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O FANTASMA DOS PIONEIROS: OS ESTUDOS DE HISTRIA DA EDUCAO E O DEBATE SOBRE A POLTICA EDUCACIONAL REPUBLICANA NO FINAL DO SCULO XX Jorge Carvalho do Nascimento Universidade Federal de Sergipe [email protected] Palavras-chave: Fernando de Azevedo, Historiografia Educacional, Escola Nova Opresentetrabalhopartedeumestudoquetomatrsimportantes pesquisadoresdaHistriadaEducaonoBrasil,comforteatuaonastrsltimas dcadasdosculoXX,paraanalisaromodoatravsdoqualseoperouacrtica historiogrficasobreaEscolaNovaentrens,apartirdaqueleperodo.Apanhandoas anlisespublicadasnosltimos30anosdaquelacentria,foipossvellanarumolhar emtornodascontribuiesdeZaiaBrando,CarlosMonarchaeClariceNuneseno modocomoelesdialogaramcomodiscursodoschamadosPioneirosdaEducao Nova.Comosabido,duranteadcadade80dosculoXXmuitospesquisadoresda HistriadaEducaoBrasileiraempreenderamumareleituradosmarcostericos estabelecidospelosescolanovistas.Paraesteestudo,noobstanteafertilssima contribuiooferecidapelospesquisadorescitados,sobdeterminadascircunstncias eles no priorizaram os problemas de interpretao historiogrfica situados na transio do sculo XIX para o sculo XX. De um modo geral, os estudos de Histria do Brasil (e nosomenteosdeHistriadaEducao)tomamessatransiolevandoemconta apenas as representaes que fizeram dela, a posteriori, os republicanos positivistas. Osestudosaquianalisadosjdemonstraramqueamaiorpartedabibliografia sobreEducaoproduzidanoBrasilnasdcadasde60,70e80dosculopassado priorizouoperodorepublicano,assumindoosmarcoshistricosestabelecidosapartir daobradeFernandodeAzevedo.EstudoscomoorealizadoporBrunoBontempi Junior1demonstraramquenoperodode1972a1988foramproduzidasnoBrasil146 dissertaesetesesemHistriadaEducao.Dessetotal,116tmcomoobjetoo perodorepublicano,enquantoapenas25analisamoperododamonarquia. Efetivamente,emcomparaocomabibliografiaacercadoperodorepublicano,so 2 bemescassosostextosdeHistriadaEducaoquesedebruamsobreopensamento educacionaldosculoXIXnoBrasil.Todavia,necessrioreveraHistriada Educao Brasileira oitocentista, como vm fazendo j alguns estudiosos, a exemplo de JosGonalvesGondra,MarcosCezardeFreitas,LucianoMendesFariaFilho,Diana GonlavesVidaleCynthiaGreiveVeiga,dentreoutros.Ofato,queexistemoutras visesquesoalternativasaodiscursopedaggicosegundooqualosJesutasteriam moldado uma Educao que dominou o Brasil desde o sculo XVI at o incio do sculo XX. Odebatequeestetextofazapartirdainspiraoquerecebedosestudosde CarlosMonarcha,ClariceNuneseZaiaBrandodizrespeitoaomodopeloqual, usualmente,sefazarepresentaodamonarquiabrasileiranosestudosdeHistriada Educao correntes entre ns. A viso mais conhecida do Brasil monrquico d conta da existnciadedeterminadascircunstnciasqueimpossibilitavamaintelectualidade nacionaldaqueleperodopensararespeitodoprprioEstadobrasileiroeformular projetoscorrentes.Assim,boapartedabibliografianoempreendeaexplicitaodos projetosbrasileiroselaboradosduranteosculoXIXsoboutrascondies,criando dificuldades sua compreenso por inteiro.Tanto Fernando de Azevedo como outros autores que se dedicaram antes dele ao examedaspolticasdesenvolvidaspelogovernomonrquiconoBrasil,insistemem representaraquelecontextoenfatizandoapermannciadotipodeeducaoimposta pelos jesutas, por um lado, e por outro a fragmentao causada pela poltica pombalina (...);osdecretosgovernamentaiseadistnciadessesdarealidade(...)2reificandoas posies interpretativas que foram assumidas no processo de luta que se travou entre os monarquistas e os republicanos a partir da segunda metade do sculo XIX. . No campo daHistriadaEducaoessasinterpretaesganharamclarezaprincipalmenteapartir do trabalho da gerao dos Pioneiros da Educao Nova. Oentendimentoassinaladoincorporou-sequasequeintegralmenteaoconjunto deinterpretaeseexplicaesdaEducaobrasileira,tantopelosliberaisquantopor seuscrticosdentreosquaisalgunsestudiososfiliadosavriastendncias interpretativas inspiradas pelo pensamento marxista. Todos eles liberais e crticos dos liberaisaceitarame,decertaforma,aindacontinuamaaceitarospressupostose periodizaesimpostospelageraodosPioneirosdaEducaoNova.Asbalizasque essegrupoestabeleceucontinuamaseraquelasaceitasaindahojecomoocampo possvel de interpretaes da Histria da Educao Brasileira. possvel que a partir de 3 tais limites possamos encontrar elementos queexpliquemporque entrens continua a haverpoucointeresseportrabalhosdepesquisaquetratemdeanalisarasexplicaes emtornodosproblemasdareformapombalina,doprocessodedesenvolvimento cultural vivido pelo Brasil durante o reinado do imperador D. Pedro II. Omosaicodaintelectualidadebrasileiraqueatuousoboimprio extremamente complexo, pois essa intelectualidade viveu as contradies do seu tempo. UmtempoqueeraodosculodoRomantismo,quemarcouasvisesdepoltica, literatura, moral e cincia dos homens. Um tempo de luta dura entre a moral religiosa e oatesmo.Deconsolidaodoevolucionismo.PerodonoqualoBrasilconheceuo liberalismodoSegundoImprioeadecadnciadasuamonarquia.Perodonoqualse lutoupelapreservaodaunidadenacional,nanicamonarquiaquesobreviveuao processodeliberaopolticadocontinenteamericano,ondeseadotouaRepblica como modelo de Estado. AstintassombreadasutilizadaspeloshistoriadoresdaculturaedaEducao para pintar o quadro do Brasil naquele perodo consolidaram a viso de que estvamos naquele momento indigentes de cincia em funo das tradies que herdramos sob a influnciadosjesutas.Demaneirageral,osestudiososdotemaafirmamqueatos primeiros anos deste sculo o conhecimento no Brasil estava bastante limitado e quase restrito s letras. Paraesse tipo de afirmao, partem sempre do pressuposto de que os jesutascontinuaramadirigiraintelectualidadebrasileiraatque,comoadventoda Repblica, os positivistas reformassem a estrutura do nosso ensino, mesmo porque, sob taisinterpretaes,asreformasqueaconteceramsobamonarquiaobjetivariamapenas permitir que tudo continuasse a ser exatamente como fora at ento. ParaessasinterpretaesocampodacincianoBrasilestariatolhidopelofato de o nosso sistema escolar, naquele momento, no apresentar um nvel de organizao satisfatrio, sem conseguir sequer articular os diversos graus da hierarquia institucional ouatmesmoofuncionamentodeinstituiesescolaresdeigualnvel.Dadefluem muitas crticas poltica cultural do governo monrquico. Alguns estudiosos chegaram aafirmartersidooColgioPedroIIanicainstituiodeculturageralimportante criadaduranteosdoisgovernosimperiais.Mas,aindaassim,paraautorescomo Fernando de Azevedo, a obsessodosestudossuperioresprofissionais,comoummeiodetornaros indivduos teis sociedade do tempo ou elev-los s fileiras da elite dirigente e 4 oespritoutilitrioquesedesenvolvia,partesobapressodasnecessidades imediatas,partepelapredominnciadaculturaprofissional,tinhamde forosamenteprejudicarosprogressosdosestudoscientficos,jentravados numa certa medida pelo carter de ensino bsico geral, eminentemente literrio eretrico,noColgioPedroIIenasinstituiesparticularesdoensino secundrio3. A REAVALIAO DO MOVIMENTO DOS PIONEIROS A partir do final da dcada de 80 do sculo XX,alguns intelectuais da Histria daEducaoBrasileiravoltaramsuaatenoparaosproblemashistoriogrficoscomo apontadosnestetextoeproduziramumaanlisequearticulouaidiademodernidade comaentradaemcenadogrupoqueviriaaseconstituirnomovimentodosPioneiros da Educao Nova. Trs expresses importantes dessa linha interpretativa conquistaram muitoespaonodebatearespeitodotema:CarlosMonarcha,ClariceNuneseZaia Brando. GraduadoemCinciasSociaispelaUniversidadedeSoPauloem1976, Monarcha obteve o ttulo de mestre em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica deSoPauloem1987edoutoremEducaotambmpelaPUCpaulistanaem1994, construindoumabemsucedidacarreiradedocenteepesquisadornaUniversidade EstadualPaulistaJliodeMesquitaFilhoUnesp.Estudandooproblemada representao histrica feita pela gerao dos Pioneiros, Carlos Monarcha apontou que a visodoprocessodeformaodasociedadebrasileiraassumidaportalgrupotrazia consigoumaconcepodemenoridaderacionaldasociedadecivil4.Paraesteautor, aoestudaraHistriadoBrasile,particularmente,aHistriadaEducaoBrasileira, algumasvezestem-seaimpressodehaverahistriaestancadoentreaRevoluo Francesa do sculo XVIII e aquilo que apresentado como sendo a revoluo burguesa brasileiraarevoluode30.V-seahistriadoBrasilcomofatalidade,simples repetio da trajetria da chamada histria Universal. A partir da concepo da histria progressiva, o contexto democrtico-burgus, que se repete aqui como arevoluo de 305. Carlos Monarcha centrou a preocupao do seu trabalho na relao escola/espao urbano, tomando como ponto de partida emprico a cidade de So Paulo. Com um texto bastantearguto,CarlosMonarchaapontaaexistnciadeumacordotcitoqueva Repblica Velha como plo de desvios e deausncias primordiais, fazendo com quea histriapropriamenteditaaHistriaUniversalnosereproduzissenoBrasil6. Nestesentido,aEscolaNovateriaoperadodeslocamentosnodiscursodosliberais 5 brasileiros, de forma a produzir mudanas sociais estritamente controladas, processando oqueGramscidesignacomoaggiornamento,comoobjetivodereificarahegemonia burguesaentrens.Naconstruodasuaprtica,osescolanovistasteriamreduzidoa polticacincia,transformandoaprimeiranumconjuntodeprocedimentos tcnicos7. Pedagoga pela Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de So Caetano do Sul desde 1971, Zilda Clarice Martins Nunes obteve o seu ttulo de mestre em Educao no anode1979pelaFundaoGetlioVargasdoRiodeJaneiroeodedoutoraem Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, em 1991. Professora titular aposentada de Histria da Educao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ClariceNunesreconhecidapelaimportnciadasuacontribuioaocampo. AnalisandoaconstruodaidentidadeprofissionalempreendidaporFernandode Azevedo, Clarice estudou o espao de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro nas dcadasde20e30destesculo,articulando-ocomaorganizaodosistemaescolar, atravs do trabalho de Ansio Teixeira uma das mais importantes expresses do grupo que se organizou em torno de Fernando de Azevedo. Clarice Nunes demonstra o quanto asprticasculturaisespecficasdoespaourbanopermanecemcompletamente ignoradas8. Para essaautora, a cidade como signo vinha sendo objeto dapreocupao de cientistas sociais e historiadores de diversas reas. Contudo, o campo da Histria da Educaocontinuavaatrabalharaescola,asociedadeeoseducadoresatravsde representaescristalizadoras.ClariceNunesdemonstroucomoospesquisadoresda Histria da Educao eram levados nosaentremearosensocomumsobreaculturaurbanacomopensamento educacionalagestado,mastambmreforandoargumentosquetomamSo Paulo comomodelodemodernizaodasociedade e educaobrasileiras.Isto noaconteceporacaso.Noplanodaproduoacadmicaestacidadeque aparece como lcus por excelncia da afirmao dos interesses e da hegemonia do mercado, da superao do antigo impasse j sinalizado pelas elites brasileiras desde o sculo XIX, o de liberalizar a sociedade pelo Estado9. ClariceNunesconcentraosseusesforosnatarefadebuscaroprocessode construodoestilomodernodevidaurbananoRiodeJaneiro,atravsdaescola.A prpriapesquisadoraesclarecequeaHistriadaEducaoaindaumahistriaaser escritaamuitascabeasemos10.Estapesquisadora,portantoteveumapreocupao fundamental: mostrar como a cidade de So Paulo foi tomada como prottipo da cidade 6 brasileira,oqueserviu,nocasodaHistriadaEducao,paraembaralhardiferentes verses da Escola Nova. Ela revelou a necessidade de alguns estudos dirigirem o olhar sobre a cultura urbana, iluminando a especificidade das experincias escolares vividas nosgrandescentrosdopasnasdcadasdevinteetrinta11.Estaautoratemrazoao afirmar que impossvel examinar a trajetria da escola sem mencionar os intelectuais queaforjaram12.EjustamentenessepontoqueeladiferenciaotrabalhodeAnsio TeixeiradaqueleexecutadoporoutrasexpressesdoMovimentodosPioneiros:ele ampliou o seu olhar sobre a cidade e precisou suas formas de interveno, atingindo em cheiocdigosculturaisinscritosnasrelaespessoaiseestremecendorepresentaes cristalizadas na realidade13. Esta ao de Ansio Teixeira se d, no esqueamos, sobre umespaourbanooRiodeJaneiro.Emtalespaoalegislaoescolar,com contedosprticos,codificouespaos,saberes,poderes,definindooqueera consideradojustoe,aomesmotempo,delimitandoumconjuntodesoluesjurdicas para problemas postos pelo contexto pedaggico14.ZaiaBrandoPedagogapelaPUCdoRiodeJaneiro,mesmainstituiona qualobteve,em1973,ottulodemestreemEducao,eodedoutora,em1992,na mesmarea.ContinuaatuandocomoprofessoraassociadadaPUCdoRiodeJaneiro. No seu trabalho de dedicou a estudar as contradies existentes no interior do grupo em tornodoqualFernandodeAzevedoconstruiusuahistria/monumento.Otrabalhode Zaia Brando, mesmo atribuindo serem os debates em torno da esperana nos resultados da aplicao da cincia vida social prprios dos valores da primeira metade do sculo XX,reconhecequeotemadaEducaocomoforacivilizatriajaparecerano discurso dos intelectuais doImprio que insistentemente preconizavamo derramar da instruo por todas as classes15. Segundo Zaia Brando, no momento em que a gerao dasdcadasde20e30dacentrianovecentistaatuou,oimaginriosocialestava carregado de esperanas nos resultados da aplicao da cincia vida social16. A partir dainserodePaschoalLemmeligadoaoPartidoComunistanoblocoquese formouemtornodotrabalhodeFernandodeAzevedo,ZaiaBrandobuscouentender comosedeuessarelaoeasrepresentaesqueforamfeitasacercadela.A pesquisadorapartiudopressupostosegundooqualopensamentomarxistateriasido silenciado pelos educadores liberais do movimento dos Pioneiros da Educao Nova17. TomandocomosubstratotericodasuatesealgumasidiasdePierreBourdieu,Zaia Brandoreveloucomoentrensumasignificativaparceladotrabalhohistoriogrfico em Educao vem priorizando uma determinada histria dos vencidos, na qual, vtimas 7 e rus so separados, numa construo historiogrfica que concorda com a existncia de idias liberais fora do lugar e atravs da leitura teolgica de certa tradio marxista osolohistricodoobjetodeestudotemsidoutilizadoexclusivamenteparailustrar umadeterminadaexplicaoque,quasesempre,extradadiretamentedessateoria desencarnada18. Ostrabalhosfeitospelospesquisadoresaquimencionadosenfatizama importnciadeobservaromtododapesquisahistricanosestudosdocampoda HistriadaEducao.Apanhandoessetipodeentendimentoesteestudocompreende quehevidnciashistricasquepermitemoporrestriesaidiascorrentes,como aquelaqueafirmaseremfrgeisasinstituiesculturaisdosculoXIX;deque vivamos exclusivamente sob a gide de um agrarismo atrasado e pernicioso; de que no existiaminstituiespolticasdemocrticas.MuitasvezesoestudiosodeHistria precisa aprender a nocobrardemomentoshistricospassados(...)oquenosejadesses momentos , impedir a tentao de levantar questes e buscar respostas para um determinadomomentotendoporrefernciaquesteserespostasques emergiramdepoisdeesgotadasaquelasconjunturas...(...)Dizendodeoutro modo,precisonocobrardasforaspresentesemmomentospassadosoque estava acima das possibilidades, da conscincia daquelas foras19. O Estado republicano brasileiro se constituiu trazendo consigo aexpectativa do novo.Mas,levoutambmaqueseproduzissemdeformaesnasrepresentaes histricas do regime que o antecedeu. Os estudos sobre a Histria do Brasil republicano, principalmente aqueles produzidos a partir dos anos 20 do sculo passado, partiram da premissasegundoaqualoambientemonrquicoeraconstitudoporumridodeserto cultural. Omodocomooproblemadaconstruodomodernotemsidotratadopela historiografiabrasileiranosdaimpressodequeoBrasil,emtermosintelectuais esteve sempre recomeando. Toda a idia de modernidade entre ns tem sido negadora do j existente, tendo sempre como ponto de partida um carter inauguratrio do tempo. H uma tendncia a rejeitar o passado e afirmar que tudo comea a partir do momento em que a novaanlise se referencia. Produz-se a impresso de um eterno recomeo de todasasinterpretaesculturais,masemverdademuitodifcilrecomear,sobretudo no que diz respeito a cultura. Existem fuses, mesmo quando estas so negadas. 8 OproblemadarepresentaohistricadoBrasilfeitapelasprimeirasgeraes derepublicanostempreocupadomuitosinvestigadoresetemamaiorrelevncia, principalmente para a compreenso da Histria da Educao entre ns. A viso que tm dopassadoosintelectuaisbrasileirosdasquatroprimeirasdcadasdosculoXXtem sido muito questionada, principalmente em estudos que procuram desembaar o debate em torno do trabalho dos chamados Pioneiros da Educao Nova. SoproblemticasasinterpretaesdosculoXIXqueapresentamoEstado monrquicobrasileirocomosendocompletamentedesaparelhadodeprojetosde Educao e cultura. Admitir a existncia desses projetos no significa avaliz-los, como poder-se-iapensaraofazeroraciocnioinverso.Edomesmomodo,nosignifica apontarasuficinciadoqueexistia.Masnohcomoescamotearasevidncias histricas que apontam a existncia de tais projetos. Cadavezmaisvemsendopostaparaosestudoshistoriogrficosemtornode temascomoEducaoeculturanoBrasilanecessidadederetomarapreocupao existente no SegundoImprio quanto as potencialidades civilizatrias desses campos preocupaoquefoiaolongodosculoXXtransformadaemtabularasaporalguns textosdeHistriadaEducaobrasileira,damesmamaneiraquenamaiorpartedos textosquesededicamaexaminarhistoricamentequestesemtornodaspolticas cultural e cientfica no Brasil. Trabalhos como os de Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brando tm feito tal reconhecimento, mesmo que de forma marginal. Osestudosrealizadosporestesautoresprocuraramdestacaraimportnciada construo de novos objetos e da reconstruo de tantos outros tidos como velhos. Essa discusso emergiu com mais fora entre ns a partir da segunda metade dos anos 80 do sculoXXcomvriastentativasdedarcontedohistricoaosestudosdeHistriada Educao ao tempo em que era identificada a necessidade de libert-la de posies pr-concebidasquemarcavamasuatrajetria.Apesardetodooesforodetais pesquisadores, de maneira geral ainda ficou um pouco subjacente a idia de que o Brasil dosculoXIXviviasobdeterminadascircunstnciasqueimpossibilitavama intelectualidadebrasileiradepensaracercadoprprioEstadonacionaleformular polticas coerentes. Tal idia nem sempre apareceu de forma explcita e algumas vezes foi apresentada sutilmente. Ao apresentar a Repblica como inauguradora da modernidade no Brasil, alguns historiadorestiveramnecessidadedefazerumcomplexoexercciodelgicahistrica emfacedasevidnciasquepodemserrecolhidasnosculoXIX,umavezqueapenas 9 uma dcada daquele sculo foi vivida sob o governo republicano. Do ponto de vista da HistriadaEducaotalproblemapodeserobservadoclaramentedesdea hegemonizaodomovimentodosPioneirosdaEducaoeratificadoclaramentepela maiorpartedostrabalhossobreotema.Irradiadospredominantementecombasenas reflexes feitas na Universidade de So Paulo a partir dos anos 40 do sculo XX. Bruno Bontempi Junior analisou os problemas da historiografia na rea ao comentar um texto de Mirian Jorge Warde, entendendo que a autora aponta para o fato de que a maioria dos trabalhos no reflete os debates eavanosdocampodosestudoshistricosemtermosdenovasreferncias explicativas,repisandooscaminhosanteriormenteabertospelahistoriografia da educao, quando muito acrescentando novos dados20. Esse mesmo autor sugere que o projeto que Fernando de Azevedo legoupara a historiografia educacional brasileira ficou bem claro, porque aRevoluode30representa,paraAzevedo,justamenteomomentode rompimento com o agrarismo, com o obscurantismo das elites, com a educao tradicional. o ponto culminante de um processo e, ao mesmo tempo, o incio de uma fase de mudanas estruturais profundas na sociedade brasileira. Por isso, 1930 constitui o principal marco histrico na trajetria da educao brasileira na narrativa de Azevedo21. Vrios estudos indicam e analisam em profundidade a enorme influncia que as formulaesinterpretativasdeAzevedoexerceram.MariaRitadeAlmeidaToledo arrola vrias marcas de tal influncia em estudosde Histria da Educao brasileira. natentativadecriticaressetipodeinflunciaqueumavertentevemganhandomuita importncianosltimosanosaofazerestudosquearticulamaidiademodernidade com a entrada em cena do grupo que viriaa seconstituir no Movimento dos Pioneiros da Educao Nova. CONSIDERAES FINAIS Paraesteestudo,noobstanteafertilssimacontribuiooferecidapelos pesquisadorescitados,sobdeterminadascircunstnciaselesnopriorizaramos problemasdeinterpretaohistoriogrficasituadosnatransiodosculoXIXparao 10 sculoXX.Deummodogeral,osestudosdeHistriadoBrasil(enosomenteosde Histria da Educao) tomam essa transio levando em conta apenas as representaes que fizeram dela, a posteriori, os republicanos positivistas. AlgunspesquisadoresdeHistriadaEducaobrasileiravmfazendo,desde meadosdosanos80dosculoXX,umareleituradosmarcostericosestabelecidos pelos escolanovistas brasileiros. O aprofundamento dessa releitura remete aquele que se lanaafaz-loaproblemasdeinterpretaohistoriogrficaqueestosituadosna transiodosculoXIXparaosculoXXedeixabemclaroquepossveluma releituradiferenciadadasidiasemcirculaonaqueleperodo.possvelentendero sculo XIXestudando as representaes feitas naquele mesmo momento, e no apenas asrepresentaesqueposteriormenteforamfeitasdelepelosrepublicanos,eatentar para outras possibilidades. Apesar da importncia do seu trabalho, Zaia Brando no considerou que a idia segundo a qual a cincia e o progresso eram valores que viabilizariam a construo de uma repblica modernaque colocaria oBrasil pari passu com as naes civilizadas22 foi apropriada com muita competncia pela gerao dos anos 20 e 30 do sculo passado, mas tem suas matrizes tericas formuladas efetivamente pela gerao dos intelectuais da segundametadedosculoXIX,preocupadacomaconstruodoBrasilbrasileiro. Portanto, do mesmo modo que as preocupaes com Educao e cultura da gerao dos anos20/30dosculoXXmerecemserlevadasemconsideraoeexaminadas atentamente,tambmsoigualmentecredorasasidiasaesserespeitopresentesno discurso da intelectualidade oitocentista. AtradiomarxistabrasileiraemHistriadaEducaoteriafeitoumtrabalho que no foi alm da inverso do sinal utilizado por Fernando de Azevedo, posto que em ACulturaBrasileira,anarrativaproduzidaconstruiuolugardomovimento educacionalratificando,concomitantemente,amemria,entooficial,sobreahistria recentedopas.Essahistriacontinuaoperandocomomesmoconceitodetempo histrico,semmodific-lo.H,naturalmente,algumasexcees.Porm, predominantemente, quase todos os textos continuam a operar com os mesmos marcos estabelecidos por Fernando de Azevedo. Rupturacomapolticaoligrquica,aRevoluode30propostacomoo desfechonecessriodainsatisfaopolticadosanos20,insatisfaoquetinhano movimento educacional ao lado das revoltas tenentistas e da Semana de Arte Moderna umadassuasmanifestaes;insatisfao,porsuavez,capturadacomodemandade 11 modernizao do pas23. E exatamente no palco erigido por Fernando de Azevedo que acrticamarxistaexerceoseumister.ZaiaBrandocolocaqueparaessetipode historiografia, o povo teria ficado impotente diante dos desgnios burgueses. Nohdapartedestetrabalhoaintenodeinsinuarestarempesquisadores comoCarlosMonarcha,ClariceNuneseZaiaBrandopresosaovisinterpretativo fixadoporFernandodeAzevedo.Todavia,nohcomonegarqueelescontinuam discutindoosmarcosfixadosporaqueleautorsemenfatizaraimportnciaea possibilidade de buscar a explicao dos problemas trazidos tona pelos escolanovistas emoutrascircunstnciashistricas.Oquesepresumequeacompreensodos problemasemtornodosquaisosescolanovistasdiscursavamhqueserbuscadano sculo XIX, no qual aquelas questo efetivamente foram gestadas.Apreocupaoquetemsidofreqenteentreosestudiososaquicitadosno sentidodedarcontedohistricoefetivossuaspesquisasjustamenteoquelevaao sculo XIX.

1Cf.BONTEMPIJunior,Bruno.HistriadaEducaoBrasileira:oterrenodoconsenso.SoPaulo: PUC, 1995. (Dissertao de Mestrado). 2 Cf. TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as aventuras e desventuras do criador e da criatura. So Paulo: PUC, 1995. (Dissertao de Mestrado). 3 Cf. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 4. Ed. So Paulo: Melhoramentos, 1964. p. 572. 4Cf.MONARCHA,Carlos.Areinvenodacidadeedamultido.Dimensesdamodernidade brasileira: a Escola Nova. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 21. 5Cf.MONARCHA,Carlos.Areinvenodacidadeedamultido.Dimensesdamodernidade brasileira: a Escola Nova. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 22. 6Cf.MONARCHA,Carlos.Areinvenodacidadeedamultido.Dimensesdamodernidade brasileira: a Escola Nova. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 20. 7Cf.MONARCHA,Carlos.Areinvenodacidadeedamultido.Dimensesdamodernidade brasileira: a Escola Nova. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 120. 8 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 154. 9 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 154. 10 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 179. 11 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 154. 12 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 155. 13 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 159. 14 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 174. 15 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 95. 16 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 87. 17 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 6. 12 18 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 61. 19 Cf. WARDE, Mirian Jorge. Anotaes para uma Historiografia da Educao brasileira. Em Aberto, Braslia, v. 3, n. 23, set./out., 1984. p. 3. 20Cf.BONTEMPIJunior,Bruno.HistriadaEducao Brasileira:oterrenodoconsenso.SoPaulo: PUC, 1995. (Dissertao de Mestrado). p. 6. 21Cf.BONTEMPIJunior,Bruno.HistriadaEducao Brasileira:oterrenodoconsenso.SoPaulo: PUC, 1995. (Dissertao de Mestrado). p. 98. 22 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 87. 23Cf.CARVALHO,MartaMariaChagasde.Notasparareavaliaodomovimentoeducacional brasileiro. In: Cadernos de Pesquisa. Fundao Carlos Chagas, So Paulo, n 66, p. 4-11, ago., 1988. p. 5.