HEMORRAGIA MACIÇA DAS CÁPSULAS SUPRA-RENAIS NA … · purulenta e hemorragia maciça das...

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Rev, Lnst, Aàolfo Lutz28:5-17, 1968

HEMORRAGIA

SUPRA-RENAISMACIÇA

NA

<liDAS CÁPSULAS

ESCARLATINA

(Síndrome de Waterhouse-Friderichsen na escarlatina)

MASSIVE HEMORRHAGE OF THE ADRENALS IN SCARLET FEVER(Waterhouse-Friderichsen syndrorne in scarlet fever)

EVANDRO PIMENTA DE CAMBOS

SUMMARY

A case of scarlet fever in eíght year child with massive hemorrhage was studied,Based on the syrnptons observed and the anatomopathological lesions found

this is a case of the Waterhouse Friderichsen Syndrome.This is the first reference in the medical literature of the syndrome in scarlet

fever.Recording the results of the necropsia, the most important findings were, a

wide and bilateral adrenal lesion, an intensive capillar congestion with smallspotsof hemorrhage, specially in arachnoide where no inflammations processwas found. .

I - INTRODUÇÃO

A escarlatina é uma moléstia aguda, exsan-temática, cujo agente causador é o estrepto-coco beta-hematólico, produtor de uma toxi-na lesiva para os capilares sangüíneos·~ atoxina eritrogênica.

Integra, pois, o grupo de moléstias infec-ciosas causadas por agentes bacterianos queproduzem toxinas responsáveis por diferen-tes lesões encontradas nas vísceras do orga-nismo humano, no transcorrer da enfermi-dade. Essas toxinas podem lesar, de manei-ra irremediável, as glândulas supra-renais,conduzindo o indivíduo à morte, de formafulminante. O síndrorne de Waterhouse--Friderichsen conseqüentemente pode ser cons-tatado também na escarlatina; esta pareceser a primeira constatação na literaturamédica. Êste síndrome foi reconhecidoem .1901 por Little segundo citação deÁ,EGERTER \ com .apresentação de quatro ca-sos próprios e revisão de outros oito casos

que eram considerados como entidade nãoclassificada. Sômente em 1911, WATERHOUSE2,

na Inglaterra, apresentou um caso própriode "apoplexia" da supra-renal, com culturabacteriológica negativa e fêz a revisão deoutros quinze casos, não classificados, descre-vendo o síndrome, com seus sinais clínicose anatomopatológicosc em 1918, FRIDERICH-SEN ap ud 1, na Alemanha, apresentou doiscasos próprios e a revisão. de onze casos deLittle e de mais dezesseis casos citados naliteratura. Antes :de Little, segundo KUNS-TADTER 3, que fêz a revisão bibliográficas até1939, a primeira comunicação sôbre hemor-ragia das supra-renais foi de Voelcker, em1894, seguindo-se as de Garrod e Drysdaleem 1898, Batte, Andrewes, ambos em 1898,e Talbot, com dois casos em 1900. Até 1939,segundo êsse mesmo autor, havia na lite-ratura 73 casos, sendo 26 nos Estados Unidosdos quais 21 casos foram relatados depoisde 1927.

(1) : Trabãlho feaIlZado na Dír'etorfa de Patologia do Instituto Adolfo Lutz (Dr. Evandro Pimenta deCampos). s

CAMPOS, E. P. - Hemorragia- maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina, (Sindrome deWa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

Em 1930, SEEBER"',apresenta um caso desepticemia menincocócica fulminante compúrpura cutânea e hemorragia bilateral dassupra-renais.

Em 1936, FOUCAR5, apresenta outro casoidêntico ao anterior, em adulto de 20 anos,com morte após 12 horas do início dos sin-tomas, clinicamente diagnosticado com febremaculosa (Rociky montain spooted fever), es-clarecido pela necrópsia como meníngococ-cemia fulminante com hemorragia das su-pra-renais. Havia presença de meningococona aracnóide, sem reação inflamatória.

Em 1933 GLANZMANN6,relata várias ob-servações, de outros autores, de crianças demenor de dois anos que faleceram ràpida-mente, encontrando-se púrpura cutânea e he-morragia de ambas as supra-renais, acompa-nhados de aumento do volume, do timus;descreve em seguida caso próprio, de crian-ça de dois anos, com início súbito, apareci-mento de petéquias e sufusões hemorrágicasda pele, cianose e morte. A autópsia mostrouhemorragia maciça de ambas as supra-renais,com híperplasia do tecido linfóide e conges-tão generalizada; pesquisa de bactéria, ne-gativa (direto e cultura), e ausência de lesãomeníngea.

Entre nós, ainda em 1935, FONSECA7apresenta um caso fatal de púrpura fulmi-nante, em criança de 2 anos de idade; a nos-so ver, parece estar incluída no síndrome,faltando dados bacteriológicos e anatomopa-tológicos.

Em 1936 AEGERTER1 apresenta dois casospróprios com sintomatologia semelhante à ve-rificada nos casos citados na literatura, eachados anatomopatológicos também seme-lhantes, evolução rápida para a morte, emmenos de 24 horas após os sintomas iniciais,cultura positiva para meniningococo e hemor-ragia bilateral das supra-renais, nos doiscasos.

Em 1938, WEINGART8 descreve um casode meningococcemia fulminante, em criançade 3 anos de idade, com hemorragia em am-bas as glândulas supra-renais, referindo quenaquela ocasião iá poderiam ser contadoscêrca de sessenta casos semelhantes referidospelos médicos. Também foi isolado o me-ningococo de sangue aspirado do coração,durante a necrópsia, enquanto o liquor céfa-Io-raquidiano não acusava alterações impor-tantes, apenas hipercítose (40 célulasy'mm"},

Fox &, ENZER9, em 1938, apresentamquatro casos de púrpura após a escarlatina,sem lesões das supra-renais e acentuam queantes dessa data, em treze anos de clínicaem doze mil casos de escarlatina, apenasse constataram dois casos de púrpura. Nãohá, pois, referência do síndrome de Water-house-Friderichsen na escarlatina.

Em 1939, Kunstadter apresenta um casode criança de 12 dias que, após paracenteseem 'ambos os ouvidos, com saída de exsudatopurulento, apresenta um quadro grave depúrpura disseminada, petéquias e áreas dehemorragia, acompanhada de cianose, eleva-ção térmica acentuada e morte em choqueapós 3 horas do início dos sintomas. A ne-crópsia confirmou o diagnóstico clínico desíndrome de Waterhouse-Friderichsen, com oencontro de equimose generalizada, cianoseda pele, hemorragia deambas as supra-re-nais e congestão generalizada (pulmões, rins)tendo sido cultivado meningococo do sanguerecolhido durante a necrópsia.

I

Em 1940, HUGHES10 ~presentou um casode septicemia fulminante com hemorragia dassupra-renais em criança de dez semanas, cau-sada por meningococo, notando-se congestãointensa das meninges sem reação inflamató-ria; o quadro clínico possibilitava sua inclu-são no síndrome em questão.

Em 1943, HERBERT& MANGES11 apresen-taram 4 casos, o primeiro, criança de 8 anos,que morreu após 15 horas do início dos sin-tomas - elevação rápida da temperatura, ta-quipnéia (60 rim), pulso rápido (160 b/m),púrpura hemorrágica, seguida de equimose,ausência de sinais meníngeos, glóbulos bran-cos 6100/mm3 e, no líquido céfalo-raquidia-no, apenas 18 células/mm"; agravamento rá-pido do quadro, aparecimento de cianose, emorte. A necrópsia revelou erupção cutânea,congestão dos pulmões, fígado e baço, aumen-to do timus, com 25g, e dos gânglios linfáti-cos. Ambas as supra-renais com hemorragiadifusa com infiltração de leucocitos, A cul-tura do sangue retirado do ventrículo direi-to foi positiva para bacilo do grupo Frie-dlânder, Os cortes histológicos da pele, su-pra-renal, fígado, pulmão e medula ósseaforam corados para identificação de bacté-rias, tendo sido encontrados diplococos mor-folõgicamente semelhantes ao meningococo,nos vasos da pele e tecido perí-adrenal.

CAMPOS, E. P. - Hemorragia maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina (Síndrome de wa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

o segundo caso, uma criança bem nutri-da, de oito meses de idade, com aparecimen-to súbito de petéquias e áreas de equimoseacompanhando hipertermia, dispnéia e taquip-néia, taquicardia, cianose das extremidades,ausência de sinais meníngeos, leucocitose(26 000jmm3). Morte após 19 horas do iní-cio dos sintomas. . A necrópsia mostrou he-morragia de ambas as supra-renais, petéquiase sufusões hemorrágicas em vários tecidos,congestão das vísceras; as meninges intensa-mente congestas, porém, ausente oexsudatoinflamatório. Microsoópicamente, encontra-vam-se alguns leucocitos, inclusive, polimor-fonucleares. Os cortes de pele, fígado, pul-mão, baço, intestino, medula óssea foramcorados para pesquisa de bactérias, sendo en-contrados numerosos diplococos Gram-negati-vos, com características de meningococo, ex-tra e intracelular, nos vasos trombosados dapele. Na cultura do sangue recolhido duran-te a necrópsia, cresceu estafilococo áureo. Acultura do liquor céfalo-raquidiano foi ne-gativa.O terceiro caso, criança de 18 meses, bem

nutrida, faleceu ràpidamente, antes da feitu-ra da observação, com sinais clínicos seme-lhantes aos dos dois anteriores. Os achadosde necrópsia foram: púrpura hemorrágica,hemorragia das conjuntivas, cianose das ex-tremidades e mucosas, e hemorragia das su-pra-renais (côrtex e medular) com presençade polimorfonucleares; acentuada congestãodos vasos das meninges, ausência de exsudato.Do sangue recolhido do coração e do líquidocéfalo-raquidiano foram obtidas culturas dediplococo Gram-negativo com característicasde meningococo. Nos cortes histológicos ape-nas no pulmão se encontraram diplococos.

No quarto caso, criança de 14 meses deidade, bem nutrida, com sintomas semelhan-tes aos dos casos anteriores, acrescidos deconvulsões; o liquor céfalo-raquidiano com890jmm3 células e cultura positiva para me-ningococo, assim como a cultura feita commaterial do naso-faringe. A criança faleceu33. horas após o início dos sintomas, apesardo tratamento com sulfadiazina. Início dadoença com vômitos alimentares, depois co-riza, tosse, agitação, chôro alto. Duas horasapós, rigidez no corpo, sem rigidez de nuca,e convulsões; apatia, e aparecimento de pe-téquias. Leucopenia (3200/mm8) e hiper-citose (960jn:im~) no liquor, com 551% deneutrófilos; diplococos Gram-negativos intrae extra-celulares; a cultura do liquor, posi-

tiva para meningococo, tipo I. A hemocultu-ra, negativa. A temperatura final era alta(41,5°C), quando a criança faleceu. A ne-crópsia mostrou petéquias disseminadas, ti-mus, com 15 g,. gânglios linfáticos aumenta-dos, hiperplasia da polpa branca e congestãodo baço e dos pulmões, com pequenas áreasde hemorragia, edema do encéfalo, meningescongestas e livres de exsudato. A supra-re-nal direita, com pequenas áreas de hemor-ragia, e a esquerda, ligeiramente congesta.Ao exame microscópico se verificou acentua-da congestão do capilar do derma, meningitecom infiltrado perivascular linfo-plasmocitá-rio, sem hemorragias ou trombose capilar.Supra-renal esquerda com focos de hemorra-gia na medular; cortical conservada. Supra--renal direita com áreas de hemorragia maio-res, atingindo ambas as camadas, ausênciade neutrófilos. Alguns eosinófilos no timus.Leptomeninge congesta com infiltrado de neu-trófilos. Células motoras com alterações dotipo tóxico. Ns cortes histológicos foram en-contrados diplococos Gram-negativos somen-te nos capilares do córion da pele.

Em 1947, BARBOSAU apresenta 4 casos,sendo 3 fatais (2, adultos jovens e 1, criançade 4 anos) e um caso curado com associaçãode sulfatiazol-sulfadiazina-penicilina e deso-xicorticoesterona. Nos 4 casos foram isola-dos diplococos Gram-negativos (Neisseria me-ningitidis) .

Em 1948, entre nós, NEVESet alii em apre-sentaram 3 casos; o primeiro, em jovem de17 anos, com sinais clínicos do síndrome eligeira rigidez de nuca, porém, cultura ne-gativa do líquido céfalo-raquidiano, inicial-n.ente ; após 24 horas, liquor purulento, porémcultura negativa. O hemograma apresenta-va reação leucemóide, e quadro supurativo.A pressão arterial, de 80/50 mmHg, caiupara zero. Mielograma de quadro infeccio-so, com reação eosinófila. A cultura con-tinuou negativa e o paciente faleceu, apesarda medicação (antibióticos e desoxicorticoes-terona) . A necrópsia mostrou petéquias esufusões hemorrágicas generalizadas da pelee serosas dos órgãos internos, leptomeningitepurulenta e hemorragia maciça das supra--renais.

O segundo caso, criança de 5 anos, estadocomatoso, petéquias da pele, referindo o paique 15 dias antes faleceu outro filho, em 1dia de doença semelhante à atual. O examefísico revelou: obnubilação, cianose intensa,

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CAMPOS, E. P. - J.lemürragia maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina (Sindromc 'dC,Wil'terhouse-Friderichsen na escarlatina), Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

sufusões hemorrágicas, petéquias das muco-sas, visíveis, pressão arterial, zero; Ireqiiên-cia respiratória, 32 mov.yrnin.; temperatura,37,5°C; reflexos ósteo-tendinosos abolidos, au-sência de sinais meníngeos. Líquido céfalo--raquidiano, opalescente. Faleceu após 2horas, apesar da medicação. A hemo culturae cultura do LCR foi positiva para Neisseriameningitidis H. Hemograma com reação leu-cemóide e mielograma do tipo infeccioso comreação eosinófila. Faleceu após 24 horas demoléstia, apesar do tratamento. A necrópsiamostrou: petéquias da pele, mucos as e sero-sas, congestão dos órgãos internos, Ieptorne-ningite aguda, infiltrado eosinófilo dos espa·ços de Kiernan e dos gânglios linfáticos ehemorragia maciça das supra-renais.

O terceiro caso, criança de 9 anos, cianó-tica, com petéquias da pele e mucosas visi-veis. Pressão arterial, 60/0 mmHg; pulsofiliforme, Temperatura, 36,9°C. Diminuiçãodos reflexos ósteo-tendinosos, ausência de si-nais meníngeos; vômitos, fezes moles e con-vulsões, LCR incolor, cultura negativa. He-mograma do tipo infeccioso, e presença dediplococo Gram.negativo 110 sangue perifé-rico. Uréia: 26 mg/100 ml sangue; glico.se, 96 mg/100 ml de sangue. Subida datemperatura (39,3°C) e morte após 34 horasde moléstia. A necrópsia mostrou petéquiase sufusôes hemorrágicas de pele, mucosas eserosas. Congestão dos pulmões e focos hron-copenumônicos; as cápsulas supra- renais comextensas sufusões hemorrágicas; gânglios lin-fáticos aumentados.

O estudo bacteriológico dêsses três casosfoi completado por CUNHA 14, que isolou N eis-seria, meningitides no caso 1; nos casos 2 e3 isolou bactérias do gênero Neisscria, quenão puderam ser classificadas pelas provaslaboratoriais, provàvelmente amostras aherran-tcs de Neisseria meningitides.

Em 1951, NELSON, ,& GOLDSTEIN 15 apre·sentam caso com evolução favorável com otratamento pela cortisona, de criança com11 anos de idade, apresentando quadro clíni-co que podia iuclui-Io no síndrome citado, ecultura positiva para N eisseria meningitidisobtida do liquor céfalo-raquidiano.

II - REGISTRO DO CASO

Observação anatomoclinica

J. L O., 8 anos, branca, sexo feminino, na-tural de Londrina (Paraná, Brasil), residen-

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te na Capital (São Paulo, Brasil). Interna-da no Hospital de Isolamento "Emílio Ribas",sob Reg. n." 124585, com o diagnóstico deescarlatina.

Anamnese - Doente há 24 horas, com Ie-hre. diarréia e vômitos repetidos, corpo aver-melhado.

Antecedentes - Sarampo e parotidite. Foivacinada contra a varíola e febre amarela.Trna irmã faleceu recentemente com escar-latina.

Exame físico geral e especial ~-- Tempo-ratura 38.6°C. Estado geral, mau; prostra-ção e apatia; desidratação. Exsantema es·carlatinoso. Vermelhidão intensa da oro-Ia-ringe e palato; Aparelho respiratório: nadadigno de nota. Aparelho circulatório: taqui-cardia (140 mov./min.). Aparelho digesti-vo, nada digno de nota. Sistema nervoso:Brudzinsky, duvidoso. Liquor : Iírnpido, in-color, proteínas 14 mg/100 ml, cloretos,720 mg/100 ml, glicose 30 mg/100 ml, Rea-ção de Pandy, negativa.

Evolução - Estado grave; faleceu em co-lapso periférico no dia seguinte ao da m-ternação.

Necrópsia - Os principais achados da ne-crópsia foram: criança do sexo feminino,branca, apresentando a pele de tonalidadeavermelhada e exsantema vermelho- escarlate,mais visível no tronco e membros. Conges-tão da leptomeninge e edema do encéfalo.Angina escarlatinosa. Intensa hiperemia eedema da mucosa da faringe, laringe e daúvula. Áreas de enfisema e de colapso dospulmões. Petéquias do epicárdio. Conges-tão e esteatose do fígado. Hiperplasia dapolpa vermelha do baço.

A luz intestinal apresentava varros Ascarislumbricóides. As lesões mais importantes Io-ram localizadas em ambas as cápsulas su-pra-renais, que se apresentavam de volumeaumentado, forma conservada, aspecto ex-terno difusamente hemorrágico. A superfí-cie de corte mostrava em ambas as glându-Ias destruição total das camadas cortical emedular, e de aspecto francamente hemorrá-gico (Fig. 1,2 e 3).

Os exames microscópicos mais importantesnos outros órgãos demonstraram: hemor-

CAMPOS, E. P. - Hemorragia maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina (Síndrome de Wa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

ragia das supra-renais (Fig. 4, 5 e 6) inten-sa congestão capilar e venosa, com extrava-samento de hemátias, no derma (Fig. 7), te-cido sub-cutâneo (Fig. 8), pulmões (Fig. 9),leptomeninge (Fig. 10), vasos do miocárdio(Fig. 11), camadas cortical e medular dosrins, fígado, baço e encéfalo e meninges, nãose notando na leptomeninge focos inflamató-

rios. Chama a atenção grande número deeosinófilos j unto aos focos de hemorragia,principalmente no fígado, nos espaços deKürnan (Fig. 12) e junto à veia centro-lobu-lar. Coloração para bacilo - método deGoodpasture - mostra presença de estreptoco-cos em vários tecidos, inclusive no tecidofrouxo peri-adrenal (Fig. 13).

Fig. 1 - Síndrome de Waterhouse-Friderichsen na escarlatina. Rins esquerdoe direito (metades), notando-se hemorragia das supra-renais e intensa congestão

da medular e cortical.

Fig. 2 - Superfície externa dos rins esquerdo e direito.

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CAMPOS, E. P. - Hemorragia maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina (Sindrome de Wa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

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Fig. 3 - Superflcie de corte dos rins esquerdo e direito, após fixação. He-morragia das supra-renais.

F'ig. 4 - Corte da glândula supra-renal. Desorganização da medular e cor-ttcal, H. E. 160 X.

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CAMPOS, E. P. Hemorragia maciça das cápsulas supra-renais 'na escarlatina (Sindr'orne dé wa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

Fig. 5 - Hemorragia da supra-renal, com destruição irregular da medular ecortical. H.E. 160 X.

Fig. 6 - Preservação de grandes' áreas da glândula. H. E. 160 X.

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CAMPOS, E. P. ~ Hemorragia maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina (Sindrome de Wa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

Fig. 7 - Intensa dilatação dos capilares do derma. H. E. 160 X.

Fig. 8 - Intensa dilatação dos capilares do tecido celular subcutâneo.H. E. 400 X.

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Fig. 9 - Intensa congestão do pulmão. H. E. B5 X.

Flg. 10 - Intensa congestão dos vasos da leptomeninge. Ausência de exsudatoinflamatório. H. E. 160 X.

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CAMPOS, E. P. ..:....;Hemorragia maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina (Síndrome de, Wa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

Fig. 11 ---'o:Intensa congestão dos capilares do míocãrdío, H. E. 100 X.

Fig. 12 --'-."Presença de, grande número de eoslnófllo$' junto ao, espaço deKürnen, no fígado. H. E. 1 MO X.

CAMPOS, E. P. - Hemorragia maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina (Slndrome de Wa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

Flg. 13 - Presença de estreptococo no tecido peri-adrenal. Goodpasture. 1 000 X.

lrr - DISCUSSÃO E CONCLUSõES

A hemorragia maciça das supra- renais,no presente caso, condicionando a morte doindivíduo, em colapso, é acompanhada poruma intensa dilatação de tôda a rêde capilarem todos os órgãos, denotando paralisia doscapilares; focos isolados de hemorragia, con-seqüentes à lesão da parede vascular pelaação da toxina eritrogênica, estão evidentesem todos os tecidos. No caso particular dasglândülassupra-renais, êsses focos são maio-.res, porém, não são tão intensos como dãoa impressão ao se examinarem macroscôpi-camente as glândulas referidas. A eosinofi-lia tíssular, presenté,corresponderia tanto auma reação dos tecidos à toxina referida, dotipo alérgico, comõalnda à presença de umaacentuada ascaridiose. Teria sido essa as-caridiose fator coadjuvante rara sensibilizaras supra-renais à ação mais 'intensa tda toxi-na eritrogênica do Streptococcus scarlatinae?No transcorrer de uma necrópsia na qual não'sabemos o que iremos encontrar, torna-se im-possível confirmar essa hipótese; somenteum trabalho em laboratório de patologia ex-perimental poderia confirmá-Ia. Chama, ain-

da, a atenção, a existência de outro caso fatalde escarlatina na família. Na execução dasnecrópsias, nêste síndrome, o que temos ob-servado com mais freqüência (2 casos, tra-balho não publicado) é o meningococo; ahemorragia das supra-renais se processa semo aparecimento das alterações meningíticas.Algumas moléstias exsantemáticas causadaspor vírus, como a varicela, em sua formahemorrâgica, poderiam ocasionar êsse rsín-drome.

No caso presente, a hemorragia das cápsu-las supra-renais se processou na evolução daescarlatina. Na pesquisa biblíográfica feitapor nós e nos tratados de patologia, não hâreferências dêste síndrome, na escarlatina;'

Parece-nos pois que, na literaturamundia),esta é aprimeiraéonstatação deenconlrodáhemorragia maciça- das glândulas supra-renaisna escarlatina, com documentação. anatomo-patológica. Infelizmente - por .dificuldadestécnicas do momento, não foi possível isolaro agente patogênico, constatando-se, porém,a. presença de estreptococos em vários teci-dos; tratando-se de um síndrome bem carac-terístico, ocasionado, porém, por diversas bac-

CAMPOS, E. P. - Hemorragia maciça das cápsulas supra-renais na escarlatina (SIndrome de Wa-terhouse-Friderichsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

térias, deve-se preferir a denominação deSíndromede Waterhouse-Friderichsen, em lu-

z, gar de meningococcemia fulminante.

a) Principais sinais que constituem osíndrome de Waterhouse·Friderichsen - Dasobservações publica das por diversos autores,aquí analisadas e do caso presente, pudemosreunir as principais características clínicasque constituem êste síndrome:

Ocorre, principalmente, em criança comidade próxima de um ano e é raro no adul-to. Instala-se abruptamente em indivíduocom saúde perfeita. É raro, como complica-ção de outro enfermidade, como no caso aquídescrito. Aparece agitação, cefaléia, vômi-tos, dores abdominais, perda de apetite, fé-bre moderada no início, e alta no final. Ex-tremidades cianosadas e pele pálida. Insta-la-se também ràpidamente um quadro pete-quial, com petéquias no tronco, face e extre-midades, podendo transformar-se em púrpurae equimoses. Os sinais meníngeos são raros,mas podem estar presentes; o liquor cêfalo--raquidiano, na maioria dos casos, acusa hi-per-Ieucocitose, O quadro clínico se agravaràpidamente, aparecendo respiração tipoCheyne-Stokes, pulso imperceptível, batimen-tos cardíacos pouco audíveis, melhorando cominj eções de adrenalina. Queda de pressão echoque. Mais raramente se nota hipotermiabucal e anal. Antes das 48· horas do iníciodos sintomas, o paciente entra em coma efalece.

Os sintomas clínicos graves, em sua gran-de maioria, estão na dependência da falên-cia das glândulas supra-renais.

Quanto ao agente bacteriano, pode seridentificado no liquor céfalo raquidiano ouno material obtido, ou nas petéquias ou má-culas cutâneas, ou no sangue circulante, di-retamente pelo exame bacterioscópico ou pelacultura. A bactéria mais comumente encon-trada ~ a Neisseria meningitidis; outras bac-térias podem ser encontradas como o estrepto-coco, estafilococo, colibacilo, bacilo de Frie-dlãnder, bacilo piociânico. Durante a ne-crópsia, pode-se identificar a bactéria emcultura do sangue obtido por punção do ven-trículo direito e pode-se ainda verificarsua presença em cortes de tecido pelo métodode Goodpasture. Portanto, no Síndrome deWaterhouse-Friderichsen, nem sempre estápresente o meningococo, nem sempre é uma

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meningococcemia fulminante, pois outras bac-térias podem ser as causadoras do síndrome.

Importante é o diagnóstico rápido parainstituição imediata de terapêutica adequa-da, ou seja, combater o estado de choque(com desoxicorticoesterona e outras medica-ções antichoque) e combater o agente bacte-riano com antibiótico adequado.

b) Quadro anatomopatológico - Os acha-dos mais importante nas necrópsias são: he-morragia maciça bi-lateral das cápsulas su-pra-renais, na maioria dos casos, com maiorcomprometimento da camada medular; au-mento do volume da glândula em ambos oslados, aspecto hemorrágico purpúreo ; hemor-i agia em focos da camada medular, e empequenos focos, da cortical, desorganizaçãodo arranjo cordonal próprio, e intensa con-gestão dos capilares. Pequenas hemorragiasdas serosas (peritônio, epicárdio e pleuras).Aumento do volume do timus e gânglios lin-fáticos. Intensa congestão dos vasos das me-ninges e, em grande número de casos, au-sente o processo inflamatório das leptome-ninges.

RESUMO

Pela primeira vez é documentado na li-teratura mundial caso de hemorragia maciçadas cápsulas supra-renais, no transcorrer daescarlatina. Os sinais clínicos e achados ana-tomo-patológicos permitem incluir o referidocaso na Síndrome de Waterhouse-Frideri-chsen.

Estudo microscópico dos diferentes tecidose órgãos demonstra a ação de toxina eritro-:gênica, evidenciando-se intensa dilatação eparalisia de tôda a rêde capilar, com focosde hemorragia.

O exame macroscópico das supra-renais re-vela-nos aspecto francamente hemorrágico; coexame microscópico mostra-nos grande exten-são do parênquima, conservado, o que nãoimpediu o estado de choque e morte do pa-ciente.No presente trabalho não foi encontrada

inflamação da meninge, o que também podeacontecer no síndrome de Waterhouse-Fride-richsen.

Outras bactérias, além do meningococo, têmsido identificadas por diversos autores comoresponsáveis pelo síndrome, tais como: es-

CAMPOS, E. P. - Hemorragia macíca das cápsulas supra-renais na escarlatina (Sindrome de Wa-terhouse-Fríderíchsen na escarlatina). Rev. Inst. Adolfo Lutz 28:5-17, 1968.

treptococo, estafilococo, colibacilo, bacilo pio.ciânico, bacilo de Fríedlânder ; portanto, nameningococeemia fulminante ou no síndromede WaterhQuse-Friderichsen, é importante oisolamento do agente, no líquor, sangue, ounas petéquias ou máculas cutâneas.

Agradecimentos - Ao Sr. Justino da Silvapela colaboração na parte fotográfica.

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Recebido para publicação em 23 de janeiro de 1968.

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