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TRANSFORMA-SE O AMADOR NA COUSA AMADA

Transforma-se o amador na cousa amada,Por virtude do muito imaginar;No tenho logo mais que desejar,Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela est minha alma transformada,Que mais deseja o corpo de alcanar?Em si somente pode descansar,Pois consigo tal alma est liada.

Mas esta linda e pura semidia,Que, como o acidente em seu sujeito,Assim como a alma minha se conforma.

Est no pensamento como idia;[E] o vivo e puro amor de que sou feito,Como a matria simples busca a forma.

XXVIII

Faz a imaginao de um bem amadoQue nele se transforme o peito amante;Daqui vem que a minha alma deliranteSe no distingue j do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado.Anarda cuido ver, bem que distante;Mas ao passo que a busco, neste instanteMe vejo no seu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,E por fora da idia me convertoNa bela causa de meu fogo ativo,

Como nas tristes lgrimas que verto,Ao querer contrastar seu gnio esquivo,To longe dela estou, e estou to perto!

MARLIA DE DIRCEULira I

Eu, Marlia, no sou algum vaqueiro,Que viva de guardar alheio gado,De tosco trato, de expresses grosseiro,Dos frios gelos, e dos sis queimado.Tenho prprio casal, e nele assisto;D-me vinho, legume, fruta, azeite;Das brancas ovelhinhas tiro o leite,E mais as finas ls, de que me visto.Graas, Marlia bela,Graas minha Estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte,Dos anos inda no est cortado;Os pastores, que habitam este monte,Respeitam o poder do meu cajado.Com tal destreza toco a sanfoninha,Que inveja at me tem o prprio Alceste:Ao som dela concerto a voz celesteNem canto letra, que no seja minha.Graas, Marlia bela,Graas minha Estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,S apreo lhes dou, gentil Pastora,Depois que teu afeto me seguraQue queres do que tenho ser senhora. bom, minha Marlia, bom ser donoDe um rebanho, que cubra monte, e prado;Porm, gentil Pastora, o teu agradoVale mais que um rebanho, e mais que umtrono.Graas, Marlia bela,Graas minha Estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,A quem a luz do Sol em vo se atreve;Papoula, ou rosa delicada, e finaTe cobre as faces, que so cor de neve.Os teus cabelos so uns fios douro;Teu lindo corpo blsamos vapora.Ah! No, no fez o Cu, gentil Pastora,Para Glria de amor igual Tesouro.Graas, Marlia bela,Graas minha Estrela!

Leve-me a sementeira muito emboraO rio, sobre os campos levantado;Acabe, acabe a peste matadora,Sem deixar uma rs, o ndio gado.J destes bens, Marlia, no precisoNem me cega a paixo, que o mundo arrasta;Para viver feliz, Marlia, bastaQue os olhos movas, e me ds um riso.Graas, Marlia bela,Graas minha Estrela!

Irs a divertir-te na floresta,Sustentada, Marlia, no meu brao;Ali descansarei a quente sesta,Dormindo um leve sono em teu regao:Enquanto a luta jogam os Pastores,E emparelhados correm nas campinas,Toucarei teus cabelos de boninas,Nos troncos gravarei os teus louvores.Graas, Marlia bela,Graas minha Estrela!

Depois de nos ferir a mo da morte,Ou seja neste monte, ou noutra serra,Nossos corpos tero, tero a sorteDe consumir os dois a mesma terra.Na campa, rodeada de ciprestes,Lero estas palavras os Pastores:"Quem quiser ser feliz nos seus amores,Siga os exemplos, que nos deram estes."Graas, Marlia bela,Graas minha Estrela!

ANTANDRARomance II

Pastora do branco arminho,No me sejas to ingrata:Que quem veste de innocente,No se emprega em matar almas.

Deixa o gado, que conduzes ;No o guies montanha:Porque em poder de uma fera,No pde haver segurana.

Mas ah ! Que o teu privilegio, louco, quem no repara:Pois suavizando o martyrio,Obrigas mais do que matas.

Eu fugirei; eu, Pastora,Tomarei somente as armas ;E ho de conspirar commigoTodo o campo, toda a praia.

Tenras ovelhas,Fugi de Antandra ;Que flor fingida,Que aspides cria, que venenos guarda.

SEGUNDA IMPACINCIA DO POETA

Cresce o desejo, falta o sofrimento,Sofrendo morro, morro desejando, Por uma, e outra parte estou penando Sem poder dar alvio a meu tormento.

Se quero declarar meu pensamento, Est-me um gesto grave acobardando, E tenho por melhor morrer calando, Que fiar-me de um nscio atrevimento. Quem pretende alcanar, espera, e cala, Porque quem temerrio se abalana, Muitas vezes o amor o desiguala.

Pois se aquele, que espera se alcana, Quero ter por melhor morrer sem fala, Que falando, perder toda esperana.