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Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Faculdade de Cincias Econmicas
Curso de Relaes Internacionais
Integrao na Amrica do Sul: A Unasul e o Conselho de
Defesa Sul-Americano
Fabrcio Brugali Dreger
Porto Alegre
2009
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Faculdade de Cincias Econmicas
Curso de Relaes Internacionais
Fabrcio Brugali Dreger
Integrao na Amrica do Sul: Unasul e o Conselho de Defesa Sul-
Americano
Trabalho elaborado como requisito para
obteno do grau de Bacharel em Relaes
Internacionais, Faculdade de Cincias Econmicas
- UFRGS
Porto Alegre
2009
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AGRADECIMENTOS
Toda a trajetria durante os meus cinco anos de faculdade no seria possvel, quanto
menos proveitosa, se a presena de algumas pessoas no fosse constante em minha vida.
Em primeiro lugar, agradeo minha me, Dulce Brugali Dreger pela presena
incessante e apoio incondicional. Ao meu pai, Lo Schmitt Dreger, pelo aporte intelectual e
incentivo constante. Aos meus irmos e toda a minha famlia pela presena em minha vida.
Gostaria de agradecer, tambm, aos amigos e colegas de faculdade pelo apoio e
amizade inabalveis, em especial ao Alexandre Fogaa Damo, Bruno Pila Viana, Felipe
Augusto Machado e Gustavo Gayger Muller. Sem eles, toda a trajetria nessa faculdade no
teria o mesmo significado.Agradeo ainda a algumas pessoas que possuem valor mpar, cuja insistente presena
reflete a minha prpria formao, ao meus queridos amigos Aline Andres, Fbio Martins e
Karina Seyboth Horn.
Por fim, mas igualmente importante, pessoas que apareceram na minha vida h pouco
tempo, mas cuja importncia j duradoura o suficiente para torn-las especiais, agradeo a
Ana Lcia Gomes, Camila de Macedo Braga e Mrcia Toniolo Franco.
No poderia deixar de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Carlos Schmidt Arturi,pelo aprendizado, parceria e tutela durante os anos de faculdade e de iniciao cientfica.
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RESUMO
O processo de integrao sul-americano tem apresentado uma sobreposio depropostas e instituies com pouca efetividade. O baixo grau de desenvolvimento dos pasessul-americanos, aliados adjacncia superpotncia do sistema internacional impede aaproximao com vistas integrao na regio. No h, portanto, simetria entre as diversasesferas do processo, pois as condies polticas no condizem com as condies econmicas.O surgimento da Unasul, oriundo dos processos anteriores de integrao, o Mercosul e aComunidade Andina, no reflete uma maior integrao econmica, mas sim uma tentativapoltica de se alcanar concertao no cenrio internacional com vistas autonomia. Apesarde apresentar-se como um impetuoso plano de integrao, seu objeto a estabilizao daregio, atuando diretamente nos cenrios com maior potencial de instabilidade. A criao doConselho de Defesa Sul-Americano sob uma estratgia brasileira visa conjuno do eixoandino com o Cone Sul, buscando a formao de uma comunidade de segurana. Assim,ficaria estabelecido um sistema de resoluo de controvrsias polticas. A atuao da Unasul e
do Conselho de Defesa apontam nessa direo. O papel desestabilizador dos Estados Unidos,contudo, obstaculiza no apenas a concertao poltica, mas todo o processo de integraosul-americano.
Palavras-chave: Integrao Amrica do Sul Unasul Conselho de Defesa Sul-Americano Complexos regionais de Segurana Comunidade de Segurana - Mercosul ComunidadeAndina de Naes.
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ABSTRACT
The process of South American integration has been an overlapping of proposals andinstitutions with little effectiveness. The low level of development of the South Americancountries, together with the adjacency to the superpower of the international system preventscoordinating policies towards integration. There is, therefore, a mismatch between the variousspheres of the process, once the political conditions are not consistent with economicconditions. The emergence of UNASUR, arising from past integration processes, Mercosurand the Andean Community, do not reflects greater economic integration, but an attempt toreach political agreement on the international scene. Despite presenting himself as a fieryintegration plan, its object is to stabilize the region, working directly in the scenarios withpotential for instability. The creation of the South American Defence Council under Brazilianstrategy aims at the conjunction of the Andean axis with the Southern Cone, with a view toforming a security community. That would establish a system of dispute resolution policies.The performance of UNASUR and the Defense Council point into that direction. The
destabilizing role of the United States, however, hinders not only the political dialogue, butthe whole process of South American integration.
Palavras-chave: Integration South America Unasur South American Defence Council Regional Security Complexes Security Community - Mercosur Andean Community.
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................ 7
1 CONCEITO DE INTEGRAO, TEORIA DAS RELAES INTERNACIONAIS
E A UNASUL ................................................................................................................ 10
1.1 Definindo a Integrao Sul-Americana ...................................................................... 101.2 Cooperao e Relaes Internacionais ....................................................................... 171.3 O Sistema Internacional e os Complexos Regionais de Segurana .............................20
2 A INTEGRAO SUL-AMERICANA E O SURGIMENTO DA UNASUL.............. 26
2.1 Globalizao e Regionalismo.....................................................................................262.2 Unasul Como Instrumento de Poder........................................................................... 292.3 A Integrao Sul-Americana na Segunda Metade do Sculo XX................................ 322.4 Estados Unidos e Amrica do Sul .............................................................................. 35
2.5 O Reflexo da Mudana no Grau de Interpenetrao e as Dcadas de 1990 e 2000......382.6 Poltica Norte-Americana Para a Amrica do Sul.......................................................412.7 O Surgimento da Unasul............................................................................................442.8 Anlise da Unasul......................................................................................................47
3 A UNASUL E O CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO ........................... 54
3.1 As Lideranas Sul-Americanas .................................................................................. 543.2 Origem do Conselho de Defesa Sul-Americano .........................................................563.3 A Nova Agenda de Segurana ...................................................................................583.4 O Surgimento do Conselho de Defesa Sul-Americano ...............................................603.5 O Interesse Brasileiro ................................................................................................65
4 OS DESAFIOS UNASUL E AO CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO71
4.1 Fatores Endgenos A Crise Boliviana.....................................................................714.2 Fatores Conjunturais As Fronteiras e Corrida Armamentista ................................... 744.3 A Interpenetrao Norte-Americana nos Termos da Nova Agenda de Segurana ....... 78
5 CONSIDERAES FINAIS................................................................................... 85
6 ANEXOS ................................................................................................................ 88
7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................................... 96
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INTRODUO
A primeira Cpula da Amrica Latina e do Caribe, realizada na Bahia em dezembro de
2008, marca um evento nico. Pela primeira vez em mais de 500 anos de histria, todas aslideranas dos pases latino-americanos se encontram para uma cpula diplomtica sem a
presena dos Estados Unidos ou potncias estrangeiras. O foco da reunio era a integrao da
regio, em um contexto de autonomia poltica das naes.
A estabilidade poltica dos pases sul-americanos associada a condies estruturais no
sistema internacional permitem o dilogo autnomo na regio. Os eventos que marcaram o final
do sculo XX e o estabelecimento ainda em curso de uma nova ordem internacional tm reflexo
direto nas relaes internacionais dos pases da Amrica do Sul. O advento da globalizao,
levando os pases a atuarem em conjunto em busca de maior poder poltico e econmico nos
fruns e questes internacionais somado quebra do paradigma relacional que influenciara os
Estados durante a Guerra Fria culminaram no processo de integrao atual.
A nova ordem do sculo XXI aponta para o surgimento de diferentes plos de poder no
sistema internacional. O regionalismo passa a ser encarado sob uma viso estratgica, uma forma
de insero internacional e aumento das capacidades dos pases sob a coordenao de polticas. A
perspectiva de que os chamados blocos de poder venham a dominar essa nova ordem traz a
lgica da cooperao para a obteno de ganhos relativos no cenrio internacional. Sob uma ticarealista, a nova ordem ainda segue baseada na balana de poder e, dessa forma, as assimetrias do
sistema internacional influem sobre regies como a Amrica do Sul.
A integrao possui na estabilidade poltica um dos seus pilares. Assim, sendo a
geoestratgia dos Estados sul-americanos condicionada pela interao de fatores internos e
externos, observa-se que a capacidade de autonomiada poltica sul-americana, tambm na rea
securitria, oriunda de um equacionamento relacional entre as necessidades e aes internas e as
possibilidades de distribuio de poder em diferentes conjunturas e estruturas do sistema
internacional. Resumindo, existem trs variveis que condicionam a dinmica das relaes entre
os Estados na Amrica do Sul: a)fatores endgenos aos governos, como os perodos de mudana
de regime poltico ou presena de milcias para-militares, grupos terroristas; b)fatores exgenos
de mudanas estruturais no sistema poltico e econmico mundial; e c)influncias conjunturais no
sistema regional, como as animosidades entre Estados. O relacionamento da regio com a
potncia continental, os Estados Unidos, condiciona as demais variveis, apresentando-se como
varivel interveniente.
Dentro desse contexto, a poltica externa brasileira apresenta-se como artfice do processointegracionista da regio sul-americana. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil
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passa a dar maior importncia ao tema e se inicia uma aproximao entre a Comunidade Andina
de Naes (CAN) e o Mercado Comum do Sul Mercosul (VIZENTINI, 2006). Contudo, no
governo de Luiz Incio Lula da Silva que essa aproximao vai se tornar efetiva, atravs de uma
mudana gradual do paradigma da poltica externa, buscando maior aproximao com os pasesdo sul, alterando o relacionamento do pas com as potncias do norte e atravs da percepo da
importncia estratgica da Amrica do Sul para o projeto brasileiro.
Concesses relevantes, em nvel de poltica externa, vm sendo feitas pela diplomacia
brasileira ao longo das ltimas dcadas. Com efeito, nos ltimos anos se percebe a tentativa
de o pas assumir uma funo de potncia regional, encontrando dificuldade em conciliar as
divergncias surgidas no subcontinente sul-americano. Questes polticas e de segurana,
como os persistentes conflitos fronteirios; questes ideolgicas; questes envolvendopotncias externas ao bloco e as grandes desigualdades econmicas das naes so
disparidades de difcil soluo.
A aproximao econmica dos pases da regio, atravs da proposta brasileira de
aproximao entre Mercosul e Comunidade Andina, nos moldes da proposta da rea de Livre
Comrcio da Amrica do Sul (ALCSA), de 1993, em contraposio rea de Livre Comrcio
das Amricas (ALCA) surge dentro desse contexto. Com o advento da Comunidade Sul-
Americana de naes (CASA), em 2004, a aproximao do Mercosul e da Comunidade
Andina fica institucionalizada. Esse processo, contudo, no enseja garantir o cumprimento
dos objetivos dos pases, sobretudo no campo econmico. Mesmo assim, a aproximao dos
pases sul-americanos se mantm em curso na tentativa de se dar efetividade ao processo de
integrao sul-americano, o qual, apesar de possuir muitos acordos, no tem a necessria
vinculao dos pases, ou seja, o grau de institucionalizao ainda baixo.
O surgimento da Unio de Naes Sul-Americanas (Unasul), convergncia da
Comunidade Sul-Americana de Naes (CASA), trouxe um maior nvel de estruturao e
institucionalizao ao organismo, pois ampliou o texto da Declarao de Cusco e Ayachuco,
formadores da CASA. A efetividade do organismo, contudo, ainda est em prova, haja vista
se tratar de um processo complexo, no qual dinmicas de comportamentos internos e externos
influenciam constantemente o comportamento dos Estados.
Assim, como problema a ser analisado nessa pesquisa, est o fato de que apesar de os
resultados econmicos no se mostrarem satisfatrios, principalmente em relao ao
estabelecimento de uma zona de livre comrcio entre o Mercosul e a Comunidade Andina, a
constituio da Unasul como continuao da Casa buscada pelos pases da regio, mais
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especificamente o Brasil, que desenvolve uma poltica externa pragmtica na busca pela
integrao.
A hiptese da pesquisa que a integrao atravs da Unasul corresponde ao
estabelecimento de um mecanismo de concertao poltica subcontinental, antes mesmo de
ser um processo econmico, constitudo para aumentar a autonomia e possibilidades de
desenvolvimento dos pases da regio, como um pressuposto para a efetividade da integrao.
Nesse sentido, enquanto a concertao poltica serviria como uma base para a soluo de
controvrsias polticas entre os Estados do bloco, sendo conseqncia da necessidade de
estabilidade regional para a insero internacional das naes sul-americanas no cenrio ainda
em construo do sculo XXI, o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) seria, ento, uma
extenso do processo poltico, marcado pela tentativa de sobrepujar os atuais mecanismos desegurana coletiva atuantes no subcontinente com a criao de uma comunidade de segurana.
Se a esfera econmica fica em um segundo plano, analisamos o relacionamento entre
os Estados sul-americanos, de acordo com as trs variveis supracitadas. Dessa forma, o
trabalho estruturado da seguinte maneira: no primeiro captulo busca-se definir em que
plano paira a Unasul enquanto processo de integrao, tanto no plano conceitual como na
atual configurao do sistema internacional. Sob uma anlise terica, buscamos a definio da
motivao de os Estados atuarem conjuntamente, e a definio do contexto externocooperacional, alm da definio da questo securitria, chave para o processo integracional
sob a perspectiva da Teoria dos Complexos Regionais de Segurana.
No captulo dois, buscamos o objeto da integrao, analisando a aproximao do
Mercosul com a CAN e a efetividade desse processo. O surgimento da Unasul, sua origem,
instituies e premissas, igualmente so avaliadas. Alm disso, o contexto no qual ocorre esse
processo, ou seja, os fatores exgenos de mudanas estruturais, tambm objeto de anlise
por influir no relacionamento entre os Estados sul-americanos e culminar no avano daintegrao.
O captulo trs avalia o surgimento do Conselho de Defesa Sul-Americano sob a
perspectiva do complexo regional de segurana sul-americano. A importncia do CDS para o
projeto brasileiro e para a integrao nos termos da nova agenda de segurana tambm
objeto de anlise.
Por fim, o captulo quatro avalia osistema formado pela Unasul e pelo CDS frente a
questes endgenas e exgenas e sob a influncia da superpotncia. Os principais desafios
encontrados e a atuao da Unasul na recente crise boliviana e em relao ao acordo entre
Estados Unidos e Colmbia para a utilizao de bases militares.
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1 CONCEITO DE INTEGRAO, TEORIA DAS RELAESINTERNACIONAIS E A UNASUL
1.1 Definindo a Integrao Sul-Americana
Para o estudo dos processos de integrao interestatal necessrio, primeiramente,entender o seu conceito nas suas trs principais esferas de atuao: poltica, econmica e
jurdica. Na diversidade de esferas, interesses e objetivos em torno do regionalismo assentam-
se as dificuldades de uma explanao uniforme. Gilpin (2001, p. 345) afirma que [...] the
subject of integration remains largely empirical rather than theoretical, isso porque os
processos de integrao apresentam particularidades que impedem uma conceituao
definitiva. A importncia de avaliarmos os conceitos e teorias sobre o tema assenta-se na
necessidade de se compreender onde paira o objeto central desse trabalho, a Unasul, nasRelaes Internacionais e, tendo identificado, aproveitarmo-nos da caracterizao pr-
existente para clarificar as caractersticas do processo de integrao atual.
Sob o ponto de vista jurdico, a cooperao entre estados possui duas faces principais:
a dicotomia entre a cooperao internacional e a supranacionalidade. Dessas duas vertentes
surgem as organizaes internacionais baseadas no princpio da cooperao e as organizaes
com carter supranacional, a partir do princpio da integrao (VENTURA, 1996). Seitenfus
(apud MONTGOMERY, 2007, p. 44) define o primeiro tipo de organizao internacional
como uma sociedade entre Estados, constituda atravs de uma permanente cooperao
entre seus membros. J uma organizao com carter supranacional estaria associada
diretamente ao teor econmico da integrao e teria seus poderes administrativos, legislativos
e\ou judicirios delegados diretamente da soberania dos Estados (MONTGOMERY, 2007).
importante, ainda, conceituar as organizaes como pessoas jurdicas no direito
internacional e assim o faz Manuel Diez Velasco Vallejo:
[Organizaes Internacionais so] associaciones voluntarias de Estados establecidaspor acuerdo internacional, dotadas de rganos permanentes, propios eindependientes, encargados de gestionar unos intereses colectivos y capaces deexpresar una voluntad juridicamente distinta de la de sus miembros. (VALLEJOapud SISTE, 2007 p. 104-105).
Economicamente a literatura apresenta anlises baseadas primordialmente na
experincia europia. Nesse sentido, Bela Balassa (1980) define a integrao sob uma
perspectiva liberal. Para o autor, ela corresponde a um processo tendente a abolir as
discriminaes entre a economia de diferentes naes, ou seja, a integrao seria o resultado
final de um processo de cooperao no campo econmico-poltico propenso a gradualmente
eliminar barreiras artificiais circulao de bens e aos movimentos dos fatores produtivos. O
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processo de integrao estaria completo com a vigncia dos princpios clssicos liberais entre
dois ou mais Estados1.
Por outro lado, a integrao econmica sob uma viso estruturalista considerada
como um processo que busca organizar no apenas as trocas comerciais entre pases, mas
tambm a produo de bens, formando um quadro mais complexo. Andr Marchal (JUNIOR,
2007), ressalta que toda a economia compreendida atravs desse processo, fundindo os
elementos formadores das unidades participantes em uma nova unidade que reproduzir, em
uma escala mais ampla, a imagem de cada unidade componente.
As teorias econmicas, contudo, no explicam satisfatoriamente a cooperao entre
pases, pois tendem a assumir que uma deciso poltica no campo da integrao busca criar
uma entidade poltica maior e o foco de anlise desse procedimento deveria ser asconseqncias de bem-estar scio-econmico. Gilpin (2001) aponta que mesmo movimentos
de regionalizao motivados por foras de mercado possuem inclinaes polticas, como, por
exemplo, o NAFTA, cujas motivaes, entre outras, seriam contrapor o bloco Amrica do
Norte Europa ocidental integrada, em um contexto de regionalizao econmica.
O regionalismo econmico , na verdade, uma resposta estatal a ambos os problemas,
os polticos e os econmicos. Com o avano da globalizao econmico-financeira, os grupos
de estados regionais aumentam o grau de cooperao para elevar a autonomia, o poder debarganha internacional e para promover seus objetivos. Blocos regionais buscam adquirir os
benefcios de uma economia global, ao mesmo tempo em que almejam a proteo contra
ameaas externas s economias e segurana nacional.
Dessa maneira, faz-se necessria uma conceituao que v alm da econmica,
englobando a esfera sobressalente neste processo: a esfera poltica. Nessa direo, Ernst B.
Haas define integrao como:
Um processo atravs do qual os atores polticos, a partir de diversosenquadramentos nacionais, so persuadidos a transferir as suas lealdades,expectativas e atividades polticas para um novo centro, cujas instituies detm, oureclamam, jurisdio sobre os estados nacionais consolidados. (Haas, 1958 apudDOUGHERTY & PFALTZGRAFF, 2003, p. 648)
O conceito poltico de integrao proposto por Haas vai ao encontro da noo jurdica
de supranacionalidade regulada pelo Direito Comunitrio. Tal definio passa uma falsa idia
de que a supranacionalidade possa sobrepujar a soberania estatal. A integrao , com efeito,
1 Bela Balassa coloca ainda que a integrao ocorre de acordo com a progresso de etapas: rea de LivreComrcio (ausncia de tarifas ou quotas), Unio Aduaneira (tarifa externa comum), Mercado Comum(livre circulao de fatores), Unio Econmica (harmonizao de polticas econmicas) e IntegraoEconmica Total (unificao de polticas e instituies econmicas).
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um processo conduzido prioritariamente no mbito poltico, contudo, mesmo em relao ao
processo de integrao europeu, tido como mais avanado poltica e economicamente,
necessria cautela ao se falar em relativizao da soberania.
As teorias funcionalista e neofuncionalista tentam dar uma explicao que no se
limita esfera econmica e assenta-se na esfera tcnica e poltica do fenmeno da integrao.
David Mitrany, precursor do funcionalismo, explica que ela seria uma conseqncia do
processo de cooperao. Para o autor, a forma mais segura de se alcanar a integrao e a paz
seria a cooperao em relao a tarefas funcionais de natureza tanto tcnica como econmica.
Assuntos comuns aos Estados, como sade, servios postais e comunicao, ensejariam a
colaborao desprovida de contedo poltico ou ideolgico. Esse processo seria progressivo e
garantiria o aumento da confiana entre os Estados, possibilitando a ramificao dacooperao, ou seja, a extenso a outros setores (GILPIN, 2001; DOUGHERTY &
PFALTZGRAFF, 2003).
Por outro lado, a teoria neofuncionalista foca no papel dos partidos polticos, grupos
de interesse e no grau em que as elites polticas das unidades objeto da integrao apiam ou
so contra tal procedimento. A motivao para a cooperao deixa de ser, aqui, altrusta,
para se tornar pragmtica. Haas, expoente neofuncionalista, assume que a integrao ocorre
em funo das elites relevantes nos setores governamental e privado que, por razespragmticas apiam a integrao. As concepes de interesse seriam, assim, definidas dentro
de um padro mais amplo do que o Estado-nao, pois os interesses dos atores so percebidos
como melhor alcanados atravs de uma nova organizao, alargada, como foi o caso da
Comunidade Europia do Carvo e do Ao (CECA) na Europa2 (DOUGHERTY &
PFALTZGRAFF, 2003).
O conceito de spillover3, segundo o qual a integrao passaria de um setor para o
outro, na medida em que grupos antes fora do processo percebessem que tambm poderiamtirar vantagem de tal procedimento um dos pressupostos da teoria. As decises iniciais
ramificariam para novos contextos, envolvendo progressivamente mais grupos, tcnicos e
2Haas analisou que o progresso da integrao na CECA dependia das vantagens e perdas dos grandes gruposinteressados no interior da unidade objeto de integrao.
3 O conceito de Spillover foi muito trabalhado posteriormente e acaba por dar origem a outras definiesparalelas, utilizadas tambm no esforo de caracterizao dos processos de integrao, podemos citar: ospill-around (um crescimento no mbito das funes executadas por uma organizao integradora semque, entretanto, fosse verificado o correspondente acrscimo de autoridade); o buildup (aumento naautonomia decisria sem que fossem integradas novas reas); o retrenchment (aumento no nvel de
arbitragem conjunta ao mesmo tempo em que se v reduzida a autoridade de uma organizaointegradora); e o spill-backque seria o retrocesso para uma situao verificada anteriormente, tanto emrelao as funes, como em relao a autoridade de uma organizao integradora (DOUGHERTY &PFALTZGRAFF, 2003).
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burocratas para desenvolver solues aos novos problemas oriundos de compromissos
anteriores. Assim, estaria presente uma lgica expansiva que contribua para a ramificao
dos diferentes setores.
necessrio ressaltar que as teorias funcionalistas so baseadas na formao da
comunidade europia. A Amrica do Sul no dispe das mesmas condies do velho
continente, isto , os problemas da regio, seus dficits histricos, como o de infra-estrutura4,
disparidades econmicas, subdesenvolvimento e o prprio dficit na balana de poder
mundial impediram que o processo de spillover proposto pelo neofuncionalismo atingisse um
grau satisfatrio. Os processos de integrao tcnica e econmica da regio no lograram
ensejar a unificao poltica e econmica como Haas previra.
Dessa forma, a Unasul nasce como um processo poltico, tendo como objetivo,tambm, a cooperao tcnica e econmica. Diversos setores esto previstos no ambicioso
projeto integracionista do bloco. Questes energticas, financeiras, econmicas, de infra-
estrutura, securitria, possuem medidas e propostas, em uma tentativa de forar a integrao a
partir de setores estratgicos.
A integrao envolve, de fato, esferas que derivam do trinmio economia, poltica e
direito internacional, no se limitando a apenas uma delas. Ainda que a esfera econmica seja
mais comum nos processos de regionalizao, ela no necessariamente sobressalente sobreas demais. Na verdade, o nvel de integrao depende dos setores especficos que se leva em
considerao, podendo-se ter uma alta integrao jurdica e econmica junto com uma baixa
integrao poltica, ou o oposto, observando-se que normalmente a integrao econmica e a
jurdica so condies que favorecem a integrao poltica (BOBBIO et alli, 2003).
Um conceito mais amplo e atual, indo alm das esferas supracitadas e envolvendo
questes derivadas do campo poltico pode ser encontrado em Lombaerde & Langenhove
(2005):Regional integration (RI) is a worldwide phenomenon of territorial systems thatincrease the interactions between their components and create new forms oforganisation, co-existing with traditional forms of state-led organization at thenational level. The processes of regional integration that emerged after World WarII, were originally mostly about trade and economics, but it has become clear that,especially since the 1980s, with the so-called new regionalism wave, regional
4Darc Costa identifica uma questo importante sobre a estrutura fsica da regio: a oposio entre uma vertenteocenica do Pacfico e uma vertente ocenica do Atlntico cuja unio s seria possvel atravs de amplainterveno na infra-estrutura do continente. Pela oposio dessas duas vertentes ocenicas os pases sul-
americanos acabariam vivendo de costas uns para os outros. Os Andes corresponderiam a uma barreiracom precrio desenvolvimento para ligar essas duas vertentes. (DARC COSTA; 2003, pg. 74). Somado adificuldade geogrfica da integrao, o dficit de infra-estrutura interna dos pases da regio tambmacarreta dificuldades relevantes de aproximao na Amrica do Sul.
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integration can be seen as a multidimensional process that implies, next toeconomic cooperation, also dimensions of politics, diplomacy, security, culture, etc.
Dentro dessa idia de multidimensionalidade, Wendy Dobson vai alm e apresenta a
integrao como sendo a forma mais intensa de cooperao interestatal, envolvendo polticascomuns em relao a dois ou mais Estados (LOMBAERDE & LANGENHOVE 2005). A
integrao se ope ao conflito, e a independncia seria um estado intermedirio no qual no
h interaes. No estgio seguinte h a coordenao de polticas, antecedendo a integrao. A
figura 1.0 mostra o espectro proposto pelo autor.
Figura 1.0
Fonte: Lombaerde & Langenhove (2005).
Caracterizado como uma das esferas da integrao, a questo securitria afigura-se
muito importante na Amrica do Sul. Enquanto a integrao em um mbito econmico avana
apenas em termos relativos5, a integrao poltica depende da capacidade de concertao dos
pases envolvidos no processo para a superao de suas assimetrias. A possibilidade de
entendimento dentro da esfera estratgica sul-americana condicionada por uma conjuno
de fatores internos e externos, onde a autonomia das polticas de segurana resultado de uma
equao envolvendo as necessidades e aes dos pases no plano interno e as possibilidadesde distribuio de poder em diferentes nveis do sistema internacional. Nesse sentido, o
Conselho de Defesa Sul-Americano possui significativa relevncia.
Por fim, vale ainda destacar a existncia da dualidade entre a integrao formal,
institucionalizada, e a integrao informal ou real, propostas por Guilherme Ondarts
(LOMBAERDE & LANGENHOVE 2005). No excludentes, as duas formas podem e devem
ser levadas em considerao para a anlise do nvel de integrao entre dois ou mais Estados,
5Podemos destacar um maior poder de barganha dos pases da regio enquanto bloco econmico ou, ento, ainstitucionalizao de um processo j existente de aproximao econmica entre o Mercosul e aComunidade Andina a partir do advento da Unasul.
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pois a institucionalizao de um processo no garante a sua efetividade. Outra conseqncia
disso que a integrao no gera necessariamente uma organizao internacional.
A existncia de diversas formas de integrao, fruto da soberania dos Estados em
definir suas polticas exteriores, de segurana e econmicas, dificulta a apreciao desse
conceito6. Uma anlise separada das principais esferas do processo possibilita uma melhor
compreenso da integrao em determinada regio ou entre dados pases. importante
ressaltar que a integrao um ato poltico entre unidades territoriais na sua maioria
Estados-, que possui premissas supranacionais, que superior a simples tratados multilaterais
e que vai, ou pode ir, muito alm da esfera econmica. Ela um processo de cooperao
interestatal que ocorre atravs da coordenao de polticas de um ou mais setores.
Aplicando o exposto Unasul, temos que o carter jurdico da organizao expressoatravs de seu tratado instituinte, assentado nas normas do Direito Internacional Pblico, e
dotada de personalidade jurdica internacional. Ela pode ser caracterizada como um processo
de cunho poltico, baseada no princpio da cooperao, com tendncia a tomar contornos
supranacionais em alguns pontos especficos. Os objetivos de carter econmico, financeiro e
produtivo estabelecidos nas declaraes de Cochabamba e Cusco e no tratado constitutivo do
organismo, alm das propostas por moeda e passaporte nicos, livre circulao de pessoas,
formao de um parlamento comum, possuem esse carter supranacional.Economicamente o processo de integrao da regio fica em segundo plano em
relao questo poltica. Dadas as dificuldades, divergncias e disparidades scio-
econmicas da regio, ficaria a cargo da Comunidade Andina e do Mercosul a evoluo da
integrao. Afinal, se atualmente existe falta de consenso dentro dos blocos, o que se dir de
uma expanso direta de tal processo. Assim, a Declarao de Cusco aponta para o
aprofundamento da convergncia entre o Mercosul a Comunidade Andina de Naes e o
Chile atravs do aprimoramento da zona de livre comrcio sendo que os governos do
6A diversidade prtica do processo integracionista permite diversas outras vises e definies sobre o tema. Aparte desse trabalho, podemos destacar ainda, sob um carter econmico, a teoria marxista de integrao,preconizada por Ernest Mandel, segundo a qual a integrao explicada pelos esforos das classescapitalistas transnacionais em aumentar sua acumulao de capital. O Institucionalismo neoliberal pregaque a interdependncia causa de uma maior demanda por cooperao internacional, e que a integrao
a maneira pela qual os Estados auto-interessados podem cooperar. O intergovernamentalismo defende queo interesse econmico o maior motivador de um processo de integrao. Essa teoria ressalta ainda aimportncia do papel do Estado nesse processo. (Gilpin, 2001). Para mais teorias e conceitos deintegrao ver Gilpin ( 2001), Dougherty & Pfaltzgraff (2003), Herz & Hoffmann (2004).
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Suriname e Guiana7 associar-se-iam a esse processo. O tratado Constitutivo da Unasul e a
Declarao de Cochabamba tambm apontam no mesmo sentido.
O tratado constituinte da Unasul coloca como objetivos gerais a integrao poltica,
cultural, social e econmica a ser instituda sob o dilogo poltico entre as naes. Dentre os
objetivos especficos, h a integrao financeira, industrial e produtiva, alm da cooperao
econmica e comercial. Dos vinte e um objetivos especficos declarados diretamente na carta
instituidora da organizao, apenas trs dizem respeito diretamente a objetivos econmicos,
enquanto os outros pairam na esfera poltica, estrutural e geoestratgica. Assim sendo, o
carter poltico e suas conseqncias ganham uma efetiva importncia.
Diferentemente do caso europeu, no qual houve um encontro de interesses econmicos
e polticos no processo originrio da integrao, o motor da tentativa integracionista sul-americana a esfera poltica. A integrao europia caracterizada por objetivos polticos,
tendo como meta principal o desenvolvimento de interdependncia entre os pases, capaz de
garantir a estabilidade da regio aps essa ser palco de duas guerras com extenso global 8.
No obstante, a esfera econmica foi primordial para o processo, basta lembrar que a CECA,
estabelecida em 1951, e posteriormente o estabelecimento de um mercado comum atravs do
tratado de Roma, em 1957, foram os pilares da Unio Europia.
A lentido do processo de integrao econmico sul-americano, caracterizado porconstantes demandas e contendas, torna o plano poltico chave na cooperao em busca de
desenvolvimento. Alm das motivaes clssicas para a integrao, Bobbio et alli (2003)
mostram que quando o poder poltico o motor da integrao, um de seus primeiros atos ser
a tentativa de promover a integrao jurdica e econmica. Nesse sentido, a Declarao de
Cochabamba enaltece o dilogo poltico como premissa para a construo da integrao sul-
americana:
Nuestra integracin se asienta en alianzas estratgicas basadas en el compromisodemocrtico, el fortalecimiento del dilogo poltico, la creacin de un espacio deconcertacin y conciliacin, la contribucin a la estabilidad regional, la articulacinde polticas sociales regionales y la valorizacin de una identidad culturalsudamericana con participacin de actores locales y regionales.
7 O Mercosul e a Comunidade andina representam quase a totalidade dos pases da Amrica do Sul. Com aincorporao da Venezuela ao bloco do cone sul, apenas Chile, Suriname e Guiana no so englobados
como membros efetivos por blocos de integrao econmica.8O papel poltico de tal processo fica caracterizado pelos trabalhos de polticos como Robert Schuman, KonradAdenauer, Alcide de Gasperi, Winston Churchill, Jean Monnet, na tentativa de se reforar a paz na Europaatravs da vinculao das economias e governos.
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1.2 Cooperao e Relaes Internacionais
A integrao, anteriormente definida, carece, agora, de uma aplicao nas Relaes
Internacionais. Se ela procede de um processo de cooperao, frente a um sistema
internacional anrquico9 (BULL, 2002), esse deve ser analisado, conjuntamente com a
motivao dos pases para a concertao. O Brasil o grande articulador da unificao
regional na Amrica do Sul e, como tal, tem a sua motivao e expectativas para ele. Assim,
as teorias podem ser centradas no caso concreto da Unasul, destacando-se suas peculiaridades.
Waltz (2002) acredita que as relaes entre as naes podem ser explicadas atravs do
posicionamento dos Estados no sistema internacional. A forma como eles estariam colocados
afetaria as suas capacidades, oportunidades e inclinaes para agir. Tendo em vista que a
distribuio de poder assimtrica, existem Estados que agem buscando modificar a ordemvigente, enquanto outros possuem o interesse na sua manuteno. Esses Estados so
chamados de Estados status quoe Estados revisionistas.
Em relao ao cenrio sul-americano temos que as naes protagonistas, como
Venezuela e Brasil, so favorveis a manuteno da ordem interna, se aproximando do
conceito de Estados status quo, disputando apenas em relao liderana sul-americana. Ao
Brasil - principal artfice do processo melhor cabe a nomenclatura, e acarreta em uma
retrica de paz, democracia e cooperao para o desenvolvimento no processo de integrao.Por possuir maior peso no cenrio regional e internacional, o pas busca a manuteno da
ordem vigente, pois sua posio em relao aos demais Estados lhe possibilita coordenar
polticas conjuntas, alm dos benefcios da integrao, que no so necessariamente contrrios
aos demais. J na atuao global, tanto o Brasil como os demais Estados da regio podem ser
considerados revisionistas. Considerando-se o dficit de poder da regio, as naes sul-
americanas buscam aumentar a sua participao no cenrio internacional, atravs dos
instrumentos clssicos de poder: a diplomacia, a inteligncia, a cooperao interestatal, asalianas, a persuaso e, em ltima instncia, a guerra.
No campo das relaes internacionais a lgica realista clssica e neorealista
apresentam uma dinmica mais influente em relao aos demais conceitos apresentados pelas
outras escolas. O realismo assume uma viso negativa sobre a possibilidade de cooperao na
esfera internacional, pois considera que os Estados so atores auto-interessados. A cooperao
9Hedley Bull advoga que existe uma sociedade internacional, mas que essa anrquica. A constituio de uma
sociedade ocorre mesmo sem um governo central, pois os Estados possuem caractersticas peculiares queacarretam relevncia para a existncia de uma regulamentao mnima. Contudo, o autor salienta que ofato de a sociedade internacional possuir certo ordenamento, no significa que as naes no vivam emum estado de guerra, em um equilbrio gerado pelos interesses egosticos dos Estados. (Bull, 2002).
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ocorre em um meio no qual o ganho de um Estado, ator chave da teoria, significa a perda
relativa de outro. Dessa forma, o sistema internacional anrquico e incerto, h uma luta
constante pela sobrevivncia e os objetivos dos estados so egosticos. Podemos assinalar,
dentro da tica do realismo, quatro motivos principais para a cooperao: a existncia de
interesses em comum; as diferenas, que levam complementaridade; a aceitao de regras
comuns; e, finalmente, a busca por recursos de poder.
A colaborao em torno de interesses comuns permite que atores estatais atuem em
consonncia no sentido de garantir seus interesses afins, bem como os interesses especficos
de cada nao. No caso sul-americano, o fato de que as naes buscam atuar em conjunto,
valendo-se dos seus interesses em comum, evidenciado pela forma com que vem sendo
conduzido o processo de integrao. Diferentemente de sistemas dspares de cooperao10, noqual alguns pases detm maior peso, como o Conselho de Segurana da ONU, os
mecanismos da Unasul nascem baseados no princpio do consenso, sendo reconhecida a
convergncia de interesses polticos das naes nas declaraes e tratados que do origem a
instituio.
Em relao cooperao atravs das diferenas entre Estados, a complementaridade se
apresentaria como uma possibilidade de aproximao dos pases. Esse cenrio vlido tanto
para questes econmicas quanto polticas, sendo melhor visualizado em relao ao primeirocaso. De fato, a integrao econmica pressupe um certo nvel de complementaridade em
relao produo e consumo, afinal, duas economias iguais pouco teriam a acrescentar
atuando em conjunto. Nesse sentido, o pouco dinamismo e complementaridade econmicos
dos pases sul-americanos so apontadas por alguns analistas como uma das causas da crise
do organismo (SCHMIED, 2007).
J a existncia de regras comuns aos Estados faz da cooperao um objeto capaz de
ampliar o poder relativo dos Estados no cenrio internacional, isso porque a ao coletivaaumenta o poder de influncia dos pases nas definies das normas que regem as relaes
internacionais e esto em constante mudana e evoluo. Tanto mais porque a regulao das
questes internacionais se faz necessria na medida em que os Estados se influenciam mais
intensamente (WALTZ, 2002). Em um sistema anrquico, a dificuldade de se alcanar uma
atuao coletiva para o bem comum faz com que a interdependncia seja um fator que
10No se pretende entrar no mrito das diferenas econmicas e financeiras dos pases da regio e de como essasdisparidades poderiam estabelecer o surgimento de um mecanismo de supremacia econmica e financeirabrasileira, atravs da projeo transnacional de suas firmas e do sistema de financiamento estabelecidopelo BNDES. Para uma viso sobre esse processo, ver Mathias Luce (2007).
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corrobore com a formulao de estruturas multilaterais, j que esta depende da vontade dos
Estados, e no de uma instncia superior a eles
Por fim, as naes possuidoras dos recursos de poder, que so almejados por todos os
Estados, esto em uma posio privilegiada no sistema mundial, tornando-se
progressivamente mais independentes. Logo, a cooperao internacional pode ser almejada
como uma tentativa, por parte de Estados mal posicionados na cena internacional, de obter
acesso aos recursos de poder que julgam necessitar, atravs da associao a naes melhor
posicionadas. No obstante, o regionalismo tambm uma forma de se garantir maior
projeo internacional a pases que possuem relevncia regional, como o caso brasileiro no
contexto sul-americano.
Dessa forma, se os ganhos relativos so importantes para a cooperao interestatal,justifica-se uma postura da diplomacia brasileira no sentido de fazer concesses para os pases
com menor nvel de desenvolvimento scio-econmico da regio. A integrao pressupe a
existncia de um Estado forte, capaz de coordenar as aes integracionistas como fez a
Alemanha em relao Unio Europia e os Estados Unidos em relao ao NAFTA (GILPIN,
2001). A percepo da chancelaria brasileira das disparidades da regio e das potencialidades
de seu pas torna o Brasil o ator chave da Unasul, necessitando fazer com que os outros
Estados visualizem ganhos ao se associarem ao pas, para que ele possa ter a sua porcentagemde retorno pela liderana na Amrica do Sul.
A cooperao no , entretanto, um ato unilateral ou bilateral. A motivao dos pases
para cooperar envolve um clculo de probabilidades maior e mais complexo. Considerando
que as relaes internacionais so marcadas pela interao entre Estados, Organizaes
Internacionais e regimes internacionais, uma anlise das motivaes apenas dos pases
envolvidos diretamente com o processo no o explica em sua totalidade (STEIN, 1990). A
cooperao entre Estados ocorre em funo de escolhas circunstanciais, nas quais so levadasem conta no apenas o resultado direto das escolhas. Conforme afirma Arturo Stein (1990):
Decision is a product of a states options, payoffs, and criteria for calculation,conjoined with the situations confronting other nations. Those situations matterseither because a nations choice is contigent or because others payoffs areincorporated into the calculus. Choice, then, involves interaction and the forces ofcircumstance. (STEIN, 1990, pg. 176).
Assim sendo, os Estados, enquanto atores racionais, buscaro o maior ganho possvel
e agiro conforme o seu entendimento das reaes dos outros atores aos seus atos. Logo, h
uma anlise de ganhos e perdas relativas s atitudes no cenrio internacional a qual est
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sujeita a distores ou erros por parte dos setores estratgicos de um governo, de acordo com
a capacidade de se adquirir e analisar informaes.
Acerca do exposto, a cooperao sul-americana aponta tanto para interesses comuns,
como para a necessidade de o Brasil e pases da regio se inserirem no contexto internacional.
A formulao de mecanismos e normas internas, possibilita maior margem de ao aos pases
da regio. A formao da Unasul e, particularmente, do Conselho de Defesa Sul-Americano
so a caracterizao da tentativa de formao de uma comunidade de segurana envolvendo
todos os pases da regio. Nesse contexto, necessria uma anlise do nvel sistmico no qual
se encontram as regies, dado que os protagonistas dos processos de cooperao no so os
nicos atores envolvidos na integrao. Embora a cooperao seja basicamente em funo do
auto-interesse, esses interesses so intrnsecos a ordem atual.
1.3 O Sistema Internacional e os Complexos Regionais de SeguranaA teoria dos complexos regionais de segurana (TCRS) se aplica ao caso sul-
americano. O estudo da dinmica relacional entre estados dentro de um complexo regional de
segurana (CRS), atravs da conjuno de um nvel regional com um nvel global11envolve
fatores atuais do processo de integrao. A globalizao, da qual o prprio processo de
regionalizao conseqncia, e o fim da ordem bipolar implicam o surgimento de uma nova
agenda securitria que vai caracterizar as relaes internacionais. Concomitantemente, a
lgica de poder e a polaridade do sistema internacional seguem regendo as assimtricas
relaes entre os Estados.
A TCRS construda como uma mistura das abordagens materialista e construtivista.
Da primeira ela se vale das noes de territorialidade e distribuio de poder, prximas do
neorealismo. Da abordagem construtivista ela incorpora as noes de securitizao, presente
nos trabalhos prvios da Escola de Copenhague12, e desenvolve suas principais idias.
O carter construtivista da TCRS tem no conceito de securitizao um dos seusprincipais expoentes. Esse conceito parte da premissa de que um processo pode ser no
politizado, politizado ou securitizado, o que corresponderia extenso final da politizao
embora a politizao seja um processo aberto, ocorrido dentro de um quadro normativo ou
11A anlise feita por Buzan & Waever (2003) abrange toda a security constellation, assim entendida como toda amatriz de segurana, formada pela interao de quatro nveis: o domstico, o regional, o inter-regional e oglobal.
12Entre os trabalhos de destaque da Escola de Copenhague podemos apontar: People, States and Fear: TheNational Security Problem in International Relations (1983), Security. The Speech Act. Analysing the
Poltics of a Word (1989), European Security Order Recast: Scenarios for the Post-Cold War Era (1990),Identity, Migration and the New Security Order in Europe (1993), Securitization and Desecuritization., inRonnie Lipschutz (ed.) On Security (1995), Security: A New Framework for Analysis (1997), Conceptsof Security (1997).
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costumeiro. Determinado assunto, apresentado e aceito como uma ameaa existencial a um
ator permite, pelo seu carter emergencial, medidas que vo alm da poltica (BUZAN,
WVER, WILDE, 1998). As ameaas podem variar no plano efetivo, se caracterizando
como realmente existentes, ou, ento, ser uma forma de legitimar a ao dos atores
securitizadores. Nas palavras dos autores, Security is the move that takes politics beyond
the established rules of the game and frames the issue either as a special kind of politics or as
above politics. Securitization can thus be seen as a more extreme version of politicization."
(BUZAN, WVER, WILDE, 1998, pg. 23)
Importante para o entendimento desse conceito o carter emergencial que adquire o
processo de securitizao. Nota-se uma extenso realista no processo, medida que a
justificativa para a tomada de quaisquer medidas, dentro de um quadro normativo ou foradele, apresentado como necessria para a sobrevivncia do ator. Ao obter sucesso no
processo de securitizao, o Estado adquire o direito de se utilizar dos meios que julgar
necessrios para conter a ameaa.
A securitizao pode ser tanto institucionalizada, como o caso do sistema de defesa
dos pases, com a ameaa de invaso ou coero se tornando algo constante ou, ento, ad hoc.
Cabe ainda constatar que o processo de securitizao uma construo intersubjetiva, na qual
h a interao dos atores securitizantes com a audincia atravs do discurso13
, construdo emrelao ao objeto de referncia componente que visto como existencialmente ameaado
(BUZAN, WVER, WILDE, 1998).
Trazendo o conceito de securitizao para a esfera sul-americana, podemos aprofund-
lo. A nova agenda securitria apresenta fatores de ameaa aos pases da regio,
principalmente em relao projeo de poder de potncias extra-regionais. No plano interno
ao bloco, as questes ideolgicas igualmente afetam as dinmicas de segurana dos pases,
bem como antigas divergncias. A agenda clssica de segurana tambm fator securitizantena regio, principalmente aps os recentes atritos entre Colmbia e seus vizinhos, com o
aumento da tenso nas fronteiras, investimentos militares e mobilizao de tropas.
Questes empricas podem ser levantadas em funo do papel da superpotncia em
relao aos pases da regio. As atividades das agncias de inteligncia dos Estados Unidos
durante o perodo da Guerra-Fria encontravam-se respaldadas pelo objeto securitizado do
comunismo, tanto a nvel global a ameaa existncia do sistema internacional vigente
como a nvel estatal, na medida em que os governos da regio se alinham ao mundo ocidental
13 importante notar que o speech actno apenas um procedimento lingstico, mas sim um processo sociale pode envolver desde a mdia at atores polticos de um Estado ou objeto de referncia.
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capitalista e securitizam a questo. Assim, a existncia da ameaa ideolgica, fator construdo
durante o sculo XX, justifica as aes da superpotncia em relao Amrica do Sul.
No obstante, as atividades de inteligncia norte-americanas, presses econmicas,
diplomticas e militares so utilizadas sob o manto do comunismo. Nesse mesmo sentido,
fatores da nova agenda securitria, como questes relativas aos Direitos Humanos, ao
terrorismo e ao narcotrfico impe uma nova dinmica nas relaes entre Estados Unidos e
Amrica do Sul, dentro de fatores expostos agora como ameaas. O estudo do Complexo
Regional de Segurana da regio, no terceiro captulo, esclarece a formao emprica e a
dinmica securitria atual dos pases da regio.
A questo que se acerca, ento, a da polaridade no sistema internacional. Buzan e
Wver (2003) colocam a combinao de capacidade material, proscrita por Kenneth Waltz,reconhecimento formal pelos outros Estados, de Hedley Bull, e uma observao do alcance da
projeo dos atos de um ator em relao ao nvel sistmico. Dessa forma, os autores propem que
a lgica do sistema internacional se caracteriza pela existncia de trs classificaes para os
Estados, em termos de polaridade: as superpotncias, as grandes potncias e as potncias
regionais.
As superpotncias apresentam a capacidade de projetar poder militar e poltico em
qualquer regio do globo. Para ostentar essa caracterstica elas devem ser reconhecidas pelos
outros Estados como possuindo esse poder e ser atores ativos de processos de securitizao e
desecuritizao de todas as regies do sistema, seja enquanto ameaa, aliados, intervencionistas
ou patrocinadores14. As grandes potncias possuem um alcance limitado, no esto presente em
todos os processos de securitizao globais e tm capacidade de operar em mais de uma regio.
Nessa categoria se encontram Estados que obtiveram um aumento de poder, deixando de ser
apenas uma potncia regional e estados declinantes da condio de superpotncia, como o caso
atual da Rssia15. Por fim, as potncias regionais tem influncia decisiva dentro de um CRS, mas
limitada ao na dinmica de segurana de pases de fora da sua regio. Dentro de um mesmoCRS pode haver cenrios de multipolaridade ou unipolaridade.
O nvel global, como visto, trabalhado pela tica neorealista. Lake aponta que uma
grande potncia pode ser caracterizada como aquela que tem capacidade de projeo de
poder, alcance militar em todo o globo. Trazendo essa noo ao construtivismo, tal alcance
pode ocorrer, tambm, no plano de outras caractersticas securitrias (BUZAN & WVER,
2003), quer dizer, a capacidade de projeo de poder no se limita apenas ao campo militar,
14Atualmente apenas os Estados Unidos possuiriam esses status.15Como exemplo de grandes potncias atuais temos Reino Unido, Frana, Alemanha (Unio Europia), Japo,
China e Rssia.
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mas tambm uma caracterstica da nova agenda securitria. Cabe ressaltar que os setores
econmico, ambiental, poltico e social fazem parte da dinmica de segurana dos Estados.
Dentro desse quadro, temos que as questes polticas e securitrias a nvel mundial so
definidas sob uma lgica de poder e de projeo de poder. Entretanto, as dinmicas de
segurana da grande maioria dos pases do mundo, incluindo o subcontinente sul-americano,
so efetivadas atravs do nvel regional. Essa a lgica dos Complexos Regionais de
Segurana. O conceito de CRS, original de 1983 e reformulado por Buzan e Wver em 1998,
definido como [...] um conjunto de unidades cujos principais processos de securitizao e
desecuritizao, ou ambos, so to interligados que seus problemas de segurana no podem
ser razoavelmente analisados ou resolvidos de maneira separada. (WVER et alii, 1998
apud TANNO, 2003, p.70).
Em outras palavras, os CRS so unidades (no necessariamente Estados, embora eles
sejam o principal foco) que apresentam uma dinmica de segurana definida em funo da
ameaa que as outras unidades representam ou supostamente representam - para a segurana
local. Os Estados temem seus vizinhos e mantm aliados entre eles. Globalmente eles temem
naes cujo poder pode alcan-los independente da lgica territorial.
O nvel de anlise regional proposto pelos autores se justifica no fato de que a grande
maioria dos Estados do globo no possui capacidade de interao securitria com pases noadjacentes. Dessa maneira, mesmo durante a Guerra-Fria, cuja lgica era de extrema
polarizao, o nvel regional aplicava-se fortemente, principalmente aos pases no alinhados
ou com menor interao na disputa ideolgica.
O envolvimento externo nas dinmicas de segurana pode ser analisado atravs da
interpenetrao o nvel de influncia e projeo de uma potncia em relao a questes
securitrias e do overlay, quando os interesses de potncias externas transcendem a projeo
de poder, e se estabelecem em uma regio de forma to significativa que as dinmicas de
interdependncia securitria cessam. Esse ltimo processo normalmente resultado do
estacionamento de foras armadas em uma regio e no alinhamento dos Estados locais.
(BUZAN & WVER, 2003).
Aplicando o regionalismo TCRS, temos que esse se apresenta tanto como uma forma de
fortalecimento dos pases frente s potncias sistmicas, como uma forma de conjuntamente se
alcanar um maior resultado na soma de poder do cenrio internacional. Nesse sentido
Both the introversion of the `litepowers and the worry about American/Westernhegemony are aspects of globalisation, and these can easily trigger regionalresponses, where the regional level becomes either a bastion against global threats,
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or a way to obtaining greater power in global level dynamics. (BUZAN &WVER, 2003, pg. 12).
A integrao sul-americana paira nessa esfera. O entendimento de que a ao conjunta
necessria para o aumento de poder dos pases da regio, alm de noes de que aautonomia e a capacidade de segurana coletiva so necessrias para o desenvolvimento dos
pases molda o surgimento da Unasul dentro do contexto global. Nesse sentido, a Declarao
de Cochabamba afirma:
El fin de la bipolaridad construida despus de la Segunda Guerra Mundial acabcon la guerra fra, trajo aparejado un debilitamiento del multilateralismo y unaprofundizacin de las asimetras entre pases e incluso continentes. El proceso deglobalizacin ha influido profundamente en nuestras economas y sociedades.Recientemente, ha sido posible comenzar a construir alternativas que apuntan a
retomar el crecimiento, la preservacin de equilibrios macroeconmicos [...] ascomo la disminucin de la vulnerabilidad externa. Frente a esta situacin laintegracin regional es una alternativa para evitar que la globalizacin profundicelas asimetras, contribuya a la marginalidad econmica, social y poltica y procuraraprovechar las oportunidades para el desarrollo. (DECLARAO DECOCHABAMBA).
Assim, a capacidade de um Estado adquirir poder no cenrio mundial, atravs do
desenvolvimento poltico, a formao de alianas estratgicas, desenvolvimento econmico,
integrao poltica e econmica, fica subordinada, em certa medida, a ao dos outros pases
do globo. A capacidade de ingerncia externa de pases considerados como plos de podercondiciona a ao das naes emergentes, tanto no plano securitrio, primordial para a
insero internacional dos estados, como nos planos poltico e econmico.
O complexo de segurana sul-americano possui uma dinmica peculiar em relao aos
outros 11 complexos do sistema mundial: a adjacncia ao complexo no qual a nica
superpotncia do sistema internacional se encontra. Dessa forma, qualquer considerao que
seja feita em torno do tema, quer analisando os Estados Unidos como uma potncia decadente
e conseqentemente um mundo progressivamente multipolarizado
16
(ARRIGHI, 2008,BANDEIRA, 2009, GUIMARES, 2006, VIZENTINI, 2006), se tornando, dessa forma, uma
great power", ou, ento, sem subestimar a capacidade de projeo de seu poder, a capacidade
de ingerncia em assuntos internos dos pases sul-americanos, bem como no seu processo de
integrao, tem uma dimenso significativa.
16Nesse sentido, Bandeira (2009) aponta para a falncia financeira do sistema norte-americano, colocando que oaumento da dvida externa do pas, saltando de US$ 5,6 trilhes, no ano 2000, para US$ 9.5 trilhes em
abril de 2008 acarretaria insustentabilidade do atual modelo da potncia hegemnica no longo prazo. Oautor destaca ainda a dependncia externa que vem causando o endividamento estadunidense, que sesustenta pela falta de lastro nas emisses de moeda pelo pas, mas que funcionaria como uma bolha etende a causar uma crise no sistema.
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relevante, ainda, dar uma definio a hegemonia, conceito que se vale de questes
polticas e econmicas. Giovanni Arrighi (1994) coloca que uma nao pode ser considerada
hegemnica quando lidera o sistema de Estados numa direo desejada e, com isso,
percebido como buscando um interesse geral (ARRIGHI, 1994, p. 29). E vai alm ao
afirmar, baseado nos ensinamentos de Gramsci, que ela decorre da capacidade dos grupos
dominantes de apresentar seu domnio como se servisse no s aos seus interesses como
tambm aos dos grupos subordinados (ARRIGHI, 2008 pg. 160).
A definio de Arrighi envolve uma liderana do sistema capitalista como um todo,
dentro da sua conhecida lgica de ciclos de acumulao de capital. O conceito de Buzan &
Wver fica completo com uma anlise do conceito de hegemonia de Arrighi, pois esse ltimo
apresenta uma dinmica mais clara da situao atual, conceituando o atual momento dasuperpotncia no sistema internacional como de dominao sem hegemonia, indo ao encontro
das anlises que advogam o declnio na capacidade de gerir o sistema internacional por parte
dos Estados Unidos.
* * *
A partir de uma definio da lgica de poder e do funcionamento das relaes
internacionais que, acrescente-se, no pretende ser exaustiva ou menos ainda conclusiva, a
anlise da integrao sul-americana atravs do advento da Unasul fica facilitada. Assim,
temos que a questo securitria molda, de certa forma, a ao poltica de pases no cenrio
internacional. A busca por autonomia da regio baseia-se nessa lgica securitria. Nesse
sentido, a continuao do processo de integrao sul-americano passa pelo fortalecimento dos
pases enquanto bloco.
A formao da Unasul e do Conselho de Defesa Sul-Americano reflete essa lgica. O
CDS caracteriza-se como uma tentativa de estabelecer uma comunidade de segurana,
trazendo, para a jurisdio interna do bloco, juntamente com o mecanismo da Unasul,assuntos antes tratados no mbito do regime de segurana e defesa do continente, atravs de
mecanismos de segurana coletiva como o Tratado Interamericano de Assistncia Recproca
(TIAR) e a Organizao dos Estados Americanos (OEA).
Dessa forma, a anlise do contexto em que surge a Unasul pode clarificar em que
medida o processo de integrao sul-americano acontece em funo das suas relaes com a
superpotncia e outros pases do globo. Os interesses envolvidos e a dinmica securitria
apresentam uma relao intrnseca, sendo que a origem dessa dinmica remonta a formaoda Unasul.
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2 A INTEGRAO SUL-AMERICANA E O SURGIMENTO DA UNASULSe a esfera econmica fica em segundo plano na fase atual da integrao sul-
americana, as condicionantes do relacionamento dos Estados devem ser analisadas para uma
avaliao da necessidade de concertao para o progresso da cooperao. Assim, dos trsfatores que condicionam a dinmica das relaes entre os Estados sul-americanos, incluindo a
varivel interveniente o relacionamento com os Estados Unidos - os fatores exgenos de
mudanas estruturais tem influncia direta na formao da Unasul.A anlise da reestruturao
sistmica que ocorre com o final da Guerra fria clarifica esse ponto.
Assim, a integrao sul-americana o resultado da interao de trs fatores estruturais.
Em primeiro lugar, h a globalizao. As conseqncias da abertura econmica em pases
antigamente voltados para o mercado interno torna a aproximao regional favorvel diminuio das inseguranas da insero econmica internacional. Ademais, a globalizao
vista tambm como uma ameaa a integridade de alguns pases, inclusive sendo objeto de
securitizao em alguns Estados, tambm por sua identificao com o
ocidentalismo/americanismo (BUZAN & WVER, 2003).
Em segundo lugar h o regionalismo, fenmeno associado atualmente prpria
globalizao, mas que contm caractersticas prprias e origem anterior. O exemplo da Unio
Europia de desenvolvimento coletivo e criao de identidades comuns, a possibilidade decrescimento da economia dos pases e o dilema de um Estado ser excludo da nova ordem
mundial, centrada em blocos econmicos, favorecem esse processo.
Alm disso, a busca por autonomia e poder no sistema internacional tambm leva os
pases a cooperar. Historicamente sob a influncia hegemnica direta dos Estados Unidos, as
naes sul-americanas no possuam capacidades autnomas de articulao diplomtica e
securitria. A reestruturao internacional ocorrida com o fim da bipolaridade vai ser marcada
pela tentativa de readaptao das estruturas hegemnicas (GUIMARES, 2006) e de
adaptao dos pases ao surgimento de um mundo uni-multipolar, na expresso de Samuel
Huntington (HUNTINGTON, 1999).
2.1 Globalizao e Regionalismo
O final da Guerra Fria estabelece a questo do surgimento de uma nova ordem. A
queda do bloco sovitico, a insero dos Estados do leste europeu no cenrio internacional, a
abertura poltica e econmica da Amrica Latina e a integrao econmica e financeira vo
marcar o perodo. Para Cervo e Bueno (2002), trs fatores influem sobre o reordenamento das
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relaes internacionais: a ideologia neoliberal, a supremacia do mercado e a superioridade
militar estadunidense. A globalizao est inserida nesse contexto:
[a globalizao] engendrou nova realidade econmica, caracterizada pelo aumentodo volume e da velocidade dos fluxos financeiros internacionais, pelo nivelamentocomercial em termos de oferta e demanda, pela convergncia de processosprodutivos e, enfim, pela convergncia de regulaes nos Estados. Essa tendnciahistrica deparou-se, entretanto, com duas outras: [...] a formao dos blocoseconmicos e a nova assimetria entre o centro do capitalismo e sua periferia(CERVO & BUENO, 2002 p. 455).
A globalizao e a estruturao sistmica dos anos 90 so construdas sob a influncia
de importantes eventos ocorridos nas duas dcadas passadas. A dcada de 70 marcada pelos
choques do petrleo (1973 e 1979) e o conseqente aumento das dvidas externas na America
do Sul, limitando os pases da regio, social e economicamente. Os processos de integraosurgidos nas dcadas anteriores vo estar condicionados s dificuldades encontradas pelos
pases no perodo. A crise da dcada de 1980, com perodos de baixo crescimento na Amrica
do Sul, vai fortalecer a tendncia redemocratizao dos Estados autoritrios. Outra
conseqncia - tambm impulsionada pela ascenso neoliberal nos Estados Unidos e no Reino
Unido foram as aberturas comerciais e financeiras das dcadas de 1980 e 1990, com a
desregulamentao e privatizao de empresas estatais.
A presso dos Estados centrais pela abertura das naes sul-americanas vai culminarno Consenso de Washington, uma cartilha contendo diretrizes para a economia na dcada de
1990. A fragilidade econmica interna vai acarretar resultados scio-econmicos desastrosos
nos pases que adotam a cartilha mais profundamente, como o Equador, a Bolvia e a
Argentina, e deixam seqelas importantes em pases como o Brasil, o Uruguai e a
Venezuela17 (GUIMARES, 2008). Sobre essa abertura, Vizentini (2006) aponta para a
relativa renncia soberania do Brasil quanto escolha do modelo de desenvolvimento
interno e estabelecimento de parcerias externas. A abertura atravs do Consenso deWashington seria o resultado da falta de planejamento estratgico associada conjuntura
exterior.
Aliado a globalizao e ao neoliberalismo, o advento do regionalismo remete a
segunda metade do sculo XX, mas com o final da Guerra Fria que ele vai ganhar o carter
17 O neoliberalismo foi uma tendncia dominante na ltima dcada do sculo XX em quase toda a AmricaLatina. Alguns lderes neoliberais foram: na Argentina Carlos Saul Menem, na Bolvia, Gonzalo Sanchesde Lozada e Hugo Banzer Soarez; no Brasil, Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, na
Colmbia, Czar Gaviria Trujillo, Ernesto Samper Pizano, Andrs Pastrana Arango e lvaro Uribe; noEquador, Durn Balln, Abdal Bucaram e Jamil Mahuad; no Paraguai, Juan Carlos Monti, Ral CubasGrau e Luis Gonzles Macchi; no Peru, Alberto Fujimori; e na Venezuela, Carlos Andrs Prez e RafaelCaldera. (COUTINHO, 2006).
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universal e complexo que apresenta atualmente. Se antes de 1989 o regionalismo acontecera
em um mundo protecionista e basicamente entre pases vizinhos, aps esse perodo o
regionalismo se multiplica velozmente. De 1994 a 2006 o nmero de acordos bilaterais
notificados no GATT sobe de 33 para 368 (WIESEBRON, 2008).
A regionalizao apresenta-se como resposta s ameaas econmicas percebidas no
processo de globalizao. O risco de marginalizao leva os pases a cooperarem em torno do
interesse comum. A expectativa de insero econmica atravs da integrao considervel
na dcada de 1990, o que refletido na prpria perda da lgica territorial, medida que
mesmo reas de livre comrcio passam a ser estipuladas sem a perspectiva da adjacncia
(BAUMMAN et alli, 2004).
J a questo da insero internacional outro fator chave do regionalismo. Para ospases menos poderosos, a integrao apresenta-se como uma alternativa para a promoo de
interesses estatais em um mundo oligrquico. A cooperao ocorre em funo da perspectiva
de ganhos coletivos, pois tambm os pases plos regionais necessitam dessa associao.
Nesse cenrio, a proposta da Unasul no deixa de ser uma forma de inserir os pases
da regio em um contexto de globalizao financeira e econmica, contrapondo a regio ao
NAFTA, Unio Europia e ao bloco sia-Pacfico, da mesma forma que o Mercosul
fortaleceu a posio dos seus pases no contexto externo no incio da dcada de 1990(VIZENTINI, 2003). Ademais, enquanto o Mercosul fora uma forma de adaptao ao
processo de reorganizao da economia mundial que encontrava-se em curso, a Unasul uma
tentativa de uma melhor posio no cenrio mundial em formao.
Dentro dessa lgica, a declarao de Cochabamba afirma a integrao sul-americana
como uma resposta globalizao e uma tentativa de insero e adaptao no ps-Guerra
Fria:
El proceso de globalizacin ha influido profundamente en nuestras economas ysociedades. Recientemente, ha sido posible comenzar a construir alternativas queapuntan a retomar el crecimiento, la preservacin de equilibrios macroeconmicos,el nfasis en la distribucin de la renta como instrumento de eliminacin de laexclusin social y de reduccin de la pobreza, as como la disminucin de lavulnerabilidad externa. Frente a esta situacin la integracin regional es unaalternativa para evitar que la globalizacin profundice las asimetras, contribuya ala marginalidad econmica, social y poltica y procurar aprovechar lasoportunidades para el desarrollo (DECLARAO DE COCHABAMA, online).
Fortalecidos pela conjuntura ps-Guerra Fria, atualmente os blocos comerciais esto
se tornando blocos poltico-econmicos, que tendem a se converter em novos atores no lugardas antigas potncias. O que se veria seria a formao de blocos regionais de poder
(VIZENTINI, 2006, pg. 17). De fato, muitas organizaes de carter poltico, econmico e
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securitrio vem surgindo no novo cenrio mundial18, enquanto outras expandem suas
atividades para alm das estabelecidas no momento de sua criao19, apontando para uma
tendncia expanso da coordenao poltica a partir de uma aproximao inicial.
A integrao surge, ento, dentro do contexto de construo de uma nova ordem
mundial, nas bases do advento da globalizao e do prprio fenmeno do regionalismo. Sob
essa perspectiva, Vizentini (2006) apresenta trs alternativas para a Amrica Latina dentro
dessa nova ordem: a integrao regional, a desintegrao ou a absoro hemisfrica. Samuel
Pinheiro Guimares segue na mesma direo ao afirmar:
Os pases mdios que constituem a Amrica do Sul se encontram diante do dilemaou de se unirem e assim formarem um grande bloco de 17 milhes de quilmetrosquadrados e de 400 milhes de habitantes para defender seus interesses inalienveisde acelerao do desenvolvimento econmico, de preservao de autonomiapoltica e de identidade cultural, ou de serem absorvidos como simples periferias deoutros grandes blocos, sem direito participao efetiva na conduo dos destinoseconmicos e polticos desses blocos, os quais so definidos pelos pases que seencontram em seu centro. (GUIMARES, 2008, online)
2.2 Unasul Como Instrumento de PoderDe acordo com Kenneth Waltz (2002), o poder fornece aos Estados os meios cogentes
para a preservao de sua autonomia frente s demais naes, alm de permitir que ele
disponha de um maior raio de ao externa. Em uma direo oposta, a existncia de
constrangimentos sobre os pases, oriundos do sistema internacional, significa que os
interesses nacionais esto vinculados dinmica das relaes internacionais.
Nesse contexto, por ocasio da assinatura da carta instituidora da Unasul, o presidente
brasileiro afirmou que Uma Amrica do Sul unida mexer com o tabuleiro de poder no
mundo20. Essa idia coaduna com a viso de que a integrao sul-americana se insere no
campo da poltica internacional. De fato, enquanto a maioria dos comunicados conjuntos do
Mercosul ocorrem no plano econmico, a Unasul, com menor tempo de vida, tem seu maior
foco de ao na Poltica Internacional. Ainda que haja a coordenao poltica a nvel de
18A politizao dos blocos econmicos uma caracterstica marcante a partir da dcada de 90. H, ainda, osurgimento de blocos puramente polticos com diferentes graus de coeso. No campo securitrio,podemos citar a Organizao para a Cooperao de Xangai, embora com carter majoritariamentesecuritrio, o bloco tambm tem iniciativas na esfera econmica. importante ressaltar que acaracterstica em comum, a regionalizao, uma tendncia progressiva e sinaliza de forma a englobardiversos setores na formao de blocos de poder.
19Podemos destacar o grupo coordenado de trabalho ad hoc, liderado pelo Brasil para cooperao econmicaentre os pases da Zona de Paz e Cooperao do Atlntico Sul (ZOPACAS). Quer dizer, uma organizaocujo objetivo principal era a desmilitarizao do Atlntico Sul, tendo inclusive oposio dos Estados
Unidos para isso, acaba por criar um ambiente propcio para uma maior integrao econmica.20Unio sul-americana mexe com 'tabuleiro do poder', diz Lula. Estado. Disponvel em: ltimo acesso em: 10/10/09.
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Mercosul, essa no detm projeo suficiente para influenciar muito alm do Cone Sul ou da
esfera econmica.
Uma anlise da atuao poltica do rgo corrobora com o argumento. A maioria das
declaraes do organismo21 ou dizem respeito a questes econmicas, como a conformao
de reas de livre comrcio com outros pases e blocos ou, ento, dizem respeito ao
posicionamento conjunto dos pases em tratativas multilaterais de comrcio22. As questes
polticas se restringem apenas a algumas poucas declaraes em relao a assuntos internos
ou questes de Direitos Humanos. Dos poucos assuntos relevantes de poltica internacional
observados nas declaraes, h o apoio a posio argentina na contenda envolvendo as Ilhas
Malvinas e o apoio democracia no Paraguai em suas repetidas crises.
Nesse sentido, Vizentini reafirma a importncia poltica da criao de um mecanismode livre comrcio envolvendo todos os pases da regio para
garantir uma margem de autonomia no contexto do reordenamento mundial. Umaintegrao entre pases em desenvolvimento permitiria aos membros posicionar-semelhor na globalizao e ao Brasil, em particular, de constituir um dos plos de umsistema multipolar no sculo XXI. (VIZENTINI, 2006, pg. 222).
Partindo-se da perspectiva de que a Unasul tem na poltica internacional o seu
principal objeto, inclusive na expectativa de atingir os seus interesses finais, somando-se a
noo da formao de blocos de poder, podemos comparar a situao da Amrica do Sul
enquanto coletividade com outros plos mundiais. Com uma rea de cerca de 17 milhes de
quilmetros quadrados (ver anexo 2.0), supera a rea da Rssia, dos Estados Unidos e da
Unio Europia. Sua populao supera a norte-americana e aproxima-se da europia, sendo
que a diferena populacional entre os dois, de cerca de 100 milhes de pessoas 394 e 499
milhes de pessoas relevada em funo da alta taxa de crescimento sul-americano atual:
cerca de 1,22 para 0,11 da europia. Seu PIB supera o PIB russo, so cerca de quatro bilhes
para dois bilhes o que j , em si s, significativo. Em relao China, embora a maioria dosindicadores da potncia oriental sejam mais expressivos, o PIB per capita da Unasul mais do
que 30% superior o que demonstra melhores perspectivas de desenvolvimento social, se
houver desconcentrao de renda para tanto.
Quer dizer, a integrao sul-americana extremamente relevante no plano
internacional. Em um mundo polarizado pela conjuno econmico-territorial, o
21As declaraes esto disponveis em .ltimo acesso em: 14/11/09.22Mesmo em negociaes polticas conjuntas o Mercosul encontra dificuldades em estabelecer consensos, comoficou claro na rodada de Doha de 2008, na qual Brasil e Argentina divergiram sobre a questo agrcola(CAMPOS & VADELL, 2009).
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fortalecimento do bloco permite a insero internacional dos pases em termos menos
assimtricos. Essa independncia em relao aos tradicionais plos de poder mundiais
necessria tanto para o plano econmico como poltico, pois as estruturas tendem a se
reproduzir em favor dos Estados que possuem maior projeo, na busca da manuteno do
status quo(GUIMARES, 2006).
Ademais, ao priorizar a questo poltico-securitria, o conjunto de Estados desenvolve
capacidade de projeo de poder, tanto poltico e econmico, como militar com a
possibilidade de resposta coletiva as ameaas vigentes. O fato de a integrao envolver uma
esfera multidimensional aponta nessa mesma direo. Tradicionalmente, formao de
blocos econmicos se seguem comunidades de segurana, como o caso da Organizao para
a Segurana e Cooperao na Europa (OSCE); a Comunidade dos Estados Independentes(CEI) na eursia, a Organizao para Cooperao de Xangai (OCX) no Sudeste Asitico e a
Associao de Naes do Sudeste Asitico (ASEAN). Apesar das diferenas estruturais
desses rgos, todos os blocos envolvem questes econmicas, polticas e securitrias, ainda
que em alguns casos prevaleam interesses extra-regionais. A multipolaridade tende a ser
construda no regionalismo e a Unasul se insere nesse quadro.
Assim, o estabelecimento de uma coletividade independente elevaria o status
brasileiro na balana de poder internacional. No campo poltico, um grupo cooperativo deestados pode ser julgado pela maneira na qual os outros Estados respondam a ele. A escola
inglesa de Relaes Internacionais mantm entendimento nessa direo, ao considerar que
[...] the international system could be seen as a group of independent political
communities(Buzan e Wver, 2003, p. 33). Dessa forma, em uma lgica de plos de poder,
o desenvolvimento poltico conjunto pode elevar a Unasul ao patamar de Estados Unidos,
Unio Europia e China, dependendo, entretanto, do desenvolvimento da regio e da coeso
interna.Logo, a utilizao do organismo enquanto bloco de poder, mesmo com pouco mais de
um ano de personalidade jurdica pde ser percebida recentemente na crise de Honduras. A
condenao do golpe militar ocorre em vrias instncias pelos governos latino-americanos.
Destaque para as declaraes do presidente Luis Incio Lula da Silva, as quais incluem o
Mercosul, a Unasul e a OEA como contrrias aos acontecimentos. A presidnciapro tempore,
exercida pelo Equador, assumiu a posio oficial do grupo de pases ao declarar que a Unasul
exigia a "imediata e incondicional"23restituio do governo democraticamente eleito.
23Unasul exige "imediata e incondicional" restituio de Zelaya no poder. Folha de So Paulo. Disponvel em:.ltimo Acesso: 10/10/09.
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2.3 A Integrao Sul-Americana na Segunda Metade do Sculo XXA integrao sul-americana historicamente paira sobre um plano muito mais das
intenes do que de compromissos efetivamente cumpridos. O processo de integrao da
regio teve um caminho distinto ao da Europa Ocidental. Ainda que o Tratado de Montevidude 1960 copiasse o modelo europeu no momento da formao da Associao Latino-
americana de Livre Comrcio ALALC, determinadas idiossincrasias no permitiram que o
desenvolvimento ocorresse da mesma forma no bloco sul-americano.
A ALALC tinha por meta eliminar todas as barreiras ao comrcio dos membros at
1980, mas acaba por encontrar srias dificuldades em funo das polticas de substituio de
importaes e de industrializao. Em 1980, a estagnao das negociaes comerciais levou
substituio da ALALC pela Associao Latino Americana de Integrao (ALADI).Em 1969, os pases andinos celebraram o Pacto Andino24, que mais tarde viria a
formar a Comunidade Andina de Naes (CAN). O projeto contava com objetivos de
planejamento econmico e polticas comuns nas reas de investimento e industrial. A pequena
dimenso dos mercados dos pases, o baixo nvel de acumulao de capital e as rivalidades
entre seus membros fizeram com que seus resultados fossem modestos, principalmente aps a
sada do Chile (MALAMUD, 2003).
J o Cone Sul apresenta uma lgica diferente. A lgica da confrontao e o temorrecproco dos governos militares da regio dificulta a aproximao entre os pases, sendo que
a competio pela liderana da regio entre Brasil e Argentina vai marcar a dinmica das
relaes interestatais. A substituio da lgica da competio pela cooperao acontece a
partir da construo de medidas de confiana (VIZENTINI, 2003) iniciadas na dcada de
1970, ainda sob regimes militares.
Em 1979 estabelecido um marco na aproximao entre Brasil e Argentina com o
acordo Tripartite de Cooperao Tcnico-Operativo (Brasil, Argentina e Paraguai) que
permite o uso compartilhado das usinas de Itaipu e Corpus e a regularizao da
navegabilidade do rio Paran. Seguindo essa linha, nas dcadas de 80 e 90, Brasil e Argentina
adotam medidas na rea nuclear25. As bases para o futuro processo de cooperao no Cone
Sul estavam assentadas.
24Sua formao inicial contava com Chile, Bolvia, Peru, Equador, Venezuela (a partir de 1973) e Colmbia. Em1976, o Chile sai do bloco.
25Podemos destacar a Declarao de Foz do Iguau sobre Polticas de Salvaguardas Nucleares que deu origem aAgncia Brasileira de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC).
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Em 1985, Brasil e Argentina lanam um processo de integrao gradual26, com o
objetivo central de promover o desenvolvimento econmico. Essa aproximao tinha
desgnios polticos estratgicos. Ao remover a histrica desconfiana e mudar o padro de
competio para cooperao, no apenas se permitia uma atuao conjunta no cenrio
internacional, mas tambm se possibilitava a adoo de posies compatveis quanto
ampliao do entendimento poltico, econmico e militar, exemplificado na realizao
conjunta de exerccios militares. A esse processo se juntariam, em 1991, Paraguai e Uruguai,
formando o Mercosul.
O surgimento do Mercosul acarretou ganhos comerciais para os pases da regio.
Contudo, aps um comeo significativo, o bloco perdeu fora a partir das crises externas da
dcada de 1990, alm da crise cambial brasileira de 1999 e da crise Argentina de 2001. Oxito inicial no logrou concluir a formatao de uma Unio Aduaneira pressuposto para um
mercado comum - e, atualmente, muitos so os problemas encontrados pelo bloco27. A
expanso do Mercosul atravs de seus tratados bilaterais28preconiza a expanso que resultaria
na formao da Unasul. A proposta da dcada de 90 da ALCSA29 vai gradativamente se
concretizando atravs da associao de novos membros ao bloco e de tratados bilaterais
firmados pelo Mercosul.
Assim, a dinmica da origem do Mercosul remete a trs argumentos securitrios. Emprimeiro lugar, havia o dilema por parte dos pases da regio em relao possibilidade de
marginalizao econmica em um cenrio de globalizao e regionalizao. Em segundo
lugar, a defesa da democracia atravs da vinculao dos pases da regio, ainda vivendo as
sombras das ditaduras (VIZENTINI, 2006). Por fim, garantir a desecuritizao das relaes
entre Brasil e Argentina, historicamente marcadas
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