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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAO SOCIAL
GRADUAO EM ESTUDOS DE MDIA
Assim caminha a humanidade? Um estudo sobre gneros televisivos, narrativa transmdia e consumo juvenil
a partir de Malhao
Marcelo Henrique de Mendona Lopes
Orientadora: Prof Dr. Ariane Diniz Holzbach
Niteri Dezembro /2011
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Marcelo Henrique de Mendona Lopes
Assim caminha a humanidade? Um estudo sobre gneros televisivos, narrativa transmdia e consumo juvenil
a partir de Malhao
Monografia a ser apresentada ao Curso de Graduao em Estudos de Mdia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obteno do Grau de Bacharel em Estudos de Mdia.
Orientadora: Prof Dr. Ariane Diniz Holzbach
Niteri Dezembro/2011
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Marcelo Henrique de Mendona Lopes
Assim caminha a humanidade? Um estudo sobre gneros televisivos, narrativa transmdia e consumo juvenil
a partir de Malhao
Monografia a ser apresentada ao Curso de Graduao em Estudos de Mdia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obteno do Grau de Bacharel em Estudos de Mdia.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________ Prof. Dr. Ariane Holzbach
UFF
_______________________________________________________________ Prof. Dr. Afonso de Albuquerque
UFF
_______________________________________________________________ Prof. Dr. Carla Barros
UFF
Niteri, 15 de dezembro de 2011
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Agradecimentos
Dedico este trabalho s pessoas que me ajudaram ao longo desta trajetria.
minha me, Ana Luiza, pela garra e coragem em minha educao. Pelos
esforos para me ajudar a alcanar meus objetivos, mesmo quando passo a
desacreditar, e por estar sempre vibrando ao meu lado a cada conquista. Pelo incentivo
e total confiana em minhas escolhas. Por ter me mostrado um mundo cheio de sonhos
possveis de realizao.
Ao meu irmo mais velho e maior amigo, Pedro, pela bibliografia e ombros
emprestados, pelas longas conversas e a cumplicidade de sempre. Ao caula, Caio,
por interromper meus estudos frequentemente, mas para me trazer a quantidade
necessria de sorrisos para que eu pudesse continuar.
Ao meu padrasto, Jos Augusto, meus avs e tios, por todo o suporte em minha
educao e formao de carter.
minha orientadora e amiga Ariane Holzbach, pelos ensinamentos
acadmicos, profissionais e pessoais. Por me apresentar o campo prtico da
comunicao, desde o simples ato atender o telefone em meu primeiro estgio,
produo textual, linguagens e organizao miditica. Obrigado por tudo.
professora Carla Barros, pela imediata aceitao para participar desta banca.
Obrigado por fazer parte de um momento to importante para a minha vida acadmica.
Ao professor Afonso de Albuquerque, por me fazer acreditar em Estudos de
Mdia, e me dar total confiana no curso quando poucos o conheciam. Pelas aulas e
conversas que abriram meus olhos para as possibilidades da comunicao.
professora Ana Enne, pelas aulas, os abraos e as gargalhadas extra-classe.
Ao professor Marildo Nercolini, pelas aulas maravilhosas que me fizeram enxergar um
mundo diferente; pelo apoio em minha quase-carreira acadmica.
Por ltimo, mas no menos importante, agradeo aos amigos que alegraram
minha rotina durante estes cinco anos. Em especial: Vanessa Mello, Vanessa Morais,
Rebecca Cdimo e Claudinne Peixoto. Obrigado por compartilharem dvidas,
angstias, sonhos e alegrias pelos anos que passaram e, certamente, pelos que viro.
Ainda bem que a gente tem a gente.
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Ningum est livre de dizer asneiras: o mal consiste em diz-las com pompa...
Isso no se aplica a mim, que digo as minhas tolices to naturalmente como as penso
Michel de Montaigne, Ensaios III.
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RESUMO:
Uma das narrativas seriadas mais duradouras da televiso
brasileira, Malhao exibida desde 1995 ininterruptamente pela Rede Globo. A
proposta deste trabalho consiste em analisar a produo destinada aos jovens e suas
diversas tentativas de fidelizar a audincia em experincias megalomanacas para os
padres nacionais. O estudo busca compreender, atravs de uma reflexo terica, a
questo dos gneros e formatos televisivos observada no objeto. A formao do
adolescente enquanto pblico consumidor analisada historicamente, mapeando os
artifcios usados posteriormente em Malhao.
Palavras - chave:
Malhao, adolescente, consumo, gneros, formatos
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SUMRIO Introduo ............................................................................................................09
Captulo I: Novela? Soap Opera? O que Malhao?.......................................12
1.1-Conhecendo o objeto.........................................................................................12
1.2 - Bases da teledramaturgia brasileira diria.......................................................17
1.3 - O jovem na teledramaturgia diria .................................................................19
1.4 - Soap-opera? Malhao nas fontes da dramaturgia internacional...................20
1.5- O adolescente e a soap-opera .......................................................................22
Captulo II: O jovem como pblico consumidor.................................................24
2.1 - A construo da juventude ............................................................................25
2.2 - O jovem como pblico consumidor ...............................................................26
2.3 - Afinal, o que quer o jovem? ..........................................................................37
Captulo III: Entretenimento transmdia e branded............................................38
3.1 Mudanas narrativas ...................................................................................38
3.2 Branded Entertainment ................................................................................40
3.3 Narrativa transmdia .....................................................................................40
3.4 O papel do f para a experincia transmdia ................................................45
3.5 Product Placement e a publicidade na telenovela..........................................47
3.6 Merchandising social......................................................................................50
Captulo IV: Malhao...........................................................................................53
4.1 Conhecendo Malhao ...............................................................................53
4.2 Malhao e gnero .......................................................................................59
4.3 O jovem, consumo e Malhao ....................................................................61
4.3.1 Malhao como marca: os licenciamentos ................................................62
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4.3.2 Malhao e Product Placement...................................................................63
4.3.3 Merchandising social em Malhao.............................................................65
4.3.4 Msica como uma extenso de Malhao...................................................67
4.4 A aposta da Malhao em interatividade........................................................68
4.5 Malhao feita pelos fs.................................................................................73
Consideraes finais.............................................................................................75
Referncias............. ..............................................................................................79
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Introduo
Desde minha infncia, sou aficcionado por televiso. Antes acostumado a us-
la como relgio e calendrio, alguns de seus programas marcavam momentos e
pocas em minha vida. Dentre eles, destaco o incio de minhas aulas no primeiro ano
do Ensino Fundamental, em maro de 1995, e a expectativa pela nova programao da
TV Globo, que estrearia um ms depois, trazendo o folhetim Malhao como um de
seus principais lanamentos.
A novela e depois entenderemos o porqu das aspas comeou e foi um
grande xito, permanecendo no ar at hoje (2011), quando finalizo meu ltimo ano do
Ensino Superior. Mas o que garante o sucesso da produo para ser exibida por mais
de uma dcada ininterruptamente?
Ao optar por Malhao como objeto de estudo, deparei-me com questes
inerentes, do tipo qual a melhor abordagem? Como recortar o produto de modo que
fizesse sentido? De que forma fazer o melhor uso deste rico objeto para uma
contribuio positiva para o campo acadmico? Como relacion-lo com importantes
tericos da Comunicao?
Meu objetivo principal estudar um produto de destaque na teledramaturgia
brasileira, que, no entanto, no recebe a visibilidade acadmica e reconhecimento de
suas propostas inovadoras, seja em relao ao formato, contedo multiplataforma, ou
estratgias para atingir o pblico por diversas maneiras. O trabalho ainda visa entender
como o adolescente foi visto pela narrativa de Malhao e como, massivamente, em
meios de audincia e repercusso na internet, respondeu a determinadas questes
levantadas pelo seriado. Atravs do resgate de conceitos bsicos da juventude e do
que pode ser exibido em um programa de classificao etria livre s 17h30, pela
maior emissora televisiva do pas, busco entender as representaes do jovem pela
Malhao e como ela foi alterada durante seus primeiros 16 anos no ar.
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Para tanto, o trabalho est dividido em quatro captulos. No primeiro, analiso os
gneros pelos quais a produo transita: telenovela, seriado, e, principalmente, a soap-
opera, destacada pelo ento diretor Roberto Talma, desde a estreia, como o formato
que deu maior base para a estrutura do programa. Frequentemente traduzida como
novela, soap-opera tradicional em pases como os Estados Unidos e a Inglaterra.
Comparando em paralelo a criao de uma linguagem prpria da TV brasileira e dos
pases citados anteriormente, busco entender a recepo das telenovelas e soap
operas no campo acadmico, considerando os contextos nos quais ambos esto
inseridos. Ainda no primeiro captulo, apresento o insero do adolescente nos dois
formatos majoritariamente citados.
Em seguida, no segundo captulo, abordo o pblico alvo da Malhao: o
adolescente. Identidade cultural recentemente estabelecida socialmente, os jovens
cada vez mais formam um pblico consumidor, mas como ele assiste e recebe o que
exibido no programa juvenil? Ainda no captulo, pretendo relacionar a histria do
adolescente e da cultura de massa, sobretudo brasileira, a partir dos anos de 1950.
Como o adolescente, enquanto classe social, era representado; os espaos por onde
era possvel circular; a questo da rebeldia nas representaes; e a diferena ocorrida
em 1995, com a estreia do objeto aqui apresentado.
No terceiro captulo, apresento os conceitos de algumas estratgias
publicitrias utilizadas por Malhao para atingir o pblico jovem. A experincia do
consumidor atravs de teorias do branded entertainment observada por artifcios de
narrativa transmdia, licenciamento de produtos, product placement e o merchandising
social.
No quarto e ltimo captulo, aprofundo questes abordadas por Malhao. A
partir da anlise de cada grande mudana ocorrida no folhetim e na forma como o
adolescente era representado na tela , busco entender os motivos de fuga de pblico
cada vez maior e algumas estratgias, principalmente multiplataforma, para a
fidelizao do pblico. Considerando as diversas mudanas enfrentadas pela
produo, analiso os ndices de audincia e o que ocasionou as quedas e os xitos. No
mesmo captulo, aplico as teorias de gnero, consumo e publicidade ao tempo em que
exibida. Os produtos licenciados por Malhao, o product placement na TV, a
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interatividade proposta com a popularizao da internet e, principalmente, a formao
de um produto televisivo em uma marca que vai alm do veculo. A relao do pblico
na internet e rastro de cultura participativa nos casos Malhao.com, de 1998, e
Malhao ID, exibido em 2010. Ainda no captulo quatro, destaco a participao e
apropriaes dos fs em redes sociais.
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Captulo I: Novela? Soap Opera? O que Malhao?
1.1. Conhecendo o objeto
Em 24 de abril de 1995, a Rede Globo estreava Malhao, um dos primeiros
produtos declaradamente voltados ao pblico adolescente na emissora. Sob direo
geral de Roberto Talma, o produto servia como uma espcie de laboratrio para alunos
que se destacassem na oficina de roteiristas, buscando inovao na linguagem e
permitindo uma maior experimentao da produo.
Em sua maioria, o elenco era formado por jovens atores quase todos
estreantes na TV e alguns poucos mais velhos, j consagrados. Artistas como John
Herbert, Nair Bello, Silvia Pfeifer e Mario Gomes estrelavam o elenco adulto que servia
de apoio aos protagonistas na faixa dos 20 anos. Apenas na primeira temporada,
Malhao contou com Danton Mello, Fernanda Rodrigues, Carolina Dieckmann, Andr
Marques, Luigi Baricelli, dentre outros que at hoje se destacam na carreira,
confirmando o xito da proposta de revelar talentos por meio da produo vespertina.
No princpio, as tramas de Malhao eram costuradas durante uma semana,
como uma histria fechada. Os personagens e ambientes eram os mesmos e havia
certa linearidade narrativa, porm algumas histrias especficas eram iniciadas na
segunda-feira e terminavam na sexta, j apresentando um fio-condutor a ser abordado
na semana seguinte, em um modelo prximo ao apresentado por seriados norte-
americanos. O formato permaneceu ao longo dos primeiros anos da produo. Depois,
as tramas passam a ser contnuas, sem haver preocupao de concluir a histria,
aproximando-se ento da tradicional telenovela brasileira.
Esta foi apenas uma das mudanas ocorridas na estrutura narrativa.
Geralmente ligada experimentao, foram testadas formas de trazer novidade para a
TV, apostando em relao com internet, fazendo novela ao vivo, e reconstruindo
universos por onde permeou a trama, mas sem deixar de lado alguns dos principais
jarges melodramticos caractersticos da teledramaturgia nacional.
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Antes de aprofundar as questes prticas referentes s mudanas ocorridas na
narrativa da Malhao no decorrer dos 16 anos em que exibida, importante
apresentar e salientar alguns pontos cruciais para o enriquecimento da discusso
acerca de gneros e formatos propostos pela produo. Transitando por diversas
definies, no existe um consenso em relao ao gnero em que seja facilmente
inserida. No Dicionrio da TV Globo1, por exemplo, a obra vespertina encaixada na
seo de seriados, ao lado de produtos como a mensal Retrato de Mulher (1993) e a
semanal A Justiceira (1997).
Exibida inicialmente em 1995, Malhao apresentava um formato inovador para
os padres da televiso brasileira. Inaugurava-se um novo conceito de dramaturgia na
TV Globo, claramente inspirado nas soap-operas norte-americanas, onde uma das
principais caractersticas a falta de previso para trmino, seguindo sempre a sua
proposta inicial.
A imprensa brasileira, no entanto, costuma se referir a Malhao geralmente
como novela, como no exemplo encontrado no portal de entretenimento do jornal Folha
de S. Paulo:
A novela "Malhao", da Globo, enfrenta srios problemas de audincia. Na quinta, a trama adolescente marcou apenas 12 pontos no Ibope da Grande SP. Pior ndice da atual temporada2. (Jornal Folha de S. Paulo, 29 de outubro de 2011)
Tal taxonomia compreensvel, afinal o termo soap-opera geralmente recebe e
portugus a traduo simplista novela. Malhao, entretanto, rene caractersticas
especficas que no tornam possvel o agrupamento em um nico gnero.
Com base em premissas de Aristteles, Jos Carlos Aronchi (2004) prope o
agrupamento em diferentes grupos ou categorias, e, metaforicamente, compara a
grade de programao com gavetas isoladas, onde seriam colocados os programas de
cada gnero/ formato:
1 Dicionrio da TV Globo, publicado pela Editora Jorge ZAHAR, rene todos os programas de dramaturgia e
entretenimento produzidos e exibidos pela TV Globo desde a sua inaugurao, em 1965, at seu lanamento em 2007. 2 Trecho retirado da Coluna Zapping, assinada por Alberto Pereira Junior, em 29/10/2011 http://bit.ly/v9kqaD
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Costumamos ordenar tudo que existe em diferentes grupos ou categorias: animais, vegetais, veculos automotores, eletrodomsticos etc., como se os colocssemos em gavetas diferentes. A classificao por categorias o princpio da lgica de Aristteles. (ARONCHI, 2004, p. 37)
Obras hbridas, no entanto, no so levadas em considerao no estudo de
Aronchi. Para encaixar o objeto aqui estudado em determinada gaveta, necessrio
que se faa um levantamento das principais caractersticas de cada um dos gneros.
O conceito de gnero chave essencial para o entendimento dos meios de
produo e formas de recepo dos programas televisivos. Franois Jost (2004) define
que tal conceito apresentado a partir de um campo comum sobre o qual se tornam
claros as escolhas do realizador e os olhares do telespectador. Ainda sobre a relao
entre emissor e receptor, as intenes ao delimitar um gnero podem no ficar
claramente explcitas em ambas as partes. Como ressaltado pelo autor, existem dois
momentos da promessa: o primeiro, em que o emissor define o que quer transmitir; e
o segundo, quando o receptor recebe ou no na inteno proposta. Em sua
investigao, o francs ainda divide as narrativas televisivas em: real, ficcional e ldico.
Outros autores, como Elizabeth Duarte (2006) e o j citado Jos Carlos Aronchi
(2004), defendem que o agrupamento no pode ser feito apenas por gnero, mas
tambm por subgneros e formatos. Uma narrativa pode cruzar mais de um dos
gneros apresentados por Jost. Em um reality show como o Big Brother so misturados
o real e o ficcional quando criadas situaes que levantem novas discusses ao jogo
, deixando claro que os gneros defendidos acima dialogam entre si.Para estudarmos
Malhao, ento, precisamos conhecer melhor os formatos televisivos mais usuais no
Brasil, pelos quais transitam a produo da Rede Globo.
Para Arlindo Machado (2005), existem trs tipos de principais de narrativas
seriadas na televiso. No primeiro caso, apresentada uma nica narrativa ou vrias
entrelaadas e paralelas , como o caso das telenovelas brasileiras. Sua construo
teleolgica se resume fundamentalmente em um conflito bsico apresentado no incio,
causando um desequilbrio estrutural, na qual toda a trama evolui para reestabelecer o
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equilibrio perdido, objetivo geralmente alcanado ao fim de cada saga. O segundo caso
mostra situaes completas e autnomas. Cada episdio tem comeo, meio e fim,
repetindo-se apenas cenrios e personagens em uma mesma situao narrativa. Cabe
ressaltar que, segundo o autor, no h ordem de exibio dos episdios, podendo
invert-los ou embaralh-los aleatoriamente sem que as situaes narrativas sejam
modificadas. Por fim, o terceiro caso traz em comum apenas o esprito geral das
histrias ou sua temtica. Em cada unidade, porm, no apenas a histria
completamente diferente das outras, como tambm so os personagens, atores,
cenrios e, muitas vezes, at os roteiristas e diretores. Um dos fatores que contibuem
para a fora das produes seriadas na televiso mundial a facilidade de faz-la em
larga escala, seguindo os mesmos preceitos adotados por outras esferas industriais.
Ainda de acordo com Machado, a recepo televisiva tambm costuma favorecer
ideias e situaes recorrentes, uma vez que a ateno do telespectador pode ser
facilmente desviada, ao contrrio do cinema.
Como poderiam ser classificados, afinal, os gneros? Com base na literatura,
Mikhail Bakhtin (1981) apresentava uma viso mais aberta, o que se adequa melhor
obra audiovisual aqui estudada. Para o autor russo, os gneros do discurso so
relativamente estveis, dispostos a organizar ideias, meios e recursos expressivos,
suficientemente estratificado numa cultura, de modo a garantir a comunicabilidade dos
produtos e a continuidade dessa forma junto s comunidades futuras3. Mas, para que
sejam efetivamente entendidos, o pensador russo relativiza os gneros em
consequncia do momento histrico e situaes sociais aos quais esto inseridos.
Aronchi usa a Biologia para explicar os estudos televisivos, comparando
espcies animais com formatos:
H muita semelhana entre gneros e formatos na televiso no que se refere ao estudo de gnero no campo da Biologia. Assim como na Biologia existem os gneros e as espcies, em televiso coexistem os gneros e os formatos. Pode-se fazer uma analogia, com as devidas diferenas, entre as espcies da Biologia com os formatos da televiso. Na Biologia, vrias espcies constituem um gnero; os gneros,
3 Arlindo Machado, A televiso levada a srio (So Paulo: Senac, 2005), p. 68.
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agrupados, formam uma classe. Em televiso, vrios formatos formam um gnero de programa; esses gneros de programa, agrupados, formam uma categoria. (ARONCHI, 2004, p. 45)
Em paralelo, o pesquisador norte-americano Jason Mittell apresenta uma viso
contrria de Aronchi em trabalho lanado no mesmo ano:
Seguindo as tradies da taxonomia biolgica, para entender uma famlia de sapos, ns precisamos olhar para a maior quantidade de membros de tal categoria. Tradicionalmente, ns fazemos o mesmo com os gneros se voc quiser entender os videoclipes, assista ao mximo que puder. Mas, ao contrrio dos sapos, os videoclipes no se repetem. (Mittell, 2004, p. 8)4
Ao contrrio dos sapos, gneros so experincias que mudam de acordo com
a histria e a cultura. Existe uma evoluo interna do gnero, como defendido por Jane
Feuer, onde ele se molda de acordo com seu contexto histrico-cultural. Para que haja
um estudo de gnero, necessrio um olhar que observe os produtos de dentro para
fora, entendendo como eles operam na cultura miditica, moldando-se e redefinindo
suas caractersticas ao transitar pelos vrios reinos culturais. Mittell defende que os
gneros televisivos no podem ser entendidos a partir das teorias aplicadas a outros
meios. Os estudos de gneros literrios so comumente usados como base para as
pesquisas em televiso.
O autor prope, ento, que no se parta do pressuposto das anlises
interpretativas, que geralmente tratam o gnero como esttico e atemporal, ignorando
os caminhos que envolvem suas relaes com os contextos culturais. necessrio que
se leve em considerao as experincias que mudam de acordo com a histria e a
cultura, alterando os gneros ao passo em que os gneros tambm alteram tais
experincias. Alm disso, como pontua Mittell, os gneros so formados historicamente
por meio no apenas da narrativa que geram, mas sobretudo do circuito comunicativo
4 (...) Following from traditions of biological taxonomy, to understand the taxonomic family of frogs, we need to
look at the members of that category (i.e. frogs). Traditionally, we do the same for genres if you want to understand music videos, watch as many as you can. But unlike frogs, music videos do not reproduce on their own.
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em torno dele. A recepo da audincia, o horrio que transmitido, o nome que
recebe e a crtica, entre outros elementos, so fundamentais para caracterizar e balizar
o gnero em questo.
1.2. Bases da teledramaturgia brasileira diria
Como apontado anteriormente, Malhao frequentemente categorizada como
novela pela imprensa. Principal gnero da teledramaturgia nacional, o formato
oriundo do rdio, que criou, alm do produto especfico, um universo ao seu redor. Em
1942, quase uma dcada antes da televiso comear a funcionar no Brasil, a Rdio
Nacional do Rio de Janeiro transmitia Em Busca da Felicidade, sua primeira
radionovela, que foi seguida por grandes sucessos dramatrgicos, como Jernimo, O
Heri do Serto e O Direito de Nascer.No rdio, as produes geralmente no tinham
tempo determinado de durao, definindo seus rumos a partir da recepo da
audincia. O Direito de Nascer ficou no ar por trs anos, enquanto Jernimo, O Heri
do Serto teve sua veiculao por 14 anos, ambas no incio da dcada de 1950.
A indstria de entretenimento ao redor das produes era fortemente munida de
atrativos para prender a ateno do pblico. No apenas os artistas deste gnero, mas
do veculo em geral, eram grandes estrelas que abriam suas intimidades para revistas
que desvendavam as imagens por detrs das vozes. Muito semelhante ao tipo de
trabalho que a imprensa presta hoje s fofocas sobre televiso, principalmente
telenovela. Como nas notcias frequentemente veiculadas hoje em dia, muito se
especulava sobre a vida privada dos astros das produes radiofnicas, indicando que
o gnero da radionovela no morria ali, ao fim de cada captulo, mas seguia para
outros meios.
E aquela radioatriz continua sendo cortejada pelo radioator, que casado e bem conhecido. Acho que a histria vai acabar mal... (Revista do Rdio 476, 1 de novembro de 1958).
Alguns dos principais autores de radionovela se destacaram tambm na
televiso, como Dias Gomes, Ivani Ribeiro e Janete Clair. Durante os anos de 1960
dcada de surgimento da TV Globo , o formato radiofnico perdeu um pouco de sua
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fora enquanto a telenovela comeava a emergir. J em 1965, a Rede Globo exibiu
Iluses Perdidas (1965), com a veterana do cinema Leila Diniz encabeando o elenco
ao lado de Reginaldo Faria. Nesta primeira fase, tramas surrealistas com vis
folhetinesco ocupavam a grade da emissora. Destaque para O Sheik de Agadir (1967)
e A Gata de Vison (1968), escritas por Glria Magadan sob referncias da literatura
estrangeira. Textos mais ligados ao universo real da sociedade brasileira, como
realizados em sua maioria hoje na TV, entram em questo no fim da mesma dcada
atravs de consagrados autores do rdio. Janete Clair, por exemplo, alcanou o
sucesso com obras como Vu de Noiva (1969) e Selva de Pedra (1972). Seguindo o
mesmo modelo, obras de autores como Glria Perez, Manoel Carlos e Aguinaldo Silva
os blockbusters da teledramaturgia nacional agregam elementos que se
aproximem da vida real a uma narrativa ficcional.
J caracterizado como um grande fenmeno da cultura nacional, a grade
televisiva brasileira passou a contar com uma diviso de horrios fixa e a maior
segmentao do seu pblico no incio da dcada de 1970, o que primordial para os
estudos de Malhao. O primeiro horrio, o das 18 horas, era destinado a obras com
certo teor pedaggico, porm, a baixa audincia fez com que a emissora colocasse
desenhos animados e seriados norte-americanos em seu lugar. Apenas em 1975, sob
comando de Herval Rossano, a faixa atingiu a audincia esperada ao encenar
adaptaes de obras literrias que seriam mais tarde fonte de prestgio para o canal.
Helena (1975), Senhora (1975), A Moreninha (1975) e Escrava Isaura (1976) foram
alguns dos ttulos que marcaram o estilo das telenovelas deste horrio.
Um pouco mais tarde, s 19 horas, produes com um foco maior na comdia e
no ldico entravam no ar. Um dos exemplos bem sucedidos, a telenovela Locomotivas,
de Cassiano Gabus Mendes, lanou moda principalmente entre o pblico jovem,
exibida entre maro e setembro de 1977. O horrio seguinte, o das 20 horas, era
destinado primeiramente discusso de temas relacionados ao cotidiano do brasileiro.
No fim da dcada de 1970, entre as tramas com temas fortes, destacavam-se Pai-
Heri, Dancin Days e, uma das mais polmicas, Os Gigantes, de Lauro Csar Muniz,
trazia a eutansia como um dos motes principais. Havia ainda um quarto horrio
reservado s telenovelas inditas, s 22 horas, com produes focadas em
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personagens sensuais alcanando sempre um alto ndice de audincia. A faixa, no
entanto, no permaneceu na dcada seguinte, sendo Sinal de Alerta, de Dias Gomes,
a ltima exibida para o horrio, de julho de 1968 a janeiro de 1979.
No incio da dcada de 1980, a faixa vespertina j apresentava inclinaes para
o pblico jovem. Em maro de 1983, s 17 horas, entrava no ar o Mrio Fofoca, srie
destinada ao pblico infanto-juvenil, baseada em personagem de sucesso vivido por
Luis Gustavo na novela Elas Por Elas, exibida no ano anterior. A partir da, outras
produes destinadas mesma audincia eram exibidas no horrio, como a
reapresentao da bem-sucedida Armao Ilimitada (original de 1985, reexibida tarde
em 1990), de Guel Arraes, e o game-show Radical Chic, j em 1993, com esquetes
feitas por Andrea Beltro e apresentao de Maria Paula, ex-VJ da MTV.
Iniciava, ento, uma nova safra de programas voltados ao pblico jovem e
adolescente, fugindo da esttica infantil como feito em Armao Ilimitada, que usava
linguagem de quadrinhos, crianas como personagens centrais etc. e discutindo
temas que dificilmente ganhariam espao em tramas destinadas ao pblico adulto. Vale
observar o que acontecia na televiso brasileira alm da Rede Globo. Em outubro de
1990, via UHF, a MTV comeava suas transmisses com programao inteiramente
voltada ao pblico jovem. Em 1994, a TV Cultura estreava Confisses de Adolescente,
dirigida pelo global Daniel Filho. Era hora, portanto, da emissora carioca investir em tal
pblico.
1.3. O jovem na teledramaturgia
Estudo realizado por Maddalena Fedele e Nria Garca-Muoz (2010) analisa as
teen-series a partir dos Anos 1990, o momento em que ocorreu uma expanso de
produes para este pblico - os "teens" - na Amrica Latina, considerando
principalmente as que narram a vida de personagens adolescentes. As pesquisadoras
atentam que este pblico j nasceu e cresceu em um entorno multimiditico, de onde
recebem estmulos constantes. Por isso, importante que se considere o uso desses
meios de comunicao apenas uma das mltiplas atividades que os adolescentes
desenvolvem no tempo livre. Em campo latinoamericano, observou-se uma preferncia
do pblico por obras seriadas ficcionais.
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Alguns estudos de recepo foram realizados com os jovens desde os anos de
1980, principalmente nos Estados Unidos . Outros pases direcionaram seus olhares a
este target apenas na dcada seguinte, quando a produo destinada a eles tambm
aumentou. Aps a pesquisa, observou-se que motivaes do pblico jovem para
assistir a determinada produo no so muito diferentes dos outros pblicos,
mostrando que, ao mesmo tempo em que gostam de ver seus reflexos na tela,
preferem as obras de fico que apresentem um escapismo da realidade e que os tire
do tdio cotidiano. Verificou-se tambm a funo informativa sobre assuntos e reas
nas quais os adolescentes querem informaes: regras sociais, relaes interpessoais
e outros temas de carter amoroso e sexual. Ainda no artigo, Fedele e Garca-Muoz
destacam a funo social das obras destinadas ao pblico adolescente. Alm da
funo de entreter, estas sries tm capacidade de incentivar interaes sociais.
1.4. Soap-opera? Malhao nas fontes da dramaturgia internacional
Em sua proposta inicial, o formato de Malhao se aproximava ao das soap-
operas norte-americanas. Mesmo que sejam frequentemente traduzidas como
novelas, os gneros tm bastante diferenas entre si. Nos estudos de comunicao,
assim como a telenovela brasileira, a soap-opera frequentemente relegada a um
lugar de importncia menor nos respectivos lugares onde tm maior alcance.
As soap-operas comearam a ser veiculadas no horrio nobre em 1930, durante
a Era do Rdio estadunidense. Durante a depresso econmica dos Estados Unidos, a
partir do crack da bolsa de valores ocorrido em 1929, o formato teve um papel
importante para reforar as ideias de american dream e american way of life. De acordo
com Marilyn Lavin (1995, p. 76), as soap-operas tinham um papel importante para
encorajar o consumo de massa, apresentando geralmente histrias que traziam fortes
personagens femininos no centro das aes, encontrando ento seus principais
consumidores: a dona de casa.O sucesso do formato foi evidente. Menos de dez anos
depois, 75 horas semanais eram dedicadas s soap-operas, o que tornou o rdio um
dos nicos meios a alcanarem o crescimento comercial. Marcas de utenslios do uso
cotidiano, como Colgate-Palmolive e Unilever, conhecidas principalmente pelos
21
produtos de higiente pessoal, foram as primeiras patrocinadoras, atribuindo o termo
pelo qual as produes so conhecidas at hoje.
A principal diferena das soap-operas em comparao s telenovelas latino-
americanas a questo de no ter data para terminar. Se aqui no Brasil, uma trama
leva cerca de oito meses para concluir sua exibio, nos pases anglo-saxes as
histrias ficam no ar por anos ou at mesmo dcadas. One Life To Live, uma das mais
tradicionais soap-operas dos Estados Unidos, entrou no ar em 15 de julho de 1968,
permanecendo at hoje em exibio em histria contnua. Victoria Lord, interpretada
pela premiada Erika Slezak, a personagem h mais tempo presente na trama: entrou
em 17 de maro de 1971 e continua at hoje como uma das protagonistas. Em
Malhao ocorre fato semelhante quanto durao do programa, porm, sua narrativa
no tem continuidade como nas obras produzidas no exterior.
Nos anos de 1960, o gnero j havia sado do rdio e ganhava espao cativo na
televiso norte-americana. Primeiramente focadas em conflitos psicolgicos, na dcada
seguinte as tramas giravam em torno do tempo social. Entre as dcadas de 1970 e
1980, alcanou o seu melhor momento, com mais de trinta produes em exibio.
James H. Wittebols (2004) admite que difcil definir a soap-opera enquanto
gnero, justamente por cada uma ter suas particularidades. O autor observa que duas
caractersticas so comuns s produes do formato: o desenvolvimento seriado para
desvendar a narrativa e o uso forte da emoo e do sentimentalismo sempre
empregados ao melodrama. Pelas caractersticas levantadas por Wittebols,
poderamos facilmente agrupar as soap-operas com as telenovelas no formato a qual
estamos acostumados assistir no Brasil, porm as diferenas vo alm de
caractersticas frequentes em seu texto.
Mudanas grandes, como acontece em Malhao, no so comuns em soap-
operas estrangeiras, o que causa uma redefinio do gnero. Em 1999, a produo da
Rede Globo abandonou a academia de ginstica que serviu de cenrio principal para
as tramas apresentadas, dispensou todo o elenco, sem deixar qualquer relao com as
temporadas anteriores. Em vez de jovens vivendo seus dilemas nos corredores da
academia, os personagens ainda na mesma faixa etria tinham o colgio Mltipla
Escolha como seu lugar comum. Em soap-operas tradicionais, a produo seria
22
cancelada dando lugar a uma outra. Malhao, no entanto, manteve o nome, mas
mudou elenco, equipe de roteiristas e diretores, cenrios, entre outros. O que liga
Malhao s tramas de todas as temporadas a insero no universo jovem. Mesmo
que a trama ganhe cada vez mais personagens adultos, os adolescentes esto sempre
como centro das atenes, abordando assuntos comuns passagem da infncia para
a vida adulta.
1.5. O Adolescente e a soap-opera
O crescimento de outros formatos, como os seriados e sitcoms, ocasionou a
perda de espao das soap-operas no cenrio norte-americano, porm no causou seu
desaparecimento. Nos anos de 1980, era notvel que as produes precisavam passar
por uma reformulao. Cada vez mais, as mulheres entravam no mercado de trabalho
passando a dedicar menos tempo s soap-operas, o que fez com que os produtores
desviassem a ateno para o pblico jovem. Personagens adolescentes foram
incorporados a tradicionais produes, como Port Charles, All My Children, General
Hospital e a j citada One Life To Live. Ainda com foco em uma audincia entre 16 e 25
anos, a CBS cria The Young And The Restless, enquanto a NBC cancela a tradicional
Another World no ar por 30 anos e cria Passions. A identificao em uma soap-
opera se faz necessria, como enfatiza Dorothy Hobson (2003), porque o pblico
precisa se sentir familiarizado com ela, mas no quer estar dentro das histrias.
Na Inglaterra, h mudana de foco na audincia. Em 1982, a soap-opera
Brookside alcana o sucesso tendo o pblico masculino e jovem como alvo. A troca
deu certo e a produo ficou por 21 anos no ar pelo Channel 4. As mulheres jovens,
por sua vez, tiveram seus dilemas dramatizados na Inglaterra atravs de Eastenders,
no ar desde 1985. A incluso de personagens adolescentes indicou uma audincia
crescente sobretudo nos horrios vespertinos. Em um estudo mais detalhado sobre a
atrao voltada s mulheres jovens, David Buckingham, pesquisador do Instituto de
Educao da Universidade de Londres, conversou com 60 jovens um ano aps a
estreia da trama. O pblico selecionado, a maioria da classe operria, declarou que
gosta de ver a vida escolar oficializada nas telas, e ainda argumentou que acha
importante importante que se abra uma discusso acerca de seus interesses.Susan
23
Tully viveu Michelle Fowler por dez anos na soap-opera Eastenders. Sua personagem
comeou levando uma vida adolescente, e o pblico acompanhou sua trajetria,
tornando-se um dos principais exemplos de repercusso nas produes do pas. Assim
como a atriz, a personagem engravidou, casou e tinha forte identificao com o pblico.
24
Captulo II: O jovem como pblico consumidor
Como observado anteriormente, o adolescente de maneira geral gosta de se
identificar com o que assiste na tela. A diferena na abordagem desta audincia, no
entanto, est na forma como os adolescentes tero suas ligaes com os produtos
miditicos:
O consumo miditico dos jovens tem que ser analisado em relao s suas atividades recreativas, sendo o uso dos meios de comunicao apenas uma dentre as mltiplas atividades que os adolescentes desenvolvem em seu tempo livre. (FEDELE, 2010, p. 6) 5
A televiso continua possuindo um grande peso na cultura miditica das novas
geraes, mas precisa dividir a ateno com outros meios comuns ao cotidiano do
jovem. Pesquisa realizada pela comScore6 em maio de 2010 aponta que 37,5% dos
internautas brasileiros tm faixa etria entre 6 e 24 anos de idade e destinam maior
parte do tempo online a prticas sociais ou relacionadas a algum outro tipo de
entretenimento. A fora do pblico no ciberespao faz com que este seja um dos
primeiros lugares comuns explorados por tais produes, mas eles no ficam detidos
somente a esta extenso.
Atualmente, um produto televisivo no est presente apenas na televiso,
como, ao mesmo tempo, no se prende aos meios oficiais. Muitas vezes, criado um
universo ao seu redor desses produtos, marcado pela convergncia de mdias. Como
enfatizado por Henry Jenkins (2008), a circulao de contedo depende fortemente da
participao ativa dos consumidores (p. 27).
Ou seja, para compreendermos a forma como os meios de comunicao so
dispostos para que determinado produto alcance o pblico para o qual destinado e
cause a total experincia narrativa, necessrio conhecer tambm quem o
consumidor. No caso de Malhao e das demais obras destinadas ao pblico
adolescente, precisamos conhecer o perfil de jovem consumidor, que emergiu como
5 El consumo meditico de los jvenes tiene que ser analizado en relacin a sus dietas recreativas, siendo el uso de
los medios de comunicacin slo una de las mltiples actividades que los adolescentes desarrollan en su tiempo libre. 6 Empresa especializada em estudos e mtricas para internet. Pesquisa disponvel em http://bit.ly/aF5nFJ. Link
acessado em 05 de novembro de 2011.
25
um grupo social diferenciado na dcada de 1950 e hoje apare institudo na nossa
cultura.
2.1. A construo da juventude
Se hoje a questo do rejuvenescimento to presente entre pessoas de mais
idade, isso parte de uma construo recente da histria. Nos perodo anteriores
modernidadearcaico, ser mais velho e aparentar assim significava ter maior
sabedoria. Porm, com o passar do tempo, o acesso idade adulta tornou-se mais
suave, o que trouxe a noo de juventude ou jovialidade que conhecemos atualmente.
A acelerao da civilizao contempornea faz com que o essencial no seja mais a
experincia acumulada, mas a adeso ao movimento. (MORIN; 1977, p. 147, grifos do
autor)
Em seriados destinados aos adolescentes, como o caso de Malhao,
personagens jovens so centrais. Mesmo que s vezes amparados por figuras adultas,
como professores e pais, quem possui a capacidade de resoluo dos conflitos so
sempre os adolescentes, levantando o carter contestador nem sempre explcito na
atrao comum idade. A degerontocratizao7 democratiza a sabedoria e tira da
velhice o papel de detentora da experincia. A velhice descartada do curso da vida
real, tomando suas vises como antiquadas, e emergindo ento o papel do coroa,
que, apesar da idade, mantm sua aparncia jovial e ainda assim responsvel por
certo capital simblico da experincia.
A essa degeroncratizao corresponde uma pedocratizao8: Se 1789 marca o nascer do sol da juvenilidade poltica, desde 1777 Les Soulfrances du Jeune Werther anunciam o nascer do sol da juventude cultural. O duplo impulso, poltico e cultural, se efetua desde ento, ora conjuntamente, ora alternativamente. O romantismo um imenso movimento de fervor e de desencantamento juvenis, que se segue ao desmoronamento do Velho Mundo e anuncia as aspiraes do novo homem. O jovem Hegel, o jovem Marx, por seu lado, operam a revoluo mental do homem que d adeso ao vir-a-ser do mundo. Deus Pai agoniza. (MORIN, 1977, p. 148)
7 Termo utilizado por Edgar Morin para indicar a inverso na gerontocracia, que vem a ser o predomnio dos
velhos em um grupo social; governo dos ancios N. T. 8 Palavra formada com o sufixo grego pis, paids (criana); termo utilizado por Morin.
26
Entretanto, o conceito ocidental de adolescncia e juventude enquanto classe
consumidora s conhecido perto da dcada de 1950. Movimentos culturais como a
nouvelle vague francesa trazem a importncia para a classe dessa faixa etria atravs
da literatura de Franoise Sagan; a msica de Elvis Presley e Paul Anka; e sobretudo
no cinema de Vadim e Jean-Luc Godard, dentre outros. O jovem passa a se enxergar
ento na cultura de massas.
A mesma poca caracterizou-se por uma viso diferenciada do que era ser
jovem. Ao mesmo tempo em que ideais revolucionrios eram instaurados, formando a
conscincia coletiva dos que chegavam idade adulta, os jovens entravam para o
mercado de trabalho por decorrncia da reconfigurao no panorama industrial vigente.
Pessoas mais jovens passam ento a ter autonomia sobre o dinheiro, revelando um
novo pblico consumidor que, assim como os outros, gostariam de enxergar suas
necessidades e desejos nos produtos disponveis. Como aponta Morin:
A velhice est desvalorizada. A idade adulta se rejuvenesce. A juventude, por seu lado, no mais, propriamente falando, a juventude: a adolescncia. (MORIN,; 1977, p. 153)
2.2. O jovem como pblico consumidor
A cultura do adolescente foi reforada atravs da cultura de massas refletido a
partir dos anos de 1950. Na msica, o maior destaque foi Elvis Presley, que, muito
alm de suas canes, popularizou a postura do que viria a ser o adolescente.
Quebrou paradigmas com figurinos mais coloridos que o usual poca, coreografias
animadas e um despojamento quase inexistente perante aos mais conservadores. Em
uma de suas canes, Young and Beautiful9, o Rei do Rock se refere sua amada
ressaltando a juventude como uma de suas principais caractersticas em trechos como
voc to jovem / e bonita / voc tudo o que eu amo10.
9 Cano gravada por Elvis Presley em abril de 1957 para o filme Jailhouse Rock, do mesmo ano.
10 Youre so young / And beautiful / Youre everything I love trecho da cano Young and Beautiful, de Elvis
Presley.
27
Alm da exaltao juventude, a cultura de massas tambm foi responsvel
principalmente por apresentar a viso contestadora dos padres vigentes e reforar um
conceito de adolescncia e juventude como conhecemos hoje. O longa-metragem
Juventude Transviada, dirigido por Nicholas Ray em 1955, apresentou o jovem
contestador em conflito com a famlia e principalmente conflito interno, durante o
perodo em que seu estilo de vida comeava a receber o foco da mdia e ganhar
legitimidade.
O Brasil, mesma poca, passava por grande choque poltico-cultural. Com o
falecimento do conservador Getlio Vargas, em 1954, o pas viu uma onda de
modernizao atravs do governo de Juscelino Kubitstchek (1956 1961), que criou
uma nova capital federal e investiu em projetos arquitetnicos ousados para o tempo
em que foram implementados.
Maconha e cocana eram conhecidas por poucos e tinham baixssimos ndices
de consumo, se considerarmos os encontrados hoje. O espao de circulao destas
drogas eram os lugares barra pesada, tambm muito menores que os atuais. As
drogas mais populares estavam ligadas classe mdia. Eram o lana-perfume, comum
principalmente em bailes de Carnaval, e o Pervitin, uma bolinha, vendida na farmcia,
capaz de manter a energia dos usurios. Ao contrrio do que hoje observado pelo
lugar comum, quem causava os transtornos s cidades no era a marginalidade pobre,
mas uma parcela da juventude dourada que consumia bebidas alcolicas e promovia
rachas de carros e lambretas.
A cultura de massa tambm foi responsvel por introduzir, de forma leve, a
ideia de adolescncia no incio da dcada de 1950. O rdio ainda era o meio de
comunicao capaz de evaso e mobilizao dos desejos (CARMO; 2000, p. 17). Sua
programao trazia grandes rdio-novelas, transmisses de grandes concursos como
o Miss Universos e programas de variedades, onde se apresentavam grandes astros
do Rdio, dentre eles os populares ngela Maria e Cauby Peixoto este responsvel
pela gravao do primeiro rocknroll em portugus11. O gnero uma das expresses
11
RocknRoll em Copacabana, composta por Miguel Gustavo, foi gravada por Cauby Peixoto em 1957 e lanada pela gravadora RCA.
28
mais fortes da cultura de massas norte-americana chegou ao Brasil com a mesma
marca de rebeldia juvenil.
Em 18 de junho de 1952, chegou s bancas a primeira edio da Revista
Capricho. Sua linha editorial, no entanto, no era destinada aos jovens, mas ao pblico
feminino em geral. Sob o slogan A Revista da Mulher Moderna, Capricho apresentava
receitas culinrias e reportagens com temas como a menopausa; porm, seu grande
sucesso eram as fotonovelas. Apenas no incio dos anos de 1980, a publicao
assumiu a menina adolescente como pblico alvo, diminuindo o espao das
fotonovelas para inserir reportagens sobre comportamento. Em 1985, para reforar a
nova posio, alterou seu slogan para A revista da gatinha e mudou o foco das
matrias, enfatizando reportagens sobre astros da TV e da msica, alm de textos
sobre uso de drogas, primeira menstruao etc.
O cinema brasileiro no refletia ainda o novo perfil do jovem, ao contrrio do
que acontecia em parte do mercado estrangeiro, principalmente o norte-americano. Por
aqui, predominavam as chanchadas de Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonalves e
Amcio Mazzaropi com seu famoso personagem Jeca Tatu. As produes, que bebiam
nas fontes do humor circense, apresentavam diversos nmeros musicais com
importantes artistas da Era do Rdio e do Teatro de Revista, aproximando-os das
populaes de cidades interioranas, que s podiam conhec-los atravs do cinema.
Longas-metragens estrangeiros que apresentavam a rebeldia juvenil, quando aqui
eram exibidos, causavam um comportamento eufrico do pblico. Em sesses de Ao
Balano Das Horas12, o policiamento foi intensificado aps depredaes das salas
onde era exibido.
Com o objetivo de mostrar que o filme inofensivo e que o rocknroll nada tem de enlouquecedor ou de mrbido, razo por que o classificou somente como proibido para menores de 14 anos de idade, o chefe do Servio de Censura de Diverses Pblicas convidou o chefe de Polcia, o ministro da Educao, o juiz de Menores, crticos de cinema e escritores para a exibio, s 18h de hoje, na cabine da Warner, do filme Ao Balano das Horas, recentemente exibido em So Paulo, quando provocou agitada reao de jovens.
12
Rock Around The Clock um filme norte-americano de 1956, produzido pela Sony Pictures. O longa-metragem traz performances das bandas Bill Halley & Seus Cometas e The Platters.
29
Como medida preventiva para que no sucedam nesta capital as cenas ocorridas nas principais cidades americanas e europeias onde a pelcula foi exibida como aconteceu recentemente em So Paulo o Sr. Hyldon Rocha, chefe do Servio de Censura de Diverses Pblicas, solicitar ao Coronel Batista Teixeira policiamento especial para os cinemas que exibirem o filme Ao Balano das Horas. Adiantou-nos o Sr. Rocha que essa ser a nica medida possvel para coibir a algazarra promovida pela juventude, porque proibiu o filme para menores at 14 anos em virtude de nele no ter observado detalhes que o levassem a limit-la mais. E frisou: Logicamente, a mocidade ir ver a pelcula, mas encontrar nos cinemas policiamento para cont-los. (Jornal O Globo, 04 de janeiro de 1957)13
O rock, acompanhado da postura rebelde, chegou ao Brasil no fim da dcada
de 1950 e comeo de 1960, com verses de sucessos estrangeiros nas vozes de
grandes expoentes do i-i-i14, mais tarde conhecido como Jovem Guarda, como
Tony e Celly Campello. Mesmo num momento onde havia movimentos musicais de
vanguarda genuinamente nacionais, como a Bossa Nova, para os jovens artistas no
era necessrio defender o que era enxergado como a cultura pura do pas, mas
apropriar-se do que era produzido no exterior e reconstruir os significados para os
brasileiros.
Em meados da dcada de 1960, o gnero alcanou o seu apogeu. A msica
era a protagonista, mas a cultura de massas brasileira, assim como ocorria fora do
pas, articulava outros meios para que fosse inserida a lgica cultural a qual estavam
inseridos. Em 1965, a Rede Record comeou a exibir o programa Jovem Guarda,
comandado por Erasmo Carlos, Wanderla e Roberto Carlos, o maior cone do
movimento. O ttulo surgiu atravs de uma frase de Lenin, que dizia: o futuro pertence
jovem guarda, porque a velha est ultrapassada. Na atrao, apresentavam-se
cantores de destaque no gnero e, obviamente, modas e tendncias comportamentais
eram lanadas. Alm de lanar seus discos, apresentar o programa de televiso e
estampar a capa de diversas revistas, reforando o gnero defendido, Roberto Carlos
13
Texto do Jornal O Globo de 4 de janeiro de 1957, transcrito em http://bit.ly/vgXdXx. Acessado em dezembro de 2011. 14
O nome do gnero musical oriundo de um trecho de famosa cano dos Beatles, onde diziam: She loves you / yeah, yeah, yeah.
30
ainda protagonizou uma trilogia15 no cinema, seguindo os mesmos moldes dos filmes
estrelados por Elvis Presley desde a dcada anterior. Alm disso, eram vendidos
chaveiros, cadernos, calas, bolsas com estampas de calhambeque, dentre outros
produtos que reforavam a identificao com o pblico alvo. Vale destacar ainda o
choque causado pelos figurinos: cabelo longo de Roberto Carlos, roupas coloridas de
Erasmo, e minissaia de Wanderla, em tempos de movimento feminista.
Crticos de esquerda consideravam que a jovem guarda com todas as letras
fceis, verses musicais e solos de guitarra era formada por um grupo de jovens
alienados e submissos influncia malfica do imperialismo cultural norte-americano
(CARMO, 2000, p. 45). O gnero revitalizou o debate musical e abriu novos caminhos,
introduzindo a cultura pop ao Brasil.
A dcada de1960, em geral, foi caracterizada pelos protestos em movimentos
sociais, como os das feministas, dos negros, dos gays, dentre outros que atraam os
jovens para o debate. A contracultura ganhava poder com os jovens, que faziam de
seus espaos de circulao principalmente as universidades o lugar para debates.
Ganham fora, neste momento, os jovens opostos aos vistos como conformistas pelo
sistema. Eram jovens que rejeitavam os valores estabelecidos pela cultura capitalista.
Era o cenrio ideal para que entrasse em voga no Brasil o estilo de vida dos hippies, j
disseminado em outros pases. O lema era deixar de lado o poder das armas e
transferi-lo para as flores, num discurso pacifista constudo em plena Guerra do Vietn.
Embalados por essa ideologia, artistas como Janis Joplin e Jimmy Hendrix se
destacaram no rock mundial. Em 1969, aconteceu o Festival de Woodstock, onde era
pregada a alegria e total liberdade. O evento, que ficou conhecido como um marco para
a msica e para a construo de identidades culturais, permitia o uso de drogas ilcitas
e o amor livre. O comportamento, mais uma vez, no era bem recebido pela imprensa
mundial.
Ilha de Wight, norte da Inglaterra. Num domingo de sol, o ltimo dia de agosto, quase 250.000 jovens deliraram, berraram, contorceram-se, na mais estranha e apocalptica festa da Histria britnica. Cinqenta mil
15
A partir de 1968, Roberto Carlos estrelou os longas-metragens Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-rosa e Roberto Carlos, a 300 Quilmetros por Hora, dirigidos por Roberto Farias.
31
almoaram cigarros de maconha, jantaram cpsulas de LSD. Trinta foram hospitalizados pelo excesso de drogas. Duas semanas antes, no distrito de White Lake (regio de Catskills, Nova York), 450.000 jovens, bem mais estridentes, mais "despojados" e mais extrovertidos, tinham organizado, em condies desfavorveis, um show bem mais animado, o Woodstock Music Festival. Mas, apesar da chuva violenta, 200.000 pessoas danaram nuas e depois foram nadar num imundo rio. Dois meninos nasceram durante a festa, trs pessoas morreram, mais de 5.000 foram hospitalizadas por abuso de drogas. (Revista Veja, 10 de setembro de 1969)16
No Brasil, movimento semelhante acontecia atravs da Tropiclia. Tambm
permeado pela Cultura de Massas especificamente, pelos festivais de msica que
eram exibidos pela emissoras Excelsior e Record , entrou em discusso novamente a
estrangeirizao da msica em contraposio pureza do que era produzido no pas.
Outras produes televisivas, no entanto, no enxergavam o jovem como pblico
consumidor. Eram lderes de audincia programas como a telenovela Beto Rockfeller,
os programas de auditrio comandados por Chacrinha e Silvio Santos, e o noticirio
popular ancorado por Jacinto Figueira Jr., o Homem do Sapato Branco.
O foco dos grandes meios de comunicao permaneceu distante do pblico
jovem durante quase toda a Ditadura Militar. Artistas como Caetano Veloso e Gilberto
Gil, cones da Tropiclia e da militncia juvenil nos anos de 1970, faziam diversas
apresentaes na TV, porm em programas j existentes e que no traziam apenas o
jovem como principal consumidor, sendo mais amplo. O movimento, por si s, trouxe
uma viso aberta da mdia. Alm de ser ttulo de um dos mais importantes lbuns da
cultura brasileira, Tropiclia17 caracterizou-se como um leque de manifestaes,
sobretudo artsticas. A comear pela instalao realizada por Hlio Oiticica em 1967,
no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, outras obras culturais apropriaram-se da
mesma esttica e filosofia trazidas pelo movimento. No mesmo ano, Glauber Rocha
apresenta o longa-metragem Terra em Transe, um dos principais expoentes do Cinema
Novo; enquanto no teatro, o Grupo Oficina interpretava O Rei e a Vela, de Oswald de
16
Texto publicado na Revista Veja de 10 de setembro de 1969. Pode ser encontrado em link do site oficial da publicao http://bit.ly/sAT4vd. Acessado em dezembro de 2011. 17
Tropiclia ou Panis Et Circenses originou o nome do movimento. O lbum, liderado por Gilberto Gil e Caetano Veloso, apresentou um sincretismo de ritmos indito na msica, misturando rock, bossa-nova, baio, samba e bolero. Lanado em 1968, o disco trouxe canes hoje imortalizadas, como Alegria, Alegria, Domingo no Parque e Baby, dentre outras.
32
Andrade. Apesar de no serem todas diretamente interligadas, as obras funcionavam
para difundir o pensamento da contra-cultura da poca.
Apesar de no serem produtos miditicos diretamente destinados ao pblico
jovem, a postura revolucionria implicava um carter de mudana frequentemente
relacionada ao jovem. Observa-se, ento, que a juventude, muito mais do que uma
feixa etria, passa a significar um estilo de vida. Desde o incio da Modernidade,
consumir determinados produtos e seguir tais tendncias observado como agregador
de valores, especialmente por capital social. Com a popularizao da identidade jovem
e a massiva produo de contedo miditico para este pblico a partir da dcada de
1950, o consumo caracteriza-se como uma forma de construo de identidade.
A associao entre consumo e estilo de vida uma forte marca da lgica do capitalismo, em especial em sua verso ps dcada de 50, quando cada vez mais o sistema se orienta menos para a produo e mais para a esfera do consumo, estimulado pelos conceitos de velocidade, transformao e obsolescncia, ambiguamente construdos em concomitncia com uma convocao permanente a uma vida no presente, eternamente jovem e permeada por um hedonismo tipicamente contemporneo, em que o desejo armadilhoso estimula o consumo, mas, sempre no satisfeito, fonte inesgotvel de iluso, frustrao e eterno recomeo. (ENNE, 2006, p. 10)
Em 1978, durante a ditadura do Governo Geisel, foi promulgada a emenda
constitucional n 11, que revogava todos os Atos Institucionais e Complementares que
eram contrrios Constituio Federal. Em 1 de janeiro de 1979, a emenda entrou em
vigor, extinguindo o AI-5, principal rgo de censura da poca, passando a dar alguma
voz para que a juventude reprimida pelos anos anteriores pudesse se expressar.
A partir de ento, o cinema brasileiro comeou a direcionar seus olhares para o
pblico jovem, abordando temticas comuns ao pblico alvo e se integrando aos seus
circuitos de sociabilidade. Nos anos de 1980, o cinema nacional enfrentava uma srie
de problemas devido a forte entrada do mercado estrangeiro, o processo inflacionrio e
a crise econmica financeira. A Embrafilmes continuava sendo a principal estrutura de
fomento stima arte no pas. O cenrio mudou um pouco quando, em 1986, foi
promulgada a lei de n 7505, mais conhecida como Lei Sarney. Esta lei fornecia
incentivo fiscal para empresas privadas que apoiassem a produo cultural,
33
descontando o investimento em impostos. A nova prtica ampliava o mercado para
novos cineastas, oriundos majoritariamente da Escola de Comunicaes e Artes da
Universidade de So Paulo, com destaque para o espao cultural da Lira Paulistana,
na Vila Madalena, um lugar onde havia um cenrio juvenil efervescente em relao ao
teatro, msica e entretenimento noturno, como danceterias. Como observado por
Bueno (2005), nem todos os filmes produzidos pelo Cinema da Vila eram destinados
aos jovens, mas, na dcada de 1980, todos os filmes que retratavam o universo do
jovem paulista foram produzidos pelo coletivo cultural. O Olho Mgico do Amor
(1981)18, Onda Nova (1983)19 e A Estrela Nua (1985)20 so alguns dos destaques. A
adaptao do livro de Marcelo Rubens Paiva, Feliz Ano Velho (1988) foi um grande
sucesso de bilheteria21, apostando no trnsito entre diversas mdias para promover seu
lanamento e atingir o pblico presente em cada uma delas, bem antes dos conceitos
de transmdia e crossmdia serem difundidos e estudados no meio acadmico. O longa-
metragem, que havia sido livro, ganhou tambm uma verso para o teatro, alm de
uma estratgia promocional entre o jornal Folha de S. Paulo, a Rdio Cidade e a Art
Filmes, que exibiam o filme gratuitamente para estudantes acima de 14 anos,
promovendo um debate ao final de cada sesso.
O cinema gacho tambm tinha destaque na produo que retratasse o jovem.
O premiado Deu Pra Ti (1981)22 apresentou a cultura urbana gacha e introduziu os
hbitos do jovem da regio, abrindo o caminho para curtas-metragens experimentais
que retratavam o mesmo assunto, alm dos destacados longas-metragens Me Beija
(1984)23, Aqueles Dois (1985)24 e Verdes Anos (1984)25, o marco inicial da regio
18
O Olho Mgico do Amor, de 1981, um longa-metragem dirigido por Jos Antonio Garcia e caro Martins, com Carla Camurati e Tnia Alves nos papis principais. 19
Onda Nova, de 1983, um longa-metragem dirigido por Jos Antonio Garcia e caro Martins, com Carla Camurati, Vera Zimmerman, Regina Cas e Tnia Alves nos papis principais. O filme conta com participaes especiais de no-atores, como o msico tropicalista Caetano Veloso e o futebolista Casagrande. 20
A Estrela Nua, de 1985, um longa-metragem dirigido por Jos Antonio Garcia e caro Martins, com Carla Camurati e Cristina Ach nos papis principais. A primeira recebeu o prmio de Melhor Atriz no Festival de Gramado, no ano de seu lanamento. 21
Segundo notcia publicada em 25/9/1988, Feliz Ano Velho figurava como a quarta maior bilheteria da semana, abaixo de Rambo III, Atirando para matar e Busca frentica. (BUENO, 2005) 22
Deu Pra Ti Anos 70, de 1981, um filme rodado em Super-8, sob direo de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti. 23
Me Beija, de 1984, um longa-metragem dirigido por Werner Schnemann. Apesar da pouca circulao em salas de cinema, o filme faturou prmios no Rio de Janeiro e Braslia.
34
voltado para esse pblico segmentado. A falta de incentivo pblico e distribuio
precria, restringindo-se regio sul, foram empecilhos para as produes e afastavam
interesses de investidores privados.
Com forte expresso nacional, a juventude do Rio de Janeiro foi apresentada
atravs de diversas vertentes culturais. Um marco foi a criao do Circo Voador pelo
ator Perfeito Fortuna no vero de 1982. O local reuniu jovens atores, poetas e bandas
de pop-rock embaixo da lona situada na zona sul carioca. Simultaneamente,
destacava-se a Nuvem Cigana, um projeto itinerante pelas praias da cidade. Fundada
pelo poeta Chacal, a companhia difundia uma arte essencialmente urbana e juvenil. Ao
contrrio do que ocorreu em So Paulo e no Rio Grande do Sul, o movimento
cinematogrfico do Rio de Janeiro no foi inteiramente produzido pelos jovens, mas
estes foram mostrados atravs de alguns cineastas ento j consagrados.
Um dos principais filmes destinados ao jovem, Menino do Rio (1981)26 tinha
processo de produo ambicioso, que no o restringia s salas de cinema. O longa-
metragem j foi pensado para um circuito de consumo na tela grande, na televiso,
rdio e moda, integrando-se s diversas plataformas que seduziam o jovem poca. O
sucesso da produo foi tanto que o longa recebeu uma continuao: Garota Dourada
(1984), com os mesmos personagens centrais. Relacionando entretenimento e
publicidade, os longas de Antnio Calmon contaram com aes de merchandising
integradas. Em Menino do Rio, um desfile de moda promovia a marca Fiorucci27,
enquanto Garota Dourada apresentava um show financiado pela Pool na casa noturna
Noites Cariocas28, funcionando como desfecho da narrativa.Ainda no Rio de Janeiro, a
mesma vertente cinematogrfica ganhava fora em filmes de grande expresso, como
Bete Balano (1984), realizado pelo Centro de Produo e Comunicao (CPC)
formado por Lael Rodrigues, Tizuka Yamasaki e Carlos Alberto Diniz. Para promover o
longa-metragem, a msica-tema do filme foi composta por Frejat e interpretada por sua
24
Aqueles Dois, de 1985, um longa-metragem dirigido por Srgio Amon, baseado em conto homnimo de Caio Fernando de Abreu. 25
Verdes Anos, de 1984, um longa-metragem dirigido por Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, protagonizado por Werner Schnemann e Marcos Breda. 26
Menino do Rio, de 1981, um filme dirigido por Antnio Calmon, protagonizado por Andr De Biase. 27
A sequncia do desfile da Fiorucci para Menino do Rio pode ser vista em http://youtu.be/aDGu4IFJplA 28
O evento realizado pela Pool e apresentado em Garota Dourada pode ser assistido em http://youtu.be/bYGLIoUKRvI
35
banda, o Baro Vermelho. Com a cano tocando nas rdios e um videoclipe
apresentado na televiso, o filme teve seu nome facilmente conhecido pelo pblico
mesmo antes de seu lanamento. A trilha-sonora, no entanto, no era usada apenas
para climatizar as sequncias do longa, mas para promover uma identidade e
construir a marca ao redor de Bete Balano. As bandas se reuniram para tocar em um
mega-show no ginsio Anhembi, em So Paulo, num evento chamado Festival Bete
Balano. Na Praa da Apotese do Rio de Janeiro, o Baro Vermelho tocou as
canes do filme com orquestras sinfnicas nacionais. A trilha-sonora, lanada em LP
e fita K7, era como uma coletnea de bandas que despontavam como novas apostas
do cenrio musical nacional. O sucesso foi sucedido por Rock Estrela (1986), que
seguiu os mesmos padres do filme anterior, porm com menor xito.
A televiso comeou a investir neste pblico ainda na dcada de 1980. A faixa
vespertina da Rede Globo j apresentava inclinaes para o pblico jovem. Em maro
de 1983, s 17 horas, entrava no ar o Mrio Fofoca, srie destinada ao pblico infanto-
juvenil, baseada em personagem de sucesso vivido por Luis Gustavo na novela Elas
Por Elas, exibida no ano anterior. A partir da, outras produes destinadas mesma
audincia eram exibidas no horrio, como a reapresentao da bem-sucedida Armao
Ilimitada (original de 1985, reexibida tarde em 1990), de Guel Arraes, e o game-show
Radical Chic, j em 1993, com esquetes feitas por Andrea Beltro e apresentao de
Maria Paula, ex-VJ da MTV.
Iniciava, ento, uma nova safra de programas voltados ao pblico jovem e
adolescente, fugindo da esttica infantil como feito em Armao Ilimitada, que usava
linguagem de quadrinhos, crianas como personagens centrais etc. e discutindo
temas que dificilmente ganhariam espao em tramas destinadas ao pblico adulto. Vale
observar tambm o que acontecia na televiso brasileira alm da Rede Globo.
Em 1990, a MTV chegou ao Brasil com sua programao focada sobre
msicas e comportamento jovem, algo que ainda era pouco abordado na televiso
brasileira. Como observado anteriormente, foi nesta dcada que as televises da
Amrica Latina comearam a encarar o adolescente como um pblico em potencial e
investir em preodues que falassem diretamente com eles. Programas destinados ao
mesmo segmento de pblico destacaram-se na televiso nacional, como o Programa
36
Livre, exibido pelo SBT a partir de 1991. O apresentador Serginho Groisman, na
chamada de estreia29, convidava telespectadores a guardarem a energia do crebro e
do corpo. O programa ficou conhecido pela expresso Fala, garoto!, expressada pelo
anfitrio quando se dirigia a algum da plateia. Em uma chamada do programa no ano
seguinte30, o locutor anunciava uma televiso jovem. Programa Livre foi eleito o
Melhor Programa de Entrevistas pelo Trofu Imprensa nos anos de 1994, 1997, 1998 e
1999.
Na TV Cultura, em 1994, jovens faziam sucesso em um seriado dirigido por
Daniel Filho, figura conhecida da Rede Globo. Em Confisses de Adolescente, criado
por Maria Mariana, quatro irms enfrentavam dilemas do crescimento, como a primeira
vez, primeiro contato com as drogas, primeiro suti, entrada no mercado de trabalho
etc. As personagens, com idade entre 13 e 20 anos, eram interpretadas pela prpria
criadora da srie, ao lado de Georgiana Ges, Danielle Valente e Deborah Secco. O
programa foi um grande sucesso e conquistou tambm o mercado internacional, tendo
sido exibido na Frana, Israel, Finlndia, Grcia, Portugal e Nova Zelndia, alm de ter
concorrido ao Emmy Awards na categoria de Melhor Srie Estrangeira.
Era o cenrio perfeito para que a Globo investisse um pouco mais no pblico que j se
via refletido no horrio a que foi destinado. Pouco antes de Malhao entrar no ar, uma
minissrie em 20 captulos, com o mesmo foco de audincia, j havia sido exibida pela
emissora em 1993. Sex Appeal31 - com texto de Antnio Calmon, responsvel pelos
sucessos cinematogrficos Menino do Rio e Garota Dourada, citados acima trazia
jovens atrizes como protagonistas e enfocava a entrada de meninas adolescentes cada
vez mais cedo no mercado da moda. Os temas, no entanto, no transitavam entre
situaes comuns ao universo dos telespectadores, como ocorre em Malhao desde
1995.
29
Programa Livre estreou no SBT em agosto de 1991, s 17h30. A chamada de estreia pode ser vista no link http://youtu.be/Cb9qO9E15S8. 30
Chamada do Programa Livre pode ser acessada em http://youtu.be/HG9EWh9ACYM 31
Sex Appeal foi uma minissrie escrita por Antonio Calmonm com direo geral de Ricardo Waddington. Exibida pela Globo entre 1 de junho a 2 de julho de 1993, s 22h30.
37
2.3. Afinal, o que quer o jovem?
Desde que o pensamento acerca de juventude foi instaurado, o tempo passou.
Novas plataformas de comunicao naturalmente implicaram uma nova velocidade no
cotidiano do adolescente das grandes cidades. Matria publicada na Revista da TV do
Jornal O Globo, em 27 de novembro de 201132, apontou as preferncias dos jovens de
hoje, de acordo com representantes de produes ou programadoras televisivas
voltadas a este pblico. Responsveis por canais mais voltados ao pblico infantil ou
considerado pr-adolescente, apontaram a fuga para universo ldico ou o
reconhecimento dos telespectadores com o que assistem na televiso, destacando os
seriados que fazem uso dos clssicos armrios de escola, pouco comuns no Brasil.
MTV e Mix TV, canais ligados msica e focados em um pblico de faixa etria um
pouco mais alta, observam outras prioridades, como comportamento e humor. Ambos
enfatizam a utilizao da internet no dia a dia dos jovens e apostam em integrao
entre as mdias. Cris Lobo, diretora de programao e produo da Mix TV, apresenta
a rede como complementar ao que a emissora exibe na televiso: A msica
essencial na nossa grade. E o acesso a ela no pode terminar quando se desliga a TV.
Temos que nos antecipar, estar por dentro de tudo o que acontece nas redes sociais,
agir de forma interativa, com publicaes em sites e blogs. Para Zico Ges, diretor de
programao da MTV, os meios no podem brigar entre si e precisam ser usados como
aliados. Temos um site que exibe nossa programao ao vivo e estamos com a
campanha Assista TV e faa outra coisa. No adianta lutar contra isso.
Acompanhar esta crescente interrelao entre diversos veculos para
conquistar determinado pblico significa, mais do que um estudo de tecnologia ou
linguagem, observar as tendncias no comportamento do jovem consumidor. Cada vez
mais exposto a diversos estmulos, o adolescente tem um leque maior de opes na
hora de escolher o que e como assistir suas produes televisivas preferidas.
Conhecer estratgias de fidelizao deste pblico exigente primordial para a
compreenso do mercado televisivo e, sobretudo, do adolescente consumidor
contemporneo.
32
Na Era Virtual, canais tentam descobrir o que querem os jovens, publicada na Revista da TV, do Jornal O Globo em 27 de novembro de 2011. Matria de Natalia Castro. Acessado em http://glo.bo/vJJmvW no dia 27 de novembro de 2011.
38
Captulo III: Entretenimento transmdia e branded
Ben Singer (2001) observou uma reconfigurao no campo miditico no fim do
sculo XIX e incio do sculo XX, que acontecia atravs do sensacionalismo e que
provocava um aumento sem precedentes de estmulos sensoriais nos indivduos, o que
o autor chamou de "hiperestmulos". Impulsionados pela Revoluo Industrial, mais
produtos materiais eram produzidos e comercializados, consequentemente
aumentando a publicidade, cada vez mais incisiva e vibrante, pelas ruas. A
concentrao do mercado de trabalho nos grandes centros urbanos tambm ocasionou
uma migrao maior e, por esse motivo, a necessidade de mudanas na arquitetura e
em hbitos, sobretudo os ligados aos transportes. Bondes e outros veculos
motorizados em substituio a animais passam a ser vistos como ameaas e, muitas
vezes, so personificados pela imprensa sensacionalista como grandes agentes de
terror neste desconhecido universo. O perodo exige, ento, uma reconfigurao dos
hbitos e um aprendizado constante a partir da experincia.
Atualmente, desde principalmente os anos de 1990, a comunicao atravessa
uma nova fase divisora de guas em todos os seus campos. A popularizao do uso da
internet em computadores pessoais reconfigurou a forma de consumo e alcance. Se
antes, como visto por Singer, havia um conflito entre o espao urbano e o rural,
permeado pelas novas tecnologias poca, hoje transitamos por espaos reais e
virtuais e somos ainda mais impactados pela publicidade, com maior personalizao
direcionada ao pblico. As tecnologias so encaradas como extenses de ns
mesmos (McLuham; 1996) e proporcionam novas experincias diegticas para
consumidores, dentre outros, de entretenimento, como trataremos neste captulo.
3.1. Mudanas narrativas
A mudana ocorrida no comportamento do consumidor nitidamente refletida
nas produes culturais. Obviamente, esta no uma exclusividade do pblico jovem,
mas, devido ao grande nmero de estmulos aos quais so submetidos e grande
oferta miditica disposta a buscar sua ateno, o nicho um dos mais frequentes alvos
de produes que utilizam estruturas narrativas diferenciadas para fidelizar a audincia
39
atravs de diversos meios. A audincia televisiva observava mudanas gradativas com
o passar do tempo. Em 1972, ainda sem uso da forma de medio do IBOPE usada
hoje, a telenovela Selva de Pedra33, em seu captulo 152, atingiu 100% de audincia no
horrio. No houve um nico entrevistado do IBOPE que revelasse estar assistindo a
outro canal. Com o tempo, alm dos diferentes meios para mensurar a audincia
televisiva, foi crescente a concorrncia no prprio meio de comunicao, implicando
uma redistribuio da audincia atravs de outros canais de TV. Mais tarde
especialmente entre meados dos anos de 1990 e anos de 2000 a televiso por
assinatura e a internet se popularizaram, fatiando ainda mais a audincia e
reconfigurando as narrativas atravs de diferentes formas de fidelizao do pblico.
Como afirma Lopes (2009, p. 105), "o Brasil no vive uma reduo no interesse pela
teledramaturgia, e sim uma intensificao dos nveis de concorrncia, o que leva a
audincia desse gnero a um novo ponto de equilbrio".
Com a maior oferta de entretenimento para o pblico, a ateno passa a ser
dividida com outras mdias. Produtos televisivos buscam, ento, estratgias de
permanecerem presentes no cotidiano da sociedade que atravessa tais mudanas:
Como mostram muitos estudos sobre a sociedade da comunicao e a sociedade globalizada, necessrio repensar a relao da televiso abera com seu pblico, que vive um cotidiano marcado pela acelerao das mudanas no seu modo de vida e por fragmentao, enfraquecimento dos laos sociais e encurtamento de sua durao. Por conseguinte, um erro esperar que o consumo da televiso pudesse ficar inclume a essas mudanas comportamentais. (LOPES, 2009, p. 105)
Faz-se necessrio, portanto, conhecermos os conceitos de algumas estratgias
usadas em meios de comunicao, com foco principalmente sobre a televiso e
consequentemente em Malhao.
33
Selva de Pedra foi uma telenovela brasileira escrita por Janete Clair, com direo de Daniel Filho e Walter Avancini, exibida pela Rede Globo entre 8 de abril de 1972 e 23 de janeiro de 1973, s 20 horas.
40
3.2. Branded Entertainment
Desde meados dos anos de 1990, o mercado publicitrio enfrenta grandes
mudanas nas formas de alcance do pblico. No basta um produto estar exposto em
prateleiras, com propagandas em diversas mdias sobre os seus benefcios, como era
comum h pouco tempo e ainda ocorre em grupos mais tradicionais. Entra em cena o
Marketing de Experincia, no qual o consumidor, alm de comprar produtos, busca
novas experincias. O que se observa a possibilidade de fisgar a audincia atravs
de diversos meios de comunicao ao usar aes diretamente ligadas ela pelos
sentidos e aes de relacionamento.
3.3. Narrativa Transmdia
A narrativa transmdia confundida frequentemente com outros conceitos
intimamente ligados, com os quais o formato dialoga, como crossmdia,
multiplataforma, dentre outros. Por uma rasa definio, pode-se entender a transmdia
por histrias contadas atravs de mltiplas mdias. Nos dias de hoje, as histrias mais
significantes tendem a percorrer um fluxo atravs de mltiplas plataformas miditicas
(Jenkins, et al., 2006, p. 46)34. Neste tipo de narrativa, cada meio explora suas
principais funes com a mesma finalidade: contar uma mesma histria conquistando a
audincia atravs de diversas frentes, sem que uma parte precise necessariamente de
outra, como por exemplo, os filmes da trilogia Piratas do Caribe35. Mesmo que fossem
entendidos em suas unidades, traziam outras possibilidades de conexo com os fs da
srie, principalmente atravs dos jogos lanados para Playstation, onde outras
situaes eram criadas sem perder a atmosfera proposta nos longas-metragens.
Narrativa transmdia no diz respeito transposio de contedo de um sistema a
outro, mas, sim, ao desenvolvimento de uma mesma histria em diferentes meios de
comunicao e diferentes linguagens. As mudanas, no entanto, no se restringem ao
texto. Elas envolvem tambm o processo de consumo e negcios da comunicao.
34
() transmedia stories are stories told across multiple media. At the present time, the most significant stories tend to flow across multiple media platforms (Jenkins et al, 2006, p. 46) 35
Piratas do Caribe uma trilogia de filmes produzidos pelos estdios Walt Disney. Lanados nos anos de 2006, 2007 e 2011, os longas-metragens so dirigidos por Gore Verbinski e Rob Marshall.
41
Da perspectiva dos produtores, roteiristas exploram o potencial para narrativa transmdia; anunciantes conversam sobre marcas como dependentes de mltiplos pontos de contato [com o pblico]; redes de trabalho buscam explorar suas propriedades intelectuais atravs de muitos canais diferentes (Jenkins et al., 2006, p.46). Narrativa transmdia tambm uma consequncia dos produtores das grandes mdias estarem em grandes corporaes com investimentos em cinema, televiso, videogames, etc. Em outras palavras, narrativa transmdia faz sentido economicamente. Como Jenkins observa, um bom negcio de transmdia atrai uma ampla audincia por lanar o contedo diferentemente em diferentes mdias. Se cada trabalho oferece experincias novas, ento um mercado cruzado vai expandir o grande potencial dentro de cada mdia individual (Jenkins, 2003). (SCOLARI, 2009, p. 4)36
Estudos de comunicao fazem referncia a diversos trabalhos de sucesso em
transmdia no cinema e seriados estrangeiros, mas raramente trazem os poucos
exemplos utilizados em telenovelas ou soap operas. O veculo, obviamente, tem
recursos suficientes para render novos ganchos que faam uso desta forma narrativa.
A indstria norte-americana de entretenimento bem mais avanada em
termos de montagem de estratgia de veiculao e vendas, em comparao
nacional. O seriado 24 Horas37 apresentou a saga de Jack Bauer (personagem
interpretado por Kiefer Sutherland) atravs de diversas mdias, sem apenas reproduzir
a mesma histria em cada uma delas, mas oferecendo novas tramas e novas
experincias ao pblico de acordo com a plataforma por onde ele consumia o
produto. Alm dos episdios na TV, foram lanadas revistas, livros, jogos para
videogames e celulares, alm de episdios exclusivos para internet webisdios e
para aparelho mvel mobisdios. Card games, bonecos e kits de identificao de
Jack Bauer tambm foram vendidos. Mesmo sem contribuio grande para a narrativa
principal, centrada na televiso, os utenslios ampliavam a experincia dos fs da srie.
Na internet, a atrao tambm movimentava fs em fruns de discusso, fanfictions e
outros contedos gerados espontneamente pelos usurios.
36 From the producers perspective, storytellers exploit this potential for TS; advertisers talk about branding as depending on multiple touch points; networks seek to exploit
their intellectual properties across many different channels (Jenkins et al., 2006, p. 46). TS is also a consequence of the main media producers being large corporations with
investments in cinema, television, video games, etc. In other words, TS makes economic sense. As Jenkins puts it, a good transmedia franchise attracts a wider audience by
pitching the content differently in the different media. If each work offers fresh experiences, then a crossover market will expand the potential gross within any individual
media (Jenkins, 2003).
37 24 Horas foi um seriado estadunidense produzido entre 2001 e 2010, com criao original de Robert Cochran e
Joel Surnow.
42
Outro exemplo bem-sucedido, a srie Lost38 consagrou-se principalmente pela
fatiao de seu contedo. O que era mostrado na televiso podia ser compreendido
apenas por ali, mas a narrativa s era completa se fosse consumido tambm o material
complementar disponibilizado em outras plataformas. Assim como em 24 Horas, foram
criados mobisdios, disponibilizados primeiramente para celulares e posteriormente no
site da ABC emissora responsvel por sua exibio. Chamados de missing pieces
pedaos que faltaram , os mobisdios apresentam situaes, na maioria das vezes
banais, que podem trazer alguma pista sobre os suspenses motores da srie. Outro
recurso transmiditico usado foi o dos ARGs Jogos de Realidade Alternada , uma
espcie de variao do RPG, no qual os fs da srie mantinham-se caando pistas
sobre os mistrios que aconteciam na ilha mesmo nos intervalos entre as temporadas,
sem que houvesse disperso da audincia cativa. O pblico tambm foi responsvel
por criar plataformas virtuais onde a srie receberia extenses, como fruns de
discusso, fanfictions, e at mesmo o Lostpedia39, uma enciclopdia colaborativa toda
voltada para o seriado, onde objetos, lugares e acontecimentos so decupados em
detalhes pelos usurios.
As soap operas estrangeiras tambm veem mudanas narrativas, mas passam
por um processo mais lento e com alternativas tmidas, se comparadas aos seriados.
Talvez por ter uma audincia to conservadora e tradicional, os processos de inovao
mostram-se mais concentrados ao veculo da televiso, porm constroem a mesma
imerso do pblico atravs de outros produtos. Foi o caso de Coronation Street40, a
mais antiga soap opera produzida na Inglaterra ainda em exibio. Em 2010, quando a
trama apresentava um plot que mudaria todo o rumo da histria, os telespectadores do
Canal ITV responsvel por sua exibio foram surpreendidos com um cruzamento
de linguagens entre as produes. Acontecia o seguinte: um bonde saa dos trilhos,
causando um grande acidente que colocou a vida dos principais personagens em risco.
38
Lost foi uma srie criada por J. J. Abrams, Jeffrey Lieber e Damon Lindelof. Exibida entre os anos de 2004 e 2010. 39
Lostpedia (http://lostpedia.wikia.com/wiki/Main_Page) um projeto wiki desenvolvido por fs de Lost. Lanado em 22 de setembro de 2005, o projeto conta com mais de 6 mil artigos, 25 mil usurios registrados e mais de 150 milhes de page views. 40
Coronation Street uma soap opera britnica, exibida pelo canal ITV desde 09 de dezembro de 1960 at os dias de hoje. Criao original de Tony Warren.
43
Assim que o captulo terminou de ser exibido, o Breaking Ne
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