Post on 24-Jan-2019
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
ORAÇÕES RELATIVAS APOSITIVAS EM CONTEXTO DE
ESCRITA MONITORADA: O FUNCIONAMENTO DOS PRONOMES RELATIVOS
Noelma Cristina Ferreira dos Santos (UEPB/ PROLING-UFPB) Camilo Rosa da Silva (UFPB)
RESUMO Este trabalho se insere no contexto dos estudos sobre sintaxe funcionalista e o corpus escolhido para essa investigação constitui-se de uma pequena amostra de redações do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), do ano de 2013. Para a realização do presente trabalho, analisaremos uma amostra composta por 15 redações, publicadas em diferentes sites da internet, como exemplos de redações bem escritas, já que obtiveram uma nota alta na avaliação. Esse corpus pode revelar os usos atuais dos pronomes relativos em contextos de escrita monitorada. O nosso objetivo geral é analisar as funções sintáticas e semânticodiscursivas dos pronomes relativos nas orações apositivas desgarradas encontradas nas redações. Como objetivos específicos, pretendemos quantificar as ocorrências dos pronomes relativos utilizados nas redações do ENEM 2013; identificar o pronome relativo predominante nessas produções e descrever as estratégias de relativização mais utilizadas. Para tanto, apoiamo-nos teoricamente em Bybee (2002), Bastos (2008); Castilho (2010), Martelotta (2010), Neves (2007; 2014); Decat (2011; 2014), Traugott (2014), entre outros autores que contribuem para a reflexão a respeito do tema em estudo. Uma análise parcial dos dados revela usos inovadores dos pronomes relativos, sem necessariamente fugirem do padrão ou das normas gramaticais. Entendemos que as orações relativas exercem papel fundamental na articulação das ideias, na argumentação e na exposição de um ponto de vista a respeito de um determinado tema. E, nesse contexto, esses pronomes relativos tendem a recuperar não apenas um termo antecedente, mas toda a oração na qual se encaixa, assumindo novas funções semânticas e pragmáticas. Palavras-chave: Funcionalismo. Orações apositivas desgarradas. Pronomes Relativos
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 2
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
1 INTRODUÇÃO
Neste trabalho, focalizamos o funcionamento dos pronomes relativos,
tradicionalmente classificados como pronomes que introduzem orações relativas e
exercem função anafórica, na medida em que recuperam seu antecedente.
Os dados em evidência nesta investigação foram coletados numa pequena
amostra de redações do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), do ano de 20131,
publicadas em diferentes sites, como exemplos de textos bem elaborados/escritos, já
que obtiveram uma nota alta na avaliação. Partimos do pressuposto de que o corpus
ora constituído pode revelar os usos atuais dos pronomes relativos em contextos de
escrita monitorada.
Para a presente reflexão, utilizamos uma amostra composta por 10 redações,
nos quais objetivamos identificar as funções sintáticas e semântico-discursivas dos
pronomes relativos, principiando pela quantificação das ocorrências dos referidos
pronomes para identificar o item quantitativamente mais saliente nessas produções;
além disso, buscamos analisar a função dos pronomes relativos nas orações relativas
apositivas, bem como a função textual-discursiva que essas orações assumem nos
contextos em análise.
Procuramos organizar o trabalho de forma que teoria e análise sejam
articuladas simultaneamente. Na próxima seção, (2), discorremos teoricamente a
respeito dos tipos de orações relativas e das funções dos pronomes. Na sequência,
expomos, numa subseção (2.1), o levantamento das orações e dos pronomes relativos
utilizados nos textos capturados. Em (3), delimitamos nosso estudo para a abordagem
teórica a respeito das orações relativas apositivas, seguida da análise das orações e dos
pronomes relativos encontrados nesse contexto (3.1).
As redações foram escolhidas aleatoriamente, retiradas de dois sites que as
publicaram como exemplo de notas máximas do ENEM 2013. Cada redação recebeu
1 O tema da redação de 2013 foi: “Efeitos da implantação da Leia Seca no Brasil”.
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 3
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
um número, também de forma aleatória, apenas a título de organização dos dados.
Dessa forma, foram 5 (cinco) redações de cada site e, ao final dos exemplos,
codificamos o dado com R (redação), seguindo-se do número que a identifica2.
2. ORAÇÕES RELATIVAS: CONCEITUAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO
Nesta seção, tentamos organizar as discussões teóricas a respeito da
classificação das orações relativas, fazendo um paralelo entre a perspectiva tradicional
e a perspectiva funcionalista. Para efeito de análise, consideraremos as relativas
explicativa e restritiva e as relativas apositivas, todas consideradas aqui como
estratégias padrão e utilizadas com frequência em textos com linguagem monitorada.
Para complementar nossa discussão teórica, trazemos o conceito de Oração Relativa
de Tema, proposto por Bastos (2008). Discorreremos, portanto, sobre cada uma delas
para, posteriormente, analisarmos o funcionamento dos pronomes relativos conforme
o uso evidenciado nas redações.
Tradicionalmente, as orações adjetivas (ou relativas) são assim chamadas
porque exercem função de adjetivo e são introduzidas por pronomes relativos, que
recuperam, sintática e semanticamente, seu antecedente. Quanto à classificação, elas
podem ser adjetivas explicativas ou restritivas. Segundo Bechara (2010), a oração
adjetiva explicativa funciona como um apêndice, o que permite que ela seja
dispensável, sem prejuízo de sentido para a oração, pois não tem a função de
modificar o seu referente, mas apenas de oferecer uma explicação adicional. Na língua
falada, a adjetiva explicativa é marcada por pausa e, na escrita, por vírgulas. A oração
adjetiva restritiva, como afirma Bechara (2010), funciona como adjunto adnominal e,
2 As redações de número 1-5 foram encontradas no site:
http://guiadoestudante.abril.com.br/vestibular-enem/leia-redacoes-receberam-nota-maxima-enem-2013-veja-voce-pode-aprender-elas-781233.shtml. Acesso em 15/05/2015; As redações de número 6-10 foram encontradas no site: HTTP://educacao.uol.com.br/noticias/2014/04/07/confira-exemplos-de-redacoes-nota-1000-do-enem-2013.htm. Acesso em: 15/05/2015.
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 4
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
semanticamente, modifica o seu referente. Além disso, é proferida sem pausa na fala e
sem sinais de pontuação na escrita.
Decat (2014) traz uma importante discussão, à luz do funcionalismo, a respeito
das orações relativas apositivas desgarradas, que, segundo ela, são as orações que se
apresentam sintaticamente soltas, livres, como se fossem independentes. Na verdade,
essas orações apresentam características semelhantes às orações explicativas, como
classificadas tradicionalmente, sobretudo porque elas contêm traços da função
explicativa e apositiva, assim como prevê a gramática tradicional. Embora, quando
classificadas deste ponto vista, em sua maioria, essas mesmas orações são rotuladas
como restritivas. Posteriormente, discutiremos melhor essa aparente contradição.
Voltando a nossa atenção para a proposta de Decat (2014), destacamos que,
em seu trabalho, a autora trata apenas das orações relativas desgarradas marcadas
com uma pausa maior, através do ponto, já que os dados foram retirados da língua
escrita.
Para defender essa concepção a respeito das orações desgarradas, Decat
(2014) recorre à noção de “unidade de informação”:
Segundo este autor [Chafe, 1980], trata-se de um “jato de linguagem” que contém toda a informação que pode ser controlada, ou monitorada, pelo falante num único foco de consciousness, ou, nos termos de Kato (1985, p.35), “estado de consciência”.[...] As unidades de informação – também chamadas de “blocos de informação” – possuem, segundo Chafe (1980), cerca de sete palavras e podem ser identificadas: a) pelo contorno entonacional (entonação) de final de oração; b) pela pausa (ou hesitação), mesmo breve, que separa uma unidade de outra; c) pela caracterização como uma única oração. (DECAT, 2014, p.159).
Também nós nos apoiamos nessa noção de “unidade de informação”,
considerando sobretudo a organização estrutural do ponto de vista da pausa, marcada
pela vírgula, já que estamos tratando de textos escritos.
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 5
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
Na apresentação dos formatos dessas orações, a autora recorre ao requisito do
ponto final para marcar a ocorrência da desgarrada. Seguem abaixo os formatos das
orações analisadas pela autora:
FORMATO [.O que/qual]: oração iniciada pelo relativo QUE (ou
QUAL) precedido do pronome “o” (segundo Castilho (1993), um
“mostrativo neutro”).
[ex.:] Estava sem assunto. O que não deve surpreender
ninguém. Afinal, esta é praticamente uma constante. Estou
sempre sem assunto.
[...]
FORMATO [.N(prep) que]: a estrutura desgarrada é formada
por um nome (geralmente uma repetição de termo ou ideia
constante na porção anterior do texto) e o relativo QUE,
precedido, ou não de preposição.
[ex.:] [...] O dinheiro que polui não é o mesmo que preserva. O
dinheiro que quer lucro a qualquer custo é diferente daquele
que contribui para a vida das pessoas. Pessoas que também são
diferentes em seus sonhos, desejos e metas financeiras. Mas
que vivem na mesma sociedade, em um só planeta, com um
futuro comum. Vidas, portanto, que também são parte da
nossa.
FORMATO [.N + Esp +que]: semelhante ao formato anterior,
nesse há o uso de um especificador dêitico, que ajuda a
retomar o referente.
[ex.:] Um sujeito deve ser entendido a partir de uma
contextualização. Contextualização essa que prevê o
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 6
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
correlacionamento de diversos fatores.[...] (F.C.B.C – trabalho
acadêmico, UFMG, 2003). (DECAT, 2014, p.160-161)
A exposição desses exemplos aqui se justifica porque encontramos orações
relativas com essas características apresentadas por Decat (2014), mas a maioria
apresentando vírgula e não ponto final. A autora classifica esses casos como Orações
Relativas Apositiva Normais. De qualquer forma, defenderemos que, mesmo com uma
pausa supostamente menor, marcada pela vírgula, elas apresentam os mesmos traços
semântico-discursivos das estruturas desgarradas e também a aparente
“independência” sintática delas, podendo estar a caminho do desgarramento. Vale
destacar essa “aparente independência”, pois sabemos que todas as orações estão
interligadas sintaticamente e, no caso das orações relativas, o processo anafórico
marca ainda mais incisivamente essa relação sintática e semântico–discursiva entre
elas. Continuando, ainda, o raciocínio anterior a respeito das semelhanças entre as
orações apositivas normais e as desgarradas, lembramos que aquelas exercem as
mesmas funções textuais destas, conforme apresentadas pela autora, de “caracterizar,
designar, rotular, resumir, recapitular, avaliar, identificar, classificar, abreviar ou
especificar uma SITUAÇÃO ou um REFERENTE.” (ONO; THOMPSON, 1994 apud DECAT,
2010, p.160). Essas funções textuais dependem dos objetivos sociocomunicativos do
autor do texto e da sua necessidade de focalização e argumentação.
Ainda numa perspectiva funcionalista, consideramos importante recuperar a
proposta de análise de Bastos (2008). Segundo esse autor, na estratégia de
relativização não padrão, o pronome relativo não retoma um termo específico da
oração anterior, mas o tema dessa oração. Embora o objeto de análise desse autor
seja constituído por orações pertencentes à estratégia não padrão, o seu
direcionamento teórico apresenta-se semelhante, em alguns momentos, com o
direcionamento de Decat (2010), sobretudo quando a autora reconhece que o
pronome relativo da oração apositiva desgarrada recupera todo o tema da oração
anterior também.
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 7
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
Em ambos os contextos, entendemos que o pronome assume uma função
relacional, ao mesmo tempo em que mantém o caráter anafórico, retomando um
tema já apresentado. Na verdade,
[...] o ‘que’ continuaria anafórico e antecipatório (catafórico), na medida em que retoma o antecedente e indica a função pragmática desse antecedente para a predicação que segue; ele projeta um SN de uma oração em outra e faz uma espécie de comutação de níveis linguísticos: do nível gramatical para o nível discursivo. (BASTOS, 2008, p.130).
Em trabalho anterior (SANTOS; SILVA, 2014), defendemos que, no contexto das
orações relativas de Tema, o pronome assume a função de conector relativo.
Avaliamos, portanto, aqui, a viabilidade de assim classificá-lo também nas orações
apositivas desgarradas.
Na próxima seção, apresentaremos a quantificação dos pronomes relativos e
das orações relativas encontradas nas redações analisadas.
3.1 Ocorrências dos pronomes relativos utilizados nas redações do ENEM 2013: a
quantificação dos dados
Um dos objetivos específicos deste trabalho é quantificar as ocorrências dos
pronomes relativos nas redações. Isso se nos coloca como relevante uma vez que a
frequência de uso deve ser considerada um fator determinante do cumprimento de
funções que experimentam processo de estabilização nos mais diversos domínios
gramaticais. Nos 10 textos analisados, encontramos um total de 55 ocorrências de
pronomes relativos, distribuídos em 46 períodos e no preenchimento de funções
distintas. A esse respeito, apresentamos o seguinte levantamento:
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 8
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
Tabela 1: Ocorrências dos pronomes relativos nas redações
Pronomes Ocorrências
Que 83%
O/aquele que 11%
Os quais 2%
Cujo 2%
Onde 2%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa
Não nos causa surpresa o fato de o pronome relativo predominante nos textos
analisados ser o que, conforme já previsto nas nossas hipóteses. Nesses dados,
contabilizamos 46 ocorrências dele, ou seja, 83% do total. Registramos 6 (seis)
ocorrências da forma pronome demonstrativo/pronome relativo (11%); e 1 (uma)
ocorrência dos demais pronomes, os quais, cujo e onde, calculado em 2% cada um
deles.
Quanto às orações em que eles se inserem, registramos as seguintes
ocorrências:
Tabela 2: Ocorrências das orações relativas nas redações
Tipos de oração Ocorrências
Relativa Restritiva 67%
Relativa Explicativa 14%
Relativa Apositiva 9%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa
Para uma melhor compreensão desse levantamento, faz-se necessária uma
explicação dos critérios utilizados. Sob os rótulos de Orações Explicativas e Restritivas,
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 9
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
colocamos todas as orações encontradas nos textos que seguiram a estratégia padrão,
tanto no que se refere à pontuação, quanto ao valor semântico das orações. Como
vemos, o tipo de oração predominantemente encontrado foi o de oração restritiva,
com 37 ocorrências (67%), seguida das orações explicativas, com 8 ocorrências (14%).
Além dessas orações, encontramos outras que não conservaram características
da estrutura padrão, as quais chamamos aqui de Não Padrão e de Restritiva com
pontuação de explicativa.. Vejamos abaixo uma descrição acerca dessas orações:
Tabela 03:Ocorrências das Orações Relativas com desvio padrão
Não Padrão 2%
Restritiva com
pontuação de
explicativa
4%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa
Pensando nos critérios de classificação padrão/não padrão, foi identificada
apenas 1 (uma) ocorrência de oração relativa que se desviou do padrão (2%), quanto
à escolha do pronome relativo, conforme exemplo (1), abaixo:
(1) “Vemos cada dia mais grandes campanhas publicitárias
buscando a consciêntização [sic] de diversos públicos, onde o
alvo principal são os jovens, que têm suas vidas ceifadas tão
precocemente.”(R2)
Do ponto de vista padrão, o pronome relativo onde deve ser usado apenas para
fazer referência a lugar, o que não é o caso do exemplo (1). Esse período nos permite
duas interpretações: Primeiramente, o pronome não está retomando seu antecedente
imediato, diversos públicos, mas está retomando campanhas publicitárias e sugerindo
ideia de posse, já que a intenção, certamente, era afirmar que “o alvo principal das
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 10
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
campanhas publicitárias são os jovens, que têm suas vidas ceifadas tão
precocemente”. Dessa forma, pensando a oração no formato padrão, teríamos:
(1a) “Vemos, cada dia mais, grandes campanhas publicitárias
cujo alvo principal são os jovens[...]”
Se interpretarmos que o pronome está se referindo ao antecedente diversos
públicos, ele deveria ser substituído pelo pronome o qual, juntamente com uma
preposição, podendo assumir a seguinte forma:
(1b) “Vemos, cada dia mais, grandes campanhas publicitárias
buscando a conscientização dos diversos públicos, dentre os
quais os jovens, que têm suas vidas ceifadas tão
precocemente”
Ainda com referência à normatização, encontramos duas ocorrências de
orações restritivas (4%), mas pontuadas como sendo explicativas. Interpretamos esses
casos como um simples desvio de pontuação que não compromete a compreensão da
ideia. Eis os dados:
(2) “Devemos agir não só pensando no próprio bem, a
direção responsável preserva a vida de todos, e da
continuidade a muitos sonhos, que por ventura poderiam ser
arrancados pela imprudência.” (R2)
(3) “Além disso, os filhos se inspiravam nas atitudes dos pais,
que não viam nenhum perigo em dirigir depois de um ou dois
copos de cerveja.” (R4).
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 11
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
Além delas, encontramos as orações relativas livres, sobre as quais não
aprofundaremos análise, porque ainda estamos realizando uma investigação mais
profunda à luz do funcionalismo.
Tabela 04: Ocorrências das Orações Relativas Livres
Relativa Livre 4%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa
Sob a classificação de Oração Relativa Livre3, com 4% das ocorrências,
apresentamos aqui, especificamente, dois casos encontrados, mas não nos
aprofundaremos na questão. Vejamos:
(4) “Paralelamente às ideias do Manifesto Antropofágico de
Oswald de Andrade de absorver o que é vantajoso da cultura
estrangeira à cultura nacional, o Governo Federal implementou
a Lei Seca com o objetivo de reduzir a quantidade de acidentes
no trânsito ocasionados pelo álcool.”(R4)
(5) “Egoísmo, irresponsabilidade e traços mais do que
meramente vestigiais de irracionalidade: essas são as únicas
explicações cabíveis para tentar justificar o que leva uma
pessoa que consome bebida alcoólica a dirigir e pôr em risco a
sua e tantas outras vidas.” (R10).
3 Na perspectiva gerativista, esta classificação encontra-se bem definida e as orações com essa
estrutura são conhecidas como RELATIVAS LIVRES e são introduzidas por um pronome relativo de condições especiais, já que embute seu núcleo nominal (cf. MARCHESAN; MIOTO, 2014), ou, simplesmente, por um pronome-Q (cf. BRAGA; KATO; MIOTO, 2015). Adiantamos que manteremos provisoriamente essa classificação no presente trabalho, mas já estamos aprofundando a análise desse tipo de oração, numa perspectiva funcionalista, estudo que será divulgado posteriormente.
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 12
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
A análise dessas orações ainda divide opiniões. Bechara (2010) reconhece
duas maneiras possíveis. Na primeira, entendemos que as orações introduzidas pelo
pronome o que complementam o sentido dos verbos absorver, em (4), e justificar,
em (5). Assim, a oração está exercendo o papel de sintagma nominal, mais
especificamente, de objeto direto, nos dois períodos. Inclusive, se fizermos o teste
tradicional de substituí-la pelo item algo, teremos:
(4a) “Paralelamente às ideias do Manifesto Antropofágico de
Oswald de Andrade de absorver ALGO.”
(5a) “Egoísmo, irresponsabilidade e traços mais do que
meramente vestigiais de irracionalidade: essas são as únicas
explicações cabíveis para tentar justificar ALGO.”
Contudo, também interpretamos que esse algo, na verdade, só adquire
significado a partir do conteúdo expresso posteriormente, portanto “absorver algo
que é vantajoso” e “justificar algo que leva uma pessoa a dirigir alcoolizada.” Assim, a
relativização é a responsável pela carga semântica do período. Nesse contexto, o
pronome está assumindo uma função catafórica e não anafórica, na medida em que
antecipa seu referente.
Por fim, classificamos como orações apositivas desgarradas as orações
encontradas no nosso corpus (9%), que condizem com o delineamento proposto por
Decat (2011; 2014). Nesse contexto, buscamos analisar as funções textual-discursivas
dessas orações, bem como o papel dos conectivos que as introduzem. Essa análise
está mais detalhada na seção seguinte.
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 13
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
3. COMPORTAMENTO DOS RELATIVOS NAS REDAÇÕES DOS ENEM
Tendo em vista que o corpus analisado neste trabalho se constitui de textos
argumentativos, pudemos observar de que forma a construção linguística das orações
apositivas desgarradas contribuiu para a argumentação dos textos. Como já anunciado
anteriormente, baseamo-nos em Decat (2011; 2014) para entender como podemos
identificar as funções textual-discursivas dessas orações. Eis as funções apresentadas
pela autora:
a) Avaliar – o autor se posiciona a respeito do tema que está tratando no texto. b) Retomada – o autor recupera uma informação já dada no texto. c) Adendo (ou parentético) - o autor acrescenta uma informação “tardiamente”, a respeito do que havia afirmado. (DECAT, 2011, p.123).
É relevante a contribuição trazida por Decat (2011), ao tratar dessas funções
das orações relativas dentro do texto. Resta-nos analisar, dessa forma, qual o papel
dos pronomes relativos nesse contexto, buscando identificar as funções sintáticas e
semântico-discursivas desses itens linguísticos.
Ao tratar sobre as funções dos pronomes relativos, Camacho (2012) afirma que
o verdadeiro pronome relativo está restrito apenas às orações relativas pertencentes à
variedade padrão, ou seja, com todos os critérios exigidos pela tradição. Para tal
afirmação, o autor parte do princípio classificatório das orações em padrão (explicativa
e restritiva) e não padrão (cortadora e copiadora). Segundo ele, “nas duas estratégias
não padrão, o elemento conectivo pode ser tipologicamente interpretado como um
marcador de relativização (MR), conforme afirma Dik (1997) ou como o
complementizador (cf. Tarallo, 1983) [...].” (CAMACHO, 2012, p.172). Contudo,
trazemos para reflexão, no presente trabalho, uma estratégia de relativização cuja
estrutura linguística se enquadra na estratégia padrão, mas num formato diferenciado.
Então os conectivos que introduzem essas orações a serem analisadas, podem ser
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 14
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
considerados “verdadeiros pronomes relativos”? Parece-nos que, para ser um
verdadeiro pronome relativo, o item linguístico deve ter função anafórica e deve
substituir o termo ao qual se refere, assumindo, consequentemente, a mesma função
sintática que esse termo. Ao que parece, não é isso que acontece. Vamos à análise
para uma melhor compreensão desse fato linguístico.
3.2 As funções dos relativos nas orações relativas apositivas
Nessa análise, voltamos nossa atenção para os pronomes que introduzem
orações relativas apositivas (cf. DECAT, 2014). O estudo nos permitiu ver a importância
das orações relativas na argumentação do texto, especialmente para a exposição do
ponto de vista do autor. Considerando que a proposta da redação do ENEM é sempre
um texto dissertativo-argumentativo, expor o ponto de vista a respeito do tema é o
objetivo primeiro que se deve alcançar.
Para análise, apoiamo-nos também na noção de unidade informacional (CHAFE,
1980 apud DECAT, 2014), conforme apresentamos anteriormente. Destacamos,
porém, que as orações encontradas no nosso corpus são marcadas pela pausa menor,
a vírgula, mas conserva os traços característicos de um anexo da oração. Observemos
os exemplos abaixo:
(6) “A Lei Seca surgiu inicialmente como instrumento de
conscientização, porém sua efetivação encontra obstáculos na
área da fiscalização, o que torna a Lei para muitos meramente
institucional e não prática”. (R1)
Sintaticamente, vemos nesses exemplos, o FORMATO [,o que], o pronome
relativo antecedido pelo “mostrativo neutro”, posicionado no final do período, logo
após uma pausa. Do ponto de vista tradicional e até mesmo seguindo a orientação de
Neves (2000), haveria aqui uma oração restritiva em que o pronome demonstrativo
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 15
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
seria o referente do pronome relativo que. Contudo, a esse tipo de oração, Decat
(2014) chama de apositiva desgarrada, tendo em vista o caráter explicativo/apositivo
da estrutura como um todo. Nesse sentido, a autora é clara ao classificar toda a oração
de relativa apositiva, o que nos parece mais coerente.
No que se refere à função textual-discursiva, podemos reconhecer que essa
oração está assumindo uma função avaliativa. Em (1), é possível observar que o autor
do texto apresenta uma avaliação da situação da lei seca, expondo que, no seu ponto
de vista, o fato de a lei ter surgido como instrumento de conscientização a torna “para
muitos meramente institucional e não prática”.
Voltando a nossa atenção para o papel do pronome relativo no contexto da
sentença, observamos que, diante da particularidade do seu formato [o que] - e não
há como negar um formato especial, já que seu funcionamento se dá a partir dos dois
elementos -, vemos que esse pronome relativo retoma toda a oração anterior. Esse
fato nos inspira a crer que a oração por ele introduzida se assemelha a uma oração
relativa de Tema (cf. BASTOS, 2008), com o diferencial de que ela está ocorrendo numa
estratégia que pode ser considerada padrão. Nesse caso, pensando especificamente
no papel do pronome, podemos recorrer à classificação, por nós já defendida (SILVA;
SANTOS, 2014), de conector relativo. Continuemos a analisar as outras ocorrências
para que nosso ponto de vista seja mais bem consolidado.
(7) “Propagandas e comerciais também foram criados como
forma de prevenir que as pessoas utilizem bebidas alcoólicas
caso forem dirigir, o que ajudou consideravelmente, pois é
preciso conscientizar a todos sobre as consequências que este
ato traz, tanto para a vida pessoal quanto para todos que estão
ao redor deste indivíduo.” (R5)
Observando a oração relativa introduzida pelo pronome [o que], vemos que,
sintaticamente, ela está inserida no meio da sentença e está intercalada por vírgula,
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 16
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
uma organização típica da oração apositiva explicativa e com todos os traços
característicos da oração desgarrada, proposta por Decat (2014), embora não esteja
separada por ponto. Isso fica ainda mais evidente, quando fazemos o teste de retirada
da oração e o sentido da sentença permanece inalterado. Em relação à função textual-
discursiva, mais uma vez, encontramos a função avaliativa, expressando o ponto de
vista do autor do texto.
No que respeita à função do pronome relativo nessa sentença, só nos resta
classificá-lo como conector relativo, mais uma vez, tendo em vista o seu papel de
retomar toda a oração que antecedeu a relativa. Assim, ele recupera, anaforicamente,
o tema da oração.
Vejamos mais um dado:
(8) “Nesse sentido, por estarem sóbrios, indivíduos tornam-
se mais conscientes, o que dificulta a perda do controle da
direção, que é uma das grandes responsáveis por mortes no
trânsito.” (R8)
Nesse exemplo, mais uma vez o conector relativo o que é utilizado para
introduzir uma oração intercalada por vírgula, retomando o tema da oração
antecedente e adicionando um posicionamento pessoal do autor do texto. Em (8), há
uma situação particular, pois temos outra oração relativa explicativa, dentro da oração
apositiva desgarrada. Nesse caso, a oração introduzida pelo pronome relativo que,
mantém os traços característicos de uma relativa padrão, tendo em vista que está
separada por vírgula e o pronome retoma seu antecedente imediato perda do controle
da direção, assumindo, portanto, a função sintática de sujeito da oração relativa. De
todo modo, é interessante destacar que essa oração explicativa complementa a
argumentação do texto, reforçando o ponto de vista defendido pelo autor.
Outro formato da relativa apositiva desgarrada encontrado nos nossos dados
foi [,N + Esp + que], no seguinte dado:
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 17
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
(9) “Finalmente, os efeitos da Lei Seca só serão realmente
sentidos e contrastantes com um passado de mortes e
acidentes quando houver uma intensificação da fiscalização e
extinção da impunidade, sucesso esse que deve ser uma
construção de todos os órgãos governamentais da sociedade
civil.” (R1).
Ao analisar essa sentença, percebemos que ela se caracteriza como uma
relativa apositiva. Enquadra-se no FORMATO [,N+Esp+que] e esse especificador ajuda
na retomada dêitica do referente. Nesse caso, observamos o acúmulo de duas funções
numa mesma oração, pois, embora o antecedente imediato do pronome relativo seja
um SN, esse SN é por si só anafórico e tem a função textual-discursiva de retomada,
que “[...] consiste, portanto, em reaver, de alguma forma, uma informação que foi
dada anteriormente no texto” e de adendo, tendo em vista que acrescenta mais
informações a respeito do tema da oração. (DECAT, 2014, p.165). Nesse exemplo,
percebemos o movimento previsto por Bastos (2008), no momento em que o tema da
oração anterior é levado para adiante. Destarte, toda a oração funciona como uma
explicação da oração anterior, constituindo mais um argumento em defesa de um
determinado ponto de vista.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho se configura apenas como um embrião, tendo em vista seu
caráter introdutório dentro de um contexto muito mais amplo. A motivação para
desenvolver esse estudo se deu, entre outras razões, pela afirmação de alguns autores,
a exemplo de Bagno (2011), de que a classe de pronomes relativos estaria em extinção
até mesmo em textos monitorados. Partimos de uma hipótese inicial de que não
podemos anunciar categoricamente o fim dessa classe, portanto é preciso relativizar
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 18
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
conclusões dessa natureza. Há indícios de que, talvez, os pronomes relativos não
estejam sendo mais utilizados no formato tradicional que conhecemos, dentro das
estratégias de relativização formalmente bem consolidadas nos estudos linguísticos
(padrão, cortadora e copiadora).
Diante dessa realidade, começamos, portanto, um trabalho árduo de
investigação em vários contextos. Para este estudo, nos debruçamos sobre as
redações, que são textos com linguagem monitorada, para constatarmos se, de fato,
esses pronomes estão desaparecendo. Os dados revelaram usos inovadores dos
pronomes relativos, sem necessariamente fugirem do padrão ou das prescrições
gramaticais. Começamos a entender que as orações relativas, muito mais do que a
classificação limitada que a tradição nos oferece, exercem papel fundamental na
articulação das ideias, na argumentação e na exposição de um ponto de vista a
respeito de um determinado tema. Conseguimos ainda identificar que elas deixam de
funcionar como orações encaixadas, dependentes e subordinadas, para funcionarem
como orações soltas, independentes, do ponto de vista sintático. E por exercerem um
papel tão importante, podemos afirmar que é preciso relativizar, ou seja, é preciso usar
as orações relativas e os pronomes relativos, sim, para organizar as ideias, fazendo o
texto fluir. Estamos convencidos de que essa classe ainda mantém-se viva e pode
contribuir de forma significativa nos usos da língua.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Wanderli Aparecido. A relativização no português do Brasil: a sentença orientada para o discurso. 2008. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa). Universidade Estadual de São Paulo, Araraquara, 2008. BRAGA, Maria Luiza; KATO, Mary A.; MIOTO, Carlos. As construções no português brasileiro falado: relativas, clivadas e interrogativas. In: KATO, Mary A.; NASCIMENTO, Milton do. (Orgs.). A construção da sentença: Gramática do português culto falado no Brasil. Vol II. São Paulo: Contexto, 2015. BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.
[Digite texto]
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 19
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
BECHARA, Evanildo. Gramática escolar da língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo, Contexto, 2010. CAMACHO, Roberto Gomes. Construções Relativas sob a perspectiva discursivo-funcional. In: SOUZA, Edson Rosa de. Funcionalismo linguístico: novas tendências teóricas. São Paulo: Contexto, 2012. p.171-200. DECAT, Maria Beatriz Nascimento. Orações relativas apositivas desgarradas no português em uso. In: BISPO, Edvaldo Balduino; OLIVEIRA, Mariângela Rios. (Orgs.). Orações relativas no português brasileiro: diferentes perspectivas. Niterói: Editora da UFF, 2014, p.158-189. ______. Estruturas desgarradas em Língua Portuguesa. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011. MARCHESAN, Ani Carla; MIOTO, Carlos. Relativas Livres. In: BISPO, Edvaldo Balduino; OLIVEIRA, Mariângela Rios. (Orgs.). Orações relativas no português brasileiro: diferentes perspectivas. Niterói: Editora da UFF, 2014, p.47-76. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000. SILVA, Camilo Rosa; SANTOS, Noelma C. F.. “Diga-me quem te antecede que eu digo quem és”: o papel do antecedente como determinante da função do relativo. Revista Prolíngua, p.56-67, vol. 9, n.2, jul/dez. 2014. [disponível em http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/prolingua].