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Como gerir os tribunais?
Análise comparada de modelos de organização e gestão da justiça
Boaventura de Sousa Santos (Director Científico) Conceição Gomes (coord.)
Jorge Almeida
Diana Fernandes
OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS
FACULDADE DE ECONOMIA U N I V E RSI D AD E DE CO IM B RA
DEZEMBRO 2006
ÍNDICE GERAL
Agradecimentos ______________________________________________________ 1
1. Introdução Geral _________________________________________________ 3
2. A Experiência da Espanha: as reformas da administração e gestão da justiça__________________________________________________________ 7
2.1. A Organização judiciária__________________________________ 10
2.1.1. Tribunais de competência nacional ____________________ 13
Tribunal Supremo ____________________________________ 13
Audiência Nacional___________________________________ 14
Tribunais especializados com jurisdição em todo o território nacional _________________________________________ 16
2.1.2. Tribunais com competência nas Comunidades Autónomas_______________________________________ 16
Tribunais Superiores de Justiça _________________________ 16
Audiencias Provinciais ________________________________ 18
Tribunais (juzgados) de primeira instância e de instrução _____ 18
Tribunais especializados de primeira instância _____________ 19
Julgados de paz _____________________________________ 21
2.2. A Organização e Gestão dos Tribunais a Nível Nacional ________ 22
2.2.1. A competência do Ministério da Justiça na administração e gestão do sistema judicial__________________________ 22
2.2.2. O Conselho Geral do Poder Judicial ___________________ 24
2.2.3. A gestão dos tribunais de competência nacional__________ 25
2.2.4. As secretarias judiciais dos tribunais de competência nacional _________________________________________ 27
O contexto da reforma da secretaria judicial _______________ 28
O novo modelo de secretaria judicial _____________________ 29
2.3. Organização e gestão ao nível das Comunidades Autónomas: o caso do País Basco _____________________________________ 31
2.3.1. A competência do Departamento de Justiça, Emprego e Segurança Social na administração e gestão do sistema judicial no País Basco ______________________________ 33
2.3.2. A gestão dos tribunais com competência territorial na Comunidade Autónoma _____________________________ 36
2.3.3. As secretarias judiciais _____________________________ 37
II Índice Geral
3. A Experiência da Bélgica: uma reforma em discussão___________________ 39
3.1. A organização judiciária__________________________________ 42
3.1.1. O Supremo Tribunal _______________________________ 42
3.1.2. Os tribunais de recurso _____________________________ 43
3.1.3. Os tribunais do trabalho de segunda instância ___________ 44
3.1.4. Os tribunais criminais de grande instância ______________ 44
3.1.5. Os tribunais de primeira instância_____________________ 45
3.1.6. Os tribunais do trabalho ____________________________ 46
3.1.7. Os tribunais de comércio____________________________ 46
3.1.8. A “justiça de paz” _________________________________ 46
3.1.9. Os tribunais de polícia______________________________ 47
3.2. A gestão dos recursos do sistema judicial - o Service Public Fédéral de Justice ______________________________________ 47
3.2.1. Ministro da Justiça e os órgãos auxiliares_______________ 49
3.2.2. O Comité de Direcção (Comité de Direction) ____________ 50
3.2.3. Os Serviços de Enquadramento (Services d’Encadrement)___________________________________ 51
O Serviço de Enquadramento do Orçamento e Controlo de Gestão (Service d’Encadrement Budget et Contrôle de Gestion)_________________________________________ 51
O Serviço de Enquadramento de Recursos Humanos e Organização (Service d’Encadrement Personnel e Organisation)_____________________________________ 53
O Serviço de Enquadramento das Tecnologias de Informação e Comunicação - Service d’Encadrement ICT (Information and Communication Technology) ___________ 55
3.2.4. As Direcções Gerais (Directions Générales)_____________ 56
A Direcção Geral de Legislação e das Liberdades e Direitos Fundamentais (Direction Générale de Législation et des Libertés et Droits Fondamentaux)_____________________ 56
A Direcção Geral de Execução de Penas e Medidas (Direction Générale d’Exécution des Peines et Mesures)___ 57
A Direcção Geral da Organização Judiciária (Direction Générale de l’Organization Judiciaire) _________________ 57
3.3. O Plano Thémis – Melhorar as estruturas do sistema de organização da justiça ___________________________________ 60
3.3.1. Os princípios e os objectivos estruturantes do Plano Thémis _________________________________________ 61
3.3.2. A descentralização dos poderes de gestão do judiciário ___ 62
Os órgãos próprios da gestão dos tribunais _______________ 62
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais III
Os órgãos próprios da gestão da magistratura do Ministério Público 64
3.3.3. O Gabinete de Gestão (Bureau de Gestion) _____________ 65
3.3.4. Os Serviços de Apoio às Jurisdições (Services de Soutien aux Jurisdictions) __________________________________ 66
3.3.5. A descentralização faseada__________________________ 66
3.3.6. A mobilidade dos recursos humanos___________________ 67
3.3.7. A descentralização de outros serviços _________________ 68
3.3.8. Os edifícios e os recursos materiais ___________________ 68
4. A Experiência da Holanda: o Conselho Judiciário Para a Administração da Justiça e os Conselhos de Gestão __________________________________ 71
4.1. A organização judiciária __________________________________ 75
4.1.1. Supremo Tribunal _________________________________ 75
4.1.2. Tribunais de recurso _______________________________ 75
4.1.3. Tribunais distritais _________________________________ 76
4.2. A Administração e Gestão do judiciário ______________________ 78
4.2.1. O Conselho Judiciário para a Administração da Justiça (Raad voor de Rechtspraak) _________________________ 79
4.2.2. A administração e gestão dos tribunais distritais__________ 85
O Conselho de Gestão dos tribunais distritais ______________ 85
A gestão das secções dos tribunais distritais _______________ 87
5. A Experiência da Noruega: a National Courts Administration ______________ 89
5.1. A Organização Judiciária _________________________________ 91
5.1.1. Os tribunais comuns _______________________________ 91
O Supremo Tribunal __________________________________ 91
Os tribunais de recurso (Courts of Appeal) ________________ 93
Os tribunais distritais (District Courts) ____________________ 94
Os conselhos de conciliação (Conciliation Courts)___________ 94
5.1.2. Os tribunais especializados __________________________ 95
Os tribunais de terras (Land Consolidation Courts) __________ 95
O tribunal do trabalho [Labour Court (arbeidsrett)]___________ 96
Os tribunais de execução [Execution Court de Oslo ou Office of the City Judge (Oslo byfogdembete)] ________________ 97
O Probate Court e o City Recorder’s Office de Oslo (Oslo skifterett) ________________________________________ 97
5.2. A administração e gestão dos recursos do sistema judicial _______ 97
5.2.1. As tendências de reforma da administração da justiça na Noruega _________________________________________ 97
IV Índice Geral
5.2.2. A reforma da administração da justiça na Noruega antes da National Courts Administration_____________________ 98
5.2.3. A National Courts Administration (Domstoladministrasjonen) __________________________ 99
O Conselho de Gestão (Board of Governors) _____________ 103
O Departamento de Recursos Humanos (Department of Human Resources) _______________________________ 103
O Departamento de Finanças e de Património (Department of Finance and Property)___________________________ 104
O Departamento de Assuntos Jurídicos (Department of Legal Affairs) ____________________________________ 104
O Departamento de Apoio Administrativo (Department of Administrative Support)____________________________ 104
O Departamento de Relações Públicas (Department of Public Relations) _________________________________ 105
O Departamento de Informação, Comunicação e Tecnologia (Department of Information, Communication and Technology) (ICT) ________________________________ 105
O Departamento dos tribunais de terras (Department of Land Consolidation) ___________________________________ 106
5.2.4. A administração dos tribunais a nível local _____________ 106
6. A Experiência da Irlanda: a reforma de 1998 – o Courts Service Act_______ 109
6.1. A Organização Judiciária________________________________ 111
6.1.1. Os tribunais comuns ______________________________ 113
O Supremo Tribunal_________________________________ 113
O Tribunal Criminal de Recurso (Court of Criminal Appeal) __ 113
O Tribunal de Grande Instância (High Court) _____________ 114
O Tribunal Criminal Central (Central Criminal Court) _______ 115
O Tribunal Criminal Especial (Special Criminal Court) ______ 115
O Tribunal de Círculo (Circuit Court) ____________________ 116
O Tribunal Distrital (District Court) ______________________ 116
6.1.2. Os tribunais especializados_________________________ 117
O Tribunal de Menores (Children Court) _________________ 117
O Tribunal de Droga (Drug Court) ______________________ 117
O Tribunal do Comércio (Commercial Court) _____________ 120
6.2. O sistema judiciário irlandês: os recursos humanos ___________ 121
6.2.1. Os juízes _______________________________________ 121
6.2.2. Os barristers e os solicitors_________________________ 123
6.2.3. Os outros intervenientes num julgamento______________ 125
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais V
6.3. A gestão dos recursos do sistema judicial ___________________ 126
6.3.1. O primeiro relatório do Grupo de Trabalho sobre os Tribunais e o Courts Service Act _____________________ 128
6.3.2. O Courts Service Act e o Transitional Board ____________ 132
6.3.3. O Courts Service _________________________________ 132
O Conselho de Gestão do Courts Service (Courts Service Board) 135
O Director Executivo (Chief Executive Officer)_____________ 135
O Departamento do Supremo Tribunal e do Tribunal de Grande Instância (Supreme and High Court Operations) __ 136
O Departamento dos Tribunais de Círculo e Distritais (Circuit and District Court Operations) _______________________ 138
O Departamento de Serviços Administrativos (Corporate Services Directorate) ______________________________ 143
O Departamento de Recursos Humanos (Human Resources Directorate) _____________________________________ 145
O Departamento do Património e Edifícios (Estates and Buildings Directorate)______________________________ 146
O Departamento Financeiro (Finance Directorate)__________ 147
O Departamento da Reforma e do Desenvolvimento (Reform and Development Directorate) _______________________ 148
O Gabinete de Auditoria Interna (Internal Audit Unit) ________ 148
7. A Experiência do Estado do Michigan. O State Court Administrative Office __ 149
7.1. A organização judiciária do Estado do Michigan ______________ 154
7.1.1. Os tribunais comuns ______________________________ 156
O Supremo Tribunal (Supreme Court) ___________________ 156
O Tribunal de Recurso (Court of Appeals) ________________ 157
Os Tribunais de Círculo (Circuit Courts)__________________ 158
O Court of Claims ___________________________________ 159
Os Probate Courts __________________________________ 159
Os Tribunais Distritais (District Courts)___________________ 159
Os Tribunais Municipais (Municipal Courts) _______________ 162
7.1.2. Os tribunais especializados _________________________ 162
Os Triunais de Droga (Drug Courts)_____________________ 163
Os Tribunais Juvenis (Teen Courts)_____________________ 164
Os Tribunais de Violência Doméstica (Domestic Violence Courts) 165
7.2. A gestão dos recursos do sistema judicial ___________________ 166
VI Índice Geral
7.2.1. O Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado [State Court Administrative Office (SCAO)]__________________ 167
Os Gabinetes Regionais (Regional Offices) ______________ 169
Os Serviços do Tribunal de Julgamento (Trial Court Services) _______________________________________ 170
Os Serviços de Assistência aos Menores (Child Welfare Services) _______________________________________ 171
Os Sistemas de Informação Judicial (Judicial Information Systems) _______________________________________ 172
O Gabinete de Resolução de Conflitos (Office of Dispute Resolution) _____________________________________ 174
O Gabinete do “Amigo do Tribunal” (Friend of Court Bureau) _ 175
O Instituto Judicial do Michigan (Michigan Judicial Institute)__ 176
7.2.2. A colocação de juízes em tribunais para os quais não foram eleitos ____________________________________ 177
7.2.3. Os Juízes Presidentes (Chief Judges) ________________ 180
7.2.4. O “Amigo do Tribunal” (Friend of the Court) ____________ 181
Conclusões________________________________________________________ 183
Bibliografia:________________________________________________________ 205
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais VII
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 Quadro Geral dos Tribunais _____________________________________ 12
Figura 2 A Organização Judiciária Belga __________________________________ 42
Figura 3 A Estrutura Orgânica do Service Public Fédéral de Justice _____________ 49
Figura 4 A Estrutura Orgânica do Service d’Encadrement Budget et Contrôle de Gestion _______________________________________________________ 52
Figura 5 Organização judiciária holandesa_________________________________ 74
Figura 6 Estrutura de um tribunal distrital _________________________________ 76
Figura 7 A Estrutura Orgânica da National Courts Administration ______________ 102
Figura 8 A Organização Judiciária Irlandesa ______________________________ 112
Figura 9 A Estrutura Orgânica do Courts Service___________________________ 134
Figura 10 As Áreas de Competência dos Gabinetes Regionais de Administração _ 139
Figura 11 As Áreas de Competência dos Gabinetes Administrativos dos Tribunais de Círculo e Distritais____________________________________ 142
Figura 12 Mapa do Estado do Michigan e das cidades mais importantes ________ 152
Figura 13 A Organização Judiciária do Estado do Michigan __________________ 155
VIII Índice Geral
Agradecimentos
A análise da experiência comparada sobre a organização e gestão da
justiça, com especial enfoque nos tribunais judiciais, que se apresenta neste
relatório, constituía um dos projectos de investigação a executar pelo
Observatório Permanente da Justiça no âmbito da pesquisa contratada entre o
Centro de Estudos Sociais e o Ministério da Justiça. Este estudo foi, assim,
realizado, nos termos do contrato celebrado, por solicitação de Sua Excelência,
o Senhor Ministro da Justiça.
Alguma da documentação e informação que utilizámos na nossa análise
foi-nos proporcionada por investigadores ou instituições que se vêm ocupando
do mesmo tema ou por pessoas com responsabilidades em organizações da
administração da justiça. Cumpre-nos, por isso, referir e reconhecidamente
agradecer a pronta resposta às nossas solicitações por parte de Pim Albers
(membro da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça), Philip Langbroek
(professor e investigador do Instituto de Direito Constitucional e Administrativo
da Universidade de Utreque, Holanda), Christiane Flaes (Conselho Judiciário
para a Administração da Justiça, Holanda), Merethe Baustad Ranum (National
Courts Administration, Noruega) e Dag Brathole (Tribunal de Oslo, Noruega).
Um muito especial agradecimento é devido às nossas colegas, Dras.
Fátima de Sousa, Paula Fernando e Engª. Susana Baptista pela preciosa ajuda
na produção final deste relatório. À primeira, cabe-nos, ainda, agradecer a sua
competente ajuda no levantamento da informação comparada. Por último,
agradecemos, ainda, a colaboração neste estudo das Dras. Rita Silva e Lara
Dias.
2 Agradecimentos
1. Introdução Geral
As mudanças quantitativas e qualitativas na estrutura da procura de tutela
judicial a partir de meados da década de 80 do século passado, uma maior
visibilidade social e um maior incremento de certas formas de criminalidade
(crime económico, tráfico de pessoas, de drogas e de armas), a mediatização
da justiça, o agravamento das desigualdades sociais, a emergência de novos
riscos públicos em domínios vários são, entre outros, factores que alteraram
profundamente o contexto social do funcionamento dos sistemas judiciais em
geral, obrigando-os a lidar com um volume e complexidade da procura de tutela
judicial para os quais não estavam prevenidos. Na verdade, é, hoje,
generalizadamente reconhecido que os sistemas judiciais não estavam
preparados para responder às rápidas transformações sociais e económicas. A
consequência foi a mesma um pouco por todo o lado: fortes défices de
eficiência e de eficácia, cujos principais sintomas são elevados níveis de
pendências e de morosidade processual, que atingem, sobretudo, os
processos e os domínios jurídicos que obriguem a decisões mais complexas,
inovadoras ou controversas.
As reformas estruturais dos sistemas de justiça passaram, assim, a
constituir uma prioridade central dos diferentes Governos, dirigidas não só ao
aumento da sua eficiência e eficácia, mas, também, embora mais
recentemente, da sua qualidade e transparência. A natureza e a extensão das
reformas dependem, naturalmente, de vários factores, desde logo, do tipo de
problemas e bloqueios considerados mais relevantes num dado momento, eles
próprios fortemente induzidos pelo modo como foram diagnosticados, mas,
também, do contexto político, económico, social e cultural de cada país.
Em geral, podemos agrupar as reformas da justiça em quatro tipos:
reformas processuais; reformas relativas à governação, gestão e organização
do sistema de justiça; desjudicialização, descriminalização de certas condutas
e criação de meios alternativos de resolução de litígios; e, mais recentemente,
reformas especialmente dirigidas ao aumento da qualidade e da transparência
dos sistemas de justiça. O princípio que está subjacente a estas últimas é o de
4 Introdução Geral
que nas sociedades democráticas, as organizações judiciais devem, tal como
outras organizações do Estado, sujeitar-se a um processo de avaliação externa
e de prestação de contas.
Se é certo que até à década de 90 do século passado as reformas
processuais assumiram especial centralidade na tentativa de resposta à
chamada “crise da justiça”, o contínuo crescimento do volume e da
complexidade da litigação rapidamente mostrou, não só a sua insuficiência,
mas, ainda, a necessidade de introdução de outro tipo de reformas estruturais,
fundamentais para o seu sucesso.
É, assim, que nos anos mais recentes, vários países passaram a dar
especial atenção às reformas no âmbito da administração e gestão da justiça,
em especial dos tribunais judiciais, consideradas como um instrumento central
para a resolução da “crise da justiça”. Na verdade, os tribunais são
generalizadamente apontados como uma das organizações mais burocráticas
do Estado. E a burocracia da sua organização e funcionamento como um forte
factor de bloqueio ao aumento da sua eficácia, eficiência e qualidade.
Naturalmente que o incremento daquelas reformas está em consonância com a
adopção de uma nova concepção da administração pública, assente no
abandono do modelo burocrático e na adopção dos modelos gestionário e da
qualidade total.
Também entre nós, é consensual que o défice de organização, gestão e
planeamento do sistema de justiça português é responsável por grande parte
da ineficiência e ineficácia do seu desempenho funcional. Esta questão, como
já escrevemos em anteriores estudos, assume especial centralidade no âmbito
da reforma do mapa judiciário.
O presente estudo realizado, como já foi referido, por solicitação de Sua
Excelência, o Ministro da Justiça, no âmbito do Observatório Permanente da
Justiça, tem, assim, como objecto central a análise comparada de modelos de
organização e gestão da justiça, dando especial enfoque aos tribunais judiciais.
Este tema já, em 2001, tinha sido objecto de um estudo do Observatório
Permanente da Justiça, cujas análises principais constam do Relatório
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 5
“Administração e Gestão da Justiça: análise comparada das tendências de
reforma”. Este estudo prévio constituiu um roteiro fundamental para o presente
trabalho. Identificámos então tendências de reforma que estavam a emergir em
alguns países, como foi o caso da Holanda, agora revisitadas neste estudo, o
que nos permite avaliar a sua evolução.
A selecção das experiências analisadas assentou, assim, em três critérios
fundamentais: países em que no nosso anterior estudo tenhamos identificado
um processo de reforma em curso e países que, depois de um levantamento
prévio da informação comparada disponível, considerámos terem introduzido
inovações relevantes nesta matéria ou, como é o caso da Bélgica, as estarem
a discutir. A língua em que se dispõe a informação comparada acessível
constitui, em regra, um factor condicionante dos estudos sobre experiência
comparada, sobretudo quando o tempo de que se dispõe é escasso. No nosso
caso limitámos as fontes de informação em língua inglesa, francesa e
espanhola. Acresce que, tal como fizemos no nosso estudo anterior,
consideramos relevante trazer para esta análise a experiência dos Estados
Unidos, consensualmente reconhecida como uma esperiência de referência
nesta matéria.
A nossa análise foi feita com base na informação comparada que nos foi
possível obter a partir de Portugal. Como já referimos, alguma dessa
informação foi-nos proporcionada por investigadores do mesma tema ou
directamente por pessoas com responsabilidades em organizações da
administração da justiça, quer no âmbito do Conselho da Europa (CEPEJ),
quer nos respectivos países.
A análise comparada consta dos pontos 2 a 7 deste relatório. Para cada
um dos modelos analisados procedemos a uma breve caracterização da
organização judiciária, informação que consideramos fundamental para a sua
contextualização.
Terminamos este relatório com a apresentação de uma síntese com as
principais conclusões ou ideias forte dos diferentes sistemas analisados e uma
6 Introdução Geral
tabela comparativa, que permite confrontar os vários modelos de administração
e gestão da justiça a nível central e local.
2. A Experiência da Espanha: as reformas da administração e gestão da justiça
Em Espanha, o exercício do poder judicial é atribuído a tribunais com competência
nacional (como, por exemplo, o Tribunal Supremo, a Audiência Nacional e os tribunais
centrais penais) e com competência em cada Comunidade Autónoma (caso dos tribunais
superiores de justiça, as audiências provinciais, os tribunais de primeira instância, os
tribunais de direito comercial, os tribunais de execução das penas, os tribunais de
menores e os julgados de paz).
O Ministério da Justiça é competente para definir, dirigir e executar a política do
Governo, no que respeita à organização e gestão dos tribunais, sem prejuízo da
competência dos governos das Comunidades Autónomas. É, assim, responsável pela
articulação do Governo com os órgãos da administração da justiça (por exemplo, com o
Conselho Geral do Poder Judicial e com a Fiscalía); pela dotação dos tribunais de âmbito
nacional e da Fiscalía dos meios necessários; pela gestão dos recursos humanos não
judiciais ao serviço da administração da justiça; bem como pela coordenação das relações
entre órgãos de gestão das Comunidades Autónomas e os órgãos de gestão das
magistraturas.
O Conselho Geral do Poder Judicial é o órgão autónomo de gestão dos recursos
humanos judiciais, com competência em todo o território nacional. É composto pelo
Presidente do Tribunal Supremo, que o preside, e por vinte outros membros escolhidos de
entre juízes e magistrados de todas as categorias judiciais.
No que respeita á gestão local, quer dos tribunais de competência nacional, quer
dos tribunais com competência nas comunidades autónomas, os órgãos de gestão são: os
respectivos Presidentes (que, entre outras funções, convocam, presidem e dirigem a
Secção de Administração), as Secções de Administração (responsável pela gestão
quotidiana do tribunal e, designadamente, pela definição de critérios de distribuição de
processos pelos magistrados de cada secção), os presidentes das Secções, os Juízes
Decanos e as Juntas de Juízes.
A organização da secretaria judicial foi objecto de uma reforma em 2003 de forma a
torna-la numa estrutura flexível, adaptável e dúctil, que auxilia a administração dos
tribunais, em especial através de estruturas de três tipos que lhe estão associadas:
unidades administrativas (UAs), unidades processuais de apoio directo (UPADs) e os
serviços comuns processuais (SCPs). A dimensão e a organização da secretaria são
determinadas pelos órgãos de administração dos tribunais, em função do volume e do tipo
de trabalho que desenvolva.
8 A Experiência da Espanha
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 9
Introdução
A Constituição Espanhola de 1978 proclama a “união indissolúvel da
nação”, embora reconhecendo e garantindo o direito à autonomia das
nacionalidades e regiões que compõem o Estado Espanhol.
Existem, actualmente, dezassete comunidades autónomas: Andaluzia,
Aragão, Astúrias, Baleares, Canárias, Cantábria, Castilha e León, Castilla-La
Mancha, Catalunha, Estremadura, Galiza, Madrid, Região de Múrcia,
Comunidade Foral de Navarra, País Basco, La Rioja e Comunidade
Valenciana. Acrescem, ainda, Ceuta e Melilha, cidades com estatuto de
autonomia próprio.
Devido à alteração do modelo de governação após a aprovação da
Constituição de 1978, o Estado centralizado, herdado do anterior regime, foi
sofrendo uma contínua e extensa transferência de poderes de administração
geral para as comunidades autónomas, convertendo a Espanha num dos
países mais descentralizados da Europa.
Como consequência do poder auto-organizativo concedido às
comunidades autónomas, estas podem estruturar as respectivas
administrações públicas da forma que considerem mais adequada, actuando
sempre dentro dos limites estabelecidos pelo Parlamento Nacional. A
distribuição de competências entre os Governos Autónomos e o Governo
Central é tratada nos artigos 148.º e 149.º da Constituição de 1978.
O Estado Espanhol e as dezassete comunidades autónomas distribuem
entre si as competências de três formas:
- competência exclusiva, em matérias a respeito das quais o Estado ou a Comunidade Autónoma possui plenos poderes legislativos e executivos;
- competência partilhada, em matérias a respeito das quais o Estado ou a Comunidade Autónoma possuem poderes legislativos e executivos conjuntos;
- competência concorrente, em matérias a respeito das quais tanto o Estado como as Comunidades Autónomas podem actuar.
10 A Experiência da Espanha
O Tribunal Constitucional possui competência exclusiva para dirimir
eventuais conflitos de competências entre as Comunidades Autónomas e a
Administração Central. Existem, contudo, formas alternativas de diálogo entre
as administrações públicas, nomeadamente, as chamadas Conferências
Sectoriais, compostas pelas mais altas autoridades do Estado e das
Comunidades Autónomas.
Especificamente para efeitos judiciários, o Estado, quer no que respeita à
função jurisdicional tout court, quer quanto à administração da justiça, organiza-
-se territorialmente em concelhos (municípios), distritos (partidos), províncias e
comunidades autónomas1.
2.1. A Organização judiciária
A norma reguladora dos aspectos fundamentais do poder judicial e da
administração da justiça é a Lei Orgânica do Poder Judicial2. É este diploma
que, por imperativo constitucional, define a composição, funcionamento e
organização dos tribunais, o estatuto jurídico dos juízes e dos juízes leigos e de
outro pessoal ao serviço da Administração da Justiça, bem como o estatuto e
as funções dos membros do Conselho Geral do Poder Judicial.
Contudo, o Governo, através do Ministério da Justiça, tem uma função
importante na gestão do sistema judiciário, já que é ele quem assegura, em
paralelo com o poder executivo das comunidades autónomas, os meios
necessários ao funcionamento dos tribunais, dado que, a competência do
Ministério da Justiça é, em alguns casos, delegada nas comunidades
autónomas. Para o exercício destas funções, é essencial a colaboração do
Conselho Geral do Poder Judicial e dos órgãos de gestão de cada tribunal que
1 Cf. LOPJ, artigos 30 a 34. 2 Lei Orgânica n.º 6/1985, de 1 de Julho, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 5/1997, de 4 de Dezembro, 6/1998, de 13 de Julho, 19/2003, de 23 de Dezembro, 2/2004, de 28 de Dezembro, e 3/2004, de 28 de Dezembro.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 11
comunicam ao poder executivo, através de relatórios detalhados, quais os
meios e os recursos necessários.
Em Espanha, o Pacto de Estado para a Reforma da Justiça, subscrito em
28 de Maio de 2001, fixou como objectivo central a obtenção de uma justiça
rápida, eficaz e de qualidade, utilizando métodos modernos e procedimentos
simplificados. Considerava-se este o melhor meio para cumprir, de forma
satisfatória, a função constitucional de garantir a protecção, em tempo
razoável, dos direitos dos cidadãos e proporcionar a estes segurança jurídica.
Procurava-se, ainda, que o poder jurisdicional actuasse como um poder
independente, unitário e integrado, “com uma estrutura vertebrada, regida por
uma coerência institucional que lhe permita desenvolver mais eficazmente as
suas funções constitucionais”3.
Tendo em vista aqueles objectivos, a Lei Orgânica do Poder Judicial
(LOPJ) foi alterada pela Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro.
As principais alterações introduzidas dizem respeito à carreira judicial, à
estrutura organizativa da secretaria judicial, ao Estatuto do Corpo de
Secretários Judiciais e restante pessoal ao serviço da Administração da Justiça
e, ainda, à adaptação da LOPJ para cumprir as exigências constitucionais e
estatutárias decorrentes da divisão territorial do Estado em comunidades
autónomas e consequente assunção de competências de organização
judiciária por estas.
Deste modo, actualmente, o exercício do poder judicial é atribuído a
tribunais com competência nacional (o Tribunal Supremo, a Audiência
Nacional, os tribunais centrais penais, os tribunais centrais de instrução, os
tribunais centrais de menores e os tribunais centrais de contencioso
administrativo) e com competência em cada Comunidade Autónoma (os
tribunais superiores de justiça, as audiências provinciais, os tribunais de
3 Cf. Exposição de Motivos do Pacto.
12 A Experiência da Espanha
primeira instância, os tribunais de instrução, os tribunais de primeira instância e
instrução, os tribunais de direito comercial, os tribunais de contencioso
administrativo, os tribunais sociais, os tribunais de execução das penas, os
tribunais de menores e os julgados de paz).
A Figura seguinte mostra o quadro geral dos tribunais em Espanha.
Figura 1 Quadro Geral dos Tribunais
Fonte: Ministério da Justiça – Espanha
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 13
2.1.1. Tribunais de competência nacional
Tribunal Supremo
O Tribunal Supremo, com sede em Madrid e jurisdição em todo o território
espanhol, é o órgão jurisdicional máximo. Este tribunal está dividido em seis
secções (salas): Cível, Penal, Contencioso Administrativo, Social, Militar e uma
secção especial. É composto pelo Presidente, pelos Presidentes de cada uma
das cinco secções e pelos magistrados que as compõem.
A Secção Cível conhece, em regra, dos recursos de cassação, de revisão
e de outros recursos extraordinários em matéria civil; das acções de
responsabilidade civil contra altos representantes dos Estado4 por actos
realizados no exercício dos seus poderes; dos pedidos de suspeição contra os
Magistrados desta Secção; e dos conflitos de competência entre determinados
tribunais da sua ordem jurisdicional.
Quanto à Secção Penal, conhece dos recursos de cassação, de revisão e
de outros recursos extraordinários em matéria penal; da instrução e julgamento
dos processos-crime contra altos representantes dos Estado5; dos pedidos de
suspeição contra os Magistrados desta Secção; e dos conflitos de competência
entre determinados tribunais da sua ordem jurisdicional.
No que concerne à Secção de Contencioso Administrativo, esta conhece,
em única instância, dos recursos de contencioso administrativo contra actos e
4 Nomeadamente, do Presidente do Governo, dos Presidentes do Congresso e do Senado, do Presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Geral do Poder Judicial, do Presidente do Tribunal Constitucional, dos membros do governo, deputados e senadores, vogais do Conselho Geral do Poder Judicial, dos Magistrados do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo, Presidentes da Audiência Nacional e das suas Secções, dos Presidentes dos Tribunais Superiores de Justiça, dos Magistrados da Audiência Nacional e dos Tribunais Superiores de Justiça, do Fiscal General del Estado, dos Fiscales das Secções do Tribunal Supremo, do Presidente e dos Conselheiros do Tribunal de Contas, o Presidente e Conselheiros do Conselho de Estado, o Provedor de Justiça (Defensor del Pueblo) e o Presidente e Conselheiros de uma Comunidade Autónoma, quando assim o determine o respectivo Estatuto de Autonomia. 5 Idem.
14 A Experiência da Espanha
disposições de alguns órgãos dos poderes executivo, legislativo e jurisdicional6;
dos recursos de cassação e de revisão em matéria de contencioso
administrativo; dos pedidos de suspeição contra os Magistrados desta Secção;
e dos conflitos de competência entre determinados tribunais da sua ordem
jurisdicional.
A Secção Social conhece dos recursos de cassação, de revisão e de
outros recursos extraordinários em matéria social ou laboral; dos pedidos de
suspeição contra os Magistrados desta Secção; e dos conflitos de competência
entre determinados tribunais da sua ordem jurisdicional.
Quanto à Secção Militar, conhece dos crimes militares, bem como dos
casos de estado de sítio; dos pedidos de suspeição contra os Magistrados
desta Secção; e dos conflitos de competência entre tribunais da sua ordem
jurisdicional quando não exista outro tribunal superior comum.
Finalmente, a Secção especial, prevista no artigo 61.º da LOPJ, conhece,
entre outros, dos processos de declaração de ilegalidade e consequente
dissolução de partidos políticos, nos termos da Lei Orgânica dos Partidos
Políticos (LO 6/2002, de 27.06); dos pedidos de suspeição que não sejam da
competência das outras secções; e da declaração de erro judicial de uma
secção do Tribunal Supremo.
Audiência Nacional
A Audiência Nacional, com sede em Madrid, tem jurisdição em toda a
Espanha e é constituída por quatro secções: Penal, Contencioso
Administrativo, Social e de Apelação. Compõem este tribunal o presidente, os
presidentes das secções que a integram e respectivos magistrados.
6 Nomeadamente, do Conselho de Ministros, da Comissões Delegadas do Governo e do Conselho Geral do Poder Judicial; do Congresso de Deputados e do Senado, do Tribunal Constitucional, do Tribunal de Contas e do Provedor de Justiça.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 15
A Secção Penal conhece de crimes graves que não sejam da
competência dos tribunais centrais penais7. Conhece, também, dos recursos de
decisões dos tribunais centrais penais, de instrução, de menores e de
execução de penas, bem como dos pedidos de suspeição contra os
Magistrados desta Secção. Exerce, igualmente, a competência decorrente de
Tratados Internacionais ratificados por Espanha em matéria penal8.
A Secção de Contencioso administrativo conhece, em última instância,
dos recursos contra actos e disposições dos Ministros e Secretários de Estado
não atribuídos por lei aos tribunais centrais administrativos. Conhece, ainda,
em última instância, designadamente, dos recursos de contencioso
administrativo contra os actos da Comissão de Vigilância das Actividades de
Financiamento do Terrorismo; de recursos relativos aos convénios entre as
administrações públicas; dos conflitos de competências entre os tribunais
centrais de contencioso administrativo; e dos pedidos de suspeição contra os
Magistrados desta Secção.
A Secção Social conhece dos processos relativos a convenções
colectivas com efeitos em mais do que uma Comunidade Autónoma e dos
pedidos de suspeição contra os Magistrados desta Secção.
A Secção de Apelação conhece dos recursos de apelação contra as
decisões da Secção Penal.
7 Em especial, de crimes contra o Rei, de crimes económicos e de crimes de tráfico de estupefacientes quando cometidos por bando ou organização criminosa. 8 Nomeadamente, a instrução ou julgamento de processos penais iniciados no estrangeiro, a execução de sentenças penais estrangeiras e verificação de mandados de detenção europeu, bem como de expedientes de extradição passiva.
16 A Experiência da Espanha
Tribunais especializados com jurisdição em todo o território nacional
Com sede na cidade de Madrid e jurisdição em todo o território espanhol,
podem existir um ou mais tribunais centrais de instrução, penais, de
contencioso administrativo, de execução de penas e de menores.
Os tribunais centrais de instrução instruirão as causas da competência da
Secção Penal da Audiência Nacional ou dos tribunais centrais penais e
tramitam os mandados de detenção europeus, bem como os expedientes de
extradição passiva.
Os tribunais centrais penais conhecerão dos processos em que estejam
em causa crimes para os quais tem competência a Audiência Nacional, mas
cuja pena cominada seja de prisão inferior a 5 anos, de multa, ou penas
alternativas sempre que a sua duração não exceda os 10 anos.
Os tribunais centrais de contencioso administrativo conhecerão dos
recursos administrativos contra disposições e actos emanados de autoridades,
órgãos ou entidades públicas com competência em todo o território nacional.
Os tribunais centrais de execução de penas terão, entre outras
competências, as de acompanhar a execução das penas dos reclusos
condenados pela Audiência Nacional.
Os tribunais centrais de menores conhecerão das causas de
responsabilidade penal dos menores que não sejam da competência dos
tribunais das Comunidades Autónomas.
2.1.2. Tribunais com competência nas Comunidades Autónomas
Tribunais Superiores de Justiça
Os Tribunais Superiores de Justiça são os órgãos jurisdicionais máximos
em cada uma das Comunidades Autónomas. Cada um destes tribunais é
designado pelo nome da respectiva Comunidade Autónoma e tem jurisdição
em todo o território daquela.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 17
Estes tribunais possuem as seguintes três secções: Cível e Penal;
Contencioso Administrativo; e Social.
São compostos por um presidente, que é também o presidente da Secção
Cível e Penal, pelos presidentes das restantes secções e pelos magistrados
que as integram.
A Secção Cível e Penal, conhece, enquanto Secção Cível,
designadamente, dos recursos de cassação das decisões dos tribunais com
competência cível e sede na comunidade autónoma, em especial, os recursos
de direito civil, foral ou especial próprios da comunidade em causa9. Enquanto
Secção Penal, entre outras funções, realiza a instrução da generalidade dos
crimes ou de contra-ordenações de juízes, magistrados ou fiscales da
comunidade autónoma cometidas no exercício das suas funções; conhece de
recursos de apelação das decisões das Audiências Provinciais e dos conflitos
de competência entre tribunais com competência criminal e com sede na
respectiva comunidade autónoma.
A Secção de Contencioso Administrativo conhece, em última instância,
dos recursos que sejam da sua competência contra actos administrativos e
normativos da administração local, e da administração da Comunidade
Autónoma. Conhece, ainda, entre outros, dos recursos contra decisões dos
tribunais de contencioso administrativo; contra actos e disposições das Juntas
Eleitorais Provinciais e das Comunidades Autónomas, assim como outros
recursos de contencioso eleitoral; contra os convénios entre administrações
públicas ou de órgãos superiores da administração pública estadual10 com
aplicação no território da Comunidade Autónoma.
9 Conhece, também, das acções de responsabilidade civil, por actos realizados no exercício das suas funções, contra o Presidente e Membros do Conselho das Comunidades Autónomas e contra os Membros da Assembleia Legislativa, do Tribunal Superior e das Audiências Provinciais. 10 Nomeadamente, as de nível orgânico inferior a Ministro ou Secretário de Estado, em assuntos referentes a recursos humanos e expropriação, entre outros.
18 A Experiência da Espanha
A Secção Social conhece, em última instância, dos processos sobre
litígios que afectem os interesses de trabalhadores e empresários, de âmbito
superior ao de um tribunal social mas inferior ao da comunidade autónoma; dos
recursos de decisões de tribunais sociais e tribunais comerciais em matéria
laboral; e dos conflitos de competência entre tribunais sociais da mesma
comunidade autónoma.
Audiencias Provinciais
As Audiências Provinciais têm a sua sede na capital de cada província, da
qual tomam o seu nome, e têm jurisdição em todo o território desta. A lei
permite a criação de secções da Audiência Provincial em outras localidades, às
quais ficam adstritos um ou mais distritos judiciais. Integram as Audiências
Provinciais um presidente e dois ou mais magistrados.
As Audiências Provinciais conhecem dos recursos de sentenças dos
tribunais de primeira instância, tribunais comerciais, tribunais de menores,
tribunais de instrução, tribunais penais, bem como dos tribunais de execução
de penas da sua área de competência. Julgam, ainda, os processos-crime que
não sejam da competência dos tribunais penais ou de outros tribunais da
Comunidade Autónoma.
Tribunais (juzgados) de primeira instância e de instrução
Os tribunais (juzgados) de primeira instância e instrução têm a sua sede
na capital do distrito e jurisdição em todo o seu território11. Tomam a
designação do concelho da sua sede. Caso se afigure conveniente, a lei prevê
11 O Distrito Judicial é uma unidade territorial integrada por um ou mais municípios limítrofes, pertencentes a uma mesma Província, podendo coincidir com a demarcação provincial. As Comunidades Autónomas participam na organização da demarcação judicial dos respectivos territórios, remetendo ao Governo, a pedido deste, uma proposta pela qual fixam os Distritos.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 19
a hipótese de o tribunal de primeira instância ser separado do tribunal de
instrução12.
Os tribunais de primeira instância julgam os processos de jurisdição
voluntária; os recursos contra as resoluções dos julgados de paz do distrito
judicial; dos conflitos de competência entre julgados de paz; e do
reconhecimento de sentenças estrangeiras. Para além disso, encarregam-se
do Registo Civil, excepto se essa função for delegada nos julgados de paz,
bem como as acções relativas a direito da família, direitos reais e contratos.
Quanto aos tribunais de instrução, estes são competentes para a
instrução de crimes para cujo julgamento seja competente a Audiência
Provincial ou os tribunais penais da sua circunscrição territorial. Conhecem,
ainda, entre outros, de processos contra-ordenacionais e de processos de
habeas corpus.
Tribunais especializados de primeira instância
Em cada província, com jurisdição em todo o território provincial13 e com
sede na capital provincial, existem tribunais penais, do contencioso
administrativo, social, de execução de penas, de menores, do comércio e de
violência sobre a mulher. A lei prevê, também, quando o volume de processos
o justifique, a criação de mais tribunais especializados, com competência
territorial reduzida a determinadas localidades dentro de cada província.
Os tribunais penais são competentes para julgar todos os ilícitos
relacionados com o cometimento de crimes para os quais a pena cominada
12 Nesse caso, a nova LOPJ prevê que, nos distritos em que haja separação entre os tribunais de primeira instância e os tribunais de instrução, podem ser criadas as Oficinas de Señalamiento Inmediato, assegurando um serviço comum de tramitação dos processos e as funções de registo, distribuição e marcação das diligências. 13 Prevê ainda que, excepcionalmente, os tribunais possam estender a sua jurisdição a duas ou mais províncias dentro da mesma Comunidade Autónoma, quando o volume de trabalho o justifique.
20 A Experiência da Espanha
seja pena privativa da liberdade de duração inferior a 5 anos, pena de multa ou
penas alternativas cuja duração seja inferior a 10 anos.
Os tribunais de contencioso administrativo conhecem dos litígios
relacionados com a actuação da administração pública no âmbito de diplomas
de direito administrativo. Para além disso, são competentes para a autorização
de entrada em domicílios ou locais privados, quando tal seja necessário para a
execução de actos da administração.
Os tribunais sociais conhecem em primeira instância de processos sobre
questões laborais e de segurança social.
Os tribunais de execução de penas são competentes para a execução de
penas e medidas de segurança privativas da liberdade, controlo jurisdicional do
poder disciplinar das autoridades penitenciárias, defesa dos direitos dos
reclusos, entre outras funções. Não obstante, não são competentes para o
cumprimento das medidas impostas pelos tribunais de menores.
Quanto aos tribunais de menores, estes são competentes para conhecer
dos processos relativos a crimes e contra-ordenações cometidos por jovens
entre os 14 e os 18 anos14.
Os tribunais de comércio conhecem, nomeadamente, dos casos de
violação das normas de concorrência, propriedade industrial, propriedade
intelectual e publicidade; dos litígios relativos a pactos societários; dos
processos em que estejam em causa normas relativas a transportes, sejam
estas nacionais ou internacionais; dos processos de direito marítimo; dos
recursos de decisões da Direcção-Geral dos Registos e Notariado em matérias
relativas ao registo comercial; e dos processos ou requerimentos respeitantes
aos casos anteriormente referidos quando estes tenham sido previamente
objecto de processo de arbitragem.
14 Em alguns casos, também entre os 18 e os 21 anos.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 21
Os tribunais de violência sobre a mulher são competentes para instruir
processos respeitantes a crimes contra a vida intra-uterina, crimes contra a
liberdade e crimes contra a liberdade e auto-determinação sexual, assim como
outros crimes, desde que a vítima e o arguido sejam ou tenham sido cônjuges,
vivam ou tenham vivido em união de facto ou tenham tido relacionamento
análogo, o mesmo se aplicando quando a vítima seja menor ou incapaz que
viva com o arguido; e a processos respeitantes a crimes contra a família, entre
outros. São, igualmente, competentes para emitir ordens de protecção a
vítimas dos crimes supra mencionados. Na jurisdição civil, são,
nomeadamente, competentes para conhecer dos casos de estabelecimento da
filiação; de nulidade do casamento, de separação e de divórcio; de regulação
do poder paternal; e dos recursos das decisões administrativas em matéria de
protecção de menores.
Julgados de paz
Nos concelhos onde não existam tribunais de primeira instância e/ou de
instrução, estão instalados julgados de paz, com jurisdição sobre o território
municipal. Podem ser nomeados juízes de paz, titulares e substitutos, pessoas
não licenciadas em direito.
No direito civil, os julgados de paz conhecem dos casos respeitantes a
montantes inferiores a 90 Euros e cumprem funções relativas ao Registo Civil.
No âmbito do direito penal, conhecem dos processos
contra-ordenacionais relativos ao abandono de materiais perigosos, aos
maus-tratos a animais, a danos em imóveis e a crimes contra a honra.
22 A Experiência da Espanha
2.2. A Organização e Gestão dos Tribunais a Nível Nacional
2.2.1. A competência do Ministério da Justiça na administração e gestão do sistema judicial
O Ministério da Justiça é competente para definir, dirigir e executar a
política do Governo, no que respeita à organização e gestão dos tribunais, sem
prejuízo da competência dos governos das Comunidades Autónomas. É,
assim, responsável pela articulação do Governo com os órgãos da
administração da justiça (por exemplo, o Conselho Geral do Poder Judicial e
com a Fiscalía); pela dotação dos tribunais de âmbito nacional e da Fiscalía
dos meios necessários; pela gestão dos recursos humanos não judiciais ao
serviço da administração da justiça; bem como pela coordenação das relações
entre órgãos de gestão das Comunidades Autónomas e os órgãos de gestão
das magistraturas.
O Ministério desenvolve as suas funções através de dois órgãos: a
Secretaria de Estado da Justiça e a Sub-Secretaria da Justiça15.
A Secretaria de Estado da Justiça é responsável, entre outros assuntos,
pela coordenação e colaboração com a Administração das Comunidades
Autónomas16, assim como pela modernização da Administração da Justiça.
Exerce essas competências através dos seguintes órgãos: a Advocacia Geral
do Estado – Direcção do Serviço Jurídico do Estado, a Direcção Geral dos
Registos e do Notariado, a Direcção Geral de Relações com a Administração
da Justiça17, a Direcção Geral de Assuntos Religiosos e o Gabinete da
15 Lei 6/1997, de 14.04. 16 É o Secretário de Estado da Justiça quem participa nas reuniões com os órgãos de gestão do Conselho Geral do Poder Judicial, da Fiscalía, e dos órgãos das comunidades autónomas relacionados com a justiça e com os Conselhos Gerais dos Colégios de Advogados. 17 A Direcção Geral de Relações com a Administração da Justiça é o órgão de relação com o Conselho Geral do Poder Judicial, a Fiscalía, o Centro de Estudos Jurídicos, as associações profissionais de juízes e magistrados, de fiscales e de secretários judiciais, colégios de advogados e de procuradores dos tribunais, assim como dos sindicatos com implantação no âmbito da Administração da Justiça.
_____________
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 23
Secretaria de Estado18, o Centro de Estudos Jurídicos19, a Mutualidade Geral
Judicial e o Secretário Geral da Administração da Justiça20.
A Sub-Secretaria de Justiça, entre outras funções não directamente
relacionadas com a organização e gestão do sistema judicial, define as
directrizes de actuação e de funcionamento das unidades dependentes do
Ministério da Justiça; coordena, promove e supervisiona o seu desempenho;
coordena a elaboração de estudos de apoio a alterações legislativas da
competência daquelas unidades; e gere os serviços informáticos do Ministério.
Os órgãos dependentes da Sub-Secretaria de Justiça são a Secretaria
Geral Técnica, a Direcção geral de Cooperação Jurídica Internacional, o
Gabinete Técnico21, a Sub-Direcção de Recursos Humanos22, a Oficilía Mayor,
a Sub-Direcção Geral de Obras e Património23, a Inspecção Geral de Serviços,
Avalia as necessidades de recursos humanos dos órgãos judiciais, fiscalías e medicina legal; gere os recursos humanos dos fiscales; exerce competência disciplinar sobre os Corpos de Secretários Judiciais e Funcionários Judiciais; e organiza e controla o serviço de assistência jurídica gratuita ao cidadão. Planifica, dirige e executa a modernização tecnológica dos tribunais, da Fiscalía e dos Registos Civis; e gere, entre outros, o Registo Criminal e o Registo central para a protecção das vítimas de violência doméstica. Por fim, estabelece as relações quotidianas do Ministério com as Administrações Autónomas quanto a matérias relativas à Administração da Justiça. 18 O Gabinete da Secretaria de Estado é o órgão a que cabe prestar apoio e assistência imediata ao Secretário de Estado. 19 O Centro de Estudos Jurídicos organiza, em colaboração com outros organismos do sistema judicial, o processo de selecção, formação inicial e formação complementar dos funcionários da fiscalía, secretários judiciais, médicos forenses e demais pessoal ao serviço da Administração da Justiça. 20 Que dirige e coordena o Corpo de Secretários Judiciais. 21 Como órgão de apoio e assistência à Sub-Secretaria, o Gabinete Técnico realiza funções de coordenação e prossecução das actividades de outras unidades e serviços que dependem da Sub-Secretaria e que estão relacionados com a gestão do sistema judicial. 22 A Sub-Direcção de Recursos Humanos tem como tarefas a gestão dos recursos humanos do departamento e das verbas com eles relacionadas. Organiza os processos de recrutamento, planifica e define as competências de cada categoria ou grupo de trabalho. Participa na formação e na programação e gestão da acção social e medicina no trabalho, e, ainda, nas negociações colectivas sobre condições de trabalho. 23 Esta Sub-Direcção Geral de Obras e Património actua no âmbito da administração, reparação e conservação dos bens imóveis do departamento. É, também, esta Sub-Direcção que, em coordenação com a Direcção-Geral do Património do Estado, elabora e actualiza o inventário do património imobiliário adstrito a este, assim como a gestão dos contratos de arrendamento.
24 A Experiência da Espanha
a Advocacia do Estado no Ministério da Justiça, a Intervenção Delegada da
Intervenção Geral da Administração do Estado24, a Divisão de Informática e
Tecnologias de Informação25, e a Divisão de Tramitação de Direitos de Graça e
outros Direitos.
2.2.2. O Conselho Geral do Poder Judicial
O Conselho Geral do Poder Judicial é o órgão autónomo de
administração do Poder Judicial, com competência em todo o território
nacional, a quem estão constitucionalmente atribuídas as competências de
nomeação, colocação, transferência, promoção e jubilação dos magistrados,
bem como o exercício da acção disciplinar sobre aqueles, sendo, por isso, um
órgão fundamental na gestão dos recursos humanos judiciais e da organização
judiciária. Assim, a função primordial do Conselho Geral do Poder Judicial é a
de velar pela garantia da independência dos juízes e magistrados no exercício
das funções jurisdicionais que lhes são próprias, quer em relação a outros
órgãos jurisdicionais, quer em relação ao poder executivo nacional e local e ao
poder legislativo.
Compete-lhe, nomeadamente, propor a nomeação do Presidente do
Tribunal Supremo e do próprio Conselho Geral do Poder Judicial; elaborar
regulamentos e proceder à inspecção dos juízes; exercer as competências
relativas à Escola Judicial que lhe sejam atribuídas por lei; e elaborar e
controlar o cumprimento do seu próprio orçamento.
24 A Intervenção Delegada da Intervenção Geral da Administração Geral do Estado intervém sobre os actos de carácter económico, exerce o controlo financeiro e realiza funções contabilísticas, desempenhando uma função de coordenação entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Economia e das Finanças Públicas. 25 A Divisão de Informática e Tecnologias de Informação tem como funções a elaboração e execução dos planos informáticos e relativos a tecnologias de informação e comunicação dentro do departamento, bem como a programação, implantação e manutenção das aplicações informáticas. Ademais, é responsável por prestar assistência tecnológica aos vários órgãos do Ministério.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 25
O Conselho Geral do Poder Judicial é composto pelo Presidente do
Tribunal Supremo, que o preside26, e por vinte outros membros escolhidos de
entre juízes e magistrados de todas as categorias judiciais, propostos pelo Rei,
exercendo as suas competências por períodos de cinco anos. Os membros do
Conselho integram vários órgãos, tais como: o Pleno27, a Comissão
Permanente28, Comissão Disciplinar29 e Comissão de Qualificação30, para além
das comissões e delegações eventuais que sejam consideradas necessárias, a
criar por regulamento próprio.
2.2.3. A gestão dos tribunais de competência nacional
Como anteriormente se referiu31, os tribunais com competência em todo o
território nacional são o Tribunal Supremo, a Audiência Nacional e os tribunais
centrais penais, de instrução, do contencioso administrativo, de execução de
penas e de menores.
Quanto ao Tribunal Supremo e à Audiência Nacional, a Lei Orgânica do
Poder Judicial, no seu Título III do Livro II, coordenada com o Regulamento
1/2000, de 26 de Julho, artigo 1, estabelece que os órgãos de gestão interna
26 Nos termos do artigo 127.º 4 da LOPJ, ao Presidente do Conselho compete, entre outras e variadas funções, submeter ao Pleno as propostas de nomeação dos Magistrados do Tribunal Supremo. 27 Nos termos do artigo 127.º da LOPJ, o Pleno do Conselho Geral do Poder Judicial propõe a nomeação do Presidente do Tribunal Supremo, do Vice-Presidente do Conselho, de alguns membros do Tribunal Constitucional, dos Presidentes das Secções e dos Magistrados do Tribunal Supremo e dos Presidentes dos Tribunais Superiores de Justiça das Comunidades Autónomas. 28 Entre outras funções, compete à Comissão Permanente, de acordo com o disposto no artigo 131.º da LOPJ, nomear os restantes juízes e magistrados, decretar a jubilação, decidir a concessão de licenças a juízes e magistrados. 29 A Comissão Disciplinar é competente para a instrução de processos e para a imposição de sanções a juízes e magistrados, conforme estabelece o artigo 133.º da LOPJ. 30 No que concerne à Comissão de Qualificação, nos termos do artigo 135.º da LOPJ, esta tem competência para prestar informações sobre os magistrados a nomear pelo Pleno do Conselho. 31 Cf. ponto 1.2.1.
26 A Experiência da Espanha
são os respectivos Presidentes, Secções de Administração, presidentes das
Secções com funções jurisdicionais, Juízes Decanos e Juntas de Juízes.
Os Presidentes têm a responsabilidade, entre outras, de convocar,
presidir e dirigir as deliberações da Secção de Administração; de determinar a
ordem de trabalhos das sessões da Secção de Administração; de submeter à
Secção de Administração as propostas que considere oportunas em matérias
da competência daquela; de despachar os relatórios requeridos pelo CGPJ;
dirigir a inspecção de tribunais, em colaboração com o CGPJ; de presidir a
reuniões com os demais magistrados do tribunal; comunicar ao CGPJ as vagas
existentes; e de conhecer das queixas de partes e interessados em processos
que corram termos no tribunal.
As Secções de Administração, estas são constituídas pelo Presidente do
respectivo Tribunal, pelos Presidentes das Secções que os integram e por
outros magistrados. É o órgão competente para a gestão quotidiana do tribunal,
pelo que lhe compete, designadamente, estabelecer os critérios de distribuição
pelos magistrados de cada secção de determinados tipos de casos; mediar os
conflitos entre magistrados que possam influir no bom funcionamento do
tribunal ou na administração da justiça; estabelecer critérios de composição
das secções e dos turnos; propor ao CGPJ a nomeação de magistrados
substitutos; iniciar os processos tendentes à jubilação de magistrados por
incapacidade; elaborar os relatórios solicitados pelo CGPJ, bem como a
Memória anual expositiva do funcionamento do respectivo tribunal; propor ao
CGPJ medidas com vista a melhorar a administração da justiça no âmbito dos
respectivos órgãos jurisdicionais; e nomear os juízes de paz.
As Secções com funções jurisdicionais, através dos seus Presidentes,
dirigem e inspeccionam todos os assuntos administrativos; proferem as
decisões necessárias a uma boa administração da justiça; comunicam ao
Presidente do seu tribunal as anomalias ou faltas de que se dêem conta; e
exercem as funções disciplinares que lhes sejam atribuídas por normas
processuais.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 27
Quanto aos Juízes Decanos, as suas funções foram reduzidas com a
entrada em vigor da Lei Orgânica 19/2003, passando a estar atribuídas aos
Serviços Comuns Processuais (presididos por um Secretário Judicial) ou às
Unidades Administrativas (vide, infra, as competências de ambas estas
Unidades). As funções que, actualmente, a LOPJ atribui expressamente aos
Juízes Decanos são, nomeadamente, as seguintes: velar pela boa utilização
dos edifícios e equipamentos; assegurar a prestação continuada dos turnos;
adoptar as medidas urgentes em relação a processos não distribuídos; actuar
em relação a queixas de intervenientes processuais ou outros interessados; e
dar conhecimento, à Secção de Administração, de todas as possíveis
anomalias no funcionamento dos Serviços Comuns Processuais do respectivo
território.
Os juízes da mesma secção podem reunir-se em Junta, presidida por um
Juiz Decano. Estas Juntas de Juízes podem propor as normas de distribuição
de trabalho; unificar critérios e práticas; tratar de assuntos comuns ou que
entendam ser conveniente apresentar à Secção de Administração do seu
tribunal ou ao CGPJ, quer por indicação do Presidente do Tribunal Supremo,
quer por solicitação do CGPJ.
Também nos demais tribunais, incluindo-se aqui os tribunais centrais,
sedeados em Madrid, existem órgãos de gestão interna semelhantes, com
competências e funções análogas às exercidas por aqueles nos tribunais
superiores.
2.2.4. As secretarias judiciais dos tribunais de competência nacional
No caso espanhol, justifica-se uma referência breve às funções da
secretaria judicial, sobretudo, pela importante reforma que começou a ser
implementada desde 2003. Esta reforma, como veremos, veio racionalizar as
estruturas, os procedimentos e a utilização dos recursos, quer no auxílio às
tarefas jurisdicionais e administrativas do tribunal, quer no contacto com todos
os utentes da justiça.
28 A Experiência da Espanha
O contexto da reforma da secretaria judicial32
A Secretaria Judicial (oficina judicial) em Espanha, no início da década
90, caracterizava-se pela ausência de critérios organizativos, funcionando de
forma atomística e auto-suficiente, como “compartimentos estanques”, onde se
realizavam múltiplas funções. Na prática diária, misturavam-se actividades de
carácter administrativo e actividades de carácter jurisdicional, e tampouco
existia um modelo comum de trabalho em todas as secretarias ou incentivos à
especialização de tarefas. Devido às especificidades da organização de cada
secretaria, surgiam dificuldades na rotação e formação dos funcionários. Era
ainda apontado como um ponto fortemente negativo o facto de, nas
secretarias, se cruzarem funcionários, profissionais liberais e público em geral,
o que provocava contínuas interrupções no trabalho dos primeiros.
Neste contexto, o Livro Branco da Justiça, elaborado pelo Conselho Geral
do Poder Judicial, em 1997, realizou uma caracterização e avaliação geral do
sistema judicial, apresentando algumas propostas de mudança, a respeito das
secretarias judiciais, designadamente, no que se refere aos serviços comuns, à
localização do gabinete do juiz e ao desempenho das funções do secretário
judicial.
Propôs, assim, um modelo de organização alternativo baseado em três
actividades principais da administração da justiça: a actividade jurisdicional, a
actividade procedimental e a actividade estritamente administrativa. O modelo
baseou-se no agrupamento de tarefas homogéneas do tribunal, com a criação
de novas estruturas (unidades especializadas), com um melhor arquitectura
organizativa, imprescindível não só pelo aumento da utilização das novas
tecnologias mas, e principalmente, pela introdução de mecanismos de gestão
com vista a obter uma melhor qualidade no serviço prestado aos cidadãos.
32 Neste ponto, seguimos de perto o relatório “A Administração e Gestão da Justiça – Análise comparada das tendências de reforma”, OPJ, Novembro 2001, pp. 138-146.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 29
Na sequência destas ideias, defendidas no Livro Branco, o legislador
espanhol, pela Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, introduziu
alterações na LOPJ, criando um novo modelo de secretaria judicial com o
objectivo de melhorar a qualidade e eficácia da Administração da Justiça, por
forma a ultrapassar as disfunções organizativas geradas pelo anterior modelo
de secretaria judicial.
O Ministério da Justiça aponta como principais alterações no
funcionamento diário dos tribunais, introduzidas por esta reforma: a) a
libertação do juiz (liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo, deste
modo, dedicar a totalidade do seu tempo de trabalho a tarefas estritamente
jurisdicionais); b) a especialização dos funcionários judiciais; c) a redefinição
das funções do secretário judicial atribuindo-lhe o cargo de director da
secretaria judicial (que deve ter, para além de experiência, um alto nível de
competência e bons conhecimentos jurídicos, competências específicas para
gerir o funcionamento da secretaria e o fluxo de trabalho referente aos
processos).
O novo modelo de secretaria judicial
Actualmente, a LOPJ estabelece que a secretaria judicial é a organização
de carácter instrumental que serve de suporte e apoio à actividade jurisdicional
dos tribunais, proporcionando a esta a infra-estrutura técnica e humana que
esta requer. Funciona com critérios de agilidade, eficácia, eficiência,
racionalização do trabalho, responsabilidade pela gestão, coordenação e
cooperação entre os diferentes órgãos, com a finalidade primordial de que os
cidadãos obtenham um serviço próximo e de qualidade.
Esta nova filosofia organizativa impôs, por um lado, a separação das
diferentes actividades desempenhadas pela secretaria judicial por secções,
equipas ou unidades especializadas, dedicadas a tarefas específicas; e, por
outro, proporcionou mecanismos aos secretários judiciais para desempenhar o
duplo papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.
30 A Experiência da Espanha
Assim, da LOPJ ressalta um desenho de secretaria judicial flexível,
adaptável e dúctil. Existem, associadas às secretarias judiciais, estruturas de
três tipos: unidades administrativas (UAs), unidades processuais de apoio
directo (UPADs)33 e os serviços comuns processuais (SCPs)34. Assim, nos
termos do seu artigo 436.º, n.º 3, a dimensão e organização da secretaria é
determinada pelos órgãos de administração dos tribunais35, em função do
volume e do tipo de trabalho que desenvolva.
As UAs gerem os recursos humanos não judiciais da secretaria judicial,
bem como os meios informáticos e os restantes meios materiais desta.
Prestam, também, entre outros, serviços de reprografia, de manutenção e
obras e de apoio ao cidadão.
As UPADs auxiliam cada juiz no seu trabalho jurisdicional, podendo ser
dirigidas individual ou conjuntamente por um secretário judicial.
Os SCPs podem estruturar-se em secções e/ou equipas dirigidas,
igualmente, por um secretário judicial, existindo, em regra, o serviço comum
geral, o serviço comum de gestão de processos e procedimentos e o serviço
comum de execuções, embora também possam ser criados, entre outros, os
serviços comuns de estatística judicial, de actos de conciliação, caixa judicial,
de jurados e de depósito e arquivo judicial.
As secretarias são compostas pelas seguintes categorias profissionais:
secretário judicial, corpo de gestão processual e administrativa, corpo de
tramitação processual e administrativa, e corpo de auxílio judicial.
33 As unidades processuais de apoio directo (UPADs) têm como função a assistência directa aos magistrados no exercício das respectivas funções jurisdicionais. 34 Os serviços comuns processuais (SCPs) assumem funções centralizadas de apoio a um ou mais órgãos judiciais do seu âmbito territorial, tais como, registo e distribuição de processos; notificações, editais e embargos; recolha de estatística judicial; celebração de actos de conciliação em processos civis e laborais; e execução de sentenças. 35 Nos termos do artigo 438.3, 1º, da LOPJ, o Ministério da Justiça estrutura, cria e organiza os SCPs nos tribunais com competência nacional. Acrescenta, ainda, que as Secções de Administração e as Juntas de juízes, atendendo às necessidades observadas, poderão solicitar ao Ministério a criação de serviços comuns.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 31
2.3. Organização e gestão ao nível das Comunidades Autónomas: o caso do País Basco
Um dos casos particulares no âmbito da organização de competências
dentro do Estado Espanhol é o da Comunidade Autónoma do País Basco. De
facto, esta Comunidade Autónoma conta com privilégios mais amplos do que
as demais, devido ao seu estatuto de “território histórico”, facto que faz esta
experiência sobressair em relação às experiências das outras Comunidades.
O Estatuto de Autonomia do País Basco36 confere-lhe as competências
relativas à administração e gestão dos meios necessários ao provimento das
necessidades da administração da justiça. Com efeito, desde a efectivação da
transmissão dos meios materiais e económicos necessários para o
funcionamento da administração da justiça no País Basco, pelo Real Decreto
1684/1987, de 6 de Novembro, e pelo Decreto 390/87, de 30 de Dezembro, o
Governo Autónomo assumiu o compromisso de promover um serviço público
de justiça moderno e eficaz, enraizado na própria comunidade.
Em 1997, a sua competência de administração e gestão do sistema
judicial foi, ainda, alargada à gestão de todo o pessoal ao serviço da justiça
(médicos forenses, oficiais de justiça, psicólogos, peritos, tradutores, etc.), com
excepção dos juízes e dos fiscales, sobre os quais o Conselho Geral do Poder
Judicial e a Fiscalía exercem, respectivamente, os seus poderes de gestão.
O Governo Basco tem tido um papel fundamental na reforma dos
métodos de trabalho da justiça espanhola, em especial, no que se refere à
informatização dos tribunais37 e à consequente reorganização e especialização
36 No seu artigo 35.º n.º 3, conjugado com o artigo 13.º n.º 1. 37 O Programa de Informatização da Justiça do País Basco foi implementado em diferentes fases: o 1.º Plano de Informática Judicial (1990-1995), baseado fundamentalmente no desenvolvimento e implantação de ferramentas para a tramitação dos procedimentos judiciais, com o objectivo de assegurar a resolução mais rápida dos trâmites realizados na secretaria judicial; o 2.º Plano de Informática Judicial (1996-1999), que implicou desenvolvimentos de maior envergadura tecnológica: a criação do Posto de Trabalho do Juiz, do Serviço de Informação e do Instituto Basco de Medicina Legal, assim como do suporte instrumental para
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32 A Experiência da Espanha
da orgânica dos tribunais e dos próprios processos e procedimentos. Salienta-
se, neste âmbito, por exemplo, o Programa de Informatização da Justiça do
País Basco38, a reorganização da secretaria judicial e o programa de edificação
de novos tribunais39.
os já analisados projectos de reforma da secretaria judicial então em marcha; e O 3.º Plano de Informática e Telecomunicações Judiciais (2000-2003, estendido até 2005), baseado nas novas plataformas tecnológicas, na renovação dos equipamentos e das aplicações informáticas de apoio e no desenvolvimento das três áreas do portal Justizia.net, para além dos projectos de assinatura digital avançada e de comunicações com os advogados mediante um sistema ágil, eficaz, seguro e confidencial. Assim, através destes três planos, foram desenvolvidos todos os elementos necessários para que a tramitação processual se pudesse realizar informaticamente. Tratando-se de uma infra-estrutura baseada, em grande medida, em questões puramente juridico-processuais, foi elaborada por equipas mistas em que participaram especialistas em matéria processual (fundamentalmente magistrados e funcionários judiciais) e técnicos especialistas em sistemas informáticos de gestão. Para tanto, foram constituídas, no País Basco, no ano de 1989, as «Comissões de Normalização de Documentos e Esquemas de Tramitação Informatizados», com uma estrutura de coordenação dependente da Direcção de Relações com a Administração da Justiça. 38 O Ministério da Justiça Espanhol, ciente da enorme utilidade destes elementos e da agilidade e precisão que propiciam à tramitação processual, mostrou interesse em utilizar a versão actualizada da infra-estrutura jurídica do sistema informático processual como base para a actualização da infra-estrutura jurídica das aplicações de gestão processual pensadas para a nova secretaria judicial. Por seu turno, o Departamento de Justiça, Emprego e Segurança Social do Governo Basco, tendo assumido um compromisso de cooperação inter-institucional e a melhoria da Administração da Justiça nos seus diferentes âmbitos de competências, considerou oportuno optimizar os seus próprios recursos e colocar à disposição do Ministério da Justiça a infra-estrutura jurídica para um sistema informático de gestão processual de nível nacional. Esta convergência de vontades deu origem ao Convénio de Colaboração entre o Ministério da Justiça Espanhol e o Departamento de Justiça, Emprego e Segurança Social do Governo Basco, de cessão de uso da infra-estrutura jurídica do sistema informático processual, datado de 7 de Julho de 2006. O objecto deste convénio é a cessão de uso da infra-estrutura jurídica do Sistema Informático de Gestão Processual, mais concretamente, dos elementos que a conformam: modelos de documentos; esquemas de tramitação, tabelas de procedimento, tabelas de fases, por tipo de procedimento; tabelas de estados, por tipo de procedimento; trâmites tipificados, incluindo as respectivas operações; e tabelas de valores codificados. 39 Desde que, em 1988, esta Comunidade Autónoma recebeu da Administração do Estado as competências em matéria de provisão de meios materiais e económicos ao serviço da Administração da Justiça, o Departamento de Justiça do Governo Basco apostou na modernização progressiva do Serviço Público de Justiça, o que incluiu um programa de construção de novos Palácios da Justiça em 13 dos 14 distritos do País Basco. A construção dos novos edifícios para os tribunais obedeceu a um plano de construção cujo objectivo principal foi o de criar uma rede de infra-estruturas judiciais que melhorasse, não só as condições de trabalho dos agentes judiciais, mas também as condições oferecidas aos utentes. O Governo Basco considerou que os edifícios existentes não respondiam às necessidades reais: vários dos edifícios mais antigos encontravam-se em estado degradado e muitos dos
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Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 33
2.3.1. A competência do Departamento de Justiça, Emprego e Segurança Social na administração e gestão do sistema judicial no País Basco
O Departamento de Justiça, Emprego e Segurança Social é o
Departamento do Governo Basco que, tal como a própria denominação indica,
tem como áreas de actuação a justiça, o trabalho e a segurança social naquela
comunidade autónoma.
No âmbito da justiça, compete-lhe coordenar as relações com o poder
judicial; assegurar os meios para o funcionamento da administração da justiça;
Palácios da Justiça restaurados em data mais recente mostravam-se insuficientes para albergar novos serviços judiciais, tornando-se por essa via funcionalmente inadequados. Mostrou-se necessário empreender um ambicioso programa de construções de novos edifícios que permitisse uma distribuição dos espaços mais adequada à nova organização, a satisfação das necessidades de crescimento da administração da justiça e a incorporação das novas tecnologias em matéria de edificação e de instalações no sentido de se criar “edifícios inteligentes”. Entendeu-se que a concepção dos novos edifícios deveria responder a preocupações de funcionalidade, segurança, flexibilidade, utilização e adequação às novas tecnologias, pelo que a sua construção obedeceria às seguintes três linhas básicas: eficácia, segurança e previsão do futuro. A eficácia, considerada como factor fundamental, teve em conta não só as necessidades administrativas e as relativas à função jurisdicional dos agentes judiciais, mas também de toda uma série de serviços auxiliares (bibliotecas, salas de reunião, salas de espera, lugares de descanso, etc.) e espaços destinados ao público e outros utilizadores. Foi, ainda, prevista uma novidade interessante: a introdução de salas multi-usos, com o objectivo de favorecer o cumprimento dos princípios da oralidade e da imediação. A questão da segurança teve também uma grande relevância neste Programa, atentas as especificidades daquela comunidade autónoma. Considerou-se que a natureza e o conteúdo das funções desempenhadas requeria, para o seu correcto funcionamento, importantes meios de segurança, não só dirigidos à segurança das pessoas, mas também de documentos e outros elementos relacionados com a actividade judicial (como provas, ofícios, peças processuais, etc.). Havia, por isso, a necessidade de se delimitar diversas áreas no interior do edifício: zonas de acesso livre, zonas de acesso controlado, zonas de acesso restrito e zonas de acesso proibido. Um terceiro objectivo foi o da introdução das modernas técnicas de comunicação, bem como a integração e optimização das instalações (através de infra-estruturas de electricidade, de ar condicionado e dispositivos contra incêndio, entre outras). Verificou-se que as secretarias judiciais deveriam dispor das características físicas necessárias para uma eficiente rede de telecomunicações e que os vários serviços judiciais, dispersos territorialmente, deveriam tornar-se mais centralizados e interligados (sobre este ponto, cf., para mais desenvolvimentos, o Relatório “A Administração e Gestão da Justiça – Análise comparada das tendências de reforma”, de Novembro de 2001, pp. 117-122).. No final de 2005 (data da última Memória da Viceconsejería de Justicia), apenas se encontravam pendentes a construção do Palácio da Justiça de Azpetia e a remodelação interior do de Bergara.
34 A Experiência da Espanha
organizar e coordenar o funcionamento dos estabelecimentos penitenciários
em cooperação com os órgãos centrais da administração penitenciária; nomear
notários e conservadores; definir o regime geral das associações, fundações e
colégios profissionais da Comunidade Autónoma; promover a defesa dos
direitos humanos; e garantir, no âmbito da administração da justiça, o direito
dos cidadãos ao uso da língua basca (nos termos da Lei 10/1982, de 24 de
Novembro, lei básica de normalização do uso de euskera).
O Departamento de Justiça, Emprego e Segurança Social tem como
órgão de direcção de serviços para a área da justiça a Viceconsejería de
Justicia40, que executa as funções supra referidas.
A Viceconsejería de Justicia possui, actualmente, após a reforma
efectuada em 2005, quatro direcções de serviços: Direcção de Relações com a
Administração de Justiça, a Direcção de Direitos Humanos, a Direcção de
Execução Penal e a Direcção de Recursos Humanos.
A Direcção de Relações com a Administração de Justiça executa todas as
funções da Viceconsejería de Justicia que têm por objecto coadjuvar o normal
funcionamento dos órgãos judiciais, da fiscalía e dos serviços judiciais.
Compete-lhe, nomeadamente, a colaboração com as diferentes instituições da
Comunidade Autónoma relacionadas com a justiça; a formação e o ensino de
Euskera e no âmbito da informática para todos os recursos humanos da
administração da justiça; a provisão de meios materiais e económicos
(incluindo novas tecnologias, através do Serviço de Informática Judicial); a
direcção e controlo dos planos de obras; a elaboração e supervisão dos planos
de manutenção das infra-estruturas ao serviço da Administração da Justiça; o
impulso e implantação de reformas organizativas das secretarias judiciais e da
fiscalía; a organização e dotação do Instituto Basco de Medicina Legal; a
implementação de programas para apoio à Justiça de Paz; a aproximação dos
40 Cf. art. 2º, al c), do Decreto 315/2005, de 18 de Outubro, publicado no Boletim Oficial do País Basco.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 35
cidadãos e dos estudantes à justiça; e a coordenação do Observatório Basco
da Justiça. Esta direcção desempenha as suas competências, entre outros
serviços41, através das Unidades Técnicas de Gestão (EATs), instaladas nos
Palácios da Justiça de cada capital de Província, prestando apoio à
implementação do Plano Organizativo de Secretarias e Serviços Comuns e à
gestão dos órgãos e serviços judiciais do seu território; e gerindo a
documentação referente ao respectivo orçamento.
A Direcção de Direitos Humanos tem como principais competências o
estabelecimento de uma política de actuação própria em matéria de promoção
e protecção dos direitos humanos. Para tanto, impulsiona a realização de
campanhas de publicidade e divulgação, actividades de educação para a paz,
relações com ONGs, universidades e associações, entre outras actividades42.
A Direcção de Execução Penal é responsável pelas áreas da assistência
jurídica gratuita, violência contra mulheres43, da justiça juvenil44 e da justiça
penal de adultos45.
41 A Viceconsejería de Justicia controla, por exemplo, o Instituto Basco de Medicina Legal, as equipas psico-sociais; o serviço de peritos e o serviço de traduções. 42 Actua, também, em planos interdepartamentais: na coordenação e acompanhamento do Plano Basco de Imigração, do Plano de apoio aos jovens («Gazte Plane») e do Plano de Acção Positiva para as Mulheres (PAPME), sempre em conexão com as actividades desenvolvidas na Viceconsejería relativamente a tais planos. 43 Esta Direcção actua, igualmente, na área da violência contra as mulheres, através do denominado «Turno de Violencia Domestica y/o Agresiones Sexuales». Trata-se de um serviço que proporciona apoio a vítimas de violência doméstica ou crimes sexuais, havendo pessoal preparado para acompanhar e auxiliar essas vítimas em qualquer tipo de procedimento judicial. 44 Nesta área promove a aplicação da Lei Orgânica 5/2000 e da Lei de Atenção de Protecção à Infância e à Adolescência; coordena a relação do sistema judiciário com os sistemas de protecção; e, também, supervisiona o Convénio «Marco» com Instituições Penitenciárias 45 Coordena os Serviços de Cooperação com a Justiça (SCJ) existentes em cada uma das três províncias bascas. Estes serviços incluem o Serviço de Atenção à Vítima de um Crime (SAV), integrado por juristas, psicólogos e assistentes sociais que auxiliam as vítimas, tanto a nível pessoal, como no exercício dos seus direitos; o Serviço de Assistência e Orientação Social a Pessoa Detida (SAOS), que, para além de desempenhar a função de informar as vítimas da sua situação jurídica e das possibilidades de actuação, efectua, também, a resolução de problemas concretos de (re)inserção social e familiar; e o Serviço de Assistência à Execução Penal e Reinserção Social (SAER), que actua nas áreas da execução de penas e na inserção social dos reclusos.
36 A Experiência da Espanha
A Direcção de Recursos Humanos exerce as suas competências em
relação ao pessoal ao serviço da Administração da Justiça, sempre e quando
não esteja atribuída a outros órgãos. Actualmente, nomeia os funcionários;
autoriza os planos de férias de todos os serviços e secretarias judiciais;
coordena a negociação com as centrais sindicais para a fixação dos horários
de funcionamento dos serviços na Comunidade Autónoma; define o
procedimento de concessão de licenças e a formação para todos os
funcionários da justiça; e instaura processos disciplinares, decidindo as
reclamações e aceitando os recursos. 46
2.3.2. A gestão dos tribunais com competência territorial na Comunidade Autónoma
Como anteriormente se referiu47, os tribunais com competência na
Comunidade Autónoma são o Tribunal Superior de Justiça, sedeado na sua
capital, Vitoria-Gasteiz, as Audiências Provinciais, sedeadas nas três cidades
capitais de província48, e os tribunais de primeira instância.
Tal como sucede com os tribunais superiores de âmbito nacional e
demais tribunais49, os órgãos de gestão interna dos tribunais superiores da
Comunidade e dos tribunais de primeira instância são os respectivos
Presidentes50, as Secções de Administração51, os presidentes das Secções
46 Promove, também, o movimento dos funcionários do corpo de gestão processual e administrativa, de tramitação processual e administrativa e auxílio judicial da administração da justiça a exercer funções na Comunidade Autónoma do País Basco. Coordena, também, o processo de oferta pública e os concursos públicos de emprego; o programa de Acção Social; e as bolsas de funcionários – para médicos legistas, oficiais, auxiliares e agentes da Administração da Justiça. 47 Cf. supra. 48 Por conseguinte, encontram-se sedeados em Vitoria-Gasteiz, capital de Álava, Donostia-San Sebastian, capital da Gipuzcoa, e Bilbao, capital da Biscaia. 49 Cf., supra. 50 Os Presidentes têm como funções, entre outras, convocar, presidir e dirigir as deliberações da Secção de Administração; determinar a ordem de trabalhos das sessões da Secção de Administração; submeter à Secção de Administração as propostas que considerem; preparar
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Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 37
com funções jurisdicionais52, os Juízes Decanos53 e as Juntas de Juízes54.
Estes órgãos têm competências muito semelhantes aos seus congéneres dos
tribunais com competência a nível nacional55.
2.3.3. As secretarias judiciais
As secretarias judiciais dos tribunais do País Basco são estruturas
semelhantes às existentes nos tribunais com competência nacional (cf.
supra)56. Estão a elas associados os mesmos três tipos de unidades: unidades
administrativas (UAs) unidades processuais de apoio directo (UPADs) e os
serviços comuns processuais (SCPs), sendo a dimensão e organização da
os relatórios requeridos pelo CGPJ; dirigir, em colaboração com o CGPJ, a inspecção dos tribunais; presidir a reuniões com os demais magistrados do tribunal; comunicar ao CGPJ as vagas existentes; e conhecer das queixas de partes e interessados em processos que corram termos no tribunal. 51 As Secções de Administração são constituídas pelo Presidente do respectivo Tribunal, pelos Presidentes das Secções que os integram e por outros magistrados. É o órgão competente para a gestão quotidiana do tribunal, estabelecendo os critérios de distribuição pelos magistrados de cada secção de determinados tipos de casos; mediando as disputas entre magistrados que possam influir no bom funcionamento do tribunal ou na administração da justiça; estabelecendo critérios de composição das secções e dos turnos; e propondo ao CGPJ a nomeação de magistrados substitutos; iniciando os processos tendentes à jubilação de magistrados por incapacidade; elaborando os relatórios solicitados pelo CGPJ, bem como a Memória anual expositiva do funcionamento do respectivo tribunal; propondo ao CGPJ medidas com vista a melhorar a administração da justiça no âmbito dos respectivos órgãos jurisdicionais; e nomeando os juízes de paz. 52 Os presidentes das Secções com funções jurisdicionais têm competência para dirigir as secções, comunicando ao Presidente do seu tribunal as anomalias ou faltas de que se dêem conta; e exercer as funções disciplinares, em coordenação com o presidente daquele tribunal e com o CGPJ. 53 Entre outras funções, os Juízes Decanos garantem a boa utilização dos edifícios e equipamentos; adoptam as medidas urgentes em relação a processos não distribuídos; actuam em relação a queixas de intervenientes processuais ou outros interessados; e dão conhecimento, à Secção de Administração, de todas as possíveis anomalias no funcionamento dos Serviços Comuns Processuais do respectivo território. 54 Finalmente, os juízes da mesma secção podem reunir-se em Junta, presidida por um Juiz Decano, com o objectivo de propor as normas de distribuição de trabalho; unificar critérios e práticas; tratar de assuntos comuns ou que entendam ser conveniente apresentar à Secção de Administração do seu tribunal ou ao CGPJ, quer por indicação do Presidente do Tribunal Supremo, quer por solicitação do CGPJ. 55 Cf. supra. 56 As secretarias são compostas pelas seguintes categorias profissionais: secretário judicial, que a dirige, gestores processuais e tramitadores processuais.
38 A Experiência da Espanha
secretaria determinada pela Comunidade Autónoma, em função do volume e
do tipo de trabalho que desenvolva e das indicações dos órgãos
jurisdicionais.57
57 Como já referimos, as UAs gerem os recursos humanos não judiciais da secretaria judicial, bem como os meios informáticos e os restantes meios materiais desta; as UPADs auxiliam cada juiz no seu trabalho jurisdicional, podendo ser dirigidas individual ou conjuntamente por um secretário judicial; e os SCPs assumem funções centralizadas de apoio a um ou mais órgãos judiciais do seu âmbito territorial, tais como, registo e distribuição de processos; notificações, editais e embargos; recolha de estatística judicial; celebração de actos de conciliação em processos civis e laborais; e execução de sentenças.
3. A Experiência da Bélgica: uma reforma em discussão
Embora a Bélgica seja um Estado Federal em que cada região administrativa tem
competências legislativas e executivas próprias, o poder judiciário é organizado a nível nacional. O
sistema de justiça belga é composto por quatro graus de jurisdição: de pequena instância (tribunais
de paz e de polícia), de primeira instância (tribunais de primeira instância, tribunais do trabalho e
tribunais do comércio), de recurso (tribunais de recurso e tribunais do trabalho de segunda instância)
e o Supremo Tribunal. O território belga está dividido em cinco grandes zonas judiciárias: Bruxelas,
Liège, Mons, Gand, e Anvers (Antuérpia). Estas subdividem-se em 27 arrondissements que, por sua
vez, se dividem em 187 cantons.
A administração e gestão do sistema judicial ganhou um novo impulso com a criação, em
2002, do Service Public Fédéral de Justice (SPFJ) com o objectivo de substituir o Ministério da
Justiça e modernizar a administração federal da justiça no âmbito da reforma Copérnico. A
modernização da administração da justiça teve como principais linhas estruturais o reforço da sua
acessibilidade, da sua eficácia e da sua compreensibilidade. O desafio colocado ao governo federal
implicou, segundo este, que as reformas assentassem em quatro pilares fundamentais: o plano de
gestão operacional integrada, a reengenharia dos procedimentos administrativos, a criação de um
grupo de projecto/missão para implementar as reformas e a implementação de um novo modelo de
gestão.
Desde inícios de 2005 que está em curso um projecto de reforma de gestão do sistema
judiciário. Em Março de 2006 foi aprovado um plano de reformas (o Plano Thémis) que prevê um
conjunto de alterações significativas que, do nosso conhecimento, ainda se encontra em discussão
no Parlamento belga, cujo objectivo central é a transferência do poder executivo para o poder
judiciário das competências de gestão do sistema judiciário.
A reforma visa implementar um sistema de gestão racional de meios. Para tal, aposta na
descentralização e na profissionalização das funções de gestão, financeira e de recursos humanos
do judiciário, ao nível do distrito (arrondissement) e das cinco zonas judiciárias, bem como no
controlo dessa gestão descentralizada.
No âmbito desta reforma, a descentralização da gestão constitui um objectivo importante.
Prevê-se um modelo de gestão com três níveis de competência: o central, o intermédio ao nível de
uma área judiciária (área da competência dos tribunais de recurso) e o do distrito (arrondissement -
área da competência dos tribunais de primeira instância).
A proposta do Plano Thémis opta pela gestão separada do judicial e do Ministério Público.
No que respeita à gestão dos tribunais, ao nível de cada distrito, prevê-se a existência de um
conjunto de órgãos de gestão, a saber: um Colégio de Distrito (Collège d’Arrondissement), um
Comité de Direcção de Distrito (Comité de Direction d’Arrondissement), o Presidente do Distrito
(Président d’Arrondissement), o Secretário de Justiça (Chef des Greffes) e o Escrivão de Direito
(Greffier en Chef).
Ao nível intermédio, prevê-se a criação de um Comité de Direcção de Zona Judiciária
(Comité de Direction du Ressort).
40 A Experiência da Bélgica
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 41
Introdução
A Bélgica é um Estado Federal composto por várias communautés
(nações) com características próprias, em especial, a língua e a cultura,
relativamente às quais são responsáveis: a nação flamenga, a francesa e a
germana. As regiões administrativas são igualmente três: a flamenga, que se
sobrepõe à localização da nação; a região de Bruxelas e a região valona. Estas
estão, por sua vez, divididas em províncias (provinces) e estas em
comunidades (communes). Estas várias entidades administrativas têm, de
acordo com a constituição belga, competências próprias, em especial,
legislativas. Por exemplo, as regiões definem, entre outras, a politica
económica e de protecção do ambiente.
Cada comunidade (communauté) e cada região têm um Parlamento que
cria normas jurídicas (chamados decretos – décrets – ou leis – ordennances,
no caso da região de Bruxelas), e um governo que as aplica. Contudo, o poder
judiciário não é da competência das comunidades (communautés) nem das
regiões. Este encontra-se organizado a nível nacional.
Se atendermos apenas à organização dos tribunais58, o sistema de justiça
belga é composto por quatro graus de jurisdição: de pequena instância, de
instância, de recurso e do Supremo Tribunal.
58 Ou seja, sem considerar formas alternativas de resolução de litígios como a mediação e as “maisons de justice”.
42 A Experiência da Bélgica
Figura 2 A Organização Judiciária Belga
Fonte: http://www.juridat.be/pyramide_fr.php
O território belga está dividido em cinco grandes zonas judiciárias:
Bruxelas, Liège, Mons, Gand, e Anvers (Antuérpia). Estas subdividem-se em
27 distritos (arrondissements) que, por sua vez, se dividem em 187 concelhos
(cantons).
3.1. A organização judiciária
3.1.1. O Supremo Tribunal
O Supremo Tribunal (Cour de Cassation) está sedeado em Bruxelas e
tem competência em todo o território belga. O Supremo Tribunal não efectua
julgamentos de fundo, mas revê as sentenças em última instância, ordenando
um outro tribunal da mesma jurisdição do tribunal a quo a realizar novo
julgamento quando o recurso tenha sido considerado procedente. Nesta
função, o Supremo Tribunal não aprecia o mérito da causa mas, tão só, o
respeito pelas leis belgas, em especial, as leis de processo, garantindo a
defesa dos direitos dos cidadãos e da segurança jurídica, através da
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 43
uniformidade da jurisprudência. O Supremo Tribunal julga, ainda, alguns casos
em primeira instância, controla as instâncias disciplinares das profissões
liberais (advogados, por exemplo) e tem poderes para destituir os magistrados.
O Supremo Tribunal é composto por três secções (chambres): a civil, a
criminal e a do trabalho. Cada secção encontra-se dividida em duas
sub-secções, de acordo com um critério linguístico (uma de língua francesa e
uma de língua neerlandesa. Estas secções são compostas por cinco
conselheiros embora os julgamentos possam ser efectuados por colectivos de
apenas três.
3.1.2. Os tribunais de recurso
Os tribunais de recurso (cours d’appel) têm competência genérica para
julgar recursos das decisões dos tribunais de primeira instância e dos tribunais
de comércio. Existem cinco tribunais de recurso com competência em cada
uma das cinco zonas judiciárias (Anvers (Antuérpia)59, Bruxelas60, Gand61,
Liége62 e Mons63).
Os tribunais de recurso estão divididos em quatro grandes secções
(chambres) especializados em determinadas matérias: a secção civil (chambre
civile), que julga os recursos das decisões dos tribunais civis64 e dos tribunais
de comércio; a secção correccional (chambre correctionnelle), que julga os
59 Competente para os recursos dos tribunais situados nas províncias de Antuérpia e de Limbourg. 60 Competente para os recursos dos tribunais situados nas províncias do Brabant valão, do Brabant flamengo e da região bilingue de Bruxelas. 61 Competente para os recursos dos tribunais situados nas províncias da Flandres ocidental e da Flandres oriental. 62 Competente para os recursos dos tribunais situados nas províncias de Liège, Namur e Luxemburgo. 63 Competente para os recursos dos tribunais situados nas províncias de do Hainaut. 64 Secções dos tribunais de primeira instância.
44 A Experiência da Bélgica
recursos das decisões dos tribunais correccionais65; secção da juventude
(chambre de la jeunesse), que julga recursos dos tribunais da juventude66; e
secção de instrução (chambre des mises en accusation), que julga recursos
das decisões dos tribunais de instrução (Chambres du Conseil) assim como
julga, em primeira instância, a viabilidade do julgamento de crimes de imprensa
ou de crimes políticos.
3.1.3. Os tribunais do trabalho de segunda instância
Os tribunais do trabalho de segunda instância (cours du travail) são 5,
com competência para julgar os recursos das decisões dos tribunais do
trabalho (tribunaux du travail), com a mesma competência territorial que os
tribunais de recurso de Anvers, Bruxelas, Gand, Liége e Mons. As várias
secções dos tribunais do trabalho de segunda instância são compostas por um
juiz profissional (conseiller) e por 2 ou 4 juízes sociais (leigos) (conseillers
sociaux).
3.1.4. Os tribunais criminais de grande instância
Os tribunais criminais de grande instância (Cours d’Assises) julgam os
crimes mais graves e os crimes de imprensa e políticos admitidos pela secção
de instrução (chambre des mises en accusation). Existe um tribunal criminal de
grande instância em cada uma das cinco grandes zonas judiciárias. Os
julgamentos são públicos e efectuados por três juízes profissionais auxiliados
por um júri de doze cidadãos belgas, com mais de trinta e seis anos e sem
registo criminal. O júri decide sobre a culpa ou inocência do acusado, enquanto
que os juízes determinam, de acordo com as circunstâncias do caso, a pena a
aplicar.
65 Idem. 66 Ib Idem.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 45
3.1.5. Os tribunais de primeira instância
Os tribunais de primeira instância (tribunaux de première instance)
compõem uma jurisdição genérica, julgando conflitos civis, crimes e matérias
relacionadas com os menores. Existem 27 tribunais de primeira instância, um
em cada distrito (arrondissement). Cada um destes 27 tribunais encontra-se
dividido em 3 secções especializadas: o tribunal civil (tribunal civil), o tribunal
correccional (tribunal correctionnel) e o tribunal da juventude (tribunal de la
jeunesse).
O tribunal civil julga as acções de valor superior a 1.860 euros,
sucessões, direitos de autor, questões relativas ao estado das pessoas
(divórcio, adopção, estabelecimento da filiação, etc.) e os recursos das
decisões dos juízes de paz em questões civis.
O tribunal correccional67 julga a quase totalidade dos crimes com pena
superior a sete dias de prisão e multa superior a 25 euros, assim como os
recursos das decisões dos tribunais de polícia.
O tribunal da juventude julga os casos de regulação do poder paternal, de
delinquência juvenil (menores de 18 anos) e a colocação de menores em
famílias de acolhimento ou em centros de detenção. Podem existir várias
secções num tribunal da juventude mas todas elas são compostas apenas por
um juiz (juiz da juventude) participando, em representação do Estado, um
procurador especializado nas questões da família. Os recursos das decisões
dos juízes da juventude são interpostos junto dos tribunais de recurso (Cours
d’Appel) e julgados pela secção especializada em assuntos da juventude.
67 Antes de um crime ser julgado pelo tribunal correccional, o tribunal de instrução (Chambre du conseil), composto apenas por um juiz, decide se o caso deve ser levado a tribunal ou se deve ser arquivado. É igualmente este tribunal que define se mantém a prisão preventiva ou se um condenado é elegível para liberdade condicional. As decisões do tribunal de instrução (Chambre du conseil) podem ser objecto de recurso perante a secção de instrução (Chambre des mises en accusation).
46 A Experiência da Bélgica
3.1.6. Os tribunais do trabalho
Os tribunais do trabalho (tribunaux du travail) são competentes para
julgar, em primeira instância, questões relacionadas com a segurança social
(por exemplo, recursos de sanções aplicadas por violação dos direitos sociais
dos trabalhadores, desemprego, subsídios e pensões), acidentes e conflitos de
trabalho (por exemplo, regulamentação e contratos de trabalho). Existe, em
regra, um tribunal do trabalho por distrito (arrondissement) embora alguns
tribunais tenham competência em mais do que uma circunscrição. Cada
tribunal divide-se em várias secções compostas por um juiz profissional e por
dois juízes sociais (leigos). Estes juízes sociais são escolhidos pelas
organizações representativas do patronato e dos trabalhadores. Os recursos
das decisões dos tribunais do trabalho são interpostos junto do tribunal do
trabalho de segunda instância (Cours du travail).
3.1.7. Os tribunais de comércio
Os tribunais de comércio (tribunaux de commerce) julgam conflitos entre
comerciantes que não sejam da competência da justiça de paz (ou seja, de
valor inferior a 1.860 euros), falências, questões de direito marítimo assim
como os recursos das decisões da justiça de paz sobre causas da mesma
natureza. Existe, em regra, um tribunal de comércio por distrito
(arrondissement). Estes são compostos por um juiz profissional e por dois
juízes leigos (juges consulaires), nomeados pelas associações representativas
da indústria e do comércio. As decisões dos tribunais de comércio são sujeitas
a reapreciação pelo tribunal de segunda instância (Cour d’Appel).
3.1.8. A “justiça de paz”
A “justiça de paz” (justice de paix) julga conflitos civis e comerciais de
valor inferior a 1.860 euros. Resolve, também, independentemente do
montante, as questões de arrendamento, de vizinhança, de expropriação, de
alimentos e medidas provisórias entre cônjuges. Existem 187 juízes de paz, um
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 47
em cada concelho (canton judiciaire). A função principal dos juízes de paz é de
tentar obter a conciliação das partes embora, em grande parte dos casos seja
necessário emitir uma decisão que pode ser objecto de recurso para um
tribunal de primeira instância ou para um tribunal de comércio (dependendo se
o litígio é civil ou comercial).
3.1.9. Os tribunais de polícia
Os tribunais de polícia (tribunaux de police) compõem uma jurisdição de
cariz criminal que julga contravenções, determinados crimes de menor
gravidade (como, por exemplo, crimes de viação) e crimes em que haja
circunstâncias atenuantes. Há 34 tribunais de polícia, pelo menos um em cada
distrito (arrondissement). As decisões dos tribunais de polícia são recorríveis
para os tribunais correccionais.
3.2. A gestão dos recursos do sistema judicial - o Service Public
Fédéral de Justice68
O Serviço Público Federal de Justiça - Service Public Fédéral de Justice
(SPFJ) - foi constituído em 2002 com o objectivo de substituir o Ministério da
Justiça e modernizar a administração federal da justiça no âmbito da reforma
Copérnico69. A modernização da administração da justiça teve como principais
linhas estruturais o reforço da sua acessibilidade, da sua eficácia e da sua
68 Cf. http://www.just.fgov.be/index_fr.htm. 69 A Reforma Copérnico foi iniciada em 2000 e visa a reforma da administração federal belga. Centra-se em quatro eixos fundamentais: uma nova estrutura organizacional dos ministérios, uma nova cultura de gestão dos serviços públicos federais, uma visão moderna da gestão dos recursos humanos e em novos métodos de trabalho. Os principais objectivos desta reforma são o de melhorar o serviço prestado aos cidadãos e o de melhorar o trabalho dos funcionários (Service Public Fédéral Personnel et Organisation, 2002:1-2).
48 A Experiência da Bélgica
compreensibilidade70. Constituem, assim, objectivos do SPFJ a optimização e
simplificação da legislação, a acessibilidade e eficácia da justiça de forma
uniforme em todo o território nacional.
O desafio colocado ao governo federal implicou, segundo este, que as
reformas assentassem em quatro pilares fundamentais: o plano de gestão
operacional integrada, a reengenharia dos procedimentos administrativos, a
criação de um grupo de projecto/missão para implementar as reformas e a
implementação de um novo modelo de gestão.
O SPFJ visa tornar-se um centro de excelência no apoio aos poderes
legislativo, executivo e judiciário no exercício das suas funções que, de algum
modo, sejam relacionadas com a justiça.
No esquema seguinte apresentamos a estrutura orgânica do SPFJ. Como
veremos, nem todas as estruturas orgânicas desta entidade se dedicam ao
serviço dos tribunais enquanto organizações em que se exerce o poder
judiciário. De seguida iremos desenvolver as competências de cada uma das
estruturas apresentadas, embora nos detenhamos com maior pormenor, nas
que mais directamente lidam com os tribunais.
70 A opinião pública constituiu um forte factor de pressão. O famoso caso Dutroux, que se iniciou em 1995, permitiu expor várias deficiências do sistema de justiça belga e, em consequência, iniciou-se uma onda de indignação pública que culminou, em 20 de Outubro de 2006, com a chamada “Marcha Branca” de cerca de 300.000 pessoas, em Bruxelas, pedindo a reforma dos sistemas de justiça e de polícia (cf. http://en.wikipedia.org/wiki/Marc_Dutroux e http://crime.about.com/od/murder/p/dutroux.htm). (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 49
Figura 3 A Estrutura Orgânica do Service Public Fédéral de Justice
Fonte: Service Public Fédéral de Justice (2006a:5)
3.2.1. Ministro da Justiça e os órgãos auxiliares
O Ministro da Justiça Belga controla o SPFJ e é politicamente
responsável pelo seu desempenho. É directamente responsável pela
Segurança do Estado (Sûreté de l’État)71, pelo Instituto Nacional de
Criminalística e de Criminologia (Institut National de Criminalistique et de
Criminologie)72, pelo Serviço da Política Criminal (Service de la Politique
Criminelle)73, pela Comissão de ajuda financeira às vítimas de actos
71 Serviço público que tem como missão a recolha de informação e a segurança do país e da ordem democrática. 72 O Instituto Nacional de Criminalística e de Criminologia (Institut National de Criminalistique et de Criminologie) realiza os exames periciais necessários à produção de prova em julgamento, gere as bases de dados (ADN, balística, drogas, etc.) e realiza estudos científicos sobre os fenómenos criminais e das respostas apropriadas ao combate desses fenómenos, quer relacionadas com o crime, os agentes da infracção ou as vítimas. 73 Este serviço público é responsável pela recolha de informação necessária para a definição da politica criminal, pela análise da evolução da criminalidade e das causas da delinquência e
_____________
50 A Experiência da Bélgica
intencionais de violência e aos libertadores ocasionais (Commission pour l’aide
financière aux victimes d’actes intentionnels de violence et aux sauveteurs
occasionnels)74, pela Comissão de jogos de azar (Commission des jeux de
hasard)75 e pelo Centro de Informação e de Parecer sobre as Organizações
sectoriais nocivas (Centre d’information et d’avis sur les organisations sectaires
nuisibles)76.
3.2.2. O Comité de Direcção (Comité de Direction)
O Comité de Direcção (Comité de Direction) é composto pelo Presidente
do Comité de Direcção (Président du Comité de Direction), pelos directores-
gerais e os directores dos Serviços de Enquadramento (Services
d’Encadrement).
O Presidente do Comité de Direcção do SPFJ é nomeado por um período
de seis anos. Ele é responsável pela elaboração do plano de gestão onde se
fixam os objectivos estratégicos e operacionais que a organização deve realizar
para cumprir os seus objectivos. Esse plano de gestão operacional integrada
foi elaborado e definido em 200477.
pela realização de propostas sobre a politica criminal e sobre os meios necessários à sua execução. 74 Que examina os pedidos de auxílio financeiro de vítimas de crimes ou das suas famílias e os pedidos de auxílio financeiro de instituições ou de pessoas que prestam auxílio a vitimas de crimes. 75 Esta comissão concede licenças de funcionamento a casinos e a salas de jogo automáticas, aos fabricantes e distribuidores de máquinas de jogo e aos funcionários dessas empresas. Inspecciona e aplica sanções administrativas a todas as empresas referidas por incumprimento da legislação vigente relativa a jogos de azar. Auxilia o parlamento e o executivo em matéria de jogos de azar e de protecção de jogadores. 76 Este centro estuda as organizações que representam perigo para a sociedade belga disponibilizando informação aos cidadãos e às autoridades públicas sobre esse fenómeno. De acordo com http://www.coj.be/f_secte2.htm, uma “organização perigosa” é toda e qualquer organização de vocação filosófica ou religiosa, que se dedique a actividades ilegais e prejudiciais à dignidade humana, aos indivíduos ou à sociedade". 77 http://www.just.fgov.be/fr_htm/organisation/htm_admi_centrale/gif_organi/pm-fr.pdf. (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 51
Por sua vez, o Comité de Direcção (Comité de Direction) assegura a
gestão quotidiana do SPFJ de acordo com o plano de gestão operacional
integrada. Faz recomendações sobre o melhoramento do funcionamento deste
serviço, estabelece o orçamento para cada uma das estruturas orgânicas do
SPFJ e controla a sua execução; e propõe o planeamento dos recursos
humanos e fiscaliza a sua concretização.
O Comité de Direcção (Comité de Direction) é directamente responsável
pelo funcionamento dos Serviços do Presidente (Services du Président)78 e do
Monitor belga (Moniteur belge)79.
3.2.3. Os Serviços de Enquadramento (Services d’Encadrement)
O Serviço de Enquadramento do Orçamento e Controlo de Gestão (Service d’Encadrement Budget et Contrôle de Gestion)
O Serviço de Enquadramento do Orçamento e Controlo de Gestão
(Service d’Encadrement Budget et Contrôle de Gestion) é responsável pela
realização, monitorização da execução e avaliação do orçamento geral do
SPFJ. Para além desta missão, é responsável, igualmente, pela definição de
uma política de aquisições coerente e única para todo o SPFJ. Serve, ainda,
como ponto de contacto ao nível central para assuntos relativos à logística e à
gestão das infra-estruturas do SPFJ.
78 Os Serviços do Presidente (Services du Président) têm várias funções de secretariado e de apoio que não são específicas dos outros departamentos, nomeadamente: comunicação interna geral, comunicação externa, disponibilização de estatísticas sobre a justiça belga, manutenção da biblioteca, traduções, cafetaria e restauração, segurança dos serviços centrais, reprografia, disponibilização de viaturas de serviço e de espaços de reunião, correspondência, serviços de apoio jurídico e de contencioso, relações internacionais e protocolo. 79 O Monitor belga (Moniteur belge) organiza e difunde as publicações oficiais do SPFJ, quer através da via tradicional (papel), quer pela via electrónica (internet) e é, igualmente, responsável pela manutenção das bases de dados sobre legislação consolidada e jurisprudência.
52 A Experiência da Bélgica
Figura 4 A Estrutura Orgânica do Service d’Encadrement Budget et Contrôle de Gestion
Fonte: Service Public Fédéral de Justice (2006a:37)
Como podemos ver pelo esquema supra, para além dos serviços
auxiliares de secretariado e de informação, existem três grandes
departamentos do Serviço de Enquadramento do Orçamento e Controlo de
Gestão (Service d’Encadrement Budget et Contrôle de Gestion): o Serviço do
Orçamento (Service Budget), o Serviço de Controlo de Gestão e
Regulamentação (Service Contrôle de Gestion et Réglementation) e o Serviço
de Logíistica (Service Logistique).
O Serviço do Orçamento (Service Budget) é composto pela Célula de
Elaboração e Seguimento do Orçamento (Cellule élaboration et suivi du
budget), que faz as propostas de orçamento do departamento e coordena as
relações deste com o Ministério das Finanças (Inspection des Finances) e o
Tribunal de Contas (Cour des comptes); e pela Célula de Execução do
Orçamento (Cellule exécution budget), que é responsável pelos contratos, pela
liquidação de pagamentos (facturas, honorários de advogados, custas de
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 53
deslocação, custos de formação, etc.) e pelo tratamento de dados
contabilísticos.
O Serviço de Enquadramento do Orçamento e Controlo de Gestão
(Service Contrôle de gestion et réglementation) é constituído pela Célula de
Controlo Interno (Cellule contrôle interne), que controla e monitoriza a
execução do orçamento e o cumprimento dos contratos; e pela Célula do
Contencioso, Subsídios e Regulamentação (Cellule contentieux, subsides et
réglementation), que, entre outras funções, prepara os despachos relativos à
atribuição de subsídios, monitoriza os dossiers relativos a acidentes de trabalho
e acidentes com automóveis de serviço, prepara as missões ao estrangeiro de
membros da organização judiciária dependentes do Ministro, controla as
compensações dadas às comissões de auxílio jurídico.
O Serviço de Logística (Service Logistique) é formado pela Célula de
Apoio Logístico Administração Central (Cellule support logistique administration
centrale)80 responsável pela gestão dos edifícios e pelo fornecimento e
pagamento de material necessário ao funcionamento dos serviços. Este serviço
encarrega-se, ainda, da limpeza das instalações e da gestão de stocks de
material.
O Serviço de Enquadramento de Recursos Humanos e Organização (Service d’Encadrement Personnel e Organisation)
O Serviço de Enquadramento de Recursos Humanos e Organização
(Service d’Encadrement Personnel e Organisation) é um dos serviços centrais
no desenvolvimento do SPFJ, sendo responsável pela gestão dos seus
recursos humanos.
80 E, também, pela Célula Política Logística (Cellule politique logistique) que ainda não foi criada cf. http://www.just.fgov.be/index_fr.htm. (Dezembro de 2006).
54 A Experiência da Bélgica
O SPFJ e o Serviço de Enquadramento de Recursos Humanos e
Organização (Service d’Encadrement Personnel e Organisation) são
responsáveis pela planificação das necessidades de recursos humanos e pelo
seu recrutamento, pela gestão eficiente dos recursos humanos e pelo
desenvolvimento e gestão da formação pessoal81.
Este departamento criou um programa, “1 001 visages de la Justice”82,
que centraliza toda a informação e toda a metodologia de recrutamento de
recursos humanos do SPFJ.
O Serviço de Enquadramento de Recursos Humanos e Organização
(Service d’Encadrement Personnel e Organisation) presta apoio metodológico e
estratégico às direcções-gerais pertencentes ao SPFJ, embora a gestão
concreta dos recursos humanos se faça através dos serviços com essa
competência no seio de cada direcção-geral.
No âmbito do Serviço de Enquadramento de Recursos Humanos e
Organização (Service d’Encadrement Personnel e Organisation) existem quatro
departamentos principais: a Direcção dos Recursos Humanos (Direction
Personnel), o Serviço de Organização e Qualidade (Service Organisation et
Qualité), o Serviço de Recursos Humanos e Organização dos Serviços
Centrais (Service Personnel e Organisation des Services Centraux) e os
Correspondentes (Correspondants).
A Direcção dos Recursos Humanos (Direction Personnel) é composta
pelo Serviço de Gestão das Competências e da Gestão dos Conhecimentos
(Service de Gestion des Compétences et la Gestion des Connaissances), e
pelo Serviço de Planeamento dos Recursos Humanos e Peritagem (Service de
Planning du Personnel et l’Expertise).
81 Os recursos humanos da justiça são muitos (cerca de 21.150) e diversificados, nomeadamente, magistrados, juristas, assistentes (assistants de justice), secretários de justiça (greffiers), agentes penitenciários, assistentes sociais, inspectores (dos serviços de informação), engenheiros, analistas, criminologistas, contabilistas, psicólogos, etc. 82 “1 001 caras da Justiça”. Cf. http://www.just.fgov.be/index_fr.htm. (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 55
O Serviço de Enquadramento das Tecnologias de Informação e Comunicação - Service d’Encadrement ICT (Information and
Communication Technology)
O Serviço de Enquadramento das Tecnologias de Informação e
Comunicação (Service d’Encadrement ICT) apoia, em colaboração com outros
organismos públicos e privados, a gestão e a construção de uma infra-estrutura
informática moderna e eficiente para toda a organização judiciária e para o
SPFJ.
O Serviço de Enquadramento das Tecnologias de Informação e
Comunicação (Service d’Encadrement ICT) é composto por um serviço de
coordenação (Correspondants83), três serviços de apoio (Célula de
Enquadramento de Gestão de Projecto de ICT - Cellule d’encadrement project
management ICT- , Célula de Enquadramento de Relações com Clientes -
Cellule d’encadrement relations clients -, Célula de Enquadramento de Serviços
de Apoio - Cellule d’encadrement services de soutien) e cinco departamentos
principais (Direcção de Aplicações - Direction Applications -, Direcção Infra-
estrutura - Direction Infrastructure -, Direcção Aceitação e Metodologias -
Direction Acceptation et Méthodologies – e Direcção de Apoio - Direction
Support).
A Célula de Enquadramento de Gestão de Projecto de ICT (Cellule
d’encadrement project management ICT) define os objectivos estratégicos de
tecnologia de informação e comunicação para todo o SPFJ; serve como ponto
de contacto único para todas as solicitações dos serviços sobre o ambiente
tecnológico dos serviços; e elabora recomendações sobre o orçamento
relacionado com os projectos de ICT. A Célula de Enquadramento de Serviços
de Apoio (Cellule d’encadrement services de soutien) apoia o funcionamento
83 Este serviço providencia suporte administrativo às várias direcções gerais em matéria de ICT.
56 A Experiência da Bélgica
operacional do serviço e repara os procedimentos transversais criados a partir
de outros serviços.
3.2.4. As Direcções Gerais (Directions Générales)
No âmbito das Direcções Gerais existem quatro tipos de Direcções :
Direcção Geral da Organização Judiciária (Direction Générale de l’Organization
Judiciaire), Direcção Geral de Legislação e das Liberdades e Direitos
Fundamentais (Direction Générale de Législation et des Libertés et Droits
Fondamentaux) e Direcção Geral da Execução de Penas e Medidas (Direction
Générale d’Exécution des Peines et Mesures)
A Direcção Geral de Legislação e das Liberdades e Direitos Fundamentais (Direction Générale de Législation et des Libertés et
Droits Fondamentaux)
A Direcção Geral de Legislação e das Liberdades e Direitos
Fundamentais (Direction Générale de Législation et des Libertés et Droits
Fondamentaux) auxilia o Ministro da Justiça em questões relacionadas com o
direito civil, o direito religioso84, o direito penal e os direitos humanos.
As suas principais atribuições passam pela preparação de legislação (ao
nível nacional, europeu e internacional) e pela aplicação prática de normas
relacionadas com o direito civil85, processo civil, direito comercial86, direito
penal e processual penal87 e direitos humanos, (protecção de dados e
84 Por exemplo, através do reconhecimento jurídico de cultos. 85 Em particular, alteração de nome, nacionalidade, permanência, tutela de menores estrangeiros não acompanhados e adopção internacional. 86 Através do reconhecimento da personalidade jurídica de sociedades, associações internacionais e fundações, assim como o reconhecimento do estatuto de utilidade pública de algumas organizações. 87 Em especial, extradições, cartas rogatórias e transferência de condenados.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 57
bioética); e pela coordenação com organismos internacionais em
representação do Estado Belga.
Esta direcção-geral não tem competências directas na área da
administração e gestão da organização judiciária belga, apoiando de uma
forma marginal, através da preparação de legislação sobre processo civil e
penal.
A Direcção Geral de Execução de Penas e Medidas (Direction
Générale d’Exécution des Peines et Mesures)
A Direcção Geral de Execução de Penas e Medidas (Direction Générale
d’Exécution des Peines et Mesures) é responsável pela execução transparente
e eficaz das decisões de âmbito criminal dos tribunais.
Tem como principal objectivo a reinserção dos autores de crimes. Neste
sentido, é composta por serviços centrais e por serviços exteriores
(estabelecimentos penitenciários e maisons de justice88).
As actividades desta direcção-geral estão, assim, divididas em três níveis:
o central, responsável pela orientação estratégica; o regional, para a execução
táctica da política geral do serviço; e o local, responsável pela execução
operacional.
A Direcção Geral da Organização Judiciária (Direction Générale de
l’Organization Judiciaire)
A Direcção Geral da Organização Judiciária (Direction Générale de
l’Organization Judiciaire) é o serviço que providencia a todos os tribunais os
meios logísticos e materiais necessários a um bom funcionamento dos serviços
88 Para o ano de 2007 está prevista a criação de uma Direcção-Geral que terá como função gerir o funcionamento das maisons de justice belgas (Service Public Fédéral de Justice, 2006: 11).
58 A Experiência da Bélgica
da organização judiciária. É esta direcção-geral que administra os recursos
humanos, quer da magistratura judicial, quer do Ministério Público, quer dos
funcionários judiciais. Tem a responsabilidade de organizar os programas de
formação dos magistrados, assim como a formação e a avaliação linguística de
todo o pessoal. Supervisiona o pagamento das custas judiciais dos processos-
crime, assegura a gestão do registo criminal central e prepara a legislação e a
regulamentação relativa à organização judiciária.
A Direcção Geral da Organização Judiciária (Direction Générale de
l’Organization Judiciaire) é composta por um serviço de coordenação e de
apoio (Service de Coordination et Appui) e três direcções: a Direcção de
recursos humanos e formação (Direction P & O OJ), a Direcção de logística e
de tecnologia de informação e de comunicação (Direction LOG & ICT OJ) e a
Direcção de serviços especializados (Direction Centre d’expertise spécifique).
O Serviço de Coordenação e de Apoio (Service de Coordination et Appui)
realiza um conjunto de tarefas que não são da competência das direcções ou
dos seus serviços ou, então, que necessitem da colaboração dos vários
serviços da Direcção-Geral.
A Direcção de recursos humanos e formação (Direction P & O OJ)89 é
composta pelo Serviço dos Recursos Humanos da Ordem Judiciária - Service
du personnel de l’ordre judiciaire – (em 2005 foi criado o Conselho Nacional de
Disciplina - Conseil national de la discipline - para a magistratura judicial, do
Ministério Público, os référendaires, os escrivãs de direito – greffiers - e os
secretários, composto por 14 membros divididos em duas secções, uma
francófona e uma neerlandesa90), com uma secção que gere a magistratura e
os funcionários com poder público (notaires e huissiers de justice) e organiza
89 A reforma Copérnico, em 2003, permitiu a realização de um acordo entre os ministros da justiça, da função pública e das finanças, por um lado, e os sindicatos com vista a reformar os estatutos e as condições de trabalho dos greffes e dos secretários dos níveis mais baixos. No ano de 2005 um acordo semelhante foi efectuado com os representantes dos níveis mais elevados (Service Public Fédéral de Justice, 2006a: 10). 90 Cf. Service Public Fédéral de Justice, 2006a: 10.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 59
os exames linguísticos, e outra que gere os greffes e os secretários; pelo
Serviço de Formação da Ordem Judiciária (Service de Formation de l’Ordre
judiciaire), que organiza a formação permanente dos magistrados e dos
funcionários, assim como a formação teórica dos estagiários judiciais; e pelo
Serviço Jurídico (Service juridique) que tem a responsabilidade de comunicar
as notícias relacionadas com o estatuto dos magistrados e dos funcionários
assim como de preparar a elaboração de legislação nessa área.
A Direcção de logística e de tecnologia de informação e de comunicação
(Direction LOG & ICT OJ) é composta por um Serviço de Edifícios (Service de
Bâtiments), encarregue, em colaboração com outros serviços públicos, da
segurança (através de uma secção própria) e das instalações dos serviços
judiciários das "maisons de justice”; um Serviço Material (Service Matériel),
responsável pela aquisição, locação e manutenção dos edifícios e do
equipamento dos serviços judiciários; um Serviço de Orçamento da Ordem
Judiciária (Service du Budget OJ), com competência para elaborar propostas
de orçamento e para executar o orçamento aprovado; e um Serviço ICT da
Ordem Judiciária (Service ICT OJ), encarregue da gestão do parque
informático (compra de material e de consumíveis).
A Direcção de serviços especializados (Direction Centre d’expertise
spécifique), por seu turno, é composta por um Serviço de Apoio às Vítimas e de
Apoio Judiciário (Service d’Appui aux victimes et Aide juridique), que gere a
ajuda financeira a vítimas de crime e o apoio judiciário; um Serviço de Cadastro
Criminal (Service du Casier judiciaire), que coordena a recepção e tratamento
dos dados relativos ao registo criminal, enviados pelas autoridades judiciárias,
assim como emite certidões do registo; e um Serviço de Custas Judiciais
(Service des Frais de justice), que verifica e liquida as custas judiciais
relacionadas com o direito criminal, pagando os honorários aos peritos e as
indemnizações devidas aos huissiers de justice e às testemunhas.
60 A Experiência da Bélgica
3.3. O Plano Thémis – Melhorar as estruturas do sistema de organização da justiça91
Na Bélgica, desde inícios de 2005, está em curso um projecto de reforma
da gestão do sistema judiciário. Em 24 de Junho de 2005, foi aprovado em
Conselho de Ministros uma versão preliminar do projecto de reforma das
estruturas de gestão da organização judiciária Belga, apresentada pela Ministra
da Justiça92. Em 10 de Março de 2006, igualmente em Conselho de Ministros,
foi aprovado um plano de reformas93 (o Plano Thémis) que prevê um conjunto
de alterações legislativas que, do nosso conhecimento, ainda se encontram em
discussão94 no parlamento belga. Contudo, dada a importância das várias
alterações propostas neste Plano Thémis, no que respeita à estrutura da
gestão do sistema judiciário belga, apresentamos, de seguida, as suas linhas
fundamentais.
Entre outros projectos de reforma que estão a ser desenvolvidos a par do
Plano Thémis, é de referir o Projecto Phenix95. Este é o nome dado pelo
legislador ao novo sistema informático da justiça, estabelecido por lei, em 10 de
Agosto de 2005. Visa informatizar todos os serviços da organização judiciária
belga de um modo uniforme, tornando o seu funcionamento mais simples,
eficaz e eficiente.
Este novo sistema informático baseia-se no «dossier electrónico» criado
no início de um processo judicial. Torna possível o envio de peças processuais
pelos advogados por via electrónica e a consulta e a inclusão de informações
por todos os membros da organização judiciária, assim como de outros
serviços (polícia, notários, peritos, etc.), evitando as deslocações ao tribunal.
Foi criada uma comissão de acompanhamento composta pelo presidente do
91 Neste ponto, seguimos de perto Service Public Fédéral de Justice, 2006b. 92 Cf. http://www.just.fgov.be/themis/PLAN_THEMIS.pdf. (Dezembro de 2006). 93 Cf. http://www.just.fgov.be/fr_htm/ordre_judiciaire/themis_note.doc. (Dezembro de 2006). 94 Cf. http://www.csj.be/doc/advice/avis280606c-2.pdf. (Dezembro de 2006). 95 http://www.juridat.be/phenix_new/phenixFr/. (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 61
Supremo Tribunal, pelo director do gabinete do Ministro da Justiça e pelo
presidente do Comité de Direcção do SPFJ.
3.3.1. Os princípios e os objectivos estruturantes do Plano Thémis
De acordo com o Governo belga, o princípio fundamental que está na
base desta reforma da gestão da organização judiciária é o da independência
do poder judiciário. Para além de todas as garantias tradicionais da
independência do judiciário (os regimes de inamovibilidade e de
irresponsabilidade) o executivo belga entendeu que as críticas respeitantes à
morosidade, falta de eficácia e à falta de transparência da justiça mereciam
uma resposta que tornasse clara a responsabilidade por todas as disfunções
existentes. Assim, construiu um projecto de reforma que visa transferir do
poder executivo para o próprio poder judiciário as competências de gestão e do
funcionamento do sistema judiciário.
Assim, o poder judiciário terá novos poderes de auto-organização e de
auto-gestão e, consequentemente, terá novos deveres de transparência e de
informação aos cidadãos. Esta nova estrutura terá, nas palavras do Governo
belga, a vantagem, por um lado, de dar aos juízes, aos magistrados do
Ministério Público e aos secretários de justiça, experiência na gestão
quotidiana de uma organização complexa com meios claramente definidos e,
por outro, de aproximar a gestão dos tribunais aos cidadãos impondo, em
contrapartida, um distanciamento do Governo da gestão do poder judiciário.
No âmbito desta reforma, os gestores de recursos humanos e financeiros
assumem um papel central. A reforma visa, assim, implementar um sistema de
gestão racional de meios através, quer da descentralização e da
profissionalização das funções de gestão financeira e de recursos humanos do
judiciário, ao nível do distrito (arrondissement) e das cinco zonas judiciárias,
quer do controlo dessa gestão descentralizada, responsabilizando as
autoridades judiciárias pelo seu desempenho. Todos estes mecanismos têm
62 A Experiência da Bélgica
como principal finalidade assegurar aos cidadãos um serviço público de justiça
de qualidade, rápido, moderno e transparente.
Todavia, o próprio Governo belga admitiu que esta reforma não pode ser
implementada no sistema nem ser eficaz sem que estejam criadas um conjunto
de condições específicas. Desde logo, considera-se que uma reforma desta
natureza requer tempo, não pode ser feita de um dia para o outro. Requer,
igualmente, um amplo processo de discussão pública, a implementação de
projectos-piloto e a organização de acções de formação específicas.
3.3.2. A descentralização dos poderes de gestão do judiciário
O Governo propõe um modelo de gestão com três níveis de competência,
o central, o intermédio ao nível de uma área judiciária (área da competência
dos tribunais de recurso) e o do distrito (arrondissement - área da competência
dos tribunais de primeira instância).
Uma primeira questão que foi suscitada durante o debate público da
proposta do Plano Thémis foi a da gestão conjunta ou separada das
magistraturas. O modelo previsto opta pela gestão separada do judicial e do
Ministério Público, reconhecendo a validade das objecções colocadas pelo
Conselho Superior da Justiça (Conseil Supérieur de la Justice), que advertiu
para a dificuldade em assegurar a independência e a imparcialidade do judicial
se a gestão deste estivesse subordinada à mesma estrutura orgânica que a
magistratura do Ministério Público. Contudo, apesar desta gestão separada,
haverá a necessidade de estabelecer estruturas de coordenação de gestão
para algumas áreas partilhadas por ambas as magistraturas, como, por
exemplo, os edifícios.
Os órgãos próprios da gestão dos tribunais
Ao nível do distrito (arrondissement)
Cada distrito (arrondissement) terá vários órgãos competentes para a
gestão dos tribunais, nomeadamente: um Colégio de Distrito (Collège
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 63
d’Arrondissement), um Comité de Direcção de Distrito (Comité de Direction
d’Arrondissement), o Presidente do Distrito (Président d’Arrondissement), o
Secretário de Justiça (Chef des Greffes) e o Escrivão de Direito (Greffier en
Chef).
Deverá ser instalado um Colégio de Distrito (Collège d’Arrondissement),
órgão colectivo de deliberação, composto pelos presidentes de cada tribunal,
pelo representante dos funcionários (greffes) e pelos representantes dos juízes
de paz e dos juízes de polícia. Este órgão toma decisões estratégicas e
operacionais ligadas à gestão dos tribunais, nomeia e dá posse ao Comité de
Direcção de Distrito (Comité de Direction d’Arrondissement).
O Comité de Direcção de Distrito (Comité de Direction d’Arrondissement),
e o seu presidente, são responsáveis pela gestão quotidiana dos tribunais que
se situam no distrito (arrondissement). É composto pelo presidente, por um
director do Gabinete de Gestão (Bureau de Gestion) e pelo Secretário de
Justiça (Chef des Greffes).
O Secretário de Justiça (Chef des Greffes) assegura a gestão dos
recursos humanos do distrito (arrondissement). Está sob a responsabilidade do
Presidente do Comité de Direcção de Distrito (president du Comité de Direction
de l’Arrondissement). Esta nova função está directmente ligada à fusão de
todas as carreiras administrativas das diferentes jurisdições de modo a permitir
uma gestão mais moderna e profissional dos recursos humanos.
O Secretário de Justiça (Chef des Greffes) será o superior hierárquico do
Escrivão de Direito (Greffier en Chef) em todas as questões relacionadas com
a gestão dos recursos humanos, embora seja este que, em cada tribunal, seja
responsável pela aplicação em concreto das políticas definidas ao nível local e
pela supervisão do trabalho.
Ao nível intermédio da área judiciária (ressort)
Cada área judiciária terá, um órgão competente para a gestão dos
tribunais, o Comité de Direcção da Área Judiciária (Comité de Direction du
64 A Experiência da Bélgica
Ressort), composto pelos presidentes do Tribunal de Recurso (Cour d’Appel),
do tribunal do trabalho, por um director do Gabinete de Gestão (Bureau de
Gestion) e pelo Secretário de Justiça do Tribunal de Recurso (Chef des Greffes
do Cour d’Appel). Este órgão tem competências deliberativas e executivas,
assim como de arbitragem orçamental para os diferentes distritos
(arrondissements).
O presidente do Comité de Direcção da Área Judiciária (Comité de
Direction du Ressort) tem a obrigação de reunir regularmente os presidentes
dos vários Comités de Direcção do Distrito (Comités de Direction de
l’Arrondissement), como conferência consultiva competente para a discussão
de todos os aspectos da administração e gestão dos tribunais.
Os órgãos próprios da gestão da magistratura do Ministério Público
Ao nível do distrito (arrondissement)
Será constituído o Comité de Direcção do Ministério Público (Comité de
Direction du Ministère Public), composto pelo procurador do rei, que a ele
preside, o Auditor do Trabalho (auditeur du travail), um director do Gabinete de
Gestão (Bureau de Gestion), e os Secretários Gerais do Ministério Público e do
Auditor do Trabalho (Secrétaires en Chef du Parquet e do Auditorat du Travail).
Este órgão exerce todas as competências de gestão descentralizadas ao
nível do distrito (arrondissement).
Ao nível intermédio da área judiciária (ressort)
Ao nível da área judiciária será constituído um Comité de Direcção do
Ministério Público da Área Judiciária (Comité de Direction du Ministère Public
du Ressort), composto pelo Procurador-Geral (Procureur Général), que
preside, um director do Gabinete de Gestão (Bureau de Gestion) e os
Secretários Gerais do Ministério Público e do Auditor Geral (Secrétaires en
Chef du Parquet e do Auditorat Général).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 65
O presidente do Comité de Direcção da Área Judiciária (Comité de
Direction du Ressort) tem a obrigação de reunir regularmente com os
presidentes dos vários Comités de Direcção do Ministério Público do Distrito
(Comités de Direction du Ministère Public l’Arrondissement), como conferência
consultiva competente para a discussão de todos os aspectos da administração
e gestão do Ministério Público.
3.3.3. O Gabinete de Gestão (Bureau de Gestion)
Serão criados cinco Gabinetes de Gestão (bureaux de gestion), um em
cada zona judiciária, que visam promover a profissionalização das funções de
gestão da organização judiciária.
De acordo com as recomendações do Conselho Superior da Justiça
(Conseil Supérieur de la Justice), os Gabinetes de Gestão (bureaux de gestion)
serão presididos por um magistrado (directeur général). O Director Geral
(directeur général) deverá ser auxiliado por dois sub-directores: um
responsável pela gestão dos recursos humanos e outro pelo orçamento e pelas
questões financeiras, com poderes para dar parecer não vinculativo96 sobre
todas as decisões dos órgãos locais que constituam a assumpção de
obrigações financeiras.
Estes gabinetes auxiliarão os diferentes órgãos de gestão,
designadamente em matéria de gestão orçamental e financeira, gestão de
recursos humanos, arbitragem e gestão de créditos, comunicação com o SPFJ.
Embora sejam serviços descentralizados estão hierarquicamente dependentes
do director geral da Organização Judiciária do SPFJ.
Esta Direcção-Geral tem, ainda, o dever de reunir regularmente os
directores dos cinco Gabinetes de Gestão (Bureaux de Gestion) para a
96 Embora requeira a intervenção do Comité de Direction du Ressort e, em último caso, se a primeira decisão for confirmada, à arbitragem do Ministro da Justiça.
66 A Experiência da Bélgica
definição de métodos de trabalho e de procedimentos conjuntos, assim como
para a divulgação de boas práticas.
3.3.4. Os Serviços de Apoio às Jurisdições (Services de
Soutien aux Jurisdictions)
Os Serviços de Apoio às Jurisdições (Services de Soutien aux
Jurisdictions) poderão ser criados junto dos escrivãs de direito (greffes) ou dos
secretários do Ministério Público, englobando, ao nível local, todas as tarefas
administrativas desempenhadas pelos Serviços de Enquadramento (Services
d’Enquadrement). Estes serviços estarão sob a autoridade do Comité de
Direcção do Distrito ou da Zona Judiciária (Comité de Diréction du
Arrondissement ou du Ressort) que deverão evitar a sobreposição de funções
entre estes serviços e o Gabinete de Gestão.
3.3.5. A descentralização faseada
O Plano prevê o faseamento da descentralização das competências de
gestão e execução orçamental em três fases. A primeira terá como objectivo a
determinação do orçamento concreto (todas as despesas e receitas) de cada
unidade administrativa (distrito - arrondissement - e zona judiciária).
A segunda fase consistirá na atribuição de um orçamento fictício e no
envolvimento das autoridades judiciárias locais na preparação do orçamento do
ano seguinte. O Comité de Direcção da Zona Judiciária (Comité de direction du
ressort) terá competências para arbitrar as pretensões dos distritos
(arrondissements) de modo a assegurar a coerência do sistema. Os cinco
Gabinetes de Gestão (bureaux de gestion), os Primeiros Presidentes (premiers
présidents) e os Procuradores Gerais (procureurs généraux) serão os
correspondentes da autoridade central em questões de orçamento.
A terceira fase consistirá na transferência das verbas aprovadas e a
atribuição da gestão de um orçamento real, quer às zonas judiciárias, quer aos
distritos (arrondissements).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 67
3.3.6. A mobilidade dos recursos humanos
A descentralização da gestão dos recursos humanos implicará uma maior
mobilidade dos magistrados e dos funcionários. Maior mobilidade implica uma
maior uniformização das tarefas, maior dinamismo e maior capacidade de gerir
situações de excesso de trabalho ou de bloqueio temporário, permitindo
aumentar a rapidez da justiça.
A mobilidade dos magistrados será reforçada ao nível intermédio da área
judiciária de modo a possibilitar respostas rápidas e eficazes, como por
exemplo, um tribunal que esteja com problemas de atrasos, excesso de
trabalho ou ausência ou impossibilidade de um magistrado.
O reforço da mobilidade dos funcionários será efectuado ao nível do
distrito (arrondissement), através da constituição de uma bolsa de com o
objectivo de responder temporariamente a uma determinada equipa. Essa
bolsa estará sob a alçada geral do Comité de Direcção do Distrito (Comité de
direction de l’arrondissement) e, em particular, será da responsabilidade do
Secretário Judicial (chef des greffes). Para as restantes categorias (secretários
e juristas do Ministério Público) a mobilidade será analisada de um modo
similar.
Será revisto o modo de nomeação do pessoal administrativo,
nomeadamente, alterando a legislação de modo a permitir a colocação de uma
pessoa não na unidade orgânica (tribunal do trabalho, tribunal do comércio,
etc.), mas na entidade geográfica (o distrito - arrondissement).
A descentralização permitirá, igualmente, um planeamento das
necessidades reais de pessoal, o que hoje, dada a distância entre entidade de
decisão e tribunais, não acontece. Também a formação será organizada, ainda
que em colaboração com o SPFJ, ao nível descentralizado.
Igualmente ao nível descentralizado, serão organizados os concursos e a
selecção para contratação de pessoal e serão decididos os litígios relacionados
com a relação laboral.
68 A Experiência da Bélgica
Também serão descentralizadas as competências para ajustamento das
prestações de trabalho dos magistrados e dos funcionários administrativos,
nomeadamente, a decisão sobre a diminuição de horário de trabalho,
autorizações de faltas por força maior e para formação e o reconhecimento da
responsabilidade por acidentes de trabalho. Estas novas competências
implicarão a necessidade de discussões e de concertação com os
representantes das profissões judiciárias ao nível descentralizado.
3.3.7. A descentralização de outros serviços
O Plano Thémis prevê, ainda, a descentralização da competência para a
realização de determinados actos requeridos pelos tribunais durante os
julgamentos e a instrução dos processos, nomeadamente, escutas telefónicas,
traduções, análises de DNA, perícias, etc. O Governo belga prevê a realização
de projectos-piloto nesta área a curto prazo
Essa descentralização permitirá, por um lado, uma maior legitimidade
para a aprovação ou recusa da realização desses actos, dada a maior
proximidade do centro de decisão. Por outro, permite uma maior
responsabilização dos próprios magistrados que, com formação adequada,
deverão saber gerir os meios escassos que têm à sua disposição, definindo
limites semi-rígidos para os custos de processos de determinada natureza.
O SPFJ mantém, contudo, nesta matéria uma competência de decisão
em última instância e de supervisão.
3.3.8. Os edifícios e os recursos materiais
Embora o SPFJ mantenha algumas competências nesta matéria,
nomeadamente de auxílio e de coordenação, a gestão dos edifícios e dos
recursos materiais será atribuída, em larga medida, aos órgãos
descentralizados.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 69
Serão descentralizadas as competências relativas à aquisição de bens de
consumo, de mobiliário, telemóveis, instalações de segurança, instalações de
equipamento áudio e de documentação jurídica.
Também será descentralizada a responsabilidade pelos custos de
manutenção e de gestão quotidiana dos edifícios.
No que se refere aos edifícios ou bens utilizados em conjuntos pelo
judicial e pelo Ministério Público, a sua gestão será feita ao nível local em
coordenação. Essa coordenação deverá ser ensaiada nos projectos-piloto não
existindo, do nosso conhecimento, um modelo concreto proposto pelo Governo.
70 A Experiência da Bélgica
4. A Experiência da Holanda: o Conselho Judiciário Para a Administração da Justiça e os Conselhos de Gestão
O sistema judicial holandês encontra-se, actualmente, dividido em três graus de
jurisdição: tribunais distritais (19), tribunais de recurso de competência genérica (5) e
especializados em direito administrativo (3) e o Tribunal Supremo.
No quadro das reformas da administração da justiça realizadas entre 1998 e
2002, foi criada a Comissão Leemhuis, que apresentou várias propostas no sentido
de melhorar o sistema judiciário, nomeadamente, formulando um novo modelo de
gestão dos tribunais através da introdução de um sistema de gestão integrada e
propondo a criação de dois novos órgãos de organização e gestão dos tribunais: o
Conselho Judiciário para a Administração da Justiça e os Conselhos de Gestão dos
tribunais distritais, órgãos que exercem funções desde 2002.
O Conselho Judiciário para a Administração da Justiça tem competências de
coordenação e de supervisão da acção dos tribunais, prestando apoio no exercício
das suas funções específicas, e como “intermediário” entre o Ministério da Justiça,
agora apenas responsável politicamente pelo funcionamento do sistema judiciário
como um todo, e os tribunais. Tem quatro tipos de competências distintos: de
orçamento e distribuição de verbas, de gestão dos recursos humanos e materiais, de
promoção da qualidade dos serviços e competências consultivas. É composto por
cinco membros, sendo que três destes, incluindo o seu presidente, pertencem ao
judiciário, enquanto que os restantes dois deverão ter experiência de relevo em
administração e gestão públicas.
Os Conselhos de Gestão dos tribunais distritais são responsáveis pela sua
administração e gestão quotidiana, designadamente, pela elaboração do orçamento e
pela gestão das verbas atribuídas pelo Conselho Judiciário para a Administração dos
Tribunais às diferentes secções dos tribunais distritais, pela gestão de recursos
humanos, pela avaliação do seu desempenho, pelas instalações, pela segurança e
pelas tecnologias de informação e comunicação. São constituídos pelo juiz-presidente
do tribunal, que a ele preside, pelo administrador do tribunal e pelos vários vice-
presidentes coordenadores das secções do tribunal.
Em tribunais de menor dimensão pode ser constituída uma equipa de gestão,
apoiada por um conjunto de serviços.
72 A Experiência da Holanda
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 73
Introdução
O sistema judicial holandês era, até 1998, composto por quatro níveis de
tribunais, hierarquicamente distribuídos: tribunais sub-distritais ou municipais
(62), que tinham competência, por exemplo, para decidir disputas simples de
natureza cível, ofensas menores; tribunais distritais (19), com competência, por
exemplo, para decidir disputas complexas de natureza criminal e litígios em
matéria de direito comercial com elevado interesse financeiro; tribunais de
recurso (5), com competência para decidir recursos e para dirimir litígios em
matéria de impostos; e Supremo Tribunal (1), a instância hierarquicamente
superior. Sendo que, o tribunal superior para o direito administrativo
denominava-se Conselho de Estado (Council of State).
Entre 1998 e 2002, houve lugar a uma remodelação da organização
judiciária, que consistiu, fundamentalmente, na extinção dos tribunais
sub-distritais (que foram incorporados nos tribunais distritais) e na divisão do
actual sistema judicial holandês em três graus de jurisdição: tribunais distritais
(19), tribunais de recurso de competência genérica (5) e especializados em
direito administrativo (3) e o Tribunal Supremo (cf Figura seguinte)97.
97 Para um melhor conhecimento da reforma do sistema judiciário holandês, cf. o Relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa “A Geografia da Justiça – Para um novo mapa judiciário”, 2006, Capítulo I, pp. 27 e ss.
74 A Experiência da Holanda
Figura 5 Organização judiciária holandesa
Supreme Court
Court of Appeal (5)
District Courts (19)
Central Appeals Tribunal
Trade and Industry
Appeal Tribunal
Court DivisionState Council
Civil and criminal law Administrative law
Fonte: CEPEJ
Aquela incorporação dos tribunais sub-distritais, de acordo como Pim
Albers98, foi, em alguns casos, meramente administrativa, já que, na prática,
apenas foi alterada a sua designação de “tribunais municipais” para “secção
municipal dos tribunais distritais”. Na verdade, mantiveram-se, assim, para
além dos dezanove tribunais distritais, 61 secções municipais daqueles99, com
competência para a resolução de litígios cíveis de baixo valor, respeitantes a
arrendamento e ao não pagamento de coimas relacionadas com infracções
rodoviárias, entre outros.
98 Albers, 2005: 9. 99 Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 5.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 75
4.1. A organização judiciária
4.1.1. Supremo Tribunal
O Supremo Tribunal é o tribunal hierarquicamente superior do sistema
judicial holandês, julgando, em matéria de direito, os recursos de processos
civis, criminais e fiscais. Tem, ainda, competência para julgar, em primeira
instância, os actos criminais dos membros do Parlamento, dos Ministros e dos
Secretários de Estado, bem como para decidir os processos disciplinares mais
graves dos magistrados100.
4.1.2. Tribunais de recurso
Os tribunais de recurso de competência genérica têm competência para
julgar os recursos interpostos dos tribunais distritais, em matéria cível e
criminal, e das decisões dos inspectores de impostos.
Os recursos em matéria de direito administrativo devem ser interpostos
nos seguintes tribunais superiores: Tribunal de Recursos Central (Central
Appeals Tribunal), sedeado na cidade de Utreque, com competência para
julgar os conflitos relativos à segurança social e conflitos do âmbito dos
contratos de trabalho da função pública; Tribunal de Recursos de Comércio e
de Indústria (Trade and Industry Appeals Tribunal), sedeado em Haia, que
conhece os recursos em matéria de direito administrativo, em especial, da
aplicação de leis específicas, tais como a Lei da Concorrência e a Lei das
Telecomunicações; ou na Secção Judicial do Conselho de Estado (Court
Division of the State Council), com competência para julgar, entre outros, os
recursos em matéria de imigração.
100 Albers, 2004a: 3.
76 A Experiência da Holanda
4.1.3. Tribunais distritais
Os tribunais distritais são os tribunais de primeira instância com
competência para julgar acções de natureza criminal, cível e administrativa.
As regras da competência territorial são, em regra, definidas de acordo
com os aspectos geográficos relevantes do caso, como, por exemplo, o
domicílio do arguido ou das partes, ou o local da prática do facto. No direito
civil, as partes podem convencionar qual o tribunal competente para dirimir o
seu litígio – forum shopping101.
A Figura seguinte ilustra a organização de um tribunal distrital.
Figura 6 Estrutura de um tribunal distrital
Fonte: CEPEJ
101 Existem, contudo, alguns tribunais designados para decidir certas disputas civis, como, por exemplo, a entreprise division of the Amesterdam Court of Appeal (Albers, 2003: 2).
President e
Coordinating Vice -Presidents
Director of
conduct of business
S ecção administ rativa
Vice -President
Secção civil
Vice -President
Secção criminal
Vice - President
S ecção do munici plal court
Vice -President
Divisão 1 (direito da
segu rança social)
Juizes -
Presidentes
Divisão 2 (direito da
segu rança social)
Juizes -
Presidentes
Divisão 3 (outras
questões do direito
administrativo )
Juizes - Presidentes
Divisão 4 (direito d os
imigrantes
Juizes -Presidentes
Unidade das questões
relacionadas com o Direito
da Família
Unidade das questões
relac ionadas com o Direito
Comercial
Unidade do
Juiz singular (Police judge)
Unidade
d o colectivo de juizes
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 77
Apesar de não existirem tribunais especializados em primeira instância,
existem, na maioria dos tribunais distritais, três secções especializadas
relacionadas com as três grandes áreas da justiça (civil, criminal e
administrativo), assim como uma secção que engloba departamentos com
competência territorial ao nível dos municípios denominados municipal court
units. Para além destas quatro secções, em alguns tribunais há outra secção
especializada102 que julga ou os casos referentes a família e menores ou as
situações referentes à imigração. É o Conselho de Gestão de cada tribunal
distrital que determina a existência dessa outra secção103.
Dentro de cada uma das secções especializadas, podem, ainda, existir
diferentes unidades, consoante a natureza dos litígios. Por exemplo, a secção
administrativa pode ter unidades para decidir litígios relacionados com o direito
da segurança social, questões de imigração e questões relativas a funcionários
públicos.
Na área cível, existem duas secções diferentes: a secção do tribunal
municipal e a secção cível. A secção do tribunal municipal julga as pequenas
causas cíveis, de rápida e simples resolução e de pequeno valor (por exemplo,
o não pagamento de coimas aplicadas por excesso de velocidade); a secção
cível julga os processos complexos e os processos de grande valor, bem como
os relacionados com o direito de família (por exemplo, de valor superior a 10
000 euros, os divórcios e outros processos de família).
A secção criminal tem competência para julgar, quer a pequena e média
criminalidade, quer a criminalidade mais grave. Os casos menos graves,
puníveis com pena de prisão até um ano (por exemplo, furtos e roubos), são
decididos por um juiz singular, enquanto que os casos mais graves (relativos a
homicídio, criminalidade organiza, etc.) são decididos por um colectivo de três
juízes.
102 O número máximo de secções de um tribunal distrital é de cinco. 103 Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 5.
78 A Experiência da Holanda
A secção administrativa tem competência para decidir os processos
relacionados com a segurança social, os processos dos funcionários públicos e
os relativos a questões de imigração. Estes casos são, em regra, decididos por
um juiz singular, embora este possa entender, devido à importância da questão
controvertida, que deve ser julgado em colectivo de três juízes.
Em várias situações, antes de o processo ser levado perante o tribunal
distrital, existe um procedimento administrativo prévio da responsabilidade das
autoridades administrativas104.
4.2. A Administração e Gestão do judiciário
No quadro das reformas da administração da justiça, foi criada a
Comissão Leemhuis que, em Janeiro de 1998, no seu Relatório Jurisdiction
with the Time, apresentou várias propostas no sentido de melhorar o sistema
judiciário. No âmbito desta Comissão, o programa de reforço do judiciário, o
Projecto PVRO, veio formular um novo modelo de gestão dos tribunais através
da introdução de um sistema de gestão integrado.
De entre as medidas consideradas, propôs a criação de um órgão colegial
de gestão ao nível dos tribunais de distrito: o Conselho de Gestão
(Management board), e a criação de um Conselho Judiciário para a
Administração da Justiça, a nível nacional. 105
Na sequência desse Relatório, foram publicadas as Leis sobre a
Organização e Gestão dos Tribunais e o Conselho Judiciário para a
Administração da Justiça, as quais entraram em vigor a 1 de Janeiro de 2002.
Foram, assim, criados dois novos órgãos de organização e gestão dos
104 Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 6. 105 Como supra se referiu, para um conhecimento mais detalhado deste Programa e da recente reforma da organização judiciária na Holanda, cf. o Relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa “A Geografia da Justiça – Para um novo mapa judiciário”, 2006, Capítulo I, pp. 27 e ss.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 79
tribunais: o Conselho Judiciário para a Administração da Justiça e os
Conselhos de Gestão dos tribunais distritais.
Apresentamos, de seguida, as competências destes órgãos de gestão,
das suas unidades e serviços de apoio, bem como o sistema de gestão das
secções dos tribunais distritais.
4.2.1. O Conselho Judiciário para a Administração da Justiça (Raad voor de Rechtspraak)
Como já se referiu, a Comissão Leemhuis propôs a criação de um órgão
que teria como principal objectivo definir as políticas gerais de administração
dos tribunais e auxiliar cada tribunal nesta matéria. Esta proposta baseou-se
em órgãos semelhantes, existentes em outros países da Europa,
apresentando, contudo, algumas especificidades no que respeita às suas
competências, que deveriam ser suficientemente vastas para integrar todas as
matérias relacionadas com a administração e gestão dos tribunais,
designadamente as relativas às instalações, segurança, organização
administrativa e informatização.
O Conselho seria, ainda, responsável pela definição de outras políticas
para o judiciário, nomeadamente as relacionadas com relações públicas,
cooperação judicial, gestão dos recursos humanos e qualidade de resultados.
A Comissão propôs, também, que o Conselho tivesse competências em
matéria orçamental (propostas, distribuição das verbas e controlo das
despesas). O Conselho teria ainda uma função de apoio, de promoção da
qualidade da justiça e da uniformidade de aplicação das leis nos diferentes
tribunais. No modelo proposto, é de salientar que o Conselho não seria
totalmente independente do Ministro da Justiça, dado que o Conselho iria gerir
os fundos transferidos pelo Ministério a quem teria que justificar a sua
aplicação.
Assim, partindo da proposta da Comissão, o Conselho Judiciário para a
Administração da Justiça efectivamente criado pela reforma de 2002, veio a
assumir muitas das competências então propostas. Este órgão passou, assim,
80 A Experiência da Holanda
a exercer funções administrativas que, até à data da sua constituição,
pertenciam ao Ministério da Justiça. Exerce funções de coordenador e
supervisor da actuação dos tribunais, prestando apoio no exercício das suas
funções específicas, e como “intermediário” entre o Ministério da Justiça, agora
apenas responsável politicamente pelo funcionamento do sistema judiciário
como um todo, e os tribunais (com excepção do Supremo Tribunal).
É composto por cinco membros, sendo que três destes, incluindo o seu
presidente, pertencem ao judiciário, enquanto que os restantes dois deverão ter
experiência de relevo em administração e gestão públicas. Todos são
indigitados pelo Ministro da Justiça, por um período de seis anos, renovável.
Tem quatro tipos de competências distintas: de orçamento e distribuição
de verbas, de gestão, de promoção da qualidade dos serviços da justiça e
competências consultivas.
Assim, em primeiro lugar, prepara o orçamento conjunto do próprio
Conselho e dos tribunais, distribui as verbas do Orçamento de Estado pelos
tribunais e supervisiona a implementação orçamental, sendo responsável
perante o Ministério da Justiça pela forma como os recursos são gastos,
apresentando um plano e um relatório anual relativo ao sistema judiciário.
Um indicador particularmente relevante no que concerne à distribuição
anual das verbas é o que resulta do sistema de medição do custo dos
processos através da contabilização do tempo dispendido em cada tipo de
processo. É um método objectivo, através do qual se multiplica o tempo médio
nacional dispendido por tipo de processo pelo preço médio nacional por minuto
para obter o custo médio de cada caso. Numa segunda fase, multiplica-se o
custo médio de cada caso pelo número de processos estimado, de cada tipo,
para cada tribunal, obtendo, assim, uma previsão dos custos que estarão a
cargo desse tribunal no ano seguinte.
Refira-se, ainda, que desde 1 de Janeiro de 2005 que a administração e
gestão do judiciário na Holanda opera por meio de um sistema de “perdas e
ganhos” real e não contabilístico. Em cada ano, todos os custos e as receitas
relacionadas com serviços prestados, nesse ano, são incluídos na
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 81
contabilidade de cada tribunal, deixando de ser relevante o momento do
pagamento ou do recebimento da verba.
Este sistema permite desenvolver uma percepção dos custos e das
receitas de cada caso, em cada secção, desenvolvendo uma cultura de
contabilização da actuação de cada unidade e de cada tribunal, mostrando, em
tempo real, as consequências económicas dos actos do judiciário (Conselho
Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 11).
O segundo grupo de funções refere-se à gestão de recursos humanos,
das ICT106 e dos recursos materiais. O Conselho tenta implementar, apoia e
supervisiona o desenvolvimento de uma cultura de gestão em cada tribunal.
O Conselho promove, ainda, a aplicação uniforme da lei e a qualidade do
sistema judiciário. A qualidade é um conceito-chave, no âmbito da justiça
holandesa abrangendo tanto a qualidade das decisões como a qualidade do
desempenho dos tribunais. Refira-se, contudo, que, recentemente, o enfoque
tem vindo a centrar-se nos custos, resultados e eficiência da administração da
justiça. No entanto, a relação entre quantidade (lidar com números elevados de
casos) e qualidade são especificamente tratadas na Lei para o Judiciário (Wet
op de Rechterlijke Organisatie) (Conselho Judiciário para a Administração da
Justiça, 2004: 13).
106 As tecnologias de informação e comunicação (ICT), cuja utilização é encorajada pelo Conselho Judiciário, compreendem as comunicações por via electrónica, a videoconferência e os sistemas de informação através dos quais o decurso do processo judicial pode ser seguido via Internet. Os tribunais distritais de Amesterdão e Roterdão, por exemplo, procuram implementar a digitalização dos processos, por forma a que todos os documentos a eles relativos são guardados digitalmente, podendo mesmo, se necessário, ser consultados na sala de audiências. Deste modo, todo o suporte em papel de um processo fica armazenado num CD-ROM ou numa pen, poupando-se assim tempo e recursos consideráveis (Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 20, 21). De acordo com um juiz da secção criminal do tribunal distrital de Roterdão (Cornely Russel), o facto de todos os presentes na sala de audiências, durante o julgamento, poderem aceder aos ficheiros correspondentes ao caso (podendo, inclusivamente, visualizar em simultâneo os meios de prova) ”torna a comunicação mais fácil e permite que a audiência se processe de forma mais justa.” (Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 20, 21).
82 A Experiência da Holanda
Exerce, igualmente, funções consultivas, aconselhando o Governo na
definição de novas políticas e na criação de nova legislação no âmbito da
administração da justiça.
Para além daquelas competências, é ao Conselho Judiciário para a
Administração da Justiça que compete representar o judiciário em debates
públicos e na articulação com os poderes legislativo e executivo no que se
refere à definição das políticas de administração da justiça e da sua
regulamentação.
A cooperação entre o Conselho Judiciário para a Administração da
Justiça e os Conselhos de Gestão de cada tribunal concretiza-se,
fundamentalmente, em várias reuniões com o Conselho de Representantes
[trata-se de um corpo consultivo composto por representantes, judiciais e não
judiciais, dos tribunais (Conselho Judiciário para Administração da Justiça,
2004: 9). Reúne-se quatro vezes por ano, com o objectivo de dar informações
ao Conselho Judiciário sobre os problemas e as carências dos tribunais. Estas
reuniões são consideradas de grande importância para o Conselho como meio
de “ouvir” o que se passa no terreno] e com os Conselhos de Gestão dos
tribunais, em que se definem práticas e procedimentos,107 bem como na
análise periódica de relatórios de actividade enviados pelos tribunais (em regra,
um quadrimestral e um anual).
Em conjunto com o Studicentrum Rechtpleging (SSR)108, e com os
Conselhos de Gestão dos tribunais é, também, responsável pelo recrutamento,
selecção e formação de magistrados e secretários judiciais. Organizam a
107 Por exemplo, em conjunto com os Conselhos de Gestão dos tribunais, o Conselho Judiciário formulou um conjunto de políticas prioritárias, publicadas na «Agenda para o Judiciário 2005-2008» que diziam principalmente respeito à forma como o judiciário é gerido, nomeadamente, a definição dos tipos de casos relevantes e da duração normal desses tipos de casos, os modos de defesa da independência e imparcialidade do judiciário e as formas de promoção da uniformidade da aplicação da lei (Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 9). 108 O Studicentrum Rechtpleging é o centro de formação judicial e do Ministério Público na Holanda (Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 9).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 83
selecção e a formação inicial de magistrados judiciais, do ministério público e
de secretários judiciais e monitorizam, também, a qualidade da formação
prestada.
O Conselho Judiciário para a Administração da Justiça é assessorado por
um(a) Secretário(a)-Geral (Secretary General), que é, simultaneamente, o(a)
Director(a) do Gabinete do Conselho (Council Bureau).
O Gabinete do Conselho Judiciário para a Administração da Justiça
presta assistência ao Conselho nas suas várias actividades e realiza trabalhos
preparatórios. De acordo com informações disponibilizadas pelo próprio
Conselho, o Gabinete dispõe de uma equipa de gestão, composta pelo(a)
Secretário(a)-Geral e pelos Directores das unidades que o compõem.
Actualmente, trabalham neste organismo cerca de 150 funcionários.
O Gabinete do Conselho encontra-se dividido em cinco unidades ou
serviços: comunicação e informação, controlo financeiro e orçamental, gestão
das operações, estratégia e desenvolvimento, e serviços de apoio logístico.
À unidade de comunicação e informação (cabinet and information service)
compete a execução de todo o trabalho de secretariado de apoio aos membros
do Conselho Judiciário para a Administração da Justiça. Para além dessa
função, aquela unidade desempenha funções em matéria de relações públicas,
imprensa e informação ao público em geral, comunicações internas do sistema
judiciário e consultoria na área jurídica, administrativa e das comunicações.
Actualmente, esta unidade está, ainda, encarregada da organização das
reuniões entre presidentes dos vários tribunais e entre os funcionários dos
diferentes serviços do Conselho Judiciário para a Administração da Justiça.
A unidade de controlo financeiro e orçamental (budget and financial
control) é responsável pela preparação do orçamento para o judiciário e pela
distribuição das verbas pelos tribunais. Esta unidade possui um papel central
na planificação do financiamento anual e no controlo orçamental. Para além
disso, coordena os sistemas de controlo do trabalho dispendido em cada
processo e controla a gestão financeira e a organização administrativa dos
tribunais.
84 A Experiência da Holanda
A unidade de gestão das operações (business operations unit) é o órgão
do Conselho Judiciário que apoia os tribunais na gestão dos recursos
humanos, no desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação,
na aquisição e manutenção de edifícios e na realização de contratos.
A unidade de estratégia e desenvolvimento (strategy and development) é
responsável pela promoção da qualidade da legislação e desempenha o papel
consultivo do Conselho Judiciário no âmbito da produção de nova legislação
respeitante ao judiciário e sua organização, efectuando estudos preliminares de
cariz científico. Compete-lhe, assim, delinear a estratégia e o desenvolvimento
de políticas para o judiciário, tentando proporcionar uma abordagem multi-
disciplinar. Neste âmbito, procura criar estratégias de cooperação quer entre os
tribunais e o Ministério da Justiça, quer com as universidades e outras
organizações, tanto no território nacional como no estrangeiro. Tem, ainda, a
competência de monitorizar a aplicação de nova legislação respeitante ao
judiciário109.
A unidade interna de serviços de apoio (internal support services) é
responsável pela gestão interna do Conselho Judiciário, cabendo-lhe assegurar
a logística, a formação do pessoal e as suas condições de trabalho. Para tal,
encontra-se dividida em quarto secções, uma responsável pelas instalações,
109 Para monitorizar a execução das reformas, foi desenvolvido um sistema de avaliação intensiva, denominado Monitor da Justiça (JIM). São contactadas, periodicamente, por uma agência de pesquisa de mercado, 400 pessoas holandesas, com mais de 18 anos, seleccionadas aleatoriamente, para responderem a algumas perguntas sobre o estado da justiça. Os resultados daquela pesquisa têm demonstrado que a maioria dos inquiridos estão satisfeitos com o desempenho dos tribunais. Concretamente, no que se refere aos cinco objectivos propostos pelo Programa “Administração da Justiça no século XXI”, uma grande parte dos inquiridos apoiam-nos e consideram eficazes as reformas introduzidas. Contudo, muitos dos inquiridos denunciam outros factores que deveriam merecer a atenção das reformas, designadamente a clarificação dos procedimentos legais, a simplificação da linguagem usada pelos juízes e a redução dos custos da justiça. A implementação do sistema de monitorização teve como pressuposto a ideia de que “a confrontação dos objectivos do Plano estratégico com a opinião pública, contribuem para o desenvolvimento da qualidade profissional do judiciário. A confrontação sistemática estimula o judiciário a tomar mais consciência da importância da sua interacção profissional com a sociedade” (Lauwaars, 2000: 6).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 85
outra pela organização e desenvolvimento do Conselho, pelas finanças e pelos
arquivos de biblioteca.
4.2.2. A administração e gestão dos tribunais distritais
O Conselho de Gestão dos tribunais distritais
Como se referiu, a Lei sobre a Organização e Gestão dos Tribunais (Wet
organizatie en bestuur gerechten) introduziu, com efeitos a partir de 1 de
Janeiro de 2002, o conceito de “gestão integrada” nos tribunais. Assim, em
cada tribunal distrital existe, actualmente, um Conselho de Gestão, responsável
pela sua gestão quotidiana.110 É responsável, entre outras, pela elaboração do
orçamento e pela gestão das verbas atribuídas pelo Conselho Judiciário para a
Administração dos Tribunais às diferentes secções dos tribunais distritais, pela
gestão de recursos humanos111, pela avaliação do seu desempenho112, pelas
110 Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 10. 111 Neste âmbito, merece referência a iniciativa pioneira do tribunal distrital da cidade de Groningen na criação de um Comité de Ética. Fundado no ano de 2002, este comité tem uma dupla função: por um lado, prestar aconselhamento deontológico (não vinculativo) aos juízes do tribunal (especialmente em casos de impedimentos e escusas) e, por outro, registar as participações contra os juízes do tribunal, bem como manter um arquivo actualizado de decisões relativas a questões deontológicas provenientes de variadas entidades (Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 12, 13). Apesar de Groningen ser o único tribunal distrital a possuir um órgão semelhante, de acordo com o referido pelo Conselho Judiciário, tendo em conta o sucesso atingido e o interesse despertado por esta iniciativa em outros tribunais, “esta posição de monopólio não deverá manter-se por muito mais tempo” (Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 12). 112 Foi implementado um sistema de standards de performance dos tribunais, baseado na experiência dos EUA (TCPS). A avaliação do desempenho é efectuada através dos seguintes factores: 1. Independência e integridade do judiciário; 2. Uniformidade na aplicação da lei; 3. Rapidez no andamento dos processos e diminuição das pendências; 4. Conhecimentos técnicos; 5. Atitude do juiz; 6. Acesso à justiça e abertura à sociedade. Para cada um dos factores foram definidos indicadores específicos. No que respeita ao primeiro factor - independência e integridade do judiciário - foram definidos, como indicadores mais importantes, os seguintes: declaração rigorosa de eventuais actividades paralelas, definição de um método rigoroso de distribuição dos processos aos juizes, funcionamento
_____________
86 A Experiência da Holanda
instalações, pela segurança e pelas tecnologias de informação e
comunicação113.
O Conselho de Gestão é constituído pelo juiz-presidente do tribunal, que
a ele preside, pelo administrador do tribunal e pelos vários vice-presidentes
coordenadores das secções do tribunal114. O Conselho de Gestão define
planos de acção, sistemas de informação eficiente e processos de avaliação
interna. Cada membro do Conselho de Gestão é responsável pela direcção do
serviço do tribunal que se encontra sob a sua responsabilidade,
nomeadamente, pela realização efectiva das suas funções jurisdicionais, pelas
infra-estruturas, pelos recursos humanos e pelo orçamento.
O modelo específico de gestão dos tribunais distritais depende da sua
dimensão. Em tribunais de maior dimensão (mais de 100 juízes), pode ser
constituída uma equipa de gestão, encarregue da gestão corrente115 e
composta pelo administrador e por um vice-presidente de uma das secções
com qualidades de gestão reconhecidas, apoiados por um conjunto de serviços
eficaz do controlo das queixas. No que respeita ao segundo factor - uniformidade de aplicação da lei – o Projecto prevê os seguintes indicadores: movimento estatístico do número e natureza dos processos judiciais por secção; opinião dos advogados e dos litigantes frequentes sobre a uniformidade de aplicação da lei; e avaliação do uso de instrumentos auxiliares dos juizes, designadamente os modernos sistemas de comunicação e informação. No que respeita ao terceiro factor - celeridade processual e da diminuição das pendências - são utilizados os seguintes indicadores: duração média dos processos e produtividade média, por secção, dos juizes. No que se refere aos indicadores específicos do quarto factor - os conhecimentos técnicos - é salientada a análise da percentagem de recursos/anulações em relação ao total de processos findos por juiz. A avaliação da atitude e comportamento dos juizes – quinto factor - é feita, tendo em conta, sobretudo, a sua conduta e as capacidades de comunicação durante as sessões de julgamento. Quanto ao sexto factor, a recolha de dados é feita recorrendo a várias fontes e métodos, designadamente, as auditorias e inquéritos aos utentes. Para tratar informaticamente os dados recolhidos, foi criado um programa informático, denominado “performance-explorer”. Esse programa permite obter informação muito diversificada sobre o funcionamento do tribunal, designadamente no que respeita à produtividade dos juízes, à duração dos processos e custos. Cf. o Capítulo III do Relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa “A administração e Gestão da Justiça: Análise comparada das tendências de reforma”, de 2001, coord. por Conceição Gomes. 113 Albers, 2004a: 4. 114 Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 9. 115 Esta equipa prepara as decisões mais importantes, após consultar os vice-presidentes coordenadores das secções, em reuniões semanais ou quinzenais, enquanto que todo o Conselho de Gestão se reúne mensalmente.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 87
(responsáveis por infra-estruturas, gestão de recursos humanos, finanças e
auditoria, segurança, serviço de informações e biblioteca)116. Em tribunais de
menor dimensão, a sua organização e gestão centra-se na cooperação que se
estabelece entre o juiz-presidente, o administrador e os vice-presidentes
coordenadores das secções.
A gestão das secções dos tribunais distritais
Como já foi referido, em geral, os tribunais distritais estão divididos em
pelo menos quatro secções especializadas. Cada uma destas secções é
gerida, em regra, por um vice-presidente coordenador, que é um juiz sénior,
assessorado por um gestor.
Todavia, a estrutura organizativa varia de tribunal para tribunal, de acordo
com a sua dimensão. Em tribunais de maior dimensão, o vice-presidente de
secção poderá ser auxiliado por um grupo de apoio ou por uma secção (não-
judicial) de coordenação, composto por um secretário e/ou um gestor
assistente, para além de um assessor para a área da gestão de recursos
humanos. Estas secções que podem ser compostas por 30 a 50 juízes terão,
no geral, cerca de 120 funcionários, entre advogados-assistentes
especializados, funcionários judiciais e secretários judiciais.117
Compete-lhes a monitorização do desempenho dos juízes e dos
funcionários, realizando reuniões de planeamento, de avaliação, de discussão
de jurisprudência e, por vezes, acompanhando determinados julgamentos.
116 Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, 2004: 10. 117 Os funcionários judiciais prestam apoio ao juiz na preparação das audiências e no exercício das suas funções jurisdicionais. Na sua maioria, estes funcionários judiciais são licenciados em direito, embora não se trate de requisito obrigatório. Existem, em média, dois funcionários judiciais por juiz, sendo que estes funcionários trabalham com todos os juízes da respectiva secção, não estando, portanto, o seu serviço adstrito a um só magistrado. Por seu turno, os funcionários administrativos são responsáveis pelos assuntos administrativos e pelo registo das entradas e saídas dos processos. A relação funcionário administrativo/juiz é de 1½ / 1
88 A Experiência da Holanda
Em tribunais de menor dimensão, as secções são geridas apenas pelo
respectivo vice-presidente coordenador e por um gestor/coordenador (não
jurista). Nesses casos, o vice-presidente coordena os juízes (de 35-70) e o
gestor os demais funcionários.
Compete aos órgãos de gestão das secções dos tribunais distritais uma
gestão mais concreta do orçamento e a definição do plano de actividades,
assim como a avaliação e a monitorização da performance dos juízes. O
desempenho destes é medido utilizando indicadores de performance e de
qualidade. Com base no sistema de avaliação da performance definido pelo
Conselho Judiciário para a Administração da Justiça e pelo Conselho de
Gestão do tribunal, são recolhidos e avaliados, relativamente a cada juiz, o
número de protestos/reclamações, a percentagem de recursos, o nível de
satisfação pública, a formação e as actividades extra-judiciais. A conjugação
das avaliações individuais permite medir também a performance de uma
secção ou, mesmo, de um tribunal. Com base nesta avaliação, as secções
podem propor ao Conselho de Gestão do tribunal alterações ao seu
funcionamento com vista a introduzir melhorias sistemáticas, alterações essas
que devem, também, ser avaliadas posteriormente118.
118 Idem.
5. A Experiência da Noruega: a National Courts Administration
Na Noruega existem os seguintes tribunais judiciais: o Supremo Tribunal, o
Interlocutory Appeals Committee of the Supreme Court, os tribunais de recurso e os
tribunais distritais. Em matéria cível, em regra, todas as acções têm que ser apreciadas
previamente pelos conselhos de conciliação. Existem, ainda, alguns tribunais
especializados com competência limitada a algumas matérias, como por exemplo, os
tribunais de terra (Land Consolidation Courts) e os tribunais de trabalho (Labour Courts)
Até 2002, a administração dos tribunais era da responsabilidade do Ministério da
Justiça, através do Departamento de Administração dos Tribunais, criado em 1996. A
administração interna de cada tribunal era da competência do presidente do tribunal, que
era, necessariamente, um juiz. Nos tribunais de maior dimensão, a administração central
podia criar cargos de natureza estritamente administrativa, para cujo exercício as pessoas
eram contratadas directamente pelos tribunais, funcionalmente dependentes dos
presidentes daqueles, actuando como seus auxiliares especializados.
Em Novembro de 2002, foi criada a National Courts Administration
(Domstoladministrasjonen), um organismo independente que assumiu os poderes de
administração do sistema judiciário, que até então, eram da competência do ministério da
justiça.
A National Courts Administration, sedeada em Trondheim, tem competência,
designadamente para a gestão central dos recursos humanos e materiais ao serviço da
administração da justiça e em cooperação com o Ministério da Justiça, planear o
orçamento do judiciário, propondo-o ao Parlamento. Em cooperação com os tribunais, é
responsável pela aquisição e gestão dos edifícios, pela legitimação da estratégia
financeira e pela implementação de medidas administrativas, de execução e
monitorização do orçamento anual.
O órgão principal da National Courts Administration é o Conselho de Administração.
Este órgão é auxiliado por um Director Executivo que, por sua vez, superintende os sete
departamentos que gerem áreas específicas do funcionamento do sistema judicial: os
recursos humanos, as finanças e o património, os assuntos jurídicos, o apoio
administrativo, as tecnologias de informação e comunicação, as relações públicas e os
tribunais especializados.
Ao nível de cada tribunal, foi reforçado o cargo de Presidente do Tribunal.
90 A Experiência da Noruega
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 91
Introdução
Na Noruega, apesar da independência dos tribunais ser garantida pela
Constituição, o Parlamento é responsável pela organização daqueles, em
especial, pela definição do número de tribunais, pela sua localização e por todo
o procedimento de nomeação de juízes. No que respeita à sua administração e
gestão, é competente o National Courts Administration (NCA), um organismo
independente do Estado, cuja função é a de administrar o sistema judicial119.
5.1. A Organização Judiciária
Existem os seguintes tribunais judiciais na Noruega, com competência
para julgar crimes e acções cíveis: o Supremo Tribunal, o Interlocutory Appeals
Committee of the Supreme Court, os tribunais de recurso e os tribunais
distritais (District Courts). Em matéria cível, em regra, todas as acções têm que
ser apreciadas preliminarmente pelos Conciliation Boards (conselhos de
conciliação). Existem, ainda, alguns tribunais especializados com competência
limitada a algumas matérias como, por exemplo, os Land Consolidation Courts
(tribunais de terras) e o Labour Court (tribunal do trabalho).
5.1.1. Os tribunais comuns
O Supremo Tribunal
O Supremo Tribunal (Høyesterett) da Noruega120 é o tribunal de última
instância para casos cíveis e criminais e tem jurisdição em todo o território do
Estado. No exercício da sua jurisdição, o Supremo Tribunal é independente dos
119 Cf. http://www.domstol.no/DAtemplates/Article____3062.aspx (Dezembro de 2006) e Winsvold e Thorsen, s/d. 120 Cf. http://www.domstol.no/DAtemplates/Article____3059.aspx (Dezembro de 2006); http://www.domstol.no/DAtemplates/Article____3057.aspx (Dezembro de 2006); e http://www.hoyesterett.no/1394.asp (Dezembro de 2006).
92 A Experiência da Noruega
outros poderes estaduais e, assim como todos os restantes tribunais, tem
poderes de fiscalização da constitucionalidade das leis e da constitucionalidade
e legalidade dos regulamentos e decisões administrativas.
O Supremo Tribunal assegura, igualmente, a uniformidade da aplicação
da lei e a resolução de casos em que a lei aplicável suscita interpretações
divergentes, assim como casos específicos em que se mostre necessária a
aplicação da lei existente a novas problemáticas. O processo é, em regra, oral
e público embora as regras de produção de prova sejam substancialmente
diferentes das aplicadas nos tribunais de primeira instância.
É composto por 18 juízes (justices) e um Chief Justice (presidente do
Supremo Tribunal). A maioria dos casos são decididos por um painel de cinco
juízes. O Supremo está dividido em duas secções com competências e
estruturas paralelas. Para além dessas secções existe, ainda, o Interlocutory
Appeals Committee of the Supreme Court que, embora esteja classificado
como um tribunal autónomo, é composto por painéis de três juízes e tem a
função de decidir recursos de decisões interlocutórias e de filtrar os recursos
que devem ser decididos pelo Supremo Tribunal. Esta secção do Supremo
Tribunal julga os casos em colectivos de três juízes que exercem,
rotativamente, funções nesta comissão.
Os juízes integram cada uma das secções do Supremo Tribunal ou do
Interlocutory Appeals Committee of the Supreme Court (Høyesteretts
kjæremålsutvalg) de acordo com um sistema de rotatividade.
O Supremo Tribunal tem um gabinete administrativo (office of the
Supreme Court) composto por um director, um secretário de justiça (senior law
clerk) e 13 escrivães (law clerks). Este gabinete auxilia, em primeiro lugar, o
Interlocutory Appeals Committee of the Supreme Court, embora os funcionários
também desempenhem funções auxiliares para o Supremo Tribunal e para o
próprio director do gabinete. Para além destes, o staff do Supremo Tribunal é
composto, entre outros, por dois secretários colocados nas duas secções do
tribunal, um gestor, 15 escrivães e um bibliotecário.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 93
Os tribunais de recurso (Courts of Appeal)
Os tribunais de recurso (lagmannsrett) são seis, situados em Oslo,
Hamar, Skien, Bergen, Trondheim, e Tromsø (com competência,
respectivamente, nas regiões de Borgarting, Eidsivating, Agder, Gulating,
Frostating e Hålogaland). Estes tribunais têm entre 10 a 40 juízes (contando
com os juízes presidentes de cada tribunal) e julgam os recursos das decisões
cíveis121 e criminais dos tribunais de primeira instância.
No julgamento dos recursos cíveis os tribunais de recurso são compostos
por 3 juízes profissionais, auxiliados, quando necessário, por 2 ou quatro juízes
leigos. Os recursos de processos-crime podem ser gerais (quanto à culpa do
acusado) ou limitados (quanto à sentença). Os recursos gerais são verdadeiros
julgamentos que, no caso de crimes puníveis com pena de prisão superior a
seis anos, o tribunal é composto por um juiz e 10 jurados, sendo necessária
uma maioria qualificada de sete votos para a condenação. No caso de recursos
gerais de crimes puníveis com pena de prisão inferior a seis anos, o tribunal é
composto por um colectivo de 3 juízes profissionais quatro juízes leigos, sendo
necessária, para a condenação, uma maioria qualificada de cinco votos
(Winsvold e Thorsen, s/d).
O parlamento norueguês definiu limites indicativos de duração para os
recursos cíveis e crime (6 e 3 meses, respectivamente). O estado dos recursos
a cargo de cada juiz é monitorizado mensalmente e, de três em três meses, é
avaliada a sua duração pelo juiz-presidente. Identificado um caso que está a
ser tratado de forma muito morosa, o juiz-presidente pode atribuir o caso a
outro juiz. Em casos de excesso de trabalho ou de impedimentos, em
colaboração com tribunais vizinhos, o juiz-presidente nomeia juízes substitutos
ou auxiliares.
121 Em 1999, a alçada dos Courts of Appeal em matéria cível era de 20.000 NOK (coroas norueguesas) embora o juiz-presidente do tribunal pudesse admitir recursos em casos de menor valor se entendesse que a questão em causa era importante (Winsvold e Thorsen, s/d).
94 A Experiência da Noruega
Os tribunais distritais (District Courts)
Os tribunais distritais ou tribunais municipais (herreds-og byrett) podem
ser tribunais rurais ou urbanos. Em Maio de 2006 existiam 76 tribunais distritais
na Noruega, embora o parlamento tenha decidido reduzir esse número para 65
em 2008122. Estes tribunais julgam, em primeira instância, casos cíveis que não
sejam julgados nos conselhos de conciliação (Conciliation Courts) (entre
outros, acções executivas e acções relacionadas com menores) e processos-
crime.
Em processos cíveis, os tribunais distritais são compostos, na maioria dos
casos, apenas por um juiz profissional que pode ser coadjuvado por peritos,
caso as partes o requeiram ou o juiz entenda necessário. Os processos-crime
são julgados por 1 juiz profissional, auxiliado por 2 juízes leigos. Em casos
especiais, o colectivo é composto por dois juízes profissionais e 3 juízes leigos.
(Winsvold e Thorsen, s/d)
Em 1999, o tribunal de primeira instância de Oslo era o maior tribunal do
país com 60 juízes e 15 juízes auxiliares, embora a maioria dos tribunais seja
de pequena dimensão (denominados sorenskriverembet) e compostos por um
ou dois juízes profissionais e, pelo menos, um juiz auxiliar (Winsvold e Thorsen,
s/d).
Os conselhos de conciliação (Conciliation Courts)
Existem, ainda, em todos os municípios (430123), os conselhos de
conciliação [Conciliation Courts (forliksråd)], compostos por três juízes leigos
eleitos. Em regra, é obrigatória a sujeição de todos os casos cíveis aos
conselhos de conciliação antes de ser intentada a acção nos tribunais distritais.
122 Cf. http://www.domstol.no/DAtemplates/Article____3058.aspx (Dezembro de 2006). 123 Thorheim, 2006:14.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 95
Os conselhos de conciliação decidem os casos em que há acordo ou não
oposição, tendo os mesmos efeitos de uma sentença.
A maioria destes processos diz respeito a casos de dívida, dada a
necessidade de uma sentença para que possa haver execução. Se uma das
partes não concordar com a solução apresentada no âmbito da conciliação a
acção segue para os tribunais distritais. Todavia, em pelo menos duas
circunstâncias, os casos não são levados em primeiro lugar aos conselhos de
conciliação: se os advogados de ambas as partes concordarem que o recurso
a este tribunal é infrutífero e se se tratar de processos de divisão de bens entre
cônjuges ou de regulação do poder paternal.
5.1.2. Os tribunais especializados
Os tribunais especializados noruegueses são tribunais de primeira
instância que actuam como parte dos tribunais distritais. Para além dos
tribunais de terras (Land Consolidation Courts) e do tribunal do trabalho
(Labour Court), existem quatro tribunais especializados, dois em Oslo, um em
Bergen e um em Stavanger124. Dado que estes dois últimos têm as mesmas
competências que os da cidade de Oslo125, não falaremos deles em detalhe.
Os tribunais de terras (Land Consolidation Courts)126
Os tribunais de terras são tribunais especializados que intervêm no
processo de consolidação/emparcelamento de terras de modo a que haja uma
menor fragmentação dos terrenos, uma exploração mais eficiente e um
124 De acordo com Thorheim, a reforma organizacional tem como princípio estrutural a diminuição de tribunais especializados, em concreto, com a eliminação dos tribunais de Bergen e de Stavanger (2006:14). 125 Thorheim, 2006:13. 126 Neste ponto seguimos de perto http://www.jordskifte.no/div/english e http://www.jordskifte.no/jsr_nor/content/download/340/1490/file/JSVENG.pdf (Dezembro de 2006).
96 A Experiência da Noruega
planeamento mais eficaz de projectos públicos, como a construção de novas
estradas.
Existem 34 tribunais de terras e 5 tribunais de terras de recurso. Estes
tribunais julgam, entre outras matérias, os processos de expropriação e os
conflitos relativos à delimitação das extremas dos terrenos. Cada tribunal de
primeira instância é composto, em regra, por um juiz e por dois juízes leigos127,
contudo casos simples podem ser julgados apenas por um juiz, enquanto que
casos mais complexos podem ser julgados por um colectivo de um juiz e quatro
juízes leigos. Por sua vez, os tribunais de terras de recurso são compostos em
regra por colectivos de cinco juízes (um profissional e quatro leigos) excepto no
julgamento de recursos de casos julgados, em primeira instância, apenas por
um juiz.
O tribunal do trabalho [Labour Court (arbeidsrett)]128
O tribunal do trabalho está situado em Oslo e tem competência para todo
o território norueguês129. Julga em primeira e única instância casos
relacionados com acordos colectivos de trabalho, quer genéricos (por exemplo,
interpretação, validade, existência de um acordo colectivo), quer concretos (por
exemplo, pedido de indemnização por violação de uma cláusula de acordo
colectivo). Todas as acções são sujeitas a uma etapa de mediação prévia à
apresentação do caso ao tribunal do trabalho.
127 Os juízes leigos são nomeados por cada municipal council e escolhidos pelo juiz para participar no julgamento de um caso concreto. 128 http://www.ilo.org/public/english/dialogue/ifpdial/downloads/lc_05/norway_1.pdf (Dezembro de 2006). 129 De acordo com Nykaas existem vários Labour Courts espalhados pelo país embora apenas julguem 3 a 5 casos por ano, dado que a praticamente todos os casos neste domínio são submetidos em primeira instância ao Labour Court situado em Oslo (2004:2).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 97
O tribunal é composto por um presidente e seis juízes, sendo três juízes
profissionais e quatro juízes leigos, escolhidos sob proposta das organizações
de trabalhadores e de empresários.
Os tribunais de execução [Execution Court de Oslo ou Office of the
City Judge (Oslo byfogdembete)]
Os tribunais de execução tem uma competência variada que inclui a
execução de dívidas, a realização de casamentos e de uniões de facto e
funções notariais (Thorheim, 2006:13).
O Probate Court e o City Recorder’s Office de Oslo (Oslo skifterett)
Este tribunal tem competência em matérias relativas à administração do
património dos de cuius, testamentos, falências e registos judiciais (Thorheim,
2006:13).
5.2. A administração e gestão dos recursos do sistema judicial
5.2.1. As tendências de reforma da administração da justiça na Noruega
O sistema judicial norueguês tem vindo, na última década, a confrontar-se
com um processo amplo de reformas com vista a dotá-lo, em especial, de
mecanismos de eficácia e de eficiência. De acordo com o anunciado, em 1996,
pelo Ministro da Justiça, na Conferência de Budapeste, o principal objectivo
daquele processo é que as reformas sectoriais possam actuar, de forma
concertada, em todo o judiciário, quer preventivamente, isto é, evitando a
entrada de casos em tribunal, quer na tramitação dos processos nos tribunais.
As reformas têm dado, por isso, igual atenção a alterações legais, quer
substantivas, quer de ordem processual, e a reformas de âmbito
organizacional. Nesta última matéria, uma das principais inovações decorre da
introdução no sistema judicial do princípio da gestão por objectivos e de um
98 A Experiência da Noruega
novo paradigma de administração dos tribunais, centrado na delegação de
competências a órgãos locais dos tribunais e com um forte envolvimento e
cooperação dos diferentes agentes judiciais.
5.2.2. A reforma da administração da justiça na Noruega antes da National Courts Administration130
Como já referimos, a reforma da administração da justiça na Noruega,
tem vindo a dar especial relevância à questão da gestão e administração dos
tribunais. Uma das principais inovações decorreu da introdução no sistema
judicial do princípio da gestão por objectivos, assente no controlo do resultado
e na qualidade final do trabalho.
A execução do novo paradigma de administração dos tribunais ocorreu,
em simultâneo, com um movimento de desconcentração, que previu a
delegação de competências de administração a órgãos locais dos tribunais e
com um forte envolvimento e cooperação dos diferentes agentes judiciais.
O movimento de desconcentração de competências pressupunha que ao
órgão de administração central dos tribunais estivessem reservadas as funções
de carácter geral, de definição do quadro geral da administração da justiça,
quer no que respeita à fixação dos objectivos gerais, quer às linhas de
actuação. Aos órgãos locais dos tribunais seriam delegadas as competências
de execução por se entender, fundamentalmente, que estes poderão actuar
com maior flexibilidade, o que lhes permite alcançar, de forma mais eficaz, os
objectivos definidos.
Até 2002, a administração dos tribunais era da responsabilidade directa
do Ministério da Justiça, através do Departamento de Administração dos
130 Cf. relatório do Observatório Permanente da Justiça “A Administração e Gestão da Justiça: Análise comparada das tendências de reforma“, 2001.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 99
Tribunais (Department of Courts Administration), criado em 1996131. Competia-
lhe todos os assuntos que dissessem respeito à administração e gestão dos
tribunais judiciais, designadamente os relativos ao pessoal, à preparação e
distribuição do orçamento dos tribunais, ao equipamento, às instalações e à
formação profissional.
Tinha, ainda, competências relativas à nomeação de juízes, contratação
de profissionais para o exercício temporário das funções de juiz, e em matéria
de impedimentos e incompatibilidades dos juízes para o exercício de outras
funções.
A administração interna de cada tribunal era da competência do
presidente do tribunal, que era, necessariamente, um juiz. Nos tribunais de
maior dimensão, a administração central podia criar cargos de natureza
estritamente administrativa, para cujo exercício as pessoas eram contratadas
directamente pelos tribunais, funcionalmente dependentes dos presidentes
daqueles, actuando como seus auxiliares especializados.
5.2.3. A National Courts Administration (Domstoladministrasjonen)
Em 1 de Novembro de 2002, a National Courts Administration
(Domstoladministrasjonen) assumiu a responsabilidade pela administração do
sistema judiciário norueguês. Este organismo foi criado em Março de 2001,
pela nova lei de organização judiciária132, com base nas propostas
apresentadas num relatório da Comissão Parlamentar sobre os Tribunais
Judiciais (Norwegian Law Court Commission), de 1999.
131 Antes da criação do Departamento de Administração dos Tribunais a competência para a administração dos tribunais estava dispersa por vários organismos oficiais, alguns não dependentes do Ministério da Justiça. 132 Parliamentary Bill no. 44 (2000-2001) - Amendments to the Courts Act (The Central Administration of Courts and the Positions of Judges).
100 A Experiência da Noruega
No quadro do princípio fundamental de separação de poderes, o Governo
e o Parlamento entenderam que os tribunais não deveriam ser sujeitos a
nenhum controlo político na realização de todas as suas funções, criando,
assim, um organismo independente que assumiu os poderes de administração
do sistema judicial que, até então, eram da competência do Ministério da
Justiça.
Contudo, no novo figurino, o princípio de separação de poderes não é
levado, em matéria de administração e gestão, às últimas consequências. Além
da cooperação, prevista na lei, para o exercício de determinadas tarefas com
outros órgãos, designadamente, com o Ministério da Justiça, o Parlamento
pode dar orientações nesta matéria e o Governo133 (o Conselho de Ministros e
não o Ministro da Justiça) pode revogar as decisões da National Courts
Administration em determinados assuntos de âmbito administrativo, embora
necessite de informar o Parlamento quando tal aconteça134.
A National Courts Administration, sedeada em Trondheim135, tem
competência para, em cooperação com o Ministério da Justiça, responsável
perante o Parlamento pelo orçamento da justiça, planear o orçamento do
judiciário e fazer propostas ao Parlamento. Em cooperação com os tribunais, é
responsável pela aquisição e gestão dos edifícios, pela estratégia financeira e
pela implementação de medidas administrativas e de execução e
monitorização do orçamento anual (de cerca de 164 milhões de euros136) 137.
Uma outra função atribuída à National Courts Administration é a de
garantir a execução dos planos de formação dos profissionais do judiciário,
133 Este poder cabe ao Governo reunido em conselho (Conselho de Ministros) e não ao Ministro da Justiça. 134 De acordo com informações prestadas por Merethe B. Ranum, senior adviser da National Courts Administration, este mecanismo ainda não foi utilizado. 135 Hagedal, 2004:193. 136 Cf. Thorheim, 2006:4-5. 137 Este orçamento inclui todos os tribunais de primeira instância e todos os tribunais de recurso (Thorheim, 2006:4).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 101
prestando apoio administrativo, entre outras tarefas, aos vários comités de
formação profissionais como, por exemplo, o Conselho de Formação Judicial
(Council for Professional Training of Judges in Norway).
É também a National Courts Administration que regista as várias
actividades extra-judiciais dos juízes e que presta apoio administrativo aos
órgãos de governo e de gestão dos magistrados como o comité de disciplina
dos juízes (Supervisory Committee for Judges) e o conselho de nomeações
judiciais (Judicial Appointments Board).
De acordo com Merethe B. Ranum, senior adviser da National Courts
Administration, este organismo, em 2005, na prossecução das suas funções,
criou um projecto de investigação denominado "LOK” [Desenvolvimento de
Liderança, Organização e Competência (Leadership, Organisation
/Management and Competence development)], com a participação de juízes e
representantes da National Courts Administration, do qual resultaram cerca de
25 relatórios sobre variados temas, com propostas e opiniões sobre o sentido
das reformas. De entre esses temas são de destacar os seguintes: a liderança
dos tribunais138, a gestão pró-activa e rápida do processo139, a reforma do
138 Neste contexto, e dada a necessidade de garantir a imparcialidade e independência dos juízes no julgamento dos casos, é necessário, no entender da National Courts Administration, definir claramente a fronteira entre o trabalho judicial e o trabalho administrativo da competência dos juízes. A moderna gestão dos tribunais implica uma liderança activa dos juízes nas questões administrativas, sem, contudo, perturbar a independência dos seus colegas, de modo a melhorar os tribunais enquanto organizações, a tornar mais eficaz a utilização dos recursos e a melhorar a satisfação, quer de funcionários, quer dos cidadãos. 139 A National Courts Administration defende que um juiz deve ser responsável pela gestão da audiência de julgamento, o que implica concentrar as questões em discussão e garantir um uso eficaz do tempo dispendido por todos os intervenientes. Esta tarefa implica, por exemplo, o estabelecimento inicial de uma calendarização do processo com as partes, definindo o tempo provável de discussão da matéria de facto, e a clarificação das questões em discussão antes da audiência. Considera-se, ainda, que os tribunais devem organizar reuniões com representantes locais da Ordem dos Advogados, de modo a desenvolver procedimentos judiciais mais rápidos e económicos e melhores práticas de cooperação entre o judiciário e os advogados, promovendo, por exemplo, um recurso maior à mediação.
102 A Experiência da Noruega
processo civil140, o sistema de gestão de recursos humanos baseado num
método de cálculo do trabalho atendendo ao tipo de processo (caseload
weighing system - Belastningsmodell)141, e mudanças estruturais nos tribunais
de primeira instância142.
Figura 7 A Estrutura Orgânica da National Courts Administration
The Boardof Governors(9 members)
General Manager
(CEO)
Departmentof Human Resources
(14)
Departmentof
Financeand Property
(11)
Departmentof
Legal affairs(11)
Departmentof
Administrativesupport
(10)
Departmentof
PublicRelations
(8)
Departmentof ICT(34)
Departmentof Land
Consolidation(6)
The Boardof Governors(9 members)
General Manager
(CEO)
Departmentof Human Resources
(14)
Departmentof
Financeand Property
(11)
Departmentof
Legal affairs(11)
Departmentof
Administrativesupport
(10)
Departmentof
PublicRelations
(8)
Departmentof ICT(34)
Departmentof Land
Consolidation(6)
Fonte: www.domstol.no
140 A reforma do processo civil, que entrará em vigor em Janeiro de 2008, tem levantado questões que ainda se encontram em discussão como o programa de formação dos funcionários e juízes, assim como as alterações que têm que ser efectuadas no sistema informático de gestão dos processos. 141 O Ministério da Justiça desenvolveu, em finais da década de 80, standards de desempenho baseados no tempo de trabalho necessário para cada tipo de caso quer para juízes, quer para funcionários. Este modelo permite calcular o número de recursos humanos necessário para o correcto funcionamento de um tribunal de primeira instância e está, hoje, a ser revisto e gerido pela National Courts Administration. 142 A National Courts Administration está também envolvida na reforma estrutural dos tribunais de primeira instância que visa, fundamentalmente, a redução do seu número, de 92 para 65, com o intuito de desenvolver tribunais mais adaptados às exigências modernas com um ambiente de trabalho mais profissional.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 103
O órgão principal da National Courts Administration é o Conselho de
Gestão (Board of Governors). Este órgão é auxiliado por um Director Executivo
(General Manager) que, por sua vez, superintende os sete departamentos que
gerem áreas específicas do funcionamento do sistema judicial: recursos
humanos, finanças e o património, assuntos jurídicos, apoio administrativo,
tecnologias de informação e comunicação, relações públicas e os tribunais de
terras. Como também podemos ver pelo esquema apresentado, o trabalho
desenvolvido pela National Courts Administration é efectuado por cerca de 90
funcionários.
O Conselho de Gestão (Board of Governors)
A National Courts Administration é, como já referimos, dirigida por um
Conselho (Board of Governors) composto por nove membros nomeados por
um período de quatro anos. Os quatro juízes (pelo menos um dos quais do
Supremo Tribunal, que preside ao Board), o representante dos funcionários dos
tribunais, e os dois advogados são nomeados pelo Governo, mediante
proposta informal, respectivamente, das associações de juízes, do staff e da
Ordem dos Advogados, enquanto que os restantes dois membros são eleitos
pelo Parlamento na qualidade de representantes do povo. Este órgão é
auxiliado pelo Director Executivo (General Manager) na execução das políticas
e programas por ele definidos.
O Departamento de Recursos Humanos (Department of Human
Resources)
Como já referimos, a National Courts Administration é responsável pela
gestão de todos os recursos humanos ao serviço da justiça. Exerce essa
competência através do Departamento de Recursos Humanos que, para além
da gestão normal dos recursos humanos, é responsável pela formação
profissional e pela formação avançada dos magistrados e dos funcionários dos
tribunais, em especial, quanto às competências de administração e de gestão
dos tribunais. Este departamento é responsável, igualmente, pelas políticas de
104 A Experiência da Noruega
saúde, higiene e segurança no trabalho, assim como pela promoção de um
bom ambiente de trabalho.
O Departamento de Finanças e de Património (Department of Finance
and Property)
O Departamento de Finanças e de Património é o departamento
responsável pela proposta de orçamento a apresentar ao Parlamento, assim
como pelo auxílio ao Ministro da Justiça na discussão anual do Orçamento.
Após a aprovação, a National Courts Administration distribui o orçamento pelos
vários tribunais, sendo responsável pela centralização da informação
contabilística e financeira, pela implementação de estratégias financeiras de
redução de custos e pela gestão da propriedade (edifícios).
O Departamento de Assuntos Jurídicos (Department of Legal Affairs)
O Departamento de Assuntos Jurídicos lida com os pedidos de
informações sobre o trabalho dos tribunais, sendo o departamento com a
iniciativa para estudar e preparar alterações à lei e aos procedimentos
referentes aos tribunais. É, igualmente, responsável pelos processos de
indemnização por erros judiciais.
O Departamento de Apoio Administrativo (Department of
Administrative Support)
Este departamento auxilia os vários comités e conselhos parlamentares
(por exemplo, o conselho de nomeações judiciais (Judicial Appointments
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 105
Board)143 e o comité de disciplina dos juízes (Supervisory Committee for
Judges144), assim como os conselhos de formação dos juízes e dos
funcionários (Councils for Professional Training of Judges e dos Court
Executives); mantém o registo público das actividades extra-judiciais dos
juízes; e organiza a reunião anual de juízes presidentes e a reunião geral
judicial. É, também, o departamento que coordena e define as práticas de
aquisição de serviços e de bens pelos serviços dos tribunais.
O Departamento de Relações Públicas (Department of Public
Relations)
O Departamento de Relações Públicas é o órgão através do qual a
National Courts Administration promove reuniões com o poder político e com a
administração pública. Este departamento define as políticas de obtenção e de
disseminação da informação sobre os tribunais entre os vários agentes do
sistema e para os meios de comunicação social e o público em geral.
As ferramentas mais importantes neste campo, geridas por este
departamento, são a página da National Courts Administration
(www.domstol.no) e a intranet dos tribunais. Este departamento é responsável,
ainda, pela criação e manutenção dos arquivos dos tribunais.
O Departamento de Informação, Comunicação e Tecnologia (Department of Information, Communication and Technology) (ICT)
O Departamento de ICT tem a especial tarefa de fazer actualizações
permanentes aos serviços de informação e tecnologia dos tribunais
143 Este Conselho analisa as candidaturas e faz recomendações sobre a nomeação de novos juízes ao Ministro da Justiça que, por sua vez, transmite essas recomendações ao Rei, responsável directo pelas nomeações. 144 Este Comité analisa as queixas contra a conduta de juízes no exercício da sua profissão efectuadas por advogados, pelas partes ou por testemunhas.
106 A Experiência da Noruega
noruegueses, como por exemplo, a manutenção do novo sistema de gestão de
processos dos tribunais distritais (Case Management System dos District
Courts e dos Courts of Appeal); do sistema de gestão de processos do
Supremo Tribunal (Case Management System do Supreme Court); da rede
informática nacional (Wide Area Network) (WAN), que possibilita um maior
controlo da segurança do sistema; e da Intranet145. É, ainda, responsável pela
aquisição, instalação e desenvolvimento da tecnologia de informação e
comunicação de cada tribunal. Os funcionários do Departamento de ICT têm a
tarefa de dar apoio especializado nesta área, quer aos juízes, quer aos
funcionários dos tribunais.
O Departamento dos tribunais de terras (Department of Land
Consolidation)
Como já referimos, existem tribunais especializados em questões
relativas aos direitos de propriedade sobre imóveis, em especial relacionados
com a reorganização ou emparcelamento de terras. Este departamento tem a
responsabilidade de organizar e auxiliar esses tribunais.
5.2.4. A administração dos tribunais a nível local
A opção por um modelo de administração dos tribunais mais
desconcentrado, mais moderno e mais eficiente, como se pretende na
Noruega, tem enfrentado um conjunto de dificuldades. De acordo com as
nossas fontes, a primeira dificuldade que este modelo enfrentou foi de ordem
económica, dado tratar-se de uma reforma que exige a atribuição de mais
recursos económicos a cada tribunal, pelo menos numa fase inicial.
145 Hagedal, 2004: 91.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 107
Em segundo lugar, a eficácia de uma reforma desta natureza exige um
conjunto de alterações de ordem normativa, quer as referentes a regras de
funcionamento interno dos tribunais e regras de gestão dos processos, quer a
normas processuais. Neste âmbito, foi reforçado o cargo de presidente do
tribunal, para o qual é nomeado um juiz, responsável último pelas questões de
gestão e administração. Como já referimos, no caso dos tribunais de recurso, o
estado dos processos a cargo de cada juiz é monitorizado mensalmente e, de
três em três meses, é avaliada a sua duração pelo juiz-presidente, podendo
aquele atribuir um caso específico a outro juiz e, em casos de excesso de
trabalho ou de impedimentos, pode nomear juízes substitutos ou auxiliares.
Nos tribunais de maior dimensão, a administração central pode criar
cargos de natureza estritamente administrativa (como vimos, por exemplo, o
Supremo Tribunal tem um gabinete administrativo). Estes profissionais são
contratados directamente pelos tribunais, estão funcionalmente dependentes
dos presidentes daqueles e actuam como seus auxiliares especializados.
108 A Experiência da Noruega
6. A Experiência da Irlanda: a reforma de 1998 – o Courts Service Act
A actual estrutura orgânica dos tribunais irlandeses foi estabelecida em 1961, pelo
Courts Act (Lei da Organização dos Tribunais). A constituição e a lei definem a estrutura básica
da orgânica dos tribunais. Estabelecem a necessidade de um tribunal de recurso final (o
Supreme Court - Supremo Tribunal) e de tribunais de primeira instância, nomeadamente, um
High Court (Tribunal de Grande Instância), com competência genérica para julgar matéria cível
e criminal, e tribunais de competência limitada (os Circuit Courts - Tribunais de Círculo e os
District Courts - Tribunais Distritais). Contudo, dentro da estrutura geral definida pela
constituição, a lei genérica criou outros tribunais e fixou a sua competência concreta,
nomeadamente, o Children Court (Tribunal de Menores), o Drug Court (Tribunal de Droga) e o
Commercial Court (Tribunal do Comércio).
Em 1996, a então Ministra da Justiça criou o Working Group on a Courts Commission
(Grupo de Trabalho Sobre os Tribunais) que tinha como missão, entre outros, rever a
organização do sistema judicial tendo em vista a qualidade dos serviços prestados ao cidadão
e os recursos humanos, tecnológicos e financeiros necessários para atingir a qualidade
desejada, incluindo, também, a redefinição do relacionamento entre os tribunais, o Ministério
da Justiça e o Parlamento.
De entre as propostas desta Comissão destaca-se a criação do Courts Service, cuja
constituição veio a ser aprovada pelo Courts Service Act em Abril de 1998. Em Maio desse
ano, foi criado o Conselho de Planeamento de Tecnologias de Informação. O Chief Executive
Officer (Director Executivo) foi nomeado em Janeiro de 1999 e um plano de trabalhos foi
elaborado de modo a ter o novo organismo operacional em Novembro desse ano. Todo o
processo demorou cerca de três anos e meio.
O Courts Service of Ireland é um organismo independente, com autonomia
administrativa e financeira, criado para gerir os tribunais e os recursos humanos, materiais e
financeiros a eles associados, com excepção dos juízes. Embora a responsabilidade pela
gestão quotidiana dos tribunais tivesse sido atribuída, a partir de 1999, ao Courts Service, o
Ministro da Justiça continua a ser o responsável perante o Parlamento pelo Courts Service e
desempenha funções, ainda que formais, em certas matérias.
Assim, de acordo com o Courts Service Act, de 1998, ao Courts Service compete,
designadamente, gerir os tribunais, garantir os serviços de apoio aos juízes, facultar a
informação sobre o sistema judicial ao público, construiur e manter os edifícios dos tribunais e
prestar serviços vários aos utilizadores dos tribunais. O Courts Service é composto, entre
outros, por um órgão de gestão (Board) e por um órgão executivo (Chief Executive). Destaca-
se, ainda, a existência de gabinetes regionais de administração do Court Service aos quais são
delegadas algumas competências.
110 A Experiência da Irlanda
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 111
Introdução
A actual estrutura orgânica dos tribunais irlandeses foi estabelecida em
1961, pelo Courts Act. Esta lei foi promulgada de acordo com o artigo 34.º da
Constituição Irlandesa de 1937, que refere que “a justiça deverá ser
administrada de uma forma pública, em tribunais estabelecidos por lei e com
um judiciário independente, composto por juízes nomeados pelo Presidente da
Irlanda sob proposta do Governo” (Courts Service, 2001: 10). A própria
Constituição define a estrutura básica da orgânica dos tribunais, embora dentro
dessa estrutura geral definida pela constituição, a lei criou outros tribunais e
fixou a sua competência concreta.
6.1. A Organização Judiciária
A organização judiciária irlandesa apresenta a seguinte configuração:
112 A Experiência da Irlanda
Figura 8 A Organização Judiciária Irlandesa
Fonte: Courts Service, 2005: 18
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 113
6.1.1. Os tribunais comuns
O Supremo Tribunal
O Supremo Tribunal tem competência para todo o território irlandês e é
composto pelo Presidente do Supremo Tribunal (Chief Justice) e por outros
sete juízes, para além do presidente do Tribunal de Grande Instância (High
Court) que é, também, por inerência, juiz do Supremo Tribunal (Courts Service:
s/d: 8). Julga os recursos interpostos das decisões do Tribunal de Grande
Instância (High Court) e do Tribunal Criminal de Recurso (Court of Criminal
Appeal), se este tribunal ou o Procurador-Geral (Attorney General) certificarem
que o recurso envolve uma decisão com uma importância pública excepcional
relativamente à qual entendem que o Supremo Tribunal se deveria pronunciar.
Pode, ainda, pronunciar-se sobre questões de direito submetidas à sua
apreciação pelo Tribunal de Grande Instância (High Court) ou pelo Tribunal de
Círculo (Circuit Court). Aprecia, também, a pedido do Presidente da República,
a constitucionalidade de um acto normativo submetido à sua aprovação
(fiscalização preventiva da constitucionalidade). É, igualmente, da competência
do Supremo Tribunal decidir sobre o afastamento do Presidente por
incapacidade permanente para desempenhar o cargo.
As decisões do Supremo Tribunal são tomadas por um colectivo de três,
cinco ou sete juízes, de acordo com as indicações do Presidente do Supremo
Tribunal, excepto nos casos relacionados com a apreciação da
constitucionalidade de normas cujo número mínimo de juízes é de cinco.
O Tribunal Criminal de Recurso (Court of Criminal Appeal)
O Tribunal Criminal de Recurso (Court of Criminal Appeal) tem,
igualmente, competência para todo o território nacional e é composto por um
juiz do Supremo Tribunal e por dois juízes do Tribunal de Grande Instância.
Este tribunal julga recursos interpostos por pessoas condenadas pelo Tribunal
Criminal Especial (Special Criminal Court), pelo Tribunal Criminal Central
(Central Criminal Court) ou pelo Tribunal de Círculo (Circuit Court), desde que o
tribunal da causa certifique a possibilidade de recurso ou, então, recursos
114 A Experiência da Irlanda
interpostos de decisões que neguem essa certificação. O recurso interposto
pode ser relativo apenas à condenação, apenas à sentença ou a ambos, e é
julgado com base nas transcrições do julgamento verificado pelo juiz a quo,
embora o tribunal de recurso tenha o poder de ouvir novas provas ou provas
adicionais ou pedir um relatório ao tribunal a quo. O Tribunal Criminal de
Recurso pode, ainda, rever a condenação ou a sentença (mesmo que tenha
sido objecto de um recurso anterior) quando novas provas mostrem que foi
seriamente prejudicada a aplicação da justiça, quando o Vice-Procurador Geral
(Director of Public Prosecutions) requerer a apreciação da sentença por
entender que o juiz foi indevidamente permissivo na aplicação da lei ou que
decidiu indevidamente pela improcedência da acusação.
O Tribunal de Grande Instância (High Court)
O Tribunal de Grande Instância (High Court) tem também competência
para todo o território nacional e é composto pelo presidente, por 26 juízes, pelo
Presidente do Supremo Tribunal e pelo Presidente do Tribunal de Círculo.
Julga em primeira instância todos os processos, sejam cíveis ou criminais, que
não sejam da competência de outros tribunais. Julga, igualmente, todas as
questões sobre a constitucionalidade de normas, excepto se estas já tiverem
sido apreciadas pelo Supremo Tribunal a pedido do Presidente. Julga, ainda,
os recursos interpostos das decisões do Tribunal de Círculo em matéria civil e
de família e os recursos interpostos de decisões dos Tribunais Distritais sobre
questões de direito e de aplicação de fiança.
Como tribunal de primeira instância, o Tribunal de Grande Instância tem o
seu local permanente de julgamento em Dublin, reunindo, também, em datas
determinadas, em Cork, Galway, Limerick, Waterford, Sligo, Dundalk, Kilkenny,
Letterkenny e Ennis. Como tribunal de recurso, reúne, ainda, em Carlow,
Carrick-on-Shannon, Cavan, Castlebar, Clonmel, Longford, Monaghan,
Mullingar, Naas, Nenagh, Portlaoise, Roscommon, Tullamore, Tralee, Trim,
Wexford e Wicklow.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 115
Em regra, qualquer caso apresentado ao Tribunal de Grande Instância é
julgado apenas por um juiz, mas o presidente deste tribunal pode atribuir
qualquer caso a um grupo de juízes.
O Tribunal Criminal Central (Central Criminal Court)
O Tribunal Criminal Central (Central Criminal Cour)t é o nome dado ao
Tribunal de Grande Instância quando este exerce a sua competência em
matéria criminal. Tem competência para todo o território nacional e é composto
por um juiz ou por vários juízes do Tribunal de Grande Instância nomeado(s)
temporariamente pelo Presidente do Tribunal de Grande Instância. Julga os
processos-crime que não sejam da competência do Tribunal de Círculo (ou
seja, homicídios, violações, ofensas sexuais agravadas, genocídio, traição e
pirataria). Em regra, reúne em Dublin, no complexo dos Four Courts, mas o
Presidente pode determinar outros locais para a realização dos julgamentos.
Em julgamento, o tribunal é, normalmente, composto por um juiz e por um júri
de 12 pessoas, embora o Presidente do Tribunal de Grande Instância possa
nomear mais do que um juiz para um caso concreto. Para haver decisão é
necessário que um mínimo de 10 elementos do júri tenha a mesma opinião
sobre a culpa ou inocência do arguido.
O Tribunal Criminal Especial (Special Criminal Court)
O Tribunal Criminal Especial (Special Criminal Court) julga crimes contra o
Estado e crimes relacionados com organizações ilegais [regulados no Lei dos
Crimes contra o Estado (Offences Against the State Act), de 1939]. Tem
competência para todo o território nacional e é composto por três juízes
escolhidos de um painel de onze nomeados pelo Governo de entre os juízes
dos Tribunais de Grande Instância, de Círculo e Distritais.
116 A Experiência da Irlanda
O Tribunal de Círculo (Circuit Court)
Embora o Tribunal de Círculo (Circuit Court) tenha competência para todo
o território nacional, está organizado em círculos (circuits), sendo nomeado um
juiz para cada círculo, com excepção de Dublin e de Cork, com um máximo de
10 e de três juízes, respectivamente. É composto pelo Presidente e por 30
outros juízes. Julga casos cíveis com valor até €38,092.14, casos de família
(divórcios, separações judiciais e nulidades de casamento) e todos os crimes
(indictable offences), com excepção dos da competência do Tribunal Central
Criminal. Julga, ainda, em segunda instância, os recursos interpostos de
decisões do Tribunal Distrital, dos Tribunais de Recurso da Função Pública
(Employment Appeals Tribunals) e do Comissário da Protecção de Dados
(Data Protection Commissioner) e executa as decisões dos Comissários dos
Direitos e do Tribunal do Trabalho (Labour Court and Rights Commissioners).
O Tribunal Distrital (District Court)
O Tribunal Distrital (District Court), está organizado por distritos
(districts)146, sendo, em regra, nomeado um juiz permanente para cada distrito.
É composto pelo presidente e por 52 outros juízes. Julga causas cíveis até
€6,348.69; alguns casos de família, como atribuição de alimentos, guarda de
menores e violência doméstica; e outros “crimes menos graves” (minor
offences), como, por exemplo, os crimes rodoviários. Julga, ainda, recursos de
decisões de algumas entidades administrativas (statutory bodies). É, também,
o Tribunal Distrital que é responsável pelo licenciamento de algumas
actividades comerciais como a venda de bebidas alcoólicas. Todos os
processos-crime são iniciados no Tribunal Distrital, sendo este tribunal que
determina a sua transferência para o Tribunal de Círculo ou para o Tribunal de
Grande Instância.
146 O território irlandês está dividido em 23 Provincial Districts e no Dublin Metropolitan District.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 117
6.1.2. Os tribunais especializados
O Tribunal de Menores (Children Court)
Desde 1924 (através do Courts of Justice Act) que, na Irlanda, existe a
possibilidade de estabelecer um tribunal especializado para o julgamento de
ilícitos (offences) cometidos por menores de 16 anos nas cidades de Dublin,
Cork, Limerick e Waterford, excepto se o menor for acusado por homicídio ou o
juiz considerar que a gravidade da acusação, ou outras circunstâncias
especiais, impeçam o julgamento nesse tribunal especializado. Contudo, nos
casos de acusação por prática de crime, é necessário que os pais do menor
tenham sido informados do direito do menor em ser julgado por um tribunal de
júri e tenham consentido em que o julgamento seja feito pelo Children Court147.
Em Dublin existe um Tribunal de Menores que faz julgamentos todos os
dias úteis da semana. Nas cidades supra referidas, os julgamentos dos
Tribunais de Menores efectuam-se, em regra, nas salas onde decorrem os
julgamentos do Tribunal Distrital. Em outras cidades, as acusações contra
menores de 16 anos são julgadas em locais e dias diferentes dos estabelecidos
para o Tribunal Distrital, assumindo esse tribunal a designação de tribunais de
menores.
O Tribunal de Droga (Drug Court)
Em resposta ao crescente número de casos relacionados com o uso de
estupefacientes que chegaram aos Tribunais Distritais, em finais dos anos
noventa, o Ministro da Justiça, em 1997, requereu ao Grupo de Trabalho sobre
a Jurisdição dos Tribunais (Working Group on a Courts Commission) que
estudasse a viabilidade da implementação de Tribunais de Droga (Drug Courts)
na Irlanda (Courts Service, 2002: 15).
147 http://www.courts.ie/courts.ie/Library3.nsf/6556fea313d95d3180256a990052c571/9ec8de648821a12b80256d8700505159?OpenDocument (Dezembro de 2006).
118 A Experiência da Irlanda
No seu quinto relatório, publicado em Fevereiro de 1998, o Grupo de
Trabalho sobre a Jurisdição dos Tribunais estudou, com vista à sua possível
aplicação ao sistema irlandês, vários Tribunais de Droga nos Estados Unidos e
várias experiências similares encetadas na Alemanha, Suécia, Inglaterra e País
de Gales, modelos internacionais, que o Grupo de Trabalho apelidou de
exemplos de “melhores práticas” no domínio do tratamento de casos
relacionados com o consumo de estupefacientes. O Grupo de Trabalho
estudou, também, o sistema Irlandês de modo a propor a infra-estrutura e os
recursos necessários ao funcionamento de um Tribunal de Droga irlandês
(Working Group on a Courts Commission, 1998).
No seu relatório, a principal recomendação do Grupo de Trabalho ao
Ministro da Justiça visava a constituição de um Comité de Planeamento dos
Tribunais de Droga (Drug Court Planning Committee). Esta comissão deveria
planear, estabelecer e desenvolver um Programa dos Tribunais da Droga (Drug
Courts Programme); escolher e nomear um Coordenador do Tribunal de Droga
(Drug Court Co-ordinator); e delinear um programa de formação dos juízes que
iriam trabalhar no Tribunal de Droga, do Coordenador do Tribunal de Droga e
dos funcionários e membros do Comité de Planeamento dos Tribunais de
Droga, que incluísse aspectos médicos e sociais relacionados com a utilização
de estupefacientes, assim como assuntos jurídicos e práticos do quotidiano dos
Tribunais de Droga.
Recomendou, também, a inclusão do Tribunal de Droga no sistema
judicial, embora apenas com a participação dos juízes voluntários e que
tivessem recebido formação adequada.
Recomendou, ainda, a implementação de um projecto-piloto no Tribunal
Distrital e o início, o mais breve possível, do Programa dos Tribunais de Droga
(Drug Courts Planning Programme). Esta necessidade de rapidez na
implementação do programa baseava-se na convicção do Grupo de Trabalho
de que ele contribuiria para a redução do crime relacionado com o consumo de
estupefacientes na Irlanda, atendendo às provas conclusivas obtidas no estudo
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 119
de experiências estrangeiras (Working Group on a Courts Commission, 1998:
57-65).
Uma zona na área norte de Dublin foi escolhida para a localização de um
Tribunal Experimental de Droga (Pilot Drug Court) devido, em especial, à
existência de vários programas de tratamento naquela zona, quando
comparada com outras zonas da cidade. Em 2002 foi efectuada uma avaliação
do desempenho do Tribunal Experimental de Droga e do seu programa de
tratamento de drogas (Drug Treatment Court Programme) (Courts Service,
2002: 19-27). De acordo com aquela avaliação o programa de tratamento de
drogas aplicado no Tribunal Experimental de Droga, foi um programa
inovador.148
O programa de tratamento de drogas prestou vários tipos de tratamento,
nomeadamente, tratamento comunitário, tratamento hospitalar e tratamento
individual de não consumo de drogas ou de substituição por metadona. O
arguido deveria concordar com o plano de tratamento proposto pela equipa do
Tribunal de Droga (Plano de Progressão Pessoal149), e deveria participar em
sessões de aconselhamento e de trabalho de grupo. Deveria, ainda, participar
148 Para poderem entrar no programa de tratamento, os arguidos tinham de cumprir vários requisitos: ser condenados por crimes não violentos, viver na área abrangida pelo projecto-piloto, terem mais de 17 anos, serem toxicodependentes e manifestarem vontade de escapar ao ciclo de drogas, crime e prisão. Os candidatos que cumprissem as condições referidas eram escolhidos tendo em atenção o grau de motivação em aderir ao programa. O programa consistia numa supervisão constante do arguido, por parte do tribunal, apoiado nesse papel por uma equipa composta por uma enfermeira, por um técnico dos serviços de liberdade condicional (probation officer), por um coordenador de educação, por representantes da polícia e por outras pessoas que pudessem auxiliar os participantes no cumprimento do programa. A admissão no programa implicava a suspensão do processo do arguido. Se este cumprisse, com sucesso, todo o programa, a acusação era retirada. Se o arguido não efectuasse as actividades propostas ou não comparecesse às sessões agendadas o tribunal podia impor sanções. Em situações mais extremas, quando não houvesse dúvidas que o arguido não conseguiria cumprir, com sucesso, o programa, este seria presente ao tribunal competente para elaboração da sentença. 149 Para cada participante no programa era elaborado um Personal Progression Plan que consistia em três fases referentes a estádios de diminuição da dependência de estupefacientes e de aumento da independência e responsabilidade social do condenado. A fase 1 do plano consistia na estabilização e orientação do condenado, a fase 2, na habituação e consolidação do tratamento, e a fase 3 na sua integração e auto-gestão.
120 A Experiência da Irlanda
em programas comunitários educacionais, ou de outro género, de modo a
adquirir ou melhorar as suas qualificações e competências ou, mesmo, entrar
no mercado de trabalho. O programa de tratamento de drogas tinha uma
duração mínima de um ano, embora a sua duração dependesse das
necessidades e da motivação do participante (Courts Service, 2002: 19-27).
O Tribunal do Comércio (Commercial Court)
No 27.º Relatório de Trabalho do Comité sobre os Procedimentos e a
Prática dos Tribunais foi reconhecida a necessidade de a Irlanda ter um tribunal
que se especializasse em satisfazer as necessidades jurídicas do comércio
moderno. A comissão recomendou o estabelecimento de um tribunal que
permitisse a resolução rápida de disputas comerciais e que utilizasse, para tal,
as últimas tecnologias de informação disponíveis (Committee on Court Practice
and Procedure, s/d: 16).
Em Janeiro de 2004 foi criado o Tribunal do Comércio (Commercial Court)
que julga acções de responsabilidade civil relacionada com a prática do
comércio, cujo valor seja igual ou superior a um milhão de euros, ou casos que,
independentemente do seu valor, envolvam recursos de decisões de entidades
(judiciais ou administrativas) relativas a propriedade intelectual. As acções
podem ainda ser julgadas pelo Tribunal do Comércio se o Tribunal de Grande
Instância entender ser o melhor tribunal para o julgamento de acordo com
circunstâncias especiais do caso (Courts Service, 2004: 3).
No Tribunal do Comércio foi introduzido um sistema rigoroso de gestão de
processos que impôs prazos rígidos para a troca de peças processuais,
correspondência e provas, cuja violação pode ser punida através de multas
processuais. Foram introduzidas, igualmente, audições preliminares das partes
referentes a instruções, gestão do caso e conferências. Este novo processo foi
introduzido pela primeira vez com a criação do Tribunal do Comércio e tem
permitido resolver rapidamente os casos, sobretudo pela possibilidade de se
definir as questões controvertidas, do tipo de prova que deve ser apresentado,
assim como devido à troca de petições antes da audiência. Este novo processo
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 121
possibilitou a marcação das audiências de julgamento cinco semanas após a
entrada do processo (Bourke, 2004).
O Tribunal do Comércio tem uma sala de julgamento equipada com a
mais recente tecnologia relativa à apresentação digital de provas,
videoconferência e gravação áudio digital. Existem, também, salas de consulta
para advogados equipadas com monitores e ecrãs de plasma (Courts Service,
2004: 3).
6.2. O sistema judiciário irlandês: os recursos humanos
As características específicas do sistema judicial irlandês, com uma forte
tradição da common law, justificam que se descreva, autonomamente, todo o
sistema de recursos humanos.
Não considerando os mecanismos de resolução de litígios alternativos
aos tribunais, os tribunais na Irlanda, enquanto organizações de pessoas
reunidas numa audiência que visa a composição de um litígio cível concreto ou
o julgamento de um crime, são compostos pelos juízes, pelos advogados
(counsellors/barristers e/ou solicitors), pelos funcionários do tribunal (registrar
ou court clerk e o tipstaff ou judge’s usher), pelo estenógrafo, pelo júri e pelo
court reporter (jornalista forense).
6.2.1. Os juízes
Os juízes são nomeados pelo Governo sob indicação do Conselho
Consultivo de Selecção de Juízes (Judicial Appointments Advisory Board), uma
comissão presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal e composta pelos
presidentes do Tribunal de Grande Instância, do Tribunal de Círculo e do
Tribunal Distrital, pelo Procurador-Geral, um barrister, um solicitor e três
pessoas nomeadas pelo Ministro da Justiça. Os candidatos devem ter, pelo
122 A Experiência da Irlanda
menos, dez anos de experiência como barristers ou solicitors mas,
normalmente, só são nomeados candidatos com muitos mais anos de
experiência150. O número de juízes em cada tribunal ou grau de jurisdição é
decidido por lei (Murray, 2004:227) e a nomeação é, tendencialmente, apenas
para um determinado tribunal (por exemplo, Tribunal Distrital, de Círculo ou
Supremo Tribunal), sendo bastante raras as promoções de um tribunal ou grau
de jurisdição para outro. Não, há, por isso uma carreira judicial nem a
expectativa de os juízes serem promovidos, após o decurso de um período de
tempo, para uma jurisdição superior (Murray, 2004:232). Todavia, o cargo de
juiz é vitalício embora possam ser removidos por decisão de ambas as
câmaras do Parlamento (Oireachtas)151, o que, até 2004, nunca tinha
acontecido (Murray, 2004:231).
Todas as questões relacionadas com a administração da função
jurisdicional são organizadas pelos presidentes de cada tribunal em
cooperação com os seus colegas (Murray, 2004 227). A remuneração dos
juízes é decidida pelo poder executivo, em especial pelo Ministério das
Finanças, sendo as negociações efectuadas colectivamente em relação aos
juízes de cada tribunal (Murray, 2004 228)152.
Nos sistemas profundamente influenciados pela common law, como o
irlandês, são as partes e os seus advogados que preparam os casos para
julgamento, incluindo a recolha e apresentação da prova, nomeadamente as
testemunhas. Assim, nos Tribunais Distritais e de Círculo, os juízes, em regra,
não têm muito trabalho antes do julgamento. Após a audiência raramente
150 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/judge.html (Dezembro de 2006). 151 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/judge.html (Dezembro de 2006). 152 A remuneração de um juiz não pode ser reduzida embora não seja afectada pelo número de anos de serviço (Murray, 2004:232). A remuneração dos juízes dos tribunais superiores é comparável com a remuneração dos Ministros e dos funcionários públicos mais bem pagos, embora a dos juízes dos outros tribunais seja comparável com a dos funcionários públicos mais experientes e geralmente mais elevada que a de professores universitários (Murray, 2004 :232).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 123
fazem sentenças por escrito, decidindo o caso ex-tempore, sendo a decisão
redigida pelo secretário judicial (Court Clerk ou Registrar) (Murray, 2004 233).
Nos tribunais superiores, as partes podem ter de apresentar, por escrito,
um sumário dos seus argumentos jurídicos antes da audiência, mas os juízes
têm, em regra, após a audiência, de redigir as sentenças (Murray, 2004:233).
Embora os juízes dos Tribunais Distritais e de Círculo tenham, em regra,
uma colocação permanente numa determinada área geográfica, gerindo os
seus processos, o presidente de cada um desses tribunais pode destacar um
juiz para auxiliar no trabalho em atraso de um juiz específico ou, na área de
Dublin, destacar os juízes para julgamentos de uma matéria específica (crime,
família, cível, etc.). Nos tribunais superiores, os presidentes têm, igualmente,
competência para distribuir os processos pelos outros juízes, assegurando uma
distribuição equilibrada do trabalho (Murray, 2004:234).
Não existe nenhum controle quantitativo de processos nem uma avaliação
qualitativa dos juízes na Irlanda (Murray, 2004:234).
6.2.2. Os barristers e os solicitors
Os barristers (também chamados de "counsellors") são advogados que,
em regra, intervêm em julgamentos nos tribunais superiores e prestam
aconselhamento jurídico em casos mais importantes. Para poder exercer a
função de barrister é necessário passar os exames do King’s Inns153 e após ser
“chamado à barra” e completar um ano de estágio. Os barristers são
profissionais liberais aos quais não é permitido trabalhar em conjunto (ou seja,
constituir sociedades). Existem junior e senior counsellors/barristers. Os
barristers redigem pareceres jurídicos relativamente a casos concretos,
153 A Honorable Society of King’s Inns é a mais antiga instituição dedicada à educação jurídica na Irlanda, fundada em 1541, pelo Rei Henrique VIII. A partir de 1634, a inscrição no King’s Inns passou a ser obrigatória para todos aqueles que quisessem exercer advocacia junto dos tribunais superiores. http://www.kingsinns.ie/website/heritage/heritage.htm.
124 A Experiência da Irlanda
petições e requerimentos jurídicos a apresentar em tribunal e representam as
partes em julgamento, arguindo o caso perante o juiz ou negociando acordos.
Os barristers não são contratados directamente pelos clientes, mas pelos
solicitors quando estes entendam que deve haver a participação de um
barrister no caso, enviando-lhe a informação e os documentos necessários
para ele continuar a representação dos interesses do cliente154.
Os solicitors são, como os barristers, advogados. Contudo, especializam-
se em aconselhamento jurídico de casos não contenciosos, como, por
exemplo, a aquisição de uma casa, a redacção de um testamento, a
representação dos clientes em transacções comerciais ou em disputas
familiares, com um trabalhador ou com um vizinho. O solicitor gere o caso,
representa o cliente nas relações com a outra parte e apresenta todos os
requerimentos necessários no tribunal e contacta as testemunhas. É o solicitor
que contacta o barrister quando entende que a participação deste é necessária,
informando-o do estado do caso e facultando-lhe os documentos necessários.
São também os solicitors que dão aconselhamento jurídico sobre a
propositura de acções ou sobre a defesa em determinados casos como, por
exemplo, acidentes de viação ou acidentes de trabalho. Normalmente, os
solicitors representam os clientes no Tribunal Distrital e no Tribunal de Círculo,
sendo, em regra, contratado um barrister quando o caso é apresentado nos
tribunais superiores.
Para se tornar um solicitor é necessário um estágio de pelo menos dois
anos e passar o exame da Law Society155. Ao contrário do que acontece com
154 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/barristers.html. 155 A Law Society visa melhorar o acesso do público ao direito e, de acordo com o Solicitors Acts 1954-2002, é um organismo autónomo com competência para a admissão formação, regulação, disciplina, representação e prestação de serviços e auxílio aos cerca de 6.000 solicitors irlandeses (http://www.lawsociety.ie/displayCDAContent.aspx?node=127&groupID=127&code=about) (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 125
os barristers, os solicitors podem formar sociedades e podem publicitar os seus
serviços156.
6.2.3. Os outros intervenientes num julgamento
Os registrars ou court clerks são funcionários públicos, tendo como
principal função auxiliar o juiz. O registrar chama as partes de cada caso que
consta na lista diária de julgamentos de modo a que estas se possam
identificar perante o tribunal e apresentar o seu caso. Tem, igualmente, a
função de ler o juramento às testemunhas. O registrar guarda os requerimentos
e outros documentos relativos a cada caso, apresentando-os ao juiz à medida
que o caso é anunciado. Regista as decisões do juiz (sentenças ou mandatos
proferidos em julgamento - court orders157) e, findas as sessões de julgamento,
faz um esboço das decisões para o juiz158.
Os tipstaffs ou judge’s ushers são os assistentes pessoais do juiz na sala
de julgamento. Entre outras funções, anunciam a entrada e a saída do juiz,
acompanham e auxiliam o juiz no desempenho das suas funções, como por
exemplo, na comunicação com outros tipstaffs de modo a obter informações
sobre o que se passa em outras salas de julgamento, entregando as
mensagens do juiz ou requisitando livros que o juiz necessite159.
Os estenógrafos registam, “palavra por palavra”, tudo o que é dito durante
a sessão de julgamento. Não são funcionários públicos, sendo pagos pelo
Estado em julgamentos em matéria criminal, de família e de comércio. Em
156 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/solicitors.html (Dezembro de 2006). 157 Uma court order é uma decisão do juiz tomada durante o julgamento de um caso que impõe ou autoriza a realização de determinadas diligências ou que decide o próprio caso. Embora possam ser escritas, e assinadas pelo juiz, algumas decisões são tomadas pelo juiz em julgamento sendo reduzidas a escrito apenas nas transcrições. 158 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/court_registrar.html (Dezembro de 2006). 159 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/tipstaff.html (Dezembro de 2006).
126 A Experiência da Irlanda
outros casos, como, por exemplo, de responsabilidade civil extracontratual, são
as partes que pagam ao estenógrafo. As transcrições dos julgamentos são
importantes auxiliares das partes no processo de recurso das sentenças sendo
necessário uma transcrição imediata da prova produzida o que é facilitado
pelas mais recentes tecnologias e métodos de escrita rápida160.
Os júris desempenham uma função muito importante no sistema judicial
irlandês, em especial nos julgamentos de crimes mais graves, com excepção
dos julgados pelo Tribunal Criminal Especial. Quando há a participação de um
júri num julgamento, este é constituído por doze membros, escolhidos entre os
cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais, um dos quais é nomeado porta-voz
e presidente do júri. O júri aprecia apenas matéria de facto e, nos julgamentos
de crimes, decide se o arguido é culpado ou inocente. Para se obter uma
decisão não é necessário a unanimidade de votos, mas apenas uma maioria
qualificada de pelo menos dez votos161.
Os court reporters são funcionários de jornais ou de sociedades de
divulgação de informação jurídica e apenas assistem a julgamentos para tirar
notas de factos ou de casos importantes162.
6.3. A gestão dos recursos do sistema judicial
Em 1997, como parte de uma reforma global do executivo irlandês, o
Ministério da Justiça, da Igualdade e da Reforma Legislativa (Department of
Justice, Equality and Law Reform) foi criado a partir da fusão do Ministério da
Justiça (Department of Justice) com o Ministério da Igualdade e da Reforma
Legislativa (Department of Equality and Law Reform).
160 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/court_stenographer.html (Dezembro de 2006). 161 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/jury.html (Dezembro de 2006). 162 http://www.oasis.gov.ie/justice/introduction_to_the_courtroom/court_reporters.html (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 127
Assim, o Ministério da Justiça, da Igualdade e da Reforma Legislativa tem
a missão de manter e melhorar a segurança interna e a igualdade da
sociedade irlandesa através da construção de políticas variadas e de serviços
de elevada qualidade. Em especial, visa a protecção dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais, a segurança do Estado, a redução efectiva do
crime e a redução da discriminação social através da promoção de igualdade
de oportunidades e de inclusão social da diversidade.
No desempenho dessas missões, o Ministério da Justiça, da Igualdade e
da Reforma Legislativa tem a responsabilidade de aplicar a política
governamental relativa à luta contra o crime e de promover a segurança do
Estado; aconselhar o Governo em questões relacionadas com o sistema de
justiça criminal [constituído pela polícia, pelos tribunais, pelas prisões e pelos
serviços de liberdade condicional e de segurança social (Probation and Welfare
Services)], assim como apoiar o funcionamento desse sistema; continuar a
reforma da lei criminal e actualizar algumas áreas do direito civil; cooperar com
a UE e outras organizações internacionais promovendo os interesses
irlandeses; implementar as políticas governamentais respeitantes ao asilo e à
imigração; e desenvolver e implementar politicas relativas à não discriminação
em geral, aos direitos humanos e ao apoio à infância.
Um ano antes da reforma governamental acima referida, a então Ministra
da Justiça Irlandesa criou o Grupo de Trabalho sobre os Tribunais que tinha
como missão rever a organização do sistema judicial tendo em vista a
qualidade dos recursos humanos, tecnológicos e financeiros, assim como dos
serviços prestados ao cidadão; a redefinição do relacionamento entre os
tribunais, o Ministério da Justiça e o Parlamento; e outros aspectos do
funcionamento do sistema judicial que o grupo considerasse apropriados.
Ao Grupo de Trabalho sobre os Tribunais foi, ainda, conferida a missão
de avaliar a criação de um organismo com a função de gerir os tribunais com
autonomia de gestão e financeira.
O Grupo de Trabalho sobre os Tribunais foi constituído por dois juízes do
Supremo Tribunal, dois do Tribunal de Círculo, o presidente do Tribunal
128 A Experiência da Irlanda
Distrital, o presidente da Comissão da Reforma Legislativa (Law Reform
Commission), o Director Geral da Law Society, o presidente do Bar Council, a
presidente da Women’s Aid, um representante da presidência do Congresso
Irlandês dos Sindicatos (Irish Congress of Trade Unions), um consultor de
gestão, e representantes dos Ministérios da Justiça, das Finanças e da
Procuradoria-Geral (Working Group on a Courts Commission, 1996:1).
6.3.1. O primeiro relatório do Grupo de Trabalho sobre os Tribunais e o Courts Service Act
O Courts Service Act, de Abril de 1998, foi promulgado após uma
proposta realizada no primeiro de seis relatórios do Grupo de Trabalho sobre
os Tribunais (Courts Service, 2001: 3). Nesse relatório, de 1996, intitulado
Gestão e Financiamento dos Tribunais (Management and Financing of the
Courts), o Grupo de Trabalho identificou várias deficiências na administração
do sistema judiciário irlandês, como, por exemplo, a desactualização da
organização judiciária, em especial, relativamente ao aumento exponencial da
litigação cível e penal; os atrasos inaceitáveis na resolução dos casos; as
situações de excesso de trabalho e de falta de organização dos recursos
humanos; a inexistência de serviços de apoio aos juízes; e a ausência de
sistemas informáticos adequados ao crescente volume de trabalho (Courts
Service, 2001: 12).
O Grupo de Trabalho identificou, ainda, vários factores endógenos à
organização judiciária irlandesa que, no seu entender, contribuíram para os
vários problemas identificados. Entre esses factores destacam-se a falta de
estruturas de gestão hierarquizadas e claramente definidas com
responsabilidade pelos serviços e que pudessem ser responsabilizadas; a
inexistência de avaliações de desempenho adequadas; a ausência de um
planeamento adequado, em especial dos procedimentos e do quotidiano dos
tribunais, a fragmentação dos sistemas administrativos dentro e entre os
tribunais existentes; a ausência de formação adequada e de aperfeiçoamento
dos recursos humanos; a ausência de apoio de gestão profissional em
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 129
qualquer das áreas referidas (gestão de recursos humanos, gestão de
processos, definição de estruturas, planeamento da gestão e avaliação);
inexistência de relatórios anuais, ausência de informação prestada ao público
sobre o trabalho e o funcionamento dos tribunais, e insuficiência da informação
estatística disponível (Courts Service, 2001: 12).
Nesse mesmo relatório, embora o Grupo de Trabalho tenha considerado
outras alternativas relativamente à forma de gestão do sistema judiciário,163 foi
proposta a criação de um organismo independente, criado por lei e dirigido por
um director executivo (Chief Executive Officer) (Courts Service, 2001: 25).
Este organismo teria funções claramente definidas e centralizaria, num
sistema unificado, a administração de todos os tribunais. De acordo com o
Grupo de Trabalho sobre os Tribunais, esta proposta possibilitaria melhorar o
163 As três alternativas consideradas foram as seguintes. Em primeiro lugar, manter um departamento da justiça multifuncional, que seria um melhoramento da Courts Division do Ministério da Justiça, embora mantivesse as desvantagens assinaladas ao modelo existente, nomeadamente, uma competição interna forte por financiamento que dificultaria a implementação de mudanças essenciais na administração da justiça. Seria, também, um departamento que não teria o dinamismo necessário para a aplicação dessas alterações. Em segundo, criar um departamento com a função exclusiva de administrar os tribunais embora, ainda, no âmbito do Ministério. De acordo com o Grupo de Trabalho, esta solução apresentaria as vantagens de não ser muito diferente do modelo existente e de permitir uma especialização do departamento na administração dos tribunais. Contudo, entendem, igualmente, que sendo muito semelhante ao modelo existente, não conseguiria ter uma dinâmica intrínseca semelhante à que outros modelos apresentam. Seria uma organização, no entender do Grupo de Trabalho, cuja estrutura seria semelhante a outras que têm originado muitas preocupações quer na prática quer em teoria. Ainda teria a desvantagem de não ser uma organização que pudesse, facilmente, poder ficar sobre a responsabilidade directa de apenas um ministro. A terceira alternativa consistia em criar uma comissão gerida pelo judiciário, suportada por uma infra-estrutura administrativa. De acordo com o relatório do Grupo de Trabalho, é uma opção utilizada em outros sistemas democráticos e baseia-se no princípio da autonomia da administração do judiciário e no princípio da separação dos poderes. Possibilita ao poder judicial, independente do executivo, administrar os tribunais com o apoio de estruturas de gestão profissionais. Seria um modelo semelhante ao modelo de gestão do Tribunal de Justiça Europeu. A maior desvantagem apontada a este modelo reside no facto de ser complicada a atribuição de responsabilidade política pela gestão dos tribunais a um magistrado. Envolve, igualmente, no entender no Grupo de Trabalho, um enfraquecimento do poder negocial do sistema judicial na “luta” orçamental, dado que deixaria de existir um elemento do executivo que tivesse a responsabilidade de promover um financiamento adequado. Refere, ainda, que esta solução, para além de não permitir assimilar as vantagens de especialização em administração exteriores ao sistema judicial, não reflecte adequadamente a defesa do interesse público (Working Group on a Courts Commission, 1996: 42-44).
130 A Experiência da Irlanda
acesso à justiça; reduzir ou eliminar atrasos desnecessários; definir claramente
objectivos a atingir por parte dos tribunais; melhorar as estruturas
organizacionais, definindo mais claramente a hierarquia e a responsabilidade; e
tornar o sistema de justiça mais eficaz e eficiente, coordenando, de um modo
integrado, o planeamento, a gestão financeira e a gestão de recursos
humanos. Para além destas vantagens, entendeu o Grupo de Trabalho que
esta opção teria melhores possibilidades de criar uma atmosfera de
cooperação no âmbito do sistema judiciário, dando mais voz aos juízes na
gestão do sistema e dando aos funcionários maior autonomia (Working Group
on a Courts Commission, 1996: 45).
O Grupo de Trabalho identificou, como funções do Courts Service, gerir
os tribunais; preparar o seu próprio orçamento para aprovação pelo Ministro da
Justiça; gerir esse orçamento visando a economia, a eficácia e a eficiência do
serviço; providenciar os serviços de apoio necessários ao judiciário, incluindo
serviços de pesquisa e de secretariado; providenciar os serviços de apoio
necessários à gestão do Courts Service; garantir um sistema de comunicação
eficiente entre juízes e funcionários; providenciar informação ao público sobre o
Courts Service; e aprovisionar, gerir e manter os edifícios adequados para os
tribunais, incluindo a escolha de locais para a realização dos julgamentos de
acordo com critérios definidos. Dado que o Courts Service não teria funções de
administração da justiça, o Grupo de Trabalho entendeu que a colaboração dos
juízes seria apropriada em questões como: orçamento do Courts Service,
gestão do sistema de justiça e instalações dos tribunais.
O Grupo de Trabalho estabeleceu, ainda, que o Courts Service teria a
obrigação de preparar um plano estratégico a três anos, baseado em critérios
orçamentais previamente aprovados; publicar um relatório anual de actividades
com informação estatística relativa à eficácia do Courts Service; preparar e
apresentar informação ao público e aos utentes dos tribunais; e publicar uma
“carta” sobre os direitos dos utilizadores dos tribunais.
O Courts Service deveria ser governado por um conselho de gestão
(Board) composto, em maioria, por juízes, e ter um órgão executivo (Chief
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 131
Executive Officer) com a categoria de Secretário de Estado (Departmental
Secretary).
As propostas feitas pelo Grupo de Trabalho relativas ao pessoal dos
tribunais partem do pressuposto que, à altura, numa situação de escassez de
recursos, o serviço prestado pelos funcionários era surpreendentemente de
boa qualidade. Assim, entendeu que o novo serviço deveria ser composto
exclusivamente por funcionários públicos (civil servants of the state) com uma
carreira unificada. Essa unificação exigiria um processo de consulta e de
negociação entre o governo e os funcionários mas, em última análise, o
prosseguimento de uma política de recursos humanos que apostasse na
formação e na especialização do pessoal traria benefícios para todos. A
importância dos funcionários na gestão do sistema judiciário deveria reflectir-se
na ocupação de um lugar no conselho de gestão (Board) do Courts Service por
um representante eleito pelos seus pares.
A responsabilidade pública deste novo organismo cingir-se-ia a questões
de natureza financeira e administrativa, respondendo directamente o Ministro
da Justiça pelo desempenho do serviço, quer perante o Parlamento quer
perante os cidadãos, sendo para tal necessário o estabelecimento de uma
rotina quotidiana de troca de informação entre o Courts Service (o Conselho de
Gestão e o Director Executivo) e o Ministro da Justiça. Contudo, o Courts
Service, através do Director Executivo, deveria entregar o relatório anual ao
Parlamento e estar sujeito ao controlo do Comptroller and Auditor General
(Departamento de Auditoria e Contas).
A recomendação do Grupo de Trabalho envolve, igualmente, a criação do
Courts Service com a atribuição de competências sobre todas as jurisdições
num único momento. De acordo com a opinião do Grupo de Trabalho, uma
implementação parcial da proposta manteria as desvantagens do sistema
existente agravando-as com a criação de uma estrutura temporária que poderia
tornar ainda mais caótica a gestão de todo o sistema (Working Group on a
Courts Commission, 1996: 45-50).
132 A Experiência da Irlanda
6.3.2. O Courts Service Act e o Transitional Board
O Presidente do Supremo Tribunal, em 2001, no prefácio do Relatório
Anual do Courts Service, refere que “num momento em que existem muitas
críticas quanto à demora na implementação de reformas, só se pode ficar
impressionado com a velocidade com que o novo Courts Service foi
transformado de uma proposta em realidade”. Como já referimos, “a criação de
um organismo independente para a administração dos tribunais foi
recomendada no primeiro relatório do Grupo de Trabalho sobre os Tribunais,
publicado em Abril de 1996. A legislação adequada, o Courts Service Act, foi
promulgado na Parlamento (Oireachtas) em Abril de 1998. Em Maio desse ano,
foi criado o Conselho de Planeamento do Courts Service [Courts Service
Transitional (Planning) Board]. (…) O Director Executivo foi nomeado em
Janeiro de 1999 e um plano de trabalho foi elaborado de modo a ter o novo
organismo operacional em Novembro desse ano”. (Courts Service, 2001: 3).
Todo o processo demorou cerca de três anos e meio.
6.3.3. O Courts Service
O Courts Service of Ireland foi criado pelo Courts Service Act, de 1998. É
um organismo independente, com autonomia administrativa e financeira, criado
para gerir os tribunais e os recursos humanos, materiais e financeiros a eles
associados, com excepção dos juízes, sendo estes independentes no exercício
das suas funções.
Embora a responsabilidade pela gestão quotidiana dos tribunais tivesse
sido atribuída, a partir de 1999, ao Courts Service, o Ministro da Justiça
continua a ser o responsável perante o parlamento pelo Courts Service e
desempenha um papel, ainda que formal, em certas áreas.
Assim, de acordo com o Courts Service Act, de 1998, as funções do
Courts Service integram a missão estratégica de “gerir os tribunais, apoiar o
judiciário e providenciar um serviço profissional e de alta qualidade a todos os
utilizadores dos tribunais” (Courts Service, 2006: 1). Neste âmbito, compete-
lhes, designadamente, gerir os tribunais, garantir serviços de apoio aos juízes,
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 133
facultar informação sobre o sistema judicial ao público, construir e manter os
edifícios dos tribunais e facultar serviços aos utilizadores dos tribunais (Courts
Service, 2006: 10).
Para cumprir as suas funções, o Courts Service é composto por um órgão
de gestão (Board) e por um órgão executivo (o Chief Executive)
134 A Experiência da Irlanda
Figura 9 A Estrutura Orgânica do Courts Service
Fonte: Courts Service, s/d: 16
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 135
O Conselho de Gestão do Courts Service (Courts Service Board)
O Courts Service é gerido por um conselho de gestão (Board) presidido
pelo Chief Justice e por mais 16 pessoas164 que representam vários
organismos pertencentes ou relacionados com o sistema judicial.
O Conselho de Gestão representa a heterogeneidade de tribunais e de
utilizadores do sistema de justiça, para além dos próprios funcionários do
Courts Service. Tem a função de estabelecer a política do Courts Service e
controlar a implementação dessa politica pelo Director Executivo considerando
os meios que foram colocados ao dispor do Courts Service, a sua utilização
eficaz e eficiente e as políticas ou objectivos governamentais que possam
afectar o desempenho das suas funções.
O Conselho de Gestão tem poder para criar comissões que estudam ou
acompanham de perto a implementação de planos estratégicos em áreas que o
Conselho de Gestão considere importantes. Em 2005, o Conselho de Gestão
estabeleceu as seguintes comissões: a comissão de finanças, de remuneração,
de auditoria, de construção de edifícios, de desenvolvimento do tribunal de
família e de informação sobre jurisprudência (Courts Service, 2006:12-13).
O Director Executivo (Chief Executive Officer)
O Director Executivo (Chief Executive Officer) do Courts Service tem
responsabilidade pela administração quotidiana do Courts Service, pela
164 Compõem o Conselho de Gestão do Courts Service, para além do Presidente do Supremo Tribunal, um Juiz do Supremo Tribunal eleito, o Presidente do Tribunal de Grande Instância, um Juiz do Tribunal de Grande Instância eleito, o Presidente do Tribunal de Círculo; dois Juízes do Tribunal de Círculo eleitos; o Presidente do Tribunal Distrital; um Juiz do Tribunal Distrital eleito; o Director Executivo; um barrister nomeado pelo Bar Council; um solicitor nomeado pela Law Society of Ireland; um membro dos funcionários do Courts Service eleito, um representante do Ministro da Justiça, Igualdade e Reforma Legislativa; uma pessoa nomeada pelo Ministro para representar os utentes dos tribunais; uma pessoa nomeada pelo Congresso Irlandês dos Sindicatos; e uma pessoa nomeada pelo Ministro, após consulta, devido ao seu conhecimento e experiência em comércio, finanças ou administração (Courts Service, 2006: 10).
136 A Experiência da Irlanda
implementação das políticas aprovadas pelo Conselho de Gestão assim como
pela prestação regular de informação sobre a implementação dessas políticas.
É responsável pelo funcionamento dos departamentos que compõem o
Courts Service: dois departamentos operacionais [o Departamento do Supremo
Tribunal e do Tribunal de Grande Instância (Supreme and High Court
Operations) e o Departamento dos Tribunais de Círculo e Distritais (Circuit and
District Court Operations)]; cinco serviços de suporte [o Departamento de
Serviços Administrativos (Corporate Services); o Departamento do Património e
Edifícios (Estates and Buildings Services); o Departamento Financeiro (Finance
Services); o Departamento dos Recursos Humanos (Human Resources
Services); e o Departamento da Reforma e do Desenvolvimento (Reform and
Development Services)]; e o Departamento de Auditoria Interna (Internal
Auditor) (Courts Service, s/d: 14).
O Departamento do Supremo Tribunal e do Tribunal de Grande Instância (Supreme and High Court Operations)
Este departamento operacional é dirigido pelo Chief Registrar e é
composto pelo Departamento Central do Supremo Tribunal e do Tribunal de
Grande Instância (Supreme and High Court Directorate), pelas Secretarias do
Supremo Tribunal e do Tribunal Criminal de Recurso (Offices of the Supreme
Court e do Court of Criminal Appeal) e pelas Secretarias do Tribunal de Grande
Instância (Offices of the High Court) (Courts Service, s/d: 18 a 47).
O Departamento Central do Supremo Tribunal e do Tribunal de Grande
Instância (Supreme and High Court Directorate), engloba um Secretaria do
Departamento Central do Supremo Tribunal e do Tribunal de Grande Instância
(Office of the Supreme and High Court Directorate), um a Secção de Apoio aos
Juízes do Supremo Tribunal (Supreme Court Judges Secretariat), uma Secção
de Apoio aos Juízes do Tribunal de Grande Instância (High Court Judicial
Secretarial Unit) e uma Unidade de Apoio aos Serviços Centrais (Central Office
Support Unit).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 137
A Secretaria do Departamento Central do Supremo Tribunal e do Tribunal
de Grande Instância (Office of the Supreme and High Court Directorate) gere o
Supremo Tribunal e o Tribunal de Grande Instância, facultando apoio
administrativo aos juízes desses tribunais, desenvolvendo os serviços do
Courts Service ligados àqueles tribunais, criando planos estratégicos e de
intervenção para o departamento e gerindo os recursos humanos e as
instalações. É composto por um Director, um Assistente Principal e dois
escrivães.
Os Secção de Apoio aos Juízes do Supremo Tribunal (Supreme Court
Judges Secretariat) e o Secção de Apoio aos Juízes do Tribunal de Grande
Instância (High Court Judicial Secretarial Unit) providenciam serviços de
dactilografia e de secretariado aos juízes do Supremo Tribunal e do Tribunal de
Grande Instância, respectivamente. O primeiro é composto por oito escrivães,
enquanto que o segundo é composto por um chefe de pessoal e por quatro
escrivães.
A Unidade de Apoio aos Serviços Centrais (Central Office Support Unit) é
composta por nove escrivães e tem a função de assessorar o Secretário
Principal e os Registrars da Secretaria Central do Tribunal de Grande Instância
(High Court Central Office), assim como de assegurar o funcionamento do
Balcão de Informação (Information Desk) no Four Courts.
As Secretarias do Supremo Tribunal e do Tribunal Criminal de Recurso
(Offices of the Supreme Court and the Court of Criminal Appeal) dividem-se,
como o nome indica, em duas unidades. A Secretaria do Supremo Tribunal,
composta por um Registrar, um Assistant Registrar, um Court Clerk, um Junior
Court Clerk, um Clerical Officer e um Service Officer. A Secretaria do Tribunal
Criminal de Recurso é composta por um Assistant Registrar, por um Court
Clerk, por um Junior Court Clerk e por um Clerical Officer.
Estes serviços recebem, verificam, guardam e compilam os recursos
interpostos perante ambos os tribunais, efectuam e actualizam a lista de
julgamento dos recursos, distribuem e guardam as decisões dos recursos e as
transcrições dos julgamentos, emitem documentos certificados relativamente
138 A Experiência da Irlanda
aos recursos que correm termos naqueles tribunais, auxiliam a Comissão de
Regulamentos dos Tribunais Superiores (Superior Court Rules Committee) e
coordenam o envio de informação ao Conselho da Europa (Comissão de
Veneza) relativamente aos julgamentos sobre matérias constitucionais.
As Secretarias do Tribunal de Grande Instância (Offices of the High Court)
são, por sua vez, compostos por oito serviços distintos: o Gabinete Central
(Central Office), o Gabinete de Falências (Office of the Official Assignee in
Bankruptcy), o Office of the Taxing Master, o Probate Office, o Gabinete de
Contabilidade dos Tribunais (Office of the Accountant of the Courts of Justice),
o Office of the Examiner of the High Court, o Provedor dos Menores e das
pessoas a cargo do tribunal (General Solicitors for Minors and Wards of Court)
e o Gabinete para os assusnto das pessoas a cargo do tribunal (Office of the
Wards of Court) (Courts Service, s/d: 22 a 47).
O Departamento dos Tribunais de Círculo e Distritais (Circuit and
District Court Operations)
O Departamento dos Tribunais de Círculo e Distritais (Circuit and District
Court Operations) engloba o Departamento Central dos Tribunais de Círculo e
Distrtais (Circuit and District Court Directorate), os Gabinetes Regionais de
Administração (Regional Offices), os Gabinetes Administrativos do Círculo
(Circuit Offices) e os Gabinetes Administrativos Distritais (District Offices).
O Departamento Central dos Tribunais de Círculo e Distritais (Circuit and
District Court Directorate) é composto pelo Director, por um Chefe de
Departamento, um Assistente Principal, dois directores executivos, dois
escrivães, seis administradores regionais e 14 funcionários das Administrações
Regionais.
O Departamento Central gere os Gabinetes Administrativos de Círculo e
Distrais (Circuit e District Court Offices), providencia as transferências do
pessoal entre distritos e prepara os regulamentos respeitantes às àreas
jurídico-administrativas e aos distritos judiciais.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 139
Para além dos departamentos do Courts Service localizados na cidade de
Dublin, existem ainda cinco Gabinetes Regionais de Administração (Regional
Offices) localizados em Monaghan (Northern Region), em Naas (Eastern
Region), em Tullamore (Midland Region), em Cork (Southern Region) e em
Castlebar (Western Region).
Figura 10 As Áreas de Competência dos Gabinetes Regionais de Administração
Fonte: Courts Service, 2006: 15
140 A Experiência da Irlanda
A cada Gabinete Regional de Administração do Courts Service é
delegada competência para fazer e gerir orçamentos dos Gabinetes da sua
área geográfica, realizar a manutenção de instalações e a gestão de projectos
de construção e de remodelação de instalações. São compostos pelos
administradores regionais e, em regra, por dois auxiliares.
Existem 26 Gabinetes Administrativos dos Tribunais de Círculo (Circuit
Court Offices), um em cada county. Embora todos sejam dirigidos por um
County Registrar que é co-adjuvado por um Secretário chefe (Chief Clerk), o
número de pessoal auxiliar varia de county para county, sendo o Gabinete
Administrativo do Tribunal de Círculo de Dublin o que tem maior número de
funcionários. Estes Gabinetes processam as acções civis intentadas nos
Tribunais de Círculo; arquivam os registos dos processos; efectuam os registos
prediais e os registos de testamentos; providenciam os funcionários judiciais
dos Tribunais de Círculo para os julgamentos; gerem os fundos de investimento
atribuídos a menores nas acções julgadas pelo Tribunal de Círculo e várias
contas relacionadas com os fundos à disposição dos Gabinetes Administrativos
dos Tribunais de Círculo; e aplicam as ordens do tribunal.
O County Registrar tem vários outros poderes para além dos respeitantes
à gestão do Gabinete Administrativo do Tribunal de Círculo, em especial, a
arbitragem de casos relativos às custas judiciais, arbitragem em casos de
arrendamento comercial; e é, com excepção das áreas de Cork e de Dublin, o
Sheriff do county, responsável pela execução de todas as sentenças cíveis.
Existem 43 Gabinetes Administrativos dos Tribunais Distritais (District
Court Offices), pelo menos um em cada county. Em Dublin, devido ao elevado
volume de trabalho, o Courts Service decidiu criar sub-gabinetes.
O número de funcionários em cada Gabinete Administrativo dos Tribunais
Distrtais varia de county para county. Cada Gabinete é dirigido por um
Secretário chefe.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 141
Os Gabinetes Administrativos dos Tribunais Distritais auxiliam o
funcionamento dos Tribunais Distritais no processamento e julgamento de
casos penais165 e cíveis166, incluindo o processo especial para acções de
reduzido valor (Small Claims Procedure)167, e processos de família168, assim
como processam o licenciamento de actividades a cargo do Tribunal Distrital169.
Para além destas funções, cada Gabinete Administrativo do Tribunal
Distrital actualiza o “livro de minutas do juiz”, vende as estampilhas que são
colocadas nos documentos ou nas fichas de pagamento e é responsável pela
compilação de um conjunto variado de informação estatística e de gestão dos
tribunais (Courts Service, s/d: 53-55).
165 Os Gabinetes Administrativos dos Tribunais Distritais são responsáveis pela realização de notificações ao abrigo de processos-crime e pelo processamento das acusações, destacando registrars para os julgamentos, processando o pagamento das fianças, os pedidos de apoio judiciário, as notificações de multas e de mandatos (warrants), de recursos, de pedidos de extradição, de pedidos de serviço comunitário e de depoimentos. 166 Os Gabinetes Administrativos dos Tribunais Distritais, no âmbito dos processos cíveis, providenciam serviços de apoio, processam as citações/notificações, destacam court registrars para os julgamentos, auxiliam a produção de sentenças em julgamentos sumários, auxiliam a execução de dívidas após as sentenças dos Tribunais Distritais, de Círculo e do Tribunal de Grande Instância, fazem as notificações de sentenças, de pagamentos e de pedidos de detenção, emitem garantias e recebem pagamentos. 167 Os Gabinetes Administrativos dos Tribunais Distritais são responsáveis, no âmbito deste processo, pelas negociações entre as partes com vista à resolução do conflito. 168 Os Gabinetes Administrativos dos Tribunais Distritais, no âmbito de processos de família, são responsáveis pelas petições relacionadas com violência doméstica (applications under the Domestic Violence Act) e assegura o efectivo cumprimento das decisões dos juízes, quer quanto a obrigações de alimentos de cônjuges ou de descendentes, recebendo o dinheiro do devedor e pagando ao credor, (em regra, estes pagamentos são ordenados semanalmente), assim como o investimento do dinheiro concedido a menores no âmbito das acções intentadas no Tribunal Distrital, assegurando o pagamento quando aquele se tornar maior (18 anos). 169 Os Gabinetes Administrativos dos Tribunais Distritais actualizam e mantêm os registos de licenciamento (por exemplo, de venda de bebidas alcoólicas, de licenças de condução, etc.) o processamento de pedidos e de decisões do tribunal.
142 A Experiência da Irlanda
Figura 11 As Áreas de Competência dos Gabinetes Administrativos dos Tribunais de Círculo e
Distritais
Fonte: Courts Service, 2002a: 44
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 143
Como podemos ver pelo mapa e atendendo ao que dissemos sobre os
Tribunais de Círculo e Distritais, as áreas de competência dos Gabinetes
Administrativos dos Tribunais de Círculo e Distritais não se sobrepõem à área
de competência atribuída a cada juiz.
O Departamento de Serviços Administrativos (Corporate Services
Directorate)
O Departamento de Serviços Administrativos (Corporate Services
Directorate) é composto pelo Director, por três chefes de departamento, por
sete assistentes de chefes de departamento, por nove ou dez directores
executivos, por três funcionários executivos, por treze escrivães, por um
bibliotecário, por um bibliotecário assistente e por nove assistentes judiciais
(Judicial Researchers).
O Departamento de Serviços Administrativos encontra-se dividido em seis
secções: a Divisão de Serviços de Secretariado (Secretariat Division), a
Unidade de Serviços de Apoio à Magistratura (Judicial Support Services Unit),
a Biblioteca Judicial (Judges' Library), a Secção de Tecnologia da Informação
(Information Technology Division), o Gabinete de Informação (Information
Office) e o Gabinete de Auditoria Interna (Internal Audit Unit).
A Divisão de Serviços de Secretariado (Secretariat Division) assegura o
suporte administrativo e de secretariado ao conselho de gestão do Courts
Service e às comissões estabelecidas por este, assim como ao Director
Executivo. É, igualmente, da sua responsabilidade estabelecer relações entre
os vários Departamentos e entre estes e o Ministério da Justiça e outras
agências governamentais e públicas. A Divisão de Serviços de Secretariado
tem, igualmente, a função de responder aos pedidos de informação do público
sobre o funcionamento dos tribunais e do Courts Service (Courts Service,
s/d:56).
A Unidade de Serviços de Apoio à Magistratura (Judicial Support Services
Unit) auxilia vários departamentos e unidades administrativas do Courts
Service assim como de organizações autónomas como o Conselho Consultivo
144 A Experiência da Irlanda
de Selecção de Juízes (Judicial Appointments Advisory Board), o Conselho de
Gestão do Instituto de Estudos Judiciais (Judicial Studies Institute Board) e o
Instituto de Estudos Judiciais (Judicial Studies Institute)170, provendo serviços
administrativos e de secretariado. Para além destes serviços, a Unidade de
Serviços de Apoio à Magistratura tem a responsabilidade de estabelecer
contactos com outras entidades com funções semelhantes ao Instituto de
Estudos Judiciais organizando a participação de juízes em seminários e
conferências nacionais e estrangeiras; planeando as acomodações dos juízes
do Supremo Tribunal e do Tribunal de Grande Instância quando os julgamentos
destes tribunais se realizam fora de Dublin; processando as despesas de
deslocação para os juízes do Tribunal Distrital, processando os pagamentos de
subsídios aos juízes; respondendo a questionários do público relativos ao
judiciário; responsabiliza-se pelo pessoal de pesquisa jurídica; e planeando,
igualmente, as viagens internacionais de todo o staff do Courts Service.
A Biblioteca Judicial (Judge’s Library) é, como o próprio nome indica, a
biblioteca dos juízes providenciando os serviços típicos de biblioteca aos juízes
e ao staff do Courts Service, sendo responsável por um corpo de 9 assistentes
judiciais que facultam serviços de assistência e de pesquisa a todos os
membros do judiciário.
A Secção de Tecnologia da Informação (Information Tecnology Division)
providencia serviços de informática ao Courts Service. Faculta suporte
operacional aos sistemas computorizados, incluindo os sistemas de segurança,
realiza a manutenção e o desenvolvimento dos sistemas existentes e das
networks do Courts Service. Desenvolve a intranet do judiciário; providencia o
suporte quotidiano a todos os utilizadores de computadores no âmbito do
170 De acordo com a European Judicial Training Network, o Instituto de Estudos Judiciais foi criado em 1996 para organizar a formação permanente dos juízes irlandeses, organizando e preparando seminários e conferências. É responsável, igualmente, pela assistência a juízes recém nomeados, publicando Bench Books. É este organismo que publica o Judicial Studies Institute Journal, que contém artigos sobre assuntos jurídicos actuais. http://www.ejtn.net/www/en/html/nodes_main/4_1949_208/5_1585_15.htm (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 145
Courts Service; planeia, desenvolve e implementa novos sistemas informáticos
de acordo com as prioridades estabelecidas pelo Comité de Planeamento de
Tecnologias da Informação (Courts Service IT Steering Committee); adquire o
hardware, software e consumíveis para o Courts Service; define a estratégia
das tecnologias de informação para toda a organização; e assegura o
cumprimento da legislação sobre protecção de dados informáticos.
O Gabinete de Informação (Information Office) faculta informação ao
público sobre os tribunais coordenando os conteúdos, a publicação e a
distribuição do Courts Service News; mantendo e desenvolvendo o Courts
Service Website; coordenando, preparando e publicando folhetos, livros e
vídeos informativos sobre o trabalho dos tribunais; coordenando o
aprovisionamento dos gabinetes dos tribunais com placares informativos;
desenvolvendo sessões de informação sobre o sistema judiciário para as
escolas e outros grupos comunitários; fazendo comunicações a grupos de
interesse sobre o trabalho dos tribunais; coligindo estatísticas sobre o trabalho
dos tribunais; coordenando as relações com os media; organizando as press
releases e os press briefings do Courts Service; e organizando, publicando e
distribuindo o relatório de actividades do Courts Service para o Ministro da
Justiça.
O Departamento de Recursos Humanos (Human Resources
Directorate)
O Departamento de Recursos Humanos (Human Resources Directorate)
é composto por um Director, um Secretário chefe, três Assistentes Principais,
quatro directores executivos, três funcionários executivos e seis escrivães. Este
organismo tem a responsabilidade da colocação efectiva, da gestão e da
formação de todos os recursos humanos pertencentes ao Courts Service,
assegurando o cumprimento das regras do funcionalismo público assim como o
cumprimento da legislação relativa à protecção de dados informáticos.
Este organismo está dividido em três secções: a Secção de Recursos
Humanos (Personnel Operations Section), a Secção de Formação (Trainning
146 A Experiência da Irlanda
and Development Section) e a Secção de Gestão da Reforma (Change
Management Section) (Courts Service, s/d:62).
A Secção de Recursos Humanos (Personnel Operations Section)
desenvolve actividades no âmbito das directivas estabelecidas pelo Ministério
das Finanças e providencia serviços de conciliação e de arbitragem (Courts
Service Conciliation and Arbitration Scheme) para todo o staff do Courts
Service, para antigos empregados e suas famílias. Tem contactos pessoais,
por carta, por fax, por telefone e por e-mail.
A Secção de Formação (Training and Development Section) tem como
função organizar cursos e seminários para todo o staff do Courts Service.
Organiza programas de formação e contratualiza com outros organismos
externos ao sistema outros cursos de formação que publicita à medida que se
encontram disponíveis.
A Secção de Gestão da Reforma (Change Management Section) apoia as
reformas introduzidas no sistema judiciário através de reuniões, do Directorate
Bulletin e de Workshops.
O Departamento do Património e Edifícios (Estates and Buildings
Directorate)
O Departamento de Património e Edifícios (Estates and Buildings
Directorate) é composto por um Director, dois Secretários chefe, um assistente
do Secretário chefe, um director executivo, três funcionários executivos e dois
escrivães. As funções deste organismo incluem o planeamento, o
desenvolvimento e a execução de obras de restauro, assim como providenciar
o arrendamento das instalações dos tribunais e dos serviços; preparar e
financiar o programa de construção de instalações; transferir para o Courts
Service os tribunais da propriedade de autoridades locais ou do Ministério das
Obras Públicas (Office of Public Works); equipar e manter actualizados os
edifícios dos tribunais e do Courts Service; assegurar a aplicação das regras de
higiene e segurança em todos os edifícios da responsabilidade do Courts
Service; e assegurar, igualmente, o equipamento de comunicação adequado
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 147
em todas as instalações. No desenvolvimento das suas funções o
Departamento de Património e Edifícios trabalha em estreita cooperação com a
gestão local e regional do Courts Service, com as autoridades locais e com o
Ministério das Obras Públicas (Courts Service, s/d:64).
O Departamento Financeiro (Finance Directorate)
O Departamento Financeiro (Finance Directorate) é composto por um
Director, por um Secretário chefe, por um Assistente Principal de Secretário
chefe, por um Assistente Principal, por dois directores executivos, por três
funcionários executivos e por dois escrivães.
O Departamento Financeiro é responsável por todas as actividades
financeiras do Courts Service. Essas actividades podem dividir-se em quatro
grandes grupos: a contabilidade dos tribunais, a contabilidade financeira, os
projectos e o Gabinete de Contabilidade dos Tribunais.
Ser responsável pela contabilidade dos tribunais implica controlar e
monitorizar as transacções financeiras realizadas pelos gabinetes (offices) dos
Tribunais Distritais, de Círculo e do Tribunal de Grande Instância,
nomeadamente operações financeiras de investimento de fundos próprios e
processamento de multas, de custas, de fianças e de operações relacionadas
com questões de família.
Gerir a contabilidade financeira envolve planear a aplicação dos fundos
atribuídos ao Courts Service no âmbito do orçamento anual do Estado,
produzindo uma estimativa anual de receitas e de despesas, assim como uma
estimativa anual relacionada com as apropriações.
Ser responsável pelos projectos pressupõe o desenvolvimento de
instrumentos financeiros para a gestão contabilística de todos os tribunais, em
especial, sistemas de contabilidade para os Tribunais Distritais e de Círculo,
sistemas de gestão de investimento de fundos dos tribunais e sistemas de
gestão financeira que visam providenciar informação sobre fundos públicos
(Courts Service, s/d:66).
148 A Experiência da Irlanda
O Departamento da Reforma e do Desenvolvimento (Reform and
Development Directorate)
O Departamento da Reforma e do Desenvolvimento (Reform and
Development Directorate) é composto pelo Director, por um Assistente
Principal, por um funcionário executivo e por um escrivão.
Este serviço tem várias funções: providenciar o apoio e suporte
administrativo ao Grupo de Trabalho sobre os Tribunais; preparar as propostas
de modernização da legislação sobre administração dos tribunais, sobre
modernização e simplificação dos procedimentos e da terminologia;
representar o Director Executivo na Comissão de Regulamentos dos
Superiores; desenvolver e melhorar procedimentos dos gabinetes dos tribunais;
avaliar o impacto das iniciativas do Courts Service no âmbito das tecnologias
de informação e de eGovernment; examinar, em coordenação com os outros
directores do Courts Service, as propostas de legislação que possa afectar a
administração e gestão dos tribunais; e superintender e controlar o Gabinete
para os assuntos das pessoas a cargo do tribunal (Courts Service, s/d:69).
O Gabinete de Auditoria Interna (Internal Audit Unit)
O Gabinete de Auditoria Interna (Internal Audit Unit) examina e avalia a
adequação e a eficácia do sistema interno de controlo do Courts Service e a
qualidade da performance no desempenho das responsabilidades atribuídas.
Revê o grau de confiança e de integridade da informação financeira e
operacional assim como os meios utilizados para identificar, medir, classificar,
e coligir essa informação; revê os sistemas estabelecidos assegurando a
adequação destes às políticas, planos, procedimentos, leis e regulamentos que
possam ter um impacto significativo na operação do Courts Service e na
elaboração dos relatórios; e revê as operações destinadas à verificação dos
resultados em relação aos objectivos estabelecidos no plano estratégico do
Courts Service.
7. A Experiência do Estado do Michigan. O State Court Administrative
Office
A actual organização judiciária do Estado do Michigan é tributária de um conceito
unitário do sistema judicial denominado “One Court of Justice”. Esta estrutura funcional foi
introduzida pela Constituição do Michigan, em 1963, e, embora exista apenas uma
unidade orgânica, esta é composta pelo Supremo Tribunal (Supreme Court), pelo Tribunal
de Recurso (Court of Appeals) e pelos Tribunais de Julgamento (Trial Courts) [os
Tribunais de Círculo (Circuit Courts) de competência genérica e vários outros tribunais de
jurisdição limitada – os Tribunais Distritais (District Courts), os Probate Courts, os
Tribunais Municipais (Municipal Courts) e o Court of Claims]. Existem, para além dos
tribunais formais, várias formas de lidar com situações particulares a que o judiciário
chama de Programas de Tribunais Especializados (Specialized Court Programs)
[Tribunais de Droga (Drug Courts), Tribunais Juvenis (Teen Courts) e Tribunais de
Violência Doméstica (Domestic Violence Courts)], apesar de não serem estruturas que
possam ser comparadas aos tribunais especializados que existem noutros países, como
por exemplo, em Portugal.
A gestão administrativa do “One Court of Justice” compete, em primeira análise, ao
Supremo Tribunal e, em particular, ao seu Presidente. Contudo, a gestão administrativa
dos tribunais do Estado do Michigan é efectuada, em concreto, através do State Court
Administrative Office (SCAO). O SCAO é responsável, designadamente pela recolha de
dados sobre o trabalho dos tribunais; pela determinação de algumas políticas e
procedimentos dos tribunais; e pela avaliação da necessidade de recursos humanos em
cada tribunal. Assegura, ainda a formação contínua para juízes e funcionários.
O Supremo Tribunal selecciona, de dois em dois anos, um juiz de cada tribunal para
exercer as funções de Juiz Presidente do Círculo e do Distrito, a partir de uma lista
enviada pelos tribunais respectivos. Por sua vez, o juiz presidente selecciona um juiz
presidente delegado (pro tempore) e os juízes de cada secção. Os seus poderes são
estabelecidos, quer pela lei de organização judiciária do Michigan (Michigan Court Rules),
quer pelo Supremo Tribunal, quer pelas regras definidas pelas entidades financiadoras
locais e aprovadas pelo Supremo Tribunal. Pode, também, nos tribunais em que o
orçamento o permita, nomear um administrador do tribunal do julgamento (trial court
administrator) a tempo inteiro.
O juiz-presidente tem, ainda, o poder de definir as políticas de funcionamento
interno do tribunal.
150 A Experiência do Estado do Michigan
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 151
Introdução171
Em 1835, noventa e um delegados do Estado do Michigan redigiram a
sua primeira constituição, directamente tributária da Constituição dos Estados
Unidos, de 1787, e das várias alterações realizadas entre 1789 e 1791,
conhecidas como Bill of Rights. Em Janeiro de 1837, o Michigan aderiu aos
Estados Unidos da América, tornando-se o seu 26.º Estado (Library of
Michigan, 2006: 1).
Em 1847, o parlamento fixou a capital em Lansing, apesar da cidade mais
desenvolvida do Estado ser Detroit.
171 Neste ponto seguimos de perto o http://courts.michigan.gov/lc-gallery/history_mi_judicial_system.htm (Dezembro de 2006).
152 A Experiência do Estado do Michigan
Figura 12 Mapa do Estado do Michigan e das cidades mais importantes
Fonte: http://www.michigan.org172
Até 1850, o poder judicial do Estado era exercido por juízes de paz,
nomeados pelo poder executivo para desempenhar funções nos diversos
172 http://www.michigan.org/travel/locations/?m=0&NRC=TM_GG&NRX=TM5813&WT.srch=1&gclid=CL624LeE54gCFTpYMAod324hkg (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 153
tribunais existentes, embora os seus poderes fossem bastante restritos. Em
1850, com a primeira revisão da Constituição do Estado, e com a consequente
limitação dos poderes do parlamento e do executivo face ao poder judicial, este
ganhou uma nova importância. Todavia, na segunda metade do século XIX,
devido à crescente industrialização e a todas as suas consequências sociais,
económicas e políticas, sentiu-se necessidade de alterar de novo a
Constituição, visando uma maior independência do judiciário. Assim, a partir de
1908, o poder judicial passou a ser mais independente do poder legislativo e do
poder executivo passando todos os juízes a ser legitimados por eleição directa
sem qualquer referência a partidos políticos (non-partisan ballot). Contudo, o
sistema instituído para a eleição dos Juízes (Justices) do Supremo Tribunal
(Supreme Court) foi, e continua a ser, um sistema híbrido que permite a
nomeação dos candidatos pelos partidos políticos, apesar da eleição posterior
decorrer sem qualquer referência a estes. Contudo, de acordo com fonte oficial
dos tribunais do Michigan,173 este sistema tem vindo a ser bastante criticado
por ser um compromisso pouco sensato e por não funcionar de forma
satisfatória.
Em 1963, foi aprovada a quarta, e ainda vigente, Constituição do Estado
do Michigan. A principal alteração quanto à organização do poder judicial
centrou-se na criação do Tribunal de Recurso (Court of Appeals) que,
originariamente, era composto por nove juízes, embora, actualmente, seja
composto por 28. Esta constituição também estabeleceu, como requisito de
candidatura a qualquer um dos tribunais do Estado, a inscrição, como
advogado, na Ordem dos Advogados (Bar Association) ou o exercício de uma
profissão jurídica. A imposição deste requisito contribuiu para a extinção dos
tribunais de paz (Justice of the Peace Court) que julgavam os pequenos crimes
em muitas das cidades do Michigan, dado que os juízes destes tribunais não
eram, na sua maioria, juristas. Assim, tornou-se necessária a criação, pelo
173 Cf. http://courts.michigan.gov/lc-gallery/history_mi_judicial_system.htm (Dezembro de 2006).
154 A Experiência do Estado do Michigan
Parlamento, em 1968, dos Tribunais Distritais (District Courts) para julgar
pequenos crimes e as acções cíveis de menor valor. A legislatura criou, ainda,
dentro dos Tribunais Distritais, o Tribunal de Pequenas Causas (Small Claims
ou Civil Division), responsável pela resolução de acções cíveis de pequeno
valor, sem a necessidade de presença de advogados, sem regras formais de
processo e sem possibilidade de recurso.
Em 1996, foi criada a Family Division (divisão de família) nos Tribunais de
Círculo (Circuit Courts), cuja implementação só se tornou efectiva em 1998, e
que centralizou os julgamentos de todas as acções relacionadas com a família
que antes estavam divididas entre os Circuit e os Probate Courts.
7.1. A organização judiciária do Estado do Michigan
A actual organização judiciária do Estado do Michigan é tributária de um
conceito unitário do sistema judicial denominado “One Court of Justice”. Esta
estrutura funcional foi introduzida pela Constituição do Michigan, em 1963174, e,
embora exista apenas uma unidade orgânica, esta é composta pelo Supremo
Tribunal (Supreme Court), pelo Tribunal de Recurso (Court of Appeals) e pelos
Tribunal de Julgamento (Trial Courts) [os Tribunais de Círculo (Circuit Courts)
de competência genérica e vários outros tribunais de jurisdição limitada – os
Tribunais Distritais (District Courts), os Probate Courts, os Tribunais Municipais
(Municipal Courts) e o Tribunal que julga acções contra o Estado (Court of
Claims)], cuja jurisdição específica foi definida pela Constituição ou pelo poder
legislativo.
A actual organização judiciária do Estado do Michigan apresenta, assim, a
seguinte configuração:
174 Artigo VI, Secção 1, da Constituição do Michigan de 1963.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 155
Figura 13 A Organização Judiciária do Estado do Michigan
Fonte: http://courts.michigan.gov
175
175 http://courts.michigan.gov/lc-gallery/class_material/mi_court_sys/org_chart.pdf (Dezembro de 2006).
156 A Experiência do Estado do Michigan
7.1.1. Os tribunais comuns
O Supremo Tribunal (Supreme Court)
O Supremo Tribunal (Supreme Court) é o tribunal de última instância do
Estado do Michigan, composto por sete juízes [um Presidente do Supremo
Tribunal (Chief Justice) e seis Juízes Conselheiros (Justices)]176, com sede em
Lansing177.
Este tribunal tem competência para decidir sobre recursos interpostos das
decisões do Tribunal de Recurso (Court of Appeals) e, em primeira instância,
sobre casos relacionados, designadamente, com responsabilidade disciplinar
no exercício da judicatura ou da advocacia178.
Todos os casos propostos a revisão perante o Supremo Tribunal são
apreciados pelos sete Juízes Conselheiros mas nem todos os casos são
aceites para julgamento. Dos mais de 2.000 recursos e acções que são
apreciados pelo Supremo Tribunal anualmente, é concedido um julgamento
efectivo apenas a cerca de 100 casos. O julgamento destes pressupõe a
possibilidade dos advogados entregarem os documentos que entenderem
necessários e, também, de exporem o seu caso oralmente perante os juízes179.
A decisão do tribunal é dada por escrito (uma Opinion) que pode ser unânime
ou por maioria (4 ou mais votos), incluindo, nestes casos, os votos de vencido.
A decisão pode confirmar ou inverter a decisão do tribunal a quo (recorrido) ou,
ainda, remeter o caso para um tribunal inferior para novo julgamento.
176 Os Juízes Conselheiros são eleitos por um período de oito anos. Embora, como já se referiu, os candidatos sejam nomeados pelos partidos políticos, as eleições são efectuadas sem qualquer referência a estes (non-partisan balot system). De dois em dois anos, em Novembro, são eleitos dois Justices, excepto no oitavo ano, em que é eleito apenas um. Os candidatos necessitam ser eleitores registados no Estado do Michigan, com a possibilidade de exercer uma profissão jurídica nesse Estado há, pelo menos, cinco anos e ter menos de setenta anos à data da eleição. 177 Lansing é a capital do Estado do Michigan embora, em número de habitantes, de acordo com o censo de 2000, seja a sexta cidade do Estado com 119.128 hab. (Library of Michigan, 2006:1). 178 Cf. Supreme Court, 2006: 20. 179 Cf. http://courts.michigan.gov/lc-gallery/mich-court-system.htm (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 157
Na apreciação dos casos e na sua resolução os Juízes Conselheiros são
assistidos pelos Auxiliares dos Juízes do Supremo Tribunal (Supreme Court
Commissioners) (o staff de apoio e pesquisa do Supreme Court).
De dois em dois anos, os Juízes Conselheiros elegem um dos seus
colegas como Presidente do Supremo Tribunal.
O Tribunal de Recurso (Court of Appeals)
O Tribunal de Recurso (Court of Appeals) foi criado, como já se referiu,
pela Constituição de 1963 como um tribunal de recurso intermédio, entre o
Supremo Tribunal e os Tribunais de Círculo.
A jurisdição deste tribunal foi estabelecida por lei estadual, sendo o
processo judicial e os procedimentos internos definidos pelo Supremo Tribunal.
Os vinte e oito juízes do Tribunal de Recurso são eleitos através de
eleições em que não há referência a partidos políticos (non-partisan ballot) em
quatro distritos, definidos por lei, mas que têm, aproximadamente, a mesma
população.180 Todavia, ao contrário do que acontece relativamente aos Juízes
Conselheiros do Supremo Tribunal, os candidatos não são nomeados pelos
partidos políticos.
O Tribunal de Recurso julga os casos em colectivo nas cidades de
Lansing, Detroit, Grand Rapids e Marquette. Há uma grande rotatividade nos
juízes que participam nos julgamentos em cada uma destas cidades com vista
a encorajar uniformidade de julgamentos em todo o Estado e a eliminar a
180 Os candidatos têm de ser residentes no distrito pelo qual se candidatam, registados como eleitores, membros de uma profissão jurídica e com menos de setenta anos de idade à altura da eleição. Os juízes do Tribunal de Recurso são eleitos por um período de seis anos sendo os seus salários definidos pelo poder legislativo. De dois em dois anos, o Supremo Tribunal escolhe o Chief Judge (juiz-presidente) do Tribunal de Recurso. Este, para além dos julgamentos, desempenha funções administrativas e quaisquer outras funções indicadas pelo Supremo Tribunal.
158 A Experiência do Estado do Michigan
criação de filosofias jurídicas conflituantes, próprias de determinadas áreas
geográficas.
Os Tribunais de Círculo (Circuit Courts)
Os Tribunais de Círculo (Circuit Courts) são os tribunais de primeira
instância do Estado do Michigan com competência genérica. A jurisdição dos
57 Tribunais de Círculo181 engloba todas as acções que não são atribuídas por
lei a outros tribunais, ou seja, o julgamento dos crimes mais graves (felonies182
e alguns misdemeanors), acções cíveis com valor superior a 25.000 dólares,
casos da competência da Divisão de Família183 e recursos de decisões de
outros tribunais ou agências administrativas.
O Tribunal de Círculo tem, igualmente, poder de superintendência sobre
os tribunais no seu círculo judicial, embora esta competência pertença, em
última análise, ao Supremo Tribunal.
O Estado do Michigan está dividido em 57 judicial circuits (círculos
judiciais) que se sobrepõem às fronteiras dos counties. O número de juízes em
cada círculo é definido pelo Parlamento.184 Em círculos que englobam mais do
que um county, os juízes viajam de county para county para realizar os
julgamentos.
181 Cf. http://courts.michigan.gov/lc-gallery/mich-court-system.htm (Dezembro de 2006). 182 Felonies são crimes puníveis com pena de prisão superior a um ano (Michigan District Judge’s Association, s/d). 183 A Divisão de Família do Tribunal de Círculo tem competência para julgar os casos de divórcio, paternidade, alimentos, regulação do poder paternal, adopção, protecção de menores, delinquência juvenil, emancipação, suprimento do consentimento para aborto de mães menores, casos de protecção individual e alterações de nome (cf. Michigan Judicial Institute, s/d: 2-3). 184 Os juízes são eleitos por períodos de seis anos em eleições sem a participação dos partidos políticos. Os candidatos devem ser eleitores, residentes no círculo pelo qual concorrem, serem advogados com pelo menos cinco anos de experiência e menos de 70 anos de idade à altura da eleição. Os salários dos Juízes de Círculo (Circuit Judges) são definidos pelo parlamento.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 159
O Court of Claims
O Court of Claims julga as acções que são intentadas contra o Estado do
Michigan. Está sedeado no Ingham County Court, no círculo de Lansing.
Os Probate Courts
Em cada county do Estado do Michigan há um Probate Court (excepto em
dez counties, que se juntaram em pares, formando apenas cinco distritos
consolidados).
Em cada distrito consolidado do Probate Court há um juiz, enquanto que
nos outros há um ou mais juízes dependendo do volume ponderado de
processos de cada tribunal.185
Os Probate Courts têm jurisdição para admitir testamentos, administrar o
património dos falecidos e patrimónios dados em benefício de outras pessoas,
exercer a tutela, a curadoria e o tratamento de doentes mentais.
Os Tribunais Distritais (District Courts)
Os Tribunais Distritais (Districts Courts)186 julgam acções cíveis com valor
até 25.000 dólares187, todos os crimes que não sejam puníveis com pena de
prisão superior a um ano, conduzem a primeira audiência do arguido
(arraignment), estabelecem cauções e praticam outros actos jurisdicionais em
185 Os juízes dos Probate Courts são eleitos de seis em seis anos em eleições não partidárias e estão sujeitos aos mesmos requisitos que os Juízes de Círculo. 186 Fazem parte dos Tribunais Distritais juízes eleitos sem a participação dos partidos políticos por períodos de seis anos. Os candidatos devem cumprir todos os requisitos que se aplicam aos Juízes de Círculo. Os juízes são membros do poder judicial do Estado e são pagos, na quase totalidade, pelo Estado. Todavia, os funcionários de cada tribunal são pagos pelas unidades de financiamento locais. 187 O Tribunal Distrital pode ainda julgar acções cíveis de valor superior a 25.000 dólares se o Tribunal de Círculo entender que o valor provável da acção se situa abaixo daquele valor, embora o tribunal depois não tenha qualquer limitação quanto ao valor. Em alguns distritos, os Juízes do Tribunal Distrital julgam alguns casos dos Tribunais de Círculo se tiverem tempo disponível e o juiz de Circulo necessitar de auxílio (Michigan District Judge’s Association, s/d).
160 A Experiência do Estado do Michigan
casos de crimes graves (felonies), como por exemplo, a determinação de
“causa provável” (instrução); julgam todas as violações às leis de viação,
incluindo infracções de estacionamento, pequenas acções cíveis (small claims
– acções de valor inferior a 3.000 dólares), julgam todas as acções de
arrendamento e de contratos sobre bens imóveis; e podem realizar a cerimónia
de casamento civil (Supreme Court, 2006: 51-52).
Os Tribunais Distritais estão divididos em três tipos ou classes de acordo
com as áreas geográficas da sua jurisdição.
Os Tribunais Distritais da primeira classe têm jurisdição em um ou mais
counties que integram a entidade financiadora.
Estes Tribunais Distritais realizam julgamentos em todas as cidades
capitais de county. Em counties com mais de 130.000 Hab. o tribunal realiza
julgamentos em todas as cidades com mais de 6.500 Hab., excepto se alguma
for contígua à capital do county ou a uma cidade de maior população. Para
além destas cidades, o tribunal realiza julgamentos em qualquer sítio que o juiz
determinar. Nos tribunais desta classe compostos por mais do que um county o
tribunal terá que julgar em pelo menos um dia por semana em cada um dos
counties.
Pertencem à segunda classe os Tribunais Distritais que englobam as
subdivisões político-administrativas que compõem um county (podendo ter
competência territorial em mais do que county) e que não estejam incluídas
num Tribunal Distrital da terceira classe. Cada county englobado neste tipo de
tribunais compõe a entidade financiadora.
Estes Tribunais Distritais realizam julgamentos em qualquer capital de
county da sua área de competência e em cada cidade ou incorporated
village188 que tenha mais de 3.250 Hab. a não ser que sejam contíguas
188 Cities (cidades), townships ou incorporated villages são unidades territoriais de cariz administrativo-político do Estado do Michigan.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 161
devendo, nesse caso, realizar o julgamento apenas na que tiver maior número
de habitantes. Se não houver nenhuma capital de county ou cidade com
população superior a 3.250 Hab., o tribunal realizará julgamentos onde o juiz
determinar. Todavia, se os órgãos de uma unidade política concordarem, o
tribunal pode não realizar julgamentos nessa unidade. Também por acordo
com as entidades financiadoras, o tribunal pode realizar julgamentos na sede
do distrito político mesmo que esta não esteja incluída na área de competência
do distrito judicial.
Os Tribunais Distritais da terceira classe são compostos pelas divisões
político-administrativas (cities (cidades), townships ou incorporated villages) de
um ou vários counties. As unidades financiadoras destes tribunais são as
divisões político-administrativas que o compõem a não ser que haja um acordo
específico entre os órgãos executivos dessas divisões.
Os julgamentos dos tribunais desta classe são realizados em todas as
cidades que tenham uma população superior a 3.250 Hab. e em cada township
que tenha mais de 12.000 Hab. Assim como em outros locais definidos pelos
juízes. Se os órgãos de uma unidade político-administrativa concordarem, o
tribunal pode não realizar julgamentos nessa unidade (SCAO, 2003: 1-3).
A maioria dos Tribunais Distritais está organizada em cinco divisões:
Divisão de Administração do Tribunal, Divisão Criminal e de Parqueamento,
Divisão de Trânsito e de Violações de Regulamentos Locais (ordinances),
Divisão Civil e Departamento de Supervisão da Suspensão da Pena de Prisão
(Michigan District Judge’s Association, s/d).
A Divisão de Administração do Tribunal é responsável pela gestão do
pessoal e dos recursos financeiros, coordenação dos júris, calendarização dos
julgamentos e gestão dos processos. A Divisão Criminal e de Parqueamento
mantém o registo criminal e processa e calendariza todos os crimes e todas as
coimas de parqueamento. Por sua vez, a Divisão de Trânsito e de Violações de
Regulamentos Locais é responsável pela manutenção dos registos de
violações de regras de trânsito e de regulamentos locais, assim como o
processamento e a calendarização desses casos. A Divisão Civil mantém os
162 A Experiência do Estado do Michigan
registos, processa e calendariza todos os casos cíveis, incluindo as pequenas
causas (small claims) e os casos de arrendamento. O Departamento de
Supervisão da Suspensão da Pena de Prisão é responsável pela supervisão,
pelo aconselhamento e pelo auxílio dos condenados a pena suspensa. Este
departamento também realiza os testes de alcoolémia e a investigação prévia à
sentença. Além disso, coloca e supervisiona os condenados a trabalho
comunitário. Este departamento, ao contrário das outras divisões do tribunal,
depende, em parte, do trabalho de voluntários que, após formação ministrada
pelos funcionários do tribunal, acompanham os condenados.
Em alguns tribunais urbanos há, ainda, um programa de mediação para
as causas pequenas (small claims mediation program), através do qual alguns
advogados voluntários auxiliam o tribunal e os cidadãos a resolver casos de
pequeno valor.
Os Tribunais Municipais (Municipal Courts)
No Estado do Michigan existem, actualmente, apenas 4 tribunais
municipais, todos eles no County do Wayne e perto de Detroit. Estes tribunais
julgam os mesmos casos que os Tribunais Distritais, com excepção das acções
cíveis, cujo limite de valor, para o julgamento das quais os Tribunais Municipais
têm competência, é mais baixo do que o dos Tribunais Distritais (apenas até
1.500 dólares).
7.1.2. Os tribunais especializados
No Michigan existem, para além dos tribunais formais, várias formas de
lidar com situações particulares a que o judiciário chama de Programas de
Tribunais Especializados (Specialized Court Programs)189. Apesar de não
189 http://courts.michigan.gov/scao/services/tcs/spec.htm (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 163
serem estruturas que possam ser comparadas aos tribunais especializados que
existem noutros países, como por exemplo, em Portugal, as matérias da sua
competência e a forma como lidam com essas matérias pode ser útil para a
difusão de experiências diferentes, pelo que iremos, de seguida, apresentar os
vários programas existentes no Estado do Michigan.
Os Triunais de Droga (Drug Courts)
Os Tribunais de Droga (Drug Courts) evoluíram no sentido de dar
resposta à “síndrome da porta-giratória”, em que os condenados por crimes
relacionados com toxicodependência (droga e álcool) entram e saem,
repetidamente, do sistema judicial.
Estes tribunais tratam o fenómeno da toxicodependência como uma
doença complexa, admitindo que esta comporta muitas recaídas e que
necessita de uma extensa e contínua intervenção terapêutica, que engloba
tratamentos e outros serviços que visam aumentar os períodos de abstinência
e reduzir as recaídas, as detenções e as subsequentes condenações a penas
de prisão.
De acordo com o Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado (State
Court Administrative Office) os Tribunais de Droga são tribunais que reúnem
em dias específicos e têm como objectivo primordial a redução da reincidência
e do uso de substâncias proibidas por parte dos condenados através de uma
intervenção precoce, contínua, e supervisionada por um juiz. Aqueles são
necessariamente toxicodependentes condenados por crimes não violentos e
são sujeitos a um período em que são obrigados a cumprir determinadas
sanções, a frequentar serviços de habilitação profissional e a submeter-se a
testes de uso de estupefacientes.
164 A Experiência do Estado do Michigan
Existem 49 Tribunais de Droga instalados no Michigan, sendo que 18 são
Tribunais de Droga para adultos, 15 para condutores sob a influência de
substâncias proibidas (DUI (Driving under the influence) Courts), 11 Tribunais
de Droga para jovens, 3 para famílias com dependência190 e 2 “tribal courts”.191
Os Tribunais Juvenis (Teen Courts)
Os Tribunais Juvenis (Teen Courts) são programas geridos por jovens e
para jovens. A filosofia subjacente a estes Tribunais Juvenis é, por um lado, a
de estimular uma pressão social positiva que auxilie os jovens a não reincidir e,
por outro, a de que os jovens são mais susceptíveis de interiorizar as
consequências de um comportamento impostas por um “igual” do que por um
adulto.
Assim, jovens que cometam pequenos crimes, como furtos de pequenas
importâncias, “conduta desordeira” (disorderly conduct) ou posse de álcool, são
julgados por um júri dos seus “pares” num Tribunal Juvenil e não através do
sistema de justiça juvenil oficial.
Os jovens que são julgados pelos Tribunais Juvenis podem ser
referenciados por polícias, técnicos de serviços de liberdade condicional
(probation officers) ou por professores. Contudo, para participar, o jovem tem
190 A missão destes tribunais é a de estabelecer uma colaboração entre a família e os tribunais que proteja as crianças de abusos e de negligência, causados pelo uso de estupefacientes por parte dos pais, através de uma intervenção precoce, coordenação de serviços prestados com vista à redução do consumo e à formação dos pais, de tratamentos adequados ao género e à cultura dos intervenientes e da colocação segura e permanente dos menores. 191 Existem ainda mais 15, em variadas fases de planeamento e de implementação, sendo que 7 são para adultos, 2 para condutores sob a influência de substâncias proibidas, 2 para jovens, 2 para famílias com dependência e 2 “tribal courts”. Desde Setembro de 2004, após a aprovação do Public Act 339, que aprovou o Michigan Drug Court Grant Program, desenhado de acordo com o modelo do “Federal Drug Court Grant Program”, os fundos para a constituição de Tribunais de Droga são administrados pelo Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado (State Court Administrative Office (SCAO)) embora sejam concedidos, anualmente, pelo Parlamento. Há também a possibilidade de candidatura a uma bolsa anual atribuída pelo Departamento de Saúde Comunitária/Gabinete de Políticas de Controlo de Fundos para a Droga (Department of Community Health/Office of Drug Control Policy Funding), chamada Byrne Grant Funds.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 165
de admitir ter cometido o crime. Na maior parte das situações, o cumprimento
do programa significa que o crime não constará no registo criminal do menor
ou, nos casos em que foi cometida uma infracção escolar, significa que não
será suspenso nem expulso.
A estrutura dos Tribunais Juvenis do Michigan varia muito. Alguns
funcionam como instrumento de diversão (resolução alternativa de conflitos) e
outros utilizam uma forma de processo informal no âmbito do processo judicial.
A característica comum, todavia, é a da necessidade de os pais e o jovem
darem o seu consentimento quanto à resolução do caso pelo Tribunal Juvenil e
conheçam e aceitem os seus direitos e deveres no âmbito desse tribunal.192
Os Tribunais de Violência Doméstica (Domestic Violence Courts)
Os Tribunais de Violência Doméstica (Domestic Violence Courts) visam
dar uma resposta aos problemas tradicionais da violência doméstica, como, por
exemplo, a elevada taxa de cifras negras, as desistências de queixa, as
ameaças às vítimas e a elevada reincidência, através de um acompanhamento
judicial intenso do acusado, assim como de uma cooperação estreita entre o
judiciário e os serviços sociais.
Um juiz tem a responsabilidade de, em cooperação com um gestor de
processo193, a acusação, os advogados da vítima e do arguido e os serviços
sociais, assegurar a separação física entre a vítima e todas as formas de
intimidação por parte do arguido ou da sua família através de todo o processo
judicial; providenciar habitação e formação profissional à vítima de modo a que
possa começar a sua vida de um modo independente. Tem a responsabilidade,
192 O SCAO desenvolveu dois formulários que podem ser utilizados por parte dos Tribunais Juvenis para dar a conhecer aos intervenientes os seus direitos e deveres de um modo simples e rápido, obtendo, igualmente, o consentimento para o julgamento. 193 O gestor do processo determina as necessidades da vítima e avalia a colaboração do arguido com o processo, assim como garante a legalidade do processo e a defesa dos direitos deste.
166 A Experiência do Estado do Michigan
igualmente, de acompanhar o arguido com vista a verificar o cumprimento das
obrigações e sanções que lhe foram impostas.
Há outras variantes destes Tribunais de Violência Doméstica. Uns lidam
especificamente com casos de pequenos crimes de violência doméstica, com
um largo volume processual, e que visam atacar a natureza progressiva destas
ofensas prevenindo a consumação de crimes mais graves. Outros, em que um
juiz lida com todos os problemas relacionados com uma família em particular,
incluindo crimes, regulação do poder paternal, custódia e mesmo divórcio.
7.2. A gestão dos recursos do sistema judicial194
Uma das características do sistema de justiça do Estado do Michigan,
como já referimos, é a de ser um sistema integrado em que existe apenas um
tribunal (“One Court of Justice”) com várias divisões e que cada uma delas tem
competências jurisdicionais próprias195.
A gestão administrativa deste compete, em primeira análise, ao Supremo
Tribunal e, em particular, ao seu Presidente. Contudo, a gestão administrativa
dos tribunais do Estado do Michigan é efectuada, em concreto, através do
Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado [State Court Administrative
Office (SCAO)] que, por sua vez, é composto pelo Administrador dos Tribunais
Estaduais (State Court Administrator), pelo Vice-Administrador dos Tribunais
Estaduais (Deputy State Court Administrator), pelos quatro Administradores
Regionais (Regional Administrators), assim como pelos directores das suas
várias divisões [Serviços do Tribunal de Julgamento (Trial Court Services),
Gabinete do Amigo do Tribunal (Friend of Court Bureau), Serviços de
Assistência aos Menores (Child Welfare Services), Sistemas de Informação
Judicial (Judicial Information Systems), Gabinete de Resolução de Conflitos
194 Neste ponto seguimos de perto o Michigan Court Administration Reference Guide, SCAO, 2006a. 195 SCAO, 2006: 1-02-01.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 167
(Office of Dispute Resolution) e Instituto Judicial do Michigan (Michigan Judicial
Institute)].196
7.2.1. O Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado [State Court Administrative Office (SCAO)]
O Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado [State Court
Administrative Office (SCAO)] é o departamento administrativo do Supremo
Tribunal do Michigan. De acordo com a Constituição do Estado197, o Supremo
Tribunal deverá nomear um administrador dos tribunais, assim como os
administradores que forem necessários, para o auxiliar na supervisão e
administração do sistema de justiça. Hoje, essa competência do Supremo
Tribunal é exercida através do Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado
(SCAO).
O SCAO auxilia os tribunais do Estado a trabalhar de um modo mais
eficaz e para que o público disponha de um serviço melhor, desenvolvendo
várias actividades neste sentido: é responsável pela recolha de dados sobre o
trabalho dos tribunais, tendo em atenção, quer os vários tipos de casos que
são julgados, quer a duração destes; determina, também, algumas políticas e
procedimentos dos tribunais, como, por exemplo, os relacionados com a
informação que estes devem prestar ao SCAO sobre a duração dos processos.
É o SCAO que medeia os conflitos entre os tribunais e as suas unidades
de financiamento ou outras agências ou agentes governamentais. Auxiliam,
ainda, quando solicitado, os tribunais na cobrança de multas e de custas, a
maior parte das quais é transferida para o orçamento de Estado ou para os
orçamentos dos governos locais.
196 Cf. http://courts.michigan.gov/scao/services/dirs/scao.htm (Dezembro de 2006). 197 Artigo IV, secção 3, da Constituição do Estado do Michigan.
168 A Experiência do Estado do Michigan
Do mesmo modo, providencia assistência tecnológica, incluindo hardware
e software informático, assim como formação específica nessa área.
O SCAO avalia, igualmente, a necessidade de um número maior ou
menor de juízes em cada tribunal, informando o poder legislativo dos
resultados dessas avaliações, bem como das mudanças legislativas que
considera importantes para melhorar a administração dos tribunais. Avalia,
ainda, todas as alterações legais susceptíveis de afectar o funcionamento dos
tribunais.
Tem, tal-qualmente, a função de colocar os juízes ou juízes jubilados em
tribunais para os quais não foram eleitos com vista à substituição ou auxílio de
um outro juiz.198
Assegura a formação contínua para juízes e funcionários desenvolvendo
programas que abrangem uma grande variedade de temas (quer genéricos
quer específicos, como por exemplo, resolução comunitária de litígios), assim
como manuais e publicações específicas utilizados naquela formação. Auxilia,
também, o gabinete do “Friend of the Court”199 na formação dos seus membros
e facultando suporte técnico.
Supervisiona o envolvimento dos diferentes tribunais na defesa dos
interesses e direitos das crianças e presta auxílio no desenvolvimento de
procedimentos para resolver os problemas das crianças que estão ou podem
vir a estar a cargo dos tribunais.
É também, função do SCAO, informar o público em geral sobre as várias
actividades do poder judicial.
O SCAO realiza todas estas funções, quer directamente através do
Administrador dos Tribunais Estaduais (State Court Administrator), quer do
198 Especificamente sobre esta função ver infra. 199 Especificamente sobre esta instituto ver infra.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 169
Vice-Administrador dos Tribunais Estaduais (Deputy State Court Administrator),
mas, especialmente, através dos seus vários departamentos.
Os Gabinetes Regionais (Regional Offices)200
O SCAO é composto por quarto Gabinetes Regionais (Regional Offices)
localizados em Detriot, Lansing, Mount Pleasant e Gaylord. Esses Gabinetes
Regionais são liderados por um Administrador Regional (Regional
Administrator).
Providenciam assistência directa, aos vários juízes presidentes (Chief
Judges) e funcionários, na administração dos tribunais da sua região. Os
Gabinetes Regionais coordenam com o SCAO (Administrador do Tribunal do
Estado, Vice-Administrador dos Tribunais Estaduais e directores) a
implementação das politicas de administração dos tribunais definidas pelo
Supremo Tribunal, monitorizam o volume de trabalho existente e a gestão dos
processos nos vários tribunais e promovem relações de trabalho eficazes entre
aqueles e as várias entidades locais com responsabilidade no funcionamento
do sistema de justiça.
Assim, as principais funções dos Gabinetes Regionais são: identificar os
tribunais que necessitam de um acompanhamento ou assistência técnica na
sua administração; monitorizar a implementação das mudanças recomendadas
pelo Supremo Tribunal na forma de funcionamento dos tribunais; auxiliar os
Juízes Presidentes na planificação de mudanças nos tribunais; servir como o
principal ponto de contacto para as unidades de financiamento e outras
entidades locais relacionadas com o sistema de justiça; controlar a
transparência do funcionamento daquele sistema, quer quanto ao uso de
recursos públicos, quer quanto à satisfação das necessidades dos utentes dos
200 Neste ponto seguimos de perto http://courts.michigan.gov/scao/services/regional/rofc.htm (Dezembro de 2006).
170 A Experiência do Estado do Michigan
tribunais; e efectuar colocações de juízes fora da sua jurisdição sempre que tal
seja necessário.
Os serviços prestados por estes Gabinetes Regionais incluem, assim, a
gestão de processos (caseflow management), a resolução de conflitos entre
tribunais e as entidades financiadoras, a colocação de juízes, a gestão dos
contactos entre os tribunais e as agências governamentais, a supervisão dos
tribunais, a implementação da politica de gestão definida pelo Supremo
Tribunal e a realização de inquéritos sobre o desempenho dos tribunais.
Os Serviços do Tribunal de Julgamento (Trial Court Services)201
Os Serviços do Tribunal de Julgamento [Trial Court Services (TCS)] são o
principal departamento de apoio à administração dos tribunais de primeira
instância do Michigan. Estão organizados em várias unidades especializadas
em determinadas áreas funcionais da administração dos tribunais de primeira
instância (District, Probate e Circuit Courts).
Os TCS proporcionam assistência e supervisionam a administração dos
tribunais de primeira instância em coordenação com os Gabinetes Regionais;
definem, implementam e actualizam standards procedimentais e de
performance para a administração dos tribunais; desenvolvem e difundem a
utilização de formulários; providenciam as ligações entre o SCAO e os
tribunais, e o SCAO e entidades locais e estaduais externas ao judicial;
implementam a politica de administração dos tribunais definida pelo Supremo
Tribunal; auxiliam no planeamento e na gestão dos tribunais; desenvolvem e
implementam as linhas de orientação da administração dos tribunais; colocam
funcionários de apoio em vários comités, grupos de trabalho e programas e
201 Neste ponto, seguimos de perto http://courts.michigan.gov/scao/services/tcs/tcs.htm (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 171
projectos geridos pelo SCAO; e realizam outras funções relacionadas com o
funcionamento dos tribunais.
Os TCS são também responsáveis por vários programas especializados
como a certificação dos intérpretes judiciais202, pela avaliação dos jornalistas
forenses (court reporters e recorders)203, pela gestão de informação204 e pelo
apoio aos programas de tribunais especializados.
Os Serviços de Assistência aos Menores (Child Welfare Services)205
Os Serviços de Assistência aos Menores [Child Welfare Services (CWS)]
foram criados em 2003, sob a direcção do Presidente do Supremo Tribunal,
com o objectivo de proporcionar melhores condições e um destino mais
definitivo às mais de 500.000 crianças que estão, diariamente, ao cuidado dos
tribunais do Michigan.
Os CWS auxiliam os tribunais no rápido encaminhamento das crianças
para programas como o Programa de Melhoramento do Tribunal (Court
Improvement Program) e o Programa de Acompanhamento de Medidas de
Acolhimento (Foster Care Review Board Program). Auxiliam, ainda, os tribunais
a aplicar as recomendações dos Serviços de Menores e de Família (Child and
Family Services); monitorizam os processos de crianças que se ausentam, sem
autorização, dos locais em que foram colocadas; e definem programas
202 É responsável pela realização de exames aos intérpretes judiciais e pela organização de workshops neste âmbito. 203 É responsável pelo suporte administrativo do Board of Review, que estabelece os critérios de certificação e administra os exames aos court reporters e recorders. O suporte administrativo implica facultar pessoal de apoio, gerir as listas de certificação, realizar os exames e aplicar as sanções pela não certificação e pela violação de outras regras. 204 É responsável, em coordenação com outros departamentos do SCAO e com os tribunais, pelas aplicações internas e externas de recolha de dados. Em especial, é responsável pela recolha automática de dados através da Internet. São os TCS que analisam a informação sobre volume de processos nos tribunais para o relatório anual do Supremo Tribunal, para as recomendações bianuais ao Parlamento sobre recursos judiciais e para outros relatórios. 205 Neste ponto seguimos de perto http://courts.michigan.gov/scao/services/tcs/tcs.htm (Dezembro de 2006).
172 A Experiência do Estado do Michigan
destinados a encorajar os tribunais de família (Family Divisions dos Tribunais
de Círculo) a participar em iniciativas conjuntas, organizadas pelo Supremo
Tribunal e pelo Departamento de Assistência Social (Department of Human
Services)206 como, por exemplo, o Dia da Adopção.
Os Sistemas de Informação Judicial (Judicial Information Systems)207
Os Sistemas de Informação Judicial [Judicial Information Systems (JIS)]
são a divisão do SCAO que tem como função facultar sistemas de informação
automatizados que auxiliem o trabalho do Supremo Tribunal, do SCAO e dos
tribunais de primeira instância.
Os JIS desenvolvem, aplicam e mantêm sistemas de informação
automatizados, assim como sistemas automatizados de suporte do trabalho
dos vários departamentos do SCAO; mantêm a rede de telecomunicações das
várias estruturas do poder judicial; criam, mantêm e desenvolvem o software
que realiza relatórios automáticos sobre o trabalho dos tribunais, do Secretário
de Estado (Secretary of State) e da polícia do Estado do Michigan; facultam
assistência técnica (ao hardware e ao software) a todos os tribunais; e
participam em comités e grupos de trabalho sobre o desenvolvimento e
aplicação de sistemas estaduais de informação sobre os tribunais.
Foram já implementados vários sistemas que facultam o suporte
informático para o funcionamento dos vários tribunais do Estado: o Sistema dos
Tribunais de Círculo (Circuit Court System), o Sistema dos Tribunais Distritais
(District Court System), o Sistema dos Probate Courts (Probate Court System),
o Sistema do Tribunal de Julgamento (Trial Court System) e o Sistema do Júri
(Jury System).
206 Serviço do Estado com competências semelhantes às da Segurança Social. 207 Neste ponto, seguimos de perto http://courts.michigan.gov/jis (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 173
O Sistema dos Tribunais de Círculo é uma ferramenta desenvolvida
especificamente para auxiliar os funcionários dos Tribunais de Círculo a gerir
os seus processos, manter os arquivos e realizar os relatórios da sua
competência. O sistema foi construído por juízes, administradores dos
tribunais, secretários e profissionais dos vários departamentos de
processamento de informação dos vários tribunais. O sistema reconhece as
necessidades específicas do trabalho dos secretários e do próprio tribunal
embora os junte num sistema consolidado.
O Sistema dos Tribunais Distritais foi desenvolvido na IBM Midrange
Computer Systems com o objectivo de permitir a gestão dos processos, manter
os arquivos e realizar os relatórios da competência dos Tribunais Distritais.
Esse sistema inclui módulos de Tráfico/Crime, de Liberdade Condicional, de
Civil e de Gestão Financeira. Este sistema é também desenhado para
possibilitar a realização, num mesmo computador, das tarefas supra referidas
em tribunais que tenham competências em vários counties ou localidades.
O Sistema dos Probate Courts é utilizado nos Probate Courts e nas
divisões de família dos Tribunais de Círculo para a gerir os seus processos,
manter os arquivos e realizar os relatórios da sua competência. Foi construído
por juízes, administradores de tribunais e por secretários e outros funcionários
dos tribunais. O sistema tem vários níveis de acesso para determinados
utilizadores poderem aceder a informação específica nos vários módulos
(Juvenile System, Juvenile Financial System, Adoption System, Probate
Financial System e Probate System).
O Sistema dos Tribunais de Julgamento foi desenvolvido posteriormente
pelos funcionários do JIS e fundiu as características de todos os sistemas já
referidos num único sistema. Contudo, embora sendo um sistema unificado,
possibilita a instalação de componentes que se adequam às características
próprias de cada tribunal.
O Sistema de Júri foi desenvolvido pelo JIS com o auxílio de secretários
dos tribunais e membros de júris, tendo como guia os standards de convocação
e funcionamento de júris do SCAO. Providencia um método automatizado para
174 A Experiência do Estado do Michigan
os counties e os tribunais escolherem membros de júris das listas facultadas
pelo Governo, assim como para calcular o montante da indemnização devida a
cada seleccionado. Este sistema tem várias valências importantes, tais como o
uso de códigos de barras, níveis de acesso diferenciados, vários templates de
notificações e de questionários e relatórios de despesas com os júris.
O Gabinete de Resolução de Conflitos (Office of Dispute
Resolution)208
O Gabinete de Resolução de Conflitos [Office of Dispute Resolution
(ODR)] coordena os serviços de resolução alternativa de litígios do SCAO,
desenvolve programas de sensibilização dos utilizadores do sistema de justiça
para as alternativas existentes ao sistema de justiça formal, auxilia as várias
agências do sistema judicial a integrar processos de resolução alternativa de
conflitos no sistema tradicional de justiça, gere o Programa de Resolução de
Conflitos Comunitários (Community Dispute Resolution Program) e desenvolve
programas e serviços especializados de resolução de conflitos.
O ODR estabelece os procedimentos para os meios alternativos de
resolução de conflitos que actuam nos tribunais, faculta assistência técnica,
avalia os sistemas de resolução de conflitos existentes e faz recomendações
ao Administrador dos Tribunais Estaduais visando melhorar os serviços
prestados. Faculta, igualmente, assistência técnica a outros departamentos do
SCAO no desenvolvimento de sistemas alternativos de resolução de litígios e
de programas de formação.
Em concreto, o ODR gere, supervisiona e avalia programas de mediação;
faculta assistência técnica no desenvolvimento e na avaliação dos sistemas de
resolução alternativa de conflitos; serve como ponto de contacto entre o
208 Neste ponto seguimos de perto http://courts.michigan.gov/scao/dispute/odr.htm (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 175
sistema judicial e profissionais especializados na resolução alternativa de
conflitos, associações, agências e outras organizações a trabalharem nesta
área; e supervisiona a implementação das regras definidas para o
funcionamento dos serviços de resolução alternativa de conflitos nos tribunais
de primeira instância. O OCR desenvolve, ainda, programas e materiais de
formação209 e publica relatórios e outro tipo de informação genérica sobre a
resolução alternativa de conflitos.
O parlamento criou o Programa de Resolução de Conflitos Comunitários
(Community Dispute Resolution Program), gerido pelo ODR, que financia
serviços de mediação a baixo custo em várias matérias, facultados por
organizações não lucrativas e agências governamentais.
Alguns exemplos de outros programas de resolução alternativa de
conflitos geridos pelo ODR são o Permanency Planning Mediation Program210 e
o Post Judgment Parenting Time Mediation Program211.
O Gabinete do “Amigo do Tribunal” (Friend of Court Bureau)212
O Gabinete do “Amigo do Tribunal” [Friend of Court Bureau (FOCB)] foi
criado para acolher uma instituição que existe no sistema judicial do Michigan
deste 1919213, junto dos tribunais com competência em matéria de menores e
de família, o “Friend of the Court”214.
209 O ODR publica, entre outros, cheklists, questionários, programas de formação, brochuras, formulários e listas de contactos dos centros de mediação comunitária. 210 Para litígios em casos de protecção de menores envolvendo, entre outros, os pais e os advogados. 211 Para litígios sobre os direitos de visita de um dos progenitores. 212 Neste ponto seguimos de perto http://courts.michigan.gov/scao/services/focb/focb.htm (Dezembro de 2006). 213 Cf. SCAO, 2006b: 3 214 Cf. Sobre este instituto, infra.
176 A Experiência do Estado do Michigan
O FOCB tem a função de auxiliar, desenvolver políticas e procedimentos
locais215 para os vários gabinetes dos “Friend of the Courts” que trabalham com
as divisões de família dos Tribunais de Círculo. Existe pelo menos um gabinete
em cada divisão de família dos Tribunais de Círculo e, em regra, a sua
intervenção é limitada à definição do poder paternal e de alimentos216.
Assim, o FOCB promove o desenvolvimento de politicas e procedimentos
nacionais e locais; estabelece e implementa a política e as linhas de orientação
do Supremo Tribunal sobre alimentos devidos a menores; prepara e publica os
relatórios anuais do Friend of the Courts e informação genérica sobre os temas
da sua competência; recolhe e analisa dados sobre o funcionamento dos
gabinetes do Friend of the Courts; faculta programas e materiais de formação;
e coopera com o Departamento de Assistência Social – Gabinete de Apoio às
Crianças [Department of Human Services (Office of Child Support)].
O Instituto Judicial do Michigan (Michigan Judicial Institute)217
O Instituto Judicial do Michigan [Michigan Judicial Institute (MJI)] foi criado
pelo Supremo Tribunal em 1977, com vista a dar oportunidades de
desenvolvimento profissional e de formação avançada aos juízes e aos
funcionários (por exemplo, relacionada com as reformas introduzidas no
sistema judicial). Desde essa altura que é o departamento, por excelência, de
formação do SCAO.
As suas principais funções são preparar e organizar programas de
formação (seminários, conferências, workshops com a intervenção de peritos
reconhecidos), para os membros do sistema judicial. O MIJ desenvolve e
ministra, também, programas de formação através da Internet (e-Learning e
215 Os “Friend of the Court Offices” em cada Tribunais de Círculo têm procedimentos diferenciados quanto a facultar informação sobre um determinado caso por via telefónica ou mesmo por escrito, 216 Cf. infra. 217 Neste ponto, seguimos de perto http://courts.michigan.gov/mji (Dezembro de 2006).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 177
webcasting); gere o Learning Center que visa dar informação, quer a adultos,
quer a crianças, sobre o sistema judicial do Michigan; auxilia as associações de
juízes e outras organizações no planeamento e na realização de acções de
formação; faculta materiais para a formação aos juízes e funcionários; e
organiza actividades de cariz turístico e educacional relacionadas com o Centro
de Aprendizagem do Supremo Tribunal do Michigan (Michigan Supreme Court
Learning Center).
7.2.2. A colocação de juízes em tribunais para os quais não foram eleitos218
Existe um conjunto de normas que rege a colocação dos juízes nos
tribunais para os quais não foram eleitos. Essas normas gerais devem ser
aplicadas pelos Administradores Regionais219 que são responsáveis por todas
as colocações judiciais nas suas áreas de competência.
A colocação dos juízes em tribunais para os quais não foram eleitos e a
colocação de juízes anteriormente eleitos220 pode ser feita dos seguintes seis
modos:
a) Auxiliar no processamento dos casos entrados num determinado tribunal; O juiz assim colocado pode ter a função de auxiliar um tribunal que esteja com um excesso de casos entrados ou de pendências ou, então, para manter o normal funcionamento do tribunal em situações
218 Neste ponto, seguimos de perto o manual de Judicial Assignment Procedures, SCAO, 2006. 219 A colocação de um juiz num tribunal para o qual não foi eleito não pode ser efectuada pelo Administrador Regional se houver, em qualquer dos tribunais envolvidos, uma acção entre o tribunal e o órgão responsável pelo seu financiamento; uma acção em que o juiz é parte; uma acção em que um membro do Gabinete Regional ou família directa é parte; ou uma acção que o Administrador Regional entenda impedir que a colocação seja feita por ele. 220 “Former judge” refere-se a um juiz que já desempenhou funções judiciais, tendo, para tal, sido eleito. Não podem ser colocados juízes que não sejam membros activos da Ordem dos Advogados (Bar Association e residentes no Estado do Michigan. Os juízes que foram derrotados numa eleição não podem ser colocados nos tribunais da área na qual foram derrotados.
178 A Experiência do Estado do Michigan
de ausência planeada do juiz, quer seja por doença, férias, formação ou qualquer outra circunstância que necessite o auxílio de um juiz. Esta colocação pode ser realizada por dias específicos ou por um período de tempo determinado. Em circunstâncias normais, o tribunal que requer a colocação deve encontrar um juiz disponível para assumir essa colocação. Todavia, em situações mais difíceis, o SCAO pode seleccionar um juiz e impor a colocação extraordinária. b) Intervir no julgamento de casos em que o colega está impedido; Quando todos os juízes de um determinado tribunal estiverem impedidos de fazer o julgamento de um caso específico. Em casos em que o julgamento em concreto poderá vir a ser demorado ou o juiz for alvo de um elevado número de impedimentos, o juiz que é substituído poderá ser colocado no tribunal do juiz que o veio substituir. c) Intervir no julgamento de acções de desqualificação de um colega Em acções destinadas a afastar um determinado juiz do julgamento de um determinado caso, desde que seja juiz num tribunal singular ou se for Juíz Presidente de um tribunal e, este, tiver já negado a petição. d) Intervir nos julgamentos para os quais um outro juiz foi, genericamente, declarado impedido Em casos raros, um juiz pode ser impedido de julgar casos de uma determinada parte ou de um determinado advogado, sendo então nomeado um juiz para intervir nesses casos. e) Intervir em situações de emergência devido à ausência não planeada de um juiz; f) Intervir em determinada cerimónia.
Em certas circunstâncias um juiz pode requerer ser nomeado para uma
determinada jurisdição para celebrar um casamento ou para presidir a uma
cerimónia de juramento (entrada na ordem dos advogados (Bar Association),
por exemplo).
Nas diferentes formas de colocação de juízes, os factores que deverão
ser considerados são os seguintes:
1) Proximidade geográfica: Juízes que residam no mesmo county ou que residam num county vizinho do tribunal requerente desde que possível e prático. 2) Outros factores como o número de casos, a apresentação de relatórios e os custos da colocação.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 179
Ao colocar um juiz num outro tribunal, os Administradores Regionais
devem ter em atenção o estado e o volume dos processos de cada juiz, se
ambos entregaram todos os relatórios devidos ao SCAO, assim como qualquer
outro factor considerado importante. Embora a despesa que irá ser realizada
com a colocação não deva ser o factor principal, esta deve ser sempre
considerada pelo SCAO.
Dada a forma como os tribunais estão identificados (por número e letras)
no Estado do Michigan, só é necessária a colocação pelos Administradores
Regionais se o tribunal tiver uma designação alfa-numérica diferente (ex. 45A e
45B – que resultaram da divisão da competência territorial de tribunais
anteriores) e não apenas uma designação numérica diferente (ex. 52-1 e 52-2
– que resultaram da divisão orgânica do mesmo tribunal). Neste ultimo caso, a
competência para colocar os juízes em divisões diferentes do mesmo tribunal.
Essa competência, de acordo com os poderes gerais de administração do
tribunal, cabe ao Juiz Presidente.
Ao ser colocado num tribunal diferente, o juiz deve deslocar-se ao tribunal
para realizar os julgamentos, dado que o lugar do julgamento não pode ser
alterado. Apenas no caso de haver um acordo, por escrito, das partes para o
caso ser ouvido num outro local, dado que o encargo de uma mudança de local
de julgamento não deve ser suportado pelas partes.
A colocação extraordinária pode terminar quando o juiz colocado chega
ao termo da sua eleição e/ou quando o Administrador Regional ou o SCAO
verifique qualquer uma das seguintes circunstâncias: quando o Juiz Presidente
do tribunal que recebe o juiz requerer, por escrito e fundadamente, que a
colocação termine; quando o juiz colocado requeira, por escrito e
fundadamente, o fim da colocação; quando a colocação tenha sido realizada
em erro relativo a algum dos seus requisitos; e quando a entidade que realizou
a colocação entender existir uma razão que fundamente o fim da colocação.
180 A Experiência do Estado do Michigan
7.2.3. Os Juízes Presidentes (Chief Judges)
O Supremo Tribunal selecciona, de dois em dois anos, um juiz de cada
tribunal para exercer as funções de Juiz Presidente (chief judge) do Círculo e
do Distrito, a partir de uma lista enviada pelos tribunais respectivos.
Por sua vez, o juiz presidente selecciona um juiz presidente delegado (pro
tempore) e os juízes de cada secção. Os seus poderes são estabelecidos, quer
pela lei de organização judiciária do Michigan (Michigan Court Rules), quer pelo
Supremo Tribunal, quer pelas regras definidas pelas entidades financiadoras
locais e aprovadas pelo Supremo Tribunal. Pode, também, nos tribunais em
que o orçamento o permita, nomear um administrador do tribunal do julgamento
(trial court administrator) a tempo inteiro.
O juiz presidente (chief judge) pode convocar as reuniões que entender
necessárias com todos aqueles que entender conveniente ouvir para tomar
decisões, em especial, com todos os juízes presidentes cujos tribunais se
encontram total ou parcialmente no mesmo county. Tem o poder de
superintendência administrativa e controlo sobre os restantes juízes do seu
tribunal e de todo o pessoal administrativo, competências que pode delegar a
um administrador do tribunal do julgamento.
O juiz presidente tem, igualmente, o poder de definir as políticas de
funcionamento interno do tribunal, promovendo, estabelecendo e mantendo um
ambiente que promova e proteja a igualdade de oportunidades, atitudes isentas
e tratamento justo. Representa o tribunal junto de todas as organizações e
entidades judiciárias (por exemplo, outros tribunais e a Ordem dos Advogados),
governamentais, dos media e junto do público em geral.
As tarefas administrativas do juiz presidente, como já se referiu, podem
ser exercidas directamente por este ou pode delegá-las em administradores do
tribunal do julgamento, o que normalmente acontece em tribunais de maior
dimensão, proporcionando capacidades especializadas de gestão judicial sob a
superintendência genérica dos juízes presidentes.
Contudo, dependendo da localização e das dimensões de cada tribunal,
as funções administrativas variam. Em regra, administra as listas de júris, gere
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 181
o orçamento, administra e supervisiona os funcionários, promove a
automatização de sistemas e a implementação de processos que visem reduzir
os atrasos.
Assim, os juízes presidentes, com ou sem a colaboração de
administradores do tribunal, podem aprovar ordens administrativas internas,
precedidas de um processo de audição das entidades judiciárias. Estas ordens
administrativas são numeradas, tornadas públicas e enviadas ao Supremo
Tribunal e podem visar os procedimentos de instrução em processo-crime, o
acesso público a registos do tribunal, a disponibilização de formulários a
litigantes e advogados e a delegação de competências pelo juiz presidente.
Devem, ainda, consoante as competências do tribunal, definir e
implementar planos de administração em certas áreas, nomeadamente, para
nomeação de mandatário a pessoas sem recursos financeiros, para os
procedimentos de gestão de processos (caseflow management); para os
procedimentos do tribunal de família, para audição não presencial em casos de
menores e para a execução das ordens relativas ao exercício do poder paternal
7.2.4. O “Amigo do Tribunal” (Friend of the Court)
O Michigan criou os gabinetes dos “amigos dos tribunais” (friend of the
court offices) em 1919. Hoje, após várias alterações às suas competências e
objectivos, existe um friend of the court office em cada secção de família dos
Tribunais de Círculo que investiga e faz recomendações ao juiz221 sobre
questões de custódia, visitas e alimentos; inicia os procedimentos de execução
221 Os friend of the court offices são responsáveis pela revisão periódica das decisões respeitantes aos alimentos e aos cuidados de saúde dos menores e pelo início do processo de alteração quando entender que tal se justifica. Durante o processo de revisão, o friend of the court office pode requerer informação à entidade empregadora de um dos pais, incluindo o seu endereço, número da segurança social, data de nascimento, salários auferidos e cobertura de cuidados de saúde a dependentes de que beneficia. Quando deferido pelo juiz, o friend of the court office pode também conduzir uma investigação financeira e elaborar um relatório e uma recomendação escritos aos representantes legais do menor e ao juiz relativamente ao apoio devido à criança.
182 A Experiência do Estado do Michigan
das sentenças do tribunal nessas matérias; e, se solicitado, auxilia as partes a
preparar petições escritas relacionadas com aquelas matérias.
A função principal dos friend of the court offices é a de executar as
decisões judiciais relativas aos alimentos dos menores e ao exercício do poder
paternal222. Esta função é exercida em coordenação com Gabinete de Apoio à
Criança (Office of Child Support) (parte do Department of Human Services –
organismo equivalente à Segurança Social) que administra o programa federal
de apoio à criança, coordena a localização de pais ausentes e gere o processo
de investigação da capacidade financeira dos pais. Presta, ainda, serviços de
mediação doméstica e familiar.223
Os procedimentos concretos de realização das várias funções dos friend
of the court offices são próprios de cada gabinete, apresentando uma grande
variedade.
222 Os serviços do friend of the court relacionados com a execução das decisões judiciais relativas aos alimentos dos menores e ao exercício do poder paternal são prestados directamente aos cidadãos e são opcionais para todos aqueles que não beneficiarem de apoio social. Em regra, existem formulários disponíveis em cada gabinete que informam os cidadãos desta opção, das suas vantagens e desvantagens e que servem como requerimento para prescindirem desses serviços se assim o entenderem. A não participação do friend of the court office implica que as partes assumem total responsabilidade pela aplicação das ordens do tribunal, em especial, a contabilização dos pagamentos e do exercício do poder paternal, embora não seja uma decisão definitiva, dado que, a intervenção do friend of the courts pode ser requerida por uma das partes, a todo o tempo. Se participar no processo, o friend of the court fornece, às partes, uma declaração anual, escrita e gratuita, que elenca os pagamentos cobrados e efectuados. Sempre que haja um pagamento em atraso equivalente a um mês de apoio, o friend of the court tem a responsabilidade de dar início, oficiosamente, a um procedimento de execução que consiste, entre outras, na retenção directa de rendimentos ou na retenção de impostos sobre o rendimento. 223 O friend of the court pode prestar, a requerimento das partes, serviços de mediação formal para litígios relativos a custódia ou a direito de visita. Estes serviços, em regra gratuitos e confidenciais, podem ser prestados por um funcionário do friend of the court ou por um mediador privado contratado pelo friend of the court. Na eventualidade de um acordo, o mediador redu-lo a escrito, sendo, depois, ratificado pelo juiz. A participação de advogados no processo de mediação é permitida mas não é obrigatória.
Conclusões
1. As reformas estruturais dos sistemas de justiça passaram a constituir
uma prioridade central de diferentes Governos. A natureza e a extensão das
reformas dependem, naturalmente, de vários factores, desde logo, do tipo de
problemas e bloqueios considerados mais relevantes num dado momento, eles
próprios fortemente induzidos pelo modo como foram diagnosticados, mas,
também, do contexto político, económico, social e cultural de cada país. Em
geral, podemos agrupar as reformas da justiça em quatro tipos: reformas
processuais; reformas relativas à governação, gestão e organização do sistema
de justiça; desjudicialização, descriminalização de certas condutas e criação de
meios alternativos de resolução de litígios; e, mais recentemente, reformas
especialmente dirigidas ao aumento da qualidade e da transparência dos
sistemas de justiça. O princípio que está subjacente a estas últimas é o de que
nas sociedades democráticas, as organizações judiciais devem, tal como
outras organizações do Estado, sujeitar-se a um processo de avaliação externa
e de prestação de contas.
2. Em Espanha, os aspectos fundamentais do poder judicial e da
administração da justiça são regulados pela Lei Orgânica do Poder Judicial. É
este diploma que, por imperativo constitucional, define a composição,
funcionamento e organização dos tribunais, o estatuto jurídico dos juízes e dos
juízes leigos e de outro pessoal ao serviço da Administração da Justiça, bem
como o estatuto e as funções dos membros do Conselho Geral do Poder
Judicial. Contudo, o Governo, através do Ministério da Justiça, tem uma função
importante na gestão do sistema judiciário, já que é ele quem assegura, em
paralelo com o poder executivo das comunidades autónomas, os meios
necessários ao funcionamento dos tribunais.
3. O exercício do poder judicial é atribuído a tribunais com competência
nacional (o Tribunal Supremo, a Audiência Nacional, os tribunais centrais
penais, os tribunais centrais de instrução, os tribunais centrais de menores e os
184 Conclusões
tribunais centrais de contencioso administrativo) e com competência em cada
Comunidade Autónoma (os tribunais superiores de justiça, as audiências
provinciais, os tribunais de primeira instância, os tribunais de instrução, os
tribunais de primeira instância e instrução, os tribunais de direito comercial, os
tribunais de contencioso administrativo, os tribunais sociais, os tribunais de
execução das penas, os tribunais de menores e os julgados de paz).
4. O Ministério da Justiça é competente para definir, dirigir e executar a
política do Governo, no que respeita à organização e gestão dos tribunais, sem
prejuízo da competência dos governos das Comunidades Autónomas. É,
assim, responsável pela articulação do Governo com os órgãos da
administração da justiça (por exemplo com o Conselho Geral do Poder Judicial
e com a Fiscalía); pela dotação dos tribunais de âmbito nacional e da Fiscalía
dos meios necessários; pela gestão dos recursos humanos não judiciais ao
serviço da administração da justiça; bem como pela coordenação das relações
entre órgãos de gestão das Comunidades Autónomas e os órgãos de gestão
das magistraturas.
5. O Conselho Geral do Poder Judicial (CGPJ) é o órgão autónomo de
administração do Poder Judicial, com competência em todo o território
nacional, a quem estão constitucionalmente atribuídas as competências de
nomeação, colocação, transferência, promoção e jubilação dos magistrados,
bem como o exercício da acção disciplinar sobre aqueles, sendo, por isso, um
órgão fundamental na gestão dos recursos humanos judiciais e da organização
judiciária. Assim, a função primordial do Conselho Geral do Poder Judicial é a
de assegurar a garantia da independência dos juízes e magistrados no
exercício das suas funções jurisdicionais que lhes são próprias, quer em
relação a outros órgãos jurisdicionais, quer em relação ao poder executivo
nacional e local e ao poder legislativo.
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 185
6. No que respeita à gestão local, quer dos tribunais de competência
nacional, quer dos tribunais de competência nas comunidades autónomas, os
órgãos de gestão são os respectivos Presidentes, Secções de Administração,
presidentes das Secções com funções jurisdicionais, Juízes Decanos e Juntas
de Juízes.
Os Presidentes têm, entre outras, competência para determinar a ordem
de trabalhos e dirigir as sessões da Secção de Administração, submeter à
Secção de Administração as propostas que considerem oportunas em matérias
da competência daquela, executar os relatórios requeridos pelo CGPJ, dirigir a
inspecção de tribunais, em colaboração com o CGPJ, presidir a reuniões com
os demais magistrados do tribunal, comunicar ao CGPJ as vagas existentes, e
conhecer das queixas de partes e interessados em processos que corram
termos no tribunal.
As Secções de Administração são constituídas pelo Presidente do
respectivo Tribunal, pelos Presidentes das Secções que os integram e por
outros magistrados. É o órgão competente para a gestão quotidiana do tribunal,
pelo que lhe compete, designadamente estabelecer os critérios de distribuição
pelos magistrados de cada secção de determinados casos, mediar os conflitos
entre magistrados que possam influir no bom funcionamento do tribunal ou na
administração da justiça, estabelecer critérios de composição das secções e
dos turnos, propor ao CGPJ a nomeação de magistrados substitutos, iniciar os
processos tendentes à jubilação de magistrados por incapacidade, elaborar os
relatórios solicitados pelo CGPJ, bem como a Memória anual expositiva do
funcionamento do respectivo tribunal, propor ao CGPJ medidas com vista a
melhorar a administração da justiça no âmbito dos respectivos órgãos
jurisdicionais, e nomear os juízes de paz.
Quanto aos Juízes Decanos, as suas funções foram reduzidas com a
entrada em vigor da Lei Orgânica 19/2003. As funções que, actualmente, a Lei
Orgânica do Poder Judicial (LOPJ) atribui expressamente aos Juízes Decanos
são as seguintes: velar pela boa utilização dos edifícios e equipamentos;
assegurar a prestação continuada dos turnos; adoptar as medidas urgentes em
186 Conclusões
relação a processos não distribuídos; actuar em relação a queixas de
intervenientes processuais ou outros interessados; e dar conhecimento, à
Secção de Administração, de todas as possíveis anomalias no funcionamento
dos Serviços Comuns Processuais do respectivo território.
7. O legislador espanhol, pela Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro,
na sequência do Livro Branco, introduziu alterações na LOPJ, criando um novo
modelo de secretaria judicial com o objectivo de melhorar a qualidade e
eficácia da Administração da Justiça, por forma a ultrapassar as disfunções
organizativas geradas pelo anterior modelo de secretaria judicial. Esta nova
filosofia organizativa impôs, por um lado, a separação das diferentes
actividades desempenhadas pela secretaria judicial por secções, equipas ou
unidades especializadas, dedicadas a tarefas específicas; e, por outro,
proporcionou mecanismos aos secretários judiciais para desempenhar o duplo
papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.
Assim, da LOPJ ressalta um desenho de secretaria judicial flexível,
adaptável e dúctil. Existem, associadas às secretarias judiciais, estruturas de
três tipos: unidades administrativas (UAs), unidades processuais de apoio
directo (UPADs) e os serviços comuns processuais (SCPs). A dimensão e
organização da secretaria são determinadas pelos órgãos de administração e
gestão dos tribunais, em função do volume e do tipo de trabalho que
desenvolva.
8. Na Bélgica, o sistema de justiça é composto por quatro graus de
jurisdição: Supremo Tribunal, jurisdição de recurso (tribunais de recurso,
tribunais de trabalho de segunda instância), de instância (tribunais criminais de
grande instância, tribunais de primeira instância, tribunais de trabalho e
tribunais de comércio) e de pequena instância (tribunais de polícia e “justiça de
paz”).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 187
9. A administração e gestão do sistema judicial belga ganhou um novo
impulso com a criação, em 2002, do Serviço Público Federal de Justiça -
Service Public Fédéral de Justice (SPFJ) com o objectivo de substituir o
Ministério da Justiça e modernizar a administração federal da justiça. A
modernização da administração da justiça teve como principais linhas
estruturais o reforço da sua acessibilidade, da sua eficácia e da sua
compreensibilidade. O desafio colocado ao governo federal implicou, segundo
este, que as reformas assentassem em quatro pilares fundamentais: o plano de
gestão operacional integrada, a reengenharia dos procedimentos
administrativos, a criação de um grupo de projecto/missão para implementar as
reformas e a implementação de um novo modelo de gestão.
10. A Direcção-Geral da Organização Judiciária (Direction Générale de
l’Organisation Judiciaire) desempenha um papel central em matéria de
administração e gestão do judiciário. É o organismo com competência para
providenciar, a todos os tribunais, os meios logísticos e materiais necessários
ao seu funcionamento e para a administração dos recursos humanos. Tem,
ainda, a responsabilidade de organizar os programas de formação dos
magistrados, assim como a formação e a avaliação linguística de todo o
pessoal.
11. Na Bélgica, desde inícios de 2005, está em curso um projecto de
reforma de gestão do sistema judiciário. Em Março de 2006 foi aprovado um
plano de reformas (o Plano Thémis) que prevê um conjunto de alterações
significativas que, do nosso conhecimento, ainda se encontra em discussão no
Parlamento belga, cujo objectivo central é a transferência do poder executivo
para o poder judiciário das competências de gestão do funcionamento do
sistema judiciário.
Ao nível da sua concretização, a reforma visa implementar um sistema de
gestão racional de meios através, quer da descentralização e da
profissionalização das funções de gestão, financeira e de recursos humanos ao
188 Conclusões
nível do distrito (arrondissement) e das cinco zonas judiciárias (ressort), quer
do controlo eficaz dessa gestão descentralizada.
No âmbito desta reforma, a descentralização da gestão constitui um
objectivo importante. Prevê-se um modelo de gestão com três níveis de
competência: a nível central, a nível intermédio de uma zona judiciária (área da
competência dos tribunais de recurso) e a nível do distrito (arrondissement -
área da competência dos tribunais de primeira instância).
12. Uma primeira questão que foi suscitada durante o debate público da
proposta do Plano Thémis foi a da gestão conjunta ou separada das
magistraturas. A proposta opta pela gestão separada do judicial e do Ministério
Público. No que respeita à gestão dos tribunais, ao nível de cada distrito,
prevê-se a existência de um conjunto de órgãos de gestão, a saber: um
Colégio de Distrito (Collège d’Arrondissement), um Comité de Direcção de
Distrito (Comité de Direction d’Arrondissement), o Presidente do Distrito
(Président d’Arrondissement), o Secretário de Justiça (Chef des Greffes) e o
Escrivão de Direito (Greffier en Chef).
O Colégio de Distrito seria o órgão colectivo de deliberação, composto
pelos presidentes de cada tribunal, pelo representante dos funcionários
(greffes) e pelos representantes dos juízes de paz e dos juízes de polícia. Este
órgão toma decisões estratégicas e operacionais ligadas à gestão dos
tribunais, nomeia e dá posse ao Comité de Direcção de Distrito. O Comité de
Direcção de Distrito, e o seu presidente são responsáveis pela gestão interna
dos tribunais que se situam no distrito. É composto pelo presidente, por um
director do Gabinete de Gestão (Bureau de Gestion) e pelo Secretário de
Justiça (Chef des Greffes).
Ao nível intermédio de uma área judiciária, prevê-se a criação de um
Comité de Direcção de Zona Judiciária (Comité de Direction du Ressort),
composto pelos presidentes do Tribunal de Recurso (Cour d’Appel) e do
Tribunal do Trabalho de segunda instância, por um director do Gabinete de
Gestão (Bureau de Gestion) e pelo Secretário de Justiça do Tribunal de
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 189
Recurso (Chef des Greffes do Cour d’Appel). Este órgão tem competências
deliberativas e executivas, assim como de arbitragem orçamental para os
diferentes distritos.
Para a gestão do Ministério Público é prevista uma estrutura de gestão
semelhante, constituída, a nível distrital, pelo Comité de Direcção do Ministério
Público (Comité de Direction du Ministère Public), composto pelo procurador do
rei, que a ele preside, o Auditor do Trabalho (auditeur du travail), um director do
Gabinete de Gestão (Bureau de Gestion), e os Secretários Gerais do Ministério
Público e do Auditor do Trabalho (Secrétaires en Chef du Parquet e do
Auditorat du Travail).
Ao nível intermédio, prevê-se a criação de um Comité de Direcção do
Ministério Público da Zona Judiciária (Comité de Direction du Ministère Public
du Ressort), composto pelo Procurador Geral (Procureur Général), que preside,
um director do Gabinete de Gestão (Bureau de Gestion) e os Secretários
Gerais do Ministério Público e do Auditor Geral (Secrétaires en Chef du
Parquet e do Auditorat Général).
13. O Plano prevê, ainda, a criação de cinco Gabinetes de Gestão
(bureaux de gestion), um em cada zona judiciária, com o objectivo de promover
a profissionalização das funções de gestão da organização judiciária. Estes
Gabinetes serão presididos por um magistrado (directeur général), auxiliado
por dois sub-directores, um responsável pela gestão dos recursos humanos e
outro pelo orçamento e pelas questões financeiras, com poderes para dar
parecer não vinculativo sobre todas as decisões dos órgãos locais que
constituam a assumpção de obrigações financeiras. Estes gabinetes auxiliarão
os diferentes órgãos de gestão no exercício das suas funções, designadamente
em matéria de gestão orçamental e financeira, gestão de recursos humanos,
arbitragem e gestão de créditos
14. No contexto da reforma belga está, ainda, previsto um conjunto de
medidas que visam obter uma maior mobilidade de magistrados e funcionários.
190 Conclusões
A mobilidade dos magistrados será reforçada ao nível intermédio (da zona
judiciária) de modo a possibilitar respostas rápidas e eficazes. O reforço da
mobilidade dos funcionários será efectuado ao nível do distrito
(arrondissement).
15. Na Holanda, desde finais da década de 90 que o sistema judicial tem
sido objecto de um amplo e integrado processo de reforma no quadro do
programa “Administração da Justiça no século XXI”. No que respeita à
organização judiciária, as principais alterações consistiram, fundamentalmente,
na extinção dos tribunais sub-distritais (que foram incorporados nos tribunais
distritais) e na divisão do actual sistema judicial holandês em três graus de
jurisdição: tribunais distritais (19), tribunais de recurso de competência genérica
(5) e especializados em direito administrativo (3) e o Tribunal Supremo.
16. No quadro das reformas da administração da justiça, foi criada a
Comissão Leemhuis que, em Janeiro de 1998, no seu Relatório Jurisdiction
with the Time, apresentou várias propostas no sentido de melhorar o sistema
judiciário. No âmbito desta Comissão, o programa de reforço do judiciário, o
Projecto PVRO, veio formular um novo modelo de gestão dos tribunais através
da introdução de um sistema de gestão integrado. De entre as medidas
propostas, destaca-se a criação de um órgão colegial de gestão ao nível dos
tribunais de distrito: o Conselho de Gestão (Management board) e a criação de
um Conselho Judiciário para a Administração da Justiça, a nível nacional. Na
sequência desse Relatório, foram criados dois novos órgãos de organização e
gestão dos tribunais: o Conselho Judiciário para a Administração da Justiça e
os Conselhos de Gestão dos tribunais distritais.
17. O Conselho Judiciário para a Administração da Justiça é composto
por cinco membros. Três destes, incluindo o seu presidente, pertencem ao
judiciário, enquanto que os restantes dois deverão ter experiência de relevo em
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 191
administração e gestão públicas. Todos são indigitados pelo Ministro da
Justiça, por um período de seis anos, renovável.
Este Conselho exerce funções de coordenação e supervisão da acção
dos tribunais, prestando apoio no exercício das suas funções específicas, e
como “intermediário” entre o Ministério da Justiça, agora apenas responsável
politicamente pelo funcionamento do sistema judiciário como um todo, e os
tribunais (com excepção do Supremo Tribunal). Tem quarto tipos de
competências distintos: de orçamento e distribuição de verbas pelos tribunais,
de gestão dos recursos humanos e materiais, de promoção da qualidade dos
serviços e competências consultivas. Em conjunto com o Centro de Formação
Judicial e do Ministério Público (Studicentrum Rechtpleging) e com os
Conselhos de Gestão dos tribunais é, também, responsável pelo recrutamento,
selecção e formação de magistrados e secretários judiciais.
18. Em cada tribunal distrital existe um Conselho de Gestão, que
administra e gere o tribunal. Este Conselho é responsável pela elaboração do
orçamento e pela gestão das verbas atribuídas pelo Conselho Judiciário para a
Administração dos Tribunais às diferentes secções dos tribunais distritais, pela
gestão de recursos humanos, pela avaliação do seu desempenho, pelas
instalações, pela segurança e pelas tecnologias de informação e comunicação.
O Conselho de Gestão é constituído pelo juiz-presidente do tribunal, que
a ele preside, pelo administrador do tribunal e pelos vários vice-presidentes
coordenadores das secções do tribunal. O Conselho de Gestão define planos
de acção, sistemas de informação eficiente e processos de avaliação interna. A
concretização do modelo de gestão em cada tribunal depende da sua
dimensão. Em tribunais de maior dimensão pode ser constituída uma equipa de
gestão, composta pelo administrador do tribunal e por um vice-presidente de
uma das secções do tribunal, apoiada por um conjunto de serviços.
19. Os tribunais distritais estão divididos em secções especializadas.
Cada uma destas secções é gerida, em regra, por um vice-presidente
192 Conclusões
coordenador, que é um juiz sénior, assessorado por um gestor. Em tribunais de
maior dimensão, a secção poderá ser auxiliada por um grupo de apoio ou por
uma secção (não-judicial) de coordenação, composta por um secretário e/ou
um gestor assistente, para além de um assessor para a área da gestão de
recursos humanos. Em tribunais de menor dimensão, as secções são geridas
pelo respectivo vice-presidente coordenador e por um gestor/coordenador (não
jurista). Nesses casos, o vice-presidente coordena os juízes e o gestor os
demais funcionários.
Compete aos órgãos de gestão das secções dos tribunais distritais, entre
outras tarefas, uma gestão mais concreta do orçamento e a definição do plano
de actividades, assim como a avaliação e a monitorização da performance dos
juízes. O desempenho destes é medido utilizando indicadores de performance
e de qualidade. Com base no sistema de avaliação da performance definido
pelo Conselho Judiciário e pelos Conselho de Gestão do tribunal, são
recolhidos e avaliados, relativamente a cada juiz, o número de
protestos/reclamações, a percentagem de recursos, o nível de satisfação
pública, a formação e as actividades extra-judiciais. A conjugação das
avaliações individuais permite medir também a performance de uma secção ou,
mesmo, de um tribunal.
20. Na Noruega, existem os seguintes tribunais judiciais: o Supremo
Tribunal, o Interlocutory Appeals Committee of the Supreme Court, os tribunais
de recurso e os tribunais distritais. Em matéria cível, em regra, todas as acções
têm que ser apreciadas preliminarmente pelos Conciliation Boards (conselhos
de conciliação). Existem, ainda, alguns tribunais especializados com
competência limitada a algumas matérias como, por exemplo, os Land
Consolidation Courts (tribunais de terras), o Labour Court (tribunal do trabalho)
e os tribunais de execução.
21. O sistema judicial norueguês tem vindo, na última década, a
confrontar-se com um processo amplo de reformas com vista a dotá-lo, em
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 193
especial, de mecanismos de eficácia e de eficiência. De acordo com o
anunciado, em 1996, pelo Ministro da Justiça, na Conferência de Budapeste, o
principal objectivo daquele processo é que as reformas sectoriais possam
actuar, de forma concertada, em todo o judiciário, quer preventivamente, isto é,
evitando a entrada de casos em tribunal, quer na tramitação dos processos nos
tribunais.
As reformas têm dado, por isso, igual atenção a alterações legais, quer
substantivas, quer de ordem processual, e a reformas de âmbito
organizacional. Nesta última matéria, uma das principais inovações decorre da
introdução no sistema judicial do princípio da gestão por objectivos, assente no
controlo do resultado e na qualidade final do trabalho, e de um novo paradigma
de administração dos tribunais, centrado na delegação de competências a
órgãos locais dos tribunais e com um forte envolvimento e cooperação dos
diferentes agentes judiciais.
22. A execução do novo paradigma de administração dos tribunais
ocorreu, em simultâneo, com um movimento de desconcentração, que previu a
delegação de competências de administração a órgãos locais dos tribunais. O
movimento de desconcentração de competências pressupunha que ao órgão
de administração central dos tribunais estivessem reservadas as funções de
carácter geral, de definição do quadro geral da administração da justiça, quer
no que respeita à fixação dos objectivos gerais, quer às linhas de actuação.
Aos órgãos locais dos tribunais seriam delegadas as competências de
execução por se entender, fundamentalmente, que estes poderão actuar com
maior flexibilidade, o que lhes permite alcançar, de forma mais eficaz, os
objectivos definidos.
23. Até 2002, a administração dos tribunais Noruegueses era da
responsabilidade directa do Ministério da Justiça, através do Departamento de
Administração dos Tribunais (Department of Courts Administration), criado em
1996. A administração interna de cada tribunal era da competência do
194 Conclusões
presidente do tribunal, que era, necessariamente, um juiz. Nos tribunais de
maior dimensão, a administração central podia criar cargos de natureza
estritamente administrativa, para cujo exercício as pessoas eram contratadas
directamente pelos tribunais, funcionalmente dependentes dos presidentes
daqueles, actuando como seus auxiliares especializados.
24. Em Novembro de 2002, foi criada a National Courts Administration
(Domstoladministrasjonen), um organismo independente que assumiu os
poderes de administração do sistema judicial que, até então, eram da
competência do Ministério da Justiça. Contudo, no novo figurino, o princípio de
separação de poderes não é levado, em matéria de administração e gestão, às
últimas consequências. Desde logo, o Parlamento pode dar orientações nesta
matéria e o Governo pode revogar as decisões da National Courts
Administration em determinados assuntos de âmbito de administração.
A National Courts Administration tem competência, designadamente para
a gestão central dos recursos humanos e materiais ao serviço da administração
da justiça, para, em cooperação com o Ministério da Justiça, planear o
orçamento do judiciário e fazer propostas ao Parlamento. Em cooperação com
os tribunais, é responsável pela aquisição e gestão dos edifícios, pela
estratégia financeira e pela implementação de medidas administrativas, de
execução e monitorização do orçamento anual. Uma outra função atribuída à
National Courts Administration é a de garantir a execução dos planos de
formação dos profissionais do judiciário, prestando apoio administrativo, entre
outras tarefas, aos vários comités de formação profissionais como, por
exemplo, o Conselho de Formação Judicial (Council for Professional Training of
Judges in Norway).
25. Ao nível de cada tribunal, foi reforçado o cargo de presidente do
tribunal, para o qual é nomeado um juiz, responsável último pelas questões de
gestão e administração. Nos tribunais de maior dimensão, a administração
central pode criar cargos de natureza estritamente administrativa. Estes
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 195
profissionais são contratados directamente pelos tribunais, estão
funcionalmente dependentes dos presidentes daqueles e actuam como seus
auxiliares especializados,
26. Na Irlanda, a actual estrutura orgânica dos tribunais foi estabelecida
em 1961, pelo Courts Act (Lei da Organização dos Tribunais). A Constituição e
a lei definem a estrutura básica da orgânica dos tribunais. Estabelecem a
necessidade de um tribunal de recurso final (o Supreme Court - Supremo
Tribunal) e de tribunais de primeira instância, nomeadamente, um High Court
(Tribunal de Grande Instância), com competência genérica para julgar matéria
cível e criminal, e tribunais de competência limitada (os Circuit Courts -
Tribunais de Círculo e os District Courts - Tribunais Distritais). Contudo, dentro
da estrutura geral definida pela Constituição, a lei genérica criou outros
tribunais e fixou a sua competência concreta, nomeadamente, o Children Court
(Tribunal de Menores), o Drug Court (Tribunal de Droga) e o Commercial Court
(Tribunal do Comércio).
27. Em 1996, a então Ministra da Justiça Irlandesa criou o Working Group
on a Courts Commission (Grupo de Trabalho Sobre os Tribunais) que tinha
como missão, entre outros, rever a organização do sistema judicial tendo em
vista a qualidade dos serviços prestados ao cidadão e os recursos humanos,
tecnológicos e financeiros necessários para atingir a qualidade desejada,
incluindo, também, a redefinição do relacionamento entre os tribunais, o
Ministério da Justiça e o Parlamento.
De entre as propostas desta comissão, destaca-se a criação do Courts
Service, cuja constituição veio a ser aprovada pelo Courts Service Act, em Abril
de 1998. Em Maio desse ano, foi criado o Conselho de Planeamento de
Tecnologias de Informação. O Chief Executive Officer (Director Executivo) foi
nomeado em Janeiro de 1999 e um plano de trabalhos foi elaborado de modo a
ter o novo organismo operacional em Novembro desse ano. Todo o processo
demorou cerca de três anos e meio.
196 Conclusões
28. O Courts Service of Ireland é um organismo independente, com
autonomia administrativa e financeira, criado para gerir os tribunais e os
recursos humanos, materiais e financeiros a eles associados, com excepção
dos juízes. Embora a responsabilidade pela gestão quotidiana dos tribunais
tivesse sido atribuída, a partir de 1999, ao Courts Service, o Ministro da Justiça
continua a ser o responsável perante o parlamento pelo Courts Service e
desempenha funções, ainda que formais, em certas matérias. Ao Courts
Service compete, designadamente, gerir os tribunais, garantir serviços de apoio
aos juízes, facultar informação sobre o sistema judicial ao público, construir e
manter os edifícios dos tribunais e facultar serviços aos utilizadores dos
tribunais.
Para cumprir as suas funções, o Courts Service é composto por um órgão
de gestão (Board) e por um órgão executivo (o Chief Executive). O Conselho
de Gestão (Board) é presidido pelo Chief Justice (Presidente do Supremo) e é
integrado por mais 16 pessoas que representam vários organismos
pertencentes ou relacionados com o sistema judicial. Tem a função de
estabelecer a política do Courts Service e controlar a implementação dessa
politica pelo Director Executivo, considerando os meios que foram colocados
ao dispor do Courts Service, a sua utilização eficaz e eficiente e as políticas ou
objectivos governamentais que possam afectar o desempenho das suas
funções.
29. O Director Executivo (Chief Executive Officer) do Courts Service tem
responsabilidade pela administração quotidiana do Courts Service, pela
implementação das políticas aprovadas pelo Conselho de Gestão assim como
pela prestação regular de informação sobre a implementação dessas políticas.
É responsável pelo funcionamento dos departamentos que compõem o Courts
Service: dois departamentos operacionais [o Departamento do Supremo
Tribunal e do Tribunal de Grande Instância (Supreme and High Court
Operations) e o Departamento dos Tribunais de Círculo e Distritais (Circuit and
District Court Operations)]; cinco serviços de suporte [o Departamento de
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 197
Serviços Administrativos (Corporate Services); o Departamento do Património e
Edifícios (Estates and Buildings Services); o Departamento Financeiro (Finance
Services); o Departamento dos Recursos Humanos (Human Resources
Services); e o Departamento da Reforma e do Desenvolvimento (Reform and
Development Services)]; e o Departamento de Auditoria Interna (Internal
Auditor).
30. A cada Gabinete Regional de Administração do Courts Service é
delegada competência para elaborar e gerir orçamentos dos Gabinetes da sua
área geográfica, realizar a manutenção de instalações e a gestão de projectos
de construção e de remodelação de instalações.
Existem 26 Gabinetes Administrativos dos Tribunais de Círculo (Circuit
Court Offices), um em cada county, que processam as acções civis intentadas
nos Tribunais de Círculo; arquivam os registos dos processos; efectuam os
registos prediais e os registos de testamentos; providenciam os funcionários
judiciais dos Tribunais de Círculo para os julgamentos; gerem os fundos de
investimento atribuídos a menores nas acções julgadas pelo Tribunal de
Círculo e várias contas relacionadas com os fundos à disposição dos
Gabinetes Administrativos dos Tribunais de Círculo; e aplicam as ordens do
tribunal.
Existem 43 Gabinetes Administrativos dos Tribunais Distritais (District
Court Offices), pelo menos um em cada county. Em Dublin, devido ao elevado
volume de trabalho, o Courts Service decidiu criar sub-gabinetes. Os Gabinetes
Administrativos dos Tribunais Distritais auxiliam o funcionamento dos Tribunais
Distritais no processamento e julgamento de casos penais e cíveis, incluindo o
processo especial para acções de reduzido valor (Small Claims Procedure) , e
processos de família , assim como processam o licenciamento de actividades a
cargo do Tribunal Distrital.
31. No Esatdo do Michigan, a actual organização judiciária é tributária de
um conceito unitário do sistema judicial denominado “One Court of Justice”.
198 Conclusões
Esta estrutura funcional foi introduzida pela Constituição do Michigan, em 1963,
e, embora exista apenas uma unidade orgânica, esta é composta pelo
Supremo Tribunal (Supreme Court), pelo Tribunal de Recurso (Court of
Appeals) e pelos Tribunal de Julgamento (Trial Courts) ([os Tribunais de
Círculo (Circuit Courts) de competência genérica e vários outros tribunais de
jurisdição limitada – os Tribunais Distritais (District Courts), os Probate Courts,
os Tribunais Municipais (Municipal Courts) e o Tribunal que julga acções contra
o Estado (Court of Claims)], cuja jurisdição específica foi definida pela
Constituição ou pelo poder legislativo.
32. A gestão administrativa dos tribunais do Estado do Michigan compete,
em primeira análise, ao Supremo Tribunal e, em particular, ao seu Presidente.
Contudo, a gestão administrativa dos tribunais é efectuada, em concreto,
através do Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado [State Court
Administrative Office (SCAO)] que, por sua vez, é composto pelo Administrador
dos Tribunais Estaduais (State Court Administrator), pelo Vice-Administrador
dos Tribunais Estaduais (Deputy State Court Administrator), pelos quatro
Administradores Regionais (Regional Administrators), assim como pelos
directores das suas várias divisões ([Serviços do Tribunal de Julgamento (Trial
Court Services), Gabinete do “Amigo do Tribunal” (Friend of Court Bureau),
Serviços de Assistência aos Menores (Child Welfare Services), Sistemas de
Informação Judicial (Judicial Information Systems), Gabinete de Resolução de
Conflitos (Office of Dispute Resolution) e Instituto Judicial do Michigan
(Michigan Judicial Institute)].
De acordo com a Constituição do Estado, o Supremo Tribunal deverá
nomear um administrador dos tribunais, assim como os administradores que
forem necessários, para o auxiliar na supervisão e administração do sistema de
justiça. Hoje, essa competência do Supremo Tribunal é exercida através do
Gabinete Administrativo dos Tribunais do Estado (SCAO).
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 199
33. As funções do SCAO centram-se no auxilia os tribunais do Estado.
Este organismo é responsável pela recolha de dados sobre o trabalho dos
tribunais, tendo em atenção, quer os vários tipos de casos que são julgados,
quer a duração destes. Determina, também, algumas políticas e procedimentos
dos tribunais, como, por exemplo, os relacionados com a informação que estes
devem prestar ao SCAO sobre a duração dos processos. O SCAO avalia,
igualmente, a necessidade do número em cada tribunal, informando o poder
legislativo dos resultados dessa avaliação, bem como das mudanças
legislativas que considera importantes para melhorar a administração dos
tribunais.
34. Os Gabinetes Regionais coordenam com o SCAO (Administrador dos
Tribunais Estaduais, Vice-Administrador dos Tribunais Estaduais e directores) a
implementação das políticas de administração dos tribunais definidas pelo
Supremo Tribunal, monitorizam o volume de trabalho existente e a gestão dos
processos nos vários tribunais e promovem relações de trabalho eficazes entre
aqueles e as várias entidades locais com responsabilidade no funcionamento
do sistema de justiça.
35. Os Serviços do Tribunal de Julgamento desenvolvem, entre outras,
funções de assistência e de supervisão da administração dos tribunais de
primeira instância em coordenação com os Gabinetes Regionais; definem,
implementam e actualizam standards de procedimento e de performance para
a administração dos tribunais; desenvolvem e difundem a utilização de
formulários; providenciam as ligações entre o SCAO e os tribunais, e o SCAO e
entidades locais e estaduais externas ao judicial; implementam a politica de
administração dos tribunais definida pelo Supremo Tribunal; auxiliam no
planeamento e na gestão dos tribunais; desenvolvem e implementam as linhas
de orientação da administração dos tribunais; colocam funcionários de apoio
em vários comités, grupos de trabalho e programas e projectos geridos pelo
SCAO.
200 Conclusões
36. O Supremo Tribunal selecciona, de dois em dois anos, um juiz de
cada tribunal para exercer as funções de Juiz Presidente do Círculo e do
Distrito, a partir de uma lista enviada pelos tribunais respectivos. Por sua vez, o
juiz presidente selecciona um juiz presidente delegado (pro tempore) e os
juízes de cada secção. Os seus poderes são estabelecidos, quer pela lei de
organização judiciária do Michigan (Michigan Court Rules), quer pelo Supremo
Tribunal, quer pelas regras definidas pelas entidades financiadoras locais e
aprovadas pelo Supremo Tribunal. Pode, também, nos tribunais em que o
orçamento o permita, nomear um administrador do tribunal do julgamento (trial
court administrator) a tempo inteiro.
O juiz presidente tem, igualmente, o poder de definir as políticas de
funcionamento interno do tribunal, promovendo, estabelecendo e mantendo um
ambiente que promova e proteja a igualdade de oportunidades, atitudes isentas
e tratamento justo. Representa o tribunal junto de todas as organizações e
entidades judiciárias (por exemplo, outros tribunais e a Ordem dos Advogados),
governamentais, dos media e junto do público em geral.
As tarefas administrativas do juiz presidente podem ser exercidas
directamente por este ou pode delegá-las em administradores do tribunal do
julgamento, o que normalmente acontece em tribunais de maior dimensão,
proporcionando capacidades especializadas de gestão judicial sob a
superintendência genérica dos juízes presidentes. Contudo, dependendo da
localização e das dimensões de cada tribunal, as funções administrativas
variam. Em regra, administra as listas de júris, gere o orçamento, administra e
supervisiona os funcionários, promove a automatização de sistemas e a
implementação de procedimentos que visem reduzir os atrasos.
37. Como resulta das principais conclusões dos diferentes modelos
analisados, as agendas estratégicas da reforma da justiça passaram a conferir
especial centralidade às reformas no âmbito da administração e gestão, em
especial dos tribunais judiciais. No seu lastro estão dois pressupostos
essenciais: a adopção de uma nova concepção de administração pública,
Análise comparada de modelos de organização e gestão dos tribunais 201
assente no abandono do modelo de gestão burocrático e na adopção dos
modelos gestionário e da qualidade total e o reconhecimento de que os defices
de organização, gestão e planeamento dos sistemas de justiça são
responsáveis por grande parte da ineficiência e ineficácia do seu desempenho
funcional, reclamando, por isso, a introdução de profundas reformas estruturais
dirigidas não só ao aumento da sua eficiência e eficácia, mas, também, da sua
qualidade e transparência.
202 Conclusões
203 Conclusões
Administração e gestão dos tribunais a nível central Administração e gestão dos tribunais a nível local
Organismo competente
Natureza do organismo competente
Tipo de estrutura predominante
(centralizadora ou de coordenação)
Matérias de competência própria Principais orgãos de
gestão local
Presidência dos órgãos de
gestão local
Órgãos de apoio administrativo especializado
Espa
nha Ministério da
Justiça + Comunidades
Autónomas + CGPJ
Órgãos do poder executivo e
judicial Centralizadora
Gestão de recursos humanos judiciais e não judiciais, de meios
materiais e de orçamento
Secções de Administração Judicial Em tribunais de maior
dimensão
Bél
gica
Service Public Fédéral de Justice
Órgão do poder executivo
Centralizadora (em processo de
descentralização e desconcentração)
Gestão de recursos humanos judiciais e não judiciais, de meios
materiais e de orçamento
Hol
anda
Council of the Judiciary
Órgão do poder judicial Coordenação
Coordenação da gestão de recursos humanos judiciais e gestão de meios
materiais e orçamento
Conselhos de Gestão Judicial Em tribunais de maior
dimensão
Nor
uega
National Courts Administration Órgão autónomo Coordenação
Coordenação da gestão de recursos humanos judiciais, de gestão de
recursos humanos não judiciais, de meios materiais e de orçamento
Juízes presidentes Judicial Em tribunais de maior
dimensão
Irlan
da
Courts Service Órgão autónomo Centralizadora (mas com gestão desconcentrada)
Gestão de recursos humanos judiciais e não judiciais, de meios
materiais e de orçamento
Mic
higa
n Tribunal Supremo (State Courts Administrative
Office)
Órgão do poder judicial
Coordenação (mas com gestão desconcentrada)
Coordenação da gestão de recursos humanos judiciais
Juízes presidentes Judicial Em tribunais de maior
dimensão
204 Conclusões
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