3º Encontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia:
Amazônia e Sociologia: fronteiras do século XXI
GRUPO GT 13: Sociedade e ambiente: redes de sociabilidade e relações com a natureza no
Norte e Sudeste do Brasil
Conservação de Paisagens Culturais em Corredores Transfronteiriços: de
Manaus (BR) à Ciudad Bolívar (VE).
Pedro Tarcio Pereira Mergulhão, Universidade Federal de Roraima
pedromergulhã[email protected]
Manaus, 26, 27 e 28 de setembro de 2012
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Conservação de Paisagens Culturais em Corredores Transfronteiriços: de
Manaus (BR) à Ciudad Bolívar (VE).
Pedro Tarcio Pereira Mergulhão
RESUMO
O artigo assume por objeto de estudo paisagens, arquiteturas, urbanismo, paisagismo,
ambientes rurais e urbanos, presentes no corredor nacional e internacional transfronteiriço,
entre as cidades de Manaus (AM), Boa Vista (RR), Santa Elena do Uiarén(VE) e Ciudad
Bolívar (VE). Objetiva identificar elementos formais que caracterizem as paisagens culturais
amazônicas, naturais e antrópicas, construídas ao longo de um tempo determinado. Pretende
compreender o contexto político, econômico e sócioambiental que permeia relações, vontades
e ações entre sociedades e meio ambiente e que podem provocar transformações
comprometidas ou não com a conservação de paisagens e identidades culturais características
do universo territorial delimitado. O estudo buscará relacionar contextos históricos e
realidades presentes e amparar-se-á em trabalhos teóricos que tratam de conceitos de
paisagem, da ecologia da paisagem, da antropologia, da sociologia e em relatos históricos,
análises iconográficas e observações de campo.
Palavras-chave: Paisagem, conservação, relações sociais transfronteiriças.
O homem transforma paisagens naturais em paisagens culturais para atender suas
necessidades biológicas e racionais, como afirmou Vidal de la Blache (apud GOITIA, 1982)
“a natureza prepara o local e o homem organiza-o de maneira a satisfazer as suas
necessidades”.
Acredita-se que a edificação de cidades esteve ao longo da história condicionada a
elementos naturais da paisagem, como montanhas, mares e rios, como nos mostra, Benévolo
(2007), ao se referir à Antiga Grécia:
“A cidade, no seu conjunto, forma um organismo artificial inserido no
ambiente natural, e ligado a este ambiente por uma relação delicada; respeita as
linhas gerais da paisagem natural, que em muitos pontos significativos é
deixada intacta, interpreta-a e integra-a com os manufaturados arquitetônicos”.
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Estudos indicam ainda outros direcionamentos e abordagens no trato do surgimento de
cidades, em searas do conhecimento que vão além dos elementos físicos, como os trazidos por
Rykwert (2006), que considera os elementos simbólicos presentes na natureza como
condicionantes adotados por civilizações pretéritas na escolha do lugar onde cidades deveriam
ser implantadas.
Ainda que esse conjunto de razões usufrua de importância para determinadas
sociedades na escolha do lugar de nascimento da urbe, o que de fato foi relevante para o
surgimento da cidade foram os interesses políticos e econômicos que conduziram a conquistas
territoriais, estas quase sempre trazendo a reboque conflitos sociais, transformações de
paisagens e desequilíbrios ambientais.
Essa relação conflitante entre o homem e a paisagem ao longo da história humana,
permeada pelo desejo permanente de dominação e exploração, fez nascer no dominado o
sentimento de negação da paisagem autóctona e incorporação cultural de elementos exógenos,
provocando perda de identidades. Observa-se que esse processo tem se mostrado comum na
Amazônia.
Nesse contexto, onde são demonstradas realidades temporais e espaciais diversas, no
passado e no presente, se faz necessário neste início de século XXI, de mundos globalizados e
de transformações múltiplas e aceleradas, de delineamentos e imposições de novos
paradigmas, a realização de estudos focados nessa problemática territorial, resultado das
múltiplas dinâmicas sociais inter-relacionadas ou isoladas.
Desse modo, o que se propõe com o presente estudo é lançar um olhar para as
dinâmicas rurais e urbanas que se constroem no espaço geográfico transfronteiriço nacional e
internacional na Amazônia Brasileira e Venezuelana.
Nesse ponto, o presente artigo pretende refletir sobre fluxos sociais transfronteiriços
amazônicos entre territórios, cidades, populações, residentes e transitórias, nas bordas ao
longo das rodovias que ligam as cidades de Manaus (AM) a Ciudad Bolívar (VE).
Procurar-se-á analisar as implicações que esses fluxos provocaram no passado nas
paisagens existentes nesses corredores territoriais, notadamente no que tange às práticas
sociais que podem comprometer a conservação de paisagens e identidades culturais regionais.
Buscar-se-á ainda identificar e demonstrar ideais, condutas, projetos e realidades de vidas que
conduzem a transformações na paisagem neste início de século XXI, causadas
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hipoteticamente e de forma preliminar, por fatores, dentre outros já citados, pelas novas
configurações políticas e econômicas mundiais, consequências do surgimento da
comunicação de massa, possível graças à internet, de novos fluxos comerciais e configurações
geopolíticas e econômicas, intercâmbios culturais entre países etc.
Sabe-se, por exemplo, que serviços de restauração, do tipo “self-service”, bastante
comum no Brasil, chega com força e aceitação na cidade fronteiriça Venezuelana de Santa
Elena do Uiarén.
Ou, quando se observa o intercâmbio de espécies de plantas entre o Brasil e a
Venezuela para uso no paisagismo, sem controle científico e legal, podendo provocar
transformações, danos ao meio-ambiente e descaracterizações paisagísticas.
Ou ainda, sobre projetos governamentais “desenvolvimentistas” que comprometem
paisagens e comunidades locais e não oferecem qualidade de vida prometida, como o projeto
de construção de dezenas de hidrelétricas na Amazônia e que por fim, não atendem as
demandas das populações regionais, como é o caso de Boa Vista, que importa energia da
Venezuela.
Essas situações apresentadas nos fazem refletir sobre questões do tipo:
- particularidades culturais nacionais regionais estariam fadadas ao desaparecimento, em
virtude de modelos e padrões capitalistas que se impõem internacionalmente?
- na contemporaneidade, torna-se irrelevante a conservação de paisagens em uma determinada
região, podendo-se “recriar” e padronizar paisagens a revelia de identidades culturais
regionais sem danos ao desenvolvimento e a qualidade de vida física e psicológica de
populações?
- ou ainda, acordos políticos e econômicos internacionais não estariam desconsiderando
necessidades regionais e locais?
Consideramos que essas realidades e outras que pretendemos abordar, quando
desenvolvidas sem estudos, análises e planejamentos e gestões eficazes, podem provocar e
agravar problemas regionais supracitados e outros, como: desequilíbrio ambiental,
transformações e perdas de paisagens e identidades culturais, desperdícios de possibilidades
de desenvolvimento socialmente sustentável etc. E, é com base nessa problemática e na
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perspectiva de propostas sustentáveis de desenvolvimento da Amazônia transfronteiriça que o
presente estudo se justifica.
A presente proposta se inspira no Projeto de Pesquisa desenvolvido pela Professora
Fátima Pelaes, da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, denominado: “Percepção da
paisagem urbana no corredor transfronteiriço: do Porto de Santana a Cayenne”, do qual o
autor participa como Professor Participante Externo. E, objetiva no futuro, o intercâmbio
entre estudos e pesquisas que podem vir a ser desenvolvidos por instituições e pesquisadores
com o intuito de se criar uma rede de pesquisas voltadas ao estudos da paisagem, da
arquitetura, do urbanismo, e do paisagismo na Amazônia.
Desse modo, assim como os estudos no Amapá, o objetivo geral da presente proposta
é estudar as relações que se estabelecem em cidades Amazônicas transfronteiriças; no nosso
caso, as cidades brasileiras de Manaus e Boa Vista, e as venezuelanas Santa Elena do Uiarén e
Ciudad Bolívar, além do trecho territorial compreendido entre as mesmas, representado pelas
áreas de preservação ambiental da Reserva indígena Waimiri-Atroari (BR) e Gran Sabana
(VE) e que condicionam transformações e construções de paisagens ao longo de um espaço
temporal.
Como objetivos específicos, a nossa proposta pretende:
a) Estudar o conceito de paisagem amazônica;
b) Relacionar os conceitos adotados no estudo com a produção antrópica nos universos
territoriais adotados;
c) Identificar elementos físicos que caracterizem paisagens amazônicas no universo
territorial delimitado;
d) Verificar as transformações ocorridas na paisagem ao longo do tempo e os atores e
processos históricos envolvidos nas transformações detectadas;
e) Verificar de que forma a paisagem desperta na população o sentimento de
reconhecimento e pertencimento e como elas procedem com vistas à sua conservação;
f) Divulgação dos resultados obtidos por diversos meios (artigos em congressos e
periódicos, home page, entre outros);
O estudo justifica-se pela abrangência (7 milhões de km²) e importância da Amazônia
para o Brasil e para o mundo, região distribuída entre nove países: Brasil, França (Guiana
Francesa), Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia; e nove estados
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brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e
Tocantins. E, cuja relevância principal neste trabalho, é a conservação paisagística da floresta
tropical e do lavrado em meio às ações antrópicas.
Para tal, impõem-se a urgência de estudos voltados para o conhecimento da região, na
perspectiva de que, diferentemente de projetos e ações pretéritas, geralmente exógenas e
desastrosas para a região (AB’SÁBER, 2004), qualquer projeto e investimento que venha a
ser proposto no presente e no futuro para a região, seja ele condicionado a estudos científicos
e técnicos produzidos sobre a região.
Este projeto apresenta como proposta metodológica de análise o método qualitativo,
com procedimentos metodológicos que perpassam pela observação e descrição dos
acontecimentos em cada local analisado. Entendemos que o êxito da pesquisa científica está
condicionada preliminarmente à sensibilidade do investigador em delinear caminhos por meio
de seus sentidos e experiências acumuladas, amparando-se em instrumentos e recursos de
trabalho, como a pesquisa bibliográfica, a coleta de dados, a fotografia, entrevistas e relatos
orais, e, sobretudo para a pesquisa social (na qual o estudo se insere), no contato com o objeto
estudado por meio da pesquisa de campo, como atesta Serra (2006): “O contato pessoal com
seu objeto de estudo é de fundamental importância para o pesquisador, principalmente quando
falarmos de arquitetura, construção e cidades”.
DELIMITAÇÃO TERRITORIAL DO ESTUDO
O universo territorial adotado deveu-se em um primeiro momento à necessária
urgência de olhares acadêmicos voltados para a região amazônica e que possibilitem reflexões
e produções científicas, na esperança de que, com base no conhecimento, surjam alternativas
de planejamento, ações e gestões sustentáveis para região, implicando na conservação de
paisagens regionais.
Desse modo, nosso olhar volta-se para o norte do Brasil, especificamente para o
território amazônico, compreendido pelo trecho transfronteiriço entre a cidade de Manaus
(AM) e a cidade de Ciudad Bolívar (VE), Figura 1.
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Figura 1 – Mapa do Estado de Roraima
Fonte: http://www.ibge.com.br
Optou-se como foco de estudo a paisagem rural e urbana por entendermos a estreita
relação existente entre esses dois universos na construção da história humana, cujo ápice
dessa relação vem sendo ao longo da história, a cidade. E, concordando com Mumford
(1982), “a cidade é a forma e o símbolo de uma relação social integrada”; e, Monteiro (2012)
ao comentar a importância do tema da cidade como foco de estudo no mais recente livro de
David Harvey “As Cidades Rebeldes” (2012), disponível em:
www.outraspalavras.net/2012/07/13/as-ci,
“É a ela [cidade] que afluem – e lá que se articulam – as multidões às quais o capital já não
oferece alternativas. Esta gente estabelece novas formas de sociabilidade, identidades e
valores”.
Logo, o ponto de partida para nosso estudo será a cidade de Manaus (AM), devido à
sua relação histórica, política e econômica com o norte do país; pela cidade estar edificada em
meio à paisagem amazônica “natural” de grandes bacias hidrográficas e ecossistema de
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floresta, e, por beneficiar-se de monumentos arquitetônicos ecléticos (Figura 2) referenciais
para o estudo do período econômico áureo na Amazônia, o boom da borracha, entre os
séculos XIX e XX, e que expressam contextos políticos, econômicos e sociais únicos e
próprios à região.
Figura 2: Teatro Amazonas em Manaus
Fonte: Acervo particular do autor, 2011.
Para um segundo ponto de análise, escolheu-se a cidade de Boa Vista, em Roraima;
pelo fato de esta cidade significar geograficamente o ponto extremo norte fronteiriço com a
Venezuela de maior importância estratégica planejada, criada e consolidada. Segundo projeto
governamental que vislumbrou a construção de um Brasil que pretendia, segundo as
perspectivas de governos militares, estabelecer controles fronteiriços, ocupações do território
brasileiro e avanços econômicos desenvolvimentistas.
Para tal, além da ocupação militar, distribuição de terras, “corrida ao ouro”, estímulos
à migração, o governo federal brasileiro implantou entre 1944 e 1946 um projeto de cidade
projetada, expressa em um desenho urbanístico (Figura 3) de autoria do Engenheiro Civil
Darcy Aleixo Derenusson; o qual nos permitirá investigar, por exemplo, se o seu desenho
moderno permite e estimula o uso dos espaços públicos e a consequente sociabilidade da
população de Boa Vista.
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Figura 3: Plano Urbanístico de Boa Vista.
Fonte: Vale, 2007.
Existe ainda no âmbito do Plano um número considerável de projetos arquitetônicos
modernos de autoria de arquitetos de renome atuantes ou não na região, como Severiano
Porto, que merecem estudos e registros, buscando-se compreender por meio deles até que
ponto a modernidade pretendida para Boa Vista foi incorporada nas realidades sociais da
cidade. Sabe-se, por exemplo, que um dos pilares modernistas brasileiros apresentados na
Semana de Arte Moderna de 1922 foi a busca de uma identidade nacional brasileira, que
obrigatoriamente estivesse associada à miscigenação das três raças que formam o povo
brasileiro: o índio, o europeu, e o africano.
Ou, a valorização da paisagem brasileira em oposição à importação de referenciais
europeus em voga, como a adoção de estilos franceses e ingleses no paisagismo público e
privado.
Desse modo, pergunta-se: qual seria o conceito - além evidentemente da lógica
capitalista - a justificar o projeto de modernidade do país com a implantação e consolidação
do território no extremo norte brasileiro por meio da construção de Boa Vista quando este
transforma e promove desequilíbrios ambientais nas paisagens e exclui dos processos
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políticos, econômicos e sociais centrais1 as etnias indígenas de Roraima (Ingaricô, Macuxi,
Patamona, Taurepang, Waimiri-Atroari, Wapixana, Waiwaí, Yanomami, Ye'kuana)2 (Figura
4) presentes no território antes da chegada do migrante no então Território Federal de
Roraima, personagem este oficialmente celebrado como marco da ocupação do homem na
região, como mostra a imagem alusiva (Figura 5).
Figura 4: Protesto de indígenas Yanomami em Boa Vista (RR).
Fonte: http://acritica.uol.com.br/amazonia/. Acesso em: 29 ago. 2012.
Figura 5: Monumento ao Garimpeiro no centro da Praça Cívica de Boa Vista.
Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.
1 A população urbana indígena de Boa Vista, segundo os dados do IBGE/2010, é de 8.212 pessoas, no entanto
essa população só é vista na paisagem urbana no âmbito do Plano Urbanístico de Boa Vista quando há
manifestações reivindicatórias por parte das etnias presentes em Roraima 2 – Fonte: www.funai.gov.br/ Acesso em: 29 ago. 2012.
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Ainda no plano arquitetônico e urbanístico, o nosso interesse voltar-se-á igualmente
para o estudo e registro da arquitetura concebida pelo migrante, sem projeto de arquitetos,
mas motivados pela vontade de inserir na edificação e na paisagem urbana da cidade de Boa
Vista “elementos construtivos modernos”, mas ainda fortemente influenciadas pelos conceitos
e práticas culturais de seus lugares de origem (Figura 6).
Figura 6: Exemplar de residência “moderna” em Boa Vista.
Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.
Em resumo, o espaço urbano de Boa Vista compreendido pelo Plano Urbanístico
configura-se como um campo de pesquisa rico e ainda não estudado em sua totalidade,
especificamente no âmbito deste trabalho, a paisagem rural e urbana, analisada sob o olhar
disciplinar da arquitetura e do urbanismo. Isto se torna mais urgente quando vislumbramos
um possível e intenso crescimento demográfico e urbano na cidade neste início do século
XXI, quando o Brasil e a Amazônia assumem relevante importância política e econômica no
contexto global; e, particularmente o Estado de Roraima, pela sua posição geográfica
fronteiriça, posição esta que implicará em maiores e melhores infraestruturas em comércio,
bens e serviços governamentais e privados, o que certamente acarretará novos fluxos
migratórios, e, acredita-se, de igual força ao constatado na segunda metade do século XX
quando,
“... a população do estado de Roraima cresceu, segundo o IBGE, de 17.247
habitantes, em 1950, para 324.397, em 2000 (SOUZA, 2006 apud SOUZA,
2010). As mudanças político-administrativas ocorridas no período e a vinda de
migrantes foram as principais responsáveis por esse crescimento, concentrado
em Boa Vista”.
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Nesse provável quadro urbano futuro, acrescenta-se o panorama rural onde o que está
em jogo no contexto da paisagem é o destino de um dos biomas únicos na Amazônia, o
Lavrado, que ameaçado com o crescimento urbano, fragiliza-se igualmente em âmbito rural,
com os interesses agroindustriais voltados para o Estado de Roraima com projetos de
expansão de monoculturas do arroz, da soja e da cana-de-açúcar, desejadas por grandes
produtores rurais.
Seguindo em direção à Venezuela, propomos como limite transfronteiriço entre países,
as cidades de Pacaraima (BR) e Santa Elena do Uairén (VE), objetivando observar nesses
contextos urbanos, trocas e transitoriedades comparativas, definidas por marcas fixas e
transitórias na paisagem, representativas de modos de vida diversos no Brasil e na Venezuela,
decorrentes, por exemplo, dos fluxos provocados pelo comércio, turismo e por problemas
sociais urbanos expressos na paisagem, como podem preliminarmente sugerir, uma possível
constatação de um menor índice de violência urbana na cidade venezuelana de Santa Elena do
Uiarén, quando identificamos a ausência de muros entre residências (Figura 7).
Figura 7: Ausência de muros entre residências em Santa Elena do Uiarén (VE).
Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.
Finalmente, como ponto limite do nosso universo territorial de estudo, a cidade de
Ciudad Bolívar (VE), capital do Estado Símon Bolívar (VE), que, como Manaus, para o
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extremo norte do Brasil, Ciudad Bolívar configura-se como cidade irradiadora de influências
sobre o sul venezuelano em direção ao Brasil.
Considera-se ainda como objeto relevante de estudos neste trabalho, as áreas de
preservação ambiental compreendidas pela Reserva Indígena Waimiri-Atroari, entre Manaus
e Boa Vista (Figura 8); o Lavrado de Roraima, entre Boa Vista e Pacaraima (Figura 9), ambos
cortados pela BR-174; e, na Venezuela, o Parque da Gran Sabana (Figura 10), no trecho entre
Santa Elena do Uiarén e Ciudad Bolívar.
Nesse âmbito pretende-se observar e comparar o grau de pressões exercidas sobre
esses territórios e o estado de conservação das paisagens naturais nas bordas ao longo das
rodovias que percorrem essas áreas. Pretende-se ainda observar e registrar as tipologias
arquitetônicas e configurações espaciais indígenas presentes nesses territórios, e seus estados
de conservação e transformação, por meio de influências e processos de aculturação.
Figura 8: Reserva Indígena Waimiri-Atroari entre Manaus e Boa Vista.
Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.
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Figura 9: Lavrado (RR).
Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.
Figura 10: Gran Sabana (VE).
Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.
INTERFACES DISCIPLINARES
A presente proposta de estudos da paisagem, da arquitetura, do urbanismo, e do
paisagismo na Amazônia transfronteiriça se insere no âmbito das atividades de ensino e
pesquisa do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima.
O estudo pretende buscar abordagens que tratem do tema e que auxiliem o olhar do
arquiteto e urbanista pesquisador, por meio de disciplinas como a antropologia, arqueologia,
botânica, geografia, história, sociologia etc, e estudos produzidos sobre a região,
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possibilitando desse modo, o desenvolvimento de contribuições conceituais e propostas com
vistas ao desenvolvimento sustentável da região.
Dentre os estudos já detectados focados na temática, em outros territórios
transfronteiriços amazônicos e realizados por arquitetos e urbanistas ou por pesquisadores de
outras áreas, mas que estão ligados ao estudo disciplinar da temática adotada, cita-se: os
estudos de Sanchez; Diogo (1998); Porto; Nascimento (2006); Pelaes (2011); Tostes (2012).
E, como exemplo de apoio interdisciplinar, cita-se o importante o estudo da paisagem
na Amazônia por meio da etnobotânica, o qual atesta a intervenção planejada na floresta
amazônica de povos indígenas, detectada com base na chamada “terra preta de índio”,
resultado de métodos tradicionais indígenas no trato da paisagem. Desse modo, pretende-se a
partir do exemplo supracitado, identificar um “fazer paisagístico indígena amazônico”,
possível de classificação na categoria de patrimônio imaterial associado à paisagem cultural.
A portaria 127, de abril de 2009, do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), fundamentada na Constituição do Brasil de 1988, determina que o
patrimônio cultural pode ser formado por bens materiais e imateriais considerados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira; e estes merecem conservação de modo a
se evitar que transformações ocorridas na sociedade, tais como, expansão urbana, processos
de influências externas etc, coloquem em risco de desaparecimento paisagens culturais
brasileiras.
Ainda no âmbito da temática indígena, pretende-se dar início a estudos da arquitetura e
estrutura espacial de comunidades indígenas no universo geográfico proposto, seguindo
exemplos já desenvolvidos, como o estudo sobre a comunidade indígena do Amapá Wajãpi
rena (2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo insere-se na perspectiva acadêmica do autor de realizar estudos
sobre a paisagem, a arquitetura, o urbanismo e paisagismo no âmbito amazônico;
considerando abordagens presentes nos campos das ciências humanas e da terra, com o
objetivo de embasar e trazer a luz do conhecimento temas relevantes ao desenvolvimento
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sustentável da região amazônica e suas populações, e produzir trabalhos com o intuito de
subsidiar formações e produções acadêmicas e profissionais de qualidade na região.
Nessa proposta acadêmica, o presente escrito se mostra como uma apresentação de
intenções, e, pioneiro, como proposta acadêmica no DAU/UFRR, inserida no Projeto de
Extensão Universitária – 2012/2013 coordenado pelo autor e denominado: Estudos da
Paisagem, da Arquitetura, do Urbanismo, e do Paisagismo na Amazônia. Com o mesmo se
almeja no futuro evoluir para uma Linha de Pesquisa, de modo a se criar uma rede de estudos
e intercâmbios dessa temática com outras instituições de ensino e pesquisa atuantes na região
amazônica.
Desse modo, o que se busca neste momento com o presente escrito, é a apresentação
da nossa proposta em eventos, no intuito de se estabelecer uma aproximação e intercâmbio
com pesquisadores de áreas diversas do conhecimento, como a sociologia, e que se mostrem
interessados na análise da produção do espaço urbano e rural na Amazônia.
Como primeira ação de nosso Projeto de Extensão, iremos desenvolver neste ano de
2012-2013, estudo de investigação do acervo Paisagístico, Urbanístico e Arquitetônico na
abrangência do Plano Urbanístico de Boa Vista.
Dentro da proposta, procurar-se-á pesquisar e registrar:
1. a intencionalidade conceitual do arquiteto, urbanista e paisagista, no planejamento,
no projeto, e na construção da cidade moderna no extremo norte do Brasil, por
meio do estudo físico do epicentro do Plano Urbanístico de Boa Vista (RR), a
Praça do Centro Cívico, configurada por seu desenho formal e estrutural
urbanístico, por seu projeto paisagístico, pelo monumento ao garimpeiro, e pelas
edificações institucionais presentes na praça e no seu entorno: Palácio Senador
Hélio Campos, Palácio da Cultura, Correios, Assembleia Legislativa, Tribunal de
Justiça, Receita Federal, Secretaria da Fazenda, Terminal Rodoviário Urbano,
Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esporte, Banco do Brasil, Forum de
Boa Vista, Catedral Cristo Redentor, Hotel Aypana, Escola Princesa Isabel, Escola
Lobo D’Almada, Banco da Amazônia.
Em última análise, o que se pretende com o estudo, na área da paisagem, arquitetura,
urbanismo e paisagismo, e, amparado em outros olhares disciplinares, como o da sociologia, é
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identificar, estudar e analisar estórias, intensões, ações e processos contextuais, traduzidos por
“projetos de construção de vidas futuras” no extremo norte brasileiro, expressos na paisagem
e nos artefatos construídos e passíveis de conservação como marcas da nossa civilização.
Acredita-se que o presente trabalho contribuirá para a consolidação do curso de
arquitetura e urbanismo e para o desenvolvimento da pesquisa na UFRR, assim como, para o
estudo e registro histórico da pesquisa da paisagem, da arquitetura, do urbanismo e
paisagismo, sobretudo o indígena e o moderno, produzido na segunda metade do século XX,
na Amazônia.
BIBLIOGRAFIA CITADA
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