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PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA __ VARA DA COMARCA DE
SERTÃOZINHO-SP
AUTOR: ABUD SERVIÇOS RADIOLÓGICOS LTDA
RÉ: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
A FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua
procuradora infra-assinada, nos autos do processo em epígrafe, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar sua CONTESTAÇÃO,
sob as razões de fato e direito que passa abaixo a expor.
DOS FATOS
Surge no presente feito demanda da autora para que seja
declarado nulo débito fiscal decorrente do não pagamento de Imposto sobre
Propriedade de Veículo Automotor. Fundamenta sua pretensão em susposta
inconstitucionalidade na lei 13.296/2008 de São Paulo; a seguir, demonstramos
por que o pleito não deve prosperar.
PRELIMINARMENTEDA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO
DO MÉRITOA TRIBUTAÇÃO DA PROPRIEDADE DE VEÍCULO
AUTOMOTOR
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A discussão no presente caso se dá, fundamentalmente, em torno da legalidade e
constitucionalidade da cobrança de IPVA nos moldes da lei 13296/2008,
promulgada pelo Estado de São Paulo. Primeiramente, temos de retomar a
moldura constitucional das competências tributárias. Pelos moldes da
constituição, são os Estados e o Distrito Federal que têm competência para
instituir imposto sobre a propriedade de veículo automotor. Na redação
constitucional:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre:
III – propriedade de veículos automotores.
Nesse sentido, o legislador constitucional atribuiu aos Estados e ao
Distrito Federal competência legislativa para instituir determinados tributos; no
presente caso, a propriedade de veículos automotores sobressai como de
competência privativa dos Estados. Importante salientar o entendimento
unânime de que a competência prevista no artigo 155, dentre todas as outras do
Capítulo I, Título VI da Constituição Federal são competências legislativas; nas
palavras de Paulo de Barros Carvalho: “A competência tributária, em síntese, é
uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as
pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar sobre a produção de
normas jurídicas sobre tributos.”1
Em suma, a Constituição deu poder ao Estado de São Paulo de instituir o
imposto sobre a propriedade de veículo automotor, sem impor nenhuma
limitação específica além daquelas já previstas no texto constitucional. Mais
ainda, nos termos do artigo 24 da Constituição Federal
O artigo 155 da Constituição tinha em sua redação originária a
incidência de impostos sobre mercadoria importada da seguinte maneira
“[incidirá] sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se
tratar de bem destinado ao consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como
sobre serviço prestado no exterior”. A redação do inciso IX, portanto, colocava
algumas dúvidas: se o importador não fosse empresário ou sociedade
1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ª edição, página 267. Saraiva, 2010.
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empresária, não se falaria em estabelecimento, portanto, não haveria incidência
de ICMS? Pessoas físicas, por esse raciocínio, estariam excluídas, bem como
sociedades civis que não praticassem atividade comercial. Foi esse, inclusive, o
entendimento que as cortes sucessivamente incorporaram à jurisprudência a
respeito do tema, até edição de Súmula do Supremo Tribunal Federal – hoje,
Súmula 660. Para a Corte Maior, não haveria incidência do Imposto Sobre
Circulação de Mercadoria e Serviço sobre importação de mercadorias ou serviços
sempre que o ato de importação fosse praticado por pessoa física ou jurídica
não-contribuinte de ICMS.
Entendendo que esta não era a melhor interpretação ao
dispositivo, o Estado Brasileiro – por meio do Poder Legislativo – promulgou a
Emenda Constitucional 33/2001. Tal reforma constitucional alterou o inciso IX,
ampliando a sujeição passiva do ICMS de importação de maneira decisiva,
colocando de vez fim ao entendimento da Súmula 660: “[incidirá] sobre a entrada
de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda
que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade,
assim como sobre o serviço prestado no exterior [...]”.
Percebemos, aqui, alterações fundamentais na incidência do ICMS
de importação. Em primeiro lugar, ele passa a incidir não apenas sobre
mercadorias e serviços, mas também sobre bens. A distinção aqui é fundamental,
porque, como se sabe, mercadoria é espécie, enquanto bem é gênero; mercadoria
é todo o bem móvel destinado à circulação econômica. Portanto, temos aqui que
o ICMS de importação, a partir da edição da Emenda 33/2001, deixa de incidir
apenas sobre aqueles produtos que venham a compor a cadeia produtiva, mas
sobre todo e qualquer bem que venha a ser adquirido pela pessoa física ou
jurídico por meio de importação. Essa interpretação fica ainda mais clara com o
trecho “qualquer que seja a sua finalidade” inserido no inciso. O bem ou
mercadoria adquiridos se sujeitação à incidência do imposto ainda que não
sejam destinados à produção ou comercialização. Se forem, por exemplo,
adquiridos para consumo próprio, para fixação do ativo da empresa ou qualquer
outra finalidade, ainda assim sofrerão a incidência do imposto.
Ainda analisando o trecho do inciso IX do artigo 155, temos uma
ampliação constitucional do sujeito passivo da obrigação tributária de pagar
ICMS de importação. O poder constituinte reformador, entendendo que a sujeição
passiva estabelecida pela lei ordinária – qual seja, o rol de contribuintes de ICMS
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estabelecido pela Lei Complementar 87/1996 – é demasiado limitada para o caso
de ICMS de importação, inseriu o trecho “ainda que não seja contribuinte habitual
do imposto”. Isso significa que haverá incidência do imposto ainda que o ato de
importação seja praticado por aqueles que não estejam previstos no rol da Lei
Complementar.
É verdade que o artigo 146 da Constituição Federal estabelece, no
Inciso III, a, que cabe à Lei Complementar definir os contribuintes do imposto. No
entanto, o que temos aqui é uma fuga a essa regra, plenamente possível, aliás,
porque erigida por norma constitucional, isto é, regra hierarquicamente
superior à Lei Complementar. O ampliamento da sujeição passiva ocorre por
força constitucional, por vontade do legislador constitucional reformador. Em
perfeito estado, portanto, a sujeição passiva dos contribuintes não-habituais do
imposto, sejam eles pessoas física ou jurídicas.
Apenas para arrematar a questão, absurda a tese da autora de que
falta legislação que ampare a cobrança do ICMS na importação, por ter a
legislação paulista a instituído antes da alteração da Lei Complementar 87/1996,
que é a Lei do ICMS. Isto porque a Constituição, ao estabelecer que os
contribuintes do imposto devem ser descritos pela Lei Complementar, estão,
verdadeiramente, delegando tarefas à lei complementar. O que temos, portanto, é
que a Lei Complementar deve, verdadeiramente, fazer complemento àquilo que a
Constituição Federal estabelece. Nesse caso, tal complemento, a ser veiculado por
meio de emenda à LC 87/96, seria completamente desnecessário, uma vez que
todas as informações a respeito da sujeição passiva já estavam previstos na
própria constituição. Seria exigência formal tola e desnecessária, pois norma de
hierarquia superior já havia previsto tal comando. Tanto é que, quando
reformada, a Lei Complementar veio apenas a repetir aquilo que já estava
previsto na Carta Maior. Em perfeito estado de legalidade, portanto, a Lei 11.001
de 2001 do Estado de São Paulo.
Por fim, cabe explicitar o descabimento da arguição da
inconstitucionalidade da emenda, por ferir o princípio da não-cumulatividade. É
sabido que a vedação à reforma ou revisão constitucional deve obedecer
determinados limites – temporais, formais e materiais. Tais limites materiais são
as denominadas cláusulas pétreas da constituição – matérias que, pela sua
importância, não podem ser modificadas. Dizendo de outro modo, a Constituição
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Federal é toda modificável – com ritos difíceis, é verdade, mas ainda assim
modificável – exceto se a modificação for tendente a abolir: a forma federativa de
Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e
os direitos e garantias individuais.
A partir disso, convencionou-se na doutrina e jurisprudência da
Corte Maior – guardiã da Constituição – que poderia ser arguida a
inconstitucionalidade de Emendas Constitucionais, desde que fosse apontada
violação a uma das quatro cláusulas pétreas do artigo 60, parágrafo 4º. No
entanto, não se vislumbra essa possibilidade no presente caso. A autora alega que
a cobrança de ICMS de importação mesmo que o importador seja contribuinte
não-habitual do imposto seria uma violação ao princípio já consagrado da não-
cumulatividade e que, portanto, a Emenda 33/2001, por estar violando preceito
constitucional originário, seria inconstitucional.
O que a autora não demonstra, no entanto, é de que forma a
Emenda 33/2001 violaria alguma cláusula pétrea. De fato, não há risco algum de
abolição da forma federativa de Estado, da separação dos poderes ou do vodo
direto, secreto, universal e periódico. E nem se diga que o princípio da não-
cumulatividade seria direito ou garantia individual, pois estes são aqueles
essenciais à própria condição humana, como a vida, a propriedade, a segurança e
a liberdade. A mera sujeição ao pagamento de um imposto não pode ser vista
como violação a direito individual.
Além disso, não se pode falar em não-cumulatividade no presente
caso. O princípio da não-cumulatividade, consagrado no artigo 155, parágrafo
segundo, se volta às mercadorias e serviços que passam por diversas fases de
produção e comercialização. Melhor dizendo: quando se tem uma mercadoria,
que se submeterá à natural circulação econômica para sua transformação,
necessariamente teremos de falar em não-cumulatividade. Esse princípio foi
pensado para que haja sucessivas compensações de crédito tributário ao longo
da cadeia produtiva. Assim, quando falarmos em bens não-mercantis, como é o
caso da presente discussão, não estamos diante de circulação de etapas
sucessivas. Até porque, a hipótese de incidência no caso de ICMS de importação é
a circulação da riqueza, mas, sim, o ato de importar.
Em suma, temos duas possibilidades de incidência de ICMS de
importação: os casos em que o bem (sentido amplo) se destina a diversas etapas
de circulação e o caso em que, uma vez importado, o bem se destina a consumo
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próprio ou a aumento de ativo da pessoa física ou jurídica, caso em que não fará
diversas etapas de circulação. No primeiro caso, por haver diversas etapas, o
ICMS é não-cumulativo, pois há pagamento sucessivo do imposto pelos diversos
participantes da cadeia produtiva. No segundo caso, não é sequer possível falar
em não-cumulatividade, pois o bem importado não passa por diversas etapas,
mas, sim, se fixa ao patrimônio do importador. Não há supressão deliberada do
princípio da não-cumulatividade, como faz entender a autora, mas mera
impossibilidade fática de sua aplicação. Não há como o importador se creditar
de créditos já pagos, se, após o desembaraço aduaneiro, o bem – no caso, o
equipamento médico – será movido diretamente para seu estabelecimento. Não
havendo etapas de circulação, não há créditos pagos e, portanto, não hã aplicação
de não-cumulatividade. O importador é, no caso, o único contribuinte.
Desse modo, afastamos as alegações da autora, seja porque não há
supressão do princípio da não-cumulatividade no caso concreto, seja porque,
ainda que houvesse, esse princípio não é cláusula pétrea. As cláusulas pétreas
devem se referir sempre a direitos de primeira geração autoaplicáveis, o que não
é o caso da não-cumulatividade, que é mero princípio formatador do sistema
tributário do ICMS.
O ESTADO COMO POLO ATIVO DO ICMS IMPORTAÇÃO
Tampouco tem cabimento o argumento da autora de que o ICMS de
importação seria tributo de competência residual. A cobrança de ICMS sobre a
importação de bem, mercadoria ou serviço foi colocada na sistemática
constitucional do próprio ICMS, que é imposto de Competência Exclusiva dos
Estados e Distrito Federal. Não se trata, aqui, de competência residual, mas de
alargamento constitucional das hipóteses de incidência de um imposto já
atribuído aos Estados, qual seja, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços. A cobrança desse imposto está contemplada pelas hipóteses já
anteriormente previstas ao Estado de São Paulo. A própria autora não parece se
convencer de seus argumentos, pois não se decide se o ICMS de importação seria
imposto novo, ou se bis in idem tributário, por repetir a hipótese de incidência do
Imposto de Importação. Tampouco isso é verdade, pois enquanto o Imposto de
Importação incide sobre o ato da importação em si, o ICMS incide sobre a entrada
de tal produto no território do Estado competente. Rechaçada, também, essa
argumentação da autora.
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DA COBRANÇA DE JUROS SELIC
Os impostos e multas não pagos nos prazos previstos estão sujeitos
à incidência de juros moratórios.
Nem se diga que esses juros deveriam ser veiculados por lei
complementar, como manda o artigo 146 do CTN, vez que tal artigo abrange
apenas as regras definidoras do tributo – fato gerador, base de cálculo, alíquota,
dentre outros. Os juros de mora não fazem parte desse âmbito, uma vez que
incidem apenas depois de já constituída a obrigação tributária. Mais ainda, só
passam a existir após vencida a obrigação, estando, portanto, albergados no
âmbito do direito financeiro, e não do direito tributário.
Ainda assim, há que se interpretar que os juros de 1º estabelecidos
no artigo 161 do CTN são patamar mínimo, e não máximo, para a cobrança de
juros moratórios. Isto é, estamos aqui a falar de regra supletiva, para os casos em
que o ente federado responsável pela cobrança do tributo não tenha fixado os
seus juros moratórios. O próprio artigo 161 CTN é expresso nesse sentido, ao
convencionar tal taxa de juros caso a lei não disponha de outra forma.
A lei 13.918, portanto, está em conformidade com a própria
competência do ente federado – qual seja, o Estado de São Paulo – de cobrar os
juros moratórios que entender satisfatórios à satisfação das perdas decorrentes
do não-cumprimento das obrigações vencidas. Basta, para isso, que esses juros
sejam fixados em lei -o que, de fato, ocorre, pois a cobrança de juros moratórios
de ICMS está previsto na legislação estadual, por meio da lei 13189/2009 e do
decreto estadual 55.437/2010.
Por todo o exposto, requer a extinção do feito com julgamento de
mérito, por ser IMPROCEDENTE o pedido de anulação do débito da autora, bem
como sua arguição em relação aos juros.
Protestando provar o alegado por meio de todas as provas
admitidas em direito,
nestes termos,
pede deferimento.
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Ribeirão Preto, 22 de agosto de 2012
Regina Maria de Paiva Pellicer Facine
Procuradora do Estado
OAB/SP 263.418
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