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O FANTASMA DOS PIONEIROS: OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E O DEBATE SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL REPUBLICANA NO FINAL DO SÉCULO XX Jorge Carvalho do Nascimento Universidade Federal de Sergipe [email protected] Palavras-chave: Fernando de Azevedo, Historiografia Educacional, Escola Nova O presente trabalho é parte de um estudo que toma três importantes pesquisadores da História da Educação no Brasil, com forte atuação nas três últimas décadas do século XX, para analisar o modo através do qual se operou a crítica historiográfica sobre a Escola Nova entre nós, a partir daquele período. Apanhando as análises publicadas nos últimos 30 anos daquela centúria, foi possível lançar um olhar em torno das contribuições de Zaia Brandão, Carlos Monarcha e Clarice Nunes e no modo como eles dialogaram com o discurso dos chamados Pioneiros da Educação Nova. Como é sabido, durante a década de 80 do século XX muitos pesquisadores da História da Educação Brasileira empreenderam uma releitura dos marcos teóricos estabelecidos pelos escolanovistas. Para este estudo, não obstante a fertilíssima contribuição oferecida pelos pesquisadores citados, sob determinadas circunstâncias eles não priorizaram os problemas de interpretação historiográfica situados na transição do século XIX para o século XX. De um modo geral, os estudos de História do Brasil (e não somente os de História da Educação) tomam essa transição levando em conta apenas as representações que fizeram dela, a posteriori, os republicanos positivistas. Os estudos aqui analisados já demonstraram que a maior parte da bibliografia sobre Educação produzida no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado priorizou o período republicano, assumindo os marcos históricos estabelecidos a partir da obra de Fernando de Azevedo. Estudos como o realizado por Bruno Bontempi Junior 1 demonstraram que no período de 1972 a 1988 foram produzidas no Brasil 146 dissertações e teses em História da Educação. Desse total, 116 têm como objeto o período republicano, enquanto apenas 25 analisam o período da monarquia. Efetivamente, em comparação com a bibliografia acerca do período republicano, são

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O FANTASMA DOS PIONEIROS: OS ESTUDOS DE HISTRIA DA EDUCAO E O DEBATE SOBRE A POLTICA EDUCACIONAL REPUBLICANA NO FINAL DO SCULO XX Jorge Carvalho do Nascimento Universidade Federal de Sergipe [email protected] Palavras-chave: Fernando de Azevedo, Historiografia Educacional, Escola Nova Opresentetrabalhopartedeumestudoquetomatrsimportantes pesquisadoresdaHistriadaEducaonoBrasil,comforteatuaonastrsltimas dcadasdosculoXX,paraanalisaromodoatravsdoqualseoperouacrtica historiogrficasobreaEscolaNovaentrens,apartirdaqueleperodo.Apanhandoas anlisespublicadasnosltimos30anosdaquelacentria,foipossvellanarumolhar emtornodascontribuiesdeZaiaBrando,CarlosMonarchaeClariceNuneseno modocomoelesdialogaramcomodiscursodoschamadosPioneirosdaEducao Nova.Comosabido,duranteadcadade80dosculoXXmuitospesquisadoresda HistriadaEducaoBrasileiraempreenderamumareleituradosmarcostericos estabelecidospelosescolanovistas.Paraesteestudo,noobstanteafertilssima contribuiooferecidapelospesquisadorescitados,sobdeterminadascircunstncias eles no priorizaram os problemas de interpretao historiogrfica situados na transio do sculo XIX para o sculo XX. De um modo geral, os estudos de Histria do Brasil (e nosomenteosdeHistriadaEducao)tomamessatransiolevandoemconta apenas as representaes que fizeram dela, a posteriori, os republicanos positivistas. Osestudosaquianalisadosjdemonstraramqueamaiorpartedabibliografia sobreEducaoproduzidanoBrasilnasdcadasde60,70e80dosculopassado priorizouoperodorepublicano,assumindoosmarcoshistricosestabelecidosapartir daobradeFernandodeAzevedo.EstudoscomoorealizadoporBrunoBontempi Junior1demonstraramquenoperodode1972a1988foramproduzidasnoBrasil146 dissertaesetesesemHistriadaEducao.Dessetotal,116tmcomoobjetoo perodorepublicano,enquantoapenas25analisamoperododamonarquia. Efetivamente,emcomparaocomabibliografiaacercadoperodorepublicano,so 2 bemescassosostextosdeHistriadaEducaoquesedebruamsobreopensamento educacionaldosculoXIXnoBrasil.Todavia,necessrioreveraHistriada Educao Brasileira oitocentista, como vm fazendo j alguns estudiosos, a exemplo de JosGonalvesGondra,MarcosCezardeFreitas,LucianoMendesFariaFilho,Diana GonlavesVidaleCynthiaGreiveVeiga,dentreoutros.Ofato,queexistemoutras visesquesoalternativasaodiscursopedaggicosegundooqualosJesutasteriam moldado uma Educao que dominou o Brasil desde o sculo XVI at o incio do sculo XX. Odebatequeestetextofazapartirdainspiraoquerecebedosestudosde CarlosMonarcha,ClariceNuneseZaiaBrandodizrespeitoaomodopeloqual, usualmente,sefazarepresentaodamonarquiabrasileiranosestudosdeHistriada Educao correntes entre ns. A viso mais conhecida do Brasil monrquico d conta da existnciadedeterminadascircunstnciasqueimpossibilitavamaintelectualidade nacionaldaqueleperodopensararespeitodoprprioEstadobrasileiroeformular projetoscorrentes.Assim,boapartedabibliografianoempreendeaexplicitaodos projetosbrasileiroselaboradosduranteosculoXIXsoboutrascondies,criando dificuldades sua compreenso por inteiro.Tanto Fernando de Azevedo como outros autores que se dedicaram antes dele ao examedaspolticasdesenvolvidaspelogovernomonrquiconoBrasil,insistemem representaraquelecontextoenfatizandoapermannciadotipodeeducaoimposta pelos jesutas, por um lado, e por outro a fragmentao causada pela poltica pombalina (...);osdecretosgovernamentaiseadistnciadessesdarealidade(...)2reificandoas posies interpretativas que foram assumidas no processo de luta que se travou entre os monarquistas e os republicanos a partir da segunda metade do sculo XIX. . No campo daHistriadaEducaoessasinterpretaesganharamclarezaprincipalmenteapartir do trabalho da gerao dos Pioneiros da Educao Nova. Oentendimentoassinaladoincorporou-sequasequeintegralmenteaoconjunto deinterpretaeseexplicaesdaEducaobrasileira,tantopelosliberaisquantopor seuscrticosdentreosquaisalgunsestudiososfiliadosavriastendncias interpretativas inspiradas pelo pensamento marxista. Todos eles liberais e crticos dos liberaisaceitarame,decertaforma,aindacontinuamaaceitarospressupostose periodizaesimpostospelageraodosPioneirosdaEducaoNova.Asbalizasque essegrupoestabeleceucontinuamaseraquelasaceitasaindahojecomoocampo possvel de interpretaes da Histria da Educao Brasileira. possvel que a partir de 3 tais limites possamos encontrar elementos queexpliquemporque entrens continua a haverpoucointeresseportrabalhosdepesquisaquetratemdeanalisarasexplicaes emtornodosproblemasdareformapombalina,doprocessodedesenvolvimento cultural vivido pelo Brasil durante o reinado do imperador D. Pedro II. Omosaicodaintelectualidadebrasileiraqueatuousoboimprio extremamente complexo, pois essa intelectualidade viveu as contradies do seu tempo. UmtempoqueeraodosculodoRomantismo,quemarcouasvisesdepoltica, literatura, moral e cincia dos homens. Um tempo de luta dura entre a moral religiosa e oatesmo.Deconsolidaodoevolucionismo.PerodonoqualoBrasilconheceuo liberalismodoSegundoImprioeadecadnciadasuamonarquia.Perodonoqualse lutoupelapreservaodaunidadenacional,nanicamonarquiaquesobreviveuao processodeliberaopolticadocontinenteamericano,ondeseadotouaRepblica como modelo de Estado. AstintassombreadasutilizadaspeloshistoriadoresdaculturaedaEducao para pintar o quadro do Brasil naquele perodo consolidaram a viso de que estvamos naquele momento indigentes de cincia em funo das tradies que herdramos sob a influnciadosjesutas.Demaneirageral,osestudiososdotemaafirmamqueatos primeiros anos deste sculo o conhecimento no Brasil estava bastante limitado e quase restrito s letras. Paraesse tipo de afirmao, partem sempre do pressuposto de que os jesutascontinuaramadirigiraintelectualidadebrasileiraatque,comoadventoda Repblica, os positivistas reformassem a estrutura do nosso ensino, mesmo porque, sob taisinterpretaes,asreformasqueaconteceramsobamonarquiaobjetivariamapenas permitir que tudo continuasse a ser exatamente como fora at ento. ParaessasinterpretaesocampodacincianoBrasilestariatolhidopelofato de o nosso sistema escolar, naquele momento, no apresentar um nvel de organizao satisfatrio, sem conseguir sequer articular os diversos graus da hierarquia institucional ouatmesmoofuncionamentodeinstituiesescolaresdeigualnvel.Dadefluem muitas crticas poltica cultural do governo monrquico. Alguns estudiosos chegaram aafirmartersidooColgioPedroIIanicainstituiodeculturageralimportante criadaduranteosdoisgovernosimperiais.Mas,aindaassim,paraautorescomo Fernando de Azevedo, a obsessodosestudossuperioresprofissionais,comoummeiodetornaros indivduos teis sociedade do tempo ou elev-los s fileiras da elite dirigente e 4 oespritoutilitrioquesedesenvolvia,partesobapressodasnecessidades imediatas,partepelapredominnciadaculturaprofissional,tinhamde forosamenteprejudicarosprogressosdosestudoscientficos,jentravados numa certa medida pelo carter de ensino bsico geral, eminentemente literrio eretrico,noColgioPedroIIenasinstituiesparticularesdoensino secundrio3. A REAVALIAO DO MOVIMENTO DOS PIONEIROS A partir do final da dcada de 80 do sculo XX,alguns intelectuais da Histria daEducaoBrasileiravoltaramsuaatenoparaosproblemashistoriogrficoscomo apontadosnestetextoeproduziramumaanlisequearticulouaidiademodernidade comaentradaemcenadogrupoqueviriaaseconstituirnomovimentodosPioneiros da Educao Nova. Trs expresses importantes dessa linha interpretativa conquistaram muitoespaonodebatearespeitodotema:CarlosMonarcha,ClariceNuneseZaia Brando. GraduadoemCinciasSociaispelaUniversidadedeSoPauloem1976, Monarcha obteve o ttulo de mestre em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica deSoPauloem1987edoutoremEducaotambmpelaPUCpaulistanaem1994, construindoumabemsucedidacarreiradedocenteepesquisadornaUniversidade EstadualPaulistaJliodeMesquitaFilhoUnesp.Estudandooproblemada representao histrica feita pela gerao dos Pioneiros, Carlos Monarcha apontou que a visodoprocessodeformaodasociedadebrasileiraassumidaportalgrupotrazia consigoumaconcepodemenoridaderacionaldasociedadecivil4.Paraesteautor, aoestudaraHistriadoBrasile,particularmente,aHistriadaEducaoBrasileira, algumasvezestem-seaimpressodehaverahistriaestancadoentreaRevoluo Francesa do sculo XVIII e aquilo que apresentado como sendo a revoluo burguesa brasileiraarevoluode30.V-seahistriadoBrasilcomofatalidade,simples repetio da trajetria da chamada histria Universal. A partir da concepo da histria progressiva, o contexto democrtico-burgus, que se repete aqui como arevoluo de 305. Carlos Monarcha centrou a preocupao do seu trabalho na relao escola/espao urbano, tomando como ponto de partida emprico a cidade de So Paulo. Com um texto bastantearguto,CarlosMonarchaapontaaexistnciadeumacordotcitoqueva Repblica Velha como plo de desvios e deausncias primordiais, fazendo com quea histriapropriamenteditaaHistriaUniversalnosereproduzissenoBrasil6. Nestesentido,aEscolaNovateriaoperadodeslocamentosnodiscursodosliberais 5 brasileiros, de forma a produzir mudanas sociais estritamente controladas, processando oqueGramscidesignacomoaggiornamento,comoobjetivodereificarahegemonia burguesaentrens.Naconstruodasuaprtica,osescolanovistasteriamreduzidoa polticacincia,transformandoaprimeiranumconjuntodeprocedimentos tcnicos7. Pedagoga pela Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de So Caetano do Sul desde 1971, Zilda Clarice Martins Nunes obteve o seu ttulo de mestre em Educao no anode1979pelaFundaoGetlioVargasdoRiodeJaneiroeodedoutoraem Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, em 1991. Professora titular aposentada de Histria da Educao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ClariceNunesreconhecidapelaimportnciadasuacontribuioaocampo. AnalisandoaconstruodaidentidadeprofissionalempreendidaporFernandode Azevedo, Clarice estudou o espao de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro nas dcadasde20e30destesculo,articulando-ocomaorganizaodosistemaescolar, atravs do trabalho de Ansio Teixeira uma das mais importantes expresses do grupo que se organizou em torno de Fernando de Azevedo. Clarice Nunes demonstra o quanto asprticasculturaisespecficasdoespaourbanopermanecemcompletamente ignoradas8. Para essaautora, a cidade como signo vinha sendo objeto dapreocupao de cientistas sociais e historiadores de diversas reas. Contudo, o campo da Histria da Educaocontinuavaatrabalharaescola,asociedadeeoseducadoresatravsde representaescristalizadoras.ClariceNunesdemonstroucomoospesquisadoresda Histria da Educao eram levados nosaentremearosensocomumsobreaculturaurbanacomopensamento educacionalagestado,mastambmreforandoargumentosquetomamSo Paulo comomodelodemodernizaodasociedade e educaobrasileiras.Isto noaconteceporacaso.Noplanodaproduoacadmicaestacidadeque aparece como lcus por excelncia da afirmao dos interesses e da hegemonia do mercado, da superao do antigo impasse j sinalizado pelas elites brasileiras desde o sculo XIX, o de liberalizar a sociedade pelo Estado9. ClariceNunesconcentraosseusesforosnatarefadebuscaroprocessode construodoestilomodernodevidaurbananoRiodeJaneiro,atravsdaescola.A prpriapesquisadoraesclarecequeaHistriadaEducaoaindaumahistriaaser escritaamuitascabeasemos10.Estapesquisadora,portantoteveumapreocupao fundamental: mostrar como a cidade de So Paulo foi tomada como prottipo da cidade 6 brasileira,oqueserviu,nocasodaHistriadaEducao,paraembaralhardiferentes verses da Escola Nova. Ela revelou a necessidade de alguns estudos dirigirem o olhar sobre a cultura urbana, iluminando a especificidade das experincias escolares vividas nosgrandescentrosdopasnasdcadasdevinteetrinta11.Estaautoratemrazoao afirmar que impossvel examinar a trajetria da escola sem mencionar os intelectuais queaforjaram12.EjustamentenessepontoqueeladiferenciaotrabalhodeAnsio TeixeiradaqueleexecutadoporoutrasexpressesdoMovimentodosPioneiros:ele ampliou o seu olhar sobre a cidade e precisou suas formas de interveno, atingindo em cheiocdigosculturaisinscritosnasrelaespessoaiseestremecendorepresentaes cristalizadas na realidade13. Esta ao de Ansio Teixeira se d, no esqueamos, sobre umespaourbanooRiodeJaneiro.Emtalespaoalegislaoescolar,com contedosprticos,codificouespaos,saberes,poderes,definindooqueera consideradojustoe,aomesmotempo,delimitandoumconjuntodesoluesjurdicas para problemas postos pelo contexto pedaggico14.ZaiaBrandoPedagogapelaPUCdoRiodeJaneiro,mesmainstituiona qualobteve,em1973,ottulodemestreemEducao,eodedoutora,em1992,na mesmarea.ContinuaatuandocomoprofessoraassociadadaPUCdoRiodeJaneiro. No seu trabalho de dedicou a estudar as contradies existentes no interior do grupo em tornodoqualFernandodeAzevedoconstruiusuahistria/monumento.Otrabalhode Zaia Brando, mesmo atribuindo serem os debates em torno da esperana nos resultados da aplicao da cincia vida social prprios dos valores da primeira metade do sculo XX,reconhecequeotemadaEducaocomoforacivilizatriajaparecerano discurso dos intelectuais doImprio que insistentemente preconizavamo derramar da instruo por todas as classes15. Segundo Zaia Brando, no momento em que a gerao dasdcadasde20e30dacentrianovecentistaatuou,oimaginriosocialestava carregado de esperanas nos resultados da aplicao da cincia vida social16. A partir dainserodePaschoalLemmeligadoaoPartidoComunistanoblocoquese formouemtornodotrabalhodeFernandodeAzevedo,ZaiaBrandobuscouentender comosedeuessarelaoeasrepresentaesqueforamfeitasacercadela.A pesquisadorapartiudopressupostosegundooqualopensamentomarxistateriasido silenciado pelos educadores liberais do movimento dos Pioneiros da Educao Nova17. TomandocomosubstratotericodasuatesealgumasidiasdePierreBourdieu,Zaia Brandoreveloucomoentrensumasignificativaparceladotrabalhohistoriogrfico em Educao vem priorizando uma determinada histria dos vencidos, na qual, vtimas 7 e rus so separados, numa construo historiogrfica que concorda com a existncia de idias liberais fora do lugar e atravs da leitura teolgica de certa tradio marxista osolohistricodoobjetodeestudotemsidoutilizadoexclusivamenteparailustrar umadeterminadaexplicaoque,quasesempre,extradadiretamentedessateoria desencarnada18. Ostrabalhosfeitospelospesquisadoresaquimencionadosenfatizama importnciadeobservaromtododapesquisahistricanosestudosdocampoda HistriadaEducao.Apanhandoessetipodeentendimentoesteestudocompreende quehevidnciashistricasquepermitemoporrestriesaidiascorrentes,como aquelaqueafirmaseremfrgeisasinstituiesculturaisdosculoXIX;deque vivamos exclusivamente sob a gide de um agrarismo atrasado e pernicioso; de que no existiaminstituiespolticasdemocrticas.MuitasvezesoestudiosodeHistria precisa aprender a nocobrardemomentoshistricospassados(...)oquenosejadesses momentos , impedir a tentao de levantar questes e buscar respostas para um determinadomomentotendoporrefernciaquesteserespostasques emergiramdepoisdeesgotadasaquelasconjunturas...(...)Dizendodeoutro modo,precisonocobrardasforaspresentesemmomentospassadosoque estava acima das possibilidades, da conscincia daquelas foras19. O Estado republicano brasileiro se constituiu trazendo consigo aexpectativa do novo.Mas,levoutambmaqueseproduzissemdeformaesnasrepresentaes histricas do regime que o antecedeu. Os estudos sobre a Histria do Brasil republicano, principalmente aqueles produzidos a partir dos anos 20 do sculo passado, partiram da premissasegundoaqualoambientemonrquicoeraconstitudoporumridodeserto cultural. Omodocomooproblemadaconstruodomodernotemsidotratadopela historiografiabrasileiranosdaimpressodequeoBrasil,emtermosintelectuais esteve sempre recomeando. Toda a idia de modernidade entre ns tem sido negadora do j existente, tendo sempre como ponto de partida um carter inauguratrio do tempo. H uma tendncia a rejeitar o passado e afirmar que tudo comea a partir do momento em que a novaanlise se referencia. Produz-se a impresso de um eterno recomeo de todasasinterpretaesculturais,masemverdademuitodifcilrecomear,sobretudo no que diz respeito a cultura. Existem fuses, mesmo quando estas so negadas. 8 OproblemadarepresentaohistricadoBrasilfeitapelasprimeirasgeraes derepublicanostempreocupadomuitosinvestigadoresetemamaiorrelevncia, principalmente para a compreenso da Histria da Educao entre ns. A viso que tm dopassadoosintelectuaisbrasileirosdasquatroprimeirasdcadasdosculoXXtem sido muito questionada, principalmente em estudos que procuram desembaar o debate em torno do trabalho dos chamados Pioneiros da Educao Nova. SoproblemticasasinterpretaesdosculoXIXqueapresentamoEstado monrquicobrasileirocomosendocompletamentedesaparelhadodeprojetosde Educao e cultura. Admitir a existncia desses projetos no significa avaliz-los, como poder-se-iapensaraofazeroraciocnioinverso.Edomesmomodo,nosignifica apontarasuficinciadoqueexistia.Masnohcomoescamotearasevidncias histricas que apontam a existncia de tais projetos. Cadavezmaisvemsendopostaparaosestudoshistoriogrficosemtornode temascomoEducaoeculturanoBrasilanecessidadederetomarapreocupao existente no SegundoImprio quanto as potencialidades civilizatrias desses campos preocupaoquefoiaolongodosculoXXtransformadaemtabularasaporalguns textosdeHistriadaEducaobrasileira,damesmamaneiraquenamaiorpartedos textosquesededicamaexaminarhistoricamentequestesemtornodaspolticas cultural e cientfica no Brasil. Trabalhos como os de Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brando tm feito tal reconhecimento, mesmo que de forma marginal. Osestudosrealizadosporestesautoresprocuraramdestacaraimportnciada construo de novos objetos e da reconstruo de tantos outros tidos como velhos. Essa discusso emergiu com mais fora entre ns a partir da segunda metade dos anos 80 do sculoXXcomvriastentativasdedarcontedohistricoaosestudosdeHistriada Educao ao tempo em que era identificada a necessidade de libert-la de posies pr-concebidasquemarcavamasuatrajetria.Apesardetodooesforodetais pesquisadores, de maneira geral ainda ficou um pouco subjacente a idia de que o Brasil dosculoXIXviviasobdeterminadascircunstnciasqueimpossibilitavama intelectualidadebrasileiradepensaracercadoprprioEstadonacionaleformular polticas coerentes. Tal idia nem sempre apareceu de forma explcita e algumas vezes foi apresentada sutilmente. Ao apresentar a Repblica como inauguradora da modernidade no Brasil, alguns historiadorestiveramnecessidadedefazerumcomplexoexercciodelgicahistrica emfacedasevidnciasquepodemserrecolhidasnosculoXIX,umavezqueapenas 9 uma dcada daquele sculo foi vivida sob o governo republicano. Do ponto de vista da HistriadaEducaotalproblemapodeserobservadoclaramentedesdea hegemonizaodomovimentodosPioneirosdaEducaoeratificadoclaramentepela maiorpartedostrabalhossobreotema.Irradiadospredominantementecombasenas reflexes feitas na Universidade de So Paulo a partir dos anos 40 do sculo XX. Bruno Bontempi Junior analisou os problemas da historiografia na rea ao comentar um texto de Mirian Jorge Warde, entendendo que a autora aponta para o fato de que a maioria dos trabalhos no reflete os debates eavanosdocampodosestudoshistricosemtermosdenovasreferncias explicativas,repisandooscaminhosanteriormenteabertospelahistoriografia da educao, quando muito acrescentando novos dados20. Esse mesmo autor sugere que o projeto que Fernando de Azevedo legoupara a historiografia educacional brasileira ficou bem claro, porque aRevoluode30representa,paraAzevedo,justamenteomomentode rompimento com o agrarismo, com o obscurantismo das elites, com a educao tradicional. o ponto culminante de um processo e, ao mesmo tempo, o incio de uma fase de mudanas estruturais profundas na sociedade brasileira. Por isso, 1930 constitui o principal marco histrico na trajetria da educao brasileira na narrativa de Azevedo21. Vrios estudos indicam e analisam em profundidade a enorme influncia que as formulaesinterpretativasdeAzevedoexerceram.MariaRitadeAlmeidaToledo arrola vrias marcas de tal influncia em estudosde Histria da Educao brasileira. natentativadecriticaressetipodeinflunciaqueumavertentevemganhandomuita importncianosltimosanosaofazerestudosquearticulamaidiademodernidade com a entrada em cena do grupo que viriaa seconstituir no Movimento dos Pioneiros da Educao Nova. CONSIDERAES FINAIS Paraesteestudo,noobstanteafertilssimacontribuiooferecidapelos pesquisadorescitados,sobdeterminadascircunstnciaselesnopriorizaramos problemasdeinterpretaohistoriogrficasituadosnatransiodosculoXIXparao 10 sculoXX.Deummodogeral,osestudosdeHistriadoBrasil(enosomenteosde Histria da Educao) tomam essa transio levando em conta apenas as representaes que fizeram dela, a posteriori, os republicanos positivistas. AlgunspesquisadoresdeHistriadaEducaobrasileiravmfazendo,desde meadosdosanos80dosculoXX,umareleituradosmarcostericosestabelecidos pelos escolanovistas brasileiros. O aprofundamento dessa releitura remete aquele que se lanaafaz-loaproblemasdeinterpretaohistoriogrficaqueestosituadosna transiodosculoXIXparaosculoXXedeixabemclaroquepossveluma releituradiferenciadadasidiasemcirculaonaqueleperodo.possvelentendero sculo XIXestudando as representaes feitas naquele mesmo momento, e no apenas asrepresentaesqueposteriormenteforamfeitasdelepelosrepublicanos,eatentar para outras possibilidades. Apesar da importncia do seu trabalho, Zaia Brando no considerou que a idia segundo a qual a cincia e o progresso eram valores que viabilizariam a construo de uma repblica modernaque colocaria oBrasil pari passu com as naes civilizadas22 foi apropriada com muita competncia pela gerao dos anos 20 e 30 do sculo passado, mas tem suas matrizes tericas formuladas efetivamente pela gerao dos intelectuais da segundametadedosculoXIX,preocupadacomaconstruodoBrasilbrasileiro. Portanto, do mesmo modo que as preocupaes com Educao e cultura da gerao dos anos20/30dosculoXXmerecemserlevadasemconsideraoeexaminadas atentamente,tambmsoigualmentecredorasasidiasaesserespeitopresentesno discurso da intelectualidade oitocentista. AtradiomarxistabrasileiraemHistriadaEducaoteriafeitoumtrabalho que no foi alm da inverso do sinal utilizado por Fernando de Azevedo, posto que em ACulturaBrasileira,anarrativaproduzidaconstruiuolugardomovimento educacionalratificando,concomitantemente,amemria,entooficial,sobreahistria recentedopas.Essahistriacontinuaoperandocomomesmoconceitodetempo histrico,semmodific-lo.H,naturalmente,algumasexcees.Porm, predominantemente, quase todos os textos continuam a operar com os mesmos marcos estabelecidos por Fernando de Azevedo. Rupturacomapolticaoligrquica,aRevoluode30propostacomoo desfechonecessriodainsatisfaopolticadosanos20,insatisfaoquetinhano movimento educacional ao lado das revoltas tenentistas e da Semana de Arte Moderna umadassuasmanifestaes;insatisfao,porsuavez,capturadacomodemandade 11 modernizao do pas23. E exatamente no palco erigido por Fernando de Azevedo que acrticamarxistaexerceoseumister.ZaiaBrandocolocaqueparaessetipode historiografia, o povo teria ficado impotente diante dos desgnios burgueses. Nohdapartedestetrabalhoaintenodeinsinuarestarempesquisadores comoCarlosMonarcha,ClariceNuneseZaiaBrandopresosaovisinterpretativo fixadoporFernandodeAzevedo.Todavia,nohcomonegarqueelescontinuam discutindoosmarcosfixadosporaqueleautorsemenfatizaraimportnciaea possibilidade de buscar a explicao dos problemas trazidos tona pelos escolanovistas emoutrascircunstnciashistricas.Oquesepresumequeacompreensodos problemasemtornodosquaisosescolanovistasdiscursavamhqueserbuscadano sculo XIX, no qual aquelas questo efetivamente foram gestadas.Apreocupaoquetemsidofreqenteentreosestudiososaquicitadosno sentidodedarcontedohistricoefetivossuaspesquisasjustamenteoquelevaao sculo XIX.

1Cf.BONTEMPIJunior,Bruno.HistriadaEducaoBrasileira:oterrenodoconsenso.SoPaulo: PUC, 1995. (Dissertao de Mestrado). 2 Cf. TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as aventuras e desventuras do criador e da criatura. So Paulo: PUC, 1995. (Dissertao de Mestrado). 3 Cf. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 4. Ed. So Paulo: Melhoramentos, 1964. p. 572. 4Cf.MONARCHA,Carlos.Areinvenodacidadeedamultido.Dimensesdamodernidade brasileira: a Escola Nova. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 21. 5Cf.MONARCHA,Carlos.Areinvenodacidadeedamultido.Dimensesdamodernidade brasileira: a Escola Nova. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 22. 6Cf.MONARCHA,Carlos.Areinvenodacidadeedamultido.Dimensesdamodernidade brasileira: a Escola Nova. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 20. 7Cf.MONARCHA,Carlos.Areinvenodacidadeedamultido.Dimensesdamodernidade brasileira: a Escola Nova. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 120. 8 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 154. 9 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 154. 10 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 179. 11 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 154. 12 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 155. 13 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 159. 14 Cf. NUNES, Clarice. Histria da Educao Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In: Teoria & Educao. Rio de Janeiro, n 6, 1992. p. 174. 15 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 95. 16 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 87. 17 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 6. 12 18 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 61. 19 Cf. WARDE, Mirian Jorge. Anotaes para uma Historiografia da Educao brasileira. Em Aberto, Braslia, v. 3, n. 23, set./out., 1984. p. 3. 20Cf.BONTEMPIJunior,Bruno.HistriadaEducao Brasileira:oterrenodoconsenso.SoPaulo: PUC, 1995. (Dissertao de Mestrado). p. 6. 21Cf.BONTEMPIJunior,Bruno.HistriadaEducao Brasileira:oterrenodoconsenso.SoPaulo: PUC, 1995. (Dissertao de Mestrado). p. 98. 22 Cf. BRANDO,Zaia. Por entre histrias ememrias. PaschoalLemme e a Escola Nova no Brasil. Rio de Janeiro: PUC, 1992. (Tese de Doutorado). p. 87. 23Cf.CARVALHO,MartaMariaChagasde.Notasparareavaliaodomovimentoeducacional brasileiro. In: Cadernos de Pesquisa. Fundao Carlos Chagas, So Paulo, n 66, p. 4-11, ago., 1988. p. 5.