A HABILITAÇÃO DE PROFESSORES NA ERA TECNICISTA: UM
CAPÍTULO DE FORMAÇÃO DOCENTE NO MAGISTÉRIO POTIGUAR.
Rodrigo Wantuir Alves de Araújo1
Programa de Pós-Graduação em Educação-UFRN
Introdução
Na segunda metade do século XX, durante todo o período do Regime Militar no
Brasil (1964-1985), houve muitas modificações na sociedade, política, economia e
também na educação do Brasil. Em termos políticos, perdemos o regime democrático e
vivíamos um regime autoritário em que o país perdeu o direito de escolha do voto,
sobretudo do seu presidente e que por sua vez todos neste período foram escolhidos por
militares para governar o Brasil. “Uma ditadura é formada por mandantes arbitrários,
oposicionistas, tenazes e uma população que precisa sobreviver – parte dela atravessa em
silêncio, com medo ou apenas conformada com o tempo do arbítrio. (SCHWARTZ, 2018,
p. 453) ”. O momento era de muita cautela, entretanto diversos segmentos e grupos sociais
se manifestaram e tiveram direitos cassados, foram exilados do país e muitos perderam a
vida nas lutas e nos embates contra este regime autoritário.
No Estado do Rio Grande do Norte havia um alinhamento político com Regime
Militar uma vez que os governadores do período eram indicados pelo presidente da
República. Embora fossem civis, seguiam as orientações e participavam de programas,
projetos desenvolvidos pelo Governo Federal. Assim, como o país dividido entre os que
concordavam e davam sustentação ao Regime Militar e aqueles que eram opositores.
Em relação a Educação, a década de 1970, especialmente após a promulgação da
Lei 5.692/71 que regulamentou o ensino em 1º e 2º graus, foi um momento de expansão
das salas de aula; estabelecimento da obrigatoriedade e gratuidade da educação para todo
o ensino de 1º grau (1ª a 8ª série); modificação do currículo escolar, com uma parte
comum e diversificada; criação de habilitações profissionais a nível de 2º grau, por
1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. E-mail: [email protected]
exemplo, o Magistério, sendo esta habilitação exigida para que os professores
lecionassem de 1ª a 4ª série e políticas públicas de formação docente.
Esta Lei teve uma grande repercussão no sistema educacional brasileiro que
perdurou com o regime político em vigência.
Com a aprovação da Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971 buscou-se entender essa tendência produtivista a todas as escolas do país, convertida em pedagogia
oficial. Já a partir da segunda metade dos anos de 1970, adentrando pelos anos
de 1980, essa orientação esteve na mira das tendências críticas, mas manteve-
se como referência da política educacional. (SAVIANI, 2007, p. 363)
Assim, o problema de formação de professores que havia no país, nesse período
foi orientado com base nesse ideário pedagógico. Nesse sentido, políticas públicas de
formação foram implementadas para atender as exigências legais da falta de titulação
docente. Nesse contexto foi criado o projeto Logos II pelo Governo Federal para conferir
o 2º grau, Magistério. Essa política pública de formação docente foi criada para alguns
Estados brasileiros em que havia essa demanda, entretanto, o seu alcance foi ampliado
para todo o país.
Neste trabalho discutiremos a questão da mudança na formação inicial de
professores para lecionarem no 1º grau (1ª a 4ª série) mediante legislação educacional a
partir do ensino regular e também do ensino supletivo através da política pública de
formação de professores Logos II. Iniciamos discutindo aspectos mais gerais, conceituais
dentro da história da educação e posteriormente analisando e discutindo o caso do Estado
do Rio Grande do Norte. Em meados de 1970, por exemplo, tinha muitos professores
leigos2, ou melhor, professores não-titulados no exercício da docência. Nesse sentido,
necessitamos compreender a execução dessa política pública, analisando seu alcance e
seus resultados no RN ao longo de sua aplicação. Consideramos a partir da quantidade de
professores que essa política pública de formação, aumento da quantidade de alunos,
modificações no currículo, transformações na educação de um modo geral que foram se
constituindo como um marco na história da educação potiguar.
2 Termo utilizado como designação para os professores que não tinham a formação adequada mediante a
legislação educacional e que já atuavam na docência.
Estudar sobre essa temática corresponde a uma maneira de entender como o
processo de educação foi se constituindo e tomando forma na sua concepção e execução
pragmática da atividade e formação docente, ao mesmo tempo que demonstra uma
trajetória disposta pelo Governo, instituições, professores e alunos dentro desse percurso
educacional, possibilitando análises e reflexões sobre os caminhos da educação e seus
desdobramentos.
História da Educação: a formação docente do Magistério e do projeto Logos II
Dentro do âmbito da história da educação, uma das temáticas centrais está
relacionada ao processo de formação docente que corresponde as normatizações legais
do Estado a partir de legislação educacional e de uma trajetória de práticas filosóficas,
educativas, sociais e culturais docentes em seu contexto de formação e profissional. Essa
reforma educacional teve como um dos responsáveis pelo anteprojeto da Lei 5.692/71,
Valnir Chagas3 que
[...]lhe coube a tarefa de formular a doutrina da lei, na condição de relator do
projeto. Se como constatado, Anísio Teixeira foi a figura central da educação
brasileira na década de 1950 e no início dos anos 1960, figura emblemática na
segunda metade de 1960 e ao longo dos anos de 1970 (SAVIANI, 2007, p.
372-373).
Todo esse processo foi fruto do tecnicismo educacional. Este termo é oriundo da
pedagogia tecnicista “inspirada na teoria de aprendizagem behaviorista e na abordagem
sistêmica do ensino” (LIBANEO, 1994, p.67) e corresponde a um período na história da
educação em que houve uma grande valorização nos meios, instrumentos e métodos de
ensino que valorizavam a tecnologia e o profissional como um técnico na execução das
suas atividades.
A influência da pedagogia tecnicista remonta a 2ª metade dos anos 50
(PABAEE – Programa Brasileiro-americano de auxílio ao Ensino Elementar.) Entretanto foi introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o
objetivo de adequar o sistema educacional à orientação político-econômica do
regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema de
3 Valnir Cavalcante Chagas (1921-2006). Formado em Pedagogia, foi professor da Faculdade de Educação
do Ceará (1960 – 1974) e posteriormente professor na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
Foi membro do Conselho Federal de Educação entre 1962 – 1976.
produção capitalista. É quando a orientação escolanovista cede lugar a
tendência, pelo menos no nível de política oficial; os marcos de implantação
do modelo tecnicista são as leis 5.540/68 e 5.692/71, que reorganizam o ensino
superior e o ensino de 1º e 2º graus. A despeito da máquina oficial, entretanto
não há indícios seguros que os professores da escola pública, pelo menos em
termos de ideário. A aplicação da metodologia tecnicista (planejamentos,
livros didáticos programados, procedimentos de avaliação, etc.) não configura
uma postura tecnicista do professor, antes, o exercício profissional continua
mais para uma postura eclética em tornos de princípios pedagógicos assentados
nas pedagogias tradicional e renovada. (LUCKESI, 1994, p. 63)
Dentro desse contexto e das mudanças políticas que aconteciam no Brasil, o
tecnicismo educacional serviu muito para o alinhamento político e educacional e
consequentemente também fora um momento de mudanças na formação de professores.
Nesse período, a educação sofreu fortes influências da tendência liberal
tecnicista, cuja ideologia era e é formar técnicos profissionais, de forma rápida,
para atender o mercado de trabalho. Nesse sentido, o objetivo central era
adequar o sistema educacional à orientação política e econômica do regime
militar: inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema de produção
capitalista. (BORGES, 2013, p. 35-36)
Em estudos de organização e sistematização proposto por Saviani (2009) há uma
periodização da formação docente que emergiu a partir da emancipação política do
Brasil, considerando como marco a sua independência, com a criação da Lei das Escolas
das Primeiras Letras4 em que havia a necessidade de ampliar o número de professores no
país e que sucedeu de outros períodos até chegar a contemporaneidade. Abaixo há um
esquema para melhor compreensão.
Quadro 01: Periodização da Formação Docente
4 Lei de 15/10/1827 - Lei de criação das escolas de primeiras letras nas cidades, vilas e lugares mais
populosos do Brasil.
1827-1890 1890-1932 1932-1939
Ensaios intermitentes de
formação dos professores.
Estabelecimento e
expansão do padrão das
Escolas Normais.
Organização dos
Institutos de Educação.
1939-1971 1971-1996 1996-2006
Organização e implantação e
consolidação do padrão das
Escolas Normais.
Substituição da Escola
Normal pela habilitação
específica do Magistério.
Advento dos Institutos
Superiores e das Escolas
Normais Superiores.
Fonte: Saviani (2009). Adaptado pelo autor.
Desde então, cada época teve as suas peculiaridades e questões na formação
docente. Ao tocante a esse artigo, e com o momento de transformações em que o Brasil
vivenciava, encontramos algumas teorias e políticas educacionais que serão melhor
analisadas quando a Lei 5.692/71 foi promulgada e também extinguiu o modelo de
formação de professores pela Escola Normal e modificou esse modelo de formação para
a habilitação em Magistério.
O Parecer nº 349/72 organizava o Magistério em duas formações básicas: a
formação em 3 anos com a carga horária de 2.200h que habilitava professores para
lecionarem da 1ª a 4ª série do 1º grau e um curso com duração de 4 anos com 2.900h que
habilitava para lecionarem até a 6ª série do 1º grau.
Para as quatro ultimas séries do ensino de 1º grau e para o ensino de 2º grau, a
lei 5.692/71 previu a formação de professores em nível superior, em cursos de
licenciatura curta (3 anos de duração) ou plena (4 anos de duração). Ao curso de Pedagogia, além de formação de professores para habilitação específica de
Magistério (HEM), conferiu-se a atribuição de formar especialistas em
Educação, aí compreendidos em diretores de escolas, orientadores
educacionais, supervisores escolares e inspetores de ensino. (SAVIANI, 2009,
p. 147)
Como um exemplo, temos o histórico abaixo com as disciplinas de núcleo comum,
que são as disciplinas de Educação Geral e as disciplinas diversificadas que correspondem
a Formação Especial.
Figura 01: Histórico Escolar do Curso de Magistério (2000)
Fonte: Acervo do autor
Assim, temos um exemplo de um curso de 2º grau com habilitação em Magistério
contendo o núcleo comum correspondente a Educação Geral e a parte diversificada como
a Formação Especial. A partir da perspectiva das habilitações de 2º grau na formação
profissional, o quadro de professores diversificou. Na concepção de Chagas “os tipos de
professores agora necessários têm de refletir o currículo que lhes cabe desenvolver com
o ensino de 1º e 2º graus (1980, p. 313) ”. Ainda definindo que “o especialista também é
um prolongamento do professor, resultante do crescimento das escolas e de como sua
organização como e em sistemas cada vez mais complexos[...]. Daí as três especialidades
fundamentais – administração, supervisão e orientação. (Id, 1980, p. 317) ”. Assim seriam
os dois tipos de professores que compuseram os sistemas de ensino. Esse foi um plano
executado nos grandes centros urbanos no Brasil.
No interior do país, na região Nordeste, haviam maiores dificuldades na formação
dos professores. Assim, muitos professores que ainda não possuíam a formação adequada
mediante a legislação e a exigência do Estado para exercerem as suas atividades. Nesse
contexto surgiu o projeto Logos II que visava habilitar os professores leigos no Magistério
Segundo Silva Filho (1985, apud FUSARI,1990, p.39)
O primeiro grande programa de dimensão leigo no Brasil foi o Programa de
Aperfeiçoamento Primário (PAMP) que visava oferecer os professores do
antigo curso primário a escolarização das quatros séries que lhe faltava,
acompanhada de uma formação pedagógica mínima. Mas o PAMP não foi
assumido como uma sistematização programática para eliminar o laicato do
ensino primário. Mas, à medida que crescia o número de professores
capacitados, não decrescia o ingresso de novos professores leigos nos sistemas
de ensino.
Assim, o curso, embora capacitasse os professores, não havia ainda uma política
pública voltada para o enfrentamento do aumento da quantidade de professores leigos. O
Logos I foi um projeto piloto que habilitou o professor em nível de 1º grau em 12 meses,
sem retirá-lo da sala de aula. Esses docentes tinham as características mais comuns entre
os professores leigos, eram, sobretudo da área rural, com limitações orçamentárias e
problemas de áreas longínquas do interior do país e que tinham diferenças nos níveis de
escolaridade dos professores não-titulados.
A alternativa encontrada foi a do Parecer nº 669/72 do relator Valnir Chagas que
regulamentou o ensino supletivo que contemplava quatro funções: suplência, substituição
compensatória do ensino regular – via cursos ou exames –, suprimento, complementação
do inacabado por meio de aperfeiçoamento e atualização; aprendizagem e qualificação o
adequou à situação do professor leigo, não exigindo a titulação do 1ª grau para continuar
os estudos do 2º grau, fazendo com que os professores, a partir de sua condição escolar
se adequassem. Sendo assim, o professor leigo pode fazer o curso mesmo não tendo a
conclusão regular ou seriada do 1º grau completo, o que se constituía como uma realidade
em todo território nacional a partir da lei educacional em vigor.
Figura 02: Divisão Regional do Brasil - 1970
Fonte: Acervo do autor
O projeto Logos II, inicialmente, seria para atender a demanda dos Estados do,
Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte, Paraná, por ter um grande número de professores
sem a titulação. De acordo com matéria do Jornal Diário de Natal de 09/04/1976
encontramos uma informação acerca da demanda inicial para a participação nesse curso
de formação de professores.
Quadro 02: Professores em exercício (1ª a 4ª série) 1976
Fonte: Jornal Diário de Natal5
O Logos II foi uma grande aposta do Governo Federal e Estadual para a educação,
com um projeto audacioso e de grande alcance do interior do Brasil, tendo o Nordeste
uma grande demanda de professores para formação docente. Essa foi uma política
governamental útil no processo de formação de professores, demonstrando que há
processos de formação ofertados pelo Governo Federal desde a década de 1970 e que tal
curso foi relevante para a formação dos professores leigos. O curso era de fato
preparatório para a docência e compunha, em seu currículo, uma carga horária voltada
para a educação geral e educação específica com a habilitação no Magistério.
O método de ensino era personalizado, em que o professor estudava, mediante o
módulo e, após isso, procurava o polo para realizar o exame com o seu coordenador. O
Projeto Logos II foi um curso na modalidade a distância, o primeiro nessa modalidade
para formação de professores em nível de 2º grau. Isso, em parte, pode explicar o grau
elevado de evasão, de diversos professores, que correspondia à habilitação de professores
leigos no que tange ao segundo grau.
O Logos II pretende, via ensino supletivo, mediante o uso de módulos
instrucionais e com avaliação, no processo, habilitar professores a nível de 2°
grau, para lecionar, nas 4 primeiras séries do 1° grau, nos Estados do Piauí,
Paraná, Paraíba, Rio Grande do Norte e Rondônia (DSU/MEC, 1975). Os
módulos são organizados em séries correspondentes as disciplinas, num total
de 204 módulos, que devem ser completados num prazo de 28-30 meses (em
5 Edição de 09/04/1976.
Unidade Federada Professores titulados Professores não-titulados
Piauí 5.720 7.000
Paraíba 8.000 10.000
Rio Grande do Norte 6.500 10.000
Paraná 21.844 18.000
Rondônia 510 900
média 7 módulos por mês). Cada módulo consiste num fascículo de 20-40
páginas abrangendo disciplinas de educação geral como Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências Físicas e Biológicas ou de formação especial como
Sociologia Educacional, Didática Geral, História da Educação, entre outras.
(ANDRÉ; CANDAU, 1984, p. 23)
Assim, essa era uma perspectiva da pedagogia tecnicista “O essencial da
tecnologia educacional é a programação por passos sequencias empregada pela instrução
programada, nas técnicas de microensino, multimeios, módulos, etc. (LUCKESI, 1994,
p. 62). ” Cada módulo tinha um roteiro que davam as orientações da realização da
atividade e os demais procedimentos. Esse roteiro servia como uma orientação para os
cursistas do Logos II desenvolverem suas atividades.
Quadro 03: Módulos do Projeto Logos II
Fonte: MEC/SEPS/SES (1977). Elaborado pelo autor.
Nesse aspecto o professor cursista estudava os módulos de cada disciplina de
maneira sequenciada, instrução programada e ao concluir cada módulo passava para o
subsequente. Cada série correspondia a uma quantidade de módulos que variava de
acordo com a disciplina em questão.
NOME DA SÉRIE Nº
SÉRIE
NÚMERO DOS MÓDULOS
Informações Pedagógicas 01 1 2 3 4 5 6
Técnicas de Estudos 02 1 2 3 4 5 6 7 8
Língua Portuguesa
03
1 2 3 4 5 6 7 8 9
1 2 3 4 5 6 7 8 9
OSPB 04 1 2 3 4
Educação Moral e Cívica 05 1 2 3 4
Ciências Físicas e Biológicas
06
1 2 3 4 5 6 7 8 9
1 2
Matemática
07
1 2 3 4 5 6 7 8 9
1 2 3 4 5
Literatura Brasileira 08 1 2 3 4 5 6 7 8
História 09 1 2 3 4 5 6 7 8
Educação Artística 10 1 2 3 4 5 6 7 8
Geografia 11 1 2 3 4 5 6 7 8
Programas de Saúde 12 1 2 3 4 5 6
História da Educação 13 1 2 3 4 5 6
Organização do Trabalho Intelectual 14 1 2
Didática Geral 15 1 2 3 4 5 6
Sociologia Educacional 16 1 2 3 4 5 6
Psicologia Educacional 17 1 2 3 4 5 6
Estrutura e Funcionamento do 1º Grau 18 1 2 3 4 5 6
Orientação Educacional 19 1 2 3
Didática da Linguagem 20 1 2 3 4 5 6 7 8
Didática da Matemática 21 1 2 3 4 5 6 7 8
Didática dos Estudos Sociais 22 1 2 3 4 5 6 7 8
Didática das Ciências Físicas e Biológicas 23 1 2 3 4 5 6 7 8
Currículos do 1º Grau 24 1 2
Didática da Educação Física 25 1 2
Técnica de Preparação de Material
Didático
26
1 2
Didática da Educação Artística 27 1 2 3 4 5 6 7 8
Recreação e Jogos 28 1 2 3 4 5 6
Língua Estrangeira Moderna 29 1 2 3 4 5 6
Educação Física 30 1 2 3
Microensino 31 1 2 3 4 5 6
Profissionalização do Magistério Potiguar e o Projeto Logos II
O projeto logos II no Estado do Rio Grande do Norte tinha como uma demanda
inicial a formação de 10.000 professores, planejado para serem desenvolvidos a partir do
seguinte cronograma:
Quadro 04: Cronograma de Formação de Professores
Início do curso Quantidade de professores
Maio de 1976 1.200
Julho de 1976 1.500
Março de 1977 2.100
Agosto de 1977 2.400
Março de 1978 2.800
Fonte: Jornal Diário de Natal6. Adaptado pelo autor
Extrapolando o cronograma inicial, o projeto Logos II perpassou ao seu
planejamento e teve uma duração no Estado do RN de no mínimo 10 anos de oferta, pois
até o presente momento, encontramos informações que ainda em 1986 havia turmas em
andamento no Estado do Rio Grande do Norte e também a partir de módulos que foram
impressos no referido ano. O curso foi amplamente ofertado e marcou uma geração de
professores que foram formados nessa perspectiva oriunda do tecnicismo educacional e
que serviu como um projeto de formação do magistério do interior potiguar entre as
décadas de 1970 e 1980 enquanto o espaço histórico de formação e atuação docente.
Nessa perspectiva, Brasileiro acrescenta que:
Desse modo, a expansão que se deu a partir de 1976 e que se consubstanciou
no projeto Logos II, ampliou os propósitos do projeto experimental, adotando-
se o objetivo de habilitar (suplência profissionalizante ao nível de 2º grau) para
lecionar até a 4ª série do 1ª grau de professores não-titulados em exercício das quatro séries iniciais (1994, p.95)
6 Edição de 09/04/1976.
A Secretaria Estadual de Educação tinha uma equipe responsável pela divulgação
e mobilização de professores nos municípios potiguares, além dessas chamadas que fazia
em jornais de circulação estadual. Eram convidados através de ofícios para as prefeituras
assinarem os convênios com a Secretaria Estadual de Educação.
Figura 03: Ofício Circular 12/75
Fonte: Arquivo da Prefeitura Municipal de Riachuelo/RN
O ofício circular 12/75 foi uma cópia padrão da gerência regional do Logos II da
Secretaria Estadual de Educação era enviado para os prefeitos dos municípios potiguares
convocando os prefeitos para assinarem um convênio. Além disso, cabe registrar que
oficialmente, o professor sem formação, era tratado como professor leigo pelas próprias
autarquias de educação, que buscava a profissionalização do seu professorado e a
erradicação do magistério leigo através do curso Logos II. No Jornal Diário de Natal do
dia 13/02/1976 foi lançado o edital da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio
Grande do Norte, convocando os professores leigos a prestarem o exame e se inscreverem
no programa.
Uma revista de circulação da Secretaria Estadual de Educação, a revista
Pedagogium, trouxe, em uma edição de 1978, dados iniciais do projeto Logos II no RN.
O projeto Logos II que utiliza a técnica de ensino a distância com instrução
programada e que visa habilitar em nível de 2º grau o professorado leigo, foi
implantado no Rio Grande do Norte, em agosto do ano passado [1977] já tendo
atingido até o momento, 5.270 professores esperando nos próximos 60 meses
atingir um total de 10 mil professores habilitados. Considerado pelo Secretário
de Educação, como um dos mais importantes do Estado, do campo da
educação, o Logos II tem um prazo estipulado para seu encerramento, que deve
acontecer em 1980. (REVISTA PEDAGOGIUM, 1978, p. 9)
Ainda de acordo com dados da Revista Pedagogium, houve um levantamento
inicial de número de cursistas da primeira turma do Logos II até agosto de 1977 com um
número de 5.270 professores. Consideradas pelos cursistas como principais motivos para
a desistência do curso, o projeto Logos II apresenta até 1978 uma taxa de evasão de
77,7%. A revista trouxe também os motivos que justificaram a desistência.
Quadro 05: Evasão Logos II (1977)
Fonte: Revista Pedagogium (1978)
Em relação ainda sobre a desistência dos 77,7%, levando em conta as redes de
educação, foram: 58,6% de professores da rede municipal; 40,5% da rede estadual e 0,9%
da rede particular. Conforme podemos observar, esse é um número muito elevado, o que
praticamente nos leva a inferir que dos 5.272 professores cursistas no Estado do Rio
Grande do Norte, pouco mais do que 1.200 professores concluíram que estavam cursando
normalmente o projeto Logos II, podendo esse número ainda ter aumentado até o final
dessa primeira turma. São índices alarmantes que denunciaram a dificuldade de formação
para o professor potiguar leigo.
Motivos da desistência %
Cursistas que se mudaram para lugares
onde não existia o Logos II
19,4%
Cursistas que ficaram gravemente
doentes
16,8%
Cursistas que foram demitidos 6,5%
Problemas familiares, distância,
condições financeiras e aposentadoria
28%
Vale ressaltar que esse projeto atendeu uma parcela do magistério feminino, uma
vez que muitas professoras moravam no interior potiguar e não tiveram acesso
anteriormente a Escola Normal ou a cursos de licenciatura em Pedagogia. A despeito de
críticas, o projeto atendeu inicialmente o processo de formação de muitos professores.
O projeto Logos II foi fundamental na formação de mulheres jovens que haviam
se casado e já cuidando de seus filhos, não tinham acesso aos cursos de formação, pois
era necessário viajar para as cidades maiores que compunham os centros urbanos. Assim,
outro aspecto relevante foi a interiorização desse programa de formação.
Os professores também construíram uma nova relação a partir do seu processo de
profissionalização. Segundo Nóvoa
A profissionalização não é um processo que se produz de modo endógeno.
Assim, a história da profissão docente é indissociável do lugar que seus
membros ocupam nas relações de produção e do papel que desempenham na
manutenção da ordem social. Os professores não vão somente responder a uma
necessidade social de educação, mas também criá-la. A grande operação
histórica da escolarização jamais teria sido possível sem a conjugação de vários
fatores de ordem econômica, social, mas é preciso não esquecer que os agentes
desse empreendimento foram os professores. (Apud CATANI, 2016, p.585)
Nesse sentido, vale destacar que a participação dos professores acontecia no
momento em que participavam dessa formação em que se transformavam e
transformavam o seu meio. Ainda nessa perspectiva, em um estudo sobre os projetos de
formação de professores no município de Riachuelo/RN, encontramos que
A formação das professoras leigas, que possibilitaram mais aprendizado e
maior capacitação e que as deixaram mais autônomas no processo de ensino
aprendizagem, foi um capítulo importante na história da educação de
Riachuelo - RN, pois perdurou toda a década de 1970 e início da década de 1980. Desta feita, o Projeto SACI e o Projeto Logos II foram os maiores
exemplos de capacitação e profissionalização docente, que foi amplamente
ofertado no município e houve adesão das professoras em participarem dos
programas. Elas também replicaram esse mesmo ideário e os cursos que havia
feito, atualização pedagógica, Projeto SACI, Logos II, ambos de cunho e de
assinatura do Regime Militar, legitimaram as suas ações e práticas enquanto
docentes. (ARAUJO, 2019, p. 144)
As suas práticas, o seu contexto sócio-histórico e os professores enquanto sujeitos
sociais “são funcionários do Estado e, como tal, agentes da reprodução da ordem social
dominante, mas personificam igualmente a esperança da mobilidade social de diferentes
camadas da população. (CATANI, 2016, p.585). Essa perspectiva de esperança e de
mobilização atribuída a Educação que esteve presente no espirito formativo e de busca
pela aprendizagem docente. Abaixo um exemplo concreto dessa titulação do projeto
Logos II.
Figura 04: Diploma do Logos II
Fonte: Acervo pessoal da professora Maria da Natividade
Ainda não foi possível mensurar a quantidade de professores que foram formados
pelo projeto Logos II e conseguiram a partir dessa formação ter a titulação mínima exigida
para o exercício da profissão docente. Entretanto, podemos inferir que pela duração do
projeto, mesmo considerando as evasões, uma parte significativa dos professores das
décadas de 1970 e 1980 puderam ser formados e titulados como professor do ensino de
primeiro grau.
Considerações Finais
A área de estudos da formação docente concentra indícios e elementos que
constituem a história da educação. Nesse sentido, discutir sobre os elementos que
possibilitaram compreender como o professor iniciou sua formação inicial dentro do seu
contexto sócio-histórico demonstra a constituição de uma manifestação da educação na
sociedade.
A década de 1970 e até meados de 1980 foi um período de transição e de inovação
na educação pública brasileira. Estava-se mudando um ciclo de formação de professores
a partir da legislação educacional, currículo escolar e da pedagogia tecnicista. Embora
bastante criticada, a pedagogia tecnicista era a que estava vigente e foi um momento de
transição e de experiência para formação desse docente. A mudança da formação pela
Escola Normal para a habilitação do Magistério foi bastante evidenciado. A partir desses
estudos identificamos que atualmente profissionais da educação que não atuavam
diretamente em sala de aula, como especialistas em educação (como o caso dos
professores e suporte pedagógico) surgem nesse contexto enquanto profissionais da
educação do Magistério. Essa foi a formação de uma nova escola, do novo Magistério,
preconizado por Valnir Chagas.
A política pública de formação docente construída pelo projeto Logos II foi criada
para atender as exigências da legislação para atuação do professor e também como uma
maneira de descentralizar e colaborar com a formação desse profissional. Proporcionou
mais segurança na docência a partir das aulas presentes nos módulos, na forma de
planejamento, que buscava uma eficiência em sala de aula e também. Parte significativa
dos docentes tiveram sua formação nesse período e consideramos essa titulação
correspondeu a uma parte do processo de profissionalização docente.
Em relação a profissionalização dos professores no Rio Grande do Norte,
percebemos que foi um dos Estados que mais implementou essa política de formação
docente. Além de ter um grande número de docentes que precisavam se capacitar, o
projeto perdurou por no mínimo 10 anos de constituição de turmas do projeto Logos II.
Agora, o professor não era mais leigo. Sobre professor leigo, vimos que documentos
oficiais e comumente era chamado o professor sem a titulação, no que tange um debate
acerca desse termo.
O projeto Logos II foi responsável por titular e também introduzir conceitos
iniciais da formação docente. Esse professor que foi formado em meados da década de
1970 e 1980 teve ainda influência pedagógica na escola pelo menos até meados da década
de 1990. Esse foi um profissional que teve uma parcela significativa na contribuição da
educação contemporânea fazendo com que a pesquisa acerca desse período colabora com
a compreensão de determinados processos, tempos e espaços na educação possam ser
melhor compreendidos.
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