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XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1 XI-020 - CAMAQUÃ: O CONVÍVIO COM AS ENCHENTES - PERÍODO 1936/1997 Luís Carlos da Rosa Evangelista (1) Geólogo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Pós-Graduado em Gerenciamento Ambiental pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA/RS. Professor de Ecologia, Geologia e Paleontologia na Faculdade de Formação de Professores de Educação - FAFOPEE/RS. Mestrando em Engenharia Ambiental e Tecnologias Limpas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Endereço (1) : Rua Adalcina Ribeiro, 621 - Bairro Jardim do Forte - Camaquã - RS - CEP: 96180-000 - Brasil - Tel: (51) 671-5692 e 9984-0544 - e-mail: [email protected] ou [email protected] RESUMO Este estudo foi realizado a partir da observação e da vivência de uma sucessão de desastres naturais ocorridos em diferentes períodos na cidade de Camaquã. Como profissional da área de geologia, despertou-me atenção o fato de que os agentes que provocaram as enchentes poderiam não ser apenas meteorológicos, mas de procedências diversas além disso, o fato de que as providências adotadas pelas autoridades competentes, tanto da parte técnica quanto das ações políticas, não obtiveram resultados satisfatórios. O processo de investigação foi desenvolvido de uma forma empírica, onde a metodologia foi sendo criada pela investigação. O plano de pesquisa foi movido pela curiosidade de um cidadão comum, mas profissional e que deseja para sua cidade uma mudança de perspectiva para a questão das inundações, através de respostas que fossem convincentes e tecnicamente corretas. O plano de estudo foi construído pelos dados e pelas informações obtidas. Os aspectos da hidrogeologia regional foram interpretados equivocadamente por profissionais não habilitados, esquecendo-se de que existem limites de atribuições para cada categoria profissional. As autoridades formadoras de opinião emitiram pareceres infundados sobre as causas e conseqüências das enchentes, causando mais insegurança e apreensão a toda comunidade. Este trabalho visa esclarecer a comunidade local à questão das enchentes do ponto de vista de um profissional da área de geologia e constitui propostas de transformação futura dessa questão. Por meio de informação, do planejamento participativo, pela consolidação das organizações sociais e por uma nova mentalidade face à água. PALAVRAS-CHAVE: Enchentes, Camaquã, Arroio Duro, Fenômenos Naturais e Antrópicos. INTRODUÇÃO Após analisar os impactos negativos que o fenômeno das enchentes acarretaram para a cidade de Camaquã e pelo fato de que as providências adotadas pelas autoridades competentes não conseguiram resultados satisfatórios, tanto do ponto de vista técnico quanto das ações políticas, despertou-me grande interesse em estudar as diversas ocorrências de cheias, no intuito de responder certas dúvidas e curiosidades relacionadas a estes fenômenos. Diante deste quadro, realizei levantamentos que detectassem a ocorrência sistemática de enchentes dentro do perímetro urbano, através das experiências vivenciadas e documentadas das precipitações ocorridas em diferentes épocas, junto a fatos históricos que comprovassem tais fenômenos. A intenção de investigar este assunto é de fornecer subsídios que comprovassem a inter-relação dos fatos, analisando vetores de origem antrópica e/ou natural, entre eles fenômeno “El Niño”, o aquecimento global, o gerenciamento ambiental municipal e o comportamento hidrogeológico da região. Este trabalho justifica-se pela permanência de inundações ao longo de muitos anos e que não foram estudadas de uma forma profissional acarretando conseqüências à população de Camaquã. As palestras realizadas pelo autor junto à comunidade levam a perceber que há um receio muito grande por parte da comunidade em se falar neste assunto, talvez para não relembrar momentos tristes ou por esperar soluções paternalistas.

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ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1

XI-020 - CAMAQUÃ: O CONVÍVIO COM AS ENCHENTES -PERÍODO 1936/1997

Luís Carlos da Rosa Evangelista(1)

Geólogo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Pós-Graduadoem Gerenciamento Ambiental pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA/RS.Professor de Ecologia, Geologia e Paleontologia na Faculdade de Formação de Professoresde Educação - FAFOPEE/RS. Mestrando em Engenharia Ambiental e Tecnologias Limpasna Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.

Endereço(1): Rua Adalcina Ribeiro, 621 - Bairro Jardim do Forte - Camaquã - RS - CEP:96180-000 - Brasil - Tel: (51) 671-5692 e 9984-0544 - e-mail: [email protected] [email protected]

RESUMOEste estudo foi realizado a partir da observação e da vivência de uma sucessão de desastres naturais ocorridosem diferentes períodos na cidade de Camaquã.Como profissional da área de geologia, despertou-me atenção o fato de que os agentes que provocaram asenchentes poderiam não ser apenas meteorológicos, mas de procedências diversas além disso, o fato de que asprovidências adotadas pelas autoridades competentes, tanto da parte técnica quanto das ações políticas, nãoobtiveram resultados satisfatórios.O processo de investigação foi desenvolvido de uma forma empírica, onde a metodologia foi sendo criada pelainvestigação. O plano de pesquisa foi movido pela curiosidade de um cidadão comum, mas profissional e que desejapara sua cidade uma mudança de perspectiva para a questão das inundações, através de respostas que fossemconvincentes e tecnicamente corretas. O plano de estudo foi construído pelos dados e pelas informações obtidas.Os aspectos da hidrogeologia regional foram interpretados equivocadamente por profissionais não habilitados,esquecendo-se de que existem limites de atribuições para cada categoria profissional. As autoridadesformadoras de opinião emitiram pareceres infundados sobre as causas e conseqüências das enchentes,causando mais insegurança e apreensão a toda comunidade.Este trabalho visa esclarecer a comunidade local à questão das enchentes do ponto de vista de um profissional daárea de geologia e constitui propostas de transformação futura dessa questão. Por meio de informação, doplanejamento participativo, pela consolidação das organizações sociais e por uma nova mentalidade face à água.

PALAVRAS-CHAVE: Enchentes, Camaquã, Arroio Duro, Fenômenos Naturais e Antrópicos.

INTRODUÇÃOApós analisar os impactos negativos que o fenômeno das enchentes acarretaram para a cidade de Camaquã epelo fato de que as providências adotadas pelas autoridades competentes não conseguiram resultadossatisfatórios, tanto do ponto de vista técnico quanto das ações políticas, despertou-me grande interesse emestudar as diversas ocorrências de cheias, no intuito de responder certas dúvidas e curiosidades relacionadas aestes fenômenos. Diante deste quadro, realizei levantamentos que detectassem a ocorrência sistemática deenchentes dentro do perímetro urbano, através das experiências vivenciadas e documentadas das precipitaçõesocorridas em diferentes épocas, junto a fatos históricos que comprovassem tais fenômenos.

A intenção de investigar este assunto é de fornecer subsídios que comprovassem a inter-relação dos fatos,analisando vetores de origem antrópica e/ou natural, entre eles fenômeno “El Niño”, o aquecimento global, ogerenciamento ambiental municipal e o comportamento hidrogeológico da região.

Este trabalho justifica-se pela permanência de inundações ao longo de muitos anos e que não foram estudadasde uma forma profissional acarretando conseqüências à população de Camaquã.

As palestras realizadas pelo autor junto à comunidade levam a perceber que há um receio muito grande porparte da comunidade em se falar neste assunto, talvez para não relembrar momentos tristes ou por esperarsoluções paternalistas.

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OBJETIVO GERALEste estudo teve como objetivo detectar as causas das enchentes ocorridas no período de 1936 a 1997,correlacionando-as com fatores antrópicos e naturais, bem como apresentar sugestões de ações mitigatórias,fornecer subsídios para atualização do plano diretor e auxiliar a Defesa Civil na elaboração de um plano deação para situações de calamidades públicas, que vise organizar ações dos órgãos públicos, privados e dacomunidade em geral.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS1. Identificar áreas de risco em Camaquã, relacionando-as a fenômenos meteorológicos.2. Mapear os bairros mais atingidos pelas inundações.3. Identificar a cota máxima atingida pelas inundações e a cota mínima de alagamento.4. Demonstrar que as transformações ocorridas pela urbanização junto às margens da sanga do Passinho e

arroio Duro compõem parte das causas das inundações urbanas.5. Correlacionar o assoreamento dos arroios, o excesso de lixo nas canalizações, a retirada da mata ciliar,

com as altas e cíclicas precipitações.6. Fornecer subsídios para o plano diretor.7. Identificar e mapear as diversas áreas de risco dentro do perímetro urbano da cidade de Camaquã.8. Contribuir para o planejamento da comissão da Defesa Civil, orientando para possíveis ações mitigatórias.9. Identificar ações urgentes que deverão constar de um plano de ação e prevenção de calamidades em

Camaquã.

METODOLOGIAEste trabalho foi uma investigação que se utilizou da metodologia longitudinal, retrospectiva, observando fatose fenômenos ao longo dos anos que compreenderam o período de 1936 a 1997, com especial atenção aofenômeno “El Niño”. Obteve-se deste modo um histórico das enchentes de Camaquã.

Foi um estudo descritivo avaliando o desempenho político e técnico em resposta à constância das enchentesnesta região.

Este estudo de caso baseou-se em situações reais em que o enfoque principal foi a ocorrência de altasprecipitações pluviométricas ocorridas em diferentes períodos, podendo ser correlacionadas com a posiçãogeográfica, geomorfológica e topográfica da cidade de Camaquã.

Os dados aqui apresentados foram resultado de revisão bibliográfica, de saídas de campo e de trabalho de escritóriocomo geólogo. Para execução dos trabalhos foram utilizados mapas planialtimétrico do Departamento Nacional deObras e Saneamento - DNOS, escala 1:2.000; mapa topográfico do exército SH.22-4-B-V-3, escala 1:50.000 e mapageológico do escudo Sul-rio-grandense, do Departamento Nacional da Produção Mineral - DNPM, escala1:600.000. Enriquecido através da análise de fotografias aéreas, na escala de 1:15.000;imagens de satélite,fotografias, documentos históricos, levantamento de trabalhos publicados e reportagens jornalísticas.

A metodologia portanto é composta de métodos quantitativos e qualitativos. Situa-se uma pesquisaexploratória na parte inicial e posteriormente descritiva e pesquisa participante.

Abaixo, descrevemos as técnicas utilizadas para realizar os dois métodos.

TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO

- Uso de mapas, fotografias aéreas e imagens de satélite das precipitações no perímetro urbano;- Identificação de pessoas fontes, que possuíam documentos históricos ou vivenciaram situações nestes períodos;- As pessoas fonte em geral eram idosas e foram entrevistadas com perguntas abertas, valorizando a história

oral dos moradores da cidade;- A técnica do uso de fotografia tinha como objetivo documentar a extensão e as cotas de alagamentos;- No caso de fotografias antigas, houve uma coleta nos arquivos do jornal Gazeta Regional, no museu e

junto a pessoas possuidoras de fotos em épocas das enchentes;

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- Observação das mudanças culturais que aconteceram na cidade após as inundações, um exemplo visível,colocação de trancas de contenção de cheias;

- As saídas de campo foram realizadas durante os períodos de chuvas e durante os momentos de estiagem;- Usou-se método empírico para fazer deduções sobre os fenômenos e entender o porquê dos fatos ocorridos;- A pesquisa através do método de transmissão de conhecimentos com de palestras sobre enchentes

procurou esclarecer suas causas e seus efeitos;- As palestras mostraram uma realidade social que a comunidade não queriam discutir cujas falas visam

estabelecer um contato de mudança de atitude face a prevenção.

A CIDADE DE CAMAQUÃA cidade de Camaquã, localiza-se na região sul do Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul aproximadamentenas coordenadas geográficas: 30º50’ de latitude sul e 51º48’ de longitude oeste. Dista 125 quilômetros dePorto Alegre, em direção a Pelotas e seu acesso principal se dá pela BR-116. A população urbana é deaproximadamente 28.000 habitantes e a economia da região baseia-se na agricultura e pecuária (Fig.1).

Figura 1: Mapa da região Centro-sul.

O município possui uma área superficial de 164.000 ha, dos quais 23.500 ha são utilizados para o cultivo dearroz irrigado e aproximadamente 5.000 ha correspondem a barragens, açudes e arroios.

Quanto à caracterização geológica, Camaquã situa-se na borda do cinturão Sul-rio-grandense e início daplanície lagunar. Geologicamente a cidade pode ser subdividida em duas partes distintas ,a parte norte, situadasobre o embasamento cristalino e leques aluviais ,com RN 30 a 100 m, e a parte sul e sudeste sobre solos deorigem sedimentar de baixa permeabilidade, com RN entre 27,50 a 30 m.

A região caracteriza-se por ser rica em recursos hídricos e possuir uma topografia favorável para orepresamento de águas, as quais são utilizadas no cultivo de arroz irrigado.

Devido às características da região serem favoráveis ao cultivo de arroz irrigado, ocorre uma situação bastantepeculiar, ou seja, os alagamentos artificiais ocupam uma área de aproximadamente 17% da área total domunicípio e esta situação se mantém durante aproximadamente 8 meses por ano. Estas áreas, por encontrarem-se alagadas, passam da condição de várzea a um imenso banhado em um curto espaço de tempo, forçando umaadaptação do ecossistema regional a estas condições. Situação similar só ocorre no Pantanal Mato-grossense,porém as características regionais, climáticas, geográficas e geomorfológicas são completamente diferentes àsdo Rio Grande do Sul.

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O que difere o fenômeno das cheias do Pantanal dos alagamentos no Rio Grande do Sul é a maneira comoacontecem estes fenômenos, ou seja, aqui os alagamentos ocorrem de forma artificial, cíclica, acarretando umaumento da umidade do ar e com isto um desequilíbrio no ecossistema regional. No Pantanal Mato-grossense,o fenômeno ocorre de forma natural, cíclica e sem a interferência do homem, não ocasionando agressões aomeio ambiente.

Devido à ação antrópica, as mudanças climáticas ocorridas na região sul, de certa forma, podem ter contribuído paraa alteração do micro-clima regional, já que a metade sul do Estado se dedica ao cultivo de arroz irrigado.

Diante desta realidade, observa-se que a cidade de Camaquã vem sofrendo com uma freqüência cíclica deenchentes no período de 1936 a 1997. As causas atribuídas às enchentes correlacionam com fatores antrópicose/ou naturais, que foram analisados, quantificados e estudados.

OCORRÊNCIA DAS ENCHENTESAs enchentes ocorridas em Camaquã caracterizaram-se pelo alto nível pluviométrico alcançado num curto espaço detempo, ocasionando alagamentos e inundações que tiveram suas origens na ocupação desordenada de terrenoslocalizados junto ao arroio Duro, em problemas de infra-estrutura urbana onde a macrodrenagem e microdrenagemencontram-se obsoletas, em loteamentos localizados em áreas de risco, no gerenciamento das comportas do arroioDuro, no assoreamento da sanga do Passinho, das galerias e canalizações de drenagem pluvial e cloacal.

Os impactos causados pelas cheias tiveram reflexos diretos junto a comunidade, agravando-se os problemas desaúde, obrigando os hospitais aumentarem o número de internações.

Após os primeiros momentos de estiagem, abateu-se sobre a cidade uma depressão coletiva e em alguns casosum estado de pânico quando as chuvas retornavam. Outra mudança de comportamento pode ser observada nadefesa contra enchentes, sempre que há um prenúncio de ocorrência de chuvas, a população coloca tábuas deproteção nas portas das casas (Fig. 2).

Em decorrência a esta nova realidade, a comunidade local adquiriu certos hábitos de defesa contra asenchentes, entre eles, os tampões colocados na frente das portas para que as águas não invadissem suas casas.A fúria das enchentes ajudou identificar áreas de risco, delinear um mapa com os bairros localizados em áreasde risco, auxiliando a comunidade a se prevenir. Os bairros mais pobres foram os mais atingidos, mesmo osórgãos públicos, associações de bairros e as organizações de defesa civil sabendo do perigo iminente nãohouve mobilização efetiva para alterar aquela situação.

Figura 2: Sistema de proteção contra cheias.

Ao constatar-se a freqüência cíclica das enchentes questiona-se se os desastres são ou não naturais, haja vistoque estes fenômenos nem sempre avisam quando vão ocorrer, mas dão sinais de sua presença e marcam ahistória com suas passagens. Ações concretas podem ser realizadas para minimizar os efeitos destesfenômenos através da formação de grupos de estudiosos observando-se a previsão do tempo, o volume dasprecipitações ocorridas, a presenças das enchentes como as de São Miguel, a ocorrência do fenômeno “ElNiño” e estudando-se as ocorrências históricas de enchentes na cidade. Ao analisarmos estas variáveisconstatamos que existe uma freqüência cíclica de enchentes em Camaquã, por este fato ser concreto,questiona-se o porquê de não existir um plano de prevenção contra as enchentes.

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“EL NIÑO”O fenômeno meteorológico conhecido como “El Niño” constitui uma ruptura do sistema oceano-atmosfera noPacífico Tropical e seu nome foi dado por pescadores peruanos em referência ao Menino Jesus e pelofenômeno ocorrer próximo à época do Natal.

Em condições normais os ventos alísios sopram em direção ao oeste no Oceano Pacífico e em épocas em queocorre o “El Niño” os ventos alísios se enfraquecem nas regiões ocidental e central do Pacífico, aumentando aprofundidade das águas quentes a leste e diminuindo a profundidade das águas quentes a oeste. Estasmodificações provocam uma elevação da temperatura da superfície do mar (TSM) de aproximadamente 2 à 4ºC, provocando uma alteração do comportamento do ecossistema mundial.

Do ponto de vista geológico é possível correlacionar a ocorrência do “El Niño” com falhas transformantesexistentes nas cordilheiras submarinas do oceano Pacífico, onde correntes de convecção liberam caloraumentando a temperatura das águas, e também com a fossa do Peru e a dorsal de Nazca, zona de intensaatividade tectônica localizada próximo ao litoral peruano.

Ponte Amarílio Borges Moreira sobre o arroio Duro

Figura 3: Vista da ponte no ano de 1936. Figura 4: Vista da ponte no ano de 1997.

DESCRIÇÃO DAS ENCHENTESApós tentar-se correlacionar ao longo dos anos as enchentes com o fenômeno “El Niño”, levantou-se dados edocumentação que constatam as ocorrências das enchentes em Camaquã desde 1936, época em que o nível daságuas atingiu a cota 33,7 metros, no bairro Vila Viegas, localizado à margem direita do arroio Duro (Fig. 3 e 4).Os documentos coletados junto à comunidade atestam que no ano de 1941 ocorreu uma grande enchente quealcançou 15 cm de lâmina d’água no bairro Vila Dona Tereza, referência de nível 33,5 metros.

No ano de 1974 as precipitações estimadas chegaram a 100 mm no período mínimo de um dia, causandoinundação no centro da cidade, na altura do cruzamento das avenidas Presidente Vargas e Olavo Moraes (Fig. 5).

Figura 5: Av. Olavo Moraes, enchente de 1974.

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As enchentes voltaram a assolar a cidade de Camaquã em março de 1992, após um período de estiagem. Asprecipitações estimadas chegaram a 350 mm num período de 10 dias de chuva ininterruptos, causando estragosirreparáveis aos orizicultores e grande parte da população dos bairros Getúlio Vargas e Olaria.

Em junho do mesmo ano as precipitações alcançaram 215 mm no período de apenas 2 dias de chuva. As águasque deveriam escoar pela sanga do Passinho foram obstruídas pela quantidade de lixo que existia nos dutossob a BR 116. Novamente o Bairro Getúlio Vargas foi o mais atingido.

Em dezembro de 1995 a enchente que inundou a cidade teve uma magnitude bem maior do que a ocorrida em1992, pois as precipitações foram de 360 mm, num período de 8 horas, encontrando uma condição favorávelpara acumulação de águas, pois no dia anterior havia chovido 80 mm causando uma sub-saturação do solo.

A providência tomada pelas autoridades para solucionar os problemas das enchentes foi a construção de umduto sob a BR116, para dar maior vazão às águas das cheias.

Passados trinta dias, Camaquã não havia se recuperado das enchentes de Natal e novamente encontrava-seimersa em águas que precipitaram durante 3 dias ininterruptos, alcançando a marca de 365 mm (Fig 6).

Figura 6: Av. Olavo Moraes, 1996. Figura 7: A força das águas.

O duto que havia sido construído para solucionar os problemas das cheias não foi suficiente para escoar aquantidade de água acumulada junto a BR 116. De acordo com o testemunho de diversas pessoas, a força daságuas havia sido tão forte que arrastou um casebre para dentro do duto, dificultando ainda mais a vazão daságuas (Fig. 7).

Os danos causados foram incalculáveis, provocando revolta e indignação de toda a população. A reação dosmoradores da região foi tentar solucionar o problema da maneira mais simples possível, ou seja, facilitar oescoamento das águas que inundavam o bairro Getúlio Vargas e grande parte da cidade. Com pás e picaretasromperam a BR 116 junto a sanga do Passinho. No entendimento da população, a BR116 estaria atuando comoum dique de represamento das águas (Fig. 8).

Figura 8: Rompimento da BR 116, 1996. Figura 9: Av. Olavo Moraes, 1997.

Nos dias 4 e 10 de outubro de 1997, chuvas torrenciais alcançaram precipitações de 111 mm e 90 mmrespectivamente, causando alagamentos na cidade e apreensão em toda a população (Fig. 9).

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DATAS PRECIPITAÇÕES 1936 ** 500 m 1941** A lâmina d’água atingiu 15 cm no bairro Vila Dona Teresa, cota 33,5 metros. 1972** 100 mm

Março/ 92** 350 mm em dez dias Junho / 92** 215 mm em dois dias 22/dez/95* 80 mm 23/dez/95* 360 mm 20/jan/96* 160 mm 21/jan/96* 180 mm 22/jan/96* 25 mm 04/out/97* 111 mm num período de 6 horas 10/out/97* 90 mm num período de 3 horas

Tabela 1: Precipitações ocorridas em diferentes períodos.* - Fonte: IRGA** - Fonte: estimativa feita pelo autor deste trabalho, dados comparados as precipitações de dez/96.

ANÁLISE DAS PROVIDÊNCIAS TÉCNICASAs autoridades competentes tentaram solucionar os problemas causados pelas enchentes através da construçãode uma ponte sob a BR 116 para escoar as águas da sanga do Passinho no bairro Getúlio Vargas tambémforam construídas galerias no bairro Olaria e Centro para auxiliar a macrodrenagem e foram limpas a sanga doPassinho e as bocas-de-lobo.

Observou-se que as ações adotadas apresentaram resultados imediatos, porém questiona-se a falta de medidaspreventivas que minimizem os efeitos das enchentes nos bairros localizados em áreas de risco, a falta de umplano de defesa civil que oriente a população de forma a defender-se de calamidades públicas e a criação degrupos organizados para atuarem junto a comunidade.

Diante da constatação que alguns locais do bairro Central continuam inundando após pequenas precipitaçõessupõem-se que a drenagem pluvial possa estar cheia de lixo, de entulhos e de areia necessitando ser realizadoum trabalho de desassoreamento. Para que diminuam os freqüentes entupimentos dos canos de esgotos se faznecessário a implantação de um trabalho de educação ambiental junto a comunidade realizada por equipesmultidisciplinares.

CONTRIBUIÇÃO DAS BACIAS HIDROGRÁFICASA barragem do arroio Duro localiza-se a noroeste da cidade de Camaquã, a uma distância de aproximadamente4 km. Possui uma bacia de contribuição de 290 km2 e uma área inundada de 1.800 hectares.

Esta barragem foi projetada para irrigar 14.000 hectares de lavouras, mas também abastece a cidade de águapara o consumo humano e atua na contenção de cheias.

Várias bacias hidrográficas contribuem com um volume significativo de água para o aporte do arroio Duro esanga do Passinho, entre elas estão:

Bacia 1 - Bacia do arroio Passo da Mangueira (Magna, 1997);Bacia 2 - Bacia a jusante da Barragem até a foz da Sanga Maria Ulguim (Magna, 1997);Bacia 3 - Bacia da Sanga da Maria Ulguim (Magna,1997);Bacia 4 - Bacia do Perímetro Urbano (aqui proposta);Bacia 5 - Bacia da sanga do Capitão Jango (Olivera & Cañas, 1995).

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Figura 10: Mapa das Bacias Hidrográficas.

Através de levantamentos realizados dentro do perímetro urbano, constatou-se que a zona central e váriosbairros recebem o aporte das águas de contribuição da bacia hidrográfica do Perímetro Urbano, aqui descritacomo Bacia 4.

A bacia do Perímetro Urbano possui uma área de aproximadamente 800 hectares e uma topografia bastanteacidentada, apresentando curvas de nível com variação de 40 metros para uma distância horizontal de apenas100 metros. No limite norte da bacia 4 localiza-se a zona da subestação (cota 102 m) e ao sul o centro dacidade (cota 30 m), a diferença de nível entre estes dois pontos é de 72 metros, para uma distância horizontalde 2.750 metros. Esta bacia hidrográfica apresenta características próprias, com o aporte de 50% decontribuição ocorrendo sobre área pavimentada, impedindo a infiltração natural das águas no solo e com istoprovocando a formação de uma lâmina d’água cada vez mais espessa em função da impermeabilização dosolo. O aumento da velocidade das corredeiras dentro do perímetro urbano torna-se maior, sobrecarregando osdutos coletores e bocas-de-lobo.

A quinta bacia de contribuição é constituída pela sanga do Capitão Jango e açude Santa Bárbara, amboslocalizados a nordeste de Camaquã, onde 42 hectares pertencem a área de inundação do açude Santa Bárbara.

Os estudos realizados na bacia de contribuição da Sanga do Capitão Jango, dia 23/12/95, mostraram um picode vazão que alcançou 206,49 m3/s, às 16:30 horas (Olivera e Cañas, 1995), momentos antes de ultrapassar aságuas sobre a BR 116, onde a referência de nível é 33 metros.

O trabalho apresentado pela Associação dos Usuários do Perímetro de Irrigação do Arroio Duro - AUD,objetivando demonstrar a resistência das estruturas de represamento das águas da barragem do arroio Duro(Magna, 1997), mostra a barragem como uma obra confiável, atuando como vetor moderador dos impactos decheias e retardando os efeitos da enchente dentro do perímetro urbano. A função de conter cheias por parte dabarragem tornou-se ineficaz após o momento de transbordamento dos “Stoplogs”, ou seja, tábuas que foramcolocadas para aumentar a capacidade de captação de água (Fig.11).

Em dezembro de 1995 a enchente que inundou a cidade teve uma magnitude bem maior do que a ocorrida em1992, pois as precipitações foram de 360 mm, num período de 8 horas, encontrando uma condição favorávelpara acumulação de águas, pois no dia anterior havia chovido 80 mm causando uma sub-saturação do solo.

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ANÁLISE DAS PROVIDÊNCIAS TÉCNICASAs autoridades competentes tentaram solucionar os problemas causados pelas enchentes através da construçãode uma ponte sob a BR 116 para escoar as águas da sanga do Passinho no bairro Getúlio Vargas tambémforam construídas galerias no bairro Olaria e Centro para auxiliar a macrodrenagem e foram limpas a sanga doPassinho e as bocas-de-lobo.Observou-se que as ações adotadas apresentaram resultados imediatos, porém questiona-se a falta de medidaspreventivas que minimizem os efeitos das enchentes nos bairros localizados em áreas de risco, a falta de umplano de defesa civil que oriente a população de forma a defender-se de calamidades públicas e a criação degrupos organizados para atuarem junto a comunidade.Diante da constatação que alguns locais do bairro Central continuam inundando após pequenas precipitaçõessupõem-se que a drenagem pluvial possa estar cheia de lixo, de entulhos e de areia necessitando ser realizado umtrabalho de desassoreamento. Para que diminuam os freqüentes entupimentos dos canos de esgotos se faz necessárioa implantação de um trabalho de educação ambiental junto a comunidade realizada por equipes multidisciplinares.

Figura 11: “Stoplogs” da barragem do Arroio Duro.

No bairro Olaria, as águas do arroio Duro transbordaram o dique da margem esquerda, causando muitaapreensão nos moradores da redondeza, pois a qualquer momento o dique poderia romper-se. Otransbordamento ocorrido deveu-se ao não funcionamento das comportas de segurança que deveriam liberar aságuas acumuladas dentro do arroio Duro. As conseqüências vieram através da inundação de diversas moradiasnos bairros Gaúcho, Maria da Graça e Jardim do Forte.

ANÁLISE PLANIALTIMÉTRICA DO PERÍMETRO URBANOA linha de raciocínio que norteou os estudos sobre as enchentes aqui descritas, baseou-se na planialtimetria dacidade de Camaquã, onde os levantamentos realizados mostraram a fragilidade do gerenciamento das águasurbanas, com problemas de macrodrenagem e de microdrenagem.

Figura 14: Colégio M. de Godoy, bairro G. Vargas.

A diferença de cota entre o vertedouro da Barragem (54,88 m) e a cota mais baixa localizada no bairro GetúlioVargas (27,1 m), é de 27,78 metros.

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Em 1996, o nível da água atingiu a cota 30,3 metros no bairro Getúlio Vargas, formando uma lâmina d’águade três metros e vinte centímetros de profundidade (Fig.14).

Através da análise planialtimétrica realizada em todo o perímetro urbano, pode-se observar que o ponto críticoera exatamente o encontro da sanga do Passinho com a BR 116. À montante desta sanga, em relação a BR 116,a cota é de 27,3 m e à jusante as cotas estão entre 29.9 m e 31,9 m (Fig. 15, 16 e 17).

27,3 m 31,9 mFigura 15: Vista aérea da sanga do Passinho e suas cotas.

Figura 16: Vista à jusante da sanga do Passinho em época normalCota 29,9 m Cota 31,9 m

Figura 17: Vista à jusante da sanga do Passinho em época de cheia.

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A situação da Sanga do Passinho agravou-se porque na época encontrava-se totalmente assoreada e com umagrande quantidade de plantas aquáticas em seu leito, dificultando o escoamento das águas.

Constatou-se que as águas que inundaram o bairro Getúlio Vargas só escoariam após a formação de umalâmina d’água de pelo menos 50 cm de altura, o que de fato veio a ocorrer, porém as proporções foram bemmaiores, pois a lâmina d'água atingiu a marca dos 2 metros de profundidade. A BR116 atuou como um diquede represamento e os dutos que deveriam dar vazão as precipitações não comportaram o aporte das águas.

MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE RISCOOs critérios adotados para a confecção de um mapa que localiza as áreas de risco dentro do perímetro urbano,baseou-se em levantamentos realizados nos dias das enchentes, época em que observou-se quais foram as ruasatingidas pelos alagamentos e a altura da lâmina d’água.

Os fatos anteriormente descritos revelaram a fragilidade dos sistemas de segurança comunitária e a falta deconhecimento sobre o tema das enchentes por parte dos órgãos municipais. Embora esta realidade faça partedo dia a dia dos camaqüenses este tema nunca foi estudado com a devida importância, não havendo interessepor parte dos governantes, das associações de bairros e nem dos empresários locais.

A necessidade de um zoneamento e um cadastramento das áreas mais vulneráveis torna-se indispensável, poisa cidade convive com os efeitos da urbanização desordenada, pela falta de planejamento urbano e pela infra-estrutura hidráulica inexistente.

Através do mapeamento da lâmina d’água, que recobriu grande parte da cidade, foi possível definir os bairrossituados em áreas de risco. Fazendo-se uma superposição das áreas alagadas com o mapa planialtimétrico,definiu-se a cota máxima de inundação, no exato momento em que as águas passaram por cima da BR 116,onde a referência de nível neste ponto é de 33 metros, traçado em vermelho na fig. 18.

A área de inundação da barragem teve um acréscimo significativo com o aporte das águas das chuvas quecaíram no local e em seu entorno. O momento crítico se deu quando as águas passaram por cima dos“stoplogs” e o registro deste fato proporcionou um novo mapeamento da lâmina d’água da barragem, projeçãofeita com traço azul (Figura 18).

Figura 18: Mapa da lâmina d’água dentro do perímetro urbano.

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Os bairros atingidos pelas cheias e enquadrados como sendo áreas de risco são: Bairro Getúlio Vargas e bairroOlaria (totalmente inundado) e Bairro Gaúcho, Jardim do Forte, Vila do Sapo, Vila Jardim, Maria da Graça eCentro (Parcialmente inundado).

Diante deste quadro pode-se adotar um plano de ação semelhante ao implantado na cidade de Blumenau/SC.

PROVÁVEIS CAUSAS DAS ENCHENTESFatores - Antrópicos:

- galerias, canalizações e dutos com dimensionamentos obsoletos;- falta de manutenção das bocas-de-lobo;- desmatamento das matas ciliares;- aumento da pavimentação urbana;- áreas desocupadas com camada superficial em condição de sub-compactação;- grande quantidade de lixo entupindo canalizações e recursos hídricos;- a barragem do arroio Duro e o açude Santa Bárbara ultrapassaram seu limite máximo de captação;- desvio dos cursos originais de sangas e arroios;- falta de prevenção e de um programa de educação ambiental;- loteamentos irregulares em áreas de risco;- as cotas da sanga do Passinho apresentavam valores mais altos do lado direito da BR 116, no sentido

Camaquã / Porto Alegre do que no lado esquerdo;- a sanga do Passinho encontrava-se assoreada e com plantas aquáticas;- a BR 116 atuou como dique de represamento de águas.

Fatores Naturais:

- Bacia de Contribuição do Perímetro Urbano apresenta uma declividade acentuada até a área de deposição;baixa permeabilidade do solo e rápida saturação;

- altas precipitações de chuvas num curto espaço de tempo;- contribuição das cinco Bacias Hidrográficas no somatório do volume das águas;- aquecimento global;- efeito estufa;- diminuição da camada de ozônio;- prováveis causas geológicas: correntes de convecção e erupções submarinas no Oceano Pacífico;- fenômeno “El Niño”.

GERENCIAMENTO AMBIENTALEstas são algumas das sugestões de ações mitigatórias para serem implantadas dentro de um plano degerenciamento ambiental para a cidade de Camaquã:

- Desassoreamento do arroio Duro e outros arroios;- Gerenciamento preventivo dos riscos ambientais;- Devolver o curso original das sangas e arroios;- Identificação das áreas de risco;- Manutenção constante das bocas-de-lobo;- Retirada das populações ribeirinhas;- Aumento da altura dos diques no arroio Duro;- Redimensionamento das galerias;- Monitoramento constante da barragem do arroio Duro;- Defesa civil (desenvolver programas que divulguem medidas e ações em casos de desastres naturais);- Criar uma unidade ambiental que cuide da educação e prevenção de desastres ambientais;- Atualização do Plano Diretor com a inclusão da legislação ambiental.

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CONSIDERAÇÕES FINAISEste estudo tentou retratar fenômenos que ao longo dos anos ocorreram na cidade de Camaquã/RS, no períodoque compreende os anos de 1936 a 1997.

Através de uma investigação abrangente, buscou-se questionar a interferência antrópica no desenvolvimentodesordenado da cidade. Por meio de correlações empíricas tentou-se desmistificar fenômenos meteorológicosassociados a desastres naturais, com especial atenção ao fenômeno “El Niño”. Observou-se que a freqüênciadas enchentes dentro do perímetro urbano foi cíclica, portanto previsível. A comunidade criou a expectativa deque as ações políticas pudessem trazer soluções imediatas e que os técnicos tivessem as respostas prontas pararesolver todos os problemas.

As ações de prevenção contra as enchentes ocorreram de forma isolada, foram iniciativas privadas quecontemplavam solucionar o problema do ponto de vista individualizado. Grande parte da população ficou àespera de soluções divinas, acreditando que as enchentes foram obra do acaso. Para reforçar esta teoria, algunsprofissionais divulgaram documentos que afirmavam que estas enchentes eram decamilenares.

Traçando um paralelo com a cidade de Blumenau/SC, nota-se que a mentalidade catarinense ao longo dos anosfoi modificando-se, em razão do trabalho preventivo realizado pela Defesa Civil que implantou um plano paraorganizar ações dos órgãos públicos, privados e da comunidade local, para fazer frente as situações decalamidade pública, deixando de lado a mentalidade fatalista.

Com este trabalho tentou-se mapear os bairros mais atingidos pelas enchentes, definir as cotas mínimas dealagamentos e identificar as áreas de risco dentro do perímetro urbano, o que poderá contribuir como subsídiopara atualização do plano diretor da cidade.

Em decorrência de uma urbanização desordenada constatou-se que as transformações ocorridas junto àsmargens da sanga do Passinho e do arroio Duro também fizeram parte das causas que influenciaram asinundações urbanas, podendo-se também correlacionar o assoreamento existente, a retirada da mata ciliar e aquantidade de lixo acumulado nos arroios e drenos.

Apesar deste estudo tentar responder alguns questionamentos, o tema é bastante amplo e não se esgota com aelaboração deste trabalho. Por tratar-se de um assunto de alta relevância para a comunidade camaqüense otema deverá ficar em aberto para futuras discussões.

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Bárbara no Período de Cheias. Edição dos autores, Camaquã, 1995.8. CAMPOS, H.C.N.S., Planejamento e Manejo Urbano em áreas degradadas: A experiência da bacia do

Rio Camaquã e Porto Alegre. edição do autor, 1996.9. MAGNA, Engenharia Ltda., Projeto de Ampliação da Barragem do Arroio Duro. edição dos autores,

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do Duro Junto a Área Urbana de Camaquã. edição dos autores, Porto Alegre, 1997.11. OLIVERA, Jorge, et al. Subsídios ao Estudo e Solução das Enchentes do Município de Camaquã.

edição dos autores, Camaquã, 1996.