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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE “VENDE-SE JUVENTUDE”: UMA ANÁLISE DE ASPECTOS DA TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA EM ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DA REVISTA MARIE CLAIRE Aline Torres Sousa Carvalho 1 Guilherme Jorge de Rezende 2 Introdução O objetivo deste trabalho é analisar, sob a perspectiva da Teoria Semiolinguística, proposta por Charaudeau (2008), os aspectos discursivos de quatro campanhas publicitárias, que têm como tema a promessa da juventude, veiculadas na Revista Marie Claire, de Junho de 2010. A análise dos anúncios abordará o contrato de comunicação publicitária, proposto por Soulages (1996) e enfatizará o modo de organização do discurso enunciativo, a fim de identificar como os sujeitos falantes desses anúncios publicitários posicionam-se diante de seus interlocutores e que relações estabelecem com eles, consigo mesmos e com o mundo. Para a realização deste trabalho, em primeiro lugar, serão explicitados alguns conceitos básicos da Teoria de Charaudeau (2008) e da proposta do contrato de comunicação publicitária, de Soulages (1996), considerados pertinentes a este estudo. Em seguida, será realizada a análise dos textos publicitários e, por fim, serão tecidas algumas considerações finais. 1. O ato de linguagem como encenação A Teoria Semiolinguística, de Patrick Charaudeau (2008), considera a linguagem como um processo sociointeracional, no qual se inserem quatro sujeitos: a) os sujeitos do dizer (EU enunciador e TU destinatário); b) os sujeitos do fazer (EU comunicante e TU interpretante). Assim, o ato de linguagem é composto por um circuito interno, que corresponde aos sujeitos do dizer ou seres de fala, e um circuito externo, que corresponde aos sujeitos do fazer, ou seres agentes, conforme o quadro abaixo: 1 Mestre em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del- Rei, especialista em Educação pela Universidade Federal de Lavras e graduada em Letras pela Universidade Federal de São João del-Rei. 2 Doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e professor do Programa de Mestrado em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura da Universidade Federal de São João del- Rei. Autor do livro Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial (2000).

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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE

“VENDE-SE JUVENTUDE”: UMA ANÁLISE DE ASPECTOS DA TEORIA

SEMIOLINGUÍSTICA EM ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DA REVISTA

MARIE CLAIRE

Aline Torres Sousa Carvalho1

Guilherme Jorge de Rezende2

Introdução

O objetivo deste trabalho é analisar, sob a perspectiva da Teoria Semiolinguística,

proposta por Charaudeau (2008), os aspectos discursivos de quatro campanhas

publicitárias, que têm como tema a promessa da juventude, veiculadas na Revista Marie

Claire, de Junho de 2010.

A análise dos anúncios abordará o contrato de comunicação publicitária, proposto

por Soulages (1996) e enfatizará o modo de organização do discurso enunciativo, a fim

de identificar como os sujeitos falantes desses anúncios publicitários posicionam-se

diante de seus interlocutores e que relações estabelecem com eles, consigo mesmos e

com o mundo.

Para a realização deste trabalho, em primeiro lugar, serão explicitados alguns

conceitos básicos da Teoria de Charaudeau (2008) e da proposta do contrato de

comunicação publicitária, de Soulages (1996), considerados pertinentes a este estudo.

Em seguida, será realizada a análise dos textos publicitários e, por fim, serão tecidas

algumas considerações finais.

1. O ato de linguagem como encenação

A Teoria Semiolinguística, de Patrick Charaudeau (2008), considera a linguagem

como um processo sociointeracional, no qual se inserem quatro sujeitos: a) os sujeitos

do dizer (EU enunciador e TU destinatário); b) os sujeitos do fazer (EU comunicante e TU

interpretante). Assim, o ato de linguagem é composto por um circuito interno, que

corresponde aos sujeitos do dizer ou seres de fala, e um circuito externo, que

corresponde aos sujeitos do fazer, ou seres agentes, conforme o quadro abaixo:

1 Mestre em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-

Rei, especialista em Educação pela Universidade Federal de Lavras e graduada em Letras pela Universidade Federal de São João del-Rei.

2 Doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e professor do Programa de Mestrado em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura da Universidade Federal de São João del-Rei. Autor do livro Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial (2000).

2

Figura 1: Ato de linguagem. Fonte: Charaudeau (2008), p. 52.

O EU comunicante é aquele que dá início ao processo de comunicação, “é um

sujeito agente que se institui como locutor e articulador de fala” (Charaudeau, 2008, p.

48). Ele tem um propósito e para atingi-lo utiliza a linguagem a partir de estratégias e

contratos de fala. Nesse processo, surge o EU enunciador, que é uma imagem criada pelo

EU comunicante a fim de atingir seu objetivo junto ao TU interpretante. Conforme

Charaudeau (2008), o EU enunciador também é uma imagem criada pelo TU

interpretante, que supõe uma intencionalidade do EU comunicante. Do outro lado do

quadro, e do processo sociocomunicativo, encontram-se o TU destinatário e o TU

interpretante, sendo que o primeiro corresponde ao “interlocutor fabricado pelo EU como

destinatário ideal, adequado ao seu ato de enunciação” (Charaudeau, 2008, p. 45). O TU

destinatário é uma hipótese de interlocutor construída pelo EU. Essa hipótese pode ou

não ser confirmada, conforme o êxito do EU comunicante, uma vez que existe o quarto

sujeito do ato de comunicação, que é o TU interpretante. O TU interpretante é instaurado

pelo processo de interpretação da enunciação e não depende do EU. Ele foge ao seu

controle. Assim, ao envolver-se no ato comunicacional, o EU comunicante busca uma

coincidência entre o TU destinatário e o TU interpretante, para que seu propósito

comunicacional seja atingido.

Charaudeau (2001) classifica os sujeitos supracitados como parceiros e

protagonistas. O EU comunicante e o TU interpretante devem reconhecer-se no contrato

de comunicação, sendo parceiros. Em uma sala de aula, por exemplo, professor e aluno

estabelecem entre si um jogo no qual eles reconhecem uma relação de poder. O

reconhecimento dessa relação não é esperado, da mesma maneira, se esses dois seres

sociais se encontram em outra situação de comunicação, como uma festa ou um bar. Os

2

protagonistas são o Eu enunciador e o TU destinatário, que são os “seres de fala da

encenação do dizer, produzida pelo EU comunicante e interpretada pelo TU interpretante”

(Charaudeau, 2001, p. 32, grifos do autor).

Assim, na Semiolinguística, o ato comunicativo é caracterizado como mise-em-

scène, que é esse processo no qual os sujeitos sociais, para atingir seus objetivos ou

efeitos no ato comunicacional, colocam em cena seus seres de fala. A comunicação

linguajeira é, então, uma encenação. Conforme Machado (2001), essa teoria tem como

ponto forte o fato de ela considerar o ato de linguagem como um “jogo” de equilíbrio e

ajustamento entre as normas de um discurso e a margem de manobras possíveis nesse

mesmo discurso, o que origina as estratégias dos sujeitos comunicante e interpretante.

Assim, os sentidos são sempre negociáveis entre os protagonistas da comunicação,

dependendo das estratégias e do contrato estabelecidos entre eles.

Nessa perspectiva, o ato de linguagem não é um processo de comunicação direta

e transparente entre um emissor e um destinatário. Ao contrário, é um processo de

encenação por meio do qual os seres sociais lançam-se em “uma expedição e uma

aventura” (Charaudeau, 2008, p.56). O sujeito comunicante, o ser social dotado de

propósitos, organiza seu dizer com o objetivo de atingir seu destinatário, mas não tem o

total controle dos efeitos de sua enunciação.

2. Os modos de organização do discurso

Conforme a Semiolinguística, na encenação comunicativa, o sujeito falante

organiza as categorias linguísticas de acordo com suas finalidades discursivas, com seu

projeto de fala, em um processo denominado modos de organização do discurso. São

quatro os modos estabelecidos por Charaudeau (2008): o enunciativo, o descritivo, o

narrativo e o argumentativo. Cada um desses modos possui uma função de base, que é a

finalidade do falante (narrar, descrever, argumentar) e um princípio de organização da

encenação (que é o modo com o qual o falante posiciona-se, descrito pelo modo

enunciativo). Conforme o autor, esses modos coexistem nos atos de linguagem e o modo

enunciativo comanda os demais modos.

O modo de organização enunciativo permite compreender a posição do sujeito

falante em relação ao interlocutor, ao que ele (o sujeito) diz e ao que um terceiro diz

(Charaudeau, 2008), de modo que a construção enunciativa pode ocorrer a partir de três

comportamentos:

a) Alocutivo: o sujeito falante enuncia sua posição em relação ao interlocutor,

impondo-lhe um comportamento.

b) Elocutivo: o sujeito falante enuncia sua posição sobre o mundo, sem envolver o

interlocutor nessa posição.

2

c) Delocutivo: o sujeito falante apaga-se em sua enunciação, tornando-a

aparentemente objetiva.

O modo de organização descritivo é formado por três componentes: nomear,

localizar-situar e qualificar. Nomear é “fazer existir seres significantes no mundo, ao

classificá-los.” (Charaudeau, 2008, p. 112, grifos do autor). Por meio do processo de

nomeação, o sujeito dá sentido aos seres a partir de sua visão de mundo. Localizar-situar

é posicionar os seres no tempo e no espaço, também a partir da visão de mundo dos

sujeitos culturais; qualificar é atribuir aos seres nomeados características específicas que

os subdividem em classes ou grupos, a partir da visão do sujeito falante.

O modo narrativo caracteriza-se por uma sequência de eventos consecutivos,

proferidos por um narrador, que possui a intencionalidade de contar tais eventos de

determinada maneira a um destinatário (Charaudeau, 2008). Ou seja, os

acontecimentos, no modo narrativo, devem estar inseridos num contexto.

E, por fim, no modo de organização do discurso argumentativo, o sujeito elabora

explicações, asserções sobre o mundo, com as quais tenta persuadir o interlocutor em

seu comportamento. Para que haja esse modo de organização, devem existir: uma

proposta sobre o mundo que incite o debate, o questionamento; um sujeito que defenda

tal proposta; e outro sujeito que seja o alvo da argumentação, ou seja, ao qual o locutor

quer convencer.

3. O contrato de comunicação publicitária

Cada contrato comunicacional pressupõe um jogo de linguagem e estratégias

específicas, à medida que os interlocutores devem se reconhecer parceiros na

encenação. Assim, os indivíduos envolvidos nas práticas sociais estabelecem um

consenso em relação às representações linguajeiras que concernem a essas práticas

(Charaudeau, 2008). É como se, de modo consciente ou não, os sujeitos envolvidos em

uma comunicação estabelecessem regras para suas encenações. A partir dessas regras,

o sujeito comunicante (EU comunicante) organiza sua enunciação para atingir

determinados efeitos junto ao sujeito interpretante (TU interpretante).

A publicidade constitui um campo específico de práticas sociais, que pressupõe a

existência de determinado contrato comunicacional entre o sujeito comunicante e o

interpretante. Conforme Soulages (1996), a publicidade constitui um contrato

sociolinguajeiro no qual a finalidade do EU comunicante, seu projeto de fala, é persuadir

o consumidor de publicidade (o TU interpretante) para transformá-lo em consumidor de

mercadorias. Assim:

No ato da linguagem de um discurso publicitário, pode-se dizer que é fabricada uma imagem de um TUd a quem falta alguma coisa; esse TUd “deve procurar

2

preencher essa falta”. Então, uma hipótese é criada por parte do EU-publicitário, que supõe que o TUi se identificará com a imagem do TUd que foi proposta.” (CHARAUDEAU, 2008, p. 46-47, grifos do autor).

No contrato de comunicação publicitária, os parceiros e os protagonistas

envolvidos na encenação comunicativa podem ser especificados pelo quadro abaixo:

Figura 2: Contrato de comunicação publicitária. Fonte: Soulages, 1996, p. 146.

Assim, o circuito externo e o interno são organizados a partir de uma situação

específica, que é a econômica. No circuito externo, encontram-se o EU comunicante,

composto pela empresa e o publicitário (a) 3, que são os seres sociais que dão origem à

situação comunicativa, com o objetivo de anunciar seus produtos; e o TU interpretante,

composto pelos consumidores da publicidade e, se atingido o objetivo do EU

comunicante, consumidores do produto. O TU interpretante é responsável pela

interpretação da mensagem enunciada, podendo comprar ou não a mercadoria

anunciada. O circuito interno possui, de um lado, o EU enunciador benfeitor, que é

aquele que oferece o produto como um bem e não se revela como publicitário. Ele é uma

imagem de enunciador construída pelo EU comunicante e pelo TU interpretante. De outro

lado, encontra-se o TU destinatário beneficiário que, na encenação, deve reconhecer tal

produto como um bem. O TU destinatário é representado pelos (as) leitores (as)

/telespectadores (as) da mensagem veiculada. No circuito externo, entre os parceiros

dessa comunicação, encontra-se o produto anunciado, a mercadoria, representado como

X. E no circuito interno, entre os protagonistas, encontra-se a mensagem publicitária,

que é um objeto cultural, representado por X’.

3 Neste trabalho, o responsável pela criação das mensagens publicitárias será representado pelo termo

“publicitário (a)”, contudo, sabe-se que essa responsabilidade pode ser atribuída tanto a uma única pessoa ou

a uma equipe, dependendo da configuração da empresa.

2

4. Analisando anúncios publicitários

A partir do referencial teórico abordado acima, este trabalho propõe analisar

quatro anúncios publicitários, veiculados na Revista Marie Claire de Junho de 2010. A

escolha desses anúncios foi feita a partir do tema: são produtos de beleza que prometem

a juventude. Muito embora tais mensagens sejam construídas tanto por textos verbais

quanto por imagens, em função dos limites deste artigo, será priorizada a linguagem

verbal. Os anúncios analisados encontram-se em anexo. As mensagens verbais estão

transcritas abaixo, seguidas de suas respectivas análises. Para melhor visualização dos

elementos identificados, os enunciados dos anúncios foram divididos.

4.1) Anúncio A1:

(a) Pele mais jovem? Eu quero pele nova.

(b) Renew Reversalit.

(c) O primeiro com a tecnologia activinol. Ajuda a criar novas células e a reverter

dramaticamente as rugas visíveis. É tão efetivo que a pele parece nova... Da

noite para o dia. 73% das mulheres já sentiram a diferença.

(d) Sinta você também.

(e) Você quer? Agora você pode.

(f) Fale com uma revendedora Avon ou ligue para 0800 708 2866 –

WWW.avon.com.br

O quadro de Soulages (1996) pode ser aplicado aos quatro anúncios em questão.

Nessa primeira mensagem publicitária, tem-se:

EU comunicante: Avon + publicitário (a) responsável pela criação da mensagem.

TU interpretante: consumidores (as) da Revista, do produto Avon, da publicidade.

EU enunciador benfeitor: a modelo inglesa Yasmin Le Bon, uma mulher de 45

anos, que possui uma pele que, no imaginário dessa sociedade, é considerada

bonita, é um valor.4

TU destinatário beneficiário: mulheres não muito jovens, leitoras da Revista Marie

Claire, as quais o EU comunicante imagina que serão influenciadas pela promessa

de uma pele mais jovem.

4 Embora este trabalho se detenha apenas ao aspecto verbal dos anúncios, há de se considerar o icônico, ou

seja, a imagem da modelo presente no anúncio, uma vez que, apesar de não haver seu nome mencionado no

anúncio verbal, é a ela que o EU comunicante recorre para dar credibilidade e legitimidade ao seu anúncio

publicitário e, portanto, à sua mercadoria.

2

X: Renew Reversalit.

X’: a juventude.

Em (A1), o EU comunicante utiliza a imagem da modelo inglesa Yasmin Le Bon

para dar credibilidade à fala, tornando mais sedutor o produto anunciado. Está implícito

no anúncio um dos valores da sociedade contemporânea: o culto à beleza e à juventude,

de modo que a modelo, de 45 anos, se torna um referencial a ser seguido pelas mulheres

dessa faixa etária.

Na organização enunciativa desse anúncio, o projeto de fala do interlocutor é

organizado pelos três tipos de comportamento propostos por Charaudeau (2008): o

alocutivo, o elocutivo e o delocutivo.

Em (a), o locutor tem um comportamento elocutivo, pois ele estabelece uma

relação consigo mesmo, explicitando seu ponto de vista, que no caso é um desejo. Ao

expressar esse desejo, ele expõe uma qualificação avaliativa do que é aceito no

imaginário social: uma pele nova, que, implicitamente, está em oposição a uma pele

velha. Ou seja, a juventude em contraposição à velhice.

Após dizer o nome do produto, o locutor assume, em (c), um comportamento

delocutivo, no qual ele apaga as marcas explícitas de seu ponto de vista em relação ao

produto por meio da asserção. Assim, o propósito desse enunciado é dito como uma

verdade aparentemente objetiva, como se ele existisse por si só, independentemente do

enunciador.

Com o ato alocutivo, o falante impõe um comportamento ao interlocutor,

interpelando-o. O EU enunciador dirige-se explicitamente ao TU destinatário por meio do

pronome “você” em (d) e em (e), na frase que constitui o slogan da Avon. O

comportamento alocutivo também é explícito pelo uso dos verbos no imperativo “sinta”

em (d) e “fale” e “ligue” em (f). Desse modo, o locutor espera que o interlocutor se

identifique à interpelação da campanha publicitária e se torne, além de consumidor dessa

publicidade, consumidor do produto anunciado. Se isso ocorrer, o circuito comunicacional

estará completo e o EU comunicante terá atingido seu objetivo.

4.2) Anúncio A2:

Páginas 1 e 2:

(a) Tem o tempo do relógio, o tempo das idades, impessoal, feito só de tempo. E

tem o tempo feito de sentimentos, vivências.

(b) O tempo faz sua história.

2

(c) Não foi o calendário que criou seu rosto. Foi a vida.

(d) Rodapé: Sílvia, 48 anos, mãe de dois filhos, é personal trainer e completou a

Maratona de Nova York em 3 horas e 59 minutos.

Páginas 3 e 4:

(e) Cada rosto tem uma história. Cada história tem um Chronos.

(f) Nova linha Natura Chronos.

(g) Agora você escolhe Chronos pela idade e pela intensidade de sinais.

(h) Tudo em um só produto: Firmeza, redução dos sinais, hidratação, proteção,

bloqueio dos radicais livres. 100% verdade.

(i) Rodapé: Tem um para sua história. Chronos Natura.

Neste anúncio, de acordo com o quadro de Soulages (1996), tem-se:

EU comunicante: Natura + publicitário (a) responsável pela criação da mensagem.

TU interpretante: consumidores (as) da Revista, do produto Natura, da

publicidade.

EU enunciador benfeitor: Sílvia, uma personal trainer de 48 anos, mãe de dois

filhos, que completou a maratona de Nova York em 3 horas e 59 minutos.

TU destinatário beneficiário: mulheres que têm idade a partir de 25 anos, leitoras

da Revista Marie Claire, as quais o EU comunicante imagina que serão

influenciadas pela promessa de um rosto com menos sinais de expressão.

X: Chronos.

X’: a juventude.

Em (A2) o modo de organização do discurso enunciativo é composto pelos

comportamentos delocutivo e alocutivo. O ato delocutivo está em (a), (e) e (h), que são

alocuções marcadas pelo distanciamento do interlocutor. Este tece afirmações sobre o

tempo em (a), estabelece as relações entre cada ser humano, sua história/idade e o

produto anunciado em (b) e em (h) mostra as qualidades do produto, também a partir

do que é valorizado no imaginário social, conferindo-lhe legitimidade. O comportamento

alocutivo pode ser observado em (b), (c) e (i) por meio do pronome “sua”, e em (g), com

o uso da forma “você”. Nessas duas alocuções, o locutor interpela o interlocutor,

dirigindo-se explicitamente a ele. Há de se destacar, ainda, nesse anúncio, a presença

explícita do EU enunciador, através não só de sua imagem, mas de seu nome e de uma

breve descrição de quem é ele em (d). Assim, é como se esse EU enunciador assinasse a

2

mensagem, legitimando as considerações feitas anteriormente sob o comportamento

delocutivo.

4.3) Anúncio A3:

(a) O tempo deixa marcas.

(b) Rennovee.

Aplicando o quadro de Soulages (1996) no terceiro anúncio, tem-se:

EU comunicante: Nutrilatina + publicitário (a) responsável pela criação da

mensagem.

TU interpretante: consumidores (a) da Revista, do produto Nutrilatina, da

publicidade.

EU enunciador benfeitor: a modelo russa Kristina Rudenkaya.

TU destinatário beneficiário: mulheres não muito jovens, leitoras da Revista Marie

Claire, as quais o EU comunicante imagina que serão influenciadas pela promessa

de renovação da pele do rosto.

X: Rennovve.

X’: a juventude.

O anúncio (A3) é organizado de modo sintético, de maneira que a interpelação do

interlocutor ocorre por meio de um jogo de linguagem com o próprio nome do produto.

Rennovee é um substantivo próprio que nomeia a mercadoria anunciada, mas é também

um verbo no imperativo (renove). Desse modo, o próprio nome do produto impõe um

comportamento ao interlocutor, que deve identificar-se com tal comportamento e buscar

uma pele mais jovem e bonita, renovada. O modo com o qual o locutor utiliza o nome em

sua enunciação, em (b), é marcado pelo ato alocutivo. Para dar legitimidade ao

enunciado, o EU comunicante tem como enunciador uma modelo de origem russa que

obedece aos padrões de beleza europeus: ela possui pele clara, olhos verdes, cabelos

lisos e claros. Muito embora a publicidade esteja sendo veiculada no Brasil, tem-se o

mesmo efeito de legitimidade do anúncio, uma vez que as brasileiras e os brasileiros são,

ainda, muito influenciadas/os pelos valores europeus. Antes, porém, há o

comportamento delocutivo em (a), pois o locutor postula uma “verdade”, aparentemente

objetiva. Ele cria o efeito de que tal enunciação não seja fruto de seus próprios

julgamentos e valores.

2

4.4) Anúncio A4:

(a) A mãe que todas querem ser.

Em forma e bonita.

(b) Milhares de mulheres bonitas de verdade experimentaram Linolen.

(c) Este depoimento é real. Linolen foi desenvolvido por pesquisadores com

exclusivo processo de filtragem e concentração. Uma inovação tecnológica criada

pela Líder em Suplementos do Brasil e da América Latina, a Nutrilatina.

(d) “Corro no parque, faço esteira, abdominais... E não fico sem Linolen.”

Christiane Michelin Mansur, 45 anos, dona de restaurante e mãe de Anna Clara e

Maria Luisa.

Analisando os participantes do contrato de comunicação publicitária, tem-se:

EU comunicante: Nutrilatina + publicitário (a) responsável pela criação da

mensagem.

TU interpretante: consumidores (as) da Revista, do produto Nutrilatina, da

publicidade.

EU enunciador benfeitor: Christiane Michelin Mansur, 45 anos, dona de

restaurante e mãe de Anna Clara e Maria Luisa.

TU destinatário beneficiário: mães, leitoras da Revista Marie Claire, as quais o EU

comunicante imagina que serão influenciadas pela promessa de garantia de um

corpo bonito, mesmo com o passar do tempo.

X: Linolen.

X’: a juventude.

O quarto e último anúncio analisado neste trabalho é a publicidade de um produto

para emagrecimento, que não apresenta explicitamente a promessa de juventude.

Contudo, essa promessa está implícita no uso da palavra “mãe” em (a) e pela própria

imagem da mulher magra e jovem, com suas duas filhas adolescentes. Desse modo, o

ideal de um corpo perfeito está intimamente relacionado ao ideal de juventude e vice-

versa.

Quanto ao modo de organização enunciativo do discurso, estão presentes nesse

anúncio o comportamento delocutivo e o elocutivo. Em (a) o locutor apaga-se de seu

enunciado e ratifica valores socialmente estabelecidos na sociedade contemporânea, que

são o culto ao corpo magro e a necessidade de uma constante juventude. Com esse

comportamento, o interlocutor consegue dar mais credibilidade ao seu texto, uma vez

2

que confere à mensagem um caráter de objetividade e universalidade. Não é apenas o

EU enunciador quem pensa assim, mas essa ideia é consensualmente aceita. O mesmo

processo de apagamento das marcas de subjetividade do EU enunciador ocorre em (b) e

(c). O ato elocutivo está presente em (d), quando o EU enunciador, representado por

uma mãe, de 45 anos, bonita, magra e jovem, assina o anúncio com seu depoimento (o

qual já fora postulado como verdadeiro em (c)). Nesse caso, a busca pela legitimidade da

publicidade e do produto é explícita verbalmente, por meio do ponto de vista do locutor

(Christhine) em relação ao produto.

Considerações finais

Por meio da linguagem, seres sociais agem na sociedade e interagem entre si,

sendo capazes de realizar seus objetivos e desejos, manifestar suas opiniões, persuadir,

estabelecer relações sociais de poder. Isso implica dizer que a linguagem é uma prática

social.

A Teoria Semiolinguística de Charaudeau (2008) oferece meios de se compreender

como esta prática social é realizada discursivamente no cotidiano dos sujeitos. Ao definir

o ato de comunicação como uma encenação, o autor possibilita a compreensão de como

um ser social, dotado de uma intencionalidade, organiza seu projeto de fala, com

estratégias e contratos, de modo a gerar o efeito de sentido pretendido em seu

interlocutor.

Desse modo, é possível compreender como os diversos gêneros textuais são

manifestações de sujeitos sociais e, dentre esses gêneros, como o texto publicitário é

organizado de modo a interpelar os sujeitos. A publicidade é um espaço de estratégias

discursivas por meio das quais o sistema capitalista cria necessidades para seus

produtos, gera demandas, de modo que o TU interpretante, ou seja, os (as)

consumidores (as) comprem tais produtos.

Ao criar necessidades, a publicidade cria, de certa forma, subjetividades, pois

interfere nos modos de pensar e agir dos sujeitos sociais. No caso dos anúncios

analisados neste trabalho, a publicidade visa a um público específico, que são mulheres

de determinada faixa etária, e age no sentido de ratificar nelas um valor presente na

sociedade contemporânea: a juventude. O texto publicitário atua, então, em um duplo

sentido: ele forja subjetividades condizentes com as necessidades do capitalismo, mas o

faz a partir das próprias condições de produção oferecidas pelo meio social no qual se

insere.

Em contrapartida, como TU interpretante do contrato de comunicação publicitária,

os sujeitos sociais podem se identificar ou não com o TU destinatário do mesmo contrato.

Ou seja, por um maior ou menor reconhecimento das estratégias de comunicabilidade, os

2

seres sociais podem responder “sim” ou “não” à interpelação publicitária, de modo que

determinados valores sociais podem ser corroborados ou modificados. No caso das

mulheres as quais se destinam os anúncios analisados, elas podem confirmar ou negar

as representações sociais estereotipadas do feminino, que são produzidas

discursivamente e comumente veiculadas pela mídia (a mulher como aquela que deve

estar sempre bonita e atraente para o homem, que deve estar sempre jovem). Assim, a

linguagem representa, então, um espaço de estratégias e lutas ideológicas, como afirma

Bakhtin (1988) em Marxismo e Filosofia da Linguagem.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988. CHARAUDEAU, P. Linguagem e discurso: modos de organização. Trad. Angela M. S. Correa & Ida Lúcia Machado. São Paulo: Contexto, 2008. MACHADO, I.L. Uma teoria de análise do discurso: a Semiolinguística. In: MARI, H. Et allii Análise do discurso: fundamentos e práticas.Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso-FALE UFMG, 2001. SOULAGES, J.C. Discurso e mensagens publicitárias. In: O discurso da mídia. CARNEIRO, A.D. (org.). Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996.

2

Anexos:

Anúncio A1:

Fonte: Revista Marie Claire Junho 2010, n º 231, p. 04-05.

2

Anúncio A2:

Fonte: Revista Marie Claire Junho 2010, nº 231, p. 18-21.

2

Anúncio A3:

Fonte: Revista Marie Claire Junho 2010, nº 231, p. 57.

2

Anúncio A4:

Fonte: Revista Marie Claire Junho 2010, nº231, p. 89.