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Brasília, 26 de agosto de 2016.
Consulta ASJUR n.º 58/2015
Consulente: Conselho Consultivo do Ramo Transporte
Assunto: COOPERATIVAS DE TRANSPORTE. CRIAÇÃO DE FUNDOS.
CUSTEIO DE EVENTOS DANOSOS A VEÍCULOS.
LEGALIDADE DE FUNDOS CONSTITUÍDOS NA FORMA DA
LEI Nº 5.764/71. RESTRIÇÃO A VEÍCULOS VINCULADOS À
ATIVIDADE DA COOPERATIVA. OUTROS REQUISITOS
Consulta-nos o Conselho Consultivo do Ramo Transporte, requerendo manifestação acerca
da viabilidade legal da criação de Fundo, previsto no artigo 28, §1º da Lei nº 5.764/71, para
custeio de eventos danosos envolvendo veículos vinculados a Cooperativas de Transportes,
sem que isso caracterizasse operação de seguro privado.
Postos os termos da consulta, em razão da mesma envolver aspectos técnicos, jurídicos e
operacionais, seus estudos foram realizados no âmbito das Câmaras Temáticas do Ramo
Transporte, com a participação de seus membros, além das áreas jurídica e técnica da OCB.
Coube à ASJUR/OCB dar redação ao entendimento alcançado pelo grupo. As questões que
envolvem contabilização e tributação dos fundos foram analisadas em consulta específica,
contando com a avaliação dos analistas contábeis e tributários, bem como da Comissão de
Estudos Contábeis e Tributários – CECONT.
Feita esta introdução, passamos aos esclarecimentos.
1. O Seguro Privado no Direito Brasileiro
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O seguro tem como objetivo a proteção dos indivíduos e das empresas de um evento futuro
e incerto. Assim, busca estabelecer um equilíbrio nas relações sociais e garantir segurança
aos indivíduos.
Pontes de Miranda define o Contrato de Seguro como sendo “o contrato com que um dos
contratantes, o segurador, mediante prestação única ou periódica, que outro contraente faz,
se vincula a segurar, isto é, se o sinistro ocorre, entregar ao outro contraente soma
determinada ou determinável, que corresponde ao valor do que foi destruído, ou que se fixou
para o caso do evento previsto”1.
No Brasil, a primeira regulamentação própria do seguro surgiu com o Código Comercial de
1850, que disciplinava o seguro marítimo em seus artigos 666 a 730.
Quanto aos seguros terrestres, incluindo-se o de vida, sua regulamentação se deu através do
Decreto n.º 4.270 de 16/12/1901, sendo que em 12/12/1903 foi promulgado o Decreto n.º
5.072, submetendo à autorização do governo o funcionamento das companhias de seguros
no país. Antes, a matéria aqui, como em Portugal, era regulada pelo Alvará de 22 de novembro
de 1684, que se refere a um outro Alvará de 1641 e a uma Provisão de 1641. A partir do
Alvará de 11 de agosto de 1791, o instituto teve nova regulamentação até a edição da
Resolução de 30 de agosto de 1808, baixada pela Casa de Seguros de Lisboa. O Código Civil
de 1916, por sua vez, disciplinou a matéria em cinco diferentes seções, regulando o seguro
de coisas e de vida.
Importante legislação surgiu com a edição do Decreto Lei n.º 73 de 21/11/1966, que dispôs
sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regulou as operações de seguros e
resseguros no país, inclusive delegando poderes normativos aos órgãos que o compõem.
O Decreto Lei nº 73 de 21/11/1966 expandiu o quadro administrativo destinado a fiscalizar e
regular a atividade securitária no país. Assim, ao lado do IRB – Instituto de Resseguros do
Brasil, criado no governo Vargas, criaram-se dois entes estatais: o Conselho Nacional de
Seguros Privados (CNSP) e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). O CNSP teria
1 Tratado de direito privado, tomo XLV, § 4.911,2.
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a função ampla de regular a atividade seguradora, ao passo que à SUSEP caberia o exercício
de duas principais funções: implementar as normas editadas pelo CNSP e fiscalizar o
funcionamento das sociedades seguradoras.
Além de proporcionar uma verdadeira reforma administrativa no campo de seguros, que
passava por uma séria crise sistêmica, o Decreto também trouxe definições importantes para
conceituação da atividade seguradora e regras a serem seguidas.
Por meio do seu artigo 3º, o Decreto Lei nº 73 de 21/11/1966 definiu as operações de seguros
privados como “os seguros de coisas, pessoas, bens, responsabilidades, obrigações, direitos
e garantias” e excluiu do âmbito de suas disposições os seguros do âmbito da Previdência
Social.
No que diz respeito aos operadores de seguro, o Decreto possibilitou a atuação apenas às
Sociedades Anônimas e às Cooperativas, sendo estas últimas restritas aos seguros agrícolas,
de saúde e de acidente de trabalho2.
Assim, o novo diploma legal acabou por limitar a atuação das sociedades cooperativas na
seara securitária, o que, inclusive, foi alvo de reações contrárias por estudiosos do tema, que
enxergam no modelo cooperativo um poderoso instrumento de fortalecimento à livre
concorrência:
“Neste contexto, basta lembrar do importante papel exercido pelas cooperativas de seguros na Alemanha e nos EUA e a conclusão só pode ser uma: a restrição a formação de cooperativas constitui o um exemplo típico de barreira desnecessária, que só contribui para o comportamento ineficiente de oligopólio. Se elas fossem permitidas, em diversos nichos poderiam representar um complemento importante à oferta de serviços atual, a estimular a concorrência e beneficiar o consumidor.”3
Portanto, atualmente as cooperativas podem atuar como operadoras de seguros privados
desde que respeitadas as limitações da referida norma e os ditames da Lei nº 5.764/71.
2 Pouco tempo depois, a Lei nº 5.316/67 determinou que os seguros de acidente do trabalho passassem a ser
monopólio do Estado, situação que permanece inalterada até hoje. 3 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de Seguros. São Paulo: Ed. Atlas, 2006, p. 56.
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Nesse modelo, em se tratando de agente segurador, as cooperativas possuem como escopo
de atuação finalística a união de pessoas buscando um objetivo comum, que é o seguro. Ou
seja, a reunião de pessoas busca, ao se associarem em uma cooperativa seguradora, a
constituição de um seguro mais adequado e acessível a sua realidade.
A cooperativa é constituída com o intuito único de gerir uma atividade seguradora, onde os
beneficiários serão os seus próprios cooperados. O estatuto da sociedade cooperativa tem
como objeto a operação de seguros.
Assim, as cooperativas constituídas com esse objetivo, de efetivamente atuarem como
seguradoras, deverão se submeter às disposições do Decreto Lei nº 73 de 21/11/1966 e
demais legislações pertinentes aos seguros privados quando aplicáveis à estrutura
organizacional da cooperativa. Sua atuação, contudo, estará restrita aos seguros
expressamente autorizados pelo citado decreto lei.
2. Análise da legalidade dos fundos constituídos para custeio de despesas
2.1 As sociedades cooperativas e a mutualidade como sua principal característica
O conceito de sociedades cooperativas é dado pelos arts. 3º e 4º de sua lei de regência, a
Lei nº 5.764/71:
“Art. 3° Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. Art. 4º. As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços; II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes; III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; IV - incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
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V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade; VI - quorum para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital; VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral; VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social; IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços
Além das características acima destacadas, a associação na forma cooperativa baseia-se,
fundamentalmente, na mutualidade. Na dicção do art. 3º da Lei nº 5.764/71, destacam-se
expressões como “reciprocamente” e “de proveito comum”, essências da atividade
desenvolvidas pelas sociedades cooperativas.
Vergílio Frederico Perius, comentando o referido dispositivo, detalha o animus das pessoas
que se unem sob a forma cooperativa:
A declaração de vontade vem acompanhada de duas claras opções: a) A inequívoca forma de cooperação de proveito comum, ou seja: existe suficiente entendimento daquelas pessoas de que todos irão se beneficiar e não apenas alguns (...); b) Se o proveito é comum a todos os integrantes que decidiram pela cooperação, é evidente que o resultado econômico do trabalho coletivo será distribuído entre todos e não pode beneficiar àqueles que mais capital empregaram no empreendimento.”4
Renato Lopes Becho, jurista estudioso do Direito Cooperativo, fala da amplitude do objeto que
pode ser adotado pelas sociedades cooperativas:
“Na verdade, as cooperativas poderão adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade que permitam a estrutura empresária e, basicamente, que congreguem pessoas ou profissionais que possam atuar automaticamente ou, pelo menos, que possam compor-se em associação
4 PERIUS. Vergílio Frederico. Comentários à Legislação das Sociedades Cooperativas: Tomo I. In: KRUEGER,
Guilherme; MIRANDA, André Branco (Coord.), Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2007, p. 28
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ou sociedade. Assim, por rigor ou discurso, devemos salientar a impossibilidade de estruturação de cooperativa para fins militares, ou para prestação de serviço público obrigatório e indelegável, como os diplomáticos, judiciais, legislativos, etc”5
Dentre essa amplitude de objetos que uma organização cooperativa possa vir a possuir, tem-
se as cooperativas de transporte, demandantes deste estudo, cujo seu principal objetivo é o
transporte remunerado, seja ele de pessoas ou de cargas.
Nessas situações, onde pessoas se associam em forma de cooperativa para prestarem
serviços de transporte, o objetivo é a busca por uma inserção coletiva no mercado, de forma
mais competitiva, por meio da reunião de esforços e propósitos dos cooperados.
Portanto, o serviço de transporte remunerado é o objeto finalístico das cooperativas que atuam
nesse ramo, sendo que, para alcançar esse fim, as cooperativas praticam atos intermediários
para viabilização do seu objeto social, sem que isso desvirtue a sociedade cooperativa.
Inclusive, esse é o objetivo central de qualquer cooperativa, a viabilização de uma atividade
específica. É da essência das cooperativas a busca por melhorias na situação econômica de
determinado grupo, solucionando em conjunto e solidariamente os problemas e satisfazendo
as necessidades comuns.
Dentre as várias atividades realizadas pelas cooperativas de transporte para viabilização do
seu objeto finalístico, temos a realização de compras em atacado, a contratação de serviços
por um preço mais benéfico aos cooperados e a criação de fundos de amparo à atividade de
transporte.
2.2 A constituição dos fundos previstos no artigo 28 da Lei 5.764/71
5 BECHO, Renato Lopes. Elementos de Direito Cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002, p. 140
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A Lei nº 5.764/71 prevê, em seu artigo 28, os fundos que obrigatoriamente deverão ser
constituídos pelas cooperativas (incisos I e II) e os que poderão ser criados para outros
objetivos específicos (§ 1º). Vejamos:
Art. 28. As cooperativas são obrigadas a constituir: I - Fundo de Reserva destinado a reparar perdas e atender ao desenvolvimento de suas atividades, constituído com 10% (dez por cento), pelo menos, das sobras líquidas do exercício; II - Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, destinado a prestação de assistência aos associados, seus familiares e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa, constituído de 5% (cinco por cento), pelo menos, das sobras líquidas apuradas no exercício. § 1° Além dos previstos neste artigo, a Assembleia Geral poderá criar outros fundos, inclusive rotativos, com recursos destinados a fins específicos fixando o modo de formação, aplicação e liquidação. § 2º Os serviços a serem atendidos pelo Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social poderão ser executados mediante convênio com entidades públicas e privadas
Os fundos previstos nos incisos I e II da lei, são os fundos de reserva e fundos de assistência
técnica, educacional e social, respectivamente, obrigatórios, por expressa disposição legal.
Já o parágrafo primeiro faculta a constituição, pela cooperativa, de outros fundos, até mesmo
rotativos, desde que aprovado em Assembleia Geral.
Nessa hipótese, é importante que a decisão assemblear estabeleça de forma clara e precisa
o fim do fundo criado, a origem das contribuições para compo-lo, a destinação dos recursos
alocados pelos cooperados e a forma de liquidação do fundo.
A doutrina especializada exemplifica, sobre as finalidades dos fundos, a possibilidade de
criação “para a aquisição de uma sede própria, a construção de um silo, a compra de
equipamentos especiais e de custo mais elevado, fundo de investimento financeiro etc”.6
2.3 A legalidade dos fundos constituídos para custeio de despesas
6 Comentários à Legislação das Sociedades Cooperativas. Tomo I. Editora Mandamentos. Pg 128.
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A problemática trazida pela área técnica a esta assessoria jurídica reside exatamente na
criação de fundos (amparados pelo §1º do artigo 28 da Lei nº 5.764/71) pelas cooperativas de
transporte para custeio de eventuais danos que os seus veículos vierem a sofrer no exercício
da atividade desenvolvida ou mesmo a sua restituição.
Relatam que algumas cooperativas estão sofrendo autuações pela SUSEP, pois esta
considera que a criação dos fundos nada mais é do que a atividade típica de seguro privado,
a qual deve ser regulada pelo Decreto Lei 73/1966. Entendendo, portanto, que a criação dos
fundos é uma forma de burlar a Lei, a SUSEP vem aplicando multas milionárias às
cooperativas.
Contudo, a criação do fundo previsto expressamente na Lei nº 5.764/71, desde que
obedecidos alguns limites, em nada tem a ver com a atividade regulada pela SUSEP, pois
nada mais é do que uma forma da cooperativa se resguardar para que eventos ligados ao
exercício de sua atividade principal não inviabilizem a prestação de serviços de seus
cooperados e da própria cooperativa.
Situações similares podem ser observadas em sociedades empresárias, que fazem o
planejamento de risco (contingenciamento), através da constituição de reservas financeiras
para compor eventuais eventos futuros, sem que isso represente qualquer burla à legislação.
Um exemplo seria a constituição de reservas para resguardar riscos de perdas em ações
judiciais.
Além disso, a constituição de fundos para prevenção de eventos futuros também é utilizada
em condomínios. A lei 4.591/64, em seu artigo 9º, § 3º, “j”, prevê a possibilidade da convenção
condominial definir a forma de contribuição para constituição de um fundo de reserva.
Igualmente, tal situação não configura qualquer ilegalidade, sendo a criação do referido fundo
uma forma de garantir a solvabilidade do condomínio.
Assim, a criação dos fundos, no caso das cooperativas de transporte, que tenha o intuito de
reparar os danos que o cooperado vier a sofrer no exercício da atividade econômica própria
da cooperativa e sobre os instrumentos vinculados ao trabalho realizado, está em harmonia
com os fundamentos do cooperativismo e não podem ser equiparados à atividade securitária.
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Destaque-se que esta proteção à atividade, estabelecida através da criação de fundos
assistenciais, tem como razão primeira a própria manutenção da atividade da cooperativa. É,
sobretudo, um instrumento para a garantia da continuidade de suas atividades, resguardando
a frota que o cooperado mobiliza para a execução dos fretes contratados.
Logo, ainda que se afigure, à primeira vista, como uma forma de proteção patrimonial dos
veículos do associado, a razão de ser da constituição do fundo atinge o próprio exercício da
atividade de proveito comum, viabilizando os reparos na frota e veículos dos associados e
garantindo a prestação ininterrupta dos serviços.
Com efeito, além das diferenças até aqui relatadas, outros pontos corroboram a
impossibilidade de se caracterizar os fundos das cooperativas de transportes como seguros
de veículos propriamente ditos, vejamos:
Fundos para custeio de danos da frota
da cooperativa Seguro de veículo
Legislação Artigo 28, § 1º da Lei nº 5.764/71. Decreto Lei nº 73/66 (Principal
Legislação).
Quem pode utilizar Apenas cooperados. Qualquer pessoa que possua um
veículo.
Objeto
Cobrir eventuais danos ou perdimento
dos veículos dos cooperados que
componham a frota da cooperativa e
sejam utilizados para a consecução da
atividade fim da cooperativa.
Cobrir sinistros de veículos segurados
em nome do segurado.
Constituição
Regras de constituição, formação e
liquidação definidas pelos próprios
cooperados, em assembleia geral.
Adesão a uma apólice predeterminada
pela seguradora.
Abrangência
Reparar os danos ou restituir os
veículos apenas dos cooperados e
nunca de terceiros.
Cobrir qualquer tipo de sinistro
envolvendo o veículo segurado, bem
como terceiros que eventualmente se
envolvam no sinistro.
Objetivo Viabilizar a atividade de transporte da
cooperativa e nunca ser a atividade
É a atividade fim da empresa de
seguros e objetiva gerar lucro para a
sociedade.
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principal desta, sem qualquer objetivo
de lucro.
Risco O risco é suportado pelos cooperados,
em observância à mutualidade.
O risco é totalmente transferido para a
seguradora.
O Ministério Público Federal, em parecer apresentado nos autos de um inquérito7 que tinha
como objetivo a investigação de uma cooperativa que instituiu o fundo, afirmou que, apesar
de ser semelhante à atividade de seguros, a constituição não pode assim ser considerada,
pois possuem diferenças essências, tais como o caráter assistencial e restritivo. Veja-se:
Diante do exposto, conclui-se que não há elementos nos autos que indiquem a atuação como sociedade seguradora, com viés empresarial, pela COOPERCASCA. Não se verificou o desvio da finalidade social da cooperativa, nem alteração de sua atividade principal. Pelo que se depreende dos autos, a COOPERCASCA instituiu um fundo especial que, de forma semelhante à atividade de seguro, mas com diferenças essenciais (caráter assistencialista e restritivo), presta assistência aos cooperados que venham a sofrer danos em sua ferramenta de trabalho em conformidade com a lei e com os princípios do cooperativismo.
Nesta linha, é oportuno lembrar o entendimento consolidado no Enunciado n.º 185 da III
Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que, sedimentando a interpretação
do art. 757 do Código Civil, consigna que a referida norma não veda a criação de grupos de
ajuda mútua, caracterizados pela autogestão, verbis:
185 – Art. 757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.
Portanto, diferentemente do que se tem alegado pela SUSEP, a criação dos fundos
assistenciais pelas cooperativas não pode ser considerada uma afronta à legislação, bem
como não deve ser interpretada como atividade securitária. E sendo assim, não cabe à
SUSEP a sua fiscalização.
7 Inquérito Policial nº 0202/2010-4-SR/DPF/MG – Departamento de Polícia Federal Superintendência Regional
em Minas Gerais
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Parece-nos que é bastante clara a distinção: enquanto a atividade securitária, regulada pela
SUSEP, trata de seguro, no qual o segurado transfere o risco do sinistro totalmente para a
seguradora, na cooperativa, ao revés, o risco é suportado, solidariamente, pelos próprios
cooperados, com base nas ideias do mutualismo puro, viabilizado habilmente pela forma
cooperativa prevista na Lei nº 5.764/71.
Em casos ainda mais sensíveis, como a constituição de associações com o objetivo único e
finalístico de oferecer “proteção veicular”, os Tribunais têm proferido decisões no sentido de
se reconhecer legalidade da atividade:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. SUSEP. ASSOCIAÇÃO. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. A despeito das atribuições legais da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP para a fiscalização das operações de seguro e afins (Decreto-lei n.º 73/66), não se verifica, no caso, a negociação ilegal de seguros por associação sem fins lucrativos instituída com o fim de promover proteção automotiva a seus associados. Apesar das semelhanças com o contrato de seguro automobilístico típico, há inegáveis diferenças, como o rateio de despesas entre os associados, apuradas no mês anterior, e proporcional às quotas existentes, com limite máximo de valor a ser indenizado. Hipótese de contrato pluralista, em grupo restrito de ajuda mútua, caracterizado pela autogestão (Enunciado n.º 185 da III Jornada de Direito Civil), em que não há a figura do segurado e do segurador, nem garantia de risco coberto, mas rateio de prejuízos efetivamente caracterizados. Eventual prática de crime (art. 121 do DL n.º 73/66) há de ser aferida na via própria, mas não há qualquer ilegalidade na simples associação para rateio de prejuízos. Apelação provida. Sentença reformada.8
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. DISPONIBILIZAÇÃO AOS ASSOCIADOS DE PROTEÇÃO AUTOMOTIVA. NÃO PAGAMENTO DAS OBRIGAÇÕES REFERENTES À ALUDIDA GARANTIA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CAUSA MADURA. JULGAMENTO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDOINICIAL. I - A disponibilização do serviço de proteção automotiva pela Associação não caracteriza o contrato firmado entre as partes em típico contrato de seguro. II - Havendo ajuste entre as partes de garantia de proteção automotiva, aos contratantes é exigido o cumprimento das normas acordadas. III - O desrespeito às obrigações assumidas pelas partes legitima o contratante lesado a exigir o respectivo cumprimento, não havendo se falar
8 TRF2, Apelação Cível nº 0014904-70.2011.4.02.5101 (2011.51.01.014904-8). Julgado em 14 de julho de 2014.
Relator Desembargadora Edna Carvalho Kleemann.
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em impossibilidade jurídica do pedido. IV - Cassada a sentença que extinguiu o processo, sem resolução de mérito, passa-se, desde logo, ao julgamento da causa, com fulcro no permissivo do art. 515, §3º, do CPC, estando o feito devidamente instruído. V - Tendo a parte Autora comprovado os fatos constitutivos de seu direito e o Réu não apresentado defesa, a procedência do pedido inicial é medida que se impõe.9 TÍTULO EXTRAJUDICIAL - NÃO CARACTERIZAÇÃO - IMPROVIMENTO. O contrato firmado entre o associado ou cooperado e a respectiva cooperativa ou associação de proteção de veículos não equivale, para fins de caracterização como título executivo extrajudicial, a contrato de seguro, haja vista sua ausência no rol elencado no art. 585, do Código de Processo Civil.10
Pelo exposto, é possível concluir que não há ilegalidade na criação, pelas cooperativas, de
fundos assistenciais para cobrirem eventuais danos que o cooperado vier a sofrer no exercício
da atividade econômica própria da cooperativa.
2.3.1 Requisitos para o Fundo
Em se tratando dos fundos constituídos pelas cooperativas para restituição, no caso de
perdimento, e custeio de eventuais danos causados aos veículos dos cooperados destinados
à atividade finalística da cooperativa, algumas cautelas devem ser observadas a fim de evitar-
se qualquer confusão com a atividade securitária, assegurando, ainda, que o fundo tenha uma
boa gestão e operacionalização.
Estas salvaguardas estão diretamente relacionadas com os elementos diferenciadores dos
dois modelos (fundos assistenciais x seguro de veículos), anteriormente elencados ou, ainda,
resultam de observações havidas durante as discussões deste tema nas Câmaras Temáticas
do Conselho Consultivo do Ramo Transporte. A seguir, trataremos mais detalhadamente de
cada uma delas:
9 TJMG, AC 0331763-02.2011.8.13.0105, Rel. Des. Leite Praça, Pub. 09.07.2013. 10 TJES, AC 0009567-74.2010.8.08.0012 (012100095673), Rel. Des. Subst. JANETE VARGAS SIMÕES, DJ
14.09.2012
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Pois bem. É importante que a participação no fundo seja restrita aos cooperados, sendo
que estes deverão, necessariamente, estar exercendo a atividade de transporte da
cooperativa, não podendo se filiar a esta apenas para a utilização do fundo.
Isso porque, como dito, o fundo deve ser apenas um dos elementos viabilizadores da atividade
de transporte da cooperativa, que no caso do parecer se refere ao transporte remunerado.
Sendo assim, a utilização do fundo deve se dar como forma de viabilizar a atividade de
transporte por meio da cooperativa e nunca como o único objetivo do cooperado na
cooperativa.
Além disso, como o objetivo do fundo é resguardar a conservação dos veículos vinculados à
atividade da cooperativa e, consequentemente, assegurar o seu pleno funcionamento, todos
os cooperados devem aderir/contribuir com a formação do fundo, em observância à
mutualidade, que deve ser a característica fundamental dos fundos.
Outro ponto a ser observado diz respeito à abrangência do custeio por meio do fundo. Isso
porque, como o fundo é constituído para proteção do negócio desenvolvido pela cooperativa,
visando subsidiar a proteção do meio de produção do cooperado, o custeio deverá ser restrito
ao veículo do cooperado que esteja ligado à atividade desenvolvida pela cooperativa,
entendido como frota da cooperativa. Assim, os dispêndios do fundo deverão estar
adstritos a eventuais eventos danosos ocorridos com o veículo, sendo que outros danos,
como a terceiros, por exemplo, devem ser custeados pelo próprio cooperado e não pelo fundo,
sob pena de desvirtuar o objeto.
A propósito, sobre a conceituação da “frota da cooperativa”, é importante observar que cada
modalidade de transporte remunerado, cargas ou passageiros, possui uma forma específica
de conceituação da frota, vez que, por estarem sob o manto da regulação, precisam preencher
requisitos distintos que as diferenciam na forma de operar, conforme exposto na tabela abaixo:
Definição de frota
Cooperativa de transporte de cargas Veículo registrado no RNTRC da cooperativa
(CTC), conforme Resolução ANTT nº 4.799/2015.
Organização das Cooperativas Brasileiras | SAUS (Setor de Autarquias Sul) Quadra IV Bloco “I” – CEP 70070-936 – Brasília-DF – Brasil Tel.: +55 (61) 3217-2133 – Fax: +55 (61) 3217-2121
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Com efeito, apesar de cada modal possuir sua especificidade, que faz com que possuam
requisitos diferentes para caracterização da frota, o que deve estar sempre presente na
verificação da frota da cooperativa é a vinculação do veículo à atividade da cooperativa e ao
cooperado.
Quanto à forma de constituição, é recomendável que os aportes para o fundo sejam
realizados a partir de desconto de um percentual na produção do cooperado, evitando-
se a operacionalização por meio de envio de boletos específicos. A prática é apenas uma
cautela e visa evitar interpretações equivocadas de que o aporte equivaleria ao pagamento
do prêmio praticado na contratação de seguros.
Não haverá cobrança de taxa específica para a gestão do fundo, devendo as suas despesas
operacionais/administrativas estar englobadas na taxa de administração, pois a gestão
do fundo fará parte das atividades da cooperativa, devendo, portanto, estar englobado na taxa
única arrecadada para a viabilização da prestação de serviços.
Sobre o montante do fundo, é recomendável que se estabeleça um teto, o qual sempre
deve levar em consideração o valor total da frota da cooperativa, de modo que haja capital
suficiente para cobrir os eventuais danos e possibilitar, de maneira igualitária, os
ressarcimentos e a manutenção da atividade.
Cooperativa de transporte individual de passageiros (táxi)
Veículo com número de identificação da
cooperativa. Proprietário/cooperado com ficha
matrícula devidamente arquivada na cooperativa
e detentor da devida autorização municipal.
Cooperativa de transporte escolar
Veículo, em nome do cooperado ou da própria
cooperativa, cadastrado e autorizado pelo Órgão
competente.
Cooperativa de transporte coletivo de
passageiros
Veículo vinculado ao contrato de licitação
entabulado entre cooperativa e administração
pública.
Cooperativa de transporte de
passageiros sob o regime de fretamento
turístico
Veículos relacionados pela cooperativa no ato do
requerimento da outorga da permissão junto ao
Órgão competente.
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Quando o fundo chegar ao limite máximo, os descontos na produção dos cooperados podem
ser cessados até que seja utilizado para cobertura de um dano de algum cooperado, ocasião
em que os descontos na produção serão retomados até a recomposição do fundo e assim
sucessivamente
Para que o fundo não seja inviabilizado, é importante que se estabeleça um período de
carência para o início da sua utilização, limitado ao teto do capital e, na hipótese do fundo
tornar-se deficitário, deverá haver uma chamada de aportes para que o fundo possa cobrir os
danos, evitando-se que cooperados contribuam e não tenham seus veículos reparados.
Por fim, os parâmetros para fixação do valor do fundo e percentual de desconto da produção
de cada cooperado deverão ser deliberados em assembleia, observando a realidade de cada
cooperativa, seja ela de transporte de passageiros ou cargas.
Essas são, portanto, as considerações sobre a legalidade da prática de instituição de fundos
assistenciais nas cooperativas de transporte, bem como as recomendações para que esta
atividade acessória e secundária se dê com amparo em procedimentos legais e operacionais
que representem uma maior segurança ao destinatário final de todo e qualquer serviço
prestado pela cooperativa: o cooperado.
No entanto, também é importante ressaltar que, a despeito das considerações aqui trazidas,
a SUSEP poderá prosseguir com o seu entendimento de que a constituição do fundo
representa uma atividade securitária e, consequentemente, instaurar procedimentos
administrativos e/ou judiciais requerendo a suspensão da atividade, além de aplicar multa
correspondente ao valor da importância segurada, conforme estabelece o artigo 113 do
Decreto Lei nº 73/6611. Contudo, como visto, a defesa da legalidade de tais fundos é factível,
nos termos da fundamentação acima destacada.
11 Art 113. As pessoas físicas ou jurídicas que realizarem operações de seguro, cosseguro ou resseguro sem a
devida autorização, no País ou no exterior, ficam sujeitas à pena de multa igual ao valor da importância segurada
ou ressegurada.
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Destacamos que os aspectos de contabilização e operacionalização dos fundos assistenciais
é fruto do trabalho dos analistas contábeis e tributários do Sistema OCB e constam de parecer
específico CECONT n° 01/2016, que forma com esse posicionamento um documento único.
De acordo com as informações prestadas, é o registro.
Ana Paula Andrade Ramos Rodrigues
Assessora Jurídica
Bruno Batista Lôbo Guimarães
Assessoria Jurídica
Igor Seixas Miranda Vianna
Assessoria Jurídica
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