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LÍNGUA PORTUGUESA E LIBRAS teorias e práticas 5

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LETRAS LIBRAS|1

LÍNGUA

PORTUGUESA E

LIBRAS

teorias e práticas

5

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LETRAS LIBRAS|2

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Reitor

RÔMULO SOARES POLARI

Vice-Reitora

MARIA YARA CAMPOS MATOS

Pró-Reitor de Graduação

VALDIR BARBOSA BEZERRA

Coordenadora do UFPBVIRTUAL

RENATA PATRICIA LIMA JERONYMO

Diretor do CCHLA

ARIOSVALDO DA SILVA DINIZ

Chefe do Departamento de Letras Clássicas Vernáculas

MÔNICA MANO TRINDADE

Diretor da Editora Universitária

JOSÉ LUIZ DA SILVA

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL

Coordenadora

EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA

Vice-Coordenadora

MARIA CRISTINA DE ASSIS

L755

UFPB/BC

Língua portuguesa e LIBRAS: teorias e práticas 4 / Evangelina

Maria Brito de Faria, Maria Cristina de Assis

(organizadoras). - João Pessoa: Editora Universitária da

UFPB, 2011.

304 p.: Il.

ISBN: 978-85-7745-847-9

1. Linguística. 2. Libras. 3. Teorias da tradução. 4. Educação –

Política e Gestão. 5. Currículo. 6. Escrita de Sinais. I. Faria,

Evangelina Maria Brito de. II. Assis, Maria Cristina de.

2.

CDU : 801

Os artigos e suas revisões são de responsabilidade dos autores.

Direitos desta edição reservados à: EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB

Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária – João Pessoa – Paraíba – Brasil

CEP: 58.051 – 970 - www.editora.ufpb.br

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

Foi feito depósito legal

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LETRAS LIBRAS|3

LÍNGUA

PORTUGUESA E

LIBRAS

teorias e práticas

5

Evangelina Maria Brito de Faria

Maria Cristina de Assis

Organizadoras

Editora da UFPB

João Pessoa

2012

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LETRAS LIBRAS|4

© Copyright by CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL, 2012

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL

Coordenadora

EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA

Vice-coordenadora

MARIA CRISTINA DE ASSIS

Projeto gráfico e editoração eletrônica

DAVID FERNANDES

MÔNICA CÂMARA

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LETRAS LIBRAS|5

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................................. 07

DIDÁTICA DA LIBRAS ...................................................................................................................................... xx

LIBRAS VI ........................................................................................................................................................ xx

TEORIA DA TRADUÇÃO II ............................................................................................................................. xxx

ESTÁGIO SUPERVISIONADO I ...................................................................................................................... xxx

SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA ....................................................................................................................... xxx

ESCRITA DE SINAIS II .................................................................................................................................... xxx

SUMÁRIO

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LETRAS LIBRAS|7

Evangelina Faria e Maria Cristina de Assis

Caro (a) aluno(a)

Neste quarto semestre do Curso de Letras/LIBRAS Virtual, serão ministradas as disciplinas:

Libras III, Teoria da Tradução I, Sintaxe, Currículo e Trabalho Pedagógico, Política e Gestão da

Educação e Escrita de Sinais.

Em Libras III, você irá aprofundar os conhecimentos já iniciados no período anterior e

adquirir novas expressões em Libras. O curso está estruturado em quatro unidades: (1) o uso do

espaço na Libras; (2) tipos de classificadores que se aplicam ao seu uso; (3) o papel dos

classificadores na língua de sinais; (4) os verbos complexos classificadores. Esperamos que esses

conteúdos ajudem a ampliar sua competência na Libras.

Em Teoria da Tradução I, aprofundam-se os conhecimentos em tradução geral e, mais

especificamente, as abordagens teóricas dos processos de tradução em línguas de modalidades

diferentes. Serão discutidos os problemas da tradução do Português para a Libras e da Libras para

o Português e as questões éticas no processo de tradução.

Em Sintaxe, você vai ter acesso à diversidade de abordagens que analisam a línguagem e

ver a contribuição que perspectivas distintas podem imprimir ao ensino da língua. Essa disciplina é

permeada por uma tentativa de dialogar com aspectos linguísticos da Lingua Brasileira de Sinais,

vislumbrando possíveis convergências entre as estruturas e respectivas funções sintáticas de

Libras e da Língua Portuguesa.

Em Currículo e Trabalho Pedagógico, você verá uma retomada histórica das primeiras

sistematizações que subsidiaram a organização curricular (escolar e pedagógica), passando pelos

diferentes enfoques e possibilidades de leitura do termo currículo até chegar aos seus usos,

desdobramentos e ênfases no campo educacional. Seguindo essa linha de discussão, serão

APRESENTAÇÃO

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destacadas algumas das principais teorizações sobre o currículo, assim como o projeto político-

pedagógico e as políticas que determinam e subsidiam sua elaboração. No final do percurso, você

refletirá sobre a possibilidade de produzir a diferença surda no currículo e sobre uma inclusão

escolar menos excludente dos surdos no ensino regular.

Em Gestão e Política da Educação, você encontrará subsídios para entender políticas de

educação voltadas para o outro e condizentes com o tempo de hoje, com as recomendações de

uma Educação para todos. Além disso, refletirá sobre o significado de educar o ser humano no

contexto de uma atualidade tão complexa como a que vivemos. Essa reflexão envolverá

discussões teóricas e atividades práticas.

Finalmente em Escrita de Sinais, você vai iniciar uma nova caminhada. Para muitos, trata-se

de um novo conhecimento. A disciplina vai desenvolver-se em quatro capítulos: Desenvolvimento

da linguagem escrita pela criança surda; A escrita da língua de sinais; Estrutura básica da escrita de

sinais 1; Estrutura básica da escrita de sinais 2. A princípio, você pode pensar na complexidade

dessa nova escrita, mas com ajuda da professora e dos tutores todo obstáculo será superado.

Queremos mais uma vez lembrar que o aprendizado no curso virtual depende muito da

organização do seu tempo. Bom estudo!

As organizadoras

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LIBRAS IV

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LIBRAS IV

Ronice Müller de Quadros

O texto de Libras IV apresenta aspectos encontrados em várias línguas de sinais que estão

relacionados com a modalidade visual-espacial específica dessas línguas. Neste material, vamos

explorar a diferença entre gestos e sinais, aspectos da modalidade visual-gestual-espacial das

línguas de sinais, descrições visuais (classificadores), espaços de sinalização usados pelo sistema

linguístico das línguas de sinais e os espaços de sinalização topográficos.

1 Gesto e sinal

Alguns pesquisadores acreditam que os gestos representam uma forma mais básica da

linguagem. Como os surdos não acessam a fala, os gestos fluem e são sistematizados tornando-se

uma língua. Isso acontece quando mais de um surdo se encontra. Por outro lado, alguns linguistas

questionam o fato de os gestos não se transforem em línguas em pessoas com a capacidade de

falar. Se gesto seria uma forma de linguagem mais básica, por que os seres humanos optaram em

falar? Bem, nós não vamos nos preocupar com isso. Nosso objetivo será discutir como os gestos e

os sinais (ou a fala) se complementam e como eles se distinguem.

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Na verdade, os sinais e os gestos interagem, assim como a fala e os gestos fazem. A

diferença básica está nas modalidades que acabam interferindo de forma mais direta nas formas

de produção dos sinais e da fala. A fala está associada ao gesto em diferentes modalidades. A fala

usa o canal vocal produzindo combinações de sons para formar palavras e frases. Os gestos são

visuais produzidos pelo corpo. Quando o gesto é produzido junto com a fala, facilmente o

identificamos. Por exemplo, no gesto a seguir, a pessoa está descrevendo uma pulseira que tem

uma presilha diferente, simultaneamente, ela produz o gesto com a sua fala:

P: A pulseira que ganhei tem uma presilha especial que não engancha e não aparece, mas é super firme.

Os sinais estão na mesma modalidade dos gestos, ou seja, também são produzidos com o

corpo. Os articuladores dos sinais, muitas vezes, se sobrepõem aos articuladores dos gestos.

Assim, os sinais e os gestos nem sempre são facilmente distinguidos, como percebemos na

produção da fala. Vamos conhecer um pouco mais sobre o que já foi estudado sobre gestos.

1.1 Gestos

Quadros & Lillo-Martin (2007) realizaram um estudo sobre a interface entre o gesto e o

sinal no desenvolvimento da linguagem em crianças surdas, filhas de pais surdos. As autoras

identificaram produções gestuais já identificadas em crianças ouvintes (Mayberry & Nicoladis e

Nicoladis, Mayberry & Genesee 1999):

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(1) emblemas

(2) dêiticos

(3) gestos icônicos

(4) gestos de repetição (beat gestures)

(5) gestos relacionados com ‘alcançar, dar, pegar’ (reaching gestures)

Os emblemas são gestos mais convencionalizados. A seguir apresentamos exemplos de

emblemas usados no Brasil:

‘positivo’

‘sorte’ ou ‘torcida

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‘silêncio

‘bater-palmas auditiva’

‘bater-palmas visuais

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Os emblemas são produções estáveis utilizadas em diferentes culturas. Veja o vídeo a seguir para

ver emblemas usados em diferentes países:

Mayberry & Nicoladis (2000) e Nicoladis, Mayberry & Genesee (1999) analisam a transição

dos gestos para os sinais em crianças surdas e ouvintes e confirmam a proposta da existência de

um contínuo de McNeil (1992) que conclui a existência de uma “quebra cataclística” entre as

produções gestuais e as produções em sinais (Singleton, Goldin-Meadow & McNeill 1995). Esse

contínuo vai da gesticulação (os gestos de repetição, metafóricos e icônicos), passa pela linguagem

gestual (a que comunica sem informação verbal), pelos emblemas (gestos convencionalizados

pelos adultos) e chega às línguas de sinais (línguas formais). Ou seja, do menos convencional ao

convencional e linguístico.

Quadros e Lillo-Martin (2007) analisam os gestos convencionais, ou seja, excluem a

produção mimética. A produção dos gestos de alcançar (reaching gestures) é considerada típica

nas primeiras produções das crianças surdas, assim como observadas nas produções das crianças

ouvintes. Os emblemas são reconhecidos como gestos convencionais usados pelos adultos e pelas

crianças e são contabilizados como sinais, pois apresentam padrões fonológicos específicos das

línguas de sinais, por exemplo, a marcação aspectual observada em outros sinais, embora sejam

anotadas como emblemas. As produções corporais e faciais concomitantes com os sinais foram

anotadas podendo expressar jogo de papéis e ações construídas. Os dêiticos que são produzidos

por meio da apontação são contabilizados como sinais quando associados a outro sinal.

Volterra, Iverson e Castrataro (2006) analisaram a criança surda que cresce sem contato

com a língua de sinais e observaram algumas características nas suas produções, são elas: (1)

desenvolvimento de produção gestual dêitica e representacional e (2) transição entre gesto

individual e combinações de dois elementos. No entanto,o desenvolvimento geral acontece mais

lentamente (a arrancada do vocabulário acontece mais tarde).

Vídeo ilustrando formas não-verbais de comunicar por pessoas de três países diferentes (as formas usadas representam emblemas em cada um destes países)

http://www.youtube.com/watch?v=kn3NwMtAEHs&feature=related

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Goldin-Meadow e colegas apresentam dados de crianças surdas com pais ouvintes, não

expostas a língua de sinais. Eles constatam que a organização gestual destas crianças é diferente

da produção gestual dos adultos. Foi observado que o uso da produção gestual é mais complexo

do que das crianças adquirindo apenas a língua falada. No entanto, mais simples do que as

produções de crianças ouvintes, filhas de pais surdos.

Os gestos parecem dar uma base para o desenvolvimento de alguns elementos da

linguagem. Goldin-Meadow (2003) têm estudado profundamente as crianças surdas com pais

ouvintes em contextos nos quais as crianças não são expostas a língua de sinais. Os níveis de perda

auditiva destas crianças não possibilitam um bom desempenho no processo de aquisição da língua

oral, mesmo com todo o treinamento. Embora pareça que estes contextos privam a criança de

relações sociais, essas crianças crescem com todo o suporte das famílias obtendo um suporte

social ajustado. O que é interessante é que estas crianças desenvolvem um sistema gestual

individual enquanto sistema de comunicação (conhecido como “sinais caseiros”) para utilizar com

sua família. Goldin-Meadow observou que estes sistemas apresentam regularidades estruturais

características das primeiras produções gestuais observadas nas crianças em geral: uso de um

gesto de forma consistente (palavra), o usos de estruturas recursivas (uso de estruturas

subordinadas ou de sentenças coordenadas), e uma morfologia interna dos gestos. Embora não

seja um sistema linguístico completo, os sistemas de sinais caseiros apresentam propriedades

essenciais das línguas humanas. Esta pesquisa sugere que na ausência de um input linguístico

convencional as crianças desenvolvem um sistema do tipo linguístico. No entanto, o fato de

sistemas de sinais caseiros não serem estruturalmente complexos como as línguas de sinais indica

que o ambiente apresenta um papel significativo no desenvolvimento de certas propriedades

linguísticas.

Já as crianças surdas que crescem com a língua de sinais, segundo Volterra, Iverson e

Castrataro (2006) envolvem outros aspectos a serem considerados: (1) a distinção entre sinal e

gesto é mais difícil do que entre gesto e palavra falada, porque estamos falando de duas coisas

usando a mesma modalidade e (2) há uso de gestos por crianças surdas. As autoras observaram

que a aquisição das crianças surdas é similar às crianças ouvintes, até a produção de sinais

combinados. Essas crianças produzem gestos corporais/gestos faciais simultaneamente a

produção em sinais. No entanto, as fronteiras são difíceis de serem estabelecidas entre apontação

e o uso dos classificadores das línguas de sinais e o seu uso gestual observados em crianças

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ouvintes. De qualquer forma, parece haver uma transição entre gesto dêitico e a apontação

gramatical nas línguas de sinais.

O desenvolvimento dos gestos, segundo Volterra, Iverson e Castrataro (2006) começa com

gestos dêiticos (9 a 13 meses), do tipo ‘dar’, ‘mostrar’ e ‘apontar’ expressando intenção

comunicativa, mas o seu significado depende do contexto. A apontação é o gesto mais frequente

na produção da criança nesta fase inicial. Depois, elas começam a produzirem gestos

representacionais paralelamente às primeiras produções (gesto de ‘comer’ com a produção oral

‘papá’). As crianças fazem uso equivalente das modalidades gestual e vocal quando se comunicam

e o tamanho dos repertórios de gestos e de palavras são similares. Os gestos dêiticos precedem o

uso de termos dêiticos e os gestos representacionais aparecem mais em torno dos 20 meses. Aos

12 meses, as crianças produzem mais gestos (29) do que palavras (8). A partir dos 12 meses,

começam a ter mais palavras havendo uma equiparação com o uso de gestos. Entre 16 a 17

meses, a produção é mais equiparada entre gestos (40) e palavras (32). Com a expansão do

vocabulário, há uma mudança no padrão do uso dos gestos.

O gesto passa por uma transição que é marcada pela combinação de duas palavras.

Interessantemente, não é observada a combinação de dois ou mais gestos. Todas crianças passam

pelos seguintes estágios:

Crianças combinam um gesto com uma palavra (12 a 14 meses)

Crianças combinam duas palavras (16 a 20 meses)

Não há combinação de dois gestos

O objetivo da produção gestual é reforçar a comunicação de forma redundante ao que está

sendo dito. A produção gestual da mãe ou babás muito similar à produção da criança.

As autoras observaram em crianças ouvintes, filhas de pais ouvintes, que o uso de gestos

simbólicos facilitou o desenvolvimento verbal. A exposição à gestos simbólicos desenvolve a

função simbólica (sinais e fala). Parece que as crianças adquirindo sinais produzem os primeiros

sinais muito antes do que as crianças adquirindo uma língua falada.

Observa-se que tanto nas línguas faladas como nas línguas sinalizadas, o papel da

produção gestual é importante para a comunicação. Todas as crianças produzem gestos,

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independentemente da modalidade de língua que elas estejam expostas. No entanto, a

diferenciação entre a fala e os gestos é mais clara do que entre os sinais e os gestos.

Quadros e Lillo-Martin (2007) diferenciaram o gesto do sinal apresentando os seguintes

critérios:

a) Os gestos de alcançar (dêiticos) são considerados gestos, pois tem significado determinado pelo contexto (as

vezes significam ‘me-dá’, ‘me-alcança’, ‘quero-aquilo’, ‘pega-isso’, ‘me-pega-no-colo’ e assim por diante.

Esses gestos são usados por todas crianças, independente de serem expostas ou não a uma língua de sinais.

b) Os emblemas são formas que apresentam um significado constante tanto na comunidade ouvinte como na

comunidade surda, mas parecem não ser tão precisos quanto os sinais quanto a configuração de mão, o

movimento e a locação (em alguns casos pode se apresentar com a extensão completa do braço, o que não é

comum nas produções dos sinais e, algumas vezes, a mão não-dominante é usada para produzi-lo com maior

frequência do que quando se produzem sinais. Quando os emblemas são estáveis, eles são anotados como

emblemas, mas são contabilizados como sinais (por exemplo, quando contamos o MLU, ou seja, quando

medimos a quantidade de sinais ou morfemas produzidos em cada enunciado).

c) Os sinais apresentam formas mais precisas e apresentam formas derivadas ou flexionadas (podem ter

aspecto e incorporarem os pontos estabelecidos no espaço, por exemplo). Os sinais são combinados com

outros sinais.

d) Os sinais e os emblemas podem incorporar pontos estabelecidos no espaço de sinalização e podem

apresentar ênfase.

e) Os gestos faciais e corporais podem co-ocorrer com a mímica e algumas vezes com classificadores e verbos

manuais.

f) A apontação pode ser gestual ou fazer parte do sistema linguístico em língua de sinais. É difícil estabelecer a

fronteira entre os dois usos da apontação, mas o fato de tocar ou não no que está sendo apontado é um dos

critérios adotados para analisar a produção como gestual ou como sinal. Se há o toque nos objetos, a

apontação é considerada gestual. A apontação para primeira e não-primeira pessoa sempre é contabilizada

como fazendo parte do sistema linguístico, embora possa haver ocorrências exclusivamente gestuais. Assim,

são excluídas as apontações que estão estejam associadas com outros sinais.

g) A intuição de falantes nativos de línguas de sinais é considerada na tomada de decisão quanto a classificação

das produções como sinais ou gestos.

h) As produções que sejam similares às produções gestuais da comunidade ouvinte são consideradas gestuais.

i) As características dos movimentos que podem ser combinados com a produção manual com elementos

fonológicos específicos das línguas de sinais são elementos que podem determinar a inclusão da produção na

categoria de sinais.

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LETRAS LIBRAS|19

Considerando estes critérios, Quadros e Lillo-Martin observaram as produções de crianças

surdas e observaram que os gestos constituem 1/4 dos ‘predicados’ das crianças. Os gestos

usados na comunidade ouvinte são também usados pelas crianças surdas. As autoras observaram

também que os gestos não substituem os sinais. Eles podem ser usados junto com os sinais que

elas produzem e não para substituir algum sinal que desconheçam. Por exemplo, as crianças

podem produzir o gesto de ‘sentar’ e em seguida o sinal de SENTAR. O gesto parece que apresenta

um valor comunicativo importante e complementar aos sinais.

Estes estudos com crianças e suas produções gestuais evidenciam a interação entre os

gestos e a fala/os sinais que vai se estender ao longo da vida. Os gestos fazem parte da

comunicação humana e integram a linguagem humana. Mesmo assim, as línguas apresentam

autonomia linguística em relação aos gestos por representarem estruturas mais

convencionalizadas, mesmo quando são consideradas icônicas.

A iconicidade, ou seja, a similaridade/identidade existente entre o símbolo e o que o

motiva (o objeto ou a ação em si), é algo que faz parte da linguagem humana. No entanto, as

línguas perdem a relação icônica ao longo de sua existência. Por exemplo, nas línguas de sinais é

muito comum se falar em sinais icônicos, ou seja, sinais que parecem ser motivados pela forma do

objeto ou pela ação em si. Na Libras, o sinal de CASA parece ser motivado pelo formato do telhado

de uma casa, embora ele seja usado para o sinal de MORAR que pode ser usado para moradia em

diferentes formatos de residência (cabanas, choupanas, embaixo da ponte, apartamento, entre

outros). Embora o sinal represente um tipo específico de telhado e possa ter sido motivado na sua

criação por este tipo de casa, ele passou a ser usado de forma muito mais abrangente e não

remonta mais o tipo de casa que possa ter motivado a sua criação. Isso é muito comum nas

línguas de sinais. Os sinais passam a ser signos linguísticos altamente arbitrários e são adquiridos

pela criança com este estatuto passando a integrar o léxico da língua em aquisição. Portanto,

assim como observado pelos pesquisadores que trabalham com gestos, há sim diferenças entre os

gestos e os signos linguísticos, sejam eles falados ou sinalizados. Há uma fronteira que num

contínuo vai do menos convencional para o mais convencional, do menos padronizado ao mais

padronizado. Reconhecemos, no entanto, que neste contínuo, algumas vezes é difícil estabelecer

o que deixou de ser gesto e passou a ser um sinal. Talvez isso aconteça porque realmente é

ambíguo (fuzzy).

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LETRAS LIBRAS|20

1.2 Expressões faciais1

A comunicação humana pode ocorrer de diferentes formas. Nem sempre recorremos à

linguagem verbal (seja ela falada ou sinalizada) para nos expressarmos. Esse pode ser o caso

quando duas pessoas não falam a mesma língua. Elas vão ter que encontrar outra forma para se

comunicar, como apontar para objetos, fazer desenhos, usar gestos para tentar expressar suas

idéias. Até mesmo falantes de uma mesma língua, em determinadas situações, podem lançar mão

de outros recursos para se fazer entender. Quando um guarda de trânsito faz um determinado

movimento com os braços, as pessoas são capazes de compreender se devem parar, se podem

prosseguir, se devem retornar, entre outros comandos.

As expressões faciais também fazem parte da comunicação humana. Através delas,

podemos revelar emoções, sentimentos, intenções para nosso interlocutor. Elas são utilizadas em

todas as línguas. No caso das línguas de sinais, as expressões faciais desempenham um papel

fundamental e devem ser estudadas detalhadamente.

Podemos separar as expressões faciais em dois grandes grupos: as expressões afetivas e as

expressões gramaticais. As primeiras são utilizadas para expressar sentimentos (alegria, tristeza,

raiva, angústia, entre outros) e podem ou não ocorrer simultaneamente com um ou mais itens

lexicais. Conforme dito anteriormente, não são exclusivas das línguas de sinais. Nas línguas

faladas, as pessoas também expressam suas emoções por meio de expressões faciais. Já as

expressões gramaticais, estão relacionadas a certas estruturas específicas, tanto no nível da

morfologia quando no nível da sintaxe e são obrigatórias nas línguas de sinais em contextos

determinados.

A seguir apresentamos exemplos de expressões faciais afetivas:

1A seção sobre “Expressões Faciais” inclui partes do texto publicado no material didático do Curso de Letras Libras da Universidade

Federal de Santa Catarina, organizado por Pizzio, A. L.; Rezende, P. N. e Quadros, R. M. de. Língua Brasileira de Sinais II.

Universidade Federal de Santa Catarina. 2008. Agradeço às colegas pela autorização na sua publicação neste volume.

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LETRAS LIBRAS|21

Em virtude de serem específicas das línguas de sinais, as expressões faciais gramaticais

serão analisadas com mais detalhes a seguir.

1.2.1 Marcações não-manuais: expressões faciais gramaticais

Nível morfológico

As expressões faciais gramaticais fazem parte do conjunto de marcações não-manuais e

acompanham determinadas estruturas, tendo um escopo bem definido. No nível morfológico,

algumas marcações não-manuais estão relacionadas ao grau e apresentam escopo sobre o sinal

que está sendo produzido.

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LETRAS LIBRAS|22

Por exemplo, os adjetivos podem estar associados ao grau de intensidade como ilustrado a

seguir2:

BONITO

MAISBONITO BONITÃO

COITADINHO COITADO MAISCOITADO

POBREZINHO POBRE MAISPOBRE PROBREZÃO

2Ilustrações da Prof. Ana Regina Souza e Campello, retiradas do material de Libras II, publicado pela Universidade Federal de Santa

Catarina, no contexto do Curso de Letras Libras EAD.

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LETRAS LIBRAS|23

As expressões faciais podem ter função adjetiva, pois podem ser incorporadas ao

substantivo independente da produção de um adjetivo. Nesse caso, os substantivos incorporam o

grau de tamanho conforme apresentado nos exemplos a seguir:

CASINHA CASA MANSÃO

BEBEZINHO BEBÊ BEBEZÃO

CARRINHO CARRO CARRÃO

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LETRAS LIBRAS|24

Veja que a marcação de grau apresenta um padrão de expressões faciais que apresenta

uma variação gradual, conforme os exemplos apresentados no quadro a seguir:

Grau de intensidade

Normal Mais intenso do que o normal Muito mais intenso

Grau de tamanho

(1) (2) (3) (4) (5)

(1) Muito menor do que o normal

(2) Menor do que o normal

(3) Normal

(4) Maior do que o normal

(5) Muito maior do que o normal

Vocês podem observar que esses tipos de marcações não manuais são graduais, ou seja,

eles não apresentam uma expressão fixa, mas são produzidos com diferentes gradações de

intensidade e tamanho. A esses tipos de marcações é muito comum haver modificações de outra

ordem na produção dos sinais, isto é, os sinais podem sofrem alguma modificação que é associada

à intensidade ou grau. Por exemplo, nos sinais apresentados como exemplos de marcação de

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LETRAS LIBRAS|25

intensidade e de grau aparecem modificações na configuração de mão. Vejamos em detalhes o

exemplo da gradação de BONITO.

Quando o sinal é produzido para expressar algo com uma intensidade específica análoga ao

português à palavra BONITINHO, o sinal pode ser produzido com a configuração de mão 5 com os

dedos mais aproximados. Veja o sinal:

BONITO BONITINHO

Nível da sintaxe

No nível da sintaxe, as marcações não-manuais são responsáveis por indicar determinados

tipos de construções, como sentenças negativas, interrogativas, afirmativas, condicionais,

relativas, construções com tópico e com foco. Esses tipos de estruturas serão abordados com

maiores detalhes na seção seguinte (baseado em Quadros & Karnopp, 2004).

Sentenças negativas – São aquelas em que a sentença está sendo negada. Normalmente, possuem um

elemento negativo explícito, como NÃO, NADA, NUNCA, NINGUÉM. Na língua de sinais, podem estar

incorporadas aos sinais ou expressas apenas por meio da marcação não manual.

Sentenças interrogativas – São aquelas formuladas com a intenção de obter alguma informação

desconhecida. São perguntas que podem requerer informações relativas aos argumentos por meio de

expressões interrogativas: O QUE, COMO, ONDE, QUEM, POR QUE, PARA QUE, QUANDO, QUANTO, etc.

Também há interrogativas formuladas simplesmente para obter confirmação ou negação a respeito de

alguma coisa, por exemplo, VOCÊ QUER COMER? Se espera ter a resposta positiva ou negativa (SIM ou

NÃO).

Sentenças afirmativas – São sentenças que expressam idéias ou ações afirmativas. Por exemplo, EU VOU

FACULDADE.

Sentenças condicionais – São sentenças que estabelecem uma condição para realizar outra coisa, por

exemplo, SE CHOVER, EU NÃO IR. A condição desta sentença é não chover, para que a pessoa vá a festa.

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LETRAS LIBRAS|26

Sentenças relativas – São aquelas em que há uma inserção dentro da sentença para explicar, para

acrescentar informações, para encaixar outra questão relativa ao que está sendo dito. Nessas sentenças,

normalmente utiliza-se QUE na língua portuguesa; na língua de sinais há uma quebra na expressão facial

para anunciar a sentença relativa que é produzida com a elevação das sobrancelhas. Por exemplo, A

MENINA QUE CAIU DA BICICLETA ESTÁ NO HOSPITAL.

Construções com tópico – É uma forma diferente de organizar o discurso. O tópico retoma o assunto

sobre o qual se desenvolverá o discurso. Por exemplo, FRUTAS, EU GOSTAR MAÇA. Então, o tópico é

FRUTAS, sobre o qual será definida aquela de preferência do falante/sinalizante.

Construções com foco – São aquelas que introduzem no discurso uma informação nova que pode

estabelecer contraste, informar algo adicional ou enfatizar alguma coisa. Por exemplo, se alguém diz que

a MARIA COMPRAR CARRO NOVO e esta informação está equivocada, o falante/sinalizante seguinte

pode fazer uma retificação: NÃO, PAULO COMPRAR CARRO NOVO. Paulo aqui será o foco.

Dentre as expressões faciais utilizadas gramaticalmente estão os movimentos de cabeça

(tanto afirmativo quanto negativo), a direção do olhar, a elevação das sobrancelhas, a elevação ou

o abaixamento da cabeça, o franzir da testa, o piscar dos olhos, além de movimentos com os

lábios para indicar negação, para diferenciar os tipos de interrogativas e assim por diante. Ainda

não há estudos exaustivos sobre as marcações não manuais na Libras, mas estaremos fazendo um

levantamento com base em alguns dados e vocês poderão, também, ajudar a delinear algumas

marcações recorrentes nessa língua. Cada uma dessas expressões está associada a uma

determinada estrutura sintática e apresenta um escopo bem definido. Em uma mesma sentença é

possível ter mais de uma marcação não-manual e a sua ausência pode deixar uma sentença

agramatical (como será observado na próxima seção). A seguir são apresentados exemplos do uso

gramatical das expressões faciais.

a) Negação (neg)

Segundo Arrotéia (2005), existem duas formas de indicar a negação não-manual em Libras.

Na primeira forma pode ser realizado o movimento da cabeça para os lados indicando a negação,

mas este movimento não é obrigatório na língua de sinais e está ligado a questões discursivas. Na

segunda, utilizamos expressões faciais de negação em que há modificação no contorno da boca

(abaixamento dos cantos da boca ou arredondamento dos lábios), sempre associada ao

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LETRAS LIBRAS|27

O asterisco ‘*’ indica que a sentença é agramatical.

abaixamento das sobrancelhas e ao leve abaixamento da cabeça. Diferentemente do movimento

de cabeça, as expressões faciais são obrigatórias para marcar a negação, estando relacionadas a

questões sintáticas.

A autora ainda afirma que o uso do movimento de cabeça para a negação apresenta uma

distribuição mais ampla do que as expressões faciais. É possível realizá-lo apenas junto ao

marcador ‘não’, junto ao sintagma verbal, junto a toda sentença e ainda pode se estender para

além do último sinal realizado, como pode ser visto nas glosas dos exemplos3 abaixo.

a. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef

b. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef

c. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef

d. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef

Já as expressões faciais negativas têm uma distribuição mais restrita. Elas não podem acompanhar

a sentença toda, nem podem se limitar ao marcador de negação. Elas necessariamente devem co-ocorrer

junto a todo o sintagma verbal, conforme ilustrado a seguir.

a. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef

b. *IX<1> NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef

c. *IX<1>NÃOef 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>a

3 Como estamos tratando de dois tipos diferentes de marcação não-manual de negação, elas serão representadas por uma linha

horizontal acima e abaixo da sentença. A marcação de movimento de cabeça será representada pelas letras ‘mc’ e a marcação de

expressão facial, pelas letras ‘ef’.

mc

mc

mc

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LETRAS LIBRAS|28

Os sinais manuais que acompanham as marcações não-manuais acima citadas são os

seguintes (ilustrações de Arroteia, 2005).

NINGUÉM

NADA

NADA, NINGUÉM, NENHUM

b) Afirmação (afirm): são realizados movimentos para cima e para baixo com a cabeça indicando

afirmação. Geralmente, a marcação não-manual de afirmação está relacionada a construções com

foco. Veja abaixo as glosas com os exemplos:

JOÃO VIAJAR <PODER>afirm

JOÃO LIVRO <CONHECER>afim

JOÃO TELEVISÃO <ENTENDER>afim

JOÃO MECÂNICA <SABER>afim

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LETRAS LIBRAS|29

c) Interrogativas: há 4 diferentes marcações não-manuais para as sentenças interrogativas,

dependendo do tipo de pergunta que está sendo feita.

i) Interrogativa QU (qu): há uma pequena elevação da cabeça, acompanhada do franzir da

testa.

Glosas com exemplos desse tipo de interrogativa:

<O QUE JOÃO PAGAR>qu

<QUEM JOÃO CONHECER>qu

<O QUE JOÃO SABER>qu

<QUEM JOÃO NAMORAR>qu

<O QUE JOÃO LER>qu

<O QUE JOÃO ESTUDAR>qu

ii) Interrogativa S/N (sn): há um leve abaixamento da cabeça, acompanhado elevação das

sobrancelhas.

Glosas com exemplos desse tipo de interrogativa:

< JOÃO COMPRAR CARRO>sn

<JOÃO GOSTAR VÔLEI>sn

<JOÃO TRABALHAR FÁBRICA>sn

<JOÃO GOSTAR CERVEJA>sn

<JOÃO NAMORAR MARIA>sn

<JOÃO TER FILHOS>sn

iii) Interrogativa que expressa dúvida e desconfiança (pode ser feita com uma ou duas

mãos): lábios comprimidos ou em protrusão, olhos mais fechados e testa franzida, leve inclinação

dos ombros para um lado ou para trás.

Glosas com exemplos desse tipo de interrogativa:

[JOÃO BANHEIRO TRANCADO Q-e]dúvida

[IX(ELES) REUNIÃO ESCONDIDO. IX(1) PENSAR Q-e ESCONDIDO]dúvida

[ESCOLA PROFESSOR ENSINAR LÍNGUA DE SINAIS Q-e]dúvida

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LETRAS LIBRAS|30

iv) QU que aparece em sentenças subordinadas sem a marcação não-manual

interrogativa: os sinais para O-QUE e QUEM dentro da sentença são realizados com a marcação

não manual da própria sentença, ou seja, será afirmativa ou negativa:

Glosas com exemplos desse tipo de interrogativa:

<EU SEI QUEM ROUBOU>afirmativa

<EU NÃO SEI QUEM ROUBOU>negativa

d) Direção do olhar (do): direcionar a cabeça e os olhos para uma localização específica

simultaneamente com um e/ou mais sinais, para estabelecer a concordância.

<TVb>do <ELEa>do <aASSISTIRb>do

Glosas com exemplos de direção do olhar:

ELE AJUDAR(ela)

EU ENTREGAR(ele) LIVRO

TU TELEFONAR(para ela)

ELE AVISAR MAMÃE

e) Elevação das sobrancelhas (top): a elevação das sobrancelhas é a marca associada ao tópico e

por isso é representada pelas letras ‘top’.

Glosas com exemplos de elevação das sobrancelhas:

<ANIMAIS>top EU GOSTAR GATO

<PARIS>top EU VOU

<MARIA>top JOÃO GOSTA ELA

<JOÃO>top MÃE CUIDAR

<BRASIL>top NÓS AMAMOS

<CARRO>top ELE GOSTAR AUDI

<LIVRO>top ELA GOSTA ROMANCE

Leite (2008) analisou alguns aspectos da conversação na Libras e observou um conjunto de

marcadores não manuais. O autor faz o primeiro levantamento de um repertório de recursos

manuais e não manuais que constitui uma referência inicial para a segmentação do discurso na

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LETRAS LIBRAS|31

Libras em termos gramaticais associados à informação prosódica. Há poucas referências à

prosódia4 nos estudos das línguas de sinais, no entanto, muitos pesquisadores de línguas de sinais

fazem referência às marcações não manuais como gramaticais. Intuitivamente, vários sinalizantes

afirmam tacitamente que essas marcações fazem parte da gramática da língua, no entanto, não há

estudos detalhados de como se explicam essas marcas na língua. A prosódia, portanto, se torna

um campo de estudos profícuo nas línguas de sinais, podendo contribuir, de forma mais

abrangente, para os estudos linguísticos de modo geral. Veja que no caso das línguas faladas,

houve a tendência de separar a língua das marcações gestuais e entoacionais, enquanto que nas

línguas de sinais sempre houve dificuldade em descolar uma coisa da outra, evidenciando que a

língua incorpora elementos manuais e não manuais de forma intrínseca.

A seguir é apresentada a síntese de Leite (2008:256-257) com os marcadores não manuais

identificados, considerando o contexto conversacional:

Marcas formais prosódicas de segmentação na Libras

Nível Tipo Função Prosódica

Manual

Alongamento final

a) manutenção da suspensão pós-golpe ou da suspensão independente

b)reiteração dos movimentos repetitivos internos ao golpe

c) transformação de uma fase expressiva formada por suspensão independente em

uma fase expressiva formada por golpe

Marcação de disjunção na cadeia de fala, delimitando

fronteiras entre UPs e/ou trechos maiores de discurso

Reduções fonético-fonológicas

a) sobreposição da fase expressiva de um sinal com a fase de preparação de outro sinal

b) elisão de movimentos repetitivos internos ao golpe

c) retenção bastante breve da suspensão independente nas fases expressivas sem golpe

Marcação de junção na cadeia de fala, fortalecendo

a coesão interna da UP

4Prosódia (originário do grego προςωδία) é o estudo do ritmo, entonação e demais atributos correlatos na fala. Ela descreve todas

as propriedades acústicas da fala que não podem ser preditas pela transcrição ortográfica (ou similar). Entonação é a variação da altura utilizada na fala que incide sobre uma palavra ou oração, e não de fonemas ou sílabas. Entonação e ênfase são elementos da prosódia, elemento da Linguística. As funções linguísticas da entonação são exercidas em instâncias superiores às dos fonemas e palavras, sendo considerada, portanto, um componente linguístico suprasegmental. Muitas línguas usam a entonação sintaticamente, por exemplo, para expressar surpresa ou ironia, e, mais comumente, para distinguir uma declaração de uma interrogação; o português e o inglês pertencem a este grupo. (Definições disponíveis em http://pt.wikipedia.org/wiki/Prosódia e http://pt.wikipedia.org/wiki/Entonação , consultadas em 15/08/2008). No caso das línguas de sinais, a prosódia é marcada por marcações não manuais. Por exemplo, a entonação pode ser marcada por meio de expressões faciais, se eu quiser ser irônico em sinais, eu posso usar a expressão facial de olhos semi-abertos com olhar de canto. Leite identificou algumas marcações prosódicas na libras, coforme sintetizado no seu quadro.

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LETRAS LIBRAS|32

d) assimilação da configuração de mão do sinal subseqüente pelo sinal inicial

e) abreviação dos movimentos repetitivos internos ao golpe

Gestos atencionais coesos

a) espacialização dos sinais

Delimitação de UPs e/ou trechos maiores de discurso

Não-manual

Sinais não-manuais

a) piscada de olhos b) acenos de cabeça

c) retomada do contato visual

Marcação de disjunção na cadeia de fala, delimitando

fronteiras entre UPs e/ou trechos maiores de discurso

d) espraiamento de imagens bucais

Marcação de junção na cadeia de fala, fortalecendo

a coesão interna da UP

Gestos atencionais coesos

a) expressões faciais b) posicionamentos e/ou movimentos da cabeça

c) orientações e/ou movimentos do tronco

d) direcionamento e/ou movimentos do olhar

Delimitação de UPs e/ou trechos maiores de discurso

Tabela 1. Síntese das marcas formais de salientação da Libras no âmbito do discurso Leite (2008; p. 256)

Marcas formais prosódicas de acentuação na Libras

Nível Tipo Função Prosódica

Manual

Modulação das fases do gesto (preparação mais longa, seguida de suspensão pré-golpe

e golpe mais rápido e longo)

Salientação de um item informacional

numa UP

Não-manual

Breves deslocamentos do olhar, de um padrão estável para pontos discretos no curso de uma UP

Salientação de item informacional e/ou facilitação da percepção de uma

soletração manual

Tabela 2. Síntese das marcas formais de salientação da Libras no âmbito das UPs Leite (2008; p. 257)

1.3 Apontação

A apontação entra no conjunto dos dêiticos, ou seja, seu significado depende da

referência atual dentro do discurso.

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LETRAS LIBRAS|33

A dêixis (ou díxis) designa o conjunto de palavras ou expressões (expressões dêiticas) que têm como função "apontar" para o contexto situacional (exófora) de uma dada interação.

Disponível em: http://educacao.uol.com.br/portugues/este-esta-isto-esse-essa-isso-pronomes-demonstrativos-deixis-anafora-e-catafora.jhtm

O gesto de apontar na foto a seguir mostra a criança apontando para o imã da geladeira à

sua esquerda (e não ao da direita). A apontação é específica e determinada pelo

falante/sinalizante no ato discursivo.

Na foto a seguir, a menina aponta para o seu interlocutor. Esta apontação é produzida

gestualmente, mas pode passar a incorporar o sistema linguístico das línguas de sinais.

Quadros (1997) apresenta os estudos de Petitto & Bellugi (1988) e Petitto (10987) a

respeito do uso da apontação. Essas autoras observaram uma transição do uso gestual da

apontação para o uso linguístico da apontação em crianças surdas, filhas de pais surdos,

adquirindo uma língua de sinais. As autoras observaram que as crianças surdas com menos de 2

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LETRAS LIBRAS|34

anos não fazem uso dos dispositivos indicativos com função pronominal para as pessoas do

discurso. As crianças omitiam essas apontações até quando imitavam seus pais. Normalmente, as

crianças surdas com menos de 1 ano, assim como as crianças ouvintes, apontam frequentemente

para indicar objetos e pessoas. No entanto, quando a criança entra no estágio de um sinal, o uso

da apontação com função pronominal desaparece. Petitto (1987) sugere que nesse período parece

ocorrer uma reorganização por parte da criança que requer a mudança do conceito da apontação

gestual (pré-linguística) para a apontação gramatical específica das línguas de sinais com função

linguística.

Petitto (1986) observou que por volta dos dois anos de idade ocorrem 'erros' de reversão

pronominal, assim como ocorrem com crianças ouvintes. As crianças usam a apontação

direcionada ao receptor para referirem-se a si mesmas. Esse tipo de erro e a evitação do uso dos

pronomes são fenômenos diretamente relacionados com o processo de aquisição da

linguagem.Petitto (1987) concluiu que, apesar da aparente relação entre forma e significado da

apontação, a compreensão dos pronomes não é óbvia para a criança dentro do sistema linguístico

da língua de sinais. A aparente transparência da apontação é anulada diante das múltiplas funções

linguísticas que apresenta.

Petitto afirma que aspectos da estrutura linguística e da sua aquisição parecem envolver

conhecimentos específicos da linguagem. Ela conclui que, apesar da relação entre a forma e o

símbolo, a apontação e seu significado, a compreensão das funções da apontação dos pronomes

não é óbvia para a criança dentro do sistema linguístico da língua de sinais. A ideia de que a

gesticulação pode funcionar linguisticamente é tão forte, que anula a transparência indicativa da

apontação.

1.4 O que é transcrito como gestos e sinais nas pesquisas que desenvolvemos com a Libras?

Nos estudos da Libras, temos usado algumas padronizações para nos referir aos sinais e

aos gestos (Lillo-Martin; Quadros & Chen-Pichler, 2009). Acordamos em diferenciar o uso de

sinais com glosas de identificadores de sinais padronizados com letras maiúsculas e gestos com a

inicial ‘g’ e uma descrição do gesto utilizado. Como já vimos, também há emblemas que são gestos

convecionalizados. Os emblemas são indicados com a inicial ‘e’ e sua descrição entre parênteses.

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LETRAS LIBRAS|35

Como usamos o sistema ELAN Eudico de transcrição (http://www.lat-mpi.eu/tools/elan/), sempre

usamos hífen entre as palavras que representam um único gesto ou único sinal.

O ELAN é uma ferramenta de anotação que permite que você possa criar, editar, visualizar

e procurar anotações através de dados de vídeo e áudio. Foi desenvolvido no Instituto de

Psicolinguística Max Planck, Nijmegen, na Holanda, com o objetivo de produzir uma base

tecnológica para a anotação e a exploração de gravações multimídia.

ELAN foi projetado especificamente para a análise de línguas, da língua de sinais e de gestos, mas

pode ser usado por todos que trabalham com corpora de mídias, isto é, com dados de vídeo e/ou

áudio, para finalidades de anotação, de análise e de documentação destes.

O ELAN é um sistema que permite criar trilhas de anotação de acordo com as necessidades

de cada usuário. Nós temos transcrições básicas que incluem uma trilha para os enunciados e mais

algumas trilhas para as unidades sintáticas, os itens individuais e as traduções. Nas trilhas de

enunciados, temos a transcrição dos sinais e dos gestos. É muito importante convecionalizar de

forma padronizada a forma das glosas dos sinais e a forma de anotar os gestos.

O Identificador das Glosas é um sistema que visa a padronização das glosas usadas pelos

transcritores de Libras. O ID também reuni, organiza e permiti a busca dos sinais e/ou das glosas

de um corpus de Libras (http://www.idsinais.libras.ufsc.br/).

Os gestos não são incluídos no Identificador de Sinais da Libras. Assim, precisamos acordar

como iremos referi-los. Em nossos estudos, temos usado uma lista de gestos e emblemas, mas

sempre podemos usar a inicial com a descrição, caso haja um item não listado. Segue a lista que

usamos:

Mímica facial

g(expressão-facial-de-brabo)

Mímica

g(senta-com-as-pernas-para-cima)

Ações

Pegar um objeto – e.g. ‘dirigir’ enquanto segura a direção do carro

g(dirigir)

g(bater-palmas)

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LETRAS LIBRAS|36

Cabeça

Movimento da cabeça

Não são incluídos na transcrição quando acompanhados de sinais; somente quando ocorrem sozinhos eles

são codificados como gesto: g(sim); g(não)

Alcançar

g(me-dá)

Localização

g(coloca-aqui)

g(senta-aqui)

Interjeições ou expressões que acompanham o gesto que aparecem também nos falantes de português

g(hey)

g(hmm)

g(huh)

g(não) [movimentando a mão inteira]

g(oh)

g(oops)

g(não-sei)

Emblemas (gestos convencionalizados que entram na língua de sinais, mas também são usados

acompanhando a fala em português) transcrever como emblemas e(xxx)

e(vir) - Vem cá

e(vir) - Vem comigo

e(ficar) - Fica aí

e(parar) - Parar

e(esperar) - Esperar

e(silenciar)– Silenciar

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LETRAS LIBRAS|37

Os sinais são transcritos com glosas que representam palavras do português emprestadas

para identificar os sinais. As glosas devem ser usadas para identificar um sinal de forma

consistente. Este será o nome do sinal. Glosas multi-palavras são conectadas com hífen, com

espaços indicando sinais separados na linha do enunciado.As glosas podem ou não refletir o

significado do sinal no contexto.

Apontação para pessoas, objetos, localizações está indicado por IX (referentes), e.g., IX(mãe). Hífens são usados nas palavras dentro dos parênteses. Possessivos ou reflexivos são usados indicado por POSS(referente) ou SELF(referente). Os verbos de indicação são usados simplesmente com a ID glosa do verbo sem incluir a informação sobre os referentes. Por exemplo, transcrever DAR, não DAR(1); VIR, não VIR(aqui). Os chamados “classificadores” são referidos como verbos descritivos. Para os eventos descritos, usamos DV seguido de uma descrição do evento entre parênteses, com hifens entre as palavras. A glosa deve descrever a ação de forma geral. Por exemplo, DV(veículo-move-baixo-cima-caminho-sinuoso) ao invés de DV(carro-honda-viajar-sul-Florida). Deve haver três elementos incluídos na glosa: o que a configuração de mão representa (por exemplo, veículo), sua ação (p.ex., move-baixo-cima) e o qual elemento espacial envolvido (p.ex., caminho sinuoso). Os verbos descritivos podem ser identificados (i.e., verbos descritivos diferente de verbos lexicais) pelas seguintes coisas: * configuração de mão específica estabelecida como morfema (configuração de mão para veículos de quatro rodas) * uma ação ou estado a ser descrito

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LETRAS LIBRAS|38

Há diferentes produções soletradas durante a sinalização (p.ex., soletração cuidadosa de

uma palavra ou soletração de apenas uma letra). Sempre que a soletração é usada, usamos

FS(palavra). A palavra soletrada ocorre entre parênteses, sem hifenização. Por examplo, usar

FS(rio) or FS(ap).

Quanto ao tempo do sinal, _ e + são os símbolos usados quando um sinal é produzido de

forma mais longa do que usualmente.

_ significa que o sinal é estático, i.e., o sinal é realizado no espaço sem movimento, como se o sinal fosse congelado, o sinal persevera por mais tempo. Por exemplo, se MÃE fica sinalizado no nariz sem movimento por um tempo mais longo deve-se transcrever da seguinte forma: MÃE_ .

+ significa que o sinal contém reduplicação (ou sequência repetida de movimentos) e que algo ocorreu com o padrão de movimento do sinal. Por exemplo, o sinal de MÃE tem dois movimentos em direção ao nariz. Se houver mais movimentos, então você deve glosar MÃE+. O mesmo se aplica a uma quantidade maior de movimentos. Somente um + é marcado no sinal para indicar esta repetição.

Os sinais e os gestos são transcritos na trilha dos enunciados, pois se complementam na

produção dos enunciados.

2 Modalidade visual-gestual-espacial5

O que é diferente e o que é igual?

Na sua grande maioria, os lingüistas têm se ocupado em identificar o que é comum entre as

línguas de sinais e as línguas faladas. Parte-se dos referenciais já propostos para as línguas faladas

e os universais linguísticos que também foram estabelecidos a partir de estudos com várias línguas

faladas e propõem-se análises das línguas de sinais.Esta linha investigativa justifica-se também,

uma vez que na década de 60 havia um movimento intenso no sentido de “provar” que as línguas

de sinais eram, de fato, línguas naturais.

Atualmente, não há dúvidas em relação ao estatuto lingüístico das línguas de sinais. Assim,

principalmente a partir da década de 90, iniciaram-se investigações com o intuito de identificar 5Este item apresenta os efeitos de modalidade que foram publicados em forma de artigo em Quadros (2006).

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LETRAS LIBRAS|39

não apenas o que era “igual”, mas também o que era “diferente” com o objetivo de enriquecer as

teorias linguísticas atuais.

A pergunta que antes era “Como a linguística se aplica às línguas de sinais ou dá conta das

línguas de sinais?” passou a ser “Como as línguas de sinais podem contribuir para os estudos

linguísticos?”

A mudança, aparentemente sutil, abre novos caminhos investigativos no campo da

linguística buscando explicações para o que é diferente entre estas modalidades de língua,

inclusive com o exercício de olhar as línguas de sinais a partir delas mesmas enquanto línguas

visuais-espaciais.

Os estudos clássicos das línguas de sinais

Os estudos dos últimos 40 anos revelam similaridades profundas entre as línguas faladas e

línguas sinalizadas tanto no nível da estrutura da frase, quanto no nível do processamento

linguístico e, também, quanto à aquisição da linguagem. A seguir, apresentamos uma síntese de

alguns estudos considerados clássicos em relação às línguas de sinais:

Stokoe (1960) apresentou a primeira análise linguística da língua de sinais americana com

evidências de que um sinal era resultado de combinações de unidades menores: a configuração da

mão, o local de articulação e o movimento. Stokoe apresenta uma análise com base na

simultaneidade, ou seja, as unidades são combinadas simultaneamente para a produção do sinal.

Battison (1974) inclui a orientação da mão como parâmetro na fonologia das línguas de sinais com

base na existência de pares mínimos em sinais que apresentam mudança de significado apenas na

produção de distintas orientações da palma da mão

Battinson (1978) apresenta as restrições fonológicas na produção de diferentes tipos de sinais que

restringem a complexidade dos sinais (por exemplo, a condição de simetria e a condição de

dominância com sinais produzidos com duas mãos).

Klima & Bellugi (1979) evidenciaram que o conjunto possível das unidades que constituíam os

sinais poderia variar de língua para língua, mas de forma bastante restrita. Também apresentam

uma análise detalhada do sistema derivacional e flexional da língua de sinais americana.

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LETRAS LIBRAS|40

Baker (1976) e Liddell (1980) apresentam uma descrição dos adjetivos, dos advérbios e de

expressões faciais que co-ocorrem com os sinais manuais de forma sistemática. Tais autores

argumentam que tais expressões faciais são lexicais, uma vez que são altamente restringidas ao

contexto dessas classes de palavras.

Liddell (1984) apresenta uma análise da sequencialidade dos sinais através da representação

interna da estrutura do sinal e as relações de dependências entre os seus segmentos. Além disso,

aponta que os sinais co-ocorrem com expressões faciais e movimentos do corpo que são

interpretados como advérbios ou informações gramaticais adicionais.

Fischer (1973); Klima & Bellugi (1979); Fischer & Gough (1978); Supalla (1982) e Padden (1983)

analisam as diferentes classes de verbos na língua de sinais americana: os verbos simples (plain

verbs) que aceitam apenas a flexão de aspecto; os verbos de movimento (verbs of motion) que

não flexionam para pessoa, número e nem aspecto, mas apresentam uma morfologia complexa e

os verbos com flexão (inflecting verbs) que flexionam para pessoa, número e aspecto. Estes

autores apresentam análises da sintaxe espacial.

Liddell e Johnson (1989) e Sandler (1989) desenvolvem modelos que não são apenas simultâneos,

mas apresentam uma seqüência estrutural, por exemplo, um sinal pode ter duas CM ou L em uma

seqüência. Esta proposta tornou possível uma análise do morfema de concordância consistindo de

traços de locação como afixo independente que é ajuntado ao verbo não especificado para a

locação.

Lillo-Martin (1991) apresenta uma análise da sintaxe da língua de sinais com respaldo no processo

de aquisição da linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos. A autora evidencia que a

língua de sinais americana é analisável segundo os princípios e parâmetros propostos pela teoria

gerativa.

Neidle, Kegl, MacLaughlin, Bahan & Lee (2000) apresentam a sintaxe da língua de sinais

americana. Os autores apresentam marcações manuais e não manuais como expressões de traços

sintáticos abstratos. Desenvolvem uma análise da estrutura da língua de sinais com base na teoria

gerativa.

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LETRAS LIBRAS|41

Ferreira-Brito (1995) apresenta uma breve descrição linguística da língua de sinais brasileira

incluindo, principalmente, alguns aspectos fonológicos e morfológicos. A autora menciona que o

estudo de uma língua em uma modalidade visual-espacial pode afetar as teorias linguísticas

quanto aos preceitos teóricos, quanto à gramática ao se rever a noção de arbitrariedade, a noção

de linearidade e a noção do que seja central em uma determinada língua (p.11-12).

Karnopp (1994, 1999) apresenta um estudo mais voltado para a representação fonológica da

língua de sinais brasileira. Analisa, inclusive, as implicações de processos fonológicos na aquisição

da língua de sinais brasileira.

Quadros (1995, 1999) desenvolve uma análise da estrutura da língua de sinais brasileira. Sua

proposta decorre da classificação dos verbos nesta língua que apresentam ou não concordância.

Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma descrição linguística da língua de sinais brasileira nos

níveis fonológico, morfológico e sintático.

Os estudos em busca de efeitos da modalidade

Alguns estudos têm se ocupado no sentido de identificar e analisar os efeitos da

modalidade da língua na estrutura linguística. As evidências têm sido identificadas como

consequências das diferenças nos níveis de interface articulatório-perceptual. Algumas

investigações têm ainda levantado algumas hipóteses quanto à possíveis diferenças no nível da

interface conceptual implicando em uma semântica enriquecida em função de propriedades

visuais-espaciais. A seguir, apresentamos alguns dos estudos que representam a identificação dos

efeitos da modalidade das línguas de sinais:

Padden (1988) apresenta a discussão sobre o papel do espaço nas línguas de sinais. Espaço na

língua de sinais não é apenas uma entidade semântica, um espaço mental, mas um dos elementos

que faz parte de uma unidade lexical. A pergunta formulada pelos pesquisadores diante dos

pontos espaciais estabelecidos no discurso das línguas de sinais é de como tais pontos podem ser

representados na gramática. Onde estes pontos espaciais (pronomes) são especificados no léxico?

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LETRAS LIBRAS|42

Lillo-Martin e Klima (1986) propõem uma análise para este problema: há apenas uma entrada

para pronome com locação não específica (uma variável), mas com a interpretação determinada

através do discurso.

Liddell (1990, 1995) sugere que os pontos no espaço devem ser descritos como entidades mentais

(pictóricas). Segundo sua análise, tais entidades não podem fazer parte do sistema linguístico, pois

envolvem espaços reais contendo uma representação mental do objeto/referência em si. Assim,

não há necessidade de definir o locus fonológica e morfologicamente. Além disso, a concordância

verbal deixa de existir enquanto concordância do ponto de vista linguístico.

Rathmann e Mathur (2002) analisam a proposta de Liddell e mostram que o problema se

apresenta considerando os níveis de variação fonética dos locus em línguas de sinais, sendo eles

formal e de determinação de fronteiras. No primeiro caso, se se estabelecesse um ponto no

espaço para JOÃO no lado esquerdo, se tenta voltar ao mesmo ponto ao referir JOÃO durante o

discurso. No segundo caso, um ponto diferente do ponto estabelecido para JOÃO pode ter um

significado diferente. Uma vez que há correspondência entre o ponto e o referente, cada locus

deve ser listado no léxico.Apesar dos locus de não-primeira pessoas fazerem parte de um conjunto

que apresenta “ligação” dentro do discurso, o critério do léxico que determina listabilidade não é

observado. Assim, o problema de infinitude está relacionado com a listabilidade. Os autores

destacam também evidências linguísticas (e psicolinguísticas) de que concordância existe na língua

de sinais americana. Apesar da existência destes classificadores, parece que o sistema linguístico é

ordenado de forma linear em algum nível que obviamente não é trivial.

Lillo-Martin (2002) justifica a existência de concordância nas línguas de sinais como elemento

gramatical a partir de vários aspectos linguísticos, entre eles, a autora menciona os seguintes: as

formas para primeira pessoa e não-primeira pessoa são diferentes; a presença de marcação de

número nos verbos apresenta múltiplas formas em diferentes línguas de sinais; a existência de

auxiliar em algumas línguas de sinais que expressam a relação sujeito-verbo-objeto nas

construções com verbos que não marcam concordância. No entanto, Lillo-Martin destaca que há

um tipo de construção, os verbos chamados de verbos manuais e/ou verbos classificadores, que

parece romper com todas as regras na língua de sinais em todos os níveis de análise (sintático,

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LETRAS LIBRAS|43

morfológico e fonológico), uma vez que apresenta um comportamento completamente incomum

considerando as análises clássicas de um item lexical.

Liddell (2000) tende a analisar tais construções como expressões de ordem não sintática. Esse viés

é retomado nas suas análises mais atuais excluindo por completo uma análise de ordem sintática

nos termos analisados até então considerando a teoria linguística e os estudos das línguas em

geral. Sua proposta segue um rumo alternativo. Sua versão, na verdade, resulta de uma atenção

especial às diferenças, uma vez que assim poder-se-ia estar adentrando nos limites da teoria

linguística. Liddell (1990, 1995) considera que os pontos estabelecidos no espaço que são

incorporados pelos verbos no que vem se chamando de concordância, não podem ser analisados

morfologicamente, uma vez que tais pontos são indeterminados. A partir de suas análises, ele

conclui que não há concordância verbal na língua de sinais americana. Para o autor, o que

acontece é uma indicação de natureza gestual combinada com elementos de ordem linguística dos

sinais.

Lillo-Martin (2002) e Quadros (2002) apresentam evidências quanto ao status da concordância na

língua de sinais brasileira. As autoras apresentam exemplos para ilustrar que não há uma

ordenação caótica nas sentenças incluindo os verbos manuais. Isso indica que, apesar das

características essencialmente visuais e espaciais, há restrições quanto à ordenação dos

constituintes na estrutura. Tais construções seguem o mesmo padrão: todas ocupam a posição

final da sentença. Com os classificadores, o predicado complexo inteiro que inclui o verbo ocupa

esta posição. Todos os exemplos estão ou associado com a marcação não-manual de concordância

ou com a marcação não manual de tópico. Em termos estruturais, a posição final também é

ocupada pelo foco que usualmente está associada com o movimento da cabeça, mas têm-se

exemplos de que há restrições de tal posição ser ocupada por argumentos oracionais. Uma

hipótese possível seria considerar estas construções manuais tendo relação em alguma instância

com as construções de foco, mas tais argumentos oracionais serem considerados pela sintaxe

nucleares, uma vez que morfologicamente apresentam características de um único sinal. Assim, a

sintaxe sendo cega a informação semântica oracional, a estrutura seria derivada de qualquer

forma apresentando a devida interpretação na interface que do ponto de vista fonológico

apresentaria uma interpretação equivalente a um único sinal que pode ser analisado em unidades

menores (cf. Suppala, 1982, 1986).

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LETRAS LIBRAS|44

Considerando esses estudos, parece haver efeitos de modalidade que se refletem na

própria estrutura da língua. Segundo Liddell (1995), a informação sobre a relação entre a atividade

e o objeto envolvido é claramente expressada de forma espacial num sentido pictórico. Um

exemplo seria o seguinte:

WOMAN PIE PUT-IN-OVEN A Mulher colocou a torta no forno. (Liddell, 1980:89-91) BALL JOHN SWING-A-BAT John bateu na bola com um taco. FENCE CAT SLEEP O gato dormiu na cerca sentado. (Liddell, 1980:91-100)

Interessantemente, tais exemplos na língua de sinais brasileira apresentam estes verbos

manuais/classificadores na posição final:

JOÃO PAREDE PINTAR-ROLO

João pinta a parede com o rolo.

JOÃO CARRO [CL(carro)-BATER-POSTE – ]cl

O João estava de carro e deu uma batidinha no poste.

JOÃO MARIA [CL(pessoa)-CRUZAR-UM-PELO-OUTRO]

O João cruzou pela Maria.

CENTRO PESSOAS [CL(pessoas)-CRUZANDO-ENTRE-SI

No centro, várias pessoas cruzam entre si.

Ao que tudo indica, as derivações visuais-espaciais seguem a mesma lógica das derivações

orais-auditivas, no sentido de observar restrições na organização sintática que delimitam as

possibilidades existentes na derivação de sentenças. No entanto, as observações de Liddell são

pertinentes, em especial, quanto à organização morfológica das palavras classificadoras, apesar de

haver argumentos favoráveis a uma análise nos padrões clássicos (Suppala, 1982, 1986). Lillo-

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LETRAS LIBRAS|45

Martin (2002) apresenta a partir dessas considerações a seguinte questão: as línguas de sinais

podem oferecer alguma informação nova quanto ao nível de interface articulatório-perceptual?

Nesse sentido, cabe considerar o estabelecimento de pontos no espaço. Do ponto de vista

de Liddell, tais pontos não podem ser analisados como representações gramaticais, mas sim

pictóricas. De fato, tais pontos não seguem os padrões de análise morfológico clássicos, no

entanto, as evidências sintáticas acomodam as análises dentro da perspectiva da teoria linguística.

Aqui surge ainda outra questão, as informações gramaticais atreladas às marcas não-

manuais que também apresentam um caminho de possibilidades de contribuições para o

entendimento das interfaces. Rathmann e Mathur, acomodando a versão de Liddell, propõem que

as marcações chamadas neste trabalho como ‘manuais’ (ou gestuais por Rathmann e Mathur, ou

ainda representações espaciais mentais pictóricas por Liddell) podem ser classificadas como

concordância no sentido sintático, mas apresentar repercussões no nível articulatório-perceptual.

Muitas pesquisas sobre a estrutura das línguas de sinais têm considerado tais questões,

mas ainda tem-se muito a ser investigado. Por um lado, existe uma preocupação em relação aos

efeitos das diferenças na modalidade fazendo com que os estudos das línguas de sinais sejam

extremamente relevantes. Por outro lado, as similaridades encontradas entre as línguas faladas e

as línguas sinalizadas parecem indicar a existência de propriedades do sistema linguístico que

transcendem a modalidade das línguas. Nesse sentido, o estudo das línguas de sinais tem

apresentado elementos significativos para a confirmação dos princípios que regem as línguas

humanas.

(...) sign languages resemble spoken languages in all major aspects, showing that

there truly are universals of language despite differences in the modality in which the

language is performed.

(FROMKIN & RODMAN, 1993)

3 Descrição visual (classificadores)

Muitas línguas de sinais em várias partes do mundo usam esse a descrição visual (depicting

constructions), também chamadas de classificadores. Essas construções podem ser categorizadas

comoadjetivaisou verbais.

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LETRAS LIBRAS|46

As descrições visuais adjetivais podem ser diferenciadas em três tipos:

a) descrições adjetivais visuais nominalizadas: por exemplo, o sinal de CASAe o sinal de EDIFÍCIO na

Libras

b) descrições adjetivais de forma e tamanho especificadas: por exemplo, a forma retangular

arredondada de um lap-top ou os detalhes de uma moldura de um quadro com formato que

apresenta linhas que se estreitam e se alargam ao longo da sua extensão nos dois ângulos do

quadro (nesses exemplos, as mãos e os dedos movem-se para acompanhar os traçados

descritos visualmente)

c) descrições adjetivais estendidas que envolve mudança no volume ou na quantidade de alguma

coisa (ou seja, naquilo que tem dentro de um container, ao invés do container em si). Por

exemplo, os dedos se movem para indicar o estado gasoso da água evaporando ao ser fervida.

As descrições visuais verbais descrevem ações e se dividem em dois grupos:

a) descrições sem agente, ou seja, sem nenhuma pessoa por trás da ação realizada, em que há

locativos e/ou movimento. Neste caso, podemos ter a descrição indicando a posição ocupado

e o possível movimento que possa ocorrer com este objeto. Por exemplo, um carro parado na

frente da casa indicando a sua posição. O mesmo carro pode começar a se mover, mesmo que

não tenha um motorista (por exemplo, no caso de estar em uma lomba e começar a descê-la).

Nesses casos, não há um agente (pessoa) diretamente envolvida no estado ou evento descrito.

b) descrições com agente (pessoa) envolvido no evento descrito. Neste caso, o agente está sendo

descrito. Por exemplo, a pessoa que está andando agachada para se escapar de outra pessoa

sem ser vista.

Outro tipo de descrição verbal agentiva é os que expressam a manipulação de algo. Neste

tipo, a mão representa ela mesma (e não o instrumento) descrevendo a forma na qual segura um

determinado objeto. Por exemplo, ao segurar um pincel para pintar um quadro ou um pincel para

pintar uma parede, a mão estará segurando os objetos elencados de forma diferente. Essa forma

de segurar é uma forma de descrever visualmente a ação por meio da mão de forma direta.

Conforme Pizzio, Campello e Quadros (2006), o classificador é um tipo de morfema,

utilizado através das configurações de mãos que podem ser afixado a um morfema lexical (sinal)

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LETRAS LIBRAS|47

para mencionar a classe a que pertence o referente desse sinal, para descrevê-lo quanto à forma e

tamanho, ou para descrever a maneira como esse referente se comporta na ação verbal

(semântico).

A autoras apresentam vários exemplos de classificadores que apresentam esta função

descritiva. A seguir transcrevemos algumas delas, com base em Supalla 1982:

VEJA OS EXEMPLOS EM LIBRAS NO DVD

Categoria Exemplos de CL:

Humano – 1 pessoa

PESSOA/RÔBO/ET-PASSANDO-UMA-PELA-OUTRA

PESSOA/RÔBO/ET-PASSANDO

PESSOA/RÔBO/ET-ANDANDO

PESSOA-CAINDO

PESSOA-DEITADA

PESSOA-PARADA

Humano – 2 pessoas 2-PESSOAS/RÔBO/ET-PASSANDO

Humano – 3 pessoas 3-PESSOAS/RÔBO/ET –PASSANDO

Humano – 4 pessoas 4-PESSOAS/RÔBO/ET-PASSANDO

Humano – 5 ou mais

pessoas

PLATÉIA-EM-AUDITÓRIO

MUITAS-PESSOAS-CAMINHANDO

MUITAS-PESSOAS-VINDO

Animal andando ELEFANTE-ANDANDO

CACHORRO-ANDANDO

GATO-ANDANDO

AVES-ANDANDO

Animal nadando PEIXE-NADANDO

GOLFINHO-NADANDO

Animal rastejando JACARÉ-RASTEJANDO

COBRA-RASTEJANDO

LESMA-RASTEJANDO

Animal voando

BORBOLETA-VOANDO

PÁSSARO-VOANDO

Animal pulando COLEHO-PULANDO, SAPO-PULANDO

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LETRAS LIBRAS|48

Veículos em geral em

locomoção

AVIÃO-LOCOMOVENDO-SE

ÔNIBUS-LOCOMOVENDO-SE

TREM-LOCOMOVENDO-SE

METRÔ-LOCOMOVENDO-SE

CAMINHÃO-LOCOMOVENDO-SE

Veículos de duas rodas

em locomoção

MOTO-LOCOMOVENDO-SE

BICICLETA-LOCOMOVENDO-SE

A categoria humano inclui todos os seres que apresentam a configuração física humana,

mesmo não sendo necessariamente humanos de fato, tais como, robôs, seres extraterrestres, etc.

A seguir apresentamos alguns exemplos de classificadores manuais (descrições com

agente) (baseado em Sandler e Lillo-Martin, 2006 e Ferreira-Brito, 1995):

VEJA OS EXEMPLOS EM LIBRASNO DVD

Categoria de verbos

manuais

Exemplos de CL:

PINCELAR

PEGAR-LÁPIS

PEGAR-FOLHA

PEGAR-LIVRO

PUXAR-PRATEIRA

PASSAR-ROUPA

PINTAR-COM-PINCEL-GROSSO

PINTAR-COM-ROLO

COZINHAR

VARRER

PEGAR-CELULAR

PASSAR-ESCOVA-SAPATO

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LETRAS LIBRAS|49

Todos estes exemplos são vistos em várias línguas de sinais e são descritos como

classificadores ou como descrições visuais.

4 Explorando os espaço de sinalização

As relações espaciais nas línguas de sinais são muito complexas. Na LIBRAS, assim como

verificado na ASL (Siple, 1978), as relações gramaticais são especificadas através da manipulação

dos sinais no espaço. A produção discursiva em sinais ocorre dentro de um espaço definido, na

frente do corpo, em uma área limitada pelo topo da cabeça e que se estende até os quadris. Nesse

espaço, os sinalizantes podem estabelecer diferentes referentes, além de estabelecer relações

gramaticais.

Segundo Quadros (1997), os mecanismos espaciais são fundamentais nas línguas de sinais

pois determinam relações sintáticas e semânticas/pragmáticas. No processo de aquisição de

línguas de sinais observa-se que o domínio dessas relações é considerado tardio (por volta dos 5-6

anos) porque tais relações são, de fato, altamente complexas. Basicamente, tais relações

dependem do domínio do espaço, pois toda a língua se processa espacialmente, especialmente o

estabelecimento nominal, o sistema pronominal e a concordância verbal (com os verbos que

apresentam essa possibilidade). Além desses usos do espaço, os sinalizantes podem descrever

relações espaciais, ao que chamamos de uso do espaço topográfico. A seguir, iremos discutir em

mais detalhes esses usos do espaço que fazem parte da Libras.

4.1 Espaço topográfico

Bellugi e Klima (1990) apresentam uma análise dos estudos realizados no campo da

neurociência com o objetivo de desvendar a natureza da especialização cerebral para a linguagem

a partir de surdos usuários da língua de sinais. Uma vez que a língua de sinais integra relações

espaciais e linguísticas dentro de um mesmo sistema, o estudo com sinalizantes surdos com lesões

cerebrais oferece um campo de investigações interessante para a compreensão das funções

cognitivas do cérebro. Assim, os autores aplicaram vários testes em adultos surdos com lesões no

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LETRAS LIBRAS|50

cérebro. Foram utilizados sinalizantes surdos que apresentavam lesão no hemisfério esquerdo e

outros com lesão no hemisfério direito do cérebro.

Os resultados encontrados foram muito interessantes. Os pacientes surdos com lesão no

hemisfério direito, mesmo com uma lesão extensa, não apresentaram deterioração no seu uso de

língua de sinais. Eles se mostraram fluentes, com gramática estruturada e raros erros de

sinalização. Entretanto, apesar da linguagem preservada, eles mostraram déficits no

processamento de relações espaciais não linguísticas (como descrever a organização dos objetos

em um aposento), ou seja, o uso topográfico do espaço. Aos paciente, era mostrado uma figura ou

era solicitado a eles descreverem um aposento de suas casas, como na figura abaixo. Para fazer a

descrição espacial deste espaço, eles tinham muitas dificuldades.

Desta forma, o hemisfério direito não é responsável pelo uso do espaço gramatical da

língua de sinais, apesar de ser responsável pelas relações visual-espaciais. O que se percebe é que

a representação mental para relações espaciais entre objetos reais é diferente daquela

organização espacial para conceitos gramaticais abstratos.

Em contrapartida, os pacientes surdos com lesão no hemisfério esquerdo apresentaram

um bom desempenho nos testes de percepção espacial, mas demonstraram sua língua de sinais

amplamente afetada, com efeitos parecidos com aqueles encontrados em ouvintes afásicos. Um

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LETRAS LIBRAS|51

Exemplo: Uma das pessoas que participou da pesquisa com lesão no hemisfério direito, aodescrever o seu quarto, empilhou toda mobília no lado direito, deixando o lado esquerdo dasinalização completamente vazio. Por outro lado, quando usou a estrutura espacial para asintaxe da língua de sinais, ela estabeleceu os pontos no espaço de sinalização e mantevereferências consistentes nestes locais espaciais de forma consistente.

fato que chamou a atenção foram as diferenças de padrão nos déficits linguísticos destes

pacientes. Um deles mostrou agramatismo, não utilizando os sinais adequados, não usando

flexões gramaticais nem uma ordem sintática coerente. Outros dois pacientes, aparentemente,

mostraram fluência na produção, mas com diferentes prejuízos. Um deles usava estrutura

coerente, mas apresentava erros na configuração de mão (como o equivalente a troca de sons na

fala), além de não especificar os referentes no discurso e apresentar problemas de compreensão.

O outro paciente apresentava muitos erros gramaticais, de flexão e de uso do espaço. Estes dados

mostram que lesões no hemisfério esquerdo não causam danos uniformes na língua de sinais:

danos em diferentes regiões afetam diferentes componentes linguísticos.

Os autores observaram dois usos espaciais na língua de sinais, o sintático e o topográfico.

Para as funções sintáticas, os locais espaciais e as relações entre estes locais são usados para

estabelecer relações gramaticais. Já o topográfico, se refere ao mapeamento espacial, ou seja, o

espaço dentro do qual os sinais são realizados pode ser usado para descrever o traçado do objeto

no espaço. A descrição topográfica feita pelos sinalizantes com lesões no hemisfério direito era

muito distorcida. Em contraste, a descrição linguística dos sinalizantes com lesões no hemisfério

esquerdo apresentava problemas, mas não as suas descrições topográficas. Quando foram

solicitadas informações sintáticas, os usuários com lesões no hemisfério direito conseguiram

processá-las, enquanto que os com lesões no hemisfério esquerdo, não conseguiram.

Com base nos dados, os autores concluíram que o hemisfério esquerdo é usado para a

linguagem tanto na sua forma visual-espacial, como na sua forma oral-auditiva. O fato de que a

informação gramatical na língua de sinais seja transmitida por meio da manipulação espacial, não

altera a especialidade hemisférica para a linguagem. Uma vez que a língua de sinais envolve uma

integração entre as relações visuais-espaciais e linguísticas, o estudo apresenta uma nova

perspectiva na combinação entre as mãos e o cérebro.

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LETRAS LIBRAS|52

4.2 Espaço linguístico

O espaço de sinalização das línguas de sinais é restringido. Os sinalizantes usam o espaço a

sua frente para compor o discurso, estabelecer os referentes, retomar estes referentes e

estabelecer relações gramaticais entre eles de forma específica restringida pelo sistema linguístico

visual-espacial. O espaço geral de sinalização se apresenta conforme ilustrado por Quadros e

Karnopp (2004):

Normalmente, os sinais são produzidos dentro deste espaço podendo ser um pouco mais

abrangente ou ainda menos abrangente dependendo do contexto discursivo. Em situações menos

formais, usualmente este espaço pode ser alargado. Já, em contextos mais formais, a tendência é

restringi-lo. O gênero textual também determina a flexibilização deste espaço. Em narrativas, por

exemplo, é possível alargar mais este espaço, estendendo mais o ângulo dos braços. Por outro

lado, em um texto essencialmente informativo, a tendência é estender menos os braços

restringindo o espaço da sinalização.

Neste espaço, os sinais podem ser produzidos associados a pontos específicos

estabelecidos previamente.

O estabelecimento de pontos no espaço de sinalização segue algumas regras básicas. Os

pontos no espaço devem ser estabelecidos de forma contrastiva, ou seja, um ponto se

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LETRAS LIBRAS|53

estabelecido à direita, irá contrastar com um segundo ponto estabelecido à esquerda. Mais

pontos podem ser estabelecidos no espaço, mas normalmente, não há mais de quatro pontos

estabelecidos simultaneamente, pois há restrições cognitivas em processá-los de forma não

ambígua.

No exemplo a seguir, está ilustrada o estabelecimento de dois locais no espaço de

sinalização, um a esquerda e outra a direita.

Neste exemplo, a sinalizante poderia estar referindo um espaço para um bairro da cidade a

direita e outro bairro a esquerda. Ela poderia voltar a falar sobre estes espaços de sinalização para

voltar a referir a este ou aquele bairro. Veja que a sinalizante direciona o olhar ao estabelecer

cada ponto no espaço. A direção do olhar associada ao sinal de localização do bairro são

combinadas para o estabelecimento dos pontos no espaço. Isso é importante, pois a direção do

olhar pode ser usada anaforicamente ao longo do discurso para referir a um dos espaços

estabelecidos. O ponto a direita ou a esquerda podem ser indicados por meio da apontação que

passa a ter uma função dêitica pronominal. Ao invés de repetir o sinal em cada lado, o sinalizante

pode direcionar o olhar, pode apontar e ainda pode realizar outros sinais empilhados neste ponto

ou naquele para associar o discurso ao ponto estabelecido.

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LETRAS LIBRAS|54

A seguir é apresentado um texto por meio de glosas para exemplificar isso. O símbolo <d>

indicará o ponto no espaço a direita e o símbolo <e> indicará o ponto a esquerda:

IX<eu> MORAR BAIRRO J-O-A-O P-A-U-L-O<d>. PENSAR MELHOR BAIRRO S-A-M-B-A-Q-U-I<e>.

IX<d> BOM MAS PROBLEMA AGORA TER PRÉDIO+ MOVIMENTO CARROS CL<carros-passando-uns-

pelos-outos>. IX<e> DIFERENTE, NÃO-TER PRÉDIOS+ NADA. MELHOR, CALMO. CRIANÇAS

CAMINHAR CL<área-espalhada>. TER ESCOLA MUNÍCIPIO BOM. PODER CAMINHAR PRAIA, TER

OSTRAS, TER RESTAURANTES, CALMO. IX<eu> PENSAR <e>MELHOR-DO-QUE<d>.

No exemplo acima, há o uso sintático do estabelecimento dos espaços de sinalização para

estabelecer as relações gramaticais. Por exemplo, ao incorporar os pontos do espaço ao sinal

MELHOR-DO-QUE, iniciando na posição do Bairro Sambaqui e terminando o sinal na posição do

Bairro João Paulo, há a relação comparativa estabelecida pelo sinal incorporando os dois

elementos na relação estabelecida de superioridade.

Abaixo, temos um outro exemplo em que JOÃO é estabelecido a esquerda e MARIA a

direita (vejam que nas mesmas posições que no exemplo anterior, evidenciando que estas

posições são as mais comuns ao serem estabelecidos dois referentes no espaço de sinalização).

Depois de serem estabelecidos, a sinalizante usa um auxiliar de estabelecimento de relação que é

iniciado na posição do JOÃO em direção a MARIA seguido do sinal DESEJAR.

JOAO<e> MARIA<d><e>AUXILIAR<d> DESEJAR

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LETRAS LIBRAS|55

Agora, o sentido do auxiliar inicia na MARIA e vai na direção do JOÃO, direção oposta do

exemplo anterior. Neste caso, a MARIA não gosta do JOÃO.

<d>AUXILIAR<e> DESEJAR-NÃO

A sentença composta é a seguinte:

JOAO<e> MARIA<d><e>AUXILIAR<d> DESEJAR

<d>AUXILIAR<e> DESEJAR-NÃO

‘João deseja a Maria, mas Maria não deseja o João.

As relações sintáticas entre o sujeito e objeto são determinadas pela direção do auxiliar

incorporando o sujeito na posição inicial e o objeto na posição final para indicar as relações

existentes no primeiro e no segundo caso.

No exemplo a seguir, apresentamos o verbo AJUDAR que está sendo sinalizado da posição

do JOÃO na direção da MARIA. O verbo inicia o seu movimento do lado esquerdo incorporando a

posição do JOÃO e se direciona e orienta na direção do lado direito incorporando a posição da

MARIA.

<e>AJUDAR<d>

‘O João ajuda a Maria’

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LETRAS LIBRAS|56

Aqui, o sujeito e o objeto foram omitidos, mas são facilmente recuperados pelas posições

inicial e final do verbo que incorpora as posições que foram estabelecidas previamente de forma

explícita no discurso.

O estabelecimento nominal, ou seja, o estabelecimento dos referentes no espaço de

sinalização, é um mecanismo discursivo utilizado em várias línguas de sinais. Depois dos pontos no

espaço serem estabelecidos, eles são reutilizados ao longo do discurso com função anafórica. Eles

podem ser retomados por meio da apontação explícita, por sinais que se sobrepõe ao ponto

estabelecido, pela apontação ou por meio da flexão verbal, que é o caso ilustrado por meio do

verbo AJUDAR acima. O verbo AJUDAR pertence ao conjunto de verbos chamados de verbos com

concordância, pois eles incorporam os pontos do espaço. A essa incorporação chamamos de

flexão verbal com marcação da concordância com o sujeito e/ou o objeto da sentença.

Lembramos que há outro conjunto de verbos na Libras que não marcam concordância (por

exemplo, GOSTAR, AMAR, NAMORAR, SONHAR, etc.). Quando estes verbos são usados, a Libras

vai estabelecer a relação gramatical por meio da apontação explícita ou por meio do auxiliar

associado ao verbo.

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LETRAS LIBRAS|57

Nestes exemplos, fica muito claro o papel do estabelecimentos dos pontos no espaço. Eles

servem para estabelecer os referentes do discurso, podem ser indexados discursivamente com

função anafórica e podem ser incorporados nos sinais (nomes, verbos e auxiliares) para

estabelecimento das relações sintáticas (sujeito e objeto) e semânticas (fonte, alvo e tema).

Neste material, nós abordamos aspectos relacionados com a modalidade visual-espacial da

linguagem humana. Diferenciamos gesto do sinal e aprofundamos os recursos visuais-espaciais

usados gramaticalmente nas línguas de sinais. Vimos diferentes elementos que compõem o

discurso na Libras:

1) o estabelecimento de pontos no espaço

2) a apontação

3) a flexão verbal

4) a sobreposição do espaço com outros sinais

5) o uso da descrição visual (classificadores)

Todos estes elementos são usados em diferentes línguas de sinais, pois refletem a

modalidade específica destas línguas, ou seja, a modalidade visual-gestual-espacial. Os gestos se

diferenciam dos sinais, em função da estruturação da língua de sinaisenquantoparte do sistema

linguístico, bem como, pela estabilização semântica convencional que os sinais passam a ter. Os

gestos, que se apresentam na mesma modalidade das línguas de sinais, fazem parte da linguagem

humana e complementam os sentidos produzidos pelos discursos em sinais, assim como nas

línguas faladas.

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LETRAS LIBRAS|58

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DIDÁTICA

DA LIBRAS

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LETRAS LIBRAS|64

DIDÁTICA DA LIBRAS

Ronice Müller de Quadros

INTRODUÇÃO

O texto base da disciplina está voltado para a didática do ensino de Libras. O objetivo é

compreender o que está implicado no ensino de línguas como L1 e como L2 no contexto da

educação bilíngue para surdos no Brasil. O texto está dividido em cinco partes. A primeira situa as

políticas linguísticas e o planejamento linguístico relativo à Libras no contexto brasileiro. Esta

unidade é importante para situar o ensino de Libras no país, pois ele faz parte de um

planejamento linguístico organizado por meio do Decreto 5626/2005. Assim, iniciamos com o

endentimento do que seja políticas linguísticas e o planejamento linguístico no que concerne a

Libras, em nosso país. Na segunda unidade, estudaremos o ensino de línguas, ou seja, a

terminologia específica relativa ao ensino de línguas no contexto de L1 e L2 e estudaremos as

questões centrais que tem sido debatidas entre os professores e pesquisadores que trabalham

com o ensino de línguas. Esse capítulo é a base dos capítulos seguintes, pois servem como

pressupostos sobre como ensinar Libras como L1 e como L2, temas tratados nas unidades

seguintes.

1 Políticas linguísticas e planejamento linguístico relativo à Libras no contexto brasileiro6

O Brasil ainda é considerado um país monolíngue, um país que tem o português como língua

oficial. No entanto, há vários grupos falantes de outras línguas caracterizando-se de fato um país

plurilíngue. 6Partes desta seção foram publicadas em Quadros (2009).

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LETRAS LIBRAS|65

No Brasil são faladas cerca de 210 línguas por cerca de um milhão de cidadãos

brasileiros que não têm o português como língua materna, e que nem por isso são

menos brasileiros. Cerca de 190 línguas são autóctones, isto é, línguas indígenas

de vários troncos linguísticos, como o Apurinã, o Xokléng, o Iatê, e cerca de 20 são

línguas alóctones, isto é, de imigração, que compartilham nosso devir nacional ao

lado das línguas indígenas e da língua oficial há 200 anos, como é o caso do

alemão, do italiano, do japonês. (Oliveira 2005)

Todas estas línguas são brasileiras e isso precisa ser reconhecido de fato por meio de políticas

linguísticas que favoreçam a preservação das mesmas como línguas dos cidadãos brasileiros

(Oliveira 2005). No entanto, são mais ou menos tímidas as políticas que incentivam o uso e

manutenção das diferentes línguas do país. Observa-se que o movimento linguístico do Brasil

ainda é similar ao que foi ou ainda é observado em alguns países europeus em que se favorece

alguma língua em detrimento de outras, assim como propriamente descrito por Grosjean (1982)

em relação a diferentes países europeus.

Um dos maiores mitos, de natureza autoritária, que dominam o pensamento de

certos setores da elite brasileira, é o de que vivemos numa sociedade

homogênea, dotada de apenas poucos grupos étnicos (negros, brancos, índios e

mestiços), e com o predomínio de apenas um idioma, ou seja, a língua

portuguesa. Pior ainda, este mesmo mito, decantado desde a nossa entrada na

escola, ainda prega a idéia que a nossa língua oficial, a língua portuguesa, é um

idioma de características únicas na nação, malgrado o fato de existirem dezenas

de dialetos diferenciados da língua portuguesa em todo o território nacional.[...]

O reconhecimento eleitoral do caráter multilingüista do Brasil, é condição

indispensável para a efetivação da cidadania aos não falantes da língua originária

da nossa colonização lusitana. (Miranda 2005)

Tanto Oliveira (2005) como Miranda (2005), ressaltam a necessidade da política linguística

brasileira reconhecer a existência das várias línguas brasileiras. Nesse contexto, a política

linguística tem a tendência de “subtrair” ao invés de utilizar um política de “adição” (no sentido de

Cummins 2003), ou seja, perpetua-se a ideia equivocada de que uma língua compromete o

desempenho na outra língua (“subtrai”). Assim, historicamente não se investe muito em políticas

que favorecem o desenvolvimento de outras línguas além do português. Esta situação vem sendo

transformada nos últimos anos, apesar de envolver um processo de mudança com impacto a

médio e longo prazo. Algumas proposições de políticas linguísticas “aditivas” têm sido

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LETRAS LIBRAS|66

implementadas nas fronteiras do país, nas escolas indígenas e na educação de surdos. Por

exemplo, a constituição brasileira de 1988 incorporou o reconhecimento dos povos indígenas

brasileiros acarretando uma série de consequências em relação às línguas indígenas. Desde então,

os direitos linguísticos dos índios passaram a ser considerados nas diferentes instâncias da

sociedade, entre elas, na educação. Várias escolas indígenas foram estabelecidas tendo a língua

do povo indígena como a língua de instrução e o português como segunda língua. Observam-se

também algumas ações específicas com as línguas alóctones em cidades em que a questão

linguística torna-se um bem “patrimonial” e torna-se interessante a adoção de políticas

linguísticas assumidas pelo Estado que se refletem na educação. Em relação à educação de surdos,

as políticas linguísticas começam a ser implementadas caracterizando um contexto bilíngue no

Brasil.

A língua de sinais brasileira é a língua que se constituiu na comunidade surda brasileira. É

uma língua que expressa todos os níveis linguísticos de quaisquer outras línguas, ou seja,

apresenta uma gramática com estrutura própria usada por um determinado grupo social

(Quadros/Karnopp 2004). No Brasil, as associações de surdos sempre mantiveram intercâmbios

possibilitando contatos entre surdos do país inteiro favorecendo a passagem da língua de geração

em geração entre os próprios surdos, familiares e amigos de surdos. As festas, os jogos, os

campeonatos, os pontos de encontro são formas de interação social e linguística que perpetuam a

língua de sinais brasileira. Essas práticas linguísticas, no entanto, ainda não se refletem na

educação de surdos, por representarem movimentos de resistência à um sistema que negou a

língua de sinais por muitos anos (Skliar/Quadros 2005).

As escolas de surdos brasileiras, as classes especiais, as escolas regulares com alunos surdos

incluídos e seu respectivo atendimento especializado, por muitos anos não permitiram o uso da

língua de sinais em sala de aula.7 O processo educacional era baseado na terapia de fala

objetivando o ensino do português. Atualmente ainda são sentidos reflexos dessas políticas

educacionais para surdos. Ainda nos discursos, nas políticas educacionais, nos professores, nas

salas de aulas e nos próprios alunos surdos percebe-se a reprodução de uma longa história com

7 Em grande parte do país, as crianças surdas estão inseridas nas escolas regulares de ensino em um ambiente em que a língua

portuguesa é a língua de instrução, sendo ensinada com metodologia de ensino de língua materna. No entanto, há algumas escolas

regulares que contam com a presença de intérpretes de língua de sinais e há, também, algumas escolas de surdos que permitem ou

não o uso da língua de sinais. Neste artigo, o foco será o contexto de escola regular de ensino com uma política de educação de

surdos.

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LETRAS LIBRAS|67

Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira deSinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-secomo Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que osistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituemum sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades depessoas surdas do Brasil. (Lei 10.436 de 2002).

base na desqualificação de um grupo social perante o outro traduzidos, também, na

desqualificação da língua de sinais em favor da língua portuguesa (política de “subtração”).

Apesar disso, há várias ações que indicam um processo de transformação. Nas décadas de

80 e 90, algumas escolas de surdos passaram a utilizar a língua de sinais na escola, começando a

resgatar o espaço escolar como um ambiente favorável para o seu desenvolvimento. Em 2002, foi

aprovada a Lei Federal 10.436 que reconhece a língua de sinais brasileira como uma das línguas

dos surdos brasileiros.

Essa lei foi regulamentada por meio do Decreto 5626 de 2005 determinando uma série de

ações que instauram políticas linguísticas e educacionais para preservação e disseminação dessa

língua. O Decreto prevê a realização de exames de proficiências anuais da língua brasileira de

sinais por 10 anos, além de cursos específicos de formação. Essa legislação garante a inclusão do

ensino dessa língua em todos os cursos de formação de educadores e a criação de cursos de

graduação para formar professores bilíngues (língua brasileira de sinais e língua portuguesa) para

atuarem na educação básica (primeiros anos de escolarização), cursos de graduação de letras

língua brasileira de sinais para formar professores dessa língua e cursos de tradução e

interpretação para formar tradutores e intérpretes de língua brasileira de sinais.

A Lei de Libras 10436/2002 é um grande marco nas políticas linguísticas da Libras. A lei é um

instrumento legal que reconhece e afirma a Libras como uma das línguas brasileiras usadas por

uma comunidade surda do Brasil. A Lei de Libras representa um marco, pois resulta dos

movimentos sociais surdos aliados às produções acadêmicas referentes à Libras (Quadros, 2009).

Segundo Calvet (2007), as políticas linguísticas são as grandes decisões referentes às

relações entre as línguas e a sociedade e tornam-se inseparáveis do planejamento linguístico, que

são as implementações ou aplicações dessas decisões. Ainda de acordo com Calvet, não existe

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LETRAS LIBRAS|68

planejamento linguístico sem um suporte jurídico. É necessário, portanto, destacar, que a língua

brasileira de sinais com o seu Decreto também está representando um campo importante para a

organização de novas políticas linguísticas voltadas às comunidade surdas. Não se pode esquecer,

a despeito de aspectos de fragilidades que o texto legal apresente em termos de proposição, que

a oficialidade de Libras tem um efeito direto em seu status linguístico, consequentemente, na sua

correlação de forças com as demais línguas. É inegável que o Decreto 5.626 destacou um conjunto

de referências no campo da legislação que possibilitou trazer para o centro do debate a

necessidade da sociedade brasileira de encontrar medidas para transformar o quadro de exclusão

social dos surdos brasileiros, não apenas no âmbito do ensino formal, mas também em suas

relações com o trabalho.

Os meios de comunicação passaram a veicular alguns programas com interpretação

simultânea, os políticos começaram a disponibilizar intérpretes de língua de sinais em seus

discursos, as escolas passaram a “permitir” o uso da língua de sinais na comunidade escolar e nas

salas de aula por meio de intérpretes de língua de sinais, algumas universidades passaram a

oferecer a opção da língua de sinais nos cursos de línguas e disponibilizar intérpretes de línguas de

sinais para alunos surdos. Vive-se, portanto, um momento politicamente favorável para ações

linguísticas afirmativas considerando o reconhecimento do statuslinguístico da língua de sinais

brasileira, bem como as leis de acessibilidade e de inclusão social. A partir desses movimentos, a

língua de sinais brasileira vem se tornando uma língua reconhecida não somente pelos surdos,

mas também na sociedade em geral.

Também houve eco dos estudos que foram realizados com a Libras no Brasil (tais como,

Ferreira Brito, 1995; Quadros, 1997; Quadros e Karnopp, 2004). As pesquisas desenvolvidas

apontam para o reconhecimento do status da Libras enquanto língua que apresenta todos os

níveis de análise que fazem parte de quaisquer línguas. A Libras passa, então, a ser reconhecida no

nível acadêmico, enquanto língua, especialmente no campo da Linguística. A criação dos primeiros

cursos de Letras Libras também causam impacto nas representações sociais da comunidade

brasileira. As pessoas reconhecem a Libras como língua, também por causa desta

institucionalização da Libras por meio das produções acadêmicas, bem como pela criação destes

cursos como um curso de Letras.

As representações da língua de sinais brasileira de não-língua instituídas ao longo dos anos

por meio de sua proibição em uma lógica subtrativa (uma língua em detrimento da outra),

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LETRAS LIBRAS|69

finalmente, cedem espaço para a sua valorização enquanto língua para os próprios surdos. Os

usuários da língua de sinais brasileira passam a ter orgulho da própria língua desencadeando uma

série de ações para resguardá-la e multiplicá-la. As organizações de surdos brasileiras começam a

oferecer cursos de língua de sinais abertos para a comunidade em geral. Além disso, propõe

políticas linguísticas para a sociedade brasileira e para a educação, no sentido de assegurar o

reconhecimento de sua língua e de seus direitos linguísticos (Revista da FENEIS – Federação

Nacional de Educação e Integração de Surdos - 2006).

Por outro lado, para muitos surdos o português passa a ser representado como uma

ameaça, gerando um movimento de negação da língua falada como uma forma de autoproteção.

Se a lógica é de uma política de “subtração”, então a língua de sinais deve se sobrepor à língua

portuguesa. O reconhecimento da língua de sinais inverte a lógica instituída até então, assim o

português passa a ser negado pelos surdos.

Alguns surdos que já não consideram a língua falada como uma ameaça a sua língua, passam

a utilizar o português como língua enquanto instrumento de poder. As políticas de assimilação

tanto de um lado como de outro, se transformam em políticas “aditivas” (uma língua somada a

outra). Ter mais de uma língua não representa mais um problema com diferentes repercussões,

mas sim mais poder, mais elasticidade cognitiva, mais flexibilidade social, etc. Isto é, não se vê

mais como desvantagem se apropriar da outra língua, mas sim como vantagem em vários sentidos

(cognitivo, social, cultural, político e lingüístico). Os surdos intelectuais gradativamente passam a

estabelecer este tipo de relação com o português. Instaura-se, portanto, o espaço de negociação.

As línguas são bem-vindas, mas em um processo constante de negociação quanto às suas

respectivas funções sociais, políticas e educacionais. Gradativamente reconhece-se a condição

bilíngue do aluno surdo, bem como de seus professores e intérpretes de língua de sinais.

As políticas linguísticas desencadeadas pela Lei de Libras exigem planejamento linguístico.

De certa forma, o Decreto 5626 representa este planejamento. Esse documento implementa

ações importantes que determinam a valorização da Libras no Brasil, por meio de sua difusão e

ensino. As instituições brasileiras conseguiram um instrumento legal imprescindível para respaldar

a viabilização de políticas públicas voltadas à consolidação da Libras. Quando se estabelece uma

política para a língua de sinais, aos poucos começa a ocorrer a revitalização do olhar para a

construção visual dos sentidos como direito à cidadania. Se antes a presença da língua de sinais

ficava circunscrita às associações de surdos e a questões relacionadas ao lazer e ao esporte, o que

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LETRAS LIBRAS|70

também é fundamental para o ser humano, hoje ela passa a ocupar lugares oficiais como as

universidades e as escolas. A transferência dessa relação cultural que acontece nas associações de

surdos e que são fundamentais para sua subjetividade passam a adquirir legitimidade formal a

partir do reconhecimento de Libras.

Libras passa a figurar como uma língua no meio acadêmico, tornando os surdos visíveis no

país. Há uma política linguística que começa abrir circuitos sociais e culturais gradativamente. Com

isso, os surdos passam a figurar em diferentes espaços sociais.

Não se pode negar, por exemplo, o efeito de visibilidade que ocorre quando uma palestra

em um determinado ambiente está sendo interpretada em Língua de Sinais. A interpretação

simultânea é um sinal de que há a presença do surdo no ambiente, de que o direito à

informação está colocado em foco, e também de que uma política linguística está se traduzindo e

se efetivando. A disseminação de materiais traduzido para a Libras em diferentes espaços

educacionais, também tornam o direito de acesso à Libras legítimo. O próximo passo é constituir a

educação bilíngue para surdos em escolas públicas brasileiras. Para isso, o governo federal acenou

que teremos como prioridade a elaboração de um plano linguístico educacional para nortear o

estabelecimento de escolas bilíngues em todo o país. Esses exemplos de visibilização da Libras

ilustram a política linguística instaurada no país. Tendo o norte de que a educação bilíngue seja

implementada no Brasil, alguns aspectos importantes precisam ser considerados no planejamento

linguístico relativo à Libras, entre os quais, citamos os seguintes:

a) a aquisição da Libras pelas crianças surdas (L1)

b) o ensino da Libras para as crianças surdas (ensino de L1)

c) o ensino da Libras para os colegas ouvintes das crianças surdas (ensino de L2)

d) o ensino da Libras para a comunidade escolar (ensino de L2)

e) o ensino da Libras para os futuros professores da área da educação (ensino de L2)

f) a formação de professores de Libras como L1 e como L2

Nestes pontos, observa-se que sempre está implicada a questão do tipo do ensino de

língua envolvido, ou seja, se é L1 ou L2. Isso se dá porque a Libras é a L1 dos surdos, enquanto

que, normalmente, é a L2 dos ouvintes. Considerando que os contextos de ensino da Libras

podem envolver as duas situações no Brasil, temos que discutir sobre as duas formas de ensinar

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LETRAS LIBRAS|71

línguas, como L1 (também chamada de ensino de língua materna) e como L2 (também chamada

de segunda língua ou língua estrangeira). Nas próximas seções, vamos nos deter a discutir estas

questões dentro do contexto da educação de surdos e formação de professores de Libras no

Brasil.

2 O ensino de línguas: L1 e L2

2.1 Terminologia específica relativa ao ensino de línguas (conceitos elaborados com base em

Ellis, 1994; Sharwood-Smith, 1994; Gass &Selinker, 1994; Quadros, 1997)

a) Aquisição da primeira língua (AL1)

Aquisição da primeira língua se refere à língua maternal ou língua nativa. Dependendo do contexto

em que a criança cresce, ela pode ter mais de uma primeira língua, pois pode crescer com duas ou

mais línguas nativas

b) Aquisição de segunda língua (AL2)

Uma pessoa tem acesso a outra língua além da sua primeira língua que configurará a sua segunda

língua. Ela está adquirindo competencia em mais de uma língua que não seja a sua primeira língua.

c) Aquisição de terceira língua

Algumas vezes, há a distinção entre segunda e terceira línguas, ou até mesmo da quarta língua. No

entanto, o termo segunda língua é geralmente usado para quaisquer outras línguas que sejam

adquiridas além da primeira língua.

d) Aquisição de língua estrangeira

A distinção entre segunda língua e língua estrangeira está relacionada com a forma de acesso às

línguas. O ensino de uma língua estrangeira se dá de forma institucionalizada ou em contextos em

que a língua não faz parte da comunidade na qual a pessoa está inserida. Nesse caso, a pessoa

aprende a língua estrangeira em um curso de ensino de línguas. No entanto, o termo segunda

língua pode abarcar o termo língua estrangeira, isto é, uma língua estrangeira sempre é uma

segunda língua. No Brasil, o inglês e a língua de sinais Americana, por exemplo, são consideradas

línguas estrangeiras. No entanto, a Libras, ainda que seja uma segunda língua para os ouvintes, não

é considerada uma língua estrangeira, por fazer parte das línguas usadas no Brasil. Da mesma

forma, a Língua Portuguesa é considerada uma segunda língua para os surdos, mas não é uma

língua estrangeira.

e) Língua alvo (LA)

A língua não native, ou seja, a segunda língua é a língua alvo do ensino e aprendizagem.

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LETRAS LIBRAS|72

f) Língua nativa (língua maternal)

A(s) língua(s) adquirida(s) pela criança no contato com os adultos de forma natural e espontânea.

g) Falante nativo

Falante nativo é o falante (ou sinalizante) que fala uma ou mais línguas como línguas nativas. Por

exemplo, a criança, filha de pais surdos usuários de Libras, é sinalizante nativa da Libras.

h) Falante não nativo

Falante não nativo é o falante (ou sinalizantes) que usa uma ou mais línguas que não foram

adquiridas desde a infância, ou seja, o falante/sinalizante de segunda língua ou de língua

estrangeira é considerado não nativo destas línguas. Por exemplo, a pessoa que mora no Brasil e

aprendeu inglês é considerada falante não nativa do inglês.

i) Interlíngua (IL)

IL normalmente refere ao sistema linguístico usado pelos falantes/sinalizantes não nativos

aprendizes de uma segunda língua. O uso do termo IL sugere a existência de um sistema autônomo

entre a primeira língua e a língua alvo. Os estudos mostram que a IL pode também apresentar

elementos que não fazem parte nem da primeira língua nem da língua alvo.

j) Fossilização

Fossilização refere ao congelamento de uma forma aprendida. Esta forma, traço, regra ou outro

aspecto linguístico fica estabelizado de forma permanente na IL do aprendiz de segunda língua

como uma forma desviante da norma da língua alvo. As pesquisas mostram que a fossilização não é

superada mediante exposição à língua. Esta forma continua a ser apresentada pelo

falante/sinalizante da segunda língua até que haja intervenção explícita e monitoramente

constante por parte do aprendiz para superá-la.

k) Metalinguagem

Metalinguagem é usar a língua para falar sobre ela. Para falar sobre a língua, o usuário da língua

precisa desenvolver a consciência sobre ela. A língua neste caso, passa a ser o objeto da fala.

l) Input

O input é o que o aluno de línguas ouve/vê da língua que está aprendendo. É a experiência que o

aluno de línguas está tendo na língua alvo em todas as suas modalidades de expressão. O input da

língua alvo é o que está disponível ao aluno.

m) Intake

É a parte do input que realmente é processada pelo aluno e se torna conhecimento linguístico.

n) Produção

O aluno aprendiz de uma língua produz a segunda língua, embora possa fazê-lo de forma não

precisa durante o processo de aquisição da segunda língua. Embora o aluno de línguas possa não

produzir a língua alvo de forma apropriada, ele pode compreender muito mais as informações

disponíveis no seu input.

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LETRAS LIBRAS|73

o) Aquisição de segunda língua natural versus ensinada

A distrinção entre aquisição natural de línguas e ensino de língua é relevante. Essa distinção se dá

porque a língua adquirida de forma natural depende da interação espontânea da criança com

adultos. Por outro lado, o ensino de uma língua vai acontecer observando metodologias de ensino

em um ambiente linguístico diferenciado, ou seja, o ambiente de sala de aula ou ambiente voltado

para o ensino de línguas. Normalmente neste contexto, o aluno está interagindo com outros

colegas que também estão aprendendo a nova língua, ou seja, falantes não nativos da língua alvo e

contam com um professor que usa a língua alvo e aplica estratégias de ensino para que os alunos

aprendam a nova língua.

p) Aquisição-aprendizagem-desenvolvimento-ensino

Alguns pesquisadores fazem a distinção entre “aquisição” e “aprendizagem”. O primeiro processo

refere a um processo mais inconsciente de acesso à língua, no qual a pessoa vai adquirindo a língua

de forma espontânea mediante a exposição à ela. Aprendizagem de uma língua seria aplicado ao

contexto de ensino. Desenvolvimento é o termo que foca no processo, ou seja, o que acontece na

pessoa que está adquirindo ou aprendendo uma língua. É importante separar estes termos de

“ensino” de línguas que refere às didáticas que são aplicadas para tornar a aprendizagem mais fácil,

mais acessível aos alunos.

A diferença entre aquisição e aprendizagem é muito pertinente ao contexto das pessoas surdas,

pois as línguas de sinais são acessíveis aos surdos para que a aquisição da linguagem aconteça;

enquanto o português, só poderá ser aprendido pelos surdos se lhes for ensinado.

q) Erros e enganos

Erros são formas incorretas produzidas pelos alunos de línguas.

Enganos são erros não sistemáticos que os alunos de línguas produzem. Esses são corrigidos pelo

próprio aluno.

r) Competênciacomunicativa versus performance comunicativa

A competência comunicativa inclui o conhecimento que os falantes/ouvintes (sinalizantes/videntes)

tem do que constitua a forma apropriada da língua em relação aos seus objetivos comunicativos. A

performance comunicativa consiste em usar este conhecimento para entender e produzir os

discursos na outra língua.

s) Conhecimento e controle

Conhecimento linguístico envolve o conunto de representações mentais sistematizadas que

sustentam o uso da língua. É o conhecimento linguístico que o falante/sinalizante tem. O

conhecimento não necessariamente envolve o mesmo conhecimento do falante/sinalizante nativo.

O controle refere aos controles de percepção e produção da língua que o falante/sinalizante da

língua possui. O controle baixo do conhecimento refere ao conhecimento que está disponível, mas

que só pode ser acessado em condições específicas. Fluência, proficiência ou habilidade em uma

língua inclui a idéia de ser hábil em controlar efecientemente o que o falante/sinalizant já conhece.

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LETRAS LIBRAS|74

2.2 O que as crianças adquirem e o que o aluno de línguas aprende

A questão fundamental para o ensino de línguas é compreender como as crianças

aprendem. Steinberg (1993) fez uma síntese sobre esses aspectos que são apresentadas a seguir.

Steinberg levanta questões relacionadas com o desenvolvimento da compreensão e

produção, a interação entre mãe e filho usando uma fala adequada à criança, chamada também

de “manhês” e o papel da imitação e da correção. As questões que o autor levanta como centrais

são as seguintes:

Como a linguagem entra nas nossas mentes?

Como aprendemos a produzir e entender o que as pessoas falam/sinalizam?

Por volta dos quatro anos de idade, as crianças já tem um vocabulário, uma sintaxe (regras

gramaticais e estruturas) e a pronúncia da língua a qual está exposta. No caso de segunda língua,

a pronúncia das crianças é considerada nativa, enquanto os adultos que estão aprendendo uma

segunda língua ficam anos e anos tentando lidar com o seu sotaque marcado influenciado pela sua

primeira língua. Se consideramos a criança surda, ela também adquire a língua de sinais mediante

contato com usuários de Libras. Elas produzem os sinais e já começam a marcar as formas

manuais e não manuiais relacionadas com as estruturas específicas da Libras de forma muito

apropriada.

Steinberg apresenta o ramo da psicolinguística que busca explicar o que acontece com a

criança em fase de aquisição. Por exemplo, a produção da fala por crianças ouvintes que

adquirem uma língua falada acontece por meio do controle da articulação que é exercitado pelos

bebês. Esse exercício é chamado de balbucio. Essas vocalizações envolvem produções que

lembram a fala por meio dos sons, das vogais, das combinações de vogais com consoantes

apresentando padrões silábicos reconhecíveis na língua a qual a criança está exposta. Da mesma

forma, o balbuio aparece em bebês surdos, filhos de pais surdos, com articulações manuais

combinando movimentos e configurações de mãos, por exemplo (Petitto & Marantette, 1991). A

entonação vai sendo adquirida pelos bebês desde o princípio. As crianças chegam então nas

produções de uma palavra com valor de enunciados, fase que chamamos de período

“holofrásico”. A criança produz uma palavra (falada ou sinalizada) e as pessoas compreendem

como uma sentença. Veja o exemplo a seguir:

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LETRAS LIBRAS|75

Bebê: ÁGUA

Mamãe: VOCÊ ÁGUA QUERER

O bebê diz apenas o sinal de ÁGUA neste exemplo, mas a mãe sabe que ele está pedindo

água.

As pesquisas variam quanto à idade exata na qual os bebês começam a produzir as

primeiras palavras, mas de maneira geral, aceita-se que isso ocorre por volta dos 12 meses.

Apesar das crianças começarem a produzir as palavras por volta de um ano de idade, elas já

entendem muitas palavras que são dirigidas a ela. A compreensão, portanto, precede a produção.

Isso é muito importante quando ensinamos línguas. Sempre precisamos lembrar que a

compreensão precede a produção dos nossos alunos.

Uma palavra é usada pela criança para diferentes fins, entre eles, foram identificados os

seguintes:

nomear objetos

pedir alguma coisa

enfatizar ações

expressar situações mais complexas

Como as crianças ainda não dominam a língua de forma completa, elas usam os recursos

disponíveis para se comunicar, por isso elas começam com palavras isoladas para expressar todas

estas situações. Isso pode acontecer com os alunos de línguas. As vezes, ensinamos a Libras para

ouvintes e eles só conseguem usar sinais isolados, pois é o que eles tem para expressar o que

pensam ou o que querem. Precisamos ter paciência e, de certa forma, ajudá-los a produzirem o

que estão querendo produzir repetindo os sinais nos contextos específicos com as sentenças

apropriadas. Eles começam a ver e ver os sinais contextualizados, compreendem e ao longo da

aprendizagem começarão a produzir estas sentenças.

Aos poucos as crianças já começam a produzir enunciados com duas a três palavras. Isso

acontece por volta dos 18 meses, é estágio ‘telegráfico’. O que é mais interessante nesta etapa da

aquisição é que os enunciados produzidos expressam uma variedade de intenções e a

complexidade das idéias (para pedir, para chamar atenção, para recusar, para perguntar, para

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LETRAS LIBRAS|76

reclamar, para responder e para informar). As habilidades conceituais e de pensamento são

admiráveis nesta etapa, pois as crianças ainda são muito pequenas. Elas já expressam idéias

relacionadas com quantidade (‘mais’), posse (‘meu’), negação (‘não’), localização (‘boneca cama’)

e atributo (‘grande’, ‘azul’). Nesta fase, a criança ainda entende muito mais do que é capaz de

produzir. Gramaticalmente, elas não usam as palavras funcionais (artigos, preposições, auxiliares,

modais e flexões verbais e nominais). Elas usam basicamente nomes, verbos e adjetivos que

aparecem nos enunciados. Essas palavras são chamadas de ‘palavras de conteúdo’, pois elas

carregam uma informação semântica muito clara e mais concreta para a criança.

Por volta dos dois a três anos de idade, as crianças começam a elaborar as palavras

funcionais, tais como, as preposições, os artigos e os auxiliares, assim como as flexões para marcar

o tempo e o plural. Parece que há um ordem na aquisição destes componentes funcionais.

O desenvolvimento das sentenças mais complexas, incluindo enunciados mais longos

acontece de forma gradativa, do mais simples para o mais complexo. As crianças começam a

produzir sentençaas negativas, interrogativas, interrogativas e relativas a partir dos quatro a cinco

anos de idade, fase na qual é considerada praticamente adquirida a língua (ou línguas) que a

criança está exposta.

A compreensão é a base da produção. As crianças precisam estar expostas a pela menos

uma língua, para poder adquirir a linguagem e aprender a língua. Esse princípio se estende ao

ensino de línguas, os alunos de línguas precisam ouvir ou ver as línguas que estão aprendendo.

Eles precisam ter oportunidade de entender essas línguas para começarem a produzirem nestas

línguas. As crianças não vão falar ou sinalizar se não ouvirem ou verem a língua na qual estão se

desenvolvendo. Nesse sentido, o ambiente tem um papel fundamental. É preciso ter contato com

pessoas que usem a língua que a criança está adquirindo. Da mesma forma para os alunos de

línguas, é preciso ter pessoas usando a língua que eles estão aprendendo.

As crianças começam a aprender palavras com sentido mais abstrato quando elas tem

oportunidade de observar a fala associada à situações e eventos no ambiente que possam ser

relacionados as experiências e processos mentais. A criança precisa vivenciar as situações para

associá-las à linguagem.

As experiências vivenciadas pela criança são lembradas por meio da linguagem. A criança

identifica as palavras, generaliza as regras da língua do seu uso e relaciona a fala ao ambiente e às

experiências mentais. A memória apresenta também um papel muito importante neste processo,

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LETRAS LIBRAS|77

pois ela precisa lembrar de um monte de palavras e associá-las de forma apropriada a significados

com base na sua compreensão. Essa capacidade de armazenamento de informações é que

viabiliza a reanálise gramatical que a criança faz fazendo com que a língua seja internalizada.

A fala (ou sinais) dirigida à criança é muito importante. Os pais e as pessoas que convivem

com a criança conversam com ela sobre o que está acontecendo evitando falar de coisas abstratas

e não acessíveis diretamente à criança. As sentençaas são mais curtas e simples, o vocabulário

tende a ser mais simples também. A conversa é mais lenta com entonações específicas e mais

pausas do que quando feita entre adultos. O adulto usa mais palavras com entonação marcaca e

com mais ênfase do que usaria com seus pares adultos quando se dirige à criança. Essa adequação

da conversa à criança contribui para a sua compreensão e aquisição. Há também adequação do

vocabulário, com palavras como ‘au-au’ ou ‘mama’ para cachorro e mamadeira, respectivamente,

apresentando um padrão silábico repetido. Os enunciados são mais simples aproximando-se das

produções telegráficas das crianças. Também há uso de nomes próprio ao invés de pronomes.

A imitação parece ter um papel importante na aquisição; embora não explique a

compreensão das crianças e o uso criativo da linguagem pelas crianças. De qualquer forma, as

crianças imitam parte do que ouvem.

Correção não é muito importante no processo de aquisição da linguagem, pois os pais não

fazem muito uso dessa estratégia. Os pais não prestam muita atenção nas falhas gramaticais das

crianças. Na verdade, o foco fica muito mais no valor de verdade do que é dito, na forma social

apropriada de dizer algo ou ainda na forma mais inteligente da criança dizer algo. O foco,

portanto, está mais no conteúdo e não nos ‘erros’ gramaticais. As próprias crianças corrigem seus

erros gramaticais ao longo do processo de aquisiçãoo, sem intervenção direta dos seus

interlocutores.

No caso específico do ensino de línguas, o papel da imitação e da correção pode ter outras

funções. O foco no conteúdo sempre apresenta um papel mais proeminente, mas as correções

gramaticais podem ser relevantes quando apresentam uma função de monitoramento. Depois

voltaremos a falar sobre isso.

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LETRAS LIBRAS|78

2.3 Aspectos sobre o ensino de línguas: conhecimento dos professores acerca das línguas

Todos os professores tem uma teoria da aprendizagem da linguagem. Isto é, eles vão seguir

princípios e preparar suas aulas seguindo esta base teórica, mesmo que inconscientes. Muitas

vezes, os professores de línguas nem se dão contam de que estejam reproduzindo uma ou outra

forma de pensar o ensino de línguas. Por exemplo, alguns professores de Libras ensinam usando

listas de vocabulário. Essa forma de ensino, de certa forma, reproduz a base de ensino usada com

eles próprios quando aprenderam português e manifesta uma visão de ensino de línguas.

Para ajudar os professores de língua a tornarem explícitas as teorias de ensino de línguas,

esta seção objetiva trazer informações mais objetivas para que os professores possam ser mais

críticos e menos resistentes a mudanças. As teorias de ensino que sejam mais explícitas e abertas

a revisões parecem ser mais eficientes, do que aquelas que sejam implícitas e reproduzidas de

forma mais insconciente. Consciência sobre a açãopermite que o processo de ensinar e aprender

seja mais eficiente permitindo o desenvolvimento de aulas de ensino de línguas, com uma ação

mais crítica por parte do professor, bem como com o entendimento sobre a aquisição de segunda

língua. Tem vários aspectos implicados na aquisição de segunda língua que precisam estar claros

para o professor de línguas. Entre eles, sintetizamos os seguintes:

a) FONOLOGIA – O professor de línguas precisa saber qual é o sistema fonológico das línguas que o

aluno já usa. Ele precisa saber que sons/gestos que seu aluno já domina ou possa ter dificuldade de

dominar. O professor deve identificar quais os fonemas que podem ser de difícil aquisição para o

seu aluno, uma vez que o mesmo provavelmente não tenha desenvolvido na sua língua nativa. Por

exemplo, os alunos de Libras podem ter dificuldades em usar determinadas configurações de mão

por não usarem uma outra língua de sinais e nem fazer parte da produção gestual associada à

língua que falam.

b) SINTAXE – Os alunos sabem que podem ou não produzir determinadas sentenças em sua língua

nativa, mas não sabem que esse conhecimento não pode ser aplicado de forma irrestrita a nova

língua. Eles podem acabar produzindo os sinais na ordem das frases do português, tornando a

sentença estranha considerando a estrutura da Libras. Isso acontece porque é mais fácil partir de

algo que já se conhece como base para tentar se arriscar na outra língua. Por exemplo, os alunos

podem produzir os sinais da seguinte forma: EU VOU IR PARA PORTO ALEGRE N-A SEGUNDA-FEIRA.

Em sinais, seria mais apropriada a seguinte produção: SEGUNDA-FEIRA, EU IR PORTO ALEGRE. Se o

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LETRAS LIBRAS|79

professor conhece a forma como as sentenças são organizadas na língua nativa do aluno, ou seja, o

português, vai ser mais fácil intervir e ajudar o aluno a produzir nas formas mais apropriadas em

Libras.

c) MORFOLOGIA e LÉXICO – O estudo da morfologia está relacionado com a formação de palavras.

Muitas vezes, as palavras são produzidas a partir de uma parte (raíz). Temos, basicamente, dois

tipos de morfemas: os morfemas livres e os morfemas dependentes, como des- (em português que

é um morfema preso em palavras como desligar, desfazer, desconstruir ...) e feliz como um

morfema livre (em português pode aparecer sozinho ou em outras palavras tais como, felicidade,

felizardo, felizmente ...). Em Libras temos morfemas presos como L (para os sinais

VIDEOCONFERENCIA, HIPERMIDIA, AMBIENTE-VIRTUAL) e morfemas livres como NAMORAR. As

palavras em uma língua ou outra podem ser criativamente criadas a partir do conhecimento das

regras que permeiam o sistema morfológico daquela língua. Aqui temos, de certa forma, efeitos da

modalidade, pois os sistemas ariticulatórios impõem sistemas complementamente diferentes,

embora os princípios de formação e derivação de palavras possam coincidir. Por exemplo, para

expressar concordância verbal na Libras, o sinalizante deve estabelecer referentes no espaço e

incorporar os pontos estabelecidos como sujeito e objeto. No português, há também concordância

verbal, mas a forma de expressá-la restringe-se ao sujeito da sentença. Aspectos como esse são

importante serem compreendidos pelo professor de línguas.

d) SEMÂNTICA – O estudo da semântica refere ao estudo do significado. As vezes, a estrutura pode

não estar adequada, mas é possível compreender o significado do falante. O contrário também é

possível, as vezes, é possível expressar uma estrutura adequada, mas o significado não ficar claro.

Os alunos de línguas podem fazer isso quando estão aprendendo uma nova língua. O professor de

línguas precisa lembrar que nem sempre algo em uma língua seja claro suficiente na outra língua.

Por exemplo, a palavra COPO e BEBER em Libras podem estar combinadas em um único sinal, mas

isso não necessariamente fique claro em português. Em Libras, é importante estabelecer os

referentes no espaço para a compreensão das relações semânticas. Isso precisa ser ensinado pelos

professores, uma vez que os alunos que estão aprendendo a Libras podem não se dar conta da

importância que a a referência espacial toma nessa língua.

e) PRAGMÁTICA – Essa é uma parte da linguagem que o aluno de línguas precisa aprender: como a

língua deve ser usada em determinados contextos, ou seja, a pragmática da língua. Por exemplo,

em português você diz para as pessoas irem na sua casa em estruturas como a seguinte: ‘Oi, que

bom ver você, aparece lá em casa uma hora dessas’. Esse tipo de estrutura não representa um

convite real, mas uma intenção de ver a pessoa. Com esta frase, ninguém vai efetivamente ir na

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LETRAS LIBRAS|80

casa da outra a não ser que um convite explícito com data e hora marcada seja expresso. Essa

mesma sentença dita em Libras é tomada ao pé da letra e a pessoa vai se sentir convidada a ir na

casa da que está usando a expressão. O que muda é o valor pragmático da sentença em cada

língua. Isso precisa ser ensinado aos alunos de línguas.

Além desses conhecimentos, é importante que o aluno de L2 procure se apropriar dos

conhecimentos de subjazem o conhecimento gramatical. Os discursos trazem muito além do que é

a gramática que consitui uma língua, pois carregam as culturas implicadas nas produções que

imprimem conhecimentos que os falantes/sinalizantes constituem e reproduzem por meio da

linguagem. As línguas são produzidas de diferentes formas em cada grupo social e por cada

falante/sinalizante porque carrega esse conhecimento subjetivo construído socialmente.

2.4 Objetivos das investigações de segunda língua (Ellis, 1994)

Os objetivos das investigações sobre segunda língua estão relacionados com a descrição e

explicação da competência linguística e comunicativa dos alunos de segunda língua. As perguntas

centrais dessas preocupações serão sintetizadas a seguir.

a) O que os alunos de L2 adquirem?

Essa questão é motivada pelo reconhecimento de que os alunos de segunda língua não conseguem

produzir sentenças na outra língua de forma correta. A produção destes alunos, geralmente, inclui

estruturas que não correspondem as construções gramaticais da língua que estão aprendendo.

Nesse sentido, um dos objetivos é identificar o sistema linguístico que os alunos estão produzindo

para compreender como eles aprendem a segunda língua. Nesse sentido, há pesquisas analisando

as produções dos alunos, chamando de “interlíngua”, o sistema linguístico produzido pelos alunos

aprendendo uma nova língua, com forma própria que pode incluir elementos da primeira e da

segunda língua, além de elementos independentes.

O objetivo específico em responder a esta questão caracteriza-se pela documentação dos tipos

linguísticos produzidos pelos alunos de L2; pelo estabelecimento/determinação de onde e como

são manifestadas as regularidades de algum tipo e definição das mudanças padrões que ocorrem

durante o processo de aquisição da segunda língua.

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LETRAS LIBRAS|81

b) Como os alunos de L2 adquirem a segunda língua

Essa questão apresenta um caráter explanatório, ou seja, objetiva buscar explicações do processo

de aquisição/aprendizagem da L2. Por que os alunos apresentam erros? Por que estes erros são

regulares entre os alunos? Por que os sistemas linguísticos produzidos apresentam

sistematicidades ao longo do processo? Responder a estas perguntas implica em compreender

como o processo de aquisição/aprendizagem acontece com base nas produções dos alunos. A

explicação desses aspectos ajuda a compreender os processos mentais envolvidos (tipo converter o

input em conhecimento); como os alunos usam o conhecimento que já possuem (por exemplo,

partindo de sua língua nativa ou de estratégias próprias de aprendizagem) para internalizar a nova

língua. A explicação do processo ajuda a compreender como os alunos constroem a interlíngua e

outros processos que vão contribuir para resolver as dificuldades de comunicação (por exemplo,

estratégias de comunicação).

Ainda no sentido de buscar explicações ao processo de aquisição/aprendizagem da segunda língua,

surge a questão de como os fatores externos e internos se interrelacionam. Essa questão está

relacionada com fatores individuais do aluno, tais como, questões afetivas e motivações para

apreder uma nova língua.

Com base em Ellis (1994), apresentamos uma comparação entre aquisição e aprendizagem

de uma segunda língua.

Aquisição de segunda língua Ensino de segunda língua

Área que foca na aquisição de uma perspectiva

teórica

Área que investiga problemas mais práticos do ensino

de L2 em uma perspectiva aplicada

Visa compreender o que os alunos

sabem/conhecem e aprendem em diferentes

estágios da aprendizagem.

Visa compreender o que os alunos sabem comparados

aos falantes nativos para preparer estratégias de

ensino mais eficazes.

Faz parte das ciências cognitvas (investigam a

linguagem humana).

Faz parte das ciências sociais (usar o conhecimento

produzido para ser aplicado socialmente)

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LETRAS LIBRAS|82

Qual a contribuição dos estudos de segunda língua para a pedagogia do ensino de línguas?

a) pode melhorar o entendimento geral dos professores sobre as capacidades cognitivas

subjacentes a aquisição e uso da segunda língua

b) oferece ao professor conhecimentos importantes sobre as habilidades e conhecimento dos

alunos de segunda língua

c) conhecer sobre o processo de aquisição de segunda língua como input para auxiliar na

proposição de materiais e propostas de ensino (não somente quanto a metodologia, mas

quanto ao que as pessoas tem em suas mentes)

d) possibilita o acesso aos conhecimentos sobre os processos naturais de aquisição e

aprendizagem de línguas que podem facilitar o ensino de línguas, por exemplo, como as

línguas são armazenadas

Como as diferenças entre os alunos podem interferir na aprendizagem da segunda língua?

a) os alunos podem ser muito diferentes entre si em termos de como aprender, de como se

portar diante do ensino e de como enfrentar desafios na outra língua

b) o estudos das diferenças individuais precisa ser aprofundado para documentar os fatores

que contribuem para haver esta variação

Como os efeitos do ensino afetam a aprendizagem da outra língua? (por exemplo, ensino da

gramática)

Não há uma formula para o ensino de línguas que possa ser seguida para garantir o ensino e

aprendizagem da segunda língua. O que as pesquisas tem indicado são possibilidades que são

determinadas em cada context e com diferentes grupos de alunos. Os professores precisam

aprender com os resultados das pesquisas, no sentido de identificar alternativas e estratégias

que podem ser usadas ou não dependendo dos alunos com os quais se deparam.

Essas são questões que norteiam as pesquisas com o ensino de línguas. Os resultados das

pesquisas realizadas nos ajudam a definir formas de ensinar e compreender as formas de

aprender dos diferentes alunos com os quais podemos nos deparar.

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LETRAS LIBRAS|83

2.5 Crenças sobre o ensino aprendizagem de línguas: fatos e opiniões (baseado emLightbown &

Spada, 2000)

a) Línguas são aprendidas por meio da imitação (as pesquisas mostram que a imitação não é a base

da aprendizagem de línguas, mas sim a interação significativa é que vai sustentar o processo de

ensino aprendizagem de línguas); os alunos produzem muito mais sentenças do que ouvem ou

vêem, eles são capazes de internalizar muito mais do que eles ouvem ou vêem, muito além do que

seria possível memorizar ou imitar; isso não significa que imitação não tenha um papel importante

no ensino de línguas, mas as crianças não imitam tudo que ouvem ou vêem, elas frequentemente

selecionam algumas coisas para imitar, assim como os alunos de segunda língua.

b) Os pais corrigem suas crianças quando elas cometem erros. Há uma grande variedade entre a

forma de intervenção dos pais nas produções de seus filhos; mas, normalmente, os pais focam no

conteúdo e não na forma. Assim, as crianças não dependem dessa intervenção para desenvolverem

a sua língua. Os alunos de segunda língua podem adquirir muita coisa da língua que estão

aprendendo sem a intervenção explícita por parte do professor. Os alunos de segunda língua

podem persistir com algumas formas agramaticais por muitos anos, por isso, neste caso,

recomenda-se a internvenção explícita para que haja o monitoramento da forma produzida pelo

aluno.

c) Pessoas inteligentes são bons alunos de segunda língua. O teste de inteligência pode ser um bom

indicador do processo de apendizagem formal, mas não interfere nas práticas de ensino com base

na interação. Pesquisas evidenciam que alunos de diferentes níveis de inteligência podem aprender

línguas.

d) Um dos fatores mais importantes da aquisição de segunda língua é a motivicão. Todos concordam

que os nem sempre os alunos mais motivados são aqueles que tem mais facilidade em aprender

uma língua. A diferença no sucesso da aprendizagem de uma segunda língua está mais relacionada

com as diferenças nas atitudes diante da nova língua e em como o ensino interage com os estílos

de aprendizagem de cada um, bem como, nas preferências de aprendizagem.

e) Enquanto mais cedo for introduzida a segunda língua nos programas escolares, mais chance há no

sucesso da aprendizagem da segunda língua. Isso depende dos objetivos do programa de línguas

em determinados contextos sociais e escolares. A performance nativa na segunda língua depende

de uma exposição mais precoce às línguas estrangeiras. No entanto, o bilinguismo pode ter

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LETRAS LIBRAS|84

consequências negativas. As pesquisas mostram que uma boa base na primeira língua, incluindo

uma base na alfabetização na primeira língua, serve como sustenção para as segundas línguas. As

habilidades básicas de comunicação dos alunos pode ser eficiente também mesmo com o início

mais tardio no ensino de línguas. Crianças com 10 anos de idade conseguem alcançar rapidamente

as crianças que iniciaram o ensino de línguas mais cedo com apenas algumas horas de ensino por

semana. Uma a duas horas por seana por sete ou oito anos não garantem o acesso a segunda

língua de forma eficiente.

f) A maioria dos erros que os alunos de segunda língua fazem advém da interferencia da sua primeira

língua. Os padrões de transferência de uma língua para outra representam apenas uma das razões

que justificam os erros produzidos pelos alunos de segunda língua. As generalizações de regras na

segunda língua também podem ocorrer.

g) Os professores deveriam apresentar as regras gramaticais da nova língua uma de cada vez e os

alunos deveriam praticar exemplos de cada regra antes de seguirem para a próxima. O ensino de

línguas não pode ser simplificado a uma didátiva linear de ensino. Por exemplo, os alunos podem

estar aprendendo a usar o espaço de sinalização com a introdução de referentes presentes e

conjugar verbo em sinais e acabar estendendo a classe de verbos com concordância, incluindo

aqueles que não são de concordância. Língua na verdade integra regras em um sistema e que não

pode ser ensinada uma a uma. O sistema é complexo.

h) Os professores deveriam ensinar formas mais simples para depois ensinar formas mais complexas.

As pesquisas tem evidenciado que não interessa muito como a língua é apresentada aos alunos,

pois sempres haverá algumas estruturas que os alunos vão aprender antes de outras (eles precisam

estar expostos à língua em formas reais de interação). Além disso, não há dúvida de que os alunos

de segunda língua são beneficiados do contato com pessoas nativas e bilíngues nativos da língua

que estão aprendendo, pois eles sabem ajustar naturalmente a sua fala ao nível do aluno de

segunda língua ( de certa forma, é um tipo de “manhês”, mas na língua estrangeira, produzido

pelos falantes nativos que se esforçam em serem compreendidos pelos alunos da língua

estrangeira). Os professores, assim como os pais, parecem desenvolver uma habilidade em

aumentar a complexidade da língua, a medida em que o aluno desenvolve sua habilidade na língua.

Os professores precisam sim estarem atentos às formas linguísticas usadas, pois estas são sempre

oportunidades dos alunos a receberem como input.

i) Os erros dos alunos poderiam ser corrigidos assim que são produzidos para serem evitados pelo

aluno e para não se tornarem parte de sua produção. Os erros fazem parte das produções dos

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LETRAS LIBRAS|85

alunos de segunda língua. Eles revelam padrões da interlingua dos alunos que está em

desenvolvimento. Podem revelar também influência da primeira língua, bem como, regras que

estejam sendo aplicados nas suas produções. A correção excessiva pode ter um efeito negativo no

processo de aprendizagem da segunda língua tornando-se fator de desmotivação para o aluno.

Assim, a correção deve ser feita pontualmente e quando for objetivo do processo de ensino de

línguas.

j) Os professores deveriam usar materiaisl para expor os alunos exclusivamente às estruturas que

estarão sendo ensinadas durante as aulas. Os alunos precisam lidar como os materiais preparados

para o ensino e verdadeiros textos da língua que está sendo ensinada. Normalmente, os

verdadeiros textos não vão conter apenas o que é alvo do ensino. Portanto, o professor deve

ensinar seus alunos a buscar compreender os textos lidos por eles. Quando apropriado, o professor

pode produzir materiais específicos com o fim de ensinar algum aspecto específico da língua, mas

sempre será pertinente apresentar também textos reais que possam incluir os aspectos

trabalhados, além dos aspectos que sempre estarão presentes nos textos de forma independente

dos objetivos de ensino.

k) Quando os alunos estão interagindo livremente com outros colegas, eles estão aprendendo os erros

dos colegas. Já há evidências de que é bom realizar trabalhos em grupo para praticar a fala e

participar de conversas. Esse tipo de atividade é mais eficiente do que o trabalho centrado no

professor. Os grupos de trabalho combinam habilidades individuais e habilidades interativas com

papel importante no desenvolvimento de habilidades comunicativas. Portanto, é muito importante

interagir com os colegas, mesmo que eles produzam alguns erros.

l) Os alunos aprendem o que a eles é ensinado. Os alunos de segunda língua podem aprender a língua

a qual estão expostos, mas eles provavelmente não aprendem tudo o que é ensinado ou aprendem

somente o que lhes é ensinado.

Quando os professores sabem mais sobre a aquisição/aprendizagem da segunda língua,

eles passam a contar com informações que podem ajudá-los a pensar sobre sua experiência de

ensinar línguas. O ensino de línguas pode sofrer efeitos de vários fatores. Entre eles, há fatores de

ordem pessoal que afetam a forma de aprender do aluno, as estruturas das diferentes línguas

presentes no ensino de segunda língua, as oportunidades de interagir na nova língua e o acesso à

correção e ensino focado na forma. O melhor entendimento sobre estes aspectos pode permitir

ao professor e aos alunos tornar o ensino aprendizagem de segunda língua mais eficiente.

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LETRAS LIBRAS|86

2.6 Fatores individuais dos alunos de segunda língua

Há vários fatores individuais que podem afetar o ensino aprendizagem da segunda língua.

Entre eles, vamos estudar a motivação, as aptidões dos alunos, as estratégias de aprendizagem e a

idade partindo de Cook (1991).

MOTIVAÇÃO

a) Motivação integrativa: aprender uma língua faz parte da cultura de sua comunidade. A motivação

integrativa reflete se o aluno se identifica ou não com a cultura e as pessoas de alguma forma.

b) Motivação instrumental: aprender uma língua faz parte dos planos profissionais ou práticos do

aluno. A motivação instrumental reflete se o aluno está aprendendo a língua por alguma razão

especial ou por razões independentes que o motive a usar a língua.

A motivação integrativa pode ser associada à motivação instrumental. Por outro lado, alunos que

não tem nem uma ou nem outra motivação, normalmente, apresentam dificuldades em aprender a

nova língua. Eles podem ter aulas de línguas porque os pais querem que ele aprenda a nova língua.

Os professores precisam lidar com este tipo de contexto e procure despertar a motivação nos

alunos para facilitar o ensino de línguas.

c) Bilinguismo aditivo: o aluno de L2 combina as capacidades de aprendizagem. Os alunos que tem

esta característica sentem que estão aprendendo alguma coisa que passa a integrar novas

habilidades e experiências trazidas pela nova língua, sem perder nada do que já sabe.

d) Bilinguismo subtrativo: o aluno de L2 perde habilidades de uma língua em favor da outra língua.

Nessa perspectiva, o aluno parece perder habilidades na sua língua ao aprendê-las na outra língua.

Importante mencionar que os alunos de segunda língua, que apresentam sucesso ao aprender a

nova língua, são bilíngues aditivos.

Há algumas implicações no ensino que são determinadas pelas motivações dos alunos para

aprender uma nova língua. Por exemplo, é importante que o professor reconheça a variedade e

natureza das motivações dos alunos. O professor precisa, então, trabalhar com materiais que vão

ao encontro da motivação dos alunos.

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LETRAS LIBRAS|87

APTIDÕES

As aptidões dos alunos estão relacionadas com a habilidade em aprender a segunda língua

no contexto acadêmico. Há alunos que tem uma memória muito boa, eles conseguem guardar

informações que facilitam a aprendizagem dos aspectos gramaticais da nova língua. Há alunos que

são mais analíticos e isso também favorece a aprendizagem de aspectos gramaticais, mais do que

os alunos de boa memória. Por outro lado, há alunos que são essencialmente comunicativos.

Diante desses diferentes casos, os professores precisam adequar as formas de ensino para

aproveitar estas aptidões. Agrupar os alunos de acordo com suas habilidades pode favorecer o uso

de estratégias de ensino que permitam explorar estas aptidões para o desenvolvimento mais

eficaz da segunda língua.

ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM

Os alunos escolhem diferentes estratégias para aprender a nova língua. Algumas dessas

estratégias favorecem realmente a aprendizagem. Os professores precisam identifica-las para

explorá-las no ensino da segunda língua. Algumas estratégias consideradas eficientes são as

seguintes:

a) encontrar o estilo de aprendizagem que combina com o aluno (bons alunos de segunda língua

estão conscientes quanto a forma de aprender que combina consigo)

b) envolver o próprio aluno no processo de ensino da língua (o aluno não pode estar passivo no

processo, mas ativo e disposto a aceitar formas que o levem a se envolver pela língua)

c) desenvolver consciência sobre a língua tanto quanto no nível da forma, quanto no nível

comunicacional (a consciência não somente de que a língua envolve um sistema complexo de

regras, mas também de suas funções no uso)

d) prestar atenção na expansão do conhecimento sobre a língua (tanto no nível da língua como do seu

conteúdo)

e) desenvolver a L2 como um sistema separado da primeira língua (procurar usar a L2 sem misturar

com a L1)

f) estar consciente das demandas implicadas na aprendizagem da L2 (o aluno de L2 deve se dar conta

de que aprender uma nova língua exige empenho de sua parte).

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LETRAS LIBRAS|88

Os professores de línguas devem oportunizar aos alunos o desenvolvimento de estratégias

de aprendizagem. Devem propiciar que o aluno desenvolva autonomia no seu processo de ensino

aprendizagem para que criem independência nas formas de aprender. Os professores devem

incentivar os alunos a tornarem-se conscientes de suas estratégias de aprendizagem para adotá-

las de forma mais controlado para potencializar o seu ensino e aprendizagem da segunda língua.

IDADE

A idade é um dos fatores que pode influenciar a aprendizagem de uma língua. Há pesquisas

que evidenciam que as crianças parecem estar mais predispostas a aprenderem línguas. Por outro

lado, algumas pesquisas mostram que os fatores individuais podem ter um papel determinante no

processo de aprendizagem de línguas. De qualquer forma, nesta seção vamos discutir sobre a

hipótese de período crítico e sobre o ensino por imersão.

a) A hipótese do período crítico

Há pesquisas que apresentam evidências da existência de um período crítica para a aquisição da

linguagem que podem também afetar a aprendizagem de segunda língua. Este período estaria

compreendido entre dois anos de idade e a puberdade, por volta dos 9 a 12 anos de idade

(Lenneberg, 1967).Esse período é chamado de crítico porque seria aquele mais sensível à aquisição

da linguagem. O autor analisa biologicamente este período concluindo que o cérebro humano

inicialmente tem representação bilateral das funções da linguagem e, mediante o processo de

aquisição, na puberdade apenas um hemisfério se torna mais dominante em relação às funções da

linguagem completando o período de aquisição da linguagem. Caso a criança não adquira

linguagem nesse período, seu desenvolvimento lingüístico será prejudicado.Nesse sentido, o

período crítico pode ser entendido como o “pico” do processo de aquisição da linguagem. Isso não

significa que não possa haver aquisição em outros períodos da vida. As evidências para a existência

desse período vêm de crianças que, por alguma razão, foram privadas de acesso à linguagem

durante esse período evidenciando dificuldades (e impossibilidade) de aquisição da linguagem,

especialmente, da sintaxe (em nível de estrutura).

Na aquisição das línguas de sinais, vários estudos têm se debruçado na ‘aquisição

tardia’. Isso acontece porque há uma incidência significativa de crianças surdas com pais

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LETRAS LIBRAS|89

ouvintes que não adquirem a língua de sinais no período comum de aquisição da

linguagem.

Singleton e Newport (2004) verificaram que crianças surdas expostas à língua de

sinais americana depois dos 12 anos, comparadas àquelas expostas desde a mais tenra

idade, apresentaram dificuldades em relação a alguns tipos de construção. Meier (2002)

menciona que a aquisição da concordância verbal, bem como, a de outros aspectos da

morfologia está sujeita ao período crítico. Dados de aquisição de segunda língua também

indicam que as crianças expostas à língua estrangeira atingem melhor competência do que

pessoas que adquirem línguas após o período crítico. Quadros, Cruz e Pizzio (2007)

também observaram alguns atrasos no desenvolvimento da linguagem de surdos com

aquisição tardia.

Estudar crianças que não têm input ou que têm input mínimo é difícil, devido à

inexistência destes casos. No caso específico da criança surda, infelizmente, estes casos

podem ainda ser encontrados. Na ausência do input, espera-se que a criança não ative sua

capacidade para a linguagem. Por outro lado, mesmo diante de um input pobre, em função

da existência dessa capacidade, a criança pode ativar a linguagem de forma adequada.

Os casos mais extremos de estudos realizados envolvem crianças que foram

privadas de qualquer forma de input durante todo o período de aquisição. Nesses casos, as

crianças também apresentam problemas de ordem cognitiva, perceptuais e privação social.

Os casos de crianças selvagens foram muito bem documentados (por exemplo, Itard, 1932;

Lane, 1979), crianças que cresceram sem contato humano têm evidenciado que a privação

completa de input durante os primeiros anos de vida deixa seqüelas sérias no

desenvolvimento da linguagem. Vejam que estes casos são de privação total do contato

com outros seres humanos.

Talvez os casos mais extremos de privação lingüística sem privação social envolvem

os estudos de surdos sem input convencional. Os pais das crianças surdas tendem a educar

seus filhos utilizando uma linguagem oral proibindo o uso da língua de sinais. Goldin-

Meadow (2003) tem estudado profundamente as crianças surdas com pais ouvintes nestes

contextos. Por uma opção dos pais, estas crianças não são expostas a língua de sinais. Os

níveis de perda auditiva destas crianças não possibilitam um bom desempenho no

processo de aquisição da língua oral, mesmo com todo o treinamento. Embora pareça que

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LETRAS LIBRAS|90

estes contextos privam a criança de relações sociais, essas crianças crescem com todo o

suporte das famílias obtendo um suporte social ajustado. O que é interessante é que estas

crianças desenvolvem um sistema gestual individual enquanto sistema de comunicação

(conhecido como “sinais caseiros”) para utilizar com sua família. Goldin-Meadow observou

que estes sistemas apresentam regularidades estruturais características das primeiras

produções gestuais observadas nas crianças em geral: uso de um gesto de forma

consistente (palavra), o uso de estruturas recursivas (uso de estruturas subordinadas ou de

sentenças coordenadas), e uma morfologia interna dos gestos. Embora não seja um

sistema lingüístico completo, os sistemas de sinais caseiros apresentam propriedades

essenciais das línguas humanas. Esta pesquisa sugere que na ausência de um input

lingüístico convencional as crianças desenvolvem um sistema do tipo lingüístico. No

entanto, o fato de sistemas de sinais caseiros não serem estruturalmente complexos como

as línguas de sinais indica que o ambiente apresenta um papel significativo no

desenvolvimento de certas propriedades lingüísticas.

Quadros, Cruz e Pizzio (2007) realizaram um estudo experimental para avaliar o

desenvolvimento de crianças/adolescentes surdos diante de diferentes idades de acesso à

língua de sinais (input); analisar o desenvolvimento da linguagem nessas crianças surdas,

considerando os contextos de aquisição da língua de sinais; e verificar se os resultados

desta pesquisa sustentam a hipótese do “input empobrecido” e a hipótese do “período

crítico/sensível”.

Assim como nos estudos desenvolvidos por Singleton e Newport, o fato das

crianças/adolescentes surdos estarem diante de input empobrecido/confuso/inadequado;

e dessas crianças/adolescentes surdos adquirirem a língua de sinais tardiamente, não

tendo acesso a nenhuma outra língua no período inicial de aquisição da linguagem, tornam

este estudo muito interessante para análise do impacto do input, bem como do período

crítico para o desenvolvimento da linguagem.

Quadros, Cruz e Pizzio (2007), apresentaram resultados interessantes em relação à

aprendizagem tardia de L1 em língua de sinais. Em sua pesquisa, as autoras verificaram que

não só a idade de aprendizagem da língua de sinais como L1 interfere no desempenho de

compreensão e produção dos indivíduos surdos, mas também o tempo de exposição à

língua de sinais é determinante para um bom/mau desempenho da L1.

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LETRAS LIBRAS|91

No caso específico de L2, os estudos mostram que as crianças podem ter mais

facilidade de desenvolver uma segunda língua, especialmente no que concerne a fonologia

e prosódia na L2. No entanto, adultos determinados a aprender uma segunda língua

podem ser muito bem sucessidos na empreitada, embora as questões fonológicas possam

não ser resolvidas nem com o tempo de exposição à segunda língua. Os estudiosos de

segunda língua preferem usar o termo “período sensível” para a aquisição de segunda

língua, pois há uma variação muito grande entre os alunos de L2 quanto ao sucesso na

aquisição/aprendizagem de uma segunda língua.

b) Ensino por imersão

O ensino por imersão envolve um currículo de ensino de L2 de imersão, ou seja, em que os alunos

entram em um mundo na outra língua. O ensino por imersão surge a partir da idéia de que,

normalmente, as crianças adquirem uma segunda língua quando estão imersam no ambiente

linguístico na outra língua. Elas são filhas de pais brasileiros que vão morar nos Estados Unidos, por

exemplo. Nesse contexto, a pessoa acaba adquirindo a língua por osmose, muito mais próximo do

que acontece na aquisição da linguagem. Há várias pesquisas que apontam que este currículo

apresenta várias vantagens. Se as crianças e adultos são comprados em ambientes similares de

aquisição, ou seja, em programas de imersão, não necessariamente a criança apresenta vantagens

em relação ao adulto. Na verdade, os resultados apontam que em contextos de sala de aula com

programas de imersão, os adultos são melhores do que as crianças. Isso coloca em questão o fator

‘idade’ apresentado pela hipótese do período crítico. De qualquer forma, o desempenho na

pronúncia sempre é melhor em crianças quando comparadas com adultos.

2.7 Diferenças entre L1 e L2

Segundo Richard-Amato (1996), há similaridades e diferenças entre L1 e L2 que precisam

ser consideradas. Por exemplo, na sala de aula precisamos pensar em um ambiente linguístico

apropriado para a aquisição de uma língua. As crianças adquirem sua L1 em ambientes linguísticos

ricos, com a presença de pessoas que usam a língua que está adquirindo. Da mesma forma, a sala

de aula deve se tornar um ambiente linguístico rico na língua que é alvo da aprendizagem.

Condiserando as teorias de aquisição da linguagem, tanto na L1 como na L2 estamos

pressupondo a existência de conhecimentos específicos da linguagem que constituem os seres

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LETRAS LIBRAS|92

humanos. Asssim, tanto o bebê adquirindo sua L1, como o aluno de L2 possuem este conhecimento.

Por outro lado, o bebê não tem nenhuma língua quando começa a adquirir linguagem, enquanto o

aluno de L2 já parte do conhecimento pré-existente constituído com a sua aquisição da L1. Aí,

portanto, temos uma diferença clara entre a aquisição de L1 e a aprendizagem da L2.

As pesquisas também identificaram que algumas estratégias usadas pelos alunos de L2

aparecem no processo de aquisição da L1. Por exemplo, os alunos de L2 supergeneralizam regras

aplicando regras já constituídas na L1 ou aprendidas na L2. Esse processo de supergeneralização é

comum entre crianças adquirindoa sua L1 e alunos de L2. Por outro lado, os alunos de L2

transferem regras ou outros conhecimentos adquiridos na L1 para a L2 gerando a interlíngua.

Tanto a supergeneralização como a transferência são estratégias usadas pelo falante/sinalizante

para simplificar o sistema linguístico. Esse processo caracteriza-se como um processo

eminentemente linguístico em que os princípios de economia são aplicados por meio da aplicação

de sistemas linguísticos já incorporados. O aluno de L2, assim como a criança adquirindo a L1,

procura regulariza, fazer analogias e simplificar o sistema linguístico com o objetivo de comunicar.

Tanto as crianças adquirindo sua L1, como os alunos de L2 desenvolvem as línguas em

estágios de aquisição que são esperados seguindo uma ordenação comum. Em geral, aspectos

específicos de uma língua ou de outra são adquiridos em uma certa ordem tanto na L1 quanto na

L2. Por exemplo, os elementos funcionais aparecem de forma mais consistente depois dos

elementos de conteúdo.

A fala dirigida a criança que está adquirindo sua L1 é específica, assim como a fala dirigida

aos alunos de L2. Há uma produção mais simplificada, com sentenças mais curtas, recorrência de

vocabulários, correção indireta, uso de gestos e foco no conteúdo, tanto na produção dirigida à

criança, como ao aluno de segunda língua.

Uma diferença importante é a idade, pois normalmente alunos de segunda língua são mais

velhos do que as crianças que estão adquirindo sua primeira língua. Nesse sentido, os alunos de L2

apresentam algumas vantagens, pois já conhecem mais sobre o mundo e já estão desenvolvidos

cognitivamente. Além disso, eles apresentam mais controle sobre o input que recebem e são ágeis

em aprender e aplicar as regras que pode facilitar a sua aprendizagem. Os alunos de segunda

língua tem uma primeira língua e poder transferir estratégias já aplicadas à sua experiência

linguística prévia. Eles também tem mais flexibilidade cutlural ampliando o acesso às informações

e às diferentes formas discursivas respectivas às línguas que conhece.

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LETRAS LIBRAS|93

Por outro lado, o fato de serem mais velhos pode representar uma desvantagem, pois os

alunos de L2 já possuem autocrítica e podem ficar mais intimidados a usarem a nova língua, pois

usar a nova língua envolve expor-se diante dos demais e isso pode levar o aluno a não se arriscar a

usar a nova língua. Há algumas pesquisas que falam sobre o período do silêncio na aquisição de

L2. Isso normalmente acontece com os alunos que ficam mais intimidados a produzirem na nova

língua.

Os alunos de L2 apresentam um sistema chamado de “interlíngua”. Esse sistema é o que é

produzido pelo aluno, mas que já não é mais a L1 e, tão pouco a L2. A interlíngua apresenta alguns

elementos da L1 e da L2, além de elementos próprios que não são encontrados em nenhuma das

duas línguas. Parece ser um estado intermediário progressivo pelo qual o aluno de L2 passa

inclunido aspectos da fonologia, da sintaxe, da semântica e da pragmática da segunda língua. Esse

estágio avança na direção da competência nativa da língua, no entanto, parece não ser linear. Os

alunos de L2 avançam e retrocedem na composição dos diferentes elementos da língua alvo. No

entanto, parece que há momentos em que o aluno de segunda língua atinge um platô no processo,

apresentando formas mais estáveis, podendo representar a “fossilização” de algumas formas.

Frequentemente isso acontece em falantes/sinalizantes de L2 apresentando formas fossilizadas que

não implicam em problemas de comunicação, mas podem ser formas agramaticais produzidas

naturalmente. Quando há fossilização, parece ser muito difícil remediar a situação. No entanto, há

evidências de que a instrução e a conscientização sobre o uso destas formas pode servir como

monitoramento para revê-la e aprender a forma gramatical que a substitui de forma apropriada.

3 O ensino de língua de sinais como L1

Quando pensamos no ensino de língua materna, a idéia mais popular está relacionada ao

“letramento”. No entanto, o objetivo desta unidade ao abordar o ensino da língua materna

envolve um conceito muito mais amplo deste termo, um processo de interação com a língua e

com o meio envolvendo o ensino da Libras, enquanto primeira língua, L1.

Quando usamos o artigo definido “a língua” e “o meio”, estamos nos referindo à língua e

ao meio que a criança surda interage de forma natural e espontânea, ou seja, a Libras, sua L1, sua

língua materna, e pessoas que saibam esta língua.

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LETRAS LIBRAS|94

Não vamos discutir aqui as formas distorcidas de comunicação em que crianças surdas

estão expostas; tais como, português sinalizado e quaisquer outro tipo de comunicação que não

envolva uma verdadeira língua. A razão desse encaminhamento reflete a postura diante da Libras,

“a” língua em que a comunidade surda expressa suas idéias, pensamentos, poesias e arte. “A”

língua que é usada como meio e fim de interação social, cultural e científica. Os falantes nativos

desta língua conversam, planejam, sonham, brigam, contam estórias explorando meios

riquíssimos e complexos que são próprios de uma língua de sinais, no caso do Brasil, da Libras.

O ensino de L1 deve ser entendido enquanto processo; portanto, só faz sentido se

acontece na Libras, a língua que deve ser usada na escola para aquisição da língua, para aprender

através dessa língua e para aprender sobre a língua. A primeira questão que surge é a seguinte:

Qual é o nível de proficiência na própria língua das crianças surdas em fase escolar?

Então discutamos sobre o desenvolvimento da Libras nas crianças pré-escolares. Não

existe ainda produção científica suficiente sobre o processo de aquisição da Libras, bem como não

dispomos de muitos intrumentos que avaliem o estágio em que a criança se encontra na sua

produção em sinais (ver Quadros e Cruz, 2011 para avaliar a compreensão e a produção em

crianças surdas na Libras).

Por volta dos 2 anos de idade, as crianças estão produzindo sinais usando um número

restrito de configurações de mão (sugere-se que tal número corresponda a sete configurações de

mão), bem como simples combinações de sinais expressando fatos relacionados com o interesse

imediato, com o “aqui” e o “agora”. As crianças nesta fase começam a marcar sentenças

interrogativas com expressões faciais concomitante com o uso de itens lexicais para expressar

questões (QUEM, O QUE e ONDE). Neste período também é verificado o início do uso da negação

não manual através do movimento da cabeça para negar, bem como o uso de marcação não

manual para confirmar expressões comuns na produção do adulto. Também é observado que as

crianças começam a introduzir classificadores nos seus vocabulários.

Por volta dos 3 anos de idade, as crianças tentam usar configurações mais complexas para

produção de sinais, mas frequentemente tais tentativas acabam sendo expressas através de

configurações de mãos mais simples (processos de substituição). Os movimentos característicos

dos sinais continuam sendo simplificados, embora já se observe o uso da direção com êxito em

alguns contextos. Classificadores são usados para expressar formas de objetos, bem como o

movimento e trajetórias percorridos por tais objetos. Aspecto começa a ser incorporado aos sinais

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LETRAS LIBRAS|95

para expressar diferenças entre ações (por exemplo, CORRER devagar, CORRER rápido). A criança

começa a extender as marcas de negação sobre sentenças assim como os adultos fazem, inclusive

omitindo o item lexical de negação. As crianças incorporam as questões de razão (POR QUE).

Neste período, as crianças começam a contar estórias que não necessariamente estejam

relacionadas aos fatos do contexto imediato. Elas falam de algum fato ocorrido em casa, sobre o

bichinho de estimação, sobre o brinquedo que ganhou etc. No entanto, as vezes não fica claro o

estabelecimento dos referentes no espaço, o que dificulta o entendimento das estórias.

Por volta dos 4 anos de idade, as crianças já têm condições de produzir configurações de

mãos bem mais complexas, bem como uso do espaço para expressar relações entre os

argumentos, ou seja, as crianças exploram os movimentos incorporados aos sinais de forma

estruturada. A partir deste período, as crianças começam a combinar unidades de significado

menores às palavras com consistência. Neste período começam a ser observadas a produção de

sentenças mais complexas incluindo topicalizações. As expressões faciais são usadas de acordo

com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das topicalizações

e negações são produzidas corretamente. As crianças ainda não conseguem conservar os pontos

estabelecidos no espaço quando contam suas estórias, apesar de já se observar tentativas com

sucesso. Aos poucos, se torna mais claro o uso da direção dos olhos para concordância com os

argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhado através da posição do corpo explorados

para o relato de estórias. Na verdade, em nossas análises da produção das crianças adquirindo ASL

e Libras observamos que a direção dos olhos é usada constantemente por volta dos 2 anos de

idade. O uso da concordância verbal através do olhar é uma das informações que garante a

compreensão do discurso da criança durante este período tão precoce8.

Considerando essa evolução, o ensino da L1 se inicia naturalmente. Duas chaves preciosas

desse processo são o relato de estórias e a produção de literatura infantil em sinais9. O relato de

estórias inclui produção espontânea das crianças e do professor, bem como produção de estórias

existentes; portanto, de literatura infantil.

8 Lillo-Martin, Mathur e Quadros (1999) verificaram que crianças surdas adquirindo língua de sinais manifestam o uso de

concordância verbal muito mais cedo do que havia sido reportado até o presente. 9 Partimos do pressuposto que as crianças estejam tendo acesso a língua de sinais brasileira e, em hipótese nenhuma a qualquer

coisa que “tente” estabelecer relação de comunicação sem estrutura lingüística (neste sentido nos reportamos a sistemas de

comunicação artificiais, português sinalizado, ou qualquer outra coisa que não seja língua).

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LETRAS LIBRAS|96

A comunidade surda tem como característica a produção de estórias espontâneas, bem

como de contos e piadas que passam de geração em geração relatadas por contadores de estórias

em encontros informais, normalmente em associações de surdos. Infelizmente, nunca houve

preocupação de registrar tais contos. Pensando em alfabetização, tal material é fundamental para

esse processo se estabelecer. A produção de contadores de estórias naturais, de estórias

espontâneas e de contos que passam de geração em geração são exemplos de literatura em sinais

que precisam fazer parte do processo de alfabetização de crianças surdas. A produção em sinais

artística não obteve a atenção merecida nas escolas de surdos, uma vez que a própria língua de

sinais não é a língua usada nas salas de aula pelos professores. Desta forma, estamos

reproduzindo iletrados em sinais. A Libras é “a” língua e merece receber o tratamento de ser “a”

língua. Sendo assim, recuperar a produção literária da comunidade surda é um aspecto urgente

para tornar eficaz o processo de alfabetização. Literatura em sinais é essencial para tal processo.

Os bancos escolares devem se preocupar com tal produção, bem como incentivar seu

desenvolvimento e registro. O que os alunos produzem hoje espontaneamente, pode se

transformar em fonte de inspiração literária dos alunos de amanhã. O que os professores relatam

hoje, podem ser aperfeiçoado no dia de amanhã.

A Libras é uma língua espacial-visual e existem muitas formas criativas de explorá-la.

Configurações de mão, movimentos, expressões faciais gramaticais, localizações, movimentos do

corpo, espaço de sinalização, classificadores são alguns dos recursos discursivos que tal língua

oferece para serem explorados durante o desenvolvimento da criança surda e que devem ser

explorados para um processo de alfabetização com êxito.

Algumas investigações realizadas em escolas bilíngües americanas têm evidenciado a

importância de explorar tais aspectos observando o nível de desenvolvimento da criança. Os

relatos de estórias e a produção literária, bem como a interação espontânea da criança com

outras crianças e adultos através da Libras devem incluir os aspectos que fazem parte desse

sistema lingüístico. A seguir, listamos alguns dos aspectos que precisam ser explorados no

processo educacional:

estabelecimento do olhar

exploração das configurações de mãos

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LETRAS LIBRAS|97

exploração dos movimentos dos sinais (movimentos internos e externos, ou seja, movimentos do próprio

sinal e movimentos de relações gramaticais no espaço)

utilização de sinais com uma mão, duas mãos com movimentos simétricos, duas mãos com movimentos

não simétricos, duas mãos com diferentes configurações de mãos

uso de expressões não manuais gramaticalizadas (interrogativas, topicalização, focus e negação)

exploração das diferentes funções do apontar

utilização de classificadores com configurações de mãos apropriadas (incluem todas as relações descritivas

e preposicionais establecidas através de classificadores, bem como, as formas de objetos, pessoas e ações

e relações entre eles, tais como, ao lado de, em cima de, contra, em baixo de, em, dentro de, fora de, atras

de, em frente de, etc.)

exploração das mudanças de perspectivas na produção de sinais

exploração do alfabeto manual

estabelecimento de relações temporais através de marcação de tempo e de advérbios temporais (futuro,

passado, no presente, ontem, semana passada, mês passado, ano passado, antes, hoje, agora, depois,

amanhã, na semana que vem, no próximo mês, etc.)

exploração da orientação da mão

especificação do tipo de ação, duração, intensidade e repetição (adjetivação, aspecto e marcação de

plural)

jogos de perguntas e respostas observando o uso dos itens lexicais e expressões não manuais

correspondentes

utilização de “feedback” (sinais manuais e não-manuais específicos de confirmação e negação, tais como, o

sinal CERTO-CERTO, o sinal NÃO, os movimentos de cabeça afirmando ou negando)

exploração de relações gramaticais mais complexas (relações de comparação, tais como, isto e aquilo, isto

ou aquilo, este melhor do que este, aquele melhor do que este, este igual àquele, este com aquele;

relações de condição, tais como, se isto então aquilo; relações de simultaneadade, por exemplo, enquanto

isto acontece, aquilo está acontecendo; relações de subordinação, como por exemplo, o fulano pensa que

esta fazendo tal coisa; aquele que tem isso, está fazendo aquilo)

estabelecimento de referentes presentes e não presentes no discurso, bem como, o uso de pronominais

para retomada de tais referentes de forma consistente

exploração da produção artística em sinais usando todos os recursos sintáticos, morfológicos, fonológicos

e semânticos próprios da Libras (tais recursos incluem, por exemplo os aspectos mencionados até então).

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LETRAS LIBRAS|98

A proposta é de tornar rica e lúdica a exploração de tais aspectos da Libras que tornam tal

língua um sistema lingüístico complexo. As crianças precisam dominar tais relações para explorar

toda a capacidade criativa que pode ser expressa através de uma língua e tornar possível o

amadurecimento da capacidade lógica cognitiva. Através da língua, as crianças discutem e pensam

sobre o mundo. Elas estabelecem relações e organizam o pensamento. As estórias e a literatura

são meios de explorar tais aspectos e tornar acessível à criança todos os recursos possíveis de

serem explorados.

As relações cognitivas que são fundamentais para o desenvolvimento escolar estão

diretamente relacionadas à capacidade da criança em organizar suas idéias e pensamentos através

de uma língua na interação com os demais colegas e adultos. O processo de alfabetização vai

sendo delineado com base neste processo de descoberta da própria língua e de relações

expressadas através da língua.

A riqueza de informação se torna fundamental. A interação passa a apresentar qualidade e

quantidade que tornam o processo educacional rico e complexo. A alfabetização passa, então, a

ter valor real para a criança.

Algumas formas de produção artísticas em Libras que podem ser incentivadas para a

utilização de todos os recursos são:

produção de estórias utilizando configurações de mãos especificadas, por exemplo, as configurações de

mãos mais comuns utilizadas na língua; as configurações de mãos do alfabeto; as configurações de mãos

dos números

produção de estórias na primeira pessoa

produção de estórias sobre pessoas surdas

produção de estórias sobre pessoas ouvintes

O ensino de L1 continua através do registro das produções das crianças. Surge, então,

outra questão: quais são as formas de registro? As formas de registros iniciais são essencialmente

visuais e precisam refletir a complexidade da Libras. Explorar a produção de vídeos de produções

literárias de adultos, bem como das próprias produções das crianças, é uma das formas mais

tranqüilas de garantir um registro da produção em sinais com qualidade. A filmagem de adultos

produzindo estórias, bem como dos próprios alunos são instrumentos valiosos no processo de

reflexão sobre a língua, além é claro de serem intrumentos que as crianças curtem. No entanto,

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LETRAS LIBRAS|99

uma forma escrita da língua de sinais torna-se emergente para a continuidade do processo de

alfabetização. O sistema escrito de sinais expressa as configurações de mãos, os movimentos, as

direções, a orientação das mãos, as expressões faciais associados ao sinais, bem como relações

gramaticais que são impossíveis de serem captados através de sistemas de escrita alfabéticos. Tal

sistema tende a sistematizar a língua de sinais, assim como qualquer outro sistema de escrita, o

que faz parte do processo.

O sistema escrito de sinais é uma porta que se abre no processo de alfabetização de

crianças surdas que dominam a língua de sinais utilizada no país. Este sistema envolve a

composição das unidades mínimas de significado da língua compondo estruturas em forma de

texto.

A seguir apresentamos um exemplo em que está registrado uma relação de significação

estabelecida utilizando vários recursos da língua de sinais brasileira10:

Nesta sentença, temos a marcação não manual, o establecimento do referente JOHN à

direita do sinalizador, o estabelecimento do referente MARY à esquerda do sinalizador, o uso de

um auxiliar que estabelece a relação gramatical entre MARY, o sujeito desta frase, com JOHN, o

objeto direto, enfatizada através da direção do corpo para o objeto direto e do olhar para o JOHN

e o verbo GOSTAR. Uma tradução aproximada para o português pode ser: O John, a Mary gosta.

Obviamente que este exemplo não é simples, minha intenção é enfatizar a complexidade da língua

e como tal complexidade é captada pelo sistema de escrita de sinais11.

A criança surda que está passando por um processo de alfabetização imersa nas relações

cognitivas estabelecidas através da língua de sinais para organização do pensamento,

10

Essa sentença faz parte dos dados analisados por Quadros (1999).

11 Mais informações sobre tal sistema de escrita podem ser obtidas através da homepage do Sign Writing www.signwriting.com ,

bem como em Quadros (1998).

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LETRAS LIBRAS|100

naturalmente passa a registrar as relações de significação que estabelece com o mundo. Diante da

experiência com o sistema de escrita que se relaciona com a língua em uso, a criança passa a criar

hipóteses e a se alfabetizar. Experiência com o sistema de escrita significa ler esta escrita. Leitura

é uma das chaves do processo de alfabetização. Ler sinais é fundamental para que o processo se

constitua. Obviamente que este processo de leitura deve estar imerso em objectivos pedagógicos

claros no desenvolvimento das atividades. Eu menciono alguns dos objetivos a serem trabalhados

pelo professor (em sinais):

desenvolver o uso de estratégias específicas para resolução de problemas

exercitar o uso de jogos de inferência

trabalhar com associações

desenvolver as habilidades de discriminação visual

explorar a comunicação espontânea

ampliar constantemente vocabulário

oferecer constantemente literatura impressa na escrita em sinais

proporcionar atividades para envolver a criança no processo de alfabetização como autora do próprio

processo

Consideramos que a literatura impressa em sinais seja um dos pontos críticos do processo

de alfabetização, uma vez que a literatura está impressa em português e não dispomos de

literatura escrita em sinais. Mesmo as crianças que têm acesso a Libras precocemente apresentam

problemas no processo de alfabetização com as letras e palavras do português. A escrita alfabética

não capta as relações de significação da língua de sinais, tornando impossível o registro dos

pensamentos e significados da criança de forma completa. A criança estabelece relações com as

letras e palavras do português e, a partir daí, há uma interrupção do processo, pois tal sistema

escrito não consegue expressar a língua que a criança organiza o pensamento, a língua de sinais12.

Vamos explorar um pouco mais a questão da interação comunicativa antes de entrar mais

precisamente na relação que a criança establecede entre o mundo que ela significa e as formas de

registro. As oportunidades que as crianças têm de expressar suas idéias, pensamentos e hipóteses

12

Isso não significa que a criança não deva ser exposta à escrita alfabética do português. Na verdade, consideramos

importantíssimo a criança surda interagir com a escrita alfabética do português para o seu processo de alfabetização em português

acontecer de forma eficiênte. No entanto, para que tal processo ocorra, será fundamental que a criança seja alfabetizada na sua

própria língua, ponto que está sendo enfatizado aqui.

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LETRAS LIBRAS|101

sobre suas experiências com o mundo são fundamentais para o processo de aquisição da leitura e

escrita. Pensando no contexto das crianças surdas, os professores devem ser experts na língua de

sinais, além, é claro, de terem habilidade de explorar a capacidade das crianças em relatar suas

experiências. Este é um dos métodos mais efetivos para o desenvolvimento da consciência sobre a

língua. Por exemplo, as crianças não precisam dizer que uma sentença com oração subordinada é

uma sentença complexa de tal ou tal tipo, mas elas precisam ter milhares de oportunidades de

usar tais sentenças, pois esse uso servirá de base para o reconhecimento da leitura e elaboração

da escrita com significado. São as oportunidades intensas de expressão que sustentam o

conhecimento gramatical da língua que dará suporte para o processo da escrita, em especial, da

alfabetização na segunda língua, o português, considerando o contexto escolar da criança surda.

Quando a criança já registra suas idéias, estórias e reflexões através de textos escritos,

suas produções servem de base para reflexão sobre as descobertas do mundo e da própria língua.

O professor precisa explorar ao máximo tais descobertas como instrumento de interações sociais

e culturais entre colegas, turmas e outras pessoas envolvidas com a criança. Tais produções

precisam apresentar significado soció-cultural das relações que as crianças estabelecem.

Manter uma videoteca é essencial, pois é um recurso de reflexão sobre a língua viva que pode ser

usado constantemente no processo de alfabetização como instrumento lúdico e didático.

Vamos explorar mais, a partir deste ponto, o processo mais consciente da aquisição da

leitura e escrita, isto é, a etapa mais meta-lingüística deste processo. Falar sobre a língua através

da própria língua passa a ter uma representação social e cultural para a criança que são elementos

importantes do processo educacional13. Portanto, vamos conversar sobre “aprender sobre a

Libras” usando e registrando as descobertas através desta língua.

Aprender sobre a língua é uma conseqüência natural do processo de alfabetização. Os

alunos passam a refletir sobre a língua, uma vez que textos podem expressar melhor ou pior a

mesma informação. Ler e escrever são processos complexos que envolvem uma série de tipos de

competências e experiências de vida que as crianças trazem. As competências gramatical e

comunicativa das crianças são elementos fundamentais para o desenvolvimento da leitura e

escrita. Ler e escrever são atividades que decorrem de experiências interativas reais que as

13

Não vamos abordar aqui de forma aprofundada a aquisição do português, mas registramos que o desenvolvimento mais

metalingüístico do processo de alfabetização em sinais servirá de base sólida para o processo de alfabetização da segunda língua,

neste caso, do português.

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LETRAS LIBRAS|102

crianças experienciam. Proporcionar diferentes e criativas formas de interações sustentarão o

processo de aquisição do código escrito em forma de texto. Quando o leitor é capaz de

reconhecer os níveis de interações comunicativas reais, ele passa a ter habilidades de tranpor este

conhecimento para a escrita. O objetivo é falar sobre tais interações de forma consciente e este

exercício precisa acontecer em sinais. As crianças precisam internalizar os processos de interação

entre quem escreve e quem lê para atribuir o verdadeiro significado à escrita.

Falar sobre os processos de interações comunicativas e sobre a língua de sinais são formas

de desenvolver a conscientização do valor da língua e sua complexidade. Este exercício apresenta

valor inquestionável para a sustentaçãao do processo de aquisição da escrita em sinais, bem como

para o desenvolvimento da leitura e escrita do português como segunda língua.

Os textos produzidos pelos alunos em sinais e literatura geral em sinais são fontes

essencias para o desenvolvimento deste processo. Essas produções podem ser arquivadas através

de uma videoteca, pois tal recurso é fundamental para avaliação das produções de outras pessoas,

bem como das próprias produções. Esse processo de avaliação deve ser interacional, constante e

criativo.

Como os alunos expressam o reconhecimento do valor da própria língua no processo de

aprendizagem? A base da expressão dos alunos se constituem na medida em que eles passam a

ser autores do processo. Algumas sugestões são apresentadas a seguir:

apreciar a Libras enquanto língua espacial-visual através de produções artísticas

explorar o reconhecimento das funções da Libras

ampliar o vocabulário

participar da comunidade surda enquanto membro crítico e criativo

ajustar a produção de acordo com a audiência com o fim de comunicar efetivamente através da língua

desenvolver a habilidade de reconhecer as variações e dialetos da própria língua, bem como, a habilidade

de reconhecer padrões socias e culturais associados a tais variações

utilizar os estudos sobre a estrutura da língua, convenções socio-lingüísticas, linguagem figurativa e

técnicas de produção para criar, discutir e criticar em forma de texto escrito e não escrito

reconhecer as relações gramaticais complexas no texto escrito e falar sobre elas

As atividades propostas passam por um processo mais consciente de aprendizagem. Na

verdade, tais atividades já foram exploradas anteriormente no processo de alfabetização de forma

espontânea e voltam a ser exploradas de forma mais reflexiva. O ensino da língua de sinais é um

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LETRAS LIBRAS|103

processo de reflexão sobre a própria a língua que sustenta a passagem do processo de leitura e

escrita elementar para um processo mais consciente. Quanto a criança lida de forma mais

consciente com a escrita, ela passa a ter poder sobre ela desenvolvendo; portanto, competência

crítica sobre o processo. A criança passa a construir e reconhecer o seu próprio processo, bem

como, refletir sobre o processo do outro.

Para concluir essa seção sobre o ensino de Libras como L1, listamos alguns problemas

emergentes na educação de surdos que contribuem para um processo de des-educação dos

alunos surdos:

inexistência de profissionais surdos atuando nas escolas

professores que desconhecem a Libras ou usam sistemas distorcidos de comunicação atuando no processo

educacional

desconhecimento da escrita da língua de sinais

inexistência de literatura em sinais registrada em vídeo e escrita em sinais

falta de planejamento, avaliação e reflexão constante do processo educacional com a participação efetiva

de profissionais surdos

necessidade de elaboração de um currículo educacional com base na Libras e em concepções sociais e

culturais da comunidade surda brasileira

necessidade de elaboração de um currículo para o ensino de Libras

Estamos diante do reconhecimento da língua de sinais, da escrita da língua de sinais, da

riqueza cultural que a comunidade surda traz com suas experiências sociais, culturais e científicas.

Este reconhecimento precisa envolver pelo menos três verbos: PARAR, PENSAR e AGIR. Fazer

diferente. Se não somos compententes na língua usada pela comunidade surda e desconhecemos

a riqueza cultural que pode ser produzida de forma Surda, precisamos buscar este conhecimento.

Temos muito a fazer sobre o ensino da língua de sinais para garantir o processo educacional das

crianças surdas.

4 O ensino de língua de sinais como L2

Com a inclusão de Libras nos currículos dos cursos de Pedagogia, Licenciaturas e

Fonoaudiologia, o ensino de Libras como L2 tem ocupado a maior parte dos professores de Libras

no Brasil. O ensino de Libras passa a ser pensado dentro do contexto do ensino de línguas

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LETRAS LIBRAS|104

incluindo o ensino na segunda modalidade. A Libras é uma língua organizada gestual-espacial,

portanto, uma segunda modalidade para os alunos.

No contexto de ensino de L2, o ensino de Libras ocupa os espaços como segunda língua

(L2) e como segunda modalidade (M2). A maioria dos alunos de Libras são pessoas que não

tiveram contato com uma língua de sinais antes de iniciar as aulas de Libras. Esse contexto justifica

a necessidade de pensar em formas de ensino que desenvolvam a segunda modalidade, ou seja, a

aprendizagem de uma segunda língua que é visual-gestual-espacial.

Vimos que há vários estudos sobre segunda língua, mas não temos muitas produções

sobre segunda modalidade. Como será o “sotaque” modal dos alunos de L2/M2?

Interessantemente que os surdos comentam que a pessoa tem um jeito ouvinte de sinalizar.

Talvez isso seja uma indicação de alunos que estejam adquirindo uma língua M2. Chen-Pichler

(2009) apresenta um estudo sobre os sinalizantes L2 M2. A autora contextualiza os poucos

estudos realizados com alunos nestes contextos observando alguns fatores comuns, tais como:

o não uso da marcadores não-manuais e de articulação bucal associada a produção em sinais

as escolhas lexicais não apropriadas

falta de fluência prosódica

falta de acuracidade no uso de movimentos, configurações de mão e locação

Alguns autores observaram erros no uso de movimentos e proximalização (Mirus et al.

2001). Os autores perceberam que os sinalizantes adultos fazem o mesmo tipo de erros

observados em crianças adquirindo a língua de sinais. Por exemplo, quando produzem um sinal

em que a articulação envolvida está nos dedos, eles o produzem com a articulação no pulso (a

articulação mais anterior na direção da última articulação que é a que envolve o ombro). Um

exemplo da Libras para ilustrar seria o sinal NAMORAR sendo produzido com a droba do punho,

ao invés do dedo médio. Isso acontece em bebês surdos adquirindo uma língua de sinais por

razões de imaturidade motora. No entanto, no caso dos adultos isso se dá, pois eles ainda não

desenvolveram este tipo de atividade motora linguística. Esses articuladores envolvem um

conjunto novo de articuladores usados para a comunicação por meio de um sistem linguístico

motor.

Esse estudo também comparou surdos com ouvintes adquirindo uma segunda língua na

modalidade visual-gestual-espacial. Mirus et al. observou que os surdos sinalizantes de uma língua

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LETRAS LIBRAS|105

de sinais adquirindo outra língua de sinais (portanto L2/M1) proximalizam muito menos do que os

ouvintes adquirindo uma segunda língua de sinais M2.

Portanto, esses estudos evidenciaram que bebês adquirindo uma língua de sinais L1 e os

adultos adquirindo uma língua de sinais L1/M2 tendem a proximalizar os articuladores envolvidos

na produção dos sinais. Adultos surdos quando adquirem uma segunda língua de sinais (M1),

tendem a proximalizar muito menos que os adultos ouvintes L2/M2. O ensino de L2/M2, portanto,

deve incluir estratégias de conscientização dos articuladores que fazem parte da produção dos

alunos. A proximalização dá a idéia de que os sinais estão sendo produzidos de forma “agressiva”

ou “gritada”. Assim, ensinar os alunos sobre isso, vai ajuda-los a perceber esses elementos que

fazem parte das línguas de sinais e que acabam marcando o “sotaque” do aluno de L2/M2.

Outro estudo busca explicar as razões que levam os alunos de L2/M2 a produzirem erros

em sinais. Rosen (2004) observou que os erros produzidos pelos adultos aprendendo uma língua

na segunda modalidade acontece por causa de problemas com a percepção. Além disso, parece

haver uma falta de destreza na produção dos sinais que implicariam, por exemplo, em escolhas de

configurações erradas ou ainda na formação incompleta dos sinais.

Chen-Pichler (2009) observou que parece haver fatores de transferência e graus de

marcação dos sinais que afetam as produções dos alunos de L2/M2 adquirindo uma segunda

língua na segunda modalidade. A autora observou que os falantes de inglês que estão aprendendo

a língua de sinais americana (ASL) parecem aproveitar o conhecimento prévio de produções

gestuais produzidos em gestos associados à fala. Os alunos trocam configurações de mão mais

marcadas por configuração menos marcadas já conhecidas por eles. Por exemplo, eles conhecem

a configuração de mão de A para o gesto que expressa vitória e usam-na para sinalizar sinais com

configurações de mão similares e marcadas, como no sinal de SAPATO da ASL que utiliza a

configuração de mão S. Esse padrão de substituição de configurações de mãos foram observados

em vários sinais produzidos pelos adultos que estão aprendendo a ASL.

A transferência de conhecimento prévio dos alunos de L2/M2 é observada como um dos

fatores que determinam o “sotaque” de ouvinte observados pelos surdos em seus comentários ao

se referirem aos ouvintes que estão aprendendo uma língua de sinais. Eles reconhecem nos

sinais, as configurações de mãos já usadas em sua produção gestual e usam este conhecimento

para produzir os sinais que estão aprendendo. As configurações de mão mais marcadas já não

caem neste tipo de associação e reconhecimento, uma vez que não são comuns em produções

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LETRAS LIBRAS|106

getuais e envolvem configurações de mão mais complexas, além de movimentos e locação. Os

erros produzidos com sinais com estas configurações mais complexas parecem, portanto, estarem

associados à destreza motora e controle motor. Os erros associados ao movimento e à orientação

da mão parecem estar relacionados com a percepção.

Portanto, parece haver vários fatores que determinam a produção de sinais em alunos de

L2/M2, entre eles, as pesquisas identificaram os seguintes:

marcação das configurações de mãos (mais marcadas à menos marcadas, ou seja, mais

complexa às mais simples)

complexidade do sinal alvo

destreza motora

percepção visual dos sinais

O ensino de segunda língua, portanto, precisa considerar estes fatores e incluir estratégias

que favoreçam os alunos de L2/M2 identificarem estes elementos. Atividades e jogos podem ser

produzidos com configurações de mãos, exercícios motores finos e mais amplos não associados à

sinais e depois associados aos sinais; espelhamento de movimentos de colegas e assim por diante,

vão favorecer o desenvolvimento da destreza e da percepção dos elementos que constituem os

sinais.

5 A língua portuguesa como segunda língua para surdos

Até o momento a aquisição do português escrito por crianças surdas foi baseado no

ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o português falado naturalmente. Esse

fato fica claro, quando se percebe que o que de fato ocorre é que a criança surda é colocada em

contato com a escrita do português para ser alfabetizada em português. Várias tentativas de

alfabetizar a criança surda através do português já foram realizadas, desde a utilização de

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LETRAS LIBRAS|107

métodos artificiais de estruturação de linguagem até o uso do português sinalizado14. Apesar de

todas essas tentativas, evidencia-se o fracasso da aquisição do português por alunos surdos15.

A partir dos vários estudos sobre o estatuto de diferentes línguas de sinais e seu processo

de aquisição, muitos autores passaram a investigar o processo de aquisição por alunos surdos de

uma língua escrita que representa a modalidade oral-auditiva (por exemplo, Quadros, 1997). A

aquisição do sueco, do inglês, do espanhol, do português por alunos surdos é analisada como a

aquisição de uma segunda língua. Esses educadores e pesquisadores pressupõem a aquisição da

língua de sinais como aquisição da L1 e propõem a aquisição da escrita da língua oral-auditiva

como aquisição de uma L2.

Desconhecendo ou ignorando a representação escrita das línguas de sinais, os

precursores dessa discussão acenaram a possibilidade de alfabetizar surdos na escrita da língua

oral-auditiva considerando tal sistema suficientemente autônomo para tornar possível a

alfabetização visual (Ferreira-Brito, 1993). No entanto, observa-se que esse processo não está

acontecendo naturalmente. Alfabetizadores percebem que quando a criança surda atinge o nível

silábico de sua produção escrita, ela se apóia na leitura labial da palavra. Esse processo acontece

até a criança precisar passar do nível da palavra para o nível textual, nível em que os problemas

com o português escrito permanecem tendo em vista a limitação da leitura labial. “Parece” que a

criança surda não ultrapassa a interface do léxico com a sintaxe no português, isto é, do nível da

palavra para o nível da estrutura dessa língua. Isso acontece devido a forma como o processo vem

sendo reproduzido apresentando, portanto, tais resultados.

O processo de aquisição de L2 pressupõe a natureza da faculdade humana para a

linguagem. As pesquisas de Berent (1996) apresentam alguns mecanismos de aquisição do inglês

que são acionados por alunos surdos no seu processo de aprendizagem. Tais mecanismos refletem

os princípios da Gramática Universal (Chomsky, 1995). Partindo disso, ao se pensar

especificamente sobre a aquisição da L2 por alunos surdos apresentam-se alguns aspectos

fundamentais:

14

No Brasil, os métodos artificiais de estruturação de linguagem mais difundidos são a Chave de Fitzgerald e o de Perdoncini.

Português sinalizado é um sistema artificial adotado por escolas especiais para surdos. Tal sistema toma sinais da LIBRAS e joga-os

na estrutura do português. Há vários problemas com esse sistema no processo educacional de surdos, pois além de desconsiderar a

complexidade lingüística da LIBRAS, é utilizado como um meio de ensino do português. Para mais detalhes ver Quadros (1997). 15

Para mais detalhes sobre a produção escrita do português de alunos surdos ver Fernandes (1990) e Göes (1996).

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LETRAS LIBRAS|108

(a) o processamento cognitivo espacial especializado dos surdos;

(b) o potencial das relações visuais estabelecidas pelos surdos;

(c) a possibilidade de transferência da Libras para o português;

(d) as diferenças nas modalidades das línguas no processo educacional;

(e) as diferenças dos papéis sociais e acadêmicos cumpridos por cada língua,

(f) as diferenças entre as relações que a comunidade surda estabelece com a escrita tendo em vista sua

cultura;

(g) um sistema de escrita alfabética diferente do sistema de escrita das línguas de sinais; e

(h) a existência do alfabeto manual que representa uma relação visual com as letras usadas na escrita do

português.

Sugere-se que a aquisição da leitura e escrita do português pela criança surda envolva

atividades propostas pelos professores que explorem todos os níveis de conhecimento da língua: o

lexical, o sintático, o semântico e o pragmático. Importante também é que esse processo

apresente um significado social. O processo para chegar-se a compreensão deverá envolver

discussões exaustivas sobre o assunto e a concepção de mundo inerentes ao texto. Também

deverá envolver discussões sobre a língua – o ensino metalingüístico. Isso se aplica da mesma

forma à aquisição da escrita. A criança surda vai precisar desenvolver uma relação direta entre a

palavra, a estrutura gráfica/texto escrito e o seu significado de forma contextualizada. Sua

aquisição não será baseada no som.

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LETRAS LIBRAS|109

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LETRAS LIBRAS|113

TEORIA

DA TRADUÇÃO II

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LETRAS LIBRAS|114

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LETRAS LIBRAS|115

TEORIA DA TRADUÇÃO II

Janaína Aguiar Peixoto

Kátia Michaele Fernandes Conserva

Prezados (a) alunos (a),

Sejam bem vindos à disciplina Teorias da Tradução II.

Nesta etapa continuaremos estudando uma ferramenta fundamental para o professor

bilíngue, que atuará no ensino da LIBRAS como língua materna para pessoas surdas e como

segunda língua para pessoas ouvintes: a tradução.

O conteúdo a ser abordado consiste em três unidades como veremos a seguir:

UNIDADE 1 – A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA TRADUÇÃO PARA O PROFESSOR BILÍNGUE

1.1 A atuação do professor de Libras

1.2 A Formação do professor de Libras

UNIDADE 2 – TRADUÇÃO E INTÉRPRETAÇÃO NO CONTEXTO CULTURAL DA COMUNIDADE

SURDA

2.1 Artefatos culturais do povo surdo

2.1.1 – Artefato cultural: experiência visual

2.1.2 – Artefato cultural: linguístico

2.1.3 – Artefato cultural: literatura surda

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LETRAS LIBRAS|116

2.2 – A interpretação interlinguística, intermodal e intersemiótica

2.2.1 – Tradução intralingual

2.2.2 – Tradução interlingual

2.2.3 – Tradução intersemiótica

2.3 – Interpretação de músicas compostas em Língua Portuguesa para a LIBRAS

2.4 – Interpretação versão voz

2.4.1 – O que é uma interpretação versão voz?

2.4.2 – Como proceder antes da interpretação?

2.4.3 – Como proceder durante a interpretação?

2.4.4 – Como proceder após a interpretação?

UNIDADE 3 – O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS (TILS)

3.1 – Histórico profissional do TILS

3.2 – Perfil deste profissional

Embarque nesta viagem ao mundo da tradução e não deixe de assistir o vídeo e praticar

com os exercícios propostos.

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LETRAS LIBRAS|117

UNIDADE I

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA TRADUÇÃO PARA O PROFESSOR BILÍNGUE

Fonte: asgfsurdos.org.br

Estamos num curso formado por alunos surdos e ouvintes, então, partindo desta realidade,

gostaríamos de introduzir o tema desta disciplina lançando a seguinte questão: a tradução e

interpretação para a LIBRAS é realizada apenas por pessoas ouvintes ou pode ser feita também

por pessoas surdas?

Com base no contexto em que vivemos atualmente no Brasil podemos afirmar que a

comunidade surda já possui excelentes produções literárias. Com certeza muitas ainda virão, pois

há uma longa caminhada a percorrer, mas a literatura visual já possui traduções, adaptações e

produções feitas pelos surdos, como vimos no 3º período na disciplina Literatura Visual.

Com isto é de extrema relevância para a formação de um aluno do curso de Licenciatura

Plena em LETRAS: LIBRAS/Língua Portuguesa, futuro professor bilíngue, estudar as teorias da

tradução de uma forma contextualizada com a prática. Mas inicialmente precisamos definir quem

é este professor bilíngue que está sendo formado; quais os parâmetros legais para esta formação;

qual a atuação deste profissional e porque a tradução é importante neste contexto prático.

1.1 A atuação do professor de LIBRAS

Fonte:librascursopedagogia.blogspot.com

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LETRAS LIBRAS|118

Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória noscursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nívelmédio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino,públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o cursonormal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso deEducação Especial são considerados cursos de formação de professores eprofissionais da educação para o exercício do magistério.

§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos deeducação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicaçãodeste Decreto.

O capítulo II do Decreto 5626/2005 que regulamenta a Lei 10.436/2002 declara que:

Então o quê este decreto considera curso de formação de professores?

LIBRAS

FonaudiologiaFormação de Professores

Ensino Superior

Ensino Médio

Ensino Privado Ensino Público

Municipal Federal

Estadual

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LETRAS LIBRAS|119

Isto implica dizer, que ao se formar você poderá dar aula no curso de Fonoaudiologia e

nestes cursos acima citados. Você percebeu quantas licenciaturas o professor de LIBRAS poderá

trabalhar? Exatamente. TODAS! Então, as pessoas que cursam Licenciatura em Química, por

exemplo, terão uma disciplina obrigatória de LIBRAS.

Além disso, você, futuro professor de LIBRAS poderá também ministrar a LIBRAS como

disciplina optativa nos demais cursos, como por exemplo: Administração, Direito, Ciências da

computação, Engenharia, Nutrição...Enfim, todos os cursos superiores. Sendo assim, várias

oportunidades de trabalho surgiu com esta abertura na lei. Mas com isto, surge também um

problema que o decreto previu: a formação destes professores.

1.2 A formação do professor de LIBRAS

FONTE: http://librasitz.blogspot.com

Formação de Professores

Licenciaturas Todas

Matemática

Biologia

Física

...todasNormal

Médio

Superior

Pedagogia

Educação Especial

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LETRAS LIBRAS|120

O capítulo III do Decreto 5626/2005 regulamenta a formação do professor de Libras e perfil

mínimo para a atuação nesta área como veremos a seguir. A partir do Decreto dois cursos de

graduação surgiram:

Licenciatura plena em Letras: Libras

Curso à distância e presencial iniciado em 2006 pela UFSC com diversos pólos em todo o Brasil.

A primeira turma formou-se em 2010. Nesta turma pioneira tivemos a representação da Paraíba

com alunos formados no pólo de Fortaleza, sendo 5 surdos e 2 ouvintes.

Licenciatura plena em Letras:Libras/Língua Portuguesa

Curso à distância iniciado em 2010 pela UFPB com diversos pólos em toda a Paraíba. Vários

alunos de Estados vizinhos são contemplados por esta formação. A formatura da turma pioneira

será em 2014. Você faz parte desta construção histórica!

Enquanto não há pessoas formadas suficientes para a atuação, o decreto determinou o

perfil mínimo exigido para o exercício da profissão de professor de LIBRAS:

I - professor de Libras, usuário16 dessa língua com curso de pós-

graduação ou com formação superior e certificado de proficiência em

Libras17, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da

Educação;

II - professor ouvinte bilíngue: Libras - Língua Portuguesa, com pós-

graduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de

exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da

Educação.

Agora que compreendemos o processo de formação do professor de LIBRAS (surdo e

ouvinte) gostaria de lançar uma pergunta para que juntos possamos refletir: Para quem serão

ministradas as aulas de LIBRAS nos cursos citados? Que público é este?

Exatamente. Trata-se de alunos ouvintes!

Então a metodologia de ensino que deverá ser utilizada para este público é voltada para o

ensino da LIBRAS como segunda língua (L2), pois a língua materna destes alunos é a Língua

Portuguesa (L1). Neste contexto a tradução de textos será a ferramenta mais utilizada pelo

professor de LIBRAS. Inclusive para a elaboração de uma aula, o professor, que utilizará como

Língua de instrução a LIBRAS, precisará preparar seus slides utilizando recursos para facilitar o 16

O termo “usuário da língua” refere-se à pessoa surda. 17

PROLIBRAS: Exame realizado anualmente, promovido pelo MEC e organizado pela UFSC em todo o Brasil.

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LETRAS LIBRAS|121

entendimento do aluno ouvinte numa aula ministrada em LIBRAS, isto inclui recursos da língua

materna na sua modalidade escrita.

Entendemos então que o objetivo desta disciplina não é preparar Tradutores e Intérpretes

de Língua de Sinais, embora estudaremos um pouco sobre este profissional que faz parte do

contexto bilíngue atual em que vivemos, e sim, apresentar a tradução como uma prática

pedagógica do professor de LIBRAS.

Mesmo no caso de professores surdos que não se interessam pelo ensino da Libras como

L2 e preferem investir no ensino desta língua como L1 nas escolas bilíngues, a tradução é também

uma ferramenta no processo de aprendizagem da criança surda.

Você pode estar se perguntando: Eu, enquanto professor, farei as traduções dos meus

materiais didáticos sozinhos?

Não. Pois a presença dos intérpretes em escolas bilíngues é obrigatória. Os planejamentos

quanto ao conteúdo, bem como a elaboração dos materiais são realizados em conjunto. Além

disso já existem várias adaptações e traduções prontas18:

18

Leia a reportagem em http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2011/10/literatura-em-libras-estimula-inclusao-e-

desenvolvimento-de-criancas-surdas.html, disponível também no ambiente virtual desta disciplina.

RESUMINDO

O professor utilizará a tradução como ferramenta tanto no ensino da Libras como primeira língua (L1), neste caso alunos surdos, quanto no ensino da Libras como segunda língua (L2), neste caso ouvintes.

Exemplo de tradução: Pinóquio. FONTE: portallibras.com.br

Exemplo de adaptação: A cinderela surda feneisrs.blogspot.com

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LETRAS LIBRAS|122

EXERCITANDO

1) O que aborda o Capítulo II do Decreto 5.626/2005?

(a) A formação do Professor de Libras;

(b) A Inclusão da Libras como disciplina curricular;

(c) O perfil mínimo para o exercício da profissão.

2) O que o Decreto considera Formação de Professores? (a) Todos os cursos superiores.

(b) Fonoaudiologia e Pedagogia.

(c) Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de

nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial.

3) Você considera a tradução como uma ferramenta útil para o professor de Libras? ( )Sim ( )Não. Por quê? _____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_______________________________________________

4) A disciplina poderá ser inserida como disciplina numa Escola Municipal, no 7º ano, por exemplo? ( ) Sim ( ) Não Jusifique: _____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________

5) Pesquise materiais Didáticos que servirão como instrumentos para o ensino da LIBRAS como: Obras produzidas por surdos, traduções de clássicos para a Libras e adaptações feitas para a cultura surda e liste abaixo: _____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_______________________________________________

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LETRAS LIBRAS|123

UNIDADE II

TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO

NO CONTEXTO CULTURAL DA COMUNIDADE SURDA

Viver por meio de mensagens traduzidas é a realidade do dia-a-dia da pessoa com

Identidade Surda. Esta identidade que revela o “jeito surdo de ser”, parte da identificação com a

língua de sinais que revelam a participação política e a militância pelo direito de vivenciar o

mundo de uma forma visual. A divulgação destes discursos mencionados para a sociedade

majoritária formada por ouvintes depende de uma tradução. Na realidade, no contexto atual,

onde o multiculturalismo é uma realidade, as traduções culturais são estratégias de sobrevivência.

2.1 ARTEFATOS CULTURAIS DO POVO SURDO

Este termo, “povo surdo”, não parte do objetivo de segregar as pessoas com surdez ou ir

de encontro com a inclusão, como esclarece Strobel19 (2008, p:33):

Mas isto não quer dizer que o povo surdo se isola da comunidade ouvinte, o que estamos explicando é que os sujeitos surdos, quando se identificam com a comunidade surda, estão mais motivados a valorizar a sua condição cultural e, assim, passam a respirar com mais orgulho e autoconfiantes na sua construção de identidade e ingressam em uma relação intercultural, iniciando uma caminhada sendo respeitado como sujeito “diferente” e não como deficiente.

19

A Doutora em Educação Karin Strobel é diretora-presidente da FENEIS - Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos.

Protagonista de muitos dos momentos históricos e culturais do povo surdo brasileiro, tanto como surda quanto como profissional.

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LETRAS LIBRAS|124

Ao ver os surdos como eles são, dentro do contexto sócio-histórico, estamos

reconhecendo-os como integrantes de um povo sem demarcação geográfica, porém com

qualidades em comum que os caracterizam. Strobel (2008, p.8), define povo surdo como um

grupo de:

Sujeitos surdos que não habitam no mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de evolução lingüística, tais como a língua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros laços.

Nesse sentido, ao abordar a identidade cultural do povo surdo tratamos de uma cultura

que possui artefatos20, que segundo Strobel21 (2008), divide-se em oito artefatos culturais:

experiência visual, linguístico, familiar, literatura surda, vida social e esportiva, artes visuais,

política, materiais22.

Dentre os oito artefatos citados, destacamos três que são fundamentais para o

entendimento da importância da tradução nesta cultura e suas peculiaridades: experiência visual,

linguístico e literatura surda.

2.2 .1 - Artefato cultural: experiência visual

Nascer em determinado contexto social, em determinada época e pertencer a

determinado grupo, já diz muito sobre quem você é e sua forma de pensar. Os indivíduos não

agem da forma que quer deliberadamente, sempre existe por traz uma construção simbólica com

raiz cultural transmitida de geração para geração. Isso nos faz retomar o fato de que os surdos

20

Segundo constatamos em diversos autores nos campos dos Estudos Culturais, o conceito “artefatos” não se referem apenas a

materialismos culturais, mais àquilo que na cultura constitui produções do sujeito que tem seu próprio modo de ser, ver, entender

e transformar o mundo. (STROBEL,2008;P:37)

21 A Doutora em Educação Karin Strobel é diretora-presidente da FENEIS-Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos.

Protagonista de muitos dos momentos históricos e culturais do povo surdo brasileiro, tanto como surda quanto como profissional.

22 Quando a cultura surda é abordada em muitos trabalhos acadêmicos ou palestras a definição resume-se a citação de artefatos

culturais materiais como TDD (telefone para surdos) e campainha luminosa, por exemplo. Acredito que a intenção da autora ao

citar este artefato como o último em sua obra objetiva ressaltar que ele não é o principal da lista. Minimizar a cultura surda à

apenas um artefato, seja ele qual for, é o mesmo que dizer que a cultura brasileira resume-se ao carnaval, ou que a cultura

indígena resume-se ao arco e flecha, que são nada mais nada menos que artefatos culturais materiais.

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LETRAS LIBRAS|125

Os ouvintes são acometidos pela crença de que ser ouvinte é melhor que sersurdo, pois na ótica ouvinte, ser surdo é o resultado da perda de uma habilidade‘disponível’ para a maioria dos seres humanos. No entanto, essa parece ser umaquestão de mero ponto de vista.

compartilham da mesma nacionalidade e naturalidade dos ouvintes e vivenciam experiências

comuns, porém também possuem uma cultura própria.

Nesse sentido, entender a Cultura Surda como multicultural é o primeiro passo para

admitir a existência da mesma. Partindo desta abordagem multiculturalista é possível afirmar que

a comunidade surda partilha com a comunidade ouvinte do mesmo espaço, do mesmo tipo de

vestuário e alimentação, dentre outros hábitos e costumes, mas possui uma experiência visual de

mundo que sustenta os aspectos peculiares da sua cultura.

A constatação que o surdo elabora sua construção de mundo através de experiências

visuais e os ouvintes através de experiências sonoras é apenas o ponto inicial para diferenciar as

duas culturas. Ressalto que neste cenário multicultural, onde estas duas culturas convivem num

contexto comum, no nosso caso, o território brasileiro, é de extrema relevância ressaltar que não

há melhores nem piores e sim diferentes, como afirma Salles (2004; P: 36):

Vemos um exemplo disso na história contada pela autora:

Um menino surdo demorou a perceber que era diferente, pois todos os integrantes da sua família eram como ele. Como brincava com seus irmãos, demorou a sentir necessidade de fazer amigos fora deste círculo. Ao iniciar uma amizade com uma amiguinha vizinha, começou a estranhar a falta de habilidade da mesma em comunicar-se na língua de sinais e tentava ao máximo ajudá-la com esta dificuldade criando artifícios para que comunicação fosse possível.

Certo dia, este menino, muito preocupado, pergunta a sua mãe qual era o problema da sua amiguinha. Ele queria entender porque ela às vezes movimentava os lábios quando estava perto da mãe e a mãe também correspondia da mesma forma, e por que ela tinha tanta dificuldade em comunicar-se. Foi então que a mãe explicou ao menino que ela não tinha problema algum, porém era diferente dele, pois se comunicava com os movimentos dos lábios e não com as mãos.

Ao fazer a afirmação que a família vizinha era ouvinte e não surda como a deles, o menino indagou a mãe se apenas a família vizinha era assim ou se havia mais pessoas como eles. Então sua mãe explicou que na realidade a maioria das pessoas é ouvinte e a minoria é formada por pessoas surdas, fato que ele ainda não tinha atentado. (SALLES,2004; P:37,38).

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LETRAS LIBRAS|126

O interessante desta experiência é que para este surdo congênito a sensação de perda era

inexistente, para ele, eram os vizinhos que tinham uma perda e um problema de comunicação.

Com isto, entendemos que a sensação de perda auditiva na realidade vem do outro e não de si

mesmo.

Já Strobel (2008, p:40) cita uma situação totalmente inversa: o fato de uma criança surda

filha de pais ouvintes que pensa que vai morrer por nunca ter visto um surdo adulto. Isto nos faz

refletir que um surdo nascido numa família onde todos são ouvintes e apenas ele é o diferente,

precisa ter contato com outros surdos para não sentir-se eternamente deslocado sem a sensação

de pertencimento.

No caso de um surdo congênito nascido em família de ouvintes ao ter contato com a

cultura surda posteriormente, ele se identificará com o que nesta cultura constitui produções do

sujeito que tem seu próprio modo de ser, ver, entender e transformar o mundo. Isto acontece

através da substituição de informações sonoras, para as informações visuais.

A autora ainda relata varias situações vivenciadas por ela e por outros surdos que

exemplificam de forma esclarecedora o que significa o artefato cultural denominado experiência

visual, dentre elas selecionamos o relato a seguir:

Uma vez meu namorado ouvinte me disse que iria fazer uma surpresa para mim pelo meu aniversário; falou que iria me levar a um restaurante bem romântico. Fomos a um restaurante escolhido por ele, era um ambiente escuro com velas e flores no meio da mesa, fiquei meio constrangida porque não conseguia acompanhar a leitura labial do que ele me falava por causa da falta de iluminação, pela fumaça da vela que desfocava a imagem do rosto dele, que era negro; e para piorar, havia um homem no canto do restaurante tocando música, que sem poder escutar, me irritava e me fazia perder a concentração por causa dos movimentos dos dedos repetidos de vai-e-vem com seu violino. O meu namorado percebeu o equívoco e resolvemos ir a uma pizzaria! (STROBEL, 2008;P:38)

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LETRAS LIBRAS|127

Ler é traduzir. Culturas são traduzidas em atos de leitura, quemovimentam significantes os quais passam a operar em várioscircuitos sociais. A trama do texto se confunde com os sujeitos que seenredam em seus nós e tentam fazer laços com a história. Os atosperformáticos das culturas surdas são materiais inéditos que temmuito a narrar sobre as zonas de contato que se tecemcotidianamente e instauram lógicas diferentes de operar com ossentidos.

2.1.2 Artefato cultural: linguístico

A cultura do povo surdo é reescrita historicamente através do fortalecimento que acontece

de geração para geração, e a maior característica desta vivência de mundo visual compartilhada

por este povo é a sua forma de comunicação, a língua de sinais.

Como exemplo deste artefato fundamental cito mais uma vez um relato da autora:

Um fato interessante é que a Língua de sinais por muitos anos foi considerada ágrafa, ou

seja, uma língua que não possui sua modalidade escrita, mas atualmente existe a ELS (Escrita em

Língua de Sinais) ou Sign Writing trazida para o Brasil pela doutora surda Marianne Stumpf em

1996.

2.1.3 - Artefato cultural: literatura surda

Massutti (2007, p:110), destaca a importância das produções literárias dos surdos para o

fortalecimento e reconhecimento desta cultura quando afirma:

Em escola de ouvintes, além de muitas outras disciplinas, eu tinha aula de religião que não entendia muito, as únicas coisas que sabia era que Deus era muito importante e, se morresse iria ficar de frente com Ele, e isto me incomodava, me deixando muito ansiosa. Minha mãe percebeu e me questionou, expliquei a ela através de gestos e vocabulários isolados que, se eu morresse como Deus iria me entender? Não sabia falar. Minha mãe explicou que Deus entendia qualquer língua.

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LETRAS LIBRAS|128

Um traço cultural marcante, é o fato de que em toda cidade onde existe surdo, existe um

“point de encontro” onde os surdos de todo credo, idade, gênero e status social reúnem-se para

conversar em LIBRAS. Normalmente um surdo quando viaja para determinada cidade, além dos

pontos turísticos, gosta também de conhecer este “point”. Em João pessoa este local é o

“Shopping Tambiá”, no centro da cidade. Além deste local neutro, outras instituições, inclusive

ambientes religiosos servem de espaço para o desenvolvimento das manifestações culturais da

comunidade surda, como ressalta Strobel (2008; p:34):

O que sucede é que quando os sujeitos surdos estão em comunhão entre eles e

quando compartilham suas metas dentro da associação de surdos, federações,

igrejas e outros locais dá o sentido de estarem em comunidades surdas.

Desta socialização surgem piadas e poesias surdas que exploram a expressão facial e

corporal e que em sua grande maioria abordam temáticas que refletem a incompreensão dos

surdos em relação à cultura ouvinte e vice-versa. Como em toda piada existe uma vítima, assim

como acontece na piada do brasileiro que a vítima é sempre o português, nas piadas de surdos a

vítima é sempre o intérprete de língua de sinais, por ser o ouvinte mais próximo deles.

A literatura surda ou literatura visual, que contém estas poesias, piadas, fábulas e

anedotas, é produzida em língua de sinais por atores e poetas surdos e distribuída em DVD ou em

CD-ROOM. Estas literaturas de estudos científicos e autobiografias produzidas por escritores

surdos têm contribuído para a representação da cultura surda no espaço literário. Dentre estes

escritores é possível destacar os seguintes nomes, Gladis Perlin (As Identidades Surdas -1998),

Ronice de Oliveira (Meus sentimentos em folha-2006), Marianne Stumpf (Sistema Signwriting: por

uma escrita funcional para o surdo - 2005), Shirley Vilhalva (Recortes de uma vida: Descobrindo o

Amanhã-2001).

2.2 - A INTERPRETAÇÃO INTERLINGUÍSTICA, INTERMODAL E INTERSEMIÓTICA

Roman Jakobson, linguista russo classifica a tradução em três tipos: intralingual, a tradução

interlingual e a tradução intersemiótica.

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LETRAS LIBRAS|129

2.2.1 - Tradução intralingual: ou paráfrase, que é reescrever um texto a partir dos signos de uma

mesma língua.

2.2.2 - Tradução interlingual: é a interpretação de signos verbais por meio de uma segunda língua,

ou seja, “passar” o texto de uma língua para outra.

2.2.3 - Tradução intersemiótica: ou transmutação, que é a interpretação de signos textuais por

outros signos não-verbais, ou seja, a interpretação de um sistema de signos para outro. Por

exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura.

Fonte: baixaki.com.br

Exemplos no português de variação linguística (geográfica):

Na LIBRAS: Sobrinho, cunhado, feriado (veja no vídeo da disciplina).

Na Língua Portuguesa:

Aipim (Rio de Janeiro), Mandioca (São Paulo) e Macaxeira (Paraíba)

FONTE: altino.blogspot.com

Exemplo: Alemão para o Português

Agora nos

comunicaremos

apenas em LIBRAS,

portanto, é proibido

falar em Português.

TEXTO EM LÍNGUA PORTUGUESA DESENHO DE SÍMBOLOS

TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

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LETRAS LIBRAS|130

Partindo desta base teórica, Segala (2010, p:29), destaca a utilização de um termo fruto de

estudos recentes:

Os Estudos da Tradução aplicados aos Estudos Surdos e de Língua de Sinais é

muito recente. As pesquisas teóricas estão apenas começando e, por isso, o uso

do termo Tradução Intermodal (interlinguística) ainda não foi reconhecido na

pesquisa da comunidade surda. Esse termo é uma expressão que pode definir

esse tipo de tradução relacionando uma língua oral-auditiva a uma língua

cinésico/visual ou visual/espacial.

Então, a tradução/interpretação que envolve duas línguas de modalidade diferentes, como

a Língua de Sinais, que utiliza o canal visual-espacial e a Língua Portuguesa, que utiliza o canal oral-

auditivo, pode ser denominada de Intermodal, uma nomenclatura que reflete ainda mais a

especificidade em questão.

Sendo assim, a tradução/interpretação de uma língua oral para a uma língua de sinais é

Interlingual, Intermodal e poderá ser Intersemiótica se o tradutor envolver algum outro tipo de

informação visual tais como: ícones, desenhos, fotos, pintura, vídeo, slides (muito utilizado por

professores de Libras), dança, dentre outros.

FONTE: http://amarparaincluir.blogspot.com/2011/08/os-tres-porquinhos.html

Como vimos na figura acima a tradução dos três porquinhos pode ser classificada como

intermodal, interlingual e intersemiótica, visto que foram utilizados diversos desenhos. Neste

caso, foi então explorada a arte visual, com o objetivo educacional de servir como ferramenta no

aprendizado da língua materna (L1) de crianças surdas.

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LETRAS LIBRAS|131

No próximo tópico praticaremos um pouco sobre este tipo de tradução ao explorarmos a

música como ferramenta no ensino de alunos ouvintes, pois da mesma forma que um aluno ao

aprender o Inglês, como segunda língua, por exemplo, gosta de praticar treinando por meio de

traduções de músicas românticas, o aluno ouvinte que aprende a Libras como segunda língua tem

o mesmo interesse, pois faz parte de sua cultura.

2.3 - INTERPRETAÇÃO DE MÚSICAS COMPOSTAS EM LÍNGUA PORTUGUESA PARA A LÍNGUA

BRASILEIRA DE SINAIS

Figura: Jéssica (Surda de Campina Grande-PB traduzindo o Hino Nacional Brasileiro no Encontro Estadual de Surdos na Bahia).

FONTE: Foto das autoras

Para uma boa interpretação de música faz-se necessário antes de qualquer coisa “ligar o

botão da criatividade”. Este componente é fundamental para a beleza de uma interpretação de

música para a Língua gestual-visual, a Língua de Sinais.

Podemos observar a relevância da criatividade no ato de uma interpretação quando, por

exemplo, ao invés de simplesmente interpretar a palavra amor com o sinal equivalente, o

intérprete opta por fazer a dactilologia da palavra em forma de um coração, no ritmo da música e

com uma expressão facial que destaca o sentido poético do sinal inserido neste contexto.

Observe este exemplo no vídeo.

Entendendo então que a beleza de uma música sinalizada depende de vários fatores,

propomos quatro etapas que norteiam uma boa interpretação de músicas compostas

em Língua Portuguesa para a Língua Brasileira de Sinais.

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LETRAS LIBRAS|132

Dica para ouvintes e surdos com resíduos auditivos

que têm o hábito de ouvir músicas

Experimente colocar uma música com um estilo marcante como rock ou frevo por exemplo.Coloque um fone de ouvido e tente passar para um surdo qual o estilo musical que você estáouvindo, sem utilizar os sinais, apenas através dos movimentos de mãos e cabeça e de expressãofacial e corporal. Vale ressaltar que a ideia não é dançar, mas seguindo o ritmo da música vocêperceberá que é possível mostrar visualmente as mãos subindo e descendo enquanto vocêinterpreta aquela música, com isto o surdo identificará a característica marcante do frevo.

Apresentação de uma música em Libras realizada num casamento (estilo sacro).

Dica para ouvintes e surdos com resíduos auditivos que têm o hábito de ouvir músicas

Pratique separadamente esta etapa, isto te ajudará a

sentir a ideia da música. Escolha uma música e não faça

nenhum sinal, apenas pense em qual você usaria

e utilize a ENM do sinal que você pensou.

Intensificador da ENM

1ª Etapa: Encontre o estilo musical

Busque transmitir o estilo da música. Exemplos de estilos musicais (Sacra, Romântica, Rap, Rock, Reage,

Forró, Funk, Salsa, etc).

Veja esta dinâmica no vídeo da disciplina!

2ª Etapa: Respeite a expressão facial e corporal ou ENM-Expressão não Manual de cada sinal

Isto é fundamental, pois ao interpretar uma música para a LIBRAS muitos TILS supervalorizam o ritmo da

música e esquecem de preservar a clareza da língua respeitando os parâmetros da mesma que são CM:

Configuração de mãos, L: Locação, M: Movimento, Or: Orientação da palma da mão e ENM: Expressão não

manual. Destacamos então a ENM, por ser a mais prejudicada neste processo, pois o fato de demonstrar o

estilo musical, citado na 1ª etapa não significa que um sinal como PARADO e SILENCIOSO, por exemplo,

serão realizados “dançando”. Como podemos ver no vídeo desta disciplina.

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LETRAS LIBRAS|133

No vídeo da disciplina veremos o exemplo disto com este trecho da música de Lulu

Santos: Como uma onda

3ª Etapa: Traduza a letra da música

Nesta etapa temos várias armadilhas, pois uma tradução de música, poesia ou qualquer tipo de

produção artística, independente da língua, requer uma interpretação intercultural da obra em

questão. Você não poderá simplesmente repassar termos de forma descontextualizada, metáforas

não traduzidas, simplesmente por ser belo na língua fonte, pois você poderá produzir ideias

equivocadas na mensagem que chegará à língua alvo.

4ª Etapa: Encontre a harmonia da música sinalizada

Nesta etapa final da tradução de uma música escrita em Língua Portuguesa para Libras, você

combinará todas as etapas anteriores. É o momento que vamos harmonizar o Estilo (ritmo) + ENM

+ Letra que estudamos separadamente.

Observe o exemplo no vídeo

Tudo que se vê não é

Igual ao que a gente

Viu há um segundo

Tudo muda o tempo todo

No mundo

Não adianta fugir

Nem mentir

Pra si mesmo agora

Há tanta vida lá fora

Aqui dentro sempre

Como uma onda no mar

Como uma onda no mar

Como uma onda no mar

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LETRAS LIBRAS|134

2.4- INTERPRETAÇÂO VERSÃO VOZ

2.4.1- O que é uma Interpretação Versão Voz23?

É a interpretação da LIBRAS para o Português. Isto acontece quando a mensagem está em

Língua de Sinais (língua fonte)24 e o TILS deverá interpretá-la para a Língua Oral do País.

Vale ressaltar que é fundamental ter um bom vocabulário nas duas línguas para que a

interpretação não seja prejudicada, pois se o intérprete cometer erros de concordância, omissões,

distorções ou trocas de fonemas, bem como equívocos linguísticos, dentre outras, a mensagem

inicial chegará prejudicada e em determinados casos causará descaso e desânimo no ouvinte

receptor da mesma.

2.4.2- Como proceder antes da interpretação?

Ciente de que nenhuma interpretação ou tradução terá 100% de integridade com a

mensagem inicial25 o TILS deverá tomar algumas providências para minimizar os possíveis

prejuízos.

1º - Prévia do conteúdo: Faz-se necessário que o intérprete apresente-se ao emissor surdo que

poderá ser, por exemplo, um professor, pastor, conferencista, palestrante, entrevistado, dentre outros,

para que, com este primeiro contato, algumas informações sobre o conteúdo sejam compartilhadas. Em

algumas destas situações a pessoa surda já leva um resumo por escrito da sua palestra, ou envia por e-mail

com antecedência, fato este que favorece a qualidade do serviço de interpretação.

2º - Sinais específicos: O intérprete não é especialista em todas as áreas do conhecimento, portanto

têm alguns termos específicos de determinadas áreas que o mesmo desconhece, então neste momento de

preparação, o TILS deverá aproveitar a oportunidade para perguntar se o palestrante utiliza algum sinal

específico para os termos em questão. Além disso, ainda devemos lembrar do regionalismo, com os

famosos “sotaques”, que precisam ser identificados para que não hajam equívocos na interpretação.

3º - Local para a interpretação: É preciso haver um acordo entre o emissor sinalizador e o

intérprete quanto ao melhor local de posicionamento tanto do palestrante como do intérprete, para que a

23

A maioria das dicas e orientações dadas para esta modalidade de interpretação servem também para a interpretação

“sinalizada” da Língua Portuguesa par Língua de Sinais.

24 Geralmente neste caso a mensagem é expressada por uma pessoa surda ou por uma pessoa ouvinte fluente em LIBRAS.

25 Leia o artigo Tradução 100% não existe disponível em http://fidusinterpres.com/?p=149 e no ambiente virtual desta disciplina.

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LETRAS LIBRAS|135

visualização dos sinais seja clara, sem impedimentos como, por exemplo, arranjos de flores nas mesas, ou

câmera de vídeo. Para tanto, o intérprete deverá estar sentado ou em pé, de frente, numa distância que

garanta esta visualização.

Vale ressaltar, que cabe ao intérprete também verificar se o local do seu posicionamento

está ao alcance de um microfone. Além disso, providenciar ou solicitar água para sua hidratação,

evitando assim o transtorno das ocorrências de rouquidão ou tosse no momento da interpretação.

4º - Selecionar alguém para o apoio: Este item assim como os outros é de extrema relevância. Solicite

que outro intérprete sente ao seu lado. Isto não significa não que você seja inferior a este em capacidade,

mas que enquanto profissional você zela pela qualidade do serviço. Então solicite com antecedência a

outro profissional que seja o seu apoio para te auxiliar de uma forma geral, como por exemplo, com os

sinais que sofrem variações linguísticas, sinais técnicos, dúvidas corriqueiras, dentre outras. Esta pessoa

que servirá como apoio, poderá te substituir nos possíveis imprevistos,

2.4.3 - Como proceder durante a interpretação?

1º O intérprete precisa passar a intenção de quem faz o discurso: Através da entonação e volume da voz

bem como a seleção do vocabulário adequado o intérprete deverá refletir as ideias emitidas em sinais pelo

emissor surdo.

2º A importância da imparcialidade: O intérprete não deverá fazer correções da mensagem proferida pelo

emissor. Nem demonstrar sua opinião pelo tom de voz ou expressão facial/corporal. É importante lembrar

que embora seja a sua voz, ao interpretar não são as suas ideias, crenças ou opiniões que o receptor espera

ouvir naquele momento enquanto você desempenha o papel de intérprete.

Gildete Amorim interpretando Vanessa Vidal (surda) no concurso Miss Brasil. FONTE: csjonline.web.br.com

Janaína interpretando uma palestra de Robson Peixoto (surdo) em ambiente religioso.FONTE: Foto da autora

POSIÇÃO: EM PÉ POSIÇÃO: SENTADA

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LETRAS LIBRAS|136

3º O intérprete não pode interagir com a plateia: A invisibilidade do intérprete não é algo fácil de ser

administrado no caso de uma interpretação versão voz. Em alguns casos o ouvinte que está assistindo uma

palestra ministrada por um surdo dirige-se ao intérprete e diz: “Qual a opinião dele (o palestrante) ...”. Esta

situação é bastante delicada, pois gera uma desconcentração e do palestrante. Nesta situação, o intérprete

de apoio orienta ao ouvinte que ele deve levantar a mão e direcionar-se ao palestrante. Em outros casos,

principalmente em reuniões, o intérprete em atuação que deseja emitir sua opinião, deverá pedir que

outro intérprete assuma a interpretação substituindo-o para que assim ele possa expor suas ideias.

2.4.4- Como proceder após a interpretação:

1º - O intérprete deverá ficar posicionado (a) próximo ao palestrante surdo, pois alguém poderá abordá-lo

(a) e necessitará dos serviços de interpretação.

2º - O intérprete responde quanto à interpretação. Não deverá receber elogios ou críticas quanto à palestra

ou mensagem, ele foi intérprete e não expositor das ideias, então o mesmo deverá encaminhar os méritos

do conteúdo ministrado para o palestrante.

EXERCITANDO

1) Elabore dois slides com uma tradução intersemiótica das seguintes frases:

a) A Língua de Sinais não é universal.

b) O intérprete transmite uma mensagem oral para uma língua gestual que é recebida

visualmente.

RESUMINDO

O Povo surdo possui artefatos culturais que não resume-se aos materiais de adaptações das informações sonoras para visuais.

A tradução de uma Língua Oral para uma Língua de Sinais além de ser Interlingual e Intermodal ela poderá ser somada a uma tradução Intersemiótica, quando além das Línguas utiliza-se imagens filmadas, fotografadas ou desenhadas.

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LETRAS LIBRAS|137

Em vários países há tradutores e intérpretes de língua de sinais. A história daconstituição deste profissional se deu a partir de atividades voluntárias queforam valorizadas enquanto atividade laboral na medida em que os surdosforam conquistando o seu exercício de cidadania.

UNIDADE III

O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS (TILS)

FONTE: librasitz.blogspot.com

3.1 HISTÓRICO PROFISSIONAL DO TILS

Numa perspectiva histórica, a tradução é vista por diversos olhares que buscam seu

delineamento. Além de ser compreendida como arte, também é estudada como um processo

complexo, envolto por nuances entre a sensibilidade do tradutor e o conhecimento técnico.

Em seu livro, Os Tradutores na História, DELISLE e WOODSWORTH (2003) realizam um

resgate sobre a atuação dos tradutores e sua contribuição social. Em muitas comunidades, o

tradutor realiza toda a formação de uma língua por meio da análise linguística dos signos e muitas

vezes, em situações extremas, construindo até o alfabeto daquela língua.

Nesta perspectiva, a tradução é uma importante ferramenta para a disseminação do

conhecimento, pois contribui para a apreensão intelectual e cultural da humanidade. Conforme

Quadros (2004, p.13)

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LETRAS LIBRAS|138

Mediante pesquisas realizadas podemos constatar que em vários países a trajetória da

profissionalização do intérprete de língua de sinais percorre espaços semelhantes: maior

participação dos surdos nas discussões sociais e políticas e a oficialização das línguas de sinais.

A oficialização das línguas de sinais assegurou aos surdos o direito à acessibilidade

linguística através do intérprete, que buscou a profissionalização mediante os espaços que atuava.

Quadros (2004, p. 13, 14) relata a trajetória de alguns países:

Estados Unidos – Desde 1815, destaca-se a atuação de Thomas Gallaudet como intérprete de

Laurent Clerc, surdo francês, que foi aos Estados Unidos para promover a educação de surdos

naquele país. Anos depois, em 1964, foi fundada uma organização nacional de intérpretes para

surdos, atualmente chamada RID26, a fim de estabelecer normas para a atuação do intérprete de

língua de sinais americana. Em 1972, o RID organizou um exame de proficiência com o objetivo de

oferecer um registro para os intérpretes aprovados.

Ainda hoje, o RID27 exerce as seguintes funções: selecionar os intérpretes, certificar os intérpretes

qualificados; manter um registro; promover o código de ética; e oferecer informações sobre

formação e aperfeiçoamento de intérpretes.

Suécia: Neste país, a atuação de intérpretes de língua de sinais sueca é registrada em trabalhos

religiosos em 1875. O reconhecimento da profissão aconteceu em 1938 quando o parlamento

sueco estabeleceu cinco cargos de conselheiros para surdos com a ampliação dos cargos para mais

vinte pessoas atuarem como intérpretes. Logo, em 1947 o país tinha vinte e cinto intérpretes para

atender aos surdos suecos.

Em 1968, a Associação Nacional de Surdos junto à Comissão Nacional de Educação e à Comissão

Nacional para Mercado de Trabalho criaram o primeiro curso de treinamento para intérpretes.

No Brasil, segundo a autora, o exercício da atividade do tradutor/intérprete iniciou no campo

religioso durante os anos 80. Com o intuito de discutir a atuação profissional, uma série de ações

foi desenvolvida: a FENEIS28 promoveu em 1988 o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de

Sinais; e em 1992, foi realizado o II Encontro Nacional, no qual foi discutido e votado o regimento

interno do Departamento Nacional de Intérpretes.

26

Registry of Interpreters for the Deaf.

27 Maiores informações no site http://www.rid.org

28 Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos.

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LETRAS LIBRAS|139

Art. 2o O tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas)línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação daLibras e da Língua Portuguesa.

O art. 4º estabelece diretrizes para sua formação tanto em nível médio quanto em nívelsuperior. Em nível médio, a formação pode ter a estrutura de cursos de educação profissionalreconhecidos pelo Sistema que os credenciou; cursos de extensão universitária; e cursos deformação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituiçõescredenciadas por Secretarias de Educação.

Semelhante aos outros países, a oficialização da língua de sinais brasileira por meio da lei

nº 10.436, de 24 de abril de 2002, impulsionou uma série de reivindicações e conquistas

referentes à acessibilidade linguística dos surdos (QUADROS, 2007).

O reconhecimento da Libras como língua oficial do país conferiu aos surdos o respeito à

diferença linguística. A conceituação da surdez transitou da perspectiva biológica para a

psicossocial, reconstruindo também o papel das pessoas ouvintes sinalizantes para intérpretes de

Libras.

Tal fato promoveu grande impulso sobre a produção e interpretação de textos e materiais

didáticos. Percebe-se uma crescente iniciativa de projetos de interpretação dos mais diversos

trabalhos, dentre eles, a tradução/interpretação de obras literárias.

Enfim, no dia 1º de setembro de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sanciona a lei

nº. 12.319 que regulamenta o exercício da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira

de Sinais (Libras), além de definir critérios para sua formação e atuação:

No parágrafo único vemos que “A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser

realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o

certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III”.

Conforme o art. 5º, a certificação para atuação em nível superior pode ser obtida através

do Exame Nacional de Proficiência em Tradução e Interpretação (Prolibras) até o dia 22 de

dezembro de 2015.

Atualmente, a comunidade surda tem vivido uma era de conquistas em que a expansão do

ensino da libras, como também a formação de profissionais intérpretes tem alcançado proporções

cada vez maiores. Os critérios estabelecidos pela lei são necessários para diferenciar o

profissional tradutor / intérprete de ouvintes usuários da libras sem as competências necessárias

ao tarefa de interpretação.

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LETRAS LIBRAS|140

3.2 Perfil deste profissional

Segundo Quadros (2007, p. 27) o intérprete de língua de sinais é o profissional que domina

a língua de sinais e a língua falada do país e que possui competência linguística para realizar a

tradução/interpretação das línguas envolvidas.

Quanto a isto, o linguista Jakobson, contribui ao identificar aspectos norteadores às

atividades de tradução e interpretação. Tais parâmetros orientam a análise da tradução em um

contexto linguístico atribuindo ao tradutor/intérprete competências necessárias ao exercício

profissional. São elas: competência linguística e competência referencial.

Já Chomsky contribui ao definir competência linguística como a capacidade que o falante

tem de produzir um número infinito de enunciados partindo de um número finito de parâmetros.

Outra competência essencial à tarefa tradutória é a competência referencial. Neste

contexto o termo referencial faz alusão ao conceito de signo, elaborado por Saussure,

“combinação de um conceito com uma imagem”. O desenvolvimento desta competência ocorre

quando o intérprete ao conviver com pessoas surdas conhece sua cultura, adquirindo tanto

domínio linguístico, como conhecimento de questões culturais. (VASCONCELLOS e BARTHOLAMEI,

2009).

O tradutor deve buscar a competência nas duas línguas que traduz, entendendo que o fato

de ser nativo da língua não o constitui usuário competente. O tradutor/intérprete de língua de

sinais deve buscar elevar sua competência linguística por meio de estratégias de busca, como

também ser competente linguisticamente em relação às competências: lexical; gramatical;

semântica; fonológica.

Além das competências citadas, o intérprete deve agregar ao desempenho de sua função

uma conduta moral regida por princípios éticos. O código de ética do TILS em seu artigo 1º declara

que “O intérprete deve ser uma pessoa de alto caráter moral, honesto, consciente, confidente e

de equilíbrio emocional. Ele guardará informações confidenciais e não poderá trair confidências,

as quais foram confiadas a ele”. (Quadros, 2004, p. 31,32).

O intérprete deve estar atento à formação e à conduta profissional, a fim de pautar suas

ações na ética e no conhecimento técnico, pois a transmissão do texto aliada à fidelidade constitui

uma importante tarefa para o tradutor/intérprete.

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LETRAS LIBRAS|141

MITOS SOBRE O TILS

- Professores de surdos são intérpretes de língua de sinais

Não é verdade que professores de surdos sejam necessariamente intérpretes de língua de

sinais. Na verdade, os professores são professores e os intérpretes são intérpretes. Cada

profissional desempenha sua função e papel que se diferenciam imensamente. O professor de

surdos deve saber e utilizar muito bem a língua de sinais, mas isso não implica ser intérprete de

língua de sinais. O professor tem o papel fundamental associado ao ensino e, portanto,

completamente inserido no processo interativo social, cultural e lingüístico. O intérprete, por

outro lado, é o mediador entre pessoas que não dominam a mesma língua abstendo-se, de

interferir no processo comunicativo.

- As pessoas ouvintes que dominam a língua de sinais são intérpretes.

Não é verdade que dominar a língua de sinais seja suficiente para a pessoa exercer a profissão

de intérprete de língua de sinais. O intérprete de língua de sinais é um profissional que deve ter

qualificação específica para atuar como intérprete.

Muitas pessoas que dominam a língua de sinais não querem e nem almejam atuar como

intérpretes de língua de sinais. Também, há muitas pessoas que são fluentes na língua de sinais,

mas não têm habilidade para serem intérpretes.

- Os filhos de pais surdos são intérpretes de língua de sinais

Não é verdade que o fato de ser filho de pais surdos seja suficiente para garantir que o

mesmo seja considerado intérprete de língua de sinais. Normalmente os filhos de pais surdos

intermediam as relações entre os seus pais e as outras pessoas, mas desconhecem técnicas,

estratégias e processos de tradução e interpretação, pois não possuem qualificação específica

para isso.

Os filhos fazem isso por serem filhos e não por serem intérpretes de língua de sinais.

Alguns filhos de pais surdos se dedicam a profissão de intérprete e possuem a vantagem de ser

nativos em ambas as línguas.

Isso, no entanto, não garante que sejam bons profissionais intérpretes. O que garante a

alguém ser um bom profissional intérprete é, além do domínio das duas línguas envolvidas nas

interações, o profissionalismo, ou seja, busca de qualificação permanente e observância do

código de ética. Os filhos de pais surdos que atuam como intérpretes têm a possibilidade de

discutir sobre a sua atuação enquanto profissional intérprete na associação internacional de

filhos de pais surdos (www.coda-international.org). (QUADROS, 2004, p: 29,30)

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LETRAS LIBRAS|142

EXERCITANDO

2) Qual o fato no histórico do profissional TILS você achou mais interessante?

_________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3) Você conhece o código de ética do TILS? Na sua opinião qual o ítem mais difícil de ser cumprido?

_________________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4) Cite os mitos sobre o profissional TILS: _____________________________________________

_________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

RESUMINDO

A medida que cresce a participação dos surdos nas discussões sociais e políticas cresce também o reconhecimento ao profissional Tradutor e Intérprete de Libras por parte da sociedade majoritária formada de ouvintes.

Além das competências citadas, o intérprete deve agregar ao desempenho de sua função uma conduta moral regida por princípios éticos registrados no Código de Ética do TILS.

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LETRAS LIBRAS|143

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tradução é uma atividade que abrange a interpretação do significado de um texto em

uma língua e a produção de um novo texto em outra língua, desde que exprima o texto original da

forma mais exata possível na língua destino. O texto resultante também se chama tradução. Quem

desconhece o processo de tradução quase sempre trata o tradutor como mero conhecedor de

dois ou mais idiomas.

Como vimos no atual contexto dos estudos da tradução, percebe-se um deslocamento do

eixo da linguística para o eixo dos estudos culturais e a crescente configuração como uma

interdisciplina. Portanto, o conhecimento da língua não é isolado, mas dialoga com a cultura dos

usuários da língua.

Esperamos que o estudo desta disciplina possa ter contribuído com um acréscimo de

conhecimento que auxilie a vocês na prática de ensino da Libras como primeira e/ou segunda

língua.

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LETRAS LIBRAS|144

REFERÊNCIAS

DELISLE, J. Os Tradutores na História. São Paulo: Ática, Tradução Sérgio Bath, 1998.

MASUTTI, M. L. Tradução cultural: desconstruções logofonocêntricas em zonas de contato entre surdos e

ouvintes. Florianópolis: Ed. UFSC, 2007.

QUADROS, R. M. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa. Secretaria de

Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos - Brasília: MEC ; SEESP, 2004.

SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SALLES, H. M. M. L. Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Brasília:

MEC; SEESP, 2004.

SEGALA, R. R. Tradução intermodal e intersemiótica/interlingual: Português brasileiro escrito para Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis: Ed. UFSC, 2010. SKLIAR, C. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 2005.

SOUZA JÚNIOR, J. E. G. Teoria e prática de tradução e interpretação da língua de sinais. São Paulo: Know

How, 2010.

STRÖBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

VASCONCELLOS, M. L. Estudos da Tradução I. UFSC: Santa Catarina, 2009.

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ESCRITA

DE SINAIS II

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LETRAS LIBRAS|146

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ESCRITA DE SINAIS II

Severina Batista de Farias Klimsa29

Bernardo Luís Torres Klimsa30

APRESENTAÇÃO

Prezado(a) aluno(a)

Sejam bem vindo(a)s à disciplina de ESCRITA DE SINAIS II.

Vamos iniciar, a partir de agora novos estudos em escrita de sinais que serão uma

continuidade da disciplina anteriormente cursada. São conhecimentos novos e bem práticos para

que você possa de fato começar sua caminhada na aquisição da escrita da língua brasileira de

sinais.

29

Professora Assistente da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Doutoranda do programa de pós-graduação em

Linguística da UFPB. Mestre em Educação com proficiência no uso e ensino de Libras. E-mail: [email protected]

30 Professor temporário da UFRPE na disciplina de Libras. Professor efetivo de Libras da Secretaria de Educação de PE e gestor do

CAS – Centro e Apoio ao Surdo. Mestrando em Ciências da Linguagem com proficiência no uso e ensino de Libras. E-mail:

[email protected]

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LETRAS LIBRAS|148

Os assuntos foram escolhidos com bastante cuidado e esperamos que você aproveite cada

um para que em posterior a sua formação acadêmica você seja um profissional diferenciado e

qualificado.

Para que você tenha uma visão melhor de como trabalharemos na disciplina veja como

ficou organizado o conteúdo programático que serão estudados durante 60 horas.

I – Conteúdo programático

1 A história da escrita

2 Sistema de notação em escrita de sinais

2.1 O sistema de notação de Stokoe

2.2 O sistema de François Neves

2.3 O sistema de Hamnosys – 1989

2.4 O sistema D’Sign de Paul Jouison – 1990

2.5 Novas configurações de mãos

3 Movimentos

3.1 Movimento circular – plano parede

3.2 Movimento circular – plano chão

3.3 movimento circular – lateral

4 Formas de transcrição em escrita de sinais

5 Símbolos de movimentos de dedos

5.1 Dedo flexionado na articulação medial

5.2 Dedo estendido na articulação medial

5.3 Dedo flexionado na articulação proximal

5.4 Dedo estendido na articulação proximal

5.5 Dedos flexionados e estendidos na articulação proximal conjuntamente

5.6 Dedos flexionados e estendidos na articulação proximal separadamente

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6 Dinâmica de movimentos

6.1 Movimento alternado

6.2 Um depois do outro

6.3 Tipos de movimentos

6.4 Configurações e orientação da mão

6.5 Flechas e outros símbolos de movimentos

7 Novas flechas de movimentos

8 Novas configurações de mãos

9 Tipos de movimentos de rotação

10 O que é a alfabetização em língua de sinais americana e inglês

11 Vocabulários em escrita de sinais

11.1 Calendário

11.2 Alimentos

11.3 Frutas

11.4 Verduras

11.5 Higiene

11.6 Estados brasileiros

11.7 Áreas do conhecimento

11.8 Meios de transportes

11.9 Meios de comunicação

11.10 Animais selvagens

II Metodologia

Em cada uma das unidades serão adotados os seguintes procedimentos: exposição de

conteúdos, levantamento de pontos para reflexão e discussão, apresentação de vários exemplos

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LETRAS LIBRAS|150

para ilustrar os conteúdos, apresentação de texto para leitura obrigatória e roteiro de análise.

Esse encaminhamento metodológico será feito através da filmagem das unidades contidas no

texto-base da disciplina. As atividades individuais e/ou em grupos devem ser realizadas por todos

os alunos, conforme as unidades vão sendo trabalhadas e postadas posteriormente no ambiente

virtual.

III Processo Avaliativo

A avaliação será realizada por meio das atividades realizadas no ambiente virtual (moodle)

e provas presenciais.

Abraços a todos e bons estudos!

Profª Severina Klimsa e Bernardo Klimsa

Professores autores

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LETRAS LIBRAS|151

UNIDADE I

1 A história da escrita

A necessidade de registrar os acontecimentos surgiu com o homem primitivo no tempo das

cavernas, quando este começou a gravar imagens nas paredes.

Durante milhares de anos os homens sentiram a necessidade de registrar as informações e

construíram progressivamente sistemas de representação. Desenvolvida também para guardar os

registros de contas e trocas comerciais, a escrita tornou-se um instrumento de valor inestimável

para a difusão de idéias e informações. Foi na Antiga Mesopotâmia, há cerca de seis mil anos

atrás, que se desenvolveu a escrita ideográfica, um dos inventos na progressão até a escrita

alfabética, agora usada mundialmente.

Em época bastante remota, homens e mulheres utilizam figuras para representar cada

objeto. Esta forma de expressão é chamada pictográfica. A fase pictórica apresenta uma escrita

bem simplificada dos objetos da realidade, por meio de desenhos que podem ser vistos nas

inscrições astecas presentes em cavernas, ou nas inscrições de cavernas do noroeste do Brasil.

Exemplos de escrita pictográfica

Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/

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LETRAS LIBRAS|152

Após, surgiu à escrita ideográfica, que não utilizava

apenas rabiscos e figuras associados à imagem que se queria

registrar, mas sim uma imagem ou figura que representasse

uma ideia, tornando-se posteriormente uma convenção de

escrita. Os leitores dependiam do contexto e do senso comum

para decifrar o significado. As letras do nosso alfabeto vieram

desse tipo de evolução. Algumas escritas ideográficas mais

conhecidas são os hieróglifos egípcios, as escritas sumérias,

minóica e chinesa, da qual provém a escrita japonesa.

Depois essa escrita passa a associar símbolos

fonéticos, ainda sem nenhuma vogal, com os seus referentes:

é a chamada escrita fonética.

Escrita Alfabética

Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/

Primeiro surgiram os silabários, conjunto de sinais

específicos para representar as sílabas, isto é, os sinais

representavam sílabas inteira sem vez de letras individuais. Os

fenícios inventaram um sistema reduzido de caracteres que

representavam o som consonantal, característica das línguas

semíticas encontrada hoje na escrita árabe e hebraica.

Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/

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LETRAS LIBRAS|153

Em seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia agregando as vogais e

criando assim a escrita alfabética.

(Alfabeto, palavra derivada de alfa e beta, as duas primeiras letras do alfabeto grego.)

Posteriormente, a escrita grega foi adaptada pelos romanos, constituindo-se o sistema

alfabético greco-romano, que deu origem ao nosso alfabeto. Esse sistema representa o menor

inventário de símbolos que permite a maior possibilidade combinatória de caracteres, isto é,

representação dos sons da fala em unidades menores que a sílaba.

Além da forma, a direção da escrita também é vista como elemento diferenciador de

sistemas de escrita.

Os chineses e japoneses escrevem da direita para a esquerda e em colunas. Os árabes

escrevem também da direita para a esquerda, mas em linhas de cima para baixo. O grego antigo

era escrito em linhas com direção alternada: uma linha da direita para a esquerda e a linha

seguinte da esquerda para a direita, invertendo a direção das letras; a terceira linha equivalia a

primeira e a quarta a segunda e assim sucessivamente. Esse método é chamado de

boustrophedon, uma palavra grega que significa “da maneira como o boi ara o campo”. Os

romanos instituíram a escrita da esquerda para a direita em linhas, que vigora até os dias de hoje

no nosso sistema alfabético.

A escrita é um método de registrar a memória cultural, política, artística, religiosa e social

de um povo. Instrumentaliza a reflexão, a expressão e a transmissão de informações, entre outras

necessidades sociais. Nesse sentido, a invenção do livro, sobretudo da imprensa, são marcos na

História da humanidade, passando a informação do domínio de poucos para o do público em

geral.

A escrita também mudou de outras maneiras, além da grafia, pois os materiais exigiam

abordagens diferenciadas. Os primeiros livros surgiram há cinco mil anos e eram feitos de barro, como

se fossem pequenas lajotas. Eles foram encontrados na Mesopotâmia e tiveram formas variadas: eram

quadrados, redondos, ovais ou retangulares e eram numerados para facilitar a consulta.

Os livros surgiram a partir da invenção da escrita. Cada povo escrevia seus livros em

materiais variados, conforme a disponibilidade. Quando se escrevia em materiais rígidos (barro,

madeira, metal, osso, bambu), os livros eram feitos de lâminas ou placas separadas. Quando se

escrevia em materiais flexíveis (tecido, papiro, couro, entrecasca de árvores), eram feitos em

dobras e rolos.

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LETRAS LIBRAS|154

Livro em Bambu

Os chineses utilizavam tiras de bambu como material para

escrita. As tiras eram obtidas do caule da planta, raspadas

internamente e colocadas para secar. Depois, para formar o

livro, as fichas eram furadas nas extremidades se unidas por fios

de seda.

Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/

Papiro

Apesar de o bambu haver sido usado antes dos

papiros, a evolução da escrita está intimamente

ligada à utilização do papiro pelos escribas. As

folhas de papiro escritas eram emendadas e

formavam rolos. Os rolos de papiro, criados pelos

egípcios, eram chamados Volumem (rolos). O

volumem dificultava a leitura, pois o leitor tinha

de mantê-lo aberto, utilizando as duas mãos. O

título do livro era escrito no final do rolo.

Pergaminho

O pergaminho, um outro tipo de suporte à escrita, é

obtido a partir do couro cru esticado. Era um material

mais resistente, fino e durável que o papiro, além de

permitir a escrita em suas duas faces. Lavado ou lixado,

permitia escrever diversas vezes.

Foi o pergaminho que possibilitou o desenvolvimento

do códex (ancestral do livro contemporâneo), por meio da costura pelo vinco, sem que as folhas

se rasgassem ou se desgastassem pelo manuseio. Assim, os manuscritos foram evoluindo e

desenvolvendo novos suportes, até chegarem ao papel tal qual hoje o conhecemos.

Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/

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LETRAS LIBRAS|155

Os primeiros manuscritos eram feitos pelos escribas. O escriba ocupava uma posição de

destaque na civilização, passava por um aprendizado básico em escolas e freqüentava cursos

superiores. No Egito, era o elo de comunicação entre os faraós, os sacerdotes e o povo. Durante a

Idade Média os escribas tornaram-se fonte de referência das leis e doutrinas que regiam a época.

Os manuscritos produzidos pelos escribas e copiados pelos copistas eram guardados em

bibliotecas nos mosteiros ou em outros estabelecimentos eclesiásticos, aos quais somente a Igreja

e os reis tinham acesso, o que assegurava à Igreja o monopólio quase integral do livro e da

informação. As principais atividades dos copistas eram copiar e multiplicar os textos, assim como

encadernar e organizar os livros manuscritos.

O esforço para multiplicar o livro durou séculos. Desde os copistas da Idade Média até o

surgimento da imprensa mantinham-se as mesmas preocupações: o uso da mesma caligrafia para

que um pedaço de um livro não ficasse diferente do outro e a possibilidade de expansão dos

conhecimentos.

Esses pressupostos contribuíram para que em 1450, na Alemanha, Gutenberg inventasse

a imprensa. Coma invenção dos caracteres móveis e da tipografia foi possível a reprodução

ilimitada de textos e imagens idênticos. Em vários pontos do mundo, diferentes pessoas podiam

ler as mesmas informações, graças ao processo de impressão. A partir dessa invenção foi aberto o

caminho para a popularização do livro, para o desenvolvimento da imprensa e para a

democratização da educação.

A criação de Gutenberg veio garantir de modo irreversível a leitura individual e silenciosa.

No que diz respeito ao leitor, pode-se dizer que ele passa a contar com uma série de vantagens

como: a separação das palavras, a paragrafação, a numeração e a titulação de capítulos. De um

leitor intensivo que dispunha apenas de um mínimo de diversidade de livros, vemos hoje um leitor

potencialmente extensivo e autônomo, que dispõe de uma variedade de títulos para se apropriar,

comparar e criar novos textos, a partir dos próprios comentários e das próprias reflexões.

2 Sistema de notações em escrita de sinais

São vários os sistemas de notações para a escrita de sinais da comunidade surda. Alguns

possuem centenas de símbolos. Os mais conhecidos são aqui apresentados resumidamente.

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2.1 O sistema de notação de Stokoe

Stokoe (1919 – 2000) a quem atribuímos os estudos iniciais de caráter linguísticos da

língua de sinais, e sua equipe da Universidade de Gallaudet também iniciaram estudos criando um

sistema de notação a partir de cinco elementos.

01 – o lugar onde nos encontramos com 12 posições

02 – as configurações de mãos num total de 10 símbolos

03 – os 22 movimentos que indicam ação

04 – A orientação com quatro indicações

05 – os sinais diacríticos com duas possibilidades

O objetivo sistema que foi criado por Stokoe não era de ser utilizado pela comunidade

surda americana, mas de facilitar seus estudos linguísticos da língua de sinais americana.

Configurações de mãos de Stokoe

Fonte: http://www.signwriting.org.

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LETRAS LIBRAS|157

2.2 – O sistema de François Neve

Pesquisador da Universidade de Liége (1996), François Neve cria um sistema mais

complexo, mas é derivado daquele de Stokoe. Com a utilização de códigos torna-se possível uma

numeração e tratamento informatizado dos signos. A escrita destes símbolos é feita em colunas

verticais de cima para baixo em uma única coluna quando a não dominante sinaliza ou em duas

colunas quando se utilizam as duas mãos. Os símbolos são organizados na seguinte ordem:

Configuração - (CO)

Localização – (LO)

Orientação – (ORI)

Ação – (ACT)

Fonte: http://www.signwriting.org.

O site da notação de Stokoe contem informações e exemplos designos escritos. http://www.signwriting.org/forums/linguistics/ling006.html

Saiba

mais

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LETRAS LIBRAS|158

2.3 O sistema Hamnosys – 1989

Inventado na Universidade de Hamburgo, Alemanha, por Prillwitz, Vollhaber e seus

colaboradores. Esse sistema foi objeto de diversas versões para a informática. Distingue

principalmente:

As configurações de mãos

As orientações de dedos e da palma

As localizações sobre a cabeça e o tronco

Os tipos de movimentos

A pontuação

As modalidades de formas básicas de movimentos

Fonte: http://www.signwriting.org.

FIQUE LIGADO

O site de HamNoSys contém informações e exemplos como os signos escritos dos sinais.

http://www.sign-lang.uni-hamburg.de/Projekte/HamNoSys/HamNoSysErklaerungen/englisch/Contents.html

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LETRAS LIBRAS|159

2.4 – O sistema D’Sign de Paul Jouison – 1990

É um sistema muito elaborado. Infelizmente seu criador morreu antes de poder explicar

completamente seu método. Segundo a Dra. Brigitte Garcia (2000), que recuperou suas notas e

escreveu uma tese sobre a pesquisa lingüística da Língua de Sinais Francesa - LSF incluindo o

estudo do trabalho de Jouison, a representação escrita proposta por ele não é uma simples

notação isolada, mas visa a ser uma autêntica escrita. O autor dá exemplos de frases sinalizadas

inteiramente transcritas em D`Sign. Sua ambição foi a de trabalhar sobre longas seqüências de

discursos sinalizados espontaneamente em filme, de descobriras unidades constitutivas da LSF,

que, segundo ele, não são nem os signos convencionais, nem os parâmetros de Stokoe que se

limita a uma descrição de sua forma visual.

Suas unidades-símbolos se organizam em famílias:

A escolha dos dedos

A escolha dos braços

As imagens

Os eixos de rotação

Os deslocamentos

As zonas do corpo e do espaço

Fragmentos do Sistema D’ Sign

Fonte: http://www.signwriting.org.

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LETRAS LIBRAS|160

2.5. Novas configurações de mãos

Fonte: http://www.signwriting.org.

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LETRAS LIBRAS|161

3. Movimentos

3.1 – Movimento circular – plano parede

O Signo escrito inclui símbolos que mostram movimentos circulares de vários tipos. Aqui

no exemplo, a mão e o antebraço se movem como uma unidade, com um movimento circular.

A ponta da flecha indica o lugar de inicio e a direção do movimento. Dentro deste tipo de

movimento circular, vamos distinguir três planos.

Fonte: http://www.signwriting.org.

Quando a mão se move em círculos é igual ao movimento que realizamos ao limparmos

uma janela.

O movimento é representado com esta flecha e encontra-se no plano parede.

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3.2 – Movimento circular – plano chão

Quando a mão se move em círculo igualmente ao movimento que realizamos ao limpar

uma mesa, este movimento é representado com esta flecha.

A haste da flecha é mais grossa quando a mão está perto do corpo, e mais fina quando a

mão se afasta do corpo.

Fonte: http://www.signwriting.org.

3.3 – Movimento circular – lateral

Quando a mão se move em círculo igual ao que realizemos quando remamos um barco,

este movimento se representa com esta flecha.

A haste da flecha é mais grossa quando a mão está perto do corpo, e mais fina quando a

mão se afasta do corpo.

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LETRAS LIBRAS|163

Fonte: http://www.signwriting.org.

4. Formas de transcrever em SignWriting

Conforme o Manual de SignWriting (1996) há três formas de se escrever os sinais

utilizando o sistema SignWriting.

1. Escrita com o corpo inteiro: utiliza a figura completa do corpo, uma forma mais fácil de ser entendida

pelos iniciantes. Esta forma é utilizada na Dinamarca pelas crianças surdas, intérpretes e familiares.

Também foi utilizada para criar dicionários na Dinamarca. O diagrama a seguir ilustra sinais dinamarqueses

escritos através de um programa chamado TegnBank desenvolvido pela lingüista Karen Albertsen do Centro

Surdo de Comunicação Total:

Fonte: http://www.signwriting.org.

2. Escrita de língua de sinais padrão em SignWriting: utiliza a figura com símbolos tornando o sinal uma

unidade visual. É a forma considerada padrão no uso da escrita da língua de sinais que vem sendo usada

nos Estados Unidos e em outros países como obras Il.

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LETRAS LIBRAS|164

Exemplos do Hino Nacional – transcrição padrão

Fonte: http://www.signwriting.org.

3. Escrita simplificada ou escrita à mão: é uma forma simplificada da escrita padrão que exclui alguns

símbolos de contatos de maneira a facilitar a redação escrita a mão. A escrita simplificada não é baseada

em nenhuma língua de sinais. É um sistema genérico simplificado para anotar qualquer movimento ou

posição do corpo rapidamente. Pode ser definido como uma notação estenográfica, onde apenas os

elementos indispensáveis uma decodificação posterior são anotados. Assim, se você escreve uma língua de

sinais, no sistema simplificado, quando depois for ler suas notas, vai precisar de um anterior conhecimento

dos sinais da língua, porque a verdadeira natureza das anotações simplificadas dos movimentos é a de

deixar fora algumas informações que aparecem na escrita padrão em favor da rapidez.

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LETRAS LIBRAS|165

Escrita simplificada

Fonte: http://www.signwriting.org.

Quanto à pergunta de quando se deve e quanto tempo se leva para aprender a escrita

simplificada Sutton coloca que costuma organizar a aprendizagem em três etapas:

• Escrita do SignWriting

• Literatura em SignWriting

• Escrita simplificada

Sutton conclui dizendo que coloca a escrita simplificada no final, quando a pessoa

consegue escrever uma história em SignWriting.

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LETRAS LIBRAS|166

O sistema SignWriting é apresentado por seus criadores como uma escritura alfabética.

Essa afirmação sempre causa perplexidade devido à natureza espacial das línguas de sinais.

Boutora (2003) responde a esse questionamento dizendo que SignWriting é um sistema

elaborado sob duas influências fonéticas. Aquela de ter sido elaborada dentro de uma cultura

onde a escrita da língua oral é fonética e a segunda, dentro de um marco teórico onde os

componentes mínimos da LS são semelhantes a fonemas, o que conduz a ver a semelhança entre

os elementos gráficos mínimos e as letras. Assim se olharmos um símbolo veremos que ele

comporta de um lado elementos que indicam a articulação do signo gestual e de outra parte,

possibilitará diretamente o acesso ao sentido pela percepção global do símbolo gráfico.

As línguas de sinais são flexionadas como as línguas orais. Assim como um verbo em

português pode ser flexionado assim também os símbolos escritos. Se numa frase em SignWriting

há um verbo direcional flexionado, a direção do movimento e a orientação das mãos jogam um

papel funcional. Em um mesmo símbolo escrito nós podemos encontrar informações lexicais e

gramaticais. Ainda assim notamos que o sistema comporta elementos ideográficos como os sinais

de pontuação e que certos elementos gráficos de um símbolo se relacionam fortemente com o

princípio ideográfico. Coloca então, a autora, a hipótese de que o sistema se caracteriza como

ideofonográfico Isso aproxima o sistema das escrituras ocidentais de dominância fonética.

Ao concluir sua tese, Boutora afirma que o sistema SignWriting, para escrita das línguas

de sinais dos surdos, satisfaz os critérios que definem um sistema de escritura:

É uma forma gráfica que está apta a assegurar as funções da escrita, da possibilidade de distanciamento da língua, passando pelo armazenamento e transmissão de informação. Sua evolução acontecerá pelos objetivos de adaptação às novas práticas e situações. Veremos com o tempo se o sistema se adapta às novas línguas ou se são as línguas que se adaptarão à escrita. (Boutora, 2003, p.95).

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LETRAS LIBRAS|167

5. Símbolos de movimentos de dedos

Os movimentos de dedos são compostos por seis símbolos.

Fonte: http://www.signwriting.org.

5.1 – Dedo flexionado na articulação medial

Quando a articulação média do dedo fecha (flexiona) este movimento do dedo fechando

é escrito com um ponto preto (preenchido).

O ponto é colocado perto da articulação do dedo que faz o movimento. Dois pontos

representam dois movimentos de flexão.

Fonte: http://www.signwriting.org.

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LETRAS LIBRAS|168

5.2 – Dedo estendido na articulação medial

Quando a articulação média do dedo abre (estende), este movimento do dedo abrindo é

escrito com um ponto branco (não-preenchido). O ponto é colocado perto da articulação do dedo

que faz o movimento. Dois pontos representam dois movimentos de extensão.

Fonte: http://www.signwriting.org.

5.3 – Dedo flexionado na articulação proximal

Quando a articulação proximal do dedo flexiona, este movimento da articulação fechando

é escrito com uma pequena seta que aponta para baixo. A seta é colocada perto da articulação

proximal que faz o movimento. Duas setas indicam dois movimentos de flexão.

Fonte: http://www.signwriting.org.

5.4 – Dedo estendido na articulação proximal

Quando a articulação proximal do dedo estende, este movimento da articulação abrindo

é escrito com uma pequena seta apontando para cima. A seta é colocada perto da articulação

proximal que faz o movimento. Duas setas indicam dois movimentos de extensão.

Fonte: http://www.signwriting.org.

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LETRAS LIBRAS|169

5.5 – Dedos flexionados e estendidos na articulação proximal conjuntamente

Os dedos se movem juntos na mesma direção, como um só. As articulações proximais dos

dedos estendem e flexionaram (para cima ou para baixo). Este movimento da articulação proximal

de abrir-fechar é escrito uma série de pequenas setas conectadas apontando para cima e para

baixo.

Fonte: http://www.signwriting.org.

5.6 – Dedos flexionados e estendidos na articulação proximal separadamente

Os dedos não se movimentam juntos como um só. Eles se movem em direções opostas.

Um se move para cima, enquanto os outros se movem para baixo (alternados). O símbolo do

movimento alternado da articulação proximal é escrito com duas séries de pequenas setas

apontando para cima e para baixo.

Fonte: http://www.signwriting.org.

6. Dinâmica de movimentos

Os símbolos de dinâmicas são pequenos símbolos colocados acima ou próximo dos

símbolos de movimento para representar intensidade, velocidade ou a “qualidade” do

movimento.

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LETRAS LIBRAS|170

Simultaneidade: ambas mãos movem-se ao mesmo tempo (movimento simultâneo).

Fonte: http://www.signwriting.org.

6.1 – Movimento alternado

A direita se move numa direção, enquanto a esquerda se move na direção oposta.

Fonte: http://www.signwriting.org.

6.2 – Um depois do outro

Uma mão move enquanto a outra está imóvel – a mão direita move, enquanto a

esquerda mantém-se imóvel. Quando a esquerda move, à direita mantém-se imóvel.

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LETRAS LIBRAS|171

Fonte: http://www.signwriting.org.

6.3 – Tipos de movimentos

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LETRAS LIBRAS|172

RESUMINDO... Quando é você quem sinaliza a outra

pessoa, vê os sinais desde tua própria

perspectiva. A isto se chama “Perspectiva do

sinalizador”.

Fonte: http://www.signwriting.org.

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LETRAS LIBRAS|173

6.4 – Configurações e orientação da mão

Fonte: http://www.signwriting.org.

6.5 – Flechas e outros símbolos de movimentos

Fonte: http://www.signwriting.org.

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LETRAS LIBRAS|174

7. Novas flechas de movimentos

Fonte: http://www.signwriting.org.

8. Novas configurações de mãos

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LETRAS LIBRAS|175

Fonte: http://www.signwriting.org.

9. Tipos de movimentos de rotação

Alguns movimentos circulares tem sua origem no pulso. O antebraço fica fixo e a mão gira

desde o pulso. Estas flechas representam os movimentos em três planos.

Fonte: http://www.signwriting.org.

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LETRAS LIBRAS|176

Movimentos retos em que o pulso fica fixo e a mão se move é escrito desta forma.

A linha curta representa o pulso, o qual não se move, e a mão se move nas direções

indicadas pelas flechas.

Fonte: http://www.signwriting.org.

10. Desafios na alfabetização de surdos

No decorrer dos anos diferentes visões a cerca da pessoa surda foram surgindo, assim como

metodologias de trabalho. Durante muito tempo via-se a surdez como “patologia” e, portanto a

pessoa surda era excluída do grupo social por ser considerada um doente. Todos os esforços eram

no sentido de “curá-la” para que pudesse tornar-se o mais uniforme possível dos ouvintes,

inclusive no setor educacional este era um dos principais objetivos da educação: normalizar o

surdo.

E é justamente na escolarização dos surdos que se apresentam alguns obstáculos, e um

destes é processo de alfabetização. Embora se reconheça hoje que a pessoa surda tem uma

linguagem diferenciada e que se utiliza da mesma para poder comunicar-se, várias barreiras

apresentam-se, como por exemplo o desconhecimento da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).

Contudo, este é um dos caminhos necessários para um efetivo trabalho pedagógico de

alfabetização dos alunos surdos, por resultar em um aprendizado mais significativo para ele, uma

vez que está se respeitando sua linguagem .

A busca por uma alfabetização de qualidade requer dos educadores uma constante

elaboração e reelaboração de suas práticas, além da procura por caminhos que oportunizem aos

alunos surdos viverem em um ambiente mais solidário e cidadão, com direito a uma educação que

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LETRAS LIBRAS|177

satisfaça suas necessidades tanto cognitivas quanto afetivas. “A respeito de suas necessidades

educativas é fundamental não desconsiderar sua interdependência com as demais necessidades

humanas, como aquelas citadas por Maslow”.(Mazzotta 1981p.35). Sendo assim, necessidades

fisiológicas, de segurança, de participação social, de estima ou reconhecimento e auto-realização

estão intricadas nas necessidades educacionais comuns e especiais cuja realização inclui a atuação

competente das escolas.

Investigar o processo de alfabetização de crianças surdas torna-se relevante na medida em

que esta etapa de escolarização incorpora neste indivíduo uma série de novas relações e

habilidades, como é o caso da aquisição da palavra escrita e da leitura que é oportunizada por

meio do contato deste indivíduo com o mundo das letras. Além disso, esta etapa da aprendizagem

é um momento de inicialização de caminhos a serem percorridos pela criança e que refletirão em

sua vida pessoal, social, psicológica e educacional.

É oportuno considerar que desde seu nascimento a criança encontra-se imersa em relações

sociais, sendo a família o primeiro grupo social base a estabelecer vínculos com a mesma. Dentro

deste grupo de relações a linguagem é o instrumento com o qual se torna possível o

estabelecimento e a imersão da criança no mesmo. De acordo com Góes: o modo e as

possibilidades dessa imersão são cruciais na surdez, considerando-se que é restrito ou impossível,

conforme o caso, o acesso a formas de linguagem que dependam de recursos de audição.

Sobretudo nas situações de surdez congênita ou precoce, em que há problemas de linguagem

falada, a incorporação da língua de sinais mostra-se necessária para que sejam configuradas

condições mais propícias à expansão das relações interpessoais. (1996 p.38).

A língua de sinais apresenta-se como o elemento indispensável nas relações sociais no qual

a criança está inserida e também em sua escolarização, pois será o meio de linguagem da criança

surda entre si e com as demais pessoas, sendo também importante no trabalho de alfabetização.

Tendo em vista que a LS é significativa no processo de alfabetização desses alunos, infelizmente

nossas escolas, ainda encontram-se despreparadas no sentido de um ambiente adequado, pois

necessitam, primeiramente, conhecer a LS, contar com a presença de um instrutor surdo que

servirá além de modelo de identidade surda também irá realizar a correspondência, do que está

sendo ensinado, em Língua de Sinais à criança.

É possível confirmar, segundo Bueno que uma das características mais relevantes no

processo de alfabetização de surdos é a seguinte:

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LETRAS LIBRAS|178

O ensino da leitura e escrita para deficientes auditivos esbarrou sempre nos problemas relacionados com sua dificuldade de comunicação em geral. Como a escrita foi sempre ensinada às crianças ouvintes em correspondência com a linguagem oral, este também foi o caminho seguido pelos educadores de crianças surdas.(1982 p.38).

Confirma-se que o objetivo principal dentro do contexto de alfabetização é a aprendizagem

e a compreensão da escrita e da leitura, porém alfabetizar implica compreender, também, todos

esses fatores: físicos, cognitivos e os sociais. Quando a criança chega à escola, já possui muitos

conhecimentos acerca da escrita e da leitura, porém passa a utilizar esses conhecimentos num

contexto diferenciado daquele natural e cotidiano, com o qual está familiarizada, ou seja, depara-

se com uma linguagem nova, formal e padronizada, a fim de que possa escrever e compreender

textos escritos (descontextualizar). Buscando exemplificar é oportuno as seguintes questões:

como ocorre essa troca de contextos com o aluno surdo? Será que podemos fazer alguma

comparação com o aluno ouvinte?

Ao entrar na escola a criança ouvinte traz consigo uma bagagem lexical e as estruturas

lingüísticas quase todas estruturadas ao passo que o surdo, devido a sua condição poderá tardar a

sua aquisição. Mas, isto não quer dizer que se encontra menos capacitado que o ouvinte ou em

desvantagem e, é exatamente neste aspecto que reside um grande desafio na alfabetização

desses alunos que é a aquisição da leitura e da escrita em seu sentido mais amplo e complexo.

Os conhecimentos lingüísticos das crianças surdas podem apresentar sérias deficiências no

que se refere ao domínio de suas estruturas, sobretudo na produção escrita, caso não sejam

mediados adequadamente. De acordo com Fernandes essas deficiências podem ser demonstradas

por:

Dificuldades como léxico, falta de consciência de processos de formação de palavras,

desconhecimento da contração de preposição com o artigo, uso inadequado das preposições,

omissão de conetivos em geral e de verbos de ligação, troca do verbo ser por estar, uso indevido

dos verbos estar e ter, colocação inadequada do advérbio na frase, falta de domínio e uso restrito

de outras estruturas de subordinação. (1990 p.34).

Porém, pesquisas nesta área afirmam que alguns familiares de alunos surdos em fase de

alfabetização percebem que o uso dos sinais para eles pode ativar a sua competência lingüística,

facilitando a aprendizagem do Português na modalidade escrita, principalmente por aumentar a

compreensão.

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LETRAS LIBRAS|179

Vygotsky (1996) em seus estudos relaciona a apropriação da linguagem escrita com o

amadurecimento da representação simbólica; para ler e escrever, as crianças não necessitam

restringir-se aspecto sensorial da fala e do significado das palavras, trabalhar com o símbolo que é

fundamental.

A Língua de Sinais pode, nesse sentido, viabilizar a interação entre os sujeitos, de modo a

favorecer um contexto propício para a aquisição da linguagem escrita pelo surdo. As atividades

lúdicas podem, também, intermediar o processo de aprendizagem, pois permitem à criança a

apropriação de códigos culturais compartilhados por ela e pelo grupo dando sentido ao que está

aprendendo. Além disso, o aluno surdo descobre-se como um ser autônomo e responsável, capaz

de produzir seu próprio conhecimento em reciprocidade com seu grupo de sala de aula, seja de

ouvintes ou de surdos.

No processo de alfabetização, o despertar para a escrita e a maneira como concretizar isso

são fatores que devem ser levados em consideração pelo professor, a partir do interesse da

criança pelo o que está sendo proposto. Nesse sentido, Battistel salienta, “a importância de se

planejar seu ensino de modo que este se torne necessário e tenha significado para a criança, que

seja incorporado a uma atividade necessária e relevante à vida. Que não se desenvolva como uma

simples habilidade de mãos e dedos, mas como uma atividade cultural complexa”, (1994, p.53).

Sendo assim, não pode ocorrer aprendizagem se esta não se encontrar contextualizada com o

ambiente sócio-cultural e nas relações com os demais, pois aprendemos na troca, nas experiências

socializadas com as pessoas com as quais convivemos.

Em relação ao aluno usuário da LS, torna-se necessário considerar que essa língua irá ser a

mediação entre ele e seus pares, contribuindo para o processo de construção do conhecimento,

que não ocorre afastado da utilização da linguagem seja ela de sinais ou não. Pode-se constatar na

realidade atual, que a Língua de Sinais vem tomando espaço na sala de aula caracterizando-se,

portanto como fundamental no contexto escolar. Alunos e professores demonstram estarem

empenhados a contribuir para que se solidifique e oportunize um contexto lingüístico favorável a

uma educação comprometida e de qualidade aos educandos. É preciso ressaltar ainda, que para a

concretização deste ambiente é de fundamental importância a presença do instrutor surdo no

ambiente escolar.

Valorizar os conhecimentos prévios dos alunos na etapa de alfabetização torna-se

componente imprescindível, porque cada criança traz consigo diferentes vivências e que na

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LETRAS LIBRAS|180

maioria das vezes é na escola, principalmente na sala de aula, que se manifestam os valores

oriundos de sua situação sócio-cultural. Realizar um diagnóstico a fim de conhecer os saberes que

nossos alunos trazem consigo antes de iniciar o processo de alfabetização é um aspecto básico,

conforme aponta Ferreiro & Teberosky (1979). Neste trabalho, as autoras afirmam que as crianças

não chegam à escola vazias, sem saber nada sobre a língua. De acordo com a teoria, toda criança

passa por quatro fases até que seja alfabetizada:

- Pré-silábica: não consegue relacionar as letras com sons da língua falada;

- Silábica: interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada letra;

- Silábico-alfabética: mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas;

- Alfabética: domina, enfim, o valor das letras e sílabas.

Respeitar o nível de desenvolvimento e a maneira pela qual a criança adquira o

conhecimento a respeito da leitura e escrita é importante para que o professor saiba como agir

em sua prática. Cabe a este educador organizar atividades que contribuam a reflexão da criança

sobre a escrita, pois é atribuindo sentido e significados ao está fazendo é que ela aprende. Quanto

ao respeito à diversidade dos alunos, no que se refere a alunos surdos, é oportuno destacar

algumas considerações de Góes:

A deficiência não torna a criança um ser que tem possibilidades a menos; ela tem possibilidades diferentes. A deficiência não deve ser concebida como falta ou fraqueza, já que o indivíduo pode encontrar, a partir das relações sociais, outras formas de desenvolvimento com base em recursos distintos daqueles tipicamente acessíveis na cultura. (1996 p.35).

A ênfase encontra-se em trabalhar com as competências, com o que a criança é capaz de

nos proporcionar e não se restringir a um trabalho que está voltado somente às falhas e erros das

crianças. Por outro lado, não apontar os “erros” pode torna-se um processo passivo em que o

educador está cumprindo um papel de espectador e não de desafiador dos progressos das

crianças, respeitando-as e encorajando-as a progredirem em seus estágios de maturação.

No processo de ensino da leitura e escrita ao surdo, é fundamental que a LS, como primeira

língua dos surdos, favoreça as estruturas cognitivas que o ato de ler e escrever demandam. Da

mesma maneira, quanto mais precoce for o aprendizado da LS, maior será sua contribuição no

momento da escrita e, em seguida, essa escrita dará ferramentas indispensáveis para o

enriquecimento do léxico em LS. Sacks ressalta que:

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LETRAS LIBRAS|181

A língua de sinais deve ser introduzida e adquirida o mais cedo possível, senão seu

desenvolvimento pode ser permanentemente retardado e prejudicado, com todos os problemas

ligados à capacidade de “proposicionar” *...+ no caso dos profundamente surdos, isso só pode ser

feito por meio da língua de sinais. Portanto, a surdez deve ser diagnosticada o mais cedo possível.

As crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro com pessoas fluentes na língua de

sinais, sejam seus pais, professores ou outros. Assim que a comunicação por sinais for aprendida,

e ela pode ser fluente aos três anos de idade, tudo então pode decorrer: livre intercurso de

pensamento, livre fluxo de informações, aprendizado da leitura e escrita e, talvez, da fala. Não há

indícios de que o uso de uma língua de sinais iniba a aquisição da fala. De fato, provavelmente,

ocorre o inverso. (1998 p. 44):

Dessa forma percebe-se que a instauração de um trabalho eficiente de alfabetização

demanda o reconhecimento de que a língua de sinais é importante e imprescindível por

possibilitar o domínio lingüístico e a capacidade de expressar-se de forma plena e segura; e a

aprendizagem da leitura ou escrita em Português possibilitará a comunicação com o meio. Nesta

perspectiva, a escrita representa o direito de exercer cidadania, através da participação da vida

política, social e econômica do lugar em que vive. É importante destacar o papel da família no

processo evolutivo da criança, devendo proporcionar um ambiente de afeto, apoio e aceitação de

seu filho, somente assim ele poderá desenvolver-se de maneira a ter uma vida ativa, exercendo

seus direitos enquanto cidadão.

Diante deste enfoque, precisamos refletir sobre as práticas pedagógicas que estão sendo

utilizadas, tendo em vista conhecermos diferentes estudos e enfoques que tem permeado as

discussões sobre a alfabetização de surdos, no Brasil e no mundo. Considerando que a educação

de qualidade para todo e qualquer indivíduo é um direito, cuja responsabilidade para sua

efetivação real cabe a cada um de nós, a LS assume o caminho principal para a efetivação de uma

educação de qualidade a esses alunos.

Acrescento que um dos fatores essenciais do desenvolvimento humano a nível social reside

na tolerância e respeito à heterogeneidade das pessoas, que transferindo para a sala de aula, são

as trocas interpessoais que irão favorecer a criança surda enquanto cidadã o processo de

desenvolvimento de relações sociais.

A escola, enquanto instituição formal de ensino aprendizagem, deverá considerar o

desenvolvimento das crianças surdas como um processo social, assim como suas experiências de

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LETRAS LIBRAS|182

linguagem concebidas como instâncias de significação e de mediação em suas relações culturais,

nas trocas com o outro. Além disso, a LS dentro do processo de alfabetização configura-se como

instrumento mediador e cultural neste ato educativo. Referindo-me as questões metodológicas na

alfabetização de surdos, é peculiar que o educador tenha uma nova postura de trabalho, ou seja,

que esteja inserido dentro de um contexto atual de educação e que busque o aprimoramento de

seus conhecimentos em Educação Especial.

Conclui-se que os desafios dentro do processo de alfabetização de crianças surdas são

complexos, mas que gradualmente podem ser superados, desde que não estejamos arraigados a

uma concepção de surdo como um deficiente na esfera lingüístico-comunicativa ou então de

construção de uma identidade social, pois assim nosso trabalho pedagógico não se tornará

diferenciado, uma vez que estará impregnado por estes fatores. Devemos conceber que não são

nossos traços ou características deficitárias que nos tornam diferentes, mas sim o processo de

construção de identidade de cada um de nós.

11. Vocabulário em escrita de sinais

11.1 – Calendário

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LETRAS LIBRAS|183

11.2 - Alimentos

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LETRAS LIBRAS|184

11.3 - Frutas

11.4 – Verduras

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LETRAS LIBRAS|185

11.5 – Higiene

11.6 – Estados Brasileiros

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LETRAS LIBRAS|186

11.7 – Áreas do conhecimento

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LETRAS LIBRAS|187

11.8 – Meios de transportes

11.9 – Meios de comunicação

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LETRAS LIBRAS|188

11.10 – Animais selvagens

Fonte: http://rocha.ucpel.tche.br/signwriting/dicionario-basico/dicionario-basico.htm

Referências

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SEMÂNTICA

E PRAGMÁTICA

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SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA

APRESENTAÇÃO

Olá, prezad@ alun@!

Neste módulo estudaremos duas disciplinas: Semântica e Pragmática. Sempre que

iniciamos uma disciplina, nós, como alunos, desejamos logo alguma definição precisa. Trata-se de

um desejo natural, pois é a partir dessa definição que nos situarmos em nossa caminhada por toda

a disciplina. A definição chega a ser um roteiro de viagem, chega a ser até mesmo as “lentes” por

meio das quais observaremos um determinado conjunto de fatos. Toda definição, vale lembrar, é

limitante, mas alguns limites são necessários e, no nosso caso, didaticamente desejáveis.

Uma definição possível para Semântica é “o estudo do significado”. Não só possível como

também muito corrente. Não obstante, essa definição é um modo vago de apresentar a disciplina,

pois a pragmática também é o estudo do significado.

A semântica é uma disciplina que perpassa várias outras e, para alguns linguistas, a

exemplo dos cognitivistas, chega até mesmo a ser o núcleo da gramática, ainda que a separação

dos componentes de uma gramática em disciplinas seja uma questão antes de tudo didática, pois

na prática linguística cotidiana não conseguimos separar tais componentes facilmente. Isentando-

nos de maiores discussões, assumamos que a disciplina semântica é o estudo do significado

linguístico.

A pragmática, ao seu turno, comumente não é vista como uma componente da gramática.

Geralmente é assumida como o uso linguístico que nos dá a habilidade de interpretar e produzir

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significados em situações de interação (real ou virtual). Consequentemente, a disciplina

pragmática é o estudo do significado construído pelo uso linguístico.

No momento, basta-nos essas duas definições para seguirmos em frente. Durante o estudo

das unidades, você verá um pouco do que cada uma dessas disciplinas tratam. E, à medida que

formos avançando nos estudos, as definições de tais disciplinas se mostrarão claras.

Em alguns momentos, você certamente vai dizer a si mesm@ que semântica e pragmática

são duas “viagens”. Não vou tentar convencer você de que não são. Pode até ser que sejam, mas,

se forem, são viagens que precisam ser orientadas por boas bases teóricas, para que possamos

chegar a resultados significativos e interessantes.

Para que possamos então, com a unidade I, iniciar nossos estudos, quero registrar meus

agradecimentos a algumas pessoas que contribuíram de formas diversas e significativas na

elaboração deste módulo:

- A Nilton Barbosa de Souza Filho, Luciana Walesca de Souza Moura e Mônica da Silva Lima, nossos

assessores, pelos julgamentos de gramaticalidade de nativos a respeito dos exemplos usados em Libras

e por se disporem a serem fotografados para tais exemplos;

- A Alexandre Baracuhy Grisi Barbosa por fotografar e editar os exemplos em Libras;

- A Regina de Fátima Freire Valentim Monteiro, nossa tutora, pela pronta ajuda e organização nas

fotografias e nas gravações.

- À Profa. Nayara de Almeida Adriano pelos julgamentos de gramaticalidade e pelo valioso e

incansável trabalho de gravação do material.

Cordiais saudações,

MAGDIEL MEDEIROS ARAGÃO NETO

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LETRAS LIBRAS|196

UNIDADE I

SIGNIFICADO

Na introdução deste módulo, apresentei a Semântica31 como o estudo do significado

linguístico e a Pragmática como o estudo do significado construído pelo uso linguístico. Mas o que

é o significado? O que podemos entender por significado? Ao colocar essas duas questões em

cena, estamos pressupondo que existe algo que seja “o significado”. As respostas possíveis, como

você verá ao longo deste capítulo, dependem de quais lentes usarmos, ou seja, de a qual

perspectiva nos filiarmos.

Na filosofia antiga, como mostra Platão, os gregos já se questionavam sobre o que é o

significado. Essa questão girava em torno de outra: existe uma relação natural entre as palavras e

as coisas ou essa relação é convencional?

Os naturalistas acreditavam que existia uma relação entre as palavras e as coisas. Assim,

assumia-se, por exemplo, que existia uma relação natural entre a palavra casa e o objeto que

utilizamos como moradia, i.e., uma relação natural entre casa e um objeto do mundo.

Os não naturalistas, chamados de convencionalistas, negavam a existência de tal relação e

o argumento apresentado era e é muito convincente: se houvesse uma relação natural entre casa

e (alg)uma casa do mundo, então não poderiam existir house, domus, maison, うち etc. para

nomear o mesmo objeto, pois a relação ocorreria necessariamente entre uma única palavra e um

único objeto, ou seja, de um para um. Assim sendo, uma vez que o objeto estivesse relacionado a

uma palavra, ele não poderia relacionar-se a mais nenhuma outra. Além do mais, que relação

poderíamos perceber entre uma casa e qualquer uma das palavras que significam “casa”? Por mais

que queiramos, de fato é difícil imaginar essa relação.

Alguns estudiosos, a exemplo do filólogo alemão Walter Porzic, tentaram sustentar uma

possível relação natural entre as palavras e as coisas tomando como base as onomatopéias, que

são palavras ditas serem fiéis aos sons que representam: tic-tac para o som de alguns relógios de

parede, au-au para o latido, oinc oinc para o grunhido, e por aí vai. Esse, no entanto, acredita-se

31

Para conhecer um pouco da história da semântica, consulte: TAMBA-MECZ, Irène. A semântica. São Paulo: Parábola, 2006.

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LETRAS LIBRAS|197

não ser um argumento muito forte, pois, ainda que os sons não sejam os mesmos no mundo

inteiro, as onomatopéias não são as mesmas em todas as línguas: em inglês tem-se tick tock para o

som de alguns relógios de parede, bow wow para o latido, oink oink para o grunhido; e em francês

respectivamente tic tac, auf auf e groin groin. Como se pode ver, há semelhanças e diferenças

entre onomatopéias de mesmos sons em línguas diferentes. Assim, mesmo se percebendo certa

relação natural, ou seja, motivação entre as onomatopéias e os sons que elas representam, não

podemos falar em motivação total.

Oposta à relação natural, a convencionalidade não ocorre de forma manifesta, pois não há

uma ocasião em que os falantes de uma língua reúnem-se para convencionar a quais objetos as

palavras devem “se prender”. Trata-se então de uma convencionalidade não explícita, i.e., de uma

relação arbitrária, como assumira o linguista suíço Ferdinand de Saussure. Não obstante, como

também demonstra Saussure, há signos cuja motivação não podemos negar, ainda que eles

tomem como base signos não motivados: dezesseis é um bom exemplo de signo não arbitrário,

pois é motivado de dez, e e seis, ainda que estes três signos não sejam eles próprios motivados. As

onomatopéias, como vimos, também são bastante motivadas, embora não plenamente.

O resultado de toda a discussão acerca da naturalidade ou não da relação entre as palavras

e os objetos é que hoje em dia os linguistas assumem tranquilamente que nas línguas naturais não

há uma relação natural entre as palavras e os objetos. Essa conclusão nos leva a assumir que o

signo linguístico é arbitrário, ou, mais especificamente, que a relação entre significante e

significado é arbitrária.

Pensemos agora nas línguas de sinais. Elas indubitavelmente são línguas naturais, mas,

como mostram Trevor Johnston e Adam Schembri (2007), elas apresentam muita iconicidade, o

que nos leva a repensar a questão da arbitrariedade do signo. Lembremos que o contexto

saussureano era outro, e uma língua tal como Libras seria, naquele contexto, considerada apenas

uma linguagem.

Ao se reconhecer o estatuto de língua natural para as línguas de sinais, é preciso também

reconhecer que há línguas que são bem mais motivadas que outras, ou seja, menos arbitrárias que

outras, ainda que essa motivação não tenha permanecido muito transparente e ainda que tais

línguas não sejam totalmente motivadas. Parcimônia é necessário e não devemos ser extremistas

nem para as línguas oralizadas nem para as línguas sinalizadas.

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Reconhecemos que entre a palavra espelho e objeto espelho não há uma relação natural,

mas temos que reconhecer uma relação natural entre a palavra espelho em Libras32 e o objeto

espelho, essa relação inclusive se mantém presente em outras línguas de sinais, como ASL33 e

Auslan34. O mesmo se pode dizer do signo para casa35 em Libras, mas ele é parcialmente distinto

dos seus equivalentes em ASL36 e Auslan37 que, além de serem o mesmo signo, também

apresentam uma relação natural como o objeto casa.

Por outro lado, não é porque há uma relação natural entre o signo para casa e o objeto casa

que podemos assumir que em Libras e nas outras línguas de sinais a relação entre as palavras e os

objetos dá-se sempre de forma natural. Lembremos do signo para amarelo em Libras38 e tentemos

estabelecer alguma relação natural, alguma motivação, para essa palavra e o objeto que ela

nomeia: a tentativa será vã. Se algum dia houve uma motivação, ela hoje já não é mais

transparente. Se compararmos o signo para amarelo em Libras com as respectivas versões em

ASL39 e Auslan40, veremos que os três sinais são diferentes e talvez o único que ainda apresente

alguma aparente motivação seja o sinal em Auslan, que para alguns talvez lembre um sol. Neste

ponto você pode argumentar que a não motivação do sinal para amarelo nas línguas citadas é

decorrente do fato de não haver no mundo uma forma específica para a cor amarela. Esse de fato

é um argumento consistente, mas cuidado para não cair no oposto e deduzir que todos os signos

que denotam entidades concretas têm motivação transparente. Se essa dedução fosse adequada

os signos para sapato e para lápis não teriam realizações diferentes nas três línguas em questão.

Os dados mostram então que até mesmo para línguas de sinais, que apresentam maior

iconicidade e, por conseguinte, maior motivação e menos arbitrariedade, é inadequado assumir

que o significado de uma palavra é o objeto que ela nomeia. Assim sendo, voltamos então à

questão inicial: “O que é o significado?”.

32

Disponível em < http://www.acessobrasil.org.br/libras/ >. Acesso: 09 dez. 2011.

33 Disponível em < http://www.signingsavvy.com/sign/MIRROR >. Acesso: 09 dez. 2011.

34 Disponível em < http://www.auslan.org.au/dictionary/words/mirror-1.html >. Acesso: 09 dez. 2011.

35 Disponível em < http://www.acessobrasil.org.br/libras/ >. Acesso: 09 dez. 2011.

36 Disponível em < http://www.signingsavvy.com/sign/HOUSE >. Acesso: 09 dez. 2011.

37 Disponível em < http://www.auslan.org.au/dictionary/gloss/house1a.html?lastmatch=out-1 >.

38 Disponível em < http://www.acessobrasil.org.br/libras/ >. Acesso: 09 dez. 2011.

39 Disponível em < http://www.signingsavvy.com/sign/yellow >. Acesso: 09 dez. 2011.

40 Disponível em < http://www.auslan.org.au/dictionary/words/yellow-1.html >. Acesso: 09 dez. 2011.

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LETRAS LIBRAS|199

Uma boa resposta, aceita por diversos linguistas, é apresentada pelo filósofo e matemático

alemão Gottlob Frege (1978 [1892]). Frege diz que o significado é uma entidade composta de três

partes: o sentido, a referência e a representação. Como a representação é uma parte do

significado muito pessoal, que diz respeito a como o indivíduo concebe as coisas do mundo, Frege

assume que ela interessa à psicologia e não aos estudos da linguagem. Assim sendo, o significado

linguístico resta constituído de duas partes: o sentido e a referência.

No caso das palavras, a referência diz respeito a cada um dos objetos a que nos referimos: a

referência de livro, por exemplo, é qualquer um dos objetos que caibam no conjunto dos livros, ou

seja, é um objeto do tipo livro. Assim sendo, a referência estabelece-se numa relação entre língua

e mundo, mais precisamente na relação entre uma palavra e um objeto do mundo.

O sentido, ao seu turno, é uma forma linguística de apresentarmos um referente, ou seja, é

uma forma de apresentarmos um objeto. Por ser uma forma linguística, o sentido é

necessariamente comum a uma comunidade linguística, pois ele não pertence exclusivamente ao

indivíduo. Podemos, por exemplo, apresentar o objeto/referente casa como “construção destinada

a moradia” ou como “lugar onde residem pessoas”. Essas duas formas de apresentação do objeto

casa são sentidos da palavra casa. Mas podemos também apresentar o mesmo objeto como

“prédio”, “lar” e “residência” essas outras três formas de apresentação também são outros

sentidos de casa. O sentido, como você pede perceber, é comum a uma comunidade linguística

porque essa comunidade o assume como pertinente e não tem dificuldade para entendê-lo.

As noções de significado, referência e sentido podem ser resumidas pela fórmula em (01) e

visualizadas no quadro abaixo.

(01) SIGNIFICADO = SENTIDO + REFERÊNCIA

SIGNO

SIGNIFICADO

SENTIDO REFERÊNCIA

- construção destinada a moradia; - lugar onde residem pessoas; - prédio; - lar; - residência; - ...

Frege, matemático e lógico que era, restringia seus estudos da língua ao âmbito da filosofia

e não tinha muito interesse por questões das línguas naturais. Ele estava mais interessado em uma

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máquina de linguagem isenta de ambiguidades. No âmbito da linguística, o trabalho de Frege

influencia o trabalho do britânico John Lyons (1968), que sistematiza outra noção de significado ao

afirmar que o significado semântico é composto de sentido e denotação. O linguista mostra que o

sentido de que Frege tratava interessa à semântica, mas a referência interessa à pragmática

porque diz respeito a entidades específicas que só (re)conhecemos por meio do contexto de

enunciação. Considerando (02) um enunciado a expressão o livro refere-se a um único livro do

mundo: ao livro específico que é citado no contexto de uso.

(02)

O livro está sobre a mesa.

Para complementar a noção de sentido e completar a de significado, Lyons (1968)

assume a noção de denotação presente no trabalho de Platão. A denotação de uma palavra é

o conjunto de todos os elementos aos quais a palavra pode fazer referência. Assim sendo, o

termo livro não denota um livro específico, mas sim qualquer livro do mundo, i.e., qualquer

um dos objetos que caiba no conjunto dos livros. Considerando (02) uma sentença, a

expressão o livro não denota um objeto específico, mas qualquer objeto do conjunto dos

livros. A noção de denotação é interessante porque nos permite falar de livros em geral e não

apenas de livros específicos.

Após a reformulação de Lyons (1968), a noção de significado passa a ser definida pela

equação em (03) e pode ser visualizada no quadro abaixo.

(03) SIGNIFICADO = SENTIDO + DENOTAÇÃO

SIGNO

SIGNIFICADO

SENTIDO DENOTAÇÃO

- construção destinada a moradia; - lugar onde residem pessoas; - prédio; - lar; - residência; - ...

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LETRAS LIBRAS|201

41

e mais qualquer uma das outras casas do mundo.

Tanto a abordagem de Frege (1978 [1892]) quanto a de Lyons (1968) se enquadram no

escopo da semântica formal. Essa semântica também se interessa por outra unidade de análise

diferente da palavra: a sentença. Sentença é uma unidade abstrata situada fora de contextos de

uso, ou seja, é uma unidade que não foi usada em situação efetiva de comunicação. As sequências

em (04) e (05) são exemplos de sentenças. Ao analisá-las, a semântica não observa em quais

contextos elas podem ser efetivamente usadas.

(04)

João beijou Maria.

(05)

Que horas são?

No nível da sentença, a semântica formal é também chamada de semântica verifuncional.

Tal semântica assume que o significado das sentenças desse tipo, assim como o das palavras, é

composto de sentido e denotação. No entanto, como avalia a denotação das sentenças em termos

de condições de verdade, estabelece que a denotação de uma sentença não é uma coisa ou

evento do mundo, mas sim as suas condições de verdade. Atrelada à sentença há também a noção

de proposição, que é um específico estado de coisas do mundo. Proposição, como lembra Yan

41

Disponível em: <http://www.google.com.br/search?q=foto+de+casas&hl=pt-BR&client=firefox-a&hs=6jC&rls=org.mozilla:pt-BR:official&prmd=imvns&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=C3fyTpeEE4TDgQeL5OGlAg&ved=0CDgQsAQ&biw=1276&bih=670>. Acesso em: 09 dez. 2011.

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Huang (2007), é uma noção mais abstrata que a sentença, porém, é por meio de sentenças que a

proposição se manifesta. Se houver, por exemplo, um estado de coisas específico em que um

indivíduo chamado João comeu um determinado bolo, esse estado de coisas só consegue se

manifestar linguisticamente por meio de alguma proposição. Isso, no entanto, não significa que é

por meio de uma única sentença que uma proposição se apresenta, o estado de coisas

mencionado acima pode, por exemplo, ser expresso por pelo menos as três sentenças diferentes:

(06), (07) e (08) abaixo.

(06)

João comeu o bolo.

(07)

O bolo foi comido por João.

(08)

O bolo, João comeu.

Observemos ainda que toda proposição precisa necessariamente receber um valor de

verdade, seja verdadeiro seja falso. Por exemplo: a proposição expressa por (06), (07) e (08) será

verdadeira se for enunciada em uma situação na qual João realmente tenha comido o bolo. Já a

proposição, ou estado de “existir uma presidenta do Brasil e ela ter sido presa política”, em (09)

abaixo, é verdadeira se (09) for enunciada hoje, mas se (09) houvesse sido enunciada em 2009 a

proposição seria falsa porque não havia alguém que servisse de referência para a presidenta do

Brasil.

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LETRAS LIBRAS|203

(09)

A presidenta do Brasil foi presa política.

A noção de proposição é muito importante, por exemplo, para o trabalho como intérprete.

Ao interpretar sentenças de uma língua para outra, o intérprete deverá transportar uma

proposição da língua fonte para a língua alvo. Se a proposição não se mantiver entre as duas

línguas, o profissional não terá feito um bom trabalho porque terá adulterado o conteúdo

traduzido.

Se as proposições têm valor de verdade, o mesmo não vale para as sentenças, estas têm

condições de verdade. As condições de verdade de uma sentença “*...+ são as condições que o

mundo precisa apresentar para que a sentença seja verdadeira.”42 (HUANG, 2007, p. 15). Assim, as

condições para a sentença (09) acima ser verdadeira são: 1) que exista um Brasil; 2) que exista

alguém que seja a presidenta do Brasil; e 3) que essa mesma pessoa tenha sido presa política. Se

tais condições forem satisfeitas, a sentença será verdadeira. Uma sentença será verdadeira apenas

se todas as suas condições forem satisfeitas em algum mundo possível. Se, porém, pelo menos

uma das condições para a sentença ser verdadeira não for satisfeita em algum mundo possível, a

sentença será falsa.

Há uma fórmula “fixa” para se começar a estabelecer as condições de verdade de uma

sentença: “A sentença X é verdadeira se e somente se...(condições)”. Observe na prática como isso

é feito para a sentença (09) acima: a sentença ‘A presidenta do Brasil foi presa política’ é

verdadeira se e somente se em determinado momento simultâneo ao da minha enunciação/fala

(pois a sentença está no presente): 1) existe uma entidade tal que essa entidade seja o Brasil; 2)

existe um indivíduo tal que esse indivíduo seja a presidenta do Brasil e tenha sido preso político. Se

considerarmos que todas essas condições são satisfeitas, diremos que a sentença verdadeira. Se,

por outro lado, considerarmos que pelo menos uma das condições não é satisfeita, diremos que a

sentença falsa.

42

“*...+ are the conditions that the world must meet for the sentence to be true.” (HUANG, 2007, p.15).

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LETRAS LIBRAS|204

Há, porém, uma observação muito importante que não devemos esquecer: ao

estabelecermos as condições de verdade de uma sentença, estamos apenas avaliando as

condições nas quais a sentença pode ser considerada verdadeira, não estamos verificando no

mundo se a sentença é de fato verdadeira. Isso implica podermos considerar uma sentença

verdadeira ou falsa sem precisarmos checar no mundo se ela é verdadeira ou não. Isso é possível

porque, como sentenças são unidades que não fazem parte do uso efetivo da língua, podemos

apenas prever sob quais circunstâncias elas podem ser verdadeiras ou falsas. Já as proposições,

quando enunciadas, devem receber um valor de verdade, pois uma vez enunciadas elas fazem

parte do uso efetivo da língua e sua verdade pode ser checada no mundo.

A abordagem formal, também chamada denotacional, referencial ou extensional, consegue

dar conta de uma série de questões, mas, segundo alguns linguistas, ela deixa a desejar quando

nos lembramos que há expressões que são não referenciais como de, talvez, no entanto e muito.

Sem dificuldade alguma podemos observar que “Essa palavras certamente contribuem no

significado das sentenças nas quais elas ocorrem e assim ajudam as sentenças a denotarem, mas

elas próprias não identificam entidades no mundo.”43 (SAAED, 2009, p. 26). Outro caso de palavras

não referenciais são as que nomeiam entidades que não existem neste mundo biofísico em que

vivemos, como unicórnio, Saci Pererê e Wolverine.

Também na semântica formal, como lembra Pires de Oliveira (2001), a interpretação de

conectivos pode ser simplificada em excesso. Este é o caso de e e mas que, mesmo tendo sentidos

distintos, recebem a mesma interpretação em semântica formal, o que implica em ter-se que

considerar as sentenças (10) e (11) sinônimas, quando claramente percebemos que não são.

(10)

João chegou e Maria saiu.

43

“*...+ This words do of course contribute meaning to the sentences they occur in and thus help sentences denote, but they do not

themselves identify entities in the world.” (SAAED, 2009, p. 26).

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LETRAS LIBRAS|205

(11)

João chegou mas Maria saiu.

Segundo Oswald Ducrot (1987) o significado, ou mais precisamente a significação, é o valor

semântico da frase e o sentido é o valor semântico do enunciado. A frase, assim como a sentença,

é uma entidade abstrata que, por não pertencer ao contexto de comunicação, serve de objeto

apenas para a análise linguística. Frase e sentença44, porém, não são noções que se recobrem:

sentença diz respeito a uma sequência sintática bem-formada que comporta necessariamente um

núcleo verbal que a estrutura, a exemplo de (10) e (11) acima, a frase, ao seu turno, pode ter essa

mesma estrutura, mas pode também se apresentar sem um núcleo verbal, como (12) e (13)

abaixo. Assim sendo, a noção de frase comporta a de sentença, mas o contrário não é verdadeiro.

(12) (13)

Silêncio! Beijo!

Segundo a semântica argumentativa, as pessoas não se comunicam por meio de frases,

mas sim de enunciados. Os enunciados são as manifestações concretas de frases, são entidades

linguísticas pertencentes à situação real ou virtual de comunicação. Em (10)–(13) temos apenas

quatro frases, se, porém, essas frases forem usadas em uma situação de comunicação, elas, por

meio da enunciação, serão transformadas em enunciados.

A enunciação é, então, o processo pelo qual uma sentença se transforma em um

enunciado numa determinada situação de uso. Podemos imaginar, seguindo a figura abaixo, que a

enunciação é uma máquina na qual entra uma frase, e, depois de um processo interno da tal

“máquina”, essa frase se transforma em enunciado e em seguida sai da máquina para o uso.

44

Ducrot não trabalha com a noção de sentenças, apenas de frase. Faço a comparação para vermos que há pontos em comum

entre as duas teorias.

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LETRAS LIBRAS|206

Na semântica formal, quando analisamos sentenças e até mesmo textos, geralmente não

nos preocupamos em observar como tais sentenças e textos poderiam de fato ser usados. A

semântica argumentativa, ao contrário, interessa-se pelo uso linguístico, mas sempre busca ter

como base e finalidade estratégias linguísticas e discursivas, e não elementos do mundo em si.

Disso decorre que, para a semântica argumentativa, se a frase não é uma entidade linguística em

uso, seu valor semântico, seu significado, é bastante estável. Assim sendo, por estar fora de

contexto, a frase em (14) vai sempre significar a mesma coisa: “No presente momento, o relógio

marca 10 horas.”.

(14)

São 10 horas.

Como para a semântica argumentativa a língua não é essencialmente descritiva, mas

essencialmente argumentativa, a crença que permeia toda a teoria é que a língua é um

instrumento do qual nos valemos para realizar os constantes jogos de persuasão e

convencimento. Esses jogos não visam a convencer o outro de alguma verdade do mundo, visam

antes a fazer o outro aceitar ou rejeitar os pontos de vista que colocamos em cena por meio dos

nossos enunciados. Assim, ao enunciarmos, sempre realizamos o ato de argumentar, que se dá

por meio da apresentação de argumentos pelos quais tentamos levar nosso interlocutor a

determinadas conclusões.

Se então a finalidade dos enunciados é argumentar, quando a sentença em (14) é

enunciada na Situação 01 a seguir seu sentido é “Ainda está cedo.”. Esse sentido funciona como

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LETRAS LIBRAS|207

argumento a fim de persuadir o locutor A a ficar mais um pouco na festa, ou seja, funciona como

argumento contra a conclusão “Vamos embora.”.

Situação 01:

A quer ir embora de um jantar mas B quer ficar.

A: Vamos embora?

B: Ah, vamos ficar mais um pouco! São 10 horas.

Quando, porém, a sentença em (14) é enunciada na Situação 02, seu sentido, que é

dinâmico, é “Está tarde.”. Esse sentido funciona como uma adesão à proposta de A para ir

embora, ou seja, funciona como argumento a favor da conclusão “Vamos embora.”.

Situação 02:

A e B querem ir embora de um jantar.

A: Vamos embora?

B: Vamos sim. São dez horas.

A dinamicidade do sentido é resultante de um postulado da semântica argumentativa:

cada enunciado é único. Isso significa que, toda vez que (14) passar pelo processo de enunciação,

o resultado será um novo enunciado porque das variáveis que compõem o processo de

enunciação (quem, onde e quando), pelo menos uma será sempre distinta: o quando, pois o

tempo não para. A unicidade do enunciado não implica, porém, que cada novo enunciado deverá

necessariamente ter um sentido diferente dos demais, implica apenas que cada enunciado pode

ter um sentido diferente.

Se, para a semântica formal, (10) e (11) , repetidas a seguir, são sinônimas, para a

semântica argumentativa elas são argumentativamente diferentes: em (10) e apenas relaciona

dois enunciados João chegou e Maria saiu; no entanto, em (11) mas, além de relacionar os dois

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LETRAS LIBRAS|208

enunciados, apresenta a chegada de João como um evento frustrado devido à saída de Maria que,

provavelmente, foi motivada pela chegada de João.

Por meio da análise de sentenças como (10) e (11) e de possíveis enunciações para (14), a

semântica argumentativa mostra que, em alguns casos, é pouco dinâmico o caráter fortemente

referencial e verifuncional da semântica formal.

Como você já deve ter percebido, não há uma abordagem semântica que dê conta de todas

as questões que existem na língua. Isso, é bom lembrar, não é um défict específico da semântica

ou da linguística, é a condição própria de toda ciência e disciplina. Para se convencer, veja, por

exemplo, que existem diversas físicas, dentre elas: a física nuclear, a física de partículas

elementares, a física quântica, a biofísica e a física estatística. Tudo seria mais simples se uma

única abordagem teórica explicasse todos os fenômenos de sua área, mas o fato é que o mundo e

a língua são maiores do que qualquer teoria.

Das três formas de conceber o significado apresentadas neste capítulo, a primeira

corresponde a uma abordagem filosófica e as duas últimas correspondem a duas correntes

semânticas muito difundidas no Brasil: a formal e a argumentativa. Ao estudá-las, percebemos que

as diversas semânticas não são apenas formas diferentes de abordar o significado e as questões a

ele relativas, elas apresentam também diferentes noções de significado e, por conseguinte,

significados distintos para a palavra significado. Isso implica que, ao darmos uma única resposta

para o que é o significado e o que significa significado, acabamos por assumir algum

posicionamento teórico. Convido você para, na maior parte deste módulo, assumir comigo a

perspectiva de Lyons (1968) de que: SIGNIFICADO = SENTIDO + DENOTAÇÃO. No entanto, por

agora, deixarei em suspenso a noção de significado no âmbito da pragmática. Quando

começarmos a estudar a pragmática, trataremos desse ponto.

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LETRAS LIBRAS|209

REFERÊNCIAS

DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas, SP: Pontes, 1987.

FREGE, Gottlob. Logica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cultrix, 1978 [1892].

JOHNSTON, Trevor; SCHEMBRI, Adam. Australian sign language. Cambridge: Cambridge University Press,

2007.

HUANG, Yan. Pragmatics. Oxford: Oxford University Press, 2007.

LYONS, John . Introduction to theoretical linguistics. Cambridge: Cambridge University Press, 1968.

PIRES DE OLIVEIRA, Roberta. Semântica formal: uma breve introdução. Campinas−SP: Mercado de Letras,

2001.

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LETRAS LIBRAS|210

UNIDADE II

VARIAÇÃO DE SIGNIFICADO

Em algum momento de sua vida escolar você escutou seu/sua professor(a) de língua

portuguesa ou de Libras dizer coisas como “Escreva sem ambiguidades.”, “Seu texto está muito

ambíguo.”, “Você poderia ser menos vago(a) quando escreve.”. Se você levou em consideração

essas observações, tomou uma atitude adequada. Devemos procurar, pelo menos nos textos

(escritos e orais) acadêmicos e técnicos, ser o mais pontual possível, não só para ganhar a simpatia

do nosso interlocutor, mas principalmente para ele perceber o mais claramente possível do que

de fato estamos tratando e não fazer interpretações que não desejamos. Ainda a respeito das

observações do seu/da sua professor(a), é possível também que em algum momento você tenha

se sentido traído pelas palavras, como se você quisesse dizer uma coisa, e as palavras dissessem

outra. Não ache que isso acontece só com você, mas mesmo assim tome muito cuidado porque as

palavras não são muito “obedientes.”

Apesar de poder parecer que tudo seria mais fácil se as palavras tivessem apenas um

sentido45, a maioria delas apresenta algum tipo de variação de sentido. A monossemia,

propriedade de uma palavra ter apenas um sentido, não é o que prevalece na língua. Palavras

como alfirme, bolotar e xibaro, que são monossêmicas e não vagas, não são tipos de palavras que

mais usamos. Cotidianamente nos valemos, com muita naturalidade, de palavras semanticamente

mais complexas, seja porque têm mais de um sentido, seja porque são ortográfica e/ou

foneticamente idênticas a(s) outra(s), seja porque são vagas. O fato inexorável com o qual temos

de lidar é que as palavras das línguas naturais, em sua maioria, apresentam alguma forma de

variação de sentido: ambiguidade ou vagueza.

A ambiguidade não só é algo inerente às línguas naturais; é também algo muito curioso.

Ela é a possibilidade de mais de uma interpretação que uma determinada expressão46 linguística

45

Se as palavras tivessem apenas um sentido, teríamos de aprender bem mais palavras do que sabemos para nos comunicar com a

mesma proficiência que fazemos. 46

Você lembra o que eu disse ser uma expressão linguística no capítulo passado?

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LETRAS LIBRAS|211

pode apresentar. Não se tem notícia de uma língua natural que não apresente ambiguidades. Isso

é tão verdadeiro que em qualquer língua pupulam textos ambíguos orais ou escritos que geram

interpretações pouco, muito ou totalmente diferentes das esperadas.

“Sem pensar”, diga-me, por favor, o que (01) e (02) significam.

(01) (02)

Agora, pensando, diga-me o que (01) e (02) significam.

Viu que curioso? Quando começamos a pensar, parece que as palavras ganham mais

significados. Na verdade, em “testes” como esse que eu acabei de fazer com você, as palavras não

ganharam mais significados, eles já existiam. Nós apenas paramos para pensar sobre eles e, por

isso, eles começaram a emergir do conhecimento que temos a respeito do léxico/vocabulário de

Libras.

(01) e (02) são exemplos de casos que chamamos de polissemia. Polissemia é a

propriedade que um signo, não necessariamente uma palavra pois pode ser também um afixo,

tem de possuir mais de um significado relacionados entre si. Veja que, por se tratar de mais de um

significado, esses significados são diferentes, senão fossem não seriam mais de um. Ser diferente,

no entanto, não significa ser totalmente diferente, significa “apenas” ter alguma diferença. Por

outro lado, esses distintos significados necessariamente têm alguma relação semântica entre si.

Veja que há pelo menos três sentidos para (01): 1) “pessoa adulta do sexo feminino”; e 2)

“esposa”; e 3) “homem afeminado”. Você percebe que os três sentidos apresentados para (01)

são diferentes entre si, pois apresentam algum valor semântico a mais ou a menos? Você percebe

também que os três sentidos estão relacionados porque todos eles dizem respeito a uma pessoa

do sexo feminino? Semelhanças e diferenças de sentidos também ocorrem com (02), como vimos

no capítulo 01.

Outro fenômeno que podemos categorizar como sendo ambiguidade lexical é a

homonímia. Homonímia é a relação de identidade formal entre pelo menos dois signos distintos,

conforme podemos observar em (03).

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LETRAS LIBRAS|212

(03)

Se eu fizesse o mesmo teste agora e pedisse para você me dizer, sem pensar, um

significado para (03) você poderia dizer-me “fruto da laranjeira.” Essa não seria uma resposta

ruim, pelo contrário, seria uma boa resposta. Mas outra pessoa poderia responder-me “sétimo dia

da semana”. Essa também seria outra boa resposta. Mas o que semanticamente o fruto da

laranjeira tem a ver com o sétimo dia da semana? Será que sábado é o dia de chupar laranja? Ou

será que laranjas devem ser chupadas no sábado? Ou laranjas são mais gostosas quando chupadas

no sábado? A resposta você sabe: é não para as três alternativas e qualquer outra equivalente a

essas. Como não conseguimos perceber nenhuma relação entre os dois sentidos, dizemos que a

forma em (03) representa dois sinais distintos: sábado e laranja. Apesar de em (03) termos

absolutamente a mesma forma, os seus sentidos, “fruto da laranjeira” e “sétimo dia da semana”,

não estão relacionados entre si.

Como resultado, a homonímia lexical acaba por algumas vezes gerar sentenças homônimas

como (04), que pode significar tanto “eu gosto de sábado” quanto “eu gosto de laranja”.

(04)

Não há porém motivo para nos preocuparmos em excesso. Claro que devemos ter muito

cuidado com nossos textos orais e escritos, mas os contextos linguístico e extralinguístico

resolvem a maior parte das ambiguidades. Há inclusive quem, a exemplo de Luciano Oliveira

(2008), diga que a ambiguidade só existe em frases fora de contextos. Desse modo, são os

contextos então que nos informam quando (04) significa “eu gosto de sábado” ou “eu gosto de

laranja”.

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LETRAS LIBRAS|213

Pensando no contexto linguístico, se a partir de (04) formarmos (05), a única interpretação

possível para (04) será “Eu gosto de laranja”.

(05)

Eu gosto de laranja porque tem vitamina C.

Como sabemos então que “laranja” é a melhor interpretação para a ocorrência de (03) em

(05)? Por meio de algo chamado isotopia semântica, que é a força composicional segundo a qual

os elementos linguísticos atuam uns sobre os outros e apontam os sentidos possíveis para a

combinatória. Em (06) a isotopia semântica entre (03) e (06) que nos faz interpretar (03) como

“laranja” mas não como “sábado”, pois nosso conhecimento léxico-enciclopédico nos diz que

laranja tem vitamina C mas sábado não tem vitamina C.

(06)

vitamina C

Agora veja que se a partir de (04) formarmos (07), (03) significará apenas “sábado”, porque

(08) não diz respeito a frutas, diz respeito apenas a tempo, e sábado é um período de tempo.

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LETRAS LIBRAS|214

(07)

Eu gosto de sábado porque é quando durmo até tarde.

(08) quando

A homonímia, nos exemplos que vimos, é chamada de perfeita porque são tanto

homófonos quanto homógrafos, em razão de tanto a forma fonológica quanto a forma ortográfica

serem as mesmas. Mas nem sempre esse é o caso. Há também a homonímia em que apenas a

forma fonológica ou a forma ortográfica são a mesma. Quando apenas as formas fonológicas

coincidem, dizemos que se tratam de homônimos homófonos; quando apenas as formas

ortográficas coincidem, dizemos que se tratam de homônimos homógrafos. Esses dois tipos de

homonímia são mais facilmente percebidos em línguas orais.

A abordagem que até o presente momento utilizamos neste capítulo pode ser chamada de

semântica lexical, pois estuda a semântica de itens lexicais levando em consideração suas relações

com outras palavras, seja fora de contexto, seja em contextos de ocorrência virtuais ou reais.

Ademais, percebe-se facilmente que a semântica lexical vale-se de uma abordagem sincrônica. Foi

por isso que explicitamos a distinção entre polissemia e homonímia nos valendo apenas da

sincronia, ou seja, toda a explicação ocorreu olhando-se para um determinado estado da Libras: o

estado atual. Não obstante, poderíamos recorrer a uma abordagem diacrônica e compararmos

distintos estados da Libras, do português ou de qualquer outra língua para definir como

polissêmicos signos, a exemplo de bofe e bicho, que através do tempo foram incorporando

distintos significados. Na abordagem diacrônica, o que mais importa é a história do signo, seus

significados podem inclusive não mais apresentar nenhuma relação transparente entre si, como,

por exemplo, diversos significados de fazer: “construir”, “arrumar”, “comportar-se”, “percorrer”,

“fingir”, “proferir”, “celebrar” etc.

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LETRAS LIBRAS|215

Já palavras homônimas, na abordagem diacrônica, são as formas idênticas que apresentam

étimos distintos, ou seja, palavras que, a despeito da forma idêntica, apresentam origens distintas,

a exemplo de: manga1, que vem do latim manica e significa “parte de vestimenta”; manga2, que

vem do malaiala manga e significa “fruto da mangueira”; manga3, que vem do espanhol47 manga

e significa “cercado feito em curral ou à beira de rios para direcionar o gado”; e manga4, que é a

terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo mangar cuja etimologia é incerta.

A abordagem diacrônica já foi critério central e até mesmo critério único para a distinção

entre polissemia e homonímia, mas perdeu sua centralidade com o advento do estruturalismo.

Aliás, para alguns pesquisadores, ela não só perdeu a centralidade como a relevância, pois

relações semânticas e etimológicas que algum dia existiram podem não existir mais. Sem contar

que nem sempre temos registrada a história das palavras, como fazia, por exemplo, a semântica

histórica de Michel Bréal, que traçava uma “biografia” de cada palavra48. A união das duas

abordagens é uma boa alternativa para casos em que apenas a sincronia não nos possibilita dizer

com clareza se estamos diante de um caso de polissemia ou de homonímia. Mesmo assim,

sabemos que as línguas não são “bem-comportadas” e mesmo uma abordagem mista pode não

vir a dar as respostas suficientes.

Para alguns pesquisadores também é possível, ao se distinguir a polissemia da homonímia,

complementar o critério semântico com o morfossintático por meio das classes

morfossintáticas/morfológicas. Por esse critério, uma classe é um “local” onde agrupamos

elementos da mesma espécie, as línguas subordinam-se bem à formação de classes de palavras, e

as palavras estão necessariamente em uma classe ou outra, mas não em duas ao mesmo tempo.

Como nos lembra a física, um mesmo corpo não pode estar em dois locais ao mesmo tempo.

Assim sendo, uma palavra polissêmica pertence exclusivamente a uma classe e nunca a duas, três

ou mais classes.

Por outro lado, o caso da homonímia é diferente. Por se tratar de mais de uma palavra,

com a mesma forma mas sentidos não relacionados entre si, ela pode tanto estar na mesma classe

47

A palavra manga do espanhol vem do latim manica. Assim sendo, manga3 vem do latim, de forma indireta, por meio do

espanhol.

48 Hoje podemos fazer semântica histórica de um outro modo e com um outro objetivo: não mais olhando para a palavra isolada,

mas sim para ela em seus contextos não só de uso, também em seus contextos sociocognitivos. Dessa maneira, não mais com o

intuito de buscar apenas uma história para as palavras e, sim, as causas pelas quais uma palavra pode nascer, morrer e,

principalmente, as causas pelas quais ela pode se modificar.

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LETRAS LIBRAS|216

quanto em classes diferentes. Esse é o caso da forma manga, vista acima, que não deixa dúvida

alguma que engloba quatro palavras diferentes, pois seus significados não apresentam relação

alguma. As quatro palavras que a forma manga engloba podem ser classificadas em apenas duas

classes: numa, a dos substantivos, manga1, manga2 e manga3; na outra, a dos verbos, manga4.

Algumas abordagens chegam a tomar a classificação gramatical/morfológica como um

critério decisivo. Esse é o caso da gramática tradicional, que classifica cozido como um caso de

homonímia: cozido1 (verbo no particípio) e cozido2 (substantivo); jogo1 (verbo) e jogo2

(substantivo). Considerar, porém, as classes de palavras como um critério decisivo para a distinção

entre polissemia e homonímia não é um bom método, porque nem sempre as línguas apresentam

classes de palavra bem delimitadas; Libras é uma dessas línguas.

Ainda dentro do escopo da variação de significado, diga-me agora uma coisa: você acha a

Madonna velha? E o Thiago Lacerda, ele é bonito? Você pode responder “sim” às duas questões,

outra pessoa pode responder “não” e mais outra pode responder “mais ou menos”. Por que isso

acontece? Será que não sabemos o que é uma pessoa velha ou bonita? Será que não sabemos

qual o significado de velha e bonito? Certamente sabemos.

Palavras como velho, bonito, bom, gordo, alto, fácil, barato etc. são exemplos de vagueza.

Ou seja, são palavras que denotam propriedades que não temos como medir precisamente. Não

existe um conjunto de propriedades X que se alguém as tiver poderá se classificado como bonito.

Não existe uma idade que uma vez atingida alguém seja considerado sempre velho. É por isso que

Thiago Lacerda é considerado bonito por algumas pessoas, mas não por outras. Mas notemos que

raramente encontraremos alguém que o considere feio, ainda que algum homem machista diga “E

eu lá acho homem bonito!” Assim sendo, podemos dividir nossas opiniões achando o Thiago

Lacerda bonito ou mais ou menos, mas sabemos que ele não é feio.

A mesma vagueza vale para o ser velha ou não da Madonna. Pode ser que para você, que

tem vinte e poucos anos, ela, como seus cinquenta e tantos anos, seja uma coroa ou uma velha. Já

para a minha avó de 92 anos, a Madonna não é velha, é até jovem. Contudo, para nenhum de nós

a Madonna é uma jovenzinha. Por outro lado, para o meu sobrinho de três anos, você, de vinte e

poucos anos, é velho. Com base nessas avaliações, percebemos outra propriedade importante da

vagueza: por não termos uma medida específica para o atributo que uma palavra vaga expressa, a

verdade ou a falsidade desse atributo pode variar dependendo do ponto de vista que tomarmos

como referência. O seu ponto de vista, o da minha avó de 92 anos e o do meu sobrinho de três

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LETRAS LIBRAS|217

anos são diferentes. Daí, se uma palavra é vaga, os pontos de vista começam a interferir no

sentido. Aliás, observe que até a própria palavra vaga é vaga.

Literalmente, alguém está vivo ou não, é pai ou não; um vegetal é uma laranja ou não, é

uma jaca ou não; e um objeto é um celular ou não, é uma xícara ou não. E também literalmente

alguém pode ser velho para uma pessoa mas não para outra; um vegetal pode ser gostoso para

uma pessoa mas não para outra; e um objeto pode ser barato para uma pessoa mas não para

outra. A escalaridade e a comparação são outras propriedades da vagueza. Literalmente alguém

pode estar mais velho do que da última vez que o vimos, pode também ser mais velho do que

outra pessoa, mas não pode ser mais morto; um vegetal pode estar mais gostoso temperado de

determinado modo, pode também ser mais gostoso do que outro, mas não pode ser mais laranja

(referindo-se à fruta); um objeto pode estar mais barato hoje do que ontem, pode também ser

mais barato do que outro, mas não pode ser mais xícara.

Perceba então que a vagueza não se trata de uma questão de mudança do significado das

palavras ao nosso gosto. Bonito significa “alguém de aparência bonita ou atraente” e, sendo

sinceros, só atribuiremos esse predicado a quem realmente achamos bonito. Por reconhecermos

intuitivamente a vagueza, muitas vezes para nos resguardarmos de possíveis acusações, é comum

dizermos: “Na minha opinião,...”, a exemplo de “Na minha opinião, a Madonna não é velha.” ou

“Na minha opinião, o Thiago Lacerda é bonito.”

Com o uso de expressões que marcam opinião (na minha opinião, no meu ponto de vista,

eu acho etc.), fica claro que as palavras vagas não só expressam uma propriedade como um ponto

de vista. Como utilizamos constantemente palavras vagas, podemos concluir que não existe

discurso neutro. Nem mesmo o discurso científico. A neutralidade da língua é apenas uma

miragem pela qual alguns se deixam enganar. Ou você assume um ponto de vista, ou assume

outro. É impossível, como afirma a semântica argumentativa, falarmos sem assumir um ponto de

vista.

Diante do exposto até aqui, você pode concluir que há quatro tipos de palavra

semanticamente distintos: monossêmicas, polissêmicas, homônimas e vagas. Monossemia,

polissemia, homonímia e vagueza são sim quatro fenômenos diferentes, contudo curiosamente

mais de um deles pode se apresentar em uma mesma forma de palavra, e a única combinação

impossível é entre monossemia e polissemia. Assim sendo, antes de finalizarmos este capítulo,

vejamos alguns exemplos.

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LETRAS LIBRAS|218

Com os dois tipos de variação de sentido aqui estudados – ambiguidade e vagueza –,

espero ter ficado claro para você o porquê de toda língua natural ser ambígua e porque tão

frequentemente produzimos e nos deparamos com sentenças e enunciados ambíguos e/ou vagos.

Você, como intérprete de Libras-português, não pode deixar de prestar muita atenção em

fenômenos como a polissemia, a homonímia e a vagueza para não ocorrer o risco de “trair” do

texto (oral ou escrito) que você esteja interpretando. Deve também ter em mente que nem

sempre o autor/locutor de um texto que esteja interpretando produz um texto ambíguo e/ou

vago por “maldade” ou por inabilidade. A variação de sentido faz parte da língua e, associada a

diferentes contextos e diferentes conhecimentos de mundo, produz em maior ou menor escala

diferentes leituras para diferentes interlocutores e intérpretes.

Agora, convido você para, no próximo capítulo, estudarmos dois processos de expansão

semântica que tornam as palavras (mais) polissêmicas e, por conseguinte, (mais) ambíguas: a

metáfora e a metonímia.

REFERÊNCIA

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Manual de semântica. Petrópolis: Vozes, RJ: 2008.

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LETRAS LIBRAS|219

UNIDADE III

EXPANSÃO DE SIGNIFICADO

Os diferentes aspectos de significado constituem o campo propício para a mudança

linguística no que tange à semântica. A mudança semântica pode ocorrer em duas direções: a

subtração de significado, quando um item torna-se menos lexical e mais gramaticalizado, e a

adição de significado, quando um item torna-se mais polissêmico. As principais causas para

mudança de significado, segundo Stephen Ullmann (1964), são seis: 1) linguísticas; 2) históricas; 3)

sociais; 4) psicológicas; 5) influência estrangeira; e 6) necessidade de um nome novo. Apesar de

muito interessantes, por questões de tempo e espaço, não estudaremos tais causas neste módulo

de semântica e pragmática, indico a leitura de Ullmann (1964) a todos que quiserem conhecer em

detalhe tais causas. Estudaremos, em vez disso, dois processos de expansão semântica, i.e. dois

processos de adição de significado: a metáfora e a metonímia.

A metáfora e a metonímia têm sido estudadas sob várias perspectivas, a mais tradicional

diz que ambos os processos são desvios de significado. Considerados desvios, esses significados

são concebidos como não literais e são chamados de figurativos, porque em tal abordagem tanto

a metáfora quanto a metonímia são simplisticamente vistas como figuras de linguagem, que têm a

finalidade de, com fins estilísticos e retóricos, criar figuras/imagens para ornar o discurso. Segundo

a mesma abordagem, a palavra leão, em (01), não está com seu sentido literal49 de “felino

selvagem natural de savanas, cujo macho tem juba”, mas, por um desvio de significado, está com

o sentido metafórico de “bravo” e/ou de “forte”.

(01)

49

Sentido literal, na abordagem tradicional, diz respeito ao sentido expresso exclusivamente pelas letras/palavras.

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LETRAS LIBRAS|220

A abordagem tradicional, apesar de parecer consistente, é falha em dois pontos: 1) faz-nos

supor que a metáfora não é um processo comum ao nosso dia a dia, mas restrito a campos

discursivos tais como a literatura e a propaganda; e 2) não é explicativa o suficiente para dar conta

das relações cognitivas existentes na metáfora.

Na década de 1980, porém, os estudos sobre a metáfora ganham uma nova roupagem com

as análises de George Lakoff e Mark Johnson (2002)50. Para os autores, a metáfora é o processo

cotidiano por meio do qual compreendemos e experienciamos uma entidade em termos de outra.

Esse processo, dizem Lakoff e Johnson, não pertence exclusivamente ao sistema linguístico, mas a

todo o sistema conceptual e, por ser baseado em nossas experiências com o mundo, é um modo

de estruturação do pensamento. Assim sendo, usar/produzir uma metáfora não mais é entendido

como desviar o sentido de uma palavra, porque “*…+ A essência da metáfora é compreender e

experienciar uma coisa em termos de outra *…+” (2002, p. 47−48, itálicos dos autores).

Segundo a abordagem da semântica cognitiva, na sentença em (08) acima existe a

metáfora ‘PESSOAS SÃO ANIMAIS’ e por meio dessa metáfora João é entendido em termos de outra

entidade que é o leão, esse entendimento é possível porque se percebem propriedades comuns

entre João e um leão, quais sejam: bravura e/ou força.

Lakoff e Johnson classificaram as metáforas em três tipos: estruturais, orientacionais e

ontológicas. As metáforas estruturais são aquelas que estruturam um conceito a partir de

outro(s). Desse tipo é (08) acima, em que, como já afirmado, o conceito JOÃO é compreendido a

partir do conceito de LEÃO e seus subconceitos BRAVURA e FORÇA. As metáforas orientacionais são

aquelas nas quais se organizam um sistema conceptual em termos de outro(s). Nesse grupo se

enquadram as metáforas que se fundamentam em oposições binárias de orientações espaciais tais

como: DENTRO–FORA, PARA CIMA–PARA BAIXO etc. A partir da metáfora ‘FELIZ É PARA CIMA’ tem-se uma

orientação que pode produzir expressões tais como (02) abaixo. Essa metáfora, como podemos

observar, é resultado da nossa experiência com o nosso corpo: observe que quando você está feliz

sua coluna fica mais ereta e sua cabeça se posiciona para cima em simetria com a linha do

horizonte; mas quando você está para baixo, i.e. triste, sua coluna tende a se curvar e você olhar

para baixo.

50

Original: LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press, 1980.

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LETRAS LIBRAS|221

(02)

As metáforas ontológicas, por sua vez, são aquelas resultantes das experiências que

vivenciamos com objetos físicos, sendo o nosso corpo o principal desses objetos. Tais experiências

físicas (cf. Lakoff e Johnson, 2002, p. 76) possibilitam-nos atribuir a eventos, atividades, emoções

etc. o caráter de substâncias e entidades. Em (03), a metáfora ‘AMOR É UM BEM MATERIAL’ concebe

um sentimento, o amor, como sendo uma substância do tipo bem material já que apenas bens

materiais são passíveis de compra.

(03)

Segundo Lakoff e Johnson (2002) a metáfora ontológica apresenta ainda um subtipo: a

personificação, que é o entendimento de objetos físicos como sendo pessoas, permitindo

conceber entidades não humanas como sendo portadoras de características e atividades

humanas. Metáforas como ‘CAMISA É UMA PESSOA’ e ‘QUADRO É UMA PESSOA’ permitem-nos usar, por

exemplo, sentenças como (04) e (05), que não apresentam nenhuma estranheza ainda que ser gay

e ser alegre sejam propriedades inerentes a pessoas.

(04)

(05)

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LETRAS LIBRAS|222

Neste ponto, é necessário termos em mente que as sentenças (01)–(05) não são elas

próprias as metáforas, mas são “apenas” metafóricas. A metáfora está “dentro” dessas sentenças,

pois é o processo de: em (01) compreendermos que ‘PESSOAS SÃO ANIMAIS’; em (02)

compreendermos que ‘FELIZ É PARA CIMA’; em (03) compreendermos que ‘O AMOR É UM BEM MATERIAL’;

em (04) compreendermos que ‘CAMISA É UMA PESSOA’; e em (05) compreendermos que ‘QUADRO É

UMA PESSOA’. A metáfora, segundo Lakoff e Johnson (2002), é sempre um processo de

compreensão, ou seja, um processo cognitivo.

Além de ser um processo de compreensão e experienciação de um conceito x em termos

do conceito y, a metáfora é também um processo de expansão semântica, porque o uso constante

de uma metáfora tende a fortalecer essa relação entre os dois conceitos x e y e, quanto mais forte

for a relação, maior será a probabilidade de x se tornar mais polissêmico e incorporar o conceito

de y. Por exemplo: a compreensão constante do conceito LEÃO em termos dos conceitos BRAVO e

FORTE é tão comum que leão se tornou polissêmico, pois incorporou os sentidos metafóricos de

“bravo” e “forte” e, agora, não mais significa apenas “felino selvagem natural de savanas, cujo

macho tem juba” ou “o rei dos animais”. Outros casos como as expressões para baixo, para cima,

por fora, por dentro etc. são também exemplos de polissemia em que pelo menos um dos sentidos

é metafórico, respectivamente: “triste”, “alegre”, “desconhecedor” e “conhecedor”.

Além da metáfora outro processo de expansão semântica é a metonímia, que é um

processo referencial que objetiva o entendimento através da representação de uma entidade por

outra. É um processo no qual podemos usar uma entidade x para nos referirmos a uma entidade y

com a qual x mantém alguma relação. Podemos, a exemplo de (06), usar o nome do autor para

fazer referência a algum livro seu. Podemos, a exemplo de (07), usar o nome de uma cidade para

fazer referência aos seus habitantes (mesmo que não em sua totalidade).

(06)

(07)

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LETRAS LIBRAS|223

Sabemos que em (06) se faz referência a algum livro do Saussure e não ao próprio

Saussure, porque ler é um verbo que toma como complemento um objeto que seja do tipo leitura

e humanos não são entidades desse tipo. Assim sendo, a metonímia consiste em no lugar de se

especificar qual o livro, especificar-se o autor, já que há relação entre o autor e sua obra. Já em

(07), há uma metonímia porque se faz referência à população de João Pessoa, mas em vez de se

especificar que trata da população, pois o verbo votar toma como sujeito uma entidade do tipo

humano, especifica-se a cidade na qual a população vive e, por conseguinte, com a qual tem

relação.

No entanto, no que diz respeito às línguas de sinais, o tipo de metonímia mais produtivo

parece ser a parte pelo todo, pois, nesse caso, por meio de uma parte faz-se referência ao todo.

Esse é geralmente o processo metonímico pelo qual as pessoas, cidades e instituições são

nomeadas. Veja em (08), (09) e (10) que os sinais fazem referência a alguma parte das entidades

que eles nomeiam.

(08)

O sinal de Amy

Winehouse faz

referência aos seus

cabelos.

(09) O sinal da UFPB faz

referência às três tochas

e três linhas do logotipo

da UFPB.

(10)

O sinal de Florianópolis

faz referência à Ponte

Hercílio Luz.

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LETRAS LIBRAS|224

A metonímia parte pelo todo está também presente em muitos sinais nos quais se

reconhece alguma iconicidade. Veja em (11) que o sinal para casa faz referência apenas a uma

parte da casa: o telhado. Veja também em (12) que o sinal para pássaro faz referência apenas a

uma parte do pássaro: o bico.

(11) (12)

Ainda em língua de sinais é comum o que podemos chamar de metonímia movimento pela

entidade. Neste caso, o sinal de uma pessoa, objeto ou ação faz referência a algum movimento

comum a alguém ou alguma ação realizada com algum objeto. Esse é o caso do sinal para Michael

Jackson em (13), para xícara em (14) e para dançar em (15).

(13)

O sinal de Michael Jackson

faz referência a um dos seus

movimentos de dança.

(14)

O sinal de xícara faz

referência ao movimento de

levar a xícara do pires à

boca.

(15)

O sinal de dançar faz

referência a um dos

movimentos da dança.

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LETRAS LIBRAS|225

Assim como a metáfora, a metonímia contribui para a expansão semântica tornando as

palavras (mais) polissêmicas. Palavra, por exemplo, por meio da metonímia parte pelo todo pode

significar “fala”, “ensinamentos” e “discurso”. Universidade, empresa e igreja são exemplos em

que a metonímia instituição pela(s) pessoa(s) e prédio(s) é responsável pela polissemia. Cabeça,

por exemplo, literalmente significa “extremidade do corpo acima do pescoço”, mas significa

“cérebro” e “inteligência” por metonímia e “inteligente” por metáfora.

Veja, por fim, que as expressões cabeça e cobra com o significado metafórico de

“inteligente” são conotativamente positivas e socialmente indicam fala de pessoas geralmente

jovens, daí, ainda que possa ter o significado social associado a gírias, é elogioso dizer que alguém

é cabeça ou cobra. Mas quando cobra tem o significado de “perigoso” ou “falso” sua conotação é

negativa, disso decorre que é grosseiro dizer que alguém é uma cobra. Aspectos semelhantes

ocorrem com bicho nas sentenças em (01) e (02) anteriormente analisadas.

Tanto a metonímia quanto a metáfora, por serem processos que utilizamos com muita

frequência nas interações linguísticas diárias, são interpretadas de forma tão natural que no(s)

nosso(s) vernáculo(s) raramente paramos para refletir sobre as interpretações em jogo. Como

prova, leia abaixo a tirinha do Chico Bento e veja que, ao ignorar a metonímia parte pelo todo o

personagem instantaneamente cria o efeito de humor.

51

Por fim, antes de partirmos para o próximo capítulo, veja, no uso da palavra progresso no

último quadro da tirinha do Papa-capim, como a metáfora “PROGRESSO É DESTRUIÇÃO” é uma boa

estratégia para demonstrar a tristeza dos nossos simpáticos personagens e para nos fazer refletir

51

Disponível em: <http://www.monica.com.br/cookpage/cookpage.cgi?!pag=comics/tirinhas/tira309>. Último acesso em: 21 dez.

2011.

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LETRAS LIBRAS|226

sobre como compreendemos o progresso e se para nós ele tem uma conotação negativa ou

positiva.

52

REFERÊNCIAS

LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. Campinas−SP: Mercado de Letras; São

Paulo: Educ, 2002.

ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 1964.

52

Disponível em: <http://www.monica.com.br/comics/tirinhas/tira200.htm>. Último acesso em: 21 dez. 2011.

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LETRAS LIBRAS|227

UNIDADE IV

NEXOS DE SIGNIFICADO

Há diversos nexos de significado e todos eles são muito interessantes, no entanto não

teremos tempo de abordar todos eles neste módulo. Por isso, selecionei alguns que são

considerados os mais essenciais e os agrupei em dois capítulos. Neste capítulo vamos tratar da

sinonímia, da hiponímia, da hiperonímia, da antonímia, da contradição e da contrariedade.

Acredito que você irá gostar bastante de refletir sobre eles de forma mais explícita.

A sinonímia é um nexo entre expressões que têm significados semelhantes: casa e

residência, são bons exemplos. Mas veja, eu falei em significados semelhantes, não falei em

significados totalmente idênticos. Tratar expressões sinônimas como semelhantes nos possibilita

reconhecer que entre sinônimos geralmente existe alguma diferença de significado e que nem

sempre uma das expressões poderá substituir a outra, compare os pares abaixo:

(01) a. A casa de João é aconchegante.

b. A residência de João é aconchegante.

(02) a. João comprou uma casa.

b. ? João comprou uma residência.

Veja que em (01) casa e residência podem substituir uma a outra sem nenhum problema

semântico. Já em (02) a substituição de casa por residência resulta em uma sentença

relativamente estranha, e para alguns é até mesmo semanticamente inaceitável. Compare agora

os dois pares que seguem.

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LETRAS LIBRAS|228

(03) a.

Maria é velha.

b.

Maria é idosa.

(04) a.

Minha casa é velha.

b. *

* Minha casa é idosa.

Considerando o sentido literal, em (03) velho e idoso podem intercambiar-se sem nenhum

problema semântico, mas (04) esse intercâmbio não é possível. Exemplos desse tipo são muito

bons para nos ajudar a desfazer o mito de que sempre podemos substituir uma palavra por

qualquer um dos seus sinônimos. A sinonímia geralmente é imperfeita.

Há, porém, casos de sinonímia perfeita, mas são casos raros e geralmente se

circunscrevem a contextos técnicos. Lyons (1987) lembra o caso de cecite e tiflite que significam

“inflamação do ceco”. Tal tipo de sinonímia é um fenômeno raro, porque parece pouco produtivo

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LETRAS LIBRAS|229

a língua ter mais de uma palavra para significar exatamente a mesma coisa. Dessa

improdutividade decorre que quando acontece sinonímia perfeita, uma das palavras tende a

desaparecer: este é o caso de amplexo (palavra do século XIV) que, por significar exatamente a

mesma coisa de abraço (palavra do século XV), caiu em desuso.

A sinonímia caracteriza-se como identidade de significado e, por conseguinte, duas ou mais

palavras são ditas sinônimas quando significam (mais ou menos) a mesma coisa. Em Libras (05a) e

(05b) são sinônimos, mas perceba, comparando as sentenças em (06a) e (06b), que são sinônimos

imperfeitos pois o uso de (05b) em (06b) é semanticamente estranho.

(05) a. b.

Velh@ Idos@

(06) a.

O livro de Maria está velho.

b. *

*O livro de Maria está idoso.

A sinonímia é um nexo de significado que pode estar presente apenas no nível lexical,

apenas no nível sentencial ou em ambos. Vale, no entanto, atentarmos para três pontos. O

primeiro é que a sinonímia lexical pode resultar em sinonímia sentencial se duas ou mais

sentenças, a exemplo dos pares em (01) e em (03) acima, diferem entre si apenas em palavras que

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LETRAS LIBRAS|230

são sinônimas uma da outra. O segundo é que não é necessário duas ou mais sentenças

apresentarem sinonímia lexical para que sejam sinônimas entre si, como mostra o par em (07)

abaixo. O último ponto é que há casos de sentenças que não são sinônimas apesar de

apresentarem palavras sinônimas, como é o caso de (08). Das três observações podemos então

concluir que a sinonímia lexical não implica a sentencial nem vice-versa.

(07) a.

Semântica não é pragmática.

b.

Semântica é diferente de pragmática.

(08) a.

João viu Maria.

b.

Maria enxergou João.

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LETRAS LIBRAS|231

Há dois outros nexos de significados lexicais bem interessantes e que comumente são

confundidos com a sinonímia: a hiponímia e a hiperonímia. Tanto hipo quanto hiper vêm do grego,

o primeiro significa “abaixo” e o segundo “acima”. Onímia também vem do grego e significa

“nome”. Assim sendo, numa taxonomia hipônimo é um nome que está abaixo de outro e

hiperônimo é um nome que está acima de outro. Analisemos essas relações na taxonomia a

seguir, que adaptei da biologia.

Além da taxonomia lembrar das aulas de biologia, ela nos ajuda a visualizar as relações de

hiponímia e de hiperonímia lexicais. Veja que a categoria cão está abaixo da categoria canídeo.

Assim, se a categoria cão é nomeada pela palavra cão e a categoria canídeo é nomeada pela

palavra canídeo, então cão está abaixo de canídeo, logo cão é um hipônimo de canídeo e canídeo

é, por consequência, um hiperônimo de cão. E cão em relação a pinscher é hipônimo ou

hiperônimo? Basta olhar mais uma vez a taxonomia e você achará a resposta: cão é hiperônimo de

pinscher porque cão está numa posição mais alta.

Poderíamos também observar as relações de hiponímia e hiperonímia por meio de

conjuntos, como o que segue abaixo.

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LETRAS LIBRAS|232

ser vivo

pla

nta

animal

hu

man

o

não-humano av

e

p

eixe

mamífero

equ

ídeo

felíd

eo

canídeo

cão

lab

rad

or

pin

sch

er

...

lob

o

ra

po

sa

...

...

...

...

...

Valendo-se de conjuntos identificamos a hiponímia e a hiperonímia por meio das relações

de continência: continente e contido. O hipônimo é o conjunto contido e o hiperônimo é o

conjunto que contém, i.e. o continente. Veja que o conjunto dos seres vivos contém dois

subconjuntos: o das plantas e o dos animais. Logo, o ser vivo é hiperônimo de planta e animal. Por

outro lado, planta e animal são hipônimos de ser vivo porque as plantas e os animais estão

contidos no conjunto dos seres vivos. Assim sendo, você consegue perceber que uma vez que o

conjunto dos cães está contido no conjunto dos canídeos, cão é hipônimo de canídeo? Se sim,

você também deve já estar percebendo que cão é hiperônimo de labrador e pinscher porque o

conjunto dos cães contém os conjuntos dos labradores e dos pinscheres.

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LETRAS LIBRAS|233

Neste ponto vale lembrar que hipônimos não mantém nexo apenas com os respectivos

hiperônimos, existe também a co-hiponímia, que é o nexo que todos os hipônimos de um mesmo

hiperônimo mantém entre si. Por exemplo: 1) labrador e pinscher são co-hipônimos, porque

ambos são igualmente hipônimos de cão; e 2) equídeo, felídeo e canídeo são co-hipônimos porque

todos três são igualmente hipônimos de mamífero. Para você ficar mais expert em hiperonímia,

hiponímia e co-hiponímia, sugiro que observe um pouco mais como todos os subconjuntos do

conjunto acima se relacionam. Você chegará aos mesmos resultados se fizer a analise tanto

conjuntística quanto taxonômica.

De imediato podem parecer triviais e pouco práticas as relações de hiponímia e

hiperonímia. No entanto, em nossas interações linguísticas valemo-nos cotidianamente do

conhecimento internalizado que temos a respeito desses nexos. Eles são um dos responsáveis pela

coesão textual.

Para finalizarmos este capítulo, vejamos agora três outros nexos de significado que são

muito utilizados no nosso dia a dia mas talvez você não tenha ainda parado para analisá-los com

um pouco mais de calma: a antonímia, a contradição e a contrariedade.

Antonímia ocorre quando duas ou mais palavras apresentam alguma oposição de

significado entre si a exemplo de bom e ruim. Segundo Oliveira (2008), de acordo com a oposição

realizada, a antonímia pode ser classificada em quatro tipos: oposição gradual/polar, oposição

contraditória/privativa, oposição conversa e oposição equipolente.

A oposição gradual (ou polar) ocorre entre itens que, além de estarem em oposição

semântica, são vagos, pois a vagueza possibilita que se reconheçam graus, ou seja, níveis

diferentes de uma determinada propriedade. Algo pode ser um pouco bom, bastante bom, ou

bom, por exemplo. Algo que é pouco bom está um pouco próximo de algo pouco ruim e vice-

versa. Já algo bom ou bastante bom está bem distante de algo ruim ou bastante ruim. A escala

abaixo mostra não apenas essa gradualidade, mas também a oposição entre bom e ruim,

situando-os em polaridades diferentes.

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LETRAS LIBRAS|234

Outros exemplos de oposição gradual são quaisquer palavras que além de vagas têm um

oposto também vago como, por exemplo, bonito/feio, gordo/magro, velho/novo etc. Além de

adjetivos, advérbios podem também se apresentar em oposição gradual: fracamente/fortemente,

tristemente/alegremente etc.

A oposição contraditória (ou privativa) ocorre em pares cujos elementos são excludentes

entre si, não são graduais e a negação de um funciona como sinônimo do outro. No par

vivo/morto encontramos as três propriedades mencionadas: 1) são excludentes entre si, pois ou

alguém está vivo ou está morto; 2) não são graduais, logo literalmente alguém não pode estar

pouco vivo ou pouco morto; e 3) a negação de um é sinônimo do outro, não vivo é a negação de

vivo e sinônimo de morto. Outros exemplos são os pares partir/ficar, vida/morte etc.

A oposição conversa, como afirma Oliveira (2008), ocorre por meio de dois termos que

expressam o mesmo evento ou estado sob perspectivas diferentes. O curioso é que esse tipo de

antonímia gera uma paráfrase, pois uma perspectiva acarreta a outra. Esse é o caso de pai/filho(a)

em (09).

(09) a.

Nilton é pai de Dodô/Alexandre.

b.

Dodô/Alexandre é filho de Nilton.

Veja que a e b expressam o evento da paternidade sob duas perspectivas: a do pai e a do

filho. Essas duas perspectivas se acarretam mutuamente, pois se João é pai de Fábio então

necessariamente Fábio é filho de João e vice-versa.

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LETRAS LIBRAS|235

Outros exemplos de oposição conversa são dar/ganhar, comprar/vender, antes de/depois

de etc.

A oposição equipolente é relação de incompatibilidade entre palavras que são co-

hipônimas, pois ao mesmo tempo que essas palavras se aproximam, por terem o mesmo

hiperônimo, elas se opõem devido ao fato de expressarem propriedades diferentes. Cão, lobo e

raposa são então equipolentes porque: 1) se opõem ao nomearem categorias distintas entre si;

mas 2) também têm alguma identidade: serem canídeos. O mesmo vale para os dias da semana:

sábado não tem como antônimo nenhum outro dia da semana específico, no entanto se opõe a

todos eles e por isso é um dia diferente, ainda que compartilhe com todos os outros dias a

propriedade de ser um dia da semana. Repetindo então: a oposição equipolente é a oposição

existente entre co-hipônimos.

Até agora tratamos de nexos de significados de oposições lexicais. Inseridos no nível da

sentença esses nexos provocam outros nexos de oposição a exemplo da contradição,

contrariedade, subcontrariedade etc. Aqui trataremos apenas da contradição e da contrariedade.

A contradição é o nexo entre duas sentenças que apresentam sentidos impossíveis de

serem verdadeiros ou falsos simultaneamente. Este é o caso de (10a) e (10b) abaixo.

(10) a.

João está morto.

b.

João está vivo.

Morto e vivo, como vimos, apresenta oposição entre si, mais precisamente a oposição

contraditória, logo se João está morto João não está vivo, e vice-versa. Noutros termos, se for

verdade que João está morto, é falso que João está vivo e vice-versa: ou a é verdadeira, ou b é

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LETRAS LIBRAS|236

verdadeira, as duas juntas não podem ser nem verdadeiras nem falsas. Como as duas não podem

ser falsas juntas, necessariamente uma delas será verdadeira.

Analisemos agora o par em (11) em que sábado e domingo apresentam relação de

oposição equipolente.

(11) a.

Hoje é sábado.

b.

Hoje é domingo.

Se a for verdadeira, b será falsa e se b for verdadeira, a será falsa. Mas veja um detalhe

muito curioso: na contrariedade as duas sentenças não podem ser simultaneamente verdadeiras,

apenas uma pode ser verdadeira, mas não há nada que impeça ambas de serem falsas. Compare:

1) duas sentenças contraditórias não podem ser simultaneamente falsas; mas 2) duas sentenças

contrárias podem ser falsas ao mesmo tempo. Veja, por exemplo, que se hoje for segunda-feira, as

duas sentenças em (11) são ambas falsas; o mesmo ocorre se hoje for terça, quarta, quinta ou

sexta-feira. O mesmo padrão de valor de verdade de (11) vale para o par em (12) abaixo, pois que

bom e ruim por apresentarem oposição gradual constroem uma escala de opções. Consulte a

escala de oposição gradual acima e veja que um dia de chuva pode não ser bom nem ruim, por

exemplo.

(12) a.

Dia de chuva é bom.

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LETRAS LIBRAS|237

b.

Dia de chuva é ruim.

Como você pode ver, os nexos de significados são muito interessantes e são

procedimentos utilizados com muita naturalidade e frequência no dia a dia. Se você está propenso

a se dizer “Pôxa, eu utilizava tudo isso sem saber!”, eu peço que não diga. Você, como nativo de

sua(s) língua(s), sabe, sim, utilizar todos esses nexos de significado, às vezes com um pouco mais

de desenvoltura, às vezes com um pouco menos, mas sabe. O que talvez você não soubesse ainda

era explicitar/explicar esses nexos de significado que fazem parte da sua proficiência em sua(s)

língua(s) mãe(s).

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Manual de semântica. Petrópolis: Vozes, RJ: 2008.

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LETRAS LIBRAS|238

UNIDADE V

PRESSUPOSIÇÃO

Imagine que eu tenho um amigo chamado Zé. Imagine também que hoje de manhã Zé me

liga e nós temos o seguinte diálogo:

Zé: Fala, rapaz! Como tu estás?

Eu: Beleza, e tu?

Zé: Eu estou bem também. Ei, te liguei para contar a nova.

Eu: É mesmo? O quê?

Zé: João parou de fumar.

Eu: João parou de fumar? Quem te disse isso?

Zé: Parou. Ele me disse agora há pouco.

Eu: Rapaz, já ouvi essa história antes. Te garanto que João não parou de fumar.

Se João parou de fumar eu mudo meu nome.

Zé: O médico disse que se ele realmente não parasse de fumar, o tratamento não ia ter

efeito nenhum e fazer químio só ia prejudicá-lo ainda mais.

Eu: Sabe, estou torcendo mesmo pra que ele tenha parado.

Zé: Eu também, cara. Então, vamos comemorar? João parou de fumar!

Eu: Viva! João parou de fumar! Hahaha!!!

Zé: Ei, acabou de chegar um cliente aqui, eu vou lá atender. Depois a gente se fala.

Eu: Tá certo. Abração!

A novidade posta em cena por Zé, “João parou de fumar.”, parece ser algo que tenha

exigido bastante esforço de João, não é? Ok, tudo bem! Você pode discordar de mim de que parar

de fumar tenha exigido muito esforço de João, pois você pode pensar ou saber, se você conhecer

bem João, que ele de fato nunca nem teve a intenção de parar de fumar, apenas fazia de contas

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LETRAS LIBRAS|239

para agradar à esposa ou aos amigos. Mas um ponto de vista todos nós (Zé, eu e você)

compartilhamos: João fumava. Observe, porém, que em nenhuma parte do diálogo nós

encontramos a sentença ‘João fumava.’, ainda assim assumimos como verdadeira a informação de

que João fumava.

Você pode argumentar que a informação de que João fumava não está explícita no diálogo,

mas de alguma forma ela está lá, ou seja, você pode me dizer: “Ela está implícita.”. E eu posso

perguntar: “Como você sabe que essa informação está lá implícita?”. Você pode não querer

refletir sobre o assunto e me responder com “Ah, eu não sei. Mas está lá sim.”, ou você pode

refletir um pouco e me dizer “Eu sei por causa do verbo parar: é o verbo parar que mostra ou

ativa essa informação implícita. Se que eu digo que alguém parou de fumar é porque essa pessoa

fumava.”. Bingo para você!

A informação implícita que, por meio de um ativador, é apresentada como sendo

compartilhada e assumida como verdadeira em uma interação linguística é chamada, em

semântica e em pragmática, de pressuposto. Um ativador de pressuposição é um elemento

linguístico (afixo, palavra ou expressões em geral) que está presente no posto e coloca em cena,

i.e., ativa o pressuposto. Em complementaridade à noção de pressuposto existe a de posto, que é

a informação expressa de forma explícita em uma sentença, ou simplificadamente, é a própria

sentença enunciada. Assim sendo, no diálogo acima, (01) é o posto e (02) é o pressuposto. Ou,

dito de outra forma, (01) é a informação posta e (02) é a informação pressuposta.

(01) João parou de fumar.

(02) João fumava.

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LETRAS LIBRAS|240

Do diálogo acima podemos retirar as sentenças em (03) abaixo.

(03) a. João parou de fumar. (Afirmativa)

b. João parou de fumar? (Interrogativa)

c. João não parou de fumar. (Negativa)

d. Se João parou de fumar eu mudo meu nome. (Condicional)

e. João parou de fumar! (Exclamativa)

As sentenças elencadas em (03) formam o que se chama família de sentenças, que são as

diversas formas gramaticais sob as quais uma relação predicativa pode apresentar-se. Veja quem

em (03) todos os elementos da família apresentam as mesmas relações predicativas internas: os

mesmos eventos de parar e de fumar, e o mesmo participante, João. Cada um dos membros da

família, no entanto, tem uma estrutura gramatical diferente, quais sejam: declarativa,

interrogativa, negativa, condicional e exclamativa53. O resultado das mesmas relações predicativas

que uma família compartilha é que se uma sentença é pressuposto de um elemento da família,

será igualmente pressuposto de toda a família. Se acima eu apresentei (02) como pressuposto de

(01), agora podemos perceber que (02) é pressuposto de toda a família em (03), ou seja, a

informação pressuposta é válida para qualquer membro da família, pois:

a) ‘João parou de fumar.’ pressupõe ‘João fumava.’;

b) ‘João parou de fumar?’ pressupõe ‘João fumava.’;

c) ‘João não parou de fumar.’ pressupõe ‘João fumava.’;

d) ‘Se João parou de fumar eu mudo meu nome.’ pressupõe ‘João fumava.’;

e) ‘João parou de fumar!’ pressupõe ‘João fumava.’.

Poderíamos perguntar o porquê de cada membro da família ter uma estrutura gramatical

diferente e ainda assim não apresentar pressupostos diferentes. A resposta é simples: em todos os

membros o(s) ativador(es) permanece(m) o(s) mesmo(s). No caso da família em (03) o ativador

53

A forma interrogativa negativa é outro membro da família: ‘João não parou de fumar?’

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LETRAS LIBRAS|241

parar está presente em todos os membros. Veja, porém, que as sentenças em (04) e (05) abaixo

não pertencem à família em (03), ainda que a ela se assemelhem.

(04) João começou a fumar.

(05) João parou de comer.

É fácil perceber o motivo pelo qual (04) e (05) não pertencem à família em (03): elas não

são uma das diversas formas gramaticais sob as quais uma determinada relação predicativa pode

se realizar. São relações predicativas diferentes que, por consequência, denotam eventos e/ou

participantes diferentes: em (04) começar substitui parar, e em (05) comer substitui fumar. Como,

porém, tanto (04) quanto (05) têm ativadores de pressuposição, ambas apresentam pressupostos,

que são respectivamente (06) e (07), pois: a) se João começou a fumar, pressupõe-se que João não

fumava; e b) se João parou de nadar, pressupõe-se que João nadava.

(06) João não fumava.

(07) João comia.

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LETRAS LIBRAS|242

Por outro lado, um mesmo pressuposto pode pertencer a sentenças e famílias diferentes.

O pressuposto em (02), por exemplo, pode pertencer à sentença em (08) abaixo e a sua respectiva

família, pois é pressuposto que se alguém continua a fazer algo é porque tal alguém já fazia esse

algo.

(08) João continua a fumar.

O fato de um pressuposto poder pertencer a mais de uma sentença, não implica que todo

pressuposto pertença a mais de uma sentença. O pressuposto (02) pertence tanto a (01) quanto a

(08), mas, como vimos, não pertence nem a (04) nem a (05).

É tão natural que um pressuposto valha não só para uma sentença mas sim para a toda a

família, que, no diálogo com que abrimos este capítulo, o pressuposto ‘João fumava.’ funciona

como um nexo entre os membros da família porque é ativado em cada parte do texto onde ocorre

algum desses membros. Disso decorre que esse nexo funciona também como um dos elementos

de coesão sobre os quais os interlocutores desenvolvem um diálogo a respeito do fato de João ter

parado de fumar por assumirem como compartilhada a informação implícita de que João fumava.

Um detalhe muito curioso é que se uma informação é compartilhada ela é do conhecimento pelo

menos dos interlocutores, ou seja, é uma informação “velha”, uma informação conhecida.

No entanto, é bom evitar afirmar que o pressuposto é uma informação compartilhada, ou

seja, velha. É melhor afirmar que o pressuposto é apresentado como uma informação assumida

como compartilhada, porque há casos em que essa informação não é velha, isto é, não é do

conhecimento de pelo menos um dos interlocutores. No entanto, ainda assim ela pode ser

apresentada como se fosse compartilhada, esta é, por exemplo, uma estratégia comum do

fofoqueiro.

Como a pressuposição é ativa por algum elemento linguístico, vejamos então uma breve

lista de ativadores de pressuposição.

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LETRAS LIBRAS|243

1) Verbos de mudança de estado (Verbos que indicam mudança/alternância de estado.): parar,

findar, começar, iniciar etc.

(09) Posto: João parou de fumar.

Pressuposto: João fumava.

2) Verbos de permanência de estado (Verbos que indicam permanência ou continuidade de

estado.): continuar, permanecer etc.

(10) Posto: João continua/permanece fumando.

Pressuposto: João fumava.

3) Verbos factivos (Verbos que indicam fatos.): lamentar, saber etc.

(11) Posto: Pedro sabe que João parou de fumar.

Pressuposto: João parou de fumar.

4) Verbos implicativos (Verbos que indicam um evento/ação que dependem de outro

evento/ação.): conseguir – ter tentado; acordar – estar dormindo, fechar – estar aberto; abrir –

estar fechado etc.

(12) Posto: João conseguiu parar de fumar.

Pressuposto: João tentou parar de fumar.

5) Iterativos (elementos que indicam repetição): re-, de novo, novamente, outra vez etc.

(13) Posto: João parou de fumar de novo.

Pressuposto: João já tinha parado de fumar alguma vez.

6) Nomes próprios (Nomes que denotam entidades específicas): nomes de pessoas, instituições,

lugares etc.

(14) Posto: João Pessoa é uma cidade arborizada.

Pressuposto: Existe algo que seja João Pessoa.

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LETRAS LIBRAS|244

7) Descrições de definidas (expressões que descrevem entidades): estruturas do tipo

“Determinante (+ expressão adjetiva) + Substantivo (+ expressão adjetiva).

(15) Posto: O filho de Maria é alto.

Pressuposto: Existe alguém que é filho de Maria.

Pelos tipos de ativadores de pressuposição listados acima você deve ter reconhecido mais

outra pressuposição presente em (01), (03), (04), (05) e (08): a pressuposição em (16) ativada pelo

nome próprio João. Não é nada raro uma sentença apresentar mais de uma pressuposição. Às

vezes elas apresentam uma quantidade relativamente grande de pressuposições.

(16) Existe um indivíduo chamado João.

Para finalizarmos, vamos nos centrar um pouco mais nas descrições definidas, que são

estruturas do tipo “Determinante (+ expressão adjetiva) + Substantivo (+ expressão adjetiva),

como podemos conferir no quadro abaixo.

SUJEITO PREDICADO

DESCRIÇÃO DEFINIDA SINTAGMA NOMINAL SINTAGMA

VERBAL DETERMINANTE EXPRESSÃO

ADJETIVA

SUBSTANTIVO ESPRESSÃO

ADJETIVA

O rapaz sorriu.

O tímido rapaz sorriu.

O Rapaz tímido sorriu.

O tímido Rapaz franzino sorriu.

O tímido Rapaz de azul

O tímido Rapaz que estava

falando com

Maria

sorriu.

O quadro acima mostra-nos que as descrições definidas não têm uma estrutura muito

rígida, apenas dois constituintes são essenciais: o determinante, comumente um artigo definido, e

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LETRAS LIBRAS|245

o substantivo54. As expressões adjetivas são flexíveis não só no que diz respeito à posição e

possibilidade de não ocorrem, mas também no que tange à sua estrutura. Elas não têm estrutura

fixa, pois podem se manifestar sob diferentes estruturas sintáticas desde que tenham função de

adjetivo, no quadro acima: 1) os sintagmas adjetivais tímido e franzino; 2) o sintagma

preposicional de azul; e 3) a oração subordinada adjetiva que estava falando com Maria.

Como as descrições definidas e nomes próprios são ativadores de pressuposição dos quais

nos valemos com muita frequência no nosso dia-a-dia, o uso de pressuposições é uma prática

cotidiana. O pressuposto ativado pelas descrições definidas e pelos nomes próprios recebe um

nome específico: pressuposto de existência. Esse nome decorre do fato de que somos levados a

pressupor a existência das entidades que são nomeadas e/ou definidas pelos dois tipos de

ativadores em questão. Não obstante, é preciso estar atento a um fato: quando usamos um nome

próprio ou uma descrição definida não estamos atestando que algo ou alguém existe, estamos

apenas pressupondo que esse algo ou alguém exista. Para de fato atestarmos a existência dessas

entidades, precisamos olhar para o mundo, pois a língua não é um espelho do mundo, nem é

usada apenas para se falar sobre entidades e eventos que realmente existem no mundo biofísico

em que vivemos. Atestar a existência de entidades e eventos no mundo não é uma tarefa da

semântica, mas sim da metafísica, da física, da biologia etc. Assim sendo, veja que (24) abaixo

pressupõe, mas não atesta a existência de algum lobisomem. Para sabermos se ele existe,

precisamos pesquisar no mundo (Em todo caso, eu espero que nunca nos deparemos com

algum!).

(24) Maria viu o lobisomem semana passada.

A pressuposição é um fenômeno que muitos estudiosos assumem ser exclusivamente

semântico, pois é ativado por uma marca linguística. Outros, no entanto, assumem que ela é um

fenômeno de interface entre a semântica a pragmática pois pode ser pragmaticamente cancelada,

dentre estes linguistas encontra-se Heronides M. de M. Moura (2000).

54

Para alguns pesquisadores, uma descrição definida pode até mesmo se constituir de apenas um substantivo. Assim sendo, em

‘Rapazes geralmente gostam de malhar.’ pode-se reconhecer uma descrição definida: rapazes, que ativa o pressuposto “Existe algo

que seja equivalente a rapazes.”.

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LETRAS LIBRAS|246

Segundo Moura (2000) a pressuposição é dinâmica e podemos cancelar uma pressuposição

por meio de algum encadeamento linguístico que façamos ao posto. Veja que (25) pressupõe (02),

abaixo repetido; mas se a (25) encadearmos ‘porque ele nunca fumou’ temos (26), uma sentença

cuja pressuposição foi cancelada.

(25) João não parou de fumar.

(02) João fumava.

(26) João não parou de fumar, porque ele nunca fumou.

Há muito mais coisas interessantes que podemos aprender a respeito da pressuposição.

Inclusive sob a relevante abordagem da semântica argumentativa de Oswald Ducrot (1987), que

trata a pressuposição como fonte de polifonia usada como instrumento de argumentação. Essa

abordagem, no entanto, fica para estudos futuros se você tiver interesse em se aprofundar sobre

o assunto. Não esqueçamos porém uma coisa: nossas interações linguísticas diárias não se

desenvolvem apenas sobre informações novas, mas também se desenvolvem sobre informações

assumidas como compartilhadas, sejam elas de fato compartilhadas ou não. Essas informações

implícitas assumidas como compartilhadas que chamamos de pressupostos são, assim, uma das

bases sobre as quais se desenvolve a interação linguística.

REFERÊNCIAS

DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas, SP: Pontes, 1987.

MOURA, Heronides M. de M. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e

pragmática. FLorianópolis: Insular, 2000.

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LETRAS LIBRAS|247

UNIDADE VI

ATOS DE FALA

Vimos, na introdução deste módulo, que é possível definir a Semântica como o estudo do

significado linguístico. Também vimos que a Pragmática é a ciência/disciplina que estuda o

significado em uso ou o significado do falante. Mais precisamente, essa definição de Pragmática

quer dizer que tal disciplina se interessa pelo significado em situações reais ou virtuais de uso, isso

implica então se tratar do significado que os falantes produzem e/ou reconhecem em uso, pois

não existe uso sem falante.

É importante termos em mente que para a Pragmática significado não tem o mesmo

significado que tem para a Semântica. Apesar da sua soberba, Humpty Dumpty, de Alice no país

dos espelhos, caminha por veredas pragmáticas ao afirmar que quando ele usa uma palavra ela

significa exatamente o que ele quer que ela signifique, nem mais nem menos. A personagem peca

pelo exagero, mas sua afirmação ecoa em 1953 nas Investigações filosóficas do austríaco Ludwig

Wittgenstein, que considerava que o significado de uma palavra era o seu uso. Essa definição é

muito interessante, mas lembrando que a unidade de trabalho da pragmática é o enunciado,

podemos dizer que o significado de um enunciado é o seu uso. Assim sendo, em Pragmática

significado significa “uso”; ou nos enquadrando na teoria dos atos de fala, podemos também dizer

que significado significa “ação”. Colocando em prática a noção pragmática de significado, eu

pergunto a você: qual o significado pragmático de (01) abaixo?

(01)

O enunciado (01) pode significar várias coisas: pedido, reclamação, repreensão etc. Ou

seja: o significado pragmático de (01) é cada um dos usos ou cada uma das ações que realizamos

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LETRAS LIBRAS|248

ao utilizar tal enunciado. Se eu usar o enunciado em tela para pedir uma informação a respeito

das horas, esse enunciado significará um pedido; se nós usarmos o mesmo enunciado para

reclamar do atraso de um ônibus, tal enunciado significará uma reclamação; e se um diretor usar o

mesmo enunciado para repreender um subalterno que chegou atrasado, o mesmíssimo enunciado

significará uma repreensão. Desse modo, fica claro que o significado pragmático é cada um dos

usos que fazemos de um enunciado, ou, dito de outra forma, cada uma das ações de realizamos

ao enunciarmos algo.

Diante do exposto, você já percebeu que o contexto extralinguístico é muito importante

para a pragmática. Esse contexto envolve entidades como enunciado, enunciação, locutor,

alocutário e interlocutores55. Além de variáveis como quem, quando, onde, por que, como etc.

Como vimos no primeiro capítulo, o enunciado é a realização concreta de uma sentença/frase e a

enunciação é o processo pelo qual uma sentença se transforma em um enunciado.

O locutor, ao seu turno, é aquele que produz um enunciado e por ele se responsabiliza,

seja esse enunciado oral ou escrito. O alocutário é aquele para quem o locutor enuncia. Locutor e

alocutários são interlocutores entre si.

O processo pragmático de produção de enunciados pode ser resumido da seguinte forma:

com determinadas intenções interacionais em relação a seu alocutário (real ou virtual), o locutor

produz um enunciado situado temporal e localmente.

O processo pragmático de interpretação (e análise) pode ser resumido da seguinte forma:

o alocutário (ou analista) tenta identificar qual o significado de tal enunciado e para isso leva em

considerações variáveis como o que foi enunciado, onde e quando ocorreu o enunciado, quem o

enunciou e com que intenção o enunciou.

Tanto a produção quanto a interpretação e a análise podem parecer complicadas demais,

no entanto são processos que realizamos de forma muito natural nas nossas interações

cotidianas.

A pragmática, considerando esses processos, levantou uma série de questões muito

interessantes para os estudos da linguagem. Esses estudos, vale ressaltar, eram inicialmente

55

Existe também o enunciador, que aqui não abordaremos apesar de se tratar de uma figura muito cara especialmente à

semântica argumentativa.

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LETRAS LIBRAS|249

realizados na filosofia (como sempre!), mais especificamente na filosofia da linguagem56. O grande

momento, porém, que a pragmática fez-se reconhecer como fundamental à linguística foi no início

dos estudos dos atos de fala, mais precisamente com a publicação de How to do things with

words57, do britânico John Langshaw Austin, em 1962.

A teoria dos atos de fala afirma que quando nos comunicamos automaticamente

realizamos diversos atos por meio da língua. Esses atos, vale enfatizar, não correspondem apenas

aos atos de comunicar pensamentos e sentimentos ou descrever o mundo, são de diversos outros

tipos a exemplo de convidar, ameaçar, declarar, pedir etc.

Austin não se deteve nas primeiras evidências e mostrou que cada enunciado não realiza

apenas um ato específico, porém três atos articulados entre si: locucionário, ilocucionário e

perlocucionário.

O ato locucionário é o ato de se dizer algo, de produzir uma locução, ou seja, o ato de

produzir um enunciado. Por exemplo, é o ato de enunciar (02) abaixo.

(02) Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!

O ato ilocucionário é a ação posta em cena por meio do ato locucionário, ou seja, a ação

realizada ao enunciarmos algo. Por exemplo, ao enunciar (02) acima o locutor não realiza só o ato

locucionário, que é ação de enunciar, realiza também um outro ato, o ilocucionário, que é a ação

de batizar.

O ato perlocucionário é a consequência do ato ilocucionário. Por exemplo, ao enunciar

(02) acima o locutor realiza os atos locucionário e ilocucionário já mencionados e como

consequência deste segundo ato tem-se o ato perlocucionário de alguém tornar-se batizado.

Há, porém, algo muito parecido com o ato perlocucionário: o propósito ilocucionário.

Como o ato perlocucionário é a consequência do ilocucionário, ele não dependente

exclusivamente do locutor. Quando, por exemplo, um assaltante ameaça a alguém, o propósito

ilocucionário do assaltante, ou seja, seu objetivo, é deixar esse alguém amedrontado para que

possa então roubar-lhe. Pode ser que esse alguém de fato fique amedrontado. No entanto, pode

56

Para conhecer um pouco da história da Pragmática, consulte: ARMENGAUD, Françoise. (2006) A pragmática. São Paulo:

Parábola.

57 Traduzido sob o título Quando dizer é fazer.

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LETRAS LIBRAS|250

ser que esse alguém, em vez de se sentir amedrontado, fique indignado e bata no assaltante.

Nesta segunda situação o ato perlocucionário não é o ameaçado sentir-se amedrontado, mas sim

o ameaçado bater no assaltante (Espero que nunca passemos por uma situação assim, mas caso

ela aconteça não tente reagir ao assaltante!). O propósito ilocucionário é o que o locutor

pretende causar no alocutário. No exemplo do assalto acima observe que o propósito

ilocucionário é o mesmo se o alocutário sentir-se ou não ameaçado, mas o ato perlocucionário é

diferente em uma reação e na outra.

Apesar de os três atos de fala realizarem-se de forma articulada, o ato ilocucionário, além

de ser o eixo da teoria dos atos de fala, é o ato em função do qual os outros dois são originados,

pois: 1) o ato locucionário existe para por em cena o ato ilocucionário; e 2) o ato perlocucionário

existe como um produto do ato ilocucionário. O ato ilocucionário, vale ressaltar, não se realiza de

forma aleatória, ele é fruto de uma força chamada de força ilocucionária. Essa força se faz

reconhecível por meio de performativos, sejam eles explícitos ou não.

Um performativo explícito, ou direto, é um verbo que pode não só nomear uma ação mas

também realizá-la. Um enunciado que tem um verbo performativo é chamado de enunciado

performativo explícito. Esse verbo, no entanto, como já dito, precisa estar na primeira pessoa

(singular ou plural) do presente do indicativo, a exemplo de (02) acima e (03) abaixo.

(03) Eu prometo cumprir com a verdade.

Diferentemente, veja que ao enunciar sentenças como (04) e (05) abaixo, não se está,

simultaneamente à enunciação, prometendo algo nem fazendo um batismo, porque o verbo

performativo não se encontra no tempo propício para realizar a ação: o presente. Ao se enunciar

(04)–(07) abaixo, não se está, simultaneamente à enunciação, prometendo algo nem batizando

alguém, porque: 1) em (04) e (05) o tempo não é o adequado para realizar a ação, presente do

indicativo; e 2) em (06) e (07) a pessoa gramatical não é a adequada para realizar a ação, primeira

singular (eu) ou plural (nós/a gente).

(04) Eu prometi/prometerei cumprir com a verdade

(05) Eu te batizei/batizarei em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!

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LETRAS LIBRAS|251

(06) Eles/vocês prometeram cumprir com a verdade

(07) Ele te batiza em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!

Podemos porém realizar promessas sem necessariamente usarmos as formas eu prometo

ou nós prometemos. Enunciados que realizam promessas e outras ações de forma indireta, são

chamados de performativos implícitos porque não têm nenhum verbo performativo.

Para realizarem atos, os enunciados performativos implícitos valem-se de diversos outros

recursos, sejam linguísticos-discursivos sejam suprasseguimentais. Espíndola (2010, p. 22) cita

[...]o modo imperativo do verbo (Devolva o dinheiro! ao invés de Eu ordeno que

devolva o dinheiro.); advérbios (Você viajará amanhã sem falta!) em que a

locução adverbial sem falta aumenta a força do que fora enunciado; uso de certas

partículas conectivas gera, de forma sutil, o efeito de um performativo (portanto

com a força de concluo que, contudo com a força de insisto que etc.); recursos

supra seguimentais (tom de voz, ênfase em determinado segmento do enunciado

etc.); recursos não verbais (gestos, sinais etc.) e as circunstâncias de

proferimentos.

Veja uma aplicação de dois desses recursos na tirinha abaixo: o tom da voz do Calvin

(gritos), e o uso verbos no imperativo pela mãe do Calvin.

Folha de São Paulo, 23 de maio de 2004.

Ainda que de alguma forma todos os enunciados sejam performativos e assumamos que

todo e qualquer enunciado apresenta os três atos de fala, não basta simplesmente enunciarmos

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LETRAS LIBRAS|252

para realizarmos algo. É preciso que os enunciados atendam às chamadas condições de felicidade,

que são as condições sob as quais a ação realizável pelo enunciado se realiza de fato, ou seja, são

as condição sob as quais o enunciado obtém sucesso. Essas condições estão dividas em três

grupos:

A.1 – Deve haver um procedimento convencionalmente aceito, que apresente um

determinado efeito convencional e que inclua o proferimento de certas palavras, por

certas pessoas, e em certas circunstâncias; e, além disso, que

A.2 – as pessoas e as circunstâncias particulares, em cada caso, devem ser adequadas ao

procedimento específico invocado.

B.1 – O procedimento tem de ser executado por todos os participantes, de modo correto

e

B.2 – completo.

C.1 – Nos casos em que, com freqüência, o procedimento visa às pessoas com seus

pensamentos e sentimentos, ou visa à instauração de uma conduta correspondente por

parte de alguns dos participantes, então aquele que participa do procedimento, e o invoca

deve de fato ter tais pensamentos ou sentimentos, e os participantes devem ter a

intenção de se conduzirem de maneira adequada, e, além disso,

C.2 – devem realmente conduzir-se dessa maneira subseqüentemente. (AUSTIN, 1990,

p. 131)

As condições de felicidade têm o propósito de nos mostrar que não basta usarmos

performativos na primeira pessoa do presente do indicativo para sairmos por aí realizando os atos

que eles nomeiam, é preciso que os enunciados ocorram nos contextos adequados. Um padre ao

enunciar Eu vos declaro marido e mulher realiza de fato um casamento se e apenas se as

circunstâncias, procedimentos e envolvidos forem adequados, pois não basta ser padre para

realizar casamentos, outras condições precisam ser satisfeitas.

Veja, por exemplo, que um padre da igreja católica: 1) realiza casamentos em igrejas,

praias, casas, mas não em motéis, porque neste caso as circunstâncias são seriam adequadas; 2)

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LETRAS LIBRAS|253

não realiza casamentos sem consultar se os nubentes aceitam serem casados nem sem estes

dizem o famoso Sim porque este seria um procedimento inadequado; nem 3) realiza casamento

entre pessoas do mesmo sexo, porque o catolicismo exige que o casamento ocorra entre pessoas

de sexos diferentes. Por outro lado, ainda que as circunstâncias, procedimentos e nubentes

envolvidos sejam totalmente adequados ao casamento católico, eu não realizarei casamento

algum se eu enunciar Eu vos declaro marido e mulher porque eu não sou uma pessoa adequada

para realizar esse ato, já que não sou padre. Eu posso até me atrever a pronunciar o enunciado em

questão quantas vezes eu quiser em alto e bom som, mas os nubentes não terão seu estado de

casados reconhecidos pela igreja, e, pior ainda, os nubentes poderão, juntamente comigo, serem

acusados de farsa.

Quando se viola alguma ou algumas das condições de felicidade gera-se uma infelicidade,

isto é, um insucesso. Esse insucesso pode ser uma falha ou um abuso. Uma falha ocorre quando

se viola alguma(s) das condições A.1, A.2, B.1 e B.2. Todos os exemplos do parágrafo

imediatamente acima constituem em falhas.

Um abuso, ao seu turno, ocorre quando se viola alguma ou as duas condições C.1 e C.2.

Comete abuso, por exemplo, aqueles que se casam no catolicismo e não cumprem os votos de

fidelidade. Comete abuso o padre que não respeita os votos de castidade. Comete abuso também

quem promete algo e não cumpre. Comete abuso o advogado que não segue a lei. Comete abuso

o político que não trabalha a favor do seu país. Ou seja, é muito comum as pessoas cometerem

abusos, porque geralmente se “esquecem” de se conduzirem de maneira adequada após

determinados atos. Veja que essa noção de abuso é tão curiosa que, se comprovado o abuso, o

ato que ele viola pode ser desfeito: um casamento pode ser cancelado e padres, advogados e

políticos podem ser destituídos de sua função (Pena que nestes três últimos casos as condições de

felicidade não sejam muito respeitadas.).

Para finalizarmos este capítulo, é válido observamos que a assunção, por parte de Austin,

de que há dois tipos de enunciados performativos implica em se reconhecer dois tipos de atos de

fala: os diretos e os indiretos. Ambos foram pormenorizadamente estudados pelo estadunidense

John Rogers Searle em Speech Acts58, de 1969.

58

Obra traduzida sob o título Atos de fala.

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LETRAS LIBRAS|254

Os atos de fala diretos são aqueles que se realizam de forma direta por meio de um

performativo. Exemplos são o ato de prometer por meio do verbo prometer, em (03) acima, e o

ato de batizar por meio do verbo batizar, em (02) também acima.

Os atos de fala indiretos são aqueles que não se realizam de forma direta. Eles se realizam

por enunciados que não apresentam performativos e muitas vezes adquirem um significado

diferente do seu significado literal. A proposta de Searle é que os atos de fala indiretos contém

dois outros atos de fala: o primário e o secundário. (08) abaixo é um bom exemplo para explicitar

essa questão.

(08)

Estou com sede.

Quando utiliza um enunciado como (08), você realmente quer apenas informar ao seu

interlocutor que você está com sede? Sei que sua resposta foi Não (Dizem que semanticistas e

pragmaticistas às vezes “advinham” pensamentos!). Comumente, quando produzimos enunciados

do tipo de (08), mais do que informar a respeito da nossa sede, estamos fazendo um pedido.

Poderíamos realizar o mesmo pedido por meio do enunciado (09) abaixo. Essa possibilidade de

usar (09) em lugar de (08), mostra-nos: 1) que (08) e (09) são pragmaticamente sinônimas, mas

não são semanticamente sinônimas; e 2) que (08) não está sendo usada em seu sentido literal,

mas (09) está.

(09)

Me dê água.

A conclusão a que chegamos então a respeito de (08) é que esse enunciado realiza dois

atos ao mesmo tempo: 1) o ato de informar, que é um ato secundário, porque é o menos

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LETRAS LIBRAS|255

importante para o contexto; e 2) o ato de pedir, que é um ato primário, porque é o mais

importante para o contexto, já que corresponde à real intenção do locutor. Assim sendo: como

(08) não apresenta um performativo, realiza um ato de fala indireto, que se desdobra em dois

outros: o primário, que é o ato mais importante porque corresponde à real intenção do locutor, e

o secundário, que é o ato menos importante porque não corresponde à real intenção do locutor.

Em um ato de fala indireto, o ato secundário é desencadeado pelo sentido literal do enunciado, e

o ato primário é desencadeado pelo sentido não literal.

Searle ficou curioso a respeito de como somos capazes de reconhecer um ato de fala

indireto primário e disse que “A estratégia inferencial é estabelecer, primeiramente, que o

propósito ilocucionário primário diverge do literal e, em segundo lugar, qual seja o propósito

primário.” (p. 53). O estabelecimento do propósito ilocucionário dá-se baseado nos princípios da

cooperação, que veremos no próximo capítulo, e da polidez.

O princípio da polidez mostra que nas mais diversas situações sociais cotidianas nos é

exigido que a interação ocorra de forma mais polida. Como, no entanto, nem sempre as pessoas

se sentem muito à vontade para usar (constantemente) expressões como por favor e por

gentileza, elas preferem utilizar os atos de fala indiretos e assim, por exemplo, fazer pedidos de

modo menos formal e dar ordens de modo menos autoritário. Se a Emy Winehouse estivesse viva

e fosse a secretária do diretor de uma empresa e este lhe dissesse (10) abaixo, você teria dúvida

de que, mas do que fazer um pedido, ele estaria dando uma ordem a ela?

(10) Srta. Winehouse, a senhorita pode fazer o relatório?

Precisaríamos de muito mais páginas pela frente para conhecermos de forma mais precisa

os tratamentos dados aos atos de fala. Não obstante, com o conteúdo aqui apresentado você já

tem plenas condições de seguir investigações sobre o tema. Por ora, peço que você analise (e

divirta-se com) a tirinha abaixo. Observe que nela o humor é construído pela infelicidade dos atos

ilocucionários do primeiro quadro: Hagar realiza diversos atos de fala que não atingem seus

propósitos ilocucionários, pois o único ato perlocucionário que eles desencadeiam na Helga é a

ordem que ela dá, ao então já cabisbaixo, viking.

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LETRAS LIBRAS|256

Folha de São Paulo, 12 de outubro de 2000.

REFERÊNCIAS

AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990 [1962].

ESPÍNDOLA, Lucienne. Pragmática da língua portuguesa. In: ALDRIGUE, Ana C. de Souza; LEITE, Jan Edson

Rodrigues (orgs.). Linguagens: usos e reflexões. v. 6, João Pessoa: Editora da UFPB, 2010.

SEARLE, John R. Os actos de fala. Coimbra: Livraria Almedina, 1984 [1969].

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril, 1975[1957].

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LETRAS LIBRAS|257

UNIDADE VII

MÁXIMAS CONVERSACIONAIS

Você gosta de cozinhar? Se sim, você pode achar a receita baixo bastante fácil. Se não,

você pode achar que a receita abaixo é complicada demais, pois, ao contrário das gelatinas de

caixinha, os ingredientes não vêm já precisamente dosados em um pacotinho.

Bolo de abacaxi59

Receita enviada por João Paulo De Sousa Lima

45min

1 porções

33 votos (opine)

Ingredientes

Massa:

1 xícara de manteiga

1 xícara de açúcar

3 ovos

1 xícara de Maizena

1 xícara de farinha de trigo

2 colheres (chá) de fermento

1 pitada de sal

1 colher (chá) de essência de baunilha

½ xícara de leite

Caramelo:

4 colheres (sopa) de açúcar

1 lata de abacaxi em calda, em fatias

100g de ameixas pretas, sem caroços

59

Disponível em: <http://tudogostoso.uol.com.br/receita/588-bolo-de-abacaxi.html>. Último acesso: 22 abr. 2009.

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LETRAS LIBRAS|258

Tabela de conversão de medidas Imprimir lista de compras

Modo de Preparo

01 Bata a manteiga com o açúcar e os ovos até obter um creme esbranquiçado

02 Acrescente a Maisena, a farinha, o fermento, o sal e a essência de baunilha,

alternado

com o leite

03 Misture e reserve

04 Caramelize com o açúcar uma forma redonda grande

05 Arrume as fatias de abacaxi e coloque em cada orifício das rodelas, uma ameixa

06 Despeje delicadamente a massa por cima

07 Leve ao forno médio, cerca de 45 minutos

08 Deixe esfriar um pouco e desenforme, virando sobre um prato

Receitas culinárias, receitas médicas, manuais de instruções, livros didáticos, códigos

jurídicos são alguns gêneros textuais que comumente acreditamos serem pontais. Acreditamos

que quem produz um texto nesses gêneros é um locutor muito cooperativo com o seu

interlocutor, pois se não for: a receita pode dar errado, a montagem inadequada de um móvel ou

brinquedo pode acabar por estragá-lo, o estado de saúde do paciente pode agravar-se, o aluno

pode não saber o que um exercício solicita como resposta e um advogado pode perder uma causa

como consequência de uma interpretação inadequada. O mundo talvez fosse melhor se esses

problemas não acontecessem, mas eles acontecem. Mesmo em textos orais nos quais os

interlocutores estão face a face e os mal-entendidos podem ser desfeitos na mesma hora em que

surgem, é possível haver algum desencontro interpretativo entre os interlocutores em uma dada

interação.

A partir do que eu expus no parágrafo acima, você pode começar a imaginar que a

interação linguística é um caos, um cada um que se salve! Mas não é esse o real estado das nossas

interações linguísticas. Quando estamos cognitivamente sãos e em estado de auto-controle, e

queremos de fato nos comunicar com alguém, somos bastante cooperativos na produção dos

nossos textos.

De forma geralmente muito intuitiva, além de nos certificarmos quem é nosso interlocutor

(real ou virtual), “calculamos” qual o seu nível de conhecimento sobre o tema abordado, sobre a

língua usada, sobre as formas de interação e até mesmo sobre os gêneros textuais. A partir dessas

informações, produzimos nossos textos, orais ou escritos, focando um determinado tema,

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LETRAS LIBRAS|259

evitando obscuridades, dosando a quantidade de informações e buscando apresentar evidências

para o conteúdo exposto. Ao realizarmos esses procedimentos, estamos praticando a interação

tomando como base o princípio da cooperação, um dos pontos fortes dos estudos pragmáticos.

O princípio da cooperação, desenvolvido pelo britânico filósofo da linguagem Herbert Paul

Grice (1982, p. 86), é o princípio de rege a comunicação e postula que se “*...+ Faça sua

contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou

direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado.”. O princípio em questão

postula quatro categorias/grupos que colocam em cena algumas máximas para que a cooperação

realize-se de forma adequada.

A categoria da quantidade diz respeito à quantidade de informações apresentadas em

uma interação. Essa categoria fundamenta-se em duas máximas: “1. Faça com que sua

contribuição seja tão informativa quanto requerido (para o propósito corrente da conversação). 2.

Não faça sua contribuição mais informativa do que é requerido.” (Grice, 1982, p. 87).

A categoria da qualidade diz respeito à veracidade do que é dito. Essa categoria também

se fundamenta em duas máximas: “1. Não diga o que você acreditar ser falso. 2. Não diga senão

aquilo para que você possa fornecer evidência adequada” (Grice, 1982, p. 87).

A categoria da relação diz respeito ao tópico e foco da conversação. Tal categoria

fundamenta-se em apenas uma máxima: “Seja relevante” (Grice, 1982, p. 87).

Por fim, a categoria do modo diz respeito aos modos pelos quais deve ficar claro o que se

diz. Essa categoria fundamenta-se em quatro máximas: “1. Evite obscuridade de expressão. 2.

Evite ambiguidades. 3. Seja breve (evite prolixidade desnecessária). 4. Seja ordenado” (Grice,

1982, p. 88).

Segundo Grice, quando se obedece às quatro categorias apresentadas, a comunicação dá-

se de forma cooperativa. No entanto, como observa o próprio autor, nem sempre respeitamos tais

categorias. Às vezes o desrespeito é intencional, outras vezes é involuntário. O desrespeito

involuntário às máximas pode ser resultado da falta de habilidade textual, falta de conhecimento a

respeito da situação de uso, desatenção, instabilidade emocional e diversos outros fatores.

Voltemos agora à receita com que iniciamos este capítulo. Ao analisá-la tomando como

critério as máximas conversacionais, perceberemos que ela atende: 1) à máxima da relação, pois

realmente trata da elaboração de um bolo de abacaxi; e 2) à máxima qualidade, pois nela só se diz

o que se acredita ser verdade para que possamos produzir adequadamente o bolo em questão.

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LETRAS LIBRAS|260

No entanto, no que diz respeito às máximas da quantidade e do modo, a recita ora

analisada apresenta algumas falhas. A máxima da quantidade é ferida em dois pontos específicos:

1) quando se fala em forno mas não se diz qual o tipo de forno (De lenha? De fogão? Elétrico?

Microondas?); e 2) quando se fala da medida “xícara” mas não se diz o tipo de xícara relevante

(Xícara de chá ou de café?). Essas informações podem parecer irrelevantes para quem sabe

cozinhar, mas para quem está apenas se aventurando pelo mundo da culinária informações desse

tipo precisam ser completas. Para argumentar a favor do que acabei de dizer, veja que quando a

medida “colher” é mencionada na receita, para evitar dúvidas, diz-se qual o tamanho da colher.

As falhas na máxima do modo, ao seu turno, são resultantes da vaguesa60 presente na

receita, que gera expressões obscuras para quem não tem bom conhecimento culinário. Exemplos

dessas expressões vagas são pitada (Qual a quantidade de uma pitada de sal?), esbranquiçado

(Esbranquiçado como o quê?), grande (Qual o tamanho de uma forma redonda grande?),

delicadamente (Como se despeja uma massa delicadamente?), médio (Qual a temperatura de um

forno médio?), cerca de (Quanto tempo é cerca de 45 minutos? 43 minutos? 48 minutos? 40

minutos?), um pouco (Quanto tempo leva para um bolo esfriar um pouco?).

Tendo observado as falhas nas máximas do quantidade e do modo, você sabe agora

possíveis motivos pelos quais muitas vezes tentamos seguir uma receita a risca mas no final não

conseguimos o resultado esperado. Analise outras receitas sob a perspectiva das máximas

conversacionais e você perceberá problemas semelhantes.

Pensando agora em receitas médicas, você já se deu conta de que muitas vezes o médico

escreve e/ou fala algo equivalente a Tomar um comprimido três vezes ao dia nas principais

refeições e quando chega a hora de tomar o medicamento você fica em dúvida? Esse é um

exemplo típico em que um médico fere na máxima da quantidade, pois ele acaba por não informar

tudo que é necessário: falta informar se é antes, durante ou depois das principais refeições que o

medicamento precisa ser tomado.

Outro exemplo muito comum de desrespeito não intencional às máximas é a fuga do tema

em redações. Quem foge ao tema, fere a máxima da relação porque produz um texto sem relação

com o tópico proposto.

60

Tipo de variação de sentido estudada no capítulo II.

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LETRAS LIBRAS|261

Há, no entanto, casos em que ferimos as máximas intencionalmente. Quando fazemos isso

criamos uma implicatura conversacional, que é uma informação implícita decorrente da

desobediência intencional a pelo menos uma máxima conversacional. Observe o diálogo abaixo

entre namorado e namorada.

DIÁLOGO

Namorado:

Aquela casa é boa.

Namorada:

Você me ama?

Em princípio pode parecer que o diálogo acima não é o melhor exemplo de diálogo que se

possa imaginar, pois o namorado fala sobre uma casa e a namorada fala sobre amor. No entanto,

diálogos que, a exemplo desse, ferem a máxima da relação são comumente intencionais. Veja que

em um contexto em que o casal de namorados está passeando, o namorado enuncia Aquela casa

é boa e a namorada responde com Você me ama?, mais do que informar algo sobre uma casa, o

namorado pode estar realizando um pedido de casamento, e a namorada, mais do que estar

fazendo uma pergunta, pode estar estabelecendo uma condição para aceitar tal pedido.

Um exemplo muito comum de desrespeito intencional à máxima da relação é quando,

tentando ser polidos, refutamos a um convite falando sobre outra coisa como se o convite não

fosse o tópico da conversação. É exatamente isso o que acontece quando alguém propõe Vamos

ao cinema hoje! e nós respondemos Tenho que estudar para uma prova. Em situações assim, mais

do que realizarmos o ato de informar que temos de estudar para uma prova (ou de mentirmos

que temos de estudar para uma prova), nós estamos realizando o ato de rejeitar o convite feito.

Com esse procedimento, já que por delicadeza ou por covardia não preterimos claramente o

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LETRAS LIBRAS|262

convite, deixamos a encargo do nosso interlocutor a tarefa de reconhecer a implicatura

conversacional.

Para finalizarmos este capítulo, analisemos na charge abaixo outro uso estratégico das

máximas conversacionais. Na charge, o interlocutor de Bento XVI considera, ou finge considerar,

que o Papa está listando o que a Igreja Católica não aceita e, para polemizar, pergunta ao Papa se

a pedofilia é aceita, já que, como sabemos, a Igreja muitas vezes tentou fazer vistas grossas no que

diz respeito a padres pedófilos. Sabiamente, para se livrar da pergunta embaraçosa, o Papa Bento

XVI solicita que seu interlocutor respeite a máxima da relação, i.e. não mude de assunto.

61

Diante do exposto, fica evidente a existência do princípio de cooperação e das máximas

propostos por Grice. Fica evidente também que, de alguma forma, estamos atentos a tais

máximas e, mesmo que inconscientemente, é comum tentarmos respeitá-las. Não obstante, há

situações nas quais deliberadamente desobedecemos às máximas com o intuito de gerar

implicaturas conversacionais por meio das quais realizamos atos de fala indiretos justificados, pelo

menos supostamente, pelo princípio da polidez.

61

Disponível em: <http://colunistas.yahoo.net/posts/6080.html>. Último acesso em: 01 nov. 2010.

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LETRAS LIBRAS|263

Veja que para produzirmos um texto coerente e coeso precisamos estar atentos também

às máximas conversacionais. Independentemente de o texto ser oral ou escrito. Desrespeitar as

máximas, vale lembrar, constitui-se um problema textual apenas quando não é intencional nem

bem elaborado. Quando é intencional e bem elaborado o desrespeito às máximas torna-se um dos

recursos para a produção de textos criativos e eficientes. A criatividade e a eficiência textual, vale

lembrar, não é um “dom” exclusivo de chargistas, propagandistas e literatos, é um “dom” de todo

ser humano. No nosso dia a dia os textos geralmente são muito criativos e eficientes, prova disso é

que todos os dias produzimos textos novos (orais ou escritos) e geralmente conseguimos

estabelecer interações satisfatórias. Assim sendo, convido você, nas suas próximas produções

textuais, a usar de forma consciente das máximas conversacionais.

Ao findarmos este capítulo, findamos também o módulo de semântica e pragmática. Os

conteúdos das duas disciplinas, como você deve ter percebido, ora se aproximam ora se afastam.

Contudo, mesmo quando há afastamento, nunca é total, pois o interesse das duas disciplinas é o

significado: o significado linguístico para semântica e o significado do uso para a pragmática.

Findamos aqui o módulo de semântica e pragmática, mas os estudos do significado continuam

sendo campos profícuos para todos que neles queiram investir.

REFERÊNCIA

GRICE, Herbert Paul. Lógica e conversação. In: DASCAL, M (1982). Fundamentos metodológicos da

lingüística – v. IV: Pragmática. Campinas.

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ESTÁGIO

SUPERVISIONADO I

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LETRAS LIBRAS|267

ESTÁGIO SUPERVISIONADO I

Jailto Luis Chaves de Lima Filho Especialista em Libras – SOCIESC

Doutorando em Letras – PPGL/UFPB

Professor do Departamento de Letras - UEPB

Fernanda Barboza de Lima Doutoranda em Letras – PPGL/UFPB

Tutora de Letras/Libras - UAB/UFPB

INTRODUÇÃO

Estágio Supervisionado em LETRAS/LIBRAS

O Estágio Supervisionado é uma etapa de grande importância no processo de formação do aluno

nos cursos de licenciatura. Configura-se como o primeiro contato do futuro professor com a prática

profissional no âmbito escolar, oportunizando-o exercitar as teorias aprendidas. No curso de Letras/Libras,

o Estágio Supervisionado, seguindo os novos rumos dos estudos da linguagem, vem priorizando o caráter

sociológico da língua, através da ênfase nas atividades discursivas e no trabalho com os gêneros textuais.

O Estágio Supervisionado I faz parte do currículo como disciplina obrigatória para este curso de

Licenciatura em Letras/Libras, abrange 60 (sessenta) horas e possui 04 (quatro) créditos. Deve ser realizado

em reais situações de trabalho, em unidades escolares do Sistema de Ensino, sob a supervisão de um

profissional – professor – experiente no processo de ensino-aprendizagem na Escola Básica.

Considerando que ainda são poucas as escolas que têm projetos ou que já trabalham com práticas

inclusivas, recorreremos para este primeiro Estágio Supervisionado ao apoio dessas instituições de ensino,

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LETRAS LIBRAS|268

que nos possibilitem investigar como funciona o ensino de Libras, nas escolas públicas, em especial as dos

polos que abrangem o nosso curso.

Procuramos, ao elaborar esse material, fazer não apenas com que o aluno reflita sobre a teoria,

mas, da mesma forma, proporcionar situações em que ele possa se questionar a partir da vivência no

processo de ensino-aprendizagem, que envolve a disciplina Libras, cujo ensino segue por diferentes

percursos de acordo com a comunidade pela qual a língua seria adquirida: como língua materna para a

comunidade surda ou como segunda língua para a comunidade ouvinte.

Temos, portanto, duas comunidades distintas quanto à recepção linguística, o que está

diretamente ligado à cultura, à identidade e, consequentemente, à forma com que participam do processo

de ensino-aprendizagem da língua. A partir dessas diferenças, surge, então, a necessidade de integração

entre essas culturas, envolvendo principalmente o contexto escolar, cujos principais agentes são os alunos,

surdos e ouvintes, o professor e o intérprete.

Essas comunidades participam dessa ação integradora chamada processo de inclusão. Nesse

patamar, levantam-se discussões acerca do que se trata e de como se deve proceder para que esse

processo obtenha êxito, tanto no âmbito governamental como no nível local.

Envolvemos aqui esse tema porque essa disciplina faz parte desse grande projeto que é a inclusão

e, portanto, faz-se necessário que nos situemos no atual quadro em que se encontram essas duas

comunidades, a de surdos e ouvintes, entendermos e adentrarmos na realidade em que tais comunidades

linguísticas estão envolvidas, considerando que estamos lidando com o ensino de uma determinada língua

que, por sua vez, reflete a cultura dessa sociedade.

Não podemos dissociar língua de sociedade, elas estão intimamente ligadas, até porque, para se

aprender/adquirir uma língua, é imprescindível conhecer/viver os costumes de tal comunidade. Aparecem

aqui nossos primeiros desafios: para quem estamos escrevendo? Para onde vamos levar nossos alunos? O

que vamos observar? A quem vamos observar? Que instituições estão comprometidas e como estão

comprometidas? Qual o percurso e quais os problemas enfrentados durante o trajeto que parte da teoria

até a prática? O que o governo sugere e o que a escola aplica? O que se pode fazer para contribuir com

esse panorama atual do processo de inclusão?

São desafios. Não encontraremos aqui soluções para todos os nossos questionamentos, mas

buscaremos lançar propostas de sistematizações para as práticas de ensino, aqui aplicadas ao ensino de

Libras, tanto como língua materna quanto como segunda língua. Por isso, não podemos deixar de

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LETRAS LIBRAS|269

considerar o ensino de língua portuguesa, visto que estamos lidando com esse projeto de inclusão,

integração das culturas. Cabe então dizer que o ensino de uma é fundamental para a aquisição da outra

como segunda língua.

Trata-se de uma disciplina em construção, principalmente porque só agora as pesquisas sobre o

tema têm ganhado espaço, projetos sociais têm se desenvolvido no âmbito governamental, estimulando e

incentivando o interesse não só dos que fazem parte do sistema, mas também da sociedade, que até então

pouco havia sido questionada.

O foco do trabalho no Estágio Supervisionado é aprender a lecionar. Para o Estágio I, os alunos vão

se dedicar à avaliação tanto dos referenciais teóricos institucionais que norteiam as políticas pedagógicas

como também dos recursos didáticos voltados ao ensino de Libras no Ensino Fundamental, e observar a

aplicação desses conteúdos na sala de aula.

Para isso, procuramos situar na primeira unidade o atual quadro em que se encontra a Libras,

discutindo acerca das leis que fundamentam o Estágio Supervisionado, trazendo os aspectos mais

importantes da Lei que inclui Libras como disciplina curricular obrigatória e que rege acerca da formação do

professor de libras; dedicamo-nos na segunda unidade à fase de observação propriamente dita, listando os

aspectos que julgamos essenciais de serem examinados nessa fase, tais como a escola, o professor de

Libras, os alunos e o livro didático, além de apresentar características dos procedimentos docentes

importantes no processo de ensino-aprendizagem, tais como as habilidades de ensino e as práticas

avaliativas; já para a terceira unidade, julgamos pertinente apresentar algumas considerações

metodológicas para o ensino de Libras, tais como o trabalho com os temas transversais, a contribuição das

diversas formas de linguagem (visual, teatral e musical), e sugestões de atividades para o ensino de Libras a

partir dos gêneros textuais; e finalmente concluímos o nosso material com o modelo de plano de aula,

mostrando as etapas do plano, para dar suporte à prática da observação, e do relatório de observação que

será elaborado como prática avaliativa para essa disciplina de Estágio Supervisiona I.

Essa disciplina é, portanto, um convite para ousar e enveredar por novos caminhos, para fazer com

que os envolvidos nesse processo se questionem e colaborem com esse projeto, ajam e interajam, e

consigam construir e contribuir para o desenvolvimento de estudos científicos e principalmente

pedagógicos, considerando que as discussões sobre políticas públicas que incluam o aluno surdo nas

escolas de ensino regular se encontram em evidência.

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LETRAS LIBRAS|270

UNIDADE I

O que é o Estágio Supervisionado?

O Estágio Curricular Supervisionado constitui disciplina obrigatória para o Curso de Licenciatura em

Letras e está fundamentado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB (9394/96), Art. 82, com

redação dada pela Lei nº 11.788 de 2008, que em seu capítulo I (definição, classificação e relações de

estágio), sanciona:

Art.1º Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. ........................................................................................................................ §2º O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.

O Estágio Supervisionado tem a intenção de auxiliar no processo de instrumentalização do

acadêmico para inserção no mercado de trabalho, bem como possibilitar ao professor em formação uma

reflexão sobre o espaço escolar e uma análise sobre a relação entre as teorias estudadas e sua prática

efetiva. É essa experiência acadêmica que permite o conhecimento dos saberes teórico-metodológicos

envolvidos nos processos de planejamento, elaboração, organização e execução das práticas pedagógicas.

PARA PENSAR: “O Estágio Supervisionado deve ser considerado um instrumento fundamental no processo de formação do professor. Poderá auxiliar o aluno a compreender e enfrentar o mundo do trabalho e contribuir para a formação de sua consciência política e social, unindo a teoria à prática” (KULCSAR, 1991).

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LETRAS LIBRAS|271

E o Estágio Supervisionado de LIBRAS?

Atualmente, a inserção do ensino de Língua de Sinais nas escolas regulares é considerada

imprescindível, pois está envolvido com a própria construção da identidade surda e sua afirmação cultural

e linguística. A partir da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, observou-se não apenas a oficialização da

Libras como sistema linguístico, mas, também, a viabilização de seu ensino:

Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas

concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e

difusão da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como meio de comunicação

objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.

Com o objetivo de regulamentar a Lei nº 10.436 e incluir a Libras como disciplina curricular

obrigatória, o Decreto de Lei Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, em seu texto, determina os cursos de

formação, os sistemas de ensino e os tipos de instituições que devem viabilizar esse processo, bem como,

esclarece os prazos e percentuais mínimos para inclusão da disciplina Libras na grade curricular dos cursos

do Ensino Superior, tais como Pedagogia, Educação Especial, Fonoaudiologia, e, em especial, as

licenciaturas.

O Decreto contempla várias ações a serem implementadas ao longo dos dez anos subsequentes à

sua promulgação, dentre elas, a formação de professores que deverão atuar no ensino de Libras desde o

ensino infantil do Ensino Fundamental até a educação superior.

O Estágio Supervisionado em Libras apresenta-se como componente fundamental no processo de

formação desses profissionais, uma vez que se constitui, assim como outros cursos de licenciatura, como o

momento de vivência das reais situações de trabalho dentro de uma unidade de ensino. Contudo, esse é

um campo de atuação cujas práticas são ainda mais desafiadoras, pois ao professor de Libras cabe mais que

a aquisição dos instrumentos metodológicos necessários aos processos de ensino-aprendizagem de uma

língua, cabe a este profissional construir as interações linguísticas em sala de aula e propiciar intercâmbio

das diferenças individuais e convívio das pluralidades humanas.

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LETRAS LIBRAS|272

Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005

Capítulo II – Da inclusão da Libras como disciplina curricular

Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.

§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Capítulo III – Da formação do professor de Libras e do Instrutor de Libras

Art. 4o A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua

RESUMO DO ÓPERA

1. O que dizem as leis que fundamentam o Estágio Supervisionado.

2. Quais os aspectos mais importantes da Lei que inclui Libras como disciplina curricular obrigatória.

3. O que rege acerca da formação do professor de libras

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LETRAS LIBRAS|273

UNIDADE II

Estágio Supervisionado I: fase de observação

O estágio de observação é o momento em que é possível a verificação local da rotina escolar e o

conhecimento dos agentes envolvidos nessa dinâmica. É o momento de diagnóstico do espaço de produção

do conhecimento, para uma futura intervenção e vivência das práticas pedagógicas pelo aluno/estagiário. É

a possibilidade de inserir-se como observador, num espaço onde as múltiplas atividades desenvolvidas por

diversos sujeitos relacionam-se para auxiliar a formação educacional de indivíduos. É também e

principalmente, um momento de reflexão e análise da realidade escolar, que permitem o conhecimento

dessa realidade e a compreensão dos inúmeros desafios que o aluno/estagiário enfrentará nas disciplinas

de estágio que sucedem o Estágio Supervisionado I, quando efetivamente poderá vivenciar as práticas

pedagógicas numa sala de aula. No estágio de observação é importante que o aluno/estagiário atente para

as particularidades da organização escolar, seus funcionários, espaços físicos, corpo docente e alunos que

frequentam a instituição.

O que observar?

A seguir, elaboramos um roteiro de observação, com os pontos que julgamos essenciais para serem

examinados nessa fase. Contudo, outros pontos importantes da experiência de observação podem ser

elencados, não sendo nossa intenção fecharmos aqui as possibilidades de análise.

A escola

1. Características físicas: relato dos ambientes que compõem a infra-estrutura da escola-campo

(salas de aula, sala de professores, sala da direção e coordenação, secretarias, refeitório,

banheiros, áreas de recreação, biblioteca, auditório, salas para aulas de computação, entre outros

espaços físicos). É importante que o aluno atente para a existência ou não de tais espaços na escola

e quais as condições desses espaços. É imprescindível, também, que o aluno observe e relate se a

acessibilidade é garantida em todas as dependências da escola.

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LETRAS LIBRAS|274

2. Atividades extracurriculares: relato das atividades extracurriculares oferecidas pela escola, como

aulas de idiomas fora do horário escolar, aulas de informática, brinquedotecas, oficinas de arte,

teatro, esportes, xadrez, entre outras. Observação de quais atividades extracurriculares são

realmente ofertadas, se a escola estimula a participação do aluno com necessidades especiais

nessas atividades, como ocorre a relação entre esses alunos e os demais alunos da escola nessas

atividades, quais as habilidades que essas atividades desenvolvem, e se essas práticas estimulam o

convívio do aluno surdo com outros alunos portadores de necessidades especiais.

3. Professores, gestores e funcionários: relato quantitativo da equipe de profissionais que compõe a

escola-campo. Verificação também, da habilitação profissional de professores, diretores,

coordenadores, secretários, auxiliares de limpeza, inspetores e cozinheiros. Observação do

relacionamento entre esses profissionais, entre eles e o professor de Libras, e a relação deles com

os alunos surdos e ouvintes. Entrevista com diretores e coordenadores sobre o Projeto Político

Pedagógico da escola.

Teatro. Fonte: http://teatroeduca.zip.net/ Informática. Fonte: http://imprensa.rioclaro.sp.gov.br/

Natação. Fonte:http://www.univille.edu.br/bisu/?p=2328 Xadrez. Fonte: http://mariofortuna.blogspot.com

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LETRAS LIBRAS|275

O professor de Libras

1. Habilitação profissional: descrição, a partir de entrevista, da sua formação escolar, da instituição

de Ensino Superior onde estudou, cursos feitos, ano de conclusão, participação em grupos de

pesquisa, disciplinas habilitado a ensinar, se tem cursos de capacitação, especialização ou pós-

graduação strictu senso (Mestrado ou Doutorado) na área em que ensina ou em outras áreas afins,

se é bilíngue, se tem proficiência em Libras, se ensina apenas na escola-campo pesquisada (e há

quanto tempo) ou se também trabalha em outras unidades de ensino.

2. Conteúdos trabalhados: detalhamento dos assuntos trabalhados na aula observada – se trabalhou

conteúdos gramaticais, quais conteúdos gramaticais foram trabalhados, se utilizou gêneros

textuais, quais gêneros textuais utilizou, se promoveu leituras de textos, quais leituras promoveu,

se promoveu produções textuais, quais produções textuais promoveu, quais os objetivos da aula

observada.

3. Recursos didáticos utiliza-dos:

observação da utilização de

materiais impressos, de

equipamentos, de objetos, de

recursos visuais, como livros digitais

com interpretação para a Língua de

Sinais62, entre outros.

62

Diversos livros digitais com interpretação para Língua Brasileira de Sinais estão disponíveis para compra, no site:

http://editora-arara-azul.com.br/novoeaa/. No catálogo é possível encontrar os seguintes livros: Dom Quixote, Peter

Pan, A ilha do tesouro, Alice no país das maravilhas, Iracema, Aladim, O alienista, A missa do galo, A cartomante, O

relógio de ouro, entre outros.

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LETRAS LIBRAS|276

4. Desenvolvimento da aula: relato da organização das atividades ministradas pelo professor,

observação da sequência da aula – introdução, desenvolvimento, conclusão; observação dos

exercícios aplicados.

5. Postura docente: análise do relacionamento estabelecido entre o professor de Libras e os alunos

(se é distante, próxima, amável, ríspida, formal, informal, permissiva); observação da liderança (se

é firme, impositivo, tolerante, intolerante, possui manejo para lidar com os problemas ou não),

percepção do tratamento despendido aos alunos surdos e aos alunos ouvintes.

6. Procedimentos metodológicos: análise das práticas e técnicas utilizadas pelo professor de Libras

(se sua abordagem é tradicional, estrutural, construtiva, comunicativa, cognitiva, funcional,

sociointeracionista, ou se utiliza abordagens diferentes para cada momento planejado).

Os alunos

1. Perfil dos alunos: relato quantitativo da sala de aula (número de alunos, número de alunos do sexo

masculino e do sexo feminino, número de alunos surdos), quantos alunos frequentam

assiduamente, quantidade de faltosos, observação do nível de interesse demonstrado à aula, da

participação dos alunos surdos e dos alunos ouvintes, do comprometimento com as atividades

propostas; descrição da classe social dos alunos e faixa etária, entre outras coisas.

2. Relacionamento entre os alunos: observação das ligações de coleguismo estabelecidas entre os

alunos (se alunos ouvintes relacionam-se com os alunos surdos, como ocorre a relação entre os

alunos surdos, como se organizam para realização de atividades em grupos).

O livro didático

1. Adequação do livro didático ao projeto político-pedagógico da escola e a sua realidade

sociocultural. É importante perceber se a proposta metodológica do livro didático é efetivada ao

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LETRAS LIBRAS|277

longo dos capítulos do livro, nos textos, nas atividades propostas e nas práticas de reflexão sobre a

linguagem.

2. Se existem objetivos/metas estabelecidos no livro didático para o ensino de Libras no ensino

fundamental e se estes são alcançados.

3. Se os textos e atividades do livro didático possibilitam o desenvolvimento da capacidade crítica e a

formação do pensamento autônomo.

4. Se os textos, ilustrações e exercícios colaboram para o conhecimento da identidade e cultura

surdas. Se alguns desses textos abordam os temas transversais: ética, pluralidade cultural, meio

ambiente, saúde e orientação sexual e tratam a questão da diversidade cultural e linguística,

estimulando assim, o convívio social, o respeito e a tolerância.

Fonte: http://www.google.com.br/imgres?q=libras+mãos

5. Se há textos complementares e como esses se apresentam e dialogam com outros textos e

atividades sugeridas.

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LETRAS LIBRAS|278

6. Quais os gêneros textuais trazidos no livro didático e quais situações didáticas são propostas a

partir desses gêneros. É importante perceber se o trabalho com os gêneros textuais estimula a

produção de sentidos dos alunos e se as situações didáticas exploram a relação autor/texto/leitor.

7. Se as atividades são sugeridas dentro de um contexto e com finalidades comunicativas e sociais

reais.

8. Como o livro didático está organizado (unidades, capítulos, módulos, seções, entre outros). Em

torno de quê se organizam as unidades (gêneros textuais, atividades propostas, reflexão sobre a

língua de sinais). Se os textos embasam as atividades propostas. Como é abordado o ensino das

estruturas gramaticais da Libras (a partir de sequências explicativas, nos exercícios propostos, entre

outros). Qual a vertente teórica que norteia as abordagens textuais e gramaticais (estruturalista,

cognitivista, sociointeracionista, entre outras).

9. Como se apresentam os aspectos gráfico-editoriais: organização de sumário, qualidade da

impressão (com ou sem falhas), tamanho de fonte e espaço entre linhas e entre palavras. Como as

ilustrações distribuem-se na página (bem distribuídas, muito juntas ou separadas). Como as

ilustrações relacionam-se com os exercícios e/ou textos (colaboram ou não para o melhor

entendimento desses). Se, a partir das ilustrações, é possível a plena compreensão dos sinais em

Libras apresentados.

10. Tipologia dos exercícios propostos: se são exercícios de repetição (memorização de conteúdos),

preenchimento de lacunas, estruturais (múltipla escolha), de reformulação, entre outros. Se esses

exercícios são contextualizados, se eles complementam o aprendizado trazendo dados novos ou

apenas reforçam os conteúdos gramaticais.

Acesse:

http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume3/numero1/p

lasticas/melissa-neli.pdf

Leia o texto:

O livro didático ao longo do tempo: a forma do conteúdo. Das

autoras: FREITAS, Neli Klix e RODRIGUES, Melissa Haag.

No texto você encontrará um breve histórico do livro

didático no Brasil e a evolução de seu aspecto visual.

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LETRAS LIBRAS|279

As habilidades de ensino

Diversos autores observaram e quantificaram as ‘habilidades de ensino’, que nada mais são, que a

reunião dos procedimentos docentes ou conduta dos professores, quando esses estão face a face com os

alunos. No Estágio Supervisionado I, fase de observação, é importante que o aluno/estagiário perceba

quais habilidades são demonstradas ou não, pelo professor de Libras observado, refletindo sobre a

importância dessas no processo de ensino-aprendizado, ou quais os prejuízos que a ausência de

determinadas habilidades traz para esse processo. Dentre as diversas habilidades já elencadas por vários

teóricos, destacamos dez habilidades, a saber:

1ª Habilidade – Habilidade de Introdução

A habilidade de introdução refere-se à iniciação da aula. Diz respeito à forma como o professor

introduz determinado conteúdo, chamando a atenção dos alunos para seu aprendizado e para os objetivos

a serem alcançados com aquela escolha metodológica. Determinadas maneiras de iniciar uma aula podem

motivar ou não o aluno. Muitas vezes, o entusiasmo do professor frente ao novo conteúdo apresentado

tem papel fundamental no estímulo ou desestímulo do aprendizado desse conteúdo. É importante

também, que o professor apresente em sua introdução, a organização de sua aula, relacionando o que vai

ser aprendido com o que já foi visto em aulas anteriores. Essa ação promove o conhecimento do novo, ao

mesmo tempo em que revisa o que já foi trabalhado em outro momento.

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LETRAS LIBRAS|280

2ª Habilidade – Habilidade de olhar para os alunos

É comum, principalmente no início da profissão, encontrarmos professores que ministram sua

disciplina, preocupando-se principalmente com o tempo da aula e o aproveitamento desse tempo para

transmissão de todo o conteúdo planejado. Dessa forma, concentram-se no material didático, nos recursos

que serão utilizados, mas se esquecem de

olhar para a turma. Outras vezes, é comum

que os professores concentrem sua

atenção em parte da turma, normalmente

aquela que se envolve mais com a

explicação e demonstra um maior

interesse.

É importante que o professor

atente para o olhar para o aluno. Perceba

pelo olhar, quem compreendeu a

explicação e quem ainda apresenta

dúvidas, quem gostaria de fazer uma

pergunta, mas é tímido, quem gostaria de

responder alguma questão posta pelo

professor, mas espera uma motivação

através do olhar. Ao esclarecer uma dúvida

Existem alguns recursos que podem ser utilizados na introdução de uma aula, com o objetivo de motivar os alunos. São alguns desses recursos:

- Utilizar gestos e contatos visuais;

- Utilizar recursos visuais;

- Mudar o padrão de interação professor–aluno na introdução da aula (surpreender o aluno com posturas inesperadas);

- Contar uma história que se relacione com o conteúdo que será ministrado, trazendo fatos que façam parte da realidade do aluno e sejam fenômenos concretos;

- Pedir exemplos relacionados à vida cotidiana dos alunos.

Autor: Ricardo Ferraz. Fonte:

http://www.planetaeducacao.com.br/acessodehumor/flog.asp

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LETRAS LIBRAS|281

de determinado aluno, é importante que o professor lance um olhar para toda a classe, com o fim de

perceber quem também está retirando dúvidas naquele momento, e quem está alheio e disperso.

3ª Habilidade – Habilidade de proporcionar feedback

O feedback é o retorno de uma mensagem formulada, ou seja, a resposta ou comentário sobre um

dado assunto. Numa aula, o feedback pode ser conseguido através de uma correção, reconhecimento,

repetição do dito, reformulação da mensagem, pedidos de esclarecimento ou mesmo, alguns sinais, como

o olhar, expressão facial ou movimento de cabeça que indicam que o aluno compreendeu ou não. O

feedback é um valioso instrumento de avaliação no processo de ensino-aprendizagem, pois através dessa

“resposta” ou “retorno” da mensagem, é possível avaliar se o aluno concorda, apoia, aprova, duvida ou

desconfia do que está sendo dito. O feedback do aluno pode e deve servir também, para que o professor

avalie a eficiência ou ineficiência de seus métodos, reinventando suas técnicas e utilizando novas posturas

de trabalho, quando necessário.

4ª Habilidade – Habilidade de ilustrar com exemplos

É comum, ao explicarmos determinado assunto, utilizarmos exemplos, que são amostras ou

representantes daquilo que desejamos informar. No

processo de ensino-aprendizagem, esse processo de

correlacionar deixa o conteúdo mais familiar,

estimulando a atenção. Ao ilustrar o assunto, é

PARA PENSAR: O contato visual é primordial para uma boa comunicação com uma pessoa surda. É considerado rude desviar o olhar e interromper o contato visual numa conversação. Na interação com ouvintes, é comum o desvio do olhar e a distração visual, uma vez que, para esse, muitas vezes, é desconfortável a manutenção do contato visual por longos períodos. Virar as costas numa conversação com o surdo é um insulto. Quando houver necessidade de desviar o olhar ou virar as costas, deve-se informar o interlocutor sobre isso.

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LETRAS LIBRAS|282

importante que o professor peça a participação do aluno, deixando-o apresentar exemplos de seu

cotidiano. Os exemplos trazidos por alunos devem ser utilizados pelo professor durante a explicação. Essa

habilidade relaciona-se diretamente com a habilidade de proporcionar feedback.

Principalmente em séries iniciais, é importante que o professor, ao exemplificar um conteúdo,

parta do concreto para o abstrato. Ou seja, traga exemplos antes de conceitos. Isso torna a explicação mais

clara e facilita a assimilação desses conceitos. Esse procedimento é chamado enfoque indutivo.

O professor pode escolher entre dois enfoques na utilização de exemplos em sua aula: 1. Enfoque

indutivo – a partir de determinados exemplos parte-se para a explicação. 2. Enfoque dedutivo – primeiro é

colocado o assunto e depois é apresentada a exemplificação que comprova o que se acabou de explicar. O

importante é que, ao escolher o enfoque, o professor reflita sobre algumas questões, como: esses

exemplos que trouxe são relevantes para o aprendizado de meus alunos? Os exemplos que escolhi

adéquam-se a faixa etária de meu público alvo? Estou fazendo conexões entre os conceitos dados e os

exemplos trazidos? Estou estimulando meus alunos a apresentarem exemplos sobre o assunto dado? Estou

explorando os exemplos trazidos pelos meus alunos?

No ensino de Libras, a habilidade de ilustrar com exemplos é essencial, uma vez que a apropriação

de ideias e conceitos é conseguida por meio da modalidade espaço-visual. É comum, em livros didáticos de

Libras, que a formulação de conceitos sobre determinado assunto parta do conhecimento dos campos

lexicais, normalmente ilustrados. Assim, o aluno pode primeiramente visualizar exemplos em Libras, para, a

partir daí, compreender determinadas acepções. O Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais, por

exemplo, ao tratar sobre o tema religião, traz o sinal, a ilustração e os parâmetros de lexias como: alma,

anjo, bíblia, Buda, católico, confissão, culto, Deus, islamismo, oração, umbanda, dentre muitos outros. A

partir desses exemplos, há a noção do tema ‘religião’.

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LETRAS LIBRAS|283

5ª Habilidade – Habilidade de execução e demonstração

Na educação, é comum a criação de situações em que se aplica a matéria estudada. Nessas

situações, o professor mostra modelos práticos, do que foi colocado através de conceitos. Em aulas de

química, por exemplo, não é incomum, que ao término de explicações sobre os conceitos de dado

fenômeno, demonstrem-se experiências reais, em que o aluno visualiza como ocorre tal fenômeno.

6ª Habilidade – Habilidade de organização do contexto

Essa habilidade refere-se ao planejamento da aula, desde a introdução do conteúdo até seu

fechamento. Um professor que possui habilidade de organizar o contexto explicita claramente quais são os

objetivos do estudo, localizando historicamente o conteúdo, e rememorando outros conteúdos que com

ele se ligam. Por isso, é importante que ao introduzir uma aula, o professor apresente o roteiro daquela

aula, preparando a turma para as etapas que se seguirão. Nessa habilidade também está incluída a

referência a materiais de consulta. É comum que o professor esqueça-se de explicitar suas fontes de

consulta e quais os materiais e recursos que utilizou para a preparação da aula. Contudo, essas informações

são importantes, pois orientam o aluno nos caminhos da pesquisa, estimulando-o a ser autor de seu

conhecimento.

7ª Habilidade – Habilidade de revisão

Quando pensamos na habilidade de revisão, vem a mente os momentos previamente estabelecidos

pelo professor para rever todo um conteúdo ministrado antes de uma avaliação. Contudo, a ação de revisar

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LETRAS LIBRAS|284

pode e deve fazer parte dos diversos momentos da aula. Antes de introduzir um novo assunto, por

exemplo, o professor deve rememorar o assunto que o antecedeu, tecendo uma ligação entre os

conteúdos. Ao propor uma atividade, deve revisar os principais pontos vistos, que servirão de base para a

execução da mesma. Ao elencar novos tópicos de um determinado assunto, deve sempre relacionar os

tópicos que o antecedem e foram vistos. E ao concluir a aula, deve fazer, brevemente, um apanhado geral

do que foi discutido. A revisão é um recurso importantíssimo na aula, pois, muitas vezes, é num momento

de revisão que acontece o aprendizado. Um professor que possui habilidade de revisão utiliza os

questionamentos dos alunos para tirar-lhes dúvidas, ao mesmo tempo em que revisa pontos das temáticas

que abordou em sua aula.

8ª Habilidade – Habilidade de variação de estímulos

Quando expomos um conteúdo, seja numa conversa, na apresentação de um seminário ou numa

aula, desejamos a atenção do outro. No contexto escolar, essa atenção é essencial no processo de

aprendizagem. Um professor que tem habilidade de variação de estímulos preocupa-se, a todo o

momento, se sua mensagem chega ao aluno e como chega, utilizando estratégias para conseguir o maior

tempo de atenção possível. Uma aula sem variação de estímulos costuma ser cansativa e não proveitosa,

por isso, é importante que o professor desenvolva essa habilidade.

A habilidade de variação de estímulos é comumente relacionada a: uso de materiais didáticos,

participação do professor, interação professor-aluno e pausas.

O material didático

deve ser usado sempre que

possível pelo profes-sor. Um

conceito é mais facilmente

assimilado quando é ilustrado,

exem-plificado. Assim, podem e

devem ser utilizados: objetos,

gravuras, pinturas, fotografias,

desenhos, mapas, infográficos e

histórias que se relacio-nem

com o tema a ser tratado. Da

mesma forma, o professor deve

Pinturas de artistas surdos.

Fonte:

http://diaslibras.zip.net/arch2007

-02-25_2007-03-03.html

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LETRAS LIBRAS|285

fazer uso dos recursos materiais que tiver a sua disposição, como papéis, cartolinas, jornais, revistas,

aparelhagem de DVD ou de informática, enfim, tudo que a escola disponibilizar como materiais para

suporte didático.

Outra fonte de variação de estímulos é o próprio professor, que consciente disso pode buscar a

atenção do aluno e estimular sua participação, através da mudança no padrão de sua voz, alternância de

gestos, gesticulação em determinados momentos da explanação, combinada com variação do volume e

velocidade da voz, ação de movimentar-se pela sala de aula, percorrendo corredores e espaços não

comumente explorados.

Essa movimentação pode auxiliar a interação entre o professor e o grupo de alunos ou entre o

professor e um determinado aluno, ou mesmo estimular a interação entre os alunos. A interação é

essencial no processo de ensino-aprendizagem, contribuindo diretamente em seu resultado. A qualidade

estabelecida entre professor e aluno é fator determinante para o desenvolvimento dos processos

educativos.

Como última habilidade de variação de estímulo, temos a utilização da pausa. A pausa é um recurso

muito conhecido e utilizado por conferencistas e atores, mas pouco aproveitado por professores, no geral.

O momento do estabelecimento do silêncio provoca curiosidade e atrai a atenção para um ponto

importante da palestra. Principalmente em início de carreira, ansioso por cumprir o plano de aula, o

professor costuma “correr” com o assunto, para não perder nenhum minuto. Essa “corrida” nem sempre é

proveitosa, pois pausas bem colocadas entre blocos de conteúdos, ou em momentos em que se deseja a

efetiva atenção da turma, costumam incitar o interesse do público, despertá-lo de momentos de distração

ou mesmo criar tensões, que estimulam a procura por respostas.

Acesse:

http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/07/jogos-educativos-

com-libras.html

Nesse site você encontrará diversos jogos educativos que

auxiliam o aprendizado de Libras.

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LETRAS LIBRAS|286

9ª Habilidade - Habilidade de reforço

Os professores, com o tempo e a prática, acabam por perceber a importância de incentivar seus

alunos nas diversas fases que compõem o processo de ensino-aprendizagem na escola. De forma geral,

quando as pessoas são reconhecidas por algo bom que realizam, sentem-se motivadas e encorajadas para

repetir a ação. Por isso, é interessante que o professor desenvolva sua habilidade de reforçar, através de

elogios, agradecimentos pelas ajudas recebidas, premiações, palavras de estímulo, gestos de aprovação,

aproximação do aluno, do ato de tocar-lhe com gentileza ou sorrir para ele, aceitação de suas ideias e

respostas, utilização das respostas equivocados para inserção de conflitos de ideias, sem inferiorizar ou

agredir ao fazer isso. Essas ações são conhecidas como reforços positivos e visam à manutenção e

repetição de atitudes desejáveis. O contrário disso, o reforço negativo, como ignorar o aluno, aplicar-lhe

punições ou negar-lhe o que pede, é aplicado para pôr fim a comportamentos indesejáveis. O reforço

positivo deve ser mais utilizado que o reforço negativo, pois o segundo, por ser desagradável, muitas vezes

fortalece o comportamento indesejável ou hostil criando distanciamento entre o professor e o aluno.

10ª Habilidade – Habilidade de fechamento da aprendizagem

Dizemos que houve fechamento da aprendizagem quando os objetivos planejados foram obtidos,

quando os pontos mais importantes do plano de aula foram cumpridos e a partir das avaliações realizadas

pelo professor verificou-se um nível aceitável de aprendizado. Quando nos referimos aos ‘pontos mais

importantes’ e ao ‘nível aceitável de aprendizagem’ consideramos que uma aula é um espaço dinâmico,

Exemplo de reforço positivo: Exemplo de reforço negativo:

abraçar, tocar, olhar para o aluno. ignorar, castigar.

Exemplo de reforço positivo: Exemplo de reforço negativo:

abraçar, tocar, olhar para o aluno. ignorar, castigar.

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LETRAS LIBRAS|287

onde as interações podem conduzir a mudanças do roteiro previsto, sendo por vezes, difícil, o

cumprimento total do planejamento e a mensuração exata da aprendizagem. Ao final de uma aula, é

interessante que o professor trace o panorama da aula, revisando os pontos principais que foram tratados

e incentivando a realização das atividades que foram propostas (se foram propostas). É importante

também, que ao conduzir à conclusão, o professor relacione os conhecimentos aprendidos, deixando o

espaço de extensão do conhecimento, de onde ele partirá no próximo encontro.

Práticas avaliativas

O ensino, a aprendizagem e a avaliação são práticas interdependentes, que devem auxiliar o

processo de desenvolvimento do aluno. É comum relacionarmos a avaliação a momentos e práticas

específicas, planejadas para o fim de um período de aprendizado. Contudo, a avaliação deve ser

compreendida com uma atividade sistemática, parte integrante das práticas pedagógicas e um recurso para

diagnóstico de problemas metodológicos. Assim, avaliar é perceber não apenas o desempenho e

aprendizado dos alunos, mas, principalmente, se as ações educacionais desenvolvidas estão contribuindo

para a formação desse aluno e quais as necessidades de mudanças e inovações nessas ações.

No ensino de Libras, a avaliação deve considerar o nível de desenvolvimento e aprendizado de cada

tipo de aluno, pois as diversas realidades determinarão as habilidades e competências para a aquisição da

Língua Brasileira de Sinais. Alunos surdos, filhos de pais surdos, possivelmente já possuem familiaridade

com a Libras, o que não ocorre necessariamente com alunos surdos, filhos de pais ouvintes. Nesse caso, é

comum que a Libras seja desenvolvida na escola. As práticas avaliativas, dessa forma, devem considerar o

ritmo de aprendizado e respeitar as diversidades linguísticas e perceptuais dos estudantes envolvidos no

processo de ensino.

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LETRAS LIBRAS|288

RESUMO DO ÓPERA

1. A escola, o professor de Libras, os alunos e o livro didático devem ser observados no Estágio Supervisionado I.

2. O aluno/estagiário deve refletir sobre as habili-dades de ensino.

3. A avaliação deve acontecer como prática integra-da ao processo de ensino-aprendizagem.

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LETRAS LIBRAS|289

UNIDADE III

Considerações metodológicas do ensino de Libras

O professor de Libras, ao planejar sua aula e escolher quais assuntos abordará, quais recursos

utilizará, e quais métodos avaliativos escolherá, deve considerar o perfil de sua sala de aula. Numa sala de

aula com alunos ouvintes e surdos aprendizes de Libras, há uma grande heterogeneidade linguística. É

possível que haja ouvintes que conhecem, por algum motivo, aspectos da Língua de Sinais e por isso não

sentirão dificuldades em seu aprendizado, enquanto para outros, será uma realidade linguística

completamente nova e particular. Da mesma forma, é possível que haja estudantes surdos que possuem

familiaridade com o idioma, enquanto para outros será o início desse aprendizado.

Algumas ações e posturas são essenciais no aprendizado de Libras. Alunos que possuam

familiaridade com a Libras vão apresentar essas ações e posturas, precisando apenas desenvolvê-la. Já

outros, precisarão adquiri-las com o tempo. Por isso, é importante que, inicialmente, toda a turma seja

incentivada a:

Manter o contato visual (olhar fixo no rosto do interlocutor), como pré-requisito para o

estabelecimento da comunicação;

Demonstrar atenção à expressão facial e corporal do interlocutor;

Inserir-se em atividades discursivas, e não apenas, em atividades que envolvam sinais isolados;

Participar de jogos interativos com adultos e crianças e comunicar-se com diferentes grupos,

usando gestos, sinais, expressões faciais e movimentos corporais, para expressar suas ideias,

intenções, vontades e sentimentos;

Resolver problemas, dúvidas e conflitos a partir do diálogo com outras crianças ou adolescentes

surdos e com adultos surdos.

Comunicar suas necessidades básicas como dor, frio, fome, sede, medo, através da Língua

Brasileira de Sinais.

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LETRAS LIBRAS|290

Os Temas Transversais e o ensino de Libras

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa orientam que o trabalho de reflexão

sobre a língua pode e deve pautar-se nos seguintes temas: Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente,

Saúde e Orientação Sexual. Esses assuntos, por tratarem de questões sociais que permeiam toda a esfera

pública, exigem capacidade de análise crítica, reflexão sobre valores sociais e habilidade de participação.

Os conteúdos abordados a partir dos temas transversais também podem contextualizar o ensino de

Língua Brasileira de Sinais, por meio da criação de situações que permitam a investigação, seleção,

elaboração e debate de fatos e ideias que envolvam esses temas. Nesse sentido, cabe aos professores o

planejamento de atividades que propiciem o aprendizado de Libras a partir de produções textuais

contextualizadas, que abordem temáticas atuais, de interesse escolar e social.

Libras e as Linguagens

Em busca do desenvolvimento integral da criança ou adolescente, o ensino de Libras deve ser

organizado de modo a considerar as contribuições das diversas formas de linguagem. As linguagens

artísticas potencializam a criatividade, o imaginário, a afetividade e a cognição, contribuindo não apenas

com a aquisição da linguagem, mas com o desenvolvimento da percepção, atenção, sensibilidade e

expressividade.

a. Linguagem Musical

No universo do surdo, o som pode ser percebido por meio das vibrações. Mãos, pés ou outras

partes do corpo podem proporcionar ao aluno surdo a percepção musical através de movimentos

vibratórios ou trepidação. Embora seja óbvio, não é demais destacar que o surdo não experimenta a

música da mesma forma que o ouvinte. Essa especificidade deve ser levada em conta no planejamento de

atividades escolares que explorem a cultura musical. É importante que essas atividades sirvam para

aproximar o aluno ouvinte do aluno surdo, e levar o primeiro a vivenciar as experiências sensoriais que tem

o segundo frente à música.

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LETRAS LIBRAS|291

Dessa forma, momentos que envolvam o trabalho com música devem ser prazerosos e

descontraídos, em que devem ser respeitados limites e posturas pessoais frente às atividades propostas.

Nas brincadeiras ou jogos que envolvam música, há a possibilidade de adaptação de letras de músicas à

Língua Brasileira de Sinais, bem como, a percepção dos timbres de instrumentos musicais e o aprendizado

dos sinais que o representam. Outra opção de atividade é o trabalho com músicas ilustradas. Esse exercício

consiste em mostrar uma sequência de figuras que ‘contam’ a história de algumas músicas e pedir para que

o aluno reconte em Libras. Essas sequências podem ser montadas em cartolina, papel ofício ou mesmo,

slides, dependendo dos recursos disponibilizados pela escola.

Com turmas mais avançadas em Libras, é possível propor a atividade de elaboração de letras de

canções em Libras pelos alunos. Esses momentos devem permitir a socialização das percepções frente à

atividade e a troca das diferentes sensações vivenciadas por alunos surdos e ouvintes.

É importante destacar que a música é um produto cultural e histórico, sendo imprescindível sua

inserção no currículo escolar. Professores de Libras podem e devem propiciar o conhecimento dos

movimentos musicais, dos músicos e das obras de diferentes épocas e culturas, bem como, a reflexão das

produções regionais, nacionais e internacionais, consideradas do ponto de vista da diversidade. Essas

atividades não apenas contribuem para o desenvolvimento comunicativo, mas, e principalmente, ampliam

a visão de mundo do indivíduo em formação.

1. Filhos do silêncio (Children of a

Lesser God, 1986)

Sinopse: Baseado em um sucesso da Broadway,

Filhos do Silêncio conta a vida de John Leeds,

um idealista professor de surdos e uma

decidida moça surda, chamada Sarah. Leeds sai

do mero “ensino de música” e mistura música

com dança e com percepção das vibrações.

2. Adorável professor (Mr. Holland’s

Opus, 1964).

Sinopse: Um músico decide lecionar para ter

mais dinheiro e assim, se dedicar a criação de

uma sinfônica. O nascimento de um filho surdo

o faz reinterpretar a música e seu ensino.

3. A música e o silêncio (Jenseits der

Stille, 1996)

Sinopse: Desde criança, Lara serviu de

intérprete para seus pais surdos. Adulta, ela

demonstra grande talento musical. É quando

surge um dilema em sua vida, pois, se quiser

abraçar uma promissora carreira, terá que

mudar-se para Berlim.

Sugestões de filmes sobre Música e Surdez

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LETRAS LIBRAS|292

b. Linguagem Teatral

Ao utilizar a linguagem teatral nas atividades escolares, o professor proporciona um trabalho que

envolve, necessariamente, comunicação, movimento corporal e expressões faciais, visando à compreensão

e/ou expressão, dependendo da abordagem escolhida.

A criança e o jovem, a partir de dramatizações de histórias contadas na Língua Brasileira de Sinais,

podem aprender gestos, movimentos e expressões importantes para a comunicação em Libras, ampliando

seu vocabulário através de atividades que estimulam a imaginação e a criatividade. Para tanto, o professor

e/ou o aluno podem se utilizar de fantasias, adereços, máscaras e maquiagem, para criar enredos em

Libras. Outras atividades possíveis são: teatro de sombras, teatro de bonecos e fantoches e teatro com

animação de objetos. Essas atividades proporcionam, além da ampliação da capacidade comunicativa, o

conhecimento de códigos específicos da linguagem teatral, como: enredo dramatúrgico, características das

personagens, cenários, iluminação, figurino, entre outros.

É importante destacar que nenhuma dessas atividades deve envolver a linguagem oral e que o

trabalho com bonecos e fantoches deve ser realizado, apenas, com turmas mais avançadas em Libras, pois

se faz necessária a utilização de uma das mãos para manipular o fantoche e a outra para expressar-se em

Libras.

1

2

3

4

1. Teatro

2. Teatro de sombras

3. Teatro de bonecos

4. Teatro de fantoches

1. http://noeminascimentoansay.blogspot.com/2011/06/librasileiros-peca-de-teatro-em-libras.html

2. http://formasanimadas.wordpress.com/category/grupo-girino/ 3. http://teatro-de-bonecos.blogspot.com/

4. http://blogsentidos.blogspot.com/2011/01/oficina-de-teatro-com-bonecos-voltados.html

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LETRAS LIBRAS|293

Atividades que envolvam a linguagem teatral devem estimular o conhecimento e apreciação de

produções e concepções estéticas, além de proporcionar a compreensão das propriedades comunicativas

das diversas formas de dramatização (teatro em palco, em circo, teatro de bonecos, entre outros).

c. Linguagem Visual

Ouvintes e surdos que desejam aprender a Libras devem desenvolver a habilidade de olhar com

atenção para o interlocutor, estimulando sua concentração visual. Diversas atividades podem ser

propiciadas pelo professor de Libras, com o intuito de explorar o sentido da visão. Essas atividades podem

envolver a apreciação e/ou produção de desenhos, pinturas, esculturas e fotografias, que permitem a

expressão de sensações e ideias em Língua de Sinais.

O trabalho com os elementos básicos da linguagem visual desenvolve o conhecimento sobre forma,

direção, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento, atuando na aquisição de repertório estético e na

reflexão, descrição e expressão desse repertório.

Maurício de Souza. A turma da Mônica (2002). Fonte: http://www.alienado.net/quadrinhos-turma-da-monica/

Dirceu Veiga. Charge.

Fonte: http://mabm1980.blogspot.com/

Propaganda anti-tabagismo.

Fonte: http://intervaloscomerciais.blogspot.com/

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LETRAS LIBRAS|294

As atividades de apreciação de formas plásticas permitem a reflexão dos significados expressivos

dessas produções e suas especificidades regionais, nacionais ou internacionais. Esses momentos podem

propiciar um ensino de Libras contextualizado, onde é possível a discussão sobre as produções observadas,

os autores dessas produções, suas biografias e outras obras desenvolvidas.

Além disso, diversos gêneros textuais e/ou suportes textuais possibilitam o trabalho de leitura de

textos visuais, como é o caso das charges, cartum, tirinhas, quadrinhos, placas, cartazes, capas, cartões

postais, publicidade, entre outros. A partir desses gêneros é possível a elaboração de situações didáticas

que relacionem autor/leitor/texto e a promoção de um ensino de Libras que leva em conta que alunos

surdos e ouvintes compartilham os mesmos contextos sócio-históricos.

Libras e os gêneros textuais

Da mesma forma como acontece com a Língua Portuguesa, a Língua Brasileira de Sinais realiza-se

nas mais diversificadas esferas da atividade humana, manifestando-se através dos diversos gêneros

textuais produzidos nessas esferas. Dessa forma, as reflexões sobre a estrutura gramatical da Libras e seu

funcionamento linguístico (aspectos léxico-semânticos, fonéticos, morfossintáticos e discursivos) devem

pautar-se no trabalho com os gêneros textuais.

Para o ensino fundamental menor, é recomendável que o professor de Libras organize atividades

com gêneros textuais presentes nas seguintes esferas de circulação de textos: cotidiana, escolar,

jornalística e literária. Para o ensino fundamental maior, é interessante acrescentar gêneros textuais da

vida pública e profissional. A seguir, falaremos mais sobre cada uma das esferas de circulação de textos e

dos gêneros textuais produzidos em tais esferas, trazendo possibilidades de atividades para o ensino de

Libras a partir desses gêneros.

a. Gêneros da esfera de circulação cotidiana

São os gêneros presentes no dia a dia, no contexto familiar, informal. São exemplos desses

gêneros: conversa, relato, bilhete, recado, piada, regra de jogos e brincadeiras, instruções, receitas,

roteiros, mapa de localização, relato de experiência vivida, descrição de itinerário etc.

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LETRAS LIBRAS|295

A partir desses gêneros, o professor de Libras pode:

Propor atividades em grupo, que estimulem o diálogo entre os alunos;

Dialogar com os alunos a respeito do seu dia a dia, do seu fim de semana, de algum tema

específico;

Mostrar imagens ou objetos e promover um debate sobre isso;

Trazer recursos visuais, como fotos, desenhos, objetos e pedir que os alunos os relacionem;

Trazer temas que permitam o relato de experiências pessoais, que propiciem a formulação de

perguntas e respostas sobre eles e assim, o diálogo entre os alunos;

Trazer jogos e explicar suas instruções. Exemplos: adivinhas e trava-dedos;

Apresentar vídeos de piadas em Libras.

No site:

http://www.atividadeseducativas.com.br/index.php?lista=libras

você encontrará jogos da memória para aquisição de vocabulário, jogos

para aprender o alfabeto de Libras, caça-palavras em Libras, entre

outros.

http://amigasdaedu.blogspot.com/2009/11/jogo-da-memoria-

em-libras-animais.html

você encontrará jogos para imprimir e brincar com os alunos.

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LETRAS LIBRAS|296

b. Gêneros da esfera escolar

São os gêneros textuais que circulam principalmente na sala de aula, e que possuem caráter

didático, como: aula, seminários, exposições, debates e exercícios, bem como, aqueles que se encontram

nos livros didáticos ou em materiais didáticos utilizados numa aula, como: verbetes de dicionário e

enciclopédias, artigos científicos, biografias, depoimentos, relatos históricos, entre outros.

A partir desses gêneros, o professor de Libras pode:

Contar a história de personalidades nacionais e internacionais e propor atividades de pesquisa de

vida e obra dessas personagens. Fazer o mesmo com personalidades surdas;

ALGUMAS PERSONALIDADES SURDAS OU COM PROBLEMAS AUDITIVOS

Bill Clinton – 42º presidente dos

EUA. Tem perda parcial da audição e

usa aparelho auditivo.

Douglas Tilden – escultor surdo

mundialmente conhecido. Criou

a famosa escultura “The football

Players”.

Emmanuelle Laborit – atriz e

diretora de teatro surda. Tornou-

se embaxatriz da Língua de Sinais

Francesa.

Francisco de José Goya

Famoso pintor que perdeu a

audição aos 46 anos, mudando

seu estilo de pintar.

Marlee Matlin – atriz americana surda ganhadora do Oscar de melhor atriz pelo filme ‘Filhos do Silêncio’.

Thomas Edison – inventor americano surdo. Teve papel fundamental na indústria do cinema, inventando entre outras coisas, a máquina de filmar.

Ludwing van Beethoven – o

famoso músico alemão começou

a perder a audição aos 26 anos

de idade. Sua obra marcou a

história da música clássica.

Konstantin Tsiolkovsky – cientista surdo, pioneiro na

ciência dos foguetes. O russo

perdeu a audição devido a febre

escandinava.

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LETRAS LIBRAS|297

Helen Keller nasceu em 1880 e tornou-se surda e cega aos 18 meses de idade. Alguns meses antes da americana completar 7 anos, Anne Sullivan, uma professora de vinte e um anos, foi morar em sua casa para ensiná-la. Anne havia estudado na Escola Perkins para Cegos, pois, quando criança tinha sido cega, mas recuperou a visão através de nove operações. Através do alfabeto manual, Helen aprendeu sobre as palavras e seus significados. Aprendeu braille e aprendeu a falar sentindo as vibrações das cordas vocais. Adulta, formou-se bacharel em filosofia pela universidade de Radcliffe, aprendendo paralelamente, latim, francês e alemão. Escreveu diversos artigos para revistas e dezenas de livros, que foram transcritos em diversas línguas. Fez visitas e realizou conferências em 35 países, inclusive no Brasil. Recebeu diversos prêmios e condecorações. Helen morreu em 1968, aos 87 anos. Sua vida é contada no filme O milagre de Anne Sullivan.

Trazer um tema para discussão e propor a pesquisa a dicionários e enciclopédias de Libras63 sobre

diversos léxicos que se referem àquele tema;

Sugerir a confecção de um roteiro de perguntas para entrevistar um convidado surdo sobre

determinado tema. Exemplo: propor o tema ‘o surdo e o mercado de trabalho’ e entrevistar um

professor, um atleta, um artista, alguém que trabalhe numa empresa etc.;

Discutir sobre temas transversais, trazendo depoimentos em vídeos que tenham interpretação em

Libras;

Elaborar atividades que se relacionem com as outras disciplinas dos alunos, proporcionando assim,

um diálogo interdisciplinar. Exemplo: se o professor de Geografia está trabalhando as regiões

brasileiras, o professor de Libras pode organizar uma atividade sobre determinados traços culturais

das regiões.

c. Gêneros da esfera jornalística

São os gêneros textuais produzidos com o objetivo de informar ou formar opinião. São os produtos

da atividade jornalística, como: manchete, crônica jornalística, editorial, artigo de opinião, capas de jornal

63 A Enciclopédia Digital da Libras contém uma base de dados de 5.600 sinais com respectivos verbetes em Português e Inglês, descritos e ilustrados

em sua estrutura quirêmica (forma do sinal) e significado (referente do sinal). O sistema de localização de sinais permite buscar e localizar os sinais

com base nos parâmetros (mãos, dedos, local, movimento e expressão facial), possibilitando ao consulente surdo, o resgate de um sinal, a partir

dos elementos da estrutura quirêmica do sinal, não precisando dessa forma, do léxico em língua portuguesa, como habitual.

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LETRAS LIBRAS|298

ou revista, legenda, notícia, comentários, entrevista, reportagem, debate etc. A faixa etária da turma e o

nível de conhecimento da Língua de Sinais pelos alunos, devem ser determinantes na escolha das

atividades. Vídeos com temas que proporcionem uma reflexão mais madura devem ser trabalhados com

turmas mais avançadas em Libras.

A partir dos gêneros da esfera jornalística, o professor de Libras pode:

Selecionar imagens e fotografias de jornais e revistas e pedir para que os alunos expliquem o que

entenderam das matérias, a partir das ilustrações. O mesmo com matérias televisivas, que podem

ser passadas para os alunos interpretarem com base no que compreenderam das imagens;

Apresentar notícias jornalísticas em vídeo e pedir para que os alunos relacionem-nas a capas de

jornais e revistas que também discutam o evento;

Incentivar a discussão sobre os sentidos produzidos por capas de jornais;

Selecionar diversos jornais e pedir para que os alunos percebam a organização dos temas a partir

das fotografias, identificando assim, as diferenças entre os cadernos de política, esporte, cultura,

economia, moda etc.

Escolher temas da atualidade e levar vídeos de entrevistas, debates ou reportagens sobre eles,

orientando uma discussão ao final da apresentação;

Sugerir pesquisas a enciclopédias e dicionários de Libras, para esclarecimento de léxicos não

compreendidos em debates, notícias, entrevistas ou reportagens.

d. Gêneros da esfera literária

Já houve na história, várias classificações do gênero literário, sendo a mais comum, a que o divide

em três grupos: narrativo, lírico e dramático. São exemplos de textos narrativos: romance, fábula, novela,

conto, teatro, lenda, crônica, história em quadrinho, tiras etc. São exemplos de textos dramáticos: tragédia,

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LETRAS LIBRAS|299

comédia, tragicomédia, drama etc. São exemplos de textos líricos: elegias (poesias que expressam

sentimentos tristes), idílios (poemas breves com temática pastoril), ode ou hino (canções) etc.

A partir desses gêneros, o professor de Libras pode:

Mostrar sequências de figuras ou fotos e narrar contos;

Contar histórias infantis na versão original e depois na versão adaptada para a comunidade surda e

perguntar quais as diferenças;

Apresentar uma história como O patinho feio e depois disso, apresentar O patinho surdo. Depois

disso, apresentar uma história como Os três porquinhos e pedir para que os alunos, em grupo,

recontem a história acrescentando personagens surdos;

Sugerir a criação coletiva de um enredo para uma peça de teatro;

Mostrar sequência de imagens de determinado filme e pedir para que os alunos elaborem a

sinopse do filme.

Recitar poesias de poetas surdos ou sugerir que

os alunos recitem;

Recitar poemas ou letras de músicas e pedir

para que o aluno desenhe e pinte sobre o que

compreendeu e sentiu. O professor pode

perguntar ao final da atividade, o porquê da

escolha dos desenhos e cores empregadas,

comentando sobre as relações que se

estabelecem culturalmente entre as sensações

e as cores;

Trazer quadrinhos, tiras e charges e promover o

“recontar” das histórias mostradas;

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LETRAS LIBRAS|300

Trazer quadrinhos e ocultar os últimos quadros, pedindo para que os alunos apontem possíveis

desfechos, ou embaralhar os quadros e pedir para que os alunos apontem a sequência correta;

Levar cordéis de um tema específico, tipo: religião, futebol ou cangaço e promover “círculos de

interpretação” desses cordéis, que também podem ser encenados. Promover, a partir dessa

atividade, pesquisa sobre a variação regional da Língua Brasileira de Sinais.

e. Gêneros da esfera pública e profissional

Nessa esfera circulam gêneros importantes para a ampliação da consciência de direitos e deveres

para o pleno exercício da cidadania. São exemplos: debates, solicitações, leis, estatutos, entrevistas

profissionais.

A partir desses gêneros, o professor de Libras pode:

Pedir para que os alunos elaborem uma entrevista e façam-na com um adulto surdo;

Exibir debates políticos com interpretação em Língua de Sinais. Pedir para que os alunos assumam

uma posição diante do visto e discutam o tema;

Indagar sobre as intencionalidades existentes no debate exibido;

Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=z8UobQ5btDE

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LETRAS LIBRAS|301

Apresentar pontos importantes de estatutos e leis e pedir para que os alunos formulem perguntas

sobre o assunto;

Apresentar um estatuto e promover um debate sobre o tema;

Apresentar pontos importantes da legislação sobre a surdez, com o intuito de fazer os alunos

conhecerem seus direitos e questionarem sua aplicação;

RESUMO DA ÓPERA

1. Existem ações e posturas essenciais no aprendi-zado de Libras.

2. O trabalho de reflexão sobre a Libras deve pautar-se nos temas transversais.

3. Outras linguagens devem ser desenvolvidas no ensino de Libras, como a musical, a teatral e a visual.

4. O ensino de Libras deve ser contextualizado e partir do trabalho com os diversos gêneros textuais.

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LETRAS LIBRAS|302

UNIDADE IV

Orientações acerca do plano de aula e relatório de observação escolar

O plano de aula

O plano de aula é, normalmente, consequência das orientações do plano de ensino detalhadas no

projeto político pedagógico da escola. É a organização das atividades de ensino em etapas sequenciais que

possibilita, de certo modo, a sistematização das intenções do professor e do modo de executá-las. Um

plano de aula deve apresentar de forma simples e funcional, os objetivos da aula, os conteúdos a serem

ministrados, a metodologia adotada, as atividades propostas, os recursos didáticos que serão utilizados e

os métodos avaliativos escolhidos.

1. Dos objetivos

Referem-se às metas que o professor deseja alcançar com a aula. Os objetivos devem ser claros e

precisos, de forma a diminuir as várias interpretações. Devem iniciar com verbos no infinitivo, que atendam

aos diferentes níveis do domínio cognitivo:

a. conhecimento (conhecer, descrever, classificar, identificar etc.);

b. compreensão (compreender, diferenciar, discutir, deduzir etc.);

c. aplicação (aplicar, desenvolver, estruturar, organizar, selecionar etc.);

d. análise (analisar, comparar, diferenciar etc.);

e. síntese (sintetizar, especificar, esquematizar, formular etc.);

f. avaliação (avaliar, decidir, escolher, medir, selecionar etc.).

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LETRAS LIBRAS|303

Exemplos de objetivos retirados de planos de aula de Língua Brasileira de Sinais:

Possibilitar a ampliação do vocabulário em Libras por meio do trabalho com cores.

Reconhecer os sinais de figuras geométricas por meio de figuras, imagens e objetos.

Interpretar o vocabulário do texto, aplicando-o em frases com o uso da língua de sinais.

Propor um debate em Libras, depois da exibição de um filme.

2. Dos conteúdos

O conteúdo programático é o detalhamento dos assuntos a serem trabalhados na aula. Deve trazer

o tema a ser desenvolvido em consonância com os objetivos traçados. Para o ensino de Libras, conforme

orienta Quadros (2005), todo o currículo deve ser organizado numa perspectiva visual-espacial e deve

contemplar a história e os aspectos culturais dos surdos, não sendo apenas, uma tradução do currículo da

escola regular. Por isso, é importante que os conteúdos do currículo de Libras sejam organizados de forma

a ampliar o vocabulário em língua de sinais e propiciar o conhecimento da estrutura linguística da Libras,

tudo isso, em atividades discursivas e contextualizadas, que priorizem as atribuições de sentidos aos textos,

em detrimento de atividades mecânicas de memorização e repetição de sinais isolados.

3. Da metodologia

Esse tópico, no plano de aula, deve ser pensado em função dos objetivos traçados. É nesse item

que todo o planejamento é detalhado: conteúdos que serão trabalhados, atividades que serão realizadas,

recursos utilizados e tipos de avaliação escolhidos. É interessante que esse detalhamento apresente a

sequência da aula, servindo de roteiro para o professor. Na metodologia também devem constar a

introdução da aula, desenvolvimento do assunto, e fechamento, com aplicação de exercícios ou não. Esses

momentos devem ter a duração de tempo necessária para assimilação do conteúdo. Também podem ser

destacadas, nesse item, as finalidades específicas da aula: aula para exposição de conteúdo, aula para

discussão de temas, aula para trabalho em grupo, aula para estudo dirigido, aula de revisão para avaliação

etc.

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LETRAS LIBRAS|304

4. Das atividades

O cronograma de atividades é o item do plano de aula onde devem ser colocadas todas as

atividades que o professor pretende desenvolver na aula. É interessante que as atividades para o ensino de

Libras sejam visuais e estimulem o trabalho com as diferentes linguagens e gêneros textuais. A seguir, três

exemplos de atividades para o ensino de Libras, a partir de gêneros textuais.

a. Trabalho com o gênero fábula.

Apresentar, em cartolinas ou slides (dependendo do recurso disponível), uma sequência de

imagens que narrem uma fábula. Depois disso, apresentação dessa fábula em sinais. A partir da discussão

sobre os sentidos produzidos com a leitura, o professor pode trabalhar aspectos do vocabulário e

gramática a sua escolha.

b. Trabalho com o gênero receita

Convidar um adulto surdo ou que se comunique em sinais, para preparar uma receita e ensiná-la

aos alunos, em Língua de Sinais. Essa atividade pode ser realizada na cozinha da escola, com prévia

autorização dos gestores. Outra possibilidade, é convidar a cozinheira da escola para ensinar uma receita

que será interpretada pelo professor de Libras.

Fonte: http://amigasdaedu.blogspot.com

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LETRAS LIBRAS|305

c. Trabalho com o gênero poesia

Diversas poesias em Libras podem ser encontradas em vídeos na internet. O professor de Libras

pode fazer uma seleção de poesias interpretadas e exibir para seus alunos. É importante que se observe a

adequação das escolhas à faixa etária da turma e ao nível de proficiência em Libras. Em turmas avançadas,

o professor de Libras pode propor a elaboração individual ou coletiva de poesias em Libras, que devem ser

apresentadas à turma.

5. Dos recursos didáticos

Nesse item, devem ser incluídos os materiais e recursos que serão utilizados na aula. Esses devem

ser articulados em consonância com a metodologia. Na disciplina de Libras, as estratégias de ensino devem

ser vinculadas, principalmente, a recursos visuais. Assim, com o propósito de dinamizar sua aula,

incentivando o interesse e participação de seus alunos, é importante que o professor de Libras, além do

livro didático, utilize-se, sempre que possível, de imagens, fotografias e gravuras (em papéis, cartolinas,

projetores, slides), papéis, cola, tesoura, lápis de pintar, vídeos, objetos, jogos, entre outros recursos que

achar pertinente e adequado para a faixa etária de sua turma.

Alguns vídeos de poesias interpretadas disponibilizados na internet:

Mudanças. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=sHdy4Wmvj08.

O sapo não lava o pé. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=jIqwKCLsGeY&feature=related

As borboletas. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=7DRI58WeLHg&feature=related

Depois de um tempo. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?feature=fvwp&NR=1&v=AxqQUsV85sw

As estrelas. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=_ln2itDCpqA&feature=related

Homenzinho torto. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=4EBEBb0M7Yo&feature=related

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LETRAS LIBRAS|306

6. Dos métodos avaliativos

A avaliação é uma estratégia de verificação do rendimento do aluno. Pode ser feita no início de

uma aula, com o propósito de diagnóstico do conhecimento do aluno sobre dado assunto e no

desenvolvimento e fim da aula, com o intento de acompanhar o processo formativo. Pode-se avaliar a

partir de métodos informais, como perguntas no transcorrer da aula, trabalhos individuais e em grupo,

exercícios de verificação da aprendizagem e a partir de métodos formais, com o propósito de atribuição de

notas e conceitos.

O relatório de observação

Formatação geral do texto

O formato do texto deve seguir as normas

da ABNT (Associação Brasileira de Normas

Técnicas). Por isso, deve: ser digitado em cor preta,

em papel no formato A4 (21 cm x 29,7 cm), em

margens (esquerda e superior de 3 cm e direita e

inferior de 2 cm), em fonte Times New Roman ou

Arial, tamanho 12. O texto deve ser digitado com

espaçamento 1,5 entre as linhas. Os títulos com

indicação numérica devem ser alinhados à

esquerda da página. Os títulos sem indicação

numérica, como sumário, referências e anexos

devem ser centralizados.

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LETRAS LIBRAS|307

Elementos pré-textuais

a. Capa b. Folha de rosto

c. Sumário

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LETRAS LIBRAS|308

Elementos textuais

a. Introdução

Esse item tem o propósito de orientar a leitura do relatório. Nele, o leitor deverá encontrar as

informações fundamentais que serão desenvolvidas nos itens que seguirão. Por isso, é importante que o

aluno cite qual a escola visitada e relate, brevemente, as atividades desenvolvidas durante o processo de

visitação e observação realizado. Na introdução devem figurar, também, os objetivos da atividade de

observação, a justificativa para realização de tal atividade e os procedimentos metodológicos utilizados.

O relatório de observação do estágio supervisionado I, por ser um relato pessoal, deve ser escrito

na primeira pessoa do singular, em uma linguagem técnico-profissional, uma vez que, o texto deve trazer a

narrativa da preparação profissional do aluno/estagiário.

b. Desenvolvimento (atividades realizadas)

O desenvolvimento tem o propósito de expor detalhadamente as atividades desenvolvidas na fase

de observação do estágio. É fundamental que o aluno, nesse item, relacione as teorias aprendidas às

práticas observadas, relatando a experiência de forma objetiva, ao mesmo tempo em que traz as leituras

realizadas e uma reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas.

Os elementos observados devem estar em subtítulos, que devem trazer: a descrição detalhada da

escola (características físicas, atividades extracurriculares desenvolvidas, perfil de gestores, coordenadores

e funcionários, Projeto Político Pedagógico), a descrição da sala de aula e o perfil dos alunos que a

compõem, o perfil do professor de Libras, a descrição das aulas de Libras observadas e as características do

livro didático.

Não é demais repetir que é importante que o relato da observação relacione-se com as teorias que

embasam as práticas pedagógicas. O aluno pode e deve, também, trazer, nesse item, aspectos importantes

das entrevistas que realizou (se realizou) e suas impressões e avaliações da experiência vivenciada.

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LETRAS LIBRAS|309

c. Considerações finais

Nesse item é importante que o aluno analise a experiência de observação do estágio, como um

todo, retomando alguns pontos trazidos na introdução, como os objetivos e revelando se conseguiu, ou

não, alcançar as metas pretendidas. Também é interessante que o aluno apresente sua avaliação sobre o

estágio, apresentando, construtivamente, críticas positivas e negativas da vivência.

O aluno pode e deve trazer reflexões sobre a importância do estágio para sua vida profissional, e

quais as contribuições das teorias estudadas às atividades de observação e análise do espaço escolar.

Elementos pós-textuais

a. Referências

Nas referências, listam-se, em ordem alfabética, todas as obras consultadas para desenvolvimento

do relatório.

No site:

http://www.leffa.pro.br/textos/abnt.htm

você encontrará as normas da ABNT para formatação de citações e

referências de artigos, documentos, livros, dissertações, periódicos,

partes de publicações, jornais, filmes, sites, entre outros.

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LETRAS LIBRAS|310

b. Apêndices

Conjunto de materiais que complementam o texto com o fim de contribuir para as argumentações

apresentadas (é um elemento opcional). Podem ser fotografias, tabelas, gráficos, roteiros de entrevistas,

fluxogramas ou qualquer outro material produzido pelo autor do texto. É importante que os materiais

trazidos nos apêndices realmente complementem o texto, auxiliando sua plena compreensão e não sejam

apenas decorativos.

c. Anexos

Normalmente, no relatório de observação de estágio supervisionado é comum que sejam trazidos

os modelos de documentos que foram apresentadas à escola observada ou foram recebidos com o fim de

comprovar a presença e frequência do acadêmico na escola. Exemplos: ficha de avaliação na escola-campo,

carta de apresentação do acadêmico, declaração da escola, ficha de frequência na escola-campo, termo de

autorização, entre outros documentos.

PARA PENSAR: Há uma certa confusão entre o que deve ser trazido nos apêndices e o que deve aparecer nos anexos. Contudo, a ABNT é clara: APÊNDICE é texto ou documento elaborado pelo autor, a fim de complementar sua argumentação. ANEXO é texto ou documento NÃO elaborado pelo autor, que serve de fundamentação, comprovação e ilustração.

RESUMO DA ÓPERA

1. O plano de aula é importante para a sistematização das intenções do professor e do modo de executá-las.

2. No plano de aula devem estar presentes objetivos, conteúdos, metodologia, atividades, recursos didáticos e métodos avaliativos.

3. Existem normas técnicas para formatação do relatório e uma sequência definida para elaboração de um relatório de estágio.

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LETRAS LIBRAS|311

PALAVRAS FINAIS

Tivemos a intenção, com esse material de leitura, de acompanhá-lo nessa “aventura” que é o

primeiro contato com uma sala de aula e orientá-lo, na medida do possível, nesse caminho.

No Estágio Supervisionado I do curso de Letras/Libras, a palavra de ordem é OBSERVAR. Observar e

refletir sobre o ambiente escolar, sua estrutura física, atividades que nele acontecem, agentes envolvidos e

a complexidade das relações que esse ambiente comporta.

Não pretendemos, pois, apresentar um modelo estanque e fechado do que observar. Pelo

contrário, desejamos apenas ajudar-lhe com os primeiros passos, pois, aqui, VOCÊ é o pesquisador e é a

partir do seu olhar que compreenderemos sempre melhor a multiplicidade desse espaço de ensino-

aprendizagem chamado ‘escola’.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. LEI nº 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto Federal

nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclo do ensino fundamental: Língua

Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997.

KULCSAR, Rosa. O estágio supervisionado como atividade integradora. In: FAZENDA, Ivani Catarina Arantes

[et al.] A prática de ensino e o estágio supervisionado. 15 ed. Campinas, SP: Papirus, 1991. (Coleção

Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1992.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: A. P. Dionísio; A.R. Machado; M.A.

Bezerra (orgs.) Gêneros textuais e ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para Educação Infantil e Ensino

Fundamental: Libras/ Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME / DOT, 2008.

QUADROS, R. M. Avaliação da Língua de Sinais em crianças surdas na escola. Letras de

Hoje, v. 39, nº 3, 2004.

QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de Sinais Brasileira – estudos lingüísticos. Porto Alegre: ArtMed,

2004.