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    14/08/2007 SEGUNDA TURMA

    HABEAS CORPUS 88.914-0 SO PAULO

    RELATOR : MIN. CEZAR PELUSOPACIENTE(S) : MRCIO FERNANDES DE SOUZAIMPETRANTE(S) : PGE-SP - PATRCIA HELENA MASSA

    ARZABE (ASSISTNCIA JUDICIRIA)COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

    R E L A T R I O

    O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1.Trata-

    se de habeas corpus impetrado em favor de MRCIO FERNANDES DE

    SOUZA, contra deciso da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justia que

    lhe indeferiu idntico pedido de writ.

    O paci ent e f oi pr ocessado, per ant e a 30a Var a Cr i mi nal

    do For o Cent r al da comar ca da Capi t al / SP, pel a pr t i ca dos

    del i t os pr evi st os no ar t . 159, caput, 157, 2o, i ncs. I e

    I I , e 329, t odos do Cdi go Penal , t endo si do absol vi do

    dest a l t i ma i mput ao, mas condenado pena de 14

    ( quat or ze) anos, 2 ( doi s) meses e 20 ( vi nt e) di as de

    r ecl uso, par a cumpr i ment o i nt egr al em r egi me f echado, pel o

    del i t o de extor so medi ant e seqest r o, e execuo i ni ci al

    em r egi me f echado, quant o aos doi s r oubos.

    Col hi do em f l agr ant e del i t o, r espondeu pr eso ao

    pr ocesso. Sem que f osse ci t ado, nem sequer r equi si t ado, em

    t empo r azovel , par a pr epar ar a aut odef esa, f oi

    apr esent ado, no di a 04 de out ubr o de 2002, para ser

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    i nt er r ogado na sal a de t el eaudi nci a do Cent r o de Deteno

    Pr ovi sr i a Chcar a Bel m I , onde est ava r ecol hi do ( f l s.

    25) . L, teve acesso a canal de udio para comunicao com

    seu advogado na sala de audincias do juzo, se l

    presente, sem prejuzo de entrevista com o (a) que lhe

    assiste neste presdio ( f l s. 25) .

    Consta que, preliminarmente, o (a) MM. Juiz(a) de Direito

    deliberou a realizao da audincia pelo sistema de telaudincia. Na sala de

    audincias do Juzo h equipamento eletrnico para realizao de atos

    processuais orais por esse sistema, estando o ru em sala semelhante no

    presdio em que recolhido, assistido por advogado. Consiste ele na viabilidade

    tcnica para realizao de audincia a distncia, garantidas a viso, audio,

    comunicao reservada entre o ru e seu Defensor e facultada a gravao em

    compact disc, a ser anexado aos autos para consulta posterior (se disponvel

    o equipamento). Na sala especial do estabelecimento prisional referido foi(ram)

    apresentado(a,s) ru(r, s) MARCIO FERNANDES DE SOUZA, com imagem,

    escuta e canal de udio reservado sua disposio para comunicar-se com

    seu Defensor(es), assistido pelo(a) advogado(a) da FUNAP, para garantia da

    livre manifestao de vontade do interrogando, conforme registro l efetuado e

    remetido ao Juzo por meio eletrnico. O(a) advogado(a) presente assina

    tambm este termo como fiscalizador da fidelidade do registro do

    interrogatrio(fls. 26).

    Dessa explicao do mecanismo adotado no constaram as

    razes de sua adoo.

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    Porque o paciente respondeu que no tinha condies para

    constituir defensor, o magistrado nomeou, para defend-lo, os Drs. Defensores

    da PAJ, em exerccio nesta Vara, que funcionaro como curadores, tendo em

    vista ser o ru menor de idade(fls. 27).

    O procurador, todavia, no participou do ato, tendo funcionado

    como advogado ad hoco Dr. Joo Baptista da Rocha Croce Jnior (fls. 27). J

    por ocasio da defesa prvia, o Procurador do Estado nomeado pugnou pela

    nulidade do interrogatrio realizado por teleaudincia (fls. 30), requerendo

    fosse o paciente novamente interrogado, agora na presena do magistrado.

    O pedi do f oi i ndef er i do ( f l s. 31- 36) , t endo o j u zo

    sust ent ado a l egal i dade do at o, sob ar gument o de que o

    modelo no fere as leis processuais e garantias das partes

    ( f l s . 32) , por que o sistema no altera o procedimento

    processual penal, porque realizado no curso de devido

    processo penal previsto na Constituio da Repblica e nas

    leis processuais penais (no cria procedimento, pois os

    atos processuais realizados esto previstos no Cdigo de

    Processo Penal) ( f l s. 32) ; a presena do ru em Juzo

    garantida, como, alis, prevista na lei, observada, apenas,

    a evoluo tecnolgica ( f l s. 33) , e, ao argumento de ser

    fundamental a presena fsica do ru perante o Juiz para

    anlise das reaes durante o interrogatrio, a objeo se

    faz por cuidar-se de posicionamento conservador, alheio

    evoluo tecnolgica da sociedade em melhorar a eficcia na

    realizao de importante servio pblico: prestao

    jurisdicional ( f l s. 34) .

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    Ao fim, foi o paciente condenado, mas a defesa apelou da

    sentena e, em preliminar, argiu a nulidade do feito, em razo da realizao

    do interrogatrio por videoconferncia. O extinto Tribunal de Alada Criminal,

    todavia, afastou a preliminar (fls. 51-66). Transcrevo, a respeito, parte do voto

    do Des. FERRAZ DE ARRUDA, relator do recurso:

    A preliminar: interrogatrio por meio eletrnico audiovisual ilegal?

    O interrogatrio reconhecido pela doutrina e jurisprudnciacomo meio de defesa e de prova, significando dizer que enquanto meiode defesa caracteriza-se como as alegaes do ru que possam excluir ocrime ou afastar a autoria e funcionar como elemento para a minorao

    da pena; enquanto meio de prova funciona como comprovao do fato,mas sempre contra o ru, como por exemplo, confisso, contradies,respostas evasivas ou duvidosas.

    Note-se, portanto, que o eventual libi apresentado pelo ru emseu interrogatrio apenas elemento de defesa e no prova, proquanto(sic) a prova do libi dever ser feita no correr da instruo, ou seja, o rudever comprovar o libi alegado.

    No que tange prova, manifesto que o interrogatrio servirapenas como prova, ainda sim relativa, quando o ru prestar declaraesque o incriminam.

    Nesse passo, de se reconhecer que o interrogatrio uma pea,

    enquanto elemento de prova, muito mais til acusao do que ao ru, jque as alegaes de defesa deveriam ser comprovadas no correr dainstruo.

    O argumento de que contato direto do juiz com o ru necessrioporque aquele pode aquilatar o carter, a ndole e os sentimentos paraefeito de alcanar a compreenso da personalidade do ru, para mim, pura balela ideolgica.

    Em vinte anos de carreira no li e nem decidi um processofundado em impresses subjetivas minhas, extradas do interrogatrio oudepoimento pessoal do ru. Mesmo porque a capacidade humana deforjar, de dissimular, de manipular o esprito alheio surpreendente, de

    tal sorte que pura e v filosofia que de um nico interrogatrio judicialse possa extrair alguma concluso segura sobre a ndole e personalidadedo ru. Alis, nem um experiente psiquiatra forense conseguiria tal feito,ainda mais quando o juiz obrigado a seguir as formalidades do artigo188 e incisos, do Cdigo de Processo Penal.

    Vamos dar dois exemplos:1o) O juiz condena o ru porque sentiu um certo cinismo de sua

    parte ao lhe responder as perguntas, inclusive por trazer semprepresente, no canto esquerdo da boca, um leve sorrido (sic) irnico. O juizpode colocar este seu sentir subjetivo na sentena como elemento deprova contra o ru?

    2o

    ) O juiz absolve o ru porque este se mostrou choroso esorumbtico no interrogatrio. O juiz pode se fundamentar nessas

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    impresses pessoais para absolver o ru ou concluir qualquer outra coisaem favor deste?

    Por outro lado, o juiz experiente e atento, quando dointerrogatrio do ru, o coloca sempre de costas para o advogado e parao promotor de justia de modo a evitar qualquer interferncia ou presso

    por parte destes profissionais.Ora, o interrogatrio do ru importante no processo penal, masno elemento indispensvel porque seno no teramos o julgamento revelia. Alm do mais, ele pode ser repetido a qualquer tempo noprocesso.

    O ltimo argumento contra o interrogatrio por vdeo-confernciaseria a possibilidade de o ru se sujeitar a eventual presso externa.

    Essa presso pode ser feita ainda que na presena do juiz, pormeio de uma antecedente ameaa.

    O que no se pode deixar de considerar a diferena entre o atodo interrogatrio e o meio pelo qual o mesmo se realiza.

    evidente que o meio televisivo do interrogatrio no serviria aofim processual se o mesmo fosse inidneo em termos de segurana doru. Ele meio inidneo? claro que no. Pelo contrrio, muito maisfavorvel ao ru do que ao prprio ato de transcrio das suas respostasno auto do interrogatrio. Quem garante que a escrevente transcreveuexatamente o que o ru respondeu?

    No nos percamos em inutilidades ideolgicas como esta sob ofalso e hipcrita argumento de que o ru tem de ser interrogado vis a viscom o juiz.

    Eu poderia escrever neste voto mil e uma inseguranas a respeitode um julgamento feito atravs do processo escrito, ou oral, tanto faz,

    at o ponto de demonstrar a impossibilidade filosfica de se puniralgum por alguma coisa que tenha feito contra a lei: portanto, tempode dizer para esses pseudo-intelectuais, heris contemporneos daideologizao de tudo, que se continuarem a insistir nessas tesesincorpreas, doces e nefelibatas, teremos que simplesmente fechar ajustia forense.

    O sistema de teleaudincia utilizado no interrogatrio do ru deveser aceito medida que foram garantidas viso, audio, comunicaoreservada entre o ru e seu defensor e facultada, ainda, a gravao emCompact Disc, que foi posteriormente anexado aos autos para eventualconsulta. Afinal, o ru teve condies de dialogar com o julgador, o qual

    podia ser visto e ouvido, alm de poder conversar com seu defensor emcanal de udio reservado, tudo isso assistido por advogado da Funap.O meio eletrnico utilizado vem em benefcio do prprio ru

    medida que agiliza o procedimento. O contato com as pessoas presentesao ato (Juiz, Promotor, Advogado, depoentes, etc.) se d em tempo realde modo que se pode perfeitamente aferir as reaes e expresses faciaisdos envolvidos.

    Ademais, nulidades s devem ser decretadas quando vislumbradoprejuzo, independentemente de haver sido utilizado meio eletrnico ouno para a consecuo do ato processual. No caso em tela, no houvecomprovao de efetivo prejuzo atividade defensria, motivo pelo

    qual eventual invalidao do interrogatrio no possuiria justificativa(fls. 53-59).

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    Diante do acrdo, foi impetrado habeas corpus ao Superior

    Tribunal de Justia, que denegou a ordem, nos termos desta sntese:

    PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE.INTERROGATRIO. VIDEOCONFERNCIA. DEVIDOPROCESSO LEGAL. PREJUZO NO DEMOSTRADO.

    O interrogatrio realizado por videoconferncia, em tempo real,no viola o princpio do devido processo legal e seus consectrios.

    Para que seja declarada nulidade do ato, mister a demonstrao doprejuzo nos termos do art. 563 do Cdigo de Processo Penal.

    Ordem DENEGADA (fls. 79).

    Alega agora a impetrante que manifesto o prejuzo

    decorrente do interrogatrio realizado por teleconferncia (fls. 04): o prejuzo

    advindo ao paciente mais do que evidente: foi colhido de surpresapara o ato

    de autodefesa, sem prvio contato e orientaodo defensor nomeado para

    defend-lo em seu processo judicial, sem nenhum contato com os autos, enfim,

    viu-se transformado de sujeito em mero objeto do processo (fls. 05).

    Ademais, o paciente no pode entrevistar-se com o defensor, como lhe garante

    o art. 7o, inc. III, da Lei n 8.906/94. Invoca violao ao direito de presena,

    corolrio da ampla defesa, do contraditrio e do devido processo legal, e requer

    seja reconhecida a nulidade do processo a partir do interrogatrio.

    A Procur ador i a- Ger al da Repbl i ca opi nou pel a

    denegao da ordem, nos segui ntes t ermos:

    1. O tema versado na presente pretenso liberatria, tituladapela Procuradoria da Assistncia Judiciria diz com a ilegalidade nomecanismode interrogatrio judicial do ru porvideconferncia.

    2. Questiona-se, assim, julgado da 6a Turma do SuperiorTribunal de Justia [...].

    3. Toda a questo radica em saber-se se a presena fsica doacusado, ante o magistrado, insere-se no princpio da ampla defesa.

    4. Creio bem pontuada a controvrsia no seguinte trecho do votodo Il. Min. Paulo Medina,verbis:

    Ressalte-se ainda que embora o impetrante insurjacontra o meio pelo qual o interrogatrio foi realizado

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    videoconferncia o ato processual em si, apresenta-se conformeas normas do processo.

    O interrogatrio ocorreu da seguinte forma:De incio reservou-se o direito ao acusado de entrevistar-se

    com Defensor.

    Logo aps, o Magistrado deu incio primeira fase dointerrogatrio, qual seja, qualificao do ru.Superada esta fase, e antes de perquirir os fatos imputados

    ao acusado, foi observado o direito de permanecer em silncio.O acusado, ora paciente, negou a autoria do delito, deu sua

    verso aos fatos e no h nos autos qualquer notcia deconstrangimento sofrido por ocasio daquele ato (fls. 13-17/STJ).

    Com isso, o juiz da causa oportunizou o direito deautodefesa, exercido em sua amplitude, inclusive com auxlio deDefesa Tcnica.

    Por fim, considerando que a finalidade do ato foi atingida,

    no h nulidade a declarar, de modo a preservar o tele-interrogatrio.Portanto, inexiste nulidade no interrogatrio vez que

    observados o princpio do devido processo legal e seusconsectrios e por no ter o paciente demonstrado o prejuzo.(vide: fls. 77).5. Realmente, o Termo de Interrogatrio do acusado,

    consignando a presena de dois defensores da prpria Procuradoria deAssistncia Judiciria, ora impetrante, estampa declaraes do acusado,plenamente refutando a descrio dos fatos como apresentada nadenncia.

    6. O interrogatrio, realizou-o o acusado em sala especial dopresdio, quando recebeu, de imediato, a via original de suas declaraes(fls. 29).

    7. Anotou, ainda, o MM. Julgador a quo, que,verbis:2 Sem vcio o ato realizado pelo sistema de teleaudincia.Com efeito, o modelo no fere as leis processuais e garantias

    das partes. O sistema no altera o procedimento processual penal,porque realizado no curso do devido processo penal previsto naConstituio da Repblica e nas leis processuais (no criaprocedimento, pois os atos processuais realizados esto previstosno Cdigo de Processo Penal). O ru preso apresentado pelo

    Juiz de Direito que preside o processo penal contra ele instaurado.Existe o contato direto entre ru e Juiz; ru e advogado; ru ePromotor de Justia; ru e depoentes, etc., em tempo real e pormeio eletrnico, viabilizada a percepo das reaes dosenvolvidos no ato. Ao contrrio do sistema atual, podero osjulgadores das instncias superiores tambm observ-lo via cdrom. H canal exclusivo de udio para conversar entre ru edefensor, no interesse da defesa na 30a Vara Criminal foiinstalado um aparelho a mais, no gabinete,para maior reserva nocontato.

    Mister lembrar a importncia do direito defesa consagrado

    ao ru no processo. Em seu interrogatrio, v o Juiz, dialoga e temoportunidade de exercer seu primeiro ato de defesa no processo.

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    Fundamental que seja registrada sua verso, com detalhe,para a fixao dos eventuais pontos controvertidos da causapenal. Na audincia de instruo, acompanha a realizao do atojuntamente com seu defensor, facultada a comunicao note-seque, na hiptese do art. 217 do Cdigo de Processo Penal, o

    defensor poder consult-lo on line, ao contrrio do queocorre no sistema processual, caracterizando relevante oavano jurdico.

    No h violao de qualquer princpio de tratadointernacional recepcionado pelo Brasil. A presena do ru em Juzo garantida, como, alis, prevista na lei, observada, apenas, aevoluo tecnolgica. No violado, assim, o Pacto de San Jose daCosta Rica, de 22 de novembro de 1.969, introduzida a sua eficciajurdica no Brasil pelo Decreto n 678, de 06 de novembro de1.992 (cfr. Art. 8o garantias judiciais). Como se pode verificar, opacto foi assinado muito tempo antes da introduo das modernas

    tecnologias dos meios de comunicao. Sem violao a seuspreceitos, possvel a utilizao do sistema de teleaudincia, em facedo crescimento da populao paulista e mundial e necessidadede aprimoramento dos servios pblicos, especialmentejudicirios. (fls. 32/33, grifei).8. Realmente, se preservada est a comunicao reservada a

    qualquer tempo no transcorrer do ato processual, entre o ru e seudefensor, por canal exclusivo de udio, e se todos, juiz, acusador,acusado e seu defensor, interagem, em tempo real, pelo sistemaeletrnico de visualizao, nenhuma garantia constitucional ficacomprometida.

    9. H o uso de simples mecanismo tecnolgicoque, insisto,preservadas todas as situaes retro apresentadas, por certo nomacula o ato processual analisado.

    10. Fosse o ru impedido de reservadamente articular-se comseu defensor; impedido tambm de, a qualquer tempo, reservadamenteconsultar seu defensor; ausentar-se o juiz da audincia, entregando-a aoalvedrio das partes e, agora sim, ter-se-ia o vcio insanvel.

    11. No caso, como exposto, nada disso aconteceu.12. Pelo indeferimentodo solicitado (fls. 89-95).

    o relatrio.

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    V O T O

    O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. A

    questo central desta impetrao diz com a legalidade de interrogatrio

    realizado mediante videoconferncia. E, nos termos em que o foi, destitudo de

    suporte legal, deveras nulo o ato, porque insultuoso a garantias elementares

    do justo processo da lei (due process of law).

    2. A Constituio da Repblica, no art. 5o, inc. LV, assegura, aos

    acusados em geral, o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos

    a ela inerentes, enquanto clusulas do devido processo legal.

    Classificao corrente da dogmtica processual penal discerne

    modos de defesa segundo o sujeito que a exera. Assim, se exercida pela

    pessoa mesma acusada na persecuo penal, tem-se autodefesa, ou defesa

    privada. Se aviada por profissional habilitado, com capacidade postulatria,

    cuida-se de defesa tcnica, ou defesa pblica.1

    Para atender-lhe exigncia constitucional de amplitude, a

    defesa deve poder exercitar-se na conjugao da autodefesa e da defesa

    tcnica. Autodefesa e defesa tcnica, enquanto poderes processuais, ho de

    1BELLAVISTA, Girolamo.Difesa giudiziaria penale.Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffr,1964, v. 12, p. 456. Ainda, PRES PIZN, Alvaro Orlando. El derecho de defensa.DerechoPenal y Criminologia Revista del Instituto de Ciencias Penales y Criminologicas de l laUniversidad Externado de Colombia. Bogot, ano 12, n 41-42, p. 93-109, mayo/dic. 1990, p.

    98. E ASSIS MOURA, Maria Thereza Rocha de; PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos.Defesa penal: direito ou garantia.Revista Brasileira de Cincias Criminais. So Paulo, ano 1, n4, p. 110-125, out.-dez. 1993, p. 114.

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    ser garantidas em conjunto, em relao de diversidade e

    complementaridade.2

    E, em essncia, a autodefesa consubstancia-se nos direitos de

    audincia e de presena ou participao:

    Com relao autodefesa, cumpre salientar que se compe ela dedois aspectos, a serem escrupulosamente observados: o direito de audinciae o direito de presena. O primeiro traduz-se na possibilidade de o acusadoinfluir sobre a formao do convencimento do juiz mediante ointerrogatrio. O segundo manifesta-se pela oportunidade de tomar eleposio, a todo momento, perante as alegaes e as provas produzidas,pela imediao com o juiz, as razes e as provas.3

    Tambm chamada de defesa material ou genrica,4 a

    autodefesa exercida mediante atuao pessoal do acusado,5sobretudo no

    ato do interrogatrio,6quando oferece ele sua verso sobre os fatos ou invoca

    o direito ao silncio,7ou, ainda, quando, por si prprio, solicita a produo de

    provas, traz meios de convico, requer participao em diligncias8 e

    acompanha os atos de instruo.9

    O direito de ser ouvido pelo magistrado que o julgar constitui

    conseqncia linear do direito informao acerca da acusao. Concretiza-se

    2 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. So Paulo: Revista dosTribunais, 1999, p. 252.3GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, AntonioMagalhes.As nulidades no processo penal.9 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.88.4BELLAVISTA, Giro lamo. Difesa..., op. cit., p. 456.5 A autodefesa, de que aqui se cuida, aquela exercida pelo prprio ru, em momentosfundamentais do processo, no a que patrocinada por advogado em seu prprio benefcio,quando acusado em processo criminal. [...] Ela se manifesta no processo de vrias formas:direito de audincia, direito de presena, direito a postular pessoalmente (FERNANDES,Antonio Scarance. Processo penal..., op. cit., p. 263).6TUCCI, Rogrio Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2 ed.So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 185.7TUCCI, Rogrio Lauriae TUCCI, Jos Rogrio Cruz e. Constituio de 1988 e processo:regramentos e garantias constitucionais do processo. So Paulo: Saraiva, 1989, p. 62-63.8SAAVEDRA ROJAS, Edgar. Derecho a la defensa.Derecho Penal y Criminologia Revistadel Instituto de Ciencias Penales y Criminologicas de la Universidad Externado de Colombia.Bogot, ano 17, n 56, p. 25-26, mayo/ago. 1995, p. 38-39. 9FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal..., op. cit., p. 264.

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    no interrogatrio, que , por excelncia, o momento em que o acusado exerce

    a autodefesa, e, como tal, ato que, governado pelo chamado princpio da

    presuno de inocncia, objeto do art. 5, inc. LVII, da Constituio da

    Repblica, permite ao acusado refutar a denncia e declinar argumentos que

    lhe justifiquem a ao.

    preciso, pois, conceber e tratar o interrogatrio como meio de

    defesa,10e no, em aberto retrocesso histrico, como resduo inquisitorial ou

    mera tcnica de se obter confisso. Encarado como atividade defensiva, em

    que pode o acusado demonstrar sua inocncia, perdeu toda legitimidade a

    absurda idia de que o interrogatrio consistiria numa srie de perguntas

    destinadas apenas admisso da autoria criminosa,11 tal como era visto e

    usado nos processos inquisitrios.12

    3. O devido processo legal, garantido no art. 5o, inc. LIV, da

    Constituio da Repblica, pressupe a regularidade do procedimento, a qual

    nasce, em regra, da observncia das leis processuais penais.

    10En el modelo garantista del proceso acusatorio, informado por la presuncin de inocencia, elinterrogatorio es el principal media de defensa y tiene la nica funcin de dar materialmentevida al juicio contradictorio y permitir al imputado refutar la acusacin o aducir argumentos para

    justificarse (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn.2 ed. Madrid: Editorial Trotta, 1997, p. 608).No mesmo sentido, cf. CAFFERATA NORES, Jos I. El imputado. In: CAFFERATA NORES,Jos I.; MONTERO, Jorge (H). El imputado:estdios. Crdoba: Crdoba, 2001, p. 23.11 EDWARDS, Carlos Enrique. El defensor tcnico en la prevencin policial: la figura deldefensor en el nuevo Cdigo Procesal Penal.Buenos Aires: Astrea, 1992, p. 65-66. O autorassinala que tal mudana de enfoque to importante que, na Argentina, especificamente noCdigo Procesal de Crdoba e Entre Ros, houve modificao terminolgica, substituindo-se otermo interrogatrio, de conotao inquisitria, por declaraes do imputado, vocbulo esteque exprime a idia de maior garantia aos direitos do acusado.12 No modelo inquisitivo de processo penal, dispensava-se o interrogatrio do acusado, bemcomo sua defesa, no caso de a culpabilidade j estar suficientemente comprovada. E, noscasos de priso em flagrante, o procedimento era ainda mais sumrio e clere, intitulando-se

    ex abrupto, no havendo sequer necessidade de se interrogar o acusado, que era condenadoex informata conscientia (SAAD, Marta e MALAN, Diogo.Origens histricas dos sistemasacusatrio e inquisitivo.Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 94, n 842, dez. 2005, p. 11-44).

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    Os atos processuais ostentam a forma que a lei lhes d, j

    advertia PITOMBO,13tocando legislao definir o tempo e o lugar em que se

    realizam. Por isso, no posso concordar com o argumento singelo de que o

    interrogatrio por videoconferncia no lesionaria o devido processo legal,

    porque no cria procedimento, na medida em que o ato processual em si o

    interrogatrio est previsto no Cdigo de Processo Penal.

    Este diploma legal no apenas prev tal ato, mas tambm

    regula o tempo e o lugar onde se realizam todos os atos processuais e, por

    bvio, dentre eles, o interrogatrio: no art. 792, caput, determina que as

    audincias, sesses e os atos processuais, de regra, se realizem na sede do

    juzo ou no tribunal, prdio pblico onde atua o rgo jurisdicional.

    A realizao de audincias, sesses e outros atos processuais,

    fora dos lugares a indicados, pode, nos termos do 2odo art. 792 do mesmo

    Cdigo, dar-se na residncia do juiz, ou em outra casa por ele especialmente

    designada, mas apenas em caso de necessidade. No pode tresler-se to

    expressa referncia legal hiptese de necessidade. Para isso, emerge

    preciso, pois, suceda grave bice prtica de ato processual, na sede do juzo

    ou tribunal.14

    O Cdigo de Processo Penal admite, ainda, no art. 403, 2a

    parte, que, no caso de acusado enfermo, o interrogatrio seja realizado no local

    onde se encontre.

    Ora, nenhuma das excees ocorreu aqui. Concedendo-se, ad

    argumentandum, fosse a prtica legal, amparada de validez no ordenamento

    13 PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes. Interrogatrio distncia. Boletim do InstitutoBrasileiro de Cincias Criminais. So Paulo, ano 8, n 93, agosto 2000, p. 1-2.14PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes. Interrogatrio..., op. cit.

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    jurdico em vigor, a suposio em nada aproveitaria ao caso, pois o magistrado

    limitou-se a decidir pelo interrogatrio mediante videoconferncia, sem

    nenhuma fundamentao, nem explicao.

    No era lcita, porm, como ainda o no , realizao de

    interrogatrio por esse meio:

    No desponta possvel, ao menos por enquanto, aceitar que omencionado ato do procedimento suceda em dois lugares VaraCriminal e carceragem , no mesmo instante processual, sem que ocorranecessidade imperiosa; e, do mesmo modo, se reconhea oestabelecimento prisional, como casa, no sentido da lei.15

    4. No fujo realidade para reconhecer que, por poltica criminal,

    diversos pases Itlia, Frana, Espanha, s para citar alguns adotam o uso

    da videoconferncia sistema de comunicao interativo que transmite

    simultaneamente imagem, som e dados, em tempo real, permitindo que um

    mesmo ato seja realizado em lugares distintos na praxis judicial. certo,

    todavia, que, a, o uso desse meio previsto em lei, segundo circunstncias

    limitadas e deciso devidamente fundamentada,16em cujas razes no entra a

    comodidade do juzo. Ainda assim, o uso da videoconferncia considerado

    mal necessrio,17 devendo empregado com extrema cautela e rigorosa

    anlise dos requisitos legais que o autorizam.

    No o que se passa aqui.

    No existe, em nosso ordenamento, previso legal para

    realizao de interrogatrio por videoconferncia. E, suposto a houvesse, a

    15PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes. Interrogatrio..., op. cit.16 DE LA MATA AMAYA, Jos. La utilizacin de la videoconferencia en las actuacionesjudiciales.Actualidad Penal. Madrid, n 47-48, p. 1267-1286, 16 al 29 de diciembre de 2002, p.1269-1275.17

    CONTI, Carlotta. Rimedi processuali contro la partecipazione a distanza dispostaillegittimamente [Comentrio de jurisprudncia].LIndice Penale. Padova, nuova serie, anno III,n 3, p. 1275-1284, settembre-dicembre 2000, p. 1283-1284.

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    deciso de faz-lo no poderia deixar de ser suficientemente motivada, com

    demonstrao plena da sua excepcional necessidade no caso concreto.

    5. O Projeto de Lei n 5.073/2001, que, aprovado, se transformou

    na Lei n 10.792/2003, recebeu emendas no Senado Federal, entre as quais a

    que possibilitava interrogatrio por videoconferncia, nestes termos:

    Art. 185. O acusado que comparecer perante autoridadejudiciria, no curso do processo penal, ser qualificado e interrogado napresena de seu defensor, constitudo ou nomeado.

    [...]

    3o. Os interrogatrios e as audincias judiciais podero serrealizados por meio de presena virtual em tempo real, sempre que hajamotivo devidamente fundamentado pelo juiz acerca de seguranapblica, manuteno da ordem pblica, ou garantia da aplicao da leipenal e instruo criminal, e desde que sejam assegurados canaistelefnicos reservados para comunicao entre o defensor quepermanecer no presdio e os advogados presentes nas salas de audinciados Fruns, e entre estes e o preso.

    4o. Nos presdios, as salas reservadas para esses atos serofiscalizadas por oficial de justia, funcionrios do Ministrio Pblico eadvogado designado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

    5o. Em qualquer caso, antes da realizao do interrogatrio, ojuiz assegurar o direito de entrevista ao acusado com seu defensor.

    Tal emenda foi, porm, rejeitada, de modo que suas

    proposies no entraram na ordem jurdica vigente. E, muita embora o pas

    seja signatrio da Conveno de Palermo Conveno das Naes Unidas

    contra o Crime Organizado Transnacional , tendo editado o Decreto n

    5.015/2004, que prev o uso da videoconferncia (art. 18, n. 18, e art. 24, n. 2,

    b), at hoje no disciplinou matria, como o exigem a mesma previso genrica

    e a reverncia s garantias constitucionais da defesa.

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    bom lembrar, ainda, que, instituda comisso para preparar

    sugestes sobre a realizao de interrogatrio on-line de presos considerados

    perigosos, o Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria lhe rejeitou

    a prtica, ao editar a Resoluo n 05, de 30 de novembro de 2002.

    6. Lei vigente, estatui o art. 185, caput, do Cdigo de Processo

    Penal, com a redao da Lei n 10.792/2003, que o acusado que comparecer

    perante a autoridade judiciria, no curso do processo penal, ser qualificado e

    interrogado na presena de seu defensor, constitudo ou nomeado.

    No 1o, estabelece que o interrogatrio do acusado preso

    ser feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala prpria,

    desde que estejam garantidas a segurana do juiz e auxiliares, a presena do

    defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurana, o interrogatrio ser

    feito nos termos do Cdigo de Processo Penal.

    Ainda que preso, deve, pois, o acusado comparecer perantea

    autoridade judiciria, seu juiz natural, para ser interrogado.18

    A Conveno Interamericana de Direitos Humanos, o Pacto de

    So Jos da Costa Rica, prescreve, ademais, no art. 7o, n. 5, que toda pessoa

    detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, presena de um juiz ou

    outra autoridade autorizada por lei a exercer funes judiciais.19 No mesmo

    sentido dispe o art. 9o, n. 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e

    Polticos.

    18 FERNANDES, Antonio Scarance. A inconstitucionalidade da lei estadual sobrevideoconferncia . Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais. So Paulo, ano 12, n147, fev. 2005, p. 7.19Grifos nossos.

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    Clara, portanto, a opo legislativa: na impossibilidade de o ru

    preso ser conduzido ao frum, por razes de segurana, o magistrado quem

    deve deslocar-se at ao local onde aquele se encontre, para o interrogar.

    7. O interrogatrio ato processual subjetivamente complexo.20

    Dele participam acusado, defensor (art. 185, caput e 2o, do Cdigo de

    Processo Penal), intrprete, se seja o caso (arts. 192, nico, e 193 do Cdigo

    de Processo Penal), acusador (art. 188 do Cdigo de Processo Penal) e juiz.21

    Ora, no h como nem por onde atender a essas formalidades

    legais, necessrias regularidade do interrogatrio, quando seja este realizado

    distncia, em dois lugares simultaneamente. No se sabe onde devem estar

    defensor e intrprete, se junto ao juiz ou ao lado do ru.

    Afinal, se o defensor achar-se no estabelecimento prisional,

    no poder consultar os autos do processo, obstando a que, sria e

    profissionalmente, oriente o increpado, antes do interrogatrio.22

    Ademais, no caso dos autos, o ora paciente no foi sequer

    citado, como o impe o art. 360 do Cdigo de Processo Penal, nem tampouco

    requisitado, mas apenas instado a comparecer sala da cadeia pblica, no

    mesmo dia em que o interrogatrio se realizou.

    20PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes. Interrogatrio..., op. cit.21O Cdigo de Processo Penal prev apenas o interrogatrio entre presentes, realizado emaudincia na qual participam o juiz, o Ministrio Pblico, o acusado e seu defensor ( BADAR,Gustavo Henrique Righi Ivahy. A lei estadual n 11.819, de 05/01/05 e o interrogatrio porvideoconferncia primeiras impresses.Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais,ano 12, n 148, mar. 2005, p. 2).22

    PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes . Interrogatrio..., op. cit. No mesmo sentido, cf.FERNANDES, Paulo Srgio Leite. A falcia dos interrogatrios virtuais.Boletim do InstitutoBrasileiro de Cincias Criminais. So Paulo, ano 10, n 120, novembro 2002, p. 1-2.

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    8. Ansioso, aguarda o acusado o momento de estar perante seu

    juiz natural (art. 5o, incs. XXXVII e LIII, da Constituio da Repblica).

    Aguardam ambos: o acusado solto e o acusado preso. Razo

    alguma de economia, ou de instrumentalidade, apia tratamento no-igualitrio,

    afrontoso ao art. 5o, caput, da Constituio da Repblica.

    Se o acusado, que responde ao processo em liberdade,

    comparece perante o juiz para ser interrogado, a fortiorideve comparecer o ru

    que se ache preso sob guarda e responsabilidade do Estado e, como tal,

    despido da liberdade de locomoo. Est nisso, alis, a origem do habeas

    corpus, palavras iniciais de frmula de mandado que significam tome o corpo

    (do detido para o submeter, com o caso, ao tribunal)23: no reconhecimento da

    necessidade de apresentao do ru preso ao juiz que o julgar.

    Assim, no faz sentido que a comunicao entre a suposta

    vtima de priso arbitrria e o juiz se d justamente no local em que tal

    ilegalidade est ocorrendo, sem as garantias mnimas necessrias para que a

    pessoa possa levar ao conhecimento judicial fatos que afrontam a legalidade e

    requerem sua interveno. Como resta claro, o sistema internacional de

    direitos humanos elegeu o juiz como garante do Estado Democrtico de Direito,

    colocando-o em posio privilegiada e dotando-o de poder-dever de fiscalizar a

    legalidade de toda deteno. Disso decorre que a apresentao fsica do detido

    a nica forma capaz de permitir ao juiz que verifique as reais causas da

    23

    Cf. MIRANDA, Pontes. Histria e prtica do habeas-corpus. 2 ed. Rio: Jos Konfino, 1951,p. 23, 4, n 1. Ainda, COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos direitoshumanos. So Paulo: Saraiva, 1999, p. 75.

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    deteno e o modo pela qual esta vem sendo exercida, fazendo-a cessar

    imediatamente, se necessrio.24

    Mas o interrogatrio que, para o acusado, se faz em

    estabelecimento prisional, no acontece com total liberdade. Ele jamais ter

    suficiente serenidade e segurana, ao se ver interrogar na carceragem ou

    outro lugar, na Cadeia Pblica. Estar muito prximo ao carcereiro, ao chefe

    de raio, ao xerife de cela, ao co-imputado preso, que, contingentemente,

    deseje delatar. O interrogado poder, tambm, ser um amarelo; ou se ter

    desentendido com alguma quadrilha interna e, assim, perdido a paz, no

    crcere. Em tal passo, o primeiro instante do exerccio do direito de defesa, no

    processo, ou autodefesa torna-se reduzida. O inculpado no ser, pois, ouvido,

    de forma plena (art. 5o, inc. LV, da Constituio da Repblica).25

    Tanto no raro que a comunicao livre, entre acusado e

    defensor, seja perturbada ou tolhida, que a Lei n 4.878/65, dispondo sobre o

    regime jurdico dos policiais federais, reputa, no art. 43, inc. LVI, transgresso

    disciplinar impedir ou tornar impraticvel, por qualquer meio, na fase do

    inqurito policial e durante o interrogatrio do indiciado, mesmo ocorrendo

    incomunicabilidade, a presena de seu advogado.

    Como ato tpico de defesa, entranhado de importncia

    probatria e fora simblica, o interrogatrio precisa ser espontneo, garantido

    contra toda forma de coao ou tortura, fsica ou psicolgica. Reclama, ainda,

    se permita ao acusado provar o que afirme em defesa, mediante indicao de

    24WEISS, Carlos. Manifestao do conselheiro referente realizao de interrogatrio on-linepara presos perigosos.Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais. So Paulo, ano 10,n 120, p. 4-5, novembro 2002, p. 5.25PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes. Interrogatrio..., op. cit.

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    elementos de prova e requerimento de diligncias pertinentes, nos termos do

    art. 189 do Cdigo de Processo Penal.

    9. Em termos de garantia individual, o virtual no vale como se

    real ou atual fosse, at porque a expresso conduzida perante no

    contempla a possibilidade de interrogatrio on-line.26

    Processo, por definio, atividade que se realiza em

    contraditrio, ou seja, com a participao dos interessados noprovimento final (Fazzalari). Por isso, no h como falar em

    processo penalsem apresena do maior interessado na deciso oacusado nos atos processuais, que assim so qualificadosexatamente pela circunstncia de serem realizados diante do juiz ecom a interveno das partes.

    Da ser invivel, a menos que se considere o processo comosimples encenao ou formalidade, a ouvida do preso comoacusado, ou mesmo como testemunha em outro processo, sem queo mesmo esteja fisicamente presente ao ato processualcorrespondente.Por mais sofisticados que sejam os meios eletrnicos,somente a presena efetiva da audincia pode assegurar a comunicaoentre os sujeitos processuais. Basta lembrar que at mesmo para aferir a

    sinceridade ou falsidade de uma declarao conta muito a percepodireta e imediata das reaes do ru ou da testemunha.27

    10. Em favor da adoo do interrogatrio por videoconferncia,

    invocam-se, sobretudo, a celeridade, a reduo de custos e a segurana28que

    adviriam de sua prtica.

    Sua adoo aceleraria o trmite procedimental, porque no

    ser mister marcar o interrogatrio para data distante, pois, conforme notrio,

    26 CINTRA JR., Dyrceu Aguiar Dias. Interrogatrio por videoconferncia e devido processolegal. Revista Direito e Poltica. So Paulo, v. 5, p. 97-100, abr.-jun. 2005, p. 99.27 GOMES FILHO, Antonio Magalhes. Garantismo paulista (a propsito davideoconferncia). Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais. So Paulo, ano 12, n147, fev. 2005, p. 6.28Cf. PIMENTEL, Anna Maria. Interrogatrio por sistema de videoconferncia.Revista TRF 3aRegio. So Paulo, n 68, p. 13-23, nov.-dez. 2004, p. 18-20; DE LA MATA AMAYA, Jos.

    La utilizacin de la videoconferencia..., op. cit., p. 1276-1277. ARAS, Vladimir.Videoconferncia no processo. Boletim Cientfico da Escola Superior do Ministrio Pblico daUnio. Braslia, ano 4, n 5, p. 173-195, abril-junho 2005, p. 191-192.

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    ao se designar o ato, deve-se levar em conta o tempo necessrio da tramitao

    da requisio do ru s autoridades prisionais, a fim de que estas possam

    viabilizar seu comparecimento, na data aprazada.29

    Haveria significativa economia com gasto de combustveis e

    manuteno de viaturas.30

    A segurana pblica aumentaria em razo da desnecessidade

    de movimentao de rus presos pelas ruas. Minimiza-se, evidncia, a

    possibilidade dos resgates em hipteses tais, cujo risco populao

    evidente, frente violncia que, ordinariamente, envolve tais episdios. Em

    adendo vantagem acima, considere-se a viabilidade de transferir,

    imediatamente, centenas de policiais, que fariam as escoltas dos acusados,

    para policiamento ostensivo das ruas, otimizando e maximizando a

    vigilncia.31

    Argumenta-se, assim, com dificuldades de transporte e com o

    fato de a apresentao do preso retardar o ato em dano de sua prpria

    libertao mais expedita; eliminar-se-iam riscos para o preso e para a

    sociedade, gastos com combustvel e escolta,32 e o preso no interromperia

    sua rotina de que? no presdio.

    natural que, quando se tenta impor mudana to substantiva,

    aflore a tendncia de se lhe realar os benefcios e diminuir o alcance das

    perdas, que decerto no so poucas nem inexpressivas, e das quais a mais

    significativa est no esvaziamento ou debilitao do substrato humano do

    29PIMENTEL, Anna Maria. Interrogatrio..., op. cit., p. 18.30PIMENTEL, Anna Maria. Interrogatrio..., op. cit., p. 19.31PIMENTEL, Anna Maria. Interrogatrio..., op. cit., p. 20.32

    BARROS, Marco Antonio de. Teleaudincia, interrogatrio on-line, videoconferncia e oprincpio da liberdade da prova.Revista dos Tribunais. So Paulo, ano 92, n 818, p. 424-434,dezembro 2003, p. 429.

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    sistema penal, por conta de uma viso econmica e instrumental do processo

    que absolutamente cega a todos os custos doutra ordem.33

    11. Poltica criminal no tarefa que caiba ao Poder Judicirio,

    cuja funo especfica solucionar conflitos, tutelando a liberdade jurdica, e

    no socorrer o Poder Executivo, em suas falhas e omisses.34

    E no posso deixar de advertir que, quando a poltica criminal

    promovida custa de reduo das garantias individuais, se condena ao

    fracasso mais retumbante.

    O sistema eletrnico poderia ser usado sem disciplina

    especfica, se no fora, o interrogatrio, ato de tamanha importncia defesa,

    cuja plenitude assegurada pela Constituio da Repblica (art. 5o, inc. LV). A

    adoo da videoconferncia leva perda de substncia do prprio fundamento

    do processo penal, e, sem peias nem controle, o interrogatrio por

    videoconferncia aparece como outra cerimnia degradante do processo:

    Com efeito, as representaes estereotipadas das audincias e aliturgia de certos procedimentos conduzem alienao dos participantese perda de substncia do prprio objeto que os rene em torno de umamesa ou de um balco. E da surge, inevitvel, a triste concluso de quetambm o tribunal, surpreendido pela massificao da justia, teve de

    33Arreda-se o humano, a pretexto de economia e simplicidade. No processo penal, todavia, hsempre o problema da verdade material, que nada tem ele com a utilidade do processo; comseu custo-benefcio; ou algo semelhante. Da, todos os perigos de se fazer prevalente a idiade instrumentalidade, sobre a de justia, enquanto juzo de valor, quando se cuida de liberdadejurdica [...]. Trs deveres, portanto, guarda o Juiz penal: de impulsionar a pesquisa verdadematerial; de garantir o contraditrio real, enquanto ocorre a busca vlida da verdade material; e,de persegui-la, de modo espontneo, quando aprecia a prova. Dever processual atente-se. Aquebra acaba em nulidade; ou no melanclico esvaziamento do processo penal. [...] O poder-dever inquisitivo, a atividade supletiva do Juiz penal, no exsurge, em razo dessa natureza,menor. Bem o contrrio mostra-se. Revela, antes, que a ningum se confere o monoplio daverdade material. Em seguida, que indispensvel romper com a burocultura processual.Depois, que est o magistrado, como sempre, em guarda, na mantena e preservao dosdireitos individuais e suas garantias (PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes.O juiz penal e apesquisa da verdade material.In: PORTO, Hermnio Alberto Marques, e SILVA, Marco AntonioMarques da (Org.). Processo penal e constituio federal. So Paulo: Acadmica, 1993, p. 73,75 e 77).34PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes. Interrogatrio..., op. cit.

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    sacrificar no altar da eficincia e de se converter lgica da quantidade eracionalidade burocrtica. 35

    12. A perda do contato pessoal com os partcipes do processo

    torna, em termos de humanidade, assptico o ambiente dos tribunais, 36

    fazendo mecnica e insensvel a atividade judiciria. E, todos sabemos, o

    exerccio da magistratura tarefa incmoda. Deve ser exercitada com todos os

    riscos inerentes ao ministrio.37 E isso compreende observar a curial

    recomendao norteamericana de que cumpre aos juzes cuidarem de smell

    the fear, coisa que, na sua traduo prtica para o caso, somente pode

    alcanada nas relaes entre presentes:

    Acrescentando-se a distncia e a assepsia gerada pelavirtualidade, teremos a indiferena e a insensibilidade do julgadorelevadas a nveis insuportveis. Se uma das maiores preocupaes quetemos hoje com o resgate da subjetividade e do prprio sentimento nojulgar (sentenciar = sententiando = sentire), combatendo o refgio na

    generalidade da funo e o completo afastamento do eu, o interrogatrioon-line um imenso retrocesso civilizatrio (na razo inversa do avanotecnolgico).38

    Mais do que modo de ver e ouvir, o interrogatrio evento

    afetivo, no sentido radical da expresso. Assim como em sesso psicanaltica,

    fundamental a presena fsica dos participantes em ambiente compartilhado.

    Duras crticas j foram, alis, desferidas contra a possibilidade de realizao de

    35 DOTTI, Ren Ariel. O interrogatrio distncia: um novo tipo de cerimnia degradante.Revista de Informao Legislativa. Braslia, ano 34, n 134, p. 269-273, abr.-jun. 1997, p. 273.36Some-se o desconforto que a presena do preso causa ao trazer para o ambiente asspticodos tribunais a desagradvel realidade das carceragens (OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt.Parecer da conselheira, relatora da comisso constituda para elaborar anteprojeto referente realizao de interrogatrio on-line para presos perigosos. Boletim do Instituto Brasileiro deCincias Criminais. So Paulo, ano 10, n 120, p. 2-4, novembro 2002, p. 3).37FERNANDES, Paulo Srgio Leite. A falcia..., op. cit., p. 2.38

    LOPES JR., Aury. O interrogatrio on line no processo penal: entre a assepsia judiciria e osexo virtual.Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais. So Paulo, ano 13, n 154, p.6-7, set. 2005, p. 6.

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    sesses psicanalticas por telefone, e cuja adoo tambm sustentada com

    base em razes de economia de tempo, de esforo e coisas que tais.39

    A comunicao no pode prescindir de tudo o que no verbal

    mas acompanha o que dissimulado por palavras.40 Quanto mais rica a

    relao in vivo, tanto mais eficaz o experimento.41A percepo nascida da

    presena fsica no se compara visual, dada a maior possibilidade de

    participao e o fato de aquela ser, ao menos potencialmente, muito mais

    ampla.

    Tais observaes podem bem ser transplantadas para o

    terreno crtico do processo penal, em razo do bvio contato pessoal que deve

    mediar entre acusado e juiz:

    Sendo o interrogatrio primordialmente um meio de defesa, nose pode admitir que seja possvel tal forma de inquirio. No importa oque o ru vai dizer ao julgador, se vai confessar ou no, se pretendeinvocar o direito de permanecer calado ou no, enfim, qualquer que sejaa hiptese, ele (acusado) tem o direito de avistar-se com o magistrado.Que meio de defesa seria esse que no permite ao ru nem mesmo

    ver e ouvir, pessoalmente, o rgo jurisdicional que vai julg-lo?No importa que no processo penal no vige o princpio daidentidade fsica do magistrado, pois o fato em jogo a

    possibilidade do acusado estar em contato com a pessoa de umjuiz (e no do juiz). Ele pode querer fazer alguma denncia demaus-tratos ou de tortura (far essa acusao estando dentro dacadeia, sob a fiscalizao das autoridades penitencirias?); podedesejar sentira posio do juiz para saber se vale a penaconfessarou no (algo que somente o contato humano pode avaliar); podeter a opo de contar ao interrogante alguma presso que sofreu

    ou esteja sofrendo para dizer algo que no deseja (de outro preso,por exemplo, pleiteando inclusive a mudana de cela ou depresdio), entre outras tantas hipteses possveis. Subtrair do ruessa possibilidade, colocando-o de um lado da linha telefnica,

    39ZALUSKY, Sharon. Telephone analysis: out of sight, but not out of mind. J. Am. PsychoanalAss., v. 46, n 4, 1998, p. 1221-1242.40ARGENTIERI, Simona eMEHLER, Jacqueline Amati. Anlisis portelefono: hola, quin habla?. Psi coanl i si s I nt er naci onal : Supl ement o, v. 12, n 1, j une 2003, p. 18- 19. 41

    HABIB, Luis E. Yamn. La presencia fisica: es un sine qua non delanlisis. Psi coanl i si s I nt er naci onal : Supl ement o, v. 12, n 1, j une2003, p. 25- 27.

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    enquanto o juiz fica do outro, conectados por um computador, frioe distante, sem razo especial (a no ser comodidade), ferir demorte os princpios do devido processo legal e da ampla defesa.42

    Assim, para o exerccio de tal atividade, sobretudo em razo das

    inmeras denncias de desrespeito aos direitos humanos por parte deagentes da represso em geral (policiais, agentes penitencirios), fundamental que o juiz converse com a pessoa do ru e no com umarepresentao de quem est constrangido num presdio, do outro lado dalinha. A prtica, alm de nada garantir quanto liberdade de autodefesaque o preso exerce ao ser interrogado, impossibilita uma perfeitapercepo da personalidade do ru, quer para fins de concesso deliberdade provisria, quer para a atividade futura de invidualizao dapena, se for caso de condenao. Mais que isto, em face do princpioconstitucional da ampla defesa (artigo 5o, LV, da Constituio Federal), ointerrogatrio h que ser feito na presena do defensor, que tem direito a

    intervir.43

    13. A prtica do interrogatrio por meio de videoconferncia viola,

    ademais, a publicidade que deve impregnar todos os atos do processo.

    Ao devido processo penal importa a ampla publicidade dos atos,exibindo-se a restrio qual excepcionalidade (arts. 5o, inc. LX e 93, inc.IX, da Constituio da Repblica, e, ainda, art. 792, caput, do Cdigo deProcesso Penal). As excees, agora apontadas na Lei Maior, so: defesada intimidade, interesse social e interesse pblico. O interesse pblicolimita-se ao escndalo, inconveniente grave, ou perigo de perturbao daordem (art. 792, 1o, do Cdigo de Processo Penal).

    A publicidade ativa, imediata, externa, ou direta permite quequalquer do povo presencie o ato processual, ou dele tomeconhecimento. s pessoas que assistem, a lei do processo denominouespectadores (art. 793, 1aparte e 795, do Cdigo de Processo Penal). evidncia, no se dar acesso carceragem, para tais pessoas. Reduz-se apublicidade e sem amparo constitucional.44

    14. No vejo, em sntese, como, luz da leitura constitucional do

    processo penal, absolver esse garantismo brasileira, segundo a fina ironia

    de ANTONIO MAGALHES GOMES FILHO, que, ao tratar da Lei paulista n

    42NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confisso no processo penal.2 ed. So Paulo:Revista dos Tribunais, 1999, p. 234-235. Grifei.43CINTRA JR., Dyrceu Aguiar Dias . Interrogatrio por videoconferncia..., op. cit., p. 99.44PITOMBO, Srgio Marcos de Moraes. Interrogatrio..., op. cit.

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    11.819/2005, a qual, afetando respeitar as garantias constitucionais, pretendeu

    instituir o interrogatrio mediante videoconferncia, no a poupou: a referncia

    expressa observncia das proclamadas garantias constitucionais busca

    ocultar justamente a violao dessas mesmas garantias pelo mtodo que a lei

    paulista quer adotar.45

    Todas as observaes crticas desguam na convico alimentadapela viso humanista do processo penal: a tecnologia no podersubstituir o crebro pelo computador e, muito menos, o pensamentopela digitao. necessrio usar a reflexo como contraponto damassificao. preciso ler nos lbios as palavras que esto sendo ditas;

    ver a alma do acusado atravs de seus olhos; descobrir a face humana

    que se escondera por trs da mscara do delinqente. preciso, enfim, aaproximao fsica entre o Senhor da Justia e o homem do crime, num gestode alegoria que imita o toque dos dedos, o afresco pintado pelo gnio deMichelangelo na Capela Sistina e representativo da criao de Ado.46

    15. Eivado de nulidade, pois, o interrogatrio do paciente, que,

    ainda sob a vigncia do art. 185, na redao anterior reforma de 2003, se

    realizou por teleaudincia, porque agride o direito de, no ato, estar o acusado

    perante o juiz.

    Esta Corte j proclamou que constitui direito do acusado, posto

    que preso, estar presente realizao de atos do procedimento penal:

    HABEAS CORPUS INSTRUO PROCESSUAL RUPRESO PRETENDIDO COMPARECIMENTO AUDINCIAPENAL PLEITO RECUSADO REQUISIO JUDICIALNEGADA SOB FUNDAMENTO DA PERICULOSIDADE DO

    ACUSADO INADMISSIBILIDADE A GARANTIACONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA: UMA DASPROJEES CONCRETIZADORAS DA CLUSULA DO DUEPROCESS OF LAW CARTER GLOBAL E ABRANGENTE DAFUNO DEFENSIVA: DEFESA TCNICA E AUTODEFESA(DIREITO DE AUDINCIA E DIREITO DE PRESENA) PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS EPOLTICOS/ONU (ARTIGO 14, N. 3, D) E CONVENO

    AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS/OEA (ARTIGO 8, 2,D E F) DEVER DO ESTADO DE ASSEGURAR, AO RU

    45GOMES FILHO, Antonio Magalhes. Garantismo paulista..., op. cit., p. 6.46DOTTI, Ren Ariel.O interrogatrio distncia..., op. cit., p. 273.

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    PRESO, O EXERCCIO DESSA PRERROGATIVA ESSENCIAL,ESPECIALMENTE A DE COMPARECER AUDINCIA DEINQUIRIO DAS TESTEMUNHAS, AINDA MAIS QUANDO

    ARROLADAS PELO MINISTRIO PBLICO RAZES DECONVENINCIA ADMINISTRATIVA OU GOVERNAMENTAL

    NO PODEM LEGITIMAR O DESRESPEITO NEMCOMPROMETER A EFICCIA E A OBSERVNCIA DESSAFRANQUIA CONSTITUCIONAL NULIDADE PROCESSUAL

    ABSOLUTA AFASTAMENTO, EM CARTER EXCEPCIONAL, NOCASO CONCRETO, DA INCIDNCIA DA SMULA 691/STF HABEAS CORPUSCONCEDIDO DE OFCIO.

    O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, deassistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atosprocessuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instruodo processo penal, que se realiza, sempre, sob a gide do contraditrio.So irrelevantes, para esse efeito, as alegaes do Poder Pblico

    concernentes dificuldade ou inconvenincia de proceder remoo deacusados presos a outros pontos do Estado ou do Pas, eis que razes demera convenincia administrativa no tm nem podem ter precedncia sobre as inafastveis exigncias de cumprimento e respeitoao que determina a Constituio. Doutrina. Jurisprudncia.

    O direito de audincia, de um lado, e o direito de presena doru, de outro, esteja ele preso ou no, traduzem prerrogativas jurdicasessenciais que derivam da garantia constitucional do due process of law eque asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aosatos processuais a serem realizados perante o juzo processante, aindaque situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o ru.

    Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos/ONU (Artigo 14, n.3, d) e Conveno Americana de Direitos Humanos/OEA (Artigo 8, 2, d e f).

    Essa prerrogativa processual reveste-se de carter fundamental,pois compe o prprio estatuto constitucional do direito de defesa,enquanto complexo de princpios e de normas que amparam qualqueracusado em sede de persecuo criminal, mesmo que se trate de ruprocessado por suposta prtica de crimes hediondos ou de delitos a estesequiparados. Precedentes (HC n 86.634, Rel. Min. CELSO DEMELLO, DJ de 23.02.2007).

    DIREITO DO RU PRESO DE SER REQUISITADO E DECOMPARECER AO JUZO DEPRECADO PARA OS ATOS DEINSTRUO PROCESSUAL POLMICA DOUTRINRIA E

    JURISPRUDENCIAL EM TORNO DO TEMA ANULAO DOPROCEDIMENTO PENAL - CONCESSO DO WRIT O acusado

    inobstante preso e sujeito custdia do Estado tem o direito decomparecer, assistir e presenciar os atos processuais, especialmenteaqueles realizados na fase instrutria do processo penal condenatrio.Incumbe ao poder pblico requisitar o ru preso para presenciar, nojuzo deprecado, a inquirio de testemunhas. Essa requisio do

    acusado preso, que objetiva garantir-lhe o comparecimento a instruocriminal, traduz conseqncia necessria dos princpios constitucionais

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    que asseguram aos rus em geral, em carter indisponvel, o direito aodue process of law e, por via de conseqncia, ao contraditrio e aampla defesa, com todos os meios e recursos a esta inerentes. Soirrelevantes, nesse contexto, as alegaes do poder pblico concernentesa dificuldade ou inconvenincia de proceder a remoo de acusados

    presos a outros pontos do Estado ou do pais. essas alegaes, de meraconvenincia administrativa, no tem - e nem podem ter - precednciasobre as inafastveis exigncias de cumprimento e respeito ao quedetermina a constituio. polemica doutrinria e jurisprudencial em tornodesse tema. a posio (majoritria) da jurisprudncia do supremo tribunalfederal: ocorrncia de nulidade meramente relativa. ressalva da posiopessoal do relator, para quem a violao desse direito implica nulidadeabsoluta do processo penal condenatrio. a presena do acusado e a suaparticipao pessoal nos atos processuais constituem expresso concretado direito de defesa. perspectiva global da funo defensiva: a autodefesada parte e a defesa tcnica do advogado (HC N 67.755, Rel. Min.

    CELSO DE MELLO, DJ de 11.09.1992).

    O pr ej u zo or i undo da supr esso do

    i nt er r ogat r i o ent r e pr esent es i nt ui t i vo, embor a de

    demonst r ao i mposs vel . Por ocasi o da def esa pr vi a, o

    procur ador nomeado j pugnou pel a nul i dade do

    i nt er r ogat r i o ( ar t . 564, i nc. I I I , e, c. c. ar t . 572 do

    Cdi go de Pr ocesso Penal ) . E no h como saber se, di ant e

    da pr esena f si ca do paci ent e no at o de i nt er r ogat r i o, se

    t er i a modi f i cado o desf echo da causa.

    A i nt ei r eza do pr ocesso penal exi ge def esa

    ef et i va, por f or a da Const i t ui o que a gar ant e em

    pl eni t ude. At na I t l i a, onde se per mi t e recur so

    vi deoconf er nci a, r econhece- se que sua pr t i ca f er e o

    di r ei t o de def esa, por que leffetiva, piena e sostanziale

    partecipazione dellimputato al procedimento penale pu

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    realizzarsi esclusivamente mediante la presenza fisica

    dello stesso alle udienze. 47

    Quando se i mpede o r egul ar exerc ci o da

    aut odef esa, por obr a da adoo de pr ocedi ment o sequer

    pr evi st o em l ei , t em- se agr avada r est r i o def esa penal ,

    enquant o i ncompat vel com o r egr ament o cont i do no ar t . 5o,

    LV, da Const i t ui o da Repbl i ca, o que conduz nul i dade

    absol ut a do pr ocesso, como a t em r econheci do est e Tr i bunal ,

    vi st a de pr ej u zo nsi t o ao descumpr i ment o da f or ma

    procedi ment al adequada:

    II Defesa Entorpecentes Nulidade por falta deoportunidade para a defesa preliminar prevista no art. 38 da L.10.409/02: demonstrao de prejuzo: prova impossvel (HC 69.142, 1

    T., 11.2.92, Pertence, RTJ 140/926; HC 85.443, 1 T., 19.4.05, Pertence,DJ 13.5.05). No bastassem o recebimento da denncia e asuperveniente condenao do paciente, no cabe reclamar, a ttulode demonstrao de prejuzo, a prova impossvel de que, se

    utilizada a oportunidade legal para a defesa preliminar, a dennciano teria sido recebida (HC n 84.835, Rel. Min. SEPLVEDAPERTENCE, DJ de 26.08.2005. Grifos nossos).

    16. Diante do exposto, concedo a ordem, para anular o Processo-

    Crime n 050.02.061370-9, que tramitou pela 30aVara Criminal do Foro Central

    da comarca da Capital/SP, a contar do interrogatrio do paciente, inclusive.

    47CONTI, Carlotta.Rimedi processuali..., op. cit.,p. 1279.