AVM Educacional - UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES ...de orientação educacional trazida pela autora...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA AS REDES DE CONHECIMENTO E O PAPEL DE MEDIAÇÃO DO ORIENTADOR EDUCACIONAL Por: Thais Barcelos Dias da Silva Orientador Profª. Fernanda Carnavez Rio de Janeiro 2012

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  • UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

    PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

    AVM FACULDADE INTEGRADA

    AS REDES DE CONHECIMENTO E O PAPEL DE MEDIAÇÃO DO

    ORIENTADOR EDUCACIONAL

    Por: Thais Barcelos Dias da Silva

    Orientador

    Profª. Fernanda Carnavez

    Rio de Janeiro

    2012

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    UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

    PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

    AVM FACULDADE INTEGRADA

    AS REDES DE CONHECIMENTO E O PAPEL DE MEDIAÇÃO DO

    ORIENTADOR EDUCACIONAL

    Apresentação de monografia à AVM Faculdade

    Integrada como requisito parcial para obtenção do

    grau de especialista em Orientação Educacional e

    Pedagógica.

    Por: . Thais Barcelos Dias da Silva

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a primeiramente ao meu pai que me possibilitou realizar esse curso e com isso estendo esse agradecimento a minha mãe e minha irmã.

    Agradeço também ao meu companheiro, Luiz Rufino, que é sempre dedicado nesses momentos.

    Aos meus tios Cláudio e Regina que muito me incentivam nessa profissão.

    Agradeço aos meus colegas de trabalho da Escola Municipal Haydeia Vianna Fiuza de Castro.

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    DEDICATÓRIA

    Aos meus alunos da Escola Municipal Haydea Vianna

    Fiuza de Castro

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    RESUMO

    Este presente trabalho tem como objetivo analisar as mudanças históricas que

    ocorreram com a profissão de orientador educacional (GRINSPUM, 2002,

    2008), aproximando sua atuação com a perspectiva de redes de conhecimento

    (ALVES, 2008) e ecologias de saberes (SANTOS, 2002). Essas análises serão

    entrelaçadas as vivências obtidas quando trabalhei em uma escola municipal

    da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, que serão apresentadas através

    das narrativas nos cotidianos desta escola. Situado no campo de pesquisa

    nos/dos/com os cotidianos, este trabalho se propõe a discutir a diversidade de

    conhecimentos e culturas existentes nos ambientes escolares.

    ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL – REDES DE CONHECIMENTO – ECOLOGIA

    DE SABERES

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    METODOLOGIA

    A metodologia abordada nesse trabalho será a analise e articulação dos

    conceitos produzidos por Nilda Alves e outros pesquisadores que trabalham na

    perspectiva das pesquisas nos/dos/com os cotidianos, no que diz respeito, a

    como é entendido a produção de conhecimento por esse grupo e a concepção

    de orientação educacional trazida pela autora Mirían P. S. Zippin Grispun

    (2008), onde o orientador não é visto apenas num papel alicerçado no perfil da

    ajuda ao aluno em uma dimensão psicológica, mas sim no perfil de colaborar

    com esse mesmo aluno na sua formação de cidadania (p .14).

    Nesse trabalho também trarei minhas narrativas, na qual exponho

    experiências vivenciadas na escola onde trabalhei, localizada na zona oeste da

    cidade do Rio de Janeiro, numa comunidade de baixa renda, chamada Vila

    Paciência, pejorativamente chamada de Favela do Aço.

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    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ................................................................................ 8

    CAPÍTULO I-Breve histórico sobre a orientação educacional ..11

    CAPÍTULO II – Os muitos fios e nós das nossas redes de conhecimentos e significações .................................................. 16

    CAPÍTULOS III – O papel do orientador educacional na perspectiva dos conhecimentos em redes e na aplicação da ecologia de saberes .................................................................... 24

    Cultura da favela e escolas ......................................................... 26

    CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 32 ÍNDICE DE IMAGENS .................................................................. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................. 34

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    INTRODUÇÃO

    Esse estudo, que venho apresentar como trabalho de conclusão do

    curso de especialização em Orientação Educacional e Pedagógica, tem como

    objetivo principal analisar o papel do orientador educacional, entendendo-o

    como um dos mediadores dos múltiplos saberes e conhecimentos existentes

    dentro da escola, estejam eles presentes nos currículos oficiais ou aqueles que

    estão na escola de maneira “oculta” ou até mesmo invisibilizada. São os

    conhecimentos que na maioria das vezes são trazidos pelos próprios

    educandos e pela comunidade na qual a escola está inserida e que

    dependendo das características dessa comunidade escolar, acabam se

    chocam com os valores e conhecimentos que aprendemos como sendo

    hegemônicos da sociedade.

    Esse trabalho num primeiro momento fará um breve histórico da carreira

    de orientação educacional no Brasil, passando pela fase onde os estudos da

    psicologia tinham uma forte importância para área até uma prática da

    orientação educacional que esteja preocupada com a contextualização da

    realidade social-cultural-econômica do educando.

    É questionado também nesse trabalho a maneira como produzimos

    conhecimento, assumindo aqui os processos de tessituras de redes de

    conhecimentos e significações (ALVES, 2008). Sendo esses conhecimentos

    não só produzidos nos ambientais formais de ensino, mas nos mais diferentes

    lugares. Sabendo que a nossa sociedade acaba verticalizando saberes e

    conhecimentos, legitimando assim aqueles que terão de mais valor, como a

    escola pode ajudar nessa horizontalização de conhecimentos e saberes,

    caminhando assim para o Boaventura de Sousa Santos chama ecologia de

    saberes (2002).

    No último capítulo desse trabalho farei ligação entre como pensar uma

    escola que respeite uma perspectiva educativa a partir da noção de redes de

    conhecimento, sendo o ambiente escolar um espaço de comunicação e

    interação entre os múltiplos saberes, não deixando de lado aqueles

    conhecimentos eleitos como “universais” e indispensáveis para o convívio na

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    sociedade contemporânea, dessa forma esses se caracterizam como um

    direito nos quais todos os indivíduos detêm, pensarei também qual o papel da

    orientação educacional nesse processo de democratização dos saberes.

    Levando em conta o tipo de orientador educacional pensado pela autora Mírian

    Grinspun (2008), na qual o orientador tem um papel político de mediação. Não

    cabe mais a concepção de que orientador enclausurado nas salas do SOE1,

    tendo sua atuação limitada a resolver problemas de alunos indisciplinados,

    muitas vezes, desenvolvendo trabalho apenas de caráter psicológico.

    GRINSPUN traz uma concepção de um orientador que esteja preocupado com

    a formação cidadã desses educandos; sendo essa formação permanente e que

    perpassa por todos que estão inseridos e fazem parte da escola (professores,

    pais, funcionários), o profissional da orientação deve estar sempre em diálogo

    com os educandos e demais profissionais da instituição.

    As articulações teóricas serão, ao longo de todo trabalho, entrelaçadas

    também com as experiências vividas por mim durante o tempo que estive

    trabalhando na comunidade de Vila Paciência, localizada no bairro de Santa

    Cruz, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Essa comunidade se caracteriza

    por ser uma comunidade de baixa renda, tendo um dos piores Índices de

    Desenvolvimento Humano da capital, é constante também a presença do

    tráfico no local, sendo considerado um dos lugares mais perigosos da zona

    oeste.

    O intuito é trazer através dessas experiências reflexões que contribuam

    para se pensar sobre as hierarquias entre os conhecimentos locais e os

    conhecimentos globais, previamente legitimados como mais valorosos e qual o

    papel da escola e de seus funcionários nessa relação.

    Além das narrativas produzidas mim, trago também as narrativas

    imagéticas do fotógrafo francês Robert Doisneau (1912-1994) que tem diversas

    lindas imagens que retratam os cotidianos das escolas francesas na época da

    Segunda Guerra Mundial. Diferente das imagens que focam a sala de aula, o

    enfileiramento das crianças nas cadeiras prestando atenção, a professora ao

    lado do quadro negro dando as lições, com intuito de mostrar e resumir a esse

    espaço da sala de aula como o único espaço aprendizagem, ou pelo, menos o

    1 Serviço de Orientação Educacional

  • 10

    mais privilegiado. Doisneu traz outras imagens na qual retrata os outros

    espaços da escola e as outras relações tecidas nas escolas, muita vezes,

    negligenciado por nós e visto como menores. Essas imagens, nesse trabalho,

    servem como potencializadores para se pensar nos múltiplos sabres que estão

    sendo tecidos na durante todo tempo na escola.

    Figura 1 – Robert Doisneau

  • 11

    CAPÍTULO I

    BREVE HISTÓRICO SOBRE A ORIENTAÇÃO

    EDUCACIONAL

    Esse capítulo trará um breve histórico sobre o papel da orientação

    educacional no sistema educacional brasileiro, passando pelas leis que a

    originam e regulam essa profissão. Será também trabalhado um panorama das

    correntes teóricas que influenciaram a prática da orientação educacional

    através dos tempos.

    Como nos Estados Unidos, a orientação educacional tem seu

    surgimento no Brasil muito ligado à orientação vocacional, ou seja, ao trabalho

    de ajudar o educando na escolha de seu lugar social pela profissão. Segundo

    GRINSPUN (2002) a orientação educacional teria seu início no Liceu de Artes

    de Ofícios de São Paulo em 1924. Entretanto, autores como NERÉCI (1976)

    apontam como marco do surgimento da orientação educacional no Brasil a

    criação do “Serviço de Orientação Profissional e Educacional”, criado pelo

    então diretor do Departamento de Educação do Estado de São Paulo,

    Lourenço Filho, em 1931, na qual tinha como principal objetivo guiar os

    indivíduos na escolha de sua profissão. Experiências isoladas como no Colégio

    Amaro Cavancanti, no Rio de Janeiro, também são lembrada por GRINSPUN

    (2002) como um grande incentivador para a implantação da orientação

    educacional no Brasil.

    Entretanto, é apenas em 1942, com Gustavo Capanema, ministro da

    Educação e da Saúde Pública2 do governo de Vargas, que é aprovado a Lei

    2O Ministério da Educação (MEC) é um órgão do governo federal do Brasil fundado no decreto n.º 19.402, em 14 de novembro de 1930, com o nome de "Ministério dos Negocios da Educação e Saúde Publica", pelo então presidente Getúlio Vargas. Em 13 de janeiro de 1937 passou a se chamar Ministério da Educação e Saúde e suas atividades passaram a ser limitadas à administração da educação escolar/educação extra-escolar e da saúde pública/assistência médico -social.Em 1953, o governo federal cria o Ministério da Saúde e tira do Ministério da Educação e Saúde as responsabilidades de administração destinadas a ela. A partir daí é que passa a se chamar oficialmente de MEC - Ministério da Educação e Cultura (vide Lei n.° 1.920, de 25 de julho de 1953).Em 15 de março de 1985 foi criado o MinC, Ministério da Cultura, pelo decreto 91.144. Informação tirada do site do Wikipédia

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    Orgânica do Ensino, onde se vê explicitamente referências a Orientação

    Educacional. Sua função seria de caráter corretivo e direcionado para atender

    os alunos problemas. Também caberia ao orientador educacional o papel de

    esclarecer as dúvidas dos educandos e orientar seus estudos para que

    autonomamente buscassem sua profissionalização. GRINSPUN (2008) nos

    fala que no período institucionalizado de 1942 a 1960 houve um grande esforço

    do Ministério da Educação e Cultura para dinamizar a Orientação Educacional

    nas escolas e formar os profissionais que atuariam como orientadores, tendo

    estes profissionais que fazer um curso que lhes dariam a habilitação em

    orientação educacional.

    A Lei de Diretrizes de Bases nº 4024 de 1961 reafirma a existência do

    profissional em Orientador Educacional, como podemos observar no Título VIII,

    Da Orientação Educativa e da Inspeção, porém seus artigos apenas se limitam

    a falar sobre a formação dos orientadores educacionais do que o conceito e a

    função que esse profissional desempenharia na escola.

    Em seu texto A orientação educacional - uma perspectiva

    contextualizada, GRINSPUN (2008) aponta a década de 1960 como um

    importante período de para a profissão devido aos inúmeros eventos,

    seminários, encontros e congressos sobre o tema. Indicando uma forte

    influência da psicologia na prática e na teorização da orientação educacional.

    Na década de 60, em que floresceu o aspecto preventivo da orientação Educacional, a escola vivia o seu momento de grande importância, uma vez que a educação seria responsável pelo desenvolvimento do país. (GRINSPUN, 2008, p. 18)

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educação n º 5692 de 1971 determina a

    obrigatoriedade da atuação do orientador educacional nas escolas, incluindo o

    aconselhamento vocacional em cooperação com os professores, a família e a

    comunidade, como previsto no art.º 10 do Capítulo I. Esse é um período de

    contradição para a orientação educacional, pois ao mesmo tempo em que os

    orientadores alcançam uma maturidade, reconhecendo e refletindo sobre suas

    funções e práticas profissionais, na qual não querem mais se limitar apenas

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_(Brasil) Acesso em 19 de set de 2011.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_%28Brasil%29

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    atuarem nos problemas disciplinares dos alunos, as legislações pensadas em

    harmonia com o sistema vigente - ditadura militar –normatizam a profissão

    dando um caráter meramente disciplinador e comportamentalista.

    Apesar de a diretriz da Orientação assinalar para

    uma visão mais sociológica e coletiva, a legislação dos profissionais da área compromete-os com atribuições e funções voltadas para a Psicologia. (GRINSPUN, 2008, p, 19)

    É no período de 1971 a 1980 que surge lei que obriga a

    profissionalização do ensino, entretanto existe uma enorme dificuldade para se

    implementar esse fato, que vai desde a falta de recursos materiais a falta

    profissionais formados para sua aplicação. Dentro desse panorama cabia ao

    orientador educacional mostrar aos alunos as benesses do sistema aberto às

    suas potencialidades e aptidões (GRINSPUN, 2008, p, 19). A implementação

    dessa profissionalização foi tão desorganizada que todo esse processo foi

    marcado por constantes mudanças, inicialmente o ensino era técnico, depois

    foi auxiliar técnico e no final o ensino terminou com habilitação básica,

    entretanto a função da orientação educacional era sempre ligada à escolha da

    profissão. Há todo modo momento cabia à orientação realizar o

    aconselhamento profissional aos estudantes, entretanto, essa autora nos alerta

    que na realidade essa função era apenas de caráter informativo.

    Nomeada por Mirían Grunspun (2008) por Período questionador, a

    década de 1980 é permeada por fortes questionamentos a Orientação

    educacional, tanto em termos da formação de seus profissionais quanto da

    prática realizada (p.20). Sendo um período de forte influência das teorias

    críticas, com bases marxistas, a educação passa pensada numa dimensão

    mais ampla, não a desassociando das questões sociais, econômicas e

    políticas. A orientação educacional segue esse mesmo caminho crítico, busca

    se desvencilhar de suas funções de atender alunos-problemas e vai com um

    tempo ostentando um caráter mais técnico articulado com um compromisso

    político.

    Os orientadores procuram evidenciar a contribuição da Orientação em uma escola pública que se quer

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    democrática e de qualidade. Cada vez mais próxima dos laços pedagógicos, a Orientação procura encaminhar-se na direção dos problemas macroeducacionais.. (GRINSPUN, 2008, p. 21)

    CAZELA (2002) faz um balanço da década de 1980, segundo ela, esse

    foi o período na qual os orientadores educacionais pensaram e discutiram

    muito sobre sua profissão e seu papel na educação, entretanto esses avanços

    foram vistos nas teorias, a prática continuou baseada nos mesmo

    pressupostos.

    Depois do período questionador (década de 80), os anos 90 até os dias

    atuais vêm com uma característica mais mediadora, por isso é chamado de

    Período orientador por GRINSPUN (2002). Para ela, atualmente, a orientação

    possui uma função mais mediadora junto ao demais educadores da escola.

    Da ênfase dada aos aspectos psicológicos e comportamentais do

    educando passa-se a trabalhar com base no coletivo, levando em consideração

    que este é formado diferentes sujeitos, que carregam consigo pensamentos,

    valores, culturas, contextos sociais diversos.

    Com a Lei de Diretrizes e Bases nº 9394 de 1996 a obrigatoriedade da

    atuação do orientador educacional é extinta. Entretanto, ainda consta que

    esses profissionais, como orientadores e supervisores educacionais,

    administradores, inspetores, serão formados através de cursos de graduação

    ou nível de pós-graduação.

    Com essa revogação do caráter obrigatório da orientação educacional

    muitos acreditavam que essa função seria eliminada na escola. Entretanto,

    GRINSPUN (2008) aponta sieis argumentos de porque essa função nunca

    deixará de existir. Destacarei aqui as três que considero principais.

    • Primeiro, ela não deixará de existir, pois nunca deixará de existir a educação, e elas estão ligadas a tal ponto que o próprio conceito etimológico de educação se compromete, enquanto educare, com a Orientação, isto é, refere-se a orientar, guiar, conduzir o indivíduo;

    • Segundo, porque o centro do processo educacional é o aluno e sempre ele foi o campo de trabalho da orientação;

    • Terceiro, porque caminhamos, em todas as ciências, e também na área das ciências humanas, para as especializações que atendam com mais prioridade e segurança aos seus intentos – não é substituir o

  • 15

    professor por outro profissional, mas sim ajudar esse professor no seu campo de ação. (GRINSPUN, 2008. p.26)

    Fecho esse capítulo com uma charge de Francesco Tonucci3,

    para que assim iniciemos os próximos capítulos com a reflexão de que

    tipo de escola e de prática para orientação educacional queremos e

    precisamos.

    Figura 2- Francesco Tonucci

    3Nasceu em Fano, uma pequena cidade da região de Marche, na Itália, em 5 de julho de 1940. Graduou-se em pedagogia em 1963. Desde 1968, com o pseudônimo FRATO, desenha charges e quadrinhos que acompanham a atividade de pesquisa e que são a expressão mais imediata e contundente da realidade

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    CAPÍTULO II

    OS MUITOS FIOS E NÓS DAS NOSSAS REDES DE

    CONHECIMENTOS E SIGNIFICADOS

    Ninguém é proprietário de um conhecimento, mas sim responsável por um dos fios necessários á tessitura de unir o tapete de saberes e fazeres que só existirá com a

    troca/traçado de todos os fios necessário. ( ALVES & GARCIA, 1999, p.91)

    Figura 3 – Robert Doisneau Inicio esse capítulo com a epígrafe de Nilda Alves e Regina Leite Garcia

    e mais uma imagem de Doisneau, como dois potencializadores para pensar a

    produção de conhecimento na perspectiva das redes. Entretanto, para um

    melhor entendimento, anterior à explicação do que seja o conceito de

  • 17

    conhecimento em rede, faz-se necessário explicitar a ideia que essa

    perspectiva vem contrapor que é a concepção arbórea de construção de

    conhecimento, surgida entre séculos XVI e XVIII, data chamada pela história de

    modernidade.

    Tentando romper com as ideias medievais estruturada no pensamento

    religioso, o mundo moderno foi um período de grandes mudanças sejam:

    sociais, econômicas e culturais. Foi o momento da implementação e

    consolidação do capitalismo, tendo como marco a revolução industrial, e da

    revolução científica, onde as explicações do mundo passariam não ser mais

    dada pelos conhecimentos religiosos, mas sim pelo científico. Porém, para que

    a ciência se solidificasse era preciso criar métodos que garantisse a veracidade

    aos novos conhecimentos. O método que mais influenciou esse período foi o

    Cartesiano, nomeado assim por ter sido produzido por René Descartes. Sendo

    o “pai do racionalismo”, Descarte instituiu a dúvida para o novo pensamento:

    algo só pode existir se puder ser comprovado. E para que haja essa

    comprovação é preciso passar por quatro regras básicas:

    • verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada;

    • analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades mais simples e estudar essas coisas mais simples;

    • sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro;

    • enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.4

    O método cartesiano trouxe a ideia de construção de conhecimento, ou

    seja, é necessário que se passe por um caminho obrigatório para que

    alcançemos um determinado conhecimento. Essa forma de “construir” o

    conhecimento é que vai possuir uma grafia em árvore, que pressupõe um

    caminho obrigatório, único, linear e hierarquizado (ALVES, 2008, p. 92). Essa

    ideia cartesiana teve grande consequência no pensar pedagógico,

    principalmente no campo currícular, com sua estruturação em disciplinas, na

    qual segue a lógica linear, hierárquica e obrigatória. Já que o educando só

    pode passar para a outra fase do estudo se concluir com êxito as séries

    4 Trecho retirado no sítio Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes .

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes

  • 18

    anteriores, consideradas mais simples. Sendo também obrigatório que todos

    percorram as mesmas séries e conhecimentos para que assim se alcance os

    conhecimentos necessários para a vida em sociedade.

    Observando os cotidianos e assumindo a premissa que o indivíduo

    aprende por toda a vida em diferentes lugares, os pesquisadores que se

    propõem “mergulhar” nos/dos/com os cotidianos - destacando Nilda Alves e

    Regina Leite Garcia pela sua trajetória dentro desse campo de pesquisa -

    assumem uma outra perspectiva no que se trata a produção de conhecimento:

    as redes de conhecimento e significações.

    Os processos desenvolvidos pelas e nas novas ciências de ponta – informática e comunicação, em geral – como engenharia genética ou os estudos sobre cidades, por exemplo – que indicam e estão impondo uma outra grafia no que se refere à criação do conhecimento: a rede. Esta substitui a idéia de que o conhecimento se “constrói” daquela maneira ordenada, linear e hierarquizada, por um único e obrigatório caminho, pela idéia de que, ao contrário, não há ordem nessa criação – ou que ela só pode ser percebida e representada pelo pensamento a posteriori da própria criação. A linearidade e a hierarquização dão lugar a “múltiplas conexões e interpretações produzidas em zonas de contatos móveis” (LEVY, 1993). Isso tudo corresponde a um número imenso de caminhos possíveis. A grande diferença da grafia em árvore é que a grafia em rede é escrita a partir da consideração de um valor diferente, o da prática social (LEFEBVRE, 1983). Trata-se, assim, de dar à prática a dignidade de fatos culturais e de espaço de criação de conhecimento, que não são “tecidos” na teoria e que são tão importantes, para os homens, como os conhecimentos que nesta são “construídos” (ALVES, 2008, p. 94).

    Assumir a concepção da produção de conhecimento em redes é pensar

    de maneira diferente para os processos e as relações tecidas nos cotidianos. É

    fugir da ideia propagada pela música do Chico Buarque – em minha opinião -

    erroneamente chamada de Cotidiano. Nela o autor fala: “que todo dia ela faz

    tudo sempre igual”, mostrando que o cotidiano seria apenas um espaço de

    repetição e reprodução. Igualando o cotidiano a meras atividades de rotina.

    Essa concepção de resumir os cotidianos apenas a repetições não é

    exclusividade apenas do campo musical, tendo em vista existem outras

  • 19

    músicas que retratam os cotidianos dessa mesma maneira, mas dentro das

    pesquisas educacionais também encontramos muitos trabalhos na qual

    resumem o dia-a-dia da escola a ser apenas como um espaço reprodução e

    repetição; o pior uma reprodução que constantemente levaria ao fracasso, já

    que esse é o principal resultado que as pesquisas hegemônicas difundem. Na

    qual, caberia à professora5 o papel de propagadora da reprodução e o “aluno”

    de receptor dessa reprodução.

    Os estudos nos/dos/com os cotidianos tomam e mostram esses

    cotidianos como espaços de fazeres e criações. Já que, dialogando com

    Certeau (1994) todos somos praticantes. Esse autor formula a ideia de

    praticante, com base em pesquisas que se debruçaram na vida cotidiana.

    Segundo Certeau os indivíduos não seriam passivos a regras e produtos

    hegemônicos, num processo de criação cotidiana esses indivíduos dariam

    outros usos para essas produções. Como nos fala Oliveira (2011) nessa

    citação,

    Os praticantes da vida cotidiana, portanto, embora estejam inscritos em um mundo cujas regras não são estabelecidas por eles, usam essas regras de modo próprio, intervindo, inclusive, sobre novas definições normativas, entendendo-se estas últimas como produtos de negociações de sentidos entre instâncias e grupos sociais (p.28)

    Certeau exemplificando os processos de como ocorrem às práticas

    cotidianas, faz uma analogia com as lógicas dos jogos e dos contos populares.

    Na qual existiriam regras estabelecidas, entretanto caberá a cada jogador ou

    narrador utilizar a melhor maneira essas regras. Analisando os estudos de A.

    Régnier, Lévi-Strauss e Greimas quando esses tratam dos contos e lenda

    populares. O autor discorda da ideia que essas histórias poderiam ser apenas

    entendidas e destacadas em unidades estáveis e coerentes, ou seja, que

    esses contos se resumiriam em “fórmulas\regras comuns” das ações utilizadas

    por esses praticantes. Certeau utiliza os estudos de Vladimir Propp, que faz

    análise das táticas, mostrando as inúmeras combinações de práticas existentes

    5 O uso da palavra professora no feminino é proposital, tendo em vista que essa profissão se caracteriza por ter um perfil feminino.

  • 20

    que nesses contos. Entretanto não nega que nesses contos poderíamos

    encontrar uma certa formalidades das práticas, na qual chamou de discursos

    estratégicos do povo.

    A novidade ainda nova de Propp reside na análise das táticas cujo inventário e cujas as combinações se encontram nos contos, na base de unidade elementares que não são nem significações nem seres, mas ações relativas a situações conflituais. Com outros mais tarde, essa leitura permitiria reconhecer no contos os discursos estratégicos do povo. Daí o privilégio que esses contos concedem à simulação⁄dissimulação. Uma formalidade das práticas cotidianas vem à tona nessas histórias, que invertem frequentemente as relações de força e, como as histórias de milagres, garantem ao oprimido a vitória num espaço maravilhoso, utópico. Este espaço protege as armas do fraco contra a realidade da ordem estabelecida. (CERTEAU, p.80)

    O interessante é pensar a linha tênue entre o que seriam táticas e

    estratégias. Na maioria das vezes, resumimos a estratégia como sendo um

    espaço do hegemônico, do poder instituído e as táticas como as práticas/usos

    dos praticantes no terreno do outro/ do instituído, ou seja, seria a resposta dos

    “fracos”. Porém, o que vemos é que esses conceitos não estão apenas

    relacionados ao grupo social na qual estamos nos referindo mais também à

    situação que estamos analisando.

    Com base na ideia que os cotidianos também são espaços de

    (re)criações, Inês Barbosa de Oliveira, pesquisadora nos/dos/com os

    cotidianos, propõe se pensar os currículos como criação cotidiana (2011),

    tendo em vista que mesmo que os seguindo os currículos oficiais cada

    professor(a)-educando(a), em relação (re)criaram esses conhecimentos a sua

    maneira com base nas suas redes, ou seja, criaram novas alternativas

    curriculares.

    O cotidiano, assim entendido, aparece como um espaço privilegiado de produção curricular, para além do previsto nas propostas oficiais. Especialmente no que diz respeito aos processos de ensino-aprendizagens, as formas criativas e particulares através das quais professoras e professores buscam aprendizado de seus alunos avançam muito além daquilo que poderíamos

  • 21

    captar ou compreender pela via dos textos que definem e explicam as propostas do curso. Cada forma nova de ensinar, cada conteúdo trabalhado, cada experiência particular só podem ser entendida junto ao conjunto de circunstâncias que a torna possível, o que envolve a história de vida dos sues sujeitos em interação, sua formação e a realidade local específica, com as experiências e saberes anteriores de todos, entre outros elementos da vida cotidiana. Pensar em alternativas curriculares a partir dessa forma de percepção nos encaminha para um diálogo sem preconceitos com os educadores que, estando nessas escolas, produzem saberes e criam currículo, cotidianamente. (OLIVEIRA, 2002)

    Admitir que os currículos são criações cotidianas é dar visibilidade para

    inúmeros conhecimentos, saberes e práticas que ainda hoje são visto de

    maneira menor ou até mesmo ignorados, já que caberia ao professora apenas

    o papel de aplicador desses conteúdos. É reafirmar a autonomia dessas

    professoras e professores, reconhecendo que esses são produtores e

    pensadores de suas práticas.

    Acusada, muitas vezes, das pesquisas nos/dos/com os cotidianos serem

    românticas, otimistas e até mesmo ingênuas. A resposta que se tem a essas

    acusações é que antes de tudo essas pesquisas têm um cunho político, de

    valorização de uma prática e de um profissional que durante muito tempo vem

    sendo bombardeados e taxados como fracassados e incapazes. As pesquisas

    que os pesquisadores cotidianistas são falseiam dados e situações, elas

    simplesmente invisibilizam práticas e conhecimentos que já estão na escola e

    que devem ser divulgadas e valorizadas, para que assim elas alcancem mais

    pessoas, contribuindo para surgir outras práticas, conhecimentos e valores,

    pois estamos em rede.

    Não podemos esquecer a precarização que o sistema educacional

    brasileiro vem sendo submetido durante décadas: dos altos índices de

    analfabetismo, que mesmo alcançando a quase universalização do ensino

    básico, ainda temos grandes números de crianças e jovens que ainda não

    dominam o código da escrita; da enorme defasagem série/idade de nossos

    educandos; o grande número de evasão escolar; da falta de professores

  • 22

    qualificados; da má renumeração dos profissionais de educação entre outros

    problemas graves que afetam os estabelecimentos de ensino-aprendizagem.

    Esses são problemas que fazem parte dos cotidianos das escolas e por

    isso, são considerados em nossas pesquisas. Entretanto, o que não podemos

    fazer é transportar o fracasso de como nosso sistema educacional é

    gerenciado para nossos professoras/professores e alunas/alunos.

    Sabemos que não são todos os conhecimentos e práticas tecidas nas

    escolas que não presam pela emancipação, existem muitas que visam serem

    conservadoras e autoritárias. Podemos dizer até mesmo que conservadorismo

    seja hegemônico, entretanto, não podemos colocar esse rótulo em todas as

    escolas.

    Nesse capítulo foi trabalho o conceito de cotidiano como um lugar de

    (re)criações, fugindo da ideia um espaço apenas de reprodução. Então, tendo

    como ideia essa diversidade de cotidianos, temos que aceitar o pensamento de

    termos uma pluralidade de escolas, já que dentro de uma mesma escola temos

    multiplicidades de práticas. E é através dessas muitas e diversas práticas que

    cada escola é tecida.

    Comecei esse capítulo com uma epígrafe de Alves e Garcia, e uma

    imagem do fotógrafo Doisneau visto que elas me confirmam a ideia que a

    escola só pode ser percebida como um lugar de produção coletiva cotidiana.

    Tomando com referencia as fotografias de Doisneau, devemos tentar resgatar

    um pouco mais das imagens dos cotidianos dessas escolas, muitas vezes,

    menosprezadas pelas pesquisas educacionais. Pois elas “carregam” em si

    muitos conhecimentos e saberes existentes, que na grande maioria, não é

    reconhecido com tal.

    Antes de julgarmos e dizermos as escolas o que elas devem ser e como

    elas devem fazer é preciso compreender o que acontece lá.

  • 23

    Figura 4 – Robert Doisneau

  • 24

    CAPÍTULO III

    O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL NA

    PERSPECTIVA DOS CONHECIMENTOS EM REDES E

    NA APLICAÇÃO DA ECOLOGIA DE SABERES

    Meu bom doutor, O morro é pobre e a pobreza não é vista com franqueza Nos olhos desse pessoal intelectual Mas quando eu alguém se inclina com vontade Em prol da comunidade Jamais será marginal (MEU BOM JUÍZ – Bezerra da Silva) Como é que essa gente tão boa É vista como marginal Eu acho que a sociedade Tá enxergando mal... Favela,ô Favela que me viu nascer Eu abro o meu peito e canto o amor por você. Favela,ô Favela que me viu nascer Só quem te conhece por dentro Pode te entender... (FAVELA – Leandro Sapucaí) Meu nome é favela é do povo do gueto a minha raíz Becos e vielas Eu encanto e canto uma história feliz De humildade verdadeira Gente simples de primeira (MEU NOME É FAVELA – Arlindo Cruz)

    Na elaboração de ideias e conceitos que contemplem as questões

    pertinentes ao campo dos estudos sobre cultura e educação, muito nos agrada

    as tecidas por Larraia (2004) e Brandão (1995). O primeiro se apropria de uma

    metáfora que apresenta a noção de cultura como lentes, essas que uma vez

    utilizadas servem para os indivíduos, através delas, ler o mundo. Larraia,

  • 25

    também destaca que o uso dessas “lentes” condiciona a nossa visão, ou seja,

    temos a tendência em considerar nosso ponto de vista como único ou

    predominante. O autor acrescenta a reflexão que, lentes distintas proporcionam

    múltiplas possibilidades de perceber o mundo, dessa forma nos mostra que

    reconhecermos a cultura, os qual pertencemos como a melhor é apenas uma

    perspectiva etnocêntrica, que não dá conta da multiplicidade de referenciais

    culturais presentes no mundo.

    Brandão (1995) nos sugere que os processos educativos se dão

    na cultura que diferentes matrizes culturais relacionam distintas formas de

    produzir conhecimento e transmiti-los, essa perspectiva propõe uma não

    dicotomia entre a educação e a cultura. Nesse caso os processos educativos

    se dão no espaço social, na interação entre os indivíduos em distintas formas

    de pertencimento, de leitura do mundo e de atribuição de sentido. Culturas

    distintas produzem bens simbólicos e valores sociais distintos, compreendem e

    são capazes de fazer uma determinada leitura a partir de suas redes de

    significações, o fato é que, quanto mais essas possibilidades de interpretação

    diferem das eleitas e tidas como normas, essas formas de leitura de mundo

    são discriminadas e marcadas como não válidas.

    A articulação das ideias desses dois autores apresentadas acima,

    vem contribuir para uma reflexão acerca das diferentes formas de saber e de

    representação da realidade que estão presentes dentro e fora do espaço

    escolar e que insistidamente são produzidas como não existentes. Dessa forma

    quando um aluno vira para seu professor e fala é nós! Esse está sinalizando

    algo para além do que muitas vezes o repertório discursivo do professor

    reconhece como pertinente. Nesse caso cabe a correção a norma culta da

    língua portuguesa, nos diz que o “certo” é nós somos, porém cabe

    relativizarmos e não esvaziarmos os outros aspectos que circunscrevem essa

    terminologia. Porém para compreendermos essa complexidade é necessário

    nos colocarmos no lugar de escuta atenta, reconhecermos que nas relações

    com o outro somos constantemente deslocados para a condição de

    estrangeirismo, que é possível se ter uma compreensão e outras explicações

    de determinadas questões lançadas a partir de outros pontos de vista que

    pressupões outras redes de saberes.

  • 26

    Para o fortalecimento das perspectivas lançadas acima trazemos

    duas considerações de Santos (2002) a primeira é a que ele nos lembra que,

    toda prática social é uma prática de saber. O segundo ponto é quando nos

    sugere que não é possível uma justiça social sem que se tenha uma justiça

    cognitiva.

    Cultura da favela e a escola: Algumas questões acerca das

    invisibilidades no cotidiano escolar

    Cidade dos Homens, série passada em uma das emissoras da

    televisão brasileira, retratava a vida de dois meninos moradores de

    comunidade do Rio de Janeiro, na qual apresentava suas relações com

    diferentes espaços e personagens sociais; sejam as relações tecidas em

    diferentes lugares da própria comunidade e as vivenciadas no que dentro da

    comunidade é nomeado de “asfalto”, sendo esse composto por diferentes

    lugares: a rua, a praia, o shopping e entre outros, a escola. A série nos ajuda a

    potencializar algumas reflexões sobre as relações traçadas entre uma cultura

    local, que nesse caso chamaremos de cultura da favela - no qual mais a frente

    aprofundaremos a discussão sobre a escolha dessa terminologia - e uma

    cultura hegemônica, chamada dessa forma por tentar se reconhecer como a

    única possibilidade de explicação do mundo e tentando tornar invisível

    qualquer outra forma de manifestação.

    Figura 5 – Imagem retirada do site youtube

    http://www.youtube.com/watch?v=vIliPChFgRs

  • 27

    No episódio Coroa de Imperador televisionado em outubro de 2002, uma

    de suas cenas retrata a tradução do conhecimento dito escolar para uma leitura

    a partir das redes de conhecimento do personagem, Acerola. Em uma comum

    sala de aula de uma escola pública, a professora informa a seus alunos que

    eles não iriam ao passeio programado para ver a coroa do imperador, já que

    eles não sabiam a matéria que tinha sido trabalha na aula anterior. Tentando

    garantir o passeio tão esperado e batalhado por todos, Acerola, um dos

    protagonistas da série, pede a professora uma chance para mostrar que

    sabiam o que tinha sido estudado. Utilizando de uma experiência narrável

    (BENJAMIN, 1994), que é carregada de significados construídos e

    compartilhados a partir de uma vivencia coletiva em um determinado local, o

    personagem mostra que compreende o conteúdo, fazendo sua relação com as

    experiências vividas no seu cotidiano. No episódio, o aluno protagonizado pelo

    personagem Acerola faz uma associação da expansão do Império Napoleônico

    com as disputas de territórios pelas diferentes facções responsáveis pelo

    tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Acerola em sua fala faz a relação entre a

    disputa territorial e diferentes questões impulsionada pela lógica do mercado.

    A cena destacada no parágrafo acima nos propõe uma reflexão

    sobre algumas questões a cerca dos cotidianos escolares e as múltiplas redes

    de conhecimentos existentes nesses espaços, principalmente as situadas nas

    escolas em áreas de favelas. Nesse caso percebemos um fator determinante,

    que é o fato de a professora ter se colocado no lugar de uma escuta atenta.

    Destaco a importância desse fator, já que em muitas das vivencias no cotidiano

    escolar, não nos atentamos para isso. Há uma tentativa da prática escolar de

    elencar os conhecimentos reconhecidos como mais valorosos, a opção na

    transmissão desses saberes é orientada a partir de uma lógica hierárquica

    sancionada socialmente. Nesse fazer o conhecimento que é direcionado aos

    educandos quase sempre não dialoga com os seus saberes locais, assim os

    invisibilizando.

    A nossa tentativa nesse texto é apresentar algumas experiências

    vivenciadas em escolas públicas de favelas que vão ao encontro da reflexão

    proposta pelo episódio do seriado Cidade dos Homens. No diálogo com as

  • 28

    narrativas apresentadas traçaremos algumas discussões sobre a noção de

    redes de conhecimento.

    Cremos que o cotidiano é um lugar prolífero para pensarmos o

    plural, a diversidade de experiências existentes no mundo e a várias

    possibilidades de fazer com (Certeau, 1994). A menção a sugestão de Certeau,

    nos motiva antes de qualquer coisa a olharmos de forma crítica o nosso próprio

    fazer, que é cotidianamente desafiado a se reinventar diante da descoberta de

    outras visões de mundo, ou seja, novos saberes. Digo isso motivado pela

    descoberta que é o aprender com o outro, com a cultura do outro e com a

    experiência do outro. Esse outro que por desconhecimento muitas vezes

    silenciamos, os tornamos não existente, assim nos mantemos

    confortavelmente acomodados no lugar do que transmite, sem ter a aprender.

    Ao nos colocarmos no lugar de escuta atenta, temos a

    possibilidade de relativizar determinadas noções que temos sobre o

    conhecimento. Noções essas que são reflexo de formações, vivências sociais e

    preconceitos cultivados historicamente. Partimos da opção em falar de uma

    cultura da favela, expressão essa que parte não de uma tentativa de cristalizar

    ou “folclorizar” a produção cultural tecida pelas populações dessas

    comunidades, mas sim em uma perspectiva afirmativa de reconhecimento de

    um saber e de uma visão de mundo compartilhada por nossos educandos, o

    qual insistimos em tornar invisível. A nossa opção em cunhar esse termo se dá

    também em respeito à forma que os próprios indivíduos se reconhecem, ou

    seja, nesse caso a cultura da favela aqui apresentada caminha na contramão

    dos discursos e práticas conservados ao longo do tempo que tiveram e tem por

    objetivo marginalizar esses contextos e seus pertencentes.

    Compreendemos que as questões acerca das invisibilidades, que aqui

    são entendidas como as produções de não existência, perpassam por práticas

    que são facilmente identificáveis no cotidiano. Essas atuam no campo da

    inferiorização/marginalização dos modos de ser e estar dos indivíduos

    pertencentes a essa cultura. Como no exemplo de uma situação ocorrida em

    uma escola pública da cidade do Rio de Janeiro, situado na comunidade de

    Vila Paciência, em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro. Nas mais

    diversas escolas públicas por onde passamos - não sendo uma característica

    única das escolas públicas – é comum a prática de que uma turma para se

  • 29

    descolar de um espaço para outro faça o que chamamos de forma. Como é

    comum também que os alunos demorem a formar e até mesmo não

    permaneçam nesta. Entretanto, a professora contrariada com a desordem da

    fila virou para a turma e pronunciou a seguinte fala: “Vocês estão falando

    achando que isso aqui é o beco da favela que vocês estão acostumados. Eu

    não sou mãe de vocês não, a quem vocês não respeitam, eu aqui sou

    professora e vocês vão ter que me respeitar!”.

    A questão que devemos pensar a partir da fala da professora é a

    seguinte: qual a relação existente entre a uma não educação existente na

    forma e ser morador dos becos da favela? O porquê uma criança vinda desse

    contexto não teriam respeito a sua mãe? Será que isso pode ser compreendido

    como um fato social?

    Em outra escola localizada em outra região da cidade, uma situação

    similar aconteceu também no momento na qual as crianças tinham que formar.

    Após se virar para trancar a porta, a professora se depara com duas crianças

    brincando de maneira na qual, tinham bastante contato físico. Ora caiam, ora

    levantavam. A professora compreendendo de aquilo como uma não brincadeira

    expressou a seguinte fala: “Acho ótimo! Um vai morrer e o outro vai se preso e

    assim não terei mais trabalho. Continua, vai continua!”.

    Nesse caso as questões que emergem são as seguintes, independente

    de julgar se a brincadeira era pertinente ou não. O porquê a correção deve

    partir de um exemplo no qual um seria preso e outro morto? Compreendemos

    que ao fazer essa fala a professora remete se e reforça um destino comum que

    está presente no imaginário coletivo social em respeito às camadas populares

    e moradores das favelas. Imagens essas que estão próximas dos discursos

    proferidos pelas grandes mídias, que presente na fala da professora ganha um

    eco e contribuem para o fortalecimento e perpetuação de determinados

    estigmas e estereótipos.

    Por fim, esse trabalho apenas tem como proposta levantar algumas

    questões emergentes no cotidiano de escolas situadas em favelas da cidade

    do Rio de Janeiro. A nossa intenção foi evidenciar o que chamamos de cultura

    da favela, como o saberes locais que perpassam pelos modos de se vestir, de

    falar, de se manifestar corporalmente, de se organizar coletivamente, entre

    outros aspectos, ou seja, o modo de vida que é percebido na sociedade como

  • 30

    um marcador de diferenciação, geralmente inferiorizados e mantidos

    discriminadamente no espaço escolar.

    Cabe destacarmos que a discriminação aos modos de ser/estar dos

    indivíduos pertencentes a essas culturas tem relação direta com a prática

    pedagógica. A invisibilização cometida às práticas culturais se converte em um

    modo de violência exercido aos praticantes. Ressaltando o que já foi dito com

    base na referência de Santos (2002), na qual, toda prática social é uma prática

    de saber. Pensamos que um dos caminhos a ser seguido é encararmos essas

    questões culturais como oriundas de um saber relacionado a um contexto

    específico. Os traços identitários de uma cultura não são inerentes aos

    indivíduos pertencentes, são aspectos elaborados e aprendidos coletivamente

    na sociedade. É necessário ressaltar que os aspectos que os marcam

    negativamente perpassam por esse mesmo processo.

    A cultura da favela aqui abordada não esvazia e reduz o que realmente

    são essas culturas, que são dinâmicas e plurais. Ela aqui tratada apropria-se

    de uma terminologia para apresentar alguns aspectos experenciados no

    cotidiano e caminha ao encontro do que Santos (2002) sugere como ecologia

    de saberes, em uma perspectiva de possibilidades de superação contra uma

    monocultura do saber.

    Analisando as mudanças históricas que ocorreram com a profissão de

    orientador educacional e aproximando sua atuação com a perspectiva de redes

    de conhecimento (ALVES, 2008) e ecologias de saberes (SANTOS, 2002),

    pressupomos como é plural a nossa sociedade, assim, a escola emerge como

    um lugar composto pela diversidade. Reconhecemos que a escola cumpri um

    papel social na formação dos indivíduos, por ser um lugar onde se deve ser

    garantido o direito do processo de ensino-aprendizagem dos conhecimentos

    que são eleitos como indispensável para a vida em sociedade, entretanto, cabe

    salientarmos que além dos aspectos formadores, a escola emerge como um

    lugar de gerenciamentos de conflitos. Conflitos culturais, econômicos, morais,

    de gêneros, raça, territorial e cabe ao orientador educacional, no seu papel

    político e filosófico ser um dos mediadores desse conflito. Sendo conflitos

    processuais, eles estão sofrendo constante atualização e cabe ao orientador

    educacional estar atento a essas constantes atualizações políticas.

  • 31

    Dialogo com GRINSPUN (2008) em relação ao que foi dito acima,

    quanto esta nos propõe a trabalhar a partir de uma série de características que

    deve ser desempenhada pelo orientador educacional.

    • A orientação trabalharia em busca de uma cultura escolar. (p.28)

    Sugiro que ao propor uma cultura escolar, essa não seja pensada numa

    perspectiva monológica, já que seria impossível reduzimos a diversidade

    presente nos diferentes contextos escolares a um único modelo cultural. Esse

    trabalho propõe pensar a escola como um lugar de encontro entre os mais

    diferentes saberes e culturas. Um espaço onde se tenha como princípio o

    respeito a diversidade, onde os mais diferentes conhecimentos e modos de

    estar no mundo sejam respeitados e não invisibilizados e marginalizados.

    • A Orientação promoveria o desenvolvimento da linguagem dos

    alunos, através do estabelecimento do diálogo. (p.28)

    Para que proposta seja alcançada é necessário que respeitemos as

    diferentes as formas de expressão dos indivíduos, ressaltando que estas

    formas estão relacionadas à inserção e relação desses indivíduos com o

    mundo.

  • 32

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Esse trabalho discutiu o papel do orientador educacional a partir da

    noção de redes de conhecimento e ecologia de sabres. Considerando a escola

    como um espaço-tempo constituído pela diversidade existente no mundo,

    pluralidade esta que é refletida nas práticas e relações tecidas pelos indivíduos

    que estão presentes nestes contextos.

    Foi traçado um histórico da atuação profissional do orientador

    educacional, saindo de uma perspectiva marcada pela influência psicológica,

    no sentido funcional e instrumental, para uma perspectiva política, na qual o

    orientador educacional passa a ter uma preocupação e desenvolver um olhar

    mais atento para as questões sociais.

    Sobre os aspectos sociais se destacam as questões da diversidade na

    escola. Essas são elementos fundamentais para entendermos os conflitos

    atuais e o papel de mediação do orientador educacional. Dessa forma, este

    trabalho tem como objetivo contribuir para a ampliação do diálogo sobre o

    papel do orientador educacional e a emergência no tratamento das questões

    que abrangem as diversidades na escola.

  • 33

    ÍNDICE DE IMAGENS

    Figura 1 – Robert Doisneau ..............................................................................10 Figura 2- Francesco Tonucci....................................................... .....................15 Figura 3 – Robert Doisneau ..............................................................................16 Figura 4 – Robert Doisneau......................................................... .....................23 Figura 5 – Imagem retirada do site youtube ...........................................26

  • 34

    Referência Bibliográfica:

    ALVES, Nilda. Tecer conhecimento em rede In: ALVES, Nilda e GARCIA, Regina Leite. O Sentido da Escola. 5 ed.. Petrópolis: DP et Alii, 2008, p.91-99.

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    BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre a literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.197-221

    BRADÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1995.

    CAZELA, Graziela Francine. A teoria e prática da orientação educacional: um estudo de caso (2007). 31f. Monografia de conclusão do curso de Pedagogia. Universidade Federal de São Carlos: São Carlos, 2007.

    CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

    GRINSPUN, Mírian P.S. Zippin. A prática dos orientadores educacionais. 6. Ed. Aumentada. São Paulo: Cortez, 2008. ________________________. A orientação educacional: conflito de paradigmas e alternativas para a escola. São Paulo: Cortez, 2002. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. NÉRICI, Imídeo G.. Origens da Orientação Educacional e Necessidades da Orientação Educacional & A Orientação Educacional. In: Introdução à orientação Educacional. São Paulo. Atlas, 1976. OLIVEIRA, Inês Barbosa de. O currículo como criação cotidiana: redes de conhecimentos e práticas emancipatórias nas escolas. Rio de Janeiro: Laboratório Educação e Imagem (UERJ), 2011. _____________________. Boaventura & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. _____________________. Currículos praticados: entre a regulação e a emancipação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

    SANTOS, Boaventura de Sousa (2002), Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, 237-280.

  • 35

    AGRADECIMENTOSSUMÁRIO