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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
AS REDES DE CONHECIMENTO E O PAPEL DE MEDIAÇÃO DO
ORIENTADOR EDUCACIONAL
Por: Thais Barcelos Dias da Silva
Orientador
Profª. Fernanda Carnavez
Rio de Janeiro
2012
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
AS REDES DE CONHECIMENTO E O PAPEL DE MEDIAÇÃO DO
ORIENTADOR EDUCACIONAL
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Orientação Educacional e
Pedagógica.
Por: . Thais Barcelos Dias da Silva
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a primeiramente ao meu pai que me possibilitou realizar esse curso e com isso estendo esse agradecimento a minha mãe e minha irmã.
Agradeço também ao meu companheiro, Luiz Rufino, que é sempre dedicado nesses momentos.
Aos meus tios Cláudio e Regina que muito me incentivam nessa profissão.
Agradeço aos meus colegas de trabalho da Escola Municipal Haydeia Vianna Fiuza de Castro.
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DEDICATÓRIA
Aos meus alunos da Escola Municipal Haydea Vianna
Fiuza de Castro
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RESUMO
Este presente trabalho tem como objetivo analisar as mudanças históricas que
ocorreram com a profissão de orientador educacional (GRINSPUM, 2002,
2008), aproximando sua atuação com a perspectiva de redes de conhecimento
(ALVES, 2008) e ecologias de saberes (SANTOS, 2002). Essas análises serão
entrelaçadas as vivências obtidas quando trabalhei em uma escola municipal
da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, que serão apresentadas através
das narrativas nos cotidianos desta escola. Situado no campo de pesquisa
nos/dos/com os cotidianos, este trabalho se propõe a discutir a diversidade de
conhecimentos e culturas existentes nos ambientes escolares.
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL – REDES DE CONHECIMENTO – ECOLOGIA
DE SABERES
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METODOLOGIA
A metodologia abordada nesse trabalho será a analise e articulação dos
conceitos produzidos por Nilda Alves e outros pesquisadores que trabalham na
perspectiva das pesquisas nos/dos/com os cotidianos, no que diz respeito, a
como é entendido a produção de conhecimento por esse grupo e a concepção
de orientação educacional trazida pela autora Mirían P. S. Zippin Grispun
(2008), onde o orientador não é visto apenas num papel alicerçado no perfil da
ajuda ao aluno em uma dimensão psicológica, mas sim no perfil de colaborar
com esse mesmo aluno na sua formação de cidadania (p .14).
Nesse trabalho também trarei minhas narrativas, na qual exponho
experiências vivenciadas na escola onde trabalhei, localizada na zona oeste da
cidade do Rio de Janeiro, numa comunidade de baixa renda, chamada Vila
Paciência, pejorativamente chamada de Favela do Aço.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................ 8
CAPÍTULO I-Breve histórico sobre a orientação educacional ..11
CAPÍTULO II – Os muitos fios e nós das nossas redes de conhecimentos e significações .................................................. 16
CAPÍTULOS III – O papel do orientador educacional na perspectiva dos conhecimentos em redes e na aplicação da ecologia de saberes .................................................................... 24
Cultura da favela e escolas ......................................................... 26
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 32 ÍNDICE DE IMAGENS .................................................................. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................. 34
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INTRODUÇÃO
Esse estudo, que venho apresentar como trabalho de conclusão do
curso de especialização em Orientação Educacional e Pedagógica, tem como
objetivo principal analisar o papel do orientador educacional, entendendo-o
como um dos mediadores dos múltiplos saberes e conhecimentos existentes
dentro da escola, estejam eles presentes nos currículos oficiais ou aqueles que
estão na escola de maneira “oculta” ou até mesmo invisibilizada. São os
conhecimentos que na maioria das vezes são trazidos pelos próprios
educandos e pela comunidade na qual a escola está inserida e que
dependendo das características dessa comunidade escolar, acabam se
chocam com os valores e conhecimentos que aprendemos como sendo
hegemônicos da sociedade.
Esse trabalho num primeiro momento fará um breve histórico da carreira
de orientação educacional no Brasil, passando pela fase onde os estudos da
psicologia tinham uma forte importância para área até uma prática da
orientação educacional que esteja preocupada com a contextualização da
realidade social-cultural-econômica do educando.
É questionado também nesse trabalho a maneira como produzimos
conhecimento, assumindo aqui os processos de tessituras de redes de
conhecimentos e significações (ALVES, 2008). Sendo esses conhecimentos
não só produzidos nos ambientais formais de ensino, mas nos mais diferentes
lugares. Sabendo que a nossa sociedade acaba verticalizando saberes e
conhecimentos, legitimando assim aqueles que terão de mais valor, como a
escola pode ajudar nessa horizontalização de conhecimentos e saberes,
caminhando assim para o Boaventura de Sousa Santos chama ecologia de
saberes (2002).
No último capítulo desse trabalho farei ligação entre como pensar uma
escola que respeite uma perspectiva educativa a partir da noção de redes de
conhecimento, sendo o ambiente escolar um espaço de comunicação e
interação entre os múltiplos saberes, não deixando de lado aqueles
conhecimentos eleitos como “universais” e indispensáveis para o convívio na
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sociedade contemporânea, dessa forma esses se caracterizam como um
direito nos quais todos os indivíduos detêm, pensarei também qual o papel da
orientação educacional nesse processo de democratização dos saberes.
Levando em conta o tipo de orientador educacional pensado pela autora Mírian
Grinspun (2008), na qual o orientador tem um papel político de mediação. Não
cabe mais a concepção de que orientador enclausurado nas salas do SOE1,
tendo sua atuação limitada a resolver problemas de alunos indisciplinados,
muitas vezes, desenvolvendo trabalho apenas de caráter psicológico.
GRINSPUN traz uma concepção de um orientador que esteja preocupado com
a formação cidadã desses educandos; sendo essa formação permanente e que
perpassa por todos que estão inseridos e fazem parte da escola (professores,
pais, funcionários), o profissional da orientação deve estar sempre em diálogo
com os educandos e demais profissionais da instituição.
As articulações teóricas serão, ao longo de todo trabalho, entrelaçadas
também com as experiências vividas por mim durante o tempo que estive
trabalhando na comunidade de Vila Paciência, localizada no bairro de Santa
Cruz, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Essa comunidade se caracteriza
por ser uma comunidade de baixa renda, tendo um dos piores Índices de
Desenvolvimento Humano da capital, é constante também a presença do
tráfico no local, sendo considerado um dos lugares mais perigosos da zona
oeste.
O intuito é trazer através dessas experiências reflexões que contribuam
para se pensar sobre as hierarquias entre os conhecimentos locais e os
conhecimentos globais, previamente legitimados como mais valorosos e qual o
papel da escola e de seus funcionários nessa relação.
Além das narrativas produzidas mim, trago também as narrativas
imagéticas do fotógrafo francês Robert Doisneau (1912-1994) que tem diversas
lindas imagens que retratam os cotidianos das escolas francesas na época da
Segunda Guerra Mundial. Diferente das imagens que focam a sala de aula, o
enfileiramento das crianças nas cadeiras prestando atenção, a professora ao
lado do quadro negro dando as lições, com intuito de mostrar e resumir a esse
espaço da sala de aula como o único espaço aprendizagem, ou pelo, menos o
1 Serviço de Orientação Educacional
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mais privilegiado. Doisneu traz outras imagens na qual retrata os outros
espaços da escola e as outras relações tecidas nas escolas, muita vezes,
negligenciado por nós e visto como menores. Essas imagens, nesse trabalho,
servem como potencializadores para se pensar nos múltiplos sabres que estão
sendo tecidos na durante todo tempo na escola.
Figura 1 – Robert Doisneau
11
CAPÍTULO I
BREVE HISTÓRICO SOBRE A ORIENTAÇÃO
EDUCACIONAL
Esse capítulo trará um breve histórico sobre o papel da orientação
educacional no sistema educacional brasileiro, passando pelas leis que a
originam e regulam essa profissão. Será também trabalhado um panorama das
correntes teóricas que influenciaram a prática da orientação educacional
através dos tempos.
Como nos Estados Unidos, a orientação educacional tem seu
surgimento no Brasil muito ligado à orientação vocacional, ou seja, ao trabalho
de ajudar o educando na escolha de seu lugar social pela profissão. Segundo
GRINSPUN (2002) a orientação educacional teria seu início no Liceu de Artes
de Ofícios de São Paulo em 1924. Entretanto, autores como NERÉCI (1976)
apontam como marco do surgimento da orientação educacional no Brasil a
criação do “Serviço de Orientação Profissional e Educacional”, criado pelo
então diretor do Departamento de Educação do Estado de São Paulo,
Lourenço Filho, em 1931, na qual tinha como principal objetivo guiar os
indivíduos na escolha de sua profissão. Experiências isoladas como no Colégio
Amaro Cavancanti, no Rio de Janeiro, também são lembrada por GRINSPUN
(2002) como um grande incentivador para a implantação da orientação
educacional no Brasil.
Entretanto, é apenas em 1942, com Gustavo Capanema, ministro da
Educação e da Saúde Pública2 do governo de Vargas, que é aprovado a Lei
2O Ministério da Educação (MEC) é um órgão do governo federal do Brasil fundado no decreto n.º 19.402, em 14 de novembro de 1930, com o nome de "Ministério dos Negocios da Educação e Saúde Publica", pelo então presidente Getúlio Vargas. Em 13 de janeiro de 1937 passou a se chamar Ministério da Educação e Saúde e suas atividades passaram a ser limitadas à administração da educação escolar/educação extra-escolar e da saúde pública/assistência médico -social.Em 1953, o governo federal cria o Ministério da Saúde e tira do Ministério da Educação e Saúde as responsabilidades de administração destinadas a ela. A partir daí é que passa a se chamar oficialmente de MEC - Ministério da Educação e Cultura (vide Lei n.° 1.920, de 25 de julho de 1953).Em 15 de março de 1985 foi criado o MinC, Ministério da Cultura, pelo decreto 91.144. Informação tirada do site do Wikipédia
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Orgânica do Ensino, onde se vê explicitamente referências a Orientação
Educacional. Sua função seria de caráter corretivo e direcionado para atender
os alunos problemas. Também caberia ao orientador educacional o papel de
esclarecer as dúvidas dos educandos e orientar seus estudos para que
autonomamente buscassem sua profissionalização. GRINSPUN (2008) nos
fala que no período institucionalizado de 1942 a 1960 houve um grande esforço
do Ministério da Educação e Cultura para dinamizar a Orientação Educacional
nas escolas e formar os profissionais que atuariam como orientadores, tendo
estes profissionais que fazer um curso que lhes dariam a habilitação em
orientação educacional.
A Lei de Diretrizes de Bases nº 4024 de 1961 reafirma a existência do
profissional em Orientador Educacional, como podemos observar no Título VIII,
Da Orientação Educativa e da Inspeção, porém seus artigos apenas se limitam
a falar sobre a formação dos orientadores educacionais do que o conceito e a
função que esse profissional desempenharia na escola.
Em seu texto A orientação educacional - uma perspectiva
contextualizada, GRINSPUN (2008) aponta a década de 1960 como um
importante período de para a profissão devido aos inúmeros eventos,
seminários, encontros e congressos sobre o tema. Indicando uma forte
influência da psicologia na prática e na teorização da orientação educacional.
Na década de 60, em que floresceu o aspecto preventivo da orientação Educacional, a escola vivia o seu momento de grande importância, uma vez que a educação seria responsável pelo desenvolvimento do país. (GRINSPUN, 2008, p. 18)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação n º 5692 de 1971 determina a
obrigatoriedade da atuação do orientador educacional nas escolas, incluindo o
aconselhamento vocacional em cooperação com os professores, a família e a
comunidade, como previsto no art.º 10 do Capítulo I. Esse é um período de
contradição para a orientação educacional, pois ao mesmo tempo em que os
orientadores alcançam uma maturidade, reconhecendo e refletindo sobre suas
funções e práticas profissionais, na qual não querem mais se limitar apenas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_(Brasil) Acesso em 19 de set de 2011.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_%28Brasil%29
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atuarem nos problemas disciplinares dos alunos, as legislações pensadas em
harmonia com o sistema vigente - ditadura militar –normatizam a profissão
dando um caráter meramente disciplinador e comportamentalista.
Apesar de a diretriz da Orientação assinalar para
uma visão mais sociológica e coletiva, a legislação dos profissionais da área compromete-os com atribuições e funções voltadas para a Psicologia. (GRINSPUN, 2008, p, 19)
É no período de 1971 a 1980 que surge lei que obriga a
profissionalização do ensino, entretanto existe uma enorme dificuldade para se
implementar esse fato, que vai desde a falta de recursos materiais a falta
profissionais formados para sua aplicação. Dentro desse panorama cabia ao
orientador educacional mostrar aos alunos as benesses do sistema aberto às
suas potencialidades e aptidões (GRINSPUN, 2008, p, 19). A implementação
dessa profissionalização foi tão desorganizada que todo esse processo foi
marcado por constantes mudanças, inicialmente o ensino era técnico, depois
foi auxiliar técnico e no final o ensino terminou com habilitação básica,
entretanto a função da orientação educacional era sempre ligada à escolha da
profissão. Há todo modo momento cabia à orientação realizar o
aconselhamento profissional aos estudantes, entretanto, essa autora nos alerta
que na realidade essa função era apenas de caráter informativo.
Nomeada por Mirían Grunspun (2008) por Período questionador, a
década de 1980 é permeada por fortes questionamentos a Orientação
educacional, tanto em termos da formação de seus profissionais quanto da
prática realizada (p.20). Sendo um período de forte influência das teorias
críticas, com bases marxistas, a educação passa pensada numa dimensão
mais ampla, não a desassociando das questões sociais, econômicas e
políticas. A orientação educacional segue esse mesmo caminho crítico, busca
se desvencilhar de suas funções de atender alunos-problemas e vai com um
tempo ostentando um caráter mais técnico articulado com um compromisso
político.
Os orientadores procuram evidenciar a contribuição da Orientação em uma escola pública que se quer
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democrática e de qualidade. Cada vez mais próxima dos laços pedagógicos, a Orientação procura encaminhar-se na direção dos problemas macroeducacionais.. (GRINSPUN, 2008, p. 21)
CAZELA (2002) faz um balanço da década de 1980, segundo ela, esse
foi o período na qual os orientadores educacionais pensaram e discutiram
muito sobre sua profissão e seu papel na educação, entretanto esses avanços
foram vistos nas teorias, a prática continuou baseada nos mesmo
pressupostos.
Depois do período questionador (década de 80), os anos 90 até os dias
atuais vêm com uma característica mais mediadora, por isso é chamado de
Período orientador por GRINSPUN (2002). Para ela, atualmente, a orientação
possui uma função mais mediadora junto ao demais educadores da escola.
Da ênfase dada aos aspectos psicológicos e comportamentais do
educando passa-se a trabalhar com base no coletivo, levando em consideração
que este é formado diferentes sujeitos, que carregam consigo pensamentos,
valores, culturas, contextos sociais diversos.
Com a Lei de Diretrizes e Bases nº 9394 de 1996 a obrigatoriedade da
atuação do orientador educacional é extinta. Entretanto, ainda consta que
esses profissionais, como orientadores e supervisores educacionais,
administradores, inspetores, serão formados através de cursos de graduação
ou nível de pós-graduação.
Com essa revogação do caráter obrigatório da orientação educacional
muitos acreditavam que essa função seria eliminada na escola. Entretanto,
GRINSPUN (2008) aponta sieis argumentos de porque essa função nunca
deixará de existir. Destacarei aqui as três que considero principais.
• Primeiro, ela não deixará de existir, pois nunca deixará de existir a educação, e elas estão ligadas a tal ponto que o próprio conceito etimológico de educação se compromete, enquanto educare, com a Orientação, isto é, refere-se a orientar, guiar, conduzir o indivíduo;
• Segundo, porque o centro do processo educacional é o aluno e sempre ele foi o campo de trabalho da orientação;
• Terceiro, porque caminhamos, em todas as ciências, e também na área das ciências humanas, para as especializações que atendam com mais prioridade e segurança aos seus intentos – não é substituir o
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professor por outro profissional, mas sim ajudar esse professor no seu campo de ação. (GRINSPUN, 2008. p.26)
Fecho esse capítulo com uma charge de Francesco Tonucci3,
para que assim iniciemos os próximos capítulos com a reflexão de que
tipo de escola e de prática para orientação educacional queremos e
precisamos.
Figura 2- Francesco Tonucci
3Nasceu em Fano, uma pequena cidade da região de Marche, na Itália, em 5 de julho de 1940. Graduou-se em pedagogia em 1963. Desde 1968, com o pseudônimo FRATO, desenha charges e quadrinhos que acompanham a atividade de pesquisa e que são a expressão mais imediata e contundente da realidade
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CAPÍTULO II
OS MUITOS FIOS E NÓS DAS NOSSAS REDES DE
CONHECIMENTOS E SIGNIFICADOS
Ninguém é proprietário de um conhecimento, mas sim responsável por um dos fios necessários á tessitura de unir o tapete de saberes e fazeres que só existirá com a
troca/traçado de todos os fios necessário. ( ALVES & GARCIA, 1999, p.91)
Figura 3 – Robert Doisneau Inicio esse capítulo com a epígrafe de Nilda Alves e Regina Leite Garcia
e mais uma imagem de Doisneau, como dois potencializadores para pensar a
produção de conhecimento na perspectiva das redes. Entretanto, para um
melhor entendimento, anterior à explicação do que seja o conceito de
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conhecimento em rede, faz-se necessário explicitar a ideia que essa
perspectiva vem contrapor que é a concepção arbórea de construção de
conhecimento, surgida entre séculos XVI e XVIII, data chamada pela história de
modernidade.
Tentando romper com as ideias medievais estruturada no pensamento
religioso, o mundo moderno foi um período de grandes mudanças sejam:
sociais, econômicas e culturais. Foi o momento da implementação e
consolidação do capitalismo, tendo como marco a revolução industrial, e da
revolução científica, onde as explicações do mundo passariam não ser mais
dada pelos conhecimentos religiosos, mas sim pelo científico. Porém, para que
a ciência se solidificasse era preciso criar métodos que garantisse a veracidade
aos novos conhecimentos. O método que mais influenciou esse período foi o
Cartesiano, nomeado assim por ter sido produzido por René Descartes. Sendo
o “pai do racionalismo”, Descarte instituiu a dúvida para o novo pensamento:
algo só pode existir se puder ser comprovado. E para que haja essa
comprovação é preciso passar por quatro regras básicas:
• verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada;
• analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades mais simples e estudar essas coisas mais simples;
• sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro;
• enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.4
O método cartesiano trouxe a ideia de construção de conhecimento, ou
seja, é necessário que se passe por um caminho obrigatório para que
alcançemos um determinado conhecimento. Essa forma de “construir” o
conhecimento é que vai possuir uma grafia em árvore, que pressupõe um
caminho obrigatório, único, linear e hierarquizado (ALVES, 2008, p. 92). Essa
ideia cartesiana teve grande consequência no pensar pedagógico,
principalmente no campo currícular, com sua estruturação em disciplinas, na
qual segue a lógica linear, hierárquica e obrigatória. Já que o educando só
pode passar para a outra fase do estudo se concluir com êxito as séries
4 Trecho retirado no sítio Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes .
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes
18
anteriores, consideradas mais simples. Sendo também obrigatório que todos
percorram as mesmas séries e conhecimentos para que assim se alcance os
conhecimentos necessários para a vida em sociedade.
Observando os cotidianos e assumindo a premissa que o indivíduo
aprende por toda a vida em diferentes lugares, os pesquisadores que se
propõem “mergulhar” nos/dos/com os cotidianos - destacando Nilda Alves e
Regina Leite Garcia pela sua trajetória dentro desse campo de pesquisa -
assumem uma outra perspectiva no que se trata a produção de conhecimento:
as redes de conhecimento e significações.
Os processos desenvolvidos pelas e nas novas ciências de ponta – informática e comunicação, em geral – como engenharia genética ou os estudos sobre cidades, por exemplo – que indicam e estão impondo uma outra grafia no que se refere à criação do conhecimento: a rede. Esta substitui a idéia de que o conhecimento se “constrói” daquela maneira ordenada, linear e hierarquizada, por um único e obrigatório caminho, pela idéia de que, ao contrário, não há ordem nessa criação – ou que ela só pode ser percebida e representada pelo pensamento a posteriori da própria criação. A linearidade e a hierarquização dão lugar a “múltiplas conexões e interpretações produzidas em zonas de contatos móveis” (LEVY, 1993). Isso tudo corresponde a um número imenso de caminhos possíveis. A grande diferença da grafia em árvore é que a grafia em rede é escrita a partir da consideração de um valor diferente, o da prática social (LEFEBVRE, 1983). Trata-se, assim, de dar à prática a dignidade de fatos culturais e de espaço de criação de conhecimento, que não são “tecidos” na teoria e que são tão importantes, para os homens, como os conhecimentos que nesta são “construídos” (ALVES, 2008, p. 94).
Assumir a concepção da produção de conhecimento em redes é pensar
de maneira diferente para os processos e as relações tecidas nos cotidianos. É
fugir da ideia propagada pela música do Chico Buarque – em minha opinião -
erroneamente chamada de Cotidiano. Nela o autor fala: “que todo dia ela faz
tudo sempre igual”, mostrando que o cotidiano seria apenas um espaço de
repetição e reprodução. Igualando o cotidiano a meras atividades de rotina.
Essa concepção de resumir os cotidianos apenas a repetições não é
exclusividade apenas do campo musical, tendo em vista existem outras
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músicas que retratam os cotidianos dessa mesma maneira, mas dentro das
pesquisas educacionais também encontramos muitos trabalhos na qual
resumem o dia-a-dia da escola a ser apenas como um espaço reprodução e
repetição; o pior uma reprodução que constantemente levaria ao fracasso, já
que esse é o principal resultado que as pesquisas hegemônicas difundem. Na
qual, caberia à professora5 o papel de propagadora da reprodução e o “aluno”
de receptor dessa reprodução.
Os estudos nos/dos/com os cotidianos tomam e mostram esses
cotidianos como espaços de fazeres e criações. Já que, dialogando com
Certeau (1994) todos somos praticantes. Esse autor formula a ideia de
praticante, com base em pesquisas que se debruçaram na vida cotidiana.
Segundo Certeau os indivíduos não seriam passivos a regras e produtos
hegemônicos, num processo de criação cotidiana esses indivíduos dariam
outros usos para essas produções. Como nos fala Oliveira (2011) nessa
citação,
Os praticantes da vida cotidiana, portanto, embora estejam inscritos em um mundo cujas regras não são estabelecidas por eles, usam essas regras de modo próprio, intervindo, inclusive, sobre novas definições normativas, entendendo-se estas últimas como produtos de negociações de sentidos entre instâncias e grupos sociais (p.28)
Certeau exemplificando os processos de como ocorrem às práticas
cotidianas, faz uma analogia com as lógicas dos jogos e dos contos populares.
Na qual existiriam regras estabelecidas, entretanto caberá a cada jogador ou
narrador utilizar a melhor maneira essas regras. Analisando os estudos de A.
Régnier, Lévi-Strauss e Greimas quando esses tratam dos contos e lenda
populares. O autor discorda da ideia que essas histórias poderiam ser apenas
entendidas e destacadas em unidades estáveis e coerentes, ou seja, que
esses contos se resumiriam em “fórmulas\regras comuns” das ações utilizadas
por esses praticantes. Certeau utiliza os estudos de Vladimir Propp, que faz
análise das táticas, mostrando as inúmeras combinações de práticas existentes
5 O uso da palavra professora no feminino é proposital, tendo em vista que essa profissão se caracteriza por ter um perfil feminino.
20
que nesses contos. Entretanto não nega que nesses contos poderíamos
encontrar uma certa formalidades das práticas, na qual chamou de discursos
estratégicos do povo.
A novidade ainda nova de Propp reside na análise das táticas cujo inventário e cujas as combinações se encontram nos contos, na base de unidade elementares que não são nem significações nem seres, mas ações relativas a situações conflituais. Com outros mais tarde, essa leitura permitiria reconhecer no contos os discursos estratégicos do povo. Daí o privilégio que esses contos concedem à simulação⁄dissimulação. Uma formalidade das práticas cotidianas vem à tona nessas histórias, que invertem frequentemente as relações de força e, como as histórias de milagres, garantem ao oprimido a vitória num espaço maravilhoso, utópico. Este espaço protege as armas do fraco contra a realidade da ordem estabelecida. (CERTEAU, p.80)
O interessante é pensar a linha tênue entre o que seriam táticas e
estratégias. Na maioria das vezes, resumimos a estratégia como sendo um
espaço do hegemônico, do poder instituído e as táticas como as práticas/usos
dos praticantes no terreno do outro/ do instituído, ou seja, seria a resposta dos
“fracos”. Porém, o que vemos é que esses conceitos não estão apenas
relacionados ao grupo social na qual estamos nos referindo mais também à
situação que estamos analisando.
Com base na ideia que os cotidianos também são espaços de
(re)criações, Inês Barbosa de Oliveira, pesquisadora nos/dos/com os
cotidianos, propõe se pensar os currículos como criação cotidiana (2011),
tendo em vista que mesmo que os seguindo os currículos oficiais cada
professor(a)-educando(a), em relação (re)criaram esses conhecimentos a sua
maneira com base nas suas redes, ou seja, criaram novas alternativas
curriculares.
O cotidiano, assim entendido, aparece como um espaço privilegiado de produção curricular, para além do previsto nas propostas oficiais. Especialmente no que diz respeito aos processos de ensino-aprendizagens, as formas criativas e particulares através das quais professoras e professores buscam aprendizado de seus alunos avançam muito além daquilo que poderíamos
21
captar ou compreender pela via dos textos que definem e explicam as propostas do curso. Cada forma nova de ensinar, cada conteúdo trabalhado, cada experiência particular só podem ser entendida junto ao conjunto de circunstâncias que a torna possível, o que envolve a história de vida dos sues sujeitos em interação, sua formação e a realidade local específica, com as experiências e saberes anteriores de todos, entre outros elementos da vida cotidiana. Pensar em alternativas curriculares a partir dessa forma de percepção nos encaminha para um diálogo sem preconceitos com os educadores que, estando nessas escolas, produzem saberes e criam currículo, cotidianamente. (OLIVEIRA, 2002)
Admitir que os currículos são criações cotidianas é dar visibilidade para
inúmeros conhecimentos, saberes e práticas que ainda hoje são visto de
maneira menor ou até mesmo ignorados, já que caberia ao professora apenas
o papel de aplicador desses conteúdos. É reafirmar a autonomia dessas
professoras e professores, reconhecendo que esses são produtores e
pensadores de suas práticas.
Acusada, muitas vezes, das pesquisas nos/dos/com os cotidianos serem
românticas, otimistas e até mesmo ingênuas. A resposta que se tem a essas
acusações é que antes de tudo essas pesquisas têm um cunho político, de
valorização de uma prática e de um profissional que durante muito tempo vem
sendo bombardeados e taxados como fracassados e incapazes. As pesquisas
que os pesquisadores cotidianistas são falseiam dados e situações, elas
simplesmente invisibilizam práticas e conhecimentos que já estão na escola e
que devem ser divulgadas e valorizadas, para que assim elas alcancem mais
pessoas, contribuindo para surgir outras práticas, conhecimentos e valores,
pois estamos em rede.
Não podemos esquecer a precarização que o sistema educacional
brasileiro vem sendo submetido durante décadas: dos altos índices de
analfabetismo, que mesmo alcançando a quase universalização do ensino
básico, ainda temos grandes números de crianças e jovens que ainda não
dominam o código da escrita; da enorme defasagem série/idade de nossos
educandos; o grande número de evasão escolar; da falta de professores
22
qualificados; da má renumeração dos profissionais de educação entre outros
problemas graves que afetam os estabelecimentos de ensino-aprendizagem.
Esses são problemas que fazem parte dos cotidianos das escolas e por
isso, são considerados em nossas pesquisas. Entretanto, o que não podemos
fazer é transportar o fracasso de como nosso sistema educacional é
gerenciado para nossos professoras/professores e alunas/alunos.
Sabemos que não são todos os conhecimentos e práticas tecidas nas
escolas que não presam pela emancipação, existem muitas que visam serem
conservadoras e autoritárias. Podemos dizer até mesmo que conservadorismo
seja hegemônico, entretanto, não podemos colocar esse rótulo em todas as
escolas.
Nesse capítulo foi trabalho o conceito de cotidiano como um lugar de
(re)criações, fugindo da ideia um espaço apenas de reprodução. Então, tendo
como ideia essa diversidade de cotidianos, temos que aceitar o pensamento de
termos uma pluralidade de escolas, já que dentro de uma mesma escola temos
multiplicidades de práticas. E é através dessas muitas e diversas práticas que
cada escola é tecida.
Comecei esse capítulo com uma epígrafe de Alves e Garcia, e uma
imagem do fotógrafo Doisneau visto que elas me confirmam a ideia que a
escola só pode ser percebida como um lugar de produção coletiva cotidiana.
Tomando com referencia as fotografias de Doisneau, devemos tentar resgatar
um pouco mais das imagens dos cotidianos dessas escolas, muitas vezes,
menosprezadas pelas pesquisas educacionais. Pois elas “carregam” em si
muitos conhecimentos e saberes existentes, que na grande maioria, não é
reconhecido com tal.
Antes de julgarmos e dizermos as escolas o que elas devem ser e como
elas devem fazer é preciso compreender o que acontece lá.
23
Figura 4 – Robert Doisneau
24
CAPÍTULO III
O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL NA
PERSPECTIVA DOS CONHECIMENTOS EM REDES E
NA APLICAÇÃO DA ECOLOGIA DE SABERES
Meu bom doutor, O morro é pobre e a pobreza não é vista com franqueza Nos olhos desse pessoal intelectual Mas quando eu alguém se inclina com vontade Em prol da comunidade Jamais será marginal (MEU BOM JUÍZ – Bezerra da Silva) Como é que essa gente tão boa É vista como marginal Eu acho que a sociedade Tá enxergando mal... Favela,ô Favela que me viu nascer Eu abro o meu peito e canto o amor por você. Favela,ô Favela que me viu nascer Só quem te conhece por dentro Pode te entender... (FAVELA – Leandro Sapucaí) Meu nome é favela é do povo do gueto a minha raíz Becos e vielas Eu encanto e canto uma história feliz De humildade verdadeira Gente simples de primeira (MEU NOME É FAVELA – Arlindo Cruz)
Na elaboração de ideias e conceitos que contemplem as questões
pertinentes ao campo dos estudos sobre cultura e educação, muito nos agrada
as tecidas por Larraia (2004) e Brandão (1995). O primeiro se apropria de uma
metáfora que apresenta a noção de cultura como lentes, essas que uma vez
utilizadas servem para os indivíduos, através delas, ler o mundo. Larraia,
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também destaca que o uso dessas “lentes” condiciona a nossa visão, ou seja,
temos a tendência em considerar nosso ponto de vista como único ou
predominante. O autor acrescenta a reflexão que, lentes distintas proporcionam
múltiplas possibilidades de perceber o mundo, dessa forma nos mostra que
reconhecermos a cultura, os qual pertencemos como a melhor é apenas uma
perspectiva etnocêntrica, que não dá conta da multiplicidade de referenciais
culturais presentes no mundo.
Brandão (1995) nos sugere que os processos educativos se dão
na cultura que diferentes matrizes culturais relacionam distintas formas de
produzir conhecimento e transmiti-los, essa perspectiva propõe uma não
dicotomia entre a educação e a cultura. Nesse caso os processos educativos
se dão no espaço social, na interação entre os indivíduos em distintas formas
de pertencimento, de leitura do mundo e de atribuição de sentido. Culturas
distintas produzem bens simbólicos e valores sociais distintos, compreendem e
são capazes de fazer uma determinada leitura a partir de suas redes de
significações, o fato é que, quanto mais essas possibilidades de interpretação
diferem das eleitas e tidas como normas, essas formas de leitura de mundo
são discriminadas e marcadas como não válidas.
A articulação das ideias desses dois autores apresentadas acima,
vem contribuir para uma reflexão acerca das diferentes formas de saber e de
representação da realidade que estão presentes dentro e fora do espaço
escolar e que insistidamente são produzidas como não existentes. Dessa forma
quando um aluno vira para seu professor e fala é nós! Esse está sinalizando
algo para além do que muitas vezes o repertório discursivo do professor
reconhece como pertinente. Nesse caso cabe a correção a norma culta da
língua portuguesa, nos diz que o “certo” é nós somos, porém cabe
relativizarmos e não esvaziarmos os outros aspectos que circunscrevem essa
terminologia. Porém para compreendermos essa complexidade é necessário
nos colocarmos no lugar de escuta atenta, reconhecermos que nas relações
com o outro somos constantemente deslocados para a condição de
estrangeirismo, que é possível se ter uma compreensão e outras explicações
de determinadas questões lançadas a partir de outros pontos de vista que
pressupões outras redes de saberes.
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Para o fortalecimento das perspectivas lançadas acima trazemos
duas considerações de Santos (2002) a primeira é a que ele nos lembra que,
toda prática social é uma prática de saber. O segundo ponto é quando nos
sugere que não é possível uma justiça social sem que se tenha uma justiça
cognitiva.
Cultura da favela e a escola: Algumas questões acerca das
invisibilidades no cotidiano escolar
Cidade dos Homens, série passada em uma das emissoras da
televisão brasileira, retratava a vida de dois meninos moradores de
comunidade do Rio de Janeiro, na qual apresentava suas relações com
diferentes espaços e personagens sociais; sejam as relações tecidas em
diferentes lugares da própria comunidade e as vivenciadas no que dentro da
comunidade é nomeado de “asfalto”, sendo esse composto por diferentes
lugares: a rua, a praia, o shopping e entre outros, a escola. A série nos ajuda a
potencializar algumas reflexões sobre as relações traçadas entre uma cultura
local, que nesse caso chamaremos de cultura da favela - no qual mais a frente
aprofundaremos a discussão sobre a escolha dessa terminologia - e uma
cultura hegemônica, chamada dessa forma por tentar se reconhecer como a
única possibilidade de explicação do mundo e tentando tornar invisível
qualquer outra forma de manifestação.
Figura 5 – Imagem retirada do site youtube
http://www.youtube.com/watch?v=vIliPChFgRs
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No episódio Coroa de Imperador televisionado em outubro de 2002, uma
de suas cenas retrata a tradução do conhecimento dito escolar para uma leitura
a partir das redes de conhecimento do personagem, Acerola. Em uma comum
sala de aula de uma escola pública, a professora informa a seus alunos que
eles não iriam ao passeio programado para ver a coroa do imperador, já que
eles não sabiam a matéria que tinha sido trabalha na aula anterior. Tentando
garantir o passeio tão esperado e batalhado por todos, Acerola, um dos
protagonistas da série, pede a professora uma chance para mostrar que
sabiam o que tinha sido estudado. Utilizando de uma experiência narrável
(BENJAMIN, 1994), que é carregada de significados construídos e
compartilhados a partir de uma vivencia coletiva em um determinado local, o
personagem mostra que compreende o conteúdo, fazendo sua relação com as
experiências vividas no seu cotidiano. No episódio, o aluno protagonizado pelo
personagem Acerola faz uma associação da expansão do Império Napoleônico
com as disputas de territórios pelas diferentes facções responsáveis pelo
tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Acerola em sua fala faz a relação entre a
disputa territorial e diferentes questões impulsionada pela lógica do mercado.
A cena destacada no parágrafo acima nos propõe uma reflexão
sobre algumas questões a cerca dos cotidianos escolares e as múltiplas redes
de conhecimentos existentes nesses espaços, principalmente as situadas nas
escolas em áreas de favelas. Nesse caso percebemos um fator determinante,
que é o fato de a professora ter se colocado no lugar de uma escuta atenta.
Destaco a importância desse fator, já que em muitas das vivencias no cotidiano
escolar, não nos atentamos para isso. Há uma tentativa da prática escolar de
elencar os conhecimentos reconhecidos como mais valorosos, a opção na
transmissão desses saberes é orientada a partir de uma lógica hierárquica
sancionada socialmente. Nesse fazer o conhecimento que é direcionado aos
educandos quase sempre não dialoga com os seus saberes locais, assim os
invisibilizando.
A nossa tentativa nesse texto é apresentar algumas experiências
vivenciadas em escolas públicas de favelas que vão ao encontro da reflexão
proposta pelo episódio do seriado Cidade dos Homens. No diálogo com as
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narrativas apresentadas traçaremos algumas discussões sobre a noção de
redes de conhecimento.
Cremos que o cotidiano é um lugar prolífero para pensarmos o
plural, a diversidade de experiências existentes no mundo e a várias
possibilidades de fazer com (Certeau, 1994). A menção a sugestão de Certeau,
nos motiva antes de qualquer coisa a olharmos de forma crítica o nosso próprio
fazer, que é cotidianamente desafiado a se reinventar diante da descoberta de
outras visões de mundo, ou seja, novos saberes. Digo isso motivado pela
descoberta que é o aprender com o outro, com a cultura do outro e com a
experiência do outro. Esse outro que por desconhecimento muitas vezes
silenciamos, os tornamos não existente, assim nos mantemos
confortavelmente acomodados no lugar do que transmite, sem ter a aprender.
Ao nos colocarmos no lugar de escuta atenta, temos a
possibilidade de relativizar determinadas noções que temos sobre o
conhecimento. Noções essas que são reflexo de formações, vivências sociais e
preconceitos cultivados historicamente. Partimos da opção em falar de uma
cultura da favela, expressão essa que parte não de uma tentativa de cristalizar
ou “folclorizar” a produção cultural tecida pelas populações dessas
comunidades, mas sim em uma perspectiva afirmativa de reconhecimento de
um saber e de uma visão de mundo compartilhada por nossos educandos, o
qual insistimos em tornar invisível. A nossa opção em cunhar esse termo se dá
também em respeito à forma que os próprios indivíduos se reconhecem, ou
seja, nesse caso a cultura da favela aqui apresentada caminha na contramão
dos discursos e práticas conservados ao longo do tempo que tiveram e tem por
objetivo marginalizar esses contextos e seus pertencentes.
Compreendemos que as questões acerca das invisibilidades, que aqui
são entendidas como as produções de não existência, perpassam por práticas
que são facilmente identificáveis no cotidiano. Essas atuam no campo da
inferiorização/marginalização dos modos de ser e estar dos indivíduos
pertencentes a essa cultura. Como no exemplo de uma situação ocorrida em
uma escola pública da cidade do Rio de Janeiro, situado na comunidade de
Vila Paciência, em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro. Nas mais
diversas escolas públicas por onde passamos - não sendo uma característica
única das escolas públicas – é comum a prática de que uma turma para se
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descolar de um espaço para outro faça o que chamamos de forma. Como é
comum também que os alunos demorem a formar e até mesmo não
permaneçam nesta. Entretanto, a professora contrariada com a desordem da
fila virou para a turma e pronunciou a seguinte fala: “Vocês estão falando
achando que isso aqui é o beco da favela que vocês estão acostumados. Eu
não sou mãe de vocês não, a quem vocês não respeitam, eu aqui sou
professora e vocês vão ter que me respeitar!”.
A questão que devemos pensar a partir da fala da professora é a
seguinte: qual a relação existente entre a uma não educação existente na
forma e ser morador dos becos da favela? O porquê uma criança vinda desse
contexto não teriam respeito a sua mãe? Será que isso pode ser compreendido
como um fato social?
Em outra escola localizada em outra região da cidade, uma situação
similar aconteceu também no momento na qual as crianças tinham que formar.
Após se virar para trancar a porta, a professora se depara com duas crianças
brincando de maneira na qual, tinham bastante contato físico. Ora caiam, ora
levantavam. A professora compreendendo de aquilo como uma não brincadeira
expressou a seguinte fala: “Acho ótimo! Um vai morrer e o outro vai se preso e
assim não terei mais trabalho. Continua, vai continua!”.
Nesse caso as questões que emergem são as seguintes, independente
de julgar se a brincadeira era pertinente ou não. O porquê a correção deve
partir de um exemplo no qual um seria preso e outro morto? Compreendemos
que ao fazer essa fala a professora remete se e reforça um destino comum que
está presente no imaginário coletivo social em respeito às camadas populares
e moradores das favelas. Imagens essas que estão próximas dos discursos
proferidos pelas grandes mídias, que presente na fala da professora ganha um
eco e contribuem para o fortalecimento e perpetuação de determinados
estigmas e estereótipos.
Por fim, esse trabalho apenas tem como proposta levantar algumas
questões emergentes no cotidiano de escolas situadas em favelas da cidade
do Rio de Janeiro. A nossa intenção foi evidenciar o que chamamos de cultura
da favela, como o saberes locais que perpassam pelos modos de se vestir, de
falar, de se manifestar corporalmente, de se organizar coletivamente, entre
outros aspectos, ou seja, o modo de vida que é percebido na sociedade como
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um marcador de diferenciação, geralmente inferiorizados e mantidos
discriminadamente no espaço escolar.
Cabe destacarmos que a discriminação aos modos de ser/estar dos
indivíduos pertencentes a essas culturas tem relação direta com a prática
pedagógica. A invisibilização cometida às práticas culturais se converte em um
modo de violência exercido aos praticantes. Ressaltando o que já foi dito com
base na referência de Santos (2002), na qual, toda prática social é uma prática
de saber. Pensamos que um dos caminhos a ser seguido é encararmos essas
questões culturais como oriundas de um saber relacionado a um contexto
específico. Os traços identitários de uma cultura não são inerentes aos
indivíduos pertencentes, são aspectos elaborados e aprendidos coletivamente
na sociedade. É necessário ressaltar que os aspectos que os marcam
negativamente perpassam por esse mesmo processo.
A cultura da favela aqui abordada não esvazia e reduz o que realmente
são essas culturas, que são dinâmicas e plurais. Ela aqui tratada apropria-se
de uma terminologia para apresentar alguns aspectos experenciados no
cotidiano e caminha ao encontro do que Santos (2002) sugere como ecologia
de saberes, em uma perspectiva de possibilidades de superação contra uma
monocultura do saber.
Analisando as mudanças históricas que ocorreram com a profissão de
orientador educacional e aproximando sua atuação com a perspectiva de redes
de conhecimento (ALVES, 2008) e ecologias de saberes (SANTOS, 2002),
pressupomos como é plural a nossa sociedade, assim, a escola emerge como
um lugar composto pela diversidade. Reconhecemos que a escola cumpri um
papel social na formação dos indivíduos, por ser um lugar onde se deve ser
garantido o direito do processo de ensino-aprendizagem dos conhecimentos
que são eleitos como indispensável para a vida em sociedade, entretanto, cabe
salientarmos que além dos aspectos formadores, a escola emerge como um
lugar de gerenciamentos de conflitos. Conflitos culturais, econômicos, morais,
de gêneros, raça, territorial e cabe ao orientador educacional, no seu papel
político e filosófico ser um dos mediadores desse conflito. Sendo conflitos
processuais, eles estão sofrendo constante atualização e cabe ao orientador
educacional estar atento a essas constantes atualizações políticas.
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Dialogo com GRINSPUN (2008) em relação ao que foi dito acima,
quanto esta nos propõe a trabalhar a partir de uma série de características que
deve ser desempenhada pelo orientador educacional.
• A orientação trabalharia em busca de uma cultura escolar. (p.28)
Sugiro que ao propor uma cultura escolar, essa não seja pensada numa
perspectiva monológica, já que seria impossível reduzimos a diversidade
presente nos diferentes contextos escolares a um único modelo cultural. Esse
trabalho propõe pensar a escola como um lugar de encontro entre os mais
diferentes saberes e culturas. Um espaço onde se tenha como princípio o
respeito a diversidade, onde os mais diferentes conhecimentos e modos de
estar no mundo sejam respeitados e não invisibilizados e marginalizados.
• A Orientação promoveria o desenvolvimento da linguagem dos
alunos, através do estabelecimento do diálogo. (p.28)
Para que proposta seja alcançada é necessário que respeitemos as
diferentes as formas de expressão dos indivíduos, ressaltando que estas
formas estão relacionadas à inserção e relação desses indivíduos com o
mundo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho discutiu o papel do orientador educacional a partir da
noção de redes de conhecimento e ecologia de sabres. Considerando a escola
como um espaço-tempo constituído pela diversidade existente no mundo,
pluralidade esta que é refletida nas práticas e relações tecidas pelos indivíduos
que estão presentes nestes contextos.
Foi traçado um histórico da atuação profissional do orientador
educacional, saindo de uma perspectiva marcada pela influência psicológica,
no sentido funcional e instrumental, para uma perspectiva política, na qual o
orientador educacional passa a ter uma preocupação e desenvolver um olhar
mais atento para as questões sociais.
Sobre os aspectos sociais se destacam as questões da diversidade na
escola. Essas são elementos fundamentais para entendermos os conflitos
atuais e o papel de mediação do orientador educacional. Dessa forma, este
trabalho tem como objetivo contribuir para a ampliação do diálogo sobre o
papel do orientador educacional e a emergência no tratamento das questões
que abrangem as diversidades na escola.
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ÍNDICE DE IMAGENS
Figura 1 – Robert Doisneau ..............................................................................10 Figura 2- Francesco Tonucci....................................................... .....................15 Figura 3 – Robert Doisneau ..............................................................................16 Figura 4 – Robert Doisneau......................................................... .....................23 Figura 5 – Imagem retirada do site youtube ...........................................26
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BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre a literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.197-221
BRADÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1995.
CAZELA, Graziela Francine. A teoria e prática da orientação educacional: um estudo de caso (2007). 31f. Monografia de conclusão do curso de Pedagogia. Universidade Federal de São Carlos: São Carlos, 2007.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
GRINSPUN, Mírian P.S. Zippin. A prática dos orientadores educacionais. 6. Ed. Aumentada. São Paulo: Cortez, 2008. ________________________. A orientação educacional: conflito de paradigmas e alternativas para a escola. São Paulo: Cortez, 2002. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. NÉRICI, Imídeo G.. Origens da Orientação Educacional e Necessidades da Orientação Educacional & A Orientação Educacional. In: Introdução à orientação Educacional. São Paulo. Atlas, 1976. OLIVEIRA, Inês Barbosa de. O currículo como criação cotidiana: redes de conhecimentos e práticas emancipatórias nas escolas. Rio de Janeiro: Laboratório Educação e Imagem (UERJ), 2011. _____________________. Boaventura & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. _____________________. Currículos praticados: entre a regulação e a emancipação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
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AGRADECIMENTOSSUMÁRIO