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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE-DESPORTOS
)JCLEO DE ESTUDOS.PEDAGGIC05-DAEDUCAO FSiCA
Programa de Ferm ao Continuada. do Professor' da Escola.Pblca(UFSC - -sEC/SC ~ SMElFlorianpOOs)
.4 _ED.UCAOFSICA.ESCOLARNO BRASIL: ..CONTEXTUALlZAO HISTtlRICA
Giovani De Lorenzi Pires
Florianpolis, julho de 1993
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A. EDCCAAo FSICA ESCOLAR NO BR;\SIL .Conrextualizao histrica!
Giovani de Lorenzi Pires 2
I. iNTRODlJAo:
o estudo da histria se manifesta, via de regra, como algo enfadonho, uma autntica....~.."._.~"'_..-------
"decoreba " de fatos, nomes e datas, percebidos de forma esparsa, sem nexos. Esta compreenso
de histria no permite o entendimento dos "porqus", uma vez que concebe os fenmenos como
pre-determinados, descontextualizados, acontecidos quase que por gerao espontnea.
necessria, entretanto, uma concepo de histria como "interpretao da ao~ ...__ " ..........._ _-humana transformadora no tempo " (ARA..l~1}L>\ , 1989), destacando: a) ao humana enquanto
condio resultante das relaes sociais; b) ao transformadora pelo trabalho, unidade dialtica
entre o pensar e o agir (prxis).
Nesta concepo histrica, o tempo extrapola simples cronologia e adquire um carter
interpretativo do passado para a compreenso do presente, na busca de superao daquilo que
AR..~"\.R;\(op. cit ) denomina naturalizao, isto , de que "as coisas so assim porque tm que
importante contribuio para a concepo critico-ernancipatoria (KL~;Z; 1;:.;~ ~~:-s~:e::~-,~:-~:.~.. ri'" (' / i.;: )uma nova praxis pecagogica ,agIrl pensar! agir), que ajude a desvelar os interesses e
condicionantes sociais, ideolgicos e mercantilistas que se encontram subjacentes, por exemplo .. 2.
Educao Fsica orientada no esporte de rendimento. Parece razovel crer que se nos livrarmos
das amarras em que se constituem as rotinas da prtica pedaggica ingnua, reducionista e
utilitria que caracterizou a Educao fsica brasileira at o limiar da dcada de 80, poderemos de
rorma critica, autnoma e coletiva construir esta nova perspectiva para as aulas de Educao
Para breve resumo histrico, baseamo-nos em Lino Castellani Filho (1988), Carmen Lcia
S::.res (1990), Mauro Betti (1991) e ~.~.~!~oGhiraldelli Jr. (1988). Quantos aos aspectos.' ".~~-; ,;:; (leis e decretos) encontramos am Inezil Pena Marinho (1 08n\ e Iayr Jordo Rar nos-_:~.~ J. ~ . ~\..."'- "-.l~l U.t"...\..tl L J, '-'11 HLl 111 "'U..11 .1 1- 1.1 l'''~ 1. I 1./ VJ _ _ ,-_
. :.;;:-:: imnortantes informaes que, embora descontextualizadas, contribuem para 2.
.: .~.7::"Cproduzido para servir de base para curso de capacirao de professores de Educao Fistc.: .:':> .~.o....._' c: .~2 Fiononoposs. AgoslO93.. = . '::0":- .sss.steme do Depor/amemo de Recreao e Prtica Desportiva Centro de Desportos ~ '.:::-.
.:c~:-:;:~:::~ao de fatos passados cujos reflexos ainda so percebidos na atual Educao Fsica
Para efeitos meramente didticos, tm-se procedido dividir os pouco mais de cem,,""""""""'-'"''''''''-''~-,~---''---- -
ar os de histria da Educao Fsica brasileira em perodos, dando-se a eles denominaes'~-'~-"-,., ..,.,,,.,--~,--,---decorrentes do iderio hegernnico em cada perodo, Tambm ns adotamos tal recurso,
::\ecessrio, porm, se faz esclarecer que estes perodos no so estanques, com princpio e fim
definidos, assim como a presena de caractersticas predominantes num determinado momento
no significa exclusividade, existindo a convivncia de fatores nem sempre concorrentes no
mesmo perodo. Grosso modo, poderamos afirmar que, se tratando a escola de um instrumento
do Estado, tm sido predominantes, na Educao Fsica escolar, os interesses do Estado
brasileiro, E mais: como este Estado representa, via de regra, o pensamento das classes dirigentes
da sociedade, importante que se faa tambm a leitura da realidade social, para que possamos
captar a origem e os objetivos dos fatos que marcaram, indelevelmente, a Educao Fsica escolar
orasileira. A isto, pretendemos chamar de contextualizao historica ,
Antes de entrarmos na anlise propriamente dita dos perodos, vamos evidenciar mais
dois aspectos, porquanto se tratarem de verdadeiros paradigmas da nossa Educao Fsica
O ' . 'nnmeiro e Que., , at o surgimento do pensamento critico na-' ~~_.'~> ----------~~
inchao urbano. Em virtude das. pssimas condies de trabalho nas fbricas Gomadas de at 16
horas, em condies insalubres) e da falta de saneamento bsico nas vilas operrias, reduzem-se
os nveis de qualidade de vida, ocasionando queda na produtividade e epidemias que terminavam
por atingir tambm as famlias da burguesia emergente.
Da decorre o surgimento dos mdicos higienistas, que adquiriram status de planejadores
de aes preventivas de "assepsia social" (GHIRALDELLI Jr.), com vistas a construo do
"homem novo para a nova sociedade" (SOARES), isto , um homem cujo corpo saudvel
representasse fora de trabalho capaz de manter os lucros do capital.
Na Escola, os mdicos higienistas atuavam atravs da Educao Fsica, na formao de
hbitos saudveis, com nfase nas atividades naturais, ao ar livre e nos exerccios respiratrios
(eram altssimos os ndices de doenas pulmonares na populao das vilas operriasl), originando,,,~ .,~.,p
correntes e mtodos de ginstica contempornea (sueca, natural austraca, alem, etc).
No Brasil, este fenmeno tambm ocorreu, embora um pouco mais tarde e com
caractersticas prprias. Com o advento das leis abolicionistas, aumenta significativamente a
populao negra, recm liberta, que migra para as cidades em busca de trabalho na ind-stria
emergente, especialmente na rea de tecidos. Isto ocasiona um aumento de concentrao
. . ..., .. .. - ,....-.. ~:-~:- ~_~3:~ :-::-~~:~~ :C::-~"7l D~3ca,:os os rneG1COS lJ.gIe:--~s:as" ~urge com eles o per:.s.a:-:1;;:~:c ~-...:~~=--...; :'.
~5:.'~:-.:.::-~~~:-::e:-:2. Europa, para justificar a explorao econmica do capitalismo .
.=::-.:. :=~::3.mentalgarantir escassa maioria branca da populao brasileira condies que
:::~:-':'~3~:-:-::-'~::-:-.e::5 e mulheres saudveis, destinados reproduo e longevidade. Neste sentido
~~-.:.~ e:-:.~':2:i.::>5 esforos higienistas tanto na puericultura, para reduzir os ndices de mortalidade
::-_.:.:-_::~. ':~::-:-.~ :10S costumes morais, com incentivo nuc1eao familiar.
-=-.:....-:-:.:-em aqui a Escola (e a Educao Fsica em especiall) foi escolhida como veculo
_, _, :-.::"'-25 valores para a nova sociedade. Ocorre a importao de mtodos de ginstica
e~:-::e~s e 2 biologizao da Educao Fsica, atravs de estudos e teses apresentadas na
::2.,:_,:..:.e ,":e :\1edicina do Rio de Janeiro. Dois nomes de grande importncia para a
.:::-:-:.::-e::=a.::o do pensamento higienista na Educao Fsica so destacados por Inezil Pena
~.:2.:-::-..::-.::- O primeiro, a quem aquele autor denomina Paladino da Educao Fsica Nacional. e
~ "~.~:...__D.,: Barbosa oue em '88'") fundamenta parecer favorvel a' obricatoriedade da cinsrica' __ __ ~ .1'\......." ..LJG.ll) , \.1 .~ 1 1 J ~,li!lu. lU III . 1 J..,,-,,' r ct v 11~ lU u.. \..lU ,=111 ~i..i ..C.
nos ':-"'::-:-:':-"':105 das histrias primrias, secundrias e normal, a partir dos valores higinicos O
50:":::-: e Feraando de Azevedo, cujos artigos e livros reforam sobremaneira o carter higinico e
::::::':0 da Educao Fsica Escolar.Outro fator que influenciou fortemente esta naturalizao da Educao Fsica foi a
.::-es.:ente interferncia das Foras Armadas nos destinos da sociedade brasileira, no perodo que
antecedeu a proclamao da Repblica e na chamada Primeira Repblica. Inspirados nos
princpios positivistas de Augusto Comte, os militares foram determinantes no processo de
cientificizao e desenvolvimento scio-econmico do pas. Sua influncia deu-se tambm na
concepo eugnca sobre a populao, pois observava-se uma crescente reduo nos atributos
fisicos (estatura, peso, sade, aptido fisica) dos novos recrutas. Isto determinou a introduo de
testes fisicos e biomtricos nas Escolas, para identificar precocemente desvios no
desenvolvimento corporal da juventude, bem como a diviso em turmas homogneas, a partir de
caractersticas fisicas e separadas por sexo.
A preocupao com a eugenia fez-se sentir de forma mais agressiva durante a ditadura do
Estado Novo, como veremos a seguir.
rn. PERODO i\1ILITARIZADO ( 1930- 1945 ) : ."""'" ~ ....-e- a .nr.uenc:a 805 m.u.ares :-:2. rus: C~:-:2. . ".' . ..::-2.S:1e~2.~X:~3. .:~s:.~ : :~:-::::
culminou na proclamao da Repblica, foi no primeiro governo do presidente Getulio \ ?S;2.3~
compreendido entre a Revoluo de 1930 e o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. oue ela
se fez mais marcante, do ponto de vista das mudanas econmicas e sociais.
Na Educao Fsica, a chamada militarizao deu-se por duas vias distintas que se
completam. De um lado, est o marco referencial da interveno dos militares nos esportes e na
formao de recursos humanos, tanto para as prprias Foras Armadas, como para o meio civil.
De outro, est o projeto ideolgico nacionalista do Governo Vargas, que apontava para o que
LE:".R--\ .....IZO (apud CASTELLt\J.'\TJ FILHO, 1988) chamou de "militarizao do COlpO e do
cspirito dos brasileiros ".
\'amos examinar, inicialmente, a influncia direta dos militares na formao dos
profissionais que iriam atuar com a Educao Fsica. Para tanto, seguiremos urna seqncia
cronolgica de fatos, que se inicia com as misses militares europias, que vieram ao Brasil nos
primeiros anos ps-proclamao da Repblica, com o objetivo de aperfeioar nossos oficiais
superiores. Estas misses traziam consigo os preceitos do adestramento fisico e da ginstica,
comuns na Europa. A misso francesa contribuiu na criao da Sala D'A ....rmas na Fora Pblica de
6So Paulo, em 1907, que posteriormente deu. origem Escola de Educao Fsica daquela
Instituio militar paulista, hoje Polcia Militar do Estado de So Paulo.
Em 1914, a Marinha cria a Liga de Esportes e passa a intervir diretamente na prtica e
competies dos esportes nuticos, como o remo e a natao. Antigo sonho dos militares, em
1922 criado o Centro Militar de Educao Fsica do Exrcito, que S0 foi implernentado anos
depois, dando origem Escola Superior de Educao Fsica do Exrcito (ESEFEx), de capital
importncia para a histria da Educao Fsica brasileira.
Em 1926, comeam a funcionar os Cursos Provisrios para a formao de instrutores de
ginstica para as Foras Armadas e para as escolas. A nfase destes cursos no adestramento, na
disciplinao e na hierarquia, comuns s instncias militares, e que se estenderam para a Educao
Fsica escolar. A ordem unida, a marcha e as punies fisicas, que durante anos estiveram
presentes na escola, tm a a sua origem.
Esta influncia torna-se ainda mais forte em 1929, quando o chamado mtodo francs,
originrio da Escola Militar de Joinville-le-Pont, e obrigatrio nas Foras Armadas desde 1921,
tem esta obrigatoriedade estendida s escolas, "enquanto no for criado um mtodo nacional ".
Para se ter uma idia de quanto foi obedecida esta ordem, vale lembrar que em 1940, o Ministrio
de Educao apurou, em pesquisa nacional, que 89% das escolas brasileiras ainda adotavam o
revista Educao Phvsica 1:'..,... suas p zinas oficiais e professores civis ditaram a contribuico da'1 I. ..l 1/' I . .L,..Ul U .:;:11, j. ~1 1 }li.1.'-' 1 \...01\'1 \..Li!. 1 111 '-'.l 1.11LJUY U
Educao Fsica ao projeto nacional-desenvolvimentista de Vargas e retomou-se a preocupao
eugnica, para que o jovem brasileiro tivesse um corpo e esprito guerreiros, aptos a dar a vida
pelos ideais da nao contra agentes internos e externos (leia-se: o cornunismol). Embora esta
preocupao fosse sincera de parte dos militares, um corpo forte, saudvel e disciplinado era tudo
o que as elites burguesas precisavam para levar adiante o projeto de desenvolvimento industrial,
com vistas a um novo modelo econmico para o pas, projeto este que originara a Revoluo de
10~n1./ _- '..---.
~o ano seguinte, 1934, surgem as primeiras escolas de formao de professores civis em
So Paulo, Par e Esprito Santo, porm nenhuma com status de ensino superior. Apenas em
1939. por interferncia e sob a tutela dos mdicos, que pretendiam assim retomar o domnio sobre
a Educao Fsica. que foi criada a Escola Nacional de Educao Fsica da Universidade do
Brasil. atual UFRJ. Com um currculo repleto de disciplinas da rea biolgica, a influncia mdica
7foi tal que a maior parte das demais Escolas Superiores de Educao Fsica, que surgiram a partir
da, foram localizadas juntos aos Institutos de Cincias da Sade das Universidades.
A outra via de militarizao da Educao Fsica brasileira foi, conforme j afirmamos, o
projeto nacionalista do governo de Getlio Vargas. Vargas chegou ao poder em 1930, atravs de
um grande conchavo entre as elites agrrias e a emergente burguesia industrial. O principal
objetivo deste acordo era o de implementar uma poltica desenvolvimentista que levasse o pas da
condio de exportador de matria prima do setor primrio a um pas industrializado. O acordo
entre as elites necessitava da participao da mo de obra trabalhadora, naturalmente excluda de
qualquer processo de deciso. Vargas adota, ento, estratgias populistas, concedendo algumas
vantagens trabalhistas, como a CLT, e tambm na rea social, como os programas de sade, em
troca de cooptao dos sindicatos de trabalhadores urbanos.
Em 1937, entretanto, as razes nacionalistas e anti-cornunistas de Vargas do origem
ditadura do Estado Novo, com o fechamento do Congresso e completa censura da imprensa.
Comea o regime de perseguies e prises arbitrrias em nome da defesa da Ptria, com
evidentes caractersticas fascistas, regime pelo qual Getlio no escondia sua simpatia. O perodo
do Estado ::\ovo. principalmente at 1942 - com o ingresso do Brasil na Segunda Guerra Mundial
As relaces do governo brasileiro com estes regimes totalitrios no se limitavam ao. -. ~aspecto comercial. Havia colaborao na represso poltica e racial (a alem-judia Olga Benrio,
esposa de Luiz Carlos Prestes, foi presa grvida e entregue aos alemes no Rio de Janeiro, para
ser deportada e morta na cmara de gs, em campo de concentrao nazista), alm da previso de
transferncia de tecnologia na rea de siderurgia, que no se efetivou por causa da Guerra.
No bojo deste processo de exaltao ao nacionalismo, surgiram as manifestaes pblicas,
como os auditrios cvicos e os desfiles, ao estilo militar. Na escola, estes eventos tambm eram
comuns e ficavam a cargo dos professores de Educao Fsica e de Moral e Cvica, disciplinas
tornadas obrigatrias atravs do decreto-lei n" 2.072/1940. Tambm por decreto foi criada, ainda
que nunca tenha sido implementada, a Juventude Brasileira, instituio para-militar de adeso
compulsria a todos os jovens menores de 18 anos, aptos fsica e moralmente. Esta "escola de
civismo e adestramento para a defesa dos ideais da Ptria", no por coincidncia, tambm existiu
na Alemanha nazista (Juventude Hitlerista) e na Itlia de Mussolini (Balilas) !
8Imbricado a esta preocupao com o corpo guerreiro, ressurge o pensamento eugnico,
incrementado de forma muito mais radical e com caractersticas prprias ao racismo tnico.
Extremos foram verificados, como o decreto que negava matrcula em escola pblica a estudante
que fosse permanentemente incapaz para a prtica da Educao Fsica, assim como a proposta de
Waldemar Areno, mdico e professor da Escola Nacional de Educao Fsica, que visava a
esterilizao dos deficientes para evitar o desencadeamento de uma prole dependente e intil
sociedade (CASTELLANI FILHO, op. cit.).
As presentes manifestaes dos neonazistas alemes (skean heads), com atentados contra
imigrantes no-arianos e portadores de deficincia, o que de resto se v em outros pases
desenvolvidos da Europa, demonstram que a eugema continua a confundir-se, perigosamente,
com terrorismo racial.
A vitria dos aliados em 1945 eXIgIU um novo modelo democrtico para o pas,
significando o fim do Estado Novo e a queda de Getlio Vargas.
IV. PERODO ESPORTIVIZADO (aps 1945) :
go\"ernantes. Tambm as demais instituies estatais passaram a fazer a ~-;-,:;~~:i:'2...._....._
Entre elas, obviamente, a Escola.
Durante treze anos, a intelectualidade e os polticos brasileiros discutiram 3. =-~: :.~Diretrizes e Bases da Educao Nacional, s aprovada em 1961 (LDB 4024/61). De um 12.:2. CS
progressistas, remanescentes do movimento dos Pioneiros da Escola Nova e liderados por Anisio
Teixeira, lutando pela escola pblica, gratuita e laica, e pela descentralizao administrativo-
pedaggica do sistema de ensino. De outro, os conservadores, apoiados pela Igreja Catlica
(detentora de vasta rede de ensino mantida com verbas pblicas), defendendo a liberdade (leia-se
privatizaol ) do ensino e a centralizao do sistema no Governo Federal, para garantir o poder e
os privilgios (GHIR.A..LDELLI Jr., op. cit.).
No meio desta discusso, a Educao Fsica preocupava-se em defender sua
obrigatoriedade (em trs sesses semanais de 50 minutos.' ), logrando obter xito, com sua
incluso na LDR atravs do artigo 22. Se do ponto de vista legal, a Educao Fsica limitou-se a
manter sua incluso obrigatria na Escola, no seu aspecto pedaggico-conceitual, crescentes
mudanas puderam ser percebidas. Abandonou-se o eixo antorno-fisiolgico (e o controle
9biorntrico rigoroso) em favor de uma perspectiva bio-scio-filosfica e de .um conceito social-
educativo para a Educao Fsica escolar.
Neste nterim, o fenmeno do esporte j se fazia sentir em todo o mundo, com a
esportivizao da ginstica ou a sua transformao em acessrio (preparao) para os esportes,
instrumentalizando o corpo para a competio.
No Brasil, este processo se d a partir da dcada de 50, por iniciativa oficial do prprio
.MEC, patrocinador das Jornadas Internacionais para Professores de Educao Fsica, reunindo e
reciclando em regime de cursos de frias profissionais que atuavam em escolas de todo o pas. Foi
nestes eventos que comeou a difuso do Mtodo Desportivo Generalizado, oriundo do Instituto
Nacional de Esportes da Frana e divulgado atravs do Professor Auguste Listello, em suas
muitas visitas para ministrar cursos no Brasil. Introduzindo na Educao Fsica escolar os
contedos esportivos de forma ldica, este mtodo pretendia proporcionar uma atividade mais
livre, criativa e prazerosa do que a ginstica calistnica. A contradio, contudo, evidente,
quando observamos os objetivos do mtodo, nomeados pelo prprio Listello (apud BETTI,
op.cit):
a) iniciar nos diferentes esportes;b) orientar para a especializao, atravs do desenvolvimento e aperfeioamento dasatitudes e gestos;C) desenvolver o gosto pelo belo, pelo esforo e performance;d) provocar as necessidades de higiene
o processo de esportivizao da Educao Fsica brasileira segue seu curso normal atque, a partir de 1964, os governos militares, estrategicamente, resolvem incentivar a prtica de
espones em todos os mbitos da sociedade, como forma de enfrentar (e desmobilizar) a
resistncia civil ao golpe de Estado. Como forma de valorizao da rea dos esportes, os militares
elevam a antiga Diviso de Educao Fsica do .\1EC condio de Departamento e, aps,
Secretaria de Educao Fsica e Desportos, cujos postos de direo vo sendo ocupados,
s~.:e55:~:aInente~por militares.
:\poiados por forte esquema de divulgao institucional nos meios de comunicao de
~~x.. ~ -:OITl a participao das entidades de classe patronais, seus parceiros no golpe, os
z : - ~::-::::5 ;,c:;-:>-: definem polticas pblicas para o binrnio Educao Fsica/Desportos, criam
:~~~~=:..=.:::.es;'2"a o sistema esportivo brasileiro, dando abrigo a todos os segmentos sociais,
: = =.: .:.:-=..:~ .::~:;:-~::iado EPT (Esporte para Todos), os jogos de trabalhadores atravs do.:;:...,~.: S::::SI S~SC e 2S jogos escolares. Alm disso, a promoo de dolos esportivos pelo
~:--~-:_::..:.~.!!X.:.:- - =, F:::::-aldi. Joo do Pulo, entre outros) servia de incentivo para que c
--10
esporte monopolizasse a ateno do povo. Afinal, se no h po, d-lhes circo, j dizia um
Imperador romano.
A criao dos Jogos Escolares Brasileiros (JEB's) foi a culminncia do processo de
esportivizao da Educao Fsica escolar. Atravs de um sistema seletivo, de participao
compulsria na base da pirmide (o que significava estatsticas positivasl), chegava-se s grande
finais nacionais, com ampla cobertura da imprensa, no jornalisticamente, mas como propaganda
institucional do governo. Neste perodo, cada professor de Educao Fsica imaginava-se um
"caador de talentos", considerando normal que o processo de seleo se desse nas aulas, com a
excluso dos menos aptos.
Tambm reveladora a anlise do decreto-lei n 69.45017, ainda vigente", regulamentando
o artigo 22 da Lei n" 4.024/61, que trata, como vimos, da obrigatoriedade da Educao Fsica
enquanto componente currcular. Depois de definir a aptido fisica como principal referncia para
o planejamento, controle, avaliao e formao das turmas (no mistas! ) para a Educao Fsica
na escola, o Decreto determina que as atividades de iniciao esportiva aconteam a partir da 5a
srie e se tornem predominantes no ensino superior.
Toda esta preocupao dos governos militares estava relacionada, na verdade, com a
inteno de ocupar e controlar as atividades realizadas no tempo livre da populao, para evitar o
surgimento de focos de oposio organizada ao regime. A e;xrtenso da obrigatoriedade da
Educao Fsica ao ensino universitrio (Decreto n 705/69) a melhor comprovao disto.
Havia tambm o interesse ideolgico de que o esporte de alto rendimento pudesse
"confirmar" a tese do "Brasil potncia mundial". Para tanto, investem-se cada vez mais na
chamada cientificizao da Educao Fsica e esportes. Traduzem-se bibliografias da rea do
Treinamento Esportivo, multiplicam-se os cursos e estgios em fisiologia do exerccio, estimulam-
se a construo, em pontos nem sempre estratgicos, de sofisticadas instalaes esportivas,
importam-se laboratrios de pesquisa do esforo. Paralelo a isto, definem-se polticas de
capacitao de docentes e tcnicos, em cursos de ps-graduao no exterior, notadamente nos
Estados Unidos e no Instituto de Colnia (Alemanha), grande centro do treinamento esportivo da
poca.
A ideologizao de todo este processo decorre do fato de que todos os esforos e
iniciativas empreendidas no perodo s admitiam a abordagem das cincias naturais/biolgicas,
concebendo o homem como ser dicotomizado e a-histrico, cUJO corpo deveria ser
instrumentalizado para a vitria esportiva, a qualquer preo .
.' Finalmente extinto a partir da promulgao da LDB 939"+/96. ainda que a Educao Fsica permanea cornocomponente curricular obrigatrio por meio desta nova legislao - art.26 . (nota aposta em 05/maio/97).
---" I J 1
o periodo esportivizado, longe de ter-se encerrado, ainda muito presente. O chamado.esporte-espetculo, isto , que pode ser comercializado, continua sendo a principal referncia
para a Educao Fsica escolar (BRA.CHT, 1989). Entretanto, a partir da dcada de 80, no bojo
do movimento pela redemocratizao do pas, pode-se perceber o surgimento do pensamento
critico na rea da Educao Fsica, construindo as bases daquilo que, aqui, denominaremos,
"perodo crtico".
V. PERODO CRTICO (ps-80) :
A expresso crtico tem o sentido de questionador. O objetivo da crtica o de provocar
reflexes sobre "convices" e "certezas" do nosso cotidiano, que reproduzimos sem pensar.
Assim, o perodo critico da Educao Fsica brasileira surge da reflexo sobre as conseqncias
do modelo exc1udente e centralizador de desenvolvimento econmico implementado pelos
governos militares e o papel desempenhado pelas instituies, entre elas a prpria escola, na
difuso deste iderio. Percebe-se, a partir das teorias critico-reprodutivistas da educao, as
"contribuies" que a Educao Fsica escolar (leia-se: o esporte na escola) vinha dando
promoo e validao dos valores da sociedade burguesa e do sistema capitalista dependente
implantado no nasH1IJl lU. UV 1 Y .~
Foi importante para esta crtica o surgimento dos primeiros cursos de mestrado em
Educao Fsica na BrasiL que oportuniza uma sistematizao mais contextualizada da critica.
Alm disso, o profissionais de Educao Fsica comeam a buscar nas cincias sociais,
principalmente na Filosofia, Sociologia e na Educao, outros conceitos para a legitimao da
Educao Fsica escolar, trocando o eixo tcnico-esportivo ..por ume~{~.~c~~ico-so~iale_
emancipatrio. Amadurece~as dlsc~~s~~~~'-~i;;;p'6'~i~~'~"~'~;~r~~;~~~~~~el imp~~~nte exer~ido"-"0'0 _'~'--"'''''"''''''--------,. ..
pelas A..PEF's, na compreensvel falta de iniciativas oficiais.
Surgem novas bibliografias, entre elas a Revista Brasileira de Cincias do Esporte, do
Colgio Brasileiro de Cincias do Esporte, que veicula grande parte da produo acadmica da
rea. Entre outros importantes documentos publicados neste perodo, entendemos que o artigo
"Educao Fsica - Novos Compromissos: pedagogia, movimento, misria" (OLThTDA., 86)
sintetiza de forma clara e objetiva a preocupao com a realidade social que caracteriza este novo
momento da Educao Fsica brasileira.
A principal mudana paradigmtica deste perodo a consolidao da concepo do
homem como ser uno (SA....c1\JTIN, 1987), no apenas superando a diviso corpo-mente, mas
compreendendo-o na relao com os outros homens e com o mundo, numa perspectiva de
1. \': J, 12
"'..CHT. Valter. A criana que pratica esporte respeita as regras do jogo ... capitalista. In: RBCEiCBCE. 7(J):
62 - 68. 1986._. Educao Fsica: a busca da autonomia pedaggica. J11: Revista da Educao FisicaIEki. 1(Q):28-3 ..t 1989.BRASIL SEED/1'vfEC. SE/DED/PE. Educao Fisica - Novos Compromissos: pedagogia, movimento. misria.
Documento Final do I Encontro Nacional de Dirigentes Metropolitanos de Educao, Olinda, 1986.BETTI. Mamo. Educao Fsica e Sociedade. So Paulo. Movimento. 1991.CASTELLANl FILHO. Lino. Educao Fsica no Brasil: a Historia que no se conta. Campinas. Papiros. 1988.G.t>OTTI. Moacir. Educao e Poder: introduo Pedagogia do Conflito. So Paulo. Cortez/Autores
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(mimeo).MARINHo.lnezi] Pena. Historio da Educao Fsica no Brasil. So Paulo. Cia. Brasil. 1980.R..A,.MOS.Jayr Jordo. Os exercicios fisicos /70 historia e na arte. So Paulo. Ibrasa. 1983.SA'\'TIN. Silvino. Educao Fsica: uma abordagemfilosofica da corporeidade. Iju. L,,}\'1J1J.1987.SOARES. Carmen Lcia. O pensamento mdico-higienista e a Educao Fsica no Brasil: 1850 -1930. PUC/SP.
1990 (Dissertao de Mestrado em Educao>.
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