Uma Proposta de Sinais Corporais Para o Solfejo

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    Uma Proposta de Sinais Corporais para o Solfejo e suasContribuições para a Musicalização1 

    Ricardo Dourado Freire2 Nemo de Souza3 Gabriel Preusse4 

    Resumo: O uso de gestos associados às alturas musicais demonstra várias utilidades noaprendizado musical. Guido D’Arezzo, Kodaly e Villa-Lobos utilizaram gestos comorecurso de leitura e comunicação visual nas performances em grupo. A necessidade davisualização das alturas musicais e da criação de condições para experiência concretados alunos ao realizar um solfejo motivou a pesquisa e elaboração de um repertório de

    gestos que fossem capazes de demonstrar altura e movimentação melódica tanto namusicalização infantil quanto na iniciação musical de adultos.Palavras-chave: Sinais corporais; Manosolfa; Alturas Musicais; Solfejo;Desenvolvimento Musical.

    O uso de sinais manuais relacionados às notas musicais possui utilidade

    confirmada no início do processo de aprendizado da leitura musical. Além disso, auxilia

    na assimilação dos conteúdos musicais, reforça a fixação das melodias apresentadas

    tornado a vivência musical mais profunda. A prática dos sinais corporais propostos neste

    trabalho, que atribui notas às diferentes partes do corpo, proporciona ao aluno estímulos

    visuais, auditivos e táteis. Esses estímulos sensoriais proporcionam condições para que

    a mente monte seus esquemas de fixação das relações de intervalos e alturas musicais, e

    criem um referencial musical. A fim de buscar uma aprendizagem significativa na

    relação concreta das alturas musicais faz-se necessário estabelecer um conjunto de

    sinais corporais coerentes com a relação concreta das alturas.

    1

     Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na AméricaLatina – 20072Clarinetista e Educador Musical, professor do Dep. de Música da UnB. Realizou seu Mestrado (1994) eDoutorado (2000) na Michigan State University na área de performance e cursos de especialização emEducação Infantil com Edwin Gordon e Cynthia Taggart. Criador e Coordenador do programa deextensão universitária Música para Crianças, que desenvolve atividades com crianças desde o nascimentoaté os 10 anos desde 20002. Email: [email protected] 3 Natural de Santa Maria-RS, iniciou curso de Bacharelado em Violão na UFSM e, em 2005, transferiu-separa a Universidade de Brasília. Atua como Gerente do Laboratório de Análise Performance Musical –LAPM- MUS/UnB e participa como monitor do projeto Música para Crianças desde 2006. Email:[email protected] Cursa Licenciatura em Música na Universidade de Brasília e estuda Baixo-elétrico na Escola de Música

    de Brasília. É atualmente monitor do projeto Música para Crianças. Email: [email protected]

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    Diante dessa necessidade buscou-se (I) verificar os procedimentos de sinais

    manuais mais significativos e sua contribuição na educação musical e no estudo do

    solfejo;(II) identificar e propor movimentos para que novos estudantes possam

    experienciar as alturas musicais em um contexto significativo de movimento e altura

    musical; (III) criar um repertório de gestos que permitam a representação das alturas

    musicais por meio de sinais corporais. (IV) verificar a possibilidade de os alunos

    vivenciarem concretamente por meio do corpo a relação das alturas entre as notas e

    melodias usando os sinais corporais.

    Historicamente, o desenvolvimento do solfejo

    está fortemente vinculado ao monge beneditino Guido

    D’Arezzo (séc. XI). Ele estabeleceu a associação entre

    notas musicais e sílabas que influenciou a estruturação

    do modelo ocidental atual de notas musicais chamado

    por estudiosos de solmização. Há um consenso entre

    vários autores de que ele foi o primeiro teórico a propor

    um conjunto de sinais manuais para indicar e organizar

    a realização das notas melódicas do cantochão nos

    mosteiros. Com esse sistema, o monge proporcionou

    condições para que a transmissão e o ensino musical

    fosse realizado de uma maneira mais concreta e menos

    subordinada à oralidade.

    D'Arezzo atribuía uma nota a cada articulação da mão esquerda. As notas

    ficavam dispostas de forma quase espiral, em que a ponta da falange do polegar

    correspondia à nota mais grave e o espaço acima da ponta dedo médio à nota mais

    aguda conforme a figura 1. Ao apontar com a mão direita as articulações dos dedos da

    mão esquerda e, simultaneamente, solfejar as notas indicadas era possível para oscantores saber em qual oitava cantar durante a execução de uma melodia. Dessa maneira

    a nota lá indicada no polegar soa mais grave do que a mesma nota na falange do dedo

    mínimo.

    William Mahrt (2006), presidente da Association of Church Music of America

    (Associação de Música de Igreja da América), realiza os movimentos da mão

    Figura 1 – Mão Guidoniana

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    guidoniana conforme a figura 1: a nota dó localizada na articulação da base do dedo

    indicador; ré, mi e fá nas articulações da base dos dedos médio, anelar e mínimo

    respectivamente. Sol na articulação mediana do mínimo e lá na articulação da ponta do

    mesmo dedo. Dessa maneira era possível visualizar a disposição das notas e da relação

    de intervalos entre elas.

    No séc. XIX, com a ampliação do movimento coral na Inglaterra, Sarah Glover

    inicialmente e depois John Curwen usaram uma série de sinais vinculados à prática de

    grandes grupos de cantores amadores. Ele acreditava na utilidade dos sinais manuais no

    processo do aprendizado musical por causa do reforço das idéias musicais específicas

    que eles proporcionam (LANDIS, 1990, p. 56), além de traduzir o som em movimento

    (MARK, 1996, p. 141). Nesse sistema, cada nota da escala natural possui um sinal

    manual distinto. A realização do solfejo é feita, em um estágio inicial, por imitação e,

    em seguida, pela leitura dos gestos. Por exemplo, dó é representado pela mão fechada

    na altura da barriga; sol pela palma da mão aberta encostada sobre o peito conforme a

    figura 2. A realização desse movimento manual, simultaneamente ao solfejo desse salto

    de quinta justa, permite ao cantor experienciar com mais nitidez o movimento melódico

    ascendente, bem como comparar a diferença do salto Dó-Sol para Dó-Mi, por exemplo.

    A simplicidade desses gestos, por ocuparem somente uma das mãos, permite ao regente

    conduzir melodias a duas vozes por meio da divisão do coral em dois, em que um grupo

    acompanha os sinais da mão direita e o outro os da esquerda. Ao fazer sinais que

    exploram também partes do corpo, como a barriga e o peito, a relação das alturas e

    movimento corporal é também, indiretamente, enfatizada no método de Kodály (Fig. 2).

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    No Brasil, a partir do convite do então presidente Getúlio Vargas em 1931, Villa-

    Lobos atuou como regente e orientador do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico,

    onde popularizou o uso de sinais para indicar as notas musicais (PAZ, 2000, p. 13).

    Durante este período, Villa-Lobos organiza grandes corais de até 40 mil pessoas e

    utiliza uma técnica própria de sinais manuais (ver Figura 3) para auxiliar na regência e

    nas relações de altura das notas musicais. Por exemplo, Villa-Lobos executava os gestos

    na altura do peito quando queria que o coro solfejasse na região do dó central. Para

    executar uma oitava abaixo ele fazia os gestos na altura da cintura e quando queria uma

    oitava acima do dó central, os gestos eram executados acima da cintura.

    Figura 3 – Sinais manuais de Villa-Loboas

    Villa-Lobos também fazia com que os alunos realizassem músicas a duas vozes

    ao dividir o coro e um grupo executar uma linha musical na mão direita e o outro na

    esquerda.. O método de sinais, chamado de manosolfa, ajudava os alunos na

    visualização dos exercícios de solfejo. Segundo França (2007), pianista e ex-aluna,

    quando o maestro regia para corais com mais de 10 mil crianças, subia em um palanque

    alto para que todos pudessem vê-lo e acompanharem seus gestos.

    Os sinais corporais são ferramentas que valorizam a linguagem musical e

    visual entre professor e aluno. Tendo em vista preocupações com simplicidade,

    objetividade e clareza na comunicação desta relação se deparou com questões como

    estabelecer critérios para escolha de um sistema de gestos que proporcionasse coerênciaentre a relação das alturas, das notas às partes do corpo; idéias de atividades e

    momentos para utilizar os gestos; avaliação e reforço positivo dos acertos.

    A partir da análise dos métodos de sinais manuais de D’Arezzo, Villa-Lobos e

    Kodály, analisou-se a necessidade de se estruturar um repertório de gestos corporais que

    proporcionassem aos alunos a experiência concreta das alturas e os critérios para o uso

    dos sinais. Para isso, os sinais precisavam indicar: 1) a região onde se cantava, 2) os

    graus das notas a serem cantadas, 3) as alturas e distâncias entre as notas, 4) a

    Figura 2 – Sinais Manuais de Kodály

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    movimentação melódica (ascendente ou descendente) 5) a possibilidade de sua

    realização sentado.

    A escolha final foi o uso desde a cintura (a nota mais grave) até acima da cabeça

    com as mãos esticadas (nota mais aguda). A escolha desses pontos proporciona uma boa

    região para distribuir as os graus de forma que a distância entre elas fica visualmente

    bem nítida. A simplicidade desse modelo também permite que haja condições de se

    realizar uma atividade de solfejo com os alunos tanto em pé quanto sentados e,

    consequentemente, aumentar a quantidade de possibilidades de canções a se trabalhar. O

    professor poderá cantar uma melodia utilizando os sinais e os alunos imitarem. Dessa

    maneira, o professor poderá reforçar visualmente a aprendizagem do aluno por meio de

    constante feedback do que ele está percebendo auditivamente.

    O uso desses sinais também funciona como um meio de visualização do

    conhecimento dos alunos. Dessa maneira, o professor poderá cantar uma melodia

    fazendo os gestos e pedir que um determinado aluno o imite. A apresentação dessa

    melodia será analisada em tempo real e permitirá uma melhor avaliação do que foi

    efetivamente assimilado pelo aluno. As correções e sugestões do professor podem ser

    apresentadas imediatamente ao aluno, reforçando positivamente os acertos e indicando

    rapidamente soluções para as dúvidas dos alunos.

    A partir do estabelecimento da distância corporal de uma oitava estabeleceu-se

    os demais sinais relacionados aos graus da Tabela 1 e da Figura 4:

    Grau Sinal

    I Quadril;II Cintura;III Ombros;IV Orelhas;V Lados da cabeça;VI Parte de cima da cabeça;VII mãos abertas acima da cabeça apontando para

    esta;I braços estendidos pra cima e mãos abertas;

    Tabela 1 - Os graus e seus respectivos sinais corporais

    A utilização dos sinais corporais em sala de aula torna mais claro a relação das

    alturas para os alunos. Além disso, as crianças pequenas podem ser capazes de cantar,

    acompanhar e visualizar o movimento das notas. As atividades de solfejo com pergunta

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    e resposta, tornam-se mais eficientes com o uso dos sinais propostos. Sua utilização

    pode promover um aumento significativo no nível de concentração, afinação e memória

    musical.

    O uso dos sinais corporais é muito útil no início do aprendizado musical, quando

    a noção das distâncias das alturas musicais é abstrata para os estudantes. Por meio da

    relação das distâncias de intervalos percebidas pela visão e pelo tato, a experiência das

    alturas passa a ser concreta. A cada nota haverá um referencial material, de possível

    contato (os pontos do corpo) e para que deixem de ser somente alturas abstratas.

    O conjunto de sinais corporais é uma ferramenta que valoriza a linguagem

    musical e visual entre professores e alunos por meio de gestos e indicações, além de

    aumentar a compreensão da movimentação das notas e das alturas. Além disso, esses

    sinais proporcionam mais intimidade com as notas a serem cantadas devido ao tato e

    tornam a relação entre nota e altura concreta por não se restringir apenas ao aspecto

    melódico e visual, fazem com que o corpo inteiro interaja e se expresse ao cantar as

    alturas e auxiliar a afinação.

    Em sala de aula, com a utilização do gestual apresentado, a alteração na ordem

    das alturas ficou mais clara, principalmente quando existem diversos saltos intervalares.

    Além disso, mesmo crianças pequenas eram capazes de cantar, acompanhar e visualizar

    o movimento das notas. As atividades de solfejo com pergunta e resposta, antes do uso

    dos sinais corporais, não possuiam um rendimento eficiente; algumas crianças até

    brincavam e baguçavam nas aulas. A partir do uso dos sinais, houve um aumento no

    nível de concentração dos alunos que passaram a prestar atenção e acompanhar o

    movimento dos gestos. A relação entre as notas também mudou. As crianças, ao usarem

    os gestos, realizaram melodias com mais expressividade e princípios de interpretação. O

    Figura 4 - Sinais corporais

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    número de notas memorizadas também aumentou.

    O uso de gestos também foi muito eficiente no ensino de alunos adultos, que ao

    observarem uma demonstração da metodologia utilizada com crianças solicitaram que

    fossem realizados os mesmos exercícios em suas turmas. Neste caso, o principal

    benefício foi a definição da altura das notas associadas ao solfejo e a capacidade de

    leitura visual das músicas e exercícios que estavam sendo cantados.

    A visualização das alturas por meio do corpo, demonstra como uma proposta de

    sinais corporais pode ser utilizada para auxiliar no solfejo e na leitura musical. Os sinais

    propostos oferecem várias contribuições para a musicalização de crianças pequenas

    quanto na iniciação musical de jovens e adultos, podendo servir como uma experiência

    de leitura corporal que antecede a leitura da grafia musical

    Referências Bibliográficas

    CARDER, Polly. The Ecletic curriculum in american music education. Rev. Edition.Reston: MENC, 1990.

    FRANÇA, Neusa. Entrevista realizada em 11 de maio de 2007. Não Publicada.

    PAZ, Ermelinda. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX. Brasília: Musimed,2000.

    MARK, Michael L. Contemporary Music. Education. 3 Ed. New York.: ShirmerBooks, 1996.

    MAHRT, William. Guidonian Hand. Google Videos. jun 2006. Disponível em:. Acessado em: 23 mai. 2006