UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
VIRGILIO ANTIQUEIRA
CADA NOME UMA HISTRIA: DOS NOMES GEOGRFICOS DE SO BERNARDO
DO CAMPO AOS NOMES DAS RUAS E VILAS DO BAIRRO DE RUDGE RAMOS
So Paulo
2011
1
VIRGILIO ANTIQUEIRA
CADA NOME UMA HISTRIA: DOS NOMES GEOGRFICOS DE SO BERNARDO
DO CAMPO AOS NOMES DAS RUAS E VILAS DO BAIRRO DE RUDGE RAMOS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica, do Departamento de Lingustica da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno de ttulo de Mestre em Lingustica.
rea de Concentrao: Semitica e Lingustica Geral
Orientadora: Prof. Dr. Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick.
So Paulo
2011
2
A Silvia, por tudo.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeo querida Prof. Dr. Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick pela simplicidade
que lhe inerente, pela disponibilidade em compartilhar o que sabe, pela pacincia e por
todas as demonstraes de carinho.
Um agradecimento sincero Prof. Dr. Maria Aparecida Barbosa, pelos to teis
ensinamentos e aos demais professores que comigo estiveram nesta caminhada.
Agradeo aos colegas de curso, que desde meu ingresso no curso de Toponmia Indgena, me
incentivaram e buscaram ajudar-me em vrias ocasies.
Agradeo a toda minha famlia, em especial meus irmos, minhas cunhadas, meus pais e
minha sogra. Todos so especiais.
Agradeo especialmente a minha querida e amada esposa Silvia, que comprometeu muitos
momentos de lazer para que este trabalho pudesse ser concludo.
4
FOLHA DE APROVAO
Virgilio Antiqueira.
Cada Nome Uma Histria: dos Nomes Geogrficos de So Bernardo do Campo aos
Nomes das Ruas e Vilas do Bairro de Rudge Ramos.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica do Departamento de Lingustica da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno de ttulo de Mestre em Lingustica. rea de Concentrao: Semitica e Lingustica Geral Orientadora: Prof. Dr. Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick.
Aprovada em: _______________________________.
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituio: _____________________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituio: _____________________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituio: _____________________________ Assinatura: __________________________
5
ANTIQUEIRA, V. Cada Nome Uma Histria: dos Nomes Geogrficos de So Bernardo do Campo aos Nomes das Ruas e Vilas do Bairro de Rudge Ramos. 2010. Dissertao (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo. So Paulo, 2010.
RESUMO
O objetivo desta pesquisa analisar os topnimos referentes hidrografia do municpio de So Bernardo do Campo e os referentes aos logradouros do bairro de Rudge Ramos, comparando-os, a fim de que atravs do nome se possa contar ou recontar diferentes aspectos da histria local, considerando, para isso, fatores extralingusticos presentes no ato da nomeao. Dentre estes aspectos est a observncia de dois momentos distintos de nomeao: o primeiro, referente aos cursos dgua, em muitos momentos e juntamente com os principais caminhos e nomes de maior importncia, mostra-se reflexo do ambiente fsico ou social da poca da nomeao; o segundo, acerca dos logradouros, se coloca como reflexo de um momento histrico mais recente, ps-imigrao. Diante disso, consegue-se verificar que a ocupao do bairro pelos imigrantes, em especial de origem italiana, favoreceu a motivao toponmica. O desmembramento de antigas chcaras e stios em loteamentos fez com que nos nomes estivessem refletidos os antropnimos dos proprietrios. Na perspectiva de verificar dois momentos de nomeao, os nomes de origem indgena presentes no bairro de Rudge Ramos, traduzidos e catalogados em fichas lexicogrfico-toponmicas, demonstram-se desvinculados do ambiente fsico motivador. Por isso, verifica-se que so esses nomes indgenas, aqui caracterizados como formadores de um ncleo toponmico, resultado de um modismo. Os demais nomes indgenas, dos cursos dgua, relacionam-se com o ambiente que os motivou, no sendo, por isso, nomes transplantados. So, na verdade, nomes espontneos e originais da regio. A realidade toponmica da regio mostra outros ncleos toponmicos. Est demonstrada, com a alta frequncia de topnimos de natureza antropo-cultural no bairro e baixa frequncia nos cursos dgua, a realidade de nomear os loteamentos com homenagens. Os cursos dgua, cujas nomeaes so mais antigas, mostram aspectos histricos mais antigos da regio, como a explorao do solo e da madeira. Alm disso, este trabalho inscreve-se na linha metodolgica de pesquisa do projeto ATESP (Atlas Toponmico do Estado de So Paulo) e em sua variao do Atlas das Cidades, considerando, alm da organizao dos topnimos em Fichas, a verificao da motivao toponmica dos nomes. Palavras-chave: Cursos Dgua de So Bernardo do Campo; Rudge Ramos; Motivao Toponmica, Antropotopnimos, Toponmia.
6
ANTIQUEIRA, V. Cada Nome Uma Histria: dos Nomes Geogrficos de So Bernardo do Campo aos Nomes das Ruas e Vilas do Bairro de Rudge Ramos. 2010. Dissertao (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo. So Paulo, 2010.
ABSTRACT The purpose of this research is to analyse the toponimies related to the hidrografy of So Bernardo do Campo town and the ones related to place names of Rudge Ramos district, comparing them, in order to, through the name we can tell or retell different aspects of local history, considering, to do that, extralinguistics factories present in the designated act. Among these aspects, there is the observation of the two distinct moments of denomination: the first, related to the rivers, in many moments and together with the main paths and more important names, show reflexies of the phisic or social environment of the nomination period of time; the second, related to the Rudge Ramos place names, put itself as a reflex of a history moment more recent, post immigration. In face of this, we can verify that the occupation of the district by the immigrants, especial the ones from Italy, supported the toponimic motivation. The separation of the old ranchs into division of the land into lots or parcels made the names of the owners had been reflected in the place names. In the perspective of verifing two moments of nomination, the names of brazilian indian origin presents in Rudge Ramos district, translated and catalogged in lexicografy-toponimic cards, show themselves without bonds considerings the phisic environment motivator. Because of that, we verify that these indian names are, in this paper, characterized as formers of a toponimic core, a result of a manner. The other indian names, of the rivers, related themselves with the environment which motivated them, and because of that they are not transported names. They are, actually, spontaneouns names and originated in the area. The toponimic reality of the area shows others toponimic cores. It is demonstrated, with the high frequency of toponimies of cultural nature in the district and low frequency in the rivers, the reality of nominating the lots with homenages. The rivers, whose nominations are older, show historic aspects more antique, like the land and wood exploration. Besides that, this paper enrols in the methodologic research line of ATESP (Toponimic Atlas of So Paulo State) project and in the variation Atlas of the Cities, considering, apart from the organization of the toponimies into cards, the examination of the toponimic motivation of the names. Key-Words: Rivers of So Bernardo do Campo; Rudge Ramos; Toponimic Motivation, Personal-Names-Related Toponimies; Toponimy.
7
NDICE DE GRFICOS
Grfico 1 Percentual de Topnimos por Taxionomia Cursos Dgua 123 Grfico 2 Quantidade de Topnimos por Taxionomia Cursos Dgua 123 Grfico 3 Quantidade de Topnimos por Taxionomia Nomes de Origem Indgena
de Rudge Ramos 130
Grfico 4 Percentual de Topnimos por Taxionomia Nomes de Origem Indgena de Rudge Ramos
130
Grfico 5 Percentual de Topnimos por Taxionomia Vilas, Jardins, Parques e Conjuntos Residenciais
146
Grfico 6 Quantidade de Topnimos por Taxionomia Vilas, Jardins, Parques e Conjuntos Residenciais
146
Grfico 7 Percentual de Topnimos por Taxionomia Praas e Largos 163 Grfico 8 Quantidade de Topnimos por Taxionomia Praas e Largos 163 Grfico 9 Percentual de Topnimos por Taxionomia Ruas, Travessas e Avenidas 186 Grfico 10 Quantidade de Topnimos por Taxionomia Ruas, Travessas e
Avenidas 186
Grfico 11 Percentual de Antropotopnimos Origem dos Nomes 229 Grfico 12 Quantidade de Antropotopnimos Origem dos Nomes 229 Grfico 13 Percentual de Topnimos por Taxionomia Lista Geral 241 Grfico 14 Quantidade de Topnimos por Taxionomia Lista Geral 242 Grfico 15 Percentual de Topnimos por Natureza da Taxionomia Lista Geral 243 Grfico 16 Quantidade de Topnimos por Natureza da Taxionomia Lista Geral 243
8
NDICE DE TABELAS Tabela 1 rea dos Bairros em Km 21 Tabela 2 Resumo dos Termos Genricos 74 Tabela 3 Distribuio das Linhas Coloniais e Atuais Localizaes 107 Tabela 4 Quadro-Resumo dos Topnimos Cursos Dgua 121 Tabela 5 Taxionomias Toponmicas Cursos Dgua 122 Tabela 6 Topnimos de Origem Indgena de Rudge Ramos 127 Tabela 7 Quadro-Resumo dos Topnimos Vilas, Jardins, Parques e Conjuntos
Residenciais 144
Tabela 8 Taxionomias Toponmicas Vilas, Jardins, Parques e Conjuntos Residenciais
145
Tabela 9 Quadro-Resumo dos Topnimos Praas e Largos 161 Tabela 10 Taxionomias Toponmicas Praas e Largos 162 Tabela 11 Quadro-Resumo dos Topnimos Ruas, Travessas e Avenidas 175 Tabela 12 Taxionomias Toponmicas Ruas, Travessas e Avenidas 185 Tabela 13 Antropotopnimos de Rudge Ramos Origem Externa 226 Tabela 14 Antropotopnimos de Rudge Ramos Origem Italiana 227 Tabela 15 Antropotopnimos de Rudge Ramos Origem Local 228 Tabela 16 Quadro-Resumo dos Topnimos Lista Geral 235
9
NDICE DE MAPAS Mapa 1 Localizao da Regio Metropolitana de So Paulo 19 Mapa 2 Localizao de So Bernardo do Campo no Grande ABC 20 Mapa 3 Diviso dos Bairros 22 Mapa 4 Hidrografia 24 Mapa 5 Ncleo Toponmico do Parque Santo Antnio 133 Mapa 6 Ncleo Toponmico da Vila Mussolini 133 Mapa 7 Ncleo Toponmico das vilas Mariza e Tsukamoto 134 Mapa 8 Bairro de Rudge Ramos 250 Mapa 9 Carta So Paulo do IBGE (1:50.000) MI-2793-2 251 Mapa 10 Carta So Paulo do IBGE (1:50.000) MI-2793-4 252 Mapa 11 Planta Geral da Cidade de So Paulo (1:20.000) 253 Mapa 12 Mappa das Estradas de Rodagem do Municpio de So Paulo (1:50.000) 254 Mapa 13 Planta do Ncleo Colonial de So Caetano 1877 255 Mapa 14 Carta Geral do Estado de So Paulo (1:2.000.000) 256
10
NDICE DE FIGURAS Figura 1 Modelo de Ficha Lexicogrfico-Toponmica de Dick 46 Figura 2 Modelo de Ficha Lexicogrfico-Toponmica Adaptada (em branco) 47 Figura 3 Modelo de Ficha Lexicogrfico-Toponmica Adaptada (preenchida) 48
11
LISTA DE SIGLAS AC Acidente Cultural AF Acidente Fsico AH Aglomerado Humano DC Dicionrio Cartogrfico DE Dicionrio Etimolgico de Lngua Portuguesa DH Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa NAC Natureza Antropo-Cultural NF Natureza Fsica TC Topnimo Composto TE Termo Especfico TG Termo Genrico TH Topnimo Hbrido TS Topnimo Simples
12
SUMRIO 1 Introduo 14 2 Fundamentao Terica 30 2.1 Metodologia 45 2.2 Terminologia Aplicada Toponmia 50 2.2.1 Os Termos Genricos 56 2.2.2 Termos Genricos da Toponmia 57 2.2.2.1 Anel Virio 58 2.2.2.2 Avenida 59 2.2.2.3 Bairro 60 2.2.2.4 Cidade e Municpio 61 2.2.2.5 Conjunto Residencial 62 2.2.2.6 Crrego 63 2.2.2.7 Estrada 64 2.2.2.8 Jardim 65 2.2.2.9 Largo 66 2.2.2.10 Parque 67 2.2.2.11 Praa 67 2.2.2.12 Ribeiro 68 2.2.2.13 Rio 68 2.2.2.14 Rodovia 69 2.2.2.15 Rua 69 2.2.2.16 Travessa 70 2.2.2.17 Via 70 2.2.2.18 Viela 71 2.2.2.19 Vila 71
2.2.3 Glossrio de Termos Genricos da Toponmia 72 3 Aspectos Histricos do Municpio de So Bernardo do Campo: da antiga vila de Joo Ramalho designao atual
76
4 Aspectos Histricos do Bairro Rudge Ramos: da paragem no Guapi a Rudge Ramos
86
5 Anlise do Corpus 96 5.1 guas de So Bernardo 97
5.2 O Elemento Indgena: o espontneo e o sistemtico na toponmia 124
5.3 Ncleo Toponmico na Toponmia Urbana: dos nomes de origem indgena s homenagens
132
5.4 Vilas, Parques, Jardins e Conjuntos Residenciais 135
5.5 Praas e Largos 147 5.5.1 Praa Antnio Fernandes de Souza 148
13
5.5.2 Praa Antnio Morales 148 5.5.3 Praa Bruxelas 149 5.5.4 Largo da Capela 149 5.5.5 Praa Antnio Capassi 150 5.5.6 Praa Dona Nen 151 5.5.7 Praa Giovani Batista Rubin 151 5.5.8 Praa Indu Rovai 152 5.5.9 Praa Itlia 152 5.5.10 Praa Jaime Bitolo 153 5.5.11 Praa Joo Thesotto 154 5.5.12 Praa Jos Xavier Mol 154 5.5.13 Praa Londres 155 5.5.14 Praa dos Meninos 155 5.5.15 Praa Nilo Gomes de Lima 156 5.5.16 Praa Norberto Nicoletti Junior 157 5.5.17 Praa Olmpio Flix da Silva 157 5.5.18 Praa Pedro Martinelli 158 5.5.19 Praa Portugal 159 5.5.20 Praa Repblica 159 5.5.21 Praa So Joo Batista 159 5.5.22 Praa Waldemar Fontes 160
5.6 Os Caminhos: da Anchieta s Lgrimas 165
5.7 As Ruas, Avenidas e Travessas 173 5.7.1 As Ruas, Avenidas e Travessas Nomes de Natureza Fsica 187 5.7.2 As Ruas, Avenidas e Travessas Nomes de Natureza Antropo-Cultural 189 5.7.3 Os Antropotopnimos 202 5.7.4 Os Antropotopnimos de Homenagens Externas 203 5.7.5 Os Antropotopnimos de Homenagens Locais 206 5.7.6 Os Antropotopnimos e o Elemento Histrico: os imigrantes italianos 213
6 Consideraes Finais 230 Referncias 244 Anexos 257
14
1 Introduo
A pesquisa nasceu como resultado de fatores de ordem interna e externa. A motivao
externa fruto de uma experincia muito agradvel proporcionada face ao contato mais detido
com os estudos das reas de Semitica e Lingustica Geral, principalmente no que se refere
Toponmia, Etnotoponmia e Etnolingustica, e da rea de Histria Social. Estes fizeram
com que houvesse um olhar diferenciado para o que dava nome aos lugares e qual seria a
relao entre a motivao do nome e os aspectos culturais de uma determinada regio. esta
relao entre os aspectos culturais e a motivao um dos meios pelo qual o problema
apontado nesta pesquisa pde ser percebido. Um dos problemas em questo saber se o
estudo detalhado da motivao dos topnimos do bairro de Rudge Ramos, localizado no
Municpio de So Bernardo do Campo, Estado de So Paulo, pode contribuir para a regio,
contando ou recontando aspectos da histria local, presentes dos topnimos. Este problema
pode ser atrelado a outro, que o de saber se o estudo dos topnimos relativos aos cursos
dgua do municpio citado tambm contribui em algo. Um outro saber se a anlise
contrastiva entre os nomes dos cursos dgua do municpio e dos logradouros pblicos do
bairro de Rudge Ramos mostra diferentes momentos de nomeao.
Sobre a motivao interna, a experincia como morador da regio que ser estudada e
o trabalho como professor no mesmo local gera inquietaes. O dia-a-dia repleto de contatos
com nomes que tm uma histria, que podem trazer a vrias pessoas relevantes informaes
culturais opacas1 aos olhos da maioria dos habitantes do municpio e do bairro, desde que
estudados com critrio cientfico e com olhar de estudioso da cincia onomstica.
Em pesquisas acerca do tema deste trabalho, chegou-se concluso de que h
1 Nesse trabalho, informaes culturais opacas so aquelas que os atuais moradores de determinada regio desconhecem. O estudo detalhado dos topnimos pode resgat-las.
15
documentos, dentre os quais possvel citar mapas2, atuais ou so, revistas, jornais, entre
outros, que retratam as mais diversas fases da histria local. H tambm livros que tratam da
histria do municpio de So Bernardo do Campo, do bairro de Rudge Ramos e da cidade de
So Paulo e demais da regio, bem como da histria do Brasil. Alm desses, h documentos
da Prefeitura Municipal de So Bernardo do Campo, como leis e decretos, os quais foram
extremamente teis e o Compndio Estatstico ou Sumrio de Dados3. Mas mesmo com a
vasta bibliografia disponvel, principalmente no Servio de Memria e Acervo de So
Bernardo do Campo e nas Bibliotecas Pblicas de So Bernardo, no surgiu nada de
relevante em contraposio aos problemas levantados nesta pesquisa4. Os livros especficos
que tratam de Toponmia e das cincias afins falam sobre o problema. Porm, em relao ao
local de estudo existe pouco, visto no haver, at agora, uma pesquisa toponmica aplicada
regio.
Mesmo havendo livros sobre a cidade, estes no so to numerosos, a ponto de
Fernando Longo (2002, p. 4) escrever, quando da apresentao do livro So Bernardo do
Campo, Terra de Oportunidades, que
Este livro comeou a delinear-se aproximadamente h quatro anos, quando para minha surpresa descobri que o municpio de So Bernardo do Campo, apesar de toda sua grandiosidade, no possua qualquer material institucional que pudesse apresent-lo condignamente.
Alm da obra acima, outros livros foram objeto de anlise, principalmente aqueles que
tratam da parte histrica e os principais esto relacionadas nas referncias. O resultado da
pesquisa histrica, alm de apresentar utilidade na redao da anlise dos topnimos, faz parte
dos captulos que tratam da histria da regio e da histria do bairro.
Acerca da pesquisa toponmica e das demais cincias necessrias para a construo
desta anlise, diversos tericos foram estudados, muitos sobre Toponmia e Lingustica, os
2 Alguns destes mapas esto nos anexos; os demais, distribudos nos captulos. 3 No incio da pesquisa o Compndio Estatstico 2008 foi utilizado e na parte final, por haver mapas mais detalhados, tambm foi usado o Sumrio de Dados 2009. 4 Uma das obras mais importantes para embasamento histrico da regio, o livro de Wanderley dos Santos Antecedentes Histricos do ABC Paulista: 1550-1892 traz apenas um registro do termo topnimo.
16
quais ajudaram na construo da Fundamentao Terica desta Dissertao.
A definio do tema objeto desta pesquisa teve incio a partir do contato com a
disciplina Toponmia Indgena, no ano de 2007, momento em que se pde observar e estudar
as teorias relacionadas Onomstica que explicam at que ponto a motivao toponmia est
relacionada aos costumes, cultura de determinado povo. O trabalho produzido ao final do
curso mencionado sobre os topnimos do municpio de Mongagu, cidade do litoral sul do
Estado de So Paulo, fez com que se vislumbrasse a possibilidade de fazer o mesmo com uma
quantidade muito maior de nomes, com um rigor cientfico mais aprofundado e com
topnimos de uma regio que possui uma histria bastante interessante para este tipo de
anlise.
Conforme j apontado, a regio em estudo carecia de uma anlise toponmica dos
nomes, em que se incluem os cursos dgua5, bem como dos nomes pertinentes aos
logradouros pblicos6, a fim de mostrar a riqueza que h por detrs de um nome. Com isso,
fez-se possvel verificar que relao h entre a motivao semntica dos nomes e aspectos
culturais da regio. Isso foi feito porque o tema central do trabalho verificar at que ponto a
motivao toponmica pode contribuir para a histria cultural do bairro e do municpio em
que o nome est inserido.
Este tema considera algumas hipteses. Em uma delas, o que se quer mostrar que o
estudo da toponmia, o qual chega motivao do nome, d subsdios para contar (ou
recontar) a histria cultural da regio. Alm dessa, considera que os estudos toponmicos
possibilitam, atrelados aos estudos acerca das famlias da regio de Rudge Ramos, comprovar
que os loteamentos e a vida em torno da parte central foram demasiado importantes para o
crescimento da regio, principalmente no final do sculo XIX e incio do XX, com a chegada
5 A expresso cursos dgua genrica e engloba no s os rios, os ribeires e os crregos, como tambm os reservatrios e a represa da regio. 6 Os logradouros pblicos aqui considerados so: avenidas, conjuntos residenciais, jardins, largos, parques, praas, ruas, travessas, vias, vielas e vilas.
17
dos imigrantes regio. Saindo um pouco da parte central do bairro, h um outro momento,
situado perto da metade do sculo XX, em que vrios conjuntos residenciais e novos
loteamentos foram abertos.
No s isso, em um outro momento mostra-se que o estudo macrotoponmico
relacionado aos cursos dgua remete aos aspectos histricos desde os tempos da ocupao
antiga do solo na regio do Grande ABC7, ao passo que os nomes urbanos remetem ao
contexto histrico ps-imigrao. Os mapas mais antigos da regio e diversas obras acerca da
histria de So Paulo sobre os sculos XVI, XVII e XVIII j contemplam alguns nomes
relativos aos cursos dgua. Sobre os nomes do bairro de Rudge Ramos, o mapa mais atual e
a nomeao quase sempre comprovada com a data de criao dos loteamentos ou com a data
da doao ou oficializao do nome atravs de decreto ou lei municipal8.
Alm desta, existe a hiptese de considerar os nomes de origem indgena em uma
perspectiva macro como relacionados motivao do ambiente9, espontnea e geralmente
com traos semnticos que remetem aos aspectos fsicos da regio ao passo que os demais,
aqueles referentes aos logradouros, sistemticos e desvinculados do ambiente motivador, ou
seja, estes no remetem aos aspectos fsicos da regio. So, na verdade, nomes
transplantados10.
Em outro ponto, deve-se prender ao fato de perceber que o estudo detalhado da
motivao toponmica mostra que a translao toponmica11 ocorreu na regio de Rudge
Ramos para marcar nomes mais importantes. H, tambm, ncleos toponmicos12 espalhados
7 O captulo guas de So Bernardo trata desta hiptese. J a sigla ABC representa os municpios de Santo Andr, So Bernardo do Campo e So Caetano do Sul. 8 As tabelas que apresentam as relaes dos topnimos relativos aos logradouros pblicos trazem, sempre que possvel, nmero do decreto ou lei, bem como data do documento. 9 O captulo guas de So Bernardo d conta dos nomes espontneos e servir de contraponto anlise dos nomes de origem indgena presentes nos nomes das ruas, estes estudados no captulo O Elemento Indgena. 10 Nomes transplantados so os que saram de sua regio originria, de primeira apario, em geral espontnea, e foram usados em outro local. 11 A translao toponmica definida por DICK (2004, p. 41) como o deslocamento de um vocbulo em uso onomstico em uma rea para outro acidente prximo, consolidando um bloco de ocorrncias locais. 12 So ncleos toponmicos locais que apresentam nomes de mesma filiao semntica.
18
pelo bairro Rudge Ramos, fato que certamente se relaciona ao modismo de nomear
loteamentos com nomes cujos traos semnticos so parecidos.
As justificativas para realizao deste estudo esto pautadas na relevncia que possui o
resgate cultural e o estudo da cincia toponmica. A relevncia est em abordar a cartografia
oficial, a qual ponto de partida para estudos toponomsticos, em pesquisar especializaes
semnticas que somente so perceptveis quando do estudo da toponmia, em verificar a
motivao e relacion-la a tudo o que ocorreu no local estudado, em colaborar para a
construo de Atlas Toponmicos, principalmente aqueles atrelados ao Atlas Toponmico do
Estado de So Paulo ATESP e ao Atlas das Cidades, cada vez mais ricos. Est, ainda, em
perceber que o estudo da toponmia pode ter como resultado um conhecimento mais amplo da
histria da regio, sensibilizando os moradores deste local quanto ao que j ocorreu nele,
importncia dos fatos histricos, importncia do registro desses fatos.
Sobre a cartografia oficial, as pesquisas toponmicas no Brasil que seguem os
pressupostos dos Atlas Toponmicos credenciados ao CNPq usam, em sua maioria, mapas
topogrficos de escala 1:50.000 ou 1:100.000. Estas so usadas porque escalas diferentes
(1:500.000, por exemplo), tendem a diminuir a preciso dos dados. Convm lembrar que,
segundo o Comit Francs de Cartografia (apud JOLY, 2008, p. 54), os mapas topogrficos
tm por objetivo a representao exata e detalhada da superfcie terrestre no que se refere
posio, forma, s dimenses do terreno, assim como dos objetos concretos que a se
encontram permanentemente. Por isso, na perspectiva macrotoponmica o mapa
topogrfico e a escala de 1.50.000, embora seja tambm usado o mapa do Compndio
Estatstico. Porm, a anlise aqui realizada quantitativamente maior em uma perspectiva
urbana e isso conduziu ao uso de mapas temticos, mais exatamente um mapa analtico (de
um bairro). Dessa forma, um dos documentos bsicos para a pesquisa foi um mapa do bairro,
que contempla todas os caminhos e lugares do local. Mapas mais antigos so usados quando
19
for necessrio um contraponto do nome atual com o nome antigo.
Os limites da pesquisa, no ponto de vista geogrfico, so, em um primeiro momento, o
de um bairro, que relativamente grande para o estudo de uma toponmia de carter urbano,
principalmente porque a opo foi de analisar todos os nomes presentes na localidade. A
escolha deste bairro deveu-se ao fato de que, de acordo com diversos historiadores, Rudge
Ramos um dos bairros de So Bernardo do Campo que melhor preserva as tradies e a
histria da cidade e, por isso, certamente reflete a tendncia da cidade como um todo em seu
modo de nomear os logradouros pblicos. Em um segundo momento, o limite da pesquisa o
municpio como um todo, pois com relao aos topnimos referentes aos cursos dgua, todos
os nomes foram analisados, inclusive para ser possvel uma comparao entre a toponmia
referente a um determinado Acidente Fsico (AF)13 e aquela pertinente a um Acidente
Cultural (AC)14.
Ainda no que tange aos aspectos geogrficos, o municpio de So Bernardo do Campo
est localizado na Sub-regio Sudeste da Regio Metropolitana de So Paulo, limitando-se
com os municpios de So Vicente, Cubato, Santo Andr, So Caetano do Sul, Diadema e
So Paulo.
Mapa 1 Localizao da Regio Metropolitana de So Paulo
Fonte: Sumrio de Dados (2009, p. 327)
13 Acidentes Fsicos so os cursos dgua, os morros, os vales etc. 14 Acidentes Culturais so as cidades, estados, pases etc. e, por extenso, os logradouros pblicos.
20
Dentro da Regio Metropolitana de So Paulo, So Bernardo est na regio conhecida
como Grande ABC, que alm das cidades de So Bernardo do Campo, Santo Andr e So
Caetano do Sul, correspondentes sigla, engloba as cidades de Diadema, Mau, Ribeiro
Pires e Rio Grande da Serra.
Mapa 2 Localizao de So Bernardo do Campo no Grande ABC
Fonte: Sumrio de Dados (2009, p. 68)
Segundo os dados do IBGE15, estima-se que em 2008 So Bernardo do Campo possua
801.580 habitantes, distribudos em uma rea de 408,45km. Desse total, 75,82km, ou seja,
18,6% da rea do municpio, so ocupados pela represa Billings. A zona rural de So
Bernardo equivale a 52,5% de sua rea. Em resumo, a zona urbana equivale a mais ou menos
1/3 do municpio.16. S para se ter uma ideia do aumento populacional da regio, em 1874
So Bernardo tinha 2.787 habitantes; em 1886, 3.667; em 1900, 10.124; em 1920, 25.215; em
1934, 59.814.
15 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. 16 Estes dados foram retirados do Compndio Estatstico de So Bernardo do Campo.
21
Tabela 1 rea dos Bairros em Km
Bairro rea km Alves Dias 2,12 Anchieta 2,30 Assuno 4,20 Baeta Neves 3,41 Balneria 1,53 Batistini 13,29 Botujuru 6,60 Centro 6,74 Cooperativa 4,84 Demarchi 5,64 dos Alvarenga 14,66 dos Casa 3,03 Ferrazpolis 2,80 Independncia 2,40 Jordanpolis 2,29 Montanho 11,94 Nova Petrpolis 1,94 Paulicia 4,01 Planalto 3,69 Rudge Ramos 4,60 Santa Terezinha 1,45 Taboo 4,04 dos Finco 5,40 Rio Grande 5,29 Total Zona Urbana 118,21 Rio Pequeno 18,00 Tatetos 12,93 Zanzal 15,82 Capivari 26,84 Curucutu 25,65 Alto da Serra 27,13 dos Imigrantes 66,33 Santa Cruz 0,30 Taquacetuba 7,10 Varginha 14,32 Total Zona Rural 214,42 represa Billings 75,82 rea Total do Municpio 408,45
Fonte: Sumrio de Dados (2009, p. 69)
O que se percebe, olhando para os dados da tabela acima, que o bairro de Rudge
Ramos, escolhido nesta pesquisa, um dos maiores dentre os que ocupam a zona urbana. Este
fato, atrelado ao argumento j mencionado de que o bairro guarda aspectos importantes da
histria da cidade, faz com que a escolha se justifique ainda mais.
Rudge Ramos um bairro que faz divisa com trs importantes cidades: So Paulo, So
Caetano do Sul e Santo Andr.
22
Mapa 3 Diviso dos Bairros
Fonte: Sumrio de Dados (2009, p 328)
Os dizeres a seguir, retirados do Compndio Estatstico (2008, p. 67), ajudam no
entendimento da ocupao da cidade.
O municpio fruto da metropolizao que expandiu a cidade em vrias direes, ocupando as vrzeas e as colinas, englobando antigos ncleos isolados, adensando loteamentos e reas j ocupadas, seguindo a implantao industrial, localizando-se nos eixos rodovirios iniciados a partir do final da dcada de 1940, em especial ao longo da Via Anchieta, levando a populao cada vez mais longe do centro.
J no que se refere aos aspectos fsicos da geografia da regio, mais exatamente ao
relevo, convm citar o Sumrio de Dados (2009, p. 70):
O Municpio de So Bernardo do Campo situa-se na poro Sul da bacia sedimentar
23
de So Paulo, no chamado Planalto Paulista (com cerca de 5.000 km e altitudes mdias entre 715 e 900m) constituindo-se de um planalto de relevo suavizado de morros e espiges de modestas alturas que se drenam para o rio Tamanduate, afluente do rio Tiet. Alguns desses morros, no entanto, apresentam alta declividade, com severas restries a sua ocupao ou pouco propcios a edificaes, caso do bairro Montanho e de parte dos bairros Alto da Serra e Capivari. So reas que, uma vez ocupadas de maneira desordenada, podem deflagrar eventos de deslizamentos ou aumento da eroso nas encostas.
A altitude mxima a do pico da Bonilha, no bairro Montanho, com altitude de
986,50m. J a mnima est na juno do rio Passareva, rio dos Piles e o p da Serra, com
60,00m. A mdia da cidade de 764,00m.
As guas de So Bernardo pertencem a duas bacias fundamentais. A primeira a
Bacia do Tiet, subdividida em Sub-bacia do Tamandatue e Sub-bacia do Pinheiros e a
segunda a Bacia da Baixada Santista. A seguir, detalhamento das bacias, segundo o
Sumrio de Dados (2009, p. 71):
1) Bacia do Tiet, que se apresenta sob dois aspectos distintos: a) Sub-bacia do Tamanduate, formada por rios que correm em direo ao planalto e desembocam no rio Tamanduate, afluente do rio Tiet. Distribui-se pela poro Norte do municpio, em rea urbana impermeabilizada e densamente ocupada, com todos os problemas a isso relacionados. Contribui para sua formao, no municpio, o ribeiro dos Meninos e seus afluentes , que nasce no Bairro Demarchi, atravessa a rea central do municpio e forma parte das divisas de So Bernardo do Campo com os municpios de Santo Andr e So Caetano do Sul, desembocando no Rio Tamanduate em So Paulo. Tem como seus afluentes: Taioca, Saracantan, Santa Terezinha, gua Mineral, Borda do Campo, dos Lima, Palmeiras, Capuava e Couros (cujos afluentes so: dos Ourives, Taboo, Canhema, Curral Grande, Feital, Piraporinha, Pindorama, da Linha Camargo e Jurubatuba). b) Sub-bacia do Pinheiros, composta pelo represamento do rio Grande e seus afluentes: Alvarenga, Lavras, Soldado, Simo, Pedra Branca, Porcos, Capivary Pequeno etc., todos integrando as represas do Sistema Billings. Corta o municpio longitudinalmente de Noroeste a Leste, em sua maioria, distribuda em rea de proteo a mananciais, embora apresente reas de ocupao urbana desordenada, que, aliadas ao bombeamento das guas poludas dos rios Tiet e Pinheiros e ressuspenso de sedimentos contaminados por metais pesados, concorrem para gerar fluxos permanentes de cargas poluidoras, comprometendo a qualidade da gua. 2. Bacia da Baixada Santista, composta por rios que nascem nas cabeceiras da serra do Mar e descem em direo ao oceano: Perequ, Pedras, Marcolino, Kgado, Passareva, Cubato de Cima e outros. Localiza-se em rea pertencente ao Parque Estadual da Serra do Mar, garantindo a excepcional preservao da Mata Atlntica e a boa qualidade de suas guas.
Alguns destes cursos dgua aparecem registrados no mapa a seguir17:
17 As cartas do IBGE esto nos anexos.
24
Mapa 4 Hidrografia
Fonte: Sumrio de Dados (2008)
25
No que se refere vegetao, h trs reas. A regio prxima da serra do Mar ainda
apresenta grande quantidade de mata nativa preservada. Nessa parte onde ficam duas
grandes reas de reserva florestal. A segunda rea est nas vertentes da represa e tem
predominncia de capoeiras compostas por gramneas e arbustos baixos e esparsos. J a
terceira rea composta pelo restante do municpio e caracteriza-se pela ausncia de mata,
ficando a vegetao restrita aos parques, canteiros e praas.
O objetivo principal desta pesquisa analisar os topnimos encontrados no mapa atual
do bairro de Rudge Ramos e analisar os nomes geogrficos referentes aos cursos dgua do
municpio de So Bernardo do Campo para, atravs deles, chegar concluso de que
possvel contar (ou recontar) a historia local.
Outros objetivos, estes j mais especficos, tentam explicar, atravs das taxionomias
encontradas, como a ocupao local, principalmente a partir do final do sculo XIX com a
chegada dos primeiros imigrantes regio, favoreceu a motivao toponmica, buscam
analisar o desmembramento das tradicionais fazendas e stios em loteamentos e o que se
manteve na toponmia que possa referir-se famlia que cedeu ou vendeu o terreno,
homenageando-a. Alm disso, querem compreender a importncia da religio na nomeao do
entorno da parte central do bairro e entender o nascimento de novas vilas residenciais, isso j
com o bairro bem estruturado, e qual a motivao toponmica que h.
Alm dos expostos, so objetivos especficos:
a) catalogar topnimos usando as fichas lexicogrfico-toponmicas e analis-los
conforme as teorias propostas por Dick (1990, 1992);
b) registrar os nomes de origem indgena que esto presentes nos mapas a fim de
verificar se so nomes originais da regio ou se so nomes transplantados para a
regio, comprovando ou no uma das hipteses aventadas.
c) detalhar a realidade toponmica da regio estudada.
26
d) comparar os nomes relativos aos ACs aos dos AFs, considerando, principalmente, a
relao de baixa frequncia de antropotopnimos nos AFs e a alta frequncia nos ACs.
Estes objetivos especficos buscam concretizar o objetivo geral e visam confirmar as
hipteses.
No que se refere ao estabelecimento do corpus, que segundo de Greimas (2008, p.
104), Na tradio da lingustica descritiva, entende-se por corpus um conjunto de
enunciados, constitudo com vistas de anlise, a qual, uma vez efetuada, tida como capaz de
explic-lo de maneira exaustiva e adequada, acredita-se que h, no material, uma
autenticidade e consequentemente uma fidelidade. Tanto as cartas do IGBE quanto o mapa do
Compndio Estatstico do municpio do esta autenticidade por serem fontes fidedignas.
Sobre o mapa do bairro, cuja autoria do Servio de Cartografia da Prefeitura de So
Bernardo do Campo, a confirmao in loco dos nomes atravs das placas de identificao dos
logradouros o torna mais fiel do que j possa parecer.
Este corpus um objeto de estudo lingustico porque considera para anlise a
morfologia e a semntica de cada topnimo. Em determinadas perspectivas de anlise,
tambm considera a sintaxe. Visto que h uma grande quantidade de nomes referentes a
antropnimos, uma pesquisa etimolgica destes nomes possibilitou a verificao, tambm, de
especializaes semnticas porque o nome deixou de identificar uma pessoa e passou a
identificar um lugar.
A escolha de mais de 300 nomes busca uma variedade de topnimos, obviamente.
Procura, tambm, uma variedade de Termos Genricos (TGs), estes tidos aqui como lngua de
especialidade na Toponmia e que so capazes de gerar material suficiente para a construo
de um Glossrio de Termos Genricos da Toponmia. Com este nmero, os nomes abarcam
quase todas as taxionomias toponmicas. Alm disso, conseguem contemplar algo muito
importante para os Atlas Toponmicos: o registro dos nomes indgenas, que aparecem nesta
27
pesquisa, tanto com nomes transplantados quanto com originais da regio. A seleo do
corpus, quantitativamente, mostra a predominncia de nomes com um trao semntico que
remete a uma taxionomia especfica. Tem-se, a partir dessa anlise quantitativa, nmeros em
tabelas e grficos, contendo os mais diferentes traos semnticos dos nomes.
Qualitativamente, a relao da quantidade de nomes com os aspectos culturais da regio
estabelecida e dessa relao busca-se tratar de diversos fatores extralingusticos que
motivaram os nomes.
O corpus de pesquisa foi obtido na Biblioteca Florestan Fernandes e no o site oficial
do municpio de So Bernardo do Campo18, locais bastante organizados e com uma parte
relacionada cartografia. Destas fontes, obteve-se os mapas que abarcam os nomes
geogrficos relacionados aos cursos dgua. Sobre os nomes relativos aos logradouros, h
disponvel em diversos sites da Internet a verso do mapa. Feita esta coleta, pontos entre
Geografia, Histria, Lingustica e os nomes geogrficos e dos logradouros pblicos foram
observados. Estes pontos surgiram basicamente aps estudo minucioso dos mapas. A partir
deles h diversas hipteses importantes que devem ser consideradas, as quais j foram
mencionadas.
A primeira etapa da pesquisa consistiu em levantar todos os mapas necessrios para a
anlise, visto serem, para esta pesquisa, a fonte primordial. A segunda etapa foi levantar todo
o material terico acerca da Toponmia e, em seguida, o material relativo histria da regio,
da cidade e do bairro.
Depois disso, foi realizada uma leitura do material, com o intuito de definir aqueles
que fariam parte das referncias. Como as fontes histricas sobre o Grande ABC e Rudge
Ramos no so to abundantes, quase a totalidade dos materiais pesquisados foram usados.
Com relao aos topnimos, com a seleo dos mapas montou-se a relao dos nomes,
18 O site da prefeitura de So Bernardo do Campo www.saobernardo.sp.gov.br
28
sendo estes divididos em subgrupos: 1) guas, 2) praas e largos, 3) ruas, avenidas e
travessas, 4) principais caminhos, 5) cidade e bairro, 6) vilas, parques, jardins e conjuntos
residenciais. Alm destas relaes, h uma geral. Estes termos esto catalogados conforme a
motivao semntica, usando para isso as taxionomias toponmicas19, traduzidos quando de
origem indgena e organizados em fichas.
Alm desta Introduo, faz parte dessa Dissertao um captulo denominado
Fundamentao Terica. Nesta parte objetivou-se efetuar um estudo pormenorizado da
Toponmia, sua significao e relao com a Onomstica, sua histria e evoluo, suas
principais caractersticas e particularidades e os aspectos lingusticos inerentes a ela, a fim de
que se chegasse a uma base slida para fundamentar a anlise dos topnimos levantados. No
captulo denominado Metodologia, demonstra-se o mtodo especfico utilizado para anlise.
A Metodologia apresenta uma parte importante para esta pesquisa que o item que aparece
com o nome Terminologia Aplicada Toponmia. Este resultado de diversos estudos na
rea de Terminologia. O captulo procurou estabelecer as definies dos TGs, alm claro
que tratar daquilo que considerado termo na Toponmia. Uma subdiviso desta parte recebe
o nome de Termos Genricos e outra se d o nome de Glossrio de Termos Genricos da
Toponmia. O resultado final de todas as anlises feitas dos TGs que aparecem no corpus
possibilitou a construo de um glossrio.
Depois disso, aparecem estudos sobre a histria da regio, divididos nos captulos
Aspectos Histricos do Municpio de So Bernardo do Campo: da antiga vila de Joo
Ramalho designao atual e Aspectos Histricos do Bairro de Rudge Ramos: da paragem
do Guapi a Rudge Ramos, textos que buscam traar um panorama amplo de tudo que
ocorreu na localidade e j antecipam informaes importantes acerca de alguns topnimos. Na
sequncia, h o captulo denominado Anlise do Corpus, o qual tem as seguintes partes:
19 H, nos anexos, tabela com as taxionomias.
29
guas de So Bernardo, que busca traar um panorama da motivao toponmica dos nomes
dos cursos dgua da cidade, O Elemento Indgena: o espontneo e o sistemtico na
toponmia, parte da dissertao que trata de nomes de origem indgena, mostrando se esses
so sistemticos ou espontneos, Ncleo Toponmico na Toponmia Urbana: dos nomes de
origem indgena s homenagens, seo que mostra os grandes aglomerados de nomes com
uma mesma carga semntica, As Vilas, Parques, Jardins e Conjuntos Residenciais e Praas e
Largos, captulos que analisam a motivao toponmica dos logradouros, Os Caminhos: da
Anchieta s Lgrimas, parte dedicada aos principais e mais antigos caminhos do bairro, As
Ruas, Travessas e Avenidas, captulo com divises que tratam dos nomes de natureza fsica e
de natureza antropo-cultural, sendo que para estes ltimos h um enfoque nos nomes relativos
s homenagens a pessoas, possibilitando com isso uma verificao da influncia da imigrao,
em especial a italiana, no ato de nomear. Ao final, aparecem as Consideraes Finais, as
Referncias e os Anexos.
salutar frisar que, alm do exposto nesta introduo, este trabalho busca ser mais um
entre os que tentam colocar a toponmia em um lugar de destaque, e no de a deixar relegada
e em plano secundrio, conforme apontado por Dick (1990, p. 19-20) e de ser mais dentre os
estudos brasileiros apontados por Carlos Drumond (1965, p. 13) e aqui no negligenciados.
Por serem os topnimos verdadeiros marcos histricos de fatos e ocorrncias registrados nos
mais diversos momentos da vida [...] (DICK, ibid., p. 21-22) que estes precisam ser
estudados.
30
2 Fundamentao Terica
O conceito de onomstica vem do grego e de acordo com o Dicionrio Houaiss da
Lngua Portuguesa , alm da relao, coleo, lista de nomes prprios, o estudo
lingustico dos nomes prprios, e, tambm, parte da lexicologia que trata dos nomes
prprios. (2009, p. 1388). A palavra Onomstica vem de um substantivo derivado de um
adjetivo feminino grego onomastiks, , n > h onomastik a arte de denominar (ibid., p.
1388). Antroponmia vem do grego nthopos (homem) mais o sufixo, tambm grego, -onoma
(nome). Este mesmo sufixo aparece na formao da palavra Toponmia e esta vem do grego
tpos (lugar) mais o citado sufixo.
Mas antes de traar detalhes sobre a Onomstica em si, importante entender que a
nomeao dos seres orgnicos e inorgnicos inscreve-se como atividade bastante significativa
ao homem [...] (DICK, ibid., p. 29) e que o ato comunicativo, que gerar um topnimo ou
antropnimo, carrega consigo uma assimilao de mundo, situaes lnguo-scio-psquicas.
Estas assimilaes de mundo esto na atividade lingustica. Para Saussure, objeto
designado e o termo designador esto desvinculados. Para ele o significante carrega a imagem
acstica e o significado os conceitos ou representaes psquicas. Desta forma, tem-se o signo
lingustico como arbitrrio, como imotivado.
Ogden e Richards20, quando tratam da relao entre pensamentos, palavras e coisas,
dizem que
[...] las palabras, como todos saben, no significan nada por si mismas, aunque haya sido igualmente universal la creencia en que as era. Slo cuando un sujeto pensante hace uso dellas, representan algo e, en otro sentido, tienen significado. Son instrumentos [...] (apud DICK, ibid., p. 33)
e permiten controlar los objetos (apud id., ibid., p. 33)
20 OGDEN, C.K. e RICHARDS, I.A. El significado del significado. Verso castelhana da 10 ed. Inglesa. Buenos Aires, Paidos, 1954. p.35.
31
Por sua vez, Ulmann diz que:
[...] todos os idiomas contm certas palavras arbitrrias e opacas sem qualquer conexo entre o som e o sentido, e outras que, pelo menos em certo grau, so motivadas e transparentes. (1977, p. 169)
Acerca do assunto, conforme Dick (ibid, p. 34)
[...] ao se aplicar o mesmo princpio Toponmia notar-se- uma diversidade de aspecto; o elemento lingustico comum, revestido, aqui, de funo onomstica ou identificadora de lugares, integra um processo relacionante de motivao onde, muitas vezes, se torna possvel deduzir conexes hbeis entre o nome propriamente dito e a rea por ele designada.
Portanto, entende-se que o topnimo pode ser opaco ou transparente. No o so com
relao ao signo, mas sim em relao ao que nomeiam. A opacidade do topnimo pode estar
relacionada questo temporal e espacial, ou seja, a idade e localizao do nome fazem dele
algo mais traduzvel ou no. Dick (ibid, p. 356) diz que identificar acidentes geogrficos,
significando, , sem dvida, a primeira qualidade que se infere do signo toponmico e,
quando o signo toponmico opaco a identificao, significando, oculta-se. por isso que o
signo opaco um fssil lingustico.
Esta expresso foi utilizada por Jean Brunhes de forma um pouco distinta. Para ele,
havia fssil da geografia humana (apud id., ibid., p. 42). Dauzat, por sua vez, dividia o
fssil em gramatical e lexical. No Brasil, o fssil lingustico tem valor para o conhecimento de
lnguas j mortas, como o Tupi Quinhentista, j que o topnimo cristalizado pelo uso j no
mais se altera. No s com relao aos nomes indgenas de lnguas mortas que o fssil pode
aparecer. s vezes, devido ao esvaziamento semntico do sentido ordinrio do nome prprio,
o topnimo pode ser interpretado como um fssil. Alm de possibilitarem contato com lngua
indgena (no caso do Brasil), a anlise desses fsseis em tupi faz com que se tenha uma
identificao de lugares porque esses topnimos traduzem fielmente a caracterstica
natural de cada localidade. (SAMPAIO, 1987, p. 44). A traduo fiel s possvel porque o
indgena era portador de uma viso pratica e objetiva e por isso fazia uso de elementos
descritivos do seu ambiente para nomeao.
32
Para muitos, o nome prprio tem a funo de identificar uma pessoa ou objeto,
singularizando-o entre as entidades semelhantes. (ULMANN, 1997, p. 153). Segundo John
Stuart Mill21, em sua conceituao clssica, o nome prprio a marca que recai no
realmente sobre o prprio objeto, mas, por assim dizer, sobre a ideia do objeto. Um nome prprio no mais que uma marca sem significado que relacionados na nossa mente com a ideia de objeto, na inteno de que sempre que a marca se encontre com os nossos olhos, ou ocorra nossa memria, possamos pensar naquele objeto individual. (apud ULMANN, ibid., p. 153)
Ao abordar os estudos de John Stuart Mill, Dick (1992, p. 6) diz:
Stuart Mill, com efeito, em seu Sistema de Lgica, mostra a diferena de critrios entre elas (categorias gramaticais: substantivo comum e prprio): enquanto o nome prprio se define pelo que chamou de funo de identificao ou designativa, os nomes comuns corporificam uma funo significativa ou conotativa; quer isso dizer que o nome prprio (igual a topnimo e / ou antropnimo) no participa de um universo de significao porque opaco, vazio de sentido, empregado sempre como referencial, sem relao com a primitiva etimologia, o que no acontece com o substantivo comum, cuja significncia transparente.
A Onomstica, cincia que se subdivide em Antroponmia, a qual tem como objeto de
estudo os nomes prprios de pessoas, e Toponmia, que tem como objeto de estudo os nomes
de lugares, est diretamente ligada Lingustica. Como esta uma cincia que se relaciona
com outras (Geografia, Histria etc.), entender que a Onomstica e suas subdivises tambm
apresentam relaes um caminho natural. Mesmo assim difcil a delimitao da
Toponmia como disciplina autnoma, porque ela pode inscrever-se na Histria, na Geografia
ou nas Cincias Sociais. Conforme Dick (1990, p. 35), todas podem solucionar as questes
relativas Toponmia, mas nenhuma atingiria a plenitude do fenmeno toponomstico.
Para Dick (ibid., p. 36), [...] a toponmia deve ser considerada como um fato do
sistema de lnguas humanas. A mesma autora continua, mencionado Ulmann, ao dizer que
tanto assim que Ulmann j salientara haver o estudo dos nomes prprios se afirmando
recentemente, em uma quase autonomia da Lingustica, vinculado a uma cincia maior,
denominada Onomstica. (ibid., p. 36)
Diante disso, possvel a concluso de que a Toponmia ser sempre uma parte da
21 MILL, John Stuart. A System of Logic, Ratiocinative and Inductive. 10 ed. Londres, 1879, vol. I, pp. 36 e seg.
33
Onomstica. A Toponmia transforma signos lingusticos em objeto de estudo. Estes signos
tidos com uma funo significativa especfica. Toponmia uma disciplina com campo de
estudo especfico o topnimo e mtodo prprio de anlise.
O termo Antroponmia foi empregado pela vez em 1887, por Jos Leite de
Vasconcelos. Para este estudioso, a Onomstica (ou Onomatologia) era formada por
Antroponmia (estudo dos nomes de pessoas), Toponmia (estudo dos nomes de lugares
geogrficos22) e Panteonmia (estudo dos nomes prprios das entidades sobrenaturais, de
astros, ventos, animais, coisas23). Esta, por sua vez, dividia-se em Teonmia (estudo dos
nomes dos deuses sobrenaturais), Zoonmia (estudo dos nomes de animais) e Astronmia
(estudo dos astros e smiles). Para Mansur Gurios, h tambm a Onionmia (estudo dos
nomes de produtos comerciais).
Sobre a Antroponmia, porque h uma quantidade grande de topnimos cuja
classificao a de antropotopnimo24, convm mencionar que para Jos Leite de
Vasconcelos25 (apud MANSUR GURIOS, 1981, p. 37), sobrenome um patronmico,
nome de pessoa, expresso religiosa ou outra, que se junta imediatamente ao nome individual,
com o qual como que forma o corpo: Mndiz, Augusto, Csar, da Conceio [...]. Dessa
forma, no antropnimo Maria da Conceio, o termo sublinhado que sobrenome.
De acordo com Dick (1992, p. 290):
Por transmisso cultural, a frmula brasileira de nomeao pessoal, baseada no direito romano, incorpora dois temas bsicos: o prenome e o nome ou apelido de famlia que, como todas as demais formas de nomeao das diversas culturas, pode revestir os mais variados aspectos semnticos.
No corpus selecionado, alguns nomes relacionam-se f crist. O motivo disso um
reflexo grande de nomes dessa origem na Toponmia. Isso ocorre, pois
A Igreja Catlica sempre tem recomendado e aprovado aos catecmenos a adoo de
22 Jos Leite de Vasconcelos entendia por nomes de lugares geogrficos: nomes de naes, provncias, cidades, montes, stios, vales, rios etc. 23 Jos Leite de Vasconcelos entendia por coisas: espada, navio, sino etc. 24 Antropotopnimo um nome de lugar constitudo a partir de um designativo pessoal. 25 VASCONCELOS, Jos Leite de. Antroponmia Portuguesa, Lisboa, 1928, p.11.
34
nome dos santos, a fim de que estes venham a ser seus protetores, e tambm para criar especial devoo aos seus portadores. (MANSUR GURIOS, ibid., p. 25)
Quanto ao apelido, este designao de famlia, transmitida ordinariamente de
gerao em gerao (VASCONCELOS, apud id., ibid., p. 37). Diante disso, no antropnimo
Maria da Conceio Rosado, o termo sublinhado o apelido, que para esta pesquisa ir
aparecer como apelido de famlia at para que no se confunda com o que no Brasil o
hipocorstico. S para completar, alcunha pode ou no ser um termo depreciativo.
Como a base dos estudos onomsticos jaze na Antiguidade Clssica, fazer meno
como era entre os romanos salutar. Para eles, havia o praenomem nome individual
(Marcus), o nomen gentilicum nome da gens (Marcus Tulius), o cognomen (subdiviso em
familiae (Marcus Tullius Ccero) e o agnomen alcunha ou sobrenome pessoal (Marcus
Tullius Ccero Flix).
Nas Fichas Lexicogrfico-Toponmicas em que os topnimos classificam-se como
antropotopnimo os nomes aparecem quase sempre da seguinte forma: prenome + sobrenome
+ apelido de famlia porque comum aparecerem os trs formantes. Para Dick (1992, p. 297-
298) [...] os conjuntos individuais completos (prenome + apelido de famlia) so bastante
comuns na toponmia [...].
Homenagens a pessoas de origem italiana so comuns no bairro estudado. No entanto,
em alguns momentos no h biografia ou referncia clara nacionalidade do homenageado.
Por causa disso, o apelido de famlia, principalmente, verificado para sanar dvidas, pois,
conforme Mansur Gurios (ibid., p. 40)
Entre os italianos, o principal caracterstico dos seus antropnimos a presena, com enorme frequncia, da terminao i (Orsini, Grassi, Padori, etc.), e, mormente, na quase totalidade dos sobrenomes toscanos. Todavia, esporadicamente, h muitos arcasmos acabados em o, -e, -a que se tm conservado at hoje (Farano, ao lado o recente Farani).
Os antropnimos oferecem particular interesse, porque so os fsseis da lngua que
vivem singularmente apenas do exterior, do corpo. (id., ibid., p. 17). Por serem fsseis que
se deve ter um cuidado grande ao estud-los, para tentar identificar seu significado original.
35
Muitas vezes, para isso, deve-se observar o caminho do nome comum para o nome prprio,
pois a distino entre o nome prprio (de pessoas, etc.) e o nome comum , aos olhos do
lingusta, artificial, na sua origem, remota ou no, os antropnimos etc, eram nomes comuns.
(id., ibid, p. 15). Uma grande diferena entre os nomes prprios e os comuns que aqueles
no lembram hoje o seu significado original, ao passo que estes sim (ou no, mas possuem um
significado claro).
No que concerne ao conceito de Toponmia, como j citado este j aparece a
Antiguidade. Mas o que importa para esta pesquisa comea na Frana e vem at os dias
atuais. Embora apresentem uma Toponmia sistematizada, os primeiros estudos so
etimolgicos, sendo que dentre seus principais representantes esto: Lognon, Dauzat, Leite de
Vasconcelos, alguns pesquisadores canadenses e Stewart, nos EUA.
No Brasil, os primeiros estudos esto ligados aos nomes indgenas, mas h obras,
desde o sculo XVI, que registram diversos topnimos. Dentre os brasileiros de maior
destaque esto: Teodoro Sampaio, Levy Cardoso, Carlos Drumond e Maria Vicentina de
Paula do Amaral Dick.
A obra de Dick A Motivao Toponmica e a Realidade Brasileira, cujo ttulo original
era A Motivao Toponmica. Princpios Tericos e Modelos Taxeonmicos, publicada em
1990, mas escrita em 1980 foi o primeiro livro desta pesquisadora. No entanto, antes da
publicao desta obra, alguns artigos j haviam sido escritos. Para Carlos Drumond, em
prefcio obra escrito em 1984, A Motivao Toponmica e a Realidade Brasileira uma das
obras mais importantes elaboradas no Brasil sobre o assunto. Sua importncia est no ir alm
de um conhecimento da significao lingustica do topnimo, buscando causas e origens da
denominao. Isso culminou no ordenamento sistemtico dos motivos toponmicos em
categorias e em uma possvel compartimentao dos nomes em reas. (DICK, 1990, p. 23)
Em uma perspectiva histrica, a Onomstica teve alguns momentos antes dos estudos
36
de DICK (1990; 1992; 1997), base desta pesquisa, se fixarem no Brasil. Os momentos
ocorreram tanto no Brasil quanto na Europa. No sculo XIX, por volta de 1878, Auguste
Longnon se destaca na Frana com a insero dos estudos toponmicos na cole Pratique des
Hautes-tudes e no Colge de France. Estes estudos foram publicados postumamente na obra
Les Noms de Lieux de la France (1912). Os estudos de Longnon apresentam uma toponmia
sistematizada e a obra citada considerada clssica, alm disso, foram retomados por Albert
Dauzat (1922), de uma forma mais detalhada e pormenorizada. Desses estudos lanou-se a
obra Les Noms de Lieux Origine et Evolution. A grande preocupao de Dauzat era o estudo
etimolgico e tambm de reconstituio histrica, com enfoque em fontica e fonologia.
Dauzat teve grande importncia para a Toponmia por organizar, em 1938, o I Congresso
Internacional de Toponmia e Antroponmia. Ele importante, tambm, porque tratou do
esvaziamento semntico dos topnimos, tratando disso como fossilizao do topnimo. A
lngua muda com o passar do tempo, mas o topnimo permanece inalterado, fossilizado.
No Brasil, um grande marco da Toponmia foi Teodoro Sampaio, cuja obra O Tupi na
Geografia Nacional, lanada primeiramente em 1901 traz os mais diversos nomes de origem
tupi, acompanhados de tradues, explicaes e notas bastante elucidativas. Um grande
objetivo de Teodoro Sampaio foi mostrar que o significado dos nomes reflete caractersticas
fsicas e histricas. Esses traos ambientais j postulados por Sampaio so at hoje estudados
e vinculam-se s taxionomias de natureza fsica de Dick. A obra de Teodoro Sampaio a
primeira consulta quando h necessidade de checar a etimologia e a traduo de nomes de
origem indgena.
Levy Cardoso salienta o trabalho de Teodoro Sampaio, considerando a obra citada
como clssica, enumerando as seguintes razes:
[...] pela criteriosa anlise a que foram submetidos todos os vocbulos, pela profundeza dos conhecimentos tupis, pela seriedade de suas investigaes, para cujo resultado no faltaram nem as leituras das crnicas antigas e das antigas relaes de viagens, nem a consulta ao elemento histrico, a fim e descobrir a verdadeira grafia primitiva dos vocbulos, para a perfeita elucidao de seu sentido e a rigorosa
37
determinao de sua etimologia. (apud DICK, 1992, p. 4)
A importncia desses nomes de origem indgena jaze, tambm, na possibilidade de
reconstruo de uma geografia j alterada. Mesmo aps a mudana do ambiente, a traduo
do topnimo revela caractersticas do ambiente fsico motivador e, consequentemente,
aspectos tnicos do povo que denominou a localidade ou o acidente fsico ou cultural. Levy
Cardoso (apud id., ibid., p. 4) ps em evidncia o carter praticamente histrico das
publicaes, de preferncia voltadas para a lexicologia indgena. A questo da sistematizao
dos estudos j era aventada por Levy Cardoso e outro importante estudioso da Toponmia,
Carlos Drumond, dizia que a maioria das pesquisas era amadora, sem metodologia, sendo
principalmente uma listagem de nomes indgenas, acompanhadas ou no de um significado
etimolgico. At 1965, com o livro Contribuio do Bororo Toponmia Braslica no se
tinha despertado o interesse pelos estudos relativos aos nomes de lugares. Naquela poca dizia
o professor Drumond que no Brasil ainda no havia toponimistas.
Em Portugal, o fillogo Jos Leite de Vasconcelos teve grande importncia. de
grande valia Opsculos: vol. III: Onomatologia, de 1931. Esta obra apresenta a Glotologia, a
qual estuda os nomes prprios, como ramo da Onomatologia. Da mesma forma que os
franceses, Leite de Vasconcelos deu nfase etimolgica e histrica aos signos lingusticos. Os
fatores extralingusticos, to difundidos nos estudos realizados no Brasil atualmente, no eram
considerados na Europa.
Conforme Dick (1990, p. 20), depois das diretrizes traadas por Aubert Dauzat e das
sugestes de americanos e canadenses, estes representados pelo Grupo de Estudos de
Coronmia e Terminologia de Quebec, grupo existente desde 1966, e tendo a sua frente
principalmente Henri Dorion e aqueles representados por George Rippey Stewart, grande
colaborador da revista Names, uma publicao oficial da American Name Society, sendo seu
artigo A classification of the place names uma obra de muita importncia, os estudos atuais
(no caso de 1980) comprovam uma realidade diferente, assinalada por uma busca de uma
38
codificao de tcnicas de trabalho, seleo, comparao, interpretao e classificao dos
fatos onomsticos.
Stewart dividiu os topnimos em categorias diferentes: descriptive names, possessive
names, indicent names, commemmorative names, eupheminstic names, manufactures names,
shift names, folh etymologies e mistake names. Diferentemente daquilo que ocorrera com os
pesquisadores europeus, Stewart j considerou a motivao semntica dos nomes e a
relacionou aos aspectos ambientais, sociais e culturais. As tcnicas dele sugerem volta
inteno do denominador, no ato da nomeao. (DICK, ibid., p. 25)
O campo conceitual da Toponmia definido por um uso particular do cdigo de
comunicao. No caso do topnimo rio das Pedras, o uso do substantivo comum pedra junto
do vocbulo rio, este referente ao AF, mostra que a nomeao se deu face existncia do
minrio no local. O que era arbitrrio substantivo comum pedra passa a motivado.
Tambm justifica o exame da nomenclatura geogrfica em suas caractersticas internas
(filiao lingustica dos topnimos e respectiva pesquisa etimolgica) e externas ou
semnticas (motivao toponmica) (id., ibid., p. 37; grifos da autora). A autora ainda afirma
que
Muito embora seja o topnimo em sua estrutura, como j se acentuou, uma forma de lngua, ou um significante animado por uma substncia de contedo, da mesma maneira que todo e qualquer outro elemento do cdigo em questo, a funcionalidade de seu emprego adquire uma dimenso maior, marcando-o duplamente: o que era arbitrrio, em termos de lngua, transforma-se, no ato do batismo de um lugar, em essencialmente motivado, no sendo exagero afirmar ser essa uma das principais caractersticas do topnimo. (ibid., p. 38, grifos da autora)
Esses fatores extralingusticos comearam a ser considerados pelo Professor Drumond,
na obra Contribuio do Bororo Toponmia Braslica, de 1965, e seguidos por Dick. Vale
lembrar que mesmo considerando os aspectos extralingusticos ambos consideraram os
aspectos lingusticos.
A partir disso, afirma-se ser o topnimo um signo lingustico duplamente marcado,
motivado, pois em nvel de lngua, a funo denominativa se define pelo arbitrrio ou
39
convencional, no plano da toponmia ela se apresenta essencialmente motivada, ou
impulsionada por fatores de diferentes contedos semnticos (DICK, ibid., p. 22). H a
motivao do denominador, que extralingustica, e h a motivao interna, que lingustica,
inerente lngua. no motivo do denominador que se pauta a importncia dos fatores
extralingusticos, pois se pode chegar aos aspectos culturais do povo que deu nome ao lugar
estudado.
Em uma perspectiva lingustica, o topnimo um signo lingustico. Este signo, por sua
vez, percorre longo caminho at especializar-se e transforma-se em um substantivo prprio
por excelncia. H um longo percurso desde o denominador at o topnimo cristalizado pelo
uso, ou fossilizado. Do nome comum passareva (cascas de rvore usadas para curtir couro)
at o nome prprio Passareva (topnimo) passa-se pela escolha do denominador dentre
vrias lexias virtuais da lngua, depois disso para a palavra ocorrncia, em seguida para a
oralidade, para a enunciao espontnea, at chegar ao topnimo cristalizado pelo uso, ou
fossilizado.
Esquematizando, h:
Denominador (motivado interna e externamente)
passareva (lexia virtual em estado puro)
passareva (palavra ocorrncia aps uso feito pelo denominador)
ribeiro passareva (oralidade, enunciao espontnea)
ribeiro Passareva (topnimo cristalizado pelo uso)
Deste esquema consegue-se ver o intracdigo relacionado ao conceito da motivao
lexical, que lingustica e inerente lngua, presente na morfologia do nome usado e tambm
40
o extracdigo, no caso objetivo, mas que poderia ser subjetivo26, pois o motivo do
denominador, relacionado muitas vezes motivao do ambiente, de fatores externos,
extralingusticos.
Resumindo, tem-se:
Arbitrrio Motivao Lexical Intracdigo
Topnimo Motivado Motivo do Denominador Extracdigo Duplamente marcado
Em toponmia uma Unidade Lxica (ULx.), no caso a palavra em estado puro, a lexia
virtual, se torna Unidade Terminolgica (UT) com o uso, motivado interna e externamente, e
depois de UT, devido cristalizao do lxico como topnimo, ela passa a ser Unidade
Toponmica (UTop.). O caminho o seguinte: ULx. > UT > UTop., conforme Dick.27
Alm dos aspectos puramente lingusticos, sabe-se que h uma multidisciplinaridade,
que ocorre no caso dessa pesquisa, com Geografia, Histria e Antropologia. Tanto que um
bom estudo toponmico aquele capaz de equacionar os fatores internos e externos.
No Brasil, alm do citado Professor Drumond, Dick e Teodoro Sampaio, h Levi
Cardoso, que em sua obra Toponmia Braslica, de 1961, trata de topnimos da regio norte,
vinculados lngua arauaque a caribe. Drumond, em seu livro citado, coloca uma situao
interessante e que est ligada falta de sistematizao que ocorria no Brasil para os estudos
toponmicos.
Esta sistematizao ocorre em Dick. A Motivao Toponmica e a Realidade
Brasileira, publicado em 1990, Toponmia e Antroponmia: coletnea de estudos, obra
publicada primeiramente em 1987 e depois reformulada em 1992, A Dinmica dos Nomes na
26 Em casos como rio bonito, ribeiro feio, o extracdigo se mostra subjetivo. 27 Atlas Toponmico do Brasil: Teoria e Prtica II; Mtodos e Questes Terminolgicas na Onomstica. Estudo de Caso: o Atlas Toponmico do Estado de So Paulo.
41
Cidade de So Paulo 1554-1897, de 1997 e muitos artigos trouxeram e ainda trazem a
sistematizao que faltava.
A grande proposta de Dick foi um modelo metodolgico contendo 27 taxionomias
toponmicas28. Destas, 11 so de natureza fsica (NF) e 16 so de natureza antropo-cultural
(NAC)29. Os fatos geradores do nome so considerados nesta pesquisa e esses fatos podem ser
das duas naturezas, cujos modelos foram publicados por Dick em 1975 no artigo O Problema
das Taxeonomias Toponmicas. Uma Contribuio Metodolgica. As taxes de NF revelam o
ambiente fsico e as taxes de NAC mostram o ambiente social, cultural.
Os topnimos de NF apresentam uma vantagem, pois conservam mais a denominao.
J os de NAC a vantagem que mais fcil chegar s verdadeiras causas porque so mais
prximos do nativo da regio e so mais constantes os registros histricos e documentao
(DICK, 1992). Sobre esta causa,
Apenas um trabalho srio de investigao, que se sabe demorado e constante, poder-nos- levar verdadeira causa denominativa e, talvez, num ltimo passo, intencionalidade do denominador, questo das mais complexas em Toponmia, por envolver, como afirma o toponimista americano George S. Stewart, problemas que afetam, ou so condicionados pela psicologia humana, nem sempre de fcil apreenso. (id., ibid., p. III)
Ao considerar os ensinamentos de Sapir (1961), percebe-se que dois fatores podem
gerar o lxico de uma lngua: fator fsico e fator cultural. A partir desses dois pontos pode-se
visualizar melhor o ambiente interferindo na motivao no nome. Este ambiente se projeta na
toponmia de forma objetiva (claro, escuro) e de forma subjetiva (belo, feto). Este mesmo
autor diz que as condies do ambiente refletem na lngua, principalmente no lxico. (apud
DICK, 1992, p. 35). E neste sentido que em seu texto Lngua e Ambiente ele defende que o
lxico de uma lngua mostra a histria da cultura dos povos e por isso as lnguas so
diferentes (1961). Deve ser por isso que muitos dos vocbulos indgenas ficaram. No havia
correspondente na lngua portuguesa para designar o que se via, como muitos defendem, ou
28 A primeira elaborao das taxes ocorreu em 1975 e contava com 19 no total. 29 A relao completa das taxionomias est nos anexos.
42
valorizava-se a lngua indgena.
O ambiente est projetado em nomes estudados nesta pesquisa. Quando se consideram
os nomes relativos aos cursos dgua isso ocorre nitidamente. Em contrapartida, os nomes
indgenas transplantados no refletem o ambiente, ao menos ao darem nome aos logradouros
do bairro de Rudge Ramos.30
Tendo em conta a estrutura do signo toponmico, Dick ensina que o termo ou elemento
genrico referente entidade geogrfica (ibid., p. 10) e o termo ou elemento especfico
ou topnimo propriamente dito que particularizar a noo espacial, identificando-a ou
singularizando-a dentre outras semelhantes. (ibid., p. 10). importante a noo de TG e TE
porque
Ao designar, tradicionalmente, o nome prprio de lugar, o topnimo, em sua formalizao na nomenclatura onomstica, liga-se ao acidente geogrfico que identifica, com ele constituindo um conjunto ou uma relao binmica, que se pode seccionar para melhor se distinguirem os seus termos formadores. (id., ibid., p.10)
No s a separao entre os termos que compem o sintagma toponmico que se faz
importante. O TE pode ser apresentar de vrias composies morfolgicas. Pode ser um
topnimo ou elemento especfico simples porque apresenta um s formante (substantivo ou
adjetivo, de preferncia); aparecem sufixaes (diminutivas, aumentativas ou de outras
procedncias lingusticas), um topnimo composto ou elemento especfico composto, por
apresentar mais de um elemento formador, de origens diversas ou no ou um elemento hbrido
ou elemento especfico hbrido, que apresenta elementos lingusticos de diferentes
procedncias. (id., ibid., p. 13-14). Alm dessas composies, o sintagma toponmico pode ser
justaposto (rio das Pedras) ou aglutinado (Icanhema). Em se tratando de uma lngua que no
mais falada, no caso dos aglutinados a lngua tupi, o sintagma toponmico pode ser
composto com o reforo de outro TG (crrego Icanhema), atualmente crrego Canhema31.
30 No local de origem os nomes tidos nesta pesquisa como transplantados refletem as caractersticas do ambiente. 31 Em tupi, i significa gua, rio e, por isso, a traduo do nome rio canhema. Acontece que o desconhecimento faz com que se use um novo TG (crrego) para marcar o AF, aparecendo, assim, o topnimo crrego Icanhema.
43
A considerao das taxionomias feita pelo TE do sintagma toponmico. Qualquer
sintagma toponmico composto por duas partes. A teoria convencionou cham-las de termo
genrico e termo especfico. A diviso entre TG e TE deve permanecer clara o suficiente, pois
a partir do TE que se obtm a filiao semntica do topnimo. Neste trabalho, preferiu-se a
metodologia de escrever o TE em letra maiscula e o TG em minscula, para melhor
visualizao e entendimento. Os TEs podem ser relativos aos AFs ou aos ACs.
A finalidade das taxionomias de ordenao terminolgica e o objetivo principal desta
ordenao no apenas quantitativo, , acima de tudo, comparar os resultados quantitativos
aos aspectos histricos, geogrficos, sociais e, principalmente, lingusticos do local em que se
encontram os topnimos. As taxes so um instrumento que permitem aferir de forma objetiva
as causas motivadoras dos nomes, se essas causas atrelam-se aos aspectos fsicos ou sociais
que motivam o lxico.
Conforme apontado, o TE que define o campo semntico ao qual o topnimo
pertence. No entanto, em alguns casos h necessidade de uma ateno maior, visto que h, no
TE, topnimo simples (TS), quando o TE formado por uma palavra rua Rio e h
topnimo composto (TC), quando o topnimo formado por mais de uma palavra. Note-se,
em se tratando de TC, que este pode ser uma composio simples de substantivo+adjetivo,
como no exemplo rua Rio Negro, uma aglutinao, como em rua Itaguassu, uma composio
de preposio+substantivo rua dos Meninos , entre outros casos. Alm do TS e do TC, h
o topnimo hbrido (TH), que ocorre quando h palavras de duas lnguas, como no caso do rio
Cubato de Cima, em que h lngua africana e portuguesa.
Quando se considera o termo que determina a taxe, se h em mos um TS, no h
problema. Mas quando o que se tem um TC, exceto no caso de preposio + substantivo, o
que define a taxe o primeiro elemento do sintagma toponmico. Em rua Rio Negro, o
elemento que determina a taxe Rio. H, ento, um hidrotopnimo.
44
Sobre a distino entre AF (ou acidentes naturais) e AC (ou acidente / aglomerado
cultural), convm determinar o que cada um deles. AF todo e qualquer acidente da regio,
natural, ou seja, rios, crregos, morros, entre outros. J o AC seria o municpio propriamente
dito, conforme teoria proposta por Dick (1990), que inclusive o denomina aglomerado
humano ou at mesmo acidente antrpico. Por extenso, entende-se que o conceito de AC
aplica-se a qualquer nome de rua, de vila, de travessa, de bairro e qualquer outro que
denomine um caminho ou um local que um empreendimento humano e que no se enquadre
na categoria de AF.
O sintagma toponmico pode ser esquematizado da seguinte forma:
Genrico (que pode ser AF/AC) + Especfico (campo semntico das 27 taxes)
At chegar nesta perspectiva de considerar o TE como gerador do motivo do nome e
para tanto ser a partir dele que o topnimo classificado necessrio voltar arbitrariedade
clssica, da antiga filosofia grega. Entre duas escolas de pensamento rivais, Plato era da
corrente naturalista e defendia que havia uma relao intrnseca entre sentido e imagem
acstica (som). J Aristteles era convencionalista e defendia uma relao puramente
arbitrria (ULMANN, 1977, p. 7)
Por mais que muitos tenham tratado do assunto, essa arbitrariedade retomada por
Saussure no sculo XX. Dick no nega a arbitrariedade de Saussure, porm coloca o
topnimo como duplamente marcado. O que era arbitrrio e inerente lngua (lexia virtual) se
transforma em essencialmente motivado no ato do batismo do lugar (oralidade, enunciao
espontnea). Por isso entende-se que em toponmia as palavras no significam nem
denominam, mas elas se referem s coisas. O tringulo semitico de Odgen & Richards
explica melhor:
45
PENSAMENTO OU REFERNCIA
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ SMBOLO REFERENTE
Representa (uma relao imputada)
VERDADEIRO
Este tringulo assim explicado por Lyons (1979, p. 429):
(...) as palavras no significam nem denominam as coisas, mas se referem s coisas. Feita a distino entre forma e significado referente, podemos dar a conhecida representao diagramtica da concepo tradicional entre esses trs elementos sob a forma de um tringulo (...). A linha pontilhada entre forma e referente significa que sua relao indireta: a forma liga-se a seu referente por meio do significado (conceptual) associado quela e a este, mas de maneira independente. Esse diagrama ressalta um fato importante: que, segundo a gramtica tradicional, a palavra resulta da combinao de uma forma especfica com um significado especfico.
A arbitrariedade retomada por Ullmann (1977), pois o autor defende que h signos
lingusticos arbitrrios ou opacos, no havendo conexo entre som e sentido. Mas ele tambm
diz que h palavras transparentes.
2.1 Metodologia
Primeiramente foi realizado um estudo minucioso da histria local. Depois disso, a
partir do mapa atual do bairro e dos mapas que contemplavam a hidrografia do municpio,
efetuou-se um levantamento dos topnimos. Feito isso, a motivao para a escolha do nome
foi abordada e os topnimos foram organizados em fichas, em tabelas e em grficos.
As fichas lexicogrfico-toponmicas so de grande importncia e esto divididas em
subgrupos. Quando forem ruas, avenidas e travessas, ao lado da numerao aparece a letra
CORRETO (simboliza
uma relao causal)
ADEQUADO (refere-se a
outras relaes causais)
46
r. Se forem praas e largos, aparece a letra p. Em se tratando de vilas, parques, jardins e
conjuntos residenciais, a letra usada aps a numerao v. Para os cursos dgua, optou-se
pela letra c e, com relao aos demais nomes, por serem poucos, s esto numerados.
O modelo de ficha proposto por Dick foi sensivelmente adaptado neste trabalho.
Figura 1 Modelo de Ficha Lexicogrfico-Toponmica de Dick
Localizao Municpio:___________________________________________________ Topnimo: ________________ A.G.: ___________ Taxionomia: ___________________ Etimologia: ______________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Entrada Lexical: __________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Estrutura Morfolgica: _____________________________________________________ ________________________________________________________________________ Histrico: ________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Informaes Enciclopdicas: ________________________________________________ ________________________________________________________________________ Contexto: ________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Fonte: __________________________________________________________________ Pesquisador: _________________________ Revisor: _____________________________ Data da Coleta: _______________________
47
Figura 2 Modelo de Ficha Lexicogrfico-Toponmica Adaptada (em branco)
Ficha Lexicogrfico-Toponmica Pesquisador: Virglio Antiqueira
Orientadora: Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick
Localizao:
Topnimo:
T.G.: T.E.:
A.G./A.H.:
Tipo:
Taxionomia:
Etimologia:
Origem Lingustica:
Entrada Lexical:
Definio Toponmica do TG:
Estrutura Morfolgica:
Histrico:
Informaes Enciclopdicas:
Criao do Loteamento:
Localizao do AH:
Contexto:
Fonte:
Revisora:
Data da Coleta:
48
Figura 3 Modelo de Ficha Lexicogrfico-Toponmica Adaptada (preenchida)
Ficha Lexicogrfico-Toponmica Pesquisador: Virglio Antiqueira
Orientadora: Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick 17p
Localizao: So Paulo municpio de So Bernardo do Campo (Sub-Regio Sudeste da Regio Metropolitana de So Paulo)
Topnimo: praa Olimpio Flix da Silva T.G.: praa T.E.: Olimpio Flix da Silva A.G./A.H.: praa Tipo: Humano Taxionomia: Antropotopnimo Etimologia: Olimpio: OLMPIO, -A, lat. Olympius, do gr. Olympos: o cu; celestial. Tambm tudo
esplendente. nome de um monte entre a Tesslia e a Macednia. (GURIOS, 1981, p. 190) Flix: FLIX, f. erudita port. do lat. Felix: feliz. Forma popular, arcaica: Fiiz. (GURIOS, 1981, p. 119) De: prep. Do lat. de. (CUNHA, 2007, p. 240) A: art. pron. f. Do lat. Illa , atravs da var. arc. la, na qual se deu a queda do l pelo fato de ela se encontrar frequentemente em posio intervoclica na frase (CUNHA, 2007, p.2) Silva: SILVA, sobr. port. top. Lat. silva: selva, floresta e n. de vrias plantas. (GURIOS, 1981, p. 226)
Origem Lingustica:
Lngua Portuguesa
Entrada Lexical: Olimpio: Antropnimo (prenome) Flix: Antropnimo (sobrenome) Da = contrao da preposio de com o artigo definido feminino a. Silva: Antropnimo (apelido de famlia)
Definio Toponmica do TG:
rea urbana arborizada ou ajardinada, para descanso e lazer, podendo a ela convergir vrias ruas ou por ela passar uma ou mais ruas.
Estrutura Morfolgica:
Termo Composto: substantivo (antropnimo = prenome) + substantivo (antropnimo = sobrenome) + preposio + artigo definido feminino singular substantivo (antropnimo = apelido de famlia)
Histrico: O Decreto n 6161, de 18 de abril de 1979, diz que passa a denominar-se praa Olmpio Flix da Silva a rea de espao livre do loteamento de propriedade do Banco A. E. Carvalho S/A, localizada entre os lotes 2 e 21 da quadra B da referida propriedade, as ruas Congonhas e So Simo e linha de transmisso da Light.
Informaes Enciclopdicas:
Dizeres do Decreto: Considerando que Olmpio Flix da Silva, nascido a 6 de fevereiro de 1906, em So Joaquim da Serra Negra MG, e falecido em 7 de junho de 1978, nesta cidade, muito colaborou para o desenvolvimento de So Bernardo do Campo. Considerando que Olmpio Flix da Silva, como um dos primeiros moradores de vila Vivaldi, sempre se empenho em campanhas de benemerncia em prol da comunidade que integra. Considerando que Olmpio Flix da Silva foi grande incentivador da Sociedade Amigos Esportiva Vila Vivaldi, sendo membro ativo de seu Conselho Deliberativo.
Criao do Loteamento:
1949 (vila Camargo) Localizao do AH: Rudge Ramos
Contexto: Fonte: Para verificao da etimologia:
CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionrio Etimolgico da Lngua Portuguesa. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007. MANSUR GURIOS, Rosrio Farni. Dicionrio Etimolgico de Nomes e Sobrenomes. 3. Ed. rev. e aum. So Paulo: Ave Maria, 1981. Para construo da definio toponmica do termo genrico: CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionrio Etimolgico da Lngua Portuguesa. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007. HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa; elaborado pelo Instituto Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Lngua Portuguesa S/C Ltda. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. OLIVEIRA, Curio de. Dicionrio Cartogrfico. 3. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: IBGE, 1987.
Revisora: Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick Data da coleta: 2008
49
A motivao toponmica, apreendida aps elaborao das fichas, de grande
importncia, pois atravs dela que se chega causa denominativa ou inteno do
nomeador. Pelo mtodo empregado, o qual separa os nomes cuja motivao fsica daqueles
cuja motivao cultural, observa-se o mesmo j visto por Dick em vrias obras, que os
topnimos de NF tem uma vantagem na anlise porque conversam mais a denominao. Com
os topnimos de NAC mais fcil chegar s causas porque so mais prximos do nativo da
regio e tambm so mais constantes os registros histricos e documentao. No caso dos
topnimos de NAC viu-se exatamente isso, visto que a grande maioria deles possui
documentao comprobatria da doao do nome.
Alm dos mapas atuais, outros que mostram o bairro e o municpio em diferentes
pocas foram usados. Alguns deles j esto citados nas referncias e copiados nos anexos. O
grande objetivo destes mapas mostrar a antiguidade de alguns nomes, principalmente para a
comprovao de momentos distintos de nomeao.
Aps este levantamento histrico e depois da seleo dos nomes, buscou-se um olhar
mais atento aos aspectos lingusticos necessrios para a anlise toponmica, objetivando
desvendar o que h por detrs do ato de nomear, da necessidade dos seres humanos de dar
nome a seres e aes. A questo de diferentes momentos de nomeao presente nesta pesquisa
atrela-se certamente a possibilidade de, ao verificar o ato lingustico de nomear, ser possvel
descobrir relaes culturais entre os povos ou entre os perodos em que os povos deram nome
a lugares. Isso vai muito de encontro quilo j muito difundido por Dick em diversos estudos:
possvel conhecer a mentalidade do denominador, no apenas isolado, mas em grupo social.
Este ato de nomear no aleatrio.
O TG definidor de um determinado estrato do ambiente porque [...] a Toponmia,
em grande nmero de regies, serve-se de certos vocbulos, retirados de origens diversas e
que, para ns, no conjunto dessa obra, estruturam os chamados termos ou vocbulos
50
toponmicos bsicos (DICK, 1992, p. 105). por este motivo que h um estudo
pormenorizado dos TGs.
2.2 Terminologia Aplicada Toponmia
O motivo primeiro da pesquisa acerca da terminologia aplicada Toponmia jaze na
hiptese de considerar o que em Toponmia TG como termo, como parte de uma lngua de
especialidade, de um sistema de comunicao oral ou escrita usado por uma comunidade de
especialistas de uma rea particular do conhecimento (PAVEL & NOLET32, 2002, p. 124,
apud BARROS, 2004, p. 42) dentro da disciplina cientfica Toponmia ou dentro da cincia
me Onomstica.
Considerando o sintagma toponmico como termo, aqui entendido como designao,
por meio de uma unidade lingustica, de um conceito, definida em uma lngua de
especialidade (ISO 1087, 1990, p. 5, apud BARROS, 2004, p. 40), tal qual o fez Dick (1999,
p. 127) ao dizer: como termos, e tendo uma funo especfica de marcadores ou referenciais,
topnimos e antropnimos podem integrar o conjunto da obra lexicogrfico-terminolgica
particular e em outras diversas oportunidades, como ao tratar da Toponmia e Antroponmia,
dizendo que hoje, afirmamos que ambas as disciplinas podem se inscrever, sem dificuldade,
no campo da Terminologia ou Socioterminologia (id., ibid., p. 123) o
Top Related