeiros se aproximassem

    selvagemente e com ameaas, roando o estandarte da Vitria-rgia no

    do Amerndio, como se fosse a instigao para uma batalha. Aos poucos

    esse clima de beligerncia foi melhorando, at que todos confraterniza-

    ram, danando na grande praa central da Feira de Amostras, e se cum-

    primentaram numa euforia incomum, culminando com o beijo dos dois

    estandartes. Esta cerimnia simbolizava a paz e a alegria entre os gru-

    pos. Era o clmax do desfile, que seguia para a retirada, na mesma ordem

    do cortejo do incio.

    O Dirio de Notcias de 6/02/1940 publicou os nomes dos integrantes doElementos do bloco Sdade doCordode 1940.

  • 43Sdade do Cordo

    Cordo indicando as figuras que formavam. A anlise das figuras do Cor-

    do nos permite deduzir coisas curiosas a propsito do carnaval antigo:

    h figuras individualizadas, com papis socialmente destacados, como

    caciques, paj, Tup, reis, rainhas, em contraste com grupos no diferen-

    ciados, semelhantes aos coros, como o caso dos velhos e palhaos.

    Paralelamente, o sincretismo cultural do nosso povo transparece, na coe-

    xistncia entre personagens e animais do mundo da floresta brasileira e

    os diabos da tradio catlica europia.

    Intelectuais, jornalistas, musicistas, homens de letras, autoridades do

    governo prestigiaram o maestro Villa-Lobos, aplaudindo mais esta cria-

    o de um apaixonado pelas manifestaes da cultura popular. A impren-

    sa deu grande cobertura ao desfile, contribuindo para a divulgao do

    evento. Assim podemos ler em O Globo de 3/02/1940:

    O maestro Villa-Lobos com o seu grupo Sdade do Cordo vae

    reviver este ano o Carnaval de 1900. O Sdade do Cordo se

    exhibir na Feira de Amostras, na segunda-feira, s 14 horas, e

    na tera, s 13 horas.

    Villa-Lobos e os 14 sapos-homensno desfile do bloco.

  • 44 Ermelinda A. Paz

  • 45Sdade do Cordo

    Tambm o Correio da Manh de 4/02/1940 noticiava o acontecimento:

    O maestro Villa-Lobos, um apaixonado estudioso do riqussimo

    mundo folclrico brasileiro, acaba de dar os ltimos retoques

    aos ensaios a que vinha submetendo a enorme legio de seus

    auxiliares. [...] No h, entretanto, inveno e sim estylizao

    de coisas muito do Brasil e do Carnaval. SDADE do Cordo

    apresentar ao pblico um espetculo de arte puramente brasi-

    leira, inspirado na bizarra concepo esthtica do gnio nativista

    poca colonial.

    E o Dirio de Notcias de 3/02/1940:

    H uma grande curiosidade em torno da apresentao do

    SDADE do Cordo, iniciativa do maestro Villa-Lobos sob o

    patrocnio do DIP (Departamento da Imprensa e Propaganda).

    [...] Pae Aluf o Cacique-Chefe, embora todos obedeam

    orientao artstica do maestro Villa-Lobos. [...] Bailados, can-

    tos, indumentria, lendas amaznicas, tudo obedece inspira-

    o pittoresca das mais profundas camadas populares do Brasil.

    Terminado o desfile, o SDADE do Cordo seguir o itinerrio

    que a polcia determinar.

    O Jornal do Brasil de 6/02/1940 tambm comentou a iniciativa de Villa-

    Lobos:

    A apresentao esse ano do SDADE do Cordo; um bloco

    carnavalesco baseado em motivos do carnaval antigo, est cons-

    tituindo a nota de maior sensao. [...] Entregue capacidade

    artstica do maestro Villa-Lobos, a interessante organizao car-

    navalesca promete empolgar a cidade. [...] Hontem realizou-se

    na Feira de Amostras a primeira exibio do original cordo e o

    seu desfile est marcado para hoje depois de uma concentrao

    na Praa Tiradentes. Da desfilar pela Rua da Carioca, Rua da

    Assemblia, Avenida Rio Branco e Rua Santa Luzia.

  • 46 Ermelinda A. Paz

    A Noite de 7/02/1940 publicava:

    O SDADE do Cordo foi, sem dvida, o ponto culminante do

    Carnaval de 1940. [...] Merece um registro especial o nmero

    de autoridades e artistas que compareceram Feira comparti-

    lhando com o povo as agruras de um sol causticante. [...] O

    Sdade do Cordo organizado pelo maestro Villa-Lobos consti-

    tuiu a nota original do Carnaval deste ano. O desfile do cordo

    evocativo foi acolhido com retumbantes aplausos de uma gran-

    de massa popular.

    Na mesma data, saiu em O Globo:

    Como toda gente esperava, o Sdade do Cordo organizado

    pelo maestro Villa-Lobos constituiu uma nota differente no Car-

    naval deste ano.

    Detalhe do estandarte do Sdadedo Cordo.

  • 47Sdade do Cordo

    Apresentao do estandarte noSdade do Cordo, revivescncia

    feita por Villa-Lobos.

  • 48 Ermelinda A. Paz

    O entusiasmo que levou Villa-Lobos a solicitar o patrocnio da Prefeitura,

    do DIP e a tirar dinheiro do prprio bolso para realizar seu sonho, era

    perfeitamente compreensvel. Saudosista e grande folio, o maestro no

    se preocupou em fazer reviver um cordo apenas pelo aspecto cultural. A

    nosso ver, ele sentia a necessidade emocional de viver novamente aquilo

    que, em sua meninice e juventude, havia sido to importante. Encontra-

    mos nos arquivos documentais do Museu Villa-Lobos folhas com discrimi-

    nao de despesas e vales, em nome de Jos Gomes da Costa, o Z

    Espinguella, que comprovam que parte dos gastos iniciais recaram sobre

    o mentor do Cordo.

    Vrias vezes nos perguntamos: por que o Sdade do Cordo s desfilou

    em 1940? Se o sucesso de seu desfile foi to grande, por que no foi

    repetido no ano seguinte? Wilson e Crispim Gomes da Costa, filhos de

    Jos Gomes da Costa, nos deram a resposta: a doena e a morte do pai,

    em 1943, impediram o prosseguimento das atividades.

    Maria Augusta F. Machado da Silva, no Boletim Tcnico-Cultural do Museu

    Villa-Lobos, n 1, de 1984, nos d uma outra verso sobre a apresentao

    do Sdade:

    Recortes de jornais, colecionados pela senhora Arminda Villa-

    Lobos, contam que, em 1941, Sdade do Cordo voltou a se

    apresentar, embora desfalcado em conseqncia de dissenes

    internas entre seus componentes.

    No jornal O Globo de 13/02/1950 encontramos uma informao que nos

    permite deduzir a existncia de vrias apresentaes do Cordo. Mas so-

    mente no ano de 1940 houve a participao e colaborao de Espinguela

    e Villa-Lobos.

    No houve verba para o Sdade do Cordo.

    Apelo do presidente Beraldo ao prefeito Angelo Mendes de Moraes.

    Manchete da pgina 4 do jornal ABatalha de 03 de fevereiro de 1940.

    Primeira pgina do jornal Correio daManh, 06 de fevereiro de 1940.

  • 49Sdade do Cordo

  • 50 Ermelinda A. Paz

    Manchete de O GLOBO em 03/02/40.

    Ao lado, manchete de O GLOBO em02/02/40 e detalhe do texto

    da 1a pgina do jornal A BATALHAem 01/02/40.

  • 51Sdade do Cordo

  • 52 Ermelinda A. Paz

    Uma das agremiaes mais queridas dos folies cariocas , sem dvida, o

    Sdade do Cordo, fundado em 1939 pelo maestro Villa-Lobos.

    H dez anos, portanto, participa dos desfiles de segunda-feira gorda,

    juntamente com os ranchos, com os seus figurantes vestidos de ndios,

    mas com fantasias de ndios autnticas. Lutando com dificuldades de

    toda sorte, os componentes do Sdade do Cordo sempre merecem aplau-

    sos do povo, pela beleza do cortejo que apresentam. Este ano, contudo,

    o Sdade do Cordo foi surpreendido com a notcia de que no contaria

    com a ajuda da Prefeitura. Os cinco mil cruzeiros que costumam receber

    Recortes de O JORNAL de 03/02/40.

  • 53Sdade do Cordo

    os seus dirigentes no constam da relao de despesas da Comisso de

    Carnaval. E o presidente do SDADE do Cordo, Sr. Antonio Beraldo, teve

    ocasio de falar sobre as novas dificuldades:

    Justamente este ano, com as hervas brancas custando oito-

    centos cruzeiros o quilo j gastamos cerca de seis mil cruzei-

    ros que tive a notcia da falta de verba. Em todo caso no

    desanimei e ainda espero que o general Mendes de Moraes, com

    o seu esprito de justia, venha ordenar o pagamento do nosso

    auxlio, como sempre tem acontecido. O governador da cidade

    naturalmente atender ao apelo que dirijo por intermdio dO

    Globo. Ser mais um servio que S. Ex. presta ao Carnaval cari-

    oca, que tem no SDADE do Cordo um dos seus blocos mais

    expressivos.

    Villa-Lobos tocando cuca entreoutros instrumentos musicais.

  • 54 Ermelinda A. Paz

    Figuras do Cordo de 1940

    Formaram o Cordo as seguintes figuras:

    Grupo de ndios e CaboclosJos Gomes da Costa (Cacique-Chefe)

    Annita Otero (Rainha dos Caboclos)

    Joaquim dos Santos (Cacique)

    Manoel Marinho dos Santos (Paj)

    Joo da Matta (Tupan)

    40 ndios e caboclos

    14 sapos-homens

    Grupo do Cordo dos Velhos (velhos e velhas)Delfino Euzbio Coelho,

    Gasto Ferreira da Silva,

    Valentim Jos Marcellino,

    Geraldina Gomes da Costa (mulher de Z Spinelli),

    Dalvina Regis, Wilson Gomes da Costa (filho de

    Z Spinelli),

    Alberto Ribeiro da Motta,

    Alamiro Honorato da Motta e

    Francisco de Mello Albuquerque

    PalhaosFrancisco Henrique dos Santos,

    Wenceslao Rodrigues,

  • 55Sdade do Cordo

    Lourival Gomes da Costa (parente de Z Spinelli),

    Claudionor Rodrigues Marcellino,

    Valentim Bento Gonalves,

    Balduino dos Santos Jnior e

    Jos Domingos do Amorim

    SargentosAntenor dos Santos, Joaquim Vieira,

    10 diabinhos e 2 morcegos (um destes morcegos era

    Crispim Gomes da Costa, filho de Z Spinelli).

    Rei do DiaboRoque Olivio Gomes

    Rainha dos DiabosGabriel Rufino Ribeiro

    Mestre de Canto e BateriaBoaventura dos Santos.

    2 MestreOswaldo Cardoso.

    40 executantes(bateria e coro).

    Fonte: Dirio de Notcias, Rio de Janeiro, 6 fev. de 1940.

  • 56 Ermelinda A. Paz

    Figurinos inditos criados pela artista

    Maria Carmen Alves Pereira de Souza

    para o bloco Sdade do Cordona verso de 1987.

  • 57Sdade do Cordo

    Figura de ndia, idealizada porMaria Carmen, 1987.

  • 58 Ermelinda A. Paz

    Ao lado, ala das colombinas naconcentrao do bloco no centro

    da cidade.

    Abaixo, figuras de Colombina ePalhao.

  • 59Sdade do Cordo

    Figuras de Carrasco e Domin.

  • 60 Ermelinda A. Paz

  • 61Sdade do Cordo

    Embaixo, figurinos de Clvis, Sapo,Caveira, Diabo e figurantes da

    Banda e Bateria. Ao lado, foto decomponentes da bateria no desfile

    de 1987.

  • 62 Ermelinda A. Paz

    Ala dos Arlequins na concentraodo bloco do Sdade no centro dacidade, em 1987

    Figurino de Arlequim

  • 63Sdade do Cordo

    Representaes de ndios

  • 64 Ermelinda A. Paz

    esquerda, Pierr, acima direita,Morcego, acima Carrasco e esquerda em baixo, Vampiro,idealizados por Maria Carmen, 1987.

  • 65Sdade do Cordo

    A procura de eventos marcantes para festejar o centenrio de Villa-Lobos

    preocupava Turbio Santos. Como diretor do Museu Villa-Lobos e o maior

    divulgador da obra violonstica do compositor no Brasil e no exterior,

    cabia-lhe uma grande responsabilidade para fixar essa data. Ele percebeu

    que os eventos principais dessa comemorao seriam, de preferncia, a

    criao e recriao de obras de Villa-Lobos para orquestra, msica de

    cmara, instrumentos, mas tambm algum fato marcante da vida dele. A

    reconstruo que o maestro fez do cordo de 1940 bem mostrava seu

    amor pelas razes da cultura brasileira. Valia, ento, reconstituir o bloco

    em 1987, ainda mais pela proximidade da data com o carnaval. Alm

    disso, havia os contatos com elementos que conheciam muito bem a

    estrutura do desfile anterior e poderiam dar uma ajuda forte.

    Com base nessa idia, fez-se o Projeto Centenrio de Villa-Lobos - SDADE

    do Cordo, e criou-se uma equipe, liderada por Turbio Santos. Ela se

    constituiu de Fernando Pamplona, Frederico Bonfatti Teixeira Monteiro,

    Sdade do Cordo: 1987Sdade do Cordo: 1987

  • 66 Ermelinda A. Paz

    Grace Elizabeth, Janio Paulo, Ligia Santos, Lus Fernando Zugliane, Mar-

    celo Rodolfo, Marcia Ladeira, Maria Cristina Mendes, Mrio Lago Filho,

    Mrio Otvio Vieira, Martha Clemente, Paulo Gouveia e Valdinha Barbosa.

    Teve tambm o apoio de personalidades como Mrio Lago, Srgio Cabral,

    Albino Pinheiro, Hermnio Belo de Carvalho. Houve, ainda, a participao

    de muitos msicos, como Paulo Moura, Wagner Tiso, Macal e Martinho

    da Vila, que desfilaram no bloco.

    E assim, em meio a todas as outras notcias que ao longo do ano trouxe-

    ram baila o nome e a obra do festejado artista, a imprensa no tardou

    a veicular matria referente ao ressurgimento do bloco.

    Diz o Jornal do Brasil de 20/01/1987:

    Como num mgico movimento de batuta, o Museu Villa-Lobos

    incorpora seu homenageado e reedita seu gesto. O SDADE do

    Cordo volta a sair no Carnaval de 87, ano do centenrio do

    compositor, com desfile certo no dia 5 de maro (data de seu

    aniversrio), uma quinta-feira aps cinzas.

    Constitudo o projeto e organizada a equipe, vieram os participantes.

    Movidos pelo entusiasmo, muitos deles trabalharam gratuitamente, na

    base do voluntariado. Sem essa disposio, certamente o resultado teria

    sido diferente, pois sempre escasseiam os meios para as manifestaes

    culturais. Em grande parte as pessoas pagaram suas prprias fantasias,

    de modo que o Museu teve que arcar com despesas relativamente baixas.

    Na verdade, o bloco se autofinanciou. Mas houve uma ajuda por parte da

    Pr-Memria e outra da PR Marketing.

    Foi fcil para o Museu Villa-Lobos arregimentar gente para essa homena-

    gem, ainda mais pela forma de que ela se revestia e sobretudo conside-

    rando-se a proximidade do evento com o carnaval. S de ouvir falar do

    festejo, muitas pessoas se candidatavam espontaneamente. Um exemplo

    o de Silvio Cecotto, que chegou ao Museu graas ao noticirio da im-

    prensa sobre o SDADE do Cordo.

  • 67Sdade do Cordo

    Concentrao do Sdade doCordosob os Arcos da Lapa, Centro

    do Rio de Janeiro.

    Carro Abre Alas, do Sdade doCordo estacionado em Botafogo,

    Rio de Janeiro.

  • 68 Ermelinda A. Paz

    Nascido a 29 de novembro de 1901, ele representa um verdadeiro arquivo

    da memria nacional carnavalesca. capaz de cantar vrias msicas de

    cordes do incio do sculo, que pela importncia documental foram trans-

    critas. Ele vem tendo participao ativa nos festejos carnavalescos de

    todas as pocas, pois tinha 11 anos quando desfilou pela primeira vez.

    Fez parte de vrios cordes das primeiras dcadas do sculo: Monte Serrat,

    Caboclo Pequeno, Paraso da Mocidade, Guerreiros de So Diogo. Silvio

    Cecotto, em 1987, era diretor dos ranchos Unio dos Caadores e Recreio

    da Sade. Autor de diversas marchas, ganhou um prmio com a marcha-

    rancho Saudao Nobreza, composta para o desfile dos Unidos do Morro

    do Pinto. Comps tambm uma msica especfica para o desfile do centen-

    rio do maestro.

    Contudo, nem todos os folies tinham a mesma prtica desse carnavales-

    co ou se apresentaram ao Museu com base nas mesmas fontes de infor-

    maes. Em boa parte das vezes, membros j engajados na equipe trazi-

    am novos aderentes.

    Isso gerou uma grande dificuldade no momento de fazer o levantamento

    de quem participou dessa homenagem. Nas fichas de inscrio do Museu,

    muitas vezes no constava o nome da pessoa ou alguma indicao mais

    precisa. Vinham apenas dados como: filhos do Bira, namorado da filha da

    Msicas dos antigos cordescarnavalescos, cantadas pelo

    Sr. Silvio Ceccoto e grafadas pelaautora.

    Cordes Chuveiros do Inferno,Castelo de Ouro e Paraso da

    Mocidade

    Ala do Sdade do Cordo emdesfile pelo centro do Rio deJaneiro.

  • 69Sdade do Cordo

  • 70 Ermelinda A. Paz

  • 71Sdade do Cordo

    Raquel, empregada da Helena, e assim por diante. H muitas referncias

    a parentescos e amizades diretas ou indiretas. Nota-se a presena macia

    da famlia, impondo suas relaes em detrimento dos nomes prprios de

    cada um. interessante notar um procedimento to comum em comuni-

    dades pequenas ou cidades do interior reaparecendo no bojo de um even-

    to promovido por um centro intelectual que no guarda resqucios de tal

    civilizao. Isso prova que no SDADE a famlia voltou a ter vez e o

    relacionamento humano ganhou outra dimenso, em contraste com o

    gigantismo desagregador do carnaval de hoje, que induz ao anonimato.

    Notou-se tambm que o bloco agregou pessoas de todos os segmentos

    sociais, econmicos e culturais com a mesma meta: a de homenagear

    Villa-Lobos. Os participantes se despiram de todas as barreiras, que tom-

    baram atrs das mscaras e fantasias, trajadas igualmente por emprega-

    das domsticas e porteiros, professores e artistas, funcionrios pblicos

    e intelectuais, crianas e adultos. Entre tantos entusiastas, estava Mr.

    Wallace Keiderling, Adido Cultural norte-americano e exmio tocador de

    balalaika, que desfilou com toda a sua famlia, pois tem o hbito de

    participar das atividades folclricas e culturais dos pases em que tem

    estado.

    A coordenao do projeto e a responsabilidade da pesquisa couberam a

    Ligia Santos, museloga e pesquisadora na rea de msica popular brasi-

    leira. No pretendeu realizar uma detalhada reconstituio do bloco de

    Villa-Lobos porque isso demandaria uma enorme e longa pesquisa tcni-

    ca, que se arriscava a ser carssima e talvez no contasse com documen-

    tos suficientes. Partiu ento para uma reconstruo do esprito adotado

    pelo maestro, que era reviver uma sntese dos carnavais antigos. Com

    isso pde ser feita uma adaptao s condies de viabilidade atuais,

    sem prejuzo do festejo.

    Quando o bloco ficou decidido, um dos guardas da segurana do Museu

    ofereceu um samba-enredo feito por ele, obedecendo a todas as regras

    da arte e falando de Villa-Lobos e Turbio Santos. S no pde ser apro-

    veitado por causa da incompatibilidade com o tipo de msica adotado

    nos cordes. O compositor o vigilante Carlos Ribeiro Guimares, que

    desfilou na ala dos velhos com fantasia cedida pelo Museu.

  • 72 Ermelinda A. Paz

    A responsabilidade pela seleo do repertrio musical do bloco coube a

    Ligia Santos junto com Raquel Ramalhete, professora universitria muito

    ligada ao carnaval e que exercia atividades semiprofissionais na rea de

    msica popular. Com base nos critrios definidores para a verso de 1987,

    escolheu-se marcha-rancho, marchinha e algumas peas de Villa-Lobos

    que poderiam funcionar com esses ritmos, como o Canto do Paj e a

    Senhora Rainha. As demais msicas selecionadas recaem sobre algumas

    do incio do sculo ou sobre clssicos do carnaval carioca de todos os

    tempos. Alm das duas obras de Villa-Lobos j mencionadas, incluem-se:

    SDADE do Cordo, feita especialmente para o bloco, e mais Z Pereira,

    raio, sol, abre-alas, Pastorinhas, A jardineira, Mame eu quero, Hino

    ao carnaval brasileiro, Mal-me-quer, Al-l-, Aurora. As respectivas parti-

    turas e letras se encontram ao longo deste volume.

    O Canto do Paj, de Villa-Lobos e Paula Barros, foi composta por Villa-

    Lobos para coro a trs vozes iguais. Baseia-se na msica primitiva dos

    aborgenes brasileiros, com fragmentos da msica popular espanhola, de

    acordo com indicaes de Villa-Lobos na partitura. Ambientada tambm

    para banda e orquestra de violes, esta msica transformou-se, pela pre-

    ferncia de alunos, em pea obrigatria da maioria das concentraes

    orfenicas da poca de Villa-Lobos. Integra o primeiro volume da obra

    Canto Orfenico, da autoria do maestro, tendo sido editada pela Vitale

    em 1940.

    Senhora Rainha, de Villa-Lobos e Hermnio Bello de Carvalho, encontra-

    da no primeiro volume do Canto Orfenico sob o n 21, com o nome de

    Desfile aos Heris do Brasil, tendo como autores Villa-Lobos e Paula Bar-

    ros. O poeta Hermnio Bello de Carvalho inseriu pequenas modificaes

    de ordem rtmica e valorizou mais a linha meldica de Villa-Lobos, com

    um texto bem mais apropriado e potico. Foi gravada por Altemar Dutra e

    o grupo Rosa de Ouro.

    A composio SDADE do Cordo foi feita especialmente por Silvio Cecotto,

    para homenagear Villa-Lobos e para o desfile do SDADE do Cordo 87.

  • 73Sdade do Cordo

    A composio SDADE do Cordo

    feita especialmente por Silvio

    Cecotto para o desfile do

    SDADE do Cordo 87.

  • 74 Ermelinda A. Paz

    Repertrio selecionado por Ligia Santos e Raquel Ramalhete, grafado pela autora.

  • 75Sdade do Cordo

  • 76 Ermelinda A. Paz

    A pequena e simples estrofe do Z Pereira transformou-se, com o passar

    dos anos, numa espcie de hino do carnaval brasileiro, para sempre liga-

    da grande festa do povo, no Rio de Janeiro e em todo o pas. Baseada

    em melodia importada e nascida no palco, sua estrofe-refro torna-se a

    primeira msica inteiramente ajustada ao carnaval.

    De acordo com Edigar de Alencar, at meados da segunda dcada deste

    sculo o Z Pereira serve de abertura, encerramento e clmax a todas as

    folganas carnavalescas de rua ou de salo.

    raio, sol uma chula de palhao que remonta ao ano de 1882. De l

    para c, vem sofrendo modificaes populares e continua dominando,

    por muito tempo, o carnaval carioca. Era utilizada para apontar os que se

    mascaravam de velhos.

    abre-alas, de Chiquinha Gonzaga, a marcha-rancho que j seria suces-

    so em 1899 e considerada a primeira composio escrita para os festejos

    momsticos. Trata-se de um verdadeiro clssico da msica popular brasi-

    leira. Segundo Edigar de Alencar, abre-alas a cantiga preferida do

    povo em 1901.

    Pastorinhas, de Joo de Barro e Noel Rosa, data do carnaval de 1938 e

    inicialmente intitulava-se Linda pequena. Lanada em 1937, no alcana

    nenhum xito. Aps a morte de Noel Rosa, Joo de Barro muda seu nome

    para Pastorinhas. Em 1938, com gravao de Silvio Caldas, recebe da

    Prefeitura do Distrito Federal o primeiro lugar. Transformou-se, com o

    passar dos anos, num hino do carnaval carioca.

    A marchinha A jardineira, de Benedito Lacerda e Humberto Porto, foi

    gravada por Orlando Silva em 1939 e alcanou o maior xito. De acordo

    com Edigar de Alencar, ela provocou celeuma porque os compositores,

    embora de valor prprio, calcaram a marchinha num motivo popular que

    j fora sucesso carnavalesco em 1905. Parece que seu primeiro autor legti-

    mo o velho Candinho das Laranjeiras, fundador em 1896 do cordo Flor ou

    Filhos da Primavera, que j em 1906 cantava esses versos to disputados.

    Houve vrios aproveitadores do motivo potico e da melodia, at mesmo em

    versos pardicos cantados com a mesma msica.

    Clssicos do carnaval seleciona-

    dos por Ligia Santos e Raquel

    Ramalhete, grafadas pela autora.

  • 77Sdade do Cordo

  • 78 Ermelinda A. Paz

  • 79Sdade do Cordo

  • 80 Ermelinda A. Paz

  • 81Sdade do Cordo

  • 82 Ermelinda A. Paz

  • 83Sdade do Cordo

  • 84 Ermelinda A. Paz

    Benedito Lacerda e Humberto Porto aproveitaram inclusive a frase que

    lhe dava motivo: foi a camlia que caiu do galho. Essa expresso logo se

    tornou popular e passou a ser aplicada com muito humor poltica e

    administrao.

    Mame eu quero, de Vicente Paiva e Jararaca, tornou-se uma verdadeira

    coqueluche do povo no ano de 1937. E rompeu com um preconceito, pois

    Jararaca, ligado s canes regionais, no era considerado um intrprete

    aproveitvel para a msica de carnaval. No entanto, esta marchinha niti-

    damente carnavalesca foi consagrada como a msica de maior sucesso

    nesse carnaval. O grande xito obtido teve como principal razo a inter-

    pretao personalssima de Jararaca.

    Com o Hino ao carnaval brasileiro, Lamartine Babo pretendia criar uma

    espcie de hino do carnaval brasileiro de todos os tempos, tanto no Rio

    de Janeiro como no Brasil. Cantada por Almirante, obtm grande sucesso.

    Porm, passado o carnaval de 1939, esquecida. Esta pea de Lamartine

    um elogio e uma reverncia mulher morena, loura ou mulata, gnero

    que ele to bem dominou e explorou.

    Mal-me-quer, de Newton Teixeira e Cristovam de Alencar, gravada por

    Orlando Silva para o carnaval de 1940, uma das mais inspiradas compo-

    sies daquele ano, considerado forte no setor musical. A proibio exis-

    tente na poca quanto ao uso de temas polticos levou os motivos folcl-

    ricos e lricos a aparecerem com freqncia nas msicas populares.

    A marcha Al-l-, de Haroldo Lobo e Nssara, foi gravada por Carlos

    Galhardo em 1941, ano que no apresentou muitas msicas carnavalescas

    por causa do clima da guerra. Transformou-se logo num grande sucesso.

    Verdadeira splica dos carnavalescos frente aos balces de bebidas, abriu

    caminho para os pedidos a Al. Da em diante, este tipo de invocao

    passou a ser muito comum no carnaval.

    Aurora, de Roberto Roberti e Mrio Lago, foi gravada por Joel e Gacho.

    de fcil assimilao e pertence tambm ao carnaval de 1941, juntamente

  • 85Sdade do Cordo

    Carro Abre Alas, do Sdade doCordo, em desfile pela rua do

    Passeio - Centro do Rio

    Figurino dos elementos da bateria,criado por Maria Carmen.

  • 86 Ermelinda A. Paz

    com Ala-l-. Foram as duas marchas de destaque desse ano e conserva-

    ram alto nvel de qualidade, sendo consideradas verdadeiros clssicos do

    carnaval carioca. Ambas receberam os prmios da Prefeitura do Distrito

    Federal.

    Alm da seleo musical, a equipe se ocupou de vrios outros aspectos

    do bloco. Os ensaios de quadra se realizaram no Instituto Santo Andr,

    que emprestou o local. Esse educandrio j possua uma relao com

    Villa-Lobos, visto que o maestro comps o seu hino, que recebeu letra do

    poeta Manuel Bandeira.

    Para a harmonia e o ensaio de quadra o SDADE do Cordo contou com o

    artista plstico Sergio Pinto e seus irmos Aluizio e Wilson, que j traba-

    lharam muito com a Velha Guarda da Mangueira. Esta funo tem mxima

    importncia no bloco, pois quem a exerce deve se ocupar da coeso e

    entrosamento do grupo, separar as alas e animar o conjunto.

    Antes da incorporao desses participantes houve uma pequena dificul-

    dade inicial: os primeiros ensaios da bateria s contaram com a presena

    da garotada dos blocos do animado carnaval de rua de Botafogo, mas

    eles conheciam apenas o ritmo do samba. Porm, com certa disciplina e

    alguma persistncia, o problema foi resolvido com xito. E tornou-se um

    prazer ouvi-los comentar as diferenas entre as vrias batidas. Dentre

    esses jovens estava Marcos Andr Ferreira Gonalves, garoto de doze anos

    que trabalhava como ajudante de mecnico e dirigia a bateria-mirim da

    Escola So Clemente.

    A bateria propriamente dita, com cerca de 30 componentes, foi trazida e

    dirigida por Sergio Gonzaga, um funcionrio pblico que faz carnaval de

    rua na Arnaldo Quintela e j exerceu aquela funo no Bloco da Fronha,

    onde desfilava a comunidade de Botafogo antes de seus componentes

    passarem para a So Clemente. Ele ainda acrescentou ao SDADE mais

    umas 80 pessoas, a maioria crianas, que desfilaram na ala dos diabi-

    nhos.

  • 87Sdade do Cordo

    Quem recebeu a incumbncia de cuidar do enredo, juntamente com Ligia

    Santos, foi Maria Carmen Alves Pereira de Souza, a Carminha, figurinista e

    cengrafa premiada. Ela fez tambm o desenho do estandarte da Vitria-

    rgia e os figurinos. O carro abre-alas e as alegorias de mo e de carro os

    trips correram por conta do cengrafo Marinho (Osmar Joo Pereira),

    profissional com grande experincia de carnavais anteriores. Suas alegorias

    pontearam as subdivises do bloco.

    Por no ser um bloco de sujo, o SDADE 1987 tinha como enredo o mes-

    mo de 1940: Recordao do Passado. Mas, na verdade, sua estrutura para

    o desfile foge ao cortejo de Villa-Lobos e se aproxima da escola de sam-

    ba, por causa da definio das mini-alas. Essas alas eram as idias dentro

    do Cordo. Por sua prpria natureza, algumas eram mais livres que as

    outras. Para facilitar o entendimento do pblico, frente de cada uma

    delas foi colocado um estandarte sobre trips, guisa de citao. Havia

    quatro idias, subdivididas em vrias alas.

    A primeira parte do bloco, encabeada pelo abre-alas Villa-Lobos e o

    grupo carnavalesco SDADE do Cordo sadam o povo e pedem passa-

    gem, concentrava temas ligados aos ndios e floresta amaznica. Por

    isso, continha alas de ndios tropicalistas ou no, caboclos e baianas.

    Seus trs estandartes representavam os Cucumbis, a Vitria-rgia e a

    Mscara do ndio Enfurecido. J a segunda parte continha trs subgrupos:

    o dos cordes de velhos, o cortejo do inferno com rei, rainha e vrios

    diabinhos, e o dos velhos carnavais, que retomava o carnaval de Veneza

    Ala dos ndios, do Sdade doCordo, em desfile pela rua do

    Passeio - Centro do Rio

  • 88 Ermelinda A. Paz

    atravs de figuras como pierr, arlequim, colombina, palhao e clvis. Esta

    parte apresentou dois estandartes: Cordo dos Velhos e Antigos Carnavais.

    O bloco explorou muito o verde e o amarelo, para jogar com a brasilidade

    de Villa-Lobos. Para reforar aquelas cores, foram tambm usados o preto

    e o branco, mais neutros. Porm a ala relativa ao inferno apresentou-se

    em vermelho, por uma questo de coerncia. De uma maneira geral, havia

    em cada ala no mximo 15 pessoas com cada tipo de roupa. Esta estima-

    tiva, contudo, no muito rgida, pois o nmero de adeses que o entusi-

    asmo pelo projeto acarretava levou a uma certa elasticidade, ocasionando

    ao final a permisso para fantasias adaptadas, desde que no destoassem

    do todo. Tambm o nmero de participantes previsto originalmente foi

    multiplicado, o que significava um xito no empreendimento.

    Alm de Villa-Lobos, os destaques de 1940 tambm foram homenageados

    na verso do centenrio, como bem anuncia o Jornal do Brasil de 14/02/

    1987:

    ndios do Sdade do Cordo 87em desfile.

  • 89Sdade do Cordo

    Com grande produo cnica e musical o SDADE do Cordo,

    anos depois de seu primeiro desfile, tem o mesmo enredo com

    que o bloco se apresentou em sua primeira passagem: Recorda-

    o do Passado.

    A ndia destaque ser a atriz e bailarina Rita Freitas, que estar

    ocupando o lugar que no passado foi da atriz Anita Otero.

    O Mestre-Sala Cacique ser o bailarino Carlos Jesus, que vai reviver

    Jos Espinguela. O grande passista de 1940 foi Perna-Fina, que

    ser homenageado por Carlos Ramos, tambm bailarino.

    Como fonte de inspirao para a criao das fantasias, o grupo

    do Museu Villa-Lobos tem 17 aquarelas pintadas por Di

    Cavalcanti, a pedido de Villa-Lobos, e que representam figuras

    marcantes nos cordes.

    Ao reviver a antiga Rainha dos Caboclos, Rita Freitas no reproduziu

    exatamente a dana de Anita Otero, mas adaptou seu desempenho ao

    esprito da segunda verso do bloco. Assim, contracenou com o novo Z

    Espinguela, Carlos Augusto Silva Caetano de Jesus, que desenvolveu uma

    coreografia de base indgena, adequada ao seu personagem. Quanto a

    Carlinhos de Jesus no Sdade doCordo, em desfile pela rua do

    Passeio - Centro do Rio

  • 90 Ermelinda A. Paz

    Joo Carlos da Silva Ramos, vestiu um traje de palhao dourado e abriu o

    bloco na Arnaldo Quintela. Porm no segundo desfile preferiu ficar mais

    para o meio, por causa da proximidade com o som da bateria, que favore-

    cia as suas circunvolues. Elas precisavam ser marcantes, pois o perso-

    nagem que ele representava era conhecido pela capacidade de desenvol-

    ver as letras do alfabeto com as pernas.

    A ala dos caboclos caracterizava-se pelo cunho de autenticidade, obtido

    graas presena de Walter Fonseca, naquela poca com 73 anos. Ele

    descende de ndios e seu bisav foi caado a lao. Por isso tem uma

    tradio de s desfilar vestido com aqueles trajes, tendo comeado aos

    10 anos de idade, no Morro da Matriz, onde mora h mais de 60 anos.

    Walter Fonseca, naquela poca com73 anos, caracterizado como ndio.

  • 91Sdade do Cordo

    Formou sob sua responsabilidade um grupo de descendentes de ndios,

    atualmente 30 caboclos que saem sempre com ele. Sua tribo antiga e

    ele prprio confecciona as fantasias, feitas de siriema legtima. Ele trou-

    xe para o SDADE do Cordo duas tribos, ou seja, 58 caboclos.

    Logo atrs dos ndios e na frente da ala das ndias vinha, com duas

    companheiras, Marcia Milhazes, bailarina que criou o Bal Carioca, inau-

    gurado em 1986 com o espetculo Danando Villa-Lobos. Portanto, j

    estava familiarizada com a equipe e o trabalho do Museu, integrando-se

    perfeitamente ao desfile.

    O bairro participou e vibrou intensamente com o bloco. Por isso, em sinal

    de retribuio, o SDADE do Cordo fez seu primeiro desfile dia 3 de

    maro, segunda-feira de carnaval, na Rua Arnaldo Quintela, que o foco

    do carnaval tradicional de Botafogo.

    No entanto, o que mais chamou a ateno foi o inusitado desfile do

    bloco no centro da cidade, na data do centenrio de Villa-Lobos, dia 5 de

    maro de 1987. Era uma quinta-feira aps Cinzas e o bloco se exibiu

    depois do horrio de trabalho das reparties. O grupo partiu do Circo

    Voador e fez, aproximadamente, o roteiro sentimental do percurso de

    1940: Rua do Passeio, Rua Santa Luzia, Avenida Graa Aranha, Rua Ara-

    jo Porto Alegre, para terminar em frente ao Bar Amarelinho.

    Sua passagem provocou entusiasmo entre os participantes, suscitou emo-

    o e reminiscncia entre os que assistiam e atraiu transeuntes. Dentre

    estes ressalte-se o senhor idoso, elegantemente trajado de terno e gra-

    vata, aparentemente um executivo, que se incorporou ao grupo e danou

    at o fim.

    A preparao do bloco gerou muita dedicao nos trabalhos e muita ale-

    gria nas pessoas. S se via o prazer da festa, mas uma festa motivada por

    profundas razes culturais, que identificava as pessoas com a cidade, o

    bairro, o Museu, o compositor, o pas. O bloco foi um comovente elemen-

    to catalisador de todo esse esforo, que integrou definitivamente o Mu

  • 92 Ermelinda A. Paz

    seu Villa-Lobos na comunidade do seu bairro e marcou sua presena na

    cidade.

    A novela Roda de Fogo, em cartaz na TV Globo no ano de 1987, tambm

    homenageou o centenrio de Villa-Lobos. O ator Mrio Lago, atravs de

    seu personagem (Antnio Villar), contracenando com Tarcsio Meira (o

    filho Renato) e relembrando os velhos tempos, fala da ltima vez que

    brincou no carnaval, em 1940, no bloco SDADE do Cordo, criado por

    Villa-Lobos.

    O SDADE do Cordo verso 1987 teve uma funo muito importante:

    resgatou um carnaval ldico, sem concurso, mais autntico, que aglutinou

    todas as camadas sociais liberando-as de barreiras, conforme o sentido

    primitivo dessa festa. Ao mesmo tempo, mostrou que possvel danar

    pelo prazer de brincar, sem a sensualidade ostensiva que tomou conta do

    trduo de Momo.

    Dois palhaos do Sdade doCordo

  • 93Sdade do Cordo

    Relao dos Participantes de 1987Conforme as Fichas de Inscrio do Museu Villa-Lobos

    Arlequins

    Ana Lcia Milhomens, Antonia Barbosa, Betina Boetger,

    Bruno Boetger, Cludia Marchesi, Claudia Dottori, Dinorah de Almeida,

    Diva Dulcelina, Doriane Calvet, Ella Grinsztein, Eliseo Camargo,

    Giovanna Rosso del Brenna, Geny Nicolavsky, Giulia del Brenna,

    Henri Bataillard, Lenian Boetger, Luciana Helena Sobral,

    Maria Tereza Duarte, Marlene Aguiar, Marli, Regina Vieira,

    Roberto Boetger, Rodrigo Boetger.

    BandaAndrea, Aninha, Eduardo, Helena, Ivan, Luiz, Mag, Valesca.

    Bateria

    Amigo da Vitria, Camilo, Carlos Negreiros,

    Carlos Eduardo Mendes de Jesus, Luiz Srgio do Buraco Quente,

    Marcelo Fortuna, Martinho da Vila, Nelsinho, Presidente do bloco da

    Arnaldo Quintela e mulher, Raquel Ramalhete, Robson Lobianco,

    Srgio (responsvel pela bateria da Arnaldo Quintela), Turbio,

    Walter Luiz.

    Caveiras

    Azvete Fogaa, Jurema Barbosa Dirio.

    Carrascos

    Casey Keiderling, Maria Teresa Moraes, Wallace Keiderling.

    Clvis

    lvaro Mrcio Guerra, Camilo Augusto Siqueira, Christina Boller,

    Elaine Fernandes, Elizabeth Coelho Lente, Ftima Maria da Veiga,

    Hermnio, Mrcia Ancora da Luz, Marta Ramalhete, Solange Jansen,

    Graa (irm do Mrio Lago Filho).

  • 94 Ermelinda A. Paz

    Colombinas

    Anna, Ana Alice Pinto, Ana Maria Quintanilha Drumond, Carmen Lent,

    Dbora Alvarez Valente, Edialeda Nascimento,

    Fernanda Rachel Costa Figueiredo, Helosa, Jan Lira, Lisa Laureano,

    Karina Pinto, Lcia Maria Sobral Duarte, Mrcia Frana Ribeiro,

    Maria Auxiliadora Ramos Moretti, Maria Cristina Fernandes,

    Maria do Rosrio Galhardo, Maria das Graas Santos,

    Maria Helena dos Santos, Regina, Sandra Santos, Sonia Aguiar Lopes,

    Sula Dain, Soeli Baldez de Moura, Sulema Mendes de Budin,

    Vitria Alice Teles dos Santos.

    Diabinhos

    Alexandre Nicolavsky S. dos Santos, Felipe Fernando Figueiredo Lobo,

    filhos da Helosa (3), filha do Serra da Bateria, Jair (filho do Bira),

    Lgia Mariana Ford, Wladimir Fogaa, Sonia Regina dos Santos Oliveira.

    DominsAmlia Zaluar, Janet Landseth, Marcelo P. Carpilovsky,

    Mnica Gentil Gibson, Rejane Mendona.

    Fantasmas

    Acy Gomes, Bruno Faria.

    ndias

    Clia Regina Costa Reis, Eliane Cancela Duarte, Hilda (Museu),

    Lia Freitas Leal, Mrcia Ladeira, Mrcia Milhazes,

    Mrcia Zara (filha da Lgia Santos), Marta Cristina Clemente, Mnica,

    Slvia Regina, Suely Sampaio, Vera (Lgia).

    Morcegos

    Ecila Ford, Renata Pereira Rego de Magalhes, Rosrio Keiderling.

    Palhaos

    Ana Maria Figueiredo Lobo, Ana Maria Moreira Borges,

    Ana Maria Rezende Lima, Ana Maria Silvrio, Angela Martins Ramalho,

  • 95Sdade do Cordo

    Anesio Dutra, Antonio Mariano P. Gusmo, Arthur Frederico Leite Lopes,

    Conceio Turchetti, Elizabeth Leite, Guacira Xavier Pereira,

    Katia A. da Luz, Maria Amlia, Maria Clara Jorge (amiga da Grace),

    Maria Izabel PennaBuarque de Almeida, Maria Luiza Testa Tambellini,

    Maria Santos, Mario de Aratanha, me da Andrea, Marta Ancora da Luz,

    Olga Savary, Orlando Ancora da Luz,

    Pedro Cardoso Sampaio (namorado da Mrcia), Rosngela de Almeida,

    Sebastiana Maria P. Gusmo, Vitria Pamplona.

    Pierrs

    Ana Maria Periard, Ana Maria Tavares, Ana Regina,

    Andra (Ana Regina), Andr, Giovanne Rosso Del Brenna,

    Ivone Cunha Rego, Johanna Sonkin, Marco Antonio Maia,

    Margareth Rismondo, Marie Diarifat, Marisca Darcy, Rosisca Darcy,

    Sonia Fassini.

    Princesinhas do InfernoAndrea Lima Campos (estagiria do MVL), Amparo,

    Maria Helena (amiga da Marta, secretria do MVL).

    Rainha do Inferno

    Mnica Mangia (Monique).

    Rei do Inferno

    Bira Dantas.

    Vampiros

    Paulo Srgio Duarte (funcionrio da Pr-Memria), Michel Schwartzman.

    Velhos

    Irmo do Paulo (funcionrio do Museu), Carlos (guarda do Museu),

    Janio Paulo, Nelson Goyanna de Carvalho, Porteiro da Sorocaba,

    Roberto Maculan.

  • 96 Ermelinda A. Paz

    Alm das alas que constavam do projeto inicial do SDADE do Cordo,

    houve, no final do cortejo, um grupo sui generis. A Comisso organizadora

    do evento permitiu aos folies que se apresentaram para desfilar o uso de

    fantasias prprias, desde que fossem aprovadas pela equipe e no desto-

    assem do esprito do bloco. Desde grupo fizeram parte, entre muitos

    outros, as seguintes pessoas:

    Edna Tit, Eliane Sztajnberg, Miltom Ferreira Tit, Perola Sztajnberg,

    Antonieta.

    Pierr ao final do desfile.

  • 97Sdade do Cordo

    PROJETO CENTENRIO DE VILLA-LOBOS - SDADE DO CORDOElaborado pelo Museu Villa-Lobos

    Introduo

    Os cordes de Carnaval grupos de mascarados, velhos, palhaos, dia-

    bos, reis, rainhas, sargento, baianas, ndios, morcegos, mortes, etc.

    marcaram a infncia e a juventude de Heitor Villa-Lobos, cuja relao

    com a msica popular vem dessa poca.

    Nossa proposta de trazer de volta o Sdade do Cordo, reconstitudo por

    Villa-Lobos em 1940, uma forma no s de homenage-lo mas de reviver

    uma tradio carnavalesca ingnua, animada, gostosa e desconhecida

    para os folies de agora.

    mbito de Atuao:

    A populao carioca e muito especialmente a comunidade de Botafogo,

    atravs da Associao de Moradores.

    Resultados Previstos:

    Conhecer, compreender e popularizar Villa-Lobos.

    DESENVOLVIMENTO DO DESFILE

    1 parte

    Abre-Alas:

    VILLA-LOBOS E O GRUPO CARNAVALESCO SDADE DO CORDO SADAM O

    POVO E PEDEM PASSAGEM

    Enredo:

    RECORDAO DO PASSADO

    Destaque: Palhao verde e amarelo

    Ala de ndios e ndias tropicalistas que mostram o esprito da coisa, com

    3 homens e 9 mulheres.

    Alegoria de mo: Chocalho

    Baianas: 20

    Estandarte: OS CUCUMBIS

  • 98 Ermelinda A. Paz

    Ala de ndios caboclos com cerca de 12 figurantes

    Alegoria: Arco e Flecha

    Ala dos sapos: 8 fantasias com mscaras

    Estandarte: VITRIA-RGIA

    Porta-Estandarte

    Cacique Mestre-Sala

    Estandarte: MSCARA DE NDIO ENFURECIDO

    10 ndios verde e amarelo

    Alegoria: Arco e flecha

    2 Parte:

    Bateria - sargentos e chites - 30 figurantes

    Msicos - 6

    Estandarte: CORDES DE VELHOS

    6 prncipes, 6 princesas, 6 reis, 10 rainhas, 12 princesinhas do inferno (pastorinhas).

    Ala dos diabinhos, com 20 ou 25 (crianas)

    Os Disfarces

    15 componentes, com figurinos diferenciados

    Ala dos Velhos

    10 velhos (5 ternos verdes, 5 ternos amarelos: jovens com mscaras)

    Cerca de 10 velhos (velhos mesmo)

    Estandarte: ANTIGOS CARNAVAIS

    Pierr, Arlequim, Colombina

    12 palhaos preto e branco

    Palhaos diferentes, coloridos.

  • 99Sdade do Cordo

    Bibliografia

    ALENCAR, Edigar de. O carnaval carioca atravs da msica - 2 v. Rio de

    Janeiro: Francisco Alves, 1985.

    ALMEIDA, Renato. Histria da msica brasileira. Rio de Janeiro: Briguiet,

    1942.

    ALVARENGA, Oneyda. Msica popular brasileira. Porto Alegre: Globo, 1950.

    ARAUJO, Mozart de. O Z Pereira. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro,

    28 fev. 1965.

    ENEIDA. Histria do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Civilizao Brasilei-

    ra, 1958.

    EDMUNDO, Luiz. O Rio de Janeiro do meu tempo - v. III. Rio de Janeiro:

    Imprensa Nacional, 1938.

    EFEG, Jota. Ameno Resed, o bloco que foi escola. Rio de Janeiro: Letras

    e Artes, 1965.

    ______. Figuras e coisas do carnaval carioca. Rio de Janeiro: MEC / Funarte,

    1982.

    ______. Meninos, eu vi. Rio de Janeiro: MEC / Funarte, 1985.

    LAGO, Mrio. Na rolana do tempo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    1976.

    LIRA, Mariza. Chiquinha Gonzaga; grande compositora popular brasileira.

    2.ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1978.

    ______. Brasil sonoro; gneros e compositores populares. Rio de Janeiro:

    Editora A Noite, [s.d.].

    LOUZADA, Wilson. Antologia do carnaval carioca. Rio de Janeiro: O Cru-

    zeiro, 1945.

    PRESENA de Villa-Lobos - v. 3 e 4. Rio de Janeiro: MEC / Museu Villa-

    -Lobos, 1969.

    RIO, Joo do. Elogio do Cordo. Boletim Social da Unio Brasileira de

    Compositores. Rio de Janeiro, (53): 8-10, 1958.

    SILVA, Maria Augusta F. Machado. Sdade do Cordo. Boletim Tcnico-Cultural.

    Rio de Janeiro, Museu Villa-Lobos, (1): 2-5, jan./mar. 1984.

    VILLA-LOBOS, Heitor. A educao musical. Boletim Latino-Americano de

    Musicologia. Rio de Janeiro, (VI), 1946.

  • 100 Ermelinda A. Paz

    Esta edio de 1.000 exemplares destina-se nica e exclusivamente di-

    vulgao da obra de Villa-Lobos - nestes 40 anos de sentida ausncia -

    no tendo portanto fins lucrativos.

    Este livro foi publicado com apoio da Fundao Universitria Jos Bonifcio

    (FUJB) como parte das comemoraes do seu Jubileu de Prata.

    Este livro foi impresso em junho de 2000 na Grfica Editora Lidador, em

    papel couch matt 120 g. com tipografia ITC Officina Sans BT, com fotolitos

    produzidos pela Arc Press.