7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
1/199
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS
DEPARTAMENTO DE LETRASPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGSTICA
CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EMDIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA
ESTRANGEIRA
Cibele Ceclio de Faria Rozenfeld
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingstica da UniversidadeFederal de So Carlos, como parte dosrequisitos para obteno do Ttulo de Mestreem LingsticaLinha de Pesquisa: Ensino e Aprendizagemde LnguasOrientador: Prof. Dr. Nelson Viana
So Carlos2007
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
2/199
Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT daBiblioteca Comunitria da UFSCar
R893clRozenfeld, Cibele Ceclio de Faria.
Crenas sobre uma lngua e cultura-alvo (alem) emdimenso intercultural de ensino de lngua estrangeira /Cibele Ceclio de Faria Rozenfeld. -- So Carlos : UFSCar,2008.
197 f.
Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal de SoCarlos, 2007.
1. Lingstica aplicada. 2. Lngua alem estudo eensino. 3. crena. 4. Interculturalidade. I. Ttulo.
CDD: 418 (20a)
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
3/199
NC EX MIN DOR
Prof Df Nelson Viana
Prata Dra Selma Martins Meireles
Prata Dra Sandra Regina Buttros Gattolin de Paula
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
4/199
2
Aos meus pais, Arura (in memorian) e Teresinha, porterem sempre acreditado em mim e me ensinado que navida, nada se consegue sem esforos, mas tudo possvel.
Ao Henrique, meu grande companheiro, amigo, esposo etambm grande assessor para assuntos cibernticos,
pelo constante incentivo, apoio e carinho, no s duranteeste trabalho, mas em todos os nossos anos deconvivncia.
Aos meus filhos, por serem as pessoas maravilhosas queso, por me apoiarem, incentivarem, compreenderem asausncias, tornando assim possvel a realizao destetrabalho.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
5/199
3
AGRADECIMENTOS
minha me, pelo carinho incondicional e apoio emocional e logstico, sem os quais arealizao deste trabalho seria extremamente difcil;
Ao meu pai (in memoriam), cuja honestidade, dedicao e constante luta pela famlia, nos deubases slidas para enfrentarmos dificuldades;
Ao Henrique, companheiro de tantos anos, por estar sempre ao meu lado, me dando plenoapoio em minhas escolhas, tanto no campo prtico quanto afetivo;
Aos meus filhos, Tales e Tati, que sempre torceram por mim, me dando foras para ir emfrente;
Ao Jayme e Carminha, pelas muitas preces e vibraes positivas, que certamente me deram(e do) foras para viver;
M (Mrcia), grande amiga, nhadae conselheira, por estar sempre pronta para me ajudar,me ouvir, pelos cafs, estmulos e pelas preciosas dicas, que enriqueceram imensamente estetrabalho e tornaram minha caminhada mais segura;
Aos meus queridos irmos, Srgio (in memorian),Duda e Renato, que mesmo na distncia,sempre me incentivaram e torceram por mim;
Ao Prof. Nelson Viana, pela constante pacincia nas minhas incertezas, pelo apoio, incentivo,pela orientao, dedicao, pelos preciosos conhecimentos transmitidos durante meu percursoacadmico e por ter sempre confiado em meu trabalho.
A todos os meus amigos, amigas e familiares, que de alguma forma participaram deste meuprojeto e foram presentes me incentivando, dando foras e coragem, compartilhando comigo
os bons e maus momentos durante esse tempo de trabalho. Obrigada queles que tanto meapoiaram!
Carmen Zink, pela ajuda no impulso inicial;
Ao Antonio Zuin e Andr Stahlhauer pelo importante apoio na fase que antecedeu o meuingresso no programa;
Aos colegas e amigos de trabalho, Bi, Carlinha, Greice, Renata, Syl e Vado, por se mostraremsempre prestativos, compreenderem as ausncias, ajudarem nos momentos que precisei e portorcerem por mim;
minha amiga Ana, Profa. Ana Maria de Senzi Moraes Pinto, por sua imensa contribuio,
no medindo esforos para ajudar quando precisei, inclusive com emprstimos de textos de Ba Z!! Obrigada!
Nilda, pelo apoio, carinho, pela dedicao, responsabilidade e compreenso.
Ao Departamento de Letras e Pr-Reitoria de extenso da UFSCar, que possibilitaram arealizao do curso de extenso Alemo para Iniciantes;
Aos Alunos do curso Alemo para Iniciantes pela pacincia e valiosa participao napesquisa;
Gisele, pela seriedade na participao do grupo como alunaobservadora e pelasimportantes observaes;
Lucia Alt, pela prontido em me ajudar na visita biblioteca e pelas dicas que muitocontriburam para o enriquecimento desta pesquisa;
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
6/199
4
Aos colegas que contriburam com envio de material (Tatiana, Kleber, Profa Ana MariaBarcelos, Profa. Ana Maria Chiarini, Carmen Zink);
Sayuri, pela pacincia, disposio em ajudar e pelas importantes contribuies;
PPGL, por tudo, Nani e Miriam, pelo comprometimento com todas as atividades de suaresponsabilidade.
s professoras Sandra Regina Buttros Gattolin de Paula e Selma Martins Meireles, pelaspreciosas contribuies no exame de qualificao.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
7/199
5
RESUMO
Em um panorama histrico de ensino de lnguas estrangeiras (LE) podemos observar,
a partir dos anos 70, uma mudana paradigmtica, em que os aspectos emocionais e afetivos
dos aprendizes assumem posio relevante. Ocorre tanto um deslocamento do papel do
professor, que passa de centralizador, detentor e transmissor de saberes, a facilitador do
processo, quanto um deslocamento do papel do aluno, que passa a ser considerado como
inserido em um contexto mais amplo de ensino e que ganha a possibilidade de participao
ativa no processo de aprendizagem.
Nesse contexto, o sistema de crenas ento percebido como fenmeno inerente aos
fatores afetivos dos professores e/ou dos aprendizes e que vai exercer influncia no processo
de ensino e aprendizagem sendo, portanto, de carter relevante.
Nesta pesquisa, de natureza qualitativa e base etnogrfica, buscamos investigar e
caracterizar as crenas de aprendizes de alemo quanto lngua e cultura-alvo, avaliar suas
possveis origens e verificar como elas podem ser compreendidas pelo professor no processo
de ensino/aprendizagem de LE.
Para alcanar tais objetivos, buscamos respaldo terico nos estudos das crenas
(Barcelos, 2004; Vieira-Abraho e Barcelos, 2006; Almeida Filho, 1999; Horwitz, 1999 e
outros), nos pressupostos da interculturalidade no ensino de lnguas estrangeiras e da
compreenso do que estranho (fremd) (Wierlacher, 1998, Weinrich, 1998, Kramsch, 1993
e outros), focalizando principalmente o conceito de competncia intercultural (Volkmann,
2002, Weier, 2002, Byram, 2000 e outros), entendendo-o como caminho capaz de fornecer
subsdios tericos para a compreenso de nossas questes.
Pretendemos contribuir com esta pesquisa para um melhor entendimento desse
construto (crenas), o qual vem sendo intensamente pesquisado no campo de estudo do
ensino de lnguas. Alm disso, buscaremos fornecer a professores de alemo como LE,subsdios para reflexo acerca da prtica com foco nos aprendizes e no ensino intercultural de
LE.
PALAVRAS-CHAVES: ensino de alemo; crenas; competncia intercultural
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
8/199
6
ABSTRACT
In a historical overview of foreign language (FL) teaching, a pragmatic change can beobserved starting in the 1970s, in which the emotional and affective aspects of the learners
take on a relevant position. This change involves a shift not only in the teachers role, which
passes from that of centralizer, retainer and transmitter of knowledge to facilitator of the
process, but also in that of the student, who is now seen to be inserted into a broader learning
context and who has now gained the possibility of participating actively in the learning
process.
In this context, the belief system is perceived as a phenomenon inherent to theaffective processes of teachers and/or students, which influences the teaching and learning
process and is therefore a relevant factor.
In this research of a qualitative nature and ethnographic basis, we sought to investigate
and characterize the beliefs of German language students concerning the language and target
culture, evaluating their possible origins and how they could be understood by the teacher in
the FL teaching/learning process.
To achieve these objectives, we sought theoretical backing in belief studies (Barcelos,
2004; Vieira-Abraho & Barcelos, 2006; Almeida Filho, 1999; Horwitz, 1999 and others) and
in assumptions of the interculturality of foreign language teaching and of the understanding of
what is foreign (fremd) (Wierlacher, 1998; Weinrich, 1998; Kramsch, 1993; and others).
We focused primarily on the concept of intercultural competence (Volkmann, 2002; Weier,
2002; Byram, 2000; and others), seeing it as a way to provide theoretical underpinnings to
understand these issues.
With this research, we hope to contribute to a better understanding of this construct
(beliefs), which has been intensively investigated in the field of language teaching studies. In
addition, we aim to provide teachers of German as a FL with critical reflections focusing on
learners and on FL teaching as an intercultural practice.
Keywords: German language teaching; beliefs; intercultural competence
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
9/199
7
SUMRIO
LISTA DE TABELAS....................................................................................................................................9
LISTA DE FIGURAS .......................................................... ............................................................... .........11CAPTULO 1 INTRODUO ....................................................... ......................................................... 14
1.1. OHISTRICO DA PESQUISA .................................................................................................................16
1.2.JUSTIFICATIVA.....................................................................................................................................19
1.3.OBJETIVOS E QUESTES DE PESQUISA .................................................................................................23
1.4.ORGANIZAO DA DISSERTAO........................................................................................................23
CAPTULO 2 - PRESSUPOSTOS TERICOS................................................. ......................................26
2.1.INVESTIGAO DAS CRENAS..............................................................................................................27
2.1.1. Pesquisas sobre crenas: floresta terminolgica e definio utilizada neste estudo..................272.1.2. Implicaes das crenas para o processo de ensino e aprendizagem de LE.......... ....................36
2.1.3. Breve histrico e abordagens das pesquisas em crenas no ensino e aprendizagem de LE.......40
2.1.4. Crenas como produto scio-histrico-cultural ................................................................. ........47
2.1.5. Crenas sobre a lngua e o povo alemo....................................................................................51
2.2.LNGUA,CULTURA E DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LE..................................................61
2.2.1. Conceito de lngua......................................................................................................................62
2.2.2. Conceito de cultura.....................................................................................................................65
2.2.3. Dimenso intercultural de ensino de LE.....................................................................................68
2.2.4. O prprio e o estranho em LE: uma relao dicotmica ...........................................................73
2.2.5. A competncia intercultural........................................................................................................78
CAPTULO 3 METODOLOGIA ................................................... ......................................................... 86
3.1.NATUREZA DA PESQUISA.....................................................................................................................86
3.2.COLETA DE DADOS ..............................................................................................................................87
3.2.1. Descrio do contexto da pesquisa.............................................................................................87
3.2.2. Primeira Fase: instrumentos, procedimentos e participantes ....................................................93
3.2.3. Segunda Fase: instrumentos, procedimentos e participantes.....................................................96
CAPTULO 4 - ANLISE DOS DADOS........... ........................................................... ............................99
4.1.CATEGORIZAO DAS CRENAS NO PRESENTE ESTUDO .....................................................................100
4.2.APRIMEIRA FASE...............................................................................................................................105
4.2.1. Anlise para agrupamento: seleo dos participantes do curso ..............................................106
4.2.2. Anlise especfica: os candidatos ao curso ..................................................................... .........108
4.2.2.1. Crenas quanto aos pases falantes da lngua alem.....................................................118
4.2.2.2. Crenas especficas quanto lngua alem................................................... ................121
4.2.2.3. Crenas quanto ao povo alemo e sua cultura ........................................................ ......127
4.3.ASEGUNDA FASE...............................................................................................................................135 4.3.1. Caracterizao dos participantes do curso de extenso...........................................................136
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
10/199
8
4.3.2. Crenas dos participantes do curso de extenso na primeira fase...........................................139
4.3.3. Crenas dos participantes do curso de extenso na segunda fase............................................145
4.3.3.1 Crenas sobre a lngua alem.........................................................................................146
4.3.3.2. Crenas quanto ao povo alemo....................................................................................160
CAPTULO 5 - CONSIDERAES FINAIS ..................................................... ....................................170
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................... ...........................................180
APNDICES...............................................................................................................................................187
ANEXOS ........................................................ ........................................................... ..................................195
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
11/199
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Quadro de outros termos e definies .................................................................29Tabela 2: Quadro comparativo: atitudes e crenas.............................................................32
Tabela 3: Tipos de Motivao .............................................................................................111
Tabela 4: Tipos de Motivao dos participantes da 1 fase ..............................................112
Tabela 5: Tipo de Motivao por estudante.......................................................................112
Tabela 6: Formas de contato prvio 1 fase......................................................................114
Tabela 7: Formas de relao atual com a lngua e povos falantes 1 fase .....................115
Tabela 8: Interesse em conhecer a cultura dos povos 1 fase ........................................117
Tabela 9: Referncia aos pases 1 fase .............................................................................119
Tabela 10: Crenas quanto aos pases 1 fase .................................................................120
Tabela 11: Fonte/crenas sobre a lngua 1 fase .............................................................122
Tabela 12: Crenas tipicalizadas quanto lngua alem 1 fase...................................123
Tabela 13: Crenas comparativas quanto lngua alem 1 fase .................................124
Tabela 14: Crenas relativizadas quanto lngua alem 1 fase...................................125
Tabela 15: Categorias de crenas quanto lngua por estudante 1 fase......................127
Tabela 16: Referncia aos povos 1 fase ..........................................................................127
Tabela 17: Fonte de referncia aos povos 1 fase............................................................128
Tabela 18: Crenas Tipicalizadas quanto ao povo e a cultura 1 fase..........................129
Tabela 19: Crenas Comparativas quanto ao povo 1 fase.............................................130
Tabela 20: Crenas Relativizadas quanto ao povo 1 fase ..............................................131
Tabela 21: Categorias de crenas quanto aos povos por estudante 1 fase...................134
Tabela 22: Dados da Tabela 15 (crenas quanto lngua por estudante -1 fase) .........134
Tabela 23: Tipos de motivao 2 fase .............................................................................137
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
12/199
10
Tabela 24: Contato prvio, relao atual com os povos e interesse 2 fase ..................138
Tabela 25: Crenas quanto aos pases: dados dos alunos na 1 fase................................140
Tabela 26: Crenas quanto lngua: dados da 1 fase dos alunos selecionados.............141
Tabela 27: Categorias de crenas quanto lngua /participante na 1 fase...................142
Tabela 28: Crenas sobre o povo e a cultura: dados da 1 fase dos alunos selecionados
................................................................................................................................................143
Tabela 29: Categorias de crenas quanto ao povo/estudante: alunos na 1 fase ............144
Tabela 30: Crenas quanto lngua/crenas quanto ao povo: alunos na 1 fase............ 144
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
13/199
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Representao da regio de mediao da CI ......................................................80Figura 2: Representao dos diferentes elementos envolvidos na CI................................81
Figura 3: Representao do nvel de estudo e rea 1 fase ............................................108
Figura 4: Representao grfica do conhecimento de LE 1 fase .................................109
Figura 5: Representao do nvel de estudo e rea 2 fase ............................................136
Figura 6 : Representao grfica do conhecimento de LE 2 fase ................................137
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
14/199
12
Convenes utilizadas na transcrio de dados gravados em udio e nos excertos dosquestionrios
. pausa curta (equivale a pausa de respirao, geralmente marcada por vrgula na linguagem
escrita)
.. pausa mdia
... pausa longa
? interrogao
- interrupo da fala
((inint)) ininteligvel
(( )) relatos de ocorrncias no verbais
P.: pesquisador/entrevistador
(...) supresso de textos com informaes redundantes ou desnecessrias
LETRA: letra correspondente inicial do nome do aluno do curso de extenso: excerto de
discusso.
Nr. X: nmero correspondente ao questionrio aplicado na fase inicial: excerto de
questionrio
Numeral-ordinal-aula(data): excerto de anotaes da aluna-observadora [por exemplo:
Dcima-segunda-aula(07/05)]
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
15/199
13
LISTA DE ABREVIAES:
LE: Lngua Estrangeira
LM: Lngua Materna
LA: Lingstica Aplicada
PG: Ps-Graduao
EI: Ensino Intercultural
L2: Segunda Lngua
CI: Competncia Intercultural
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
16/199
14
CAPTULO 1 INTRODUO
Em um panorama histrico de ensino de lnguas estrangeiras (LE) podemos observar,a partir dos anos 70, uma transformao significativa nas bases tericas que fundamentavam o
processo de ensino e aprendizagem de lngua estrangeira (LE). Estudiosos passam a discorrer
sobre sua grande abrangncia, apontando para a relevncia do contexto scio-cultural, dos
aspectos emocionais e afetivos de aprendizes e de professores, bem como para um
deslocamento do papel do professor, o qual passa de centralizador, detentor e transmissor de
saberes a, entre outras metforas, facilitador do processo. Ao mesmo tempo, aponta-se para a
necessidade de deslocamento tambm do papel do aluno, o qual passa ento a ser considerado
como indivduo inserido em um contexto amplo de ensino e a ter maior possibilidade de
participao ativa no processo de aprendizagem.
Esse fenmeno leva estudiosos da rea de Lingstica Aplicada (LA) elaborao de
novas reflexes sobre o ensino de LE. Como resultado, temos o advento da abordagem
comunicativa, que coloca em evidncia inmeros aspectos relevantes do processo de ensino e
aprendizagem.
Nessa perspectiva, o sistema de crenas reconhecido como fenmeno inerente aos
fatores afetivos, dos professores e dos alunos, exercendo influncia no processo de ensino e
aprendizagem, e considerado, portanto, de carter relevante.
Verificamos a existncia de inmeras investigaes, em diferentes reas de
conhecimento, como na Antropologia, Filosofia, Psicologia, Pedagogia ou Sociologia, com
foco nas crenas. Na rea de ensino e aprendizagem de lnguas, o interesse por esse conceito
tambm vem crescendo consideravelmente desde a dcada de 1980, levando a realizao de
pesquisas, cujos objetivos convergem para a melhor compreenso do construto terico. A
razo de tamanho interesse encontra-se no reconhecimento do sistema de crenas como
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
17/199
15
aspecto inerente ao universo pessoal de alunos e professores e que poder exercer influncia
no processo de ensino e aprendizagem.
Sendo assim, pretendemos nesta pesquisa estudar o construto crenas, buscando
investigar e caracterizar crenas de aprendizes de alemo em relao lngua e cultura-alvo,
avaliar suas possveis origens e verificar como elas podem ser compreendidas pelo professor
no processo de ensino-aprendizagem de LE (alemo), a fim de buscar fornecer mais uma
contribuio para o entendimento da complexa rede do processo. Alm disso, buscaremos
fornecer a professores da rea especfica do ensino de alemo, novos subsdios para uma
prtica reflexiva, tendo em vista as crenas sobre a lngua e a cultura-alem entre os alunos e
suas possveis origens e implicaes.
Analisaremos tambm os pressupostos tericos do ensino de LE em uma perspectiva
intercultural, considerando-os importantes subsdios para a compreenso das crenas em
questo. Para tanto, abordaremos, inicialmente, alguns conceitos de lngua e cultura, para, em
seguida, analisarmos o processo de ensino de LE em uma dimenso intercultural. Buscaremos
entender o sistema das crenas quanto lngua e cultura-alvo pelo vis do ensino de LE com
base intercultural, que configura uma vertente terica contempornea que percebe a
aprendizagem de lnguas como o encontro com o estranho, situado em relao dicotmica
ao prprio. Abordaremos nessa perspectiva, os preceitos tericos de autores que se
preocuparam com a integrao de aspectos culturais no ensino de lnguas, como Kramsch(1993), e com o papel da diversidade e da alteridade no ensino de lnguas estrangeiras, como
por exemplo, Alois Wierlacher (1998, 1990) e Weinrich (1998).
Nosso recorte focalizar tambm o conceito de Competncia Intercultural (Volkmann,
2002, Weier, 2002, Byram, 2000) por acreditarmos que ele capaz de fornecer subsdios
tericos para a compreenso das crenas de alunos quanto lngua e cultura-alvo. Aps a
anlise dos dados, buscaremos estabelecer a relao entre as crenas sobre a lngua e cultura-
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
18/199
16
alvo e o processo de aquisio de competncia intercultural em uma dimenso intercultural de
ensino.
1.1. O Histrico da Pesquisa
O presente trabalho surgiu a partir da percepo, na prtica de ensino de alemo como
LE, de que existem freqentemente entre os aprendizes algumas crenas j arraigadas acerca
da lngua e da cultura-alvo como, por exemplo, a de que o alemo seja uma lngua difcil,
rspida ou agressiva. Algumas afirmaes recorrentes sobre a lngua e os alemes so, por
exemplo, que as pessoas parecem estar brigando ao conversarem em alemo ou que alemo
uma lngua agressiva, ou ainda que o povo alemo um povo frio, agressivo. Tal fenmeno
verificado, com freqncia, especialmente entre alunos iniciantes de alemo.
Sendo assim, considerei intrigante o fato de que, muitas vezes, esto presentes em sala
de aula alunos que se propuseram a estudar uma lngua estrangeira, mesmo a considerando
difcil, rspida, agressivae mesmo, eventualmente, imbudos de imagens estereotipadas e/ou
depreciativas sobre o povo da cultura-alvo.
Por ocasio de um evento promovido para professores de alemo, realizado pelo
Instituto Goethe, ouvi de um colega uma observao que reforou meus questionamentos: ao
falarmos sobre tais imagens de alunos sobre a lngua alem, ele afirmou: s vezes tenho a
impresso de que meus alunos no gostam da lngua que esto aprendendo (sic).
Acreditamos que uma das razes para a constituio dessa imagem do referido professor,
sobre a atitude de seus alunos frente lngua alem, pode ser atribuda a discursos proferidos
por seus alunos sobre a lngua e o povo alemo de forma recorrente.
Trabalhando com alunos e tambm com professores de lngua alem na coordenao
de cursos, pude observar alguns fatos que foram propulsores do meu interesse na pesquisa.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
19/199
17
Tais fatos configuraram o nosso problema de pesquisa, e sero descritos de forma sucinta nos
tpicos a seguir:
a) existem pessoas, as quais, na busca pela aprendizagem de uma segunda lngua estrangeira,
reconhecem a importncia do alemo no quadro poltico-econmico atual. Todavia, elas se
sentem desmotivadas a aprend-lo, movidas pela crena de que o alemo uma lngua muito
difcil, incompreensvel, impossvel, optando freqentemente pela aprendizagem de outra
lngua estrangeira mais fcil e renunciando, assim, ao incio da aprendizagem do idioma
alemo;
b) existem outras pessoas, que, apesar de suas crenas (chamaremos inicialmente de
estigmatizadas)1 de que, por exemplo, o idioma alemo difcil e o povo alemo, frio,
agressivo, optam ainda assim pela aprendizagem da lngua, vislumbrando um diferencial no
mercado de trabalho;
c) tais pessoas, ao iniciarem a aprendizagem de alemo como LE, adentram a sala de aula
imbudos de tais imagens estereotipadas sobre a lngua e o povo, antes mesmo de terem tido
qualquer contato mais direto com o idioma e a cultura. Sendo assim, inferimos que tais
imagens so constitudas no contexto scio-cultural em que esses alunos se encontram;
d) ao expressarem suas crenas sobre a lngua, existe freqentemente entre alunos de alemo a
associao da lngua com o povo (no raro com teor negativo, por exemplo: os alemes
parecem estar sempre brigando, so agressivos);e) com relao recorrente caracterizao da lngua alem como sendo difcil, no
encontramos estudos que demonstrem a legitimidade desta afirmao, levando-nos a crer que
tal imagem possa representar um esteretipo. Alm disso, como professora de uma LE
(alemo) e ex-aluna de outras (ingls e francs), acredito que cada lngua possui suas
peculiaridades e dificuldades especficas. Todavia, algumas so fortemente estigmatizadas
1As crenas aqui referidas, cuja configurao inclui caractersticas estigmatizadas, sero retomadas, descritas ediscutidas minuciosamente no item 4.1.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
20/199
18
como fceis ou difceis. Acreditando que tais imagens possam exercer influncia no
processo de aprendizagem, interessei-me por buscar e desenvolver estudos que apontassem
para essas possveis implicaes;
f) Alguns professores de alemo como LE, no possuem conhecimento das crenas de seus
alunos e das implicaes dessas para o processo de aprendizagem. Por carecerem de tal
conhecimento, adotam, por vezes, procedimentos em sala de aula que podem atuar como
reforo para eventuais imagens estereotipadas, fato que acreditamos poder levar reduo da
motivao para a aprendizagem.
Tais razes foram as propulsoras para o desenvolvimento desta pesquisa, como uma
tentativa de poder esclarecer minhas questes e contribuir com mais uma pea para o
grande quebra-cabea do processo de ensino e aprendizagem de lnguas e, tambm, mais
especificamente, para o ensino de alemo como LE.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
21/199
19
1.2. Justificativa
Toda viagem deve ser feita por livre escolha, paraque seja prazerosa. O primeiro sentimento queaparece dentro do carro ou do trem, quando este
finalmente parte, define os que se seguem. Se umaviagem obrigatria, ou meramente profissional, ou
seja, no se est absolutamente feliz por ela, entoela no . Se ela acontece por mero tdio, porquealgum simplesmente no sabe o que mais fazer,ento o primeiro tambm segue viagem. Ele abagagem, o destino que ser levado junto com oviajante e deslizado dentro da caixa de ao sobre os
trilhos. (Bloch, 1998).
2
Bloch aponta em seu texto, intitulado A ptria estranha (Die fremde Heimat)3, para a
importncia de se carregar bons sentimentos em uma viagem rumo a outra cultura.
Acreditamos que esta metfora ilustra a relevncia do desvelamento (no sentido de sua
conscientizao) das crenas de alunos para o ensino e aprendizagem de LE, tomando-se o
contato com uma LE como um encontro com o estranho. Se no h curiosidade, interesse pelo
desconhecido, se no h prazer, se em seu lugar h apenas obrigao, necessidade e desprazer,
tais sentimentos acompanharo o aprendiz em sua viagem rumo aquisio da LE e ao
conhecimento da nova cultura.
Como j mencionado, o ensino de lnguas estrangeiras pautado apenas no aprendizado
de estruturas lingsticas deu espao, j h algumas dcadas, a outro paradigma pedaggico, o
qual toma a linguagem em sentido mais amplo e o processo de aprendizagem, como uma
complexa rede, na qual inmeros aspectos esto envolvidos: os aspectos scio-culturais da
lngua e cultura-alvo, da lngua e cultura-materna, o confronto de culturas, o universo scio-
2Jede Reise muss freiwillig sein, um zu vergngen...Das erste Gefhl im Wagen oder Zug, wenn er endlichabfhrt, entscheidet ber das Kommende. Ist Reisen erzwungen oder Beruf, also nicht abbrechend-glcklich, so
ist es keines. Geschieht es aus der Langeweile, weil einem sonst nichts mehr einfllt, so fhrt diese mit. Sie istdas Gepck und Geschick, das mit einem selber in der sthlernen Kiste ber die Schienen geschleift wird.3 No decorrer deste trabalho, as citaes referidas em lngua estrangeira, aparecero no corpo do texto emportugus, em traduo de nossa autoria. As citaes originais aparecero em nota de rodap.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
22/199
20
cultural, afetivo e individual do aluno e do professor, bem como aspectos institucionais, todos
de carter pertinente e inseridos em um abrangente processo de ensino e aprendizagem.
Nessa perspectiva, cada aluno leva para a sala de aula o universo pessoal, incluindo
viso de mundo, valores, marcas culturais, conjunto de crenas quanto ao processo de
aprendizagem e ensino de uma LE e, sendo assim, tambm suas crenas quanto prpria
lngua e cultura alvo.
As crenas sobre o ensino e a aprendizagem de lnguas, no sentido de concepes
populares sobre a melhor forma de se ensinar e aprender lnguas estrangeiras, assunto que
desperta crescente interesse de pesquisadores da rea, como verificamos nos trabalhos de
Felix (1998), Silva (2005), Barcelos (2004), Barcelos e Vieira-Abraho (2006), Borges (2007)
e outros. Felix (1998), por exemplo, ressalta a existncia de grande preocupao por
parte de pesquisadores em observar e classificar as crenas de professores e alunos para uma
maior compreenso do processo de ensino e aprendizagem.
As investigaes no campo das crenas de professores e alunos de lngua inglesa so
inmeras. Analisando-se as contribuies, porm, percebe-se que as crenas quanto prpria
lngua e cultura-alvo, permanecem pouco investigadas.
Devido complexidade do tema crenas e tendo em vista a fora dos fatores
contextuais, Barcelos e Vieira-Abraho (2006, p. 33-35) destacam alguns aspectos que ainda
precisam ser investigados. As autoras afirmam que:[...] estudos poderiam investigar as crenas de alunos e professores em relao cultura da lngua-alvo, tendo em vista afirmaes de alunos e professores no contextobrasileiro...Isso implica investigar as crenas dentro de um contexto scio-histricomais amplo.
Barcelos (2004, p.125), apresentando posio semelhante defendida por Breen
(1985), que imprescindvel a compreenso do fato de que nenhuma instituio ou
relacionamento humano pode ser adequadamente entendido, a menos que consideremos as
suas expectativas, valores e crenas.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
23/199
21
Barcelos e Vieira-Abraho (2006, p.33) sugerem ainda que sejam realizadas
investigaes na rea do ensino e aprendizagem de outras lnguas estrangeiras, alm da lngua
inglesa, e sobre as crenas mais comuns encontradas nos diversos contextos brasileiros. As
autoras ressaltam a necessidade de se compreender melhor a relao entre contexto, crenas e
aes, alm da necessidade de se investigar como acontece a transformao das crenas.
A partir do desvelamento das crenas e interesses de alunos sobre a lngua e cultura-
alvo, o professor poder conhecer um pouco mais do filtro afetivo4dos alunos e organizar
procedimentos adequados, o que implicar tambm um desenvolvimento de sua competncia
aplicada (Almeida Filho, 1993)5. A compreenso do sistema de crenas dos alunos sobre a
lngua e a cultura poder possibilitar ao professor, intervir positivamente no processo de
aprendizagem e buscar formas de despertar o interesse dos alunos no estabelecimento de
contato com a lngua e a cultura-alvo e na aprendizagem da lngua.
Mendes afirma que:
[...] conhecer os aspectos que subjazem o interesse pela lngua-alvo, no s nosfornecer dados para traarmos o perfil dos candidatos a aprendizes, mas tambmnos prover de elementos para a elaborao de novas estratgias e procedimentos
para a atuao do professor em sala de aula e para a construo de materiais dentrode uma abordagem comunicativa culturalmente sensvel. (Mendes, 2000)
Outro aspecto que aponta para a relevncia desta pesquisa, que em contexto de
ensino de LE, o professor ocupa hoje papel de mediador cultural e representante de uma
cultura que, dentro de seu contexto scio-cultural, pode estar permeada por visesestereotipadas da lngua e cultura-alvo. O professor o ponto de encontro de culturas e
fundamental a conscientizao deste seu papel social (desenvolvendo assim, tambm, a sua
4Tomamos aqui o conceito de Krashen (1983), segundo o qual, o filtro afetivo composto pelos fatores
emocionais do aluno como ansiedade, medo, interesse, motivao, etc.5A competncia aplicada refere-se, segundo Almeida Filho (1993, p. 21), quela que capacita o professor aensinar de acordo com o que sabe conscientemente (sub-competncia terica) permitindo a ele explicar complausibilidade porque ensina da maneira como ensina e porque obtm os resultados que obtm.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
24/199
22
competncia profissional6), para que ele possa proporcionar aos alunos os meios para que
possam avaliar generalizaes, refletir sobre conceitos estereotipados, preconceitos e tambm
ampliar o seu auto-conhecimento. Sendo assim, o professor poder trabalhar no sentido de
buscar conscientizar e desmistificar algumas crenas de seus alunos, levando-os (re)
construo de novas percepes daprpriae da outracultura.
Bolognini (1993) desenvolveu uma pesquisa bastante pertinente para o escopo deste
trabalho. Nela a autora aborda os esteretipos existentes entre alunos de alemo, sobre o povo
da cultura-alvo. Em seu estudo ela pde observar:
... que os alunos no vm totalmente vazios em relao cultura alem para a salade aula. O que ocorre o contrrio. Eles j tm formado um quadro de esteretipos,
j tem suas crenas sobre o pas e o povo e tais esteretipos podem interferir nainterao(op.cit).
O fato verificado pela autora foi tambm observado por ns e configurou-se como a
grande mola propulsora desta pesquisa. A pergunta que nos instigou a desenvolver este estudo
foi: que esteretipos e crenas sobre a lngua e cultura-alvo encontram-se entre alunos
brasileiros de alemo?
A autora advogou ainda a idia de que uma das funes do ensino de alemo
oferecer a oportunidade para que seus alunos reavaliem seu quadro de esteretipos sobre a
Alemanha (op.cit.). Compartilhamos essa viso e reiteramos ainda o papel central do
professor nesse processo de reavaliao.
Sendo assim, diante da indicao, em inmeros estudos, da possvel interferncia das
crenas e dos esteretipos na interao e na aprendizagem, consideramos evidente a
relevncia de um estudo minucioso do quadro das crenas. Por essa razo, pretendemos
6
A competncia profissionalrefere-se quela capaz de conscientizar os professores de seus deveres, potencial eimportncia social na rea de ensino de lnguas. (Almeida Filho, 1993, p. 21)
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
25/199
23
dedicar nosso estudo questo, especificamente, das crenas quanto lngua e cultura
alem.
1.3. Objetivos e Questes de pesquisa
Tomando como pressuposto que o universo do aluno levado para a sala de aula, que
ele influencia o processo de ensino e de aprendizagem e , portanto, pertinente para o
professor, e tomando o sistema de crenas como parte desse universo, traamos como objetivo
geral de nossa pesquisa, fazer uma investigao das crenas de alunos brasileiros de alemo,
em curso iniciante, quanto lngua e cultura alem. Analisaremos as principais caractersticas
das mesmas, buscando verificar, a partir delas, a existncia de possibilidade de categorizao.
Alm disso, investigaremos suas possveis origens e como elas podem ser compreendidas pelo
professor no processo de ensino-aprendizagem de LE e, especificamente, de lngua alem.
Para atingirmos esses objetivos, formulamos as seguintes questes de pesquisa:
1) Que crenas quanto lngua e cultura alem so levadas para a sala de aula por alunos,
brasileiros, de cursos de alemo para iniciantes, quais as suas caractersticas e possveis
origens?
2) Quais as suas implicaes para o processo de aprendizagem de LE?
3) Ocorrem variaes nas crenas quanto lngua e cultura-alvo no decorrer de um curso
de alemo para iniciantes ou elas se mantm?
A forma de organizao da dissertao ser apresentada no item a seguir.
1.4. Organizao da Dissertao
Esta dissertao est organizada em cinco captulos.
No captulo 1, sobre o qual discorremos at o momento, apresentamos a
contextualizao, as justificativas, os objetivos e as questes de pesquisa.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
26/199
24
Para responder s ltimas, procuraremos entender o sistema das crenas quanto
lngua e cultura-alvo pelo vis dos estudos do ensino de LE com base intercultural. Para tanto,
apresentamos no captulo 2, o arcabouo que fornecer o respaldo terico pesquisa, dividido
em duas grandes sees.
Na primeira, nos ocupamos dos estudos das crenas. Apresentamos algumas
investigaes realizadas na rea da Lingstica Aplicada (LA), bem como em outras reas do
conhecimento, e verificamos suas implicaes para o processo de ensino e aprendizagem de
LE.
Na segunda seo focalizamos os pressupostos do ensino de LE em uma dimenso
intercultural. Examinaremos como o ensino de lnguas, tomado como encontro de culturas,
vem sendo tratado em uma abordagem intercultural, focalizando estudos que se ocuparam de
questes acerca da interpretao do outro, em relao dicotmica ao prprio. Por fim,
abordaremos a competncia intercultural, entendida como a capacidade, que poder favorecer
a compreenso e o manejo das crenas quanto lngua e cultura-alvo.
No captulo 3 abordaremos a metodologia que se apresentou como a mais condizente
para a realizao desta pesquisa, abordando sua natureza, o contexto de investigao, os
participantes, os instrumentos de coleta de dados e os procedimentos, nas diferentes fases.
No captulo 4 apresentamos a anlise de dados da investigao. Iniciamos o captulo
discorrendo sobre a categorizao das crenas proposta neste estudo e, em seguida,descrevemos o corpus organizado em duas fases: a primeira fase, que configurou o perodo de
inscrio no curso de extenso, e a segunda fase, que foi marcada pelo perodo de realizao
do curso.
Finalizando, apresentamos no captulo 5 as consideraes finais deste estudo, nas
quais sero descritas as concluses e discutidas algumas das implicaes das crenas sobre a
lngua e cultura alem no processo de ensino e aprendizagem. Ainda nesse captulo,
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
27/199
25
apresentaremos algumas sugestes para futuras pesquisas na rea de ensino e aprendizagem
de alemo.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
28/199
26
CAPTULO 2 - PRESSUPOSTOS TERICOS
Os pressupostos tericos desta pesquisa baseiam-se em estudos da rea deensino/aprendizagem de LE, que buscam o entendimento das crenas de alunos e/ou
professores, assim como da relevncia de questes relacionadas percepo de uma lngua e
cultura-alvo, enquanto estranhas (fremd), no processo de aprendizagem. Sendo assim,
organizaremos o arcabouo terico em duas sees.
Na primeira abordaremos as crenas, analisando inicialmente as diferentes definies e
terminologias, utilizadas at o presente momento para caracterizar esse fenmeno.
Verificaremos como ele vem sendo estudado nas diferentes reas de conhecimento e na LA e
justificaremos, em seguida, a escolha desse referencial terico, analisando tambm as
implicaes das crenas especficas no processo de aprendizagem de LE. Passaremos, ento,
para a apresentao de um breve histrico das pesquisas em crenas, discutindo tambm as
distintas abordagens em que se inserem as pesquisas.
Tomando o fenmeno das crenascomo oriundo de relaes scio-culturais, em uma
perspectiva de abordagem contextual7, apresentaremos estudos de vertentes tericas distintas
que justificam esse pressuposto. Finalizaremos este bloco apresentando algumas pesquisas
que abordam as crenas especficas sobre a lngua e a cultura alem a partir de termos como,
por exemplo, imagens ou esteretipos.
Na segunda seo discutiremos, inicialmente, algumas das diferentes concepes de
lngua e cultura, a fim de compreender melhor os conceitos, aos quais nos referimos. Em
seguida, discutiremos os preceitos tericos de autores que se preocuparam com a integrao
de aspectos culturais no ensino de lnguas, como Kramsch (1993) e com o papel da
diversidade e da alteridade no ensino de lnguas estrangeiras, como Alois Wierlacher (1998,
7A abordagem contextualser discutida no item 2.1.3 deste estudo.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
29/199
27
1990) e Weinrich (1998). Nosso recorte enfatizar ainda o conceito de competncia
intercultural (Volkmann, 2002, Weier, 2002, Byram, 2000), por acreditarmos que ele capaz
de fornecer subsdios para o entendimento das crenas de alunos quanto lngua-alvo e sua(s)
e cultura (s).
2.1. Investigao das crenas
Analisaremos a seguir, como o conceito crenas vem sendo investigado, no apenas na
rea de ensino e aprendizagem de lnguas, mas tambm em outras reas do conhecimento.
2.1.1. Pesquisas sobre crenas: floresta terminolgica e definio
utilizada neste estudo
Encontramos em diferentes autores, de reas distintas, bem como na de ensino e
aprendizagem de lnguas, notvel diversidade terminolgica para a descrio de fenmenos
passveis de aproximao ao sentido das crenas quanto a aspectos do processo de
aprendizagem de lnguas. Ao nos depararmos com tal abundncia de termos e conceitos,
tambm chamada por Silva e Rocha (2007), citando Woods (1993), defloresta terminolgica,
fomos buscar na literatura aquele que mais se aproxima s questes a serem investigadas
nesta pesquisa. Sendo assim, iniciaremos este item, delineando o percurso da escolha do
referencial terico e o finalizaremos apresentando uma definio que consideramos plausvel
no mbito deste estudo.
Barcelos (2004) e Silva e Rocha (2007) afirmam que Hosenfeld (1978) foi o primeiro
pesquisador da rea de ensino de LE, a se interessar pelas crenas de aprendizes, se referindo
a elas como Mini-teorias de aprendizagem de lnguas, e definindo-as como o conhecimento
tcito dos alunos.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
30/199
28
Alm de Hosenfeld, encontramos em Borges (2007, p.7) uma sntese de alguns dos
autores que descreveram, a partir da dcada de 80, o fenmeno das crenas quanto
aprendizagem, utilizando, todavia, outros termos, a saber:
Filosofia de aprendizagem(Abraham e Vann, 1987): refere-se s crenas em relao
maneira como a lngua funciona e adquirida;
Crenas culturais(Gardner, 1988). Dizem respeito s expectativas de docentes, pais e
alunos no que tange a tarefa de aprendizagem de uma segunda lngua,
Teorias folclrico-lingsticas de aprendizagem (Miller e Ginsberg,1995): definidas
como as idias que os alunos possuem em relao lngua e aprendizagem de lnguas.
Barcelos (2004) apresenta, e Silva (2005, p.72) retoma, alm destes, ainda os seguintes
termos para caracterizar as crenas sobre a aprendizagem de lnguas:
Representaes dos aprendizes (Holec,1987, p.152): Suposies dos alunos sobre
seus papis e funes dos professores e dos materiais de ensino.
Conhecimento Metacognitivo (Wenden, 1986, p.163): Conhecimento estvel,
declarvel, embora s vezes incorreto, que os aprendizes adquiriram sobre a lngua, a
aprendizagem, e o processo de aprendizagem de lnguas, tambm referido como
conhecimento ou conceitos sobre aprendizagem de lnguas
Filosofia de aprendizes sobre a aprendizagem de lnguas (Abraham & Vann, 1987, p.
95): Crenas sobre como a linguagem opera e, conseqentemente, sobre como ela aprendida
Cultura de Aprender (Cortazzi & Jin, 1996, p. 230): Os aspectos culturais sobre o
ensino e aprendizagem; o que as pessoas acreditam sobre atividades e processos normais e
bons de aprendizagem, em que tais crenas tm origem.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
31/199
29
Representaes(Riley, 1994, p.8): Idias populares sobre a natureza, estrutura e uso
da lngua, relao entre linguagem e pensamento, linguagem e inteligncia e/ou linguagem e
aprendizagem.
Cultura de Aprendizagem (Riley, 1997, p.122): Um conjunto de representaes,
crenas e valores relacionados aprendizagem que influencia diretamente o comportamento
de aprendizagem dos alunos.
Verificamos que os conceitos apresentados se relacionam, primordialmente,
descrio das crenas sobre aspectos gerais do processo de ensino e aprendizagem de LE,
como, por exemplo, as crenas do professor (ou do aluno) sobre como se d a aprendizagem
ou sobre o papel da gramtica.
As crenas no sentido das imagens que se tm sobre um objeto, pertinentes em
relao ao escopo desta pesquisa, foram descritas por alguns autores da rea em que se insere
este estudo, e tambm de outras reas do conhecimento, por termos que, geralmente, se
apresentam em relao sinonmia. Na Tabela 1 apresentamos alguns deles e, tambm, suas
definies.
Tabela 1: Quadro de outros termos e definiesTermos e definies que podem ser usadas para as crenas quanto lngua e cultura-alvo
Representao Social (Mascovici, citado porGabillon, 2005)
A cognio humana no individual, masconstruda dentro de um grupo social. Ela age,
em sua teoria, como suporte para muitaspalavras ou idias.
Mitos (Viana,1993) Mitos so definidos como concepes
populares estereotipadas.Esteretipos (Lippmann, 1922, citado por
Rsch, 2003)So conceitos formulados segundo informaese estmulos do mundo exterior e um sistema de
ordem determinado.
Imaginrio (Le Goff, citado por Pesavento,1995)
O imaginrio faz parte de um campo derepresentao e, como expresso do
pensamento, se manifesta por imagens ediscursos que pretendem dar uma definio darealidade. Mas as imagens e discursos sobre oreal no so exatamente o real ou, em outras
palavras, no so expresses literais darealidade, como um fiel espelho.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
32/199
30
Cont. Tabela 1: Termos e definies que podem ser usadas para as crenas quanto lnguae cultura-alvo
Imaginrio (Orlandi, 2003) Faz parte do referencial da anlise do discursoa distino entre o real e o imaginrio. Temosde um lado o texto, a descontinuidade como
parte real do discurso e o imaginrio no nveldas representaes. O discurso funciona na
articulao entre o real e o imaginrio.
Senso Comum (Alves, 2003) Senso comum se refere quilo que no cincia, mas poder se transformar em tal,
quando vier a ser refinado e disciplinado. Elefaz parte do dia-a-dia das pessoas. Podemos
entender senso comum e cincia comoexpresses da mesma necessidade bsica, anecessidade de compreender o mundo, a fim
de melhor viver e sobreviver.
Atitude (Rokeach, 1981) Atitude uma organizao de crenas,relativamente duradoura, em torno de um
objeto ou situao que predispe que seresponda de alguma forma preferencial.
Dos termos citados, destacaremos mitos, esteretipos e atitudes, por acreditarmos ser
bastante prximos ao sentido que buscamos.
Os mitos so tidos por Viana (1993) como concepes populares estereotipadas e
como fruto da falta de reflexo ou do desconhecimento. Em concordncia com essa viso,
Carvalho (2000) afirma que os mitos costumam advir de concepes errneas e
estereotipadas, s vezes veiculadas pela mdia e passadas de gerao para gerao, sem que as
pessoas parem para refletir ou mesmo buscar na literatura especializada elementos que
justifiquem ou no esses mitos.
O esteretipo o conceito cientfico para uma viso no cientfica de mundo e de um
objeto (Rsch, 2003). No uso corrente ele tomado como pr-conceito negativo, apesar de o
termo no conter, em seu sentido, nem conotao positiva, nem negativa.
Bausinger (2000, p. 7) afirma que os esteretipos, clichs, preconceitos no tratam
questes a partir de anlises cuidadosas, mas so referidos pelo autor como sendo os culos
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
33/199
31
invisveis, os quais do cor realidade, mas freqentemente tambm a distorcem; aos quais,
porm, as pessoas acostumam-se rapidamente.8
Segundo princpio semelhante, Elias (1997, p. 28) aponta para a importncia de nos
perguntarmos se no temos idias muitas vezes depreciativas ou degradantes de outros
grupos em nossas cabeas e, ao encontrarmos pessoas desses grupos, se no procuramos,
mesmo involuntariamente, a prova de que correto o quadro estereotipado do grupo que
temos em mente. Exemplo disso fornecido pelo autor, judeu, quando afirma que durante
sculos as igrejas fizeram de meus ancestrais judeus, responsveis pela crucificao de
Jesus.
Percebemos, no sentido de crenas que buscamos, grande aproximao tambm ao
conceito de atitude, fato que gerou certa dvida quanto ao melhor termo a ser utilizado nesta
pesquisa. So termos bastante prximos, em certos aspectos, levando alguns autores a nem
mesmo fazerem a diferenciao entre eles (Silva, 2005, p. 62).
Todavia, Rokeach (1981, p. 99) aponta para uma confuso conceitual acerca do termo
atitude, por um desacordo quanto forma como o conceito deve ser diferenciado dos
proximamente relacionados a ele. O autor sugere uma delimitao do uso amplo de
terminologias.
Para alguns autores, atitude difere de crenas por se relacionar com ao, pr-
disposio favorvel ou desfavorvel, resposta preferencial (Bem, 2005; Rokeach, 1981;Baker, 1992).
Segundo Bem (2005), atitude envolve gostar ou no gostar, o que leva a uma
reao favorvel ou desfavorvel frente a objetos, pessoas, situaes ou qualquer outro
aspecto do mundo, incluindo idias abstratas, polticas e sociais. Rokeach (1981, p. 98) reitera
8[...]Klischees, Stereotypen, Vorturteile sind unsichtbare Brillen, welche die Wirklichkeit einfrben und oft auchverzerren, an die man sich aber schnell gewhnt.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
34/199
32
que a atitude leva a uma resposta preferencial, positiva ou negativa, devido ao fato de que o
objeto ou a situao de atitude afetivamente apreciado ou depreciado.
Baker (1992, p. 11) afirma que a atitude no pode ser fcil e diretamente observvel,
uma vez que os pensamentos e sentimentos de uma pessoa esto escondidos. Todavia, so
latentes. Para a autora, a anlise das atitudes um caminho eficiente para se explicar modelos
recorrentes de comportamento.
A referida autora faz ainda em seu trabalho a distino entre atitude e opinio.
Segundo ela, a opinio verbalizada e as atitudes, no verbais. Para ela, a atitude menos
influenciada por fatores situacionais e pode ser medida (op. cit, 1992, p. 10-11).
A fim de sintetizar a diferenciao entre os termos crenas e atitudes, apresentamos na
Tabela 2 um quadro comparativo dos conceitos, com o propsito de elucidar as principais
distines encontradas entre eles.
Tabela 2: Quadro comparativo: atitudes e crenas
(Fonte: Rokeach, 1981)
Atitudes CrenasPouco influenciadas por fatores situacionais. So sociais e tambm individuais.
Implicam aes. No necessariamente influenciam as aes.
So latentes e no verbais. So freqentemente verbalizadas.
Envolvem pr-disposio favorvel oudesfavorvel.
Muitas vezes paradoxal ao.
Conjunto relativamente duradouro e persistenteformado por experincias passadas.
So dinmicas.
Incorporam crenas, mas nem todas as crenasfazem parte, necessariamente, das atitudes.
A partir das caractersticas expostas dos termos crenas e atitudes, consideramos o
conceito crenas como sendo o mais adequado para a nossa pesquisa, uma vez que ele
possibilita a referncia s percepes ou imagens de alunos quanto lngua e cultura-alvo e
que no envolve, necessariamente, uma ao favorvel ou desfavorvel ao objeto. No mbito
deste estudo, encontramos alunos de alemo que, apesar de apresentarem algumas crenas
desfavorveis em relao lngua (ex: difcil) e ao povo (ex: frio), optaram por iniciar o
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
35/199
33
estudo, movidos por uma motivao extrnseca9, por mera curiosidade pela lngua ou pelo
desafio de aprend-la. Tal fato pode, em alguns casos, indicar ao paradoxal crena. O
desencontro entre crenas e aes foi descrito tambm por Barcelos e Vieira-Abraho (2006,
p. 27).
Alm disso, as percepes ou as imagens tidas sobre a lngua e cultura-alvo so
freqentemente verbalizadas, so dinmicas e sociais, alm de tambm individuais.
Pelas razes discorridas, acreditamos que o conceito de crenasseja adequado como
subsdio terico para o desenvolvimento deste estudo, alm de ser um conceito j fortemente
estabelecido no campo de estudos de ensino e aprendizagem de LE.
Aps optarmos pela utilizao do termo crenas, buscamos investigar como este
construto vem sendo estudado e definido.
Verificamos que ele tem estreitos laos com os campos das cincias da cognio, da
sociologia, da educao, da filosofia e da psicologia social. Filsofos e educadores como, por
exemplo, Dewey (1933) e Peirce (1958), j discorreram sobre esse construto nas dcadas de
30 e 50 respectivamente.
Peirce (1958), citado por Silva (2005, p.67), define crenas como idias que se alojam
na mente das pessoas, como hbitos, costumes, tradies, maneiras folclricas e populares de
pensar.
Dewey (1933) apresenta definio, asseverada tambm por Barcelos e Vieira-Abraho(2006, p.18), bastante pertinente ao nosso trabalho. Segundo o autor, as crenas constituem:
...uma forma de pensamento, construes da realidade, maneiras de ver e percebero mundo e seus fenmenos construdas a partir de nossas experincias e resultantes
9Utilizaremos os conceitos de motivao intrnseca e extrnseca conforme descritos, na rea de ensino de LE, por Brown(2000). Segundo o autor, as aes movidas por uma motivao intrnseca so aquelas para as quais no h recompensaaparente seno a atividade em si. Comportamentos movidos por motivao intrnseca tm como objetivo recompensar e
conseqncias internas, sentimentos de recompensa e autodeterminao. Por outro lado, comportamentos motivadosextrinsecamente, so desencadeados por antecipao de recompensa advinda de fora e localizada fora de si prprio.Recompensas tipicamente extrnsecas so, por exemplo, dinheiro, prmios, ttulos ou at certos tipos de feedback positivos(op.cit, 2000)
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
36/199
34
de um processo interativo de interpretao e re-significao. Como tal, as crenasso sociais (mas tambm individuais), dinmicas, contextuais e paradoxais.
O autor destaca ainda a natureza dinmica das crenas e sua interrelao com o
conhecimento ao afirmar que:
[as crenas]...cobrem todos os assuntos para os quais ainda no dispomos deconhecimento certo, dando-nos confiana suficiente para agirmos, bem como osassuntos que aceitamos como verdadeiros, como conhecimento, mas que podem serquestionados no futuro.
Rockeach (1968, p. 1-2) prope o conceito de crenas como sendo inferncias feitas
por um observador sobre estados de expectativas bsicos.O autor afirma que as crenas no
podem ser diretamente observadas (como os genes, os nutrons), mas podem serinferidas da
melhor forma possvel com quaisquer artifcios psicolgicos disponveis, de todas as coisas
que o crente diz ou faz.
Abelson (1979), citado por Felix (1998), define crenas como proposies simples
conscientes ou inconscientes, inferidas do que a pessoa diz fazer ou faz de fato.
Bem (1970), estudioso do campo da psicologia, afirma que muitas de nossas crenas
so produtos de contato direto com o objeto (crenas primrias e crenas de primeira ordem)
e outras so tomadas como verdade e no percebemos que as temos (crenas de ordem zero).
Para o autor, existem ainda as crenas baseadas em autoridade externa, que so
fundamentadas no na experincia direta, mas no que nos dito. Tais crenas podem passar a
ser questionadas com o tempo e divididas em outros tipos de crenas.
Reafirmamos a partir da anlise minuciosa dos diferentes conceitos, a adequao do
termo crenasno mbito desta pesquisa, visto que para a grande parte dos autores referidos,
as crenas so definidas como um conjunto de idias, imagens pr-estabelecidas que se tem
acerca de pessoas, um objeto ou um fenmeno. Alm disso, elas so consideradas sociais, mas
tambm individuais, pois so construdas a partir de interaes.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
37/199
35
Sendo assim, tomando como base as diferentes definies encontradas na literatura,
formulamos a nossa definio de crenas para o sentido investigado nesta pesquisa.
Entendemos as crenas de alunos quanto a uma lngua e cultura-alvo na aprendizagem
de LE como sendo as imagens e o conjunto de idias pr-estabelecidas que se tem acerca de
uma lngua e de uma cultura-alvo. Tais imagens so construdas a partir de experincias
pessoais, processos interativos, acontecimentos histricos, sociais e resultam da interpretao
pessoal de eventos. Elas podem ser constitudas aps o contato direto com o objeto, ser
baseadas em discursos de outrem, ser tomadas como verdade, sem que se perceba sua
existncia ou, ainda, ser resultantes da interpretao por comparao com outras lnguas e
culturas estrangeiras e/ou com as prprias.
Por terem origens essencialmente contextuais e interacionais, as crenas so
dinmicas, podendo passar a ser questionadas e reformuladas no decorrer do tempo.
Algumas crenas, no calcadas em contato direto, podem ter um forte componente de
esteretipo. Estas so originadas em contexto scio-cultural especfico e constitudas a partir
de discursos veiculados pela mdia, de dizeres de outrem, de interpretaes subjetivas e
carecem de reflexo, configurando-se como crenas estereotipadas. Tais crenas sero de
grande relevncia no mbito deste trabalho, visto que representam o ponto de partida da
categorizao das crenas encontradas entre os participantes da pesquisa.
Tendo discorrido sobre nosso percurso de escolha do referencial terico das crenas eapresentado nossa definio, passaremos ento para uma anlise das implicaes das crenas
no processo de ensino e aprendizagem.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
38/199
36
2.1.2. Implicaes das crenas para o processo de ensino e
aprendizagem de LE.
A influncia do sistema de crenas no processo, tanto de ensino quanto de
aprendizagem de lnguas, atualmente incontestvel. Aprendizes e professores podem manter
certas imagens quanto, por exemplo, ao processo de aquisio de LE, a metodologias de
ensino, ao sucesso (ou insucesso) de certas estratgias de aprendizagem, existncia de
aptido (ou falta dela) e, de grande relevncia para nosso trabalho, quanto natureza da
lngua que esto estudando ou ensinando, ao seu grau de dificuldade ou, ainda, quanto
cultura-alvo.
Affonso (2003), pesquisadora da rea de educao, aponta em seu trabalho para o fato
de que a resistncia em renunciar a conceitos antigos, pode muitas vezes dificultar a adoo
de novas hipteses e posturas na aprendizagem. O processo de adoo de novas hipteses
envolve, segundo a autora, no apenas a construo cognitiva ou racional dos sujeitos, mas
tambm aspectos de outra natureza, como afetivos e socioculturais, referentes aos seus
sentimentos, valores e crenas.
A identificao das imagens sobre a lngua e a cultura-alvo, tomadas neste trabalho
como crenas,e a reflexo acerca do impacto potencial que elas podem ter no processo de
aprendizagem e no ensino da lngua, podem fornecer informaes importantes para a
elaborao de prticas apropriadas de ensino (Breen, 2001, citado por Bernat, 2001). Por essa
razo, de grande importncia que o professor reflita sobre as crenas de seus alunos, sobre
suas possveis origens e verifique em que medida elas podero influenciar (negativa ou
positivamente) o processo de aprendizagem.
Tal importncia j foi apontada por autores que utilizaram outros termos para o
fenmeno: fatores como as atitudes, imagens e motivao frente lngua e cultura-alvo j
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
39/199
37
foram descritas h algumas dcadas por diferentes autores como aspectos de grande
relevncia para o processo de aprendizagem.
Os estudos de Gardner e Lambert (1972, p. 135) sobre atitude e motivao foram de
grande importncia na rea e postulam que o tipo de atitude envolvida na aprendizagem de LE
pode produzir conseqncias distintas. Para eles, a imagem que se tem dos grupos falantes da
lngua-alvo poder refletir negativa ou positivamente na aquisio de habilidades na lngua-
alvo. Os autores afirmam em seus estudos que, se o aluno no possui uma disposio aberta e
de simpatia para com a cultura-alvo, se suas atitudes so altamente etnocntricas e hostis, no
haver grande progresso na aquisio de qualquer aspecto da lngua. Segundo afirmam os
autores, nessa situao, o aluno no apenas ter uma percepo menos acurada da lngua,
como tambm sua atitude negativa poder gerar certo grau de bloqueio aprendizagem.
A identificao com o grupo da cultura-alvo foi foco de investigao tambm de
Chiarini (2002). A autora desenvolveu um estudo com professores e formandos de lngua
italiana, buscando analisar suas representaes quanto lngua-alvo, Itlia e ao professor da
lngua. Ela demonstrou em seu trabalho, que o interesse pelo italiano como lngua-alvo est,
de um lado, permeado pelo sonho, pela paixo por uma cultura, um pas e uma lngua de
imigrantes ou de antepassados, mas por outro, tambm pela necessidade de responder ao fluxo
acelerado de informaes, atravs da comunicao. Os dois tipos de interesse pela lngua
italiana so coexistentes, freqentemente em sobreposio um ao outro.Chiarini (2002) afirma que as representaes e imagens que habitam a sala de aula
tm efeitos considerveis no processo de ensino/aprendizagem. Nesse sentido, a autora
ressalta que:
[...] a conscincia de que caminhamos num terreno impregnado de afetividade e oreconhecimento das representaes envolvidas, alm de suas implicaes, imprescindvel para a motivao dos aprendizes e para a continuidade e sucesso do
contrato pedaggico.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
40/199
38
Existem no campo do ensino de lnguas inmeros autores que apontam para a
importncia dos sentimentos diante da lngua e cultura-alvo. Brun (2004) afirma que a
identificao com o nativo ou a lngua considerada condio de sucesso, Jakobovits (1971) e
Kanno e Norton (2003) corroboram a importncia da identificao ou simpatia frente lngua
e a cultura-alvo. Alm deles, Borges (2007, p.2), elencando tambm Tlio (1981), Barata
(1999) e Sade (2003), compartilha a importncia de que os alunos se identifiquem
positivamente com o grupo da cultura-alvo, para que estejam mais motivados a aprender a
lngua-alvo. A autora salientou que se, ao contrrio, essa identificao for negativa, o aprendiz
no estar receptivo a aprend-la
Sobre os sentimentos dos alunos, Almeida Filho (1993, p.13) afirma que necessrio
buscar conhecer as configuraes individuais dos filtros afetivos (as atitudes, motivaes,
bloqueios, grau de identificao ou tolerncia com a cultura-alvo, capacidade de risco e
nveis de ansiedade) de cada aprendiz e de cada professor. O autor destaca ainda, que
aprender uma LE abrange configuraes especficas de afetividade (motivaes, capacidade
de risco, grau de ansiedade, presso do grupo) com relao lngua que se deseja aprender.
Segundo o autor, das configuraes de afetividade podem surgir motivao ou resistncia em
variados matizes.
Prabhu (1990) ressalta a importncia de aspectos afetivos como fatores relevantes ao
processo de ensino e aprendizagem, quando afirma que o melhor mtodo depender defatores relacionados ao aluno (idade, aspiraes, experincia prvia de aprendizado, atitudes,
crenas), ao professor (status, capacitao, crenas, autonomia), ao lado de caractersticas
relacionadas situao social (lngua, poltica, ambiente lingstico, atitudes culturais e
lingsticas, fatores econmicos e sociais) ou organizao educacional (objetivos
instrucionais, tamanho da sala, limitao de tempo e recursos).
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
41/199
39
Barcelos (2006, p. 29) afirma que as crenas de alunos e professores sobre a aquisio
de lnguas e suas aes moldam o contexto e so moldadas por ele. A autora afirma ainda que
as crenas auxiliam os indivduos a compreenderem a si mesmos e aos outros, a se adaptarem
ao mundo e a se identificarem com outros grupos. Tambm proporcionam estrutura, ordem,
direo e valores compartilhados.
Frente ao exposto, podemos concluir que a relevncia do desvelamento das crenas de
alunos para o ensino e aprendizagem de LE decorre de quatro fatores principais:
1) possibilidade de influncia das crenas no campo da afetividade: as crenas podero
influenciar aspectos inerentes afetividade de alunos como a motivao, as atitudes, o grau
de interesse, a ansiedade e valores;
2)possibilidade de influncia das crenas nas aes: as crenas podem influenciar as aes,
porm, podero, tambm, sofrer influncias durante o processo de ensino e aprendizagem,
fato que reafirma a necessidade de seu desvelamento;
3)necessidade do estabelecimento de procedimentos metodolgicos adequados aos alunos,
com o intuito de promover baixo filtro afetivo10, melhor aprendizagem, respeito s
diferenas: as crenas podero influenciar a maneira como se aprende e se ensina, pois
interferem na interpretao de professores e alunos quanto s novas informaes.
4) necessidade de reformulaes de eventuais imagens estereotipadas. importante que
alunos e/ou professores reflitam sobre suas prprias crenas, a fim de buscarem, alm docrescimento profissional, tambm o pessoal, revendo esteretipos, valores e
generalizaes.
10Segundo Krashen (1983), pessoas com fatores afetivos favorveis (por exemplo, alto grau de motivao, baixaansiedade, etc) possuem um baixo filtro afetivo.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
42/199
40
2.1.3. Breve histrico e abordagens das pesquisas em crenas no
ensino e aprendizagem de LE
O interesse por esse construto na rea de ensino e aprendizagem de lnguas iniciou-se
nas dcadas de 70-80 no exterior, com os trabalhos de Holec, Horwitz e Wenden (citado por
Barcelos, 2003), e na dcada de 90 no Brasil (Barcelos e Vieira-Abraho, 2006, p.18). A
edio especial do peridico System (vol.27, n. 4) sobre crenas em 1999 e o primeiro
simpsio sobre o tema em Tkio (AIPLA), foram importantes marcos na consolidao de
pilares do construto (Barcelos, 2003, p. 7). Kalaja e Barcelos (2003) tambm reuniram
importantes estudos sobre o tema, em uma publicao que em muito contribuiu para a
descrio e compreenso das crenas quanto a aprendizagem e ensino de lnguas.
A mudana do olhar para o processo de ensino e aprendizagem de LE, e no somente
para o produto e, especialmente, para o papel do aluno, considerada a grande propulsora dos
estudos das crenas. Larsen-Freeman (1998, citado por Barcelos, 2004) elencou cinco
mudanas principais na viso do aluno:
Anos 50: o aluno era visto como Mmico, pois dele era esperado que imitasse ocomportamento lingstico do professor;
Anos 60: as faculdades mentais do aluno eram consideradas, o aluno passa a servisto como aluno cognitivo e dele espera-se ento que descubra as regraslingsticas;
Anos 70: encontramos neste perodo o paradigma dos alunos afetivos e sociais.Gardner e Lambert influenciaram profundamente esta nova viso com seustrabalhos sobre atitude e motivao;
Anos 80: Perodo caracterizado pelo aluno estratgico, pois passou-se areconhecer que existem diferentes estilos de aprendizagem, estratgias e que oaprendiz capaz de se engajar em aprendizagem autnoma;
Anos 90: caracterizado pelo aluno poltico, uma vez que ele visto como possuidorde uma dimenso poltica.
O termo crenas apareceu pela primeira vez no campo da LA, em 1985, com
Horwitz, que descreveu as crenas como idias que os alunos possuem a respeito do que
significa aprender uma lngua e do processo envolvido na aprendizagem(Barcelos, 2004).
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
43/199
41
Barcelos (2001, citado por Vieira-Abraho, 2006), tomando por base as definies,
metodologias e relao entre crenas e aes, agrupou as pesquisas de crenas em trs
abordagens distintas: abordagem normativa, abordagem metacognitiva e abordagem
contextual. Segundo Barcelos (2004), inicia-se com Horwitz (1985) o que ela classifica como
o primeiro momento das investigaes sobre as crenas quanto aprendizagem de LE.
As pesquisas realizadas sob a primeira abordagem (normativa) no consideravam a
perspectiva dos alunos e as crenas eram percebidas isoladamente umas das outras,
fornecendo uma viso apenas parcial do sistema de crenas quanto aprendizagem de lnguas
(Vieira Abraho, 2006). Tais estudos inferem crenas por meio de questionrios fechados do
tipoLikert-Scale11. Nessa abordagem, as crenas de alunos eram freqentemente vistas como
errneas. Sendo assim, percebeu-se a necessidade de uma viso mais ampla das crenas e das
variveis presentes entre os aprendizes.
No segundo momento, no da abordagem metacognitiva, as crenas passaram a ser
fortemente consideradas no campo das diferenas individuais de aprendizes, da autonomia do
aluno e das estratgias de aprendizagem (Barcelos, et.al. 2003, p.1). Sua relevncia apontada
principalmente nas questes referentes s discordncias entre professores e alunos sobre
aspectos de sala de aula de LE. Essa nova viso uma importante marca do segundo
momento nas investigaes das crenas (Barcelos, 2004).
Os estudos inseridos na perspectiva metacognitiva inferem as crenas por meio deentrevistas semi-estruturadas, auto-relatos e questionrios semi-estruturados e se referem s
crenas como conhecimento metacognitivo. Este concebido como teorias de ao, as quais
levam os participantes a refletirem sobre suas aes e potenciais para a aprendizagem e/ou
ensino Tais caractersticas embasam essa abordagem, na qual o foco voltado para a
11
os questionrios do tipo likert scale so questionrios fechados que oferecem um conjunto pr-determinado de afirmaes, cabendo ao participante simplesmente complet-lo, sendo o mais conhecido eutilizado deles, aquele criado por Elaine Horwitz (1985) intitulado Beliefs about Language Lerning Inventory-BALLI(Vieira-Abraho, 2006)
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
44/199
42
identificao das crenas como algo estvel. A relao entre crenas e aes apenas
analisada com respeito s estratgias de aprendizagem (Vieira-Abraho, 2006).
Wenden (1995) deu grande contribuio para os estudos das crenas que marcaram
esse momento. A autora dividiu o conhecimento em: conhecimento de domnio (domain
Knowledge), social (social knowledge) e metacognitivo (metacognitive knowledge). Para ela,
as crenas correspondem ao conhecimento metacognitivo, o qual constitudo pela noo do
indivduo sobre os processos relacionados cognio e ao seu prprio processo de
aprendizagem (Wenden, 1999). As crenas so caracterizadas pela autora como parte do
conhecimento adquirido, um sistema desenvolvido precocemente e relativamente estvel .
Hosenfeld (2003, p.38) destaca como exemplos de estudos das crenas de alunos na
abordagem metacognitiva, as pesquisas de Flavell (1979, 1987); Brown, Armruster & Baker
(1966), Cotterall (1999), Victori (1999), Yang (1999), alm dos estudos de Wenden (1987,
1998, 1991, 1999). Para esses autores, as crenas de aprendizes de LE so percebidas como
fenmeno estvel, refletindo caracterstica das pesquisas que se inserem nessa abordagem. A
coleta de dados de carter quantitativo, por meio de questionrios fechados, sob influncia
do desenvolvimento da psicologia cognitiva.
Nespor (1987) discorre sobre o papel das crenas na prtica do ensino de lnguas,
fazendo tambm a distino entre conhecimento e crenas. O autor relaciona as crenas com a
histria de vida, identidade cultural, experincias prvias com a aprendizagem de lngua, e asconsidera menos maleveis que o conhecimento.
As pesquisas sobre crenas inseridas nessa abordagem privilegiam aspectos
individuais dos alunos, como por exemplo, a autonomia no processo de aprendizagem, ou os
diferentes estilos. Nesse contexto, as crenas eram vistas como parte da memria e da
cognio (Barcelos, 2004).
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
45/199
43
O terceiro momento (abordagem contextual) marcado por investigaes que
demonstram a relevncia do contexto (dinmico e constitudo socialmente) no sistema de
crenas dos aprendizes. As crenas so inferidas de aes contextualizadas, ou seja, no
contexto de atuao do participante investigado (Vieira-Abraho, 2006). A relao entre
crenas e ao passa a ser investigada por meio de observaes, entrevistas, dirios e estudos
de caso.
Nesse paradigma, Barcelos (2004) afirma que:
[...] as crenas no so somente um conceito cognitivo, mas tambm social, porque
nascem de nossas experincias e problemas, de nossa interao com o contexto eda nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca.
Os autores Barcelos (2000), Benson & Lor (1999), Nunan (2000), White (1999),
Goodwin & Duranti (1992), Sakui & Gaies (1999), Breen (1998), White (1999), Kalaja
(1995), Woods (1996) e Hosenfeld (1999) foram elencados por Barcelos (2004) como
importantes tericos que marcaram esse momento, visto que tomam as crenas como de
carter dinmico e como sendo construdas contextualmente.
Esse terceiro momento tem como principais caractersticas: a pluralidade de
metodologias, as diferentes percepes sobre como desenvolver pesquisas acerca das crenas,
e principalmente, a incluso do contexto na anlise das mesmas. Essa abordagem proporciona
tambm uma interpretao e percepo mais amplas da relao das crenas com os discursos
e as aes no ambiente investigado (Borges, 2007). A partir dessa nova perspectiva, Barcelose Vieira-Abraho (2006, p.18-20) apontam como caractersticas das crenas: elas so
dinmicas (mudam ao longo de um perodo de tempo); so socialmente construdas e situadas
contextualmente; so experienciais (resultado de interaes dos indivduos); so mediadas
(crenas so ferramentas que podem ser utilizadas ou no); so paradoxais (crenas so
sociais, mas tambm individuais); so relacionadas ao de maneira indireta e, por fim, no
so facilmente distintas de conhecimento.
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
46/199
44
Pajares (1992), cujos estudos tambm se inserem no terceiro momento, afirma que as
diferentes definies do conceito crenas, bem como a diversidade dos campos de
investigao em que ele utilizado, o torna complexo e multidimensional. O autor buscou
analisar os mltiplos sentidos das crenas e investigou em que medida o conceito crenas se
difere de conhecimento. Segundo ele, as crenas so determinantes nas decises que
indivduos tomam ao longo de suas vidas.
No Brasil, o interesse pelas crenas de alunos e professores inicia-se na dcada de 90 e
grande parte dos trabalhos se insere nesse terceiro momento.
Almeida Filho (1993, p.13), em importante estudo na rea de ensino e aprendizagem
de LE, mesmo no utilizando o conceito crenas, definiu o termo abordagemou cultura de
aprender, como as maneiras de estudar e de se preparar para o uso da lngua-alvo,
consideradas normais pelo aluno, e tpicas de sua tradio, etnia, classe social e grupo
familiar. Essas maneiras so transmitidas em geral atravs do tempo, de forma neutralizada e
implcita.
Barcelos (2003, 2004, 2006) deu grande contribuio aos estudos do construto no
Brasil. A autora apresenta em diversas publicaes, reflexes acerca do histrico,
abordagens, definies e relevncia das crenas para o ensino e aprendizagem. Juntamente
com Kalaja (Kalaja e Barcelos, 2003) e Vieira-Abraho (Barcelos e Vieira Abraho, 2006) a
autora reuniu trabalhos de grande relevncia para a consolidao do conceito no campo doensino e aprendizagem de LE.
Silva e Rocha (2007) apresentam um mapeamento dos estudos das crenas realizados
no Brasil, bem como um histrico das pesquisas sobre crenas, fornecendo um panorama
bastante amplo dos trabalhos at ento realizados. Os autores afirmam existir poucas
investigaes realizadas acerca das crenas sobre a lngua e a cultura-alvo e sobre outra lngua
estrangeira, que no o ingls. Dentre tantas pesquisas realizadas acerca das crenas (de alunos
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
47/199
45
e/ou professores) sobre aspectos do processo de aprendizagem de uma LE, os autores elencam
apenas quatro que focalizam crenas referentes ao ensino ou aprendizagem de outras LEs
(uma com foco em francs e trs em espanhol). As demais foram realizadas focalizando o
ensino e aprendizagem de ingls como LE.
Silva (2005) apresenta um estudo sobre as crenas e os aglomerados de crenas de
futuros professores de LE sobre o processo de ensinar/aprender uma LE. O autor reafirma a
importncia do contexto social na formao das crenas e prope a anlise do mesmo como
ponto de partida para teorizaes no mbito do processo de ensino e aprendizagem de LE.
Felix (1998) tambm analisa as crenas de professores sobre como o aluno deve
estudar a LE. Porm, a autora utiliza mtodos de coleta de dados da abordagem normativa de
investigao das crenas, fato que difere a pesquisa dos estudos relevantes ao nosso escopo.
Na realizao da reviso bibliogrfica das pesquisas em crenas, no encontramos
estudos com foco no campo especfico do ensino e aprendizagem de alemo como LE, fato
que consideramos uma lacuna, tanto nas investigaes do construto, quanto no campo do
ensino e aprendizagem de alemo no Brasil. Tal fato reafirma a relevncia deste estudo.
Todavia, encontramos alguns trabalhos que focalizam as imagens e esteretipos
existentes acerca da lngua e cultura alem. Dentre eles, destacamos uma pesquisa de grande
importncia no mbito de nosso estudo, realizada por Bolognini (1993), que trata
especificamente de algumas imagens que alunos de alemo possuem sobre a lngua e cultura-alvo. Por serem de grande relevncia para o escopo desta pesquisa, abordaremos a referida
investigao de forma mais detalhada no item 2.1.5.
Existem alguns estudos que se ocuparam da descrio das crenas ou representaes
de alunos ou professores acerca de outras LEs.
Borges (2007) realizou um trabalho acerca das crenas sobre a cultura-alvo de
professores de ingls em pr-servio. A autora buscou suporte terico nos estudos das
7/24/2019 CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EM DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA ES
48/199
46
crenas, considerando tambm a questo das comunidades imaginadas, ao longo do processo
de ensinar e aprender LEs.
Tambm encontramos em Moreira (2006) uma preocupao com as crenas sobre a
lngua e cultura-alvo (francs), utilizando em seu estudo o termo representaes para
descrever o fenmeno. Seu foco so as representaes estereotipadas de alunos de francs
quanto lngua e cultura francesa e o pesquisador analisa como as representaes so
caracterizadas nos discursos de alunos pelo vis da anlise do discursoe da memria.
Conclumos, a partir da reviso bibliogrfica sobre as crenas em ensino de LE, ter
sido possvel estabelecer trs principais pontos de relevncia para este estudo, a saber:
1) existe um ime
Top Related