VODU – CANDOMBLÉ
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Joseph Handerson
VODU NO HAITI !CANDOMBL NO BRASIL: IDENTIDADES
CULTURAIS E SISTEMAS RELIGIOSOS COMO CONCEPES DE
MUNDO AFRO-LATINO-AMERICANO
Dissertao apresentada banca examinadora
do Programa de Ps-Graduao em Cincias
Sociais da Universidade Federal de Pelotas pelo
mestrando Joseph Handerson, como requisito
parcial obteno do ttulo de Mestre em
Cincias Sociais.
Prof Orientadora: Dr. Beatriz Ana Loner
Pelotas, 2010
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Dados de catalogao na fonte:Ayd Andrade de Oliveira CRB - 10/864
H236v Handerson, Joseph.Vodu no Haiti!Candombl no Brasil : identidades
culturais e sistemas religiosos como concepes de mundoAfro-Latino-Americano / Joseph Handerson ; Orientador :Beatriz Ana Loner. !Pelotas, 2010.
183f.
Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais)!Instituto deSociologia e Poltica. Universidade Federal de Pelotas.
1. Identidade cultural afro. 2. Religio. 3. Candombl. 4.Vodu. 5. Haiti - Brasil. I. Loner, Beatriz Ana, orient. II.Ttulo.
CDD 299.6133.47
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Joseph Handerson
VODU NO HAITI !CANDOMBL NO BRASIL: IDENTIDADES
CULTURAIS E SISTEMAS RELIGIOSOS COMO CONCEPES DE
MUNDO AFRO-LATINO-AMERICANO
E aprovada sua verso final em _________________ atendendo s normas dalegislao vigente da Universidade Federal de Pelotas, Curso de Mestrado emCincias Sociais.
Pelotas, ..... de ............... de ...........
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________Prof Dr Beatriz Ana Loner (Orientadora)
Universidade Federal de Pelotas
____________________________________Prof. Dr. Francisco Luiz Pereira da Silva Neto
Universidade Federal de Pelotas
____________________________________Prof Dr Adriane Luisa Rodolpho
Universidade Federal de Pelotas
____________________________________Prof Dr Rosane Aparecida Rubert
Universidade Federal de Pelotas
Pelotas, 2010
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter-me dado a coragem e a fora para no desistir, apesar de
todos os percalos do caminho que no foram poucos.
minha famlia que est no Haiti, no Canad, na Frana e nos Estados
Unidos, a quem expresso minha gratido, particularmente ao meu irmo
Christopher Rive.
A minha esposa, Francine Pinto da Silva Joseph, pelo carinho, por me
acompanhar nos momentos de alegria e tristeza durante o mestrado.
Aos meus sogros, Paulo Duarte da Silva e Marlia Pinto da Silva, que
estiveram ao meu lado durante a produo deste trabalho, pelo carinho e
companheirismo.
professora orientadora Beatriz Ana Loner, pela experincia e rigorosas
correes, pois ensinou-me a ser ainda mais exigente com o contedo e com a
forma do trabalho acadmico.
professora Eny Fetter Zambrano, por ter-me acompanhado do incio da
graduao at esta etapa de formao, pelas correes de portugus e pelo
carinho.
Aos professores Adriane Rodolpho, Rosane Aparecida Rubert e Francisco
da Silva Neto, por terem aceito o convite para participar na banca de defesa.
professora Cludia Turra que me acolheu carinhosamente no Laboratrio
de Estudos, Pesquisa e Produo em Antropologia da Imagem e do Som.
Aos membros do grupo de Estudos em Antropologia do Corpo, espao e
performance, pelo empenho e pelo conhecimento compartilhado.
Aos colegas de mestrado, Leandro Haerter, Lenita de Carvalho, Horcio daRosa e Eisler Cavada, pela amizade construda ao longo do curso.
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Ao grupo Sangoma e Biblioteca Negra de Pelotas, em nome do professor
Uruguay Cortazzo, pela gentileza e generosidade com que cederam referncias
bibliogrficas inditas e publicaes difceis de serem encontradas.
professora Normlia Parise, diretora do Centro Cultural Brasil-Haiti, pelo
carinho e amizade, com que, do alm-mar no Haiti, contribuiu, enviando material
bibliogrfico atualizado e, principalmente, dando apoio constante.
Aos colegas do Ncleo de Cultura e Economia (NUCEC) do Museu
Nacional-UFRJ, em nome do Prof. Dr. Federico Neiburg, coordenador do Projeto
Haiti, pelas discusses sobre o Vodu no Haiti, que se tornaram imprescindveis
para o fechamento desta investigao.
Aos professores Osmar Schaefer, Jandir Zanotelli e Agemir Bavaresco,pela amizade, por partilharem comigo os difceis desafios iniciais e guiarem,
cuidadosa e pacientemente, meus primeiros passos nessa empreitada acadmica
desde a minha chegada ao Brasil em 2005.
Ao Juiz e professor Adriano de Oliveira pelo apoio e exemplo de ser
humano.
CAPES pelo apoio financeiro para realizar a pesquisa.
Finalmente a todos aqueles que contriburam, de alguma forma, para queesse trabalho fosse realizado, minha gratido eterna.
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medida em que as culturas nacionais tornam-se maisexpostas a influncias externas, difcil conservar asidentidades culturais intactas ou impedir que elas se tornemenfraquecidas atravs do bombardeamento e da infiltraocultural(HALL, 2006, p. 74)
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RESUMO
HANDERSON, Joseph. Vodu No Haiti ! Candombl No Brasil: IdentidadesCulturais E Sistemas Religiosos Como Concepes De Mundo Afro-Latino-Americano. 2010. 183f. Dissertao (Mestrado) !Programa de Ps-Graduaoem Cincias Sociais. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
Este estudo tem, como temtica central, a identidade cultural afro e a religio noHaiti e no Brasil. Interessa aproximar esses dois campos analticos para delinearpossveis semelhanas e diferenas da identidade cultural afro no Haiti e noBrasil, particularmente nos aspectos religiosos, com o objetivo de explorarquestes sobre Vodu e Candombl. Para alcanar tal meta, uma das primeirastarefas da investigao foi contextualizar a histria dos dois pases paracompreender que o Brasil e o Haiti so naes formadas e orientadas por umforte fundamento de matriz africana, oriundo de seu passado colonial, at hojeafetando profundamente as bases culturais dessas naes. A segunda foiexaminar a identidade cultural afro a partir de categorias explicativas comoidentidade, cultura, raa, nao e religio. Desde a anlise do estado atual dosestudos sobre os fenmenos religiosos Vodu e Candombl no Haiti e no Brasil,percebeu-se terem sido diversos os processos histricos pelos quais passaram osdois Estados nacionais. Observou-se, no Brasil, tanto os autores que escreveramsobre a cultura nacional, a histria do pas, o quadro poltico, quanto os referentesa essa temtica no necessariamente serem os mesmos que tratam doCandombl. Historiadores, socilogos e antroplogos da religio, no Brasil,
podem falar do pas sem mencionar o Candombl. Ao contrrio, no Haiti essesdois corporase fundem: parece ser impossvel falar do Haiti sem fazer refernciaao Vodu: a literatura sobre a sociedade haitiana faz essa ligao entre a histria ea cultura nacional. Os resultados da pesquisa evidenciam, o Vodu a representar areligio do pas, servindo de instrumento da sua poltica, e, no Brasil, naogrande em termos geogrficos, com variedade de culturas, o Candombl ser parteda identidade cultural brasileira, mas em menor escala do que o Vodu no Haiti.Chega-se, assim, concluso de o Candombl ser religio de estado e o Vodu,da nao. Isso se justifica, porque o papel desempenhado pelo Vodu durante alibertao dos ex-escravos e a independncia do Haiti, e atualmente na polticainterna do pas, ser maior do que o espao do Candombl no Brasil. Conforme
apontado, o Vodu um elemento irredutvel na construo do pas haitiano.
Palavras-chave: Identidade cultural afro, religio, Vodu, Candombl, Haiti, Brasil.
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RSUM
HANDERSON, Joseph. Vaudou en Haiti ! Candombl au Brsil: IdentitsCulturelles et Systmes Religieuses Comme conceptions du Monde Afro-Latine-Americaine. 2010. 183f. Dissertao (Mestrado) ! Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
Cette tude a pour thme central l`identit culturelle africaine et de la religion enHati et au Brsil. On a intress a rapprocher ces deux champs d`analyse, lessimilitudes et les diffrences possibles sur l`identit culturelle africaine en Hati etau Brsil, en particulier dans les aspects religieux, afin d`explorer les questionssur le Vaudou et le Candombl. Pour y parvenir, l`une des premires taches de larecherche tait de mettre en contexte l`histoire des deux pays comprendre quele Brsil et Haiti sont deux nations formes et guides par une fondation solided`origine africaine, venant de son pass colonial, encore aujourd`hui, affectantprofondment les bases culturelles de ces deux nations. Le second tait,d`examiner l`identit culturelle africaine a partir des catgories suivante: tels quel`identit, la culture, la race, la nation et la religion. A partir de l`analyse sur lestravaux actuels de recherche sur les phnomnes religieux Vaudou etCandombl, en Hati et au Brsil, on a remarqu qu`ils taient divers lesprocessus historiques par lesquelles les deux tats nacionaux on passs. On aremarqu, que au Brsil, les auteurs qui crivent sur la culture nationale, l`histoiredu pays, le cadre politique, pas forcment les mmes auteurs qui crivent sur leCandombl. Les historiens, les sociologues et les anthropologues de la religion auBrsil, peuvent faire rfrence au pays sans mencioner le Candombl. Au
contraire, en Hati, ces deux corpus sont fusiones: Il semble impossible de fairereference au Hati sans mencioner le Vaudou, La litrature sur la societ haitiennea tablit la connexion entre l`histoire et la culture nationale. Les rsultats de larecherche montrent, le Vaudou represente la religion d`Hati, en servantd`instrument de sa politique, et au Brsil, nation grande du point de vuegografique, avec uma varit de cultures, le Candombl fait partie de l`identitculturelle brsilienne, mais une chelle moins que le Vaudou en Hati. On arrive,ainsi la conclusion que le Candombl est une religion d`tat et le Vaudou de lanation. Cela se justifie pour le rle du Vaudou durant la libration des anciensesclaves et l`indpendance d`Hati, actuellement dans la politique interne du pays,tre suprieure l`espace du candombl au Brsil. Comme on a indiqu, le
Vaudou est un lment irrductible dans la construction du pays d`Hati.
Mots-cls:Identit culturelle afro, Religion, Vaudou, Candombl, Hati, Brsil
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ABSTRACT
HANDERSON, Joseph. Vodu No Haiti ! Candombl No Brasil: IdentidadesCulturais E Sistemas Regiliosos Como Concepes De Mundo Afro-Latino-Americano. 2010. 183f. Dissertao (Mestrado) !Programa de Ps-Graduaoem Cincias Sociais. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
This study has as central subject african cultural identity and religion in Haiti andBrazil. Interested bridge these two fields for analytical out possible similarities anddifferences of cultural identity African in Haiti and Brazil, particularly in the religiousaspects, in order to explore questions of Voodoo and Candomble. To achieve this,on of the first tasks of the research was to contextualize the history of bothcountries to understand that Haiti and Brazil are nations formed and guided by astrong foundation of African origin, coming from its colonial past, even today,profoundly affecting the cultural foundations of nations. The second was toexamine the cultural identity African from explanatory categories such as identity,culture, race, nation and religion. From analysis of the current state of research onreligious phenomena Voodoo and Candomble in Haiti and Brazil, it was noticedthey were differrent historical processes through which passed the two nationstates. Observed in Brazil, the authors who write about national culture, the historyof the country, the policy framework, as those pertaining to this problem, notnecessarily that they are dealing with candomble. Historians, sociologists andanthropologist of religion in Brazil, the country can speak without speaking ofCandomble. In contrast, in Haiti these two corpora are fused:it seems impossibleto speak of Haiti not to mention the Voodoo, the literature on Haitian society
makes this connection between history and national culture. The survey resultsshow, on the other hand, the Voodoo religion to represent the country, serving asan instrument of policy, and on the other, because Brazil is a large nationgeographically, with a variety of cultures, candomble going to be part of Braziliancultural identity, but on a smaller scale than the Voodoo in Haiti. Faced with thesestatements, you arrive at the conclusion of the Candomble religion of state to beVoodoo and the nation. This is justified as it is realized that the role of Voodoo inthe release of former slaves and the independence of Haiti!and continues to playin domestic politics ! be greater than the space of Candomble in Brazil. Asindicated, the Voodoo is an irreducible element in building the country of Haiti.
Keywords:African cultural identity, religion, Voodoo, Candomble, Haiti-Brazil
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SUMRIO
MAPA DO HAITI
MAPA DO BRASIL
GLOSSRIO
APRESENTAO
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17Objeto da dissertao: delimitao do tema central 20
Mtodo de pesquisa 32
Organizao da pesquisa: distribuio dos captulos 33
1. A FORMAO DA SOCIEDADE HAITIANA E AS HERANAS
IDENTITRIAS CULTURAIS AFRO1. 1 A Revoluo Haitiana e a Repblica Negra
1. 2 Da Independncia presena da MINUSTAH no Haiti
1. 3 A identidade cultural afro no Haiti
1. 4 Identidade cultural no ps-colonialismo!negritude e alteridade
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2. RA ZES DA IDENTIDADE E DA CULTURA AFRO NO BRASIL 80
2. 1 Processo histrico no Brasil!escravido e libertao
2. 2 Haiti!Brasil: Aproximao das duas naes
2. 3 Relaes tnico-raciais e cultura afro no Brasil
2. 4 Nao como categoria tnica e religiosa
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107
3. SISTEMAS RELIGIOSOS E CONCEPES DO MUNDO: VODU E
CANDOMBL
3. 1 Os sistemas religiosos e suas origens: Reino de Daom
3. 2 O Vodu e seus contedos msticos e simblicos
3. 3 Os elementos materiais e simblicos que o candombl contm3. 4 Aproximaes analticas entre o Vodu e o Candombl
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CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
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MAPA DO HAITI
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MAPA DO BRASIL
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GLOSSRIO
Ai: o mundo onde vivem os seres humanos na cultura daomeana.
Baron Samdi: o senhor do cemitrio.
Barraco: o lugar destinado s festas no Candombl
Bk(Bokor): um personagem do Vodu, ele o intermedirio entre o houngane
o feiticeiro.
Candombl: o nome que designa um culto ou uma religio afro-brasileira. H
vrias naes no Candombl, por exemplo, Candombl Jeje, Candombl Nag,Candombl Angola etc.
Chango: equivalente a Xango no Candombl do Brasil.
Chefe-cambuse: um homem ou uma mulher disposta a cuidar do quarto onde
esto guardadas as oferendas.
Confiance: o brao direito do houngan, um homem de confiana.
Ezili-freda-Daom: Yemanj no Candombl que representa Nossa Senhora do
Rosrio e Nossa Senhora da Piedade no Catolicismo.
Gvi: uma quartinha de barro, geralmente no Haiti se usa para guardar gua
fresca.
Gros-bon-ange: o grande bom anjo, a segunda alma que cada pessoa tem.
Ghedeou Gued: a divindade dos mortos no Vodu.
Houmf: no um templo no sentido comum do termo, mas um centro religioso
"#$%&'()*+ %*+& -.& &%&'/0"1& "#$ # 2La cour3 4%(51# 6* .$& "&-& 7'&06*8 9.* :
o lugar onde se coloca, alm dos objetos religiosos, tudo o que pertence a uma
27'&06* ;&$
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Hounganou Ug: significa papa-loiem Crole, lngua do Haiti, o sacerdote do
Vodu.
Hounsi: o novio no Vodu.
Jeje: uma nao do Candombl.
Jumeaux: em Crole marasa(os gmeos, equivalente a Ibje, entre os jejes),
eles detm grande poder, so potncias sobrenaturais e esto ao lado dos loas
no Vodu.
La-place (laplas): significa comandante geral do lugar o mestre de cerimnias.
Legba: o mensageiro, equivalente divindade Exu (ou lgbar) no Candombl
no Brasil e no Catolicismo representa So Pedro. aquele que abre a porta e
deve ser cumprimentado antes dos demais loas. chamado de diabo peloscristos.
Loa oulwa ouloi: so as divindades ou espritos do Vodu no Haiti.
Mambo: significa maman-loiem Crole, lngua do Haiti, a sacerdotista do Vodu.
Nanm: a alma em Crole.
lrn(nag) ou Zaniapombo: o Deus supremo no Candombl do Brasil.
Ouanga (wanga): a substncia que resultado de prticas mgicas utilizadas
para atingir a outra pessoa de modo negativo.Ogou: equivalente a Ogum (gn) no Candombl no Brasil, na cultura fon
chamado de Gu. o deus do ferro, da metalurgia, da guerra, representa-se pela
sua ferramenta: um feixe de pequenos instrumentos de lavoura, machado, foice,
enxada etc. Ele se tornou tambm o Vodum dos motoristas e dos mecnicos.
Orum: onde moram os seres espirituais e as divindades, chamado de Eriui.
xn: a deusa das fontes e dos regatos, identifica-se com a senhora das
Candeias.Papa bondie: o papai bom Deus no universo religioso do Vodu, chamado
tambm de Granmt (Grande mestre) em Crole.
Pre-savane (p-savan):justamente o encarregado de trazer para o Vodu todos
os elementos sobrenaturais da Igreja Catlica que o Vodu no pode integrar.
Pristyle: seria o terreiro no Candombl, ou barraco, o lugar onde se fazem as
cerimnias.
Petit-bon-ange: o pequeno bom anjo, seria a alma que cada pessoa tem,
segundo as crenas do Vodu.
Petro: um rito cerimonial no Vodu.
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Poteau-mitan: escreve-se poto-mitan em Crole, lngua do Haiti, o poste, o piv
e centro das danas rituais e recebe vrias homenagens durante as cerimnias.
Kanzo: o aspirante do Vodu.
Rada: um rito cerimonial no Vodu
Tanos: os nativos da Ilha de So Domingos (atual Haiti e Repblica Dominicana)
Tambor de Mina: o nome usado no Maranho para a religio popular de origem
africana.
Veve: o desenho simblico do loa, sua funo comparvel da imagem ou
esttua de santo.
Vodu: nome usado para a crena religiosa de matriz afro no Haiti.
Vodum (vdns): equivalente a orix na cultura nag, nome dado aos voduns,divindades ou espritos no Candombl Jeje do Brasil.
Zombi: uma pessoa num estado completo de idiotice. Ele obedece a todos, ele
fala de cabea para baixo e o som da voz tem uma entonao nasal. Essa
pessoa foi vtima de prticas de magia e passa a ser um morto vivo. Quando
afetada pela prtica de magia, a pessoa fica num estado de letargia, isto , numa
sonolncia profunda e prolongada, depois usado pelo feiticeiro para fazer
trabalhos forados.
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APRESENTAO
No final da dcada de 1990, como muitos jovens caribenhos da gerao de
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mas a distncia. A msica, as novelas e o futebol do Brasil tinham sido
incorporados nossa viso panormica da Amrica Latina.
O primeiro contato com o Brasil1 deu-se no incio do sculo XXI, aps
nossa vinda em 2005 a fim de realizar estudos de graduao em Filosofia na
Universidade Catlica de Pelotas. Foram vrios os convites feitos desde ento porUniversidades brasileiras no Rio Grande do Sul, para ministrar palestras sobre o
atual quadro social e poltico do Haiti e nele a questo da negritude, a formao
das Cincias Sociais no pas caribenho e assim por diante. Em nmero
surpreendentemente grande, alunos acorreram a nossas palestras, mais atrados
! assim cremos ! pela novidade dos temas discutidos por um haitiano aqui no
Brasil do que por nossa exposio, em portugus precrio, sobre a relevncia
crescente dessas questes relativas ao Haiti. Uma pergunta constante na hora da
105*'&?C# "#$ # %DB+1"# *'&E 2F 9.* # -*0@#' &"@& -#B'* &- 5'#%&- B'&-1+*1'&- 0#
Haiti na misso de paz (MINUSTAH28G3
Julgamos importante ser cauteloso na abordagem dessa questo. E assim
agimos sempre. Em uma palestra ministrada no Curso de Letras (Francs) na
H01)*'-16&6* I*6*'&+ 6* J*+#5&- -#B'* 2K1$: L:-&1'* *5 M* N1-"#.'- -.' +*
1O Brasil uma Repblica Federativa, com 27 unidades poltico-administrativas subnacionais e mais de 5
mil municpios. Cada estado conta com um Poder Executivo, eleito por procedimento majoritrio, um poderLegislativo, um Judicirio e estruturas administrativas prprias. Municpios igualmente possuem Executivo eLegislativo eleitos, bem como estrutura administrativa especfica.2Misso de Paz das Naes Unidas para a reestabilizao do Haiti.
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civilizao levada pelos militares brasileiros ao povo haitiano at.&+$*05*G3
Tivemos ento de fazer todo um resgate histrico do Haiti para dizer a esse
estudante!e repetir a outros! que o Haiti, nesse perodo (2005), j completara
seu bicentenrio como pas independente e fora a revoluo de ex-escravos mais
bem sucedida na Amrica. Portanto, falar da presena dos militares brasileiros
nas Tropas MINUSTAH como uma maneira de civilizar os haitianos, negar aos
heris haitianos essa grande vitria de desconstruir os ideais franceses no final do
sculo XVIII. Aproveitvamos para citar um antroplogo alemo chamado Leo
Frobenuis, o qual afirmava no podermos falar que os europeus civilizaram os
africanos porque estes ltimos so civilizadosjusqu` la moelle des os.
A falta de familiaridade com temas relacionados ao Haiti e prpria histria
desse pas era to pronunciada que, num programa de entrevistas numa TV no
Rio Grande do Sul, fomos solicitados a explicar onde ficava o pas, pois at ento
algumas pessoas o situavam na frica. Hoje em dia, no mundo inteiro, o Haiti
tornou--* "#0@*"16# %*+& &+".0@&E 2%&
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muitos afro-brasileiros, a questo obter uma funo de destaque no pas, ou
seja, ocupar um cargo de prestgio como algo normal ao ser humano e cidado
brasileiro com direitos (SANSONE, 2004), no Haiti, a questo central est em se
possvel conseguir um emprego no servio pblico e conserv-lo, seja negro,
mulato ou branco. Isso devido, de um lado, instabilidade do poder pblico, ao
fato de o pas no ter uma base democrtica de elaborar concursos para os
servios pblicos e alguns servios privados como no Brasil, e, de outro,
decadncia que sofre a economia haitiana atualmente.
As estatsticas oficiais sobre o desemprego e a participao da mo deobra nos dois pases tornam-se difceis de comparar, porque no so compiladas
segundo os mesmos padres e as cifras oficiais brasileiras reduzem
acentuadamente os dados informados sobre a taxa real de desemprego.
Entretanto, mesmo guardando isso em mente, certas condies estruturais
convergentes levam a um interessante conjunto de semelhanas entre Haiti e
Brasil: a representao significativa das culturas africanas nas Amricas, no
tangente a religio, msica, dana, alimentao, nosso ser-no-mundo latino-
americano etc. Isso se deve, em grande parte, ao nmero de negros e regio da
qual foram trazidos da frica Negra.
Alm de tudo, na periodizao da poltica negra moderna, necessria
uma nova reflexo sobre a importncia do Haiti e sua revoluo para desenvolver
o pensamento poltico afro-americano e os movimentos de resistncia. Devemos
lembrar que tal conjuntura (estamos falando da Revoluo Haitiana, como
desconstruo dos ideais da Revoluo Francesa e tentativa de aplicao daDeclarao dos Direitos do Homem) marcou o edifcio da euro-modernidade de
forma muito mais profunda do que se tem reconhecido.
Refletir sobre a reao haitiana significa resgatar a positividade cultural
afro, sua beleza e sua presena na formao da cultura brasileira. Logo, refletir
sobre as culturas de matriz africana considerar as lgicas simblicas
construdas ao longo da histria por vrios grupos tnicos socioculturais
especficos: os descendentes de africanos escravizados no Brasil.
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OBJETO DA DISSERTAO: DELIMITAO DO TEMA CENTRAL
Trataremos, igualmente, nesta apresentao, de examinar e conceituar
nosso mtodo de trabalho, isto , as linhas orientadoras que se nos foram
impondo na medida de nosso avano nas investigaes. Se dizemos que elas se
nos foram impondo, porque, como qualquer pesquisador, visto no sermos
neutros, trazemos uma bagagem, uma forma cultural e acadmica, um contexto
histrico e uma ideologia.
evidente que o investigador se prope a ser objetivo ou neutro ou tentar
s-lo, pelo menos quando est coletando os dados de informao. Trata- se de
um postulado que acreditamos, desde um ponto de vista terico, no ser ignoradopor nenhum pesquisador. Entendemos, por igualmente evidente que, visando a
um mesmo fenmeno ou a um mesmo objeto, encontramos descries bem
diferentes nas quais tal elemento posto em relevo, um outro ignorado ou
passa despercebido, de acordo com o mtodo escolhido pelo pesquisador para
observar o seu objeto de pesquisa, em nosso caso, o mtodo qualitativo. O
pesquisador, por mais prevenido que seja, dificilmente consegue despojar-se,
desprender-se da prpria histria e do quadro de referenciais tericos adquiridoao longo de sua formao, de sua histria de vida.
Para avanar de um ponto de vista analtico nesta investigao,
salientamos que, em muitas sociedades da Amrica Latina, a contribuio negra
foi fundamental desde sua vinda e do trabalho como escravo nessas regies.
Entretanto, difcil reconhecer limites e possibilidades em tais contribuies em
muitos pases ou naqueles com grande afluncia de elementos negros que
constituem parte importante de sua populao, como o caso do Brasil, porque
eles sempre estiveram submetidos a outra cultura, de forte influncia europia,
mesmo aps o fim do perodo colonial. O Haiti foi a nica exceo a esta regra, o
nico pas em que, a partir de uma revoluo escrava vitoriosa, os prprios
negros puderam montar uma sociedade combinando traos europeus aos
africanos. Assim, em alguns domnios, puderam florescer outros padres
religiosos, culturais, lingusticos, com maior influncia das heranas africanas do
que nos demais pases latino-americanos.
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Esse cenrio sugere uma investigao sobre a temtica, fazendo-se
necessrio o desenvolvimento de pesquisa que aproxime as identidades culturais
de matrizes africanas no Haiti e no Brasil, a fim de observar tendncias evolutivas
e caractersticas permanentes do legado africano, apesar das diferentes
formaes dos Estados nacionais. Portanto, a questo central desta pesquisa vai
ser investigar as semelhanas e as diferenas nos elementos identitrios das
culturas de matriz africana, no Haiti e Brasil, especificamente quanto religio.
A seguir, esto relacionados o objetivo geral e os objetivos especficos do
presente trabalho
Geral
Delinear possveis semelhanas e diferenas nos elementos identitrios
das culturas afro no Haiti e no Brasil, particularmente nos aspectos religiosos,
com o objetivo de explorar as identidades culturais afro no tangente religio na
Amrica Latina.
Especficos
- Apresentar as razes histricas das culturas de matrizes africanas no Haiti
e no Brasil.
- Aproximar o universo religioso do Vodu e do Candombl, no Haiti e no
Brasil.
- Compreender o Vodu enquanto religio da cultura nacional haitiana e o
Candombl enquanto elemento da formao da cultura afro-brasileira.
Este trabalho constitui uma investigao, na qual est sendo feita uma
abordagem de elementos identitrios das culturas de matrizes africanas no Haiti e
no Brasil. Os elementos culturais africanos, mesmo ressignificados em cada
religio, bem como a sua contribuio para construir essas duas naes,
precisam ser conhecidos para serem estabelecidas estratgias na valorizao da
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cultura delas e para desfazer ideias racistas e preconceituosas em relao a esse
sujeito histrico, o afrodescendente.
O significado do papel dos afrodescendentes na construo do Haiti e donacionalismo haitiano um tema particularmente importante na literatura haitiana
e no movimento de negritude enquanto antirracista. Nessa perspectiva, queremos
trabalhar com a temtica de elementos identitrios da cultura afro, particularmente
a religiosidade afro nesses dois pases, para mostrar o afrodescendente como
sujeito da sua prpria histria e valorizar os elementos culturais que enriquecem
essas duas naes pluriculturais.
De acordo com o conceito de nao, tomado por emprstimo do Eric J.
Hobsbawm:
A nao a comunidade de cidados de um Estado, vivendo sobo mesmo regime ou governo e tendo uma comunho deinteresses, a coletividade de habitantes de um territrio comtradies, aspiraes e interesses comuns, subordinados a umpoder central que se encarrega de manter a unidade do grupo(HOBSBAWM, 1990, p. 28).
O Brasil e o Haiti so naes formadas e orientadas por um forte
fundamento de matriz africana, oriundo de seu passado colonial que at hoje
afeta profundamente as bases culturais dessas naes. Esta pesquisa pretende,
a partir deste momento inicial comum, observar as semelhanas e diferenas na
cultura dos dois pases, desde a basilar diferena do tipo de rompimento colonial
at a consequente estruturao do Estado nacional.
Partir-se- da hiptese de, apesar dos diversos processos histricos pelosquais passaram as duas naes, elas guardaram vrias semelhanas nos
aspectos religiosos, devido matriz africana subjacente a suas estruturaes em
Estados-nao. Contudo, pensa-se que, no aspecto religioso, o desenvolvimento
6# L&06#$B+: "#$# *P%'*--C# 6* 2B'&-1+1&016&6*3> %#' $*1# 6# 9.&+ # B'&-1+*1'#
se revela ou como uma religio nacional, no Brasil foi sufocada pela dominao
de outra cultura, de matriz europeia.
Na pesquisa bibliogrfica, percorremos vrias obras, algumas
imprescindveis para o andamento do trabalho e nos surpreendemos com a
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quantidade de produes a respeito do negro, incluindo publicaes sobre
religiosidade, produo literria, posio em face da educao, da cultura etc.
Para compreender a questo histrica do Haiti, trazemos as discussesrealizadas por diversos autores no sentido de compreender a Revoluo haitiana,
especialmente a contribuio do africano e seus descendentes nas Amricas ao
construir essa Repblica Negra. Para isso, recorremos s obras de James (2000),
de Carpentier (1955) e de Csaire (1961).
Os elementos identitrios da cultura afro no Haiti foram observados a partir
das obras de alguns intelectuais haitianos como Price-Mars (1998), Hurbon (1979,
2000). Assim, cabe ressaltar a importncia das reflexes acerca da construo da
identidade do afrodescendente no Haiti. Nesse sentido, levamos em considerao
os diversos elementos culturais e identitrios, como a religio Vodu e a lngua
Crole, j trabalhados, entre outros, por Price-Mars (2009), Hurbon (1979, 2000) e
Mtraux (1958).
Recorremos ao conceito de nao na obra de Hobsbawm (1990). Para
&%'#)*15&' & *P%'*--C# 6*+*> 2& 0&?C# : .$& *0516&6* -#"1&+ &%*0&- 9.&06#relacionada a uma certa ;#'$& 6* Q-5&6# 5*''15#'1&+ $#6*'0#> # RQ-5&6#-0&?C#S *
0C# ;&T -*0516# 61-".51' 0&?C# * 0&"1#0&+16&6* ;#'& 6*--& '*+&?C#3 4UFVWVKXY>
Z[[\> %= Z[8= W*7.06# *+*> # -1701;1"&6# ;.06&$*05&+ 6* 20&?C#3 * 5&$B:$ # $&1-
frequentemente ventilado na literatura, er& %#+ Z[[\> %= ]^8=
J no tangente construo identitria do afrodescendente enquanto
colonizado e desconstruo da estrutura colonial, proposta no enfoque do
presente projeto, os trabalhos de Laferrire (1985), Babha (1998), Fanon (1952)
so indispensveis. Vale ressaltar que a abordagem do processo histrico e da
escravido no Brasil delineiam-se nas obras de Fausto (1997), Sodr (1987),
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Mota (2000), Freitas (1982), entre outros mais pontuais. Elas servem de
referencial terico para a abordagem da questo da escravatura no Brasil.
Ao analisar o fenmeno das relaes tnico-raciais no Brasil, partimos deautores como Hasenbalg (1979), Nogueira (1985), Cardoso e Ianni (1960),
Sansone (2004), Hofbauer (2006) e Guimares (2002 e 2004). Nas relaes de
condies sociais, desigualdade social e racial, com o branqueamento, a
contribuio conceitual de Guimares (2002) merece uma anlise atenta quando
afirma:
A invisibilidade da discriminao racial no Brasil se deve ao fato
de que os brasileiros, em geral, atribuem discriminao declasse a destituio material a que so relegados os negros. O5*'$# 2"+&--*3> .51+1T&6# 6*--& $&0*1'&> %&--& & -1701;1"&'> mesmo tempo, condio social, grupo de statusatribudo, grupode interesses e forma de identidade social. Alm disso, paramuitos, falar em discriminao racial significaria incorrer numequvoco terico, j que no existem raas humanas(GUIMARES, 2002, p. 47).
Na anlise e discusso das transformaes pelas quais passa a sociedade
contempornea, a fragmentao da identidade cultural, enquanto construo
histrica, social e poltica, em estudos realizados especialmente por autores como
Hall (2006), Cuche (2002), Babha (1998), Barth (1995), eles ressaltam: a
identidade resulta de uma construo social, ela faz parte da complexidade do
social. Querer reduzir cada identidade cultural a uma definio simples, seria no
levar em conta a heterogeneidade de todo o grupo social. Hoje como nunca,
nenhum grupo, nenhum individuo est fechado a prioriem uma identidade s. A
identidade se constri, se desconstri e se reconstri segundo as situaes. Ela
est em constante movimento; cada mudana social leva-a a se contextualizar de
maneira diferente.
A concepo de Hall acerca da identidade cultural aponta a delineao de
uma identidade cultural fragmentada na ps-modernidade. Segundo ele:
A identidade realmente algo formado, ao longo do tempo,atravs de processos inconscientes, e no algo inato, existentena conscincia no momento de nascimento. Existe sempre algo21$&710('1#3 #. ;&05&-1&6# -#B'* -.& .016&6*= Q+& permanece-*$%'* 10"#$%+*5&> *-5( -*$%'* 2*$ %'#"*--#3> -*$%'* 2-*06#;#'$&6&3 (HALL, 2006, p. 38).
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Explicar essas questes, neste trabalho, de fundamental importncia
para definir o entendimento com o qual se est tratando um conceito de
identidade e cultura, com base numa concepo relacional e construtivista e,
sobretudo, por tratar-se de um trabalho voltado ao sujeito afrodescendente num
mundo hoje to mundializadocomo o nosso.
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram omundo social, esto em declnio, fazendo surgir novasidentidades e fragmentando o indivduo moderno, at aqui visto"#$# .$ -._*15# .01;1"&6#= K &--1$ "@&$&6& 2"'1-* 6*16*0516&6*3 : )1-5& "#$# %&'5* 6* .$ %'#"*--# $&1- &$%+# 6*mudana, que est deslocando as estruturas e processoscentrais das sociedades modernas e abalando os quadros de
referncia que davam aos indivduos uma ancoragem estvel nomundo social(HALL, 2006, p. 7).
Afinal, o que identidade cultural? O que identidade cultural afro? O que
identidade cultural afro no Haiti e no Brasil? A situao das relaes raciais e da
formao da identidade cultural do afrodescendente no Brasil uma prova de a
relao entre a comunidade, a etnicidade e a prtica cultural sempre ter sido mais
complexa do que se costuma sugerir, embora essa complexidade venha, sem
sombra de dvida, aumentando. Hoje em dia, parecemos mais inclinados a lidarcom tal complexidade, talvez por estarmos enfrentando uma nova disjuno entre
essas trs categorias, em consequncia da modernidade tardia.
A partir da dcada de 60, alguns antroplogos passaram a recorrer ao
conceito de identidade, pois sentiam que a noo de cultura j no dava conta de
analisar todos os dinamismos observados no mundo emprico. Percebemos que,
no mundo moderno, intensificaram-se os contatos entre pessoas de provenincias
distintas e criara-se uma mobilidade cada vez maior dos seres humanos a ponto
de, muitas vezes tornar-se difcil traar os limites de determinada cultura. Ou seja,
descobriu-se ser perfeitamente possvel dois grupos compartilharem os mesmos
2)&+#'*- ".+5.'&1-3 4$*-$& + $*-$& '*+171C#8 *> 0# *05&05#> 2-*051'*$--*3
diferentes um do outro. Detectou-se, pois, que a correlao entre espao, grupo e
cultura, como concebida nas definies do conceito de cultura at ento, j no
correspondia realidade.
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As duas ltimas dcadas assistiram a uma srie de novos fenmenos em
5#'0# 6& 16*0516&6* ".+5.'&+ &;'#> 5'&T*06# ` 5#0& & &;1'$&?C# 6* U&++E 2&-
identidades modernas esto sendo descentradas, isto , deslocadas ou
;'&7$*05&6&-3 4UKMM> ^\\a> %= b8= F $#)1$*05# 0*7'# "#0510.& & "'*-"*'> 6*05'#
do processo global de democratizao e renovao da vida poltica brasileira,
conseguindo, vez por outra, incluir o quesito da discriminao racial nos projetos
de sindicatos, partidos polticos e igrejas. At os meios de comunicao
comearam a demonstrar uma sensibilidade maior questo racial (afro).
Em Negritude Sem Etnicidade, Lvio Sansone (2003, p. 10) afirma:
Nas duas ltimas dcadas, a maioria dos pesquisadores deestudos tnicos no Brasil tem feito um grande esforo para tentaralterar a autoimagem brasileira com respeito diversidade tnica.Isso tem sido feito porque eles esto convencidos de que o Brasil ou deveria ser um pas multicultural e talvez at multitnico,apesar de sua celebrao da mistura racial e tnica nos discursosoficiais e populares sobre o tecido da nao e seu povo.
O que est em jogo na identidade cultural do afrodescendente? Hoje, mais
do que nunca, identificar-se como afrodescendente participar da dinmica
sociopoltica brasileira e dos acontecimentos internacionais que cercam o
Atlntico Negro. E a cultura afro, obviamente, no esttica. A partir do orgulho
de sua cultura, os afrodescendentes procuram relacionar-se com os no
afrodescendentes a partir de uma posio de fora. Os smbolos e artefatos
associados cultura afro tornam-se mais visveis do que nunca: as cores do ax,
os penteados rastafri, cabelo crespo, tranas, a roupa em estilos inspirados na
frica e a roda de capoeira, para citar apenas os exemplos mais destacados.
Em que perspectiva queremos estudar os elementos identitrios da cultura
afro? E que identidade essa? A questo da identidade cultural remete, em
primeiro momento, questo mais abrangente da identidade social, da qual ela
um dos componentes. Podemos pensar isso nos termos de Cuche (2002), que
caracteriza a identidade social de um indivduo pelo conjunto de suas vinculaes
em um sistema social: vinculao ao gnero, idade, a uma classe social, a uma
nao etc. Ele escreve que a identidade permite ao indivduo localizar-se em um
sistema social e ser localizado socialmente.
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Diramos que a identidade social no diz respeito simplesmente aos
indivduos. Qualquer grupo tem uma identidade correspondente sua definio
social, ela permite situ-lo no conjunto social. A identidade social antagnica a
outras, ela inclui e exclui ao mesmo tempo, na medida em que ela permite a um
grupo se identificar enquanto grupo (so membros do grupo os idnticos sob um
certo ponto de vista) e o distingue dos outros grupos. Nesse sentido, a identidade
cultural se apresenta como uma modalidade de categorizar a distino entre eu e
ele, ns e eles, baseada na diferena cultural. No grupo tnico se partilham as
emoes e as solidariedades. Definida deste modo, a identidade cultural vista
como um elemento essencial inerente ao grupo porque transmitida por ele e no
seu interior, sem referncias aos outros grupos. A identificao automtica.
Existem duas concepes da identidade cultural. Uma concepo
objetivista, trata todos os casos de definir e de descrever a identidade a partir de
.$ "*'5# 0D$*'# 6* "'15:'1#- 6*5*'$10&05*-> "#0-16*'&6#- "#$# 2#B_*51)#-3E &
origem comum, a lngua, a cultura, a religio, o compartilhar o mesmo territrio
etc. Para os objetivistas, um grupo sem lngua prpria, sem cultura prpria, sem
territrio prprio e mesmo sem fentipo prprio, no pode pretender constituir um
7'.%# *50#".+5.'&+= cC# %#6* '*1)1061"&' .$& 216*0516&6*".+5.'&+ &.5/051"&3=
Tais definies so muito criticadas pelos defensores de uma concepo
subjetivista da questo da identidade. A identidade cultural, segundo eles, no
pode ser reduzida sua dimenso atributiva: no uma identidade recebida
definitivamente. Encarar o fenmeno dessa forma consider-lo como um
fenmeno esttico, que remete a uma coletividade definida de maneira invarivel,
ela tambm quase imutvel. Para estes analistas, o importante so asrepresentaes que os indivduos fazem da realidade social e de suas divises.
c&- %&+&)'&- 6* U&++ 4^\\a> %= ][8 2*$ )*T 6* ;&+&' 6& 16*0516&6* "#$# .$& "#1-&
acabada, deveramos falar de identificao e v-la como um processo em
&06&$*05#3=
A identidade um construto elaborado em uma relao que ope um grupo
aos outros grupos com os quais est em contato. Deve-se esta concepo de
identidade como manifestao relacional a Frederik Barth. Ela permite superar a
viso objetivista e subjetivista da identidade cultural. Para Barth, deve-se tentar
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entender o fenmeno da identidade atravs da ordem das relaes entre os
grupos sociais. Para ele, a identidade um modo de categorizao utilizado pelos
grupos para organizar suas trocas.
Em consequncia disto, para o autor, os membros de um grupo no so
vistos como definitivamente determinados por sua vinculao etnocultural, pois
eles so os prprios atores que atribuem um significado a esta vinculao, devido
situao relacional em que eles se encontram. Deve-se considerar que a
identidade se constri e se reconstri constantemente no interior das trocas
sociais. Esta concepo dinmica se ope quela que v a identidade como um
atributo original e permanente sem possibilidade de evoluir. Nesta perspectiva, aidentidade existe sempre em relao com a outra, sem a outra ela no existe. Ou
seja, identidade e alteridade so ligadas e esto em uma relao dialtica.
Depois dessa reflexo sobre as identidades culturais, cabe salientar que
ela no existe em si mesma, nem para si, fixa, determinada. No pretendemos
achar respostas prontas s identidades culturais, e muito menos s identidades
culturais afro no Haiti e no Brasil. Qual o motivo dessa sensao de
despedaamento das identidades culturais que atravessa as culturas? Como
observa Hall (2006, p. 88),
em toda parte, esto emergindo identidades culturais que noso fixas, mas que esto suspensas, em transio, entrediferentes posies; que retiram seus recursos, ao mesmo tempo,de diferentes tradies culturais; e que so o produto dessescomplicados cruzamentos e misturas culturais que so cada vezmais comuns num mundo globalizado.
F $*-$# &.5#' &"'*615& 9.* 2*--* %'#"*--# %'#6.T # -._*15# %d--moderno,
conceptualizado como no tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A
identidade torna--* .$& "*+*B'&?C# $d)*+3 4UKMM> ^\\a> %= Z^-13). Podemos
acumular vrias identidades, pessoais ou partilhadas, quer digam respeito a
grupos de pertencimento ou a nossas caractersticas individuais, definidoras de
nossa maneira de ser e agir. Nesse sentido, podemos dizer que as identidades
so uma inveno ou uma construo imaginria de sentido, sem tal concepo
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envolver fantasia total ou delrio absoluto. H sempre um fio-terra a nos ligar ao
mundo do concreto, e faz tais elementos comparecerem na construo imaginria
como integrantes de uma determinada identidade: o carnaval, o futebol e a praia
para a viso do nacional brasileiro, por exemplo, ou o cavalo, a guerra e o
churrasco para a identidade gacha.
Ou seja, so coisas, fatos, personagens e performances de uma realidade
atual ou acontecida. Entretanto, nenhum processo identitrio uma cpia ou
reflexo do real, mas sim, uma sua representao. Ou seja, uma construo
simblica portadora de significados que qualificam o mundo. inveno sim, mas
a partir do existente, em processo de criao do qual participam no s oselementos presentes em um inconsciente coletivo ou subjetivo como tambm os
traos de intenes deliberadas e de prticas construtoras das iluses do esprito.
As identidades ao construir uma sensao de pertencimento e produzir
coeso social, so representaes dotadas de imensa fora simblica, pois guiam
o olhar e a apreciao do mundo, fazendo-nos enxergar as realidades, os outros
e ns mesmos desta ou daquela maneira. Como construtoras do mundo e
integrantes deste sistema de ideias e imagens a que chamamos de imaginrio, as
identidades se colocam no lugar do real. Elas so, para ns, a verdadeira
realidade, aquela na e da qual vivemos.
Dessa inveno ou construo imaginria de pertencimento resultam
esteretipos, capazes de acentuar certos traos do tipo caracterstico cultural ou
nacional, de maneira caricatural, salientando formas de proceder, principais
valores partilhados ou aparncia fsica. Nessa medida, o esteretipo um visperverso da identidade, pois representa uma crtica a um perfil identitrio
autoatribudo, revelando como os outros nos vem. Defrontamo-nos, pois, com a
alteridade que observa e revela a identidade em questo, em seus traos menos
favorveis. Desse modo, preciso convir que somos, queiramos ou no, um
pouco da maneira como os outros nos vem.
As identidades culturais afro no Haiti e no Brasil de hoje no mais como
era antes. No mais a mesma de h 25 anos. Sociedade e cultura complexa
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vivendo em ritmo acelerado de transformaes e mudanas! Mas que identidade
cultural esta? A isto nossa pesquisa procura responder.
O tema dos elementos identitrios da cultura afro emerge como conceito-;#'?& %&'& & "#$%'**0-C# 6# *017$& 6* 2-*' &;'#6*-"*06*05*3 0# U&151 * 0#
Brasil contemporneo. Reconhecemos a situao de crise e de impasse vivida no
presente imediato. Destacamos as conquistas positivas acumuladas pelos
afrodescendentes na ltima dcada e, ao mesmo tempo, tecemos um panorama
sombrio da realidade circundante desses ltimos na dispora.
Existe uma identidade nacional brasileira? Ao nela pensarmos, uma
primeira questo fundamental colocada: datarmos o surgimento da nao
brasileira. Demasiadamente complexa, a questo , na atualidade, muito discutida
no meio acadmico. H, com diferentes nuances, um certo consenso sobre a
nao brasileira comear a ser construda dentro do perodo imperial e
concretizar-se, em um projeto estatal, atravs de uma massificao no imaginrio
social, em torno dos anos 30.
A partir da vinda da famlia real portuguesa j se pode perceber umatentativa de definir as especificidades do Brasil. Com a formao do Instituto
Histrico Geogrfico Brasileiro, durante o perodo imperial, tm-se importantes
contribuies para o comeo da construo de uma identidade nacional.
Conforme Renato Ortiz (2001), um elemento fundamental da construo da
identidade nacional brasileira a partir dos anos 30 a insero de smbolos de
segmentos populares como definidores da nao. Esse processo no foi apenas
uma manipulao poltica ou imposio de um estado autoritrio, mas houve
intensas lutas e negociaes, mesmo no sendo oficiais, quando estiveram em
jogo diversas representaes. Nesse sentido, os anos 30 marcaram a insero de
smbolos populares: o carnaval, o futebol e o samba como definidores da
identidade nacional brasileira, e as grandes questes sobre o Brasil passam para
o senso comum atravs dos chamados, na falta de outra expresso melhor, de
2$*1#- 6* "#$.01"&?C# 6* $&--&3=
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O conceito de cultura conserva atualmente toda a sua utilidade para as
Cincias Sociais. A desconstruo da ideia de cultura subjacente aos primeiros
.-#- 6# "#0"*15#> $&'"&6& %#' .$ *--*0"1&+1-$# * %*+# 2$15# 6&- #'17*0-3>
supostamente puras, de toda cultura, foi superado por um avano epistemolgico.
A dimenso relacional de todas as culturas pode assim ser evidenciada.
O deslocamento epistemolgico no apenas incentivou redefinies de
conceitos-chave analticos, como promoveu tambm substituies de conceitos
paradigmticos. Essas, porm, foram apenas parciais: hoje constatamos que, no
mundo ocidental, raa, cultura e identidade convivem na linguagem do cotidiano e
tambm em muitos trabalhos acadmicos. Enquanto no formos capazes deredescobrir a negritude como valiosa, no teremos chance de saber quem somos:
brancos, negros e mulatos. Tudo no passar de dissimulao para encobrir a
dominao do outro e a nossa prpria identidade.
No fizemos uma pesquisa etnogrfica para realizar o estudo, portanto,
no poderamos dispensar a leitura de trabalhos relevantes sobre o universo
religioso do Vodu e do Candombl como os de Jean Price Mars, Lennec Hurbon,
Alfred Mtraux, Roger Bastide, Pierre Verger, Luis Nicolau Pars, Reginaldo
Prandi etc.
Assim sendo, dentro da proposta de explorar elementos identitrios da
cultura afro, nessas duas naes, como categorias sociolgicas, antropolgicas e
historicamente construdas, pretendemos, atravs do marco terico, atender e
exprimir a questo principal desta pesquisa: delinear possveis semelhanas e
diferenas da identidade cultural afro no Haiti e no Brasil, particularmente nosaspectos religiosos, com o objetivo de explorar questes sobre Vodu e
Candombl.
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MTODO DE PESQUISA
A presente proposta de pesquisa objetiva compreender os fatos
relacionados temtica dos elementos identitrios da cultura afro no Haiti e noBrasil, a fim de demonstrar a importncia do tema, partindo das possveis
semelhanas e diferenas nos aspectos religiosos, e da explorao de questes
sobre identidade cultural, Vodu e Candombl.
Nesse sentido, esta pesquisa uma reviso bibliogrfica e uma
interpretao minuciosa das obras que j abordaram a questo. Ao pensar o
quesito campo de pesquisa qualitativa, remete-se discusso de Minayo (2000,
%= Z\e8> 2Q05*06*$#- %#' "&$%#> 0& %*-9.1-& 9.&+15&51)&> # '*"#'5* *-%&"1&+
correspondente abrangncia, em termos empricos, do recorte terico relativo
#B_*5# 6& 10)*-517&?C#3=
Diante do exposto at aqui, compreende-se que, para uma pesquisa com a
nossa temtica, a melhor tipologia de investigao a qualitativa, por demonstrar
a necessidade da compreenso de aspectos relacionais e conjunturais, o que
somente com nmeros no pode ser decifrado.
Utilizamos, como instrumento de coleta de dados para a formulao da
pesquisa, o levantamento bibliogrfico. Ele consiste, conforme Gil (1996, p. 44) na
2&0(+1-* 6&- 61)*'-&- %#-1?A*- &"*'"& 6* .$ %'#B+*$&3> #. -*_&> B.-"&$#-
materiais j elaborados como obras antigas, livros e artigos atuais, entre outros,
para colher as informaes de que precisamos na formulao da pesquisa. Alm
disso, publicaes peridicas como jornais e revistas foram utilizadas, pois elas,
devido sua rapidez e elaborao, constituem fontes atualizadas e importantes
de informao.
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ORGANIZAO DA PESQUISA: DISTRIBUIO DOS CAPTULOS
Quanto estrutura deste trabalho, ele est dividido em trs captulos
apenas. Fizemos uma breve apresentao, na qual demos nfase ao mtodoadotado na nossa investigao, isto , o problema de pesquisa, apresentado
como uma necessidade de investigar as semelhanas e as diferenas nos
elementos identitrios da cultura afro no Haiti e no Brasil, especificamente em
relao religio Vodu e ao Candombl. A seguir, esto os objetivos (geral e
especficos), a justificativa, a hiptese, o referencial terico, configurando a base
metodolgica. Destacamos ainda nessa parte, a pesquisa qualitativa como norte
de construo deste trabalho e instrumento principal para realizar nossainvestigao.
No primeiro captulo, apresentamos as categorias explicativas da realidade
histrica haitiana com suas respectivas anlises, demonstrando as primeiras
conceituaes tericas e estruturadoras de nossa pesquisa. Assim, tornam-se
elementos de discusso: a Revoluo haitiana at a crise de 2004, quando iniciou
a participao do Brasil nas Tropas na MINUSTAH; a identidade cultural afro no
Haiti; o debate acerca da construo identitria do afrodescendente na sociedade
colonial e o processo de desconstruo atravs do ps-colonialismo, questes s
quais se deu grande nfase.
No segundo captulo, analisamos a formao histrica do Brasil colnia at
o processo de democratizao do pas. Logo, estabelecemos algumas
aproximaes entre as duas naes a partir de seu rompimento colonial com o
movimento de resistncia chamada de marronageno Haiti e quilombono Brasil.Enfim, apresentamos as relaes tnico-raciais no pas e destacamos as
categorias como raa no pas e nao como denominao tnica e religiosa.
No terceiro captulo, analisamos os trabalhos mais importantes de autores
que fizeram abordagens significativas no estudo das religies afro-latino-
americanas, particularmente quanto ao Vodu e ao Candombl. Sem a pretenso
de esgotar o assunto, elaboramos um balano crtico da produo acadmica
sobre este tema. Tal anlise foi importante para os objetivos especficos do nosso
trabalho, pois permitiu avaliar trabalhos j desenvolvidos sobre o culto Vodu e o
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Candombl e nos ajudou a realizar um levantamento das principais semelhanas
e diferenas entre estes dois universos espirituais encontrados na literatura, para
compreender esses dois campos msticos carregados de simbologia e mitos.
Existe evidentemente, vasta bibliografia sobre religies afro-brasileiras que se
aproxima do nosso tema e no ser discutida neste trabalho, pois nos limitaremos
a autores que se ocuparam mais em pesquisar sobre o Candombl.
Considerando o que foi mencionado no pargrafo anterior, sabemos que h
vrias formas de expresses religiosas afro-brasileiras e de nenhuma maneira
0.$& )1-C# *50#"/05'1"&> %'*5*06*$#- 5#$&' # L&06#$B+: "#$# 2&3 '*+171C# &;'# -
brasileira, colocando-a como o centro das religies afro-brasileiras. Estamoscientes da existncia das diferentes religies afro-brasileiras, mas optamos pelo
Candombl como pilar dessa aproximao com o Vodu, tendo em vista que a
nao jeje do candombl tem a mesma raiz subjacente que o Vodu do Haiti.
So vrias as premissas que nortearam esta investigao:
a) duas expresses religiosas teisto-animistas oriundas do continente
africano atravs do trfico negreiro transatlntico, com influncias diferentesdevido as suas adaptaes no contexto latino-americano. nesse sentido que a
proposta do nosso trabalho e do marco terico utilizado analisa o Vodu e o
candombl enquanto processos de continuidade e descontinuidade, ou seja, no
analisamos essas expresses identitrias religiosas s a partir do africanismo, da
"#0510.16&6* 6&- ;#'$&- ".+5.'&1- &;'1"&0&- * & 25*0&"16&6* 6& 5'&61?C#3> B*$
como as transformaes ocorridas no processo de transferncia, concluindo que
a experincia das Amricas diluiu o legado africano. Salientamos que os doisprocessos no so antagnicos ou excludentes, a segunda perspectiva no
descarta a continuidade com a frica, mas enfatiza os processos de mudanas
culturais que, no novo contexto colonial, modificaram consideravelmente algumas
prticas rituais, mantendo outras e buscando paralelos entre diferentes tradies
religiosas. No trabalho no pretendemos caracterizar o essencialismo, mas
propomos manter o dilogo entre esses dois processos, defendemos a
necessidade de entender a simultaneidade ou sincronia dos processos de
continuidade e descontinuidade, assim como a necessidade de entender a
proporo entre essas dinmicas.
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b) Cada uma das formas culturais religiosas sofreu e se transformou de
acordo com as condies histrico-sociais que encontraram em cada estado-
nao. Dessa situao, decorreram suas semelhanas e evidncias das
diferenas que so abordadas no trabalho: Vodu teve mais espao na Revoluo
dos escravos da colnia francesa que se tornou Haiti; desenvolveu-se ao longo do
sculo XIX e XX, chegando a ser oficializada. O Candombl at meados da
segunda metade do sculo XX, teve que se esconder atrs da fachada do
espiritismo. Houve um processo de reafricanizao e hoje religio de
valorizao das origens africanas, com aderncia de um nmero significativo de
adeptos brancos e de pessoas pertencentes a vrias classes sociais.
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1. A FORMAO DA SOCIEDADE HAITIANA E AS HERANAS
IDENTITRIAS CULTURAIS AFRO
O escravo revoltado no buscava uma espcie dereconhecimento de parte do senhor, uma aliana com ele, masqueria o desaparecimento do modo de produo escravagista,portanto, a supresso dos colonos (HURBON, 1979, p. 105,traduo do autor).
Neste captulo, abordaremos aspectos histricos da Revoluo Haitiana at
a presena das Tropas MINUSTAH das quais o Brasil faz parte em posies de
comando, na busca por elementos que permitam melhor compreenso dosresultados da pesquisa sobre identidade cultural afro e sistemas religiosos como
concepes do mundo: o Vodu no Haiti e o Candombl no Brasil.
Iniciaremos apresentando a linha histrica do pas e sua implicao
epistemolgica, trazendo os principais elementos constituintes da nao haitiana
e evidenciando o que est presente na identidade cultural hodierna do negro
haitiano. Fecharemos o captulo apresentando as principais contribuies de
autores que j abordaram as especificidades da construo das identidades do
afrodescendente no processo colonial e ps-colonial.
Falar em Revoluo Haitiana ou Revoluo de So Domingos usar uma
expresso que abrange os fatos acontecidos na colnia francesa a partir de 1789
at a proclamao da Independncia do Haiti em 1 de janeiro de 1804. Ainda
mais, anunciar a tentativa de desconstruo do regime colonial escravagista e
racista da dominao francesa no sculo XVIII, concretizada pelos antigosescravos.
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1. 1 A REVOLUO HAITIANA E A REPBLICA NEGRA
Antes de avanar do ponto de vista analtico sobre a contextualizao
histrica do Haiti para entender o fenmeno religioso Vodu, apresentaremos umesquema cronolgico das datas que acreditamos as mais importantes na histria
desse pas.
1492: Colombo chega Amrica. Em sua primeira viagem, aporta ilha
Hispaniola, aos atuais pases chamados Haiti e Repblica Dominicana, no dia 5
de dezembro.
1654: A Espanha toma a ilha de Tortuga, ao norte da ilha Hispaniola, deacordo com os historiadores ingleses. Tortuga servia de abrigo a piratas que
contrabandeavam carne defumada ou boucan; por essa razo, eram chamados
de bucaneiros.
1665: Os franceses se estabelecem em Tortuga.
1670: Lus XIV autoriza o trfico negreiro da frica para as colnias.
1697: Os franceses se estabelecem em Saint Domingue (So Domingos),
parte da Hispaniola cedida pelos espanhis de acordo com o tratado de Ryswick.
1743: Nascimento de Toussaint L`Ouverture.
1758: Suplcio de Mackandal, lder negro que utilizava o Vodu, em So
Domingos.
1789: Revoluo Francesa.
1789-91: Assembleia Constituinte na Frana.
1789: Repercusso em So Domingos da Revoluo Francesa.
1791: A Assembleia Constituinte estabelece a igualdade de direitos em So
Domingos. Revolta e morte de Boukman. Rebelio dos escravos no Sul e no Lado
Ocidental.
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1801: Toussaint proclama uma Constituio.
1802: Bonaparte envia uma armada para So Domingos. Lerclerc, general
de Napoleo, alcana a vitria. Toussaint levado para a Frana.
1803: Toussaint morre em Fort de Joux aos 27 de abril.
1804: Jean Jacques Dessalines proclama a independncia do Haiti.
1806: Morte de Dessalines. Haiti se divide em dois: o Norte comandado
por Henri Christophe e o Sul, por Alexandre Sabs Ption.
1822: Jean Pierre Boyer, presidente do Haiti, reunifica a ilha, isto , Haiti
com a Repblica Dominicana. Independncia do Brasil e do Equador.
1915 -1934: Interveno norte-americana.
1957: Governo de Franois Duvalier, no Haiti; alcunhado de papa Doc,
ditador. Governou por meio de represso, utilizando-se do Vodu e de uma guarda
pessoal: ostontons macoutes.
1990: Jean Bertrand Aristide eleito Presidente do Haiti.
1991: Aristide derrubado por um golpe de Estado.
1994: Aristide retorna ao poder.
1995: Ren Prval eleito Presidente do Haiti.
2000: Jean Bertrand Aristide eleito Presidente do Haiti.
2004: A sada do Aristide no poder e a chegada da MINUSTAH no Haiti.
Procurando compreender, de maneira detalhada, a histria do Haiti,
salientamos que Cristvo Colombo pisou pela primeira vez em terras do Novo
Mundo na ilha de So Salvador e saiu procura de ouro. Os nativos eram
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amistosos, indicaram-lhe o Haiti3, uma grande ilha, rica, diziam, do metal amarelo.
Ele navegou para o Haiti. Quando um de seus navios naufragou, os indgenas dali
o ajudaram.
Os espanhis anexaram a ilha, qual chamaram de Hispaniola e tomaram
os seus nativos sob a sua proteo. Introduziram o cristianismo, o trabalho
forado nas minas, o assassinato, o estupro, os ces de guarda etc.
Segundo James (2000), em 1629, alguns aventureiros franceses
encontraram um lar na pequena ilha de Tortuga, distante nove quilmetros da
costa norte de So Domingos, e a eles seguiram-se os ingleses e os holandeses.
Para Tortuga vieram fugitivos da justia, escravos que escapavam das gals,
aventureiros procura da sorte ou da fortuna. Franceses, britnicos e espanhis
trucidaram-se por aproximadamente trinta anos. Os ingleses assumiram de fato a
posse de Tortuga durante um certo tempo, mas em 1659 os bucaneiros franceses
prevaleceram.
Os franceses responderam s necessidades econmicas da ilha: primeiro,
com o cultivo do cacau; depois, com o do anil e do algodo. J conheciam a cana-de-acar. Devido falta de capital, invadiram a ilha inglesa da Jamaica e
roubaram dinheiro e dois mil negros. Franceses, ingleses e espanhis invadiam e
tornavam a invadir o territrio e queimavam tudo. Mas, em 1695, o Tratado de
Ryswick4entre Frana e Espanha deu aos franceses, direito legal sobre a parte
ocidental da ilha.
Em 1734, os colonizadores comearam a cultivar o caf. A terra era frtil e
a Frana oferecia um bom mercado. Mas eles tinham falta de mo de obra. Alm
de negros, trouxeram brancos, os engags5, que poderiam ser libertados depois
de um perodo de alguns anos. Negros foram trazidos da frica com a justificativa
de serem brbaros. As primeiras leis prescreviam regulamentos semelhantes
tanto para escravos negros como para brancos engags. Mas, sob o regime de
3 Significa terra montanhosa na lngua dos tanos (habitantes da Ilha antes da chegada de CristvoColombo). O pas ocupa um territrio de 27.750 km2 e tem aproximadamente 9 milhes de habitantes.4Esse tratado foi assinado na cidade de Ryswick, na Holanda, de 20/9 a 30/10/1697, que ps fim guerra decoalizo dos Augsburgos entre Luis XIV da Frana e a Grande Aliana (Ver James, 2000).5 Os brancos engags eram aqueles que foram trazidos da Europa na situao de endividados, devendotrabalhar a fim de quitar suas dvidas.
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trabalho daqueles dias, os brancos no puderam suportar o clima. Assim, os
escravagistas passaram a trazer mais e mais negros, em uma quantidade que
aumentava em milhares a cada ano.
Em Os Jacobinos negros, James (2000) salienta que nos navios, os
escravos eram espremidos nos pores uns sobre os outros dentro de galerias. A
cada um deles era dado um metro a um metro e meio apenas de comprimento e
de meio metro a um metro de altura, de tal maneira que no podiam nem se deitar
ao comprido nem se sentar com a postura reta. Ao contrrio das afirmaes
espalhadas to insistentemente sobre a docilidade do negro, as revoltas nos
portos de embarque, a bordo, eram constantes. Por isso, os escravos tinham deser acorrentados: a mo direita perna direita, a mo esquerda perna
esquerda, e atrelados em colunas a longas barras de ferro. Nessa posio eles
permaneciam durante a viagem, sendo levados ao tombadilho uma vez por dia
%&'& -* *P*'"15&' * %*'$151' 9.* #- $&'10@*1'#- 2+1$%&--*$ #- B&+6*-3=
Toda a Amrica comprava escravos. Quando o navio alcanava o porto, a
carga era levada s docas para ser vendida. Os compradores examinavam-na
procura de defeitos: olhavam os dentes, beliscavam a pele e, ocasionalmente,
provavam o suor para ver se o sangue do escravo era puro e se a sua sade era
to boa quanto a sua aparncia. Ento, aps realizar os exames, tendo-se
5#'0&6# %'#%'1*6&6* 6# ;'*7./-> .0- 2%#6*'1&$ -*' $&'"&6#-3 *$ &$B#- #- +&6#-
do peito com um ferro em brasa.
Naturalmente, havia todo tipo de homem entre os escravos, desde antigos
chefes tribais, como era o caso do pai de Toussaint L`Ouverture
6
, at homens quetinham sido escravos em seus prprios pases. James (2000, p. 31) afirma que o
crioulo7!negro criado nas Amricas !era mais dcil do que o escravo nascido
6Toussaint L`Ouverture foi um ex-escravo e lder da revolta haitiana no sculo XVIII. Ele nasceu em 20 demaio de 1743 e morreu em ! #$ %&'() #$ *+,- .% /'(012 342'5-de-62789 .% 4'%.:%; '(2))2C 3negro criado - .% >%0% #2 0$.B2'9. Fala-se hoje de
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na frica. Alguns diziam ser mais esperto: at pela convivncia com os colonos,
ele sabia dos seus costumes e isso o ajudou a inserir-se mais facilmente na
sociedade colonial. Outros duvidavam que houvesse muitas diferenas, embora o
escravo crioulo conhecesse a lngua e estivesse mais familiarizado com o
ambiente.
Os povos africanos, antes da invaso colonial europeia, dispunham de uma
grande riqueza cultural, tendo criado, ao longo de sua histria, diversos modos de
viver e formas de representar o mundo e o homem. No se pode pensar a frica
como uma unidade cultural. Povos com lnguas, crenas, tcnicas, costumes e
histrias diferentes a habitavam. A desconsiderao, por parte do europeu, com acultura dos povos africanos negros fez que, durante muito tempo, no se
pensasse em termos de frica histrica, considerando-& "#$# .$& 2%(710& *$
branc#3=
Em Os Jacobinos negros, C. L. R. James mostra que nem todos os
escravos, entretanto, submetiam-se a esse regime. Havia uma pequena casta
privilegiada: capatazes das turmas, cocheiros, cozinheiros, serviais, enfermeiras
e outros criados domsticos. Esses retribuam o bom tratamento recebida com
vida comparativamente mais fcil em relao aos escravos do eito, com certo
apego aos seus senhores. Impregnados dos vcios de seus senhores e senhoras,
esses escravos de altos postos davam-se ares de arrogncia e desprezavam os
escravos do eito.
Henry Christophe, mais tarde Imperador do Haiti, era um escravo que
trabalhava como servente em um hotel pblico em Cabo Franois e, nessafuno, aproveitou para adquirir conhecimentos sobre as pessoas e sobre o
mundo. Toussaint L`Ouverture8 tambm pertenceu a essa pequena casta
privilegiada. Seu pai, filho de um pequeno chefe na frica, depois de aprisionado
na guerra e vendido como escravo, fez a viagem num navio negreiro. Foi
comprado por um colono que, reconhecendo ser aquele negro uma pessoa fora
cultura crioula, lnguas crioulas, comida crioula - como a da Louisiana. Fala-se, sobretudo nos meios
%>%#?D(>20A $D 3>'(27)(#%#$9 27 3>'(27)(E%:129. Aqui, nesta abordagem do crioulo que era mais dcil,estamos utilizando crioulo no sentido do negro nascido nas Amricas.
8Quando escravo, era chamado de Toussaint Brda.
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envenenavam no apenas brancos, mas membros desobedientes do prprio
grupo. Ento, planejou que, em determinado dia, a gua de todas as casas na
capital da provncia seria envenenada, e os brancos seriam atacados durante as
suas convulses e angstias de morte. Possua listas com todos os membros de
seu partido em cada um dos grupos de escravos. Designou capites, tenentes e
outros oficiais; disps que os grupos de negros deveriam deixar a vila e se
espalhar pela plancie para massacrar os brancos. Um dia, ele foi at uma
fazenda, embebedou-se e foi capturado, queimaram-no vivo. Pedimos
emprestadas as palavras de Alejo Carpentier na obra Dos Novelas: el Reino de
este Mundo el acaso:
El manco Mackandal, hecho um houngn Del rito Rad, investidode poderes extraordinrios por varias cadas en posesin dedioses mayores, era el Seor Del Veneno. Dotado de supremaautoridad por los mandatrios de la outra orilla, haba proclamadola cruzada del extermnio, elegido, como lo estaba, para acabarcom los blancos y crear un gran imprio de negros libres enSanto Domingo(CARPENTIER, 1955, p. 30).
A revolta de Mackandal no se realizou e foi o nico indcio de uma
tentativa de revolta organizada durante os cem anos que precederam a
Revoluo Francesa. Dos seus senhores no partia nenhuma conversa sobre
uma futura emancipao. Os colonos de So Domingos diziam que a escravido
era necessria e, para eles, o assunto estava encerrado.
A sociedade colonial francesa era composta pelos colonos franceses; pelos
mulatos, chamados de livres de cor, pelo fato de, no cdigo negro de 1685 da
Frana, ser previsto que aquele nascido de pai colono e me negra escrava, era
considerado livre e, por ltimo, os negros escravos. Os livres de cor reclamaram aigualdade de direitos aos brancos, mas o pedido foi desconsiderado pelos
colonos. A partir de 1758, diversas proibies foram legisladas na colnia com o
intuito de retirar dos mulatos o direito de praticar os mesmos costumes dos
colonos franceses, como descrito por Csaire no seguinte pargrafo:
El 7 de abril de 1758, prohibiciones a los libertos de circular conespadas, sables o machetes; el 20 de mayo de 1762, pena de
trabajos forzados prevista por ordenanza para todo liberto queporte un arma de fuego: en 1766, la estupidez bate su propiorecord al prohibir a los hombres de color libres, llevar el mismotraje que los blancos, sentarse en las mismas Iglesias y en las
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salas de espectculos al lado de los blancos(CSAIRE, 1967,p. 39).
Em 26 de agosto de 1789, quando a Declarao dos Direitos do Homem e
do Cidado foi votada pela Assemblia Constituinte na Frana, um novo conceito
de indivduo aparece. A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado
impressionou os colonos, provocou medo de parte deles. Os deputados colonos
fizeram de tudo para proibir a promulgao do documento, com medo de uma
possvel revolta dos livres de cor e dos escravos.
No final do sculo XVIII, os ideais da Revoluo Francesa comearam a se
difundir pelo mundo: liberdade, igualdade e fraternidade. A revoluo haitiana foiuma aplicao desses ideais da Revoluo Francesa nas Amricas. O impulso
revolucionrio chegou ilha de So Domingos trazido da Frana pelo escravo
liberto Vincent Og, lder de um movimento armado contra os brancos.
Isso levou primeira fase da revoluo haitiana ou descolonizao
haitiana. O movimento inicial ocorreu em 1789 indo at 1791, exclusivamente
entre os colonos franceses que queriam a autonomia poltica da ilha e se instaurar
como autoridade mxima e os mulatos que queriam a igualdade de direitos. Dois
mulatos, Vincent Og e Baptiste Chavannes voltaram da Frana na vspera da
Revoluo francesa e, ao chegarem a So Domingos, fizeram um pedido aos
colonos atravs de dilogo em prol da igualdade de direitos entre os colonos e
eles. Fracassaram, os colonos lhes negaram esse Direito Constitucional. Seu
objetivo restringia-se instaurao da igualdade poltica, presente no Cdigo
Negrode 1685, mas deliberadamente negligenciada. De sua parte, a monarquia
francesa francamente tinha simpatia pelo grupo dos mulatos, tal como indica ocontedo presente noCdigo Negroe o seguinte discurso de Lus XIV, em favor
deles:
Otorguemos a los libertos, proclamaba el edicto de 1685, losmismos derechos, privilegios e inmunidades de que disfrutan laspersonas que han nacido libres. Queremos que merezcan unalibertad adquirida y que sta produzca en ellos, tanto en suspersonas como en sus bienes, los mismos efectos que la felicidady la libertad natural causan en nuestros sbditos (CSAIRE,1967, p. 38).
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Vincent Og e Baptiste Chavannes no quiseram usar mais o dilogo
seno as armas, com o objetivo de fazer valer os seus direitos constitucionais.
Mobilizaram todos os mulatos e lutaram contra os brancos, mas fracassaram.
Tiveram de fugir para outra parte da Ilha (Repblica Dominicana). Isso levou
morte deles em 25 de fevereiro de 1791.
Na segunda fase da revoluo, em maro de 1791, surgiram outros livres
de cor com o mesmo objetivo de lutar contra os brancos na colnia para garantir a
prpria igualdade. Esses ltimos buscaram o apoio dos negros escravos, os quais
se aliaram a eles e venceram a batalha. Os mulatos ou libertos ocuparam a arena
poltica colonial com o objetivo de reivindicar a participao nas esferas dedeciso e poder da colnia. Os brancos aceitaram o pedido dos mulatos e esses
entregaram os negros que os ajudaram na luta, os quais foram jogados no alto
mar pelos colonos.
A aliana com os negros fora apenas um artifcio retrico para pressionar
os legisladores coloniais, pois os mulatos preferiram o caminho da diplomacia
para alcanar a igualdade civil. Ao acreditar na possvel unio entre negros e
mulatos e temendo uma guerra, a Frana enviou a Port-au-Prince, em abril de
1793, tropas aliadas para assegurar o cumprimento dos direitos civis e polticos
dos mulatos. O poder colonial francs acreditava que o reconhecimento desses
direitos silenciaria as tenses coloniais e tornaria os mulatos aliados no combate
rebelio negra. Csaire retrata o momento da conquista do direito da igualdade
civil e poltica dos mulatos em 1793 da seguinte forma:
Los grandes blancos haban sido vencidos. Se acerraba una erahistrica. Quedaba por saber a favor de quin. Es un hecho quede una pequea casta menospreciada, de un grupo socialamarrado corto, los hombres de color en poco tiempo ! larevolucin es locomotora de la historia !haban logrado integraruna clase tal que, prevaleciendo contra toda otra, era imposibleen lo adelante gobernar sin ella. Era esa realidad, tal como lahaba hecho dos aos de revolucin. La constituyente se habaagotado en arreglar el problema blanco, cuando ya era elproblema mulato lo ms importante. La Legislativa crea arreglarel problema de las colonias arreglando la suerte de los mulatos.Al hacerlo no cay en cuenta que ya el problema mulato slo era
secundario y que lo esencial ahora era lo que ninguna asambleadeliberante haba osado mirar cara a cara hasta ese momento: elaterrador problema negro (CSAIRE, 1967, p. 206-207).
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Em junho de 1791, os colonos rejeitaram a possibilidade de continuar a
aliana com os livres de cor. Essa situao provocou uma guerra e abriu um
processo de destruio da sociedade colonial, pois ela era favorvel a uma
insurreio dos escravos.
Depois da traio dos mulatos, quando eles entregaram os negros, esses
ltimos decidiram lutar sozinhos para obter a sua prpria liberdade. Em 14 de
agosto de 1791, comeou a terceira fase da luta, a mais importante na Revoluo
Haitiana.
Os escravos trabalhavam na terra e, como os camponeses revolucionrios
de qualquer lugar, desejavam o extermnio de seus opressores. Pela dura
experincia, aprenderam que esforos isolados estavam condenados ao fracasso
e, nos primeiros meses de 1791, dentro e nos arredores de Le Cap(atualmente
Cidade chamada Cabo Haitiano), eles estavam organizando-se para a revoluo.
O Vodu era o meio de mascarar e difundir a conspirao, inspirando seus lderes.
Eles extraem esse sentimento de orgulho da f real queconservaram em relao ao poder de seus Orixs e Vodum, que,
para eles, nos momentos penosos, so o amparo mais segurocontra a angstia e as humilhaes e que, nos momentos dealegria, lhes proporcionam o sentimento exaltado do gnio de suaprpria raa(VERGER, 2000, p. 24).
Como culto familiar e coletivo, o Vodu10 a prtica, por excelncia, na qual
o haitiano se esfora por reencontrar a identidade perdida com a separao da
frica e a opresso socioeconmica que o persegue da escravido at hoje, visto
a euforia da Independncia, em 1804, quase nada ter durado. Um estudo
comparativo entre os costumes religiosos fone iorubamostraria, com certeza, afora da africanidade do haitiano.
Assim, o Vodu se apresenta como uma resposta explorao do cativeiro,
do imperialismo econmico, social e cultural dos brancos. Significou, desde cedo,
10O termo Vodu (ortografia beninense; tambm Voduou outras ortografias foneticamente equivalentes noHaiti; Voduou Vodumem portugus) aplica-se aos ramos de uma tradio religiosa testo-animista baseadanos ancestrais, com razes primrias entre os povos Fon-Ewe da frica Ocidental, no pas atualmente
chamado Benin, anteriormente Reino do Daom, onde ele hoje em dia a religio nacional de mais de setemilhes de pessoas. Alm da tradio Fon, ou do Daom, que permaneceu na frica, existem tradiesrelacionadas a razes lanadas no Novo Mundo, durante a poca do trfico transatlntico de escravosafricanos (HANDERSON, 2006, p. 6).
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& 2+107.&7*$ %'d%'1&3 4UHfVFc> Z[bg), a conscincia de sua diferena em
relao ao mundo dos senhores, a fora que aguaria a sua capacidade de luta.
O Cdigo Negro de 1685 (tentativa do governante francs na poca emsistematizar um conjunto de normas que regulassem a vida dos escravos negros
em suas possesses) institucionaliza a escravido, considerando os escravos
como mercadoria; tudo se vende e se compra em troca de produtos europeus:
armas, prolas, utenslios etc. Eles eram obrigados a fazer trabalhos forados,
submetidos humilhao e ferocidade. O horrio do servio era exagerado: da
aurora ao pr-do-sol no tempo ordinrio e, s vezes, toda a noite no tempo da
colheita. Desse modo, as plantaes se tornaram frteis a partir do suor e dosangue dos escravos para o enriquecimento dos senhores.
Nas plantaes de cana e nas oficinas, eram reunidos escravos de etmos
diferentes, aos quais os senhores davam novos nomes como uma forma de faz-
los esquecer a terra de origem, os cultos africanos, a religio, a lngua e assim por
diante.
Entendemos, portanto, que
Alm do aparecimento de profetas e heris que levaro os negros vitria, em 1804, preciso, sobretudo, notar que, para osescravos, o Vodu significou, desde cedo, linguagem prpria, aconscincia de sua diferena em relao ao mundo dossenhores, a fora que aguar a sua capacidade de luta(HURBON, 1987, p. 68).
Apesar de todas as proibies, os escravos viajavam quilmetros para
cantar, danar, praticar os seus ritos e conversar; ou mesmo, desde a Revoluo,escutar as novidades polticas e traar os seus planos. Em Dos Novelas,
Carpentier escreve:
Los esclavos tenan, pues, una religin secreta que los alentaba ysolidarizaba en sus rebeldas. A lo mejor, durante aos y aos,haban observado las prticas de esa religin en sus mismasnarices, hablndose con los tambores de calendas, sin que el losospechara (CARPENTIER, (1955, p. 53).
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Boukman, alto sacerdote do Vodu, um negro gigantesco, era o lder. Como
capataz de uma fazenda, acompanhava a situao poltica tanto entre os brancos
como entre os mulatos. O plano foi concebido em escala massiva e os negros,
influenciados em parte pela Revoluo Francesa de 1789, visavam ao extermnio
dos brancos e tomada da colnia para si.
Na noite do dia 14 de agosto do ano 1791, carregando tochas para iluminar
o caminho, os lderes da revolta se reuniram em uma clareira na floresta densa de
Morne Rouge (Montanha Vermelha), uma montanha acima de Le Cap. L,
Boukman deu as ltimas instrues na Crmonie Du Bois Camane, aps fazer
encantamentos de Vodu e beber o sangue de um porco imolado, estimulou seusseguidores com uma orao proferida em Crole11. E depois afirmou:
El Dios de los blancos ordena el crimen. Nuestros dioses nospiden venganza. Ellos conducirn nuestros brazos y nos darn laasistencia. !Rompan la imagen del Dios de los blancos, que tienesed de nuestas lgrimas; escuchemos en nosotros mismos lallamada de la libertad(CARPENTIER, 1955, p. 46).
Neste sentido, Lennec Hurbon argumenta:
Uma cerimnia vodu, clebre na histria do pas, representou oengajamento definitivo dos negros na luta pela independncia.Nessa ocasio, foi selado pacto de sangue pelo qual os escravoscomprometiam-se a exterminar os brancos e criar comunidadeautnoma (HURBON, 1987, p. 68).
O contexto no oferecia aos escravos a quietude do esprito. Portanto, o
Vodu uma resposta a tais humilhaes, aos trabalhos forados, ao preconceito
de cor, caractersticas da sociedade colonial. Desde ento, segundo Hurbon
4Z[bb> %= hZ8> 2# i#6. : .$ %'#6.5# 6* 109.1*5.6*> 6* &07D-51& 9.* +*)& `
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Todos esses negros haviam sido batizados, mas permaneciamligados a suas antigas crenas. Essas associaes lhespermitiam manifest-las s claras. Suas cantigas e suas danas,que aos olhos dos senhores pareciam simples distraes denegros nostlgicos, eram, na realidade, reunies nas quais elesevocavam os Deuses da frica(VERGER, 2000, p. 23).
11 uma das lnguas oficiais do Haiti, um fenmeno que ocorre no s no Haiti, mas tambm em todas ascolnias francesas, geralmente uma mistura da lngua francesa com vrios dialetos africanos.
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Em abril de 1793, na Frana, houve uma campanha da sociedade anti-
escravagista que reclamava a abolio da escravatura nas colnias francesas. Os
Amigos dos Negros12 faziam parte dessa sociedade. Eles queriam aliar a
Revoluo Francesa s revolues nas colnias francesas. Essa aliana tinha
como objetivo lutar contra a tirania dos colonos escravagistas franceses. Segundo
eles, tal ligao conduziria imediatamente abolio da escravatura, sem
indenizar os senhores de escravos. E os novos livres se beneficiariam de um
salrio se ficassem nas plantaes, tendo, tambm acesso a qualquer emprego,
propriedade das terras e educao pblica.
A sociedade antiescravagista cria as palavras de ordem darevoluo nas colnias: liberdade geral, destruio da sociedadecolonial, igualdade da epiderme, aliana com a RevoluoFrancesa e o lema dessa revoluo era: Nossa unio far nossafora. Viver livre ou morrer! Direitos do Homem e do Cidado decor (GAUTHIER, 2000, p. 26).
Tais palavras revelam claramente como a insurreio dos escravos tinha
enraizamento nos ideais iluministas e na Declarao dos Direitos do Homem. E a
forma de os escravos e a sociedade antiescravagista repensarem e adaptarem
esse manifesto s condies concretas da Revoluo Haitiana que iriaquestionar os fundamentos ontolgicos da mentalidade ocidental.
Cabe salientar que, na vspera da Revoluo Francesa, a colnia era a
mais prspera de todas as demais nas Amricas e representava mais de um tero
do comrcio exterior da Frana. Segundo Hurbon (2000), um de cada oito
franceses vivia indiretamente dessa colnia, fornecedora de 70% dos recursos
que a Frana tirava de suas propriedades no Novo Y.06#= 2Entender o
movimento de insurreio dos escravos da colnia francesa, antes de tudo
indicar at que ponto essa colnia foi um dos maiores recursos de riqueza para a
Frana3 4UHfVFc> ^\\\> %= ]\> 5'&6.?C# 6# &.5#'8=
Para Hurbon, essa produo mxima devida grande quantidade de
escravos trazidos colnia entre 1785 a 1789: 150 000 chegaram nesse perodo.
Para ter uma noo breve, s em 1789, 55 000 escravos foram trazidos da frica
para essa colnia.
12Amigos dos Negros era um grupo de brancos franceses antiescravagis