8/19/2019 Uma Proposta de Sinais Corporais Para o Solfejo
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Uma Proposta de Sinais Corporais para o Solfejo e suasContribuições para a Musicalização1
Ricardo Dourado Freire2 Nemo de Souza3 Gabriel Preusse4
Resumo: O uso de gestos associados às alturas musicais demonstra várias utilidades noaprendizado musical. Guido D’Arezzo, Kodaly e Villa-Lobos utilizaram gestos comorecurso de leitura e comunicação visual nas performances em grupo. A necessidade davisualização das alturas musicais e da criação de condições para experiência concretados alunos ao realizar um solfejo motivou a pesquisa e elaboração de um repertório de
gestos que fossem capazes de demonstrar altura e movimentação melódica tanto namusicalização infantil quanto na iniciação musical de adultos.Palavras-chave: Sinais corporais; Manosolfa; Alturas Musicais; Solfejo;Desenvolvimento Musical.
O uso de sinais manuais relacionados às notas musicais possui utilidade
confirmada no início do processo de aprendizado da leitura musical. Além disso, auxilia
na assimilação dos conteúdos musicais, reforça a fixação das melodias apresentadas
tornado a vivência musical mais profunda. A prática dos sinais corporais propostos neste
trabalho, que atribui notas às diferentes partes do corpo, proporciona ao aluno estímulos
visuais, auditivos e táteis. Esses estímulos sensoriais proporcionam condições para que
a mente monte seus esquemas de fixação das relações de intervalos e alturas musicais, e
criem um referencial musical. A fim de buscar uma aprendizagem significativa na
relação concreta das alturas musicais faz-se necessário estabelecer um conjunto de
sinais corporais coerentes com a relação concreta das alturas.
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Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na AméricaLatina – 20072Clarinetista e Educador Musical, professor do Dep. de Música da UnB. Realizou seu Mestrado (1994) eDoutorado (2000) na Michigan State University na área de performance e cursos de especialização emEducação Infantil com Edwin Gordon e Cynthia Taggart. Criador e Coordenador do programa deextensão universitária Música para Crianças, que desenvolve atividades com crianças desde o nascimentoaté os 10 anos desde 20002. Email: [email protected] 3 Natural de Santa Maria-RS, iniciou curso de Bacharelado em Violão na UFSM e, em 2005, transferiu-separa a Universidade de Brasília. Atua como Gerente do Laboratório de Análise Performance Musical –LAPM- MUS/UnB e participa como monitor do projeto Música para Crianças desde 2006. Email:[email protected] Cursa Licenciatura em Música na Universidade de Brasília e estuda Baixo-elétrico na Escola de Música
de Brasília. É atualmente monitor do projeto Música para Crianças. Email: [email protected]
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Diante dessa necessidade buscou-se (I) verificar os procedimentos de sinais
manuais mais significativos e sua contribuição na educação musical e no estudo do
solfejo;(II) identificar e propor movimentos para que novos estudantes possam
experienciar as alturas musicais em um contexto significativo de movimento e altura
musical; (III) criar um repertório de gestos que permitam a representação das alturas
musicais por meio de sinais corporais. (IV) verificar a possibilidade de os alunos
vivenciarem concretamente por meio do corpo a relação das alturas entre as notas e
melodias usando os sinais corporais.
Historicamente, o desenvolvimento do solfejo
está fortemente vinculado ao monge beneditino Guido
D’Arezzo (séc. XI). Ele estabeleceu a associação entre
notas musicais e sílabas que influenciou a estruturação
do modelo ocidental atual de notas musicais chamado
por estudiosos de solmização. Há um consenso entre
vários autores de que ele foi o primeiro teórico a propor
um conjunto de sinais manuais para indicar e organizar
a realização das notas melódicas do cantochão nos
mosteiros. Com esse sistema, o monge proporcionou
condições para que a transmissão e o ensino musical
fosse realizado de uma maneira mais concreta e menos
subordinada à oralidade.
D'Arezzo atribuía uma nota a cada articulação da mão esquerda. As notas
ficavam dispostas de forma quase espiral, em que a ponta da falange do polegar
correspondia à nota mais grave e o espaço acima da ponta dedo médio à nota mais
aguda conforme a figura 1. Ao apontar com a mão direita as articulações dos dedos da
mão esquerda e, simultaneamente, solfejar as notas indicadas era possível para oscantores saber em qual oitava cantar durante a execução de uma melodia. Dessa maneira
a nota lá indicada no polegar soa mais grave do que a mesma nota na falange do dedo
mínimo.
William Mahrt (2006), presidente da Association of Church Music of America
(Associação de Música de Igreja da América), realiza os movimentos da mão
Figura 1 – Mão Guidoniana
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guidoniana conforme a figura 1: a nota dó localizada na articulação da base do dedo
indicador; ré, mi e fá nas articulações da base dos dedos médio, anelar e mínimo
respectivamente. Sol na articulação mediana do mínimo e lá na articulação da ponta do
mesmo dedo. Dessa maneira era possível visualizar a disposição das notas e da relação
de intervalos entre elas.
No séc. XIX, com a ampliação do movimento coral na Inglaterra, Sarah Glover
inicialmente e depois John Curwen usaram uma série de sinais vinculados à prática de
grandes grupos de cantores amadores. Ele acreditava na utilidade dos sinais manuais no
processo do aprendizado musical por causa do reforço das idéias musicais específicas
que eles proporcionam (LANDIS, 1990, p. 56), além de traduzir o som em movimento
(MARK, 1996, p. 141). Nesse sistema, cada nota da escala natural possui um sinal
manual distinto. A realização do solfejo é feita, em um estágio inicial, por imitação e,
em seguida, pela leitura dos gestos. Por exemplo, dó é representado pela mão fechada
na altura da barriga; sol pela palma da mão aberta encostada sobre o peito conforme a
figura 2. A realização desse movimento manual, simultaneamente ao solfejo desse salto
de quinta justa, permite ao cantor experienciar com mais nitidez o movimento melódico
ascendente, bem como comparar a diferença do salto Dó-Sol para Dó-Mi, por exemplo.
A simplicidade desses gestos, por ocuparem somente uma das mãos, permite ao regente
conduzir melodias a duas vozes por meio da divisão do coral em dois, em que um grupo
acompanha os sinais da mão direita e o outro os da esquerda. Ao fazer sinais que
exploram também partes do corpo, como a barriga e o peito, a relação das alturas e
movimento corporal é também, indiretamente, enfatizada no método de Kodály (Fig. 2).
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No Brasil, a partir do convite do então presidente Getúlio Vargas em 1931, Villa-
Lobos atuou como regente e orientador do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico,
onde popularizou o uso de sinais para indicar as notas musicais (PAZ, 2000, p. 13).
Durante este período, Villa-Lobos organiza grandes corais de até 40 mil pessoas e
utiliza uma técnica própria de sinais manuais (ver Figura 3) para auxiliar na regência e
nas relações de altura das notas musicais. Por exemplo, Villa-Lobos executava os gestos
na altura do peito quando queria que o coro solfejasse na região do dó central. Para
executar uma oitava abaixo ele fazia os gestos na altura da cintura e quando queria uma
oitava acima do dó central, os gestos eram executados acima da cintura.
Figura 3 – Sinais manuais de Villa-Loboas
Villa-Lobos também fazia com que os alunos realizassem músicas a duas vozes
ao dividir o coro e um grupo executar uma linha musical na mão direita e o outro na
esquerda.. O método de sinais, chamado de manosolfa, ajudava os alunos na
visualização dos exercícios de solfejo. Segundo França (2007), pianista e ex-aluna,
quando o maestro regia para corais com mais de 10 mil crianças, subia em um palanque
alto para que todos pudessem vê-lo e acompanharem seus gestos.
Os sinais corporais são ferramentas que valorizam a linguagem musical e
visual entre professor e aluno. Tendo em vista preocupações com simplicidade,
objetividade e clareza na comunicação desta relação se deparou com questões como
estabelecer critérios para escolha de um sistema de gestos que proporcionasse coerênciaentre a relação das alturas, das notas às partes do corpo; idéias de atividades e
momentos para utilizar os gestos; avaliação e reforço positivo dos acertos.
A partir da análise dos métodos de sinais manuais de D’Arezzo, Villa-Lobos e
Kodály, analisou-se a necessidade de se estruturar um repertório de gestos corporais que
proporcionassem aos alunos a experiência concreta das alturas e os critérios para o uso
dos sinais. Para isso, os sinais precisavam indicar: 1) a região onde se cantava, 2) os
graus das notas a serem cantadas, 3) as alturas e distâncias entre as notas, 4) a
Figura 2 – Sinais Manuais de Kodály
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movimentação melódica (ascendente ou descendente) 5) a possibilidade de sua
realização sentado.
A escolha final foi o uso desde a cintura (a nota mais grave) até acima da cabeça
com as mãos esticadas (nota mais aguda). A escolha desses pontos proporciona uma boa
região para distribuir as os graus de forma que a distância entre elas fica visualmente
bem nítida. A simplicidade desse modelo também permite que haja condições de se
realizar uma atividade de solfejo com os alunos tanto em pé quanto sentados e,
consequentemente, aumentar a quantidade de possibilidades de canções a se trabalhar. O
professor poderá cantar uma melodia utilizando os sinais e os alunos imitarem. Dessa
maneira, o professor poderá reforçar visualmente a aprendizagem do aluno por meio de
constante feedback do que ele está percebendo auditivamente.
O uso desses sinais também funciona como um meio de visualização do
conhecimento dos alunos. Dessa maneira, o professor poderá cantar uma melodia
fazendo os gestos e pedir que um determinado aluno o imite. A apresentação dessa
melodia será analisada em tempo real e permitirá uma melhor avaliação do que foi
efetivamente assimilado pelo aluno. As correções e sugestões do professor podem ser
apresentadas imediatamente ao aluno, reforçando positivamente os acertos e indicando
rapidamente soluções para as dúvidas dos alunos.
A partir do estabelecimento da distância corporal de uma oitava estabeleceu-se
os demais sinais relacionados aos graus da Tabela 1 e da Figura 4:
Grau Sinal
I Quadril;II Cintura;III Ombros;IV Orelhas;V Lados da cabeça;VI Parte de cima da cabeça;VII mãos abertas acima da cabeça apontando para
esta;I braços estendidos pra cima e mãos abertas;
Tabela 1 - Os graus e seus respectivos sinais corporais
A utilização dos sinais corporais em sala de aula torna mais claro a relação das
alturas para os alunos. Além disso, as crianças pequenas podem ser capazes de cantar,
acompanhar e visualizar o movimento das notas. As atividades de solfejo com pergunta
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e resposta, tornam-se mais eficientes com o uso dos sinais propostos. Sua utilização
pode promover um aumento significativo no nível de concentração, afinação e memória
musical.
O uso dos sinais corporais é muito útil no início do aprendizado musical, quando
a noção das distâncias das alturas musicais é abstrata para os estudantes. Por meio da
relação das distâncias de intervalos percebidas pela visão e pelo tato, a experiência das
alturas passa a ser concreta. A cada nota haverá um referencial material, de possível
contato (os pontos do corpo) e para que deixem de ser somente alturas abstratas.
O conjunto de sinais corporais é uma ferramenta que valoriza a linguagem
musical e visual entre professores e alunos por meio de gestos e indicações, além de
aumentar a compreensão da movimentação das notas e das alturas. Além disso, esses
sinais proporcionam mais intimidade com as notas a serem cantadas devido ao tato e
tornam a relação entre nota e altura concreta por não se restringir apenas ao aspecto
melódico e visual, fazem com que o corpo inteiro interaja e se expresse ao cantar as
alturas e auxiliar a afinação.
Em sala de aula, com a utilização do gestual apresentado, a alteração na ordem
das alturas ficou mais clara, principalmente quando existem diversos saltos intervalares.
Além disso, mesmo crianças pequenas eram capazes de cantar, acompanhar e visualizar
o movimento das notas. As atividades de solfejo com pergunta e resposta, antes do uso
dos sinais corporais, não possuiam um rendimento eficiente; algumas crianças até
brincavam e baguçavam nas aulas. A partir do uso dos sinais, houve um aumento no
nível de concentração dos alunos que passaram a prestar atenção e acompanhar o
movimento dos gestos. A relação entre as notas também mudou. As crianças, ao usarem
os gestos, realizaram melodias com mais expressividade e princípios de interpretação. O
Figura 4 - Sinais corporais
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número de notas memorizadas também aumentou.
O uso de gestos também foi muito eficiente no ensino de alunos adultos, que ao
observarem uma demonstração da metodologia utilizada com crianças solicitaram que
fossem realizados os mesmos exercícios em suas turmas. Neste caso, o principal
benefício foi a definição da altura das notas associadas ao solfejo e a capacidade de
leitura visual das músicas e exercícios que estavam sendo cantados.
A visualização das alturas por meio do corpo, demonstra como uma proposta de
sinais corporais pode ser utilizada para auxiliar no solfejo e na leitura musical. Os sinais
propostos oferecem várias contribuições para a musicalização de crianças pequenas
quanto na iniciação musical de jovens e adultos, podendo servir como uma experiência
de leitura corporal que antecede a leitura da grafia musical
Referências Bibliográficas
CARDER, Polly. The Ecletic curriculum in american music education. Rev. Edition.Reston: MENC, 1990.
FRANÇA, Neusa. Entrevista realizada em 11 de maio de 2007. Não Publicada.
PAZ, Ermelinda. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX. Brasília: Musimed,2000.
MARK, Michael L. Contemporary Music. Education. 3 Ed. New York.: ShirmerBooks, 1996.
MAHRT, William. Guidonian Hand. Google Videos. jun 2006. Disponível em:. Acessado em: 23 mai. 2006