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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MEC � SETEC
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MATO GROSSO CAMPUS CUIABÁ � OCTAYDE JORGE DA SILVA
DEPARTAMENTO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CARLA ALESSANDRA DE OLIVEIRA NASCIMENTO
BILINGUISMO ÀS AVESSAS: O ENSINO DE LIBRAS EM CLASSE DE ENSINO TÉCNICO REGULAR
Cuiabá - MT Setembro 2009
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MATO
GROSSO
CAMPUS CUIABÁ � OCTAYDE JORGE DA SILVA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
TECNOLÓGICA INCLUSIVA
CARLA ALESSANDRA DE OLIVEIRA NASCIMENTO
BILINGUISMO ÀS AVESSAS: O ENSINO DE LIBRAS EM
CLASSE DE ENSINO TÉCNICO REGULAR
Cuiabá - MT Setembro 2009
Ficha Catalográfica NASCIMENTO, Carla Alessandra de Oliveira Bilinguismo às Avessas: O Ensino de LIBRAS em Classe de Ensino Técnico Regular Cuiabá -MT, 2009 79 fls. CARDOZO, Mirian Tavares Dias Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Mato Grosso � Campus Campus Cuiabá � Octayde Jorge da Silva Trabalho de Conclusão Curso de Especialização em Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva
CARLA ALESSANDRA DE OLIVEIRA NASCIMENTO
BILINGUISMO ÀS AVESSAS: O ENSINO DE LIBRAS EM CLASSE DE
ENSINO TÉCNICO REGULAR
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Pesquisa e Pós-Graduação do Curso de Especialização em Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato-Grosso - Campus Cuiabá � Octayde Jorge da Silva, como requisito para a obtenção do título de Especialista.
Orientadora: Profa. MSc Mirian Tavares Dias Cardozo
Cuiabá - MT Setembro 2009
CARLA ALESSANDRA DE OLIVEIRA NASCIMENTO
BILINGUISMO ÀS AVESSAS: O ENSINO DE LIBRAS EM CLASSE DE
ENSINO TÉCNICO REGULAR
Trabalho de Conclusão de Curso em Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva,
submetido à Banca Examinadora composta pelos Professores do Programa de Pós-
Graduação do Instituto Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso Campus
Cuiabá - Otayde Jorge da Silva como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Especialista.
Aprovado em: ____________________
______________________________________________
Profa.MSc, Miriam Tavares Dias Cardozo.
Orientadora
_____________________________________________
Prof. Dr. Humberto Marcondes Estevam
Membro da Banca
______________________________________________
Profa. MSc, Marília Dias Ferreira.
Membro da Banca
Cuiabá - MT
Setembro 2009
DEDICATÓRIA
Dedico ao meu esposo, Lourenço, ao
meu filho, Victor, e a todos os alunos e
educadores da Escola para Surdos Dulce
de Oliveira.
AGRADECIMENTOS
Ao Franclin, por proporcionar a quebra de preconceitos em relação à inclusão das
pessoas com necessidades educacionais especiais na escola regular.
À professora Mirian, pela oportunidade e pelo apoio incondicional.
À professora Danielle, pelo apoio e pelo carinho.
À Cibele e à Marina, sem as quais, teria sido impossível realizar este trabalho.
Aos gestores e colaboradores da Escola para Surdos Dulce de Oliveira.
Aos gestores, formadores, monitores e colegas de curso, pelo companheirismo,
força e imensurável troca de experiências.
Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para
que venhas comigo e eu para sempre te leve... Cecília Meireles
RESUMO
A capacidade de interação entre as pessoas é delineada, essencialmente, pela linguagem; dessa forma, é correto afirmar que a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais auditivas na escola regular, muitas vezes, encontra obstáculos na falta de entendimento entre os sujeitos envolvidos no discurso do processo inclusivo. Assim, para que ocorra a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais auditivas na escola regular, é importante privilegiar os processos comunicativos dentro desse contexto. Este trabalho apresenta o ensino da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS � aos alunos de uma classe regular do Curso Técnico em Nutrição e Dietética ministrado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro � Campus Uberaba, pretendendo-se a divulgação da língua, a fim de promover a inserção e a permanência de alunos surdos na escola regular de ensino técnico profissionalizante, de modo a assegurar a preparação dos surdos para o trabalho e sua inclusão na sociedade. Por meio da pesquisa, constatou-se que tanto a aluna surda, quanto os alunos ouvintes, entendem ser importante o aprendizado da LIBRAS, não só para a inclusão do surdo, como também para ampliar a aquisição de conhecimentos e possibilitar a troca de informações entre todos os participantes do processo inclusivo. Palavras-chave: ensino regular � surdo � LIBRAS �inclusão
RESUMEN
La capacidad de interacción entre las personas es delineada, de modo esencial, por el lenguaje; por eso es correcto afirmar que la inclusión de personas con necesidades educacionales especiales auditivas en la escuela regular, muchas veces, encuentra obstáculos en la falta de entendimiento entre los sujetos envueltos en el discurso del proceso inclusivo. Así, para que ocurra la inclusión de las personas con necesidades educacionales especiales auditivas en la escuela regular, es importante privilegiar los procesos comunicativos dentro de ese contexto. Este trabajo presenta la enseñanza de la Lengua Brasileña de Señales � LIBRAS � a los alumnos de una aula regular del Curso Técnico en Nutrición y Dietética ministrado por Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología del Triángulo Minero � Campus Uberaba, pretendiéndose la divulgación de la lengua, a fin de promover la inserción y la permanencia de alumnos sordos en la esuela regular de enseñanza técnica profesional, de modo a asegurar la preparación de los sordos para el trabajo y su inclusión en la sociedad. Por medio de la investigación, se constató que tanto la alumna sorda, cuanto los alumnos oyentes, entienden ser importante el aprendizaje de las LIBRAS, no sólo para la inclusión del sordo, como también para ampliar la adquisición de conocimientos y posibilitar el cambio de informaciones entre todos los participantes del proceso inclusivo. Palabras-claves: enseñanza regular � sordo � LIBRAS - inclusión
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Sra. Dulce de Oliveira................................................................................32
Figura 2: Escola para Surdos �Dulce de Oliveira�.....................................................33
Figura 3: Funcionamento básico do ouvido ..............................................................36
Figura 4: Orelha externa ...........................................................................................37
Figura 5: Orelha média .............................................................................................38
Figura 6: Orelha interna ............................................................................................39
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Características do público pesquisado ....................................................54
Quadro 2: Contatos com a necessidade especial auditiva .......................................55
Quadro 3: Experiências adquiridas ...........................................................................56
Quadro 4: O aprendizado da LIBRAS......................................................................57
Quadro 5: LIBRAS: comunicação e interação...........................................................58
Quadro 6: O ensino de LIBRAS na escola regular .................................................58
LISTA DE ABREVIATURAS
dB � Decibel / Decibéis
FENEIS � Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
HZ � Hertz
IF-Triângulo � Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Triângulo
Mineiro
ILS � Intérprete de Língua de Sinais
INES � Instituto Nacional de Educação de Surdos
LIBRAS � Língua Brasileira de Sinais
NEE � Necessidades Educacionais Especiais
PNE � Pessoas com Necessidades Especiais
PNEE � Pessoa com Necessidades Educacionais Especiais
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................14
1. BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA...............................................17
2. A EDUCAÇÃO PARA SURDOS ............................................................................23
2.1 A Educação para Surdos no Mundo ................................................................23
2.1.1 O Oralismo .................................................................................................24
2.1.2 A Comunicação Total .................................................................................25
2.1.3 O Bilinguismo ............................................................................................26
2.2 A Educação para Surdos no Brasil ..................................................................29
2.3 A Educação para Surdos em Uberaba-MG: Escola para Surdos �Dulce de
Oliveira�..................................................................................................................32
3. AUDIÇÃO: CONHECER O APARELHO AUDITIVO PARA ENTENDER COMO
OCORRE A SURDEZ ...........................................................................................35
3.1 Audição e Comunicação ..................................................................................35
3.2 Funcionamento do sistema auditivo................................................................35
3.2.1 Orelha externa (ou ouvido externo)............................................................36
3.2.2 Orelha média (ou ouvido médio) ................................................................37
3.2.3 Orelha interna (ou ouvido interno) .............................................................38
3.3 Características do ouvido humano..................................................................39
3.4 Diversos graus de perda auditiva....................................................................39
4. UMA ALUNA SURDA NO CURSO TÉCNICO DE CLASSE REGULAR................42
4.1 A entrevista com a aluna..................................................................................43
4.2 A entrevista com a intérprete ...........................................................................50
4.3 Diagnóstico com os alunos ouvintes ................................................................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................60
BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................62
ANEXOS ...................................................................................................................66
ANEXO A � Termo de Consentimento ...................................................................66
ANEXO B � Questionário .......................................................................................67
ANEXO C � DECRETO 5.626 de 22 de dezembro de 2005. .................................69
ANEXO D � Lei 10.436 de 24 de abril de 2002. ....................................................77
ANEXO E � ALFABETO LIBRAS � DATILOLOGIA ...............................................78
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INTRODUÇÃO
Este trabalho insere-se na área da Educação Inclusiva e aborda a inclusão
de pessoas com necessidades educacionais especiais auditivas na escola regular
de ensino técnico profissionalizante. O objeto da investigação são os alunos do 1º
período do Curso Técnico em Nutrição e Dietética, matriculados no primeiro
semestre de 2009, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro - IF- Triângulo - campus Uberaba.
Por meio da pesquisa, objetiva-se diagnosticar a influência do ensino de
LIBRAS em classe de ensino regular sobre os alunos ouvintes e sobre os alunos
com Necessidades Educacionais Especiais -NEE- auditivas; promover a
comunicação entre alunos ouvintes e alunos com NEE auditivas e proporcionar a
interação entre eles. Além disso, espera-se, com este estudo, alcançar o
entendimento sobre a importância que os alunos, surdos e ouvintes, atribuem ao
ensino de LIBRAS em escola regular, de modo que os resultados encontrados
possam contribuir para fundamentar a opção dos gestores das instituições de
ensino em adotar essa temática em suas escolas.
Para tanto, durante as aulas de Português Instrumental, disciplina com carga
horária de 30 horas, distribuídas em duas aulas semanais, no Curso Técnico em
Nutrição e Dietética, do IF Triângulo � campus Uberaba, foram reservados vinte
minutos, semanalmente, para o aprendizado de noções básicas de LIBRAS pelos
alunos ouvintes. Essas primeiras noções de LIBRAS foram repassadas por uma
aluna da classe, que é surda, com o auxílio da tradutora do Instituto; ao término da
disciplina, foram realizadas entrevistas, previamente autorizadas (ANEXO A), com a
aluna surda e sua tradutora e foram aplicados questionários aos demais alunos da
classe, a fim de diagnosticar a importância dessa prática para a inclusão do surdo
na escola regular.
A escolha pela necessidade educacional especial auditiva justifica-se pelo
fato de muitas pessoas, inclusive educadores, não possuírem conhecimento do
caráter oficial da LIBRAS, o que nos apresenta como um grande desafio a
divulgação e o incentivo de seu ensino como segunda língua a estudantes
brasileiros de escolas regulares. Muitos surdos têm a Língua portuguesa como
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segunda língua e a LIBRAS como primeira língua; e é reconhecida pela Lei Nº
10.436, de 24 de abril de 2002 (ANEXO D):
Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
O dispositivo de lei, ao reconhecer a LIBRAS como meio de comunicação e
expressão legal, possibilita seu ensino em escolas regulares, respeitando-se suas
variações. Uma vez que é considerada ferramenta de comunicação e interação
entre as pessoas, ela deve servir a esse propósito, além de acompanhar a evolução
das sociedades que a usam, considerando sempre os contextos amplos e imediatos
do discurso, suas condições de produção e as posições e relações de força dos
interlocutores, sob pena de funcionar como instrumento ratificador de preconceitos
e do distanciamento entre os atores sociais.
Partindo desse princípio, algumas questões foram propostas: (i) pode-se
dizer que as pessoas com necessidades especiais auditivas, que na maioria das
vezes não falam, são discriminadas em razão da língua que usam? (ii) é
significativo o ensino da Língua Brasileira de Sinais � LIBRAS aos alunos sem
necessidades educacionais especiais auditivas para promover a inclusão de alunos
surdos na escola regular? (iii) o ensino de LIBRAS na escola regular promove a
interação entre as pessoas?
Formula-se a hipótese de que o ensino de LIBRAS aos alunos ouvintes
facilita a comunicação entre os alunos da classe, promovendo a inclusão do surdo
na escola regular. Para fundamentar a pesquisa, também foi realizada uma busca
de subsídios teóricos e oficiais sobre a inclusão, com enfoque na necessidade
educacional especial auditiva ou surdez.
O primeiro capítulo apresenta um breve histórico da inclusão de pessoas com
necessidades educacionais especiais em geral; descreve a evolução
comportamental social relativa à questão da deficiência desde a antiguidade até os
dias atuais; dessa forma, insere o interlocutor no contexto da evolução histórica da
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inclusão. O segundo capítulo mostra a evolução histórica da educação para surdos,
primeiramente, no contexto mundial, com destaque às filosofias da educação para
surdos, trazendo o desenvolvimento do ensino-aprendizagem dos surdos ao longo
do tempo, até chegar ao Bilinguismo; a seguir, apresenta um histórico da educação
para surdos no contexto nacional. O terceiro capítulo traz aspectos biológicos da
surdez e aborda a aprendizagem das pessoas surdas. O quarto apresenta os dados
obtidos pela pesquisa, analisando-os e avaliando as contribuições para a inclusão
do surdo em escola regular, decorrentes do ensino de LIBRAS a alunos ouvintes em
classe do primeiro período do Curso Técnico em Nutrição e Dietética do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro � campus
Uberaba.
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1. BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A história da educação das pessoas com necessidades educacionais
permite-nos dizer que houve evolução das sociedades em relação aos conceitos e à
aceitação pela sociedade de pessoas com necessidades especiais e segundo
Miranda (2008), estudiosos da área da Educação Especial - KIRK e GALLAGHER,
1979; MENDES, 1995; SASSAKI, 1997 - ao analisarem a história em países da
Europa e América do Norte, identificaram quatro estágios no desenvolvimento do
atendimento às pessoas que apresentam deficiências.
Assim, saímos da Idade Antiga, quando essas pessoas eram simplesmente
eliminadas, sem sequer saber as causas das deficiências, sendo que essa atitude
era considerada normal pela sociedade. Passamos pela Idade Média, quando os
�deficientes� continuavam sendo eliminados em razão de suas necessidades
especiais - a diferença é que aqui o fato dava-se muito mais por interesses
financeiros e religiosos do que por ignorância, como na Idade Antiga. Nos séculos
XVIII a XIX, finalmente, surgiram os estudos fisiológicos das necessidades especiais
e instaurou-se um mínimo de respeito às pessoas com essas necessidades e suas
famílias, quando foram criadas as instituições especializadas a cada necessidade
especial. No século XX, buscou-se a integração das PNEs (pessoas com
necessidades especiais) à sociedade por meio de sua integração à escola regular,
havendo ainda muita discriminação. Finalmente, no século XXI, entende-se que não
basta a integração, sendo necessárias atitudes menos discriminatórias, mais
urgentes e eficazes, falamos da Inclusão.
De acordo com Miranda (2008), os quatro estágios identificados nos países
europeus e americanos não correspondem à trajetória histórica no Brasil, uma vez
que �A fase da negligência ou omissão, identificada em outros países até o século
XVII, no Brasil pode ser observada até o início da década de 50.� (MIRANDA, 2008,
p. 30).
O apoio do Estado brasileiro na saúde das famílias impulsionou a higiene por
meio da medicina. Entretanto, essa higienização foi dirigida, em um primeiro
momento, apenas a determinadas famílias, ou seja, escravos, mendigos, loucos,
vagabundos, entre outros, estavam excluídos deste projeto de higiene, sendo-lhes
oferecidas outras políticas, que favoreciam a segregação, como asilos e prisões.
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Dessa forma, as pessoas com necessidades especiais, foram consideradas
incapazes de aprender e não frequentavam escolas. Eram excluídos da sociedade e
privados de direitos, sendo que muitas vezes tinham dificuldades para garantir sua
sobrevivência.
A criação do Instituto Benjamin Constant1 - IBC (1854) e do Instituto Nacional
de Educação dos Surdos2 - INES (1857) foi de extrema importância para a evolução
da Educação Especial no Brasil, porém a demanda era bem maior do que essas
duas instituições podiam atender. Alguns anos depois, na década de 20, foram
criadas outras instituições para deficientes.
Nessa época, com a chegada da Pedagogia da Escola-Nova3 - que propunha
criar escolas diferentes das tradicionais e oferecer as mesmas oportunidades
educacionais a todos � vieram oportunidades de inserção da psicologia na
educação e de uso de testes de inteligência, viabilizando diagnósticos, o que
influenciou a Educação Especial no Brasil.
Ainda sob a influência da Escola Nova , o Brasil recebeu Helena Antipoff,
que, em 1932, fundou a Sociedade Pestallozzi de Minas Gerais, para atender
deficientes, além de participar de ações que viabilizaram a criação da Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais. Tudo isso contribuiu sobremaneira para a
história da Educação inclusiva no Brasil, porém, não deixou de servir ao propósito
da segregação. Assim ensina Miranda:
Fazendo uma análise do ideário da Escola-Nova no Brasil, Dechichi (2001), apontou que apesar desse movimento defender a diminuição das desigualdades sociais, sua influência na Educação Especial contribuiu para a exclusão dos indivíduos considerados diferentes nas escolas regulares. Ao ressaltar o estudo das diferenças individuais, propor um ensino adequado e especializado e adaptar técnicas de diagnóstico, os seguidores da Escola-Nova estimularam o processo de identificação de alunos que não conseguiam acompanhar as exigências da escola, mostrando a necessidade deles receberem uma educação mais adequada, justificando, assim, sua segregação em classes ou escolas especiais. (MIRANDA, 2008, p. 33)
Na década de 50, houve aumento do número de classes especiais nas
escolas públicas e de instituições privadas sem fins lucrativos que tratavam da
1 Fundado com o nome de Instituto dos Meninos Cegos 2 Fundado com o nome de Instituto dos Surdos Mudos 3 Decroly e Montessori foram os maiores representantes deste movimento no Brasil (MIRANDA,2008)
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questão dos deficientes. Nessa época, também, o governo federal iniciou
campanhas voltadas para o tema da deficiência.4
A educação brasileira, na década de 70 foi marcada pela Lei 5692/71, Lei de
Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º graus, na qual dedicou apenas um
artigo à Educação Especial, contemplando apenas as deficiências física e mental.
Segundo Miranda (2008), essa década foi caracterizada pela institucionalização da
Educação Especial: em 1973, foi criado o Centro Nacional de Educação Especial
(CENESP), o qual, em 1986, foi transformado na Secretaria de Educação Especial
(SESP), cujas atribuições, em 1990, passaram para Secretaria Nacional de
Educação Básica (SENEB)
Ainda na década de 70, chega ao Brasil o princípio da normalização, que
orienta que a educação do deficiente deve ocorrer em um ambiente normal. Ensina
Mantoan (1998) que a normalização visa tornar acessíveis às pessoas
socialmente desvalorizadas as condições e os modelos de vida análogos aos que
são disponíveis de um modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou
sociedade. Observamos que aqui já se faziam presentes princípios da inclusão.
A década de 80 foi caracterizada por muitos ideais e algumas práticas de
integração; houve mobilizações e, a partir daí verifica-se significativo empenho das
políticas públicas em promover a inclusão das PNE, estando a questão da
deficiência contemplada na Lei Magna do país e em outros preceitos legais, dos
quais citamos os elencados pelo Parecer CNE/CEB 17/2001:
Constituição Federal, Título VIII, da ORDEM SOCIAL: Artigo 208: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: III � Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público e subjetivo. V � Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; Art. 227:
4 A primeira campanha foi feita em 1957, voltada para os deficientes auditivos � �Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro�. Em seguida é criada a �Campanha Nacional de Educação e Reabilitação do Deficiente da Visão�, em 1958. Em 1960 foi criada a �Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais� � CADEME (MIRANDA, 2008)
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II - § 1º - Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º - A lei disporá normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
Lei n°. 10.172/01. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.
O Plano Nacional de Educação estabelece vinte e sete objetivos e metas para a educação das pessoas com necessidades educacionais especiais. Sinteticamente, essas metas tratam:
do desenvolvimento de programas educacionais em todos os municípios � inclusive em parceria com as áreas de saúde e assistência social � visando à ampliação da oferta de atendimento desde a educação infantil até a qualificação profissional dos alunos;
das ações preventivas nas áreas visual e auditiva até a generalização do atendimento aos alunos na educação infantil e no ensino fundamental;
do atendimento extraordinário em classes e escolas especiais ao atendimento preferencial na rede regular de ensino; e
da educação continuada dos professores que estão em exercício à formação em instituições de ensino superior.
Lei n°. 853/89. Dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiências, sua integração social, assegurando o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais.
Lei n°. 8.069/90. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outras determinações, estabelece, no § 1o do Artigo 2º:
"A criança e o adolescente portadores de deficiências receberão atendimento especializado."
O ordenamento do Artigo 5º é contundente:
"Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais."
Lei n°. 9.394/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Art. 4º, III � atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
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§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:
I � currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II � terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III � professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV � educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V � acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.
Parágrafo Único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo.
Decreto n°. 3.298/99. Regulamenta a Lei no. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências.
Portaria MEC n°. 1.679/99. Dispõe sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiências para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições.
Lei n°. 10.098/00. Estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências.
Declaração Mundial de Educação para Todos e Declaração de Salamanca.
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Da legislação apontada, destacamos a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei 9394/96, que ratifica os princípios da inclusão e que, se
contrastada com a Lei 5692/71, representa a evolução das políticas públicas em
relação às pessoas com necessidades educacionais especiais
Segundo o Parecer, o Brasil fez opção pela construção de um sistema
educacional inclusivo ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para
Todos, firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e ao mostrar consonância com
os postulados produzidos em Salamanca (Espanha, 1994) na Conferência Mundial
sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade.
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2. A EDUCAÇÃO PARA SURDOS
Duas vertentes marcaram o início da educação de surdos: a médica e a
religiosa. Segundo Pinto (2007), a surdez, enquanto anomalia orgânica despertava
o interesse de alguns médicos. Quanto à religião, essa relação evidenciava-se
quando padres, abades ou ordens inteiras se responsabilizavam pelo cuidado e
educação dos surdos. Aqui, abordaremos aspectos fisiológicos da surdez e no
próximo capítulo os aspectos históricos e metodológicos da educação para surdos.
2.1 A Educação para Surdos no Mundo
Na antiguidade, em linhas gerais, os surdos eram considerados seres não
pensantes, já que a fala era considerada o resultado do pensamento. Assim, eram
vistos como incapazes e eram severamente segregados.
A Igreja Católica teve um papel importante na educação dos surdos, pois
entre os nobres havia grande número de pessoas surdas e a Igreja, que não podia
prescindir dos que detinham o poder econômico, passou a instruir os surdos, por
meio dos monges que haviam feito o voto do silêncio e se comunicavam com gestos
(Honora & Frizanco, 2009, p. 19). No final do século XV, não havia escola
especializada para surdos, porém algumas pessoas como o médico Gerolamo
Cardano (1501 � 1576), da Itália, e o monge beneditino Pedro Ponce de Leon ( 510
� 1584), da Espanha, tentavam ensinar os surdos. Leon foi tutor de muitos surdos;
seu trabalho foi reconhecido em toda Europa e a ele foi atribuído o mérito de provar
que a pessoa surda era capaz.
Nos próximos séculos, alguns professores empenharam-se na educação dos
surdos, como o padre Ivan Pablo Bonet ( 1579-1633), na Espanha, que criou o
primeiro tratado de ensino dos surdos-mudos5 (Honora & Frizanco, 2009, p. 20); o
abade Charles-Michel de L'Epée6 ( 1712-1789), um dos primeiros que defendeu o
uso da língua de sinais e Jean-Marc Itard7 (1775-1838) na França; Samuel
Heinicke e Moritz Hill na Alemanha; Alexandre Gran Bell (1847-1922) no Canadá,
5 Redação das Letras e Artes de Ensinar os Mudos a Falar 6 Sua obra mais importante foi A Verdadeira maneira de Instruir os Surdos-mudos (1776) 7 Itard iniciou um trabalho com o Garoto Selvagem, em 1799, descrito no filme francês de 1970, O Garoto Selvagem, de François Truffaaut.
24
que acreditava que os surdos deveriam estudar junto com os ouvintes para evitar a
procriação de surdos8 (Honora & Frizanco, 2009, p. 24); Thomas Gallaudet, que,
juntamente com Laurent Clerc ( 1785-1869), fundou, em abril de 1817, a primeira
escola pública para surdos dos EUA - Hartford School; Ovide Decroly na Bélgica.
O século XVIII é considerado muito relevante para a educação dos surdos e
foi no final deste século que surgiram os primeiros trabalhos realizados em
instituições, não havia, entretanto, consenso quanto ao método adotado. Em 1876
aconteceu em Paris o I Congresso Internacional de Surdos-Mudos que definiu a
leitura labial articulada a gestos como o melhor método para a educação dos
surdos. Mas em 1880, o II Congresso Mundial de Surdos-Mudos, que aconteceu em
Milão, Itália, definiu o Método Oral Puro como o mais indicado e essa determinação
suprimiu a língua de sinais, o que derrogou as conquistas dos surdos e ratificou a
segregação. Muitos surdos que não se adaptaram ao Oralismo foram severamente
desrespeitados.
Em 1970, surgiu uma alternativa educacional que indicava o uso de
linguagem oral e sinalizada de forma concomitante, era a Comunicação Total; e,
mais recentemente, o Bilinguismo, proposta na qual os surdos usam a Língua de
Sinais como primeira língua (L1) e a língua oficial do país como segunda língua
(L2).
2.1.1 O Oralismo
O oralismo pretende que seja desenvolvida pelo surdo a linguagem oral,
limitando a esta o meio de comunicação da pessoa surda. Dessa forma, os
defensores do oralismo consideram a língua de sinais um obstáculo para a
aquisição da língua oral. Pela abordagem oralista, deve haver uma estimulação
auditiva. Assim ensina Goldfeld (1997, p.34):
O Oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada pela estimulação auditiva. Essa estimulação possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver uma personalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo é fazer uma reabilitação da criança surda em direção à normalidade, à �não-surdez� (GOLDFELD, 1997, p.34).
8 Ao tentar criar um acessório para surdos ele inventou o telefone em 1876
25
Dessa forma, defende a concepção oralista que e o surdo deve comportar-se
como ouvinte, usando a voz com proficiência, praticando a leitura labial e
abandonando a linguagem gestual.
Os profissionais oralistas preocupam-se com a inferência das regras
gramaticais por parte dos surdos, que, por não receberem os mesmos estímulos que
os ouvinte, têm maior dificuldade de inferir essas regras e necessitam de mais
estímulos. Segundo Goldfeld (1997, p.35), �O trabalho de compreensão e de
oralização é direcionado no sentido de possibilitar à criança dominar
gradativamente as regras gramaticais e chegar a um bom domínio da língua
portuguesa.�.
Acontece que para viabilizar a aquisição da linguagem oral pelo surdo, a
concepção oralista rechaçou a língua de sinais, conforme demonstra Souza (2007,
p.33):
Apenas para lembrar um pouco desse passado, destaco que a insistência na oralidade e no domínio da língua oficial era tão grande e argumentada sempre de modo a desqualificar a língua de sinais, que era muito comum os surdos oralizados hostilizarem os oralizadores (e vice-versa) e estes últimos sentirem vergonha de usarem a língua de sinais. (SOUZA, SILVESTRE E ARANTES, 2007, p.33):
A oralização pressupõe que quanto mais oralizado for o surdo, mais estará
próximo de integrar-se à sociedade, que na sua maioria é composta por ouvintes. É
claro que esse pressuposto tem a sua lógica e suas contribuições; porém essa
filosofia esquece-se de que as pessoas surdas, para atenderem à necessidade de
comunicação, desenvolvem, de maneira natural, uma linguagem gestual, a qual é
desrespeitada pelo Oralismo, levando essas pessoas a uma perda de identidade
linguística e, consequentemente, social, uma vez que entende que os que não
ouvem são deficientes e que a língua de sinais serve aos fracassados que não
conseguiram adquirir a linguagem oral.
2.1.2 A Comunicação Total
A filosofia da Comunicação Total não abandona o oralismo, mas além da
linguagem oral cuida de outros aspectos relacionados como, cognitivos, emocionais
e sociais, uma vez que apenas o aprendizado da língua não dá conta do
desenvolvimento integral do indivíduo.
26
A Comunicação Total defende o uso de qualquer recurso linguístico que
facilite a comunicação e a expressão da pessoa surda, como por exemplo, a
LIBRAS, a datilologia (ANEXO E) e o português sinalizado entre outros, e recomenda
o uso simultâneo dos códigos manuais com a língua oral � esta forma de
comunicação é denominada Bimodalismo.
A Comunicação Total credita à família a função de repassar ao integrante
surdo seus valores éticos, políticos e sociais e por isso propõe que qualquer meio
que possibilite essa comunicação seja válido, independente, de se tratar de línguas
ou códigos. Essa filosofia entende que com a ajuda da família o surdo terá melhor
desenvolvimento geral, e não apenas linguístico, e por isso é de extrema
importância privilegiar os processos comunicativos familiares, aceitando vários
meios para alcançar o fim.
A crítica a essa concepção consiste no argumento que não temos capacidade
neurológica de processar duas línguas com estruturas diferentes e também que a
Comunicação Total não utiliza a língua de sinais de forma plena, nem valoriza o fato
de ser uma língua natural (Goldfeld, 1997, p.41).
Apesar disso, a Comunicação Total considera aspectos importantes do
desenvolvimento e valoriza as relações familiares e por isso ainda é adotada .
2.1.3 O Bilinguismo
A proposta de educação bilíngue aparece como uma tentativa de equilibrar a
educação dos surdos, que foi marcada por constantes fracassos, desde a imposição
do Oralismo9. O pressuposto do Bilinguismo é que o surdo tenha a língua de sinais
como língua materna e a língua oficial do país como segunda língua; dessa forma, a
pessoa surda poderia aceitar sua surdez, e não uma condição de ouvinte com
defeito10 .
Para Goldfeld (2002) o conceito mais importante que a filosofia bilíngue traz é
a de que os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua próprias. Nesse
sentido, a principal questão do Bilinguismo é entender o sujeito surdo, participante 9 Em 1880, o II Congresso Mundial de Surdos-Mudos, que aconteceu em Milão, Itália, definiu o Método Oral Puro como o mais indicado e essa determinação suprimiu a língua de sinais, o que derrogou as conquistas dos surdos e ratificou a segregação. 10 Expressão usada por Souza (2007)
27
de uma comunidade surda, sua língua, sua cultura, seus anseios, sua conduta, e
não apenas os aspectos biológicos da surdez.
Segundo Lima (2004), os primeiros argumentos que apontaram para o
Bilinguismo como a proposta educacional mais apropriada para a educação de
surdos foram inicialmente apresentados por Brito, no Brasil, em um artigo datado de
1986.
As línguas gestuais-visuais são a única modalidade de língua que permite aos surdos desenvolver plenamente seu potencial lingüístico e, portanto, seu potencial cognitivo, oferecendo-lhes, por isso mesmo, possibilidade de libertação do real concreto e de socialização que não apresentaria defasagem em relação àquela dos ouvintes. São o meio mais eficiente de integração social do surdo. (BRITO, 1986, p. 21 apud LIMA, 2004, p. 37).
A língua dos sinais é imprescindível ao surdo, mesmo que este, no início, esteja limitado à comunicação apenas com aqueles que manipulem bem esta língua ou que se iniciem no seu aprendizado. Posteriormente, em contacto com a língua oral, sua segunda língua, terá alcançado maior aptidão em todos os níveis (psicológico, cognitivo, social e lingüístico) para enfrentar a árdua tarefa de seu aprendizado. O surdo já terá tido a prática de socialização através dos sinais, suporte para o aprendizado da língua oral, vale dizer, terá já estabelecido uma comunicação gratificante. (BRITO, 1986, p. 19 apud LIMA, 2004, p. 37).
Uma discussão acerca do Bilinguismo abordada por Lima (2004) é a respeito
da aquisição da língua de sinais como língua materna. Levando-se em
consideração que muitos surdos são filhos de pais ouvintes e não dominam essa
língua, deve-se questionar a quem caberia passá-la à criança surda. Essa
preocupação já se encontrava expressa nas palavras de Brito que transcrevemos
acima, quando a autora diz que, no início, a comunicação do surdo estaria restrita
aos que usam a língua. Assim, é extremamente desejável que os pais de filhos
surdos tenham um conhecimento profundo da língua de sinais, o que não tem
acontecido, para transmiti-la a seu filho como língua materna.
Nesse sentido, realizamos esta investigação que apresenta nossa
preocupação em ensinar a língua de sinais na escola regular, que é,
potencialmente, um espaço no qual se aprendem a primeira e a segunda língua de
uma comunidade e que, no cenário descrito, pode acudir três situações: (i) surdos,
filhos de pais ouvintes, que após a concretização do processo, já teriam adquirido
conhecimentos de língua de sinais suficientes para ensiná-la ao filho surdo como
língua natural; (ii) surdos, filhos de pais surdos, os quais teriam um mínimo de
28
conhecimento da língua oral oficial e poderiam ajudar seus filhos na aquisição
dessa modalidade de linguagem; (iii) ouvintes, filhos de pais surdos ou ouvintes,
que, além de adquirir outra língua aproveitando todos os benefícios que o
aprendizado de uma segunda língua proporciona, contribuiriam de maneira
significativa para a inclusão dos surdos na sociedade.
O que os defensores do Bilinguismo esperam é que a criança surda adquira a
língua de sinais o mais precocemente possível, pois assim há um desenvolvimento
linguístico-social em tempo compatível ao desenvolvimento de uma criança ouvinte.
Após o desenvolvimento da competência linguística de uma forma mais natural, por
meio da língua de sinais, o surdo está mais apto a desenvolver a língua usada pela
comunidade ouvinte na qual o surdo está inserido. Nesse sentido, temos Lacerda
apud Lima:
Nesse modelo, o que se propõe é que sejam aprendidas duas línguas, a língua de sinais e, secundariamente, a língua do grupo ouvinte majoritário. Para que as interações possam fluir, a criança surda é exposta o mais cedo possível à língua de sinais, aprendendo a sinalizar tão rapidamente quanto as crianças ouvintes aprendem a falar. Ao sinalizar, a criança desenvolve sua capacidade e sua competência lingüística, numa língua que lhe servirá depois para aprender a língua falada, do grupo majoritário, como segunda, tornando-se bilíngüe, numa modalidade de bilingüismo sucessivo. (LACERDA, 2000, p. 73 apud LIMA, 2004, p. 46).
Para que a pessoa surda possa adquirir a língua de sinais precocemente, é
necessário que tenha o contato com usuários dessa modalidade o quanto antes, o
que resta inviabilizado, porque a maioria dos surdos convivem com ouvintes que
não conhecem a linguagem sinalizada e, portanto, não há como surdos e ouvintes
praticá-la em ambientes inclusivos, como a escola por exemplo.
Entendemos assim que, ao se ensinar a LIBRAS na escola regular,
continuamente, mesmo que a longo prazo, haverá uma preparação de ouvintes com
um mínimo de conhecimento, ou quiçá, proficientes em LIBRAS, e estar-se-á
preparando a sociedade para praticar um Bilinguismo real e não utópico, uma vez
que a sociedade ainda não está preparada para receber pessoas usuárias da língua
de sinais. Os ouvintes, que são a maioria, não conseguem comunicar-se com os
surdos porque não conhecem a língua de sinais e porque estes não dominam a
linguagem oral; não há o reconhecimento da língua sinalizada e não existem
intérpretes em lugares estratégicos para que ocorra um mínimo de inclusão.
29
Além disso, para que ocorra uma inclusão desejável do surdo que usa a
língua de sinais como primeira língua e a língua praticada pela comunidade ouvinte
como segunda língua � no caso do Brasil, a LIBRAS e a Língua Portuguesa � é
necessário que haja uma contrapartida, ou seja, a comunidade ouvinte deve usar
sua língua como primeira (L1) e língua de sinais como segunda (L2).
2.2 A Educação para Surdos no Brasil
Em 1857, o professor surdo francês Hernest Huet, a convite de D. Pedro II,
veio ao Brasil com o objetivo de trabalhar na educação de surdos e fundou, no dia
26 de setembro, a primeira escola para meninos surdos do Brasil, Imperial Instituto
de Surdos-Mudos, atualmente, Instituto Nacional de Educação de Surdos � INES �
que, inicialmente, por influência de seu fundador usava a língua de sinais11 e,
posteriormente, em razão das decisões do Congresso Mundial de Surdos-Mudos,
passou a adotar o Oralismo. Nessa ocasião, o INES era um asilo, que somente
aceitava surdos do sexo masculino. Destaca-se que eles vinham de todos os pontos
do país e muitos eram abandonados pelas famílias. Apenas em 1931, o Instituto
passou a receber mulheres.
Em 1896, o governo brasileiro enviou um professor do INES, A.J. de Moura e
Silva, ao Instituto Francês de Surdos, para avaliar o uso do Método Oral Puro e ele
concluiu que havia necessidade de mudanças, porém esse Método continuou sendo
usado por muito tempo. Esse período coincide com as proposições constitutivas do
método de ensino intuitivo, que é adotado na segunda metade do século XIX nas
escolas européias, americanas e brasileiras (VALDEMARIN, 2008), o que pode ter
influenciado o ensino para surdos, uma vez que o princípio fundamental sobre o
qual o método intuitivo se assenta e do qual decorrem as atividades de ensino é a
proposição de que a aprendizagem tem seu início nos sentidos, que operam sobre
os dados do mundo para conhecê-lo e transformá-lo pelo trabalho e que a
linguagem é a expressão desse conhecimento (VALDEMARIN, 2008).
Na segunda metade do século XIX e meados do século XX surgem as
primeiras escolas e associações de pais sob o enfoque médico e clínico. No Brasil
são criadas as Pestalozzes e as APAES.
11 Huet trouxe para o Brasil o alfabeto manual francês e a Língua Francesa de Sinais
30
No século XX, no Brasil, surgiram outras escolas destinadas à educação dos
surdos, das quais se destacam: o Instituto Santa Terezinha para Meninas Surdas
(SP), a Escola Concórdia (Porto Alegre - RS), a Escola de Surdos de Vitória, o
Centro de Audição e Linguagem �Ludovico Pavoni� - CEAL/LP - em Brasília-DF, o
Instituto Educacional São Paulo � IESP12 que também adotavam o Método Oral.
No final do século XX, com o aparecimento de novas correntes como a
Comunicação Total, que privilegia a comunicação por meio da utilização de todos
os recursos linguísticos, e não apenas a oralidade, e, recentemente, o Bilinguismo,
pelo qual o surdo adota a língua de sinais como materna e a língua de seu país
como segunda língua; privilegiou-se a linguagem de sinais.
Atualmente, em acordo com as políticas públicas brasileiras, entende-se
possível a inclusão dos surdos na escola regular, principalmente quando a LIBRAS
passar a ser ensinada nas escolas regulares como segunda língua, o que foi
viabilizado pela Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002 :
Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
E pelo Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (ANEXO C):
Art. 3o A LIBRAS deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.
Art. 4o A formação de docentes para o ensino de LIBRAS nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: LIBRAS ou em Letras: LIBRAS/Língua Portuguesa como segunda língua.
Art. 5o A formação de docentes para o ensino de LIBRAS na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que LIBRAS e Língua
12 Foi doado para a PUC/SP
31
Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe.
Dessa forma, conforme determina a legislação, os professores formados sob
a aplicação e a fiscalização dos referidos preceitos legais terão conhecimentos
sobre LIBRAS e poderão repassá-los a seus alunos, para, em um futuro próximo,
receberem, em suas classes, alunos surdos, proporcionando-lhes inclusão
educacional e social. É fato, porém, que muitos profissionais mostram-se
preocupados e outros indignados com esse novo desafio.
No Brasil, ainda são usadas as três filosofias educacionais para surdos,
Oralismo, Comunicação To
tal e Bilinguismo. As discussões e estudos recentes focam o Bilinguismo, e a
LIBRAS tem sido divulgada e até solicitada por estudantes surdos, que desejam que
suas aulas sejam ministradas na língua de sinais, mas essa conquista ainda não foi
possível à maioria das escolas regulares, as quais, às vezes, contam com um
intérprete.
A filosofia bilíngue de educação para surdos pressupõe um biculturalismo
(GOLDFELD,2002):
O bilinguismo e o biculturalismo nem sempre ocorrem simultaneamente no mesmo indivíduo. Por exemplo, filhos ou netos de imigrantes que não aprendem a língua de seus pais ou avós, mas que convivem com a cultura deles em casa, clubes ou igrejas, podem ser considerados biculturais. Por outro lado, pessoas que aprendem uma língua estrangeira em cursos podem ser bilíngues e não biculturais, se não conviverem e internalizarem a cultura da comunidade que utiliza essa língua. É o caso de brasileiros que fazem cursinhos de inglês ou francês, mas não convivem com a cultura americana, inglesa ou francesa. (GOLDFELD, 2002, p.110)
No caso dos surdos, eles possuem características culturais próprias da
comunidade surda, e ao participarem de uma comunidade ouvinte, ficam expostos à
cultura desta, ou seja, o surdo que conviver com essas duas culturas, certamente,
será um indivíduo bicultural; infelizmente, os professores e colegas desse indivíduo
surdo, matriculado em escola regular, não acompanharão e não corresponderão a
esse biculturalismo e sequer ao bilinguismo do surdo caso não tenham condições
de aprendizagem da LIBRAS. Isso pode resultar em desprezo à língua e à cultura
do surdo, o que pode ser extremamente doloroso, além de acarretar graves
consequências. Assim, entendemos que se faz urgente o ensino da LIBRAS na
escola regular, a fim de possibilitar a inclusão do surdo na comunidade ouvinte e
32
colocar o ouvinte a par da linguagem e da cultura da comunidade surda, para que
haja por parte da comunidade majoritária o entendimento e aceitação da
comunidade minoritária, o que, certamente, possibilitará a esta uma inclusão
educacional, profissional e social mais justa.
2.3 A Educação para Surdos em Uberaba-MG: Escola para Surdos �Dulce de
Oliveira�
Atualmente, as investigações acerca da história da educação das pessoas
com NEE auditivas vêm merecendo maior relevância por parte dos pesquisadores
da história da educação, uma vez que, fazendo parte da história, não deve ser
esquecida. Faz parte dessa trajetória, a Escola para Surdos �Dulce de Oliveira�,
em Uberaba-MG, cidade onde se realizou esta pesquisa; trata-se de uma escola
especializada, com a qual pretendemos formalizar parceria, a fim de incluir os
alunos surdos no ensino médio e técnico do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Triângulo Mineiro � campus Uberaba.
Localizada na Rua Espir Nicolau Bichuete, no. 230 , bairro São Benedito, em
Uberaba-MG, a Escola para Surdos �Dulce de Oliveira� é uma instituição sem fins
lucrativos, que funciona com voluntários e professores cedidos pela Secretaria de
Estado da Educação de Minas Gerais e pela Secretaria Municipal de Educação e
Cultura de Uberaba- MG, por meio de convênio firmado com a mantenedora,
Associação �Dulce de Oliveira� de Assistência aos Surdos de Uberaba, que foi
fundada em três de setembro de 1967 por rotarianos.
Figura 1: Sra. Dulce de Oliveira Fundadora da Escola para surdos �Dulce de Oliveira�
33
Inicialmente, a senhora Dulce de Oliveira mantinha um espaço educacional
para ensinar seus sobrinhos surdos; aproximadamente seis. Em 15 de janeiro de
1956, auxiliada por pessoas da sociedade, ela criou a Escola para Surdos �Dulce de
Oliveira�, que seguiu as orientações ditadas pelo Congresso Mundial de
Professores Surdos, ocorrido em Milão-Itália, no ano de 1880. O Congresso
concluiu que os surdos deveriam ser ensinados pelo Método Oral Puro, sendo
proibida a utilização da língua de sinais. O processo de ensino-aprendizagem
passou à subordinação do aprendizado da língua oral � o Oralismo �, que era
dominante em muitas escolas e setores da sociedade e que levou para as salas de
aula um modelo de educação opressor, o qual visava a reabilitação do �deficiente�,
utilizando-se para esse fim a carga horária que deveria servir ao desenvolvimento
do currículo previsto. O resultado foi o fracasso, tanto no desenvolvimento da
habilidade da fala oral, quanto nos desenvolvimentos linguístico, emocional,
acadêmico e social.
Com o surgimento da Comunicação Total, que tem como premissa básica o
uso dos sinais colocados na estrutura da língua � língua sinalizada, o destaque
passou a ser a comunicação e não mais o uso da linguagem oral. A concepção
bilíngue emerge, rompe o paradigma clínico terapêutico e assume a língua de sinais
como primeira língua e a língua portuguesa como segunda língua da comunidade
surda.
Figura 2: Escola para Surdos �Dulce de Oliveira�
34
A Escola para Surdos �Dulce de Oliveira� tem por fim promover a
escolarização a partir da Educação Infantil até o Ensino Fundamental, com proposta
pedagógica de educação bilíngue aos educandos surdos, sendo obrigatório o
ensino de LIBRAS.
A população atendida é composta por alunos surdos ou com graves perdas
auditivas, vindos de famílias de diferentes frações de classes da sociedade, filhos
de pais ouvintes e moradores de Uberaba e região.
Atualmente, a Escola funciona nos turnos matutino, vespertino e há alunos
em período integral. Oferece desde a Educação Infantil até o 8º ano do Ensino
Fundamental, num total de 105 alunos. Conta com 19 professores e sete
funcionários.
35
3. AUDIÇÃO: CONHECER O APARELHO AUDITIVO PARA ENTENDER COMO OCORRE A SURDEZ
O homem é capaz de distinguir uma grande variedade de sons graças a um
aparelhamento eficaz, que em nosso estudo foi dividido em três partes: orelha
externa, orelha média e orelha interna. A captação do som é uma sequência de
transformações de energias distintas, começando pela sonora (do emitente),
passando pela mecânica e, finalmente, se transformando em impulsos elétricos ao
nosso cérebro. A audição é tão importante que é o único de nossos sentidos que
fica ativo 24 horas por dia.
3.1 Audição e Comunicação
Para entender a importância da audição é necessário atentar para a
interação que esse sentido nos proporciona em relação ao ambiente. Audição não é
só a percepção de sons, mas é também um dos sentidos responsáveis pela nossa
localização espacial, recebendo estímulos o tempo todo do ambiente que nos cerca.
Considerando-se que a vida em sociedade depende, principalmente, da
capacidade de interação entre as pessoas, o que se dá, essencialmente, pela
linguagem e que, em um contexto de comunicação, os interlocutores envolvidos
assumem posturas sociais e tendem a expressar-se de acordo com essas posturas,
conseguimos atribuir à audição uma função fundamental para a vida em sociedade,
a comunicação.
A falta da audição, em seus diversos graus, traz prejuízos importantes para o
desenvolvimento do indivíduo e, um dos mais relevantes desses prejuízos é a
dificuldade de comunicação.
3.2 Funcionamento do sistema auditivo
O aparelho auditivo humano é composto de partes móveis e fixas que
colaboram para que o som possa ser reconhecido pelo cérebro que promove a sua
decodificação. O som inicialmente emitido chega à orelha externa, atualmente
chamada de pavilhão auditivo que tem uma série de dobraduras (pregas)
favorecendo a captação dessas ondas sonoras. No homem essa orelha tem
movimentos bastante limitados ao contrário de alguns animais.
36
O órgão responsável pela nossa audição é a orelha (denominado ouvido em
várias publicações), também chamada órgão vestíbulo-coclear ou estato-acústico.
A maior parte da orelha fica no osso temporal, que se localiza na caixa craniana,
de ambos os lados da cabeça, o que possibilita a captação de sons em uma maior
gama de direções. Além da função de ouvir, o ouvido também é responsável pelo
equilíbrio, através de órgãos internos que dão ao cérebro informações de
localização do corpo no espaço. A orelha está dividida em três partes: orelhas
externa, média e interna (também denominadas ouvido externo, ouvido médio e
ouvido interno).
Para que um bom funcionamento do sistema auditivo ocorra, naturalmente é
necessário um bom funcionamento dos órgãos que o compõem, e, para melhor
compreensão, ilustramos o seu funcionamento básico.
Figura 3: Funcionamento básico do ouvido Fonte: Campanha nacional de saúde auditiva: sobre a audição
3.2.1 Orelha externa (ou ouvido externo)
A orelha externa, antigamente chamada de ouvido externo é composta de um
tecido cartilaginoso (o pavilhão auricular) e de um canal auditivo. O pavilhão
auricular coleta as vibrações sonoras do ambiente e serve para canalizar tais
vibrações para o canal auditivo e também é importante para determinar a origem e
direção do som.
37
Além da cartilagem, a orelha externa é coberta de pele e contém cílios e
glândulas que secretam uma substância (cerúmem) responsável pela proteção do
canal auditivo impedindo a entrada de corpos estranhos. A orelha externa limita-se
com a orelha média pela membrana timpânica.
Figura 4: Orelha externa Fonte: Campanha nacional de saúde auditiva: sobre a audição
3.2.2 Orelha média (ou ouvido médio)
Começa na membrana timpânica, como mencionado, ao final do canal
auditivo, consistindo, em quase sua totalidade, de um espaço aéreo chamado de
cavidade timpânica, localizada no osso temporal. Dentro da orelha média, estão os
três ossículos denominados martelo, bigorna e estribo (suspensos na orelha por
meio de ligamentos), cujas funções são ligadas aos seus nomes. A membrana
timpânica, sensível às vibrações captadas e transmitidas pela orelha externa, move-
-se para trás e para frente, causando a movimentação desses três ossículos.
O cabo do martelo está encostado no tímpano, o estribo, por sua vez apóia-
--se na janela oval (um dos orifícios dotados de membrana da orelha interna e que
estabelece comunicação com a orelha média). A vibração que o osso do martelo,
causa na bigorna é transmitida pelo estribo à orelha interna.
O outro orifício da orelha média é a janela redonda. A orelha média
comunica-se também com a faringe, por meio da tuba auditiva (antigamente
denominada trompa de Eustáquio). Esse canal é responsável pela manutenção da
estabilidade de pressão do ar dos dois lados do tímpano. Se essas pressões
sofrerem diferença brusca não conseguimos ouvir bem até que o equilíbrio seja
38
novamente restabelecido. Por isso, ocorre um desconforto quando mudamos de
altitude e sentimos a diferença na pressão atmosférica.
Figura 5: Orelha média Fonte: Campanha nacional de saúde auditiva: sobre a audição
O mau funcionamento da orelha média prejudica a condução das vibrações
sonoras para a orelha interna, podendo ser uma das causas da surdez conhecida
como surdez de condução, como as obstruções do canal auditivo (o
tamponamento por cerúmen, por exemplo).
3.2.3 Orelha interna (ou ouvido interno)
Também chamada de labirinto, a orelha interna é formada por escavações
circulares no osso temporal, revestidas por membranas e preenchidas por líquido.
Apresenta na parte anterior a cóclea ou caracol (responsável pela audição) e uma
parte posterior relacionada com o equilíbrio, que é formada pelo vestíbulo e canais
semicirculares.
Tem ligação com o sistema nervoso através do nervo acústico, o qual leva os
impulsos da cóclea para o núcleo coclear e para outra via cerebral, que terminará
no córtex cerebral auditivo.
39
Importante lembrar que existe uma divisão das fibras nervosas do núcleo
coclear para cada um dos hemisférios do cérebro, sendo que ambos os hemisférios
recebem informações das duas orelhas (tanto esquerda, quanto direita).
Figura 6: Orelha interna Fonte: Campanha nacional de saúde auditiva: sobre a audição
3.3 Características do ouvido humano
O ouvido humano é capaz de ouvir variações de som em torno de 15Hz até
20.000Hz, sendo que a maior definição é entre 200Hz e 4.000Hz. Uma pessoa com
capacidade auditiva normal percebe sons por volta dos -15dB (decibéis), enquanto
pessoas com perda auditiva bilateral só percebem sons com amplitudes em torno de
140 dB, o que representa o som de um avião a alguns metros (Hcanc, 2005).
Para fins de exemplificação, um sussurro ou murmúrio tem intensidade
próxima de 30 dB, uma conversação normal se situa entre 45 a 50 dB. Sons acima
de 90 dB podem causar desconforto e acima de 120 dB podem causar a perda
temporária da audição ou, se mantida a exposição em tempo maior, podem levar
inclusive à perda permanente, conhecida como trauma sonoro.
3.4 Diversos graus de perda auditiva
A perda auditiva não ocorre de forma linear e se manifesta em diversos
graus, podendo acontecer em diversos níveis e por diversos meios. São quatro os
principais tipos de perda auditiva: de condução, neurossensorial, mista e central.
40
A perda auditiva de condução acontece quando ocorre a perda de
sensibilidade em relação aos sons decorrentes de alterações no ouvido externo,
como defeitos físicos por acidente ou congênitos; ou no ouvido médio, por doenças,
problemas congênitos ou acidentes.
São causas importantes de surdez de condução:
- Obstrução do canal auditivo por acúmulo de cera ou por objetos
indevidamente introduzidos no canal auditivo;
- Perfuração da membrana timpânica por traumas ocasionados por
acidentes diversos ou por doenças - infecções de diversos tipos;
- Infecções do ouvido externo ou médio, principalmente pelo acúmulo de
líquidos ou feridas no ouvido externo e médio;
- Deformidades físicas (anatômicas) congênitas ou por acidentes -
queimaduras, na maioria das vezes.
A perda auditiva neurossensorial ocorre quando há uma lesão das células
ciliadas da cóclea ou do nervo auditivo, sendo que, na maioria das vezes, essa
perda pode ser resolvida pela utilização de aparelhos. É o tipo mais comum de
perda auditiva, representando aproximadamente 90% das perdas auditivas.
Ocorrem, normalmente, pelas seguintes situações:
Exposição continuada ou repetitiva a ruídos de intensidade não
suportáveis pelo ouvido humano (trauma sonoro). Podem ocorrer após a
exposição a um som de altíssima intensidade em período curto ou
exposição a um som de intensidade alta durante um período maior;
Infecções de várias espécies;
Medicamentos e drogas que possam lesionar as estruturas
neurossensoriais;
A perda da audição pode decorrer também da idade, sendo ela gradual e
bilateral, ocorrendo quase que habitualmente nos idosos. Essa deficiência
abrange cerca de 30% das pessoas acima de 65 anos e 50% das pessoas
acima dos 75 anos e resulta de vulnerabilidade genética, doenças,
distúrbios metabólicos,como diabetes, conjuntamente ou não com a
exposição a ruídos;
41
Surdez congênita;
Variações de pressão no líquido do ouvido interno;
Tumores benignos ou malignos na área do ouvido interno.
A perda auditiva mista é a combinação de fatores diversos que podem
ocasionar a perda da capacidade auditiva. Pode ocorrer da lesão de um órgão
sensorial e posteriormente do nervo auditivo.
A perda auditiva central é aquela que ocorre por problemas na via nervosa
que leva os impulsos transformados no ouvido médio e interno. Manifesta-se por
diferentes dificuldades na compreensão das informações sonoras por conta de
alterações nos mecanismos de processamento da informação sonora no tronco
cerebral auditivo, que é parte do sistema nervoso central.
A Sociedade Brasileira de Otologia, em seu site, conceitua a deficiência
auditiva em uma Campanha da Saúde Auditiva:
Deficiência auditiva é a redução ou perda total da audição, provocada geralmente por traumas mecânicos (acidentes de trânsito, perfuração por objetos enfiados dentro do ouvido, etc), pela exposição a barulho excessivo e por doenças congênitas ou adquiridas. Na maioria dos casos a perda auditiva é gradual e indolor, muitas vezes desenvolvendo-se tão lentamente que quase não se nota.
A reflexão acerca das diversas causas de ocorrência da surdez e dos seus
diversos graus proporciona aos educadores uma noção das dificuldades
encontradas pela pessoa com NEE durante o processo de inclusão na escola
regular. Até mesmo o uso de aparelhos para a correção de deficiências auditivas,
que são detectadas muitas vezes apenas no início da vida escolar, deve ser
permeado de paciência por professores e envolvidos no processo de aprendizagem.
Os aparelhos amplificam os sons e, aquele que os usa, deverá também aprender a
usar a audição, filtrando os sons amplificados, a fim de que não atrapalhem a
concentração e também a aprendizagem.
42
4. UMA ALUNA SURDA NO CURSO TÉCNICO DE CLASSE
REGULAR
Ano de 2009, primeiro dia de aula da disciplina Português Instrumental, no
Curso Técnico em Nutrição e Dietética no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Triângulo Mineiro- Campus Uberaba , deparei-me com um grande
desafio: a presença de uma aluna surda na classe. Como professora de língua
portuguesa, portanto conhecedora da importância da comunicação, e aluna do
Curso de Especialização em Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva, senti
que eu tinha grande responsabilidade pela inclusão daquela aluna e pela
construção e desenvolvimento de idéias inclusivas nos alunos daquela classe.
Nos primeiros dias de aula, a comunicação foi difícil, e foi inevitável que
surgissem dúvidas e angústias. Comunicava-me com minha aluna surda - que usa a
linguagem de sinais, que eu não conhecia - escrevendo em seu caderno e cuidava
de explicar o conteúdo pausadamente e sempre olhando para ela, com a esperança
de que pudesse ler meus lábios; mas eu sabia que esses cuidados estavam longe
de ser suficientes. Passados alguns dias, para a tranquilidade de todos os
professores, a Escola contratou uma intérprete, o que aliviou minha alma, pesada
de tanta culpa. Enfim, a aluna surda poderia pelo menos compreender o conteúdo;
mas a comunicação com ela ainda era muito precária e ela interagia muito pouco
comigo e com os colegas da classe, restringindo-se a interagir com a intérprete e
comunicar-se por meio dela. Então, vencido o impacto da novidade e após alguns
dias de reflexão, ocorreu-me a idéia de que aprendendo LIBRAS poderíamos
viabilizar a comunicação e, consequentemente, a interação entre todos os
envolvidos no processo, o que, sem dúvida, promoveria a inclusão.
Dessa forma, propus à minha aluna e à intérprete que, durante nossas aulas
semanais, reservássemos vinte minutos para que elas nos ensinassem LIBRAS. E
assim foi feito. As alunas ouvintes mostraram-se extremamente motivadas com o
novo aprendizado e, a cada aula, cobravam o tempo acordado para o aprendizado
da LIBRAS, dispondo-se, inclusive, a participar de eventos usando a nova língua, o
que repercutiu de maneira muito positiva na comunidade escolar.
43
Para saber se essa experiência foi positiva ou negativa para a aluna surda,
foi realizada uma entrevista, previamente autorizada por ela (ANEXO A). A fim de
diagnosticar o que um profissional da língua de sinais pensa a respeito do ensino
de LIBRAS na escola regular, também realizamos entrevista com a intérprete que
acompanha a aluna nas aulas e que nos ajudou nesta investigação. Além disso,
para levantarmos dados em relação à experiência vivenciada pelos alunos ouvintes,
aplicamos um questionário.
4.1 A entrevista com a aluna
No dia 24 de agosto de 2009, entrevistamos uma aluna com necessidades
educacionais auditivas do Curso Técnico em Nutrição do Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro � campus Uberaba. A
tradução foi realizada pela intérprete do Instituto.
A aluna esclareceu que nasceu surda e que seus pais são ouvintes,
acrescentou ainda que há dois primos surdos na família. Ela disse que não estudou
em escolas especializadas e que aprendeu LIBRAS em uma Associação na cidade
de Patos de Minas � Minas Gerais. Disse ainda que quando tinha quatro anos
frequentou uma clínica de fonoaudiologia por alguns meses, mas que não continuou
o tratamento. Além disso, chegou a usar aparelho para auxiliar a audição, mas não
se adaptou e desistiu de usá-lo; lamentando, ela disse que se arrepende por não ter
insistido no uso do aparelho.
Transcrevemos algumas partes da entrevista as quais nos auxiliam a
exemplificar e, recorrendo aos teóricos, a fundamentar este trabalho.
Quais as principais dificuldades encontradas na escola regular? No começo, as professoras tentavam me ensinar, mas eu não conseguia entender nada. Depois, fui desenvolvendo um pouquinho, mas tinha muitas palavras difíceis. Alguns colegas me ajudaram também. Eu tentava fazer leitura labial e copiava. Você sabe fazer leitura labial? A professora de português falava mais próximo de mim, mas os outros professores eu não entendia nada. Era muito ruim. Até de português eu não sabia nada. Os professores tentavam me ajudar nas provas também. A leitura labial eu não consigo pegar muito, tem que ficar muito próximo.
Por meio dessas duas respostas, entendemos que nossa entrevistada
frequentou escolas adeptas ao Oralismo; a aluna, por mais que se esforçasse, não
44
conseguia acompanhar o processo de aprendizagem de seus colegas e sentia-se
mal por isso. Ela estava em um ambiente de comunicação mínima e, apesar do
empenho, inclusive de colegas e professores, não havia aprendizagem, apenas
cópias. O que nos leva a compreender que essa aluna passou pela escola,
conseguiu integrar-se, mas não estava incluída na escola; não internalizou
conhecimentos e aprendeu minimamente, o que a coloca em desvantagem em uma
situação de competição.
Nesse sentido, ensina Quadros (1997, p.23) que �Nas escolas brasileiras, é
comum terem surdos com muitos anos de vida escolar nas séries iniciais sem uma
produção escrita compatível com a série. Além disso, há defasagens nas demais
áreas previstas para as séries, considerando-se o currículo escolar (defasagens em
termos de conteúdos escolares).�. No caso dessa investigação, a falta da linguagem
aparece como um entrave à aprendizagem da aluna e constata-se a defasagem
citada por Quadros, pois, havia o esforço de todos os envolvidos, mas a falta da
comunicação, advinda da falta da linguagem, impediu a concretização do
aprendizado. Nesse sentido temos Guimarães (1995, p. 67):
Sabe-se que a escolaridade é bastante fácil para muitas crianças, e por outro lado, extremamente dificultosa para outras. A falta de comunicação oral prejudica toda a formação da linguagem, pensamento, entre outros aspectos, da pessoa surda. A falta da linguagem oral ou a sua deficiência restringe a formação de um bom vocabulário, o que limita a compreensão de mensagens, a estruturação de um texto ou idéia, a elaboração de histórias, etc. Esta dificuldade pode interferir no processo da aprendizagem escolar e ser o motivo de reprovação e não aceitação pelo grupo. (GUIMARÃES, 1995, p. 67)
A aluna, sem dúvida, perdeu muito pela falta da aquisição de uma linguagem;
entretanto, não precisaria, necessariamente, ser uma linguagem oral, desde que
houvesse, naquelas classes, pessoas com um mínimo de conhecimento da
linguagem de sinais ou um intérprete desta linguagem, o que viabilizaria a
comunicação entre a aluna e os professores e colegas.
Como nossa entrevistada frequentou seus primeiros anos escolares em
escolas oralistas e seu contato com a LIBRAS aconteceu após esse período,
entende-se pertinente a este caso a afirmação da autora. Porém, para os surdos em
geral, a assertiva seria mais válida se fossem substituídas as expressões
Comunicação oral e Linguagem oral por Comunicação e Linguagem.
45
Quando e onde você aprendeu LIBRAS? Minha mãe me falou sobre uma Associação em Patos de Minas, disse para eu ir. Eu falei: só eu? Eu tenho vergonha. Minha mãe disse, lá tem muito povo. Minha vizinha disse: lá tem muitas coisas. Eu estava mais ou menos com doze anos. Minha colega me chamou e aí eu fui. Primeiro, fui aprendendo o alfabeto. No começo, era muito rápido, eu perguntava muito dos sinais. Aí, eu fui aprendendo. Um amigo me emprestou um livro também e eu acostumei, aprendi. Antes, eu sempre convivi em escola oralista e nunca tive intérprete. Aí eu prestei a prova no IFET e passei. É a primeira vez que eu tenho intérprete, eu nunca tive. Você gosta de ter intérprete? Gosto. Muito bom. Como você foi recebida aqui no IF-Triângulo? Eu cheguei, e falaram a sala 36. Aí eu fui. Eu não conversei com ninguém. Aí a professora chegou, perguntou o nome de todo mundo; aí eu falei: eu sou surda. Eu fiquei com vergonha, não quis falar nada. Depois eu acostumei um pouco. Aí eu pensei: como eu vou comunicar com a professora? Escrever... eu não gosto muito. Aí eu falei que precisava de um intérprete. Aí, eu consegui um intérprete. Aí melhorou bastante. Eu não conseguia muita coisa, só coisa simples. Depois, com o intérprete, melhorou bastante. Eu tenho contato com as pessoas. Antes, eu sofri muito. Eu me sentia discriminada. Agora melhorou muito mesmo. Aqui no Instituto você foi discriminada? Não. As pessoas comunicam comigo. Têm contato, brincam comigo. Muito bom. A gente sempre está bastante unida. Muito bom. Em outras escolas você foi discriminada? Fui. Eu ficava muito sozinha.
As respostas remetem-nos ao preconceito. Tanto pela condição de surdez, quanto a que alguns surdos têm em aprender a língua de sinais. Aqui, buscamos Souza:
Apenas para lembrar um pouco desse passado, destaco que a insistência na oralidade e no domínio da língua oficial era tão grande e argumentada sempre de modo a desqualificar a língua de sinais, que era muito comum os surdos oralizados hostilizarem os sinalizadores (e vice-versa) e estes últimos sentirem vergonha de usarem a língua de sinais. (SOUZA, 2007, p.33)
A aluna, mesmo com o apoio da mãe, sentia vergonha de procurar uma
língua de surdos, o que, provavelmente, herdou das escolas oralistas onde havia
estudado.
As respostas levam-nos também a compreender a importância da família na
vida escolar do filho, já que é a família quem decide em qual escola ele vai estudar.
Ao fazer essa escolha, certamente, a família do surdo está desenhando seu futuro.
46
Nossa entrevistada, nesse momento de sua vida, teve, por meio de sua
família, seu destino transformado ao aprender a língua de sinais. Ela não apenas
adquiriu uma linguagem, da qual estava privada, mas também começou a socializar-
se com a comunidade surda, sem perder o que já havia adquirido da comunidade
ouvinte.
Resta explícita também a satisfação da aluna ao poder contar com uma
intérprete e, finalmente, fazer parte da escola, compreendendo os conteúdos e
interagindo com alunos e professores. A reação dessa aluna demonstra a
importância do cumprimento da lei por todas as instituições de ensino e por outros
seguimentos de atendimento ao público. Assim determina o Decreto no.5.626 de
dezembro de 2005:
Art.23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de LIBRAS-Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação. Parágrafo 2º. As instituições privadas e as públicas do sistema de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
Espera-se que quando houver maior divulgação da legislação que trata dos
direitos dos surdos para a comunidade surda, os surdos procurem a escola regular
com mais frequência e, por meio da aplicação e fiscalização da lei, possamos
alcançar a inclusão.
Você ouve alguma coisa? Um pouquinho. Muito pouco. Eu tenho dois aparelhos; eu não consigo me adaptar. Agora eu já cresci e é mais complicado e eu também não gosto muito.
Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, houve grande avanço na
criação e melhoramento de aparelhos para amenizar os efeitos da surdez. Porém, o
processo de adaptação é difícil e muitos surdos ainda desistem do uso do aparelho,
como aconteceu com a nossa entrevistada. Gil ensina que os benefícios advindos
do uso do aparelho auditivo não são percebidos de imediato; é necessário um
período de aprendizagem e de adequação auditiva que, às vezes, desanima a
criança e seus familiares.
47
O acesso aos aparelhos otimizados depende de vários fatores, desde o
econômico-social até as características histórico-culturais das famílias que têm
filhos surdos. Por isso a questão dos aparelhos ainda merece muita atenção.
Silvestre (2007, p. 52) apresenta perspectivas otimistas em relação às novas
tecnologias aplicadas nos aparelhos para surdez:
As novas tecnologias para a amplificação acústica, sobretudo implantes cocleares, para as crianças com surdez profunda, e aparelhos auditivos digitais, para menores graus de perda auditiva, junto com a atenção a tempo, permitem que a grande maioria da população surda de pouca idade (aproximadamente até os 8 anos, na Espanha) possa alcançar níveis de aquisição da linguagem oral e escrita muito próximos do normal. (SILVESTRE, 2007, p. 52)
Infelizmente, essa realidade descrita pela autora ainda está longe de muitas
crianças brasileiras; além disso, muitos surdos que compõem nossa sociedade,
como é o caso da entrevistada, não puderam aproveitar a tempo os avanços da
tecnologia.
A experiência de ensinar LIBRAS para suas colegas foi importante? Foi importante, porque, futuramente, se elas forem trabalhar com surdos também, se alguns ouvintes já souberem, fica mais fácil para comunicar, entrar em contato. Você gostaria que suas colegas continuassem tendo os momentos de aprendizagem de LIBRAS? As pessoas sempre me pedem. Perguntam algum sinal. Acho importante. Como você se sentiu quando estava ensinando LIBRAS para as colegas? Foi a primeira vez, eu nunca ensinei, nunca dei uma palestra. Eu senti frio, fiquei com vergonha, mas foi muito bom. Você pensa que é importante as pessoas ouvintes aprenderem LIBRAS? É muito bom para comunicar com o surdo. Por exemplo, bancos, lojas, todos os lugares, às vezes as pessoas não compreendem nada. E na escola, em especial, é importante o ensino de LIBRAS? Sim. Principalmente para as crianças, porque os adultos esquecem um pouco. As crianças sempre perguntam os sinais, então é muito importante. A comunicação entre você e suas colegas melhorou depois das aulas de noções de LIBRAS? Melhorou. Eu já consigo comunicar com algumas colegas. Mas umas têm que treinar mais um pouco porque algumas coisas eu não consigo compreender.
48
Essas perguntas, assim como as respostas, remetem-nos ao Bilinguismo, ou
seja, ao uso da LIBRAS como primeira língua e da Língua Portuguesa como
segunda língua pelo surdo. Acontece que, como o nome da investigação diz,
tentamos, por meio deste trabalho, um Bilinguismo às avessas; passamos noções
da LIBRAS aos alunos ouvintes com a finalidade de facilitar a comunicação com a
aluna surda.
Partimos do pressuposto que, ao ensinarmos a LIBRAS para os ouvintes,
conseguiríamos um índice quantitativo de aprendizagem maior, já que tínhamos
mais alunos ouvintes do que surdos na sala. Além disso, estudos linguísticos
indicam que o processo de aquisição da segunda língua é mais fácil e mais
garantido quando já se tem o domínio da primeira língua e quando a linguagem foi
elemento do desenvolvimento cognitivo da pessoa, o que, certamente, aconteceu
com todos os alunos ouvintes daquela classe, é o que nos ensina Fernandes
(1995):
É fato que a linguagem e processos cognitivos são fenômenos que têm seu desenvolvimento de forma independente nos primeiros meses de vida e se manifestam, portanto, com autonomia. Num determinado momento, no entanto, as curvas da evolução de pensamento e da linguagem se encontram e passam a exercer uma relação de mútua dependência, digamos, uma interdependência. Essa união provoca o início de uma nova forma de comportamento. (FERNANDES, 1995, p. 55)
Acompanhando as conclusões dos linguistas a respeito da relação
estabelecida entre a aquisição da linguagem e desenvolvimento cognitivo,
entendemos que para que ocorresse a facilitação da comunicação, em um período
de tempo limitado, como é o de duração de um curso técnico, melhor seria
desenvolver o bilinguismo nos alunos que tivessem adquirido a linguagem em um
período no qual essa aquisição tenha contribuído para o desenvolvimento cognitivo.
As respostas aqui obtidas levam-nos a um diagnóstico positivo a respeito do
ensino de LIBRAS na escola regular. De acordo com a entrevistada, após a
experiência, houve melhora tanto na comunicação, quanto na interação, e a aluna,
que é surda, e, portanto, competente para apreciar a experiência, relata a favor do
ensino de LIBRAS na escola regular como meio eficaz de promoção da inclusão do
aluno surdo na escola regular.
49
É preciso lembrar também que esses alunos ouvintes compõem uma
sociedade e que, em breve, estarão atuando em �bancos, lojas, todos os lugares�, e
o fato de aprenderem a língua de sinais, seguramente, contribuirá para a inclusão
social do surdo.
E o mercado de trabalho, você pensa que a surdez vai atrapalhar conseguir um trabalho? Como você pensa resolver isso? Trabalhar é muito difícil. Eu não consigo comunicar. As pessoas não entendem os sinais. Eu tento, mas não consigo. Então, seria importante as pessoas da sociedade conhecerem a LIBRAS? Muito importante. Você já conseguiu emprego? Já trabalhou em algum lugar? Eu já trabalhei como costureira. Quando eu vim para Uberaba eu trabalhei nas....( a aluna disse o nome da loja), mas eu não gostei muito. Fiquei um mês, dois meses. Aí eu saí. Você saiu por que foi discriminada? Não. Eu tentava explicar, mas às vezes eu trocava as etiquetas. As pessoas não conseguiam falar comigo. Eu falava para o chefe, eu escrevia para ele. As pessoas me perguntavam os sinais, queriam aprender. Eu estava no trabalho então eu dizia para elas procurarem a Associação, porque eu não sou instrutora e eu não podia ensinar lá.
A despeito da falta de audição, o surdo pode executar diversas atividades
que possibilitam sua inserção no mercado de trabalho. No entanto, conforme consta
das respostas da entrevistada, essa inserção ainda esbarra na dificuldade de
comunicação entre ouvintes e surdos, o que reforça nosso entendimento de que
ensinar a língua de sinais para ouvintes facilitará sobremaneira a inclusão das
pessoas com necessidades especiais auditivas. Além disso, esse aprendizado
colaborará para o enfrentamento ao preconceito, o qual dificulta o reconhecimento
das potencialidades do surdo, destinando-o, muitas vezes, a atividades menos
intelectuais, e de menor prestígio. Assim encontra-se explicitado na página
eletrônica do INES:
O surdo adulto ainda encontra dificuldades em ser aceito no mercado de trabalho, uma vez que suas reais potencialidades ainda não são reconhecidas pela classe empresarial por falta de informações e pelo preconceito relativo aos portadores de necessidades especiais em geral. (INES, 2009)
50
A dificuldade do surdo em conseguir e se manter no emprego deve-se, ainda,
aos empecilhos encontrados na escolarização da pessoa com NEE auditiva, como
as defasagens escolares do surdo adulto, por isso, entendemos que é de grande
importância a presença de surdos nos cursos técnicos e tecnológicos. Porém, a
simples presença do surdo na escola não garantirá que ele possa competir por
vagas no mercado de trabalho; para isso, deve acontecer nas escolas a viabilização
da aprendizagem do surdo.
4.2 A entrevista com a intérprete
Após a entrevista com a aluna, foram feitas algumas perguntas à intérprete
com a finalidade de auxiliar na fundamentação desta pesquisa. A primeira
indagação que nos veio foi se estávamos falando com uma intérprete ou com uma
tradutora.
Frishberg (1990) apud Leite (2004) ajuda-nos a entender essa questão.
Segundo a autora,
Em um sentido restrito, técnico, o termo tradução refere-se ao processo de trocas da mensagem escrita de uma língua para outra, enquanto que a interpretação refere-se a um processo de troca imediata de mensagens produzidas de uma língua para outra. Essas línguas podem ser escritas, orais ou sinalizadas, mas com uma característica distinta em relação ao discurso: a transmissão imediata e ao vivo. ( LEITE, 2004, p. 45)
Na tradução existe um espaço de tempo que permite ao tradutor checar seu
trabalho, reportar-se, usar materiais como dicionários e outros. A interpretação é
mais imediata e exige tomada de decisões rápidas e, muitas vezes, não permite
retratação.
Dadas as principais características de cada atividade, entendemos que
estávamos diante de uma intérprete de LIBRAS.
Essa linguagem que você está usando agora é a LIBRAS? É. Estou usando a LIBRAS. Na verdade estou fazendo um Bimodalismo, que não é o correto, mas como eu estou diante da aluna, eu vou estar falando e interpretando ao mesmo tempo. Qual sua opinião a respeito do ensino de LIBRAS na escola regular? Eu acredito que é um processo e que tem que acontecer rápido. Está acontecendo em algumas escolas que eu conheço, mas eu acho que deve fazer parte da grade
51
curricular, principalmente para as crianças. Eu acho muito importante a questão da comunicação e as pessoas surdas precisam desse contato e de não ficar dependentes do intérprete.
A entrevistada, intérprete e usuária da língua de sinais, defende o ensino dessa língua em escola regular como meio de promoção da inclusão do surdo. Além disso, faz uma crítica ao Bimodalismo que é usado pela abordagem da Comunicação Total. Assim, entendemos que a entrevistada defende a abordagem do Bilinguismo, inclusive às avessas. O seu trabalho aqui no Instituto, com nossa aluna, tem sido significativo para você? Sim. Eu tenho aprendido muito. Eu acredito que eu tenho aprendido mais do que, realmente, estou ensinando. Porque, como é um curso técnico, muitos sinais não existem, aí eu pesquiso e muitos professores me ajudam. Tem sido muito significativo, com certeza. Aqui no Instituto, por ser tradutora em um curso técnico em Nutrição, você sente alguma dificuldade em repassar as informações a respeito das matérias para a aluna? Por exemplo, alguma coisa que você não entende? Na verdade, o meu papel como intérprete é apenas a comunicação. Quem ensina é o professor, eu estou apenas intermediando a comunicação. Às vezes, eu sinto dificuldade porque não tem sinal. Então, se ela não pergunta o que é, eu não falo nada. Mas se ela pergunta e não tem o sinal, aí nós vamos pesquisar juntas, porque eu não posso interferir no processo de aprendizagem dela; ela tem a opinião dela. Já aconteceu de você não entender o que o professor disse e não ter como repassar para a aluna? Qual o procedimento? Sim, com certeza. Aí eu paro a aula e pergunto para o professor. Ele me responde e eu explico para a aluna. É comum as pessoas referirem-se ao interlocutor surdo como se ele não estivesse presente? É muito comum. Eu, às vezes, explico que estou só intermediando a comunicação.
Essas respostas levam-nos a pensar a respeito da neutralidade necessária
ao intérprete de língua de sinais. Sabe-se que o intérprete deve posicionar-se como
intermediário e procurar não interferir no texto interpretado, agindo da maneira mais
neutra possível; porém, como sujeito e, portanto, afetado por ideologias, por seu
tempo, contexto, posição e por sua própria história, entendemos que é
extremamente difícil a neutralidade absoluta. Assim, além da neutralidade, alguns
preceitos éticos, como discrição, imparcialidade, confiabilidade e fidelidade são
esperados de um intérprete.
52
A neutralidade do intérprete tem sido discutida por alguns autores. Uma
mesma palavra, na mesma língua, significa diferentemente, dependendo da posição
do sujeito e da inscrição do que diz em uma ou em outra formação discursiva
(Orlandi, 2003, p.60). Nesse sentido Leite (2004) questiona: como pode o intérprete
regular sua neutralidade no momento em que interpreta? Como pode, sendo
humano, tornar sua participação isenta de interferências pessoais? Sem a
pretensão de responder a essas questões, buscamos em Orlandi (2003) uma
relação entre a interpretação e a análise do discurso no que se refere ao lugar de
neutralidade da interpretação:
[...] é preciso compreender que não há descrição sem interpretação, então o próprio analista está envolvido na interpretação. Por isso é necessário introduzir-se um dispositivo teórico que possa intervir na relação do analista com os objetos simbólicos que analisa, produzindo um deslocamento em sua relação de sujeito com a interpretação: esse deslocamento vai permitir que ele trabalhe no entremeio da descrição com a interpretação. (ORLANDI, 2003, p. 61)
Entendemos que pelo imediatismo da atividade do intérprete, faz-se
impossível a construção de um dispositivo teórico no momento da interpretação,
porém vislumbramos a possibilidade da construção de um dispositivo, talvez técnico
ou metodológico, que norteie a interpretação e que complemente os requisitos
éticos do intérprete, colocando-o em uma posição deslocada, menos sujeita à
subjetividade do profissional.
Durante a sua carreira de tradutora, você já sofreu algum preconceito? Sim. A nossa profissão de intérprete não é muito reconhecida. As pessoas pensam que quando você faz um curso de LIBRAS você já pode ser um intérprete e, na verdade, não é assim. Eu mesma achava que faria uns cursos de LIBRAS e já ia interpretando e não é assim. A gente tem que estudar, tem que pesquisar, tem que ter contato com a cultura surda, tem que conhecer quem é a pessoa surda. E muitas vezes, a gente tem mania de tomar decisões para o surdo; isso já aconteceu comigo também. E, hoje eu vejo que o surdo tem a posição dele, tem a opinião dele, do jeito dele; não pode estar interferindo. Mas eu já me senti discriminada, porque depois que a gente estuda e vai pesquisando, o nosso trabalho não é muito reconhecido. Você foi discriminada aqui no Instituto? Não. Pelo contrário. É minha primeira experiência em uma instituição de curso técnico e superior e eu estou muito feliz, porque eu fui muito acolhida aqui e tudo o que eu preciso as pessoas me ajudam; se eu não consigo compreender eu pergunto para passar para a aluna. Está sendo uma experiência muito boa para mim e eu quero poder contribuir mais por um bom tempo.
53
A formação do intérprete de LIBRAS foi regulamentada pela Lei 5.626, de 12
de dezembro de 2005, no Capítulo V, artigos 17 a 21
Pelo que apresenta, pode-se dizer que a política de inclusão prevê um prazo
de dez anos para a formação superior do tradutor e intérprete de LIBRAS, o que
pode ter desencadeado a falta de reconhecimento e valorização da profissão,
citadas pela entrevistada. Entendemos, entretanto, que a inclusão das pessoas com
NEE não pode esperar esse prazo para ocorrer e, assim, justifica-se, portanto, os
preceitos legais.
Por outro lado, a partir dos movimentos de inclusão fomentados pelas
políticas de inclusão, em especial das pessoas com NEE auditivas, identifica-se
oportunidades de profissionalização e empregabilidade para os jovens tradutores,
intérpretes, instrutores e professores da LIBRAS, quer sejam eles ouvintes ou
surdos.
O que você pensa de catalogarmos alguns sinais específicos para os cursos técnicos que acontecem aqui no Instituto? Acho muito importante. Inclusive, eu, a aluna e uma professora, em razão da dificuldade de explicar a matéria por falta dos sinais, estamos fazendo isso. Nós pesquisamos, descobrimos que não tem sinal e estamos criando alguns sinais para a aluna entender o conteúdo. Esses sinais nós já catalogamos alguns e já estamos usando. Mas isso tem que ser feito em outras matérias também. Você já trabalhou como intérprete em outras escolas? Sim. Eu atuo na Escola Estadual Quintiliano Jardim e lá eu trabalho como intérprete e como professora da sala de aula de recursos. Eu faço um atendimento extraturno em parceria com os professores. Quantos alunos surdos você atende nessa escola? Hoje nós estamos com quinze alunos surdos, em faixa etária diferentes. Você faz a interpretação para todos? Na escola, nós somos em cinco intérpretes para acompanhar todas as salas que têm alunos surdos. Eu faço a interpretação para um aluno de doze anos, que está na 5ª. Série. Agora, na sala de recursos, eles têm horários diferenciados, então, todos passam por mim na sala de recursos.
Atualmente, as escolas contam com poucos intérpretes com formação. Por
isso, não é raro encontrar pessoas �atuando� como intérpretes sem a preparação
necessária. Segundo Rosa (2005, p.114) apud Pereira (2006, p.149), �A história dos
intérpretes apresenta dois locais de formação: a igreja ou lugares públicos
54
frequentados por surdos�. A falta de formação do intérprete da língua de sinais - ILS
pode acarretar várias consequências ao aluno surdo, como insegurança,
desconfiança, medo, desinteresse. De acordo com Pereira (2006, p.149) �É possível
perceber que a primeira marca deixada por uma ILS sem formação é a diminuição
da língua de sinais e, por essa razão, a língua tornou-se secundária no processo
tradutório e a formação tornou-se crucial para a escolha da ILS [...]�.
A intérprete que atua no IF-Triângulo campus Uberaba possui curso superior,
com aprovação em exame de proficiência promovido pelo Ministério da Educação,
para atuação em instituições de ensino médio e de educação superior, conforme
determina o inciso I, do artigo 19, da Lei 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Sua
formação possibilita que realize excelentes trabalhos de pesquisa e catalogação de
sinais, o que, seguramente, auxilia no aprendizado da aluna surda e transmite
segurança aos professores.
4.3 Diagnóstico com os alunos ouvintes
Apresentamos nos quadros que se seguem os resultados obtidos por meio da
aplicação de questionário (ANEXO B) aos alunos do primeiro período do Curso
Técnico em Nutrição e Dietética do IF - Triângulo Campus Uberaba, turma
ingressante em fevereiro de 2009, que, durante as aulas de Português Instrumental,
aprenderam noções básicas da Língua Brasileira de Sinais . A carga horária da
disciplina é de 30 horas, distribuídas em duas aulas semanais, das quais foram
reservados 20 minutos para o ensino da Língua Brasileira de Sinais.
Número de alunos 17 Sexo Feminino
Quantos têm filhos 70,56%
Grau de escolaridade Ensino Médio
Completo Ensino Médio
Incompleto 94,11% 5,88%
Aposentada 5,88% Autônoma 11,76% Advogada 5,88%
Do Lar 17,64% Empregada (iniciativa privada) 23,52%
Estudante 100% Funcionária Pública 17,64%
Profissão * alguns elementos do grupo pesquisado
são multiprofissionais.
Quadro 1: Características do público pesquisado
55
O grupo pesquisado é composto por dezessete alunas do 1º período do
Curso Técnico em Nutrição e Dietética do IF - Triângulo Campus Uberaba.
A maioria das participantes da pesquisa tem filhos, o que compreende uma
possível transmissão da língua de sinais. Além disso, as alunas apresentam
profissões diversas, por isso, o aprendizado da língua de sinais pode significar a
inclusão da LIBRAS em vários setores sociais nos quais as alunas atuam.
SIM NÃO Já tiveram em seu círculo de relacionamentos pessoas com necessidades especiais auditivas?
29,41%
70,56%
Já estudaram com pessoas com necessidades especiais auditivas, antes de ingressar no IF- Triângulo?
5,88%
Sexta série, hoje com 17 anos
94,11%
Você sabe o que é LIBRAS?
88,23%
5,88%
Antes de fazer o Curso Técnico em Nutrição e Dietética no IF-Triângulo campus Uberaba, você conhecia a LIBRAS?
Sim, conhecia
Ouvi falar sobre o assunto
Não conhecia
29,41% 58,82% 5,88% Quadro 2: Contatos com a necessidade especial auditiva
Os participantes da pesquisa, em sua maioria, nunca conviveram com
pessoas surdas, sequer na escola. Essa estatística confirma a segregação do aluno
surdo e sua não inclusão na escola regular. Realidade que precisa ser mudada.
Esse levantamento mostra também que o ensino da LIBRAS na escola
regular serve à divulgação da língua, visto que, antes da experiência, a minoria dos
alunos da classe conhecia a língua de sinais e que, após, a maioria já sabe, ao
menos superficialmente, o que é a LIBRAS. Essa divulgação possui grande
importância, visto que, conforme os ensinamentos de Bourdieu (1980), a língua é
fator de (i)mobilidade social e de prestígio no mercado linguístico.
56
SIM
NÃO
O fato de ter uma colega de classe surda atrapalha sua permanência e convivência na escola?
0%
100%
Ter uma colega de classe surda prejudica seu aprendizado?
0%
100%
Ter uma colega de classe surda auxilia seu aprendizado?
100%
0%
Para você, é possível ter em sala de aula outras pessoas com necessidades especiais auditivas?
94,11%
5,88%
Aprender a linguagem das colegas � LIBRAS
47,05%
Aprender algo com elas 11,76%
Saber conviver com as diferenças e respeitá-las
17,64%
Perseverança, responsabilidade, aplicação
11,76%
Aprender a ouvir 5,88%
De que maneira auxilia o seu aprendizado?
Não responderam o motivo 11,76% Quadro 3: Experiências adquiridas
A maioria absoluta do grupo sob pesquisa concorda que ter um colega com
NEE auditivas na sala de aula não atrapalha o aprendizado, pelo contrário, auxilia-o
por diversos motivos, principalmente, porque se trata de uma oportunidade de
aprender uma língua.
O aprendizado de uma língua compreende o aprendizado de uma cultura
diferente, amplia as oportunidades de expansão profissional e social, além de
disponibilizar um forte instrumento influenciador nas relações de força e nas
posições discursivo-sociais dos sujeitos.
57
NÃO
SIM
Para você, é prazeroso aprender Noções Básicas de LIBRAS?
5,88%
94,11%
É importante 29,41% Para você, é importante aprender Noções Básicas de LIBRAS?
0%
É muito importante 64,70%
Saber lidar com as diferenças
5,88%
Facilitar relacionamentos
17,64%
Ampliar conhecimentos
5,88%
Conhecer o mundo dos surdos
5,88%
Por quê?
Possibilitar a comunicação com os surdos
47,05%
Quadro 4: O aprendizado da LIBRAS
O grupo pesquisado entende que, além de importante, é prazeroso aprender
uma língua de sinais, o que, mais uma vez, testemunha a favor da inclusão do
ensino de LIBRAS na escola regular.
Aprender LIBRAS significa aprender uma língua com mecanismos
morfológicos, sintáticos e semânticos próprios, na modalidade gestual visual. Na
língua oral usamos as palavras e na língua de sinais usamos os sinais. Aqui,
buscamos Felipe et al in Strobel e Dias (2005, p. 22):
A LIBRAS é capaz de expressar idéias sutis, complexas e abstratas. Os seus usuários podem discutir filosofia, literatura e política, além de esportes, empregos, moda, etc. A LIBRAS pode expressar poesia e humor. Como outras línguas, LIBRAS aumenta o vocabulário com novos sinais introduzidos pela comunidade surda em resposta da mudança cultural e técnica. (FELIPE et al in STROBEL & DIAS, 2005, p. 22)
Não se pode dizer que a língua de sinais é universal, pois, assim como a
linguagem oral, a linguagem gestual possui variações de modo a atender as
características e traços culturais de seus usuários.
58
NÃO
SIM
Facilitou muito 47,05% A aprendizagem de Noções Básicas de LIBRAS facilitou sua comunicação com a colega surda?
0%
Facilitou um pouco 52,94%
Facilitou muito 52,94% A aprendizagem de Noções Básicas de LIBRAS facilitou sua interação com a colega surda?
0%
Facilitou um pouco 47,05%
Sim, eu gostaria muito 76,47% Você gostaria de continuar aprendendo LIBRAS?
0%
Sim, seria bom 23,52%
Quadro 5: LIBRAS: comunicação e interação
Os dados obtidos demonstram que o ensino de LIBRAS na escola regular
facilita a comunicação e interação entre pessoas com necessidades educacionais
especiais auditivas e ouvintes, o que é fundamental para o processo inclusivo, já
que a vida em sociedade depende, principalmente, da capacidade de interação
entre as pessoas, o que se dá, essencialmente, pela linguagem.
NÃO
SIM
no ensino fundamental 1ª a 4ª Série � 2º ao 5º ano
76,47%
no ensino fundamental 5ª a 8ª Série � 6º ao 9º ano
82,35%
Ensino médio ou técnico 76,47%
Para você, a LIBRAS deve ser ministrada nas escolas de ensino regular?
0%
Curso superior 52,94%
Sim, é muito importante 100% Você considera importante que professores e colaboradores da escola tenham conhecimento sobre LIBRAS?
0%
Sim, é importante 0%
Quadro 6: O ensino de LIBRAS na escola regular
Apesar dos componentes do grupo pesquisado não estudarem,
cientificamente, os processos cognitivos relativos à linguagem, são usuários da
língua e já passaram pela maioria dos níveis escolares indicados na pesquisa, além
de serem integrantes de uma escola regular; por isso, consideramos de grande
relevância o fato de aprovarem o ensino da língua de sinais em todos os níveis,
desde o ensino fundamental até o curso superior.
59
Esses indicativos reiteram que os alunos ouvintes da escola regular desejam
e necessitam aprender LIBRAS na escola regular. Demonstram ainda que atribuem
grande importância ao fato de professores e pessoal administrativo da escola
também conhecerem a língua de sinais, o que comprova a importância da
realização de cursos de capacitação e de formação em LIBRAS a todos os
servidores e colaboradores da escola regular.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de desenvolvimento das sociedades em relação às pessoas com
necessidades especiais acompanha a evolução histórica. Todavia, é fato que a
sociedade atual está longe de alcançar o ideal quando se trata desse assunto. É
preciso mudanças culturais e comportamentais profundas, que desencadearão
graves transformações na história da educação no que se refere à educação
inclusiva.
No caso da história da educação dos surdos, a comunicação, que é fator
fundamental de interação em todas as sociedades, tem se apresentado como um
entrave à inclusão educacional e social. Após um período de algumas conquistas e
do uso natural da língua de sinais, esta foi proibida pela filosofia do Oralismo, o que
acarretou enormes perdas aos surdos: atravancou o desenvolvimento das PNE
auditivas; sujeitou-as, mais uma vez, à segregação; tirou-lhes a autoestima; aboliu
suas conquistas; discriminou os professores que usavam a língua de sinais,
especialmente os surdos; e impôs a língua oral como a única legítima e possível de
der usada por pessoas capazes. Com a evolução histórica, aliada à persistência
dos estudiosos das linguagens, da surdez e de fenômenos sociais, passamos pela
Comunicação Total e chegamos ao Bilinguismo. Porém, todos esses fatos, que
desencadearam tantos sofrimentos, levaram a comunidade surda a rejeitar uma
inclusão utópica e a desejar uma inclusão real, que seja fundamentada e pautada
em estudos científicos consistentes; uma inclusão, indubitavelmente, possível.
Após a educação dos surdos e eles próprios serem submetidos a tantas
tentativas, entendemos que uma maneira democrática de compartilhamento da
linguagem é o aprendizado da língua de sinais pela comunidade ouvinte, já que,
tendo seu desenvolvimento cognitivo privilegiado pela aquisição da língua oral, para
o ouvinte, é mais possível aprender a língua de sinais, do que é, para o surdo, que
muitas vezes, pelos fatos já expostos, não adquirem nenhuma das línguas, aprender
a língua oral. Não é difícil entender que em um espaço educacional, onde é
obrigatório o ensino de línguas estrangeiras, seja obrigatório o ensino de uma
língua nacional, reconhecida pelo Estado e fomentada pelas políticas públicas: a
Língua Brasileira de Sinais. A inclusão de PNEE, sejam auditivas ou outras,
61
depende sim de ações e determinações políticas e, muitas vezes, a estas atendem,
mas depende muito, e principalmente, de professores e educadores em geral, que,
juntamente com os alunos, são agentes transformadores de discursos e da história
e devem atender, antes, a seus ideais de inclusão, utilizando as políticas como
meio.
O ensino da língua de sinais em classe de ensino regular, ainda que
superficialmente, demonstrou que os alunos ouvintes aceitam e compreendem a
importância dessa aprendizagem, tanto para seu engrandecimento, quanto para o
do aluno com necessidades educacionais especiais auditivas. Os resultados da
investigação demonstram que, ao adotar esse procedimento, os gestores escolares
estarão, ao mesmo tempo, atendendo uma necessidade dos alunos e também
viabilizando a inclusão das PNEE auditivas na escola regular, no trabalho e na
sociedade.
Dentro desse contexto, restou evidenciada a importância do intérprete no
processo inclusivo, tanto como transmissor e divulgador da língua de sinais, quanto
como promotor dos processos de comunicação e interação do surdo com os
ouvintes, agindo como interveniente que busca uma neutralidade apesar de afetado
por sua condição de sujeito.
É preciso esclarecer que não desvalorizamos o aprendizado da língua oral
pelo surdo, pelo contrário, entendemos que ela também auxilia e promove a
comunicação e a interação; o que não concordamos é que somente ela tenha valor.
Não é possível aceitar que a língua oral seja a única dotada de legitimidade e
prestígio em uma sociedade onde vivem e convivem várias pessoas com
necessidades especiais auditivas, cidadãos brasileiros, com deveres e direitos,
inclusive o de terem sua língua ensinada nas escolas regulares.
62
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66
ANEXOS
ANEXO A � Termo de Consentimento
TERMO DE CONSENTIMENTO
A presente entrevista tem como objetivo identificar e analisar a percepção de
pessoas com deficiência auditiva em relação a sua condição e interação na
sociedade e, principalmente, no contexto escolar. A mesma faz parte de um trabalho
de pesquisa intitulado BILINGUISMO ÀS AVESSA: O ENSINO DE LIBRAS EM
CLASSE DE CURSO TÉCNICO REGULAR do Curso de Especialização a Distância
em Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva. Qualquer esclarecimento poderá
ser solicitado durante a entrevista. Você pode desistir a qualquer momento e isso
não lhe trará nenhum prejuízo. Nós lhe garantimos sigilo do anonimato.
Eu, _________________________________________________________, após
ter lido e entendido as informações e esclarecido todas as minhas dúvidas
referentes a este estudo, CONCORDO VOLUNTARIAMENTE em participar desta
entrevista.
__________________________________ ___________________________
Assinatura do entrevistado Data
67
ANEXO B � Questionário
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO: "EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INCLUSIVA"
QUESTIONÁRIO
ESTE QUESTIONÁRIO TEM POR OBJETIVO COLHER DADOS PARA COMPOR A PESQUISA BILINGUÍSMO: O ENSINO DE LÍBRAS EM CLASSE DE CURSO TÉCNICO REGULAR Idade:_____
Sexo: ( )Masculino ( )Feminino
Estado Civil: ( ) solteiro(a) ( ) casado (a) ( ) separado (a) ( ) viúvo (a)
Filhos: ( ) não ( ) sim Quantos:________
Grau de escolaridade:
Ensino Médio 1º ao 3º ano Incompleto ( ) Completo ( )
Ensino
Profissionalizante
Incompleto ( ) Completo ( )
Ensino Universitário Incompleto ( ) Completo ( )
Pós � Graduação ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( )
Profissão: ( ) estudante ( ) funcionário público ( ) autônomo ( ) do lar ( ) aposentado
( ) funcionário de empresa privada ( ) outro Qual?_____________________
1. Antes de ser aluno (a) do IF-Triângulo campus Uberaba, você já teve em seu círculo de
relacionamentos pessoas com necessidades especiais auditivas?
( ) sim ( ) não
2. Antes de ser aluno (a) do IF-Triângulo campus Uberaba, você já havia estudado com pessoas
com necessidades especiais auditivas? Quando?
( ) sim ( ) não Quando? _____________________________________________________
3. O fato de ter uma colega de classe surda prejudica seu aprendizado de alguma forma? Qual?
( ) sim ( ) não Qual? ________________________________________________________
4. O fato de ter uma colega de classe surda auxilia seu aprendizado de alguma forma? Qual?
( ) sim ( ) não Qual? ________________________________________________________
68
5. O fato de ter uma colega de classe surda atrapalha sua permanência e convivência na escola?
( ) sim ( ) não Por quê?______________________________________________________
___________________________________________________________________________
6. Você sabe o que é LIBRAS?
( ) sim ( ) não
7. Antes de fazer o Curso Técnico em Nutrição e Dietética no IF-Triângulo campus Uberaba, você
conhecia a LIBRAS?
( ) sim, conhecia ( ) ouvi falar sobre o assunto ( ) não conhecia
8. Para você, foi prazeroso aprender Noções Básicas de LIBRAS?
( ) sim ( ) não
9. Para você, foi importante aprender Noções Básicas de LIBRAS?
( ) sim ( ) não Por quê?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
10. Qual a importância que você atribui ao ensino de LIBRAS nas disciplinas que tratam de
Comunicação?
( ) não é importante ( ) é importante ( ) é muito importante
11. Para você, quando essa temática deveria ser ministrada? Para esta pergunta, você pode
marcar mais de uma alternativa como resposta
( ) não deve ser ministrada ( ) deve ser ministrada no ensino fundamental � 1ª a 4ª série
( ) deve ser ministrada no ensino fundamental � 5ª a 8ª série ( ) ensino médio ou técnico
( ) curso superior
12. A aprendizagem de Noções Básicas de LIBRAS facilitou sua comunicação com a colega surda?
( ) facilitou muito ( ) facilitou um pouco ( ) não facilitou
13. A aprendizagem de Noções Básicas de LIBRAS facilitou sua interação com a colega surda?
( ) facilitou muito ( ) facilitou um pouco ( ) não facilitou
14. Para você, é possível ter em sala de aula outras pessoas com necessidades especiais auditivas?
( ) sim ( ) não
15. Você gostaria de continuar aprendendo LIBRAS?
( ) sim, eu gostaria muito ( ) sim, seria bom ( ) não
16. Você considera importante que professores e colaboradores na escola tenham conhecimento
sobre LIBRAS?
( ) sim, é muito importante ( ) sim, é importante ( ) não é importante
69
ANEXO C � DECRETO 5.626 de 22 de dezembro de 2005.
Presidência da República Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005.
Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e no art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.
CAPÍTULO II
DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINA CURRICULAR
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.
§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
CAPÍTULO III
DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LIBRAS E DO INSTRUTOR DE LIBRAS
Art. 4o A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua.
70
Parágrafo único. As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 5o A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe.
§ 1o Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngüe, referida no caput.
§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 6o A formação de instrutor de Libras, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições credenciadas por secretarias de educação.
§ 1o A formação do instrutor de Libras pode ser realizada também por organizações da sociedade civil representativa da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por pelo menos uma das instituições referidas nos incisos II e III.
§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 7o Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja docente com título de pós-graduação ou de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos um dos seguintes perfis:
I - professor de Libras, usuário dessa língua com curso de pós-graduação ou com formação superior e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação;
II - instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de nível médio e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação;
III - professor ouvinte bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação.
§ 1o Nos casos previstos nos incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a disciplina de Libras.
§ 2o A partir de um ano da publicação deste Decreto, os sistemas e as instituições de ensino da educação básica e as de educação superior devem incluir o professor de Libras em seu quadro do magistério.
Art. 8o O exame de proficiência em Libras, referido no art. 7o, deve avaliar a fluência no uso, o conhecimento e a competência para o ensino dessa língua.
§ 1o O exame de proficiência em Libras deve ser promovido, anualmente, pelo Ministério da Educação e instituições de educação superior por ele credenciadas para essa finalidade.
§ 2o A certificação de proficiência em Libras habilitará o instrutor ou o professor para a função docente.
71
§ 3o O exame de proficiência em Libras deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento em Libras, constituída por docentes surdos e lingüistas de instituições de educação superior.
Art. 9o A partir da publicação deste Decreto, as instituições de ensino médio que oferecem cursos de formação para o magistério na modalidade normal e as instituições de educação superior que oferecem cursos de Fonoaudiologia ou de formação de professores devem incluir Libras como disciplina curricular, nos seguintes prazos e percentuais mínimos:
I - até três anos, em vinte por cento dos cursos da instituição;
II - até cinco anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição;
III - até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição; e
IV - dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição.
Parágrafo único. O processo de inclusão da Libras como disciplina curricular deve iniciar-se nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente para as demais licenciaturas.
Art. 10. As instituições de educação superior devem incluir a Libras como objeto de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de formação de professores para a educação básica, nos cursos de Fonoaudiologia e nos cursos de Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Art. 11. O Ministério da Educação promoverá, a partir da publicação deste Decreto, programas específicos para a criação de cursos de graduação:
I - para formação de professores surdos e ouvintes, para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que viabilize a educação bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa como segunda língua;
II - de licenciatura em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa, como segunda língua para surdos;
III - de formação em Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Art. 12. As instituições de educação superior, principalmente as que ofertam cursos de Educação Especial, Pedagogia e Letras, devem viabilizar cursos de pós-graduação para a formação de professores para o ensino de Libras e sua interpretação, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 13. O ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação em Língua Portuguesa.
Parágrafo único. O tema sobre a modalidade escrita da língua portuguesa para surdos deve ser incluído como conteúdo nos cursos de Fonoaudiologia.
CAPÍTULO IV
DO USO E DA DIFUSÃO DA LIBRAS E DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O
ACESSO DAS PESSOAS SURDAS À EDUCAÇÃO
Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.
§ 1o Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:
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I - promover cursos de formação de professores para:
a) o ensino e uso da Libras;
b) a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa; e
c) o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas;
II - ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos;
III - prover as escolas com:
a) professor de Libras ou instrutor de Libras;
b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa;
c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e
d) professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos;
IV - garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas de recursos, em turno contrário ao da escolarização;
V - apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive por meio da oferta de cursos;
VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;
VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos;
VIII - disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva.
§ 2o O professor da educação básica, bilíngüe, aprovado em exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, pode exercer a função de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, cuja função é distinta da função de professor docente.
§ 3o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar atendimento educacional especializado aos alunos surdos ou com deficiência auditiva.
Art. 15. Para complementar o currículo da base nacional comum, o ensino de Libras e o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos, devem ser ministrados em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental, como:
I - atividades ou complementação curricular específica na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental; e
II - áreas de conhecimento, como disciplinas curriculares, nos anos finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior.
Art. 16. A modalidade oral da Língua Portuguesa, na educação básica, deve ser ofertada aos alunos surdos ou com deficiência auditiva, preferencialmente em turno distinto ao da escolarização, por meio de ações integradas entre as áreas da saúde e da educação, resguardado o direito de opção da família ou do próprio aluno por essa modalidade.
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Parágrafo único. A definição de espaço para o desenvolvimento da modalidade oral da Língua Portuguesa e a definição dos profissionais de Fonoaudiologia para atuação com alunos da educação básica são de competência dos órgãos que possuam estas atribuições nas unidades federadas.
CAPÍTULO V
DA FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS - LÍNGUA PORTUGUESA
Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa.
Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de extensão universitária; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação.
Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III.
Art. 19. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja pessoas com a titulação exigida para o exercício da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, as instituições federais de ensino devem incluir, em seus quadros, profissionais com o seguinte perfil:
I - profissional ouvinte, de nível superior, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação em instituições de ensino médio e de educação superior;
II - profissional ouvinte, de nível médio, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação no ensino fundamental;
III - profissional surdo, com competência para realizar a interpretação de línguas de sinais de outros países para a Libras, para atuação em cursos e eventos.
Parágrafo único. As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
Art. 20. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, o Ministério da Educação ou instituições de ensino superior por ele credenciadas para essa finalidade promoverão, anualmente, exame nacional de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Parágrafo único. O exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento dessa função, constituída por docentes surdos, lingüistas e tradutores e intérpretes de Libras de instituições de educação superior.
Art. 21. A partir de um ano da publicação deste Decreto, as instituições federais de ensino da educação básica e da educação superior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapas e modalidades, o tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos.
§ 1o O profissional a que se refere o caput atuará:
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I - nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino;
II - nas salas de aula para viabilizar o acesso dos alunos aos conhecimentos e conteúdos curriculares, em todas as atividades didático-pedagógicas; e
III - no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim da instituição de ensino.
§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
CAPÍTULO VI
DA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS OU
COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:
I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;
II - escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.
§ 1o São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.
§ 2o Os alunos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação.
§ 3o As mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.
§ 4o O disposto no § 2o deste artigo deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras.
Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação.
§ 1o Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo.
§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
Art. 24. A programação visual dos cursos de nível médio e superior, preferencialmente os de formação de professores, na modalidade de educação a distância, deve dispor de sistemas de acesso à informação como janela com tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa e subtitulação por meio do sistema de legenda oculta, de modo a reproduzir as mensagens veiculadas às pessoas surdas, conforme prevê o Decreto no 5.296, de 2 de dezembro de 2004.
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CAPÍTULO VII
DA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS SURDAS OU
COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
Art. 25. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Sistema Único de Saúde - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, na perspectiva da inclusão plena das pessoas surdas ou com deficiência auditiva em todas as esferas da vida social, devem garantir, prioritariamente aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas, efetivando:
I - ações de prevenção e desenvolvimento de programas de saúde auditiva;
II - tratamento clínico e atendimento especializado, respeitando as especificidades de cada caso;
III - realização de diagnóstico, atendimento precoce e do encaminhamento para a área de educação;
IV - seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora, quando indicado;
V - acompanhamento médico e fonoaudiológico e terapia fonoaudiológica;
VI - atendimento em reabilitação por equipe multiprofissional;
VII - atendimento fonoaudiológico às crianças, adolescentes e jovens matriculados na educação básica, por meio de ações integradas com a área da educação, de acordo com as necessidades terapêuticas do aluno;
VIII - orientações à família sobre as implicações da surdez e sobre a importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso à Libras e à Língua Portuguesa;
IX - atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e interpretação; e
X - apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços do SUS para o uso de Libras e sua tradução e interpretação.
§ 1o O disposto neste artigo deve ser garantido também para os alunos surdos ou com deficiência auditiva não usuários da Libras.
§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal, do Distrito Federal e as empresas privadas que detêm autorização, concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde buscarão implementar as medidas referidas no art. 3o da Lei no 10.436, de 2002, como meio de assegurar, prioritariamente, aos alunos surdos ou com deficiência auditiva matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas.
CAPÍTULO VIII
DO PAPEL DO PODER PÚBLICO E DAS EMPRESAS QUE DETÊM CONCESSÃO OU PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, NO APOIO AO USO E DIFUSÃO DA LIBRAS
Art. 26. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Poder Público, as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta devem garantir às pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de Libras e da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, realizados por servidores e empregados capacitados para essa função, bem como o acesso às tecnologias de informação, conforme prevê o Decreto no 5.296, de 2004.
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§ 1o As instituições de que trata o caput devem dispor de, pelo menos, cinco por cento de servidores, funcionários e empregados capacitados para o uso e interpretação da Libras.
§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, e as empresas privadas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar às pessoas surdas ou com deficiência auditiva o tratamento diferenciado, previsto no caput.
Art. 27. No âmbito da administração pública federal, direta e indireta, bem como das empresas que detêm concessão e permissão de serviços públicos federais, os serviços prestados por servidores e empregados capacitados para utilizar a Libras e realizar a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa estão sujeitos a padrões de controle de atendimento e a avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, sob a coordenação da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em conformidade com o Decreto no 3.507, de 13 de junho de 2000.
Parágrafo único. Caberá à administração pública no âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal disciplinar, em regulamento próprio, os padrões de controle do atendimento e avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, referido no caput.
CAPÍTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 28. Os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, devem incluir em seus orçamentos anuais e plurianuais dotações destinadas a viabilizar ações previstas neste Decreto, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 29. O Distrito Federal, os Estados e os Municípios, no âmbito de suas competências, definirão os instrumentos para a efetiva implantação e o controle do uso e difusão de Libras e de sua tradução e interpretação, referidos nos dispositivos deste Decreto.
Art. 30. Os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, direta e indireta, viabilizarão as ações previstas neste Decreto com dotações específicas em seus orçamentos anuais e plurianuais, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 31. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de dezembro de 2005; 184o da Independência e 117o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad
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ANEXO D � Lei 10.436 de 24 de abril de 2002.
Presidência da República Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002.
Regulamento Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3o As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa.
Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de abril de 2002; 181o da Independência e 114o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Paulo Renato Souza
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ANEXO E � ALFABETO LIBRAS � DATILOLOGIA
Fonte: http://www.libras.org.br/lojalibras/imagens/Alfabeto_Libras_240_300.jpg