VQ 41

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VALENÇA EM QUESTÃO // debate / crítica / opinião ano VII // edição 41 // junho de 2012 // blogdovq.blogspot.com O problema das salas de aula lotadas Sugestões para a cultura popular valenciana // Download cult Quadrinhos dos anos 10 // A marcha das mulheres livres Elvis à baiana // Valença em questão

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Edição número 41 do Valença em Questão, de junho de 2012

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VALENÇA EM QUESTÃO // debate / crítica / opinião ano VII // edição 41 // junho de 2012 // blogdovq.blogspot.com

O problema das salas de aula lotadas

Sugestões para a cultura popular valenciana // Download cult Quadrinhos dos anos 10 // A marcha das mulheres livres

Elvis à baiana // Valença em questão

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VALENÇA EM QUESTÃO

ano VII // edição 41 // junho de 2012www.blogdovq.blogspot.com

Endereço:R. Francisco Di Biase 26 Torres HomemValença-RJ CEP [email protected] Tel.: 21-8187-7533

Jornalista Responsável:Vitor Castro (30.325 Mtb)

Colaboraram nesta edição:Alexandre Fonseca, André Dahmer, Bebeto, Carlos Brunno, Elisângela Leite, Érick Ramos, Juliana Guida, Letícia Serafim, Marianna Araujo, Patrícia Oliveira, Rafael Monteiro, Sanger Nogueira e Vanessa Fonseca.

Projeto Gráfico e Diagramação: Mórula Oficina de Ideiaswww.morulaideias.com.br

Tiragem: 1500 exemplares

Impressão:Gráfica PC Duboc Ltda.

O Valença em Questão circula no município de Valença, arredores e Rio de Janeiro, além de enviado via correio eletrônico e disponibilizado na internet.

Colabore Com o VQ: Banco Itaú – Agência 0380

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O VALENçA EM QuESTãO ESTá SOB LICENçA CREATIVE COMMONS. ALGuNS DIREITOS RESERVADOS:

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// Deu no Blog do VQ

Tribunal de Contas encaminha ao TRE lista de inelegíveis

O TCE-RJ encaminhou no último dia 31 de maio ao TRE-RJ a listagem contendo o nome dos responsáveis que, no exercício de cargos ou funções públicas, tiveram suas contas rejeitadas pelo plenário do TCE-RJ. O TRE analisará se os responsáveis poderão ser considerados elegíveis para as próximas eleições.

Entre os valencianos, Fábio Vieira, Cyro Guimarães, Gilberto Monteiro, Jose Reinaldo Bastos (Naldo), Lourenço Capobianco e Osvaldo Pereira dos Santos.

Greve já paralisa 80% das universidades federais do Brasil

Já são 46 universidades (cerca de 80% do total) e três dos 40 institutos ou centros federais de educação tecnológica paralisados em todo Brasil há mais de 20 dias, segundo dados do MEC (Ministério da Educação). Os docentes exigem a reformulação de seu plano de carreira e melhoria nas condições de trabalho. As negociações, que acontecem desde agosto do último ano, continuam emperradas mesmo após mais de 20 dias de paralisação.

The Black Bullets, lançamento do 1º album no dia 07 de julho

Em show gratuito na Praça da Bandeira (Grade), a banda lança seu primeiro álbum. CDs serão vendidos durante o evento.

ACORDA, VAlEnçA!

Em plena era avançada da informática, Valença con-tinua na Idade Antiga com internet de péssima qualida-de e muitos da zona rural ou bairros rurais não têm aces-so de qualidade em banda larga, pra não dizer nenhum acesso. Acorda, prefeito, na região Norte do Brasil tem luz, telefone, internet e asfalto em qualquer lugar, sem contar as estradas rurais de Valença que estão um caos.

Maria Regina Stivanin Nishie, por email.

// Cartas dos Leitores

No último dia de maio, um amigo do VQ foi assassina-do de forma brutal. Grande foi a mobilização e gritos por justiça. Infelizmente nada disso tra-rá Rodrigo Fagundes de volta. Quando o VQ surgiu, em 2005, havia um grito contido por mudança sendo colocado pra fora. A cidade não se apresen-tava para nós, que começamos a fazer o jornal, um lugar com muitas possibilidades. Faltava à época atividades culturais, de lazer, educativas. Como falta até hoje. A morte do Rodrigo levan-tou esse debate novamente, mas pelas piores razões possíveis.

Esse fato acontece justamen-te quando começávamos a ver novas perspectivas em Valença, especialmente no campo cultural – infelizmente não pautadas pelo poder público. Como há muito não se via, Valença tem demons-trado sua vertente artística, com muitos shows musicais e grande parte com artistas valencianos. Pensar a cultura como forma de transformação é o que propõe Alexandre Fonseca. O professor já havia levantado questões sobre o tema há duas edições, e agora aponta sugestões para um pro-grama radical-democrático para a cultura em nossa cidade. Em tópicos, ele enumera sugestões para a sociedade civil e para o poder público. É, no mínimo, um bom início de conversa.

Outro tema caro ao VQ é a edu-cação, pilar importante para uma mudança de mentalidade. Sanger Nogueira, professor de História, dá continuidade ao debate tam-bém iniciado em nossa edição de número 39. Agora Sanger discute a política de “enturmação”, que define o número de alunos numa turma pelo tamanho da sala de aula, sem qualquer critério pe-dagógico. Ele expõe as raízes do problema, como isso afeta o en-sino e o que é possível fazer para reverter essa situação.

eDITorIal

A colaboradora Marianna Araujo faz uma crítica do filme “Raul - o início, o fim e o meio”, documentário de Walter Car-valho sobre a vida do músico e compositor baiano Raul Seixas. A expectativa agora é que ele seja exibido no Cine Glória e os valencianos possam concordar ou não com os argumentos da conterrânea de Raul. Mas como a autora diz, nunca é demais ou-vir um ser genial cantar e falar.

Esta edição conta ainda com a colaboração de Vanessa Fon-seca, coordenadora de progra-mas do Promundo, organização social que luta pela igualdade de gênero e pelo fim da violência contra mulheres, crianças e jo-vens. Vanessa discorre sobre a Marcha das Vadias, movimento que surgiu em 2011 no Canadá e que luta pelos direitos das mu-lheres. O texto amplia o debate sobre o papel dos homens e das mulheres nas relações e discute os motivos que geram as desi-gualdades entre os sexos.

A poesia desta edição é do jovem Erick Ramos, mais um dos poetas do Sarau Solidões Coletivas que acompanha o lançamento das edições do VQ, sempre no terceiro sábado do mês, no Espaço Open Bar. Hoje, 16/06, tem mais, e na sequência ainda tem show com a banda Celeiro das Rochas. A tira é no-vamente do amigo André Dah-mer, com seus Quadrinhos dos anos 10. Fechando nossa edição, a seção Navegando, que na úl-tima edição teve o site indicado com muitos links bloqueados, volta com uma nova dica de fil-mes para baixar pela internet, gratuitamente. Mais do que fil-mes, o blog indicado disponi-biliza também discografias de diversos cantores. No entanto, é importante levar em conta as dicas sobre os cuidados ao bai-xar esses conteúdos. Vírus na internet é o que não falta.

A partir das 17h de hoje (16/06), Sarau Solidões Coletivas e lançamento do VQ no Open Bar

Em busca de coerência

2 junho de 2012

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// Cultura

Por Alexandre Fonseca

Na edição de número 39 do VQ, escrevi um texto de caráter muito mais provocativo do que propositivo em que tentei expor as dificuldades conceituais e políticas de se abordar a cultura po-pular em Valença. Agora, inspirado pelas propos-tas para a educação pública pontuadas pelo mes-tre jedi Sanger Nogueira naquela mesma edição e por conversas que tenho mantido com alguns agentes culturais valencianos, em especial com o grande maestro Paulinho do Trombone, rascu-nhei algumas sugestões para a dinamização da praxis cultural em nossa cidade, as quais submeto à apreciação crítica dos leitores.

Divido-as em dois eixos: ações a serem empre-endidas por representantes da sociedade civil, ou seja, pelos próprios artistas e agentes culturais, e ações a serem empreendidas por órgãos ligados à sociedade política (secretaria de cultura, câmara de vereadores, partidos, etc.).

Dos representantes da sociedade civil:

• Estabelecimento de coletivos populares institu-cionalizados ou não (fóruns, núcleos, organiza-ções não-governamentais) para discussão dos rumos da cultura em Valença e proposição de atos autônomos e/ou em parceria com o Estado;

• Organização de uma pauta de reivindicações cul-turais a ser apresentada aos (e cobrada dos) pode-res públicos municipais e partidos políticos;

• Exercício permanente de controle social sobre o uso das verbas disponíveis para a cultura nos órgãos públicos estatais;

• Promoção de eventos artístico-culturais públi-cos (shows, saraus, apresentações teatrais, ver-nissages, festivais, happenings multiartísticos), abertos a todos, preferencialmente nas praças e ruas do município;

• Ocupação dos espaços culturais públicos ou man-tidos total ou parcialmente por verbas públicas;

• Abertura de novos espaços independentes da-queles tradicionalmente monopolizados e bu-

sugestões para a cultura popular valencianaDemocratizar o acesso à cultura e sua produção são necessidades para um programa radical-democrático que dinamize a prática da cultura popular em Valença

rocratizados (leia-se elitizados) por meia dúzia de instituições “aristocráticas” de Valença;

• Multiplicação de veículos alternativos de mídia virtuais (sites, blogs, páginas e comunidades nas redes sociais, etc.) e impressos (panfletos, jornais, zines, etc.) para a divulgação da produ-ção cultural valenciana;

• Elaboração de projetos para captação de verbas de incentivo à arte e à cultura junto a órgãos es-tatais, não-governamentais e interestatais;

• Atuação nas escolas públicas municipais e esta-duais para a socialização dos saberes sobre a cul-tura popular valenciana, brasileira e universal junto à juventude e revelação de novos valores;

• Criação de veículos de radiodifusão comunitá-rios que quebrem o monopólio exercido pelas rádios comerciais em Valença;

• Construção de entidades associativas setoriais e intersetoriais (cooperativas, sindicatos, as-sociações, etc.) para valorização profissional--financeira dos artistas junto ao poder público e às empresas promotoras de eventos (fundações culturais, casas de shows, bares, etc.).

Dos órgãos da sociedade política:

• Desburocratização dos meios para a organiza-ção popular espontânea dos agentes culturais em coletivos, associações e afins;

• Submissão da escolha dos gestores da área cul-tural aos coletivos populares de cultura e aos artistas/agentes culturais do município;

• Submissão do processo de distribuição e aplica-ção das verbas públicas municipais para a cul-tura aos coletivos populares;

• Coelaboração – junto aos representantes dos coletivos populares de cultura – de um calen-dário anual de eventos artístico-culturais, para todos os bairros e distritos do município, priori-zando os artistas e agentes culturais locais;

• Publicação regular de todas as informações concernentes aos atos oficiais e do emprego de verbas públicas na área da cultura;

• Organização de fóruns populares de cultura, reunindo representantes dos bairros, distri-tos, entidades promotoras de cultura, sindica-tos, escolas, etc;

• Elaboração de projetos para a captação de ver-bas (além daquelas previstas no orçamento) para a cultura popular;

• Levantamento e divulgação das manifestações culturais populares ainda não visualizadas nos bairros e distritos;

• Realização de pesquisa sociológica nas escolas sobre as preferências, gostos, talentos e militân-cias culturais da juventude;

• Estabelecimento de projetos de desenvolvi-mento das habilidades artísticas dos jovens da classe trabalhadora, em parceria com escolas de música, teatro e artes plásticas porventura exis-tentes em Valença;

• Encaminhamento de medidas previamente dis-cutidas com a sociedade que visem à revitaliza-ção orgânica do patrimônio da cultura material e imaterial de Valença.

Creio tratar-se de um programa preliminar simples, possível e viável, que depende sobretudo da imaginação e da vontade política dos envolvi-dos. No caso dos representantes da sociedade ci-vil, isto é, os próprios agentes culturais, depende também de sobreporem os interesses coletivos aos seus interesses particulares. Quanto aos ór-gãos do Estado, os obstáculos são ainda maiores, posto que espera-se dos gestores públicos eleitos pelo povo (ou nomeados pelos eleitos) que estejam realmente comprometidos com a causa da demo-cratização das instâncias culturais no município, o que implica terem que romper com as estrutu-ras de poder aqui historicamente estabelecidas.

Enfim, são apenas sugestões, sem pretensões messiânicas de infalibilidade, tampouco de vis-lumbres revolucionários. Talvez possibilitem pe-quenas aberturas conjunturais - aquilo que Stuart Hall chamou de “deslocamento cultural” -, bre-chas no sistema dominante, por meio das quais outras mudanças, mais profundas e estruturais, possam ser encaminhadas.

Alexandre é professor de História

“Creio tratar-se de um programa preliminar simples, possível e viável, que depende sobretudo da imaginação e da

vontade política dos envolvidos”

3junho de 2012

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Para as pessoas com mais anos de experiência, a convivência numa sala de aula com turmas de 35/40 alunos faz parte de suas lembranças escolares. O argumento para as turmas lotadas surgiu com as melhores in-tenções: quanto mais alunos numa turma, mais rápido é o processo de socia-lização do aluno com as denominadas “diferenças culturais”. Turma lotada significava uma melhor inserção do indivíduo em sociedade. Para os profes-sores, fileiras e mais fileiras de alunos serviam como status para a sua car-reira. O professor era visto como mestre naquela época e conseguia atrair os olhos de dezenas de estudantes, através de uma mistura de reconhecimento do saber adquirido e através do medo dos alunos pela figura do mestre. Não é difícil, ao conversar com as pessoas que já passaram pelos bancos escolares, a lembrança de professores que “marcavam em cima” dos alunos. Os discen-tes que não conseguiam o rendimento esperado eram reprovados e, com o passar dos anos, saíam da escola para o mercado de trabalho.

Esta visão romântica sobre a sala de aula foi destruída pelo processo de uni-versalização do ensino colocando nos bancos escolares alunos com uma série de problemas que a “antiga” sala de aula escondia: drogas, alcoolismo, prostituição, violência familiar, baixa autoestima, falta de futuro profissional. A maneira como a “antiga” sala de aula “resolvia” tais problemas era através da reprovação, solu-ção que se revelou uma forma de não enfrentamento.

Dando continuidade ao debate iniciado na edição 39 do VQ sobre como melhorar a educação pública, levantamos o problema do alto número de alunos numa mesma turma. Quais as origens do problema, como isso afeta a qualidade do ensino e o que é possível fazer?

Por Sanger Nogueira

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// Educação

4 junho de 2012

O problema das salas de aula lotadas

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No entanto, a universalização do ensino foi fei-ta sem a infraestrutura necessária para atender os alunos. O ritmo de construção de escolas deveria ter seguido o ritmo de aumento de alunos. Infelizmen-te, não foi isso que ocorreu. Tínhamos cada vez mais alunos sem a construção de novas escolas. Junto com o problema do espaço físico, o magistério perdia es-paço na sociedade como uma carreira profissional. Na proporção que aumentava o número de alunos na escola, diminuía o status do professor dentro da so-ciedade. O professor foi, com uma intensidade muito maior nos últimos anos, perdendo sua autonomia pedagógica. Ele foi burocratizado, tornando-se um mero executor de tarefas. O atual secretário estadual de educação, Wilson Risolia, apenas demonstrou o que já vinha se desenhando há algum tempo.

Guerra aos professores

A atual gestão da secretaria de educação declarou guerra aos professores ao impor o método da “entur-mação”, isto é, a forma como são alocados os alunos matriculados na escola dentro das tradicionais tur-mas. Funciona assim: funcionários da secretaria de educação visitam as escolas e calculam a área de cada sala escolar. É criado então um padrão mínimo de metros que cada aluno, teoricamente, deveria ocu-par. Assim, é decidido que na sala X cabem 40 alunos e, sendo assim, aquela turma tem que ter 40 alunos com o pretexto de “otimizar”. Otimização é uma pa-lavra bonita para formar uma turma lotada de alu-nos e diretamente relacionada à economia (otimizar a produção para gerar mais lucro).

Não é difícil perceber que no atual processo de criação de turmas não é levado em consideração nenhum caráter pedagógico, mas simplesmente um cálculo matemático. Pelos métodos empre-gados pela atual gestão da Secretaria Estadual de Educação, o estádio do Maracanã poderia ser con-siderado a maior sala de aula no Brasil.

“Dador” de aula

As consequências para alunos e professores são desastrosas. Para o professor, a sala lotada não permite que o mesmo descubra nos alunos as suas potencialidades ou então suas dificuldades. A relação entre professor e aluno torna-se uma coisa artificial. Não é raro, numa turma lotada, o professor só conseguir olhar para todos os alunos na hora da chamada. Aumentam os problemas de indisciplina e falta de vontade no estudo. A ida do professor à carteira do aluno, essencial como método para tirar dúvidas, fica prejudicada, já que é preciso “ficar de olho” no resto da turma. Para os alunos, a turma lo-tada prejudica o aprendizado, quando o professor é obrigado a perder preciosos minutos acalmando os alunos por conta de barulhos e indisciplina.

Peguemos dois exemplos reais: a turma de sé-timo ano do ensino fundamental do Instituto com 39 alunos e a turma do primeiro ano do Theodorico

(1003) da modalidade de Ensino de Jovens e Adul-tos (EJA) com 43 alunos. Imaginem o desafio de co-locar 39 crianças, com ritmos de desenvolvimentos e aspectos de sociabilidades distintos numa mesma sala para formar um sétimo ano. O ensino funda-mental é um momento de extrema importância para o desenvolvimento de suas aptidões e habili-dades. É bastante provável a existência de alunos que gostam de estudar e que têm facilidade com o aprendizado. Por outro lado, também é comum alunos que precisam de um reforço na hora do aprendizado. O típico aluno que, na linguagem dos professores, é preciso “ficar de olho” para que ele não “coloque fogo na sala de aula”.

Além do prejuízo ao aluno, o professor se desgasta mais e tem a sua capacidade de propor novas ideias prejudicada. O docente deixa de ser professor e se torna um “dador” de aula transmi-tindo um conteúdo sem as devidas condições para que o aluno aprenda.

Desmonte da educação pública

O diário do Theodorico Fonseca, com 43 alu-nos em uma única turma, demonstra o final do processo de desmonte da educação pública. Em sua maioria, os alunos da EJA são aqueles que tiveram uma série de dificuldades na escola e abandonaram os estudos. Voltam para os bancos escolares para tentar recuperar o tempo perdido. Como as aulas ocorrem no período noturno, mui-tos alunos passam o dia trabalhando e chegam exaustos numa sala lotada. Podemos pensar: qual é o estímulo que esse aluno tem para frequentar e aprender o conteúdo dentro dessas condições?

Se o atual processo de enturmação da secre-taria estadual de educação é tão ruim assim, por que ele existe? A principal razão de existência é baseada na visão de educação que a secretaria possui: tratar os alunos como se fossem números e os professores como se fossem peças descartá-veis. A atual política da educação do estado não permite a descoberta de talentos e, muito menos, ajudar aqueles que possuem dificuldades nas dis-ciplinas. A Secretaria está sacrificando uma gera-ção de alunos em nome da “gestão”, outro nome bonito para destruir a vida intelectual dos nossos alunos. Um crime está sendo cometido e nós esta-mos sendo expectadores. Esta política está trans-formando a sala de aula num “depósito de aluno”.

É possível mudar? Mais do que possível, é necessário. Precisamos de uma legislação que defina o número máximo de alunos por turma; precisamos, nas reuniões da comunidade escolar, colocar explicitamente que somos contra a polí-tica de lotação das salas de aula. Precisamos de pessoas para que a história não nos julgue como um bando de omissos.

Sanger é professor da rede estadual de ensino

5junho de 2012

Página do diário da turma 1003 do Colégio Theodorico Fonseca

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// Crítica

Elvis à baianaO documentário Raul - o início, o fim e o meio, de Walter Carvalho, retrata a vida do maluco beleza Raul Seixas, que preferia não ter ‘aquela velha opinião formada sobre tudo’

Por Marianna Araujo

Da safra de documentários sobre artistas brasileiros que fize-ram história, “Raul - o início, o fim e o meio” já tem a seu favor o fato de retratar a vida de um cantor bastante conhecido e adorado (exagero?) pela população. Mas essa condição também gera um problema: como ser original ao contar uma história da qual o espectador já conhece vá-rios trechos? O trunfo do diretor Walter Carvalho – reconhecido dire-tor de fotografia – é a boa pesquisa de imagens e sons de arquivo.

Ao longo do documentário é possível, por exemplo, ouvir trechos de uma fita inédita (ao menos para o público) com gravações de Raul. Há ainda fotos e filmagens caseiras que, para quem é fã, são verdadeiras relíquias. Mas a novidade do filme de Carvalho fica por aí. O que não é pouco, se considerarmos que a outra metade do filme é a história de um compositor bastante popular, rebelde, que foi casado com cinco mu-lheres, fez discos históricos e tem admiradores como Caetano Veloso e Tom Zé – ambos têm seus depoimentos filmados.

Raul Seixas é um daqueles personagens que durante uma con-versa doméstica sobre sua vida, certamente, muitos de nós conclui-ríamos dizendo: nossa, esse cara dá um filme. Carvalho possivel-mente tem a mesma percepção. A diferença é que ele foi lá e fez o filme. Talvez por isso, o diretor tenha encontrado tanta dificuldade

Marianna é baiana, botafoguense e baixou todos os discos do Raul pela internet

para não fazer da vida do ídolo uma grande novela. Reside aí, a meu ver, o principal problema do docu-mentário. Walter Carvalho escorrega na armadilha de relatar a vida do cantor como se estivesse numa conversa doméstica, justapondo acontecimentos, doi-deiras e composições. Sem querer, ou querendo, ele cria relações de causa e consequência que não servem para explicar nem a vida de uma desconhecida e tran-quila criatura como eu, então imagine a de um gênio criador e questionador como Raul Seixas?

Na época do lançamento o diretor afirmou que a lou-cura de Raul, que envolvia drogas, bebidas, mulheres e composições brilhantes, estaria relacionada ao fim do casamento com sua primeira mulher, Edith. Edith era de Salvador, filha de um pastor protestante americano, e em tudo contrastava com a rebeldia do menino fã de Elvis Presley. Para que o pai dela permitisse o casa-mento, Raul fez vestibular para Filosofia e Direito. Pas-sou, casou e abandonou os estudos para voltar para a música. O fim da história dos dois vai acontecer no Rio de Janeiro quando já absolutamente imerso na carreira e na vida que levava por conta dela, a mulher vai embo-ra levando a filha. A hipótese que Carvalho apresentou no lançamento foi que a falência da relação com Edith sempre incomodou Raul e estaria na raiz de boa parte dos seus desvarios. Frustrado por não conseguir ser aquilo que a moça, filha do pastor, desejava como lar e família, o cantor nunca mais seria o mesmo.

Certezas prévias costumam prejudicar todo tipo de pesquisa, seja ela acadêmica ou cinematográfica. Com o filme de Walter Carvalho não é diferente. O diretor, a todo tempo, utiliza os depoimentos para justificar os compor-tamentos do seu documentado que parecem sempre ser consequência de questões familiares ou de puro descaso com a vida. Difícil crer que alguém tão criativo, tão vivo, tão consciente das complexidades do mundo simples-mente não se importasse com a vida.

A certa altura do filme, uma imagem de arquivo mos-tra uma reportagem de televisão em que uma ressaca de praia destruiu o carro do cantor. Questionado pela repór-ter sobre a perda, Raul diz algo como: o mar tem razão, ele veio buscar o que é dele, nós é que não devíamos ter ocupado a área do mar. E termina desejando que o mar “venha mesmo” e tome tudo. O episódio, além de um momento cômico no filme, pode servir para dar a dimen-são do seu personagem. Ali, naquele momento, não se tratava do carro, mas da história que existe entre o mar, os homens e a cidade. Difícil imaginar um desses artistas almofadinhas de hoje falando algo parecido em rede na-cional e no horário nobre.

É justamente aí que reside o bom do filme e a razão pela qual ele vale a pena. Nunca é demais ouvir um ser humano genial cantar e falar. Bons também são mui-tos dos depoimentos. De resto, em tempos como hoje, vale a ida ao cinema nem que seja para ouvir um dos nossos grandes artistas mostrando que música pop não é sinônimo de música ruim.

“Nunca é demais ouvir

um ser humano genial cantar

e falar”

ConTra

burguês

baIxe mp3

# DIsCos Do raul

bit.ly/rseixas

6 junho de 2012

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Por Vanessa Fonseca

No mês passado, um dos assuntos mais de-batidos nas redes sociais e na imprensa foi a en-trevista de Xuxa ao quadro “O que vi da vida” do Fantástico. A apresentadora contou que havia so-frido violência sexual até os 13 anos de idade. O fato, revelado publicamente apenas agora, com Xuxa perto dos 50 anos, não havia sido contado nem para sua mãe, em quem confiava, por sentir vergonha e culpa pelos abusos sofridos. Como Xuxa, muitas meninas no Brasil se sentem culpa-das por terem sido abusadas sexualmente.

Mas por que mulheres e meninas se sentem, muitas vezes, culpadas por sofrerem violência? Colocada desta maneira, esta questão pode nos pa-recer contraditória ou mesmo absurda. Mas pen-semos na seguinte situação: uma menina sai para dançar e alguém passa a mão em suas pernas. Ao contar para um amigo, ouve “com esta saia curta, o que você queria?”. Não é raro escutarmos que mu-lheres com roupas curtas ou decotadas estão pro-vocando os homens. Quando a violência acontece é comum que se atribua a responsabilidade à mulher que sofreu a violência, seja por estar em lugar onde não deveria estar, por ter bebido além da conta ou mesmo pela escolha da roupa.

Tomando como exemplo mais um evento midiá-tico, podemos citar as reações do público ao suposto estupro no programa Big Brother. Sem levar em con-sideração se houve ou não violência sexual por baixo do cobertor, os comentários – do público e na capa de uma revista de grande circulação – sobre o compor-tamento ou as roupas usadas pela participante do programa, foram usados como justificativas para o fato. Isso nos faz concluir que ainda são necessários avanços para que as mulheres alcancem os mesmos direitos sexuais que os homens.

marcha das Vadias

Por tradicionalmente se sentirem “culpadas”, o resultado é o silencio das mulheres ao sofrerem al-gum tipo de violência sexual. Estima-se que os casos

de denúncia são bem inferiores ao números reais. Uma prova disso foi o aumento de quase 50% das de-núncias feitas ao Disque 100, após o depoimento de Xuxa. Não foi o número de casos que aumentou em apenas um dia, mas o estímulo à desnaturalização da violência sofrida pelas mulheres, que as fez tomar coragem para revelar o fato.

Como parte deste discurso, muitas ações para a prevenção da violência sexual têm sido voltadas para educar meninas a se comportarem de ma-neira segura. Foi o que aconteceu na Universida-de de Toronto em uma palestra sobre segurança, em janeiro de 2011, depois da ocorrência de casos de violência sexual no campus. Nessa palestra, o policial Michael Sanguinetti sugeriu que “as mu-lheres evitassem se vestir como vadias (sluts, no inglês original), para não serem vítimas”. Em abril do mesmo ano, 3 mil pessoas foram às ruas de To-ronto denunciar o quanto mulheres ainda são re-primidas para que o desejo masculino possa existir livre de culpa. O protesto foi batizado de “Marcha das Vadias” e, imediatamente, se espalhou pelo mundo. No Brasil, a primeira marcha aconteceu no dia quatro de junho de 2011, em São Paulo. Logo em seguida, alcançou cidades como Salvador, Fortale-za, Londrina e Recife. No Rio de Janeiro, a última marcha aconteceu no dia 26 de maio, em Copacaba-na, e contou com a presença de homens e mulheres indignados com as desigualdades.

Com mensagens como “ensine os homens a não estuprar, em vez de mulheres a não serem estupra-das”, “sou minha e não de quem quiser”, “quando uma mulher diz não, é não” ou “meu corpo, mi-nhas regras”, a Marcha das Vadias reivindica o di-reito das mulheres decidirem sobre seu corpo e a maneira como irão usufruir de seu prazer. É uma marcha por relações baseadas no respeito, no diá-logo e na negociação entre os pares. É um direito de todos nós, homens e mulheres, termos relações com quem desejarmos e como desejarmos, desde que essas relações sejam consentidas, e por quem tenha condições de fazê-lo. Ou seja, sem que haja nenhuma forma de coerção ou intimidação, a par-tir de igualdade no poder de decisão.

A marcha das mulheres livres

“Sou minha e não de quem quiser” é uma das mensagens difundidas pela Marcha das Vadias, que acontece em diversos países desde 2011, para lutar pelos direitos das mulheres

// Direitos

Contra a desigualdadeA manutenção das desigualdades se deve ao

fato de consideramos como naturais os compor-tamentos e os desejos de homens e mulheres, o que faz com que nos acomodemos em justificati-vas que impeçam mudanças. Costumamos pen-sar que homens não são capazes de controlar seu desejo sexual, cabendo às mulheres a tarefa de se protegerem, escondendo-se, para que os homens possam continuar circulando livremente.

Entretanto, estes comportamentos são históri-cos e o fato de existirem homens que não reprodu-zem a violência é prova de que é possível respei-tar. Não é justo que continuemos a reproduzir, por meio de leis, propagandas, campanhas ou ações educativas, a ideia de que os direitos sexuais de homens heterossexuais são mais legítimos do que o de mulheres, e permitir que a desigualdade seja expressa, inclusive, pela violência.

Ser vadia nada tem a ver com as mulheres das propagandas de cerveja, aquelas que estão à disposição, prontas para serem consumidas por quem o desejar. Ser vadia é poder vestir-se com pouca roupa, ou estar bastante coberta, e não ser vista como objeto de consumo. Ser vadia é poder estar casada sem se sentir na obrigação de ter re-lações sexuais com o marido para agradá-lo, ou porque depende dele, e é também poder viver todas as fantasias sexuais com seu parceiro. Ser vadia é dizer sim para muitos homens e não para tantos outros. Ser vadia é poder sair pronta para seduzir e fazer a sua escolha.

Ser vadia é ser livre e a liberdade não pode nos ofender. Já a violência e a repressão, sim.

Vanessa é coordenadora de Programas do Promundo [www.promundo.org.br]e não vê problema em ser chamada de vadia

O Disque Denúncia nacional, ou Disque 100, é um serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, vinculado à secretaria de

Direitos Humanos [www.disque100.gov.br]

fotos: elIsângela leIte

7junho de 2012

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// Navegando

Sabemos que o leitor estava ansioso pela dica de literatura que deveria vir nessa edição, mas a polícia americana e sua perseguição ao conteúdo livre da internet atrapalhou o cronograma da coluna. Um leitor alertou no blog do VQ que os links do blog Filmes Políticos não estavam funcionando. Falha nossa que não testamos alguns deles. Já que a última dica, apesar de alguns links ativos, no geral foi bastante prejudicada, aí vai outro blog cinematográfico:

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O acervo é maior que a última indicação e testamos diversos links. O blog dedica-se a filmes “cults” e ofe-rece aos navegantes a oportunidade de ver algumas obras desconhecidas e até raras. Afinal, de filmes comer-ciais e grandes produções, a televisão e os cinemas já estão cheios, não é?

Filmes como “Os Bons Compa-nheiros”, do Scorsese (1990) e “O discreto charme da burguesia”, de Buñuel (1972), estão disponíveis por lá. Mas é possível também procurar por raridades, como o filme “Viagem à lua” de Georges Méliès (1902), obra dos primórdios do cinema, citado em “A invenção de Hugo Cabret”, filme que concorreu ao Oscar este ano.

O blog ainda oferece alguns agrados ao visitante: uma boa lista de “filmes para ver antes de morrer” e algumas discografias de cantores também “cults”.

www.downloadcult.com

A discussão sobre downloads na internet é longa e vem movi-mentando a rede. muitos blogs estão com problemas em seus links e por isso, contamos com a compreensão dos leitores. no entanto, o VQ tem duas dicas importantes: ao baixar qualquer conteúdo, tome cui-dado e leia com atenção aon-de vai clicar. Como os grandes servidores estão sendo perse-guidos pela polícia americana, alguns sites estão optando por servidores menores, que mui-tas vezes têm diversas pro-pagandas e links duvidosos. Essa situação também tem impacto nos arquivos que os blogs oferecem, que mudam de formato a todo momento. uma boa dica é baixar o VlC para assistir aos filmes, um programa que reproduz todo tipo de arquivo sem exigir co-decs e com menos problemas do que os reprodutores padrão do Windows, por exemplo.

8 junho de 2012

Por Érick Ramos

Tantos lugares,vários arredores,tantas ruínas,tantos horrores.

Talvez seja o jeito humano,o jeito de ser gente,é, o jeito desleal,de ser alguém imprudente.

A indecência nas ruas,a falta de moralidade,o sentimento egoísta de não sentir,de só falar, sem poder sentir,não ter razões para amar.

São tantos os lugares,tantos são fechados,tantos que não podemos ver,roubos sem convicções,ladrões vestidos de terno.

Ainda há vida existente nesse lugarzinho,vida de tantos que sofrem,de tantos que se alegram,de tantos que se amam,e mesmo assim vivem sem nada reclamar.

Há também o momento jovem,mas que momento?Não existe quase nada, ou absolutamente nada,onde ficamos nesse lugar,onde nos encontramos nessa cidade?

Pois é, Valença está em Questão,eis que não temos razão,razão de não saber onde moramos,será isso ilusão,ou apenas um sermão?

Valença em questão

// Poesia

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