O GOLPE DE 1964 E O INEP: O QUE ACONTECEU COM A PESQUISA
EDUCACIONAL?
Reinaldo Nicolai Filho (PPGE/UFSCAR)
Introdução
O trabalho apresenta parte da pesquisa que investiga a produção científica do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) durante o Estado Militar (1964-1984). O tema da
pesquisa é a relação entre ciência, modernização e educação no Brasil, com ênfase no período
após o Golpe de 1964. A questão central é analisar o INEP a partir da sua produção científica e
da atuação dos seus principais colaboradores. Os resultados aqui apresentados referem-se ao
cenário da pesquisa educacional do INEP logo após o Golpe de 1964 até o término do Governo
Castelo Branco, março de 1967. O cenário do INEP analisado consiste na sua atuação através de
propostas, discursos e dados de pesquisas sobre educação brasileira publicados na Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), principal órgão de divulgação científica do INEP
desde1944. Foram analisados doze exemplares da RBEP, do v.41, n.94 (Abr/Jun 1964) ao v.47,
n.105 (Jan/Mar 1967). Os objetivos específicos da pesquisa consistiram em: 1) investigar se o
INEP após o Golpe Militar perdeu força e poder na produção da pesquisa educacional,
tornando-se apenas uma burocracia estatal; e 2) compreender se existiu alguma relação entre a
pesquisa educacional do INEP e a pesquisa e planejamento do sistema de planejamento estatal
que estava em vias de institucionalização. A pesquisa teve um enfoque histórico analítico-
descritivo das publicações. Nossa hipótese foi a de que o INEP, pelo peso institucional
adquirido nos estudos e pesquisas educacionais desenvolvidos desde a década de 1930,
garantiria a continuidade da sua pesquisa educacional mesmo após o Golpe Militar. Os
resultados da pesquisa surpreendem, não apenas por confirmar a hipótese sugerida, mas
sobretudo por identificar uma importante sinergia entre as pesquisas do INEP e do então
Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada (EPEA), criado em setembro de 1964, como
“cérebro”, órgão central de estudos e pesquisas econômicas do sistema de planejamento estatal
para formulação e implementação das políticas públicas no Brasil, dentre elas as políticas
educacionais. Para fins de análise da produção científica do EPEA, foram utilizadas fontes
primárias, tais como: Documentos EPEA, Cadernos EPEA, Plano PAEG e Plano Decenal.
É importante ressaltar que o regime militar que se instalou no Brasil a partir de 1964
privilegiou o planejamento, como um meio específico para a formulação de políticas públicas,
principalmente das políticas econômicas, mas também das políticas educacionais. O sistema de
planejamento que se implantou consistiu naquilo que Ianni (1977) denominou de tecnoestrutura
2
estatal que, baseada numa racionalidade técnico-científica, tinha como finalidade obter os êxitos
esperados para alavancar o processo de desenvolvimento nacional. A cultura política do
autoritarismo-burocrático, procurou restringir a participação política na implementação de
políticas públicas de interesses sociais gerais, visando à legitimação de formas tecnocráticas de
administração racional que teriam “competência” para elaborar tais políticas, anulando assim os
elementos políticos considerados “perniciosos”.
Saviani (2008) contribui para esclarecer o teor do projeto de modernização proposto pelos
militares a partir de 1964. Segundo ele, o golpe militar surgiu de uma articulação entre
empresários e militares. As forças socioeconômicas dominantes adequaram a ideologia política
ao modelo econômico. Uma visão da educação pela Teoria do Capital Humano ia ao encontro
de uma ideologia do projeto modernizador de formar um Brasil potência. E, nesse sentido,
compreende-se também toda cooperação internacional de assessoria técnica e financeira, além
do intercâmbio e a proximidade dos intelectuais e técnicos de pesquisas, principalmente dos
órgãos ligados ao sistema estatal de planejamento e das universidades, oferecidos pelos EUA
para o êxito do modelo de desenvolvimento.
Conforme Ferreira Jr e Bittar (2008), os militares buscaram um modelo de aceleração do
capitalismo brasileiro restringindo as liberdades democráticas, utilizando-se de Atos
Institucionais de caráter autoritário e repressivo. Nessa modernização pelo alto pretendida, as
reformas educacionais andaram em consonância com os objetivos econômicos pretendidos por
um país que se posicionava como periferia do sistema capitalista mundial.
O presente trabalho está dividido em duas seções. A primeira seção apresenta o cenário
da produção científica do INEP no contexto do planejamento e das políticas educacionais no
período de 1964-1967. Pode-se observar, por exemplo, uma luta concorrencial no campo
científico e a permanência do INEP como instituição conquistando seu espaço no âmbito do
sistema de planejamento estatal. A segunda seção apresenta uma análise dos trabalhos do EPEA
relacionados à educação nesse período, que demonstra a perspectiva da educação como
investimento em capital humano como segmento estratégico dos planos do projeto
modernizador. É possível observar certa relação da produção do EPEA com os debates, estudos
e pesquisas oriundos do INEP, apropriados pela tecnocracia incipiente.
1. O cenário do INEP
Os doze exemplares da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP) analisados, do
n.94 (Abril/Junho 1964) ao n.105 (Janeiro/Março 1967) cobrem o período de três anos do
Governo Castelo Branco. A análise dos editoriais permite assinalar que dois terços dos
exemplares (oito revistas) expressam em seus editoriais um discurso de defesa da nova ordem
3
sob três aspectos: 1) defesa do INEP como Instituição; 2) defesa do Planejamento como
estratégia para modernização; 3) defesa da Política Educacional do Governo. O um terço
restante dos exemplares analisados (quatro revistas) expressam um discurso crítico, mas não ao
Regime. As críticas, menos política e mais científica, fundamentam as propostas do INEP para
as reformas estruturais da educação que se consideram necessárias. Através desses discursos
pode-se observar, de modo geral, a agenda de estudos e pesquisas educacionais no período.
Neste trabalho, em função da limitação de espaço que se dispõe para discorrer sobre a pesquisa,
teve-se que se ater especificamente aos dados que demonstram a defesa do INEP e sua
resistência no campo da pesquisa educacional.
Para iniciar, no Quadro 1 pode-se observar a lista de defesas e críticas dos discursos
apresentados nos editoriais, distribuídos por revistas. Os discursos de defesa que ocorrem no
início do Governo Castelo Branco demonstram a luta concorrencial do campo político e
científico pela permanência do INEP como instituição de estudos e pesquisas dentro do sistema
estatal de pesquisa e planejamento que se formava. Os discursos de crítica ocorrem,
principalmente, no último ano do Governo, já em vias de institucionalização do sistema estatal
de planejamento, com os diagnósticos já realizados para subsidiar as políticas. É nesse sentido
que as críticas corroboraram para legitimar as políticas implementadas e a relevância da
institucionalização do sistema estatal de planejamento para o projeto de “modernização pelo
alto”.
Quadro 1. Distribuição dos Discursos dos Editoriais por RBEP Defesa do
INEP/CBPE/CRPE/RBEP Defesa da Política
Educacional do Governo
Defesa do Sistema de Planejamento
Críticas
n.94 (abr/jun 1964) n.95 (jul/set 1964) n.97 (jan/mar 1965) n.100 (out/dez 1965) n.101 (jan/mar 1966)
n.96 (out/dez 1964) n.102 (abr/jun 1966)
n.98 (abr/jun 1965) n.99 (jul/set 1965) n.103 (jul/set 1966) n.104 (out/dez 1966) n.105 (jan/mar 1967)
Fonte: RBEP/INEP (1964-1967).
A defesa do INEP como Instituição aparece com ênfase logo nas duas primeiras revistas
do período. Em 28 de abril de 1964, substituindo Anísio Teixeira, Carlos Pasquale foi
empossado Diretor do INEP. Em seu discurso de posse, enfatizou a finalidade que o INEP tinha
no contexto do Estado Militar e quais seriam suas principais características de atuação. Pasquale
(1964, p.131) defendia a função do INEP enaltecendo a nova ordem ao afirmar: “tem o INEP
também funções de singular relevo na fixação da política e dos planos de educação e essas
funções crescem de importância na fase em que se implanta, e consolida a reforma educacional
mais extensa, mais profunda e mais séria que já se tentou no país”. Ele enfatizava também que o
4
INEP cumpriria uma função centralizadora do planejamento, importante para o bom êxito das
políticas educacionais que seriam propostas pela União para os sistemas educacionais nos
estados e municípios.
Na segunda revista, a RBEP n.95, Jul/Set 1964, Péricles Madureira de Pinho assinou o
editorial, com discurso em defesa do INEP como instituição de estudos e pesquisas educacionais
a serviço do Ministério da Educação e Cultura. Pinho atuava como Diretor Executivo do Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e Coordenador do Departamento de
Documentação e Informação Pedagógica do CBPE. O CBPE era o órgão do INEP que realizava
os estudos e pesquisas educacionais que eram publicados na RBEP. A defesa do INEP vinha na
forma de crítica ao Conselho Federal de Educação (CFE). Esse embate já demonstra a luta
concorrencial no campo político e científico que o INEP teria de enfrentar para sua
sobrevivência. Pinho criticou a idéia do conselheiro Celso Kelly em querer elaborar um
Dicionário Brasileiro de Educação criando um órgão de estudos e pesquisas educacionais no
CFE. Isso significava querer tomar para o Conselho atribuições já consagradas ao Ministério da
Educação através do INEP. Pinho (1964, p.6) rebate ao Conselheiro Newton Sucupira, relator
da Indicação no Plenário do CFE, ao defender que “o INEP, desde 1952, vem procurando
realizar obra fundamental em matéria de documentação pedagógica.” Ele se referia
particularmente ao trabalho realizado por Anísio Teixeira na Direção do INEP desde 1952,
principalmente com a criação do CBPE três anos depois (em 28 de dezembro 1955). Pinho
queria reafirmar que o CBPE e o INEP, que tantos trabalhos haviam produzido em mais de uma
década de atuação na produção científica em Educação, ainda estavam vivos e prontos para
continuar servindo, cumprindo suas funções como órgãos ligados ao Ministério da Educação e
Cultura. Não se fez de rogado, portanto, em buscar no capital cultural e político do antigo
Diretor do INEP a legitimidade necessária para defender a Instituição como “nova” parte
integrante da tecnocracia do sistema estatal de planejamento que estava sendo tecida pelo
Estado Militar.
A defesa do INEP em termos da sua relevância pelo volume de trabalho realizado foi feita
na RBEP n.97, Jan/Mar 1965. O editorial Atividades do INEP programadas para 1965,
elencava sete principais atividades do CBPE/INEP com um caráter de inovação e contribuição
para política educacional da União previstas para 1965. Duas merecem destaque especial. A
Apuração e análise do Censo Escolar do Brasil de 1964, que foi apropriado pelo Escritório de
Pesquisa Econômica Aplicada (EPEA) para elaboração dos diagnósticos da educação brasileira
do Plano Decenal. E, o Anuário Brasileiro de Educação, que se apresentava como uma proposta
do INEP em contraponto ao Dicionário Brasileiro de Educação sugerido pelo CFE. Os discursos
5
demonstram uma grande disposição do INEP para o trabalho de estudos e pesquisas em sinergia
com o sistema estatal de planejamento do Governo.
A partir da RBEP n.97 foi criado um Conselho de Redação da RBEP, composto pelo
Diretor do INEP, Diretor do CBPE e os coordenadores de divisões do CBPE. O redator-chefe da
RBEP era Jader de Medeiros Brito que ficara responsável por fazer a editoria da RBEP,
selecionando os materiais que seriam apresentados ao Conselho de Redação para posterior
publicação. Brito (2012) afirma como o INEP articulou sua resistência intelectual para continuar
atuando como órgão de estudos e pesquisas educacionais no âmbito do autoritarismo-
burocrático.
Com sua demissão [demissão de Anísio Teixeira] pelo presidente Castelo Branco, em abril de 1964, foi nomeado para dirigir o Órgão o professor Carlos Pasquale, presidente do Sindicato de Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado de São Paulo e integrante do Conselho Federal de Educação. O novo diretor, com melhor conhecimento das idéias e da ação de Anísio Teixeira, manteve toda a equipe que vinha trabalhando com este desde o início de sua administração. Após dois meses de expectativa, fui chamado pelo professor Pasquale para informar sobre a situação da Revista. Apresentei-lhe a matéria selecionada para os dois números do semestre, programada na gestão anterior, incluindo textos do próprio Anísio, de Jayme Abreu, de integrantes do Conselho Federal de Educação e de autores renomados. O novo diretor aprovou a matéria e me convidou para dar continuidade aos trabalhos [...] (BRITO, 2012, p.538)
Outro fator relevante que salta aos olhos é a presença dos três Pioneiros da Educação,
Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, nas publicações da RBEP durante o
período do Governo Castello Branco. Demonstra sem a menor dúvida, a força de resistência e
disposição para a luta existente no campo científico educacional brasileiro frente o processo de
institucionalização do sistema estatal de planejamento.
Pierre Bourdieu em sua Teoria do Campo, na qual empreende uma análise relacional do
real, elucida essa característica de luta concorrencial dos agentes inerente a todo tipo de Campo,
inclusive o Campo Científico.
O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado. (BOURDIEU, 1983, p.122-123)
6
Lourenço Filho, como criador e primeiro diretor do INEP, enfatiza em sua defesa do
INEP e da RBEP o processo de constituição e institucionalização da RBEP desde o Estado
Novo, que publicando trabalhos sobre democracia em Educação demonstrava, segundo ele, sua
força de autonomia científica dentro do Campo Científico.
Em 1944, já dispondo de material organizado e pessoal mais treinado, podia o Instituto lançar o seu órgão de divulgação periódica, a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, que manteve durante dois anos tiragem mensal, absolutamente pontual. Tornou-se depois esse órgão trimestral, mantendo sempre, no entanto, o mesmo alto nível dos primeiros números. É muito difícil que se encontre um estudo sobre educação no Brasil, de maior tomo, que não faça referência à documentação ou a trabalhos inseridos nessa Revista. A análise dos números iniciais chega mesmo a surpreender quanto a certas posições assumidas pelo MEC, através do INEP. A tese democrática era aí uma constante. (LOURENÇO FILHO, 1964, p.15)
O Quadro 2 a seguir mostra a disposição dos artigos dos Pioneiros no quadro das revistas
analisadas, relacionando a participação deles com o contexto dos discursos.
Quadro 2. Os artigos dos Pioneiros em relação aos Discursos dos Editoriais por RBEP Defesa do
INEP/CBPE/CRPE/RBEP Defesa da Política
Educacional do Governo
Defesa do Sistema de Planejamento
Críticas
n.94 (abr/jun 1964) n.95 (jul/set 1964)
Anísio Teixeira /
Lourenço Filho /
Fernando de Azevedo n.97 (jan/mar 1965) n.100 (out/dez 1965)
Lourenço Filho n.101 (jan/mar 1966)
n.96 (out/dez 1964)
Lourenço Filho
n.102 (abr/jun 1966)
Anísio Teixeira
n.98 (abr/jun 1965) n.99 (jul/set 1965) n.103 (jul/set 1966) n.104 (out/dez 1966)
Anísio Teixeira
n.105 (jan/mar 1967)
Anísio Teixeira
Fonte: RBEP/INEP (1964-1967)
É representativa a presença de Anísio Teixeira na RBEP desse período. Isso demonstra o
peso de reconhecimento e legitimidade que ele detinha no campo científico da educação,
naquele momento fundamental para a luta de resistência do INEP. Os artigos de Anísio Teixeira
tratam especificamente de debater questões educacionais para o Brasil. Na RBEP n.102, por
exemplo, Anísio Teixeira defende a cooperação técnico-científica Brasil-EUA no Campo da
Educação. Ele vê o processo de mudança social para uma nova ordem econômica e política na
América Latina como oportunidade para o sistema educacional brasileiro incorporar
metodologias e técnicas do sistema educacional americano voltados para a educação como
formação do capital humano.
[...] O conceito de educação como investimento põe o problema sob nova luz. Já que o projeto de educação é o de criar a capacidade de
7
produzir a riqueza, há que rever ênfases e prioridades e atacá-lo de forma, sobretudo, a ganhar tempo. Todos os métodos de aceleração precisam ser usados e o programa educacional faz-se programa semelhante ao do preparo do quadro de um exército para a batalha do desenvolvimento. À medida que esse desenvolvimento se processar é que se irá pensar na organização permanente e de longo alcance para a educação. Esta ação de “emergência” tem tudo a ganhar com a aplicação dos métodos e processos mais avançados em educação. Ora, os Estados Unidos dispõem hoje de um aparelhamento educacional sem igual para o treinamento do corpo de educadores, que iria atuar nos países subdesenvolvidos, como o quadro de elite, para a elaboração dos planos de aceleração da aprendizagem e de transformação da educação, no processo funcional de formação dos quadros para o desenvolvimento econômico. (TEIXEIRA, 1966, p.270-271)
O Quadro 3 a seguir mostra a distribuição dos artigos de autoria individual entre os dez
maiores colaboradores da RBEP, na seção Estudos e Debates. Por meio desse quadro é possível
observar quais são os principais interlocutores e quais são os principais atores sociais que eles
representam.
Quadro 03. Distribuição dos artigos entre os 10 maiores colaboradores da RBEP durante o Governo Castello Branco
Autores Artigos Instituição
Jayme Abreu 6 CBPE
Anísio Teixeira 4 Univ. do Brasil
João Roberto Moreira 3 CBPE
M.B. Lourenço Filho 3 Univ. do Brasil
Aparecida Joly Gouveia 2 CRPE-SP
Angel Diego Márquez 2 UNESCO
Carlos Pasquale 2 INEP
Durmeval Trigueiro 2 CFE
Paulo Ernesto Tolle 2 CEE-SP
Pierre Furter 2 UNESCO Fonte: RBEP/INEP (1964-1967)
Jayme Abreu, então Diretor da Divisão de Estudos e Pesquisas do CBPE é o que
apresenta a maior defesa do caráter modernizador do desenvolvimento pelo Regime, através do
sistema estatal de planejamento. Primeiro, ao defender a União atuando numa estrutura
verticalizada de Planejamento da esfera Federal para Estadual e Municipal, como atuação
política central, a fim de minimizar o que ele considerara os efeitos do clientelismo político da
política educacional do passado. Segundo, na defesa da importância do Planejamento como
métodos e técnicas racionais para realização de pesquisas aplicadas, ou seja, pesquisas do tipo
diagnóstico para subsidiar elaboração e implementação da política educacional. As defesas
8
Abreu às políticas educacionais do Governo aparecem nos editoriais de duas revistas que
discorrem sobre um mesmo tema, central na agenda do período do Governo Castello Branco: o
ensino primário brasileiro. Ele defende a proposta do Ministério da Educação transformada em
Lei criando o Salário-Educação, como mecanismo de aumentar o Fundo Nacional da Educação
Primária, que segundo ele possibilitaria subsidiar o aumento de 30% das matrículas no ensino
primário (ABREU, 1964; 1965).
Na perspectiva da educação como capital humano, defende Abreu que “é forçoso
reconhecer que, se há um meio seguro para engrandecer as nações, consiste ele no processo de
valorização do homem, pela educação, pois é o homem o principal recurso natural, a mais
fecunda matéria-prima de que elas dispõem” (RBEP, 1966, p.183).
2. A relação INEP-EPEA
No redesenho institucional do Estado brasileiro feito pelos militares, a institucionalização
do sistema estatal de planejamento ocupou posição de destaque. O EPEA era considerado o
“cérebro” do Planejamento. Sua primeira função foi participar da elaboração do Programa de
Ação Econômica do Governo (PAEG), o Documento EPEA nº 1 EPEA. O PAEG, que foi
idealizado pelo próprio ministro Roberto Campos, consistia em um amplo programa de
“reformas” e estabilização econômica. Campos acreditava que o papel do planejamento estatal
não era asfixiar a iniciativa privada e sim, ao contrário, disciplinar os investimentos públicos e
racionalizar a ação do Governo, construindo assim uma moldura dentro da qual a iniciativa
privada poderia operar com segurança (CAMPOS, 1994).
Nesse sentido, o PAEG era o primeiro passo do Planejamento e mencionava sobre a
Educação como área estratégica na formação de mão de obra para o desenvolvimento. Em
seguida, vieram a partir de 1965, os diagnósticos setoriais que deram origem às versões
preliminares do Plano Decenal, publicadas em 1966.
Para elaboração do Plano Decenal a estrutura de estudos e pesquisas foi dividida em
grupos de estudos setoriais, mais conhecidos como Grupos de Coordenação Setorial. No caso da
área Educação, os diagnósticos foram realizados pelo Grupo de Coordenação do Setor de
Educação. Os resultados do trabalho do Grupo foram publicados em 1966, em dois volumes do
Tomo 4:Diagnósticos Setoriais, sob o título Diagnósticos Setoriais – Desenvolvimento
Social:Educação.
Sobre esses diagnósticos que sustentam a base do Plano Decenal para Educação e Mão de
Obra (IPEA, 1967), é importante notar que:
1) No diagnóstico sobre Ensino Primário, das 55 referências utilizadas para elaboração do diagnóstico, nada menos que 46 (cerca de 84%) foram oriundas do INEP. Os autores mais citados, pela ordem, são: Anísio Teixeira (5), João Roberto Moreira (4), Paulo de
9
Almeida Campos (3), Jayme Abreu (2), Carlos Mascaro (2), Carlos Pasquale (2), João Torres Jatobá (2), Lourenço Filho (1) e Fernando de Azevedo (1), além de documentos oficiais de Brasil (5) e outros autores com um artigo cada (19). Os artigos de Carlos Pasquale e João Torres Jatobá que tratam do Salário-Educação e são de período anterior e posterior ao Golpe Militar, evidenciando que a única política de educação proposta pelo PAEG – a implementação do Salário Educação – não foi obra dos militares, mas algo que já vinha sendo pesquisado e debatido no INEP e no CFE, mas que fora apropriado pelo EPEA. O Censo Escolar de 1964, que aparece como documento de autoria Brasil, também já vinha sendo debatido e proposto pelo CFE antes do Golpe Militar, mas foi efetivado, sobretudo sob coordenação do INEP, com ação inicial dos militares. Nota-se, assim, que o diagnóstico do Ensino Primário para o Plano Decenal é praticamente um espelho da produção científica do INEP apropriada pelo EPEA. 2) No diagnóstico sobre Ensino Médio, das 40 referências apenas 15 (cerca de 37%) foram oriundas do INEP. Jayme Abreu, com dois artigos, demonstra ser o técnico de pesquisa do INEP mais versátil, que propõe estudos e debates sobre os três níveis de ensino. 3) No diagnóstico sobre Ensino Superior, das 53 referências nada menos que 35 (cerca de 66%) foram oriundas do INEP. Entre os maiores autores estão Anísio Teixeira (3) e Jayme Abreu (3), além da presença de Newton Sucupira e Valnir Chagas como representantes do CFE nos debates sobre a Reforma Universitária, que também já ocorria na RBEP/INEP antes do Golpe Militar. Como se pode observar, a produção científica do INEP foi apropriada pelo EPEA/IPEA e
isso acabou por dar força ao INEP para sua incorporação no sistema estatal de planejamento
como órgão de estudos e pesquisas educacionais para formulação de políticas educacionais. É
nesse sentido que os discursos de Jayme Abreu aparecem alinhados em defesa da política
educacional dos militares, pois que os militares se apropriaram dos conteúdos e debates
realizados pelo INEP. Conforme observou Freitag (1979, p.99) acerca do Plano Decenal e a
perspectiva economicista da Educação para formação de capital humano,
[...] a previsão de recursos humanos necessitados em 1976 levou à formulação de quatro planos específicos (o de formação de mão-de-obra industrial, formação de mão-de-obra rural, planos para os ramos de ensino superior relativos à formação de profissionais em ciências médicas, plano de formação e treinamento do magistério primário). O plano decenal referente à formação de recursos humanos e educação termina fazendo proposições para a ação federal no setor educacional. Prescreve basicamente os orçamentos que o governo federal deve por à disposição do setor, para realizar os objetivos gerais e específicos formulados.
Segundo ela, o planejamento educacional foi uma forma específica de política
educacional que fez parte da política e do planejamento (econômico) global. Ou seja, o
planejamento educacional se constituiu em um aspecto, ou setor, dos planos nacionais de
desenvolvimento.
Conclusão
10
A análise da produção científica do INEP e sua apropriação pelo EPEA, no período do
Governo Castello Branco, demonstra como o INEP conseguiu resistir como campo da pesquisa
educacional, mantendo seus quadros de intelectuais e sua produção de estudos e pesquisas no
âmbito do CBPE/CRPE, bem como a continuação periódica da publicação da RBEP. A
presença dos Pioneiros na RBEP desse período representa o peso do reconhecimento desses
intelectuais, com seu capital social/científico, adquirido ao longo de décadas de contribuição ao
campo científico-acadêmico educacional, servindo como base legítima de sustentação dos
estudos e pesquisas educacionais no âmbito do INEP. Evidencia-se que a apropriação da
produção do INEP pelo EPEA incorporou ao sistema de planejamento estatal uma instituição já
consolidada, garantindo ao INEP a continuidade dos empreendimentos de estudos, pesquisas e
publicações. Assim, os discursos do INEP que se posicionavam a favor do planejamento
educacional acabaram sendo apropriados pelo Governo na proposta de educação para formação
do capital humano.
Referências
ABREU, Jayme. Salário-Educação e a escolaridade primária. Editorial. RBEP, v.XLII, n.96, Out/Dez 1964. __________. I Conferência Nacional de Educação. Editorial. RBEP, v.XLIII, n.98, Abr/Jun 1965. BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu:
Sociologia. São Paulo:Ática, 1983. BRITO, Jader de M. Entrevista. Revista Brasileiro de Estudos Pedagógicos, Brasília, v.93, n.234, [número especial], p.537-544, maio/ago. 2012. CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks. 1994. FERREIRA JR, Amarilio e BITTAR, Marisa. Educação e ideologia tecnocrática na ditadura
militar. Cad. CEDES, Campinas, v.28, n.76, dez.2008. FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. São Paulo:Cortez, 1979. IANNI, Otávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1977. IPEA. Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social. Tomo 6: Desenvolvimento Social. 1967. LOURENÇO FILHO, Manuel B. Antecedentes e primeiros tempos do INEP. Estudos e
Debates. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.XLII, n.95, Jul/Set 1964. PASQUALE, Carlos. Da educação depende o resgate de condições sociais injustas.
Editorial. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.XLI, n.94, Abr/Jun 1964. PINHO, Péricles Madureira de. Antes do Dicionário Brasileiro de Educação. Editorial. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.XLII, n.95, Jul/Set 1964. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS. Universalização do ensino
primário, dever primordial de uma democracia. Editorial. RBEP, v.XLV, n.102, Abr/Jun 1966. SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do regime militar. Cad. CEDES, Campinas, v.28, n.76, dez.2008. TEIXEIRA, Anísio S. Educação como experiência democrática e como ciência
experimental: nova fronteira para a cooperação internacional. Estudos e Debates. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. XLV, n.102, Abr/Jun 1966.
Top Related