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© 2007 Romualdo Portela de Oliveira e Theresa Adrião3a edição
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G393
Edição e capa: Expedito CorreiaRevisão: EsteJa Carvalho
Editoração Eletrônica: Xamã Editora
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Gestão, financiamento e direito à Educação : análiseda Constituição Federal e da LDB / Romualdo Portelade Oliveira e Theresa Adrião (organizadores) ; CesarAugusto Minto ... [et aI.). - 3. ed. - São PauloXamã, 2007.143 p. ; 23 em. - (Coleção Legislação e Política
Ed~cacional : textos introdutórios)
Bibliografia: p. 123-129.rSBN 978-85-7587-080-8
1. Brasil. Constituição (1988). 2. Brasil. Lei deDir~trizes e Bases da Educação Nacional (1996). 3.Enslno - Legislação - Brasil. 4. Direito à Educação _Brasil. r. Oliveira, Romualdo Portela de. rr. Adrião,Theresa. rrr. Minto, Cesar Augusto. rv. Série.
CDD 342.81
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ADCT - Ato das Disposições Constitucionais TransitóriasArena - Aliança Renovadora NacionalBM - Banco MundialCE - Conselho de EscolaCF 88 - Constituição Federal de 1988Consed - Conselho Nacional de Secretários Estaduais de EducaçãoCTN - Código Tributário NacionalDieese - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-EconômicosDL - Decreto-LeiDRU - Desvinculação de Receitas da UniãoECA - Estatuto da Criança e do AdolescenteEC - Emenda ConstitucionalEEPG - Escola Estadual de Primeiro GrauEEPSG - Escola Estadual de Primeiro e Segundo GrauEmef - Escola Municipal de Ensino FundamentalEMPG - Escola Municipal de Primeiro GrauFies - Programa de Financiamento EstudantilFHC - Fernando Henrique CardosoFNDE - Fundo Nacional para o Desenvolvimento da EducaçãoFPE - Fundo de Participação dos EstadosFPM - Fundo de Participação dos MunicípiosFundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básicade Valorização dos Profissionais da EducaçãoFundef - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundam nt Ide Valorização do MagistérioIBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e ServiçosInep - Instituto Nacional de Estudos PedagógicosINSS - Instituto Nacional do Seguro SocialIPI - Imposto sobre Produtos IndustrializadosIPVA - Imposto sobre a Propriedade de Veículos AutomotivosIR - Imposto de RendaITR - Imposto Territorial RuralITBI - Imposto sobre a Transmissão de Bens ImóveisMDE - Manutenção e Desenvolvimento da Educação
62ROMUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO (ORC.) - ,I'~"TA • FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCA~O
idéia de construção de instâncias de coop rc ão articuladas - em termos deresponsabilidades partilhadas pelas difer nl esferas administrativas para oatendimento de direitos - e a idéia de I boração de mecanismos de organização burocrática, constituindo-se de segm nlos de responsabilidade justapostos que não contemplam uma unidade d princípios para garantir a qualidade e a uniformidade do ensino plural a qu a população tem direito.
Nesse sentido, considerando o contexto histórico e político e a análisedos conteúdos expressos na legislação educacional - parte referente à educação contida na CF 88 e LDB nO 9.394/1996 -, parece-nos que a conclusãomaior, que emana tanto dos processos de elaboração dessas duas leis comode seus próprios conteúdos, é a de que os legisladores brasileiros não sepreocuparam em garantir uma educação escolar de igual e boa qualidadepara toda a sociedade brasileira. Entretanto, apesar disto, entendemos queos processos de elaboração dos planos estaduais e municipais de educação,se democráticos e participativos, podem e devem melhorar a legislação educacional em vigor, avançando no sentido de garantir uma educação pública,gratuita, laica e de qualidade para todos.
A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
THERESA AORIÃO ERUBENS BARBO A m; AMAUC;O
INTRODUÇÃO
Refletir sobre os avanços e os limites pr nt s no texto de nossa on·tituição Federal exige que lembremos, ainda que rapidamente, o cont xlo quenvolveu sua elaboração. A primeira coisa a frisar é que saíamos de um p .rfodo ditatorial com a expectativa e a necessidade de vivermos, principalmenla partir da década de 1980, relações mais democráticas.
A luta pelas liberdades democráticas; os primeiros grandes movimentosgrevistas; o movimento das "Diretas Já" pelo retorno de eleições para governantes; a conquista da liberdade de organização partidária, entre tantas outras ações no campo trabalhista, político e social, configuraram um "clima"por maior participação e democratização das várias esferas da sociedade brasileira, incluindo-se a organização do próprio Estado.
Assim, dentre os vários temas que compunham as pautas dos setoresprogressistas, estava o caráter autoritário e centralizador que caracterizou ofuncionamento do Estado brasileiro durante o regime militar (I964-1985), oqual passou a ser questionado por meio da defesa do aumento de sua permeabilidade ao controle público e às demandas sociais. A ênfase numa necessária publicização do Estado expressava-se em reivindicações, principalmente por parte dos movimentos populares e sindicais, pela instalação de procedimentos mais transparentes e de instâncias de caráter participativo com vistasà democratização da gestão do próprio Estado. De certa forma, em decorrência disso perspectivas participativas e democráticas tornaram-se plataformas dos partidos de oposição ao regime militar que disputaram as eleições a partir de 1982.
Foi principalmente no plano das reformas democráticas do Estado brasileiro que se insçreveram as perspectivas delineadas acima, com destaquepara a esfera legislativa, pois uma das formas de se procurar garantir m a·nismos e instâncias com conteúdos democráticos é consolidá-los I Se Im '1\.
te. É bom lembrar que todo e qualquer processo legislativo apr nt< ·S(" ( 111
essência, como espaço de disputas entre diferentes interess I multeIs Vl'Zl S
antagônicos, e que a lei, como resultado daquele proc sso, XPf(' ·S. éI .. uh •
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64ROMUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO CORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
se dos conflitos existentes. Mais explícita ou mais "pasteurizada" I, a lei é antes de tudo uma síntese, um produto de embates. Portanto, ainda que represente um avanço, a simples presença no texto legal de quaisquer medidasdemocratizadoras não implica sua execução. Eis parte da ambigüidade queacompanha as conquistas no plano da lei: as contradições entre o propostoe o implementado.
Apesar disso, os discursos propagados pelos setores democráticos organizados caracterizavam-se por reivindicar reformas no funcionamento do Estado por meio da institucionalização de conselhos ou similares, compostospor representantes da sociedade civil, cujo objetivo seria participar diretamente da elaboração de políticas sociais e garantir canais de fiscalização e controle da ação estatal.
Diversos foram os governos de oposição ao regime militar - em suamaioria compostos por integrantes do~ Movimento DemocráticoBrasileiro (tMDB) - que passaram a a~unciar medidas visando atender a essesanseios democráticos, medidas essas materializadas na criação de instânciasna estrutura do Estado com o objetivo de propor, acompanhar e/ou controlar políticas setoriais. Exemplos dessas instâncias foram os conselhos de Saúde (regionais e municipais) e o Conselho da Condição Feminina (federal eestaduaI), entre outros.
No texto constitucional de 1988, a previsão de mecanismos de democratização da gestão do Estado pode ser observada no âmbito dos direitosindividuais e dos direitos sociais. No primeiro caso, constitui tema tratado noinciso XXXIII do Art. 5°, segundo o qual todos têm direito de acesso a informações de interesse individual, coletivo ou geral, a serem expedidas, sob penade responsabilidade, por órgão público no prazo que a lei determinar: "todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesseparticular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo dalei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado" (BRASIL, 1988).
No caso dos direitos sociais, após definir a educação como um dessesdireitos (Art. 6°), a Constituição Federal assegura em seu Art. lO, a todos ostrabalhadores e empregadores, a possibilidade de participarem em órgãoscolegiados da esfera pública nos quais seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão: "É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus
I onforme Minto (1996), o termo "pasteurizado" procura dar significado a um processo legislativo emlU os interesses em jogo não conseguiram alcançar, individualmente, pleno êxito em determinada'11,11 'ri legislativa, de maneira que o texto legal final é tão genérico que serve a todos os interesses,
I RlInelo suas dif rentes interpretações.
65THERESA ADRIÃo E RUBENS B. DE CAMARGO - A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA CONSTITUIÇÃO..•
interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação" (BRASIL, 1988).
Também no capítulo destinado à administração pública encontramosmenções a procedimentos que ampliam a participação dos usuários de serviços públicos ou funcionários, na avaliação dos serviços prestados e no acesso a registros informativos da administração direta ou indireta (BRASIL, 1988,Art. 37).
Em síntese, com vistas à democratização da gestão do Estado por meiodo aumento da participação da população em suas instâncias,2 O texto constitucional menciona básica e genericamente dois procedimentos: o acesso àinformação e à participação de representantes de setores específicos em órgãos da administração pública.
o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA GESTÃO DEMOCRÃTICA DO ENSINO
Um primeiro aspecto a ser destacado refere-se ao ineditismo da gestãodemocrática como princípio da educação nacional em um texto constitucional brasileiro, já que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a introduzilo. O mesmo não acontece com os princípios de gratuidade e obrigatoriedade,os quais encontram-se presentes em textos anteriores. Uma das causas des-a inovação parece relacionar-se à existência, à época da eiaboração da atuI Constituição Federal, de importantes movimentos nacionais voltados para
a redemocratização do país.Mas qual a importância de um princípio constitucional?O termo "princípio" é empregado para designar, na norma jurídica es-
rita, os postulados básicos e fundamentais presentes em todo Estado de direito, ou seja, são afirmações gerais no campo da legislação a partir das quaisdevem decorrer as demais orientações legais. Geralmente, são os princípiosque norteiam o detalhamento dos textos constitucionais. Ao menos formalmente, podemos dizer que sua importância reside no fato de que, por se constituírem nas diretrizes para futuras normalizações legais, os princípios não podem ser desrespeitados por qualquer medida governamental ou pela açãodos componentes da sociedade civil, tornando-se uma espécie de referênciapara validar legalmente as normas que deles derivam.
O princípio da gestão democrática do ensino e sua introdução na Constituição de 1988 também redundou em conflitos. Com o objetivo de i1ustrá-
I Segundo Norberto 8obbio (1989), ao se avaliar a amplitude da democracia em uma dada sociedade,para além da aferição do grau de desenvolvimento de uma sociedade democrática por meio daInstitucionalização do sufrágio universal, cabe verificar a quantidade existente de instâncias nas quais se
xerça o direito de volo de decisão, na organização do Estado.
66III IMlIALDO I~ UI: OLlVEIHA E TIIEIlESA ADRIÃO (ORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
lo . nt ndermos O caráter de síntese atribuído anteriormente ao texto le-al, Interessante lembrarmos alguns embates que ocorreram nas comissões
. subcomissões encarregadas de discutir a educação no processo constituInte. (1987-198.8) entr~ diferentes setores diante da questão da gestão democ~átJ~a do enSIno. SucIntamente, podemos identificar a existência de duas posi~o.es expressas por setores organizados da sociedade civil com representalIvlda~e no Le?isl~tivo: que conformaram o debate em torno do sentido quedevena ser atnbUlclo a gestão da educação.
O p.rimeiro setor refere-se ao grupo identificado com as posições do Fórum N~clOnal em Defesa da Escola Pública, constituído por entidades de caráter naclOn~14 cujo posicionamento, no tocante à gestão da educação e da escola, refletIa a defesa do direito à população usuária (pais, alunos e comunida~e loca!). de participar da definição das políticas educacionais às quais est~na~n sUJ~Jtos .. :~ra esse setor, formar cidadãos para uma sociedade particlpatJV~ e IgualItana pressuporia vivências democráticas no cotidiano escolar,traduzIdas na .presença de mecanismos participativos de gestão na própriae~cola e nos sIstemas de ensino. Esta proposição englobava tanto os estabeleclme~tos ~ficiais quanto os da rede privada de ensino, em todos os níveis.Em ~ISt~ dISSO, ~ ~órum Nacional em Defesa da Escola Pública apresentou àCon~l1~sao Co~stltuInte encarregada das discussões sobre o capítulo da educaça0 a, ~eguInte re~ação para a formulação do texto constitucional: "gestãodemocrat.lca do ensIno, com participação de docentes, alunos, funcionáriose comumdade".
De m~do oposto, o segundo setor, ligado aos interesses privados do cam~o cduca~lO~al e composto tanto por representantes do chamado empresanado educaCIonal quanto por representantes ligados às escolas confessionais 5
co.ntrap~nha-se ~ .tal formulação. Aqui, o grau "aceitável" de participação res~nua-se a POSsIbilIdade de famílias e educadores colaborarem com direçõese/ou mamenedoras dos estabelecimentos de ensino.
As diferenças entre as duas orientações expressavam-se tanto na q\.tali-dade da ) r'" - '-, ar upaçao, como forma de mtervençao nos processos decisóriosou como mera colaboração na implantação de medidas previamente decidi-
3 Para mdhor definir os participa t bln es e os ocos atuantes durante o processo constituinte (1987/1988)
ver DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR (1988). '
~ Abe:' A~b:6' AB/, -Abruem, Ação Educativa, AEC, Aelac, Ande, Andes-SN Andifes Anfope AnpaeEnPt '- ' Anup, Caed, CBCE, Cedes, CFP, CNBB, CNTE, Condsef, Contee Den~m Enec' Enecos'~~~rM~neMn·STEneenf, Enesso, ~nev, ExNep, Exneef, Exnef, Fasubra-Sindical, Feab, Fe~eco, Forumdir',
, , OAB, SBPC, SlOasefe, Ubes, Undime, UNE.
, Dt~nte o processo constituinte, os interesses dos estabelecimentos privados de ensino foram represen a os, pnontanamente, pelo grupo de parlamentares conhecido como "Centrão".
67THERESA ADRiÃo E RUBENS B. DE CAMARGO - A GESTÃO UEMOCRÁTlCA NA NSTITlIlI: II
elas, quanto na composição das futuras instâncias, com a xclus o 011 111 111
são de diferentes segmentos da comunidade escolar nos proc 'sso~ 11.1,11cipativos e a proporção com que cada segmento seria representado.
No texto que comporia o anteprojeto de Constituição, a comissolO d.sistematização incorporou o conceito de gestão democrática do ensino d •fendida pelo primeiro setor. No entanto, sua formulação foi alterada m pl'nário, por meio de uma emenda coletiva apoiada pelos setores conserv. d •res. Em vista disso, a redação final na CF 88 adquiriu um conteúdo, de rtomodo, duplamente restritivo, redundando na seguinte e definitiva versão:
Capitulo IIIDa Educação, da Cultura e do DesportoSeção IDa educaçãoArtigo 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princfpios:VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; (BRSAIL, 1988)
Em primeiro lugar, o adjetivo "público" foi acrescentado à palavra ensino,excluindo a extensão da gestão democrática ao ensino privado. Em segundolugar, a expressão genérica "na forma da lei" delegou sua exeqüibilidade àlegislação complementar. Ou seja, a LDB6 e todas as demais expressões legaisincumbidas da regulamentação constitucional definiriam o significado e osmecanismos para implementação de tal princípio. Dessa maneira, na redaçãoaprovada (gestão democrática do ensino público, na forma da lei), a manutenção da gestão democrática do ensino público, ao mesmo tempo que seconfigurou como conquista por parte dos segmentos comprometidos com ademocratização da gestão da educação, representou uma conquista parcial,na medida em que teve sua abrangência limitada e sua operacionalização delegada a regulamentações futuras, o que significou que sua aplicabilidade foiprotelada. Além disso, a idéia da gestão democrática do ensino não recebeumais nenhuma referência ao longo de todo o texto constitucional.
Tendo em vista o tênue tratamento que a Constituição Federal reserva àtemática da gestão, especialmente quando relacionada à educação e, umavez que mesmo no capítulo específico sobre as diretrizes que devem conformar o funcionamento dos órgãos públicos em seus diversos níveis o termo"gestão" não aparece e, em seu lugar, é utilizada a palavra "administração",torna-se necessário relembrar a distinção dos significados que uma e outrapalavra parecem adquirir no discurso educacional, especialmente a partir dadécada de 1990.
6 Tema tratado por Paro em artigo neste livro.
6811OMUALDO P. DE OLIVEIRA E TIIEHESA ADRIÃO (ORG.) - GF.STÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
À semelhança das produções na área da administração empresarial, hojedenominada gestão empresarial, os textos e inclusive a legislação educacional passaram a utilizar a palavra gestão como sinônimo de administração,tendência observada nos últimos anos, quando da substituição das expressões administração da escola ou administração da educação por gestão daescola ou gestão da educação, inovação que pode ser interpretada de diferentes maneiras.
Uma opção interpretativa apregoa que a substituição sugere uma tentativa de superação do caráter técnico, pautado na hierarquização e no controle do trabalho por meio da gerência científica, que a palavra administração (como sinônimo de direção) continha. Neste caso, sua substituição pelotermo gestão pode significar a adoção de uma nova lógica na organizaçãodo trabalho, cujo pressuposto seria evidenciar os aspectos políticos inerentesaos processos decisórios (CAMARGO, 199"'. Este foi o sentido atribuído aotermo gestão quando proposto pelos movimentos em defesa da democratização dos processos decisórios na esfera educacional atuantes no processoConstituinte.
Contrariamente, uma segunda interpretação é proposta por João Barroso(1995) ao refletir sobre as reformas educacionais em Portugal e em outros países, onde se observa o mesmo fenômeno. Para o autor, essa substituição nãoseria neutra e encobriria uma perspectiva neotaylorista expressa na separaçãoentre a esfera técnica (gestão) e a esfera da política (administração). Quantoao grau de abrangência de um e outro termo, o campo da administraçãocorresponderia aos aspectos relativos à definição dos fins ou objetivos de dadoprocesso, adquirindo um caráter mais geral em função do qual se daria a escolha e a adoção dos meios considerados mais eficazes: administrar algo pressuporia a gestão desse algo. Já a palavra gestão - que na literatura especializada ang10-saxônica corresponde à expressão management ou gerência7 - designaria os processos de seleção e implantação de mecanismos e procedimentos para se atingirem os fins definidos. Administrar e gerir compreenderiamatividades diferentes. A primeira diria respeito aos processos decisórios - aspectos políticos - enquanto a segunda, aos mecanismos de implantação dodecidido - aspectos técnicos (BARROSO, 1995). Assim, a separação entre elaboração e execução e entre agentes ou instâncias de elaboração e de execuçãopode ser designada por expressões diferenciadas, demarcando, no plano dodiscurso, as tentativas de despolitizar a administração da educação e da escolaem nome de uma racionalidade técnica e pretensamente consensual. No Bra-
7 É bom lembrar que grande parte dos te6ricos e dos documentos que sustentam as propostas dereforma em educação generalizadas na década de 1990 tem no inglês sua língua de origem.
69THERF.SA ADRIÁO E RUIlENS B. DE CAMARGO - A GF.STÃO DEMOCRÁTICA NA CONSTITUiÇÃO...
sil, tem-se verificado o uso corrente das duas formas, sem diferenciação emseu significado (ADRIÃO, 2006).
Por último, convém lembrar que o texto constitucional não se refere aoentendimento que os legisladores imprimiram à idéia de democratização presente no princípio. Delegou-se, aqui também, para futuros embates e instâncias a necessária definição do termo. No entanto, recordemos que, apesardo adiamento, o significado atribuído à democratização contaria com algunsindicadores preestabelecidos que norteariam qualquer futura medida. O primeiro pode ser encontrado no conteúdo dos artigos relativos aos direitos individuais e sociais e à administração pública, citados no primeiro item, nosquais se encontra certa preocupação com a consolidação de mecanismosque favoreçam o acesso de usuários e funcionários à informação e à participação na administração pública.
O segundo relaciona-se ao âmbito das práticas sociais e, mais precisamente, das práticas diretamente relacionadas à esfera da educação. Nelas,algumas experiências e "modelos" de participação já se cristalizaram. Comoexemplo, podemos citar a "tradição" do usuário da escola pública em partici-par dos mecanismos de gestão coletiva existentes na escola (APM e CE) e apouca tradição de sua presença nos órgãos do sistema; a composição doscolegiados escolares pelos diferentes segmentos da chamada comunidade ,./escolar e sua submissão a uma direção "profissionalizada'~etc~ fP
Lembre-se de que os conselhos escolares existentes ao final da décadade 1980 nas redes públicas de ensino do país apresentavam característicasque resultavam, em grande medida, de uma teia organizacional centralizadora,refletindo também o grau de disputas existente entre governantes, movimentos sociais, educadores e comunidade usuária quando de sua proposição.
Todavia, mesmo antes da Constituição de 1988, a ampliação deste tipode instância - o CE - pela adoção nas diferentes redes de ensino era vistacomo um dos meios para a democratização das relações de poder no interior da escola, marcadamente hierarquizada e centralizada na figura do diretorou de seus superiores: chefe do departamento de educação, secretário deeducação, prefeito, etc.
Tal perspectiva apresentava-se como alternativa às concepções e práticas calcadas numa neutralidade na tomada de decisões e numa legitimidade meritocrática para a gestão das unidades escolares, no caso dos processos seletivos via concurso público. Há que lembrar também que reivindicara democratização da gestão escolar adquiria, em alguns casos, um caráterde combate às práticas c1ientelistas de escolhas dos dirigentes escolares,pois, em muitos sistemas públicos de ensino, tal escolha resulta da indicação, por exemplo, de governantes ou vereadores (PARO, 2000a; 2000b; OLIVEIRA, 1997).
701l0MUALDO I~ DE Ol.lVORA I: TllmESA AORIÃO (ORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
Ao pressupor a democracia como princípio e como método, os conselhos scolares devem estar atentos aos fins almejados para a educação, bem'omo aos conseqüentes processos que lhes são correlatos.
A democracia como princípio articula-se ao da igualdade ao proporcionar, a todos os integrantes do processo participativo, a condição de sujeitosexpressa no seu reconhecimento como interlocutor válido; como método,deve garantir a cada um dos participantes igual poder de intervenção e decisão, criando mecanismos que facilitem a consolidação de iguais possibilidades de opção e ação diante dos processos decisórios.
Nesses termos, os conselhos de escola apresentam-se como espaços públicos privilegiados, nos quais tensões e conflitos, ao serem superados, desestabilizam práticas monolíticas ou pretensamente "harmoniosas" de gestão,ao mesmo tempo que se configuram como espaços institucionais de articulação de soh:lções locais para os problemas do cotidiano escolar.
DEMOCRACIA E DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA ESCOLA: CONSEQÜÊNCIAS DO
PRINCÍPIO
Como vimos, a presença do princípio aqui analisado resultou em grande medida do "clima" de democratização então presente na sociedade brasileira, clima este que se traduzia também em práticas sociais concretas comoo são as políticas governamentais.
O princípio constitucional da gestão democrática do ensino público, se,de um lado, indicou a incorporação de experiências já existentes de democratização da gestão da educação básica - como, por exemplo, as das redespúblicas de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso, nas quais as demandaspor democracia redundaram, já no início dos anos 1980, na implantação deconselhos escolares de natureza deliberativa, eleição de dirigentes e/ou estímulo aos grêmios estudantis -, de outro, favoreceu a generalização de políticas voltadas para o aumento da participação de educadores e usuários nagestão escolar nas redes públicas em que ainda não ocorriam.
Ressalte-se que tais medidas, por sua vez, tenderiam a limitar-se à esferadas unidades escolares e a expressar-se principalmente por meio da presença de colegiados ou conselhos gestores, pouco ou nada avançando no sentido da constituição de mecanismos reais de participação de trabalhadoresem educação e usuários das redes públicas em instâncias decisórias dos sistemas de ensino.
Em parte, esse resultado pode ser atribuído à omissão do texto constitucional com relação à definição de diretrizes gerais para a constituição eg stão dos diferentes sistemas de ensino. Ao delegar para leis futuras, especialmente para a LDB - elaborada após oito anos -, a definição de tais orien-
71THERESA AORIÃO I; RUBENS B. DE CAMARGO - A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA CON TITUIÇA ..
tações gerais, a Constituição de 1988 permitiu que cada sistema definiregulasse sua própria organização e funcionamento, pouco ou nada avanç ndo na criação de procedimentos diferentes dos já existentes.
No entanto, é no âmbito da gestão escolar que o princípio da democratização do ensino se consolida como prática concreta. Portanto, cabe entender os limites e as possibilidades da lei, menos como expressão de normasjurídicas e genéricas e mais como instrumento indutor de modificações depráticas sociais concretas, neste caso, das práticas escolares. Essas mesmaspráticas que se quer comprometidas com o aumento da qualidade sociaiS que
se deseja inaugurar.
• Por qualidade sodal entende-se a luta contra qualquer tipo de apartação social e suas causas; o acessoa todos de informação a respeito do usufruto dos direitos humanos e sociais; a garantia do acesso eda permanência na escola; e a garantia da consolidação de melhores condições para o ensino e aaprendizagem, por meio da minimização da fragmentação do conhecimento e da resolução coletiva edemocrática dos assuntos que dizem respeito ao cotidiano escolar.
o PRINCÍPIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTI A
NO CONTEXTO DA LDB*
VITOR HENRIQUE PARO
Na medida em que a administração seja entendida como a utilização racional de recursos para a realização de determinados fins (PARO, 1986), é bastante vasto o conjunto de determinações constantes na atual LDB que diz respeito à gestão da educação. Todavia, é possível levantar alguns pontos quedizem respeito mais diretamente à democratização da gestão das unidadesescolares.
A este propósito e à guisa de uma abordagem preliminar, apresento aseguir seis temas que considero relevantes para a discussão. Esses temasnão esgotam, evidentemente, o rol de questões que se podem levantar sobre o assunto, nem pretendem ser tratados de forma exaustiva, mas apenas iniciar um debate que pode ser proveitoso para a busca de soluções ealternativas.
1 As NORMAS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA
Art. 3~ - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:[... ]VIII - gestão democrática do ensino público na forma desta Lei e da legislação dossistemas de ensino;[... )Art. 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensinopúblico na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme osseguintes princípios:1- participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico daescola;1I- participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.[... ) (BRASIL, 1996b).
. Trabalho apresentado no 18° Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educação realizadoem Porto Alegre, de 24 a 28 de novembro de 1997 e publicado em: Revista Brasileira de Administração da Educação, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 243-251, jul./dez. 1998.
74ROMUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO (ORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
Como se percebe, o Art. 3~, inciso VIII, repete a fórmula da ConstituiçãoFederal que, no inciso VII de seu Art. 206, apresenta como princípio "a gestão democrática do ensino público na forma da lei".
Em ambos os dispositivos, o primeiro aspecto que salta aos olhos doeducador minimamente consciente da natureza da educação é o absurdo dese restringir a "gestão democrática" ao ensino público. Significa isso que oensino privado pode-se pautar por uma gestão autoritária? Numa sociedadeque se quer democrática, é possível, a pretexto de se garantir liberdade deensino à iniciativa privada, pensar-se que a educação - a própria atividade deatualização histórica do homem, pela apreensão do saber - possa fazer-sesem levar em conta os princípios democráticos?
Por aqui dá para perceber a que disparates nossos legisladores se prestam, quando, cedendo à ânsia do lucro representada nos lobbies dos interesses privados, permitem que a lógica do mercado se sobreponha à razão eaos interesses da sociedade.
A segunda observação a se fazer é sobre a pretensão que parece estarpresente na LOB de, com este dispositivo pífio, se entender que a regulamentação legislativa prevista na Constituição esteja esgotada no âmbito nacional.O princípio aí estabelecido é o de que a "gestão democrática" se dará "naforma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino", fazendo supor que,em termos de legislação federal, esta lei esgota o assunto. Isto é confirmadopelo Art. 14, que estabelece "princípios" que devem nortear "as normas dagestão democrática do ensino público na educação básica", que, segundo omesmo artigo, serão definidas pelos "sistemas de ensino".
Na verdade, era mesmo de esperar que uma lei que pretendesse estabelecer as diretrizes e bases da educação no país contivesse normas bem definidas e com validade nacional a respeito da maneira de se concretizar umprincípio inerente à própria natureza civil (GRAMSCI, 1978) da atividade educativa. Mas isso ficou muito longe de acontecer. Ao estabelecer os princípiosque nortearão "as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica", esse Art. 14 é de uma pobreza sem par. O primeiro princípioé o que há de mais óbvio, já que seria mesmo um total absurdo imaginarque a "elaboração do projeto pedagógico da escola" pudesse dar-se sem a"participação dos profissionais da educação". O segundo (e último!) princípio apenas reitera o que já vem acontecendo na maioria das escolas públicas do país. Além disso, ao prever a "participação das comunidades escolare local em conselhos escolares ou equivalentes", sequer estabelece o caráterdeliberativo que deve orientar a ação desses conselhos, outra conquista dap pulação que se vem implantando nos diversos sistemas de ensino.
Quando os grupos organizados da sociedade civil, em especial os traba-IInd r m du ação, pressionaram os constituintes de 1988 para inscreve-
75VITOR H. PARO - O PRINCÍPIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO DA LDn
rem na Carta Magna o princípio da gestão democrática do ensino, eles tavam legitimamente preocupados com a necessidade de uma escola fundadasob a égide dos preceitos democráticos, que desmanchasse a atual estruturahierarquizante e autoritária que inibe o exercício de relações verdadeiram nte pedagógicas, intrinsecamente opostas às relações de mando e submissãoque são admitidas, hoje, nas escolas.
Em vez disso, ao renunciar a uma regulamentação mais precisa do princípio constitucional da "gestão democrática" do ensino básico, a LOB, alémde furtar-se a avançar, desde já, na adequação de importantes aspectos dagestão escolar, como a própria reestruturação do poder e da autoridade nointerior da escola, deixa também à iniciativa de estados e municípios - cujosgovernos poderão ou não estar articulados com interesses democráticos - adecisão de importantes aspectos da gestão, como a própria escolha dos dirigentes escolares (PARO, 1996).
Diante desse quadro, é importante que todos aqueles interessados na democratização da escola pública, além de pressionarem os parlamentares pararegulamentarem de fato o princípio constitucional, envidem esforços na elaboração de um projeto de regulamentação que realmente expresse os interessesdemocráticos. O projeto de lei formulado pelo Instituto Paulo Freire, por solicitação do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) (GAOOTTI;ROMÃO, 1997, p. 133-142), pode prestar-se a um início de discussão.
2 CONDIÇÕES DE TRABALHO NA ESCOLA
Art. 4° - O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediantea garantia de:[... )IX - Padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processode ensino-aprendizagem.i\rt. 25 - Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relaçãoadequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condiçõesmateriais do estabelecimento.Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimentodo disposto neste artigo. (BRASIL, 1996b)
Esses dispositivos têm a ver com a gestão democrática da escola na medida em que dizem respeito à ne~essária adequação de recursos e pessoalpara dar conta dos objetivos da escola pública. Sua presença na LOB podeservir de important apoio legal para reivindicações essenciais nesse sentido,
orno por ex mplo < d upr ssão das classes abarrotadas de nossas esco-
71l0MlJALI r. DE L1VEIRA E TIIEnESA ADRIÃO (ORG.) - GESTÃ ,FINAN lAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
las e de sua substituição por uma relação professor/aluno minimamente condizente com a natureza do trabalho docente na escola básica.
Parece ter-se generalizado nos meios políticos e administrativos do país,com amplo apoio da 'mídia, o discurso segundo o qual, em termos de atendimento à demanda por ensino fundamental, já chegamos ao atendimentoem termos quantitativos, posto que praticamente todos os jovens e criançastêm acesso a esse nível de ensino. O que faltaria seria a permanência dessesalunos na escola e a melhoria da qualidade do ensino oferecido.
Trata-se, na verdade, da grande farsa educacional que consiste em separar conceitos como qualidade e quantidade, que são dialeticamente interdependentes, para mistificar a realidade de nosso pseudo-ensino. Se a quasetotalidade das escolas não tem condições mínimas de funcionamento, demodo a manter aí os estudantes e a exibir um mínimo de qualidade que nãocomprometa sua condição de escola, não de meros prédios que abrigamcerto número de crianças, então não se pode falar em quantidade. Quantidade de quê? Não se trata certamente de quantidade de escolas, já que lhesfaltam as características intrínsecas a qualquer escola, ou seja, as condiçõesde uma casa onde se ensina e se aprende. E de nada adianta os donos dopoder porem a culpa na baixa qualidade dos' professores, providenciandoparabólicas. que dão lucro aos empresários, ou apontar como causa a incompetência administrativa dos diretores, providenciando belas estratégias para aadministração, com qualidade total, dos recursos, se o que falta são precisamente os recursos em qualidade e quantidade adequadas ao número de alunos que se precisa atender.
Com respeito a essa necessária compatibilidade entre o número de alunos e "a quantidade mínima de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem" de que fala o Art. 4° da LOB, nãodeixa de ser surpreendente a ausência de um movimento mais incisivo depressão por parte dos educadores com respeito à exigência de um número de alunos por sala mais condizente pelo menos com as mínimas exigências didático-pedagógicas. Como admitir que, nas condições de trabalho de nossas escolas públicas, um professor das primeiras séries do ensino fundamental, por exemplo, possa dar conta integralmente de sua missão educativa, tendo de lidar com classes de mais de 40 e às vezes de 50alunos, como é a regra em nosso sistema público de ensino, quando ummínimo de bom senso recomendaria classes bem menores, com 20 ou 25alunos?
É por essa razão que não se pode ignorar a importância dos dispositivos constantes nos artigos 4° e 25 da LOB, acima anunciados, como base legaI para reivindicações nesse sentido.
77VITOR 11. PARO - o PRINCipIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO ON11::><TO IlA 1111\
3 A AUTONOMIA DA ESCOLA
Art. 15 - Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públi a d' '(111cação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica admlnistrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito flnan Iropúblico. (BRASIL, 1996b)
Ultimamente, a questão da autonomia da escola deixou de estar presente apenas na fala dos educadores progressistas para fazer parte também dodiscurso conservador e privatista da educação. De qualquer forma, a presença desse dispositivo, embora vago, contribui para manter na ordem do diaessa questão.
É preciso, entretanto, estar atento para, com relação à autonomia administrativa, não confundir descentralização de poder com "desconcentração"de tarefas; e, no que concerne à gestão financeira, não identificar autonomiacom abandono e privatização. A descentralização do poder se dá na medidaem que se possibilita cada vez mais aos destinatários do serviço público suaparticipação efetiva, por si ou por seus representantes, nas tomadas de decisão. Para que isso aconteça, no caso do ensino público, não basta a desconcentração das atividades e procedimentos de cunho meramente executivo, como vem acontecendo. É necessário que a escola seja detentora de ummínimo de poder de decisão que possa ser compartilhado com seus usuários com a finalidade de servi-los de maneira mais efetiva.
Durante o período da ditadura militar, no Brasil, os educadores investiram fortemente na luta pela autonomia da escola, em oposição ao controlepolítico-burocrático que se impunha às unidades escolares. Hoje, quando osdonos do poder se apropriaram também do discurso da autonomia e procuram negar a escola, não pela repressão, mas pelo boicote das condiçõesmateriais de funcionamento, não basta a defesa da autonomia. É precisoprincipalmente se contrapor a esse movimento que, com o discurso da autonomia - e da necessidade de participação da comunidade e passagem docontrole das escolas às mãos da sociedade civil -, o que está fazendo é justificar medidas tendentes a eximir o Estado de seu dever de arcar com oscustos das escolas, com soluções que deixam estas à própria sorte, induzindo participação da comunidade, não para decidir sobre seus destinos, maspara contribuir no financiamento do ensino.
No que concerne à autonomia pedagógica, também prevista nesse Art.15, é preciso ter presente que ela deve fazer-se sobre bases mínimas de conteúdos curriculares, nacionalmente estabelecidos, não deixando os reais objetivos da educação escolar ao sabor de interesses meramente paroquiaisdeste ou daquele grupo na gestão da escola. Não esquecer, afinal, que aautonomia nem sempre está associada à democracia.
78H MUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO CORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
4 A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA GESTÃO ESCOLAR
Ar!. 12 - Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seusistema de ensino, terão a incumbência de:I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;11 - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;111 - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;VI - articular-se com as familias e a comunidade, criando processos de integração dasociedade com a escola;VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos,bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.Art. 13 - Os docentes incumbir-se-ão de:[... ]VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as familias e a comunidade. (BRASIL, 1996b)
°Art. 12, além dos cinco primeiros incisos, que se referem ao planejamento e racionalização das atividades no interior da escola, traz, em seus incisos VI e VII, determinações que tendem a produzir importantes reflexos sobre a gestão democrática da escola pública, na medida em que estabelecemo dever da escola de levar em conta a família e a comunidade, integrando-asàs atividades escolares. Na mesma direção caminha o Art. 13, ao estabelecera obrigação dos professores de colaborar com essa articulação.
Cada vez mais se afirma a participação da comunidade (especialmentedos pais), não apenas como um direito de controle democrático sobre osserviços do Estado, mas também como uma necessidade do próprio empreendimento pedagógico que é levado a efeito na escola, mas que supõe seuenraizamento e continuidade com todo o processo de formação do cidadãoque se dá no todo da sociedade (PARO, 2000c). Embora vaga, a determinação contida no inciso VI do Art. 12 reconhece a importância desse aspecto,acenando para o fortalecimento da participação dos usuários na gestão daescola. Isto pode funcionar como um importante suporte legal para cada vezm.ais se incrementarem medidas tendentes a chamar a comunidade para aescola para participar das decisões a respeito dos seus rumos e da realização de seus propósitos educativos.
A proposição contida no inciso VII do Art. 12 com respeito à incumbên-ia dos estabelecimentos de ensino de informar os pais e responsáveis "so
br a xecução de sua proposta pedagógica" pode ser muito rica e plena designificados para o exercício de uma verdadeira gestão democrática da escola. N verdade, uma gestão escolar com efetiva participação dos usuários não(\ 'v('ri ba tar-se com a comunicação aos pais do andamento de suas ativi-
79VITOR H. PARO - o PRINcfPIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO ONTEXT) IlA IIUI
dades, mas já é um avanço significativo em direção a procedim nl '<1\1(' 111cluam a participação dos usuários (tanto alunos quanto pais e re p n '( V(' s)na própria avaliação dos serviços que a escola presta.
A avaliação, como elemento imprescindível no processo de realizaç o <Iobjetivos em que se constitui a administração escolar, não pode consi lirapenas na aferição do desempenho discente feita pelos professores, nem nafamigeradas avaliações externas atualmente em voga e que consistem naaplicação de testes e provas ao estilo dos concursos vestibulares. Uma verdadeira avaliação escolar comprometida com a apropriação do saber pelo educando, não com sua capacidade para tirar notas ou responder a provas etestes, deve levar em conta todo o processo escolar e incluir como avaliadores permanentes aqueles que se beneficiam de seus serviços, o que abrange,além dos alunos e alunas, também seus pais ou responsáveis.
Um processo de integração dos pais na tomada de decisões na escola eespecialmente na avaliação de suas atividades pode ser benéfico em duplosentido: em primeiro lugar, porque os pais se colocam como interlocutoresimportantes diante dos trabalhadores da escola, especialmente dos professores, que passam a ter diante de si, mais concretamente, aqueles a quem devemprestar conta da qualidade de seus serviços; em segundo lugar, porque, assim, os pais podem inteirar-se mais efetivamente dos problemas da escola,lendo mais condições para poder reivindicar do Estado providências e soluções e, dessa forma, exercer plenamente o direito (e dever) de controle democrático do Estado, exigência fundamental de uma democracia social(BOBBIO, 1989).
5 A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS DIRIGENTES
Artigo 64 - A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica seráfeita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.(BRASIL, 1996b)
Com respeito à formação dos chamados "especialistas de educação", aLDB pouco inova com relação à legislação anterior. ° principal problema comesse Art. 64 é a vinculação da formação desses profissionais, na graduação,ao curso de pedagogia, prolongando a nefasta associação com as atuais habilitações. Herdeira do tecnicismo educacional, esta concepção, no que serefere ao diretor escolar, insiste em propugnar por uma formação diferenciada para o ocupante d sse posto, como se todos os educadores escolares nãodevessem ser candidatos a uma eventual função diretiva na escola. Ao mesmo tempo, ignora a esp cificidade, a complexidade e a importância do cará-
80ROMUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO CORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
ter político-pedagógico das funções exercidas pelo dirigente escolar, reduzindo-as ao tecnicismo presente nos chamados "princípios e métodos" da administração empresarial capitalista.
Cada vez mais se forma entre os educadores a consciência a respeito dainadequação do atual sistema de formação do educador escolar em nível superior, ocasionada pela separação entre o curso de pedagogia e as chamadaslicenciaturas. Supondo-se que todo professor, em princípio, deve ser um dirigente escolar em potencial, o correto seria, como propus em outra ocasião,que sua formação contivesse, pelo menos, os conteúdos básicos sobre "seuconteúdo programático específico (Geografia, Matemática, Biologia, Língua Portuguesa etc.); b) os fundamentos da educação (históricos, filosóficos, sociológicos, econômicos, psicológicos); c) a Didática e as metodologias necessárias para bem ensinar determinado conteúdo programático; e d) as questõesrelacionadas à situação da escola pública" (PARO, 2000b), p. 113).
Esta formação, sobre a qual se poderá desenvolver a experiência escolar, bem como outros conhecimentos adquiridos pela formação continuadaem serviço, é imprescindível para a formação do futuro dirigente escolar enão parece passível de ser satisfeita sem uma integração de muito do que seaprende hoj~ nos cursos de pedagogia e licenciatura e também uma superação da formação proporcionada por essas duas vias, de uma maneira nãoprevista nesse Art. 64 da LDB.
6 A ESCOLHA DE DIRIGENTES ESCOLARES
Art. 67 - Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira domagistério público:I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;[... )Parágrafo único. A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissionalde quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistemade ensino. (BRASIL, I996b)
Altamente positivo o conteúdo do parágrafo único desse Art. 67, ao colocar a experiência docente como pré-requisito para o exercício das funções domagistério. Igualmente benéfica a determinação do inciso I, ao estabelecer oconcurso público como norma para o ingresso na carreira do magistério. Esp ra-se, apenas, que o pensamento burocrático não exerça sua influência nos ntido de interpretar esse dispositivo como estímulo para impor 'mais um
n urso com provas de conhecimentos "administrativos" aos candidatos aclir tor que, a essa altura, já realizaram o concurso de natureza pedagógica paraIIHr' '50 no magistério público, que é o que realmente interessa. Em v z disso,
81VITOR H. PARO - O PRINCÍPIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO DA LOS
O que se deseja é que os tomadores de decisão envidem esforços para conceber sistemas eletivos de escolha dos dirigentes, capazes de lhes dar a legitimidade política necessária ao desempenho de suas funções.
Nunca é demais lembrar que a democratização da escola não se reduzà instituição de eleições para diretor. A grande frustração com relação à regulamentação da gestão democrática do ensino público pela LDB deriva daausência de regras que pelo menos acenem para uma mudança estruturalda maneira de distribuírem-se o poder e a autoridade no interior da escola.Para isso, seria preciso que, além de uma organização calcada na colaboração recíproca e fundada, não na imposição, mas na convivência e no diálogo, se previssem instituições e práticas que garantissem a participação efetivatanto dos servidores (professores e demais funcionários) quanto dos usuários (alunos e pais) nas decisões da escola.
Conseqüentemente, uma tal estruturação deveria estabelecer, ao mesmotempo, que a direção da escola não ficasse, como hoje, concentrada exclusivamente na autoridade de um diretor que, sem condições objetivas de perseguir propósitos educativos, se vê compelido a atender aos ditames do Estado,sem nenhuma ligação com aqueles a quem os serviços escolares deveriambeneficiar. É neste sentido que a escolha dos dirigentes, acima de qualquersolução burocrática ou c1ientelista, deve passar necessariamente pela manifestação da vontade dos dirigidos, de modo a comprometer-se de fato com osque fazem a educação escolar e, acima de tudo, com os usuários diretos (alunos) e indiretos (pais e comunidade em geraI) de seus serviços.