Walter Benjamin. Passagens Arquivo N

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Arquivo, livro Passagens, Benjamin

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  • [TEORIA DO CONHECIMENTO, TEORIA DO PROGRESSO)

    "Os tempos so mais interessantes que os homens."Honor de Balzac, Critique Littraire, Introduo de LouisLumet, Paris, 1912, p. 103 [Guy de Ia Ponneraye, Hist0irede l'Amiral Coligny.)

    "A reforma da conscincia consiste apenasem despertar o mundo . do sonho de si mesmo."

    Karl Marx, Der historische Materialismus:Die Frhschriften, Leipzig, 1932, vol. I, p. 226 (Carta deMarx a Ruge, Kreuzenach, setembro de 1843.)

    Nos domnios de que tratamos aqui, o conhecimento existe apenas em lampejos. O texto

    o trovo que segue ressoando por muito tempo.

    (N 1, 11

    Comparao das tentativas dos outros com empreendimentos de navegao, nos quais os

    nvios so desviados do Plo Norte magntico. Encontrar esse Plo Norte. O que so

    para os outros, so para mim os dados que determinam a minha rota. Construo

    meus clculos sobre os diferenciais de tempo que, para outros, perturbam as "grandes

    linhas" da pesquisa.(N 1,21

    Dizer algo sobre o prprio mtodo da composio: como tudo em que estamos pensandodurante um trabalho no qual estamos imersos deve ser-lhe incorporado a qualquer preo.Seja pelo fato de que sua intensidade a se manifesta, seja porque os pensamentos deantemo carregam consigo um tlos em relao a esse trabalho. o caso tambm destePrgeto, que deve caracterizar e preservar os intervalos da reflexo, os espaos entre as partesmais ssenciais deste trabalho, voltadas com mxima intensidade para fora.

    IN 1,31

    Tornar cultivveis regies onde at agora viceja apenas a loucura. Avanar com o machadorazo, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda, para no sucumbir aoque acena das profundezas da selva. Todo solo deve alguma vez ter sido revolvido

    o solo matagal do desvairio e do mito. o que deve ser realizado aqui para

    (N 1, 41

  • 500 Passagens

    A redao deste texto que trata das passagens parisienses foi iniciada ao ar livre, sob

    azul sem nuvens, arcado como uma abbada sobre a folhagem e que, no entanto, foi

    coberto com o p dos sculos por milhes de folhas, nas quais rumorejam a brisa fresca do

    labor, a respirao ofegante do estudioso, o mpeto do zelo juvenil e o leve e lento sopro da

    curiosidade. Pois o cu de vero pintado nas arcadas, que se debrua sobre a sala de leitura

    da Biblioteca Nacional de Paris, estendeu sobre ela seu manto opaco e sonhadot

    [N 1,51

    O pthos deste trabalho: no h pocas de decadncia. Tentativa de ver o sculo XIX de

    maneira to positiva quanto procurei ver o sculo XVII no trabalho sobre o drama barrOCO. 1

    Nenhuma crena em pocas de decadncia. Assim tambm (fora dos limites) qualquer

    cidade para mim bela; e, por isso, no acho aceitvel qualquer discurso sobre o valor

    maior ou menor das lnguas.[N 1,6]

    E, depois, o lugar envidraado diante do meu assento na Staatsbibliothek; crculo mgicointocado, terra virgem a ser pisada por figuras que evoco.

    [N 1,71

    O lado pedaggico deste projeto: "Educar em ns o medium criador de imagens para um

    olhar estereoscpico e dimensional para a profundidade das sombras histricas." So palavras

    de Rudolf Borchardt, Epilegomena zu Dante, vol. I, Berlim, 1923, pp. 56-57.[N 1,8]

    Delimitao da tendncia deste trabalho em relao a Aragon: enquanto Aragon persiste

    no domnio do sonho, deve ser encontrada aqui a constelao do despertar. Enquanto em

    Aragon permanece um elemento impressionista a "mitologia" e a esse impressionismo

    se devem os muitos filosofemas vagos do livr02 trata-se aqui da dissoluo da "mitologia"

    no espao da histria. Isso, de fato, s pode acontecer atravs do despertar de um saber

    ainda no consciente do ocorrido.[N 1, 91

    Este trabalho deve desenvolver ao mximo a arte de citar sem usar aspas. Sua teoria est

    intimamente ligada da montagem.[N 1, 101

    " exceo de um certo charme sofisticado, os drapeados artsticos do sculo passado pegaram

    mofo." Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig-Berlim, 1928, p. 3. Cremos,

    porm, que a atrao que exercem sobre ns revela que tambm conservam substncias

    vitais para ns no tanto para nossa arquitetura, como ocorre com as antecipaoesconstrutivas das estruturas de ferro, mas para o nosso conhecimento, ou se preferirmos

    para a radioscopia da situao da classe burguesa no momento em que nela surgem

    primeiros sinais de decadncia. Em todo caso, matrias de vital importncia no plano

    poltico como o demonstram tanto a fixao dos surrealistas por estas coisas quanto a

    explorao delas pela moda atual. Em outras palavras: exatamente como Giedion nos ensina

    I W. Benjamin, Ursprung des deutschen Trauerspiels (1928), in: GS l, 203-430; Origem do Drama

    Barroco Alemo (ODBA). (R.T.; w.b.)2 A referncia Louis Aragon, Le Paysan de Paris, Paris, 1926; ed. brasileira: O

    Campons

    apres., trad. e notas de Flvia Nascimento, Rio de Janeiro, Imago. 1996. (RT; Wb)

  • (Teoria do Conhecimento, Toti 501

    da arquitetura da poca, em torno de 1850, os traos Gdamentais da arquiteturade hoje,

    queremos reconhecer, nas formas aparentemente secundrias e perdidas daquelaa vida de hoje,

    as formas de hoje.

    (N 1, 111

    "Nos degraus da Torre Eiffel, varridos pelo vento, ou melhor ainda, nas pernas de ao de

    uma pont transbordeur, confrontamo-nos com a experincia esttica fundamental da

    arquitetUra de hoje: atravs da fina rede de ferro estendida no ar, passa o fluxo das coisas

    navios, mar, casas, mastros, paisagem, porto. Elas perdem sua forma delimitada: quando

    descemos, elas rodopiam umas nas outras, e simultaneamente se misturam." SigfriedGiedion, Bauen in

    Frankreich, Leipzig-Berlim, p. 7. Assim tambm o historiador hoje temque construir uma

    estrutura filosfica sutil, porm resistente, para capturar em suarede os aspectos mais

    atuais do passado. No entanto, assim como as magnficas vistas dascidades oferecidas pelas novas construes de ferro ver tambm as ilustraes 61-63 deGiedion ficaram durante muito tempo reservadas exclusivamente aos operrios eengenheiros, tambm o filsofo que deseja captar aqui suas primeiras vises deve ser umperrio independente, livre de vertigens e, se necessrio, solitrio.

    [N 1a, 11

    Em analogia com o livro sobre o drama barroco,3 que iluminou o sculo XVII atravs dopresente, deve ocorrer aqui o mesmo em relao ao sculo XIX, porm de maneira maisntida.

    [N 1a, 21

    Pequena proposta metodolgica para a dialtica da histria cultural. muito fcil estabelecerdicotomias para cada poca, em seus diferentes "domnios", segundo determinados pontosde vista: de modo a ter, de um lado, a parte "frtil", "auspiciosa", "viva" e "positiva", e deoutro, a parte intil, atrasada e morta de cada poca. Com efeito, os contornos da partepositiva s se realaro nitidamente se ela for devidamente delimitada em relao partenegativa. Toda negao, por sua vez, tem o seu valor apenas como pano de fundo para oscontornos do vivo, do positivo. Por isso, de importncia decisiva aplicar novamente umadiviso a esta parte negativa, inicialmente excluda, de modo que a mudana de ngulo deviso (mas no de critrios!) faa surgir novamente, nela tambm, um elemento positivo ediferente daquele anteriormente especificado. E assim por diante ad infinitum, at quetodo o passado seja recolhido no presente em uma apocatstase4 histrica.

    IN 1a, 31

    O que foi dito anteriormente, em outros termos: a indestrutibilidade da vida suprema emtodas as coisas. Contra os profetas da decadncia. E, com efeito: no se trata de uma afrontaa Goethe filmar o Fausto, e no existe um mundo entre o Fausto enquanto obra literria e ofilme? Sem dvida. Entretanto, no existe tambm um mundo entre uma adaptao boa euma adaptao ruim do Fausto para o cinema? O que interessa no so os "grandes" contrastes,e sim os contrastes dialticos, que freqentemente se confundem com nuances. A partirdeles, no entanto, recria-se sempre a vida de novo.(N ta, 41

    3Cf. nota 1.

    4

    Apocatastasis = a "admisso de todas as almas no Paraso" , Cf. W. Benjamin, GS II, 458 ("Der Erzhler");OE l, P. 216 ("0 narrador"), (J.L.; w.b.)

  • 502 Passagens

    Compreender juntos Breton e Le Corbusier -- isto significaria estender o esprito da F

    atual como um arco, com o qual o conhecimento atinge o instante bem no corao.

    Marx expe a relao causal entre economia e cultura. O que conta aqui a relao

    No se trata de apresentar a gnese econmica da cultura, e sim a expresso da economia na

    cultura. Em outras palavras, trata-se da tentativa de apreender um processo econmico

    como fenmeno primevo perceptvel, do qual se originam todas as manifestaes de vida

    das passagens (e, igualmente, do sculo XIX).

    Este estudo, que trata fundamentalmente do carter expressivo dos primeiros produtos

    industriais, das primeiras construes industriais, das primeiras mquinas, mas tambm

    das primeiras lojas de departamentos, reclames etc., torna-se com isso duplamente

    importante para o marxismo. Primeiramente, o estudo apontar de que maneira o Contexto

    no qual surgiu a doutrina de Marx teve influncia sobre ela atravs de seu carter expressivo,

    portanto, no s atravs de relaes causais. Em segundo lugar, dever mostrar sob que

    aspectos tambm o marxismo compartilha o carter expressivo dos produtos materiais que

    lhe so contemporneos.(N Ia, 71

    Mtodo deste trabalho: montagem literria. No tenho nada a dizer. Somente a mostrar.

    No surrupiarei coisas valiosas, nem me apropriarei de formulaes espirituosas. Porm, os

    farrapos, os resduos: no quero inventari-los, e sim fazer-lhes justia da nica maneira

    possvel: utilizando-os.(N 81

    Ter sempre em mente que o comentrio de uma realidade (pois trata-se aqui de um

    comentrio, de uma interpretao de seus pormenores) exige um mtodo totalmente

    diferente daquele requerido para um texto. No primeiro caso, a cincia fundamental a

    teologia, no segundo, a filologia.[N 2, 11

    Pode-se considerar um dos objetivos metodolgicos deste trabalho demonstrar um

    materialismo histrico que aniquilou em si a idia de progresso. Precisamente aqui o

    materialismo histrico tem todos os motivos para se diferenciar rigorosamente dos hbitos

    de pensamento burgueses. Seu conceito hindamental no o progresso, e sim a atualizao.[N 2,21

    A "compreenso" histrica deve ser Kmdamentalmente entendida como uma vida posterior

    do que compreendido e, por isso, aquilo que foi reconhecido na anlise da "vida posterior

    das obras", de sua "fortuna crtica", deve ser considerado como o hindamento da histria

    em geral.[N 2,31

    Como este trabalho foi escrito: degrau por degrau, medida que o acaso oferecia um

    estreito ponto de apoio, e sempre como algum que escala alturas perigosas e que em

  • (Teoria do Conhecimento, Teoria do Progre.soj 503

    momento algum fim

    deve toda

    olhar

    a majestade em volta

    do a

    panorama

    fim de no que

    sentir se lhe

    vertigem oferecer).

    (mas tambmparareserar

    para o

    [N 2,41

    A superao dos conceitos de "progresso" e de "poca de decadncia" so apenas dois lados

    de uma mesma coisa.

    [N 2, 51

    Um problema central do materialismo histrico a ser finalmente considerado: ser que a

    compreenso marxista da histria tem que ser necessariamente adquirida ao preo da

    visibilidade [Anschaulichkeit] da histria? Ou: de que maneira seria possvel conciliar um

    incremento da visibilidade com a realizao do mtodo marxista? A primeira etapa desse

    caminho ser aplicar histria o princpio da montagem. Isto : erguer as grandes construes

    a partir de elementos minsculos, recortados com clareza e preciso. E, mesmo, descobrir

    na anlise do pequeno momento individual o cristal do acontecimento total. Portanto,

    romper com o naturalismo histrico vulgar. Apreender a construo da histria como tal.

    Na estrutura do comentrio. Resduos da histria

    [N 2,6)

    Uma citao de Kierkegaard em Wiesengrund, com este comentrio: "'Pode-se tambm

    chegar a uma mesma considerao do mtico quando se parte do elemento imagtico.

    Quando, numa poca de reflexo, numa representao reflexiva, v-se o elemento imagtico

    sobressair de maneira muito comedida e quase imperceptvel, como um fssil antediluviano,

    lembrando uma outra forma de existncia que apagou a dvida, talvez fiquemos surpresos

    com o fato de que o imagtico tenha um dia desempenhado um papel to importante.'

    Esse 'surpreender-se' refutado em seguida por Kierkegaard. No entanto, isso anuncia a

    mais profunda intuio sobre as relaes entre dialtica, mito e imagem. Pois no como algo

    sempre vivo e atual que a natureza se impoe na dialtica. A dialtica detm-se na imagem e

    cita, no acontecimento histrico mais recente, o mito como passado muito antigo: a natureza

    como histria primeva. Por isso, as imagens, como as do intrieur, que conduzem a dialtica

    e o mito a um ponto de indistino, so verdadeiramente 'fsseis antediluvianos'. Podem

    ser denominadas, segundo uma expresso de Benjamin, imagens dialticas, cuja concludente

    definio da alegoria vale tambm para a inteno alegrica de Kierkegaard como figura da

    dialtica histrica e da natureza mtica. Segundo ela, 'na alegoria, afacies hippocratica da

    histria revela-se ao observador como paisagem primeva petrificada' 5 " Theodor

    Viesengrund-Adorno, Kierkegaard, Tbingen, 1933, p. 60. Resduos da histria [N

    2,71

    Somente um observador superficial pode negar que existem correspondncias entre o mundo

    da tecnologia moderna e o mundo arcaico dos smbolos da mitologia. Num primeiro

    momento, de fato, a novidade tecnolgica produz efeito somente enquanto novidade. Mas

    logo nas seguintes lembranas da infncia transforma seus traos. Cada infncia realiza algo

    grande e insubstituvel para a humanidade. Cada infncia, com seu interesse pelos fenmenos

    tecnolgicos, sua curiosidade por toda a sorte de invenes e mquinas, liga as conquistas

    tecnolgicas aos mundos simblicos antigos. No existe nada no domnio da natureza

    que

    por essncia subtrado de tal ligao. S que ela no se forma na aura da

    novidade, e

    Sim naquela do hbito. Na recordao, na infncia e no sonho. Despertar 2a. 11IN

    W. Benjamin, Ursprung des deutschen Trauerspiels, in: GS I, 343: ODBA. p.

    188. (w.b.)

  • 504 Passagens

    O momento histrico primevo no passado no mais encoberto, como antes isto uma conseqncia e uma condio da tecnologia pela tradio da Igreja e da famlia.O antigo horror pr-histrico j envolve o mundo de nossos pais porque no estamos maisligados a esse mundo pela tradio. Os universos de memria [Merkwelten] decompoem_kmais rapidamente, o elemento mtico neles contido vem tona mais pronta e brutalmente,de maneira mais veloz deve ser erigido um novo universo de memria, totalmente diferentee contraposto ao anterior. Eis como o ritmo acelerado da tecnologia se apresenta do pontode vista da histria primeva atual. Despertar

    No que o passado lana sua luz sobre o presente ou que o presente lana sua luz sobre opassado; mas a imagem aquilo em que o ocorrido encontra o agora num lampejo, formandouma constelao. Em outras palavras: a imagem a dialtica na imobilidade. Pois, enquantoa relao do presente com o passado puramente temporal e contnua, a relao do ocorridocom o agora dialtica no uma progresso, e sim uma imagem, que salta. Somenteas imagens dialticas so imagens autnticas (isto : no-arcaicas), e o lugar onde asencontramos a linguagem. Despertar

    Ao estudar, em Simmel, a apresentao do conceito de verdade de Goethe,6 ficou muitoclaro para mim que meu conceito de origem [Ursprung] no livro sobre o drama barroco uma transposio rigorosa e concludente deste conceito goetheano fundamental do domnioda natureza para aquele da histria. Origem eis o conceito de fenmeno originriotransposto do contexto pago da natureza para os contextos judaicos da histria. Agora, nasPassagens, empreendo tambm um estudo da origem. Na verdade, persigo a origem dasformas e das transformaes das passagens parisienses desde seu surgimento at seu ocaso,e a apreendo nos fatos econmicos. Estes fatos, do ponto de vista da causalidade ou seja,como causas , no seriam fenmenos originrios; tornam-se tais apenas quando, em seuprprio desenvolvimento um termo mais adequado seria desdobramento fazem surgira srie das formas histricas concretas das passagens, assim como a folha, ao abrir-se, desvendatoda a riqueza do mundo emprico das plantas.

    "Estudando essa poca to prxima e to longnqua, comparo-me a um cirurgio queopera com anestesia local: trabalho em regies insensveis, mortas, e o doente, entretanto,vive e ainda pode falar." Paul Morand, 1900, Paris, 1931, pp. 6-7.

    [N 2a, 51

    O que distingue as imagens das "essncias" da fenomenologia seu ndice histrico.(Heidegger procura em vo salvar a histria para a fenomenologia, de maneira abstrata,atravs da "historicidade".) Estas imagens devem ser absolutamente distintas das categoriasdas "cincias do esprito", do assim chamado habitus, do estilo etc. O ndice histrico dasimagens diz, pois, no apenas que elas pertencem a uma determinada poca, mas, sobretudo,que elas s se tornam legveis numa determinada poca. E atingir essa "legibilidade" constitUlum determinado ponto crtico especfico do movimento em seu interior. Todo presente

    determinado por aquelas imagens que lhe so sincrnicas: cada agora o agora de uma

    determinada cognoscibilidade. Nele, a verdade est carregada de tempo at o ponto de

    6 Georg Simmel, Goethe, Leipzig, 1913, pp. 56-61; cf. GS l, 953-954. (R.T.)

  • (Teoria do Conhecimento, Teoria do 505

    do tempo

    te ou que o presente lana sua luz sobre o passado; mas a imagem aquilo em que o

    encontra o agora num lampejo, formando uma constelao. Em outras palavras: a

    ocorn a dialtica na imobilidade. Pois, enquanto a relao do presente com o passado

    temporal, a do ocorrido com o agora dialtica no de natureza temporal, mas

    puraflla. Somente as imagens dialticas so autenticamente histricas, isto , imagensA

    o.arcaicas.imagem lida, quer dizer, a imagem no agora da cognoscibilidade, carrega

    na toda leitura.

    no marsmomento crtico, perigoso, subjacente a

    (N 3, 11alto grau a marca

    do

    rtanteafastar-se resolutamente do conceito de "verdade atemporal". No entanto, a

    verdade no como afirma o marxismo

    apenas uma funo temporal do conhecer, mas

    ligada a um ncleo temporal que se encontra simultaneamente no que conhecido e

    naquele que conhece. Isto to verdadeiro que o eterno, de qualquer forma, muito mais

    um drapeado em um vestido do que uma idia.

    [N 3, 21

    Esboar a histria das Passagens conforme o seu desenvolvimento. Seu componente

    propriamente problemtico: no renunciar a nada que possa demonstrar que a representao

    materialista da histria imagtica [bildhaft] num sentido superior que a representao

    tradicional. [N 3, 31

    Formulao de Ernst Bloch sobre o trabalho das Passagens: "A histria mostra seu distintivo

    da Scotland-Yard." Foi no contexto de uma conversa na qual eu explicava como este trabalho

    comparvel ao mtodo da fisso nuclear libera as foras gigantescas da histria que

    ficam presas no "era uma vez" da narrativa histrica clssica. A historiografia que mostrou

    "como as coisas efetivamente aconteceram", foi o narctico mals poderoso do sculo

    [N

    7

    3, 41

    "A verdade no nos escapar", o que se l num dos epigramas ["Sinngedicht") de Keller.8

    Assim formulado o conceito de verdade com o qual pretende-se romper nestas exposies.[N 3a, II

    "Histria primeva do sculo XIX" esta no teria interesse, se apenas significasse que

    formas da histria primeva deveriam ser encontradas nos repertrios do sculo XIX. Somente

    onde o sculo XIX fosse apresentado como forma originria da histria primeva isto ,

    como uma forma na qual toda a histria primeva se agrupa de maneira nova em imagens

    que pertencem quele sculo o conceito de uma histria primeva do sculo XIX teria

    sentido.[N 3a, 21

    Seria 0 despertar a sntese da tese da conscincia onrica e da anttese da conscincia desperta?

    Nesse caso, o momento do despertar seria idntico ao "agora da cognoscibilidade", no qual

    as coisas mostram seu rosto verdadeiro o surrealista. Assim, em Proust, importante a

    7Ct 00, 71 e nota. (w.b.)

    8A referida frase no foi encontrada no "Sinngedicht" de Keller. (R.T.)

  • Passagens

    mobilizao da vida inteira em seu ponto de ruptura, dialtico ao extremo: o despertatProust inicia com uma apresentao do espao daquele que desperta.

    "Se insisto nesse mecanismo de contradio na biografia de um escritor ... porque aseqncia de seu pensamento no pode negligenciar os fatos que tm uma lgica diferentedaquela de seu pensamento tomado de forma isolada. porque no h uma s idia queele sustente que perdure verdadeiramente ... em face de fatos primordiais e muito simples:que h a polcia e os canhes diante dos trabalhadores, que h a ameaa de guerra e ofascismo que j reina... Faz parte da dignidade de um homem submeter suas concepes aesses fatos, e no introduzir esses fatos, por um passe de mgica, em suas concepes, por

    mais engenhosas que sejam." Aragon, "D'Alfred de Vigny Avdeenko", Commune, II,20 abr. 1935, pp. 808-809. Porm, possvel que, em contradio com meu passado, eu

    estabelea uma continuidade com o passado de um outro que ele, por sua vez, comocomunista, contesta. Neste caso, com o passado de Aragon, que no mesmo ensaio renega o

    seu Paysan de Paris: "E, como a maioria de meus amigos, eu amava tudo aquilo que falho,

    que monstruoso, o que no pode viver, o que no pode ter xito... Eu era como eles,

    preferia o erro a seu contrrio." p. 807.[N 3a, 41

    Na imagem dialtica, o ocorrido de uma determinada poca sempre, simultaneamente,

    o "ocorrido desde sempre". Como tal, porm, revela-se somente a uma poca bem

    determinada a saber, aquela na qual a humanidade, esfregando os olhos, percebe como

    tal justamente esta imagem onrica. nesse instante que o historiador assume a tarefa da

    interpretao dos sonhos.4, 11[N

    A expresso "o livro da natureza" indica que se pode ler o real como um texto. Assim ser

    tratada aqui a realidade do sculo XIX. Ns abrimos o livro do que aconteceu.(N 4, 21

    Assim como Proust inicia a histria de sua vida com o despertar, toda apresentao da

    histria deve tambm comear com o despertar; no fundo, ela no deve tratar de outra

    coisa. Esta exposio, portanto, ocupa-se com o despertar do sculo XIX. [N 4,31

    A utilizao dos elementos do sonho ao despertar o cnone da dialtica. Tal utilizao

    exemplar para o pensador e obrigatria para o historiador. [N4,4)

    "Se oRaphael procura corrigir a concepo marxista do carter normativo da arte grega:

    carter normativo da arte grega ... um fato histrico explicvel..., devemos ... determinar

    quais foram as condies especiais que levaram a cada renascimento e, portanto, quais os

  • do Conhecimento, T.on. do 50?

    da arte grega que esses renascimentos aceitaram como modelo. De fato,

    fatores sua totalidade nunca possuiu um carter normativo, os renascimentos

    ahistria... Somente uma

    anlise histrica pode indicar a poca na qual

    a noo abstrata de

    uma 'norma' da Antigidade... Esta s foi criada pela

    nasc eu isto , pelo capitalismo primitivo e, em seguida, foi aceita pelo classicismo,

    RenasceI%'ou a determinar seu lugar no encadeamento dos fatos histricos. Marx no

    que u nessa via com a plena medida das possibilidades do materialismo histrico." Max

    on, Marx, Picasso, Paris, 1933, pp. 178-179.

    {Jael, tN4,51

    prprioe seu xito sejam proporcionais transparncia

    oposio

    de

    s

    seu

    formas

    contedo

    artsticas)

    social.

    que

    (Da

    seu

    adas formas tcnicas

    de construo (em

    progreso em vidro.)arquitetura (N 4, 61

    Urna pasagem importante em Marx: " reconhecido, no que concerne ... por exemplo, a

    que certas expresses importantes da arte no so possveis seno num grau

    desenvolvido da evoluo artstica. Se isso vlido para as relaes entre as diferentes

    de arte, no domnio da prpria arte, j ser menos surpreendente que isso tambm

    vlido para as relaes entre a totalidade do domnio das artes e o desenvolvimento

    Fral da sociedade." Citado sem referncias (talvez Theorien des Mehrwerts, vol. em Max

    Raphael, Proudhon, Marx, Picasso, Paris, 1933, p. 160.

    A teoria marxista da arte: ora presunosa, ora escolstica.

    (N 4a, 11

    (N 4a, 21

    Proposta para um ordenamento dos diversos graus da superestrutura, em A. Asturaro, II

    Materialismo Storico e Ia Sociologia Generale, Gnova, 1904 (resenha de Erwin Szab em

    Die NeueZeit, XXIII, Stuttgart, I, p. 62): "Economia, famlia e parentesco. Direito. Guerra.

    Poltica Moral. Religio. Arte. Cincia."[N 4a, 31

    Curiosa afirmao de Engels sobre as "foras sociais": "Uma vez compreendida sua natureza,

    elas podem, nas mos dos produtores associados, ser transformadas de soberanos demonacos

    em servos obedientes."10 (!) Engels, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur

    nsenschaft, 1882.(N 4a, 41

    Marx, no posfcio da segunda edio de O Capital: "A pesquisa deve apropriar-se da matriano detalhe, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e descobrir seuCOncatenamento interno. Somente depois de realizado este trabalho que o movimentoreal pode ser apresentado adequadamente. Se isso for alcanado, de modo que a vida do

    seja refletida agora de maneira ideal, ento pode parecer que se est diante de uma

    a priori." Karl Marx, Das Kapital, ed. org. por K. Korsch, Berlim (1932), p. 45.

    9A passagem encontra-se na Introduo de Kritik der politischen konomie, de 1857;

    cf. Marx e Enges.

    MEW, vol. XIII, 2a Berlim, 1964, pp. (R T)10Marx e Engels. MEW, vol. XIX, Berlim. 1962, p. 223. (R T)

  • 508 Passagens

    necessrio expor a dificuldade

    particular do trabalho historiogrfico para o perodo Posterior

    ao fim do sculo XVIII. Depois do

    surgimento da grande imprensa, as fontes tornam-se

    ilimitadas.

    Michelet gosta de dar ao povo o nome de

    "brbaros" -- "Brbaros. A palavra me

    aceito-a" e afirma a respeito de seus escritores:

    "Eles amam infinitamente, e at demais

    entregando-se s vezes at aos detalhes, com a santa inabilidade

    de Albrecht Drer, ou com

    o polimento excessivo de Jean-Jacques, que

    no

    preciso

    esconde no

    o

    repreend-los

    bastante sua arte;

    demais;

    pelo detalhe

    minucioso, comprometem

    o conjunto.

    extravagncia da verve: essa seiva quer alcanar tudo ao

    mesmo tempo, as folhas, os frutos

    e as flores; ela verga e torce os ramos. Os defeitos destes

    grandes trabalhadores encontram-

    se freqentemente em meus livros, que no tm aquelas boas qualidades. No importai"

    Michelet, Le Peuple, Paris, 1846, pp. xxxvl-xxxvll.

    [N 5, 11

    Carta de Wiesengrund, de 5 de agosto de 1935. "A tentativa de reconciliar o momento do

    'sonho' mencionado pelo senhor como o elemento subjetivo na imagem dialtica com

    a concepo desta ltima como modelo ensejou-me algumas consideraes... medida

    que o valor de uso morre nas coisas, as coisas alienadas so esvaziadas, atraindo para si

    significados, como cifras. A subjetividade se apossa delas medida que as investe de

    de desejo e temor. Pelo fato de as coisas mortas responderem, enquanto imagens, pelas

    intenes subjetivas, estas se apresentam como imemoriais e eternas. Imagens dialticas

    so constelaes entre coisas alienadas e o significado incipiente, detendo-se no instante de

    indiferena entre a morte e o significado. Enquanto na aparncia as coisas so despertadas

    para o que o mais novo, a morte transforma os significados no que o mais antigo." Com

    respeito a estas consideraes, deve-se ter em conta que, no sculo XIX, o nmero dascoisas "esvaziadas" aumenta numa medida e num ritmo antes desconhecidos, uma vez queo progresso tecnolgico retira continuamente de circulao os novos objetos de uso.

    [N 5, 21

    "O crtico pode tomar ... como ponto de partida qualquer forma da conscincia terica eprtica e desenvolver, a partir das prprias formas da realidade existente, a realidade verdadeiracomo seu dever-ser e sua inteno final." Karl Marx, Der historische Materialismus: DieFrhschrifien, ed. por Landshut e Mayer, Leipzig, 1932, vol. I, p. 225 (Marx a Ruge;Kreuzenach, setembro de 1843). O ponto de partida do qual Marx fala aqui no correspondenecessariamente ao ltimo estgio do desenvolvimento. Ele pode ser empregado para pocasmuito remotas, cujo dever-ser e inteno final podem ser apresentados no em relao aoestgio subseqente ao desenvolvimento, e sim nele mesmo e como pr-formao do objetivo

    (N 5, 31

    Engels diz (Ma,x und Fezerbach: on Nac/,as, Marx-Engels-Archiv, org.por D. Rjamnov, 1, Frankfurt am Main (1928), p. 300): "No esquecer que 0 direito,como a religio, no tem uma histria prpria." O que vale para ambos vale principalmene de maneira decisiva, para a cultura. Pensar as formas de existncia da sociedade semclasses, segundo a imagem da humanidade civilizada, seria um contra-senso.