Universidades Indígenas: Programas de Educação Superior Indígena na America Latina: A Caminho de...

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Universidades Indígenas Programas de Educação Indígena Superior na América Latina: A Caminho de uma Ciência Intercultural? Jan Linhart Alemanha 2007 - 1 -

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Universidades Indígenas

Programas de Educação Indígena Superior na América Latina:

A Caminho de uma Ciência Intercultural?

Jan Linhart

Alemanha 2007

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para Marina

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Conteúdo

A.Agradecimento ....................................................................................................................... 5

B.Prefácio .................................................................................................................................... 6

C.Introdução .............................................................................................................................. 10

I.Parte : Universidades Indígenas ............................................................................................. 16

1.Uma educação indígena institucionalizada – uma Contradição? .......................................................16

1.1.A Escola..........................................................................................................................................17

1.1.1. Instrumento da Catequização e da “Civilização”........................................................................18

1.1.2. Instrumento do “Resgate” da Cultura e da Língua Indígena?......................................................22

1.2.“Universidades Indígenas”.............................................................................................................31

1.2.1. Amawtay Wasi............................................................................................................................35

1.2.2. Espaços Errados & Mnemotécnicas Alheias...............................................................................40

1.2.3. Conhecimentos segredos & “malícia indígena”..........................................................................44

1.2.4. A condição poder-saber – um conceito (neo-) indígena?.............................................................51

2.Propostas proprias – conceitos & métodos........................................................................................54

2.1.O Próprio........................................................................................................................................55

2.2.“Tradição”?.....................................................................................................................................65

2.3.Tentativas de Revitalizar ou Construção (Coletiva)?......................................................................68

2.4.Investigação & Sistematização ......................................................................................................72

2.4.1. A Escritura: Fonte e Produto da Sistematização..........................................................................76

2.5.Cosmovisão....................................................................................................................................85

2.6.A “Cultura”.....................................................................................................................................87

2.7.Vivência..........................................................................................................................................91

2.8.comunidade - coletividade – participação.......................................................................................93

2.9.Interculturalidade ..........................................................................................................................97

3.A integração de conhecimentos alheios no ensino...........................................................................102

3.1.Propostas e métodos para a integração de conhecimentos............................................................104

3.1.1. Interculturalidade como Utopia................................................................................................106

3.2.Educação Intercultural para Todos?..............................................................................................108

3.3.A nova Profecia Indígena..............................................................................................................109

3.4.Bolívia: Educação em um Estado Indígena...................................................................................113

3.5.¿Universidades para, ou de Indígenas?.........................................................................................115

3.6.Exemplos......................................................................................................................................118

3.6.1. Caso 1: CRIC e Amawtay Wasi vs. UII e PREOIB Andes.....................................................118

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3.6.2. Caso 2: A reforma educacional Boliviana vs. “universidades” indígenas autônomas................121

3.6.3. Caso 3: UAIIN vs. Universidad del Cauca................................................................................122

4.primeira conclusão preliminar.........................................................................................................126

II.Parte: Implicações Epistemológicas: Caminhos A Uma Pluralismo Epistemológico? ..... 130

1.Complicações Epistemológicas.......................................................................................................131

1.1.Interculturalidade no Contexto da Educação acadêmica...............................................................131

1.1.1. O problema da Legitimidade.....................................................................................................133

1.1.2. Saberes “Universais” vs. Saberes “Locais”...............................................................................138

2.Pequena Genealogia do Universalismo ...........................................................................................141

2.1.O primeiro Tempo da Luz: Fim do “Mito” & Nascimento do Sujeito Autônomo.........................142

2.2.O Segundo Tempo da Luz – Renascimento..................................................................................144

2.3.O Primeiro Pós-Modernismo: A Crise da Representação..............................................................145

2.4.O Segundo Pós-Modernismo: A Crise do Saber............................................................................148

3.Segundo Resumo Preliminar...........................................................................................................152

4.Tentativas de Aproximação..............................................................................................................153

4.1.O Outro e as Ciências Humanas...................................................................................................153

4.2.Construindo Pontes.......................................................................................................................158

4.3.Raízes Compartilhadas.................................................................................................................160

5.O Saber (Neo-)Indígena...................................................................................................................168

5.1.“Complementariedade”, “Animismo”, “Dinamismo”, “Espiritualidade”, “Perspectivismo”, “Pensar

Transitório”?.......................................................................................................................................169

5.2.“Povos Primitivos” ou “Ecologistas por Natureza” ?....................................................................171

5.3.Um Modelo Cíclico do Tempo......................................................................................................180

6.Terceiro Resumo Preliminar – Jogo de Pensamento com Nietzsche................................................182

7.Último Resumo Preliminar..............................................................................................................184

III.Reflexão Ligeira – Possíveis Perspectivas? ...................................................................... 185

1.Objetivação do Sujeito Objetivisante...............................................................................................186

1.1.Sujeito – causalidade - tempo.......................................................................................................193

1.2.¿Construção Arbitraria, ou Prática do Mundo-do-Viver?..............................................................196

D.Palavra Final ........................................................................................................................ 200

E.Anexo I ................................................................................................................................ 201

F.Anexo II ............................................................................................................................... 207

G.Bibliografia: ........................................................................................................................ 210

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A. Agradecimento

A presente pesquisa não seria possível sem o apoio de inúmeras pessoas.

Por isso queria agradecer em primeiro lugar aos coordenadores, professores, docentes e estudantes dos diferentes programas acadêmicos de educação indígena da UFMG, UNEMAT, UMSS / PROEIB Andes e do CRIC por seu apoio tão amável e solícito. Também agradeço aos Funcionários da FUNAI em Tangará da Serra sem cujo esforços teimosos eu não obteria a possibilidade de conhecer o povo Iranxe/Manoke.

Sobretudo quero agradecer aos estudantes indígenas e aldeias que me deram sua confiança e a oportunidade de viver alguns dias com eles. Meu agradecimento especial merecem Lucidalva e Ronaldo que me levaram à casa de Ronialdo (o irmão de Ronaldo) e a sua família em plena noite, pois me receberam como um membro de sua família. Assim agradeço também à aldeia Imbiruçú, mun. Carmésia, MG, por sua confiança e hospitalidade.

De igual maneira à aldeia dos Umutina em Barra do Bugres, aos Manoke que me aceitaram coletivamente em suas reuniões e me permitiram dessa maneira observar os estudantes do 3°Grau Indígena durante seu trabalho como professores nas escolas das aldeias.

Nesse sentido agradeço também à comunidade dos Shuar de Yawints, mun. Palora, Equador, que me receberam novamente nessa terceira visita de braços abertos. Agradeço especialmente Tzamarenda Naychapi e a sua família que zelaram pelo meu bem-estar físico e espiritual.

Uma alegria muito grande para mim foi ter conhecido Inocencio Ramos e a sua família que não só me apresentou a organização do CRIC, como me deu muitos impulsos novos para o meu trabalho, levou-me às aldeias indígenas dos Nasa de Tierradentro, e me recebeu em sua casa como um velho amigo.

Não posso esquecer de agradecer ao contínuo apoio de minha mulher amada, Marinalva, sem o qual, eu provavelmente não teria sido capaz de realizar este trabalho.

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B. Prefácio

O texto a seguir trata de um tema ainda pouco percebido fora da América Latina: O empenho dos indígenas para adequar a educação às suas próprias necessidades, ou seja: Criar institutos próprios de educação superior. Este processo não se pode separar nem da dinâmica dos movimentos indígenas latino-americanos, nem dos seus diversos contextos nacionais. É mais que o aspecto examinado aqui; é um sub-produto dos esforços indígenas para autonomia desde os anos 70, que culminou na criação de inúmeras “Universidades Indígenas” em toda a América Latina.

Por um lado, por ser um novo tema exige demonstração de todo esse contexto. De outra forma a literatura específica contemporânea se limita a documentos internos e a algumas publicações de caráter programático ou estatístico feitas pelas próprias organizações que lidam com esse assunto. Olhando as fontes acessíveis o tema se mostra como um espaço vasto de informações, mas que carece trabalhos teóricos profundos.

Portanto foi necessário visitar pelo menos alguns dos programas existentes e procurar o diálogo tanto com os coordenadores e professores quanto com os alunos e habitantes das aldeias beneficiadas pelos mesmos programas educacionais.

Por limitações financeiras tanto quanto pelo pouco tempo disponível eu, lamentavelmente, tive que limitar-me a visitas breves a poucos projetos e poucas aldeias. Também por serem facilmente acessíveis numa rota de viagem escolhi os seguintes programas (informações sobre os programas veja Anexo I):

Licenciatura de Educação Diferenciada da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil.

3° Grau Indígena da UNEMAT, Barra do Bugres , MT, Brasil.

PROEIB Andes (uma rede de várias organizações e universidades em vários países latino-americanos) com sede na UMSS, Cochabamba, Bolívia.

UII do Fundo Indígena (uma rede de várias organizações e universidades em vários países latino-americanos) com sede em La Paz, Bolívia.

Amawtay Wasi (kichwa: “Casa da Sabedoria”) – (Universidade Indígena oficialmente reconhecida pelo estado Equatoriano como universidade particular) com sede em Quito, Equador.

UNCIA (Universidades de Ciências Ancestrais criada por uma aldeia Shuar na Floresta Amazônica) em Palora, Equador.

UAIIN (Universidades Indígena autônoma ainda não reconhecida oficialmente) criada

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e executada pelo CRIC (Consejo Regional Indígena del Cauca com sede em Popayán, Colômbia).

Além de serem facilmente acessíveis esses programas formam um grupo bem diverso tanto em relação às suas organizações, quanto às suas dimensões e objetivos. Se bem que não se chega a abranger todo o panorama das propostas atualmente existentes, mas pelo menos se pode elucidar alguns eixos que podem dar uma imagem aproximada à complexidade da situação e da inventiva das diversas propostas.

O grupo de participantes se estende também aos beneficiados que são; além dos planejadores, docentes e estudantes, os membros das comunidades indígenas. Portanto procurei dialogar com os habitantes das aldeias o que muitas vezes se tornou difícil porque, em parte dependia dos meus contatos nas próprias organizações o que implica de certo modo um bias desses coordenadores e ativistas dos próprios programas educacionais, das Universidades ou organizações indígenas. Sendo assim é bem possível que tenha escutado menos vozes críticas aos programas.

A pesquisa de campo se limitava em maior parte ao estudo de documentos, entrevistas e observações nas “aulas” (o conceito de “aula” não cabe bem neste contexto, o que se esclarecerá mais adiante) e portanto não é preciso contar com maiores desfigurações das fontes que fundam a base das presentes observações, a situação no campo não será mencionada.

As entrevistas tinham a forma de diálogos (mais ou menos) espontâneos em que tentei guiar meus interlocutores através de perguntas sugestivas para que eles mesmos colocassem voluntariamente as perguntas desejadas, no sentido de um diálogo “eroépico” (alemão: eroepisch) (Girtler 2001: 147s) - o que nem sempre consegui, dificultando algumas das minhas perguntas pois não eram questão para os interlocutores.

A quantidade de fontes disponíveis sobre os diferentes projetos dependia também de uma série de fatores dificilmente controláveis - como por exemplo a disposição e a vontade de colaborar por parte dos meus contatos, o acesso a documentos internos, o ânimo e a presença ou ausência de interlocutores importantes, o acesso às aldeias, etc.- O que se reflete na presença dos diversos projetos neste texto.

Ao final, o presente trabalho pode dar então, somente um panorama geral dos esforços múltiplos de tais chamadas “Universidades Indígenas” e das propostas elaboradas neste processo.

Assim as mesmas pessoas envolvidas devem, o quanto antes tomar a palavra para dar através dessa polifonia, um acesso mais direto aos diferentes pontos de vista e às situações individuais que formam a base desse empreendimento coletivo.

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Já que o texto tenta entender o assunto por dentro, mas não necessariamente no sentido de uma visão “êmica” senão no sentido de um “studying-up-and-down” (compare também Huizer 1989: 89), que tenta construir as suas conclusões desde uma variedade de vistas ou realidades individuais para chegar a um entendimento da problemática geral que resulta dos esforços para a concretização das “universidades indígenas”.

Diferente das publicações existentes (como por exemplo: Barreno 2002; Garcia et al. 2005; Godenzzi Alegre 1996; López 1992, 1996; Weise Vargas 2004; Lindenberg Monte 2003; etc.) aqui dados estatísticos relacionados ao acesso da população indígena ao sistema educacional nacional não serão discutidos; tão pouco o interesse será apresentar os diferentes projetos ou contrastá-los entre si. Será um diálogo através dos envolvidos que procura dar uma idéia da diversidade dos diferentes pontos de vista em relação aos respectivos contextos.

Desde os próprios conceitos desse discurso surgem algumas dificuldades e contradições que resultam do próprio empreendimento da educação intercultural, e também das propostas que estes conceitos oferecem.

Ao final, a tese deste texto será que as contradições epistemológicas que surgem aqui são um dos obstáculos principais ao caminho de uma educação intercultural que realmente aceite as formas indígenas de saber como conhecimento legítimo.

Nesse sentido o presente trabalho se deve entender como um apelo para trabalhar e repensar intensivamente estas questões epistemológicas frente à urgência das necessidades sócio-políticas e aos próprios problemas da sociedade chamada “pós-moderna”.

Algumas sugestões em relação à forma literária:

1. As citações científicas retiradas de fontes em alemão foram traduzidas por mim. As citações retiradas de fontes em português, espanhol, e inglês não serão traduzidas para não modificar o sentido delas (na esperança que tanto os leitores hispano-falantes quanto os falantes de português entendam o conteúdo).

2. Como qualquer outro trabalho o presente texto nasceu dentro de um contexto e com um círculo de leitores específicos como interlocutores virtuais. Neste caso o texto foi pensado (1.) como tese de mestrado em etnologia, o que exige um certo respeito às regras do discurso científico, e (2.) como literatura técnica para as pessoas envolvidas no processo da construção dos novos projetos interculturais. Sendo que a maioria dos leitores seria de especialistas acostumados ao jargão acadêmico, eu me atrevo a utilizar a “linguagem secreta” (academicista) científica. Para assegurar que o texto seja compreensível para um público interdisciplinar tentarei limitar o uso de termos

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técnicos ao mínimo necessário.

3. A maior parte do texto é uma colagem de fragmentos das entrevistas1 gravadas durante a pesquisa e citações da literatura, formando diálogos fictícios entre os entrevistados2, que as vezes nem se conheceram, e autores de textos científicos. O texto A forma literária da polifonia nem pode e nem é pensada para negar a minha autoria, já que não só a escolha e descontextualização das citações como também as questões sugestivas nas entrevistas implicam um bias próprio meu dentro destas “vozes”. Além disso, como aponta James Clifford, já a língua em si é “completamente usurpada, impregnada com intenções e acentos” (Clifford 1993: 136 – traduzido por mim). A polifonia, então, é entendido mais como uma tentativa de entrar novamente em um diálogo fictício com estas “vozes” frente aos olhos do leitor, o que não gera mais “verdade” mas mais proximidade (fictícia) à problemática do mundo das aparências (além.: Lebenswelt) dos envolvidos.

Ao final são esses mundos das aparências próprios e atuantes de onde surgem os processos descritos aqui. Além desses processos complexos de mundo vivido pelas pessoas, se mantém pela heterogeneidade própria dos atuantes e seus pontos de vista a polifonia própria do processo descrito que assim somente será salientada.

Esta forma dialógica do texto se reflete também na estrutura argumentativa porque os interlocutores tendem a conectar diferentes temas e apontam aspectos que antecipam o fluxo de argumentação, geram conexões transversais diacrônicas dentro do texto. As “vozes” desenvolvem assim uma certa autodinâmica que finalmente dão uma forma especifica, “rizomática” (Deleuze & Guattari 1977), cíclica. Se bem que disso podem resultar redundâncias no conteúdo. Justamente essas narrações laterais não planejadas dos interlocutores parecem lentamente abrir um horizonte de informações interessantes ao leitor “entre linhas”, que de outro modo dificilmente poderiam ser introduzidas.

1 Para informações sobre os interlocutores veja Anexo II.

2 Para preservar a privacidade dos entrevistados, os nomes foram mudados por nomes fictícios.

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C. Introdução

No final dos anos 50 e no começo dos anos 60 surgiu a primeira geração de ativistas indígenas formados nos Estados Unidos, o que levou a fundação da DQ University, a primeira universidade autônoma indígena. Em 1975 é criado também no Canadá o World Council of Indigenous People (WCIP). Também na Austrália, Nova Zelândia e Groenlândia levantam-se protestos indígenas contra a própria marginalização. Na América Latina, inicia-se na década de 70 o movimento indígena contra a marginalização cultural e também a luta pela demarcação de suas terras. Logo se entendia que a luta pelo reconhecimento dos direitos indígenas dependia diretamente da definição como “nação” ou “ povo” dentro de um estado multiétnico, e da identidade cultural como “indígenas”. Essa etnificação do discurso político levou a um extenso movimento de revitalização de culturas indígenas, que de certo modo pode ser entendida como contra reação frente à globalização. Sheila Aikman aponta que a demanda indígena por autodeterminação nem ignoraria a sociedade dominante, nem procuraria autonomia do estado-nação:

„rather they were seeking the right to self-determination within existing geopolitical boundaries, meaning the right to develop in accordance with their own cultural values, with an emphasis on communal rights and respect for the environment“ (Aikman 1999: 15).

A diferença demográfica e política levou vários países latino-americanos a usarem estratégias diferentes. Assim, é óbvio que por exemplo no Brasil, onde a população indígena se limita a meros 0,3% da população nacional e que está titulada por um órgão governamental, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), e onde até os anos 70 genocídios eram comuns3, haviam outras condições do que por exemplo na Bolívia, um país com uma maioria indígena (50-70%)4 e atualmente com um indígena como Presidente (Evo Morales). Mas a necessidade geral de fortalecer a própria identidade cultural indígena é uma característica homogênea entre os movimentos. Essa foi (e muitas vezes ainda está sendo) definida pelo uso da língua vernácula (vgl. z.B. Freeland 2003; Drexler 2002) o que resultou na construção de vários programas escolares de educação bilíngüe (EB). Em parte estes se orientaram de experiências prévias com EB feitas em contextos missionários (por exemplo dos Salesianos e do SIL – Summer Institute of Linguistics) e sob o dogma da integração dos indígenas na sociedade nacional (compare Rivera & Layva 2004; Fábian & Urrutia 2004; López 1992, 1996;

3 Por exemplo os Cinta Larga em Rondônia e no Mato Grosso foram diminuídos de aproximadamente 30 000 a 1 000 pessoas dentro de uma década (Barci Catriota 2000: 21ff)

4A interdependência entre os resultados dos censos etnicamente específicos e a política Boliviana veja Käseberg Dávalos 2007.

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Sousa 2003; Trapnell 1996; entre outros). Sem dúvida se percebeu logo que não só o idioma mas também a natureza formal da educação e o conteúdo da mesma eram o meio principal de “civilizar” o povo indígena e portanto terminantemente responsável pela degradação de sua cultura (compare Sousa 2003; Rivera & Leyva 2004). Por outro lado justamente a escola por seu caráter manipulativo seria o instrumento potente nos próprios esforços para uma “re-indigenação”. Na instituição da escola se encontraram, porém, várias necessidades dos indígenas:

1. A necessidade de ter como parte de um mundo globalizado, acesso a uma educação de qualidade para ter chance no mercado de trabalho.

2. Para gerar profissionais para a luta por autonomia, reconhecimento cultural, e sobretudo por terra, para emancipar-se assim da ajuda de colaboradores e órgãos governamentais.

3. Sua faculdade de gerar “verdade” a qual será o instrumento da revivência ou do resgate da própria cultura, com o fortalecimento da identidade cultural para a mobilização do próprio grupo para o empenho político (compare Ramos & Bolamos et al. 2004).

Essa nova importância da escola implica uma reforma profunda do conceito escolar ocidental, especialmente em relação à presença dos saberes indígenas no ensino e também em relação à pedagogia aplicada. O resultado dessas reformulações gera uma série de programas escolares específicos que deviam ser melhor apropriados às necessidades da população indígena (EIB/EIIB – Educación (intercultural) indígena bilíngüe (Bolívia, Peru, Equador); Educación própria/comunitária (Colômbia); educação diferenciada (Brasil); etc.).

Resumindo, se podia constatar que a EIIB, por um lado, é um sobejo colonial que não esta sendo abolido por causa da necessidade existencial de conseguir acesso à comunidade global, mas foi instrumentalizada para a luta política dos indígenas (compare Ramos & Bolamos et al. 2004). Isso implica a integração de conhecimentos ocidentais e indígenas dentro de uma educação escolar, mais ou menos institucionalizadas e à aplicação de novos métodos pedagógicos que respeitem os conceitos específicos culturais de ensinar e aprender.

Também a relativa ignorância das culturas indígenas entre os professores exige primeiro a criação das condições necessárias entre a própria equipe educativa; assim se precisa de programas para a profissionalização e formação de professores indígenas que sejam capazes de enfrentar os novos desafios. Para isso foram criados alguns programas para a formação de professores indígenas que partem, respectivamente, de instituições bastante diversas: por exemplo universidades públicas e católicas ou cooperações de diferentes instituições (por exemplo o PROEIB Andes e a UII do Fundo Indígena (FI)).

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Ao mesmo tempo enxergou-se que também a nível acadêmico a mera melhora do acesso às universidades convencionais para os indígenas (por exemplo através de bolsas ou quotas), por várias razões, não são suficientes porque a marginalização ou inviabilização e desvalorização das culturas indígenas nas universidades, como já na escola, leva à aculturação dos estudantes indígenas. Que por isso muitas vezes não voltam às suas aldeias, procurando sua sorte em contextos urbanos. Isso, por sua vez, levou à reivindicação de uma educação acadêmica indígena própria que deve conter conhecimentos ocidentais, os quais deverão ser reinterpretados e selecionados de acordo com a visão indígena de uma educação que dê prioridade aos sistemas de saberes próprios.

O sonho indígena de uma universidade própria já é relativamente antigo (por exemplo, era um dos objetivos na criação do CRIC em 1971), mas somente as reformas constitucionais em relação aos direitos indígenas que foram realizadas pelos estados latino americanos nos anos 90 frente a pressão das Nações Unidas deram o fundamento legítimo a essas reivindicações para uma educação própria ou programas específicos em todos os níveis. Desde então as organizações indígenas começaram a exigir esses direitos e inúmeros programas surgiram da Terra do Fogo até o México (compare Anexo I)5.

Todos esses programas de educação acadêmica tanto como os vários esforços de pequenos projetos autônomos se auto determinam “universidades indígenas” ou “universidades indígenas interculturais”, independentemente das suas formas diversas, de suas estruturas e conteúdos.

Geralmente se deixam distinguir dois esquemas essencialmente diferentes:

1. O cumprimento do direito a uma educação adequada garantido pelas constituições dos estados que muitas vezes se definem como multi-étnicos levou a criação de uma série de programas para a educação indígena por parte das universidades convencionais, na maioria públicas, que partem de carreiras de “etno educação” (Colômbia) até campos separados próprios para os indígenas (Núcleo Inskiran da UFRO – compare Anexo I) ou até uma apropriação geral do sistema educativo nacional às necessidades de uma sociedade multiétnica (Bolívia). Todos esses projetos, tratam-se então de uma tentativa para abrir novos espaços para as culturas indígenas dentro dos sistemas educativos nacionais existentes que possibilitem um diálogo intercultural e “horizontal”6. Se trata, porém, em primeiro lugar de uma tentativa para oferecer acesso

5 Aqui vale mencionar que também existem várias experiências com educação indígena fora da América Latina, sobretudo no Canadá, nos Estados Unidos e na Índia que tratam de integrar conhecimentos indígenas na educação acadêmica. Mas o molde desta obra não permite uma visão tão holística que abranja todas essas experiências e se limita, porém, ao contexto latino americano.

6Já por causa do aspecto de poder intrínseco de qualquer relação social „Horizontalidade“ logicamente

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a uma educação universitária de qualidade ao indígenas, e que não negue as respectivas identidades culturais, mas as realce.

(2.) Além disso existem ainda outras pretensões dentro do movimento indígena para a criação de “universidades” próprias que perpetuem e divulguem em primeiro lugar a sabedoria indígena. Por isso foram lançados alguns esboços de uma educação indígena intercultural pelas próprias organizações indígenas, desde míni projetos de distintas aldeias (por exemplo a UNCIA - compare Anexo I) a projetos regionais (UIIAN do CRIC - compare Anexo I) e nacionais (Amawtay Wasi – compare Anexo I) que muitas vezes concorrem com programas estatais. Esses são caracterizados não só pela sua pretensão autônoma, mas partem também de outras premissas. Não é o acesso à educação ocidental e títulos acadêmicos, senão um modelo de uma educação alternativa como ferramenta para a realização política da Visão utópica (compare Rappaport 2005) de uma sociedade igualitária e pluri étnica que marcam o horizonte distante desses esforços. Enquanto isso as necessidades concretas e exigências da população indígena estão em primeiro plano. A estas tenta-se aproximar através de pequenos projetos descentralizados e locais, oficinas e seminários, cursos profissionalizantes, etc., mas que a longo prazo devem levar à preparação dos profissionais necessários para a elaboração e realização de universidades reconhecidas e assim, finalmente, ao repensar do conceito de “verdade. Tanto no conteúdo, quanto estruturalmente está-se aspirando um modelo educativo radicalmente oposto ao modelo ocidental, o que ao final põe em questão a denominação desses projetos como “universidades”. Não se está aspirando o acesso à educação ocidental, mas sim a criação de uma alternativa própria. Isso implica também uma outra relação entre os saberes ocidentais e os saberes indígenas: Enquanto modelos governamentais tendem a incluir a população indígena no sistema nacional de educação (se bem baixo do paradigma da valorização da diversidade cultural e da igualdade) os projetos autônomos partem desde uma alternativa intercultural que não representa somente simbolicamente a autodeterminação mas muitas vezes se entende como um exemplo para um novo conceito de educação em geral. No primeiro caso se pretende abrir novos espaços dentro do paradigma científico ocidental, enquanto se procura, no segundo caso, fundar uma alternativa própria ao paradigma da ciência ocidental, que representa uma base potencial para uma educação intercultural como novo paradigma de educação.

Em casos extremos se oferece exclusivamente conhecimentos indígenas, xamãs como um bem espiritual, o qual o ocidente já perdeu e que agora deve servir ao resgate do “mundo desencantado” (alem.: “entzauberte Welt”) (como por exemplo na UII do México – compare Anexo I). Rejeitando um ensino academicista e normativista que reproduz a estrutura hierárquica da sociedade ocidental através da sua fundação institucional e que além disso não consegue sair do corpete estreito da dicotomia

in sensu stricto não pode ser alcançado nunca. O término refere-se aqui à um estado idealizado, e à tentativa de aproximar-se dela quanto possível.

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cartesiana entre matéria e espírito por causa da sua auto-definição intrinsecamente científica (como é, por exemplo, a ilusão laica de suposições racionais e porém neutras), esses projetos põe em contraste ostensivamente as suas concepções espirituais de mundo com a visão técnico-materialista do pensamento moderno. Retomando a estigmatização romanticista de origem européia, os indígenas7 se auto comemoram como “santos ecologistas” e últimos preservadores de um mundo espiritual já perdido pelo ocidente (compare Bargatzky 1998), o qual eles oferecem ao mundo dentro do âmbito de uma “universidade indígena”. Mas se bem que essa demonstração exagerada parece desterrar o projeto inteiro ao “canto esotérico” como um movimento “neo-hippie pós-moderno”, antes dessa recusa geral, dessa oferta pelos indígenas de um “reencantamento” do mundo tem que se colocar algumas perguntas urgentes à ciência ocidental.

Se bem que essas duas propostas foram contrastadas bruscamente aqui. Para desenhar as diferentes tendências dentro dessa dinâmica complexa, há que apontar que nas várias propostas se trata mais de pontos num contínuo com sobreposições.

Em todo caso o movimento indígena para uma educação própria conseguiu uma coisa: ele trouxe sistemas de saberes estranhos aos reverendos salões da ciência e junto com eles a questão da universalidade da ciência, ou seja eles deram uma nova atualidade à questão da validade da ciência como mecanismo epistemológico único – sem dúvida longe das portas da Europa, mas com a urgência impiedosa de uma necessidade sócio-politica.

O tamanho da urgência dessas questões mostra-se muito claro no caso da Bolívia, cuja população maioritariamente indígena presunçosamente reclama a vigência dos seus direitos a uma educação própria. Educação intercultural bilíngüe nesse caso não é nenhuma resolução para uma minoria de “alguns celagens” que insistem em celebrar as suas “crenças”. Mas a procura de um modelo de educação politicamente coerente que necessariamente introduz conhecimentos indígenas nos currículos escolares, e também nos currículos acadêmicos ou que crie novos espaços para esses conhecimentos. Conseqüentemente esses saberes não podem ser apresentados como inferiores aos conhecimentos “universais” científicos, mas tampouco podem ser

7Em relação a identidade cultural e aos direitos relacionados a esta o discurso gira ao redor da questão polêmica da autenticidade das „tradições indígenas“, e até dos próprios indígenas. Nas ciências humanas e sociais chegou-se à conclusão que identidades culturais geralmente, e especialmente em contextos globalizados e caracterizados pelo contato entre culturas, é precário e de caráter híbrida (para uma discussão mais profunda veja Kap. 2.1). Por isso em seguido referira-se aos indígenas e as suas culturas com o prefixo „(neo-)“ (por exemplo „saberes (neo-)indígenas“) para tomar em conta o caráter dinâmico de cultura e identidade, e para distanciar-se de qualquer discurso de autenticidade, sem tomar dos indígenas o seu direito a uma própria identidade cultural auto-determinada.

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separados do seu contexto espiritual – o que fazer, então?!

Desde a urgência sócio-política no contexto do movimento indígena e no interesse da mesma ciência se impõe a questão da possibilidade (ou impossibilidade) de uma verdadeira colaboração intercultural científica que transcenda a reinterpretação científica de conceitos e conhecimentos alheios e da subseqüente incorporação debaixo das próprias premissas: ao final viabilidade de um pluralismo epistemológico intercultural decidirá sobre o sentido ou absurdo do empreendimento intercultural em si.

Após uma breve visão caleidoscópica sobre os esforços do movimento indígena na América Latina para uma própria educação acadêmica, serão então, questionados os fundamentos do universalismo da ciência ocidental para em seguida analisar até que ponto esses fundamentos da “episteme” ocidental diferem das outras, ou seja, se são privilegiadas, ou não.

Obviamente este texto quer comprovar a última hipótese: que a validade dos fundamentos da ciência principalmente não se distingue daquela de qualquer outra episteme e porém é possível pensar sobre um pluralismo epistemológico. Para isso será tentado (como um primeiro experimento) argumentar interculturalmente, ou seja utilizando conceitos de diversos contextos culturais para aproximar-se a uma “resolução” desse problema. Desse modo se pretende mostrar que o conceito da tendência pode oferecer uma fonte de partida nesse caminho.

O presente trabalho deve-se entender, porém, nesse mesmo sentido; que as proposições feitas aqui são interpretações de verdades parciais, aspectos, cuja validade se baseia meramente em apontar tendências numa realidade hipotética. De nenhum modo se pretende dar uma explicação holística e muito menos proposições de caráter universal.

Essas propostas analíticas devem ser entendidas como “pistas” (José Ramos), como trilhas provisórias cortadas pela selva da ignorância, que estão ameaçadas por já serem fechadas e somente chegarão a ser caminhos viáveis se essas trilhas demonstrarem a sua utilidade e forem compactadas pelo uso contínuo.

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I. Parte : Universidades Indígenas

Nessa primeira parte se tentará dar uma idéia aproximada da situação que por um lado molda o contexto dos diversos processos da realização de uma própria educação acadêmica, mas hoje em dia (30 anos depois do início desses processos) em parte já são produto dos mesmos. Isso será feito através de uma problematização que se articulará pelas vozes das pessoas envolvidas.

1. Uma educação indígena institucionalizada – uma Contradição?

“A escola é uma invenção dessa civilização européia, uma tradição européia, porque nem na África nem na América isso foi criado - foi criado na Europa. O que tinha aqui era um tipo de academia, um espaço em que se ensinavam coisas avançadas mesmo. [...] Também aqui na América do Sul, no Brasil por exemplo, a gente sabe que tem outros modelos de escola, digamos... Os Maxacalí tem as casas em que as crianças em certa idade vão e ficam um mês fechados lá dentro, onde eles aprendem toda a filosofia dos Maxacalí, toda a história. Sistemas de ensino tem. Só que com a colonização, a escola que foi implantada e que segue sendo implantada aqui até hoje no Brasil por nós, ela não pesquisa de verdade essas outras escolas. Em vez de fazer desenvolver essas formas e seguir esses modelos, o que a gente faz com eles é imprimir, é impor um modelo único que é esse modelo que a gente conhece, iluminista, quer dizer burguês e tudo. [...] Eu acho que essa coisa historicamente é muito clara! Agora: nós inserimos os índios nesse mundo burguês e na sociedade de consumo. Isso é um fato. A grande questão nossa aqui desse grupo, que a gente tem debatido filosoficamente e nós estamos vendo altas contradições, é isso. Eu pelo menos estou chegando num ponto em que falo assim: ‘poxa! eu não sei se é o caso de a gente lutar tanto “pros” índios entrarem no nosso sistema, se não seria o caso da gente então largar esse sistema e entrar no deles no sentido de pensar uma universidade indígena mesmo...’ A gente virar índio ao invés dos índios virarem branco - em termos filosóficos. [...] Eu acho que é uma questão filosófica muito importante que devia ser levada a sério e não ficar achando que a gente é um bando de hippie que quer tirar a roupa e ir pro mato – não se trata disso! [...] Não que nós vamos virar índios, mas eu tô falando assim: não seria interessante a postura filosófica [...] do tornar-se indígena? Chegar lá não é interessante. Não vou constituir assim: ‘eu sou índio!’ Não é isso. Mas eu queria viver em estado permanente me tornar índio, meu pensamento sempre nesse movimento [...]” (Inês, professora de letras na UFMG – Belo Horizonte, 26.09.2006).

Como já foi mencionado, a requisição dos indígenas de uma própria educação institucionalizada já implica algumas contradições. Partindo disso tentarei ilustrar as condições

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da dinâmica toda para depois problematizar os conceitos salientes dessa dinâmica e as diferentes resoluções complexas.

1.1. A Escola„El trabajo en esta perspectiva nos permitió retomar opiniones y planteamientos muy diversos que demostraban de una u otra manera que las escuela ‚oficiales’ y misioneras, así como estaban funcionando, eran uno de los medios que más influían para la desintegración cultural y la pérdida de la identidad en las comunidades. Si embargo, también se reconocía que de todos modos se necesitaba ese espacio de de la dimensión política de los pueblos indígenas, como un mecanismo para la revitalización cultural“ (Bolaños, Ramos, Rappaport & Miñana 2004: 168).

Se bem que o objeto da presente pesquisa expressamente são os programas acadêmicos; não podemos esquecer que a educação indígena tem a sua origem em um contexto político, que primeiro resultou no estabelecimento de uma educação indígena bilíngüe escolar e só posteriormente em programas acadêmicos.

“Eu acho que nós indígenas começamos pelo lado certo. Atacamos primeiro lá a questão principal que é a educação. Primeiro aprender a ler e escrever e aí praticar outro canto – passo por passo. Esse é o movimento. E seguindo através da educação, porque só através da educação é que a gente chega aí” (Felipe, Umutina, concluiu o 3° Grau Indígena, hoje professor na escola primária da aldeia Umutina, Barra do Bugres, MT – aldeia Umutina, 19.10.2006).

A escola como o contexto originário da maioria dos programas acadêmicos, já contém muitas das contradições intrínsecas da escola que conseqüentemente se refletem no nível acadêmico. Por isso será traçado brevemente o caráter ambivalente da educação indígena escolar, porque é nesse contexto que os novos desenhos pedagógicos e metodológicos que foram elaborados que baseiam os programas institucionalizados da educação acadêmica.

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1.1.1. Instrumento da Catequização e da “Civilização”

„A partir de la década del ‘40 la escuela estatal llega a muchas comunidades indígenas de las riberas de los ríos de mayor caudal (Amazonas, Ucayali, Marañón, Napo, Pastaza, Tigre, Huallaga) y a sus cercanías. Es precisamente en dichas zonas donde muchas lenguas indígenas han desaparecido en las últimas décadas o ya -con siglos de anterioridad- han sido sustituidas por variedades amazónicas del quechua, lengua esta última que junto con el castellano es ahora la lengua materna de algunos pueblos indígenas amazónicos“ (Rivera & Leyva 2004: 11).

Olhando o significado da escola para o movimento indígena hoje e o seu papel histórico no sentido de uma política nacionalista e do catequismo, aparece um paradoxo: Como instrumento do catequismo e, mais tarde, da assimilação sistemática dos indígenas pelo estado nação, a escola jogou um papel importante na supressão de tradições e da auto-estima da população indígena. Agora ela deve servir como meio da revitalização cultural da identidade (neo-indígena) (compare Aikman & May 2003).

O efeito aculturante da escola não foi um produto colateral involuntário de um cuidado missionário ou governamental principalmente com boa intenção, senão o resultado de uma política de assimilação intencionada:

„O SPI [Serviço de Proteção aos Índios – von 1910 bis 1973 anterior a FUNAI] pretendia desmistificar o ‘pensamento do indígena’ e iniciá-lo, via escola, em um outro nível de conhecimento, bem ao gosto do positivismo, objetivava tornar o ‘espaço místico’ em espaço de produção e solidificação de novos saberes e tecnologias, estas escolas, estupidamente militarizadas, pretenderam referenciar os projetos de ‘civilização’ e ‘integração’ dos povos indígenas à sociedade nacional, de modo a integrá-los em uma nova ordem econômica e social.

O caráter integracionista das políticas públicas deste período tinham como pano de fundo questões de segurança nacional. Nesta perspectiva um dos eixos importantes da ‘ação civilizatória’ das escolas de Rondon, integrando os índios à sociedade brasileira, assegurava as fronteiras do Brasil. Herança de Rondon, em todo o contexto republicano, a discussão da questão indígena vai estar permanentemente ligada com a política de segurança nacional, embora represente uma grande ruptura com o modelo de educação confessional que se praticava, necessário para inserir o Estado Brasileiro no moderno modelo de educação laica, do ponto de vista das populações indígenas, o conceito de escola permaneceu inalterado. O espaço escolar continuou sendo o espaço para aprender uma nova língua e junto com ela ganhar uma nova identidade, mais adequada a ordem econômica que se estabelecia e mais útil ao Estado“ (Souza 2003: 23f).

A educação estatal represava um programa de contraste bastante brutal que

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simplesmente negava os valores e sistemas de saberes indígenas. Isso não é muito surpreendente; mira-se a história de sistemas de escolas públicas na Europa dos séculos XVIII. e XIX., nota-se que do início ela foi concebida como instrumento de produção de obediência e um senso nacional em contextos cultural e etnicamente heterogêneos. Produzia-se aqui cidadãos do estado nação (Guthmann 2003: 121).

Um pouco diferente agiam as escolas missionárias, especialmente a partir dos anos 60 (especialmente após o “descobrimento” do “monoteísmo originário” (além.: “Urmonotheismus”, conceito gerado pela escola de Viena do padre Wilhelm Schmidt) pela igreja católica no segundo concílio do Vaticano em 1962), que seguiam o paradigma da “inculturação” em vez da negação categórica de tudo que era indígena, e trabalhavam com a reinterpretação de conceitos indígenas em conceitos cristãos. Assim os missionários estudaram os sistemas de símbolos dos indígenas para identificá-los como entidades e valores cristãos8 (compare Perruchón 2003: 163; Rappaport 2005: 213; Barriga López 1986).

O resultado é, até hoje, uma geração que vive em um estado de irritação cultural da qual muitos somente conseguem sair através da negação da sua própria origem indígena. Autodenominando-se como “mestiços” para assim não serem discriminados como “índios” na sociedade dominante, eles entram (conforme planejado) no estado nação burguês.

Caracteristicamente são exatamente estes que formam o grupo dos “indígenas de fronteira” (compare Rappaport 2005) ou “fronteiriços culturais” da qual se recruta a grande parte dos ativistas indígenas. São justamente estes fronteiriços culturais que, por um lado, são interessados no acesso à educação formal, e por outro, estão a procura de identidade cultural (compare Rappaport 2005; Muenzel 1986).

“Mi papa es Nasa, mi mama es mestiza, y papa siempre se caracterizo por gustarle bastante la lucha. El desde pequeño nos venia hablando para nosotros nos interesarnos en todo trabajo que el hacia. [...] Y si realmente para mi fue un conflicto interno entre lo que el hacia y lo que yo estudiaba. Porque ahora enseñaban en el colegio que ser indígena, o que el indígena era el que se pone las plumas, el que. [...] Yo realmente veo que es un tiempo bastante perdido que nosotros hicimos [...]” (Irene, professora de uma das escolas primarias do CRIC – Corinto, 30.12.2006).

“[Yo soy] de una comunidad indígena, claro. La escuela era del campo hasta la quinto-primaria y no había colegios. No había colegios y pues había que estudiar por acá, obligatoriamente. Y entonces fue un choque de cultura muy fuerte porque lo que decía la profesora era que, pues, todo lo indígena era lo negativo, lo feo, lo malo. Entonces uno va interiorizando un complejo de inferioridad muy fuerte, no [...]. Ni sabíamos que

8 Perruchón, por exemplo, descreve minuciosamente como os Salesianos reinterpretaram as entidades espirituais dos Shuar no Equador como personagens bíblicas para finalmente poder assegurar que um verdadeiro Shuar naturalmente crê em Deus (compare Perruchón 2003: 155).

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éramos indígenas, ni sabíamos que significaban nuestros apellidos, ni sabíamos [...]” (Fernando, professor nas escolas do CRIC – Corinto, 20.12.2006).

“[...] Yo, hasta los 14, 13 años hice parte de la primaria en la escuela tradicional con profesora mestiza blanca. Y mi papa hablaba Nasa Yute. Pero como yo no lo acompañé, pues, lo indio era echo al lado. Entonces se ve eso como un mal, como feo. Entonces nunca se preocupo y los padres tampoco. Ya los 14 años yo me he ido a Corinto para estudiar aquí. Termine aquí mi primaria. Y todo con esa cuestión occidental fue así. Entonces me fui borrando toda esa cuestión. Pero yo se que mi papa era de muy sentido comunitario, entonces yo pensé que me encargo a el. Entonces termine mi bachillerato acá e ajusté-me a acomodarme en un empleo, pero con un aspecto comunitario y estudie Nasa Yuwe” (Joaquin – Corinto, 31.12.2006).

Discriminados como “índios” forçados a adaptar-se à sociedade dominante eles são acostumados a vida de modelo ocidental, mas procuram saídas da própria marginalização. Mas muitas vezes tentando integrar-se a sociedade dominante salva-se de ser estigmatizado e discriminado. Porém, para muitos faz sentido lembrar-se das suas raízes indígenas e por sua capacidade intelectual e lingüística (falando castelhano) no serviço do movimento indígena. Como eles não podiam ser “brancos”, pois tinham que lutar por seus direitos como indígenas.

Que foram sobretudo indígenas com uma educação formal ocidental que se encarregaram da organização da nova educação indígena e da “re-indigenação”, porém, não surpreende muito. Muitas vezes estes fronteiriços culturais estão bem conscientes da própria posição marginal. Assim alguns ativistas do CRIC chamam-se a si mesmos de “Nasa de frontera” e relatam que eles mesmos somente falariam sobre a própria cultura no passado, enquanto os habitantes das aldeias viveriam a cultura no presente. Susana Piñacué, ativista no CRIC a anos, contesta que os intelectuais indígenas conceitualizariam as pessoas das aldeias como os outros, enquanto eles mesmos representariam a fronteira (Rappaport 2005: 23).

Não se pode esquecer que o movimento indígena saiu de uma dinâmica de assimilação, com um esforço vindo contra a mesma, mas com a energia do ressentimento resultando dessa assimilação e com ajuda de conceitos9 alheios que somente foram acessíveis através da integração sócio-cultural. Não por último, foi o movimento político para direitos sociais partindo da Europa e dos Estados Unidos qual gerando as condições ao nascimento desses potenciais para facilitar assim uma dinâmica que podia mostrar perspectivas econômicas e políticas aos jovens indígenas no “ser indígena”. Somente a coincidência das condições sócio-políticas e o ressentimento pessoal possibilita um “mestiço” a sentir-se “indígena”.

“Yo creo que puedo hablar de una coincidencia entre mi experiencia personal, mi

9 A reivindicação da valorização da identidade cultural por exemplo já implica o conceito de cultura; se originariamente havia algum conceito parecido no contexto ameríndio é muito duvidoso.

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interés personal desde niño, y una coincidencia colectiva, social, cultural y política que es la coincidencia del interés del movimiento indígena del Concejo Indígena Regional del Cauca, que surge en 1971. En esa década, cuando yo era un niño, [...] el CRIC no existía, […] entonces yo era muy inclinado, con mucho interés en los relatos, a conocer relatos, a escuchar relatos tradicionales de mi cultura. [...] Entonces los únicos referentes para mi eran los cuentos, eran como cuentos como relatos, eran los de mi cultura. Y mi papa si era un narrador, un buen narrador que sabia mucha tradición. Pero en mi familia mi mama tenia la tradición protestante y mi mama reprochaba mi papa pa´ que no contaba a nosotros cuentos de la tradición oral Nasa, porque en la iglesia protestante le habían dicho que esos eran muy falsos, que esos eran diabólicos. Ella prohibía a mi papa y nosotros hijos le persigamos: ‘papa cuente-nos mas y cuente nosotros y hablenos de nosotros’. Y nosotros pedíamos, y pedíamos cuentos. Entonces yo me interesé. Escuché bastante de los relatos de mi papa. [...] Entonces allí donde yo comienzo mas tarde ya adulto y cuando vinculo con el movimiento indígena, entonces me doy cuenta que el movimiento indígena como política cultural y de paralela existencia y a afianzar la identidad cultural valora aquello que a mi me gustaba cuando era niño, valora la tradición oral, valora saberes culturales, saberes ancestrales, mitos, practicas culturales, creencias, [...] y entonces me he descubierto que eso tenia sentido, que tiene mucho significado, que yo no estaba perdiendo tiempo y mi papa no perdía tiempo contando relatos” (José, etno-linguista y orientador do programa de educação própria do CRIC – Popayán, 29.12.2006).

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1.1.2. Instrumento do “Resgate” da Cultura e da Língua Indígena?

Aula na aldeia Pataxó Imbiruçu, Município Carmésia, MG, Brasil – desde alguns membros da aldeia participam da aula com educação diferenciada da UFMG, as crianças aprendem a sua língua, as danças e canções debaixo do teto de palha.

Os indígenas apoderaram-se da escola como instrumento na luta por terra e autonomia. Principalmente o programa do CRIC reformula o significado da educação como função central na política dele.

“Ese proceso inició a partir de la misma recuperación de la tierra. Cuando se recupero la tierra se creo una de las escuelas que son en este momento los CECIP en el caso de Tierradentro. Se arranco con las capacitaciones, como veníamos desde el mismo proceso de ser maestros comunitarios la organización del programa empezó a nuestra capacitación. [...] Salimos con la idea que el maestro debía servir a la comunidad. Y eso nos servía para fortalecer mucho mas de que nos veníamos haciendo. [...] Luego se dio la necesidad de que habíamos que capacitarnos mucho mas. Hubieron varias propuestas de varios lados para que entráramos a seguir haciendo la licenciatura [...]. Entonces fue donde surgió la propuesta en que el programa debía organizar la educación superior” (Irene – Corinto, 30.12.2006).

O resultado dessa apropriação da escola pelos indígenas é um complexo de métodos e

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conceitos que nasceram dentro de um processo dialético de avaliação e construção coletiva. Não se trata, porém, nessa assimilação de conceitos e instituições ocidentais estritamente de uma apropriação, senão de uma reinterpretação e revalorização dos mesmos, enquanto se tenta partir do “próprio”. Para a maioria dos programas e significante que o professor obtenha a função de um agente político da “re-indigenação”, pois, que a antiga função dele como agente da integração nacional, do catecismo, e da “civilização” seja voltada diametralmente ao contrário.

“Dentro, digamos, del esquema tradicional de educación se sigue considerando de que el eje fundamental para el desarrollo de los procesos educativos es el maestro. [...] Dentro de la perspectiva de la educación propia este concepto cambia: el eje no es el maestro; son procesos comunitarios donde el maestro es un actor mas. Y ha otros actores. Al igual que está el maestro, está la comunidad, están las autoridades, están los sabios y los mayores. Es mas complejo” (Sebastian - colaborador não indígena do CRIC).

“...además los espíritus en la dimensión mas superior...”(Eduardo - Nasa e coordinador do programa educacional do CRIC)

“...mas superior, claro pues [...]. Para nosotros casi el reto es: hay que capacitar a los maestros porque si no se capacita desde la propia organización las otras universidades ya se metieron. Entonces el daño ya seria mayor y ya no hay, digamos, ya no había posibilidades de volverse. Eso es una lectura que hay que hacer para hacer el énfasis de la educación superior. Pero hay una otra lectura: creemos que los procesos a nivel de la básica primaria, de la básica secundaria todavía no han fortalecido, todavía no se han consolidado, o sea: todavía están débiles. Hay una fuerte incidencia de la educación tradicional oficial del estado. Y si no hacemos procesos de énfasis hacia lo comunitario sinceramente estamos solamente al maestro a que el sea el transformador de esos cambios de la educación. Y creemos, estamos convencidos, que el maestro no es el único actor. La responsabilidad no está solamente en el. Porque decimos: el es escolarizado. El maestro va a ser un énfasis en la parte, digamos, de la escuela, en el espacio escolarizado. Pero quien hace los énfasis en los otros espacios? Un ejemplo de la parte lingüística: supongamos que el maestro formado en la universidad indígena tiene la convicción de que hay que hacer una fuerte valoración de la lengua, que hay que hacer el énfasis, digamos, que hay que hablar, que hay que escribir, bueno, hay todo el proceso... Pero que hacemos? El maestro va hacer aquí en la escuela este proceso si en la comunidad el papa y la mama no quieren? Entonces mire el después! Queremos que el maestro que haga todo, pero el hace una partecita. [...] Hay que hacer el trabajo en la educación superior, pero hay que hacer el otro trabajo también. [...] Hay procesos hacia la familia, pero hay procesos, digamos, mas comunitarios. El énfasis acá se hace mas de los espacios comunitarios. Las asambleas, los espacios del trabajo, las mingas, los mismos congresos, la misma ciencia, los rituales... Todos esos son espacios de formación, son espacios pedagógicos que los maestros son los que deben hacer aprovecharlos. O sea: los maestros son los que deben aprovechar estos espacios, que todos los espacios se convierten en espacios de carácter pedagógico para la construcción de conocimiento” (Sebastian - Popayán, 27.12.2006 – extracto de

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dialogo).

Assim o projeto educativo do CRIC se torna um “laboratório social” debaixo do controle dos indígenas, no qual as relações interculturais são interpretadas a partir da visão indígena, a partir do “próprio”, dentro de um processo de revitalização cultural (Rappaport 2005: 121).

Esse procedimento baseia-se em uma abordagem lingüística, que propõe (parecido com a hipótese de Sapir & Whorf – Whorf 1963) uma forte interdependência entre a forma lingüística e o conteúdo conceptual. Alguns intelectuais do CRIC que participaram de um curso de lingüística na universidade de Bogotá descobriram que, por um lado, as suas reivindicações políticas tinham que ser formuladas através de conceitos ocidentais, mas que, por outro lado, esses não eram congruentes com à sua própria visão (compare Ramos & Rappaport 2005: 41). Eles entenderam, porém, que a reinterpretação e nova definição de conceitos centrais em relação à conceitos próprios era a única possibilidade para articular reivindicações realmente “próprias”. Para isso José e os seus companheiros elaboraram traduções de certos conceitos chaves, procurando conceitos apropriados em Nasa Yuwe (idioma Nasa). Desse trabalho interpretativo os neologismos elaborados são traduzidos outra vez ao espanhol, o que resulta em novas definições, ou reinterpretações dos termos escanhoes. Através dessa inter-relação os conceitos ocidentais foram “indigenizados”. É um procedimento que se reflete também na retórica dos ativistas do CRIC; por exemplo quando eles demonstram a superioridade da cosmologia e dos valores “próprios” aos companheiros e às companheiras (que muitas vezes são na sua maioria crentes) contrastando estes com o cristianismo, para guiá-los ao caminho certo, ao “próprio” (que muitas vezes, para os companheiros, se apresenta como o “alheio”).

Joanne Rappaport , colaboradora do CRIC a mui tos anos, vê nessa “counteracculturation” (“contra-aculturação”) o transtorno do método missionário da enculturação (compare Rappaport 2005: 198, 213). Em tanto se utilizarão direitos políticos, como direitos à terra e autodeterminação, como argumentos que depois são reinterpretados dentro de uma agenda espiritual como sacramentos (Rappaport 2005: 215).

Mas também além disso Rappaport reconhece uma continuidade de diversos conceitos ocidentais no projeto intercultural do CRIC, como por exemplo a divisão do currículo em áreas de saberes:

“[...] even within PEB, interculturalism is a goal that has not yet been attained, given that discursive hierarchies that privileged Western academic approaches continue to exert considerable influence in the indigenouse organization“ (Rappaport 2005: 137).

Os ativistas do CRIC muitas vezes enxergam essas contradições:

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“[...] Lo que pasa es que todo eso entra en contradicción. Y vivimos esa c o n t r a d i c c i ó n - s e v i v e constantemente, porque como somos, digo yo, tan intervenidos por todo esto por todos lados, entonces no se logra como extractar y ir dentro d e l m i s m o e j e r c i c i o d e l a o r g a n i z a c i ó n s e t i e n e l a contradicción. A favor y en contra. Por eso no es tan fácil construir. Yo lo miro así, desde mi óptica es también por una necesidad” (Gilberto Muños Coronodo – Corinto, 30.12.2006).

Valerio, autodenominado Aymara, graduado pelo PROEIB Andes (compare Anexo I) é atualmente um dos coordenadores desse mesmo programa, está consciente da ambivalência do próprio empreendimento:

“Digamos que algunos de ellos [dos estudiantes indígenas] le ocurre que puede combinar conocimientos indígenas con los no indígenas en un proceso de enseñar mas que aprendizaje institucional. La escuela es lo mas cercano, digamos. [...] Pero en el sentido estricto no hemos llegado a la practica en si. Como el Mapuche por ejemplo, Chileno, que tenia que construir sus [...] malocas. O sea: el temor es un poco llegar a ese peligro de contradicciones, no. Por ejemplo encontramos serias limitaciones en el sentido de la discusión de que de lo indígena realmente podría incorporarse en la escuela, por ejemplo. ¿Por que? Porque en el mundo indígena las cosas tienen sus espacios, y no es la escuela, para nada! Es al contrario: la escuela violenta mas esas situaciones. Entonces traer eses conocimientos a la escuela es esforzarlos. En ese sentido es como estar en la tentación de folclorizar la cultura en el sentido de las practicas culturales [...]” (Valerio – Cochabamba 14.11.2006).

A escola contribuiu significantemente na degradação e no desaparecimento de muitas línguas indígenas e modos de vida “tradicionais”; um ensino institucionalizado e teórico também contradiz as formas indígenas de transmissão de conhecimentos ou, se quer, as mnemotécnicas específicas das suas culturas.

A tempo percebeu esse problema e assim existe um grande número de propostas bastante avançadas para a apropriação da educação escolar às condições cognitivas das crianças. Esse processo de elaboração de materiais didáticos, currículos culturalmente específicos e novos métodos pedagógicos ainda não está terminado (e em muitos casos está definido por ser processual e porém per definitionem temporariamente aberto). Também a temática em si já é demasiadamente complexa para ser discutida aqui. Mas no sentido relevante aqui podem ser mencionados em breve alguns elementos básicos que surgem neste desenvolvimento: Assim se está de

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O novo campus da UMACH tem o formato de um maloca (www.universidadmapuche.org)

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acordo que (1.) os conhecimentos indígenas e a história de cada povo (tendo a visão própria dessas etnias marginalizadas) seja parte dos currículos. (2.) Conhecimentos indígenas na maioria se baseiam na prática e resultam do cotidiano porque se tenta levar o ensino para fora das “quatro paredes”. Nisso se conta também com visitas de sábios indígenas (como os pagés, curandeiros, velhos, etc.). (3.) E logicamente o ensino deve ser executado na língua materna ou, se as crianças já não falarem a própria língua, essa deve ser ensinada o quanto antes (com o objetivo duvidoso de revivenciá-la). (4.) Conhecimentos ocidentais devem continuar a representar uma parte essencial do ensino, porque somente assim será garantido o futuro das crianças dentro de um mundo globalizado; mas se tenta entender esses saberes a partir da própria visão, quer dizer, explicando conceitos alheios com conceitos próprios. (5.) O “ensino frontal” não responde ao conceito indígena de “aprender” (compare por exemplo Castillo Collado 2005). Porém se contrasta o “ensino” com o conceito indígena da “auto aprendizagem” onde os estudantes devem chegar às suas próprias conclusões (compare Bolaños & Ramos et al. 2004).

Mesmo que Elizete (colaboradora e essencialmente envolvida na criação de programa educativo do CRIC durante os últimos 30 anos) diante das dificuldades intrínsecas da escola diz que ela pessoalmente pensa que o mundo seria melhor se não tivesse a escola, ela vê a escola como um instrumento importante no projeto político do CRIC na função de meio da “re-indigenização”:

“Claro, pero [...] que esta cuestión de la escuela también es cierto que juega un papel social y político. [...] Entonces la escuela va cambiando también su sentido social y es posible que podría cambiar un poquito, probablemente… Pues, que la escuela se pueda apropiar? Si se puede apropiar, pero es un proceso bien complejo, eso si es cierto” (Elizete – Popayán 07.01.2007).

“[...] Es que la escuela en ningún momento se la va a quitar. Ninguna de las culturas pretende acabar con la escuela. Lo que si se le va a hacer, y creo que la mayoría serán de acuerdo, es solamente cambiarle la dirección de la escuela. La dirección, su proyección ya no va un bocado allá o hacia arriba, sino hacia allá donde venimos nosotros, eso! Y este allá de donde venimos tiene su razón de ser” (Ernesto, estudante no PROEIB, indígena de Iquitos – Cochabamba 15.11.2006).

Mesmo assim deve-se questionar até que ponto a tentativa de transmitir saberes indígenas através da escola faz sentido, como faz por exemplo Fabricio, orientador no PROEIB Andes:

“No, yo soy enemigo de eso. En ningún caso! Es decir: lo que creo que es interesante son precisamente, en los saberes indígenas, es que tienen sus propios espacios, sus propios agentes, sus propias metodologías. O sea, que cosa eso va a servir en la escuela? Es falso eso! Es un otro formato, sabes? El indígena amazónico va aprender cazando, va aprender en la pesca, va aprender andando en el monte... Eso son

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cenarios donde yo creo, en que han construido e se han formalizado y se han sistematizado eses saberes. Y la forma de reproducir eses saberes es reproducir sus sociedades” (Fabricio, orientador no PROEIB Andes – Cochabamba 15.11.2006).

Ele aponta também o problema que aqueles indígenas beneficiados pela nova

educação escolar muitas vezes tem uma própria visão bem diferente da educação.

“Ahora, digamos, se habla un poquito de las cuestiones del aula. Se hace fuera del aula ... y se hace! Pero es complicado también, porque el padre tiene una idea occidental de la escuela. Hay algunos maestros que trabajan a base de nuevas pedagógicas y han salido fuera del aula, han llevado a los niños a los sabios de la comunidad por ejemplo, que vayan con el sabio cuando recogería las plantas medicinales. En algunos casos eran los padres que se han opuesto y que han dicho que ‘nosotros mandamos nuestros hijos a la escuela para que aprendan a leer y escribir y no para que salgan a jugar. Eso es bien complejo, porque así como hay una sabiduría, digamos, de ellos, que la tienen como indígenas, hay también una representación de funciones institucionales. Para ellos la escuela tiene que ser en el aula y ahí tienen que aprender a leer y escribir. [...] Entonces ahí hay un conflicto, digamos, serio también” (Fabricio – Cochabamba 15.11.2006).

Esse conflito entre as propostas ambicionadas e elaboradas cuidadosamente por grupos de intelectuais acadêmicos e ativistas indígenas, e as visões (“colonizadas”) dos mesmos indígenas nas aldeias é significante para todos os projetos escolares (que eu conheci). A discrepância entre aquilo que os planejadores dos projetos imaginam como o melhor para a população e aquilo esta espera se mostra também nas opiniões dos professores10 e dos estudantes oriundos dos novos programas para a formação de professores.

Perguntando aos estudantes Maristela (Pareci), Ivan (Irantxe) e Elisete (Pareci), qual a razão da participação no 3° Grau Indígena da UNEMAT eles responderam:

“Eu estava esperando melhorar, porque tem bastante professores que quase não tem curso de faculdade. Melhorar o ensino na escola, né?. Aprender mais, trazer novos conhecimentos pra eles. Também estar num ensino superior, eu queria muito [...]” (Maristela – Tangará da Serra 26.10.2006).

“A mesma coisa dela, porque na nossa aldeia temos muita sala de aula e poucos professores capacitados para darem aulas. Então a minha vontade era entrar numa universidade pra também poder dar um ensino de qualidade para os alunos” (Marta Pareci – Tangará da Serra 26.10.2006).

10 Especialmente na Bolívia, onde a introdução da educação indígena esta sendo realizada de forma relativamente centralizada, muitos professores boicotam os novos currículos e deixam os novos materiais didáticos apodrecer nos armários porque se recusam a trabalhar com os novos métodos pedagógicos por não entendê-los ou discordar com estes.

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“[...] Porque no meu povo também tem praticamente só eu e quatro pessoas formadas a nível superior. Então eu entrei pra buscar melhorias,, pra nossa comunidade, tanto na educação quanto em outros. Eu acho que o ensino [...] pra mim vai ser bom y pra minha comunidade também, porque [...] ainda não tem ensino de qualidade para os alunos” (Ivan – Tangará da Serra 26.10.2006).

Principalmente no Brasil, onde a população indígena sofre a marginalização pela maioria gigantesca (99,7%) da sociedade dominante bastante urbanizada e não-indígena mais do que em outros países, motivos pragmáticos dominam os projetos educacionais mais do que as projeções ambicionadas dos ativistas e acadêmicos.

Eu visitei, entre outros, Bertila do povo Manoke/Irantxe, quem já terminou o 3° Grau Indígena, na aldeia e assisti a aula dela. Em seguida conversamos sobre as suas experiências com o programa da UNEMAT e em que sentido ela conseguiu aplicar os métodos aprendidos ali. Eu achei estranho que ela tenha dado aula naquele barraco sufocante com teto de zinco e pintado nas cores da FUNAI.

“É verdade. Eu acho muito ruim, porque [...] eu tenho dois anos apenas aqui na sala de aula, dois anos ... É muito pouco tempo, muito pouca convivência com meu próprio povo [...] Eu gosto de dar muita aula de campo, uma aula solta, uma aula que busca conhecer essa própria região, essa própria área, e tudo mais ... Mas é que a comunidade aqui em geral foi educada pelos padres, uma educação rígida que você tem que ter sala de aula... Se você não está em sala de aula, você não está estudando, você está fora – muitos pensavam assim. Hoje, hoje não! Esse ano inteirinho, esse mês que estou de licença, ah, nós estudávamos sempre fora, sempre nos rios, indo pescar, indo caçar... De lá trazíamos os materiais, escrevíamos um texto sobre o que foi visto, tentava socializar, tentava identificar, será que aqui é ruim, que lá é melhor? Qual lugar é o melhor pra se viver? – qual a vivência com o branco lá fora? ... com a natureza? ... com tudo, né? Então a comunidade foi vendo que o ensino, o ensino em si, ele nem precisa ser entre quatro paredes [...]”.

Vocês podiam pegar as cadeiras e ficar lá, por exemplo, debaixo do teto de palha, a dez metros daqui...

“A gente faz toda vez! Que hoje é só você aqui...”

Ah, só hoje vocês ficaram aqui dentro?

“Só hoje! As cadeiras estão lá ainda.”

E ajuda aprender lá fora?

“Ajuda! Muito mais! A prova escrita é a pior coisa que tem. Esse negócio de prova também odeio, odeio! Sabe o que eu acho? eu acho que na verdade você classifica: um aluno que na oralidade é 100% e lá na escrita ele é 0%” (Bertila, professora primária na comunidade Manoke/Irentxe e ex-aluna do 3°Grau Indígena – aldeia

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Paredão 03.11.2006).

Nesse incidente engraçado se mostra até que ponto a escola esta estigmatizada. Por outro lado se vê nas experiências positivas de Bertila e nos esforços feitos por ela para realizá-los que os programas acadêmicos realmente parecem enfrentar as necessidades das comunidades. Também Sr. Ronaldo, professor mais velho da aldeia (quem alfabetizou quase toda a comunidade) e um dos poucos vernáculo-falantes, compartilha essa opinião:

“Muito bem, era isso sim o que a comunidade desejou. Que eles queriam era um ensino mais avançado do que é o ensino que vem de fora pra dentro das nossas comunidades. [...] É o que nós desejávamos sim, que eles possam ensinar tudo que vem lá de fora aqui pra dentro, [...] assim, interculturalmente, que nós ensinamos tanto na nosso cultura e também a cultura que vem lá de fora. Então pra nós é muito importante esse conhecimento, pra nós em primeiro lugar como professor, e depois pra nossas crianças, e juntos à comunidade. Isso é o interesse deles mesmo. Mas tá dentro do conhecimento deles, porque nós trabalhamos tanto com a coisa assim que é o ensino de fora, que é dos brancos e também nós trabalhamos com nossa cultura que é nosso próprio conhecimento [...]. Antes eu pensava assim: eu achava que ensinar era assim, desativar a nossa cultura em favor da cultura não-indígena. Então isso era a minha preocupação. Mas depois que eu conheci toda realidade não é isso. Agora a gente vê que tá certo o trabalho [...]” (Ronaldo – Paredão 01.11.2006).

Para as comunidades indígenas não é tanto a visão de uma sociedade pluri-étnica, mas as necessidades existenciais do cotidiano que causa o interesse na educação escolar deles.

“[...] Aos Xavantes, [...] perguntei: ‘o que vocês querem da matemática?’ [...] E eles falaram assim: nos queremos entender algumas coisas pra nos defender. Tipo assim: nós queremos saber da matemática quando nos compramos. Usamos muita coisa que é comprada e não sabemos lidar com esse câmbio [...] índio vai ao banco dizendo assim: olha, se eu pegar um empréstimo vai ter tanto por cento pra pagar de juro. O que que é isso? [...] Agora vou comprar óleo pro barco – e subiu tanto por cento. Como que vou saber? Os velhos vão pegar a aposentadoria. Ah, CPMF é cobrado 0,38%. O que significa isso? Então tem muita informação na matemática que não sabemos interpretar. Então, essa matemática serve pra nos defender [...]” (Pedro, coordenador do 3°Grau Indígena – Barra do Bugres 24.11.2006).

“[...] Ahí hay una cosa, digamos, hay todo un tema, digamos, poco trabajado, y poco estudiado, que tiene que ver con cuales son las demandas reales de las poblaciones indígenas. Que no son las mismas que las demandas de los movimientos indígenas, como decíamos, que están sustentados por ciertas visiones ideológicas” (Rosana, Departamento de Desarrollo Curricular, UMSS - Universidad Mayor de San Simón, Cochabamba – Cochabamba 15.11.2006).

Nota-se bem uma estratificação nesses processos de “construção coletiva”. Se bem que

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a participação da base indígena na elaboração da nova educação escolar é apresentada explicitamente como o preceito de todo o processo de planejamento, as diferenças entre as necessidades e idéias dos diversos atuantes são óbvias. Isso se deve à heterogeneidade social e cultural dos atuantes (acadêmicos, colaboradores, ativistas indígenas, tradicionalistas, fronteiriços culturais, população indígena, ...) que se manifestam também na experiências dominadas pelo mundo de viver (alemão: “Lebenswelt”) com a interculturalidade; essa heterogeneidade vem com a diferença no poder que se estende, de certo modo, num contínuo entre sujeito e objeto, demarcando as relações dos vários atuantes à reforma educacional planejada. Quem é que realmente planeja o que depois se aplica a quem? Essa questão da representação em relação aos novos programas de educação é bem complexa e será pesquisada minuciosamente mais adiante.

Aqui somente se aponta a extensão da condição do poder11 nos mesmos processos de construção de uma educação “própria”; isso, já que não se trata de relações de poder claras que poderia caber numa dicotomia simples entre acadêmicos não-indígenas e indígenas ou entre estados pós coloniais hegemoniais e etnias marginalizadas. Trata-se mais de uma rede emaranhada de posições políticas que muitas vezes nem são percebidas pelos mesmos atuantes, ou seja, que são ocultadas por estes e também resultam em conflitos entres os indígenas. A instrumentalização política da escola como parte das organizações resulta num conflito em relação ao peso da sua função como instituição educacional versus o seu papel como lugar da educação ideológica.

"[...] 'Claro, es que la escuela es fruto de la burguesía, es que enseñar a leer y escribir es enseñar a leer una actividad absolutamente individual y escribir es una actividad que en sí misma posibilita le irresponsabilidad y uno no sabe pa´ quien escribe, y leer es un proceso liberador porque a uno no le pueden controlar lo que lee. Entonces yo le dije: 'Ustedes deberían de pensar en una vaina y es que la escuela no es sólo que les sirve, es que los puede joder, porque forma individuos y los individuos pueden ser desobedientes y desleales y toda es carreta... pueden ser... y son incontrolables" (Javier Serrano, ex-coordenador do programa de educação própria do CRIC, citado em: Ramos & Bolaños et al. 2004: 170).

11 Após uma discussão sobre as teses de Foucault pela filosofia e as ciências humanas pós-moderna, durando já mais de 30 anos (compare por exemplo Hornbacher 2005), aqui a relação entre poder e saber em si não será tratada. Basta notar aqui que, seguindo Foucault (ou na verdade Nietzsche), poder e saber serão entendidos como aspectos intrínsecos de qualquer relação entre indivíduos. „[...] a verdade em si é poder“ (Foucault 1978: 54). „O poder não existe. Eu quero dizer com isso o seguinte: a idéia que num determinado local ou estendendo de um ponto poderia existir algo que é poder, me parece ser baseada numa análise enganosa e é, de qualquer forma, incapaz de dar resposta a uma série de fenômenos. Trata-se do poder na verdade de relações, de uma faixa de relações mais ou menos organizada, mais ou menos coordenada“ (Foucault 1978: 126). A condição de poder deve ser entendida aqui, porém, como a condição mútua de saber, poder e valores éticos.

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Vê-se, então, como a reclamação de uma educação própria para a população indígena aparece como parte das suas reclamações políticas por autonomia e reconhecimento, enquanto essa deve enfrentar as exigências das necessidades pragmáticas da base indígena no contexto da sua inclusão (as vezes forçada, as vezes desejada) num mundo globalizado. Mas a educação própria tem que satisfazer também a sua importância na “indigenização” motivada por razões políticas, pois o fortalecimento da identidade cultural (indígena).

O momento libertador da educação como acesso livre ao saber, porém, é confrontado com o momento político do poder de gerar saber, o que é a sincronização ideológica. Um paradoxo intrínseco do modelo educacional ocidental, o qual foi importado junto à institucionalização da nova educação.

1.2. “Universidades Indígenas”“A ciência chegou ao poder através da violência, não através de argumentos (isso passa especialmente para as ex-colônias, onde a ciência e a religião do amor fraternal foi introduzida com naturalidade, sem perguntar à população nativa ou apresentar argumentos)” (Feyerabend 1980: 393 – traduzido por mim).

Também os novos programas de educação acadêmica, que na maioria das vezes são uma conseqüência direta da educação escolar, muitas vezes são vistos explicitamente como parte dos instrumentos do movimento indígena para autonomia. Como no caso da escola, a própria denominação “universidade indígena implica uma contradição intrínseca que se deve ao seu contexto de origem.

As grandes universidades da América Latina foram fundadas nos séculos XVI. e XVII., somente poucas décadas depois das primeiras universidades na “nação mãe” espanhola (Mundt 2004). Suas restrições de acesso não se deve só às economias nacionais na América Latina, senão refletem antes de tudo as necessidades das elites sociais12. Legitimando, assim, essas elites através da titulação, as universidades tornam-

12 As taxas de estudos que são cobradas em muitos estados na América Latina e que são impagáveis para a maior parte da população. Elas asseguram às elites um acesso privilegiado à educação acadêmica. Mas também no Brasil, onde as universidades públicas são gratuitas e além disso mantém um nível de qualidade relativamente alto, os vestibulares indiretamente discriminam os estudantes de famílias de baixa renda. Porque estes não podem pagar uma escola particular e tem que freqüentar as escolas públicas cujo nível é muito baixo. Assim os alunos de escolas publicas não têm muita chance a conseguir uma das poucas vagas nas universidades, sem pelo menos freqüentarem um pré-vestibular (particular e custoso). O efeito é que as elites estudam gratuitamente nas universidades públicas, enquanto os menos favorecidos se encontram nas universidades particulares, que em média mantém um

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se instrumento da perpetuação de estruturas aristocratas (compare também Bourdieu 1987: 143). Logicamente essa situação é percebida também por aquela parte da população “menos educada”, já que são justamente essas pessoas que são excluídas por aquele mecanismo de exclusão. É exatamente a população indígena, que representa uma parte mínima entre o pequeno grupo de estudantes (muitas vezes ao redor de 1%), tende, porém, a mistificar o poder dos títulos. Especialmente como etnólogo se escuta muito a acusação de ser só um dos “doutores” a mais que rouba a sabedoria para depois ganhar incrivelmente muito dinheiro com essas informações.

“[...] Por ejemplo hay muchos ‘lólogos’ [irônico para cientista] con formas sistemáticamente igual. Van a cualquier lugar del mundo, hacen un estudio, y ponen un nombre, listo. Y se van a su banco central o se van a sus universidades y ya están famosos [...]” (Tserembo, um dos fundadores da UNCIA - Universidad de las Ciencias Ancestrales - da comunidade Shuar Yawints, Equador – Mura, 20.12.2006).

Não deslumbra, então, que com o crescente acesso ao mercado mundial e à rede elétrica e da televisão, são em primeiro lugar os jovens indígenas que esperam uma melhora na qualidade de vida através de títulos. Deste ponto de vista o caráter instrumental da educação para o fortalecimento da identidade cultural parece ser secundário.

“[...] La juventud, quieren obtener un titulo. [...] Lo que pasa es que aquí todavía hay ese criterio. Dicen: ‘yo quiero tener plata, entonces yo voy a ser medico, yo voy a ser abogado, yo necesito plata’. Pero sin embargo tenemos una cantidad de desempleados con titulo bajo del brazo. Eso es el problema” (Renato, Diretor da Amawtay Wasi e presidente da CONAIE – Quito, dezembro 2006).

Mas para as organizações indígenas, as quais entendem a educação como parte do seu projeto político, a demanda da base indígena a títulos ganha um caráter ambivalente. Além das necessidades sócio-econômicas atuais, o que para elas importa é a realização de um novo paradigma educacional, capaz de enfrentar diretamente as necessidades existenciais dos indígenas, mas que assegure em primeiro lugar a autonomia cultural:

“Bueno, ahora lo que nos proyectamos es a una situación de la actualidad. Nosotros necesitábamos un centro de educación superior reconocido por las leyes del estado, ya, para que no nos digan que somos unos tipos demasiado informales, para que los títulos de nuestros compañeros valgan, para el mercado si es que quieren. Pero nuestras proyecciones son otras. Por ejemplo nos creemos que la educación es para toda la vida, y que no es el fin obtener un titulo, claro” (Renato – Quito, dezembro 2006).

„O problema é que quando a universidade outorga um título a alguns, exclui muitos outros. Nas comunidades indígenas, isso é impossível. O título de aumauta ou de iacha é um título de reconhecimento social, mas não significa em absoluto que a

nível mais baixo.

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comunidade não saiba, ou que seja ignorante“ (Daválos 2006 – entrevista por Florencia Stubrin: 10).

Os autores da nova educação acadêmica geralmente estão conscientes, de que a minimalização da institucionalização, cria, um distanciamento máximo dos modelos de educação ocidental e das hierarquias e modos de viver perpetuados por ela, é a pressuposição para que estes novos modelos de educação se tornem um fundamento da autonomia cultural. Mas a demanda de títulos próprios já pressupõe o reconhecimento dos modelos próprios de educação por parte do estado, o que força os indígenas a tomar compromissos inconvenientes. Porém existe aqui um conflito entre o conteúdo, ou seja, o objetivo (revitalização e autonomia cultural) e da forma (institucionalização) dos programas de educação indígenas.

As novas exigências à educação acadêmica são ameaçadas, paradoxalmente, por seu próprio caráter formal, porque o monopólio da titulação do estado está em oposição a uma educação universitária menos formal. Assim o obstáculo principal é muitas vezes obter o reconhecimento como “universidade” pelo governo.

“[...] En el marco de esos estudios de educación superior, pues, también se han echo encuentros. Y [...] tuvimos una reunión con el vice ministro, la mesa nacional, y tuvo que aceptar que estábamos desarrollando pedagogía comunitaria y que no tenia licencia para practicarla, y dijo: ‘pero como eso si eso no es formal’. Pero está funcionando y la gente está trabajando y de manera, digamos, profesional y empezamos a debatir el concepto de educación superior, y la legitimidad y la legalidad ... y de donde ... y tubo que aceptar [...]. Es decir: eso es un avance en términos políticos, porque el no había aceptado para nada. Ahora: sabemos que eso no va a funcionar si nosotros no cualificamos. Si la única posibilidad fuera esa, de desarrollar alternativas, tanto hacia a dentro como hacia a fuera, es la calidad de la ponencia, y eso es bueno. Pero los títulos son secundarios, importa mas la formación que los títulos de todas maneras. Siempre fue eso así. Así empezamos allí - en el ´98 empezamos así. [...] Yo personalmente no creo en los títulos, totalmente, no creo. Pero la gente también tiene una forma de ir apropiando y ir entendiendo y todo eso [...]” (Elizete – Popayán 07.01.2007).

“Si, porque [...] en las propias reivindicaciones que hacen los pueblos indígenas de reconocimiento de sus saberes está implícita esta aceptación de la superioridad del conocimiento científico frente a su propio saber. Por eso la exigencia es de instituciones de educación superior. Porque es la universidad la que te va a justificar tu conocimiento como conocimiento científico, no. Entonces ahí hay también una contradicción, en la necesidad de usar este instrumento que es la misma ciencia como estimador de tu propio saber. Hay una cuestión de estatus epistemológico, donde hay una relación que es desigual, en este momento, una desigualdad en la validez de estos saberes. Claro, el poder tiene directamente a ver con eso, si. Hay una desigualdad en la relación poder-saber. Entonces en esa relación, que está en este momento desequilibrada, hacer una integración es muy complejo, es muy complicado [...]” (Rosana – Cochabamba 10.11.2006).

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De alguma maneira se entrecruza aqui uma dupla procura da identidade, que deve assegurar tanto estatus social quanto poder político.

“[...] Muchos ahora dependen de una identidad académica. Por ejemplo ingenieros, arquitectos, abogados, eso le hacen como una identidad. Y tiene preferencia, privilegio de decir ‘Sr. Doctor’ o ‘Ingeniero’, pero no se puedo decir: ‘ Sr. de la nacionalidad tal’ [...]” (Tserembo – Mura 20.12.2006).

O acesso à “identidade acadêmica” estranha e com isso o estabelecimento do poder sócio-político dos títulos como capital simbólico, por um lado, é aspirado para através deles ocupar posições de poder com os próprios ativistas 13.

Franz, o coordenador da GTZ (Fundação Alemã para a Cooperação Técnica) em Bolívia, por exemplo justifica o financiamento dos cursos internacionais de pós-graduação para profissionais da área de educação e para as lideranças indígenas do PROEIB Andes e da UII (Universidade Intercultural Indígena do Fondo Indígena) seguinte:

“Não porque nós adoramos tanto o Fondo Indígena, ou as universidades daqui, mas porque é um dos objetivos estratégicos transversais do BMZ (Ministério Federal de Cooperação da Alemanha), do nosso ministério, do nosso contratante principal, ou trabalhar junto com as organizações indígenas, ou garantir, que os multiplicadores indígenas tenham melhor acesso à pesquisa e ao ensino, mas também à posições administrativas. Isso é a razão. [...] Trata-se da estabilização política, se você quiser. Que doador e receptor, atendido e atuante, que eles todos possam conversar olho nos olhos. E precisamente olhos nos olhos em relação a nível acadêmico tanto quanto ao nível social, político – isso é extremamente importante [...]” (Franz – La Pais 20.11.2006 – entrevistas em alemão, traduzida por mim).

De outro modo se pretende perpetuar a cultura indígena através das mesmas instituições educacionais; ou seja, que se construa por elas uma identidade cultural que se distinga genuinamente da “identidade acadêmica”, para garantir a própria definição como grupos étnicos marginalizados. Ao final essa identidade (neo-)indígena representa a base da própria reivindicação do reconhecimento político e étnico.

O próprio termo “universidade indígena”, então, é questionável já por procurar (como

13 Nesse sentido a „violência simbólica“ se mostra abertamente, através „da margem realmente mágica com a qual é manifestada a diferença essencial entre o ultimo que aprovou e o primeiro que reprovou, e que é marcada pelo direito a levar um nome. Esse corte é um acontecimento verdadeiramente mágico e o seu paradigma é a divisão analisada por Durkheim, entre o sagrado e o profano“ (Bourdieux 1985: 37). Este „ato de ordenação“ pode ser entendido, com Foucault, como parte das „práticas corporais“ que reproduzem ao mesmo tempo o sistema „panótico“ de internação da „sociedade disciplinar“ ocidental e que são reproduzidas pelo mesmo „panotismo“ (compare Foucault 1981). Por outro lado a internação de estudantes indígenas implica a apropriação habitual deles, ou seja, a aculturação através das „práticas corporais“ e da „violência simbólica“ da instituição „universidade“. Isso explica também a alta cota de acadêmicos indígenas que permanecem em contextos urbanos o que sempre é lamentado pelas comunidades indígenas.

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já no caso da escola) unificar duas demandas aparentemente incompatíveis. Como “universidade” ela deve garantir o acesso ao saber (=poder) ocidental aos indígenas, à títulos, porém à uma “identidade acadêmica” e assim à posições de poder na (ou frente à) sociedade dominante. Como continuação de uma educação indígena, por outro lado, ela deve fortalecer a identidade (neo-)indígena, dando preferência ao saber (neo-)indígena (compare também Daválos 2006).

Rosana, que colabora na elaboração da nova reforma da educação boliviana para a descentralização e apropriação da educação às necessidades da população indígena, tem uma posição crítica frente às universidades indígenas:

“[...] No creo que sea el camino, digamos, sostenible, no. [...] En realidad el formato universitario, si tu eres extremista en estricto, no es un formato en el que tu puedes traducir los saberes originarios, porque los saberes originarios han sobrevivido y corresponden a una forma de transmisión y de practicas que tampoco las conocemos bien, que no sabemos como son, y que permiten la reproducción de ese conocimiento en un contexto de vida determinado. Ahora, si tu quieres traducir esto a un contexto formativo e institucionalizado formal, que además se supone, como decíamos el otro día, que es la institución, el resguardo del acervo cultural del mas alto nivel de una sociedad y no se que cosas. Desde ahí hay una contradicción, no: la propia reivindicación de los pueblos indígenas por institucionalizar sus saberes es un contrasentido - si lo analizas desde ese lado. Porque en realidad lo que estas haciendo reconocer a la universidad como la institución que oficialmente va a institucionalizar tus saberes” (Rosana – Cochabamba 15.11.2006).

1.2.1. Amawtay Wasi

“Pero eso es también una bonita, barbulla de escape de [...] los estados que no quieren dar dinero para eses logros que se han ido. [...] Entonces ahí es fácil decir: ‘para que quieren universidades, si las nunca tuvieron, históricamente?’ [...] Entonces acá de que se trata, es obtener un reconocimiento de un espacio. No necesariamente en la universidad. Por eso te digo no es necesariamente donde debe ser. Aquí dicen: ‘donde es el campus de ustedes?’ Nosotros nunca pensamos en armar un campus. Nuestras aulas son las comunidades de las nacionalidades. Nosotros queremos un centro en donde hagamos evaluación, donde hagamos planificación, donde hagamos capacitación, nada mas” (Renato – Quito, dezembro 2006).

Consequentemente se trocou o nome da UINPI (Universidad de las Naciones y Pueblos Indígenas, fundada pela CONAIE e reconhecida em 2004 como universidade privada pelo congresso nacional do Equador), para Amawtay Wasi (kichwa: casa de sabedoria).

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Com isso evitou-se a contradição nominal, mas também refere-se às amawtay wasis, aquelas “universidades” dos Incas.

“[...] Antes en el Tawantinsuyo [la educación] ya estaba institucionalizado. Claro, o sea: era un imperio, el Tawantinsuyo, entonces el conocimiento estaba estratificado. Si había grupos, personas que manejaban esta astrología. Comunidades enteras aquí [...] manejan la medicina tradicional, toda la comunidad. Pero antes era institucionalizado. O sea: el estado incaico formaba grupos en instituciones para que supieren. Pero no era cualquiera, seleccionaban también. Y después de la conquista se pierde todo y parecía que fueran sin institución. O sea: yo con esto quiero debatir la idea de que el conocimiento indígena no es institucionalizado. Era institucionalizado! Por la conquista quedo así. Pero hay la idea de re institucionalizar también” (Gilberto, ex-aluno e um dos coordenadores do PROEIB Andes – Cochabamba 14.11.2006).

Renato também aponta à pré-existência daquelas “casas da sabedoria”, mas tem uma opinião mais moderada:

“Yo personalmente creo que la institución de la educación era del padre a sus hijos, y el aula grande de la comunidad. Entonces es una forma distinta de esa educación occidental. Que el arranque de los hijos de los hogares para reponerlos a manos de los profesores. Es muy distinto. Entonces en cambio en ese tiempo, de lo que le dije, del poco de que he investigado, no había necesidad de hacer eso – ¿por que? Porque primeramente había los principios sagrados en el sentido de que los padres, no tanto por obligación pero por el principio sagrado, son los que podrían formar, digamos así. Y los hijos estaban mejor ahí, en sus actividades. En el principio las actividades cotidianas, eran las actividades del aprendizaje” (Renato – Quito, dezembro 2006).

O caráter relativamente formal da Amawtay Wasi seria meramente um compromisso mínimo com o governo, para obter o reconhecimento legal pelo estado como universidade privada. Desde então (2004) problemas financeiros eram o maior obstáculo, porque justamente os estudantes indígenas dificilmente têm as condições de pagar os cursos, e o governo não se vê obrigado a financiar uma universidade privada. Além disso a Amawty Wasi não é aceita por todos os indígenas como universidade própria deles. Renato mesmo aponta que o foco andino, que se reflete não só no nome, mas também na estrutura da Amawtay Wasi, resultou do erro inicial de ter partido muito descuidadamente de uma visão pan indigenista. Assim foram ignoradas as diferenças consideráveis entre as culturas amazônicas e as culturas andinas, o que é o por quê das primeiras se recusarem em grande parte a reconhecer a Amawtay Wasi como universidade nacional intercultural indígena (compare também Daválos 2006: 9).

“[...] Podría haber sido un error. [...] Se ha dado errores, se ha dado, claro. Claro, que hay una hegemonización de los Kichwas es cierto. [...] Bueno, por lo pronto hemos empezado con los Kichwas - si me entiendes. Hemos empezado con los Kichwas, con los símbolos Kichwas, y que de ninguna manera se trata de deteriorar a nacionalidades pequeñas. Es un otro mundo, definitivamente. Nosotros con los Shuar actualmente

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estamos haciendo unos talleres sobre filosofía Shuar [...]“ (Renato – Quito, dezembro 2006).

Apesar disso há também indígenas no Oriente (parte amazônica do Equador) que se referem à primordialidade da sua própria educação institucionalizada – assim por exemplo Tserembo da UNCIA (Universidad de las Ciencias Ansestrales), que funciona dentro da comunidade Shuar de Yawints a alguns anos.

“[...] No es nuevo! Es mal expresado para muchos que dicen: están criando. Eso hemos discutido hace poco. La universidad de las ciencias ancestrales ya existe, ya existió en lo oral, en la educación oral. Hoy lo que nosotros hacemos es sistematizar jurídicamente. Es simple porque el Shuar a sus hijos grandes, pequeños, adolescentes, incluso adultos, enseña. Por ejemplo mi abuela me enseña, me tío... Y yo tengo 36 años, estoy andando en el monte, me siguen enseñando. Yo soy un estudiante” (Tserembo – Yawints, 20.12.2006).

Como muitos outros pequenos projetos autônomos mantidos por comunidades indígenas e organizações locais, postula-se aqui categoricamente a equivalência dos saberes (neo-)indígenas e das tradições orais frente as ciências ocidentais. Independentemente da questão da legitimidade desta postulada equivalência dos próprios conhecimentos (questão que será tratada mais adiante) pode se perguntar, se o nome de “universidade” aqui realmente é mais do que uma cifra para a demanda de autonomia. Se bem que havia uma certa institucionalização nas formas (neo-)indígenas de transmissão de saber, essas formas se distinguem em pontos fundamentais do modelo ocidental de universidade. Não é somente, por serem os professores indígenas normalmente parentes dos estudantes (pais, tios, avós, etc.); também o caráter holístico dos próprios sistemas (neo-)indígenas de saber causa uma contraposição à separação em diferentes áreas do saber ocidental, cuja integração se mostra muito difícil. Assim as universidades indígenas adotam pelo menos uma divisão rudimentar do saber.

“Pero eso depende también del tipo de la forma como se ha construido las carreras. O de la forma como va hiendo construyendo los currículos. Porque en el fondo yo creo que el nombre es lo de menos. Es igual que la escuela a cualquier otro. Tu cambias de nombre y sigue siendo el mismo, o no? A ti te pueden poner otro nombre en otra parte [...]. Le quiero comentar que esa duda de generar una instancia diferente a las condiciones que existen, una institución del carácter occidental: ‘universidad’ – con todo una carga ya ideológica, con una carga conceptual, con una carga pues metodológica y igualmente administrativa. Lo administrativo es lo principal, digo, político. Pero acá se ha discutido, y se discutió con seriedad si le vamos cambiar de nombre o no. Y en dos reuniones se ha decidido que políticamente el concepto de universidad era reapropiable [...] por el concepto de la vida entendida como la reflexión profunda cerca de las condiciones de vida de cada pueblo y no exclusivamente en términos de escolarización. De allí que la universidad tenga distintas posibilidades de injerencia del mundo indígena. En este momento la UAIIN mismo, por ejemplo, plantea que pueda haber programas que ni se quiera serán certificados ni nada, ni si

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quiera escolarizados. Tipo profundización, por ejemplo, en la medicina tradicional desde la propia perspectiva. O programas muy diferenciados. Por ejemplo derecho propio: derecho propio no va a ser un programa convencional igual. O desarrollo comunitario... Eso no va a ser un programa igual a los que tienen en las universidades. Eso es otra dinámica [...]” (Elizete – Cochabamba 07.01.2007).

Elizete aponta a função da visão “própria” (neo-indígena) como ponto de partida da nova estrutura das carreiras. Mas as ambições e os desejos dos jovens indígenas (em Tierradentro) em relação à UAIIN mostram que eles mesmos associam a “universidade” com carreiras convencionais. Por exemplo conversei com Naime Viquez Ramos e Viviana Marcela Monserrate Campo, ambas membros do “cabilde de jovenes” (da organização de jovens dentro da administração autônoma indígena do Cauca), que participam na elaboração dos programas acadêmicos, sobre a visão delas de “universidade”. Elas propuseram as seguintes carreiras: contabilidade; ciências políticas; direito; pedagogia; (etno-)medicina (por exemplo com métodos que possibilitem um diagnóstico convencional combinado com medicinas herbais tradicionais, com o objetivo de criar uma clínica intercultural).

Isso me surpreendeu e eu perguntei mais: como elas entendiam isso em relação ao próprio sistema de saberes, sendo que este seria mais holístico? – Mas elas confessaram que não tinham pensado sobre isso ainda. Ao longo da nossa conversa sobre os conteúdos possíveis de uma nova carreira em etno-medicina chegamos à conclusão, que esse devia incluir, além do conhecimento das plantas e da aplicação delas num diagnóstico normativo, também os contextos rituais e sociais no sentido holístico do saber do pajé, e que era, também, quase inseparável das outras carreiras14. Como na questão da educação escolar, aqui se mostram também enraizadas e profundas as imagens estigmatizadas de “universidade” e os desejos pragmáticos da população indígena como habitantes de um mundo globalizado.

Percebe-se que por exemplo os mesmos estudantes indígenas que participam nos programas de educação diferenciada da UFMG e da UNEMAT sempre apontam as contradições que resultam da estrutura curricular com carreiras convencionais que são incompatíveis a própria visão holística, “animista” deles.

“[...] Essa divisão pra gente na aldeia não existe. Pra gente tudo faz parte da mesma coisa. Isso principalmente não existe na escola. A gente tenta juntar isso de alguma forma. [...] Eu acho que isso deve está tudo junto. Pra nós na escola não tem essa separação aonde isso pertence. Especialmente quando nós ensinamos ensina aos meninos: isso aqui pertence à geografia; isso aqui pertence à ciência; isso pertence à matemática... Então eu acho que isso pra nós tem que ser tudo dessa forma, que tudo faz parte.”

“É porque nós sempre acreditamos na relação com a natureza, nos seres da natureza.

14 Essa conversa, que aconteceu no 03.01.2007 em Tierradentro, lamentavelmente não foi gravada.

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A gente tem uma relação forte, assim, com a lua, com o sol... Então isso é diferente da ciência ocidental. Que pra eles o mundo significa uma coisa, pra nós o mundo significa outra, completamente. Então tentamos ver isso de uma forma assim: bom, isso ai é do lado da ciência, do não-índio. Então vamos respeitar e vamos fazer com que eles respeitem o nosso jeito de ver o mundo, como a gente vê o sol, como vê a lua, como que vê o rio, como é que a gente vê a ave ...” (Arnaldo, Pataxó, estudante do programa de educação diferenciada da UFMG – Belo Horizonte 27.09.2006).

Podia-se perguntar até que ponto essa posição é resultado do ensino na UFMG, o qual também inclui a análise científica das visões indígenas, ou seja dos “diálogos horizontais” com os professores (majoritariamente não-indígenas)15. Mas muitos dos ativistas indígenas recusariam fortemente esse tipo de “teoria de adaptação”.

„O conhecimento é um só porque o homem é um só e a natureza é uma só“ (Daválos 2006: 10).

Pablo Daválos (ativista indígena, ex-ministro de economia de Equador e professor de macro-economia e globalização na universidade católica de Quito) descreve o processo de criação da Amawtay Wasi como projeto coletivo com o objetivo principal de sistematizar e perpetuar a sabedoria indígena. A separação superficial em quatro áreas de conhecimento (“ciência de vida”, “ciência de espacio”, “administración y justicia comunitária” e “educación intercultural”) teriam surgido somente pela pressão contínua do governo para poder adequar o reconhecimento como universidade pelo parlamento (Daválos 2006).

Ou seja, não é a instituição que eles querem, senão a ciência. As contradições nas demandas indígenas criticadas, porém, podem ser entendidas também como resultado de compromissos forçados.

Todavia os relatos dos meus interlocutores indicam que muitos indígenas associam a “ciência” com a “universidade” como instituição.

Ao final é difícil decidir se essa “contradição” realmente existe como uma diferença essencial entre as cosmologias “holísticas” alheias a nossa visão “analítica” moderna, ou se somente reflete a nossa projeção de uma contradição intrínseca da nossa própria cultura às outras que agora estão sendo instrumentalizadas contra nós.

15 A minha conversa com Naime Viquez Ramos e Viviana Marcela Monserrate Campo, na qual eu trabalhei com perguntas sugestivas para guiá-las na direção desejada por mim e para finalmente arrancar delas a concessão daquela contradição entre a visão etno centrista delas do que é uma universidade e da visão holística “própria” delas, podia ser (lamentavelmente) um exemplo típico para esse tipo de transmissão involuntária de conceitos e visões.

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1.2.2. Espaços Errados & Mnemotécnicas Alheias

A heterogeneidade das exigências políticas da educação intercultural indígena resulta, como já discutido em relação à escola, em problemas quanto à realização de um ensino acadêmico intercultural ou indígena. Esses manifestam-se também na questão da possibilidade e necessidade da inclusão de formas e práticas dos saberes indígenas num contexto acadêmico e institucionalizado. Primeiro, a mera melhora do acesso à educação convencional não responde ao cumprimento dos direitos de autonomia cultural politicamente garantidos para os indígenas; segundo, o caráter hegemonial tanto do ensino universitário quanto a sua instituição em si são contra-produtivos em relação ao fortalecimento da identidade cultural dos estudantes indígenas pretendida e sócio-politicamente necessária.

„Porque nossos companheiros vão à cidade, transformam-se em mestiços, ingressam na universidade, retornam às comunidades e querem tentar impor seus conhecimentos, entrando em conflito com as lógicas ancestrais“ (Daválos 2006: 9).

A necessidade de integração dos saberes indígenas no ensino universitário que resulta disso, ou seja, a fundação de uma própria universidade indígena, provoca um problema epistemo-metodológico: sistemas de saberes dependem de certas formas específicas de transmissão de saberes; quer dizer, cada forma de saber somente pode ser transmitida e compreendida através de práticas (corporais) e mnemotécnicas específicas, que forneçam os conteúdos experimentais necessários para a compreensão das mesmas (compare também: o conceito da compreensão “performativa” em Hornbacher 1995; ou o “senso prático” como “estado do corpo” em Bourdieu 1985 & 1987).

“Había dos fuentes aquí en la maestría: una es la bibliografía. Y ahí depende de quien lo escribe, que dice y desde donde y demás... No es lo mismo que escribir sobre conocimientos o temas indígenas un indígenas que un no-indígena. Hay que diferenciar eso. Nos hemos tenido bibliografía escritos por indígenas validozos [...] Como también hay bibliografía hecha por no-indígenas, pero que son pro-indígenas, digamos. Y otros que no son indígenas y no son ni pro-indígenas también [...]. Y la otra forma de acercarnos era mas bien en los talleres que aviamos con sábios indígenas, con dirigentes indígenas. Para mi eso ha sido, digamos, lo mas privilegiado, si. Por ejemplo para mejorar nuestro quechua invitaban a sábios y a gente que saben hablar bien el idioma, porque el idioma no es suelto, el idioma trasmite la cultura, la cosmovisión y todo eso. Es que creo que eso ha sido así: donde mas aprendes a valorizar en una academia a los conocimientos indígenas es cuando los mismos líderes indígenas te transmiten la cultura verdaderamente en la lengua, si” (Gilberto – Cochabamba

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14.11.2006).

... entonces la cuestión es, ¿por que aprender eso dentro de una universidad? ¿Por que no irse a la comunidad y hablar con ellos allá? Porque si hablamos de formas de saberes no solo hablamos de las lenguas, sino también de los medios de aprendizaje, que son diferentes y que no es la universidad... Ahí viene la gran cuestión: ¿por que tener una universidad indígena?

“Ya, yo diferencio dos cosas: primero, evidentemente es que donde mejor se aprende conocimientos indígenas es en la comunidad indígena, o en la familia indígena. Pero no todos podemos tener este privilegio de estar ahí ya con ellos. Entonces también yo soy de la idea de que porque la universidad pública occidental solo va enseñar lo occidental y porque margina lo indígena. Yo soy de los impulsores de la idea que también la universidad, si de verdad quiere ser universidad, tiene que también incorporar los conocimientos y saberes indígenas, no solamente en sentido folclórico de conocer, sino también la universidad debe constituirse un espacio donde se desarrolle, se investigue el conocimiento indígena. Yo creo que también es un espacio que la ciencia tiene que entrar” (Gilberto – Cochabamba 14.11.2006 – extracto de dialogo).

“Pero al mismo tiempo digamos, si, pero nosotros hemos hecho por ejemplo eso en seminarios sobre los saberes indígenas. Traemos frecuentemente gente, cierto. Ahora ahí hay una serie de problemas con los espacios. Traer un indígena y sentarlo aquí es una violencia simbólica. Es violentar el espacio de comunicación, formas de comunicación. Entonces yo creo que no va por eso lado” (Fabricio – Cochabamba 15.11.2006).

“Por eso los médicos tradicionales trabajan, mas que con la medicina, sino también con la parte psicológica colectiva. No es no más la medicina, sino es todo! El entorno, es holístico, digamos. En ese sentido la universidad no es un espacio adecuado” (Gilberto – Cochabamba 14.11.2006).

“Yo sugería dos cosas: uno, yo creo que el sistema de conocimiento que tienen las sociedades indígenas es completo, y es institucionalizado, y es formal. Yo peleo mucho cuando se habla de la educación no formal, yo creo que es formal, y tiene sus propios espacios, tiene sus propios agentes educativos, tiene sus propias metodologías de enseñanza, de aprendizaje… Y creo que es una construcción histórica tan compleja probablemente como la institución de la escuela por ejemplo, o las universidades del mundo industrializado, digamos. [...] Entonces, yo no creo que se trata de agarrar y de llevar esta a aulas en universidades. Yo creo que eso no es posible, porque tiene otros espacios, y otras metodologías, otros agentes que no pueden ser sustituidos. [...] No hay que sustituir a la gente educadora local que generalmente son los viejos y que saben su propia metodología de enseñar. Eso es mas bien eliminar a la gente y así vamos a eliminarlos y sustituir por un docente. Y a la larga eso seria transformar, digamos, en un otro saber de otro tipo. [...] No se trata introducir, sino de salir! Entonces lo que se hace es, digamos, agarrar y salir de la facultad. La universidad tiene que salir, y tiene que ir a los rituales donde se hacen y que sean los propios agentes que

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lo hacen. Entonces, encontrar en esas ritualidades, en ese pensamiento sagrado, ciertas lógicas que pueden ser traducidas, o encontrar contactos mas comunicantes entre lógicas productivas, encontrar un sentido, porque, digamos... ¿que sé yo? La búsqueda de la loma santa de los indígenas en el Amazonas. Los indígenas amazónicos periódicamente salen de los pueblos y dicen: ‘vamos a buscar una loma santa’. Se van y buscan otra loma, otro lugar para habitar. Entonces, creo que eso es ver como hacen eso a partir de sus prácticas y encontrar una cierta racionalidad. Cuando a nuestra racionalidad de ellos es que las tierras en la Amazonia como se sabe son demasiado pobres. Entonces agotan ese suelo y se van a otro lugar. Pero la explicación no es, digamos, bueno el suelo se ha agotado, sino la explicación es una explicación sagrada: ‘hay que buscar una tierra sin mal’, dicen los Guaraní [ ...]” (Fabricio – Cochabamba 15.11.2006).

Em respeito ao dilema dos espaços inadequados, os cursos dos programas mais formalizados sempre prevêem períodos de presença e de ausência. Os estudantes vem às universidades por alguns dias, semanas ou até meses, para em seguida realizar pesquisas nas suas aldeias, apoiados por seus orientadores. Isso é necessário, porque somente assim os estudantes indígenas tem a possibilidade de seguir cumprindo as suas obrigações familiares, comunitárias, e agrárias. Mas o ensino mesmo, as aulas, são efetuadas dentro dos espaços das universidades.

“¿Y quien dijo que el aula es la única forma de hacer conocer?” (Elizete – Popayán 07.01.2007)

Diferentemente dos projetos realizados por universidades convencionais (por exemplo PROEIB Andes, UII, 3°Grau Indígena, etc.) algumas universidades indígenas (como a Amawtay Wasi e a UAIIN) não têm um próprio campus, mas consistem geralmente em oficinas ambulantes, executadas periodicamente em diferentes lugares. No tempo restante os estudantes trabalham as suas pesquisas acompanhados pelos orientadores por e-mail, telefone, e visitas ocasionais. A educação própria torna-se assim um laboratório e o jardim de um sítio uma sala de aula.

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Seminário da UAIIN em Sílvia, Cauca, Colômbia, 10.01.2007 – Discussão das pesquisas com os estudantes.

Sobretudo na UNCIA parte-se de uma idéia de “educação” fundamentalmente distinta. Aqui sim existe um campus, mas este consiste somente em alguns tetos de palha em cima de um morrinho em plena selva.

“[...] Hemos dado ese espacio para que los otros grupos de otros países del mundo conozcan nuestro sistema de vida, de educación y puedan entender y puedan reflexionar. Es un espacio de interculturalidad, y es un espacio de entendimiento, de sabiduría, de trasmisión, de concientización… Y para nosotros también, viajar a otros países, presentar exposición, conferencias, también es satisfactorio porque vamos enseñar y también vamos aprender. [...] Ya tenemos una primera experiencia, ya hemos tenido resultados positivos y pensamos que vamos a salir adelante con este proyecto, y lamentablemente hay pocos académicos o profesores interesados en Europa, y eso hay que hacerle ver. Como ellos no ven, no creen; como no entienden, no pueden practicar, o no pueden apoyar este proyecto. […] Esto que estamos hablando, ya es un primer paso. Eso que estamos hablando es una pequeña síntesis de lo que se podría seguir avanzando. Nuestros pensamientos todavía quedan chicos para el gran pensamiento. [...] Empezar a dar un brindes a los estudiantes Europeos, para que tengan por lo menos una idea de lo que es el mundo real, la ciencia real de estos pueblos, de nuestros pueblos. Entonces, si nosotros hablamos sin ninguna practica real no sirve para nada. [...] Entonces no es solamente para nosotros. Nuestro conocimiento es para todos. Y por eso aceptamos a cualquier estudiante de cualquier país del mundo que venga! Porque queremos compartir de manera universal. Hay que tejer una verdadera red de integración para sostener principios básicos de la ciencia y de la moralidad humana [...]” (Tserembo – Mura 20.12.2006).

“Aquí, los que vienen, estudian como medicina de ancestros y culturas Shuar y idiomas y escuela como educan, no en la escuela clase de teoría, sino cultura propia en la escuela, desde el inicio como educamos, y jóvenes desde el inicio educamos, como era en anterioridad” (Raul, professor na UNCIA, autoridade da comunidade Yawints y

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Parde de Tserembo – Mura 10.12.2006).

¿No tienen sala de aula aquí, no hay?

“Si, todo en practica. No hay nada en teoría. La única teoría es idioma Shuar. Eso si, ahí damos clase, teoría, horario, todo tenemos ahí. Máximo dos horas. Hombres y mujeres tienen otro profesor para dar clase [...] Y en costumbre Shuar como mujer, aprenden el manejo del chacra. Ahí hay división” (Raul – Mura 10.12.2006).

A questão das práticas e dos espaços apropriados em relação à compreensão de

saberes culturalmente distintos é percebida e tematizada por todos os envolvidos. Mas

uma educação institucionalizada do modelo da universidade ocidental não oferece

uma resolução satisfatória. No caso extremo renuncía-se a esse caráter formal e com

isso também ao reconhecimento oficial e à titulação, pelo menos por enquanto. Como

por exemplo no caso da UNCIA, o nome “universidade” transcende seu caráter

instrumental para postular uma autonomia equivalente àquela do ocidente no sentido

de entender “universidade” como ponte transversal de um intercâmbio intelectual

universal. Se bem que este intercâmbio com o ocidente antes de tudo tem o sentido de

comprovar a potência do próprio conhecimento (e gerar contatos com possíveis

financiadores), não se pode esquecer que entre os beneficiados se encontram também

estudantes indígenas e outros “latinos”, por exemplo da Colômbia16.

1.2.3. Conhecimentos segredos & “malícia indígena”“[...] No es el camino legalmente para aprender la cuestión de sabiduría, digo así, en cada una de las culturas. No nos vamos nosotros para las cuatro paredes para imitar, o llegar al conocimiento de una autoridad tradicional como los taitas o como los mamos, o […] como los teguales por ejemplo en Colombia con los Nasa. El conocimiento que tiene no se lo deja a cualquiera. Eso es una cuestión de descendiente. Solo deja al hijo, que verdaderamente de que para responder con eso. Así que tengo muchos hijos todos no se pueden nacer teguales.

16 Além disso, a comunidade espera que os estudantes estrangeiros dêem aula em inglês, ecologia, ou direito internacional – qualquer conhecimento é bem vindo. Mas, para satisfazer a demanda dos jovens indígenas para uma educação acadêmica, uma cooperação de longo prazo com docentes formados seria necessária. Sem esse tipo de apoio o intercâmbio continuará mais unilateral.

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Imagínate tantas de esas cosas que vamos aprender en una universidad de cuatro paredes. No se puede! Entonces ahí va a haber muchos cambios. Extremamente exagerados que incluso cambiaría de dirección todo” (Mauricio, do povo Pasto de Colômbia, estudante no PROEIB Andes – Cochabamba 15.11.2006).

Independentemente da possibilidade ou impossibilidade de criar novos espaços institucionais que puderem garantir a transmissão e perpetuação de “conhecimentos performativos”, também o jeito culturalmente específico dos povos indígenas de lidar com saber (e poder) contêm alguns aspectos que desfavorecem um livre intercâmbio de saberes.

No contexto do poder xamânico, por exemplo, aponta Elisabeth Reichel às relações de poder fundadas na divisão de trabalho entre homem e mulher, que regulam o acesso ao saber.

“A divisão do trabalho físico e mental manifesta-se também num cacicazgo estratificado dialeticamente, que afasta as mulheres do poder” (Reichel 1987: 75 – traduzido por mim).

Isso se mostra também no fato em que as mulheres fingem uma fuga durante certos rituais para negar pelo menos simbolicamente o seu acesso a esses saberes performativos (Reichel 1987: 72).

Em relação à possibilidade de realizar uma educação intercultural, que garanta um livre intercâmbio mútuo de saberes, tais litígios sexualmente específicos logicamente representam um obstáculo considerável.

Por exemplo perguntei a Bertila (graduada do 3° Grau Indígena e professora primária na aldeia Paredão) sobre a opinião dela em relação a este assunto:

“[...] Estamos também tentando montar aqui um projeto de novo pra gente fazer itinerários, pesquisar... É um sonho ainda [...]. Mas estamos já a tentar o esboço do projeto pra gente continuar assim com a medicina tradicional.”

E aquele negócio de os brancos roubarem as idéias de vocês, vocês não estão com medo não? Se vocês revelarem toda a sabedoria dos velhos e sobre as plantas medicinais e tudo num livro, todo mundo vai poder ler isso e utilizar...

“Mas por isso nós estamos fazendo. Estudamos a nossa língua e estudamos português. Porque aí, tudo que a gente vem conhecendo, a gente vai fazer tudo no idioma [próprio], entendeu? Então quem vai ter acesso somos nós mesmos, no idioma, o que forem a raras coisas deixando em português. Mas todo conhecimento, nomes, todos esses itinerários a gente vai fazer tudo no idioma. Quer dizer, não tem acesso, acesso

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só o povo mesmo. Não tem nada a ver, que ninguém vai entender a nossa língua, né.”

[...] ¿Isso não foi também um problema? Porque o 3° Grau Indígena também é uma troca. Antes de vocês irem para o 3° Grau já era claro, que vocês deviam revelar algumas coisas da sua cultura lá, não era?

“Era, mas muitos [conhecimentos] ninguém revelou. Apenas servia de base pra aqueles que pesquisassem, mas eles dentro da sua comunidade, ou da sua cultura. Mas tinha muitos, muitos, muitos mesmo... Quarenta etnias que tinha lá dentro, eles só diziam [...] que podia-se revelar ... culturalmente ...”

Isso também vai ser um grande obstáculo então, se a gente pensa numa educação intercultural [...]

“Eu acho assim, que se a gente revelar tudo, tudo, tudo..., não tem sentido mais a cultura. Eu penso assim, porque eu acho que a cultura é que você tem que preservar ela e de uma forma o outro tentar, né. [...] Muitos velhos falam pra gente assim: ‘vocês podem conhecer, mas sem revelar totalmente, pois a cultura já está expandida por tudo quanto é lado, e nos não queremos que outros povos saibam nossos segredos totalmente, mas que ele é um rico conhecimento que nós temos, que cada um tem, cada um cuida.”

Entendi. ¿Então vocês nem têm muito interesse naquela coisa de interculturalidade na verdade?

“Nesse sentido não. Que os velhos mesmo sempre falam pra gente, sempre eles alertam a gente, mesmo com a medicina tradicional. [...] Até próprio dentro da cultura é restrito. Aqui já é restrito. A sociedade feminina já não pode conhecer isso... – já a comunidade masculina já não pode conhecer aquilo e vice versa...”

Então só por isso já seria impossível gerar um curso onde essa sabedoria seria divulgada, porque no curso podia entrar uma mulher de vocês. [...] ¿E se alguém chegasse, alguém que falasse: ‘não, mas eu acho bom divulgar aquilo e ele ia revelar todos os segredos’?

“Ai, deus me livre! Se revelar e as mulheres ficarem sabendo acho que... não sei. Eu acredito que não deve não. É muito perigoso. A gente crê que é muito perigoso. Lá do povo do meu esposo, uma branca, uma não-índia, conheceu. A crença deles é quase igual a nossa, quase igual. A mulher morreu. Quer dizer: ela não pôde nem passar pra ninguém. Morreu, simplesmente faleceu. Eu, nem me interessa. Por mim nem quero saber não. E se um dia um de vocês homens conhecer e passar para as mulheres vai ser a mesma coisa [...].”

A democratização do saber, então, é percebida como perigo eminente tanto para o

indivíduo, quanto para a comunidade. Sheila Aikman aponta o perigo nas estruturas de

gênero e da distribuição de autoridade social representado por tal democratização dos

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saberes tradicionais (Aikman 1999: 147).

Mesmo assim os velhos apóiam à participação dos jovens nos programas acadêmicos.

“Em primeiro lugar porque há uma necessidade de formação. E depois porque todas as coisas que vem relacionadas com a questão da educação, a gente sempre passou para a comunidade. A gente ´tá de acordo com a comunidade dos velhos. Os velhos, eles dentro da comunidade praticamente, eles são os nossos formadores, porque nós trabalhamos com o trabalho de pesquisa, e a gente tinha que saber a sabedoria deles. Eu acho que sempre tem coisas que são proibidas revelar. E daí a gente não revela pra ninguém. Porque é um segredo nosso. E quem ´tá lá tem que respeitar isso. As vezes existe um segredo mesmo até na própria família, que o homem não poder revelar à mulher porque é um segredo de todos os homens. E assim existem segredos das mulheres e os homens tem que respeitar” (Caroline - Barra do Bugres, 19.10.2006 – extrato de diálogo).

Maria, promotora de saúde e parteira tradicional, está a favor da transmissão de conhecimentos da medicina tradicional, mas aponta a dificuldade em não ser qualquer um habilitado para aplicar esses saberes. Somente quem tiver o dom necessário poderia receber esses saberes (anotações de conversa informal – Tierradentro 02.01.2007).

Eu conversei também com Renata thé´wala (Nasa Yuwe: “curandeira” ou “pajé”) em Taravira, Tierradentro, sobre a possibilidade de realizar uma carreira em etnomedicina na UAIIN. Ela gostou da idéia e realçou primeiro (em acordo com a doutrina do CRIC) a importância de uma colaboração intercultural e de um intercâmbio mútuo de conhecimentos, para garantir o direito geral a uma educação de qualidade. Mas seria importante levar em conta que para a compreensão desses saberes medicinais é necessário ter prática, uma forte dedicação e, sobretudo, um dom especial. Mas isso não seria nenhum problema, porque ela, como thé´wala, poderia registrar facilmente através das sinais (pequenas contrações musculares, normalmente nas pernas, que são interpretadas de acordo com a direção e do lado como dicas do qu´xaw indicando futuros acontecimentos – compare por exemplo Faust 1986 & Drexler 2004) que seria apropriado para aprendê-lo, ou não. Por isso seriam os thé´walas que deviam escolher os estudantes. De qualquer jeito seria necessário sentir o pulso dos estudantes para saber, se eles seriam habilitados e de confiança. Além disso ela não veria nenhum problema em ensinar os conhecimentos dela na UAIIN. Claro que a aula deveria ser oral, em Nasa Yuwe, porque ela mesma não saberia ler nem escrever, nem falar castelhano suficientemente para ensinar (anotações de conversa informal – Taravira, Tierradentro 03.01.2007).

Em suma uma transmissão de conhecimentos indígenas parece possível, mas somente sob condições diferentes àquelas comumente vigentes no âmbito universitário.

“[...] también te diría que tenemos que revelar es verdad. Pero hay que diferenciar

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entro los conocimientos, que tipo de conocimientos, e hasta donde? Porque hay conocimiento, en cualquier contexto, sea indígena o no, tiene una dimensión política fuerte. Conocimiento sobre medicina tradicional no todos saben, solo saben ciertas familias o ciertos clanes familiares. Conocimiento sobre medicina tradicional, sobre salud - es eso, no! Entonces, en la misma comunidad no quieren que todos sepan o que se pasa a la escuela de la comunidad. Hay ciertas cosas no más. Entonces, cuando digo yo que la universidad puede ser un espacio de desarrollo del conocimiento indígena, es no todos los conocimientos: algunos!”

Si, pero eso también es una contradicción al principio de la ciencia.

“Ya, pero mira: si hacemos una topología de, de conocimientos en la universidad, te ponen allá para que solo conozcas. Conoces, te informas, e sabes, e punto. En la comunidad te ponen para que conozcas e para que practiques o para que hagas. Por ejemplo medicina: te enseñan a ti, también tienes que curar! En la comunidad te enseñan para que conozcas, para que hagas e para que enseñes. Eso son niveles diferentes, digamos, de conocimientos. Entonces cuando yo hablo de abrir un espacio en la universidad es diferenciando esto. Por ejemplo: si vamos a enseñar medicina tradicional, no estamos en el contexto, no estamos en todo que es la comunidad, digamos. Aquí tendríamos que enseñar cuestiones mas de solo en el mero conocimiento, pero no la práctica. La práctica es la comunidad [...]” (Gilberto - Cochabamba, 14.11.2006).

Além de preceitos de segredos entre os sexos e específicos em relação a certos tipos de conhecimentos, observa-se também uma relação ciumenta aos próprios conhecimentos. Essa retenção à revelação dos próprios saberes é um problema largamente conhecido na etnologia.

“Com o artista complicado muitas vezes era um caminho bem sofrido debaixo do aplauso sarcástico dos habitantes da aldeia, que gozava quando o velho mais uma vez sacaneava um branco” (Münzel 1986: 192 – traduzido por mim).

Provavelmente todo etnólogo sabe contar várias anedotas sobre tal “malícia indígena”. Mas essa desconfiança também é resultado do comportamento desrespeitoso de muitos pesquisadores, porque “muitos pesquisadores vem e não retornam nunca mais ...” (Arnaldo Pataxó, estudante no curso de licenciatura em educação diferenciada da UFMG – Belo Horizonte 27.09.2006). Este poder do equilíbrio no intercâmbio de saberes mostra-se também em relação aos programas de educação intercultural indígena.

“[…] Muitas vezes acontece que mesmo aqui na realização dos módulos aqui [na UFMG], a gente vê assim que a gente vem pra poder pegar uma experiência, pra estar trabalhando em sala de aula. Mas assim, em alguns pontos a gente vê assim que muitos pegam mais do que traz pra gente” (Paulo, estudante no curso de licenciatura em educação diferenciada da UFMG – Belo Horizonte 27.09.2006).

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Mas o objetivo daquele curso também é o intercâmbio. Quer dizer, pra vocês aprenderem aqui, mas também pra vocês também ensinarem a nós, ou ao resto da sociedade a sua forma de pensar. E é isso também que vocês querem ou é uma coisa que vocês compraram junto, e é uma troca que vocês tem que fazer, mas que na verdade nem tem tanta vontade de contar sobre a sua forma de viver?

“Não. ¿Sabe por que? Porque eu penso assim: a coisa do índio é só pra ele.”

¿Então vocês não tem muita vontade de passar isso pra fora não?

“Não – assim: só se a gente tiver um retorno de volta pra ´tá trabalhando com as próprias crianças na aldeia” (Luci Pataxó, estudante no curso de licenciatura em educação diferenciada da UFMG – Belo Horizonte 27.09.2006).

Saber é entendido aqui como um bem que tem que ser retribuído reciprocamente. Raul (uwishin (Shuar: pagé) Professor e fundador da UNCIA) acha que não é nem um problema revelar os conhecimentos medicinais aos estrangeiros:

“No, cuando ellos quieren aprender pueden quedar aquí tres, cuatro años, aprender de todo. Es larguísimo estudiar todo. En un semestre, trimestre, no se aprende mucho. A donde se alcanza se enseña” (Raul - Yawints, 10.12.2006).

A UNCIA realmente era concebida desde o início como meio de comunicação, como lugar do aprender mútuo.

“[...] Es un espacio de interculturalidad y es un espacio de entendimiento, de sabiduría, de trasmisión, de concientización. Y para nosotros también viajar a otros países, presentar, exposición, conferencias, también es satisfactorio, porque vamos a enseñar y también vamos a aprende. [...] Es un proyecto para fortalecer varios puntos muy importantes: es como el fortalecimiento de la identidad del pueblo Shuar, es sostener la buena comunicación y el entendimiento y el respeto hacia otros ciencias también ... y participativo. Por eso nosotros aceptamos que vengan aquí para dar conferencias, charlas, y vengan a planear también. Porque no nos creemos con todos los resultados, no nos creemos con toda la razón. Es importante también escuchar el otro lado, y debo decir sinceramente que también del otro lado hemos aprendido muchas cosas importantes, como es la no contaminación de la selva con elementos químicos, con elementos que vienen hechos del petróleo o de otras sustancias. Porque esos son dañinos para la salud, para la biodiversidad, para la naturaleza. También hemos aprendido las leyes internacionales. [...] Un indio que vive aquí quien no sabe ni leer ni escribir no puede entender esto. Pero a través de algunas personas se va entendiendo, se va conociendo como vamos a plantear frente gobiernos, frente políticos nuestros intereses y los beneficios que nosotros podemos obtener. En este sentido en las Naciones Unidas en el año 2003, 2004 hemos ganado un espacio, hemos ganado... puedes hallar en el Internet... Hemos planteado que las plantas sagradas y curativas sean de estricta administración del pueblo Shuar y Quichwa. [...] Nuestra universidad no es solo para Shuar, es para todos porque no podemos ser egoístas, solo para nosotros. Es para todos! Digo para todos porque la educación es universal. Es celoso si,

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porque... Sobre todo las plantas, porque nosotros no queremos que escriban y nos promocionen como si fuéramos cualquier objeto de utilización comercial. Aún que estamos conscientes que muchas veces tenemos que enfrentar esa realidad, pero eso tiene también sus consecuencias, también tiene sus perjuicios y tiene sus beneficios [...]” (Tserembo – Mura, Ecuador 20.12.2006).

Tão pouco a mais pessoa velha da aldeia, a avó de Estalyn Tzamarenda, não vê um grande problema na transmissão do conhecimento próprio, mas aponta o valor especial dele, que teria que ser retribuído por um valor equivalente.

“Todo es bueno, toda ciencia vale la pena aprender. Pero tampoco es gratis. Y eso tenemos que ponernos de acuerdo. Mientras que nosotros mas enseñamos y ya hemos enseñado y seguiremos enseñando, pero nada es gratis. Porque ninguna cultura o ninguna persona en el mundo enseña gratis. Entonces tenemos que ponernos en acuerdo en el sentido de que aquí mucho solamente vienen a aprender. Vienen a sus intereses, y vienen a dar un montón de esperanzas, y cuyas esperanzas no se han cumplido. También ancestralmente han venido muchos colonizadores, blancos, recientemente estudiantes que han venido y han ofrecido tantas cosas y no han cumplido su palabra. Nosotros si hemos cumplido nuestra palabra. Todo estudio, incluso para ser uwishin, tienen que pagar, tiene su precio, tiene su costo. Y incluso para enseñar una planta también tiene su costo. Y no es porque seamos interesados en ganar dinero, pero toda esta enseñanza también tiene un precio. [...] Y tenemos que ser justos en este intercambio. No estoy de acuerdo de dar toda la sabiduría a personas que no están indicados. Hay que dar la sabiduría, hay que dar el tiempo a personas selectivas [...]” (a “abuela” (avó) de Tserembo, a mais velha da comunidade Yawints, traduzido do Shuar Chicham por Tserembo – Mura, 20.12.2006).

Aqui se trata de um conceito de “saber” distinto ao do ocidente, que transcende àquele da “informação”. O “saber” é tratado como um bem muito valoroso, cuja transmissão inicia uma relação recíproca entre o transmissor e o receptor. Essa relação muitas vezes ultrapassa a mera relação entre mestre e aprendiz, especialmente no que se trata de conhecimentos “xamânicos”. Para receber conhecimentos de um uwishin normalmente não basta pagar-lhe. Tem que se provar merecedor, ganhar a sua confiança, tornar-se um amik, um amigo espiritual (Descola 1996: 174).

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1.2.4. A condição poder-saber – um conceito (neo-) indígena?

No contexto de magia, bruxaria e xamanismo saber e poder estão bem conectados. Para uma melhor compreensão talvez valha a pena examinar alguns conceitos indígenas e de sua interpretação etnológica. Sem querer apoiar categoricamente uma visão panamericanista, arrisco constatar que existem alguns conceitos xamânicos entre os “índios do mato e do serrado” (Münzel 1986), que têm alguns pontos essenciais em comum. Entre as muitas entidades espirituais do cosmos xamânicos, destacam-se especialmente os chamados “espíritos”, “almas”, “fantasmas” (compare por exemplo Harner 1972, Descola 1996, Faust 1989), ou “doubles espirituais” (Guss 1980), “doubles miméticos” (Taussig 1997) etc., que respondem à força vital metafísica, qual está disfarçada do mundo manifesto e serve como base de cosmovisões “animistas”. Aceitando a intraduzibilidade desses conceitos “espirituais”, “metafísicos” Josef Drexler espalha a polissemia do ksxa´w dos Nasa frente ao leitor como:

“[...] Essência coletiva mito-espiritual, emanação do ksxa´w Wala divino (do ‘tremor’), um tipo de ‘força vital’, análogo ao je dos Makuna (Cayón 2002) e dos Barasana (Hugh-Jones 1979), ou fu-ufaka dos Tanimuka (compare Hildebrand 1987) [...] Além disso também um tipo de ‘halter-ego’, ‘espírito salvaguarda’ ou ‘daimonion’ dos Hellenos, porque é entendido como ‘voz divina’ e assim explicitamente relacionado pelos interlocutores às leis míticas do herói cultural Jaun Tama; o ksxa´w, então, corresponde a um componente moral” (Drexler 2004: 148).

Elisabeth Reichel traduz os termos fufaka (Tanimuka), repicho e lawicho (Yakuna) como “pensar”, ou “pensamento” (Reichel 1987: 29); “pensar”, que se separa do corpo depois da morte e que entra no rio cósmico (a mesma: 44); “pensar” que pode ser roubado pelos “donos” (alem.: “Eigner”; a mesma: 47), o que resulta em doenças e porém têm que ser salvo pelo pajé numa “viagem mental” (a mesma: 71) e levado de volta ao corpo do paciente. O “pajé visionário da onça” (além.: “Jaguar-Seher-Schamane”), que possui o “grande pensamento” (a mesma: 77), tem que cuidar através do ritual “’para não desordenar o pensamento’ e para guiar cada pensamento ‘ao seu corpo e lugar’” (a mesma: 53). Com esse “conceito materializante do ‘pensar’” (a mesma: 29) Reichel consegue abandonar o conceito eurocêntrico da “alma”, o qual tradicionalmente se utilizava para “traduzir” tais términos complexos como, por exemplo: wakan (Shuar/Achuar – compare por exemplo Harner 1972; Descola 1996).

O “pensar” xamânico aparece (no texto de Reichel), em relação ao saber como base do acesso ao poder regulado socialmente e sexualmente específico, como “saber” (Reichel 1987: 71ff). O conhecimento xamânico aqui é exclusivamente masculino e é somente transmitido ao filho mais velho do pajé. Este recebe, então, os símbolos do poder xamânico em forma de “objetos da força”, que “contêm um saber específico no seu

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interior” (a mesma: 73).

Assim Reichel implicitamente insinua uma relação entrelaçada de consciência, saber e poder, que se oculta atrás destes conceitos. Em relação ao dau dos Siona, Langdon põem esta relação entrelaçada em explícito:

„Power, expressed in the Siona term dau, is perhaps the most central concept to be examined here, for it is through dau that a shaman is able to understand and influence the forces responsible for well-being. The Siona are ultimately concerned with knowing what is going on in their universe and its implications for daily life. In an important way, shamanism is a quest for knowledge, and knowledge of the sort they seek is power“ (Langdon 1992: 42).

Dau, como complexo xamânico de poder-saber, aqui poder acumulado pelo pajé, materialmente e voluntariamente mandado como uma maldição ou bruxaria contra inimigos em forma de flechas invisíveis (o mesmo: 48). Langdon mesmo aponta à semelhança do dau e dos tsentsak dos Shuar descritos por Harner (o mesmo: 61)17.

Estes “spirit helpers” (Harner 1972), ou “flechas invisíveis” (Descola 1996) o uwishin guarda a secreção no peito dele. Para a transmissão dos tsentsak a um amik (um “amigo ritual”), ou a um discípulo ele expulsa estes e os cospe na boca do destinatário, para que este tenha que pagar um preço justo (o mesmo: 353).

“[...] Antiguamente, Jan, daban la sabiduría por la boca, como el tabaco. Se lo humeaba y se lo daba, y introducía una ciencia especial. En el ayahuasca, en el floripondio, se prepara, se hace unos soplos, así, como mi padre hizo así. Se introduce la ciencia. Tu ni sabes para que tomaste eso! Pero a la larga del tiempo eso se va desarrollando, y dices: ‘ah, ya se! ya se por que me esta pasando esto. Porque esta planta me dio un soplo de poder [...]” (Tserembo – mura 20.12.2006).

Na sua análise de discurso das relações de poder entre líderes modernistas e tradicionalistas nos Shuar, constata Wall Hentrix (1988) que kakaram (poder, força vital, potência sexual, valência – a mesma: 219) seria associado diretamente com o saber. Isso se refletiria também no conceito de nekamu (poder-saber, associado com o sentir 17 Se bem que Langdon insiste (com Leví-Strauss) na dicotomia de visões xamânicas, sendo as visões com yagé (ou ayahuasca) e sonhos as pontes entre dois mundos separados, quais constituem o poder do saber xamânico que conecta estes dois mundos. Com isso ele segue Michael Harner, que supõem um aprisionamento num mundo metafísico oculto aos „Jívaros“ (aliás, uma determinação bem pejorativa dos Shuar, Achuar e Aguaruna). Enquanto isso Descola interpreta o wakan dos Achuar como: „Naturalmente inseparável das aparências externas, a alma [wakan] é menos um duble ou uma cópia, do que o outro lado ou uma projeção, capaz sim para separar-se do corpo em distintas ocasiões, cuja consciência ela representa, mas qual perde qualquer existência e qualquer conexão à vida sensitiva, quando ela abandona a pessoa em qual ela habitava, para sempre“ (Descola 1996: 248 – traduzido por mim). Drexler é contra qualquer interpretação dualista das cosmologias ameríndias. Argumenta que seria um „complementarismo“, que não implicaria nem uma divisão entre profano e sacro, mas somente uma „polaridade“ dialética, ou uma „ambivalência do sacro“ e que nesse sentido seria perto a uma dialética ontológica heraclítica (Drexler 2004: 150).

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com o coração, experimentar, verdade). Fala portanto de “poder-saber”, ao invés de separar estes termos (a mesma: 220).

Olhando assim, os conceitos “metafísicos” aparecem numa nova luz; não como seres “mágicos”, “espirituais” e “almas”, senão como um complexo de poder-saber, invisível sim, mas bem concreto.

Deste ponto de vista parece questionável, se é muito útil interpretar estas categorias simbolicamente (como faz por exemplo Langdon) para fugir da negação categórica da validade delas, resultando da nossa incapacidade de entendê-las (compare Langdon 1992: 11)18.

Pelo contrário para a maioria dos indígenas a condição de poder-saber parece representar-se mais concreta, o que se mostra numa maneira natural de lidar com epistemologias e relações de poder.

„[...] o primeiro processo foi refletir sobre os campos epistemológicos de conhecimento. E estou falando de uma reflexão com dirigentes, muitos deles, sem educação primária ou um certificado de conhecimentos outorgado pelo estado, mas que tinham absolutamente claro o que era a epistemologia. “Que tinham absolutamente clara a relação entre saber e poder” (Daválos 2006: 9).

Sem querer fantasiar essas tendências muito longe daqui, os indígenas parecem ser conscientes da condição do poder-saber, da qual nós ocidentais somente começamos a conscientizar lentamente através do trabalho “arqueológico” de Foucault19. Isso se deve não só ao contexto sócio-cultural marginalizado deles, senão também à uma visão culturalmente específica. Um saber poderoso, porém, sempre é visto também como arma, que não se deve passar imprudentemente ao inimigo.

“[...] El temor que el otro absorba mi conocimiento y luego lo utiliza contra mi mismo” (Guido, Membro do CRIC – Corinto 30.12.2007).

Olhando este ponto de vista não surpreende que a proteção do próprio (poder-)saber

18 "The rituals full fill the functions as elaborated upon by Geertz (1966, 1973b). They are a grammatic symbolic presentation of the key conceptions of Siona religion, and the use of hallucinogens makes them a particularly power-full experience, fusing the imagined and commonsense realities on the Siona wordlview" (Langdon 1992: 59). O que produz uma "aura of factuality", o que é tudo menos um verdadeiro acesso à realidade. 19 Seguindo o trabalho arqueológico de Foucault, essa relação entre saber e poder genealógico-dialética, sem sujeito aparece não só como princípio geral de qualquer interação humana, que se perpetua através das „práticas corporais mudas“ (alem.: „stumme Leibespraktien“) da sociedade disciplinaria. Também a mudez dessas práticas faz parte do saber gerando as regras de discurso de um diálogo supostamente livre, o qual não se levaria a cabo o argumento mais poderoso, senão o logicamente mais estridente (compare Foucault 1981). „A particularidade do saber moderno porém se constitui em negar sistematicamente de relação ao poder“ (Hornbacher 1995: 129).

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coincide com a vontade de obter acesso ao (poder-)saber alheio. Já que a fascinação pelo alheio sempre é amplificada pela mistificação e reforçada com uma potência supranatural. O próprio e o outro “raspam do poder” das “quimeras fantásticas” do outro (Taussig 1997: 248). Assim os pajés do povo vizinho sempre são os mais poderosos e se submetem a viagens longas para receber a cura deles, ao invés de visitar o curandeiro local; os tsentsak vem dos “brancos” e geralmente os “brancos” com grande probabilidade são pajés ou “bruxos” poderosos, se bem que eles não admitem (compare por exemplo os relatos de Descolá 1996; Taussig 1997; Langford 1999; Perruchón 2003 - entre outros).

Supondo que as tendências propostas aqui sejam justificáveis, a demanda de uma educação própria indígena seria necessariamente política por ser adquirida sempre com o saber também o próprio aspecto de poder.

Paradoxalmente essa fonte do interesse dos indígenas em um intercâmbio intercultural de conhecimentos está-se atrapalhando a si mesmo, porque impede o livre intercâmbio de conhecimentos. É, portanto, ainda mais importante pesquisar estas tendências de forma mais profunda, para poder tomá-las em conta para futuros planejamentos na educação intercultural.

2. Propostas proprias – conceitos & métodos

O „empedramento e valorização dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas“ (Sousa 2003: 97) são as reivindicações principais dos diversos programas de educação intercultural indígena (veja também López 1992; Trapnell et al. 1997). Essas reivindicações gerais são problemáticas em vários pontos, porque eles contém conceitos não definidos claramente:

1. O que significa “reconhecimento”, ou “valorização” dos conhecimentos indígenas? – Trata-se de um reconhecimento de visões culturalmente específicas e mágico-religiosas como herança cultural, ou de um reconhecimento de formas de saberes alheios como alternativa válida e equivalente ao paradigma científico ocidental?

2. O que são estes “conhecimentos” ou “saberes”? – É que saberes indígenas “tradicionais” são entendidos como conhecimentos ateóricos, práticos, como doxa ou poiesis, que podem entrar no canon das ciências somente após de reinterpretação pelo paradigma científico ocidental, ou é que sistemas de saberes alheios devem ser

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tomados a sério epistemologicamente?

3. O que são conhecimentos “indígenas”, “tradicionais”, “próprios”? – Como define-se o “próprio” frente ao “alheio” em contextos de estados pós-coloniais e multi-étnicos, em quais sincretismos e processos de adaptação e revalorização dominam a cena (compare por exemplo Taussig 1997)?

O último, pois a questão da identidade cultural, é um tema central dos movimentos indígenas, quais elaboraram diversas estratégias na procura do “próprio” (as questões epistemológicas serão tratadas na Parte II).

2.1. O Próprio“Afirmamos, que a identidade no sentido geral não existe –

somente quimeras de saudades possíveis, que fazem cera nas

rachaduras das necessidades curiosas -, mas as máscaras do

aparecimento bastam completamente. Elas são uma necessidade

absoluta. (Taussig 1997: 252 – traduzido por mim).

A demanda de revitalizar e fortalecer o próprio, ou seja, a identidade “indígena” é um

tema delicado e um foco de conflitos também dentro do próprio movimento indígena,

cuja tendência latentemente essencialista é um ponto muito criticado.

“Realmente creo que estas cuestiones son bien relativas. Hay que revisar la teoría. Es decir, ya no creo que hay esa posición, digamos, tradicional, de identidad. No creo que hay una posición de la cultura indígena. Creo que son posiciones falsas, demasiado simples, además para comprender países como Bolívia, donde hay culturas como Quéchua-Aymara, o otras culturas...” (Fabricio – Cochabamba, 15.11.2006)

Essa problemática é entrelaçada estreitamente com a história do movimento indígena,

ou seja, com a etnificação partindo na década de 60, e que se visibilizou

definitivamente nos anos 90 com os grandes “paros” no Equador e na Bolívia (Witten

1990; Blum 1993; Scheuzger 2004). Mas seria um erro pensar que a população teria

ficado num estado apático nos tempos anteriores. Após a derrubada dos últimos

grandes levantamentos indígenas no começo do século XX, os indígenas lutaram nas

revoltas campesinas e a partir da década de 40 nas revoluções socialistas e nas

guerrilhas. Essa história da resistência indígena não deve ser ignorada, já que estão aqui

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as raízes do movimento indígena e da sua retórica, é porém, indispensável entendê-la

para poder compreender as dinâmicas atuais (Blum 1993; Scheuzger 2004).

Com a emergência da política marxista em meados do último século a população

indígena foi integrada em organizações sindicalistas, cujas formas organizativas, mas

também suas ideologias foram ponto de partida de muitas organizações explicitamente

“indígenas” (e muitas vezes ainda são – veja a crítica de Käseberg-Dávalos (2007) da

MAS Boliviana; também Rappaport (2005) sobre a história do CRIC)20. Isso foi

antecipado pela doutrina do indigenismo, que definiu a herança indígena como parte

da identidade nacional (para emancipar-se das nações colonialistas do velho mundo –

veja Blum 1993; Scheuzger 2004). Embora o indigenismo seja uma construção

nacionalista de origem não-indígena, e ao final aspirava a assimilação dos indígenas no

estado-nação, essa doutrina não era baseada no racismo, mas imaginava uma

amálgama cultural. De certo modo o indigenismo pela primeira vez possibilitou pensar

sobre uma integração dos indígenas como cidadãos legítimos (Blum 1993: 226). A sua

construção romanticista-essencialista de um “santo selvagem” persiste como uma

característica da retórica (neo-)indígena. Por um lado isso se deve ao fato de muitas

organizações indígenas serem criadas por indigenistas não-indígenas e missionários21, e 20 A MAS (Movimiento al Socialismo), que em 2005 foi eleita com uma maioria de 55% dos votos, nasceu a dez anos atrás no sindicato dos cocaleros Cochabambinos. Estes, por sua vez, descendem de garimpeiros imigrados, que mantiveram a sua organização sindicalista. A MAS define-se como instrumento da vontade do povo Boliviano. Porém ela não se entende como partido político, senão como movimento social, o que Käseberg-Dávalos (2007) chama de „partido-movimento“. Tanto por causa da sua história e da sua organização, quanto pela sua retórica socialista, a MAS não parecia ser um partido indígena, e a sua política corresponderia a um „etno-populismo“ (a mesma). A MAS reuniria ideologias socialistas com uma sensação coletiva pan indigenista, em conjunto com a promessa insustentável de um paraíso pré-colombiano. Essa nova „indigeneidade“ e proximidade ao povo, disfarçaria a estrutura sindicalista e estritamente hierárquica do MAS. Os infinitos escândalos de corrupção e o desacordo interno ameaçaria a união heterogênea do governo da MAS e levaria a que o ativismo radical próprio da MAS se posicionasse contra o próprio governo . A falta de metas para assegurar as instituições por parte do governo colocaria a segurança nacional em perigo. A postura anti-institucional do presidente Evo Morales, que se comportaria como um oposicionista, levaria a democracia de base prometida a se tornar uma anarquia de base (a mesma).21 A primeira organização explicitamente indígena, a Federación de los Centros Shuar, foi fundada por missionários Salesianos na década de 60. Até hoje a Federación representa uma das organizações mais influentes na América Latina. Embora a Federación se separando dos Salesianos e desde então estando manejada pelos próprios indígenas, a sua estrutura organizativa e a sua ideologia ainda correspondem em muitos pontos ao modelo ocidental. Isso não é muito surpreendente, já que muitos dos seus funcionários são ex-estudantes de escolas missionárias e professores formados pela universidade Salesiana de Quito. Blum (1993) aponta as mudanças sociais profundas, que veio junto com o estabelecimento das novas formas de poder e autoridade política. As novas formas democrático-hierárquicas de autoridade translocam os fundamentos do estados pessoal, relata Blum, já porque somente funcionários hispano-falantes e formados (como tipicamente os professores escolares) poderiam se candidatar como mediadores e representantes políticos capazes de dialogar com a sociedade

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por outro lado a etnização do discurso político comprovou-se como instrumento muito

efetivo na batalha por auto determinação. Esses resultados positivos foram possíveis,

porque a população já estava conscientizada pelo indigenismo e da estigmatização

românica do “índio” (Blum 1993). Sendo que os indígenas não se referiam mais aos

seus direitos como cidadãos, senão aos seus direitos de auto determinação como

“povos” ou “nações”, eles eram capazes de combater até empresas transnacionais e

lograr títulos de terra. Isso, por sua vez, precisava de um destaque claro dos indígenas

frente a sociedade nacional, o que levou à construção de uma constância cultural

(historicamente dificilmente sustentável).

Uma outra razão para essencializar a “própria” cultura está na forma específica do

“poder não-coercitivo” (Clastres 1976) de muitas sociedades “acéfalas”, que não tem

representantes políticos claramente definidos. Referindo-se ao contexto Brasileiro, Mark

Münzel (1993) vê-se o alto desgaste de líderes indígenas relacionado com o status

precário deles, que dependem da boa vontade da comunidade. Mas seria exatamente

essa falta de representantes legítimos, que levaram etnólogos e políticos à construção

de uma identidade “indígena” essencializada, para possibilitar relações políticas com a

sociedade nacional. Destacando a existência de “caciques”, “conselhos de velhos”,

etc. de sociedades geralmente organizadas de forma anarco-igualitária devem-se à

influência do SPI, que até à década de 1960 tentava organizar os indígenas de forma

sindicalista, o que levou ao fomento de “tradições” (neo-)indígenas, que foram

reinterpretadas como sindicalistas ou basicamente democráticas. Os conceitos como

“democracia de base” não seriam aplicáveis ao contexto indígena, que seria altamente

dinâmico e heterogêneo. Assim, o entusiasmo inesperado da comunidade poderia

possibilitar uma mobilização rápida e levar consigo ações coletivas bem exitosas, mas

também à inesperada recusa da legitimação dos líderes políticos. Isso poderia levar a

uma dependência de apoio externo e à adoção de conceitos políticos ocidentais pelos

atuantes políticos. Estes, desta maneira, se tornariam marionetes da política nacional e

seriam conceitualizados como políticos corruptos (o mesmo).

Apesar da própria origem parcialmente não-indígena e da sua organização

relativamente hierárquica, as organizações (neo-)indígenas e os seus representantes

dominante (veja também Wall Hendrix 1988).

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cumprem uma função importante como mediadores políticos frente ao estado (Blum

1993), se bem que eles às vezes parecem desbancar as autoridades “tradicionais” (veja

Bräuchler & Widlok 2007; Gabbert 2007).

Pesquisando a dinâmica histórica dos representantes dos Raramuri em México Ingrit

Kummels (1993) descobre através da troca perpétua uma apropriação flutuante de

modelos ocidentais de representação de uma inter-relação dialética entre autoridades

tradicionalistas e modernistas. Seria esta inter-relação que asseguraria o sucesso e a

continuação cultural dessa etnia, afirma Kummels. Erroneamente líderes seriam

interpretados ou como oportunistas ou como batalhadores, mas na verdade cumpririam

o papel de mediadores entre a comunidade e o governo. Habilmente ativando diversos

instrumentos políticos e certos grupos de pessoas como representantes e autoridades

políticas nas comunidades reagiriam às mudanças da política nacional. Enquanto isso

a inter-relação entre batalhadores tradicionalistas e de uma elite de jovens formados

(tipicamente por professores bilíngües) seria uma receita de sucesso. Espaços políticos e

formas de representação oferecidos pelo governo ou pelos missionários teriam sido

aproveitadas até que se mostrassem inefetivos ou parecessem se tornar um instrumento

da opressão. Atrás dos representantes jovens e formados estariam sempre extra

oficialmente as autoridades tradicionalistas, geralmente representados por pessoas mais

velhas (veja Gabbert 2007).

Em suma a mudança da estratégia política dos indígenas na América Latina não

convém com um tardio “acordar”, mas é resultado de uma estratégia de apropriação e

reinterpretação perpétua. Assim a apropriação de modelos ocidentais de organização

somente aparece como traição brusca da “tradição”, porque as organizações indígenas

chegaram à luz do palco público por causa do tremendo sucesso da apropriação de

uma retórica indigenista, etnicista, às vezes essencialista. Trata-se, porém, meramente

de uma contradição retórica; o atuar político dos indígenas é coerente. Como já

mencionado aqui, não se deve esquecer que as revoltas campesinas, revoluções

socialistas e guerrilhas latino americanas foram sustentadas em boa parte pelos

indígenas, mas que naquele tempo não proferiam um discurso etnicista, porque no

âmbito político daquela época o discurso socialista parecia oferecer maiores

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possibilidades22. Justamente essa estratégia de uma apropriação flutuante de

representantes e de modelos de representação23, e que segue uma pragmática da

necessidade da hora, parece ser típica para os indígenas (veja também Münzel 1993).

Mas se bem que a apropriação de um discurso etnicista parece seguir a uma dinâmica

culturalmente específica na luta de sobrevivência dos povos indígenas, isso não conta

necessariamente também para o conteúdo do predicado “indígena”.

Depois de 500 anos de opressão cultural e étnica pela sociedade “branca”, mas

também intercâmbio intercultural e ligações inter étnicas, hoje em dia na América

Latina uma sociedade “branca” deixa de existir. Somente existe uma sociedade multi

étnica, mas lamentavelmente ainda (ou talvez justamente por causa disso) racista

(compare por exemplo Rosa-Ribeiro 2000). Frente a essa realidade os esforços para

uma identidade cultural recebem uma conotação duvidosa, já que o crescente sucesso

político dos movimentos indígenas viria com benefícios relacionados à ligação com um

certo grupo étnico (por exemplo em relação à educação: bolsas, quotas24, acesso a

programas específicos, etc.). Quem seriam os beneficiados? Que etnias seriam

beneficiadas? O que passa, se aquela etnia pertenceria a uma minoria, ou a uma

maioria da população nacional? – podem ser justificados privilégios neste caso?

Eu conversei pormenorizadamente sobre este assunto com Valerio para quem, como

“mestiço” que se identifica mais com o seu lado indígena, essa questão é de maior

importância. Graças ao humor maravilhosamente irônico de Valerio, era possível tocar

assuntos delicados abertamente, o que brindou uma especial profundidade a essa

conversa. Porque aqui é tocada também a complexa diversidade dos inúmeros

contextos nacionais e porque a dimensão absurda do caso da Bolívia é esclarecida, me

parece justo citar uma boa parte dessa conversa:

“Tu quieres que te de una definición del indígena?”

22 Mesmo com a apropriação do discurso etnicista os indígenas na América Latina seguiram uma tendência global (Breuchle & Widlok 2007).23 Paul Little (2005) aponta as fundações de organizações indígenas no Brasil durante os últimos anos, geralmente teriam a forma legal de ONG. Através desse novo formato seria mais fácil obter acesso a projetos de desenvolvimento.24 Um relato detalhado do sistema de quotas para indígenas no Brasil pode ser achado em Lima & Barroso-Hoffmann 2006)

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No, yo quiero su opinión. Usted está trabajando con eso. [...] Por ejemplo yo he hallado una diferencia muy grande entre el Perú y la Bolívia, por ejemplo. Porque en el Perú la definición de lo que es el indígena está mucho mas estricta. Y en el Brasil por ejemplo es muy amplia, porque los descendientes indígenas, que ya no hablan mas su lengua y viven en la cuidad también son considerados indígenas y tienen los derechos indígenas.

“Acá también.”

Aquí también, pero en el Perú ya no.

“en el Perú es bien distinto, porque en el Perú incluso se han conflictuado con la noción del indígena, con el concepto del indígena, que ellos prefieren llamarse campesinos.25”

Si, por el gobierno revolucionario...

“Si, ahora en Bolívia es ... yo diría que en los últimos años se ha flexibilizado bastante la definición de quien es indígena. Hoy se habla por ejemplo de un Aymara rural, digamos, y un Aymara urbano. Pero es bastante interesante como el esquema en el sentido mental que se tenia del indígena pobre que vive en el campo, que trabaja en la tierra. Hoy en día el indígena también es empresario. Por ejemplo estuve varias veces en La Paz: en La Paz por ejemplo es bastante interesante como hay una elite inclusive que es Aymara [...]”

Pero también es la cuestión de lo que vale ser indígena, así, este titulo, de ser indígena, lo que vale dentro de un país en que mas de 70% de la populación es indígena? Eso solo dice que yo soy de la mayoría, pues, y que? Pues eres un hombre común y nada mas.

“Exactamente, a eso va a llegar. [...] Hoy es un valor el ser indígena, es como el máximo ahora, porque estás en el poder, tienes todo el derecho...”

...al lado del presidente...

“...exactamente, eso es. Entonces de esa definición peyorativa de ‘tu campesino ignorante, pobre’, hoy eres el que dirige el país.”

Si, eres el propietario del patrimonio cultural del país...

“...exactamente, así es. Entonces eres el que tiene el conocimiento que puede salvar el mundo. Eres el que tiene el aire puro, digamos. Tienes los valores, digamos, humanos, que la humanidad ya había perdido...”

...eres un santo ecologista...

25 Isso tem a ver com a política inclusiva do governo revolucionário militarista nos anos de 1960 e 1970 (veja Chirinhos Rivera & Zegarra Leyva 2004; Scheuzger 2004).

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“...entonces es bastante ecológica esa noción también.”

Si, pero eso transforma esa cuestión un problema muy grande también, porque ahora se está hablando de derechos que son solo para indígenas. Es una forma de discriminación de una minoría, la cual es la minoría que no es indígena.

“Eso es un problema [...]. Claro que el ministro es un Aymara, supuestamente indígena. Entonces quien trabaja con el tiene que ser de aspecto indígena. Los que mas o menos no parecen indígenas no tienen posibilidad de trabajar con el.26”

Entonces es discriminación racial.

“...es discriminación racial. A ver: visto en el otro sentido es que como la tortilla se volcó. Lo que antes decía que los indígenas no pueden acceder a estos espacios etc. -ahora es al revés. Los no-indígenas no pueden acceder a eso. Entonces se vuelve - la discriminación ahora es en la otra vía. [...] Y eso tiene que ver también con estas definiciones de quien es indígena, de quien no es indígena. ¿Si Bolívia en realidad es un estado indígena?”

Si, y hay un otro problema: porque, si uno piensa en el movimiento indígena y piensa: ‘bueno, no podemos pensar que solo es indígena quien habla la lengua27. No podemos decir que solo es indígena quien tiene todos los valores culturales de ellos’, porque primero: es un continuo. No hay como hacer la frontera. Entonces mismo los que viven en la cuidad... Como usted por ejemplo: ¿usted es indígena? ¿Por que? ¿Usted hace algunos rituales en casa?

“hahaha! – no!”

No, entonces es por sangre.

“Es un sentimiento mas.”

...un sentimiento, pero...

“Claro, si tu te sientas que tienes un origen indígena...”

Si, pero si este sentimiento es conectado con la mayoría y una posición así, favorable, entonces es muy fácil sentirse así [...]

26 O discurso essencialista muitas vezes é instrumentalizado por novas elites para firmar as novas relações de poder. Por isso Breuchler & Widlok (2007) reivindicam uma análise profunda dos atuantes e dos grupos envolvidos, que são os beneficiados da etnização das relações políticas. Assim torna-se visível as „tradições“, cuja fonte ancestral muitas vezes funciona para legitimar as novas pretensões de poder, são produto de processos recentes de revitalização. „Tradição“ é utilizada como „arma“ política (Gabbert 2007). Enquanto isso as próprias elites beneficiadas são os autores dessas reconstruções históricas (Breuchler & Widlok 2007).27 Drexler (2004) por exemplo apóia o reconhecimento dos Sinu como etnia indígena, cuja língua materna é espanhol. Mas eles mostram-se nas caraterísticas dos rituais e da cosmologia dos Sinu elementos típicos de um „fractal“ cultural indo-americano, afirma Drexler referindo se a Faust (1994).

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“Si, estoy completamente de acuerdo. Pero eso de que hablas, digamos percibiendo lo que esta sucediendo en Bolívia, y de pronto todo se mira en el espejo y todos descubren que son indígenas.”

Hahaha! – pues es. Claro, si me voy caminando, para mi aquí todos son indígenas, menos tu. Tu no tienes cara de indígena, pero los otros todos son ... hahaha!28

“Hahaha! – me gusta eso! Me di que es indígena?! Cual es una cara de indígena? No pero eso sucede y es general, no es solo tu percepción y es la realidad. […] Es bastante complicado. No solo por este lado, sino también viendo del otro lado, [...] porque en realidad lo que tu ves: la gente, digamos indígena, ya no quiere vivir en el campo. Prefieren sufrir, mendigar en las ciudades, porque es por medio de la ley del mínimo esfuerzo.”

Si, pero ahora viene el lado positivo: porque con toda esa locura de este movimiento indígena que se torno ahora en una cuestión política que favorece a la mayoría, también, quizás, pude ser una resolución para varios problemas políticos, económicos, agrarios, ecológicos ... y también en cuestiones sociales, en cuestión de migración también... Porque si, digamos, ahora “el indígena” estoy provocando un poco. Pues, si “el indígena” internaliza, que el mismo tiene que ser indígena de verdad, tiene que mantener su cultura, su cosmovisión, su manera de vivir, que el es el santo ecologista, que hay que respectar a la madre tierra... Si el mismo internaliza todo eso, no es positivo? Se queda en el campo, cuida de su plantación, de su huerta, está muy contento porque está con su madre tierra, de la cual el va a cuidar muy bien, está dentro de un contexto de su comunidad, que el piensa que es bueno de estar allá, está liderado por el ayllu, o por un cacique, y esta de acuerdo que está liderado por el... No seria mejor? No va a quejarse el tiempo todo que está pobre porque tiene su madre tierra ... provocando un poco...

“Sarcástico! – hahaha!”

...Hahaha – sarcástico! Pero sabes que? Es verdad que está aconteciendo eso un poquito. Yo exagere ahora bastante, claro. Ver, la verdad es que hay un movimiento a esta dirección, hay si. Hay bastante gente que ya no quiere irse a la cuidad porque estuvo en la cuidad y incluso regresó a su comunidad porque está bien allá ... y cuida mas de la naturaleza. [...] Entonces, quizás “el indígena” nunca era un santo ecologista, pero quizás ahora se volverá a ser?

“Claro, es que hay muchos elementos. No existe ‘el indígena’ en el sentido ideal, digamos. Porque resulta que, en Panamá por ejemplo, el mes anterior en la isla de los Cuna, obviamente queda como esa melancolía, como eran antes ellos, cuidaban la tierra, etc. ... Desde el momento en que sus jóvenes migran a la cuidad y retornan, es que ellos aparecen como los culpables de todo el ejercicio de la contaminación de isla. Porque trajeron consigo todos estos elementos. Entonces, es que estamos pensando entre una realidad o estática, que ya no existe, o una realidad dinámica. Tu no puedes

28 Valerio tem uma altura de aproximadamente 1,85m e uma pele bem clara. Por isso está acostumado a que as pessoas o associem com todo tipo de etnia, menos indígena. Mas ele leva isso com muito humor.

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pretender que los indígenas vuelvan a su tierra y que allá. Es absurdo, no? Entonces lo ideal efectivamente existe en contextos, en los cuales efectivamente la población considerada indígena son dueños del lugar etc. [...] Pero no puedes generalizar en que toda la población indígena va a hacer eso. O como te decía: hay poblaciones, hay indígenas que hoy son grandes comerciantes y que otros pueblos indígenas dependen de ellos. Son los indígenas que están en ese ir y venir de eses grandes centros urbanos a las poblaciones. Es decir: ellos han perdido la practica de la producción, de las tierras. Son comerciantes, son excelentes comerciantes. Entonces, es difícil pensar en ese indígena ideal que sea el labrador de la tierra solamente” (Valerio – Cochabamba 14.11.2006).

Não é, então, somente difícil, senão impossível, marcar uma fronteira clara entre

“indígenas” e “não-indígenas”29; a questão do pertencer a uma etnia é, especialmente

em países e regiões com uma população que é maioria indígena (como Bolívia, Peru,

Guatemala, Chiapas (México)), revela uma especial delicadeza política. Primeiro a

divisão da população através de critérios raciais em si já é questionável, especialmente

se isso acontece com a intenção de alcançar uma maior igualdade e um melhor

entendimento intercultural. Segundo pode-se observar um crescimento da população

indígena, que tem pouco a ver com um aumento dos nascimentos, mas com o aumento

dos benefícios, que resultam do status político “indígena” (veja Käseberg-Dávalos

2007). Além do acesso privilegiado à educação são em primeiro lugar os diretos à

terra30.

Etnicidade é um fenômeno histórico, identidade e raça são produtos de um discurso

social (Guthmann 2003: 94), se bem que por razões políticas estes conceitos muitas

vezes são apresentados como se fossem naturais. Etno-gênesis, então, sempre acontece

no contexto de relações de poder específicas.

Identidade cultural não representa somente um dispositivo político na luta dos

movimentos indígenas por seus direitos, mas em si mesmo já é produto desta mesma

política. Estigmatizações puristas e romanticistas são instrumentalizadas por fins

29 Freeman (2003) por exemplo fala de „hybrid, dynamic identities“, de mosaicos multiculturais e ideologicamente construídos (veja também Hill 1996; Warren 1998).30 Por exemplo dos cerca de 180 milhões de Brasileiros são (mais ou menos exatamente) 734.127 indígenas, pois entre 0,2% e 0,3%, são os donos de 106.386.331 hectares, equivalente a cerca de 12,33% do território nacional Brasileiro, e que cobrem recursos minerais significantes (Lima & Barroso-Hoffmann 2006). Na Colombia os indígenas, que representam entre 2% a 3% da população nacional, tem ¼ do território nacional em suas mãos; estas terras cobrem cerca de 80% dos recursos minerais de Colombia (Rappaport 2005).

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políticos e, com o seu crescente sucesso, (supostamente) internalizadas por aqueles que

querem participar do sucesso do movimento indígena.

Por isso dentro do movimento existe uma pressão clara aos ativistas para se

apresentarem como “indígenas”. Esse concurso em “ser-indígena” mostra-se também

nos projetos de educação intercultural, onde estudantes de diferentes etnias são

confrontados.

“Entonces, así iniciamos la maestría: éramos [...] 50 mas o menos - de distintas culturas y de distintos países. Estábamos entre Chilenos, Peruanos, Ecuatorianos, Colombianos, [...] Después de eso se llevo a Argentino, y ahora a México. Entonces se fue extendiendo. Lo interesante era que en mi promoción era que éramos no solo de distintas culturas, ni de destinos países, sino también de distintas disciplinas de formación: Antropólogos, sociólogos, lingüistas, pedagogos, había un agrónomo, comunicador social... Era bastante interesante en ese sentido porque todos hablando de educación, pertinente para la población indígena Boliviana regional, pero de distintas disciplinas. Entonces se hacia rica la discusión, pero también dura porque digamos todos querían de alguna manera hacer permanecer sus pensamientos, su ideología, etc. Pero también había una línea ... como se llama ... bastante fundamentalista: que nosotros indígenas somos los mejores del mundo, no se que... Entonces había un grupo, digamos, mas o menos entre los extremistas, mas académicos, fundamentalistas. Había un grupo del centro, que buscaba mas o menos un equilibrio. Y era interesante en ese sentido porque también en el equipo docente tuvo allí la misma situación: los docentes que tenían una inclinación mas al académico - la academia, la ciencia... Y otros docentes que decían que hay que abrir un espacio al conocimiento indígena, al saber indígena, experiencia indígena, que perfectamente vale, etc. Entonces siempre había esta discusión, un proceso que no ha sido fácil, porque había que negociar [...]” (Valerio – Cochabamba, 14.11.2006).

Certamente a possibilidade de um intercâmbio intercultural dentro dos programas foi

percebido, embora tenha alguns conflitos, como um grande enriquecimento.

“Eu acho que o 3° Grau deve abrir a mente da gente para os valores tradicionais, que cada povo tem. Então a gente pode encontrar com várias etnias, podemos conhecer os valores de cada etnia e as experiências. E até respeitar – índio entre índio. Porque entre índios existe, um preconceito em comparação de um povo ao outro. E serviu, assim, como um momento de reflexão, de respeito, que é ao invés de todos esses preconceitos. A gente na verdade devia abrir a mente e entender que a luta devia ser mútua. [...] Uns dos povos já tinham sofrido com o contato, e muitos povos já deixaram de falar a língua e perderam muita coisa da cultura. E isso serviu também pra gente abrir a mente pra voltar a valorizar o que é nosso" (Marina (Umutina), professora na escola primária de aldeia Umutina em Barra do Bugres – na mesma aldeia, 19.10.2006).

Assim os programas de educação indígena tornam-se espaços interculturais, em “zonas

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de contato” (Rappaport 2005: 120) na qual a identidade cultural pode ser negociada

novamente. Podia-se interpretar estes conflitos internos como parte de uma dinâmica

de um auto-encontro que também é motivado politicamente. Os discursos etnicistas

(neo-)indígenas formam uma nova identidade cultural frente a uma “paisagem étnica”

(ethnoscape – Appadurani 1994), que se articula através de processos glocais

(Robertson 1998).

2.2. “Tradição”?

Nessa disputa pela autenticidade, ao final de contas, deve-se não só proclamar

“indígena”, senão atuar como um “indígena”, quer dizer expor os signos da “tradição”,

como por exemplo vestir um poncho “tradicional”, um poncho tecido

“tradicionalmente” feito à mão, ou por nomes “tradicionais” nos filhos, escolhidos na

mitologia “tradicional” e tudo mais. Continua vago o que define tal “tradição”: Onde

encontra-se essa tradição? Seja o que é “indígena” puro como instância monolítica, ou

que “tradição” também contêm um aspecto dinâmico, que integra processos de adoção

e reinterpretação31?

Por isso costumava perguntar aos meus interlocutores, o que eles entendiam como

“tradição”, ou “tradicional”.

“É o nosso jeito de comer, o jeito de dormir, como a gente conservava as caças, a gente matava pra poder se alimentar [...]. Temos a festa das águas que faz parte também. O batizado da criança. ¿E por que nós temos isso? Porque ainda tem alguns velhos que ainda viram isso acontecer com os seus pais, e os pais deles viram acontecer com os avós e nunca deixaram isso se perder. E sempre hoje se está passando pra gente, né?” (Marlene (Pataxó), estudante no programa para a formação de professores indígenas da UFMG – Belo Horizonte, 27.09.2006)

“Tradicional é a coisa do passado para o presente, que nós buscamos aqui, e agora nós estamos voltando atrás, da cultura e da tradição. Pra mim a tradição é toda aquela cultura, toda nossa história, toda a nossa crença, todo nosso costume, né. Isso é tradição. [...] Ela é bem dinâmica” (Ronaldo – aldeia Paredão, 01.11.2006).

31 Para uma discussão mais profunda do conceito de „tradição“ no contexto de sociedades em transição veja Barci Cartola 2000.

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“Tradicional? Antes de tudo tradição no meu ponto de vista, é a cultura da gente, né, do povo Pataxó. Não é aquilo que era antes. É dos nossos ancestrais, dos nossos povos, antes do Brasil ser colonizado. E sempre ´tá modificando, a cada geração que vem vai modificando alguma coisa na tradição. Eu acho que tradição pra mim é isso: as coisas que vão acontecendo com o povo, que sempre vai renovando, né” (Arnaldo (Pataxó) – Belo Horizonte, 27.09.2006).

“Uma coisa que tem muito em comum também entre o pessoal indígena é que está sempre renovando, está sempre em busca de renovar alguns pontos dentro da própria cultura. E também como falou, que pelo contato com os Portugueses também, houve muita perda. Como teve perda de muitos velhos, entendeu? Então não tem como a gente estar buscando aquilo ali, sabe” (Paulo – Belo Horizonte, 27.09.2007)

“Não, não muda não! A tradição é tradição mesmo! É aquilo mesmo da gente. Não pode mudar, é aquilo que está acontecendo e que vai acontecer daqui pra frente do mesmo jeito” (Luci (Pataxó) – Belo Horizonte, 27.09.2006).

Apesar de toda essa busca pelas “raízes indígenas”, uma grande parte dos indígenas

parece seguir um modelo dinâmico de “tradição” e “cultura”. Lucidalva é, então, mais

uma exceção à regra e representa aqui uma visão mais purista (que certamente tem um

papel importante).

Warren aponta que (nos Maya de Guatemala) as narrações e orações dos velhos sim

acentuariam o valor do costume, que seria razão não questionada da maioria das ações

das pessoas; mas na idéia dos Maya o costume não seria transmitido por completo e

seria influenciado por certas pessoas. O “costume” seria entendido como “um eco de

um passado diferente, mas não completamente compreensível” - “rupturas, mais que

uma simples continuidade da memória” (o mesmo: 169 – traduzido do inglês por mim).

Rituais “tradicionais” apareceriam, porém, como “mimésis imperfeita” de uma língua

mítica mais verdadeira, mais perfeita dos ancestrais (o mesmo: 170). Assim os indígenas

sempre estariam conscientes da inconstância das “tradições” e da influência dos

invasores Espanhóis, relata Warren. Também a catequização de muitos indígenas seria

percebida como diversidade natural de decisões individuais. Essa flexibilidade

resultaria de um conceito diferente de “pessoa”, cuja característica decisiva seria a

mutabilidade, sendo que a pessoa estaria influenciada por forças ou espíritos naturais

cujas características se refletiriam no caráter da pessoa (o mesmo: 171).

„Identity [...] becomes a shifting composite, complexity influenced by individual protagonists, the transnational discourses they appropriate, and the shifting arenas of

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their activism“ (o mesmo: 176).

Este “coletivismo tradicional” mostra-se aqui como no conceito do sujeito no sentido

de um “indivíduo” e hoje representa um momento fundamental na retórica

(neo-)indígena. Supondo que na região remota do Chiapas se encontre culturas

indígenas “puras”. Uma pesquisa levantada pela universidade de Harward na década

de 1950, conhecida como Chiapas-Project, descreve o sistema dos “cargos” como

sistema “tradicional” político-religioso. Mas na realidade se trataria de um produto de

uma revitalização anterior realizada no Chiapas na década de 30, relata Gabbert

(2007). O coletivismo “tradicional” descrito pelo Chiapas-Project, porém, seria um

fenômeno recente. O mito de eternidade, seria dessa forma promovido pelo Chaipas-

Project, até hoje serviria como referência para as novas elites indígenas como

legitimação da própria hegemonia. Assim a oposição poderia ser facilmente excluída

ou até perseguida como “inimigos da tradição” (o mesmo).

“Tradições” muitas vezes são, então, de origem recente e frequentemente disputadas

nos próprios grupos étnicos. Conseqüentemente elas são interpretadas e

instrumentalizadas de forma diferente, para legitimar pretensões de poder com sua

ancestralidade. Por isso “coletividade” facilmente pode ser usada para a exclusão e

repressão da oposição, sendo que a “tradição” serve como “arma” para objetivos

particulares (o mesmo; também Warren 1998).

Para tanto a “tradição” não deve ser entendida no sentido de um mito essencialista de

eternidade, mas como produto histórico de relações de poder culturalmente

específicas.

Além disso, as chamadas “tradições” muitas vezes são elaboradas através de

revitalizações nem sempre dedicadas a uma fuga nostálgica ao passado, mas

representam um processo de articulação política e de uma hibridização cultural

(Warren 1998: 38). Devido à estigmatização essencialista dos indígenas como “povos

naturais” e “não históricos”, que “ainda vivem como há milênios atrás”, tais processos

muitas vezes foram ignorados no passado32.

32 Já que estes processos muitas vezes aconteceram há muito tempo atrás, como no caso das primeiras revitalizações dos Makushi, Kapon, Pemon e outros povos do grupo Karib no sul da Venezuela e da Guiana Francesa em meados do século 19. (Hill 1996: 13).

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2.3. Tentativas de Revitalizar ou Construção (Coletiva)?

Com a apropriação do discurso etnicista pelo movimento indígena a partir da década

de 60 a revitalização recebeu um outro valor. Tornou-se um programa explicitamente

político e então submetido à uma realização planejada.

Também naquela época os rituais “tradicionais” eram raramente praticados, e os cargos

foram revivenciados durante o crescente movimento Pan-Maya na década de 90. Mas

para a juventude, que somente colocava os trajes “tradicionais” para certas festividades,

estas “tradições” já eram alheias. Também eram os rituais reconstruções seletivas,

elaboradas através de pesquisas etnográficas e cujos elementos foram selecionados a

favor das pretensões de poder e das demandas religiosas dos seus produtores (Warren

1998: 184). Assim a “revitalização” não é uma mera reinvenção de formas culturais do

passado, mas tem que ser compreendida como ressínteses cultural bem refletida e

elaborada frente a uma pressão excepcional de mudanças rápidas; situações, então,

nas quais modelos culturais mais antigos não são capazes de orientar as pessoas de

forma satisfatória (o mesmo: 207). Ao invés de tentativas de revivenciar a partir da

retrospectiva, trata-se na maioria, de modelos explicitamente direcionados para o

futuro. Fica claro agora que uma transmutação cultural e étnica relativamente refletiva

e controlada faz parte da auto estima (neo-)indígena, o que paradoxalmente coincide

com idéias essencialistas de “cultura” e “tradição” de origem ocidental que servem

como motor dos novos movimentos de revitalização. Esta contradição levou a algumas

distorções, que influenciaram a visão de uma própria educação indígena de forma

significante.

“Claro, eso es una de los principales problemas. Pero yo por lo menos creo que es insostenible en este momento de la historia, pensar en que podemos hacer un tipo de educación estrictamente local con los saberes estrictamente locales. Primero por lo que te decía también la otra vez: partimos a veces de estas reflexiones sobre el indígena en un rato histórico, no sin tomar en cuenta el propio desarrollo de las culturas indígenas. Y lo que en realidad es lo indígena hoy, no es lo que los teóricos indianista necesariamente dicen que es. Entonces ahí creo que hay una cuestión que es muy importante de reflexionar y de desengrosar un poco mas, porque hay una construcción ideológica, política, de lo que es indígena, construido a partir de la visión de los teóricos indianistas, los intelectuales indianistas. Que vista que en realidad y en la practica y en la vida cotidiana y en la concepción del mundo es lo indígena. Ya es muy

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difícil de separar y de entender esto. De ahí hay partes que dirían: ‘bueno, que los indígenas también están colonizados, entonces tenemos que descolonizarles.’ Está bien, pero como se hace eso? Y también descolonizar no tiene ninguna claridad respecto a que lo que significa este concepto de descolonización. […] Será volver al pasado, a una cultura que ya no existe como tal, y además que no se conoce, que se tiene en rastros mas de lo simbólico, como te digo, desde lo simbólico, desde una recuperación” (Rosana – Cochabamba, 15.11.2006).

Também não se pode resgatar tudo o que se perdeu, ou seja, o que se fundiu através de

processos de adoção e aculturação a amalgamas culturais, sincretismos, ou culturas

híbridas. Processos que aconteceram não só com povos como os Tupi e Guarani, que

receberam a “benção” da “civilização” já á 500 anos.

“O povo Manoke está numa área que não é, quer dizer, nunca pertenceu a ele, vamos dizer assim. Eles estão numa área que aqui já passou os Parecis. E aí conforme conflitos que a gente teve com outras etnias que foram os descendentes, Besos de Pó, os Canoeros. A área que os Manoke viveram é a área entre, o rio Sangue e o rio Cravarí, esse território era deles, mas por causa de conflitos eles vieram refugiados, de lá pra cá. E eu lembro muito bem essa história: é desde 1953 quando entrou a missão Jesuíta junto com a missão evangélica, aqui pra aldeia. O nome é Matamaí, na nossa língua materna, Matamaí, era uma aldeia muito grande. Aí os missionários foram chegando pra conhecer o povo Manoke, e após 1953 aconteceu isso, até ´54-´55 houveram essas grandes epidemias que o povo Manoke foi pegando e foi morrendo também. E as missões Jesuítas também se preocuparam muito com isso pra salvar outros que estavam lá ainda, que ainda estavam vivos. Então os missionários tiveram que vir pra cá, e chegaram aqui no rio Cravarí, Matamaí, e o Barracão Queimado fica aqui mesmo no fundo, a partir daí a gente tava indo pra Utiarití com as pessoas que restaram da doença, e a gente foi pra missão. E depois de ´68-´69, quando ouve aquela história de demarcação de terra indígena, aí fomos obrigados, a missão Jesuíta nos encaminhou, voltando pra trás, pra nossa aldeia. Então nós não conseguimos voltar pra lá de novo onde era tradicionalmente a área do povo Manoke [...]. Então por causa da necessidade de atendimento a saúde, ficamos aqui mesmo, nessa região mais próxima das missões, que era Uterití, pra eles nos atenderem” (Ronaldo – Paredão, 01.11.2006).

“A outra que é pra sempre preocupação pra nós é essa questão da saúde. Assim, deveria nesses programas de formação ter um lado da saúde porque hoje os povos indígenas estão todos vulneráveis a essas doenças que ´tão aí. Tipo nós aqui na aldeia, já estamos acostumados a correr pra médico que não é da nossa ciência. Então aparece aqui de uma forma que se nós trabalhássemos e juntássemos várias etnias, teria que haver uma ciência, montar uma ciência deles todos e ver um tratamento natural, porque nós sabemos que o tratamento natural ele tem um efeito, assim, não é imitado, mas tem um efeito” (Beto – aldeia Umutina, 10.10.2006).

A falta de elementos essenciais da cultura, como por exemplo no caso dos Umutina,

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Manoke e Pataxó (e inúmeras outras etnias indígenas) da língua materna e de uma

grande parte do seu sistema medicinal tradicional, muitas vezes requer, além da

proteção da cultura “própria”, a sua (re-)construção (o que é muito criticado como falta

total de autenticidade do movimento indígena – Warren 1998).

Essa reconstrução é um processo que é as vezes mais as vezes menos refletido. São os

colaboradores não-indígenas que tendem a entender esses processos como construção,

enquanto a base nas aldeias indígenas nem sempre se envolve nessas reflexões, ou

seja, rejeita este tipo de teoria de adoção e construção, e se refere à autonomia do

próprio desenvolvimento cultural.

“Eu acho que essa coisa é assim: na antropologia, o que já está bem explicado, é essa relação intercultural. É impossível que duas culturas se encontrem e que as duas saem desse confronto sem impacto [...]” (Pedro – Barra do Bugres, 24.10.2006).

“Reconstruíram e reconstroem sempre. Até a gente tem fases da história, que alguns estiveram muito longe das suas tradições indígenas, digamos, estiveram muito mais próximos por exemplo das religiões do branco, o cristianismo e tal, mas que depois tem movimentos, políticos que fazem com que eles reforcem mais o lado indígena. Por exemplo agora tem a revitalização a partir da demarcação da terra, após eles começarem a revalorizar aquelas coisas que só os velhos faziam, e que os jovens já não queriam fazer mais. A escola tem um papel muito importante. Na escola indígena tem o fato deles instalarem a escola pra fortalecer e inclusive pra fixar os jovens ali, para os jovens pararam de ir pra cidade pra estudar e procurar trabalho. Então teve um movimento das lideranças e dos velhos, pra manter o povo ali dentro daquele território e isso fortaleceu muito as tradições todas, e essas tradições são recriadas, inventadas de certa forma. Claro, como toda recriação, a partir de restos, de traços, que são capturados. Às vezes eles fazem um verdadeiro trabalho de arqueologia. Sim, procuram e começam a pesquisar com os velhos pra saber então agora como era naquele tempo. Tem um trabalho de pesquisa muito grande nessa escola, nessa formação.” (Inês – Belo Horizonte, 26.09.2006)

O quê para acadêmicos na universidade é um fenômeno social comum e bem

conhecido, pois a mudança das culturas causadas por suas interações pode magoar

alguns velhos nas aldeias. Se bem que eles estão bem consciente da perda de muitas

“tradições” e obviamente percebem os processos adotados na geração dos jovens, eles

sim mantêm a esperança de perpetuar a sua própria maneira de ser para as próximas

gerações. Não é a permuta perpétua de cultura que preocupa os velhos, mas a ruptura

radical entre os filhos e netos e a vida “tradicional”.

“Eu sempre encontro a fala do branco, assim, é um caminho que sempre vai indicando

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que um dia o índio vai ser extinto. Então a gente tem que ´tá preparado nesse caso. Tanta coisa que a gente vê. Coisas sem solidez, coisas que não são sólidas, tem que ser coisas que nos ajuda a nos defender, resgatando. Sempre a fala que tem uma mistura no meio, como nós estamos falando, as culturas são realmente dinâmicas, mas na verdade elas tem essa mistura no meio, que a gente não consegue separar uma coisa da outra. ´Tá assim no junto, tem os filhos que gostam de participar, ver televisão, ver aquelas coisas que ´tão acontecendo no mundo lá fora, no jornal, tem o nosso futebol, tem até mesmo um baile de um pessoal de dentro das novas gerações. Agora nós velhos, nós passamos por aqui mas nós estamos só olhando, o que vem acontecendo conosco [...]” (Ronaldo – Paredão, 01.11.2006).

Seja como for, a reconstrução do “próprio” é, dependendo do grau da alienação

cultural daquele povo, um dos objetivos principais dos projetos de educação indígenas.

De forma bem explícita e reflexionada aparece este objetivo no conceito da construção

cultural do CRIC33. Por exemplo no caso da reconstrução do saakhelu, ritual que foi

reanimado após a grande avalanche em 1994, que causou centenas de mortes

(compare Drexler 2004).

“Eso lo descubrimos por relatos, por informaciones. Porque se había dejado de practicar en unas regiones 90 años, en otras regiones unos 130 años. Pues mas o menos lo mínimo era de 100 años que se había dejado de practicar – sea un siglo” (José).

Pero como, de que documentos habían reconstruido ese ritual?

“Eso lo reconstruimos a base de investigaciones en un territorio muy grande: de Tierradentro, y por confrontación en Tierrafuera, y los relatos de los viejos. [...] Porque nos fueron dando informaciones, y lo que yo le llamo ‘pistas’. Pues eso son píldoras, son pastillitas muy pequeñas que la gente va dando, y que está en el pensamiento. [...] los nuestros viejos cuentan espontáneamente. Ellos no tienen el objetivo de construir una estructura. Relatan ellos, ellos cuentan, son felices contando. Pero nosotros somos los que estamos siguiendo, captando la figura, la imagen del rito y del mito. Y entonces, cuando ya entendemos un poquito la cosa, hablamos nuevamente con los viejos para confrontar, para corroborar si nosotros estamos equivocados en nuestra interpretación. Porque nosotros no íbamos a faltar la rigurosidad, nuestra ética, de inventarnos un discurso artificial, indigenista, una cosa indigenista, una cosa artificial! [...] No, nosotros no podemos caer en este riesgo! Porque nosotros tenemos que entender porque y si lo que estamos haciendo tiene sentido y tiene éxito, o no tiene. O no gana respeto, y si no gana respeto, y no gana reconocimiento, y la gente no se identifica con eso, nosotros hemos perdido tiempo y además caemos como unos mentirosos” (José Ramos – Popayán, 29.12.2006 – extracto de dialogo).33 Algumas outras universidades indígenas elaboraram conceitos parecidos, mas aqui me referirei somente ao exemplo do CRIC. Não porque se trate do „melhor“ projeto de todos, mas por causa do melhor acesso a documentos internos dessa organização, o qual devo ao apoio intensivo dos funcionários do CRIC.

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Este tipo de reconstrução do “próprio” é chamada “construccion colectiva de

conocimientos”. É baseado no complexo método elaborado durante os últimos 30 anos

desde a fundação das primeiras escolas próprias na década de 70. Trabalha com

conceitos que tem correlações em muitos pontos entre os diferentes projetos. Alguns

dos termos centrais neste âmbito são a “investigação”, a “sistematização do

conhecimento próprio”, a “coletividade”, a “cosmovisão” e os “projetos de vida”. Em

seguida tentarei esclarecer a dinâmica desses processos de construção coletiva através

desses conceitos próprios que foram elaborados dentro desse mesmo processo criativo.

Enquanto isso estes conceitos próprios serão submetido á uma critica para examinar as

possibilidades que podem abrir para a educação indígena.

2.4. Investigação & Sistematização

No mesmo objetivo da integração dos conhecimentos indígenas numa educação mais

ou menos institucionalizada a sistematização desses conhecimentos já esta incluída

implicitamente. Isso deve-se à sua forma oral que não implica nem uma cosmologia,

nem cultura generalizada no sentido de um conhecimento coletivo e compartilhado

entre todos os membros do grupo étnico. Trata-se mais de fragmentos de um saber

particularizado que se encontra em forma de interpretações de mitos espalhados pelas

cabeças (ou corações) de cada um (compare por exemplo Münzel 1986: 190ff;

Brumann 1999: 11f). Além dessa particularização geralmente característica para

“cultura”, no caso dos povos indígenas o saber “próprio” é restrito cada vez mais a uns

poucos sábios e velhos, o que requer, além da sua sistematização, a investigação e

coleta daquelas “pistas”. Por isso a “auto investigação” foi incluída no conceito da

educação indígena durante a elaboração da educação escolar. São os professores das

escolas e os estudantes dos programas de formação de professores indígenas que

realizam estas investigações para em seguida elaborar junto com as suas comunidades

e especialistas culturais (sábios e velhos), propostas para a nova educação própria. O

requisito da conveniência da educação requer entender anteriormente a própria

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situação e as necessidades que resultam dela (compare por exemplo López 1992,

1996; Ramos & Bolaños et. al 2004; Ramos & Rappaport 2005; Sisco & Simbaqueba

Torres 2002; ETSA 1996; Rappaport 2005). Assim o conceito da investigação foi

transmitido no âmbito escolar ao contexto acadêmico, cumprindo duas funções: Além

da necessidade da reconstrução do “próprio” e da compreensão pela própria situação

sócio-cultural, descobriu-se no trabalho investigativo realizado de forma independente

pelos estudantes um valor pedagógico específico. Auto investigação, porém, é

entendida como auto aprendizagem. Os métodos oferecidos pela ciência ocidental são

reinterpretados e utilizados de forma considerada adequada pelos estudantes.

“Nós mostramos o que nós fazemos e que eles tem que achar um caminho pra eles (fazerem) o deles, eles não tem que usar necessariamente as nossas ferramentas. Eles têm que criar alternativas, que possam dar resposta para as questões deles. Deixa dar um outro exemplo pra você: Tem uma parte do curso, que se chama ‘tempo’. Então nós discutimos as diferentes formas de marcar o tempo. Então nós temos o nosso calendário, é o calendário nosso, ocidental cristão. E aí tem as marcações do tempo deles. Nós mostramos as nossas formas de marcar o tempo e aí eles tem a oportunidade de mostrar as deles. Então eles tem outros mecanismos que marcam o tempo diferente da nossa marcação do tempo. ¿Então, o que é que a gente faz? É mostrar a nossa, dar a oportunidade deles manifestarem a forma deles, e reconhecer aquilo como sendo uma coisa legítima do povo deles e como positiva, porque o que acontece aqui no caso do ensino no Brasil é que quando qualquer coisa que não seja igual à nossa, a gente desconsidera. Então os obriga a acreditar a nossa, e dizer que aquilo deles é errado, que aquilo não presta. Isso não pode acontecer. Aqui não! Então eu acho que o grande diferencial é, que nós conseguimos é fazer com que as coisas sejam tratadas iguais” (Fabio, coordenador do programa “3° Grau Indígena” da UNEMAT – Barra do Bugres, 24.11.2006).

A Pesquisa, então, é considerada um método essencial das universidades indígenas

(compare também Rappaport 2005: 123ff), tanto em relação à forma do ensino, quanto

ao conteúdo. Como método didático a pesquisa deve produzir os conteúdos do ensino

tanto utilizando métodos científicos, quanto através da auto aprendizagem.

"De otra parte también la (UAIIN), concebimos como espacio de investigación en los distintos campos del conocimiento que las necesidades comunitarias y organizativas señalen procesos de investigación que nos permitirán avanzar en la conceptuación, la sistematización, la profundización, la creación de conocimientos desde las propias cosmovisiones o en la apropiación de elementos y valores de otras culturas indígenas y no indígenas" (Sicso & Simbaqueba Torres 2002: 69).

A universidade própria transforma-se no centro intelectual da auto etnografia, a qual

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forma a base para a construção da educação própria e do “próprio” em si.

“[...] Aquí tenemos los estudiantes entrenando para casería de relatos, bastantes discursos, orientaciones. Allá tenemos mayores, consejeros, fundadores del CRIC, que hablan con los estudiantes de la importancia de la cultura, de los relatos, las practicas tradicionales, y los estudiantes de nosotros cada vez se vuelva mas fuertes practicantes” (José – Popayan, 29.12.2006).

Com este conceito auto etnográfico os estudantes se encontram metidos nas

contradições complexas do trabalho etnográfico, porque "[...] el auto etnógrafo es

simultáneamente el sujeto y el objeto de su investigación [...]" (Rappaport & Ramos

2005: 35). O perigo do „going native“ e da perda de distância ao „objeto“ da pesquisa,

que esta implícita no método da observação participativa (compare por exemplo

Damman 1991: 122f), é pressuposto da investigação, e mais ainda, o objetivo dela. O

objetivo é justamente a elaboração coletiva do „próprio“ junto com a própria

comunidade, para voltar a ser mais „native“. Mas é mais provável que, como em

qualquer trabalho etnológico, os preconceitos resultando da educação científica do

investigador, seja ele indígena ou não, interferem mais na sua „objetividade“, do que a

perda da distância e do seu „objeto“. „Conseqüentemente aproxima-se à ‚objetividade’

dessa forma mais facilmente“, do que observando à distância. [...]“ (Girtler 2001: 79 –

traduzido por mim).

„Claro, o sea: los mismos teóricos indígenas utilizan las herramientas de la cultura del accidente para explicarse a si mismos. Ya que se habla de filosofía andina, por decir“ (Rosana – Cochabamba, 10.11.2006).

Surge a questão do tamanho da influência dessas contradições metodológicas exercida

sobre a reconstruções do “próprio”, e por fim, sobre a própria identidade cultural.

„Por eso me parece importante, que revises estas cuatro tesis por lo menos, para que veas exactamente el output, no cierto? Una cosa es que los insumos que reciben los estudiantes y otra cosa es como esa realidad se va trasformando también, no cierto? Obviamente el indígena que sale de aquí ya no es el mismo que vino. Pero también es interesante como el objeto del estudio tampoco es el mismo, porque se modifica“ (Enrique – Cochabamba, 13.11.2006).

Na sua tese de mestrado (absolvido no curso de pós graduação em educação

intercultural do PROEIB Andes) Martin Castillo Collado, por exemplo, realmente conta

da desconfiança dos „pesquisados“ em relação a ele (mesmo sendo um Aymara,

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ostentativamente vestido em roupa „tradicional“), o que terminou em acusações de

espionagem e obrigou-o a procurar uma outra comunidade menos desconfiada para a

realização da sua investigação (Castillo Collado 2005: 39). Este é, obviamente, um caso

extremo, mas não se pode esquecer que os estudantes indígenas são fronteiriços

culturais que claro, são indígenas „legítimos“, mas não são necessariamente integrados

à vida cotidiana, que constitui e perpétua os saberes pesquisados por eles.

„... y tienen un proceso de una escolarización formal de muchos años. Tienes que ser bachiller, tienes que ser universitario…“ (Rosana – Cochabamba, 15.11.2006)

„Si, pero uno aquí en el postgrado no se pretende tampoco no cambiar. Se sabe que van cambiando. O sea, inevitablemente, y se sabe conscientemente, y se los cambia conscientemente. Pero, digamos, ahí tiene que ver con la perspectiva: si nosotros los cambiamos para empoderarlos. Entonces les vamos a dar herramientas para que puedan sentar con el ministro, para que se puedan conversar con el alcalde, en otros términos, con otros criterios... Y al mismo tiempo, digamos, ese empoderamiento estamos intentando hacerlo no burlando las culturas que traen ellos mismos, sino fortificándolas, de alguna manera, a su cultura. Pero que van a cambiar, claro que van a cambiar, y buscamos conscientemente cambiarlos. Pero que cambien en el sentido este, de que puedan negociar de mejor manera con la sociedad nacional. Es decir, que tengan mas poder para sentarse con cualquier intermediario de la sociedad nacional y la sociedad indígena. Ellos por otro lado, digamos, tampoco son indígenas que están viniendo de las comunidades. Ellos han pasado todo el ciclo de formación de licenciatura, toditos. Entonces ya han pasado por un proceso de formación. Aquí lo que se está tratando de hacer, yo creo, es de que esa deformación que les han dado en la licenciatura de enseñarles en gran medida a despreciar su cultura, a despreciar su saberes, a despreciar sus lenguas en nombre de la ciencia. Por mostrarles que no está así, y que pueden también valorar sus culturas, que pueden valorar sus lenguas y sus saberes“ (Fabricio – Cochabamba, 15.11.2006).

“Pero van a ser siempre etnólogos con herramientas propias de la formación universitaria. Eso es inevitable“ (Rosana – Cochabamba, 15.11.2006).

Por isso chegou-se aos conceitos da „desaprendizagem“, ou da „descolonização“

(Daválos 2006: 8), ou seja um distanciar-se reflexivo frente aos próprios preconceitos

(ocidentais), o que deve formar o fundamento para o reentendimento do significado

dos „próprios“ conhecimentos e conceitos. O aprender de dispositivos alheios

(científicos e ocidentais) para reelaborar esses conhecimentos e conceitos „próprios“, e

o desaprender simultâneo de categorias „coloniais“ aparecem, ao primeiro olhar estar

em grave contradição. Mesmo assim este processo faz parte de um processo altamente

reflexivo de um reentender em vários níveis de compreensão (compare por exemplo

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Rappaport 2005; Rappaport & Ramos 2005; Sisco & Simbaqueba Torres 2002; ETSA

1996). Pode-se perguntar até que ponto é a desaprendizagem que apodera os „novos

intelectuais“ (Münzel 1986: 159) a relativizar os conceitos científicos internalizados

durante processos educativos que duravam décadas. É realmente possível que essa

desaprendizagem e o uso reflexivo de métodos científicos evite reinterpretações

eurocêntricas do „próprio“, e assim, a alienação dele? Já que qualquer dispositivo

epistemológico implica um encanamento da vista. O uso de métodos etnológicos, por

exemplo, não traz inevitavelmente um bias „etno logocentrista“? Se bem que José

Ramos e os seus colegas certamente conseguem evitar, em certa medida, a adoção de

conceitos ocidentais, através da reinterpretação lingüística desses termos (Rappaport &

Ramos 2005; Rappaport 2005), esse método continua sendo „fono-cêntrico“. Será que

isso já não significa uma adoção inconsciente do „logocentrismo“ (Derrida 2003)

ocidental? Por outro lado a forma de reinterpretação desse método e a sua forma

criativa de lidar com conceitos científicos frente à própria cosmologia mostra que aqui

não nasce nenhuma condensação do „próprio“, mas um novo método, que se destaca

dos métodos ocidentais e que se baseia pelo menos parcialmente no „próprio“.

2.4.1. A Escritura: Fonte e Produto da Sistematização

„Si, claro! […] Por ejemplo [hay] un diccionario [nasa-castellano] para fines del adoctrinamiento, que un misionero escribió en 1700. [...] Hay un punto que ha sido explanación tradicional, que había sido una ceremonia al sol, allí. Y nosotros le llamamos allá tafxnu [ta – „sol, padre“, fxnu – „casa“; veja Drexler 2004] Y en ese diccionario nosotros no pasamos mas, ni siquiera nos damos cuenta que ese plano había sido artificial, en tiempos precolombinos había un sitio de poder, un sitio ceremonial. No tuvimos ni idea! En la consulta con el diccionario, cuando el padre Castillo que recopiló y con todo un poco un cronista, como misionero, hablo que los indios allí de los Paezes eran como locos, dice el en ese diccionario, que hacían una semana de baile y de mil locuras de no se que allí... Y que allí bebían chicha de maíz, mucha chicha, y bueno, el hace su interpretación como misionero. Pero fíjese que nos da una pista que allí hacían algo en relación al sol. Entonces descubrimos nosotros, como indios nosotros interpretamos... El cura interpretó de su manera en ese tiempo. Nosotros a nuestra información con la información de relatos de pistas, información sesgada que nos dan nuestros mayores. […] Cuando ya volvemos con nuestra

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comprensión, volvemos a los viejos a hablar con ellos, es decir hacer mas preguntas profundas, entonces ya ellos no nos niegan. Entonces las respuestas son mas ricas. [...] Ellos dicen que antiguamente nuestros abuelos dicen que hacían tal cosa allí en tal sitio. Entonces allí ese son las claves, la información importante. [...] Y ahora desciframos: fxnu es explanación de un ave de una casa. Así desciframos los significados, la toponimia. Entonces entendemos el significado de todo eso. Entonces no somos formados, somos empíricos, pero que andamos muy cerca comprendiendo la historia. Y en términos culturales, en términos ancestrales, como que funcionaba la cultura, que era que pasaba? Nos hemos ido dando cuenta“ (José – Popayan, 29.12.2006).

A construção do „próprio“ depende em forma significante de fontes escritas. Se bem

que esse trabalho de interpretação hermenêutica é sustentado pela lembrança dos

velhos, em muitos casos, como no do saakhelu, não existem mais testemunhas. Mas

como então, deve ser recuperado o caráter performativo que era essencial para esses

rituais através deste tipo de fontes? Será que não se trata de reproduzir tais cenários de

cultos do passado de forma exata?

Na comunidade Pataxó Imbiruçu, por exemplo, manifesta-se hoje em dia a festa das

águas como sempre, mas na língua „própria“,não sendo falada há várias gerações e

que sobreviveu no cotidiano somente em poucas expressões. Lucidalva, Mainã e alguns

outros membros da comunidade estão participando do curso de licenciatura em

educação diferenciada da UFMG. Através de investigações minúsculas em colaboração

com lingüistas da UFMG eles tentam reconstruir a sua língua. Assim eles traduziram

algumas das suas canções antigas, que „tradicionalmente“ foram cantadas em

português.

„Muitas vezes a gente recebe muita crítica também. Que a gente ´tá inventando... Um exemplo: a língua. A língua, nós hoje estamos resgatando, e hoje a gente já está fazendo os cantos, as danças, a gente faz festas nas aldeias e muitas pessoas as vezes criticam, não acreditam que isso acontece de verdade. ¿Então, a vontade da gente é o quê? Que eles pudessem ver com os próprios olhos que a gente não ta inventando, já ´tá no sangue da gente, dentro da gente. A gente disse sempre que ´tem revitalizado cada vez mais essa cultura que é da gente mesmo“ (Marlene (Pataxó) – Belo Horizonte, 27.09.2006).

Graças à confiança e a enorme hospitalidade da comunidade tive a oportunidade de

assistir a comunidade de Imbiruçu praticando as suas danças e canções „tradicionais“

para festa das águas. Realmente a alegria das pessoas ao viver e manifestar o seu

„próprio“ era bem visível. Entre a preocupação pela realização certa dos rituais e uma

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alegria sincera na performance (tá segura que não é performance?) coletiva, o jovem

cacique Romildo discutia a maneira correta do

ritual com os outros. Também as crianças

aprendem a língua (na verdade aprende-se

somente o vocabulário porque a gramática ainda

não está elaborada por completo) e as canções

„neo tradicionais“ na escola, as quais são cantadas

com toda paixão, repetindo-as uma por uma, só

pra ver quem canta mais alto ...

O velho Sr. Eduardo, o tataravô da aldeia de 105

anos de idade (foto), se alegra pela dedicação dos

jovens, mas critica que os rituais não são mais

fei tos de maneira „ t radicional“. Porque

„tradicionalmente“ se cantava em português. Os mesmos estudantes indígenas apontam

que a língua pataxó, hoje em dia cantada e ensinada na escola, foi elaborada por

lingüistas através de textos e dicionários antigos editados por missionários e

antropólogos. Mas muitas vezes eles mesmos acham que os velhos, que ainda falam

um pouquinho de pataxó, pronunciariam muitas palavras de forma „errada“, como

teriam mostrado as investigações lingüísticas (anotações de conversa informal –

Imbiruçu, outubro 2006). Essa opinião é problemática em dois sentidos: (1.) O Uso de

fontes escritas, especialmente de origem missionária ou antropológica, não implica

meramente omissões e interpretações falsas e dificilmente erradicáveis. (2.) Devido à

sua suposta natureza “concreta” frente aos conhecimentos “inseguros” e não

“comprováveis" dos velhos, dos verdadeiros guardiões do „próprio“, as fontes escritas

são consideradas „verdadeiras“. Entretanto temos aqui um modelo monolítico e purista

com uma apropriação de conceitos científicos insuficientemente reflexionados,

especialmente a idéia escolástica de documentos escritos como referencia „objetiva“.

„Claro! [...] Surge una gran necesidad de conocer lo propio. O sea, el caso personal es auto-investigación. Yo me he puesto una tarea de investigar, buscar la bibliografía, comprobar libros, ir a las diferentes bibliotecas del CRIC, del proyecto Nasa, y auto-investigar, o sea, leer, leer mucho, conocer sobre toda la parte histórica, toda la parte cultural […]. Por ejemplo yo particularmente, yo cargo mis plantas, si, las cargo, y por la mañana hago mis rituales, todo normalmente como un buen Nasa. [...] Por ejemplo

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en uno de los talleres que vino Manuel Sisco por acá sobre el mito de origen, yo la primera vez que los escuchaba, y lo leía, y yo lo releía, lo releía... Y bueno, para mi el mito origen es muy fundamental [...]“ (Fernando – Corinto, 30.12.2006).

Uma falta de experiência e conhecimentos culturais muitas vezes tem que ser

substituídas pela leitura. Mas é justamente o horizonte da experiência do mundo de

viver, o qual se constitui no cotidiano, e que contêm a chave para o entendimento do

cosmo indígena. Uma parte essencial desse horizonte de experiências é, além de rituais

e do cotidiano, também o relato oral.

Münzel aponta o papel essencial da oralidade em relação à visão de culturas orais, que

se mostra como „um estilo cultural distinto, e cujas suposições pertencem a oralidade“

(Münzel 1986: 162 – traduzido por mim). Da transmissão da „literatura“ oral à escrita

resulta na perda de elementos importantes do conteúdo, porque há meios retóricos

importantes da narração oral que não podem ser transmitidos a escrita (por exemplo

deixis, prosódia, entonação, etc. – veja também Crystal 1997: 180). „Os textos orais

são o correspondente da escrita, mas nem sempre o essencial da cultura oral“ (Münzel

1986: 164 – traduzido por mim). Deste ponto de vista a transmissão das cosmologias

indígenas (a qual também é implicada pela sistematização) é conectada com uma

transformação semântica34, tanto em relação à fontes escritas (sejam elas de origem

indígena ou não), quanto à transmissão à escrita efetuada através do processo da

sistematização do conhecimento “próprio” pelos indígenas. Implicam um certo “grafo-

centrismo”, ou seja, a omissão do caráter específico do saber oral e performativo. Por

isso conta também para o auto etnógrafo:

"If the anthropologist is often attempting to give an account of chunked and non-sentential knowledge in a linguistic medium (writing), and she has no alternative, she must be aware that in so doing she is not reproducing the organization of the knowledge of the people she studies but is transmuting it into an entirely different logical form" (Bloch 1998: 15).

Se bem que não devemos ignorar que a maioria das culturas indígenas não são

meramente orais.

34 Já que „com a transição de uma tradição puramente oral ao coletar a escrita e além disso como qualquer processo de racionalização, como é possibilitado entre outros pela objetivação na escrita, vem uma profunda mudança em toda a relação ao corpo, ou mais precisamente, do uso do corpo na produção ou reprodução das obras culturais [...]“ (Bourdieu 1987: 136).

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“Lo que pasa es que hoy ya se está dando el paso no solo a la oralidad, ya se está escribiendo. Porque eso a sido también un bloqueo muy grande, muy grande. [...] Porque una cosa es lo que yo conozco por tradición, por oralidad, y otra cosa es lo que escribo, y lo que interpreta el otro” (Gilberto Muñoz Coronodo – Taravira, 30.12.2006).

Hoje em dia a maioria dos Nabikwara não precisam de “lições em escrita”35. “Muitos

deles agora sabem escrever e ler a palavra santa, da qual eles citam soberanamente

para reclamar os seus direitos de terra” (Münzel 1986: 158 – traduzido por mim). A

crescente classe de intelectuais indígenas aprendeu a reutilizar a escrita alheia com

conteúdos da própria cultura ...” e instrumentalizá-la para os próprios fins políticos

contra a hegemonia da sociedade dominante, que lhes havia dado “lições em escrita”.

“Eles tentaram tanto mudar-nos, que agora pelo menos aprendemos a utilizar as próprias armas deles: o papel por exemplo. É através do papel que proclamamos estar cansados de ser oprimidos, e que estamos prontos para divulgar a nossa cultura com orgulho e para escrever a nossa própria história. Dessa vez do ponto de vista dos oprimidos” (Jiménez Turón 1982: 110; citado em: Münzel 1986: 158 – traduzido por mim).

“[...] Muchos libros escritos son montajes. Pero yo estoy escribiendo un libro de toda la vida política, económica, social esta escrito ahí. Yo tengo 50 paginas y en 2007 voy a publicar el libro – es de xamanismo, de todo. Yo también practico xamanismo. Ningún Shuar ha escrito ese libro, pero yo con mis propias iniciativas he consultado a varios mayores, a varios chamanes, estoy escribiendo ese libro [...]” (Sergio (Shuar), concejal e activista indígena – Palora, 15.12.2006).

Os indígenas reivindicam a própria autoria sobre a sua representação cultural.

Etnografias e outras descrições externas são rejeitadas por serem inadequadas, ou até

discriminantes.

“Todo lo que está escrito por gente ajena está mal! [...] Yo, lo que opino en este asunto es: hay muchos médicos, que mientras no sienten el dolor de picadas de culebras, de conga, de cualquier animal… Ellos no pueden sentir lo que siente el paciente. Y por eso los escritores escucharon e interpretaron a la manera que ellos querían. Ahora va a ser diferente! Todos esos libros nosotros rechazamos! [...] Es mentira! Por eso decimos nosotros que el mismo Shuar sea el autor de lo que realmente es la cultura Shuar. La medicina de las plantas medicinales, de la condición de la vida y agrícola, cultivos, vivencia, la reproducción sexual, vida amorosa, emocional, rituales [...]. El único documento valido en el mundo Shuar que puede haber: siempre cuando haya pasado por la universidad de las nacionalidades Shuar, que es la ciencia ancestral. Graduamos y de sus propios teses desde luego publicados en el mundo será el único legítimo libro

35 Veja Leví-Strauss 1999: 288

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que puede decir la verdad de la cultura Shuar” (Simón (Shuar), ativista indígena – Palora, 15.12.2006).

A escritura, então, já entrou no cotidiano indígena como meio literário e esta sendo

reinterpretada e utilizada reflexivamente pelos indígenas.

Ao mesmo tempo os novos intelectuais propagam cada vez mais o valor equivalente,

ou até superior, da “sua” cultura oral em comparação com a cultura literária ocidental.

Münzel cita o narrador Marco Sierra, um Tukano, que conta sobre a divisão dos

destinos dos “brancos” e dos “índios” pelo deus Yepa Huake - enquanto os “brancos”

recebem todas as riquezas do mundo, os “índios” ganham a boa lembrança:

“Você [o branco] nunca será capaz de saber algo meramente da lembrança, e vai ter que anotar tudo para poder lembrar àquilo” (em: Münzel 1986: 157).

Assim os “brancos” jamais poderiam roubar a lembrança dos “índios” (o mesmo). Mas

frente aos esforços indígenas atuais para reconstruir a sua lembrança coletiva, essa

afirmação parece duvidosa. Este mesmo mito já é um argumento contra a usurpação

ocidental do cosmo indígena, e assim uma reação a ela. O mesmo narrador, Marcus

Sierra, já é descendente de um grupo que se havia retirado da missão (o mesmo: 158).

Também os Guambianos no Cauca, os quais participam no Projeto da UAIIN,

sublinham a equivalência (ou até a superioridade) da sua cultura oral frente à cultura

literária européia. Mas por causa da pretensão científica, da sua investigação histórica e

das publicações científicas eles são obrigados a indicar a transmissão da escrita aos

cientistas como co-autores.

Os Aymara já introduziram a escrita no cânon do seu “conhecimento ancestral” e

apontam a inúmeras publicações desde os anos ´20 (Rappaport 2005: 166).

“Agora o grande debate é o seguinte: acontece que a sistematização dos conhecimentos, exige de alguma maneira essa reflexão que só a escrita permite, ou seja: esse sistema que seria dos velhos ensinando cada vez mais e aprofundando e pensando junto. Porque eles pensam, pensam..., e vão muito longe no pensamento, até muito mais longe do que a gente imagina poder. Até eles são muito pensadores mais livres[...]. Eles são sábios, são mais sabidos do que os nossos sábios da universidade daqui, mesmo porque eles não são restritos a um campo só de conhecimento. Eles geralmente sabem curar. Eles geralmente sabem e pensam muito sobre a relação com os espíritos; eles sabem formular idéias maravilhosas, que seriam verdadeiros sistemas filosóficos ... desde que fossem escritos. O grande conflito é entre o sistema oral, digamos assim, e o da escrita” (Inês – Belo Horizonte, 26.09.2006).

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De fato, para a maioria dos indígenas a escrita é percebida como meio privilegiado, já

que a educação está conectada com status social. Mas Münzel chama a atenção para o

uso pragmático da escrita como mero “meio”, cujo valor político e organizativo os

indígenas teriam enxergado sim, mas que não teria nada a ver com a

“supervalorização” da escrita ocidental como requisito da “civilização” (o mesmo:

257). “A importância da escrita muitas vezes foi exagerada desmedidamente” (o

mesmo: 165). A identificação do mundo intelectual europeu com a escrita como meio

de reflexão se espelharia por exemplo na caracterização dos “selvagens” por Leví-

Strauss como “sociedades ilíteras”. A iliteralidade seria associada implicitamente a um

raciocínio reflexivo menor (o mesmo). Nesse sentido Annette Hornbacher crítica uma

visão da oralidade como “pensar primitivo”, o qual seria resultado da “conexão

elementar entre a escrita e o conceito do raciocínio”. Somente com a escrita seria

possível dividir a fala em unidades, que poderiam ser entendidas como representantes

de idéias (platônicas). Assim o homem tornar-se-ia o sujeito da sua alocução e do seu

pensar, e se separa da “tradição da lembrança coletiva da épica oral” (Hornbacher

1995: 98).

Além disso o estruturalismo reduz os mitos a fenômenos superficiais de uma “estrutura”

cultural auto-pensada, que não somente elimina qualquer componente estético, mas

que nega qualquer criatividade fecunda ou reflexiva do narrador. Mas exatamente “[...]

os índios dos sertões e das selvas tem além da sua fala do cotidiano uma linguagem

mais complexa intelectualmente, mais nitidamente construída, declamatória [...],

comparável (se bem não igual) a nossa linguagem literária” (Münzel 1986: 185 –

traduzido por mim). O suposto “coletivismo primitivo” implica um “mito da

eternidade” etnológico, frente a qual qualquer variação aparecerá como “errado” (o

que aqui já apareceu como purismo indigenista). Mas é exatamente nessa variação que

se mostra o potencial reflexivo das culturas orais (o mesmo: 191), que é caracterizado

pela fusão de emotio e racio durante o ato performativo da alocução (o mesmo: 245).

Por isso a distinção entre culturas orais e emocionais, e culturas literais e reflexivas não

seria sustentável, afirma Münzel. Deveria se perguntar: “Será que a diferença entre

culturas orais indígenas e nossa cultura literária não consistiria exatamente nisso, que

aqui se abre tais abismos, e lá não?” (o mesmo)

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Nesse sentido os indígenas podiam questionar a refletividade das culturas literárias.

“Por que, eles poderiam perguntar, os brancos tem que aprender a escrever primeiro

para pensar, enquanto os índios podem isso á tempo com os próprios meios deles?” (o

mesmo: 258)

Critica também Tzamarenda Naychapi, da UNCIA, a insuficiência de refletividade da

cultura ocidental:

“El estudiante actual puede leer un libro de 500 hojas; termina de leer, se come todo el libro, y no entiende. [...] Y así es la vida de un académico. Termina de leer un libro y no hay respuestas. Tiene que buscar otro libro, tiene que buscar otro libro... y así de libro en libro. Claro se hacen ricos, se hacen sabios. Pero sinceramente no tienen respuestas para sus corazones, no tienen respuestas para su sociedad, y no tienen respuestas para si mismo, y no tienen respuestas para lo que quieren hacer. Por eso es que el hombre con la cabeza construye, construye tantos edificios, construye tantos armamentos, hace tantas ciencias. Pero aquí nosotros nos preguntamos: ‘a quien le sirve esto?!’ Y aún que muchos países hablan de ecología, de una buena educación, de un formato técnico, especifico, pero no garantiza. Porque el mundo se esta deteriorando, aún que existan tantos ecologistas, y tanta ciencia y tecnología, cada vez se va deteriorando el planeta por consumo innecesario. Lo que hablábamos hace un momento. Por ejemplo: en navidad, por fin de año – cuantos plásticos consumen?! – cuanto petróleo consumen?! – cuanto consumo innecesario?! Esto no es de inteligentes! [...]” (Tserembo – Mura, 20.12.2006)

Por isso a UNCIA rejeita a sistematização e o ensino escrito. A oralidade aqui não é

vista somente como um valor cultural, senão como dispositivo didático-epistemológico

alternativo, que pode abrir uma entrada ao entendimento também para os outros.

Mas a escrita não está recusada sem compromisso. Quando eu, por exemplo, perguntei

a Tzamarenda sobre a opinião dele sobre um certo aspecto “mitológico” (a ontologia

do arutam) ele me corrigiu no instante:

“Eso es un error que te voy a corregir hoy, Jan. Mitología pusieron los Salesianos, los católicos. Nosotros hoy tenemos que hablar del origen, la historia, y el presente Shuar. El mito viene del término de mentira. Entonces todos los que hablan de mito, para mi hablan de mentira. Porque sus son suposiciones lógicas o ilógicas” (Tserembo – Mura, 20.12.2006).

O arutam foi descrito na etnografia como visão horrorosa provocada pelo consumo de

drogas36. Para Tzamarenda se trata de um conceito interpretado individualmente. O

36 „Los shuar, bajo al miedo de ser brujeados por un brujo enemigo, se enferman de veras. Pero cuando matan al brujo, todos vuelen a gozar buena salud, porque se han liberado del miedo. No es el brujo que los brujea, sino ellos mismos se brujean con el miedo, su propia idea trastorna a las células que

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arutam se revela para ele numa visão divina, que transmite um poder-saber.

“Antiguamente se iba a una cascada, tomaba su floripondio, o ayahuasca, o tabaco, tenia visiones que estaban combatiendo dos jaguares, o como yo vi la otra vez: yo vi pelear dos anacondas. Una anaconda negra con una anaconda blanca. Y vi vencer el anaconda negro al anaconda blanca. [...] Y yo vi en esto el mensaje del arutam, que me decía que tu eres así de fuerte, que tu tienes que luchar contra los mas poderosos físicamente y debes vencer. [...] Yo pienso, y estoy convencido, de que si no lo hago yo, esta visión fue para mis hijos. Pero de que terminaremos venciendo y ganaremos todas las batallas en todas las luchas por nuestros derechos. Y de esta manera hacían nuestros ancestros, incluso cuando iban a la guerra. [...] Muchas veces es mal interpretado! Dicen que solamente es para la guerra, pero esta visión, si hubiese sido solo para la guerra estaríamos en guerra. [...] En ese sentido yo creo que dios creador te da visiones para que tengas seguridad en las actividades que tu vas a hacer en el futuro. Yo no le creo un simple asar de tomar un brebaje y un espíritu guerrero que te trasmite una fortaleza para que puedas vencer. Para mi es mas allá! Es un dios que te trasmite conocimiento, poder, es un guía. Claro, otros Shuar lo interpretan de otra manera. Yo respeto eso. Pero tampoco estoy de acuerdo con todos los lólogos que yo he leído, siquiera 50 libros de lólogos, y no estoy de acuerdo con ellos. Estoy de acuerdo con algunos [...]” (Tserembo – Mura, 20.12.2006).

Obviamente o autodidata e intelectual, Tzamarenda, dedicou-se ao estudo profundo

das diversas interpretações do conceito de arutam, e sim utilizou fontes escritas para

isso. Mas a escrita aqui não surge mais como momento construtivo, senão meramente

como fonte para o entendimento da posição sociocultural em relação à sociedade

dominante (por exemplo para poder articular as reivindicações mais eficientemente).

Em suma o uso de letras ao correr da investigação e sistematização da própria cultura é

um fator que não deve ser subestimado; não só como fonte da auto-investigação, mas

também como meio da sistematização e representação da cultura própria, a escrita é

de eminente importância. Portanto também a reconstrução é conectada com uma certa

transformação das culturas (neo-)indígenas ao escrito. Enquanto isso não é fácil

justificar e integrar esta influência ocidental no projeto indígena de fortalecimento do

“próprio”, já que este é conceitualizado em oposição ao “ocidente”, o qual representa

o “de fora”.

comienzan a funcionar mal. Ese miedo viene por autosugestión, porque uno mismo comenzó a meterse la idea de brujeado. Viene también por sugestión, que un brujo lo amenazó o porque un xamán le dijo que vio en el natém al brujo tal que estaba brujeandole.“

"Lo que los ‚uwishin’ ven en el ‚natém’ no es la realidad, sino su propio pensamiento. El ‚natém’ produce el desdoblamiento de la persona, de manera que uno ve delante de él como idealidad sus propios pensamientos“ (Pellizzaro, Siro 1978: 3f).

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2.5. Cosmovisão

A educação indígena é vista pelo movimento indígena como parte do seu programa

político, cuja missão é “indigenizar” os indígenas e as suas organizações. Por tanto, ela

tem que prevenir a “comunicação mental” do “próprio” através do “outro”. Esse

aspecto purista está contradizendo o próprio projeto interculturalista que se baseia na

construção seletiva partindo de um diálogo fértil com os “outros”. Novos conceitos são

necessários para poder integrar estes objetivos contraditórios. No caso do CRIC a

“cosmovisão” é entendida como sinônimo do “próprio”, por um lado, e como produto

de um diálogo intercultural entre ativistas, “xamãns” e cientistas desde os anos ´90,

cujo conteúdo era desconhecido até então nesta forma sistematizada e detalhada

(Rappaport 2005: 176).

„Reinterpreted shamanic thought becomes a mirror through which activists critique the dominant society, neoliberal economic policies, and the spiritual vacuum of modernity. But at the same time, because it is refracted by Western discursive lens, the internal coherence of shamanic logic, which is tighly bound up with ritual practice and local topography, is necessarily shattered. Hence, cosmovision can potentially appear to be ‚inauthentic’ because it is conveyed according to external categories“ (a mesma: 187).

„The question became, then: How were we to explaine the emergence of this concept without portraying it as a fabrication? How could we convey the sense that cosmovision drew on a living knowledge base among the Nasa?“ (a mesma: 183)

“Interpretamos, pero yo creo que eso es propio y natural. Somos vivientes y somos dinámicos. [...] Cuando confrontamos nuestras interpretaciones nuevamente con los viejos para controlar que nosotros no vayamos estar equivocados, ni vamos a descubrir la agua tibia, ni vamos a inventar discursos nuevos y vender como viejo, como tradición, sino que [...] nosotros cuidamos de eso y submetemos al control, a pruebas. [...] Es un enriquecimiento mutuo. Nosotros tanto nos enriquecemos cuanto ellos. Y eso es muy fascinante, es emocionante, es el problema de la emoción del ser humano. De ser felices danzando, ser felices sintiendo esa música, ser felices cosechando, no queriendo cambiar la forma de cosechar el maíz, y encontrar finalmente que eso tenia un sentido, tenia una razón. Esa razón y ese sentido los abuelos y los viejos nunca la van a explicar a uno explícitamente, nunca me lo van a decir. Ellos solamente viven, ellos son prácticos. Pero mi problema es nuestro problema intelectual, de un ejercicio intelectual de encontrar” (José – Popayán, 29.12.2006).

A cosmovisão demonstra-se a muitos habitantes das aldeias como uma reinterpretação

dos ativistas, que ainda não se tornou “vivência” como parte do cotidiano, mas que

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continua sendo objeto de reflexões conscientes e que é vista como estratégia para a

sobrevivência física e cultural (Rappaport 2005: 213).

Também porque ela é o resultado de uma colaboração entre autoridades tradicionais,

como “xamãs”, e os ativistas. Mas enquanto os primeiros foram forçados

involuntariamente ao seu ofício pela “doença do xamã”, e estão ligados a uma

topografia específica, os ativistas muitas vezes vivem em contextos urbanos e assim de

um modo mais ou menos ocidental, e não pelo modo rural idealizado por eles

mesmos. Estes “Nasa da fronteira”, ou “fronteiriços”, porém, trabalham com

conhecimentos de “segunda mão” – ambos, thê´walas e ativistas, trabalham com uma

metodologia intuitiva, mas a sabedoria dos thê´walas é baseada em experiências de

práticas rituais, as quais são inacessíveis aos outros e não podem ser articuladas de

forma plenamente compreensível pelos outros (a mesma: 187).

“Es que el es xamán, el tiene otros poderes, otras facultades naturales. Por eso es xamán. Yo no soy xamán. Pero yo, como no soy, puedo dialogar con el xamán, e entender muchas cosas que el xamán tiene, y no me interesa competir, a mi no me importa competir con el. El entender es un ejercicio intelectual interesante con el xamán” (José – Popayán, 29.12.2006).

Assim thê´walas, ativistas, e colaboradores científicos (como por exemplo Joanne

Rappaport) estão colaborando para construir uma “cosmovisão” através de fragmentos

de saberes recolhidos e sistematizados. Uma cosmovisão que deve ser adaptada às

circunstâncias e necessidades da população indígena.

„In this sense, then, the thê´walas of Tierradentro have successfully merged traditional shamanic strategies with ethnographic methods of data collecting and interpretation, producing an integrated corpus of knowledge that has transformed what was once a diffuse appreciacion of culture into a symbolically dense intellectual project“ (Rappaport 2005: 189).

Para os ativistas do CRIC a cosmovisão não é somente um conjunto de rituais e

costumes, ou meramente um horizonte explicativo mítico-religioso, mas um dispositivo

construtivo, que se aproveita tanto de “saberes milenares”, quanto de meios alheios

(veja por exemplo Ramos & Rappaport 2004; Sisco & Simbaqueba Torres 2002;

Rappaport 2005).

„La cosmovisión es el proceso de creación de dispositivos para analizar el mundo y actuar en el.“ [...] „En este sentido, no se puede hablar da la cosmovisión hoy día sin

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relacionarla con proceso político-organizativo y en el contexto de la construcción de la educación“ (Ramos & Bolaños et al. 2004: 89).

„Estudiar a la UAIIN es un juego de pensamientos, un problema analítico, de comprender y de descubrir cosas [...]. Es un trabajo de reflexión, evidentemente. [...] ¿La gente, por que hace eso? ¿Y que siente la gente? ¿Para que hace eso? ¿Cuando se hace eso? ¿Y que sentido tiene hacer-lo? ¿En que nos diferencia? ¿Por que los otros pueblos hacen cosas distintas, o no hacen? Entonces encontramos los significados. Y hablamos de eso. Un ejemplo es que mi mama me contó sobre la cosecha del maíz: y dice que nosotros empezamos a cosechar el maíz en el torno del terreno. [...] Y con eso entendemos que allí hay un movimiento, que hay una cosa circular. De aprovechar la comida, cosechar la comida, porque ellos reprochan de que la mejor cosecha, la mejor mazorca están en el centro del terreno. Entonces [...] mi mama dice: no hay que ser como el perro! El perro va y coge, y agarra lo que necesita allá en el centro y ... bueno, y ya... Nosotros somos personas, y somos Nasa [...]. Entonces a mi, como analista, desde que uno sea empírico, uno se da cuenta que el movimiento de la danza también es así. uno Se da cuenta que el tiempo es cíclico. Se va dando uno cuenta de diferentes cosas. Entonces, con eso va uno entendiendo la importancia de la figura cosmogónica circular. [...] Y encontramos también figuras en las piedras de las cordilleras de los resguardos, los petroglifos – entonces uno comienza relacionar entre esas inscripciones en piedras, petroglifos, y [...] como es su discurso cuando relata, cuando narra? Entonces también hay formas circulares allí, repetitivas en muchos casos. Entonces que intención tienen las repeticiones, los repetitivos en el discurso? [...] Comenzamos entender que allí hay una forma, que seria como el método, un esquema circular. [...] Y me parece bonito, y ha sido funcional, ha sido practico, es practico, y es funcional [...]“ (José – Popayán, 29.12.2006).

Essa estrutura circular (geralmente visualizada em forma de espiral) é um elemento

essencial da cultura Nasa, que se encontra também em outras cosmologias

(neo-)indígenas (como por exemplo dos Quichwas do Equador). Através de pesquisas

próprias e sistematização nas universidades indígenas elaboram-se construções

intelectuais, que começam a fazer parte da auto estima cultural. Assim, a educação

própria torna-se para o CRIC o lugar da construção coletiva, cujo resultado é a

cosmovisão.

2.6. A “Cultura”

Um passo importante no caminho da elaboração da cosmovisão é a reinterpretação do

conceito de “cultura”.

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„¿Por qué se pasó de la noción de costumbre a la de cultura?“ [...] „A diferencia de la noción de costumbre, la cultura no es algo primordial que se preserva como objeto de museo. Es algo que se genera: es un mecanismo para la supervivencia y no un retorno al pasado“ (Ramos & Bolaños et al. 2004: 99).

Neste conceito de cultura reflete-se o discurso antropológico, por exemplo: a crítica da

visão estática de cultura, que é mais um complexo de saberes e comportamentos (veja

também López 1996: 39), „an elaborate mechanism ... in the struggle for existence or

survival“ (White 1949: 363; citado em: Brumann 1999: 2).

O uso do termo “cultura” aqui tampouco significa uma simples adoção de um conceito

ocidental, mais uma reinterpretação e apropriação a partir de conceitos próprios. Este

questionamento crítico do próprio entendimento de cultura resultou na tradução de

“cultura” como wêt wêt fxi´zeya (“resultado da vida em harmonia com a terra” – veja

Ramos & Bolaños et al. 2004: 99).

Como resultado de um processo e de uma construção contínua este novo conceito

indígena de cultura integra dois aspectos, que continuam a dividir o discurso das

ciências humanas. No nível sincrônico “cultura” aparece como reconstrução contínua

do mundo, e da consciência coletiva, cuja elaboração ela mesma é. E a nível

diacrônico ela aparece como produto histórico, que determina o comportamento

individual e coletivo. Essa discrepância aspectual reflete-se também na dicotomia entre

construtivismo e estruturalismo (ou seja, objetividade e subjetividade – veja Bourdieu

198737; e ao final das contas da subjetividade intrínseca das ciências humanas – veja

Foucault 197438), a qual Bourdieu tenta dissolver na construção dialética do habitus

37 „De todas as oposições, que estão dividindo as ciências sociais artificialmente, a mais fundamental e a mais fatal é a oposição entre subjetivismo e objetivismo“. O questionamento desses modos do entender „precisa ser submetido a uma objetivação crítica às condições teóricas e sociais, que possibilitam tanto o retorno reflexivo à experiência subjetiva do mundo social, quanto da objetivação das condições objetivas dessas experiências“ (Bourdieu 1987: 49). Assim que o objetivismo não abrange a experiência da doxa, senão descreve meramente os limites dela, porque ele rejeita uma análise fenomenológica através de uma epoché, „ele omite a objetivação da realidade objetiva, porém a ruptura epistemológica, a qual ao mesmo tempo é social“ (o mesmo: 52). 38 „[...] o umbral em cima dele existe diferença, e debaixo dele existe semelhança, é indispensável para o estabelecimento da mais simples ordem“ (Foucault 1974: 22). Os códigos culturais, que se manifestam deste umbral da semelhança, põem a ordem empírica a disposição do indivíduo, enquanto a ciência explica „no outro (final) do pensar“, porque é que existe ordem (o mesmo: 22). „É como se a cultura, enquanto ela se libera de uma parte do seu retículo lingüístico, perceptivo, e prático, aplicasse um segundo retículo em cima do primeiro, que neutraliza, e que, duplicando, deixa aparecer e ao mesmo tempo a exclua, é como se ela estivesse simultaneamente frente do ser cru da ordem. Em nome dessa ordem os códigos da língua, da percepção, e da aplicação são criticados e parcialmente abolidos. Frente a essa ordem, que é vista como fundo sólido e positivo, estabelecem-se as teorias gerais da ordenação das coisas e as interpretações, que ela tem como resultado“ (o mesmo: 23). „ Assim existem em toda

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(veja Bourdieu 1985, 1987)39.

O conceito dinâmico de cultura permite abandonar largamente aos termos “tradição” e

“costume”, e oferece a possibilidade de entender a cosmovisão não apesar de, senão

por causa do seu caráter processual e construído, como parte da cultura.

Para os inteletuais do CRIC o “a dentro” e o “ a fora” são metáforas que servem para a

construção dos valores “próprios”.

„That is, their dichotomy does not delimit existing or bounded constellations of culture, but instead, furnishes signposts for conceptualizing policized notions of culture that are in the process of creation. In this sence, the ‚culture’ in CRIC´s interculturalism does not derive from realist anthropology but from a political imaginary in which culture is a vehicle for negotiating diversity and is, consequently, always in flux“ (Rappaport 2005: 6).

Se bem que algumas organizações indígenas claramente proclamam estereótipos

romanticistas, exóticos, e essencialistas, isso tem que ser olhado dentro do contexto da

realidade pluralista que domina no CRIC, o que contraria um essencialismo acadêmico

(Rappaport 2005: 38).

„For indigenous activists and their supporters, culture is more of a political utopia than a contrite and preexisting thing. Culture is a tool for delineating a project within which people can build an ethnic polity project from the hegemonic forces that surround them, [...]“ (ebd.: 38)

Por isso os ativistas indígenas rejeitam o essencialismo e afirmam que seria a sociedade

dominante que essencialize a eles (a mesma: 39).

A cosmovisão, derivada dos termos “cosmologia” e “cosmogonia”, é traduzida como

neenxi (“saber profundo”, por exemplo de um thê´wala, ou “processo de aquisição de

saber”, ou “educação através do aprender durante o ritual” – Ramos e Bolaños et al.

2004: 103).

„No es un conocimiento milenario, como es la siembra del maíz, que saben todos, sino

cultura, entre o costume daquilo que se podia chamar de códigos da ordenação ou a reflexão sobre a ordem, a experiência desnuda da ordem e do modo de ser dela“ (o mesmo: 24). De certo modo wêt wêt fxi´zeya pretende permanecer neste entremeio, implicando um momento reflexivo, sim, mas esta reflexão permanecendo no nível dos próprios códigos de ordenação.39 „Como espontaneidade sem querer e sem coincidência o habitus está em oposição à necessidade mecânica por nada menos, que a liberdade da reflexão, às coisas a histórias de teorias mecanicistas por nada menos, que os sujeitos sem-inercia’ de teorias racionalistas“ (Bourdieu 1987: 105).

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que es un término muy apto para entender la cosmovisión, porque implica un proceso de desarrollo de un pensamiento, un método, ubicado en el tiempo y el espacio“ (Ramos & Bolaños et al. 2004: 103).

Com essa definição da cosmovisão como saber especializado, “xamânico”, apreendido

ritualmente, mas também gerado num processo construtivo, reage-se ao problema de

representação, o qual a cosmovisão implica sendo uma elaboração de uma elite

intelectual.

A cosmovisão, como processo de uma construção baseada no mundo das aparências,

que emerge como “cultura”, simultaneamente produz os dispositivos epistemológicos

daquele mesmo processo. (veja os mesmos: 111).

Primeira vista essa proposta parece ser extremamente construtivista e, assim, abre as

portas a um extremo relativismo cultural, em que a igualdade resulta no direito de viver

na própria ilusão de cada um40.

Mas este processo construtivo está baseado na prática do mundo das aparências,

porém em formas de saber, que se mostraram na prática como dispositivos viáveis.

„Cosmology is understood by Nasa activists as an approach to everyday experience that inserts human beings into a broader spiritual universe and stimulates them to engage in ritual aimed at ensuring cosmic harmony. Implicit in this conception is the notion that human beings share the cosmos with other beings who, though they inhabit a different plane from humans, animals, and plants, are not isolated from the rest of the universe as supernaturals but are seen as integral components of nature“ (Rappaport 2005: 147).

Cosmovisão, como o “próprio”, não contêm somente a modalidade holística da

cosmologia, senão acrescenta (como visão do cosmo) também o caráter sócio-utópico

implicado na modalidade política contida na idéia de estabelecer uma nação

pluricultural (veja Rappaport 2005).

"[...] el 'adentro' no es una esencia cultural de índole antropológic. Sus formas culturales; articuladas por el movimiento, tampoco corresponden a una realidad observable ni remiten a un sitio concreto. Dichas formas culturales están conformadas por las utopías que al movimiento busca construir a partir de los modelos generados por sus investigadores" (Ramos & Rappaport 2005: 47)

40 Assim como propõe Bourdieu: „Com os inúmeros atos de reconhecimento, desse preço de entrada sem o qual você não pertencia, tais atos que continuam gerando entendimento falso sem o qual o campo [de discurso] não funcionasse e que simultaneamente é resultado do funcionar, investe-se na empresa coletiva da geração do capital simbólico, o que somente pode ter sucesso, se continuar desconhecido como a lógica do campo funciona“ (Bourdieu: 1987: 125).

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Como termo técnico a cosmovisão reúne diversos conceitos. Este novo termo relaciona-

se a um novo conceito, que representa (1.) o “próprio” no sentido de algo histórico-

culturalmente pré-existente, mas que (2.) é algo construído, ou reconstruído. Assim este

“próprio” determina, como algo pré-existente, (3.) um processo construtivo, que esta

focalizado na adaptação às circunstâncias sócio-históricas, e ao mesmo tempo (4.)

integra dispositivos novos, alheios, reinterpretando e dando um novo significado. Desse

jeito a cosmovisão se torna simultaneamente um processo da sua própria constituição,

ao processo gerativo dos dispositivos necessários, e ao próprio dispositivo deste mesmo

processo construtivo, o qual ela representa.

2.7. Vivência

Mas o que é que representa o “próprio” nesta construção? – E como é que se evita o

caráter folclórico, que tais elaborações artificiais obviamente desenvolverão? - Onde é

que se localiza a autenticidade deste “próprio”?

“Mi problema no es creer en el saakhelu, o no creer. Mi problema no es creer. Mi problema es que, por ejemplo, si estoy en el saakhelu y los mayores dijeron que en el saakhelu se danza, y han venido tanta gente, y tanta gente decidieron danzar cuando escucharon una música que sonó por allí ... y están los músicos, y tocaron, y entonces alguien cojeo de las manos, o alguien comienza a moverse, de tras se mueve, y se siente feliz, y yo también me muevo, me meto allí, porque no hay que saber danzar, no hay que ser artista, solamente meterse, meterse en la fila y moverse ... y sentir una felicidad… Y tanta gente haciendo lo mismo, ancianos y niños, jóvenes mujeres y niños moviendo... Se siente que allí hay algo - la felicidad allí. Yo creo que eso es que me llama, y punto. Y lo que después voy a sentir espiritualmente, en comunión con la naturaleza ... no! Allí no me acuerdo de nada! Estoy viviendo mi felicidad en el saakhelu, y eso personalmente es mi experiencia. Y entonces por eso no tengo el problema de creer, o no creer. Ese ritual, lo que me atrae, como un imán, es el poder sentirme feliz. [...] Entonces es la emoción. Estas allí en el ritual, yo estoy gobernado, yo estoy, corazón y mente, estoy gobernado por la emoción, la felicidad! Entonces allí yo no me pregunto. Y este amigo, que hace tres años, cinco años, que no lo veo. ¿Por que ha venido aquí, ha venido a creer, a aceptar nuestro discurso? Eso no es mi problema!” (José – Popayán, 20.12.2006)

A autenticidade de tais reconstruções, então, resulta da performatividade emocional,

que surge do ato espontâneo e coletivo (sob o efeito de muita chicha, claro). Porém,

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não é a reconstrução como elaboração intelectual que constrói o “próprio”, senão a

relação significativa à vivência, ao mundo das aparências, ao mundo do corpo, e das

emoções, ao mundo da comunidade, e dos seus membros é a que leva o “próprio” ao

renascimento, à incorporação dele.

Joanne Rappaport aponta que o herói cultural, Juan Tama, já havia reinventado a

cultura dos Nasa, depois que ela foi perdida em grande parte durante a invasão

espanhola (Rappaport 2005: 187). A política da revitalização do CRIC segue uma

estratégia da reintrodução progressiva de práticas culturais no cotidiano para elas

finalmente, através da sua vivência contínua, virarem autênticas. Essa estratégia reflete-

se também na tradução alternativa de cosmovisão como fxi´zenxi (vivença – veja a

mesma: 188).

„This is where CRIC activists hope the cosmovision project will ultimately be rooted, in life ways that slowly become habitual, unremarkable, unselfconscious, in short, authentic. This is why cosmovision is best comprehended as a utopian dream and not an essentializing discourse“ (ebd.: 188).

Como meio habitual e simultaneamente “habitualizante” da cosmovisão,

preliminarmente teórica, a vivência realmente pode ser entendida no sentido do

habitus de Bourdieu; que, porém, a cosmovisão, como novo campo deverá tornar-se

vivência, ser habitualizada. Ou seja, virar um “jogo por si mesmo” (veja Bourdieu

1987: 123). Mas a autenticidade da cosmovisão somente pode basear-se em uma

crença não questionada, que não pode ser alcançada através de uma intenção

consciente, senão meramente induzida por práticas cotidianas, por costumes. Porém a

cosmovisão tem que ser retirada do seu contexto gerativo previamente, para após ser

transformada em experiências corporais (veja também o mesmo: 92).

“O sentido prático, como esquema fisiológico que se tornou natural, se transformou em reações corporais automatizadas, como necessidade social, efetua que práticas tenham sentido justamente naquilo que se disfarça dos olhos dos seus criadores, e naquilo que revela os seus fundamentos que se estendem além do mero sujeito, quer dizer, que são fornecidos como raciocínio cotidiano. Porque os atuantes nunca sabem exatamente o que é que eles fazem, a atitude deles tem mais sentido, do que eles mesmo sabem” (o mesmo: 127).

Assim espera-se estabelecer a cosmovisão através da prática coletiva e corporal como

verdadeiro campo habitual perpetuando-se, sendo experimentado pelos atuantes como

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“verdade”, e assim, tornando-se algo pré-existente que, como o habitus, se reproduza

de si mesmo.

Mas continua inconsistente que a identidade cultural como habitus, possa reproduzir-se

cada vez de novo somente por si mesmo, no sentido de ser um horizonte primordial de

atitudes e experiências.

“Porque o habitus é um sistema de esquemas geradores, todos os pensamentos, experiências, atitudes e somente estes, que estão dentro do molde das circunstâncias da sua geração, podem ser gerados livremente por ele” (o mesmo: 102).

Que tantos chegaram ao saakhelu para dançar, em vez de olhar a dança como se fosse

“atrás de uma janela de vidro” (Bourdieu 1987: 123), poderia indicar o aspecto

“próprio” da cosmovisão. Mas quanto à grande maioria dos Nasa que não foram ao

saakhelu a cosmovisão mostra-se não somente como projeto complexo e demorado,

mas também duvidoso em relação à sua habitualização. De fato muitas pessoas em

Tierradentro e Tierrafuera contavam com o sucesso das medidas de reculturação que o

CRIC tomou; especialmente as escolas, que, embora tenha oposições (do lado do

crescente grupo evangélico), estariam cada vez mais freqüentadas. Só que estes relatos

na maioria foram dados por pessoas relacionadas ao CRIC. Além disso é difícil julgar se

esta mudança mental é devido ao aumento de vantagens de ser “indígena”, ou

realmente é resultado da habitualização do “próprio”.

Se a cosmovisão um dia realmente se tornará vivência ainda está para ser provado e

depende das relações de poder em que estes processos estão assentados; a posição

sócio-política da cultura “própria” e a valorização pública por fim vão decidir se as

pessoas se identificam com ela ou não.

2.8. comunidade - coletividade – participação

"Se considera de vital importancia partir de las experiencias y prácticas comunitarias donde se construye pensamiento colectivo, se reorganizan las vivencias, se reinterpretan los hechos, se elaboran significaciones, se definen símbolos, se pone en comunicación el adentro y el afuera, el ellos y nosotros, el espacio de encuentro. Es donde las necesidades y proyectos colectivos desde donde se elaboran los planes de acción y la construcción y el desarrollo de conocimientos para realizarlos" ("Propuesta

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de funcionamiento y estructura de la UAIIN" - Elizete – sem ano – documento interno do CRIC).

Não somente os programas de educação indígena, mas também o movimento indígena

tem que esforçar-se para assegurar a legitimidade dos seus projetos como representação

da população indígena. Os programas de educação porém, tem que aparecer como

projetos coletivos ou comunitários, o que requer a participação significante da base

indígena nos processos de planejamento.

“Yo creo que se incluye muchas cosas, pero aquí había que consensuar-lo, había que preguntarle a las comunidades, tanto rurales como urbanas. Y creo que eso es un proceso bastante largo, pero no imposible, que se necesita hacer. Yo por ejemplo, cuando vengo a la universidad, lo que vengo buscar es ese conocimiento, esa metodología que se tiene acá, para ver si de acuerdo con las condiciones de Yucatán se puede hacer un trabajo, como seria la mejor forma, […]. Se tiene todo ese trabajo que parta desde abajo y no que parta de nosotros” (Elena (do povo Maya de México participa no PROEIB Andes) – Cochabamba, 15.11.2006).

Para garantir a participação das aldeias de forma mais direta possível, as organizações

indígenas, ou responsáveis das instituições educacionais, organizam reuniões e

oficinas, onde se discute com as comunidades sobre as suas idéias e necessidades.

Também a reforma do sistema de educação da Bolívia tenta envolver a população o

quanto mais possível no planejamento. Mas como o planejamento nacional é

coordenado centralmente, tem que dirigir-se primeiro às autoridades locais, ou

procurar informantes chaves. Por causa do tamanho do projeto não é possível basear

todas as decisões em consenso dos plenários. Necessita-se de representantes locais,

especialistas localmente reconhecidos, cujos conselhos devem estruturar os temas das

reuniões e oficinas, e com quem se possa elaborar os detalhes dos programas

planejados.

“Identificar informantes claves. Ahora tu me dirás: ‘¿y como identificas estos informantes claves?’ Hiendo y metiéndote en el lugar. No hay otra forma. Porque no lo puedes hacer desde tu oficina, ni con carácter previo. A través del contacto personal en la comunidad, y la comunidad te va refiriendo a ellos, que para ellos son referentes en distintas cosas. Entonces nosotros hemos hechos un especie de barrido, digamos, por ejemplo para lo que estamos trabajando en la zona del trópico, que es el proyecto de diseño de esta unidad. Hemos ido en los seis municipios principales, que son de la zona del trópico, y hablamos con la gente y ellos nos han dirigido a referentes, digamos, a los que considerarían sus referentes para ciertos temas. Y se ha hecho un proceso de recolección de información desde ciertos sesgos, lo que sea..., pero así se

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ha podido trabajar. Y después hemos ido haciendo talleres de discusión de los productos parciales que hemos ido conseguido con la gente de las propias comunidades. Entonces es decir: ‘bueno, estamos pensando hacer una carrera, un programa que tenga estas características, de acuerdo con lo que ustedes han dicho, y tendríamos que formar un profesional que mas o menos haga esto, esto, esto... ¿Como lo ven? Estos profesionales podrían colaborar en sus comunidades en esto, en esto, en esto... ¿Como lo ven?’ Entonces hemos ido discutiendo con la gente, digamos, la propuesta de perfil, después la propuesta formativa. Ya para la parte del diseño de la estructura curricular, que es una cuestión mas técnica, y que es muy difícil además, todavía estamos con muchos problemas de resolver esto. Lo hemos trabajado aquí con un equipo de profesores de distintas carreras y facultades. Porque es un perfil bastante interdisciplinario. Y hemos tenido también discusión con los que van a hacerlo: los potenciales alumnos, padres, autoridades, junto con los profesores. Los hemos mezclado todos y hemos discutido algunos ejes que están planteados por ejemplo en la política: ¿que entienden ellos por descolonización? ¿Que entienden ellos por interculturalidad? ¿Que entienden por educación comunitaria? ¿Que entienden por educación productiva? Y han salido cosas muy interesantes, porque había un poco la visión académica, pero también había una visión mas vivencial, de gente que no saben nada de academia. Pero que desde su vivencia y desde su realidad: ‘bueno, para nosotros en al Chapare y desde nuestra visione es esto!’ Por ahí hemos ido. No te puedo decir mucho mas” (Rosana - Cochabamba, 10.11.2006).

As comunidades, então, devem participar no planejamento dos programas e decidir a

forma que estes deverão tomar. Fora de questões metodológicas e do princípio da

subsidiariedade, uma participação transparente é necessária para assegurar a

legitimação política do projeto como um programa de educação “indígena”, ou

“diferenciada”.

Também os candidatos para a participação nestes programas são escolhidos pela

comunidade, se bem que programas governamentais e grandes projetos como o

PROEIB Andes se reservam o direito de distribuir as vagas limitadas através de

processos internos de seleção, e que assim decidem seletivamente sobre as

características desejáveis dos alunos.

“Con tanta demanda, como te digo, para un grupo de 40 estudiantes nosotros entrevistamos unos 200, mas o menos, en los distintos países. Entonces siempre tenemos el lujo que podemos escoger aquellos estudiantes con los que queremos trabajar. Porque afortunadamente la demanda es grande. Como nosotros pedimos como requisito que todos los estudiantes tengan uso activo de una lengua indígena esto es como una medida de autenticidad, si quieres. Es relativa, pero ayuda, no cierto?”

Pero también excluye todos los pueblos que tienen tradiciones, pero ya no tienen

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lengua.

“Yo, se. Pero no podemos solucionar todos los problemas del mundo e tenemos que escoger un grupo con que podemos trabajar, no cierto. Y tercero todos los estudiantes tienen que traer una carta de compromiso con una organización indígena. Es decir: nuestros alumnos no son individuos sueltos, sino son individuos articulados a un movimiento social indígena. Y esto no soluciona [...], pero si limita el riesgo” (Enrique - Cochabamba, 13.11.2006).

Os ativistas indígenas identificaram o subjetivismo ocidental como um conceito alheio;

como alternativa “própria” eles propõem o conceito da comunitarização, ou

coletividade41.

"Eso se expresa en la vida cotidiana. Cuando una persona pasa al lado de otra persona o un grupo que está trabajando, dice çxhuçgu. [...] No se está saludando a las personas; se está saludando a la actividad de ellos, es decir, el trabajo. Tiene la connotación de, 'gracias por su trabajo'" (Ramos & Bolaños 2004: 90).

O foco das medidas políticas e educacionais porém, não é o indivíduo, senão a

comunidade. Neste sentido, mas também por razões pragmáticas é importante que os

jovens acadêmicos voltem às suas comunidades, e apliquem suas novas habilidades em

favor delas, ao invés de procurar a sorte particular em contextos urbanos.

“[...] A diferença de um curso, como no caso tipo nosso, é que ele tem como foco não o indivíduo, não a formação profissional do indivíduo. É que nós temos um compromisso com a comunidade que está lá – entendeu? É formar um profissional, dar a ele uma formação teórica, metodológica, pra que ele possa retornar pra sua comunidade e contribuir na sua comunidade. E um dos grandes avanços do programa é que dos 186 índios que nós formarmos, todos eles permaneceram nas aldeias. Nem um deles saiu da aldeia e veio pra cidade. [...] O grande problema, é que o índio que sai da aldeia pra vir estudar na universidade, não volta mais. Temos várias pesquisas no Brasil que mostram isso. A grande maioria arruma um emprego, arruma-se na cidade e fica por lá. [...] Então nos não queremos somente diplomar um índio, só dar um diploma de nível superior, formar um intelectual, mas formar um intelectual comprometido com o seu povo, sem distanciar ele da sua realidade, e ao mesmo tempo valorizar o conhecimento dele [...]” (Fabio - Barra do Bugres, 24.10.2006).

“Acho que o 3° Grau Indígena ajuda abrir a mente de gente para as coisas tradicionais. Então foi um momento em que se podia encontrar com várias etnias, que podemos conhecer os valores de cada etnia,as diferenças e até respeitar, índio entre índio. Assim,

41 Até que ponto este conceito realmente é „autêntico“ não quero julgar. Gabbert (2007), por exemplo, critica este coletivismo neo-indígena como tradição inventada, que pode ser abusada por novas elites para excluir e oprimir a oposição. Em todo caso a coletividade faz parte tanto da auto estima (neo-)indígena, quanto retórica do movimento indígena.

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entre índios mesmo existem preconceitos entre os povos, e serviu como um momento de reflexão, pra estar respeitando [...]. E na questão da cultura também. Que muitos povos já tinham sofrido com contato, que muitos povos já deixaram de falar a língua e perderam muito da cultura. E isso serviu pra gente abrir também a mente, pra voltar a ver o que é o nosso, não que era imposto pra gente dar valor à adoção da cultura ocidental, e antes de entrar na faculdade eu vim em busca da minha autonomia, mas é assim: trabalhar pra mim mesmo, pra minha família, e não pensei em ninguém. Só que isso foi mudando. Entrando na faculdade percebi que não era assim, que, como a gente faz parte da nossa comunidade, a gente tem que lutar, ajudar à comunidade também” (Marina - Barra do Bugres, 19.10.2006).

Ao ingressar dos estudantes nos programas, evacuações dos processos educacionais

são realizadas periodicamente tanto dentro dos programas pelos estudantes, quanto

pelas comunidades. A partir de suas próprias pesquisas os estudantes elaboram visões

introspectivas dos requerimentos da própria cultura e das comunidades. Também as

oficinas, os seminários e as reuniões periódicas são intencionados para entender as

opiniões e desejos em relação ao prosseguimento dos programas de educação.

Democracia de base no sentido de um diálogo horizontal contínuo, é um dos

paradigmas mais importantes da educação indígena e, porém, da construção coletiva

de conhecimento. Também por causa da necessidade de uma apropriação permanente

aos requerimentos das comunidades, a educação indígena define-se como processo

dialético e discursivo.

Apesar desta apresentação idealizada, não se deve omitir os problemas de legitimação

que muitos projetos e organizações sofrem, e que nem são suportados por todos os

indígenas (veja também Rappaport 2005; Warren 1998; Gabber 2007)42.

2.9. Interculturalidade

Na medida em que se percebe que a colaboração com os acadêmicos não-indígenas

que inicialmente havia resultado da sistematização e teorização dos conhecimentos

indígenas serve para a elaboração de novas conceitualizações e novos termos, cresce a

convenção no movimento indígena, que o diálogo intercultural não é somente sócio-42 A falta geral de „autenticidade“ da revitalização e das suas „tradições inventadas“ é muito criticada. A crescente comunidade evangélica entre os indígenas tampouco pode identificar-se com as cosmovisões neo-tradicionais e boicota muitas vezes a sua participação nas ações dos ativistas neo-indígenas.

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politicamente necessário, mas que se oferece como paradigma do movimento inteiro,

já que a construção da cosmovisão era produto de um “microcosmo intercultural”

(Ramos & Rappaport 2005: 41; Rappaport 2005: 7), que se baseia num “diálogo duplo”

entre indígenas e não-indígenas. Embora essa influência alheia à auto-reinterpretação

das culturas indígenas parecesse questionar a sua autenticidade, descobriu-se

justamente neste processo, aparentemente contraditório, a potência reflexiva, que tal

“doble mirada” (Trapnell 1996), ou “antifonia dinâmica” (Ramos & Rappaport 2005)

oferecia como reinterpretação do “próprio” a partir da vista do “outro” (veja também

Speiser 1996: 111).

“La universidad indígena nos ha venido de una serie de ensayos, de experiencias. Se ha llegado hasta que el mismo ministerio ha dado algunas políticas de educación superior para pueblos indígenas. [...] Ha sido, diría yo, como un viejo sueño de trascender. No se hace solo para irse mas allá. Yo lo miro como una posibilidad para profundizar el conocimiento y poder validar, porque en la medida que uno se mete en estos asuntos se cuenta que si yo avanzo en el conocimiento puedo profundizar en cambio ese conocimiento propio. Yo puedo interpretarlo, puedo analizarlo de diferentes ópticas” (Guido - Corinto, 30.12.2006).

Além disso descobriu-se nessa colaboração intercultural a possibilidade de um diálogo

intercultural e “horizontal”. Interculturalidade, como meio do entendimento

intercultural, refuta a hipótese relativista de uma incomensurabilidade intercultural

principal através da produtividade dos seus “microcosmos interculturais” (vgl. z.B.

Ramos & Rappaport 2005). Mais ainda, a construção coletiva de conhecimento neste

diálogo intercultural foi percebida como contexto geral de qualquer evolução cultural,

sendo a interculturalidade meramente a forma reflexiva desse trânsito de saberes

intercultural, que igualmente caracteriza a civilização43.

Interculturalidade, nesse sentido, significa o reconhecimento a equivalência principal

de valores e conhecimentos culturalmente específicos, mas partindo da possibilidade

de um entendimento mútuo e negociável, enquanto o intercâmbio intercultural de

saberes pode enlanguescer o aspecto dos dispositivos disponíveis para os processos de

construção (veja por exemplo Lindenberg 2003: 46).

“ese espacio donde puede hacer este tipo de saberes tiene que partir desde un diálogo entre las mismas culturas, dentro de esos mismos saberes, para generar el respeto entre 43 Assim que os números e o café dos Árabes, milho e batatas dos indígenas da América, papel, relógio e armas de fogo da China, etc. (veja por exemplo Needham 1993; López 1996)

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los mismos. Es decir: es tan válido el mío como es válido el suyo [...]. Ese diálogo me puede permitir como grupo a aceptar mi limitantes y ver las posibilidades del otro. [...] Porque no podemos caer acá en lo mismo: lo mío, y esto es lo mío, y esto lo que vale, y el suyo. Porque siempre ha habido este diálogo, o esta imposición. No ha habido este diálogo de sentarnos y construir juntos, sabiendo que yo tengo vacíos” (Guido - Corinto, 30.12.2006).

Seguindo o modelo da cosmovisão do CRIC, no mesmo modelo interculturalista, tanto

as relações interculturais, quanto os projetos que resultaram delas tem que ser

harmonizados através de rituais. Mas Joanne Rappaport critica, que os ativistas do CRIC

inconseqüentemente, contrariam os próprios princípios. Se bem que no mundo ideal

interculturalista ciências ocidentais e a “ecosofia” dos Nasa podem coexistir, traçando

temas ecológicos gerando a visão de uma harmonia cósmica, os ativistas tentariam

eliminar conceitos ocidentais, realçando a cosmologia “própria” como filosofia super-

posicionada, e assim combatendo o “de fora” como força invasiva, em vez de gerar tal

diálogo equilibrado (Rappaport 2005: 149).

Somente retirada da própria arrogância etnocentrista possibilita explorar

conhecimentos alheios. E é aqui que se encontrou o fundamento para novos modelos

pedagógicos, que querem substituir a relação vertical entre aluno e professor, que no

caso da educação indígena muitas vezes é agravado por diferenças étnicas, por um

“diálogo horizontal”.

No PROEIB Andes, por exemplo, “orientadores” (ao invés de “professores”) e

“acadêmicos” (ao invés de “alunos”) colaboram em diversas pesquisas.

“Trabajar juntos en equipo. No ayudar al profesor. Desarrollar tu tema, que está vinculado con el otro, si. Por eso le llamamos ‘línea de investigación’ y no ‘proyecto de investigación’.”

Allí el profesor sirve como guía, mas o menos!

“Nada más. Como guía metodológico, y como un experto, que discute contigo. Pero tanto el profesor tiene su proyecto, como cada alumno tiene su proyecto. Por eso no es proyecto de investigación, sino línea.”

Obviamente essa cooperação está situada no contexto universitário, institucionalizado

e, porém, pré-definido, e influencia necessariamente a pesquisa, e a metodologia, mas

também os próprios “acadêmicos”.

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“Pero lo interesante para mi no es tanto esto, lo que es obvio, si no mas bien lo que no es obvio: en que medida nosotros, los formadores, cambiamos. Y en que medida el objeto del estudio cambia. En que medida el modo de investigar también cambia, no cierto? Si logramos que el objeto del estudio sea visto de otra manera y que los instrumentos sean mas culturalmente sensibles, y que la interpretación por ende sea diferente. Yo creo que hemos dado un paso cualitativo histórico, fundamental, no cierto? [...] Ya se trata de una nueva etnología, hecha por indígenas sobre su propia realidad. Es decir: rompiendo con la propia visión de la etnología, de la objetividad por ejemplo. Que el investigador es mejor que sea de afuera para ser mas objetivo” (Enrique).

Bueno, con la objetividad en la etnología ya se rompió hace 60 años...

“Exactamente, pero no se ha roto por indios! Que seria lo nuevo. Porque no es otra subjetividad que entra en juego” (Enrique - Cochabamba, 13.11.2006).

“Ha un otro elemento mas, que creo es necesario tomar en cuenta: este tipo de programa no esta pensado de la forma tradicional del que imparte el conocimiento. […] Es que aquí no hay alguien que imparte el conocimiento. Es como un escenario, en que todos tienen algo de decir. Algo que en un diálogo puede construir algo. En lugar dice que sales con respuestas de aquí, lo importante sea que te ves con otras ideas mas. E eso es la idea de este tipo de curso. Porque los que van a participar del curso son personas que ya tienen formación, tienen experiencia de vida. Es una persona que ha vivido con su cultura. Son portadores de varias ideas. […] Simplemente es que ha unas pautas para ver como puede producirse reflexión en torno a esto. Y nosotros en calidad de profesores, digamos, del curso, nos igual somos aprendices. Lo que hacemos es facilitar conocer tecnología y el medio ... bueno, construir el escenario. Eso es lo que podemos hacer, nada mas” (Carlos (responsável pela coordenação entre PROEIB Andes e UII) - Cochabamba, 13.11.2006).

O conceito do aprender mútuo, como novo paradigma pedagógico, implicitamente já

esta incluído na interculturalidade, que define a diferença, além do respeito mútuo,

como potencial que enriquece o diálogo (veja López 1996; Ramos & Rappaport 2005;

Lindenberg Monte 2003, Sepúlveda 1996).

Mas Interculturalidade, espalhando-se somente entre indígenas e não-indígenas, no

sentido de uma alteridade dual, seria meramente bi-culturalidade (Speiser 1996). A

heterogeneidade cultural do movimento indígena, que representa cerca de 400 etnias

na América Latina (veja López 1996: 27), justifica os prefixos pluri-, multi-, inter-, etc.

Como “amálgama” inter-étnico (Ramos & Rappaport 2005; 43) o movimento indígena

precisa de um diálogo intercultural interno para poder articular-se como atuante

político.

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“[...] A nivel Latinoamericano ya existe una agenda indígena. Es decir: hay grandes temas sobre lo que el mundo indígena tiene un consenso en la región. [...] Y hay temas generales en los que hay un acuerdo y también hay particularidades, que meritan también a encontrar atención. Y allí la importancia de la profundización del estudio de los casos que invitan a desarrollar en la aria epistemológica” (Elias (então presidente do Fondo Indígena) - La Paz, 20.11.2006).

“Eso que estas poniendo es un problema muy grande, que implica problemas en planificación. Porque, claro, en cierto modo son los gobiernos, nosotros que hacemos este tipo de ONGs, pero también las mismas organizaciones indígenas. ‘Pueblos indígenas’, y todos en la misma bolsa. Entonces no miran las substanciales diferencias que provocan peleas incluso entre pueblo y pueblo. [...] Son formas de etnocentrismo también. De hecho gran parte de los programas y proyectos a nivel de política del estado tienen mucho peso andino” (Carlos - Cochabamba, 13.11.2006).

O pan-indigenismo, que à Amawtay Wasi já custou o apoio dos povos das terras baixas

do Equador, é um conceito que ao mesmo tempo reúne e divide o movimento, e que

finalmente se deve á um estereotipo alheio do “índio”. Olhando o “atomismo” étnico

(Clastres 1976: 204) da América Latina esta visão não parece ser muito atrativa, pelo

menos pros povos das terras baixas.

Mas politicamente parecia mais promissor adaptar um conceito de uma união fraternal

(veja também Rappaport 2005: 192).

“También hay relaciones de dominación entre culturas, o relaciones de interculturalidad que no son, digamos, horizontales, entre las culturas indígenas. Ahora: por supuesto la principal contradicción esta entre culturas indígenas y el occidente. Pero eso disfraza un poco la complejidad de lo que es hablar de interculturalidad” (Rosana - Cochabamba, 10.11.2006).

Por outro lado os programas internacionais, como o PROEIB Andes, ou a UII não

podem trabalhar sem esta posição pan-indigenista, porque sem ela não justificaria a

suposta apropriação da oferta educacional deles à situação dos povos indígenas.

“Nosotros creemos firmemente, que no es posible trabajar el tema indígena en solitario, ni aisladamente. Por muchas razones: primero, porque hay una suerte de universales indígena en el pensamiento, que son muy distintos de la forma del pensar racional positivista, si. Segundo, porque los pueblos indígenas trascienden las fronteras nacionales. Las fronteras políticas en la América Latina no coinciden con las fronteras étnicas. Entonces no tiene ningún sentido que nosotros trabajemos una perspectiva Aymara solo para Bolívia, otra perspectiva Aymara solo para el Perú, otra perspectiva Aymara solo para el Chile. Esto es hacer el juego a los estados y debilitar mas la población indígena [...]”(Enrique - Cochabamba, 13.11.2006).

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Si, pero usted no piensa que la diferencia entre las culturas andinas y las de las tierras bajas es muy grande?

“Entre las andinas y las bajas es grande. Por una razón fundamental: la existencia o no de la agricultura, primero, y segundo, relacionado côn esto, la existencia del estado, no cierto? [...] Pero a lo que vamos es que allí donde se desarrollo la agricultura en tiempos precolombinos, por ejemplo, hubo una organización semi-estatal, o estatal, no cierto?, y muy distinta a las tierras bajas. Hay muchos universales cosmológicos, o cosmogónicos, que trascienden la producción material, en cierto sentido. Por eso te diría: ‘algunos universales indígenas’. Aún cuando su manifestación sea diferente” (o mesmo)

Igualdade y alteridade, como construto coletivo, são “modelos cognitivos” (Lakoff

1987) indispensáveis para a delimitação do “próprio”, como entidade étno-política,

frente ao “outro”, como oposição estigmatizada. Ao mesmo tempo a interculturalidade

tenta converter este dispositivo universal da cognição (veja Taussig 1992, 1997) em um

processo reflexivo, ou discurso horizontal.

3. A integração de conhecimentos alheios no ensino

Longe dessas projeções teóricas dos intelectuais, as comunidades indígenas demandam

a participação deles no saber ocidental, para poder orienta-se melhor em contextos

transculturais. Mesmo com todos os esforços revitalizantes, a “educação indígena”

continua sendo associada pelos indígenas como acesso ao saber ocidental. Como

resultado de suas experiências cotidiana os indígenas vêem a integração de saberes

“próprios”, tanto como de saberes ocidentais como pré-requisito de uma educação

apropriada.

“Para mi lo ideal es que tengo conocimiento indígena como occidental sean parte de las propuestas curriculares, pero no de forma separada. Ha que verlo. Por ejemplo: me parece que un medico en Bolivia un profesional del salud debería saber la medicinal occidental y la medicina andina indígena. Por eso te digo: ahorita un medico sale de aquí al campo, ve fríamente todo, y analiza, y listo. Pues yo creo que le falta el otro, el entorno. Y un medico nativo tradicional, mas ve el otro complemento, ve en el contexto, actúa mucho con psicología, habla… Es mas: en la cosmovisión andina a la enfermedad no hay que combatirla, hay que aprender como convivir con ella como es

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parte de el. Esas cosas son difícil para entender. En la cosmovisión andina el hombre, la tierra, o sea, todo tiene vida. La tierra no pertenece al hombre, es el hombre que pertenece a la tierra, al territorio. Entonces creo que en ese sentido un profesional de medicina debe saber ambas cosmovisiones, y saber actuar también como tal, en la medida que esté entre ambas perspectivas” (Gilberto - Cochabamba, 14.11.2006).

Educação “indígena”, porém, sempre é educação intercultural, tendo o paradigma do

aprender mútuo e da construção coletiva de conhecimentos como base e o realizando

metodologicamente. Isso é também de maior importância, porque a educação é

entendida como instrumento para criar uma geração de ativistas capacitados para a

luta política; uma geração que tenha um entendimento nítido do que é o “próprio”, e

do que é a cultura dominante, para poder persistir no discurso político. Ao mesmo

tempo as comunidades indígenas necessitam urgentemente de profissionais

(professores, médicos, advogados, etc.) para poder sobreviver no mundo moderno, sem

depender da ajuda dos outros.

“Quando nós pensamos no programa, para trazer os índios pra universidade, uma de nossas preocupações era que essa universidade pudesse estar formando-os conceitualmente, teoricamente, dando aos professores índios a oportunidade de conhecer, de ter acesso aos conhecimentos universais, aos saberes universais da sociedade ocidental, mais ao mesmo tempo, que nós pudéssemos dar oportunidade para que o saber indígena também estivesse presente dentro da universidade que houvesse o que chamamos interculturalidade, um diálogo entre as culturas” (Fabio - Barra do Bugres, 24.10.2006).

Nesse sentido o desafio da educação intercultural está em trazer diversas formas de

saber pra dentro do ensino, ou seja, integrar essa forma de construção intercultural,

sem partir de uma “verdade” universal, nem perder-se num relativismo, ou

construtivismo extremo.

“Lo que uno piensa es que el proceso de la universidad como hablas de diversidad de epistemologías, entonces eso es lo que debería ser la universidad y hasta ahora recién estamos abriendo el camino para que los diversos conocimientos sean tenidos en cuenta. Entonces de todo este montón de lo que deberían surgir otros nuevos conocimientos, ya pertinentes para lo dé ahora. Entonces el reto, yo creo, es que estés como una universidad realmente general. O sea, después de estudiar otras epistemologías generar nuevos conocimientos” (Eduardo - Popayán, 29.12.2006).

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3.1. Propostas e métodos para a integração de conhecimentos

Esse objetivo bem ambicionado não é fácil de realizar. E assim tenta-se, em um

processo a passos pequenos, aproximar-se a possíveis resoluções. Dentro do molde de

programas de universidades convencionais o caminho mais viável parece ser analisar o

cosmo indígena, para então apropriar os espaços às necessidades dos indígenas. Assim

pelo menos podem ser levados em conta as suas necessidades mais urgentes.

“[...] Nós invertemos o papel: o ponto de partida e de chegada agora são os índios, e não mais os brancos. Então o que a gente faz aqui na universidade, pensamos num curso universitário pra índios, onde eles pudessem aprender o que aprende os não-índios, aquilo que é importante pra eles para os projetos da cultura deles, e quem ajuda na definição são eles próprios. Então, por exemplo, aula de trigonometria é importante? Não! Entendeu? Eu aprendi trigonometria na universidade e nunca me serviu pra nada. […] Agora, aprender sobre AIDS é importante? É! Que é um problema que está nas aldeias. Então nós tiramos a trigonometria e colocamos AIDS como disciplina pra eles. [...] Então a grande diferença aqui é um currículo onde tenha uma flexibilidade, e os índios é que nos ajudam a ir montando esse currículo, dizendo o que é importante ser aprendido, que eles acham importante que a nós na universidade possamos estar ensinando a eles. [...] Por exemplo tem a questão do lixo, que é um grande problema nas aldeias no Brasil. O que fazer com lixo? Criança chupando pilha, coisa que se vê na aldeia. Plástico, garrafa... O que fazer com esse lixo? Então passou a ser parte do currículo. A questão do lixo, problema das queimadas, dos agrotóxicos, direitos do consumidor. [...] E ao mesmo tempo eles estudam a língua portuguesa, estudam filosofia, psicologia, antropologia... Mas essas disciplinas estavam voltadas pra subsidiar também nos projetos pra resolver os problemas locais” (Fabio - Barra do Bugres, 24.10.2006).

A flexibilidade mencionada aqui refere-se à aplicação do princípio da comunitariedade

nos programas de educação, que são evoluídos periodicamente pelos estudantes

indígenas e pelas comunidades. Também os programas governamentais definem-se

como processo dinâmicos de construção coletiva e produtos preliminares de um

diálogo intercultural. O conceito intercultural da construção coletiva transmite-se no

mesmo processo da geração de uma nova educação, que agora é definida como

processo intercultural de construção coletiva.

“Mais ou menos isso. Mas eu formularia assim: eu acho que o mais interessante é a gente permanecer no transito, é provocar deslocamento. [...] Nós temos uma proposta epistemológica, que é pela via do que a gente chama de experiência. Primeira coisa é:

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não ensinar! [...] Nós faríamos coisas juntos, partindo do princípio, que nem um de nós sabe como fazer. Não é discurso, não lidamos com discurso propriamente dito. Entramos no campo da poesia mesmo. Então é uma experimentação constante, formal. [...] A língua é uma massa de experiência” (Inês - Belo Horizonte, 26.09.2006).

Assim o caráter processual da educação é definido, além do próprio processo da sua

evolução, como método didático, como processo de atuar e aprender juntos. Através

do diálogo intercultural o saber neo-indígena é posto em contraste com outras

cosmovisões e entra num processo discursivo de construção.

Sendo que o saber (neo-)indígena está pouco sistematizado, a demanda da sua

integração no ensino somente pode ser cumprida pelos mesmos estudantes indígenas.

Realizando investigações, os estudantes aumentam o estoque de material auto

etnográfico, que pode servir como base de novos currículos.

Pondo aspetos das diversas formas de saber em contraste, como por exemplo as

cosmogonias das várias etnias com o criacionismo e o darwinismo deve sair aquele

diálogo “horizontal”, que gera o novo.

“Então aqui dentro da universidade, por exemplo, temos varias áreas temáticas: temática gênesis, origem. Então durante o semestre discutimos a origem da vida: qual são as nossas teorias? A teoria evolucionista de Darwin, entendeu? Então foi mostrado a eles como nós brancos entendemos a teoria evolucionista, a teoria criacionista da bíblia, e aí fomos discutindo as teorias deles também. Os Pareci, vieram de dentro da pedra, os Xavante a partir de dois pauzinhos, os Xinguanos vieram da anta, o outro saiu do peixe cará... Então as formas de concepções da vida do ser humano vieram pra dentro da universidade como uma verdade, como um saber científico, entendeu? Foi respeitado como um saber. Não foi dispensado como ‘mito’, ou como ‘história’ [...]” (Fabio - Barra do Bugres, 24.10.2006).

Os programas de educação indígena e intercultural devem ser espaços do diálogo,

espaços da interculturalidade, dominados por respeito e reconhecimento mútuo tanto

no sentido político, quanto no sentido acadêmico-epistemológico. Esses espaços

representam, porém, uma abertura epistemológica das universidades frente ao saber

alheio.

“Uno de los problemas de los sistemas educativos en la región de la América Latina y el Caribe es que las universidades no lograron de forma sistemática integrar conocimientos relevantes, social, política, ecológica, para los pueblos indígenas. [...] Pero en los últimos quince años ha un esfuerzo importante por hacer una

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hermenéutica, es decir, una interpretación de los asuntos de interés para los pueblos, desde una visión del occidente, suponiendo una aproximación intercultural. Se ha construido aprendizajes interculturales. Por ejemplo: aprovechando los espacios abiertos por programas de educación intercultural en las propias universidades, o en los sistemas educativos hay un esfuerzo importante [...] para que los educadores de las etnias imaginen como pueden construir una educación distinta, diferente para los pueblos. […] Lo que nosotros estamos buscando es desde la visión indígena, espiritualidad, ver las cosas del mundo y poner en dialogo con los académicos universitarios. [...] La intención es [sentar] estos sabios indígenas con los académicos occidentales. Por la vida en dialogo, hacer una aproximación a la construcción de una nueva mirada a la ciencia. Naturalmente que esto amerita tiempo. Porque hay que avanzar en criar confianza en las universidades” (Elias - La Paz, 20.11.2006).

Mas estes espaços interculturais, que se devem estabelecer passo a passo nas

universidades, ainda são mais uma demanda política do que realidade acadêmica,

porque os poucos programas de educação indígena na maioria são exclusivamente

para estudantes indígenas.

Vale resumir aqui, que a educação indígena e intercultural deve servir como meio de

um diálogo “horizontal”, criando novos espaços interculturais nas instituições

educacionais, e abrindo o discurso científico, e assim legitimando outros saberes para

abrir o caminho à construção de uma sociedade pluralista.

3.1.1. Interculturalidade como Utopia

A construção coletiva de saber faz sentido somente se for baseada num verdadeiro

reconhecimento mútuo. A interculturalidade torna-se, assim, um empreendimento

social generalizado: porque o que é bom para os indígenas no contexto pluri-cultural

da América Latina, pode servir como modelo de uma nova sociedade multi-cultural.

Interculturalidade transcende o multi-culturalismo, que somente articula a tolerância

das minorias étnicas.

„[...] la inteculturalidad busca nuevas formas de forjar condiciones de igualdad y consenso, al resaltar el contenido de las voces minoritarias. La interculturalidad transciende al multiculturalismo debido a que implica más que un ‚encuentro’ enmarcado por las relaciones hegemónicas. Esta propuesta busca forjar nuevas

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relaciones horizontales dentro del Estado pluralista, inyectando la diferencia cultural en los movimientos que luchan por una democracia radicalmente más inclusiva“ (Ramos & Rappaport 2005: 44).

É justamente a diferença cultural que é o ponto de partida do movimento indígena, e é

aqui onde o interculturalismo vê o seu potencial, que não deve ser dissolvido numa

assimilação para finalmente gerar igualdade e satisfação, senão ser utilizada para a

construção de um futuro pluralista. E é precisamente aqui que está a grande diferença

ao multi-culturalismo.

“Se tem que admitir, que o multi-culturalismo liberal principalmente não se opõe à assimilação de um grupo cultural por um outro. [...] Enquanto esse processo não é forçado, não resulta de uma falta de respeito para as pessoas e a sua comunidade, e prossegue passo por passo, não tem por que opinar. A morte de culturas é tanto parte da vida comum, quanto o surgimento de culturas novas” (Raz 1995: 319 – traduzido por mim).

Porque este tolerante, mas indiferente conviver entre culturas não implica nenhuma

construção coletiva de uma sociedade compartilhada; o medo do relativismo ético,

implicitamente contido no relativismo cultural, facilmente leva aos limites desta

tolerância multi-cultural. Assim a “perspectiva liberal” do multi-culturalismo de Joseph

Raz chega à conclusão que embora todas as culturas sejam principalmente

equivalentes, sim há culturas repressivas e, porém, “inaceitáveis”, que não mereciam

ser apoiadas, ou até deverão ser oprimidas (o mesmo: 312). Mas quais culturas não são

repressivas, e quem deverá julgar até que ponto a repressão é aceitável, ou não?

Interculturalidade é mais um projeto emergente, do que uma realidade concreta; ela é

uma utopia social. Nesse sentido o “próprio” não é um conceito antropológico, nem

um fenômeno observável, mas uma utopia social do movimento indígena (Ramos &

Rappaport 2005: 47; Rappaport 2005). Como visão social utópica, que pensa a cultura

como um processo dinâmico, ela não segue um plano pré-existente e fixo. Porque a

transmissão dessa visão é uma prática cultural e generalizada, ou seja a habitualização

no sentido da vivência44 ainda não é determinável, a interculturalidade continua, por

enquanto, um construto inteletual, uma utopia.

44 „This is where CRIC activists hope the cosmovision project will ultimately be rooted, in life ways that slowly become habitual, unremarkable, unselfconscious, in short, authentic. This is why cosmovision is best comprehended as an utopian dream and not an essentializing discourse“ (Rappaport 2005: 188).

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"En muchos casos, la interculturalidad no deja ser una formulación interesante, pero que en la práctica no se aplica en la vida diaria de las sociedades" (Ramos & Curieux 2005: 80).

Apesar disso, a maioria dos intelectuais e ativistas parecem ser convencidos de que a

introdução de conceitos (neo-)indígenas nos discursos nacionais e internacionais, ou

seja, que com a construção de espaços para um diálogo intercultural, as estruturas de

poder que até então impediram a realização da utopia interculturalista, também

mudarão.

Inês, professora de letras na UFMG, formula a sua esperança de uma lenta infiltração e

transformação das estruturas hegemoniais através da introdução de saberes indígenas

no contexto acadêmico, da forma seguinte:

“[...] A própria ciência só se desenvolve pelo confronto de culturas. Qualquer ciência, a ocidental sobretudo. Porque quando Galileu, ou não sei quem, de repente foi quase pra fogueira, foi porque ele falou algo que era contrário à hegemonia da igreja, do pensamento científico da época, não é? Então assim, todo avanço científico sempre se deu nessa resistência contra o pensamento comum. Então eu fico pensando, que trazer um pensamento dos índios aqui pra universidade, por mínimo que a gente consiga isso. […] Eu sinto que é um minimozinho, um focozinho de resistência a essa tendência homogenizadora e globalizante, do capitalismo, sobretudo do norte americano, da evangelização do mundo, dessa coisa toda... Eu acho que a gente ´tá nessa área de um minimamente resistir à política, ao poder do dinheiro, do capital, do Bush, sei lá [...] Falo assim: poxa, é a minha forma de lutar contra o Bush, é deixar a língua Maxacalí rodar aqui na UFMG – não sei se vai ter algum efeito ... mas vai ter! Porque o desenho físico [...], que tudo mexe com tudo de algum jeito, então dentro desse pensamento eu fico pensando: um textinho Maxacalí circulando aqui na UFMG é uma formiguinha perto do elefante, uma formiguinha de resistência ao Bush, ao FMI [...] Em fim, não tem todo um esquema de equalização no mundo? De todos se tornarem brancos protestantes e não sei o quê...” (Inês - Belo Horizonte, 26.09.2006)

3.2. Educação Intercultural para Todos?

Como meio para estabelecer um novo modelo social intercultural a educação indígena

e intercultural torna-se um modelo de educação intercultural generalizada. Mas até

então a maioria dos programas existentes somente incluem a população indígena (veja

Speiser 1996; Ramos & Curieux 2005).

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Os primeiros avanços na educação bilíngüe à nível nacional são antigos. No ano de

1972 o presidente revolucionário do Peru, Valesco, reformou o sistema educacional

peruano e integrou a língua Quéchua nos currículos nacionais como matéria

obrigatória e como segunda língua oficial do Peru. Essa mudança de direção política

desde o paradigma da castelhanização à uma verdadeira educação bilíngüe resultou na

discussão sobre a interculturalidade como conceito instrumental para fortalecimento de

uma sociedade multi-étnica (Aikman 1999: 36ff; Speiser 1996). Sabine Speiser conclui,

porém, que a transformação social em uma nação pluricultural não é viável sem

aplicar a educação intercultural a todos os grupos étnicos. Visto deste ângulo, um

verdadeiro sucesso do movimento indígena somente pode ser alcançado rompendo

com o caráter exclusivo da educação indígena e intercultural (Speiser 1996).

Um primeiro passo seria abrir os cursos interculturais para não-indígenas.

“É isso agora, que estamos querendo criar, são os programas de pós- graduação. [...] Então nessa primeira especialização já tivemos índios e não-índios estudando juntos. E foi interessante [...]” (Fabio - Barra do Bugres, 24.10.2006).

Especialmente muitos “construtores” indígenas da educação intercultural entendem os

seus programas como projetos modelo, aplicável em nível nacional.

“Yo creo que, cuando hablamos de la educación superior no podemos negar la interculturalidad. Cuando hablamos de la interculturalidad esa misma palabra dice la relación con las otras culturas, independientemente que sea afro descendiente, o que sea la misma cultura, digamos, lo dominante. Pero se convierte en una necesidad. Lo importante de eso es que en la educación superior haya igualdad, si [...]” (Guido - Corinto, 30.12.2006).

3.3. A nova Profecia Indígena

Está crescendo um senso profético no movimento indígena, que ultrapassa a mera

consciência do valor da cultura para os próprios indígenas, e descobre o valor do saber

“próprio” para o resto do mundo. Frente à expansão do capitalismo neo-liberalista e da

degradação do meio ambiente, o normativismo cultural e o consumismo, a

preocupação dos indígenas pelo futuro do planeta está aumentando. Para muitos, a

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(suposta) espiritualidade e ética naturalista neo-indígena parecem oferecer a salvação

da pachamama, que está em perigo de ser enforcada pela exploração capitalista dos

“brancos materialistas”.

“Eu acho também que na verdade hoje até a própria sociedade não-indígena não está mais conseguindo controlar seus avanços tecnológicos. Porque por mais que a sabedoria do não-índio seja importante para o povo indígena - e é importante, como é importante aprender as ciências, aprender a lidar com isso, porque nós estamos aí, expostos - também diria que tem aspectos indígenas de uma forma geral, que são aplicáveis. E pelo que vi na universidade nesse momento já estão pensando, e se ´tá nos valorizando, e parece que se está valorizado a cultura por esses aspectos […]” (Beto - Barra do Bugres, 19.10.2006).

Especialmente os programas autônomos de educação indígena ostensivamente

colocam a espiritualidade neo-indígena no centro do seu discurso, e oferecem-na ao

mundo como solução para os problemas globais (como por exemplo a Universidad

Indígena Intercultural de México que não se deve confundir com a UII do FI com sede

em La Paz). Isso pode parecer cínico, ou ridículo, já que o romantismo desses “bons

selvagens” é evidente. Mas não se deve esquecer, que atrás desse discurso romanticista

e aparentemente euro-centrista, muitas vezes existe uma convicção honesta. Sem

aprofundar muito nesse assunto, quero apontar que obviamente por razões políticas e

ecológicas, sim, foi adotado dos “ajudantes” (ONGs ecológicas, etc.) não-indígenas do

movimento um discurso ecológico-espiritualista incluso o vocabulário típico

romanticista. Mas também é importante mencionar que a relação dos indígenas com o

que a gente chama de “natureza” é distinta da nossa relação com o meio ambiente. Até

que ponto, então, esse discurso realmente é romanticista meramente pelo seu caráter

retórico, enquanto no fundo estaria baseado numa forma de saber essencialmente

distinta, um saber mais “ecológico” e “espiritual”? Ou se trata na verdade de uma mera

internalização de conceitos ocidentais? Esta questão é muito difícil distinguir e não

pode ser julgada ad hoc, nem ser generalizada (veja Parte II: cap. 1.4.2).

No caso da UNCIA o foco está no valor dos conhecimentos medicinais. A potência da

medicina própria, que é demonstrada em pacientes estrangeiros caso seja desejado por

eles, deve comprovar ao mundo a legitimidade do saber “próprio”45.

45 A referência explícita de muitos médicos tradicionais, ou „xamãs“ aos conhecimentos fitológico-terapêuticos é uma estratégia comum para legitimar as suas práticas de cura. Dessa forma, os curandeiros não só conseguem evitar conflitos com restrições governamentais contra „bruxaria“ e outros „hábitos

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“[...] Aún que no tengo titulo, no me creen los mestizos que yo no soy preparado, estos hombres no saben nada que dicen, a mi ciencia no conocen. Yo puedo inventar, y mas, con otras medicinas como esto puedo prepararle, puedo destruir las malas enfermedades yo. Ellos no saben. Como gente preparado en teóricas a uno no creen y dicen: ‘pobre ignorante’. [...] ¿Como puedo curar yo? Tomo natem46, examino con que puedo curar. [...] Cáscara de este árbol, cedro, cocinamos. Este es bien amargo. Yo mismo destruí este enfermedad que ha tomado a mi hijo un chamán maligno. Entonces yo le doy, curo, entonces se pasa en diarrea, o si no, lo vomita todo, y ya esta curado. Y así mismo, como usted dice, esta medicine yo conozco yo” (Raul - Yawints, 10.12.2006).

Obviamente este sistema medicinal não se pode separar do ritual, ou da cosmologia.

Assim é postulada, implicitamente, também a validade do saber performativo-narrativo

em geral.

Assim, a UNCIA serve à comunidade como meio para um diálogo mais “horizontal”

com a sociedade dominante, em que se deverá fundar um intercâmbio mútuo de

saberes.

“Por eso hemos [...] abierto un espacio para que estudiantes de otros países como de Inglaterra, como de España, Suiza, Estados Unidos, Ecuatorianos de Quito, [...] y de otros lugares también han venido, indígenas y no-indígenas. Hemos dado este espacio para que grupos de otros países conozcan nuestro sistema de vida, de educación, y puedan entender, puedan reflexionar. Es un espacio de interculturalidad, y es un espacio de entendimiento, de sabiduría, de transmisión, de concientización […]” (Tserembo - Yawints, 20.12.2006).

“[...] Y para que vengan de diferentes países del mundo, también que aprendan como si vivió Shuar antes de que no exista hospital, antes de los médicos de teorías. Shuar tuvo medicina propia, Shuar nunca tuvo hospital, ni mercado de comestibles, ni nada. Y así mismo tubo propios médicos. Por eso hemos fundado, para que de diferentes países vengan nuestros hermanos, que aprendan, que estudien. No solo medicina, sino cambio de culturas. También que nos enseñen, como han preparado teorías muy grandes, conocimientos que tienen. Y nosotros también para enseñar a nuestras ciencias, tecnologías que tenemos sin escrito, sin teoría, nada. […] Ellos enseñan a nosotros y nosotros también enseñamos a ellos” (Raul - Yawints, 10.12.2006).

“Entonces yo me fui a varios cursos en Suiza, por ejemplo estuve en Freiburg, estuve en

pagãos“; realçando o efeito fitológico-químico comprovável dos seus remédios, como também é um método retórico no diálogo com o ocidente, porque esse aspecto dos sistemas de medicina tradicional são cientificamente „comprováveis“. O valor desse jeito „comprovado“ da medicina tradicional facilita o acesso a fundos financeiros e cooperações com os sistemas nacionais de saúde. Mas Bernhard Wörrle (2004) aponta que este „herbal fetishism“ negue o valor dos rituais, embora estes tenham um significado até mais importante do que a foto-terapia.46 Nome Shuar para a mistura psicoativa de Banisteriópsis caapi e datura, psychotria viridis, ou um outro MAO-bloqueador, também conhecido como: “Santo Daime”, “yagé”, ou “ayahuasca”.

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cursos de biología, estuve en Ginebra, y [...] en el año 2002 estuve en Amsterdam para hacer un curso sobre pensamientos de la origen del hombre, sobre una discusión con mucha gente, y también Austria, estuve en varios foros, también Brasil... bueno en muchos países. […] Y no es para reír, pero para mi era pura teoría. Y al mismo tiempo me de cuenta de la importancia de que estas academias, estas universidades, los profesores están en la búsqueda de resolver sus preguntas. Entonces yo dije: bueno, pues, es importante discutir entre universidades, académicos, con estudiantes, profesores, también de nuestro punto de vista. Desde nuestra realidad no es una cuestión científica, sino es la nata realidad del origen de nuestro pueblo, de nuestra existencia. Entonces yo […] regrese aquí a mi comunidad. Yo me puse a examinar, luego de tomar varias brebajes […], yo le decía a [...] los mayores: ‘nosotros sabemos claramente como es nuestra evolución, nuestra educación, nuestra sistematización, todo fue oral. A través del fortalecimiento espiritual y físico, de las plantas sagradas. Entonces yo, en esta experiencia, resolví aceptando de que es necesario la discusión, la discusión de estos dos valores que son muy importantes. Aún que para mi el mundo del occidente vive en demasiada teoría. [...] Pero mas fácil seria un marco de cooperación. Hablamos de la origen del hombre, muy bien! Cooperación de todas las instancias de todos los conocimientos ancestrales, y vamos a discutir con la ciencia, o compartir con la ciencia. En este sentido no solamente esta parte, sino muchos otros vacíos que quedan seria bueno llenar en cooperación para hacer un mundo mas simple, mas humano. Es tratar de hermanar estas ciencias, porque nos es útil! [...] Quizás la ciencia ancestral de todo el mundo es mas difícil que entender la ciencia occidental, porque la mayoría no es trascrita, es oral. Yo conozco, es poco escrito. Entonces es mucho mas complicado entender, pero en este proceso es importante que el mundo occidental vaya entendiendo, y se vaya adaptando, porque es útil para su propia ciencia y para salvaguardar su identidad, como persona, y como sistema sistemático también [...]” (Tserembo - Yawints, 20.12.2006).

Entende-se agora, que do ponto de vista de muitos indígenas em relação a

generalização da interculturalidade como novo paradigma educacional, especialmente

a nível acadêmico, se torna uma questão de sobrevivência em dois sentidos: Primeiro,

para lograr autodeterminação cultural e política, sendo que a educação intercultural

deve estabelecer o espaço político necessário para gerar um discurso pluri-étnico, e

para a valorização das suas próprias visões do mundo frente ao universalismo

ocidental. Segundo, para restabelecer o equilíbrio perturbando de pachamama,

seguindo o projeto utópico interculturalista para construir coletivamente novos

conhecimentos que podem levar propostas viáveis (por exemplo, gerando uma nova

“espiritualidade” para retomar relações recíprocas com um mundo vivo, etc.)47.

47 Para isso já foram reconstruídos vários rituais, como por exemplo o saakhelu (depois da grande avalanche em Tierradentro que matou inúmeras pessoas) para restabelecer o equilíbrio entre seres humanos e a mãe terra. Ocasião que foi precedida por um ritual completamente inventado por um conjunto de „xamãs“ e intelectuais do CRIC, em que o território foi abençoado de cima de um helicóptero flutuando no ar (veja Rappaport 2005; Drexler 2002; Wörrle 2004).

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Isso reflete-se também no novo papel da investigação, que agora não basta satisfazer os

requerimentos científicos, mas deve levar em conta simultaneamente as várias

cosmologias.

„In this sense, then, the role of the researcher is very much like that of the shaman, who restores harmony to the universe, only the thë'wala accomplishes this through divination and ritual, whereas the researcher does it by reintroducing carefully researching indegenouse cultural forms back into community. When this process is harnessed to the goal of interculturalism, it is understood that the appropriation of external forms of knowledge must occur in such a way as to not break that harmony" (internes Dokument des CRIC von 1990: 13-15; in: Rappaport 2005: 123).

A educação intercultural, como equilíbrio entre dar e receber, entre ensinar e aprender,

torna-se, assim, uma relação recíproca entre culturas gerando um entendimento mutuo.

3.4. Bolívia: Educação em um Estado Indígena

Na Bolívia, estado em que a maioria da população se auto-denomina “indígena”,

educação intercultural não representa meramente uma utopia idealista de uma minoria

marginalizada; aqui ela surge como necessidade sócio-política, que deve ser

reconhecida pelo governo como tal. Sob o governo das MAS de Evo Morales, que se

autodenomina “indígena”, o sistema educacional é submetido a reformas rigorosas,

com a intenção de apropriá-lo às exigências de uma sociedade pluri-cultural.

Logicamente tem que partir das instituições pré-existentes, que devem ser

reestruturadas passo a passo.

“Exactamente. Y yo creo que una de las cosas fundamentales es descentralizar las universidades. Ya no pueden seguir solamente en las ciudades. La otra cuestión, que es un grande desafió, que no se si está previsto en las políticas del estado en este momento, es que hay que abandonar las carreras clásicas. Son las universidades, si tu ves en toda Latino América, inclusive en Brasil donde están descentralizadas las universidades, son las mismas carreras. Son medicina, derecho, economía, son no se que. Entonces, probablemente se va pasar por procesos realmente largos. Son instituciones, además, muy monolíticas las universidades, con una tradición de siglos. Eso no se va a cambiar de la noche a la mañana. Sobre todo se lo sabe [...] de pensadores como Foucault, y algunos otros, da la relación entre poder y saber. Así no es fácil mover las estructuras de saber y epistemológicas en las universidades porque de

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tras de eso todo mismo hay intereses políticos, estructuras de poder. Creo que en el caso Boliviano, digamos, las estructuras de poder han cambiado, entonces podía posibilitar ciertos cambios en el saber, en las relaciones del saber [...]” (Fabricio, Cochabamba, 15.11.2006).

“Es un poco poesía todavía. Porque estamos tratando justamente de ver cual es el tipo de estructura, e el tipo de enfoque curricular mas adecuado para esto. Las pistas que tenemos, es que de hecho tienen que ser, como te digo, currículos mas flexibles, estructuras mas abiertas. Estamos trabajando con una idea de mas envés de identificar la estructuración de los campos de conocimiento a partir de disciplinas científicas, y a partir de ahí establecer programas, como funcionan en la universidad tradicional, por ejemplo, que tu tienes facultades que están organizadas por campos disciplinarios que corresponden a una lógica de la organización de la ciencia tradicional. Te tendrías que tener, quizás, en estas unidades programas que estén respondiendo no a campos de conocimiento separados, sino quizás a problemáticas y realidades locales, y que estarías, entonces, unificando conocimientos de distinta naturaleza y de distinto campo científico, pero el aprendizaje estaría estructurado no en función del campo, tanto al campo disciplinar, sino, digamos, a la resolución de problemáticas sociales. Hay muchas cosas trabajadas desde la teoría occidental, que tampoco hay otra, digamos, que podamos echarle mano. Podemos hablar que si hay la etno-pedagogía, la etno-matemática. Pero al final es una adaptación, es una contextualización de la pedagogía” (Rosana - Cochabamba, 10.11.2006).

“Bueno, es bien complejo. Yo creo que en gran medida, como tu decías, se ha avanzado mas al nivel discursivo, a decir de lo que se debe hacer. Entonces creo que mas o menos se tiene claro la necesidad de hacer lo que en el momento llamamos la descentralización epistemológica. Es decir, no centrarse solamente en los conocimientos científicos, sino en valorizar los otros conocimientos también. Y eso creo que se tiene claro al nivel inclusive de las reformas educativas en los estados Latinoamericanos. Es decir, la reforma educativa Boliviana prevé aproximarse a una diversificación curricular. Una diversificación curricular en teorías incorporando este tipo de conocimientos indígenas a los currículos escolares. […] Pero es también bien complicado. Yo no creo que por ejemplo la solución sea: bueno, ahora vamos a enseñar que saben los Yatidis y los Jambiris, no! Porque eso lo van a enseñar los Yatidis y los Jambiris a sus hijos, y lo van a enseñar con sus metodologías, con sus instituciones, con sus espacios. Pero si creo lo importante es que se busque el contacto. Es decir, el hecho, digamos, que yo soy cociente de traer gente del campo, indígenas, aquí, desestructuramos espacios, lógicas, pero hay contactos también. Y eso me parece importante, que haya contactos. Es decir, no sustituirnos a ellos y hablar al nombre de ellos, sino darles los espacios” (Fabricio, Cochabamba, 15.11.2006).

“Bueno, eso es un poco que rompe con la ciencia como la verdad única y absoluta. Que estoy diciendo es que en realidad no hay una verdad, sino hay un conjunto de verdades, o de saberes, que están correspondiendo a diferentes realidades, no, a diferentes formas de vivir, para estar en el mundo. Ahora, la preocupación principal en termos de la educación superior es, que si la educación superior es una institución de mediación cultural, cuya función es, digamos, de alguna manera, que tiene algo que

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ver con este acervo cultural de las sociedades, debería necesariamente tener la capacidad de por lo menos leer y visibilizar estas diferentes visiones. Entonces tiene que cambiar su propia forma como institución. Porque desde este formato no lo va a poder. No lo puede hacer. Entonces si tiene esa pretensión, si quiere seguir en esa pretensión de una institución, digamos, de mediación cultual etc., entonces tiene que cambiar su formato, porque necesita abrirse a esta forma diferente de entender el conocimiento superior, que ya no es la ciencia positivista, que ya no es la ciencia tradicional, clásica del occidente. [...] Entonces ha la necesidad de redefinir que entendemos por universidad también” (Rosana - Cochabamba, 10.11.2006).

Tanto do lado da população indígena e das suas organizações políticas, quanto de um

estado “indígena” como é a Bolívia, mas também o Peru, Equador, e regiões como el

Chiapas no México, a educação intercultural serve como modelo educacional

generalizado. Embora ainda não tenha nenhuma resposta clara à questão da maneira e

o grau da integração de saberes neo-indígenas, parece ter um consenso sobre a

necessidade de estabelecer espaços dentro do âmbito acadêmico para estes

conhecimentos, e de descentralizar e adaptar as universidades às necessidades locais.

Para isso há que mudar a estrutura institucional das universidades, e também a própria

auto estima da ciência como instituição monolítica com o direito monopolizado para

gerar uma verdade única.

Mas nota-se também, que as razões dos diferentes atuantes para generalizar a

educação intercultural são diversas, o que implica uma certa variedade dos modelos

propostos.

3.5. ¿Universidades para, ou de Indígenas?

O que foi dito aqui até então, já indicou algumas diferenças organizativas e

epistemológicas entre as diversas universidades indígenas. Provavelmente o leitor já

percebeu que existe uma linha de divisão decorrendo entre projetos autônomos

indígenas e programas governamentais e internacionais, que partem de universidades

convencionais.

“[...] Hay tres tipos de universidades que están deslumbrándose en esta discusión, si es occidental, o no. Hay universidades que van a ser no más conocimiento occidental,

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hegemonía occidental. Las privadas por ejemplo aquí en Bolívia solo enseñan que es occidental, el otro no vale, no es científico, no es probado. Ha la tendencia que sí cambiamos. Pero algunas no van a cambiar, difícil. Eso es uno. La otra son universidades con conocimientos puramente indígenas, que están abriendo, pues, están surgiendo. Y otras universidades mas bien interculturales, que valoran de ambos extremos. Y creo que el movimiento indígena está jugando las dos últimas. Se está queriendo trasformar las publicas, para que también tomen cuenta del conocimiento indígena todo con sus complejidades. Pero al mismo tiempo también hay universidades propias. Pero no es solamente para indígenas, sino también que vayan no-indígenas aprender en esas universidades el conocimiento indígena” (Gilberto - Cochabamba, 14.11.2006).

“Aquí hay 18 proyectos de universidad indígenas, 18 aquí en este país! Proyectos, no realización todavía. Entonces, yo no creo que se llegue a un pensamiento único hegemónico. Seria peligroso, además. [...] La visión panamericana la tenemos porque [el PROEIB Andes] es un nivel de formación de formadores. No es formar para el pregrado, no cierto – es formar los formadores del pregrado. Si ya formamos los formadores del pregrado, obviamente estas pensando que va haber muchos pregrados, verdad? O que algunos de estos formados van a trabajar en universidades convencionales también, para moverlas un poco. De hecho, mira, solo en esa universidad tenemos cuatro ex-alumnos que están trabajando en cursos regulares de la universidad – pero eso también para nosotros es estratégico. Porque también hay que reformar la universidad misma, y no criar getos para indígenas” (Enrique - Cochabamba, 13.11.2006).

“Se puede ver desde dos puntos de vista: uno como tu dices es ese hasta cuando tendrían que estas instituciones ser como los padrinos de los indígenas: ‘pobres indígenas, no pueden estudiar, hay que darles becas’. Muy paternalista. Eso es también una cosa acá que muchas veces que tenemos que enfrentar es la situación de que todavía hay muchos que tienen esa visión de que la mente indígena tiene sus limites y no hay mas que exigir” (Valerio - Cochabamba, 14.11.2006).

Propostas do tipo “top-down” oferecidas por universidades convencionais e por

grandes projetos internacionais, geralmente são percebidas como paternalistas pelos

indígenas, que muitas vezes respondem com propostas próprias do tipo “top-down” em

forma de modelos alternativos e radicalmente autônomos, que rejeitam qualquer

inclusão pelos sistemas nacionais de educação.

Pode-se formular isso também assim: a educação, como instituição da produção do

saber e, porém, sendo um instrumento político, não pode guiar à autonomia cultural

enquanto a responsabilidade não tenha passado aos seus beneficiários por completo.

Educação governamental sempre serviu e segue servindo à perpetuação das estruturas

hierárquicas do estado (veja Bourdieu 1987, 1985; nota de rodapé 18). Referindo-se ao

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exemplo do México, o mesmo iniciador do PROEIB Andes e da UII, e ilustre promotor

da educação indígena na América Latina, Enrique, aponta ao perigo implicado em

programas governamentais: programas para indígenas sim poderiam rapidamente

mostrar êxitos consideráveis; mas o caráter incluidor de tais programas teria como

resultado a negação implícita de uma história própria das culturas indígenas (López

1996: 52). Uma situação, que de certo modo também pode ser encontrada no Brasil.

“Para muitos, tem essa demanda [de uma própria universidade indígena] um pouco sufocada pelo estado Brasileiro. O movimento indígena de criar a possibilidade deles estudarem [...]. Isso foi a reivindicação deles: ‘queremos então ir pra frente até produzir junto conhecimento e tal. Só que o que o estado Brasileiro, o ministério de educação ofereceu a eles foi apoio pra que esses cursos como primeiro passo [...]. Porque é muito difícil chegar aí. […] E não tem quadros, eles não tem quadros, não tem pessoas pra fazer isso nas aldeias. Talvez venham a ter. [...] Muitos índios sonham com isso aqui no Brasil” (Inês - Belo Horizonte, 26.09.2006).

Geralmente existe um certa relutância dos programas governamentais contra a

demanda de uma educação própria dos indígenas.

Frente a isso os projetos autônomos tem a tendência de relevar o “próprio” como

paradigma da construção coletiva de conhecimentos, o que igualmente significa uma

hegemonia de uma forma de saber, e não a abolição da mesma. Uma contradição, que

é percebida e articulada por muitas das pessoas que trabalham nesta área.

“desde allí de donde venimos tenemos que aprender, porque a veces somos muy estrictos. Entonces si la visión es, desde la propuesta indígena, desde su sabiduría, desde su conocimiento, e es intercultural, entonces yo parto del adentro y del afuera, y regresivo. Pero es muy distinto cuando yo parto desde lo afuera y quiero insertarlo mismo allí. Entonces allí de donde viene, cuando hablamos de lo propio, tiene que nacer del adentro. Y tiene que ir poniendo unos criterios, tiene que poner unas dinámicas, tiene que poner unas practicas para que eso sea algo real. E eso no significa que tengo que excluir lo demás. Porque estoy en un dialogo intercultural. No se puede hacer un dialogo centrado. No había dialogo” (Guido - Corinto, 30.12.2006).

Porque os diversos programas seguem aos seus interesses particulares, a amálgama do

poder-saber implica uma confusão político-epistemológica, que, embora compartilham

o objetivo de um diálogo intercultural mais horizontal, diferencia programas

autônomos e governamentais por uma questão epistemológica: Deve-se levar

conhecimentos indígenas pra dentro das universidades, ou deve-se reinterpretar

conhecimentos ocidentais dentro de novos espaços institucionais fora das

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universidades convencionais, e partindo do “próprio”? Principalmente por estas

posições não serem mutuamente excludentes, elas representam meramente tendências

dessa dinâmica. Mesmo assim este assunto é politicamente explosivo; especialmente

quando se trata da questão, quem deve obter o poder sobre este diálogo intercultural e

“horizontal”48, e assim, sobre as “verdades” construídas aqui: trata-se de educação

para, ou de indígenas?

3.6. Exemplos

Essa questão provocou alguns conflitos dentro do movimento para uma educação

indígena e intercultural. Sendo que as considerações apresentadas aqui até então

contrastaram com os diversos programas somente implicitamente, o leitor, portanto,

pode sentir falta de referências concretas às dinâmicas investigadas aqui. Por isso serão

apresentados brevemente alguns casos específicos, para esclarecer um pouco os

conflitos que existem entre programas para e de indígenas.

3.6.1. Caso 1: CRIC e Amawtay Wasi vs. UII e PREOIB Andes

Como já foi mencionada, a UII e o PROEIB Andes são redes internacionais entre

universidades governamentais e programas autônomos, como são a Amawtay Wasi e a

48 Talvez valha notar aqui, que tal „diálogo horizontal“ (pelo que eu sei) não é conectado explicitamente com o discurso livre (alem.: herrschaftsfreier Diskurs) de Habermas, se bem que a teoria de discurso deve ter tido uma certa influência neste conceito. Mas o diálogo horizontal distingue-se do livre discurso principalmente, já que o diálogo horizontal parte da condição do poder-saber. Para tanto não se trata de tal ausência de pretensões de poder idealizados por Habermas, senão de reconhecer as pretensões de poder dos dialogantes, que se enfrentam „horizontalmente“, ou seja, no mesmo nível; num nível de respeito mútuo e do reconhecimento das demandas de cada um. A crítica que o discurso lógico como meio da negociação já seja „occi-centrista“ (Hornbacher 2005: 152) sim tem que ser levada em conta. Mas por outro lado a inclusão das comunidades, ou seja, a comunitariedade domina este discurso através de decisões basicamente democráticas. Assim este diálogo não parte de um discurso científico e lógico, ou de sujeitos racionais (além.: Vernunftmenschen) idealizados por Kant (Hornbacher 2005: 153), mas implica o reconhecimento das formas performativas e narrativas de saber baseadas no mundo das aparências vivido nas comunidades indígenas.

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UAIIN, por exemplo. As carreiras atualmente oferecidas são pós-graduações em

Educação Bilíngüe Intercultural (realizado pela UMSS em Bolívia), Saúde Intercultural

(realizado pela URACAN nas regiões autônomas da costa atlântica Nicaragüense), e

Direito Indígena (realizado pela UFRO em Chile).

A interface entre as instituições governamentais e as organizações indígenas são

representados por um “meta grupo” de autoridades e profissionais indígenas:

“Básicamente es todo ese conjunto de profesionales de pueblos indígenas, inicialmente, que da la característica del curso. Desde allá la iniciativa que tubo el Fundo Indígena es por formar cuadros profesionales en la lógica de la universidad tradicional, pero con estos otros componentes. Entonces obviamente el pensamiento es que son profesionales que ya tienen títulos académicos, pero que son parte de los pueblos indígenas. [...] Lo curioso es que parte de una convocatoria a profesionales inscritos en las disciplinas tradicionales de la academia. Pero de algo hay que partir. [...] Nosotros solamente criamos un escenario, facilitamos eso. No tenemos como objetivo la idea de que haya una universidad con profesores indígenas. Pero eso obviamente es un objetivo que esta en las organizaciones indígenas” (Carlos - Cochabamba, 13.11.2006).

Este meta grupo de intelectuais indígenas deve garantir o princípio da coletividade,

levando as demandas e as resoluções das comunidades indígenas pra dentro dos

processos de construção da nova educação, que eles mesmos promovem em

colaboração com instituições indígenas e universitárias.

Na reunião de planejamento realizada nos dias 13 e 14 de Junho 2005 em Bilwi,

Nicarágua, os delegados do CRIC (que atualmente tem a presidência no PROEIB

Andes) se revoltaram contra a sua marginalização nos processos de planejamento do

programa.

„Nuestra percepción y la de la delegación indígena es que la metodología del taller y el contenido mismo del proyecto de apoyo no reflecte la verdadera participación y proyección que esperan las organizaciones indígenas en el desarrollo y ejecución del mismo“ (Bolaños & Pancho 2005 – documento interno do CRIC).

A suposta participação somente servia à legitimação do programa, reclamam os

delegados do CRIC, o que correspondia a um paternalismo em que as universidades

decidiam o que seria melhor para os indígenas. Em vez de incluir os indígenas no

planejamento, a “participação” deles seria limitada ao papel de meros informantes.

Somente as universidades convencionais seriam vistas como verdadeiros sócios no

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planejamento e na execução dos projetos. Além disso, organizações críticas

obviamente teriam sido excluídas da reunião. Dessa forma, as universidades

convencionais burlariam fundos financeiros previstos para a educação indígena através

da sua participação na UII (os mesmos).

E para terminar, a concepção da UII como formação de pós-graduados não responderia

a demanda real da população indígena por nada, a qual requereria em primeiro lugar à

formação de jovens acadêmicos.

Também o diretor da Amawtay Wasi, Renato, relata (de forma menos polêmica) o papel

marginal da Amawtay Wasi dentro da UII.

“[…] Con el Fondo Indígena tenemos una muy buena relación. Nosotros somos un centro asociado de la Universidad Indígena Intercultural. Pero no podemos hacer mayor cosa, porque los centros asociados son universidades muy antiguas y tienen estructura, tienen plata. Ellos están mas adelante – ahora nosotros estamos acompañando es bien ... mas moralmente, con ideas, con criterios. [...] Hemos llegado a un acuerdo, que intentaremos desarrollar mas o menos un enfoque filosófico indígena [...]” (Renato - Quito, dezembro 2006).

Se bem que a crítica feita pelo CRIC em relação às universidades convencionais pode

ser exagerada, ela parece ser válida pelo menos tendencialmente. Tanto o desnível

intrínseco entre universidades convencionais e programas autônomos quanto à posição

das primeiras sendo financeiramente e politicamente claramente privilegiada, implica

inevitavelmente uma relação paternalista. Além disso é lógico, que a pretensão de

poder do estado em relação aos projetos financiados por ele (também a UII e o PROEIB

Andes são financiados pela GTZ alemã, ou seja, pelo governo alemão) reflete-se nos

próprios institutos educacionais. E por fim, a questão é, até que ponto as universidades

como instituições antigas e estabelecidas na sociedade devem dividir o seu monopólio

como “donas sobre o verídico e o falso” com outros atuantes novos no campo da

educação. Em suma, não surpreende que elas mostram ter dificuldades em responder

por completo a demanda indígena de uma própria educação equivalente. Abrindo

“espaços” para o saber neo-indígena dentro das universidades, estes saberes também

estão sob a custódia das universidades. Até que ponto este comportamento dos

atuantes segue uma estratégia a sua consciente, com o objetivo de assegurar o

monopólio histórico das universidades tradicionais, não pode ser deduzido aqui.

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3.6.2. Caso 2: A reforma educacional Boliviana vs. “universidades” indígenas autônomas

A reforma do sistema nacional de educação na Bolívia, então, implica uma adaptação

extensa da educação ao nível acadêmico às necessidades da população indígena. Mas

a reforma nacional também implica uma política de inclusão ao sistema nacional. Ao

mesmo tempo o número de “universidades” indígenas autônomas, lutando pelo seu

reconhecimento oficial, ou até já concorrendo com projetos universitários, está

crescendo. Assim por exemplo no caso da nova extensão da UMSS de Cochabamba no

Valle del Sacta, que deve servir a zona trópica, mas cuja pululação gerou um próprio

projeto autônomo, a “Universidad del Tropico”. Como uma das autoras da reforma

educacional, Rosana se vê crítica frente a estas tentativas separatistas:

“Ahora hay otra cosa entrecruzada, porque este proyecto del Valle del Sacta se ha convertido en una unidad de la Universidad de San Simón. [...] Pero paralelamente, se está salido recientemente la ley de la Universidad del Trópico. O sea que allí hay dos instancias medias, chocadas. Porque la idea era convertir esta unidad en la unidad académica que atendiera desde la instancia publica a la zona del trópico. Pero por las propias cuestiones de la universidad, cuestiones políticas, cuestiones de reivindicaciones de las propias poblaciones indígenas de la zona del trópico, sindicatos de cocaleros y demás, ellos lo que quieren es impulsar su propia universidad. Y bueno, han comprometido [...], y no han querido ser integrado, digamos, al proceso de desconcentración que esta haciendo la universidad en el trópico. Entonces han impulsado su proyecto de la creación de otra universidad paralela a la San Simón, que es la Universidad del Trópico, que supuestamente va a ser publica, también. [...] No había otras universidades indígenas criadas, pero hay este impulso permanente de el intento de la universidad publica de mantener un poco su hegemonía, y estas demandas que surgen como hongos por todo lado, de creación de universidades indígenas. Ahora tenemos un nuevo componente, que es de la desconcentración académica, que para mi es un poco la salida mas razonable. Porque lo que plantea esta cuestión de la desconcentración, que también está en la nueva ley previsto, es que la universidad instale sub-sedes académico-administrativas en diferentes arias rurales. Entonces por lo menos la Universidad Mayor de San Simón, desde el año pasado [2005], mas o menos, ha empezado con esta tarea de desconcentración y tiene previsto hacer, digamos, todo un proyecto de creación y de fortalecimiento de unidades que van a atender las arias rurales, y que van a tener también una forma de gobierno diferente, con participación social, diseños también curriculares distintos, tratando de implementar y aplicar estos principios que discutíamos el otro día. [...] Pero casi cada comunidad, cada municipio, cada ayllu, todos tienen su ‘universidad’. Entonces aquí también hay un peligro de una distorsión de lo que realmente se pretende en termos de la educación superior. Es complicado el tema también por ese lado. Porque allí hay temas como se hace para atender estas demandas, que son

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legítimas, pero de algún modo, talvez de una visión occidental surge esto, no, de como hacer eso sin traicionar el estatus epistemológico de la propia universidad. O sea: deja de ser universidad, o sigue siendo universidad? Hasta donde el tipo de formación que se demanda mas es universitario. [...] Entonces ha la necesidad de redefinir lo que entendemos por universidad también. [...] Creo que es insostenible en este momento de historia, no, de pensar en que podemos hacer un tipo de educación estrictamente local, con los saberes estrictamente local” (Rosana - Cochabamba, 10.12.2006).

Os planejadores da reforma educacional vêem tanto a descentralização universitária e

a participação popular, quanto a criação de novos espaços interculturais dentro do

sistema educacional nacional como a melhor das oportunidades para responder às

necessidades de uma sociedade pluricultural.

Embora a reforma já tenha gerado resultados práticos e geralmente seja bem

ambicionada, os seus objetivos não parecem satisfazer as demandas das organizações

indígenas. Por exemplo, podia ser questionado, se programas autônomos não oferecem

principalmente propostas mais adequadas às necessidades locais, embora isso implique

certos problemas de organização e de legitimidade. “Universidades” indígenas

autônomas, que proclamam o saber neo-indígena, junto às suas mnemotécnicas,

espaços e especialistas específicos, como fundamento do seu ensino, relativizam o

conceito ocidental de universidade. Do ponto de vista de um sistema de educação

nacional e normativista, que está intencionado a gerar, através de uma formação

estandardizada, igualdade de chances no mercado de trabalho, tem que entender este

tipo de particularização como ameaça séria da sua própria auto estima.

Mas pode-se suspeitar, que a questão em cujas mãos deva estar a construção e

legitimação de saber, seja ele intercultural, ou não. ¿Quais são as instâncias dominando

o discurso, que julgo sobre “verdadeiro” e “falso”, e que fornece os fundamentos de

decisões e da legitimação da atuação política (considerando o poder do discurso

analisado por Foucault veja Guthmann 2003: 52,)?

3.6.3. Caso 3: UAIIN vs. Universidad del Cauca

Na Colômbia, onde o poder não está nas mãos de um ex-cocaleiro Evo Morales como

na Bolívia, senão nas mãos do ex-paramilitar Álvaro Uribe, a demanda de uma própria

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educação indígena está claramente em oposição a hegemonia do governo. Apesar

disso, ou talvez seja justamente por isso, que as organizações indígenas como o CRIC

obtiveram o reconhecimento oficial como autoridades indígenas. Isso fez com que eles

adquirissem o direito a uma educação própria, que desde 1991 esta garantida pela

constituição Colombiana. O CRIC é hoje oficialmente responsável pela educação das

comunidades pertencentes a ele. No lugar da igreja católica, ele está encarregado da

educação escolar. Nas escolas do CRIC estudam cerca de 4 000 crianças, tarefa pela

qual o CRIC recebe 840 000 pesos por cada criança.

Em relação à educação acadêmica, que já foi enfocada desde inícios dos anos 90, a

organização dependia da colaboração de universidades públicas, porque o estado

continuava negando reconhecer a UAIIN como universidade legítima.

“Aquí existe la ley 30 para todo lo que es proceso de creación de universidades Pero la posición del gobierno es: ‘ni una mas!’ Ya no acepta ni una universidad mas, porque para el gobierno le implica presupuesto. Eso es el pretexto para decir: ‘no queremos mas universidades’” (Eduardo - Popayán, 29.12.2006).

“Pero es un argumento financiero por ese lado. Del otro lado el argumento es también político. O sea, entonces, bloquear los pueblos indígenas a criar su universidad, es un argumento político. Está contra de lo que está plasmado en la constitución. [...] Allí se contraria. No garantiza en la practica hacer ese ejercicio. Por otro lado creo que el papel ideológico comienza en un momento en que el estado dio autonomía para formular los propios, digamos, los propios currículos. Pero luego después que dio esa autonomía se dio cuenta de que se estaba perdiendo peso político, peso ideológico. Porque a través de la educación se estaba fortaleciendo políticas y organizaciones. Entonces mueve nuevamente a centrar el control sobre la orientación de los currículos rurales. Ceder una universidad de estas características, es ceder a ese control“ (Sebastian - Popayán, 29.12.2006).

Após anos de escaramuça, criando vários acordos que foram rompidos pelas

universidades associadas e pelo ministério da educação, em 2002, logrou-se um

acordo com a Universidad del Cauca em Popayán. Para poder conferir títulos oficiais

aos participantes da própria carreira em educação própria iniciado pelo CRIC no ano

1998, este curso devia ser continuado em colaboração com a carreira de etno

educação da universidade pública.

“Nosotros empezamos el programa de licenciatura en 1998. […] Y inicialmente éramos 50, entonces acabamos en unos 25 personas, que somos nosotros que estamos terminando ahora. Antes de hacer el convenio con la Universidad del Cauca

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estudiamos casi cuatro años. En estos cuatro años fue construcción colectiva, digamos. Y porque no había un programa ya iniciado, entonces nos toco muchos talleres, muchos encuentros entre maestros mismos del programa de educación indígena y bilingüe. Para poner el currículo, que buscábamos. […] Ya comienza un programa mas o menos consolidado en el año 1999. […] Igual, en el camino siempre estuvo la pregunta, si eso vale o no vale un titulo. […] Y ya del 2002 para ca, entonces, empezamos a hacer convenios con muchas universidades que de pronto tenían la voluntad, pero en términos administrativos, no se que, algo pasaba, y entonces no permitían. Entonces se logro hacer ya con la Universidad del Cauca. […] Entonces allí empezamos el convenio. Ese convenio implicaba de que si nos validara estos cuatro años, que ya habíamos recorrido, y que hacíamos la otra parte de que nos faltaba. […] Estamos cuatro años mas y estudiamos como casi ocho años. Y en eso había dificultades de todas maneras, porque, pues, lo hicimos con el programa de etno-educación. Entonces hubo que revisar un poco los contenidos que ya habíamos avanzado, y con los contenidos que ellos habían en el programa de etno-educación. […] Pero yo pienso que esos cuatro años que pasamos solo antes del convenio mas los otros cuatro años a nosotros nos sirvió como proceso de retro-alimentación, digamos […]“ (Marinalva (A graduada no primeiro ano de UAIIN) - Popayán, 29.12.2006).

“La base de construcción pues, son las investigaciones, los referentes, y todo eso si surge todavía. El problema es si los orientadores de la Universidad del Cauca saben capitalizar todo eso. Capitalizarlo en el sentido en que ellos que son depositados de eses saberes, el maestro de la Universidad del Cauca, ha la capacidad para aprovecharlo, eso es el problema. Muchos de los maestros de la Universidad del Cauca no tenían la experiencia de este tipo de cosas. Entonces hasta donde se explora, hasta donde se articula los saberes y conocimientos tradicionales, de los mayores, dentro de ese espacio de formación?” (Sebastian - Popayán, 29.12.2006).

“Cuando nosotros estábamos iniciando el proceso, ya estábamos a cuatro años con el programa de educación del CRIC. En la parte por ejemplo de los rituales nosotros íbamos a participar e ya cuando volvíamos empezábamos a discutir y analizar lo que vimos, lo trabajamos. Ya cuando llegamos a la universidad, creo que tuvimos dificultades, inclusive cuando nosotros ya teníamos un proyecto de investigación desde las necesidades de las comunidades, ellos pues nos querían meter otro proyecto. Entonces nosotros, pues, el grupo decidió mantener eso y pelear en la universidad para que eso se quede, y que eso fuera también como tesis de nuestro trabajo. Y no como ellos querían, que nosotros como no teníamos esa capacidad de investigación, entonces por eso que nos querían también meter otro tipo de investigación. Como parte del programa de educación, también desde el principio hubo unos acuerdos de que los orientadores tenían que ser pares. O sea, que los orientadores de acá del programa y los orientadores de las universidad hacían pares de trabajo y daban las clases. Y creo que eso también ayudo un poquito a mantener la autonomía. […] Porque algunas cosas se iban mucho al lado de la institucionalidad. […] Y creo que nosotros como estudiantes todavía tenemos como falencias. Lo digo yo porque desde la universidad no se trabajo profundizando la parte de la pedagogía comunitaria, que sea desde lo que se maneja desde las comunidades, o desde los sabedores, o los thê walas. […] Pues creo que como ellos son tan institucionalistas, y nosotros como pues vemos

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las cosas de otra manera, y siempre llegamos a chocar, pues es bueno conocer ambas partes […]” (Mery).

¿Pues era bueno mas como es bueno conocer al enemigo?

“Si, es un poco eso…” (Mery - Popayán, 29.12.2006 – extrato de dialogo)

“[…] La educación se podría llamar occidental. O sea, un poco en el marco mas académico, mas teórico, que no sirve para solucionar las problemáticas de las comunidades. A diferencia de los procesos de educación propia han intentado a articular los procesos académicos, teóricos conceptuales, con la solución de las problemáticas. O sea, se articula la teoría con la practica. Y la validez o no, en cierta medida siempre ha sido una confrontación. Desde la perspectiva de la ciencia occidental se ha enfrentado desde calificar los procesos que se dieron aquí, como unos procesos no científicos. Los consideran simplemente como conocimientos empíricos sin ningún sustento teórico conceptual. Pero toda la practica que hemos dado desde acá, así, se hace todo el proceso de construcción de teoría, de construcción conceptual, y se está aplicando para trasformar la realidad. En términos de pertenencia entonces eso que se sacó desde aquí es mucho mas adecuado y sirve para las realidades nuestras, que realmente los procesos de la educación occidental convencional. Entonces el occidente siempre sigue debilitando los procesos interculturales” (Sebastian - Popayán, 29.12.2006).

“Nosotros hemos venido mirando, y nos ha permitido conocer como piensa el orto, el otro indígena, o como piensan los otros, pero de una manera igualitaria. Porque el pensamiento Nasa ha sido de tipo horizontal, y si hay otra cultura que también piensa de la misma manera, pues, bien, pero si es de un pensamiento vertical, pues, que habrán cosas que nosotros de hecho no los compartimos, porque eso no es para la construcción del mundo que nos queremos. Entonces recogemos las cosas de otras culturas para ver si cabe, para cada vez mejorar nuestra cultura” (Adriano - Popayán, 29.12.2006).

Apesar dos esforços perseverantes do CRIC, e embora esteja disposto a compromissos,

a cooperação com a universidade pública de Popayán falhou. A incapacidade de

entender conceitos alheios, e também a arrogância, inflexibilidade, e sobretudo, o fato

do estado se recusar de forma absoluta a renunciar ao seu monopólio de outorgar

títulos e da produção e legitimação do saber, impediram uma colaboração que seja

mutuamente satisfatória. Este conflito entre o programa autônomo de educação do

CRIC e o sistema nacional de educação demonstra claramente a importância da

educação em relação à legitimação do saber e do poder político.

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4. primeira conclusão preliminar

Essa primeira parte descritiva foi intencionada para ilustrar a dinâmica interna da

grande variedade de esforços feitos por diversas instituições e organizações na América

Latina, para estabelecer uma educação indígena e intercultural a nível acadêmico.

Enquanto isso mostra-se a importância central do espaço de tensão gerado pelo

conjunto de saber-poder, em que os mesmos processos descritos acontecem. A maioria

das pessoas envolvidas estão conscientes dessa condição do saber-poder, que muitas

vezes é articulado explicitamente. O resultado dessa problematização desse

entrelaçamento político-epistemológico é a concepção de interculturalidade, que surge

como utopia de uma sociedade pluricultural e igualitária (Rappaport 2005). A seguir o

conceito de interculturalidade e da forte vontade de fortalecer as culturas neo-

indígenas, apareceu uma série de projetos autônomos e programas universitários

bastante diversificados, que em muitos casos colaboram, mesmo entrando em conflitos

ideológicos e concorrendo por espaços políticos. A divisa desses conflitos percorre,

tendencialmente, separando projetos autônomos manejados por indígenas, e

programas governamentais (sustentados por organizações governamentais, como no

caso da UII e o PROEIB Andes, que são financiados pela GTZ, fundação governamental

alemã de colaboração), o que corresponde a um conflito de interesses políticos de

poder; ou seja, esta fronteira marca os limites do alcance da hegemonia do estado

nação.

Em relação ao saber, como aspeto do poder, estes conflitos refletem a limitação das

universidades convencionais em poder integrar saberes neo-indígenas. Isso resulta em

um dissenso em relação a essa questão entre os inteletuais e acadêmicos envolvidos. A

acentuação da importância de novos espaços, que devam servir um âmbito privilegiado

de processos dinâmicos baseados em um diálogo “horizontal”, e que finalmente devam

redefinir “automaticamente” o jeito da ciência lidar com saberes alheios e a sua

integração, às vezes parecem nascer de uma certa insegurança.

Em certo modo esse conflitos parecem refletir a contradição intrínseca das ciências pós

modernas, já prescrita por Lyotard (1986)49. As ciências, sim, estão consciente da

49 Até que ponto as críticas feitas ao analise „falso“ dos jogos de linguagem de Wittgenstein feito por Lyotard (veja por exemplo Bouveresse 1984: Racionalité et Cynisme, Paris: 145ff) tem razão, ou se a sua

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insustentabilidade sistêmica da doutrina positivista, mas como dispositivo

performativo50 elas estão enredadas na lógica mercantilista de eficiência produtiva. As

ciências acham a sua legitimidade somente na performance em relação aos “usuários

de um instrumentário concepcionalmente e materialmente complexo, e aos usuários do

seu rendimento”, como seu potencial gerador (o mesmo: 153). Assim, ela se torna um

instrumento de um sistema tecnocrata.

“Os tecnocratas explicam não poder confiar no que a sociedade determina como as suas necessidades, [porque] eles ‘sabem’, que ela [a sociedade] mesma não pode conhecê-las [...]. Isso é a arrogância dos Responsáveis, e cegueira deles” (o mesmo: 182).

Essa pretensão não justificada à soberania, que se baseia no que os responsáveis

identificam-se erroneamente com sistema como unidade performativa, não responde

ao ideal das ciências pós-modernas, porque elas principalmente contam com a

possibilidade de modificar as suas regras discursivas. Mas como instituição ,a ciência

está reproduzindo a hegemonia social.

“O abismo entre os que decidem, e aqueles que efetuam, se este existe na comunidade dos cientistas – e ele existe -, pertence ao sistema sócio-econômico, não à pragmática científica” (o mesmo: 186).

Contrariando a sua pragmática epistemológica, a ciência, como instituição, segue as

regras de uma teoria social do tipo sistêmico-determinista, que entende a sociedade

como uma “máquina grande” (o mesmo: 50).

Este determinismo positivista resulta do exigir comensurabilidade, a que assegura a

legitimação das autoridades: “Colaborem, sejam comensuráveis, ou sumam!” (o

mesmo: 15)

Um modelo único, como o estado nação, requer uma verdade monolítica para poder

administrar esta unidade. Movimentos revolucionários, propostas críticas, como o

movimento indígena com a sua utopia de uma sociedade libertadora, requerem um

modelo dualista da sociedade. Distintos modelos sociais implicam, porém, distintas

concepções de “saber” e “verdade” (o mesmo: 42). Lyotard parte, como Foucault, de

interpretação deve ser entendida como um aumento necessário das teorias de Wittgenstein (veja (Welsch, W. 1987: Unsere postmoderne Moderne, Weinheim), não me atrevo a julgar neste lugar. Mas fora dessa questão a análise das ciências pós modernas feito por Lyotard, como uma instituição ideologicamente aberta, mas enredada nas estruturas hierárquicas de poder, me parece válida.50 Aqui no sentido utilizado por Lyotard, como eficiência do sistema científico.

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um entrelaçamento de saber e poder como “dois lados da mesmo questão” (o mesmo:

35). Isso permite chegar à conclusão, de que a ciência, como instituição que tem um

papel importante na produção de saberes, legitima discursos sociais e estruturas de

poder que determinam a prática social, sendo que, segundo Foucault, a pratica social é

idêntica à prática discursiva, que determina as regras daquele discurso, que, por sua

vez reproduz (veja Guthmann 2003: 52). Nesse sentido a ciência, como instituição, faz

parte da prática discursiva geral da sociedade, cujas estruturas de poder ela reproduz

(veja também Bourdieu 1992). O ceticismo das ciências pós-modernas frente o próprio

meta-discurso (descrito por Lyotard), como ideal da ciência, legitima a sua produção de

saberes. Assim mesmo o ideal ceticista serve como meta-discurso legitimante.

Contrariando a prática social dominada por hierarquias e restrições, da qual ela faz

parte, a ciência nega esta prática reanimando o seu ideal racionalista como forma de

uma deslegitimação do saber (veja parte II, cap. 1.2).

Dessa forma fazendo parte da prática social, uma transformação da ciência somente

pode ser alcançada através de uma transformação da prática discursiva social. Em

relação à educação intercultural Guthmann prevê a necessidade de politizar a

pedagogia. Ele exige uma pedagogia que “está no meio”, e que desenvolve demandas

políticas próprias. Os pedagogos devem revelar-se como inteletuais orgânicos no

sentido de Gramsci, para estabelecer um novo discurso hegemônico, que tenha o

diálogo intercultural como foco (Guthmann 2003: 61, 157).

Para Joanne Rappaport, os ativistas e professores escolares do CRIC já são inteletuais

orgânicos. Eles responderiam às caraterísticas descritas por Gramsci, cumprindo o

papel de portadores de um diálogo intercultural, e mediadores do discurso hegemônico

e os seus inteletuais tradicionais (Rappaport 2005: 10). Projetos educacionais

centralistas, como a reforma Boliviana, mas também como a UII e o PROEIB Andes,

partem da idéia de modificar os espaços institucionais. Estabelecendo um diálogo

intercultural e “horizontal” através da criação de espaços interculturais, espera-se

enfraquecer o universalismo da ciência ocidental. Mas será que a pretensão

inclusionista destes programas se distingue mais gradualmente do que essencialmente

dos esforços normativistas do governo Colombiano, que tenta sufocar qualquer tipo de

educação própria? Pelo menos parece que uma parte do movimento indígena tenha

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essa impressão.

A inclusão mesmo sendo bem intencionada, da educação e dos saberes neo-indígenas

nos institutos da educação pública contraria as demandas indígenas de autonomia e

autodeterminação em dois sentidos: Primeiro politicamente, porque a utopia indígena

parte de uma verdadeira autonomia comunitária (que tem paralelas com a Anarquia

idealista de teóricos como Godwin, Proudhon, ou Kropotkin51), o que significa que não

é o contrato social que fornece o princípio político, senão uma associação voluntária

entre as comunidades em redes organizativas (por exemplo os cabildos na Colômbia,

ou a Federacion del los Centros Shaur do Equador, que servem mais como uma

fortaleza para a defesa coletiva do território e da autonomia, do que para estabelecer

uma estrutura hierárquica). Sendo o local da construção coletiva de saber e da própria

empresa social, a educação tem que ser livrada de qualquer controle externo.

Segundo, a inclusão institucional implica uma dificuldade epistemológica: porque a

legitimidade do saber indígena é reconhecida retoricamente, mas no caso concreto tem

que ser negociada frente ao saber científico, caso não queira ser percebida meramente

como folclore.

Se bem que com a inclusão de saberes alheios é prevista a reestruturação da educação,

e ao final das contas também da ciência em si, e, porém, uma transformação das regras

do discurso que legitimiza o saber, a legitimação dessas transformações tem que ser

geradas dentro dos espaços do discurso hegemônico. Independentemente das

afirmações políticas, as formas alheias de saber devem ser estabelecidas no discurso

científico, antes que se possam dar entrada no cânon das narrações “verdadeiras”.

Neste momento, isso pode acontecer somente através de uma reinterpretação dos

saberes alheios dentro dos teoremas científicos52, o que necessariamente corresponde a

uma descontextualização e transmutação destes saberes, e não o reconhecimento de

51 Claro que não se pode pensar, que o movimento indígena seja orientado por idéias originadas no anarquismo Europeu. Essa paralela deve ser entendida meramente como uma coincidência contingente, que se refere à tendência igualitária das culturas originárias descritas por Clastres (1976) como „inimigos do estado“. Obviamente as utopias anarquistas de Godwin e outros são projeções românticas, um tipo de saudade da origem (veja Woodcock (1983) 2004).52 Descrevendo, por exemplo, rituais de cura como „placebo“, ou „fenômenos psicossomáticos“. Aliás, a descrição deles como „fenômenos para-psicológicos“ não será menos problemática, porque a para-psicologia igualmente segue uma visão ocidental, e para tanto utiliza modelos de explicação do tipo científico, pseudo-cientifico, ou esotérico.

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sua forma e valor próprio.

Naturalmente a chance de estabelecer novos discursos aumenta com a quantidade dos

profissionais, ou seja, dos intelectuais orgânicos aportando-los. Isso é a estratégia de

programas como o PROEIB Andes e da UII, cujo objetivo é a infiltração do sistema

educativo por acadêmicos indígenas e os seus discursos. Mas é uma caminho bem

longo passando pelas instâncias, o que os mesmos envolvidos apontam, e pode-se

perguntar (como o fazem alguns ativistas do CRIC), até que ponto algumas centenas de

acadêmicos indígenas podem transformar a paisagem universitária da América Latina.

Por outro lado os projetos autônomos, na maioria, carecem o direito de outorgar títulos

legais. Assim eles podem preservar a sua autonomia em termos do aspecto do saber do

poder. Mas, em termos do aspeto do poder do saber, os seus intelectuais indígenas

seguem desqualificados pelo discurso dominante. Desse jeito eles continuam excluídos

da produção do saber “legítimo”, o que é simbolizado pela negação do capital

simbólico dos títulos (veja Bourdieu 1987: 243).

II. Parte: Implicações Epistemológicas: Caminhos a uma Pluralismo Epistemológico?

O movimento para uma própria educação acadêmica indígena, então, implica um

entrelaçamento de problemas epistemológicos e sociais em vários níveis desse

processo. Após ter ganho uma idéia geral da problemática, esta segunda parte está

intencionada para esclarecer e aprofundar um pouco os aspetos epistemológicos.

Enquanto isso, a condição do saber-poder será entendido como uma condição

constitutiva das tendências prescritas aqui. Portanto o ponto de partida dessas

observações não é que as implicações epistemológicas sejam mais relevantes do que o

aspecto do poder; é mais que o aspecto epistemológico, é de maior interesse

justamente por ser intrinsecamente entrelaçado com a dimensão do poder, a qual,

então, implicitamente será objeto destas observações apresentadas aqui .

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1. Complicações Epistemológicas

A seguir o método argumentativo da primeira parte, o ponto de partida será uma visão

interna dos processos descritos, para depois acrescentar alguns pensamentos teóricos a

partir de um olhar externo.

1.1. Interculturalidade no Contexto da Educação acadêmica

Sendo que a educação indígena e intercultural resultou de uma demanda política, e

segue funcionando em primeiro lugar como dispositivo político, muitos tendem a

procurar resoluções para os problemas epistemológicos implicados no âmbito político.

“No hemos tenido ese dialogo y de hecho se dan respuestas de tipo político, no cierto. Pero son unos discursos que son mas o menos retórico también. Es decir, se hace todo un discurso para avaliar y justificar programas que eso es cierto. Eso es lo se sigue haciendo hasta ahora. Se plasma en trasformaciones del estado, en leyes, programas de educación, etc., etc.” (Carlos - Cochabamba, 13.11.2006).

Como aponta Antonio Arrueta, muitas vezes são fórmulas retóricas, como a

“igualdade”, ou o “reconhecimento” de diversas formas de saber, que acabam em

meras afirmações, mas que requerem dispositivos adequados para realmente poder

lidar com uma variedade de saberes. Que isso não pode ser resolvido meramente por

boa vontade, manifesta-se por exemplo nas tendências de dissolução que se deram na

etnologia, que às vezes parece capitular frente ao desafio de formular conceitos

culturalmente específicos de forma autêntica e ao mesmo tempo inter-culturalmente

inteligível.

Este desafio não está sendo empreendido de forma conseqüente, porque a educação

indígena a nível acadêmico em grande medida ainda está concentrada na formação de

educadores, e porém percebe a integração de saberes distintos em primeiro lugar como

problema pedagógico.

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„Talvez a área de estudos de Ciências da Matemática e da Natureza seja a que mais provoca desafios ainda não decifrados pela educação escolar indígena“ (Lindenberg 2003: 45).

Revela-se aqui o problema da inter-relação do mundo indígena e de sua interpretação a

partir das ciências naturais. Mas é uma coisa explicar às crianças da escola primária

uma outra cosmologia, além, ou invés de um ensino religioso cristão53. Também

métodos bem elaborados como o tul, que é um jardim etnobotânico que serve como

objeto, ou laboratório para esclarecer os aspectos cosmológicos e ecológicos da

horticultura indígena às crianças. Cuja manutenção pelas mesmas ainda insere as

mnemotécnicas próprias baseadas na prática dentro de espaços adequados no ensino

(veja Ramos & Bolamos 2004), não podendo servir como base de um diálogo

intercientífico. Já a escolha dos conteúdos apropriados para o ensino está governada

pela reconstrução de conhecimentos próprios e alheios.

“Claro, se necesita mediaciones para poder articular estos diferentes tipos de saberes. Allí sí se ha planteado de punto de vista curricular, cuando decimos lo que es currículo, buen currículo es una selección cultural de saberes considerados socialmente relevantes. Si tu partes de ese principio en un contexto de enorme flexibilidad, y de enorme pluralidad, y demás, el primer problema es: ‘bueno, y que es lo socialmente relevante’. Y cuando hablamos de una selección cultura, de cual culturas, de que culturas, cuando hablamos del indígena, de que indígena? [...]” (Rosana - Cochabamba, 10.11.2006)

Quando surgiram programas internacionais maiores, como a UII e o PROEIB Andes, as

questões epistemológicas tornaram-se cada vez mais importantes. Primeiro, porque

esses programas partem de uma integração de saberes indígenas com o objetivo de

uma transformação lenta das universidades. Segundo, essa estratégia tem como

objetivo final o estabelecimento de um diálogo horizontal entre acadêmicos indígenas

e não-indígenas. Ambos objetivos implicam a “cientificação” prévia dos

53 No programa de formação de professores indígenas para a educação intercultural e bilíngüe especializada do AIDESEP (Asociacion Intercultural de Desarrollo de la Selva Peruana), por exemplo, propõe-se o contraste entre as diversas cosmologias e outras „religiões“:„Para entender el sujeto de la autoridad nativa se vuelve a abordar la concepción socio-natural indígena y las prácticas asociadas con éstas, para luego compararlas con las de diferentes religiones“ (Trapnell et al. 1997: 46). É interessante que o grupo de autores ETSA do AIDESEP aponta justamente ao perigo do saber indígena torna-se folclore: „Pero, hay que preguntarse, si al enfocar los hechos concretos que maneja una educación intercultural, es posible limitarse a contemplar genéricamente ‚costumbres’, ‚leyendas’, ‚canciones’, ‚artes’, ‚conocimientos’, ‚folclore’, etc., y no invocar hechos etnográficos específicos que plantean precisamente en su especificidad problemas pedagógicos al momento de entrar como contenidos en los procesos de aprendizaje de la escuela [...]“ (ETSA 1996: 5).

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conhecimentos neo-indígenas, uma sistematização e reformulação científica em forma

de concepções teóricas. E assim começam a ser integradas instâncias e programas, cujo

objetivo é a articulação de linhas epistemológicas.

“Bueno, tu sabes que esto es una red. Son nueve países que se involucran. Y la idea es desplegar cinco cursos, que hacen parte de la universidad indígena. Una parte, la educación bilingüe e intercultural, es el cargo del PROEIB Andes. Pero cuando estuvo para decidir el diseño de los cursos, especialmente este que tiene que ver con la educación intercultural bilingüe, y el de derechos indígenas, que va a ejecutarse en la Universidad de la Frontera en Chile, y mas el componente de salud intercultural, que va a ser ejecutado por la URACAN en Nicaragua, entonces allí hay un interés, digamos, una necesidad de articular todo esto, para que no sean componentes sueltos. No solo desde el punto de vista del acuerdo [...]. La articulación tendría que tener un enfoque que nos permita a integrar, digamos, esos tres componentes para empezar [...]. Y eso es la cátedra indígena: la cátedra indígena implica un espacio, digamos, que articule epistemológicamente estos componentes. La cátedra indígena implica que por ejemplo hay líderes indígenas de distintas comunidades [...], que mas allá del discurso político sobre el movimiento indígena que ya es mas o menos conocido, pudiesen dialogar con los ‘mas académicos’, y proveernos insumos para pensar sobre el conocimiento indígena” (José Antonio Arrueta - Cochabamba, 13.11.2006).

1.1.1. O problema da Legitimidade

Embora a elaboração e articulação de métodos epistemológicos pelos indígenas para a

integração de formas de saber distintas certamente seja o pré-requisito para o

empreendimento intercultural, não garantem a possibilidade de uma colaboração

verdadeiramente intercultural e inter-científica. Nietta Lindenberg (2003) aponta a

grande divergência de opiniões na discussão sobre o valor epistemológico dos saberes

(neo-)indígenas. Chegam de um diálogo intercultural, ou inter-científico até a

depreciação de um sistema de saber inferior. Além disso a questão da

comensurabilidade das epistemes relevantes ainda está sendo discutida

controversamente. É a lógica inclusiva da ciência, que ao contrário dos saberes

“locais”, se auto define como episteme “universal”, e cujo método para reinterpretar

saberes alheios limita-se à redução dos elementos falsificáveis, não está muito

interessada em aproveitar o potencial epistemológico daqueles conhecimentos.

„[…] A maioria dos estudos etno biológicos tende a levantar o conhecimento nativo somente em relação ao que é previamente conhecido pela ciência. Assim investigamos

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categorias de uso de plantas, comportamentos animais, relações ecológicas, tipos de solo e paisagens que estejam abordados em nosso próprio sistema de conhecimento,“ (Posey, Darrell 2001: Interpretando e utilizando a „realidade“ dos conceitos indígenas, Rio de Janeiro).

Em relação as suas experiências com os cursos interculturais na UNCIA, Tzamarenda

Naychapi faz um relato sobre os problemas que os acadêmicos ocidentais tiveram para

realmente se entregarem aos saberes alheios. Mas ele também menciona a esperança

na resolução das barreiras que dificultam o entendimento mútuo entre as culturas.

“[...] Por eso a todos que vienen aquí nosotros decimos: ‘este es tu casa, tu mundo, tu ciencia, no es nuestra’. [...] Entonces yo pienso que todo que hablo, todo lo que se trasmite, aun escrito, es difícil entender. Pero por eso necesitamos mas espacio para poder discutir con el mundo occidental. [...] Porque la mayoría de los investigadores estudiosos han venido aquí para sistematizar su pensamiento, sus tendencias. Pero es importante abrir espacios de discusión. [...] Entonces tenemos que ver los puntos básicos de cada materia, de cada aspecto, de cada ejemplo, que nosotros podemos poner con claridad y con transparencia. Yo pienso que allí va a empezar de repente, recién a iluminar la verdad de entender la una ciencia, y de entender la otra ciencia.” (Tserembo - Yawints, 20.12.2006)

Ou seja, nem o diálogo inter-étnico respeitoso, nem a observação participante (do que

na verdade, se trata nos cursos da UNCIA), garantem a desconstrução do preconceito

científico. Este velho problema da etnologia da inevitabilidade do bias etnocêntrico e

científico, surge no contexto de um inter-cientismo intercultural como uma coesão

operacional da episteme ocidental. Partindo do princípio da falibilidade, ou seja, do

axioma metafísico da causalidade unilinear (o presente como resultado do passado), e

qualidade singular da existência (uma coisa tem somente uma definição hipotética), os

etnólogos não podem integrar fenômenos como “adivinhação” (efeito do passado ao

presente) e “magia” (efeito do espírito sobre a matéria) no discurso científico, sem

reinterpretá-los seguindo a axiomática científica. Apesar de todas as declarações pós-

modernas de respeito; “mitos”, “magia”, e rituais “xamânicos” geralmente seguem

sendo interpretados sócio-psicologicamente, ou simbolicamente.

“A seguir uma explicação que R. Merton propôs. Eles [os rituais] são algo como uma cola social – eles realçam relações entre as pessoas e as suas posições sociais. Nenhum investigador acha natural, que danças da chuva sejam executadas porque elas são exitosas. Acha-se evidente, que até danças muito sofisticadas não possam provocar uma chuva” (Feyerabend 1976: 78 – traduzido por mim).

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Na maioria dos casos, tais modelos explicativos correspondiam a um funcionalismo

psico-social, e Feyerabend segue reclamando, que não tem nenhuma pesquisa

científica sobre o efeito real daqueles rituais (o mesmo: 78).

Outrora uma investigação em relação ao efeito da medicina dos Coyaima e Natagaima

foi tentada pelo etnólogo alemão Franz Xaver Faust. Incentivado por ele, duas gêmeas,

ambas com epilepsia, entregaram-se a um tegua (médico tradicional). O experimento,

que começou levando a resultados promissores, lamentavelmente teve que ser

interrompido por causa de um acidente de carro que uma das gêmeas havia sofrido

(veja Faust 1989: 180). Todavia, conclui Faust:

“[...] É a tarefa dos teguas. Através do medo que as pessoas tem da bruxaria controlar a vida social com doenças mandadas ele deve punir àquelas pessoas que provocam conflitos no grupo. Assim os teguas participam de forma significante na persistência da etnia” (o mesmo: 186).

Dessa maneira o mesmo Faust reduz a função dos curandeiros “tradicionais” a uma

“cola social”. Referindo-se aos Shuar. Mas Perruchón (2003) mostra de forma

convincente, que o “xamanismo” não é integrativo, senão tem um efeito centrífugo de

encaixe social (a mesma: 2003: 200).

Condena também Langdon tais interpretações sócio-funcionalistas, que tratam a

“magia” de forma geral, como se não funcionasse (Langdon 1992 (1): 11).

"However, by categorising and generalising ideological systems as derived from social structure, and viewing the function of ritual in primitive societies as being primarily one of social control, the full importance of shamanic systems in native tradition is ignored, as are social the creative and expressive aspects" (o mesmo: 5).

Mas somente para em seguida referir-se ao conceito simbólico de Geertz, e explicar

que havia que largar a questão da eficiência real de “magia”, e retorna-se à questão da

sua importância para ajudar às pessoas a se orientarem no mundo: "Its efficacy lies in

its power as metaphor to express and alter the human experience by altering

perception" (o mesmo: 12). “Magia”, então, igual a religião, aparece como um

“Sistema simbólico que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens, através da formulação de conceitos de uma ordem de existência, geral e vestindo essas concepções com tal aura de factualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas” (Geertz 1983: 48 – traduzido por mim).

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O problema não se refere aos sistemas alheios de saber que são vistos como realidades

construídas, senão que implicitamente eles são justapostos a uma realidade “universal”

e cientificamente prescritível. Assim, este simbolismo se revela como psicologismo,

porque ele diminui as cosmologias alheias a ilusões inconscientes54. Com isso Geertz

reproduz o problema representacional da metafísica ocidental, reconduzindo toda a

existência e qualquer ação a uma idéia. Justamente ali, onde a ciência devia comprovar

a sua universalidade fazendo o pensar alheio compreensível no âmbito intercultural,

ela falha (Hornbacher 2005: 64).

Contraposições raras, como por exemplo de Gerit Huizer, ou de Paul Feyerabend, são

ignoradas, ou até ameaçadas com a desqualificação do discurso científico.

Assim parece inevitável, que

“quase todos [os antropólogos] interpretam os aspectos incompreensíveis de forma racionalista, como ‘simbólico’, como ‘crença’, ou como ‘superstição’, e não como habilidades realmente existentes [...], que talvez nós mesmos possuímos e que poderíamos aproveitar de certo modo” (Huizer 1989: 92).

“A discussão continua, como sempre, entre os limites da antropologia, psico-fisiologista, e psicologia” (o mesmo: 99).

Por isso Huizer fala da “crise da antropologia” e exige: “Nós temos tem que vencer as

nossas formas (ocidentais) de realidade, e entregar-nos a outras formas de realidade e

racionalidade” (o mesmo: 91). Se bem que os indígenas já chegaram bem longe no

trabalho enorme de localizar as distintas formas de saber em concepções como a

cosmovisão e a interculturalidade, um verdadeiro reconhecimento dos seus

conhecimentos pela ciência ainda falta.

54 Annette Hornbacher aponta à visão universalista de cultura, que está implícita na concepção da cultura como texto, a qual Geertz empresta de Paul Ricoeur. Assim, a ação concreta seria reduzida à representação simbólica do noema, cujo sentido seria interpretado como uma variedade de idéia universal. Referindo-se ao termo aristotélico da poiesis, o seu valor pragmático-teleológico implicaria um „fazer símbolo“, ou uma representação da imaginação. Os atuantes não estão consciente da figura do pensar revelando-se simbolicamente na atitude deles. Mas o intérprete sim pode decifrá-lo, o que significaria que ele entende essa atitude melhor, do que os mesmos atuantes. Assim, Geertz cairia numa autoridade duvidosa, e pior, ele não teria entendido o conceito aristotélico de poiesis, relata Hornbacher. De acordo com Aristóteles a praxis, como atuar no sentido da entelecheia, caracterizaria a ação, enquanto o termo poiesis derivaria da poética, e porém descreveria somente a ação artística no sentido de um desenho fictício da praxis. Assim, Geertz erroneamente transfere o conceito de poiesis ao contexto do ritual, não podendo separá-lo do cotidiano. Mas exatamente neste contexto os participantes de rituais entenderiam a sua atitude como expressão dos seres espirituais (Hornbacher 2005: 43). Uma concepção do ritual, que parece ter paralelas naquele dos Nasa. Na idéia deles qualquer ação resulta de uma colaboração com os ksxa´w (Drexler 2004).

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Os programas de educação intercultural apostam no diálogo “horizontal”. O 3° Grau

Indígena, por exemplo, quer provocar um

“[…] diálogo que quer ser de duas maneiras, enriquecendo com o conhecimento dos povos indígenas o patrimônio científico de toda a humanidade, ou ainda possibilitando que os conhecimentos étnicos, ou próprios ao diálogo entre povos, se sistematizem e divulguem a partir das ciências, como campo de disciplinas ou áreas de conhecimento legítimos“ (Lindenberg Monte 2003: 46).

Tal diálogo já conta com o consenso dos interlocutores às próprias regras discursivas,

que ainda esperam ser negociadas.

Na UII tenta-se restabelecer a auto-estima universalista das universidades a nível

internacional, para facilitar a transformação da educação acadêmica no caminho para

a interculturalidade.

“[…] En la América Latina, desde el México hasta el sur, en varios países hay universitarios colocados en espacios universitarios, en los ministerios, o en las universidades, buscando abrir espacios institucionales para avanzar rápido.

Desde una nueva interpretación, para construir interculturalidad, [...] procurando traer lideres indígenas para incluso capacitar profesores, desarrollar talleres, y pequeños cursos a profesores universitarios, para sensibilizarlos, para asumiren compromisos con las autoridades indígenas. [...] Lo que buscamos es que las universidades se abran, es decir, no solo sigan pensando que el camino a construir la verdad es este camino lineal, la lógica. [...] Es que ese desafío es también un desafío metodológico, la construcción colectiva, el principio que permita el dialogo, que permita imaginar caminos de aproximación sucesiva, para la construcción de nuevas respuestas. [...] Es un proceso que busca resolver problemas, intentando buscar un dialogo ínter-científico. [...] La URACAN ya mismo está funcionando hace varios años, y la Universidad de la Frontera igual, en Temuco, Chile. pero ahora de que se trata es su imaginario, ahora hay que potencializarlo, sacarlo a la luz, y llevarlo al debate publico, científico, académico” (Elias - La Paz, 20.11.2006).

“[...] Ahora por ejemplo estoy hiendo a México [...] para la discusión de una reunión que vamos a tener en marzo, que es ‘Pueblos Indígenas y Universidades en América Latina’. ¿Y cual es la discusión? ‘¿Como puede la universidad publica Latinoamericana cambiar a la luz de: 1. la demanda indígena? – 2. el mayor conocimiento sobre el conocimiento indígena?’. Es decir, como puede la universidad Latinoamericana cambiar en un contexto en el cual hay desafíos políticos, pero también hay desafíos epistemológicos? Eso es el gran núcleo de la discusión. Y tenemos una lista para el próximo año de unas veinte universidades. En marzo va a tener la discusión entre universidades clásicas y universidades indígenas, para colocarlas en dialogo. Porque eso falta, ¿no cierto?. Ni el conocimiento, ni la ciencia, ni la relación va a cambiar, si solo educas a los indígenas!” (Enrique - Cochabamba, 13.11.2006)

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Provocando um confronto, os interlocutores são forçados a negociar novas regras, já

que o âmbito político está requerendo cada vez mais, que tenha uma certa

“horizontalidade”. Com Lyotard (1986) também pode-se dizer, que o interculturalismo,

como demanda política legítima, implica um “jogo de linguagem prescritivo”, ou seja,

um imperativo que legitima, que possibilita um meta discurso para a negociação de

novos discursos. Este meta discurso deve cumprir o papel de não somente permitir

várias narrativas, como também o conjunto construído por elas, como meta narração

performativa55.

E em um contexto acadêmico a interculturalidade tem que amadurecer frente a um

inter-cientismo verdadeiro, para lograr o objetivo principal do movimento

(neo-)indígena; o qual é o verdadeiro reconhecimento dos seus valores culturais. Por

fim trata-se da questão, se os saberes (neo-)indígenas seguem sendo percebidos como

“pensar selvagem”, e assim, os mesmos indígenas como “selvagens”, ou se formas

alheias de saber sejam aceitas como epistemes alternativas, que principalmente podem

gerar “verdades” tão válidas, como tais geradas pela ciência ocidental. Ou seja: se o

mundo político apóia o desenvolvimento livre dos povos, isso não pode significar o

direito de permanecer na ignorância e na superstição. Precisa-se partir da legitimidade

principal de culturas diferentes.

1.1.2. Saberes “Universais” vs. Saberes “Locais”

Um inter-cientismo intercultural implica, então, o reconhecimento de sistemas de

saberes, ou epistemes alheias, não como mera doxa ou techné, que, através da práxis,

podem alcançar uma certa importância em contextos locais, mas nunca poderão

produzir conhecimentos aplicáveis fora desse contexto. Apesar de todas as afirmações

políticas, na prática o pluralismo epistemológico necessário como metanarrativa de

legitimação se choca com o universalismo acadêmico.

55 Com referência á Lyotard pode-se dizer, que o interculturalismo como reivindicação política válida implica um „jogo lingüístico (prescritivo“), ou seja, um imperativo de legitimação como espaço para desenvolver um novo meta discurso. Este meta discurso deve cumprir a função de possibilitar a negociação e a coexistência de vários „jogos lingüísticos“, ou narrativas, e além disso levar a uma cooperação construtiva entre eles – como um tipo de meta narração performativa.

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“[...] A dicotomia entre o universalismo da ciência ocidental e o localismo das ciências indígenas, permanece, contudo, num aspecto problemático dessa proposta de diálogo. Os estudos de etno ciência mostram como os grupos indígenas aplicam seus conhecimentos a um ambiente específico: seu ambiente. Isso não implica que esses conhecimentos tenham aplicações válidas em um outro ambiente, mas simplesmente que nunca houve pretensão de aplicá-los universalmente. A ciência reducionista do Ocidente é oposta. Reivindica que seus conhecimentos são universais, válidos para qualquer ambiente. Na tentativa de reconciliar essas noções de universalismo e localismo são necessárias mudanças em ambos os tipos de ciência: a ocidental teria de reconhecer que seus conhecimentos precisam ser adaptados às exigências de ambientes específicos, e as indígenas, que seus conhecimentos podem ser aplicados para além de seu ambiente restrito” (Paul Little 2002: citado em: Lindenberg Monte 2003: 26).

“[…] Eso no es cierto! No hay ningún saber ‘universal’. Todos los saberes son locales. Lo que pasa es que con mecanismos del poder, el imperialismo, la colonización, etc., estos saberes aparecen como universales […]”(Fabricio - Cochabamba, 15.11.2006).

Deste ponto de vista não é a qualidade especifica do saber científico, a sua

flexibilidade como epistemologia superior, que seja “universal”, senão a sua extensão

geográfica. Ou seja, não é o saber do Ocidente que comprovou o seu valor “universal”,

senão o seu aspecto de poder, a inter-relação complementar entre falibilidade e

métodos tecnológicos, entre “compreensão” e lucro, entre “verdade” e poder, tornou-se

quase universal. Ou como relata Lyotard: “Está esboçando-se uma equação entre

riqueza, eficiência, e verdade” (Lyotard 1986: 131)56.

Os indígenas, em primeiro lugar, procuram o reconhecimento das suas culturas e a

preservação, ou reconstrução dos seus saberes dentro do seu contexto limitado; a nova

“profecia” indígena é mais um efeito colateral. A confrontação intercultural dentro de

novos espaços provocou a relativização do poder mistificado do saber científico, que

permitiu aos Indígenas lidar com os seus saberes “próprios” com mais autoconfiança.

“[...] La ciencia Shuar es una ciencia universal. Te digo ‘universal’, porque el Shuar sabe el origen del hombre [...]. Digo: ‘ciencia ancestral es ciencia universal’, porque sé quien está arriba en las estrellas, porque puedo manifestar hasta el pensamiento del hombre hacia adonde está direccionado. Aún que nunca un Shuar se va a una universidad, sabe y conoce el pensamiento del hombre blanco. Entonces conocer sin haber leído y

56 Lyotard refere-se à bonificação de métodos tecnológicos pelo paradigma da falibilidade, que por sua parte requerem investimentos, o que implica que a ciência e os saberes produzidos por ela sejam lucrativos. A ciência se torna força produtiva, e motor da expansão capitalista. O discurso escolhido pela própria ciência entra sob o poder de outros discursos, onde não conta mais a verdade, senão a sua performatividade como parte do sistema capitalista, o poder – ao invés da máxima compreensão, o máximo poder é o objetivo (veja Lyotard 1986: 132).

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escribido, el Shuar sabe por medio de sus censos superiores, sabe el pensamiento hasta el instinto del hombre blanco. Entonces para mi eso es ciencia universal, porque conocer pensamiento fuera de la tierra, es ciencia universal. El Shuar sabe en este momento, yo se, mi mujer sabe, quienes están arriba en las estrellas. [...] Parece que el Shuar solo habla de lo local. [...] Pero eso no es solamente para nosotros. Nuestro conocimiento es para todos. Y por eso aceptamos a todo estudiante que venga desde cualquier país del mundo, que venga! Porque queremos compartir de manera universal. Hay que tejer una verdadera red de integración para sostener principios básicos de la ciencia y moralidad humana [...]” (Tserembo - Yawints, 20.12.2006).

“Mitos”, conceitos “espirituais” e “mágicos”, são apresentados conscientemente como

formas de saber “universais” equivalentes ao saber científico, e são oferecidas ao

ocidente como alternativas válidas. Além disso, o valor epistemológico das ciências

ocidentais é questionado e explicitamente relativizado.

“[...] Hace seis años, en el año 2000, [...] trate de entender la palabra ‘ciencia’. Y en la palabra ‘ciencia’ se entremezclan principios, valores, desarrollos de diferentes arias. Pero mas que eso la palabra ‘ciencia’ es el objetivo de la vida de una persona. Porque si tu tienes una buena ciencia, puedes tener un buen origen. Por supuesto yo tengo una ciencia de mis ancestros, entonces tengo un origen, y tengo un principio, y tengo un destino. Luego de examinar esto quería saber si los antropólogos, los etnólogos, los biólogos, los arqueólogos, y todos ellos tenían la razón para justificar y llamarnos a nosotros ‘Jíbaros’, ‘Shuar’, ‘primitivos’, ‘reductores de cabeza’, etc.. Y me di cuenta de que todos ellos eran tiernos. Para mi son niños, son estudiantes. Están experimentando. Me había encontrado en París con un arqueólogo, el cual había hecho estudios en América, de norte al sur, sobre estudios de arqueología. Y el, como no sabía, por ejemplo llegó a Macas, excavó tierra, sacaron piedras, sacaron ollas de barro, y como no sabían de quien era el origen, pusieron el nombre de unas personas que posiblemente existieron, especulando, puso este señor científico el nombre ‘los Upano’. […] Este señor es un mediocre, no le insulto, es un mediocre. El tiene que venir aquí en la Universidad de las Ciencias Ancestrales a pedir información de quienes vivieron en el Valle de Upano. Por ejemplo hay muchos lólogos con formas sistemáticamente igual. Van a cualquier lugar del mundo, hacen un estudio, ponen un nombre, y listo! [...]”(Tserembo - Yawints, 20.12.2006).

Para muitos colaboradores dos programas de educação indígena e intercultural, o

caráter relativo das compreensões científicas é óbvio. “a ciência é uma

crença”Observa Pedro, coordenador no 3° Grau Indígena. Como os seus colegas, ele

relativizou, através do confronto com saberes alheios provocado pelo diálogo

“horizontal”, o próprio preconceito científico. Pelo contrário seria necessário refletir

estes preconceitos do ponto de vista do outro, exige Pedro.

Será que a mera provocação do diálogo intercultural bastaria para transformar o saber?

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Mas um cientista do pensamento positivista obviamente não se deixará convencer tão

facilmente pelo valor do saber (neo-)indígena, que aqueles, que estão lutando pelo

reconhecimento dos valores indígenas; mas por quê? Pergunta que parece muito

ingênua, já que o entrelaçamento entre o poder e o controle sobre a produção de uma

verdade monolítica já foi discutido aqui. Mas o universalismo científico não é uma lei

natural, senão um produto histórico do discurso ocidental; um discurso, que sempre

será controverso. Pois não é um fato evidente a priori, que além de uma oposição

permanente e indo contra o próprio ideal da ciência pós-moderna persista uma

constelação do saber, que parece uma “alergia” contra inconsistências, e ao mesmo

tempo é intrinsecamente inconsistente.

Além disso a maioria dos indígenas não parece ter maiores problemas com o

reconhecimento, adoção, e aplicação de saberes alheios; e disso, ou justamente porque

eles parecem estar conscientes do entrelaçamento do saber-poder.

A questão é então: Quais são os dispositivos, que fundaram a estabilidade evidente do

universalismo científico? – Quais são os processos históricos, que estabeleceram estes

dispositivos?

2. Pequena Genealogia do Universalismo – um Sumário Breve

Para poder entender melhor a estabilidade do universalismo acadêmico vale dar uma

breve olhada na história do conceito ocidental de “verdade”. Para isso será tentado um

sumário breve aos discursos histórico-filosóficos que serviram como fundo para a

evolução da episteme ocidental. Procurando por transformações decisivas no saber

ocidental que resultaram naquela constelação de saber, que é conhecida como pós-

modernismo, tentarei apontar alguns momentos característicos no pensar ocidental que

possivelmente contribuíram à manifestação do universalismo científico.

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2.1. O primeiro Tempo da Luz: Fim do “Mito” & Nascimento do Sujeito Autônomo

A ruptura entre mythos e logos efetuada por Platão, muitas vezes é analisada como a

primeira negação do saber “mítico”, performativo, e narrativo, fundando um conceito

representacional de verdade, que se distancia do mythos, que agora é considerado

como mentira não comprovável.

Hornbacher (2005) aponta, que Platão refletia o espírito da sua época. Com o

aparecimento da escrita por volta de 500 a.C., foi abandonado o conceito

performativo-narrativo de aletheia57, que tinha o significado de lembrança, ou

mnemosyne, ainda utilizado por Hesiod (por volta de 700 a.C.). Com a escrita

transformou-se a inter-relação da língua e do pensar58, que agora não aparece mais

como som do mundo, senão como imagem do mundo, como unidade da fala e da

escrita. A escrita, como produto de uma mente individual, implicava um outro conceito

de compreender, como representação da mente. O homem torna-se sujeito da sua fala

e do seu pensar, e separa-se da “tradição da lembrança coletiva da épica oral” (a

mesma: 173 – traduzido por mim). Esta concepção do falar e do pensar mostra-se

também na etimologia da palavra “ler”, que vem do latim (legere), e mais antes do

grego (logos).

Esse deslocamento do conceito de conhecimento coletivo do mythos ao sujeito reflete

também uma mudança na constelação do poder da época. A legitimação ancestral do

poder através dos “maître de verité”, dos donos da verdade, dos “poetas, profetas, e

reis”, foi colocado em oposição a uma filosofia reflexiva, cujo ponto de partida e

objetivo era o indivíduo (a mesma: 172 – traduzido por mim).

Enquanto a isso a aletheia tão pouco era uma mera repetição não refletida do

tradicional.

“Parecem notáveis duas coisas para o contexto etnográfico: Primeiro, a aletheia, como conceito auto-suficiente e explícito, caracterizava a tradição mítica que Hesiod havia definido em contraste do esquecer, da lethe, por um lado, e da fala subjetiva por outro.

57 „Verdadeiro no sentido da aletheia é a palavra poetica, não como afirmação teórica sobre o mundo, senão como lembrança criativa, significante, e imediatamente movente, e como relações corporalmente experimentadas“ (Hornbacher 2005: 178 – traduzido por mim).58 Alguns pensamentos mais profundos em relação ao significado cultural e cognitivo da escrita acha-se em Jack Goody 1977 & 2000.

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Então a palavra das musas em si era ambivalente, ou melhor: ela não transmite uma verdade universal, mas precisa ser distinguida reflexivamente daquilo que meramente parece verdadeiro” (a mesmo: 180 – traduzido por mim).

A diferença entre mythos e logos, portanto, não consiste no potencial reflexivo, senão

na legitimação por uma outra autoria, que agora é o indivíduo. A transformação do

saber efetuada por Platão implica um imperativo contido na transformação das

estruturas de poder, utilizando um argumento iluminista, e, portanto, emancipatório.

“A iluminação, porém, no pensar ocidental sempre toma a forma de uma ruptura radical com a tradição, e é realizada como emancipação crítica” (a mesma: 164 – traduzido por mim).

Sendo que a iluminação sempre se articula em oposição à tradição, como contrário do

“mito”, ela se opõe também à legitimação pela origem ancestral.

“Como o contrário, porquê se opõe à obrigatoriedade autoritária de uma corrente de gerações de tradições entrelaçadas à força não-coerciva do melhor argumento; como força que rege contra, porque deve quebrar a pressão dos poderes coletivos através de conhecimentos alcançados individualmente e transformados em motivos” (Habermas 1988: 131 – traduzido por mim).

Platão reinterpreta o conceito de mimésis, que deriva da dramaturgia como empatia

performativa com um caráter fictício à uma representação de uma idéia eterna. É o

“começo da história ocidental, de uma luta inerente entre uma visão performativa e

uma visão representacional de conhecimento, às quais respondem duas formas

distintas de reflexão” (Hornbacher 2005: 440 – traduzido por mim).

“Desde o início a ciência está em conflito com a narração. Julgada pelos critérios da

ciência, a maioria das narrações parecem ser fabulas” (Lyotard 1986: 13 – traduzido

por mim).

Como base principal da auto estima da ciência este movimento no pensar ocidental é também o primeiro pré-requisito do universalismo epistemológico.

“Paradoxalmente essa hipótese da universalidade da razão humana leva à negação da

equivalência cultural de saberes diferentes” (Hornbacher 2005: 164 – traduzido por

mim).

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2.2. O Segundo Tempo da Luz – Renascimento59

Também o Cogito60 de Descartes apanha a idéia da representação. O Cogito, como o

eu, é a representação subjetiva. Mas diferente de Platão, Descartes não pôde partir de

uma idéia intrínseca das coisas, que se manifesta mimeticamente no espírito, porque o

pensar está encerrado no Cogito. Á procura da causa prima do Cogito ele encontra o

regresso infinito. Assim, ele vê a razão de ser do Cogito em Deus, que se torna

emanente nele (Descartes: Meditações III).

„[...] it is absolutely necessary to conclude from this alone that I am, and possess the idea of a being absolutely perfect, that is, of God, that his existence is most

clearly demonstrated“ (o mesmo).

„There remains only the inquiry as to the way in which I received this idea from God; for I have not drawn it from the senses, nor is it even presented to me unexpectedly, as is usual with the ideas of sensible objects, when these are presented or appear to be presented to the external organs of the senses; it is not even a pure production or fiction of my mind, for it is not in my power to take from or add to it; and consequently there but remains the alternative that it is innate, in the same way as is the idea of myself“ (o mesmo).

Com este movimento monista ele permanece perto do logos como estrutura ultimativa

do ser, cuja representação é o pensar, e porém, a verdade.

Com as propostas psicológicas de Locke e Humes isso muda.

59Para Foucault a análise lingüística do século XVII definitivamente termina com a epistemologia antiga da semelhança no sentido da aemulatio, ou analogia entesti, separando o significante e significado ontologicamente (veja também Arnault & Lancelot 1975). „O comentário parece infinitamente a aquilo que ele comenta e nunca pode articulá-lo. Assim também o conhecimento sobre da natureza sempre acha novos sinais de semelhança, porque a semelhança não pode ser reconhecida por si própria, e os sinais não podem ser algo senão semelhança“ (Foucault 1974: 74 – traduzido por mim). Assim a ordem se torna binária: significante e significado; enquanto antes eram ternários: a área formal do sinal, o conteúdo que era conectado pela semelhança. A análise da língua como sistema de representação rouba o seu caráter real. „A homogeneidade profunda da língua e do mundo está sendo dissolvida dessa forma“ (o mesmo: 75 – traduzido por mim). A verdade está sendo reduzida à representação. „O discurso sim terá o objetivo de dizer, o que é, mas ele não será mais, do que ele diz“ (o mesmo: 76). Foucault conclui disso que no início do século XVII „o pensar parou de mover-se no elemento da semelhança“ (o mesmo: 83 – traduzido por mim).60O Cogito (lat.: „eu penso“), ou o sujeito que pensa e percebe, foi definido pelo filósofo Descartes como base da existência viva (res cogitans). A percepção, porém, é uma representação do mundo das existências (res extensa). Veja também Cogito ergo sum (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cogito_ergo_sum).

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“Em Locke a mente transcendental e pura se transforma em alma pura (human mind), cuja investigação sistemática Locke enfrenta através da experiência interna com um foco filosófico-transcendental” (Husserl; em: Cristin 1999: 40 – traduzido por mim).

Não é o ato criador de Deus no cogito, mas uma falta de nitidez na representação

interna da percepção que resulta na incongruência das idéias com as coisas. O

conhecimento torna-se uma questão do categorizar de experiências fracturadas e

foscas.

„Looking into those causes is an enquiry that belongs not to the idea as it is in the understanding but to the nature of the things existing outside us. These are two very different things, and we should be careful to distinguish them. It is one thing to perceive and know the idea of white or black, and quite another to examine what kind surface texture is needed to make an object white or black. [...] that may safe us from the belief (which is perhaps the common opinion) that the object are exactly the images and resemblances of something inherent in the object. That belief is quite wrong. Most ideas and sensations are (in the mind) no more like a thing existing outside us than the names that stand for them are like the ideas themselves“ (Locke 2004: 28)61.

2.3. O Primeiro Pós-Modernismo: A Crise da Representação

Contrário à idéia de Platão como imagem primordial das coisas dentro da alma, que

diz que o conhecimento ultrapassa a mera representação da experiência, para Kant a

idéia existe somente no pensar, e porém, é incongruente com a experiência. Mas

mesmo assim as experiências “tem a sua realidade, e não são meras ilusões” (Kant

1787: 308). A idéia libertadora da razão como fundamento da virtude não pode

originar somente da experiência. Porque julgamentos morais seriam variáveis e não

critérios obrigatórios. Que a virtude é inatingível não comprova nada quimérico,

porque o julgamento moral somente seria condicionado pela idéia. Conceitos

empíricos e puros, como notio, estipulariam a idéia, e com ela o conceito de razão de

Kant. Conceitos puros de razão são idéias transcendentais, que não tem nenhum objeto

congruente, e que ultrapassam os limites da experiência. Por isso teríamos somente

“conceitos problemáticos” dos objetos, aclara Kant. Julgamentos da razão baseados em

61 De forma parecida argumenta também Humes: „It is evident that the memory preserves the form in which its objects were originally presented, and that when we depart from that form in recollecting something, this comes from some defect or imperfection in that faculty“ (Humes: 5).

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idéias já contêm por si mesmas premissas, que não resultam de experiências, senão

seriam somente “a ilusão suposta de uma realidade objetiva”, “julgamentos

racionalizantes” da razão pura, das quais “nem o mais sábio pode livrar-se”, porque,

mesmo refletindo-as, “ele não pode livrar-se da ilusão permanentemente beliscando e

sacaneando a ele” (o mesmo: 325). Assim, Kant chega ao conceito transcendental do

sujeito como unidade absoluta, mas contraditória. O cogito no sentido da psicologia

racional pensada como substância independente da percepção não tenha nenhum

conteúdo, do qual podia se ter um conceito, o que ele chama o “paralogismo

transcendental”. Este descreve a razão transcendental de julgar formalmente errado,

resultando numa ilusão inevitável. A razão deste julgamento errôneo estaria no Cogito

como o eu, que por um lado faz parte dos sentidos interiores, da alma. Como corpo,

por outro lado, o Cogito faz parte dos sentidos exteriores. porém, o Cogito tornar-se-ia

objeto da psicologia, da “ciência racional da alma”; mas esta seria empírica, enquanto

o Cogito não seria objeto do conhecimento empírico, senão servia a este conhecimento

e porém deveria ser objeto de uma filosofia transcendental (o mesmo: 307).

Com essa crítica da epistemologia psicológica de Locke em forma de uma crítica do

modelo representacional empírico Kant desenvolve um modelo não-representacional

do conhecimento. A sua tentativa de desenvolver um conceito lógico do

conhecimento não é uma ontologia da razão, senão uma mera distinção terminológica

entre impressões subjetivas e objetivas. Assim, a investigação formal da razão pura e da

razão lógica é uma reflexão puramente hipotética e transcendental sobre as condições

e possibilidades do conhecimento humano.

“O ‘incondicional’, a realidade em si, assim a afirmação insossa de Kant, não é acessível para nós de forma nenhuma. [...] Com Kant o conhecimento, porém, torna-se à construção do sujeito humano pela primeira vez” (Hornbacher 1988: 109 – traduzido por mim).

Não é a representação, senão a razão lógica que funda a regra das conexões desse ato

construtivo. Justamente essa subjetivação do conceito de conhecimento faria também

parte do conceito moderno de conhecimento, e porém, não seria uma alternativa à

este, constata Hornbacher (a mesma: 108; veja também Habermas 1988: 29).

Voltando a argumentação de Locke ao revés, Kant sem dúvida alcança um outro nível

da abstração, contudo reformula o problema ocidental do modelo subjetivista de

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conhecimento.

Mas ele mesmo encontra nisso a concepção fundamental entre a aporia subjetivista, e

o paradigma positivista de causalidade. Por um lado é a experiência do tempo que gera

a suposição de uma causalidade unilinear, o que implica um determinismo absoluto no

sentido de uma lei natural, universal, e eterna. Mas tanto a limitação da experiência,

quanto a infinidade hipotética de tempo e espaço, levam ao regresso infinito, que nega

a possibilidade de uma explicação absoluta dos julgamentos. Isso implica uma segunda

forma de causalidade: A liberdade. Porque a razão pura, como momento construtivo,

nega tal determinismo positivista, sendo que este reduz a razão a uma mera

sensualidade patológica, afetada, enquanto ao ser humano ela está caracterizada por

um momento libertador (Kant 1787: 430).

Kant entende exatamente a contradição da episteme ocidental, e a aporia do discurso

meta subjetivista.

“O comportamento do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde a crise da filosofia metafísica, e a instituição universitária dependente dela” (Lyotard: 1986: 14 – traduzido por mim).

A problematização dessa contradição intrínseca feita por Kant, então, antecipa ao

escepticismo frente à meta narração, que caracteriza o pós-modernismo.

Mas Kant não se contenta com este escepticismo, senão continua perguntando se as

duas causalidades não podiam funcionar juntas.

“E não será possível, que, embora cada efeito exija uma conexão com a sua causa seguindo as leis de uma causalidade empírica, sem dúvida esta causalidade empírica em si, sem interromper a sua conexão com as causas naturais, sim possa ser o efeito de uma causalidade não empírica, senão inteligível ?" (Kant 1787: 449 – traduzido por mim)

O efeito como causa inteligível é livre, mas como aparência ele é determinado. A

causalidade, porém, pode ser vista de dois lados: como ato inteligível de uma coisa em

si, ou como efeito sensual de uma coisa em si, como aparência. Desse jeito as duas

causalidades se reúnem no sujeito, que pode pensar e perceber. O homem em si é ao

mesmo tempo objeto empírico, e sujeito da razão. A razão tem que ser causal, mas

também tem que gerar regras através de um imperativo próprio, através de um dever,

que não pode ser encontrado na natureza. Por isso este dever tem que ser entendido

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como fundo ultimativo, como intenção de toda ação. Este dever não segue a uma

“ordem das coisas”, senão sub-ordena a experiência sob a sua ordem de idéia,

enquanto a causalidade da razão individual se mostra somente empiricamente nas

ações. Visto de fora, o homem está determinado. Mas as causas da razão não são

determinadas, ou seja, elas não correspondem às leis naturais. A razão em si não é

determinada, e ações não podem ser deduzidas de um estado anterior; elas não são

condicionadas por uma sucessão temporal, nem por uma causalidade no sentido de

leis naturais.

Mas Kant aponta também, que ele não queria comprovar a liberdade, o que

principalmente não seria possível; o que ele queria seria somente mostrar, que a

suposição de leis naturais não precisa necessariamente refutar a liberdade individual (o

mesmo: 441).

Ou seja: a subjetividade e a objetividade são meramente tendências aspectuais da

realidade condicionada pela existência subjetiva do ser humano.

2.4. O Segundo Pós-Modernismo: A Crise do Saber

Kant, então, não entende essa fracção como desavença. Mas para Hegel, Kant ignora a

unilateralidade da subjetividade.

“Mas eu me comporto de acordo também em identidade a mim mesmo, ou livre ou porque eu, sendo determinado desta forma, me vejo simultaneamente como algo alheio, ou essa determinação de mim, do eu, distinto, porque, andando, vendo assim, não está em mim por natureza, senão porque eu mesmo o coloquei no meu querer. Nessa medida obviamente tampouco é algo alheio, porque eu fi-lo meu, e tenho o meu querer nisso. […] Agora essa liberdade é uma liberdade formal, porque com a igualdade comigo mesmo também está a desigualdade comigo, ou algo limitado dentro de mim” (Hegel 1927 (3): 47 – traduzido por mim).

Enquanto isso Habermas aponta o dilema resultante da “subjetividade e da estrutura da

auto-consciência inerente nela, como fonte de uma ordem normativa”, que também

funda a ciência, como “uma formação histórica, que se retirou de todas as obrigações

históricas”. No momento em que a pergunta seria colocada assim, a subjetividade

sairia como “um princípio unilateral”, que teria a força incomparável de gerar tanta

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liberdade e refletividade. Embora ela tenha minado a religião, que até então era a

grande força unificadora, o mesmo princípio da subjetividade “não seria forte

suficientemente para regenerar o poder religioso da unificação dentro do meio da

razão” (Habermas 1988: 31 – traduzido por mim).

Para Hegel essa desavença, que aparece também na divisão da crença e do saber,

provoca uma falta de sentido.

“Quanto mais a educação floresce, quanto mais variado o desenvolvimento das formas da vida, nas quais a desavença pode entranhar-se, tanto mais será o poder da desavença [...], tanto mais alheio do tudo da educação, e mais sem sentido os esforços da vida (que antes a religião havia neutralizado) para novamente dar luz à harmonia” (Hegel 1927 (2): 22 – traduzido por mim).

Essa inquietude quanto à desavença do saber ocidental volta com Nietzsche como

nihilismo moderno, ao qual ele opõe o retorno eterno como momento unificador. Mas

falta em Nietzsche qualquer momento de “harmonia”. Para Nietzsche a única

constante é a vontade de poder surgindo nas formas de saber de cada época e de cada

sociedade, e até no mesmo sujeito. Este sujeito, como já em Hegel, não aparece mais

como entidade. Nietzsche desenha uma pluralidade, como construção social interna

composta por almas antagônicas, que ele opõe ao “atomismo cristão de almas”

(Nietzsche 2002: 26 – traduzido por mim). Com isso ele nega ao sujeito autônomo da

iluminação a autoria do próprio pensar.

“O sujeito, o ‘Eu’, é o pré-contexto do predicado ‘pensar’. Ele pensa: mas que este ‘ele’ seja justamente este velho famoso ‘Eu’ é, falando modestamente, somente uma suposição, uma afirmação, antes de tudo nenhuma ‘certeza imediata’” (o mesmo: 31 – traduzido por mim).

Mas o poder, como aspecto intrínseco do saber, continua inconsciente, o que se deve à

ilusão de uma congruência entre a linguagem, as categorias, e a imagem.

“[...] Deve-se livrar finalmente da sedução das palavras! Que pense o povo que o conhecer é um conhecer final, o filósofo tem que se dizer: ‘se eu analiso este processo, que está expressado na frase ‘eu penso’, eu recebo uma série de afirmações ousadas, cuja justificação é complicada, senão impossível, por exemplo que sou eu quem pensa, que tem que ser algo que pensa, que pensar é uma ação e um efeito de um ser, que se imagina como causa, que existe um ‘eu’, que já esteja comprovado, que está descrito com o pensar, que eu sei o que é pensar” (o mesmo: 29 – traduzido por mim).

A crítica da metafísica feita por Nietzsche parece retirar da cartinha central de um

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castelo de cartas, que neste caso corresponde à filosofia representacional do sujeito do

Tempo da Luz. Sendo que o saber não é mais a expressão do espírito autônomo de um

sujeito racional, senão o meio de uma vontade de poder total, a verdade não é mais

produto de um conhecimento racional, nem representação, nem idéia, nem logos, nem

emanação de Deus no cogito.

“[Porque] verdades são ilusões, das quais foi esquecido, o que elas são” (Nietzsche 1955: 314 – traduzido por mim).

“A maior fábula é aquela sobre o conhecimento. Quer se saber, como são as coisas; mas olha, não existem coisas em si [...]” (o mesmo: 486 – traduzido por mim).

Como Kant, Nietzsche mostra os limites transcendentais do conhecimento. Mas ele não

se contenta com uma crítica transcendental da compreensão subjetiva, senão identifica

o conhecimento em si como emanação fantasmagórica do poder, de um poder que se

expressa em um querer sem sujeito. Assim também aparece a “hegemonia nihilista da

razão centrada no sujeito [...] como resultado e expressão de uma perversão da

vontade de poder” (Habermas 1988: 119 – traduzido por mim).

“Com Nietzsche a crítica da modernidade renuncia pela primeira vez o seu conteúdo emancipatório. A razão centrada no sujeito é confrontada com o pleno contrário da razão” (o mesmo: 117 – traduzido por mim).

A razão não pode continuar como base do conhecimento; tampouco a própria

compreensão de Nietzsche do conhecimento como meio da vontade de poder. Assim

ele procura outras soluções na poesia e formula os seus conhecimentos em forma de

aforismos, nos quais a razão somente aparece em sugestões metafóricas sutis, e onde a

contradição vira o princípio da argumentação. “Nietzsche utiliza a escada da razão

histórica, para ao final jogá-la fora, e estabelecer-se no mito, como o contrário da

razão” (o mesmo: 107).

A filosofia de Nietzsche é o ponto de partida de uma larga crítica da modernidade, que

começando com tentativas de socorrer o conhecimento (por exemplo: Husserl,

Habermas), até a desconstrução absoluta do saber (Derrida) tomou muitas formas.

Seria muito interessante analisar essa tradição de um pensamento pós-moderno em

toda a sua complexidade, mas claramente aqui não é o lugar para isso ser feito. Cabe

constatar que a ciência sempre foi “pós-moderna”, na medida em que ela era auto-

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reflexiva, e deu espaço ao questionamento da sua própria meta narração. Como ciência

moderna, ela desde o início está abaixo do paradigma emancipatório da razão, o que

ela vende como iluminação e libertação do “engano” do “mito”. Estas oposições

intrínsecas correspondem ao aspecto do poder, do saber científico, o que seria a

ciência como instituição social, enquanto o momento libertador da razão individual

corresponde ao ideal reflexivo da ciência. Como foi mostrado, é justamente este ideal

reflexivo, aquela “força não-coerciva do melhor argumento” (Habermas 1988: 131) que

desde o início foi o instrumento da legitimação da ciência como instituição.

O pós-modernismo, como deslegitimação (Lyotard 1986), é o momento libertador da

ciência moderna. Mas ao querer desmascarar o modernismo como “mito”, ele segue o

imperativo iluminista de uma legitimação emancipatória (veja Habermas 1988: 141).

Na questão da legitimidade o pós-modernismo, porém não consegue transcender

Nietzsche de forma significante, porque não gerou uma nova meta-narração para

legitimar a ciência e seus conhecimentos, nem conseguiu sair da meta narração que é

o objeto da própria crítica. O pós-modernismo tampouco tentou gerar um dispositivo

epistemológico, que possa levar a um caminho saindo da crise de representação.

Em certa medida o pós-modernismo do século 20 tratou de trabalhar os problemas

postos por Nietzsche: Husserl encontra o nihilismo na perda do mundo de viver pela

abstração científica, que causa a “Crisis das Ciências Européias”, e que ele tenta

transformar em uma ciência fenomenológica no sentido de uma redução

fenomenológica (Husserl 1962; Cristen 1999; Habermas 1988); Heidegger encontra o

nihilismo no esquecimento do ser; Bataille procura a reunificação com o ser no êxtase

do sacrifício religioso, na fusão erótica, e na morte como o contrário da razão, o que

ele tenta realizar com textos estáticos e surreais (Bataille 2001; Habermas 1988);

Foucault retoma a idéia de poder de Nietzsche, achando nele um aspecto característico

do saber ocidental, e encarrega-se, junto ao seu amigo Deleuze, à dissolução da razão

e do sujeito autônomo (veja Deleuze & Foucault 1977; Foucault 1974, 1976, 1981;

Habermas 1988; Hornbacher 2005); Derrida desconstrói a representação lingüística, e

junto a ela, qualquer sentido da verdade (veja Derrida 2003; Hornbacher 2005); etc.

Que a ciência não possa resolver estes problemas, Nietzsche já havia previsto. Para ele

era claro, que do nihilismo moderno não se podia gerar a possibilidade de desenvolvê-

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lo, “porque de nós mesmos, nós modernos não temos nada” (Nietzsche (1): 273; citado

em: Habermas 1988: 107).

Não é somente o pós-modernismo que não pode oferecer nenhuma solução; a

frustração que este fato gerou, e a desconstrução dos últimos restinhos de sentido e

verdade levaram a um pessimismo epistemológico aparentemente insolúvel, ou seja, a

um aumento do nihilismo.

3. Segundo Resumo Preliminar

Em relação ao sentido às possibilidades de uma ciência intercultural isso significa que:

(1.) a ciência principalmente quer ser livre e aberta, mas que; (2.) justamente esse

momento libertador contêm o objetivo iluminista de refutar o “mito” através da razão,

em que o seu universalismo está implicado intrinsecamente. Colocando-se no banco

do acusado, a ciência não pode sair do universalismo, mas, (3.) nega principalmente a

possibilidade de conhecimento, porque ela entende a sua própria compreensão da

impossibilidade de conhecimento como conhecimento universal. Assim a episteme

ocidental esta encarcerada, como sistema auto-referencial, ou operacionalmente

fechado. (4.) Porém, não ajuda nada continuar apontando o caráter relativo da

“verdade” científica e a necessidade de um inter-cientismo, porque a vontade pelo

menos já está contida no projeto da ciência, mas os meios de sua realização não

podem ser criados. (5.) Já por causa disso a oferta indígena para uma colaboração

intercultural é interessante para a ciência, sendo que aqui poderiam esperar novos

dispositivos, que possivelmente poderiam ajudar na resolução do próprio dilema pós-

moderno.

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4. Tentativas de Aproximação

Abandonando o evolucionismo dos tempos coloniais as ciências humanas tentaram

refletir novamente a sua relação com outras formas de saber. Isso levou as próprias

ciências humanas a relativizar e minar o seu próprio universalismo.

A seguir serão apresentadas brevemente algumas tentativas de aproximação, para

considerar a utilidade dessas propostas em relação ao contexto intercultural.

4.1. O Outro e as Ciências Humanas

As tentativas de Leví-Strauss (1973, 1995) para entender a “magia” e a ciência como

“níveis estratégicos” equivalentes comprovam a sua boa vontade, mas também a

incapacidade de pensar o pensar fora do pensamento ocidental. Tentando entender a

“magia” como forma de ciência termina na prova, de que a “magia” tenha qualidades

“científicas”, o que seria evidente na habilidade de gerar ordem, e na “aflição dos

selvagens por conhecimentos objetivos”. Mas não sendo capaz de se arrancar daquele

logocentrismo, que define a ordem como expressão do logos (o qual aparece em Leví-

Strauss como “estrutura”), Leví-Strauss somente pôde interpretar a forma de

compreender o mundo em analogias fenomenológicas utilizada pelos “selvagens”

como “bricolage”. O “pensar selvagem” formaria um todo estrutural de “restos de

acontecimentos”, “lixo, fragmentos, testemunhas fósseis da história”. Desse jeito

juntando o imediatamente acessível aos “primitivos” formariam um sistema de uma

ordem arbitrária em forma de sinais62, em vez de chegar a uma razão reflexiva, o

pensar “mítico” seria a expressão de meios “estranhos” e “limitados” desta “bricolage

intelectual”. Essa interpretação parece ainda mais ousada, enquanto a análise do

“mito” como texto, com que Leví-Strauss erradica por completo o conteúdo

62 Não são conceitos, porque sinais, a seguir de Saussure, são „um híbrido entre imagem e conceito“, pois estão entre significado e significante. Sinal e imagem seriam, porém, concretos, enquanto tanto os sinais, quanto conceitos apontariam a si mesmos e a outras coisas; mas somente o conceito não seria limitado „em relação à realidade completamente transparente“; enquanto sinais fundariam realidades artificiais. O „bricoleure“ trabalha com sinais, enquanto o engenheiro trabalha com conceitos (Leví-Strauss 1973: 30 – traduzido por mim).

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performativo da transmissão oral (veja Münzel 1986: 190; Hornbacher 2005: 72).

Interpretando assim o conteúdo dos “mitos” como signos platônicos, que se juntam ao

eidos, ou com as palavras de Leví-Strauss: amalgamando significado e significante,

enquanto a ciência estaria renovando os seus conceitos constantemente. Mas se bem

que Leví-Strauss não julga essa “ciência primitiva” muito eficiente, ela sim teria uma

força excepcional de gerar sentido; potencial que faria falta na ciência ocidental, e que

seria fundada na suposição intuitiva de um determinismo global, o qual pareceria

manipulável pelo ritual.

“[...] O pensar mítico não é somente um preço dos acontecimentos e da experiência, que ele constantemente ordena e reordena, para encontrar algum sentido; é também libertador: através do protesto que ele levanta contra a insignificância, com a qual as ciências fizeram um compromisso, resignado” (o mesmo: 35 – traduzido por mim).

O ritual seria a “expressão de uma adivinhação inconsciente da verdade do

determinismo, que está sendo suspeito e manipulado no todo, antes de ser

compreendido e respeitado”, o que depõe do “acreditar em uma ciência futura” (o

mesmo 1973: 23 – traduzido por mim). A “magia”, então, não seria “uma forma tímida

e recolhida da ciência”, senão “uma sombra, que anuncia o corpo”, mas sendo “tão

hábil e coerente” (o mesmo: 25 – traduzido por mim).

“Ao invés de tratar magia e ciência como autônomos, seria melhor, pô-las como paralelas, como duas formas de conhecimento, que são diferentes quanto aos seus resultados teóricos e práticos. (Sendo que neste aspecto a ciência sem dúvida tem mais êxito do que a magia, embora a magia seja um broto da ciência. Tanto que ela também as vezes tem êxitos), mas não quanto à forma dos processos cognitivos, que são o pretexto de ambas, e que se distinguem menos pela sua natureza, do que por causa da sua aparência, a qual elas se referem”(o mesmo: 25 – traduzido por mim).

Apesar de toda crítica, Leví-Strauss é um pioneiro no caminho à dissolução do

universalismo. Mas como outros de sua época, ele não pôde sair do logo-, ou

fonocentrismo, o qual ainda lhe serviu como padrão universal. Assim ele continua

dentro do discurso iluminista entre falibilidade e sujeito racional. Ele acaba oscilando

entre um “selvagem racional” e uma “razão selvagem”, entre o paradigma falibilista e a

geração de sentido. Leví-Strauss somente pode reconhecer o “selvagem” fazendo dele

um cientista, atribuindo-lhe uma razão lógica no sentido de falibilidade e coerência, o

que ele não consegue. Além disso, seguindo uma análise baseada em textos, ele não

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leva em conta a reflexibilidade das culturas orais. Ao final ele somente pode interpretar

o atuar mítico como ato de geração de sentido, e como ilusão do entender o universo

(veja Leví-Strauss 1995: 29). Mas dessa forma o saber alheio cai novamente dentro do

âmbito sagrado.

Se bem que Leví-Strauss conclui, que o pensar “selvagem” e o pensar “científico” não

seriam dois estados, senão dois caminhos equivalentes. Esta afirmação confirma sua

boa vontade de reconhecer o pensar “mágico”, ou “mítico” como epistemologia

alternativa.

Assim o progresso de Leví-Strauss frente ao reconhecimento de uma certa

racionalidade pragmática do atuar mágico-religioso como “pseudociências” constatado

por Malinowski (1973 (1927)), ou do pensar “pré-lógico” de Lévy-Bruhl (1927), é

meramente retórico.

Bourdieu realça, que é justamente esta redução objetivista, que impede a compreensão

das razões dos que participam do ritual. Reduzindo o ritual às funções supostamente

objetivas, ou à eficiência em relação a estas funções, esta compreensão forçada separa

aquele significado “objetivo” do âmbito prático dos atuantes (veja Bourdieu 1987:

157).

“A mulher Kabyl, que arma o tear, não esta executando nenhum ato que quer explicar ao mundo: ela simplesmente arma o tear, para produzir um certo tecido para um determinado uso; por acaso, e graças às habilidades simbólicas que ela tem para poder pensar de forma prática, ela pode pensar aquilo que faz somente na figura oculta, ou seja, mistificada da qual se deslumbra o espiritualismo, que sempre deseja os mistérios eternos” (Bourdieu 1987: 177 – traduzido por mim).

Na sua comparação dos saberes científicos e dos saberes “tradicionais”, Horton (1993)

parte das funções compartilhadas por ambas, que são a explicação, a predição, e o

controle. Mas seria uma particularidade do discurso ocidental religioso, de deixar essas

funções nas mãos de uma ciência laica. Essas funções cosmológicas teriam dois níveis

operacionais, as quais Horton chama de teoria primária e teoria secundária. Sendo que

a primeira representa uma axiomática baseada no modo de viver e no common sense,

e de caráter relativamente universal, enquanto a segunda representa construções

teóricas e metafísicas específicas, que dependem muito das culturas. Como já em Leví-

Strauss, para Horton o primeiro objetivo dessas funções é a criação de origem do caos

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imediatamente aparente.

Mas Horton acha uma semelhança na qualidade de teorias secundárias da física, como

por exemplo o caráter híbrido do fóton como algo entre onda e partícula elementar,

com entidades espirituais, que ambos teriam um caráter metafísico, e seriam baseados

em modelos resultantes da experiência do modo de viver; com isso Horton leva os

conhecimentos científicos a um nível com os conhecimentos alheios.

A seguir Karl Popper entende a ciência ocidental como aberta, porque ela se

fundamenta na concorrência entre as teorias. Isso significaria uma competição

progressiva dos modos teóricos, enquanto as cosmologias “tradicionais” seriam

baseadas na aceitação coletiva da “tradição”, e porém, representariam um modo

consensual de pensar. Embora também nos sistemas “tradicionais” a transformação, o

ajuste das teorias próprias, e a reinterpretação de teorias forasteiras seriam comuns, a

incongruência entre o sistema teórico e o mundo provocariam “reações-tabu”. Assim a

adaptação do sistema dentro dos seus limites estruturais requereria um certo tempo,

enquanto o progresso científico levaria a uma seleção rápida e pragmática através da

competição. Mas como salienta Feyerabend, os sistemas “tradicionais” talvez estejam

mais perto da ciência, do que Horton queira admitir, porque na ciência igualmente

reações-tabu seriam comuns e ocorreriam com freqüência – pelo contrário, a ciência

não pode pensar sem dogmatismo (Feyerabend 1976: 294; Horton 1993: 7, 315)63.

“Contradições frente a conceitos científicos ocorrem freqüentemente e são tratadas como anomalias; [...] Podemos ver, que os Azande utilizam subterfúgios semelhantes para equilibrar os disparates do oráculo de veneno. Nas ciências este método muitas vezes comprovou-se altamente justificado, quando uma reconsideração de uma contradição, ou uma aprofundação da teoria original pôde explicar a anomalia” (Polani 1982: 457; citado em: Huizer 1989: 103 – traduzido por mim).

Essas observações concordam com a análise de mudanças paradigmáticas dentro do

63 Veja Feyerabend 1976: „Ad-hoc-aproximações fazem parte do cotidiano da física e da matemática moderna“ (o mesmo: 101). „Os métodos podem apontar à importância da falsificação – mas eles felizmente continuam utilizando teorias falsificadas [...] As teorias de Hume não podem ser deduzidas de fatos“ (o mesmo: 103). „Resulta ser pouco inteligente deixar os dados decidirem sobre as teorias. Uma avaliação direta e pouco qualificada de teorias a partir de ‚fatos’ muitas vezes elimina idéias somente por não caber nos limites de uma cosmologia mais antiga“ (106). „A contra-indução, porém, é fato, a ciência não podia existir sem ela, como também um passo justo e muito necessário no jogo científico“ (107). „[Reconhecendo] que a ciência não tem nenhum método específico, resulta que a distinção entre ciência e não-ciência não é somente artificial, senão também contra-produtiva para o progresso do conhecimento. Se nós queremos entender a natureza e dominar o nosso ambiente material, temos que utilizar todas as idéias, todos os métodos, não só uma pequena parte“ (o mesmo: 407).

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discurso científico feito por Kuhn (1977), onde “descobertas” frequentemente

continuam ignoradas por décadas. O progresso do conhecimento científico, do

estabelecimento de teorias e hipóteses no discurso científico tem uma dimensão

histórica além do momento do melhor argumento, e porém, está situado dentro de uma

constelação de poder contemporânea.

“Justamente porque os processos de descobertas requerem tais mudanças, me parece necessário ter uma estrutura, e assim, estão temporalmente estendidas” (o mesmo: 250 – traduzido por mim).

Tambiah (1990) também critica Horton por aplicar temas teóricos ocidentais ao

contexto africano sem qualquer fundamento. E não há por parte dos agricultores

africanos nenhum sinal de interesse em explicações teóricas fora do contexto social.

“Racionalidade” devia ser entendida como conceito ocidental, que se refere aos

paradigmas de coerência e consistência. Além disso, a “racionalidade” não poderia

explicar os motivos de ações muitas vezes inconsistentes. Tambiah aponta duas

tendências dentro do discurso ocidental sobre a relação do ocidente com outras

culturas. Seria possível destingir dois grupos: os “unificadores” e os “relativizadores”.

Enquanto o primeiro grupo defenderia um entendimento mútuo das culturas, o segundo

negaria a comensurabilidade intercultural64. Mas tal posição relativista não teria

fundamento, porque um relativismo moral levaria à amoralidade, e como tal por

princípio refutaria a solicitação de reconhecimento mútuo, já esta por si seria baseada

em argumentos morais.

„[…] if [...] we are prepared to argue that on a certain issue societies or cultures A and B hold different views, and each in its context is justified, true or meaningful, we should be prepared to defend this judgment as having absolute validity for us, and provide the necessary proof” (o mesmo: 119).

Embora dois fenômenos pareçam incomensuráveis à primeira vista, uma futura

explicação não seria impossível. Seria mais uma confrontação intercultural que levaria

a três situações possíveis: 1. existe uma base comum, pois também há possibilidade de

64 O discurso sobre a comensurabilidade, ou incomensurabilidade -ou seja do relativismo cultural e do construtivismo- e a base cognoscitiva da realidade começam na antiguidade, e não podem ser discutidas aqui. O leitor interessado pode achar um resumo em Tambiah (1990), e Hornbacher (2005). Outros autores relevantes em relação à possibilidade e aos pré-contextos de comunicação seriam por exemplo o teórico sistêmico Luhmann (2001), e lingüistas cognitivos como Fauconnier

(1994), Givón (2005), Lakoff (1987), Schulze (1998), Taylor (1989), entre outros.

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um consenso; 2. existe uma base comum, mas os dois fenômenos tem um valor prático

relativo, sendo que num consenso não é possível, mas uma (re-)valoração sim; 3.

incomensurabilidade total, o que exclui qualquer valoração.

4.2. Construindo Pontes

Desse ponto de vista, um diálogo intercultural principalmente é possível e pode levar a

resultados consideráveis, embora sempre tenha áreas incongruentes, e porém,

incomensuráveis. Isso também é a base da maioria dos programas de educação

indígena e intercultural na América Latina, que se auto-definem como espaços de tal

diálogo.

Gestón Sepúlveda (da UFRO – Universidade de la Frontera) primeiro aponta a

possibilidade de uma incomensurabilidade principalmente contida nas propostas

construtivistas, que implicariam em um “encarceramento operacional” de sistemas do

saber. Mas a comunicação intercultural seria possível através de uma mediação

semiótica, juntando dois modos de viver na construção do saber; negociando

significados, sem desvalorizar outros pontos de vista, utilizando-as como fundamento

da construção de uma realidade cultural, que tenha a inter-relação delas como

referência. A nível operacional isso significaria aprender. Assim a diferença para ele

não é um obstáculo, senão uma fonte de novas possibilidades, sendo que a educação

intercultural pode contribuir para a transformação social, levando à geração de

relações simétricas, e a um saber cultural integrado.

Também a diferença inter-subjetiva não seria limitada somente ao contexto

intercultural, senão caracterizaria a comunicação em geral, porque “a diversidade

cognitiva já está entre nós” (Sepúlveda 1996: 103 – traduzido por mim).

A preocupação em relação à incomensurabilidade latente poderia contribuir para o

“redescobrimento do saber”, que estaria na consideração dos saberes marginalizados.

Nesse sentido a educação indígena e intercultural não ofereceria respostas somente

para o contexto indígena, mas também para uma sociedade, que reconhece a sua

diversidade cultural (o mesmo).

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Assim também Christa Weise Vargas vê a incomensurabilidade parcial do cosmos

indígena como complicação, mas que possa ser aproveitada construtivamente.

“[...] Hay puntos de encuentro entres estos distintos sistemas. [...] Habrán puntos en que no, que hayan [...] explicaciones excluyentes, pero esas explicaciones las podrás entender dentro del contexto del sistema. Ahora tu deberías poder moverte, transitar entre estos diferentes sistemas de conocimiento.”

“[...] Yo creo que en realidad [...] estas dos visiones del mundo, o estas varias visiones del mundo, pueden ser que tengan en algunos puntos explicaciones, o conocimientos excluyentes, pero yo creo que esencialmente te dan explicaciones diferentes, diferentes en esencia, respecto a ese fenómeno, o esa realidad. Creo que son conocimientos de naturaleza distinta. Entonces por eso no necesariamente son excluyentes. Es como hablar de elementos de material distinto. Entonces lo que hay que hacer es un especia de pesquisa de materiales diferentes, donde tu puedas al mismo tiempo conocer un objeto desde visiones y desde percepciones diferentes. [...] Tiene que ver algo con este pensamiento complejo, donde las cosas pueden ser, y no ser al mismo tiempo. Pueden ser planas, y redondas al mismo tiempo” (Christa Weise Vargas - Cochabamba, 10.11.2006).

Não é desejável a mera confrontação, senão o próprio valor aspectual das diferentes

formas do saber.

“Los occidentales, digamos, siempre lo ven como paralelos, diferentes o sea: desde la mirada occidental es un paralelismo. La mirada indígena siempre ha sido intercultural. Por ejemplo tu vas a un medico en el campo y el intenta curarte y el te dice: mira, yo no puedo, creo que la medicina occidental tiene un remedio para esto. [...] Entonces la mirada [...] indígena tienda a ser intercultural en ese sentido. No niega al otro [...]” (Gilberto - Cochabamba, 14.11.2006).

“[...] Por ejemplo nosotros tenemos una noción de las cosas vivas y de las cosas no vivas, no de las cosas animadas y inanimadas. Y en el mundo indígena esa diferenciación no existe. Lo inanimado es animado también al mismo tiempo. Es decir: la piedra es un ser vivo, no es un ser inanimado” (Rosana - Cochabamba, 10.11.2006).

Ao invés do paradigma ocidental da definição hipotética singular65, que diz que cada

coisa pode ser ou isso ou aquilo, aqui se vê mais uma polivalência aspectual, onde

uma coisa pode ser assim e assim, dependendo do contexto.

Fora dos fundamentos cosmológicos, a base prática dos conhecimentos (neo-)indígenas

é vista como responsável para esta visão relativista.

65 Lyotard chama isso de segunda suposição metafísica da ciência: „O mesmo referente não pode levar a uma série de provas contraditórias; ou seja, ‚Deus’ não é um mentiroso“ (Lyotard 1986: 78 – traduzido por mim).

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“Yo creo que de lo que se trata es: esta teoría, esta búsqueda de explicaciones científicas, también tiene que compararse con el conocimiento indígena. Se sabe que una planta cura, pero también se deba saber por que cura. En eso se tiene que combinar con lo otro pues. [...] Al curandero casi no le interesa. [...] Yo cuando era un niño me levantó aquí [na mandíbula] una papilla. Y resulta que me voy al medico y el medico me mira y dice: ‘eso se tiene que operar en máximo cuatro, cinco días.´ [...] En eso no más me voy a una tía abuela, que me ve como no esta bien y me dice: ‘que ha pasado, por que no me has avisado? [...] Mira, dé me dos o tres días. [...] Si no te curo, te vas al medico pa´ que te cure [...]. Que hizo mi tía? – agarro hierbas, no se que, orines, estierco de cerdo, puerco, mezclo, hizo hervir en una latita, y me pone una cosa hedionda aquí. [...] Primera noche la mitad se bajo. Segunda noche la mitad… Y dice: ‘no, ya no te vas al medico que te voy a curar’. Y el tercer día me dio una receta: ‘[...] anda comprar en la farmacia!’ […] Pero en ese caso de mi tía no te sabría explicarte por que. Solo sabia que había que juntar tales, tales, y mezclar eso, y combinar con una receta de medicamentos. Pero a ella nunca le intereso por que están estos efectos con esta combinación [...]”(Gilberto - Cochabamba, 14.11.2006).

Embora tal caracterização de saberes alheios como sentido prático, fundado no modo

de viver possa ser julgado positiva, ao mesmo tempo estes saberes são desqualificados

pelo discurso teórico científico como “pensar selvagem” ateórico. Por outro lado o

atuar socialmente geralmente pode ser deduzido de um atuar prático e pré-teórico (veja

Leví-Strauss em acima). Como instituição social e parte das práticas sociais isso conta

também para a ciência. Nessa nova perspectiva Pierre Bourdieu consegue relativizar

essa oposição entre saberes práticos e teóricos.

4.3. Raízes Compartilhadas

Bourdieu (1987) reduz o atuar socialmente ao “habitus”, que se fundamenta no sentido

prático.

“Um dos resultados fundamentais da harmonia do sentido prático e do sentido objetivo é a geração de um mundo de razão cotidiana, cuja evidência imediata está realçada pelo sentido das práticas e da objetividade garantido pelo mundo, ou seja, através da harmonização da experiência e do reforço permanente, que cada uma dessas práticas recebe pela expressão de experiências individuais e coletivas [...], improvisada, ou prescrita [...], parecidas, ou idênticas” (o mesmo: 107 – traduzido por mim).

Consenso e entendimento são possibilitados por empatia com os outros, ou através da

inconsciência coletiva. Essa inconsciência coletiva, que condiciona o habitus, o qual

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resulta em atos sociais, por sua parte reproduz o espaço de experiência compartilhado,

que finalmente condiciona a tal inconsciência, etc.. Bourdieu chama este espaço

interativo de experiência social de “campo”. Agora o campo não é um jogo em si, mas

sim um jogo por si mesmo; isso faz, com que não se possa decidir conscientemente

sobre a sua própria participação. Pelo contrário, a descoberta do seu caráter arbitrário

excluiria qualquer participação verdadeira. Neste caso somente seria possível observar

o jogo, como se fosse olhar pessoas dançando por uma janela de vidro, sem escutar a

música; assim a dança pareceria como um pula-pula imbecil sem sentido nenhum. Para

a participação, porém, uma crença não refletida é imprescindível; uma crença não

refletida, que “define a doxa como crença primordial” (o mesmo: 125 – traduzido por

mim).

“É justamente porque o pertencer inato ao campo também contêm o significado do jogo como arte da antecipação prática da presença contida no futuro, tudo o que acontece ali parece ter sentido, ou seja, preenchido com significado e objetivamente apontando em uma direção certa” (o mesmo: 122 – traduzido por mim).

Em relação à construção própria e à sua habitualização através da vivência, em relação

à condições prévias, mas também aos efeitos dos programas de educação de, e para

indígenas, a crença dos participantes obtêm uma importância considerável. Não está

nas mãos deles decidir a favor, ou contra o “próprio”; não se pode simplesmente

decidir virar “indígena de verdade” (seja o que for que isso signifique). Ou acredita-se

no efeito dos rituais, ou não! E se não, toda participação é folclore, e todo o discurso

sobre “outras realidade”, e tal mais, é mera retórica.

Por isso para mim era importante perguntar aos meus interlocutores sobre a visão

particular deles do mundo. Por exemplo, perguntava se eles relacionavam o efeito das

plantas com a composição química das mesmas, como eles tinham aprendido na

escola, ou se para eles seria o ritual e o tratamento apropriado das plantas que levaria

ao efeito delas, de acordo com a sua própria cosmologia já que eles dão tanta

importância à medicina tradicional.

Soledad (Aguazteka) & Orlando (Triqui) de Mexico - estudantes do PROEIB Andes (Cochabamba, 14.11.2006):

“Al mayor de la química hay un proceso ritual, psicológico – químico-psicológico. La planta de alguna manera es diferente a diferentes cosas, o sea, cuando yo tengo gripe

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puedo tomar una planta sin mucho ritual, pero cuando dicen que yo sufro de mal de aire, que es que alguien me mando mal, entonces hay que hacer un ritual, para que ese mal, que alguien me lo hizo sea eliminado. […] Eso son dos diferencias en las culturas indígenas. […] Podemos asociar esta parte de la creencia mas de nuestros abuelitos, digamos, de que ellos saben mejor conocer la planta, y ni habían echo un estudio químico en el laboratorio de la planta. Entonces ellos atribuyan a todo el poder de la planta a algo mágico. Mas ahora en la actualidad a ver tantas farmacias y esto de la ciencia nosotros sabemos que esta planta tiene cierto químico. Entonces entendemos que no todo es mágico, […] sino la causa es la misma planta que contiene ciertos químicos. Pero como nuestros abuelitos lo practicaban a través del ritual, pues se sigue dando ese mismo proceso aun que sabemos que no es algo divino que ayuda, sino que es la misma planta la que ayuda a curar una enfermedad” (Orlando).

“Bueno lo mas que dijiste, que hay alguna deidad, o algo mágico, esa rama se encuentra a las fiestas. En cuanto ha si rituales, pero de la comunidad”(Soledad).

[…] Yo veo una contradicción aquí, porque: o lo crees, o no lo crees. No puedes creerlo y al mismo tiempo no creer! […] A mi parece imposible …

“Son coincidencias, no. Los rituales mas bien coinciden con que la gente quiere. Si se hace para el cultivo, se lo hace de esa visión de: ‘ahora no hubo buena cosecha porque no lo hicimos’. Entonces se hace eso por cuestiones sociales, ya no tan concretas …”(Orlando)

Pues ustedes ya no creen mas mucho en las fuerzas de los rituales pues …

“Digamos que nosotros, que ya hemos desenvolvido en diferentes ámbitos, pues como dejamos un poquito al lado lo de las fuerzas espirituales … lo dejamos en la individualidad. Pero al mejor de lo colectivo, como en la comunidad, lo conservamos … como una forma cultural …” (Soledad)

Muitos jovens indígenas atualmente estão lutando para a preservação e revitalização de

rituais e de um saber que eles mesmo estão relativizando desde uma visão ocidental.

Mas parece que para eles esta contradição entre esses dois tipos de saber não

desvaloriza nenhum dos dois.

Minha própria incapacidade de compreender o jeito indiferente deles tratarem modelos

de explicação obviamente contraditórios, e a incompreensão deles do meu “problema”

revela essa situação de forma bem clara.

“No!, pero yo creo que es un medio misionero volver a lo creer o no creer. Yo creo que puede haber un problema conceptual allí. [...] Pero yo creo que hay unos puntos polémicos, si pones entre unas plantas y un ritual, si resulte un efecto que solucione un

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problema, si una pastilla hecha químicamente en un espacio de un laboratorio sin ritual resuelve, soluciona tal problema, no se que [...]. Si nos ponemos en este plano, yo creo que eso seria un problema [...] como el del huevo y la gallina. […] Una persona me dice que tiene un dolor en la cabeza, y está la tienda que tiene Aspirinas [...]. Si a esa persona le gusta y quiere tomar Aspirina, yo le digo: ‘allí esta la tienda, hay Aspirina, tómatela, e eso es bueno’. Yo se que eso soluciona el problema. Pero si esa persona dice: ‘aí, yo tengo problemas de salud y la Aspirina no me cai bien, no coincide conmigo, no se que …’ Yo pregunto a esa persona, como esta indecisa, porque tiene alguna dificultad de tomar Aspirina. Entonces yo ofrezco una otra alternativa. Digo: ‘bueno tu quieres no siempre Aspirina? Cualquier otra cosa que pueda replazar eso? [...] Usted quiere otro ejercicio? Si está de acuerdo yo llego y le paso las manos sobre la cabeza y no demore un minuto [...] e desbloquea el problema y ... pá!, se fue el problema [...]. Y a mi no me importa competir contra la Aspirina” (José - Popayán, 29.12.2006).

Rone, um Pareci atual coordenador da Funai de Tangará da Serra, com seu belo

cabelo comprido, vestido de terno, cinza claro e uma gravata cor de rosa, acha as

categorias “brancas” mais adequadas para o seu trabalho na cidade. Mas voltando ao

seu cosmo próprio na sua comunidade ele se transforma novamente em “índio” – e ele

me mostra fotos em que ele está meio pelado e adornado com uma coroa azul linda

feita de penas de arara, parecendo um daqueles “índios” da “Globo Repórter”. Uma

contradição ele vê nisso sim, pensando bem. Mas há que apontar que ele absorveu

o3° Grau Indígena, onde este assunto foi discutido largamente. Obviamente ele não

percebe sua vida dupla como um problema, senão como riqueza de experiências.

O nosso dogma causalista que sempre exige consistência total simplesmente não

parece estar em vigor aqui.

Em relação a este dilema Tambiah nos leva a três conclusões alternativas:

1. Este tipo de pensar principalmente não é muito diferente do nosso, somente não

é “científico”, ou “objetivo”, senão fundado no cotidiano e na prática, e porém

se parece ao nosso pensar cotidiano.

2. Trata-se de uma “lógica”66 diferente, que ordena o mundo por aspectos, ao invés

de partir da consistência de uma causalidade unilinear, o que resulta numa visão

de mundo diferente, mas principalmente compreensível, e porém, negociável.

Os “indígenas” pensam de maneira completamente diferente dos “ocidentais”;

por exemplo mais “emocionalmente”, “pré-lógico”, “alógico”, etc. – de

qualquer jeito de uma forma incomensurável para nós.66 Aqui simplesmente no sentido de um „modo de pensar“

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Caso 3. teoricamente pode ser pensado, mas em termos práticos não é muito vantajoso,

porque leva a um relativismo ético, e sobre tudo é discriminante, pois, no sentido da

“political correctness” tabu. Além disso a suposição de uma incomensurabilidade total

contraria à experiência intercultural, mas tão pouco pode ser refutada, e porém, não é

falsificável, e como tal, tão pouco pode ser considerada científica. Por estas razões o

caso 3. Não será mais objeto deste texto.

Caso 2. É bom de manejar e por isso geralmente é proposto pelos projetos

educacionais, já que a ordem aspectual das coisas serve como dispositivo para a

integração de visões alternativas, e como tal promove tanto à diferença, quanto à

comensurabilidade cultural. Para Gilberto, por exemplo, está claro que a cosmologia

(neo-)indígena é mais “aberta”, do que a ciência causalista.

Caso 1. Está com uma perna dentro do caso 3. Negando qualquer valor científico às

outras formas de saber, com que ele aponta o universalismo. Bourdieu (1987; 1985)

construiu uma ponte ao caso 2., mostrando, que também as ciências se fundamentam

na razão do cotidiano. A razão prática, que constrói o hábitos, é caracterizada como

princípio universal da conditio humana, que não deve explicar somente o

comportamento de sociedades alheias, senão em primeiro lugar a base da própria

sociedade ocidental. Como conseqüência, Bourdieu interpreta também a ciência neste

sentido, sendo que ela é uma instituição social.

“Com os atos incontáveis de reconhecimento, deste pedágio, sem o qual não se pode participar, que constantemente está produzindo conhecimentos coletivos falsos, sem o qual o campo não funciona, e o qual ao mesmo tempo é um resultado deste funcionamento, investe-se na empresa coletiva da geração de capital simbólico, que somente pode ser conseguido, se continuar desconhecido como a lógica do campo funciona” (o mesmo 1987: 125 – traduzido por mim).

Como capital simbólico, títulos transmitem sem palavras o princípio do poder dentro do

sistema educacional (o mesmo: 243). Assim este reproduz as antigas classes nobres

através da sua seleção; a “nobreza” do estudante frente aos não-nobres, por exemplo,

mostrar-se-ia no seu comportamento desafetado dentro da universidade, e na “vida

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boêmia” dele, constata Bourdieu.

“[O] limite verdadeiramente mágico com o qual é marcada uma diferença essencial entre o último que aprovou, e o primeiro que reprovou, e através do direito de utilizar um nome, um título. Essa fracção é um processo verdadeiramente mágico, e o seu paradigma é a divisão entre o sagrado e o profano descrito por Durkheim” (o mesmo 1985: 37 – traduzido por mim).

Somente quem se submete a este “ato mágico de ordenação”, sob este ritual de

iniciação das ciências, somente aquele talvez entrará um dia na fila dos “antepassados

científicos”, aos quais todo iniciante deva referir-se (veja o mesmo 1997: 126). Com

Foucault, este ato de ordenação pode ser visto como parte das práticas corporais, que

ao mesmo tempo reproduzem o sistema panóptico de internalização da sociedade

disciplinar ocidental, e são reproduzidas pelo mesmo panoptismo (Foucault 1981; veja

também Hornbacher 2005). A crença prática é um estado do corpo (Bourdieu 1987:

126). “O que o corpo aprendeu, ele não possui como um saber recontemplado, senão

isso é o que somos” (o mesmo: 135 – traduzido por mim).

Portanto a ciência é em primeiro lugar uma instituição e baseia-se também nos mesmos

rituais “mágicos”, que por sua vez fazem parte de um espaço de experiências

corporais. Dessa maneira desmistificado, o conhecimento “científico” é entendido

como produto de um discurso, que se constitui tanto dentro do poder mistificado dos

“antepassados científicos”, quanto na vontade de dominar dos envolvidos, e em

práticas habitualizadas (veja o mesmo: 199).

A hierarquia científica, porém, seria uma codificação não-objetivizada, que

influenciaria o conhecimento “objetivo”, porque o lucro científico somente poderia ser

alcançado por renunciar ao lucro social, ou seja: daquela pessoa que “está imunizada

contra o uso da ciência, ou do efeito científico, para triunfar socialmente dentro do

campo da ciência”. A autoconfiança dos “positivistas contadores de pernas de

mosquitos”, portanto, seria “o pior obstáculo social para o progresso da ciência” (o

mesmo 1992: 42 – traduzido por mim).

“A supervalorização da lógica pelos objetivistas seduz para ignorar que a construção científica somente pode levar em conta os princípios da lógica prática sem mudar seu o caráter: a explicação refletiva transforma a sucessão de acontecimentos práticos em uma sucessão de imaginações, uma ação direcionada a um espaço gerado como estrutura de exigências a uma operação voluntariamente inversível, executada dentro

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de um espaço contínuo e homogêneo” (o mesmo 1987: 164 – traduzido por mim).

“Assim o objetivismo malogra à objetividade, negligenciando por levar em conta a imaginação da realidade na sua redução de realidade, frente à qual ele deve construir a sua imaginação ‘objetiva’, a qual, se obteve o consenso do grupo, se torna a forma menos questionável da objetividade” (o mesmo: 203 – traduzido por mim).

A “verdade” transforma-se em um conceito oco, que somente pode ser preenchido

com significado através da formação contingente do campo, que o habitus perpetue.

Interessante não é mais a questão ontológica da “verdade”, senão somente a questão

transcendental da estrutura dinâmica do campo, e dos mecanismos da sua

habitualização.

“Yo creo que pensar en lo real es el concepto problemático. [...] Nos puede llevar a confusión. Yo creo que es tan relativo, es como hablar de lo verdadero. Es decir, yo prefiero hablar de lo que convoca. ¿Que es como un imán, que me hace sentir, [...], que atrae? - ¿Por que no me jala para el mundo mestizo occidental, si crecí con contextos en ambos, colonizado, ambiguo? [...] Pero si traigo el concepto de lo real pienso que es un problema, porque tan real es el mundo allá. Lo viven, lo gozan... Pero tan real también es este mundo, mi mundo acá, nuestro mundo acá ... y me atrae. [...] Para mi que nuestra origen esta entre la estrella y el agua, para mi es una manera de explicación [...] tan bonito, tan poético, [...] y no me importa esa pregunta de cuando, quien...” (José - Popayán, 29.12.2006)

¿Largar o ideal ilusório de uma “lógica lógica” e de uma realidade “objetiva” a favor de uma convocação estética? Nietzsche já havia proclamado que tudo é mera aparência; uma questão de gosto.

“[Para ele] O mundo aparece como um tecido de imaginações e interpretações, que não se fundem em nenhuma ambição, ou em um texto. A potência de gerar sentido compõe junto a uma sensibilidade, que se deixa tocar de maneira múltipla, o núcleo estético da vontade de poder. Este é ao mesmo tempo uma vontade de ser mera aparência, simplificação, máscara, superfície [...]” (Habermas 1988: 118).

Diferente de Nietzsche, Bourdieu não vê essa aparência como resultado de uma

vontade de poder onipotente, senão como resultado de uma economia pragmática da

lógica. Resulta que o conhecimento sempre segue uma economia das necessidades

práticas, que são satisfeitas com um mínimo da trabalho lógico. Sendo que a

conceitualização estaria relacionada a situações, o tudo dos fatos “objetivos” pode ser

defraudado, resultando que a revisão de novos conceitos em relação à consistência

deles se tornaria obsoleta.

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“Porque não é provável que duas aplicações dos mesmos esquemas se choquem no mundo, o qual nós devemos determinar mais como mundo prático (do que mundo discursivo), a mesma coisa pode ter distintos complementos dentro de mundos práticos deferentes, e porém, ter até qualidades diferentes conforme o tipo de mundo” (Bourdieu 1987: 158 - traduzido por mim).

A consistência, como paradigma científico central, somente funciona dentro de um

mundo discursivo artificial, que exige o contraste de definições distintas. Mas a prática

condiciona uma conceitualização situativa, que exclui o contraste. Dependendo do

contexto uma coisa, ou uma classe de coisas, pode ser definida de forma diferente, sem

esta contradição voltar a ser evidente. Por isso deveria se“reconhecer na prática uma

lógica, que é diferente da lógica da lógica, para que não se exija da prática mais lógica

do que ela pode oferecer” (o mesmo: 157 – traduzido por mim). Nesse sentido “a

lógica [...] somente pode estar em tudo, porque na verdade ela não está em lugar

nenhum” (o mesmo: 159 – traduzido por mim). Deste ponto de vista a maneira de lidar

com definições contraditórias como modelos explicativos complementares e aspectuais

não aparece como característica específica do mundo (neo-)indígena, senão como

característica não refletida de um mundo prático não refletido.

Mas Bourdieu parte de uma prática intracultural, onde a contradição pode permanecer

por falta de contraste, enquanto o projeto educacional intercultural justamente provoca

o contraste, o qual força àquele momento discursivo, que impõe à lógica prática. “A

idéia da lógica prática como uma lógica em si, sem pensamento consciente, ou a

possibilidade de comprová-la, já é uma contradição em si, que se opõe à lógica lógica”

(o mesmo: 167 – traduzido por mim).

Em relação à educação intercultural isso significaria, que o discurso contrastivo ou

levaria a uma “logificação” das observações, ou que a inconsistência dos conceitos da

razão prática levaria a uma particularização do saber, o que sim geraria variedade, mas

não garantiria a possibilidade de negociar. Além disso a teoria de campo de Bourdieu,

no sentido de um jogo por si mesmo, implica a impossibilidade de refletir conceitos

práticos; porque a lógica da prática não pode ser descoberta através da reflexão dos

atuantes, porque essa posição dos observados leva a uma objetivação que justamente

disfarça o que é essencial, porque a lógica da prática somente entende para poder

atuar, e não para entender (veja o mesmo: 165).

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Mas intelectuais indígenas, como José Ramos, chegam a valorizações aspectuais de

diferentes mundos práticos apesar de, ou seja, justamente através de reflexões

profundas dentro de um discurso entre os campos. Suas reflexões, então,

representariam uma forma reflexiva da lógica prática.

Mas excluindo categoricamente a possibilidade de lidar reflexivamente com diferentes

campos, Bourdieu projeta o “encarcelamento” epistemológico do sujeito ocidental ao

coletivo, utilizando o seu conceito do habitus. Mas para os intelectuais indígenas o

potencial reflexivo da construção intercultural está justamente na coletividade.

Considerando esta discrepância entre a teoria de campo de Bourdieu, e as reflexões

dos intelectuais indígenas, o modo complementar de lidar com formas diferentes de

saber, sim, poderia ser uma característica específica de sistemas (neo-)indígenas de

saber, que funda uma valoração aspectual das coisas, no sentido de uma lógica

reflexiva da prática.

5. O Saber (Neo-)Indígena

Em vários pontos “saber” e “crença” parecem significar algo diferente mais para os

“indígenas”67, do que para nos “ocidentais”, sendo que essa diferença se mostra em

primeiro lugar em uma outra forma de lidar com modelos explicativos contraditórios

(veja caso 2. em cima). Para tentar entender melhor à qualidade específica do saber

(neo-)indígena vale considerar alguns aspectos e tendências centrais68.

67 Como já foi discutido anteriormente, tais descrições generalizadas nunca são adequadas. Certamente não existe nem um saber „indígena“ (já que a definição de o que é ou não é um „indígena“ representa um problema enorme), que fosse compartido todos os indígenas, nem de um outro grupo cultural ou étnico qualquer. Trata-se de opiniões particulares e fragmentos de saber (veja-se a cima). Aqui pretende-se meramente apontar algumas tendências dentro de sistemas de saber culturalmente específicos e algumas diferenças características entre eles.68 É importante apontar que também estas observações são muito limitadas e precisam ser

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5.1. “Complementariedade”, “Animismo”, “Dinamismo”, “Espiritualidade”, “Perspectivismo”, “Pensar Transitório”?

“A antropologia chamada ‘pós-social’, uma nova forma que temos dialogado muito; como essa antropologia fala de ‘perspectivismo’, ao invés de ‘animismo’, ‘simetria’. Quer dizer, tem todo uma rede de pensamento, assim, da filosofia, e da antropologia, que compreende melhor o pensamento ameríndia” (Inês - Belo Horizonte, 24.09.2006).

Como já aludido no último capítulo, o manejo complementar de inconsistências e

incongruências parece ser uma característica considerável de cosmologias

(neo-)indígenas. Este aspecto também é de maior importância para a interculturalidade,

porque é decisivo na questão do como lidar com saberes alheios. Julgando saberes

alheios de incomensuráveis, ou comensuráveis condiciona-se o espaço discursivo do

diálogo intercultural.

Também as experiências de Fabricio confirmam tal “liberalismo epistemológico” dos

sistemas de saber (neo-)indígenas. A visão complementar das coisas manifestaria-se

também em conceitos indígenas específicos.

“[...] Los Cayawayas son médicos itinerantes que existen hasta el día de hoy, y que van viajando hasta el norte de la Argentina, hasta el norte de Chile, y por Bolivia. [...] Y yo tenia la oportunidad, por ejemplo, de conocer un Cayawaya que estudia medicina. El ha acabado en San Andrés de La Paz, y digamos, si para mi es mas difícil comprender por que la medicina Cayawaya está muy ligada también obviamente, como todas las medicinas tradicionales, a cuestiones rituales, a cuestiones de espiritualidad, otra noción de lo que es una enfermedad, por lo tanto de la curación. Y veo una ruptura, digamos, pero el no la ve. Y el complementa muy fácilmente las dos medicinas. Aparentemente no tiene muchos problemas. Yo creo que el problema es mas teórico conceptual. [...] Caemos siempre en una araña de conceptos y además nos discutimos mucho. [...] Entonces creo que es una dificultad mas nuestra, conceptual, e epistemológica. Pero el indígena no le veo con mucho problema [...].”

“Como es interesante esto, no? Que eso también yo creo, el no poder vivir en dos cosas es tan parte de la nuestra mentalidad, digamos, occidental, de la dialéctica. Por ejemplo los Quechuas tienen un concepto muy interesante [...]: yanantin. Yanantin es precisamente los opuestos, los opuestos que se complementan. […] Es una idea de complementación de los opuestos. [...] Para ellos es muy importante. Esa

investigadas de forma muito mais profunda. Este ensaio somente quer mostrar algumas tendências, que parecem ter certa relevância em relação à qualidade do universalismo e da possibilidade de uma colaboração intercultural em nível científico.

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complementación es uno de los requisitos del poder político por ejemplo. Así el poder político de una autoridad tradicional Quechua tiene que ser chacha y warmi, tiene que ser hombre y mujer, no puede ser uno no más. Si no esta chulla, o seria no más cortado - es un lado. En el caso del poder político eso es clarísimo: tiene que ser hombre y mujer” (Fabricio - Cochabamba, 15.11.2006).

Também Josef Drexler (2004) vê este complementarismo como aspecto típico das

cosmologias ameríndias, que se manifestaria na divisão do cosmo em oposições

complementares, como masculino-feminino, lado direito-esquerdo, quente-frio, etc..

Ao invés de seguir a separação de Durkheim de profano e sagrado, ele vê uma

“polaridade do sagrado”, ou seja, um “complementarismo simbólico” (o mesmo: 150).

Drexler fala de uma visão heraclítica, na qual tudo estaria numa corrente de transições.

Os pares complementares seriam dialéticos, no sentido de uma dialética que não

estaria limitada a um certo espaço, senão de qualidade ontológica, porém de nenhum

caso dualista (o mesmo: 151). “É como se a união do mundo fosse reproduzida pela

`reconciliação’ dialética de pólos formulados como extremos de um contínuo, antes de

tudo através do ritual, e perpetuamente” (o mesmo: 152 – traduzido por mim).

A seguir Meditações de Walter Adriano sobre “o olhar mimético” (Adriano 1974 (1 &

2)), Taussig (1997) descobre na transmutação de cosmos xamânicos o princípio da

mimésis como mecanismo cognitivo universal da produção de realidade. A mimésis

levaria ao “poder mágico do significante”, que se revelaria no “excesso mimético”:

“O excesso mimético nos revela a verdade insuportável, de que a aparência é o fundamento da realidade, que sim é manipulada, mas que também se pode manipular” (o mesmo: 253 – traduzido por mim).

Taussig também aponta ao significado simbólico de imagens de sonho, que fariam

parte da visão do mundo indígena (veja também Guss 1980). As cosmogonias deviam

ser entendidas como “tentativas de descobrir os traços históricos, e a extensão das

coisas se transformarem em outras, enquanto continuam, num sentido mais profundo,

(mimeticamente) as mesmas [...]” (Taussig 1997: 123 traduzido por mim).

“Te puxa pra lá, te puxa pra cá: A mimésis sempre sacana dançando entre o mesmo e o completamente diferente. Impossível, mas necessária, verdadeiramente cotidiana, a mimésis abrange ambos, identidade e diferença, ser parecido e diferente” (o mesmo: 134 – traduzido por mim).

As narrações repletas por transformações e analogias diacrônicas representariam um

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tripticon, “que pula no tempo pra frente e pra trás, e simultaneamente vivencia o

passado mítico para empreendimentos modernos”, satisfazendo assim “as pretensões

do poder mimético [...] de ser a natureza, que utiliza à cultura, para gerar uma segunda

natureza” (o mesmo: 250 – traduzido por mim). Os cosmos xamânicos representariam

uma transformação permanente, pulos miméticos, "flip-flop from spirit to thing and

back again (o mesmo 1992: 5)69. Isso implica uma polivalência das coisas, uma

transformação mimética como nível-meta aspectual, que se reflete simbolicamente nas

transmutações dos protagonistas das narrações.

Mas para não exagerar nesta interpretação basta constatar o seguinte: parece existir

uma tendência transitória, ou transformativa nas cosmovisões (neo-)indígenas baseadas

em um complementarismo universal, que se defendem contra qualquer visão

universalista, e que parecem seguir mais uma idéia do mundo como um rio cósmico,

uma corrente permanente, ou uma alternação de complementarismos.

5.2. “Povos Primitivos” ou “Ecologistas por Natureza” ?

O “animismo”, como personificação da “natureza”, que resulta em conceitos de

natureza específicos ameríndios, e que se destaca de maneira considerável do conceito

ocidental, podia ser interpretado de forma semelhante. Todos os animais, plantas, e

demais coisas são também pessoas ou seres espirituais antropo-, e zoomórficos, que

requerem reações sociais entre si e o homem. Isso implica uma postura moral frente à

natureza no sentido de uma “solidariedade cósmica”, ou “ecosofia” (o mesmo: 147;

veja também Reichel 1987).

Nas organizações indígenas a união sócio-ecológica é vista como parte importante

também dos seus programas educacionais. A autoria coletiva ETZA (1996 - AIDESEP)

realça o conceito do homem como parte da “natureza”, ou seja, como parte de um

69 Em muitas cosmologias ameríndias podem ser encontradas idéias apocalípticas. Em muitos casos o mundo acaba quando a arvore cósmica, ou axis mundi, desaba e a „torta de casamento“ de níveis cósmicos cai pra dentro do lago subterrâneo, na grande laguna, que representa o mundo dos espíritos, o Além (veja por exemplo Faust 1989: 122). Talvez seja o medo da reunião com o Além, expressão de um medo do fim da dialética mimética, que se mostra na procura do Além dos Mbya, descrito por Clastres. O mundo e o Além amalgam – o fim de yuluka. ¿Porque é que os Mbya querem sair deste mundo? Porque ele é um só , um só como símbolo do finito. Para eles o mundo era „unilateral“, incompleto, e porém mau, pois chulla (veja Clastres 1976: 153).

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cosmo vivo, com o qual ele esta inter-relacionado (o mesmo: 192). Os Bora, por

exemplo, refeririam com a palavra “múnaa” tanto aos animais, quanto aos seres

humanos, descrevendo um estado temporário, porque para os Bora os animais

antigamente também eram seres humanos (o mesmo: 224). Também Bolaños & Ramos

(et al. 2004 - CRIC) apontam à diferença essencial entre o mundo materialista

positivista, e o mundo vivo do cosmo (neo-)indígena. A favor dos conhecimentos das

comunidades ter-se-ia decidido favorecer a espiritualidade, e levar médicos

“tradicionais” a classes nas escolas do CRIC. Enquanto a seleção do conteúdo do

ensino praticaria uma avaliação pragmática das coisas em relação aos seus resultados.

Embora os conhecimentos ocidentais, a escola, e a língua Espanhola principalmente

seriam “hegemonias”, e historicamente eram prejudiciais para os indígenas e suas

culturas, valia aprender ler e escrever não por amor pelo escrever, mas por causa do

seu uso pragmático (os mesmos: 186; veja também Münzel em cima). O herói cultural,

pioneiro do movimento indígena, e “Nasa de fronteira”, Qintin Lame, quem já

articulou alguns pensamentos fundamentais sobre a educação indígena, sempre serve

como referência. No seu livro “Los pensamientos del indio que se educo dentro de la

selva colombiana” ele constata:

„Todos hablan de sus claustros de educación. Por esta razón yo también debo hablar de los claustros donde me educó la naturaleza. Ese colegio mi educación es el siguiente: El primer libro fue el ver cruzar los cuatro vientos de la tierra. El segundo libro fue el contemplar la mansión del cielo. El tercero libro fue ver nacer la Estrella Solar en el Oriente y verlo morir en el acaso, y que así moría al hombre nacido de mujer. El cuatro libro fue el contemplar la sonrisa de todos los jardines, sembrados y cultivados por esa Señora Naturaleza, que viste un traje azul y que se corona ella misma de flores y se perfuma en su tocador interminable. El Quinto libro fue al coro interminable de cantos. El sexto libro ese bello jardín de la Zoología Montañés. El séptimo libro fue el oír atentamente esa charla que forman los arroyos de agua en el bosque. El octavo libro fue El Idilio. El noveno libro fue el verdadero Libro de los Amores. El décimo libro fue el libro del reglamento armónico que tiene la naturaleza en el palacio de sus tres reinos. El undécimo libro fue la de la Agricultura y de quienes son dueños de sementeras y labranzas. El duodécimo fue el libro de la Ganadería Monañes. Estos son los libros de mi estudio, pero no están todos, porque son miles y miles de libros más“ (Quintin Lame 1939; zitiert in: Bolaños & Ramos et al. 2004: 184).

Quintin Lame, quem visitou uma escola missionária, e se auto-determinava cristão,

opõe um saber naturalista, ou “ecosófico” do índio selvagem ao saber escrito ocidental.

Essa retórica ecologista até hoje é um momento típico, tanto no discurso

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(neo-)indígena, quanto nos discursos indigenista.

Quanto à relação com o meio ambiente Joanne Rappaport vê algumas paralelas entre

as cosmologias ameríndias, que se refletem numa agenda ideológica pan-indigenista. O

Maya Menmagua por exemplo formulá-la da forma seguinte:

„The harmonic relationship among all the elements of the universe, in which the human being is just one more element, the earth is the mother who gives life“ (Menmagua 1999: 19; citado em: Rappaport 2005: 191)

Mas Rappaport aponta a origem antropológica de tais cosmologias harmonistas e

ecologistas, tais visões unificadas, como o pan-indigenismo em geral. Teriam sido

adotadas pelo movimento como instrumento na luta por terra e autonomia. A

cosmovisão, neste sentido, representaria uma crítica do modernismo, que supostamente

sofreria de uma falta de espiritualidade, e desrespeitaria o equilíbrio cósmico. Assim,

grupos indígenas já ganharam inquéritos contra transnacionais petroleiras com o

argumento que estas prejudicariam o equilíbrio cósmico e as terras ancestrais. A

cosmovisão poderia, porém, ser armada para a realização de um projeto social

pluralista (a mesma: 191).

“[…] Los Huauranís, por ejemplo, que han tenido que negociar con las transnacionales como la Shell sobre la construcción del gaseoducto a Brasil. Y así van negociando con cuestiones míticas … y tienen un parque nacional, y así viven en el monte. O sea, ellos también negocian desde sus estructuras culturales, de su horizonte … y negocian con transnacionales, con capital internacional … un mundo globalizado, muy complejo. […] Es decir, tienen que moverse. Es una cuestión vital para ellos también, de negociar. Por eso yo creo que la cuestión del indígena aislado así es falsa […]” (Fabricio - Cochabamba, 15.11.2006).

Como já foi apontado aqui, tais cosmovisões obviamente são construções mais ou

menos refletidas de certos atuantes sociais. Mesmo assim essa questão parece ser

bastante ambivalente para muitos indígenas; também para os estudantes dos

programas de educação intercultural como do PROEIB Andes, onde tais questões

frequentemente são objetos de reflexão.

“Claro que cuando se piensa en elaborar un currículo bi-direccional se tiene que analizar hacia a donde vamos, cual es el futuro que queremos. ¿Queremos el calentamiento global? ¿Queremos perder nuestras selvas? ¿Queremos perder nuestra vegetación? ¿Queremos contaminar nuestros ríos? [...] Pero hay que conocer que mundo queremos. Tenemos que saber que es lo que queremos para saber a donde

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vamos. Porque caminar a ciegas hasta colidir a las paredes seria perder tiempo [...]” (Elena- Cochabamba, 15.11.2006).

Por outro lado está claro, que as mesmas comunidades indígenas já não vivem em

equilíbrio com a “natureza”, mas sim estão cada vez mais dependentes de “aulas de

ecologia” dadas pelos “brancos”. Por isso a sensibilização ecológica dos “povos

naturais” é um objetivo central de muitos programas de educação indígena.

“[...] Hay algún trabajo [en las escuelas] con uso de recursos. Por ejemplo en la conservación de las tortugas que se come mucho, la gente come mucho los huevos ... depreda el recurso y esta casi en peligro de desaparecer. Entonces incorporas por ejemplo programas para niños de playas artificiales de tortugas por ejemplo. Y lo hacen en las escuelas, y los niños aprenden un poco a seguir el ciclo ecológico de los recursos [...]” (Ernesto - Cochabamba, 15.11.2006).

Logicamente a sociedade dominante é culpada pela degradação ecológica. A invasão

dos “colonos”, que segue ao entrar das empresas petroleiras e madeireiras, realmente

leva a uma crescente escassez de terra, caça, e floresta, o que em conjunto com a

degradação cultural, provocada pela catequização e a escola, mina a maneira

“própria” de viver, que era ecologicamente mais sustentável.

“[...] Aquí como usted ve es todo rodeado de mestizos. Está explotado toda las pajas. No tenemos de donde mas! Son tumbados, hacemos nuestros techos de casa, y ya están perdidos todos, hasta semillas están perdidas. Como está puro potrero, ya tractor llegó aquí, limpiaron todo, tumbaron maderas, venden colonos, como tienen motosierra, como tienen plata, comercian el árbol del oriente […]” (Raul - Yawints, 10.12.2006).

Sem dúvida os indígenas também vendem madeira, ou até mesmo tem que comprá-la.

Se bem que eles de alguma forma são vítimas da sociedade dominante, em respeito a

qual, eles são forçados a mandar seus filhos à escola. Esta muitas vezes está na cidade,

o que aumenta o custo de vida; ou eles são forçados a comprar alimentos por falta em

casa; etc.70

Tomas Barbatzky (1998) critica o conceito de “povos naturais” (além.: Naturvolk =

70 De fato, estes fatores todos são inter-relacionados: Empresas petroleiras ou madeireiras abrem pista no mato, nas beiras das quais surgem pequenas colônias com escolas. Para possibilitar aos filhos estudarem os indígenas vem viver nas beiras das estradas, resultando em uma concentração da população, levando ao esgotamento da caça... Assim também os nosso amigos de anos, Andres Tzerembo e Nunkui Tzamarenda, que vivem com os seus cinco filhos ao lado da Via Arajuno. Quando minha mulher perguntou à pequena Rudi, uma das filhas, porque não se viam os macacos, esta respondeu: „ya acabamos´ con todos´!“

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povo nativo), cujo “pensar selvagem” seria pintado como a “saída brilhante da nossa

miséria ambiental”, e que expressaria a nossa relação ambivalente com a “natureza”

que originou no século 18. A conceitualização da natureza somente seria possível

desde uma distância, ou seja, desde a objetivação dela. Assim o nosso conceito de

“natureza” nos tempos medievais ainda não existia. “Povos naturais”, porém, não

teriam nenhum conceito de “natureza”, e assim, tampouco uma imagem da natureza

como algo frágil, que se deva preservar. Também porque no “mito” a dicotomia

cartesiana entre res cogitans e res extensa, ou entre sujeito e objeto, entre espírito e

matéria, entre introspectiva e exterior, não existiria.

“O mito mostra ‘a inter-relação das coisas, narrando uma história’ (v. Weizsäcker 1987: 231). Ele trata das relações entre fenômenos. por exemplo fenômenos naturais, entre eles mesmos, e na relação deles com o mundo humano, e deduz-los a uma cosmogonia, a uma arché. Disso resulta, que no mito não pode existir nenhuma natureza no nosso sentido. [...] O mito gera, porém, uma união do ideal e do material, de natureza e de ideais, natureza e homem, e esta união aparentemente faz-lo tão atrativo para muitos, que frente à crise ambiental buscam uma reorientação” (o mesmo: 357 – traduzido por mim).

Quanto a isso a ciência muitas vezes é erroneamente identificada com racionalidade.

Mas o mito em si também seria racional, sendo que racionalidade é “um critério

formal; referir-se à dedução correta de uma inter-relação geradora, e neste sentido o

mito também é racional” (o mesmo). A ontologia mítica partiria somente das premissas

do conteúdo.

Um conceito de “natureza”, então, inicialmente não faria parte do cosmo indígena;

mas tal conceito seria necessário para entender a “natureza” como entidade

requerendo proteção. Assim o “mito” não poderia mostrar saídas da atual crise

ambiental. Barbatzky chega à conclusão de que: “A imaginação, de que ‘povos

naturais’ vivam em um equilíbrio com a natureza, e porém, seriam os verdadeiros

ambientalistas, não é somente de fato errado, senão de caráter ideológico” (o mesmo:

358 – traduzido por mim). Além disso os “índios” também teriam transformado e

adaptado a paisagem às suas necessidades, tanto de forma criativa, quanto de forma

destrutiva. O “mito”, então, não garantiria um equilíbrio natural. A “natureza” em si já

era uma invenção da idade moderna (o mesmo: 356).

Mesmo assim, também no “mito”, que por sua vez também é altamente refletido (veja

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Münzel 1986; Hornbacher 2005), podem ser introduzidos novos conceitos. Como por

exemplo o conceito de “natureza”. Já que o conceito de “cultura”, igualmente de

origem ocidental, hoje em dia faz parte da terminologia cotidiana dos indígenas. E para

terminar, é certo, sim, que no “mito” originalmente o conceito de “natureza” não

existiu, mas sim havia um conceito do “silvestre”71, como espaço que exige um grande

respeito. Este respeito talvez seja uma proteção mais eficaz que a posição petulante de

uma humanidade onipotente, que se emancipou da “natureza”, e que agora quer

socorrê-la por pena, ou no máximo para salvaguarda os recursos.

“Eles [os indígenas] sempre atuaram sobre os matos. Só que, pelo que nós conhecemos das comunidades do Brasil que ainda vivem nas florestas, eles tem uma convivência com o mato, e um manejo, vamos dizer assim, bastante equilibrado e bem mais respeitoso que a nossa civilização ocidental. [...] Eles tem uma relação com o mundo, com a terra, com o planeta, digamos assim, ou com os outros seres, muito diferente. E inclusive os índios que estão hoje vivendo muito próximos dos brancos, como no caso dos índios de Minas Gerais, esses que estão aqui estudando conosco, eles tem uma relação [...] bem mais amorosa com as outras espécies. Eles não tem tanto essa coisa do homem como ..., a razão humana como sendo a melhor razão do mundo. Eles também pensam que as plantas e os bichos todos tem suas razões e é fato que eles procuram de alguma maneira compreender as razões dessas outras espécies. Isso é uma diferença. Nisso eles são diferente de nós. Até esses que não vem mais do meio do mato - até os Guarani na [...] cidade de São Paulo, eles ainda mantem essa relação” (Inês - Belo Horizonte, 26.09.2006).

“Enquanto eles estão na paisagem rural a gente pode romantizar, nesse sentido que tem o bicho, a planta, e tal... Mas a relação deles é igual para com a paisagem. E se for pra uma outra paisagem eles mantem essa mesma relação que eles tem com bicho e planta, e com prédio e com asfalto também“ (Adriana (estudante da UFMG) - Belo Horizonte, 26.09.2006).

Fora de todas as definições conceituais existe praticamente um consenso, em que o

sistema atual de um “capitalismo selvagem” e das “cleptocratias” é único também em

relação à sua destruição ecológica. Por isso outras cosmologias e outros sistemas de

valor, como por exemplo os dos (neo-)indígenas, provavelmente não poderão dar

respostas prontas para os problemas da globalização modernista, porque tais sistemas

evoluíram em ausência dessa crise ambiental global. Mas de fato estas culturas são

71 Este conceito do silvestre muitas vezes ainda é dividido em diversos âmbitos cosmológicos. No caso dos Nasa yu´kh (o silvestre), como lugar geográfico no nasa kiwe (território dos Nasa), ou kwe´sx kiwe (território) destinge-se do yh´kh wala (o grande silvestre) e de yh´kh çxaçxa (capoeirão). Somente o paramos, a ária silvestre das terras altas, seria associado com o mundo dos espíritos, constata Drexler (2004: 145).

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fundadas em valores, que principalmente possibilitam um manejo ambiental mais ou

menos sustentável.

Nessa perspectiva talvez não será de maior importância até que ponto os povos

indígenas originalmente tinham um conceito de “natureza”, ou não; ou se este

conceito foi simplesmente adotado, ou reinterpretado a partir de conceitos “próprios”.

“[...] Si nosotros aplicáramos - que tampoco no es un pensamiento indígena - si nosotros nos proponemos decir: ‘si hoy tengo un problema, siembro un árbol; si se me muere un hijo, siembro un árbol; por todo problema que existe siembro un árbol.’ Entonces sí se imagina para donde podemos llegar? [...]” (Mauricio - Cochabamba, 15.11.2006)

A consciência ecológica é apresentada aqui como objetivo por si mesmo (e se for

somente por cautela política), e não importa muito, quais sejam as fontes desta

consciência. Com a cosmovisão e interculturalidade de qualquer jeito a seleção

pragmática de conceitos alheios e a construção coletiva de conceitos novos torna-se

princípio do empreendimento do movimento indígena. Um desenvolvimento

sustentável, no sentido de planos de vida ou do buen vivir dentro de um contexto

globalizado, tem prioridade. Estes planos de vida também são um assunto das

discussões e auto investigações da UAIIN, e realmente tem certa semelhança a

propostas de autores ocidentais, como por exemplo de Nuscheler:

“Desenvolvimento não deve mais ser definido como um quantum maior de bem estar material, senão tem que ser redefinido como desenvolvimento eco-social, que também dê chances a futuras gerações de ter uma vida digna, sem ultrapassar os limites impostos pela natureza” (Nuscheler 1996: 522 – traduzido por mim).

Sejam tais paralelas coincidência, ou não; os planos de vida são entendidos como

resultado de um diálogo intercultural, enquanto a base e o seu objetivo são as idéias e

os desejos da população indígena de hoje dentro de contextos globalizados. A questão

da “autenticidade” desse discurso em relação às raízes em uma cultura hipotética

indígena primordial, que de qualquer jeito não pode ser reconstruída, portanto, está em

segundo plano aqui.

Tserembo, quem rejeita categoricamente ver a sua própria cultura como construída,

insiste no caráter primordial da ralação do povo Shuar com a natureza e com o seu

território. Somente aquele ecologismo derivaria de um romantismo eurocêntrico e foi

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instrumentalizado politicamente.

“Si, somos ecologistas de manera natural! Hay otros ecologistas por interés, y hay otros ecologistas interesados, o hay otros ecologistas intencionados. Entonces hay que diferenciar. […] Pero hay otros, que por defensa de la naturaleza sacan a los gobiernos millones de dólares. Y yo te voy a decir una cosa: para una porquería que se podría defender con 10 000 $ sacan un millón, cinco millones a otros gobiernos del mundo. […] Para mi la lucha real es sin fronteras. Una lucha real tiene que ser sin fronteras, y una lucha real tiene que ser sin brigadas, sin pilotones, sin ejercito, hay que luchar como persona, como un verdadero actor y defensor de la ecología [...]. Yo pienso así, siempre. [...] Pero hiendo al punto real, nosotros hoy, los pocos que quedamos - me considero uno de los pocos, que sí estamos no interesados, ni intencionados - nosotros sí somos defensores, porque cuidamos incluso la pesca, la fauna, la flora - y cuidamos! Sabemos cuando podemos casar, cuando casamos si es de casar o no casar. Eso es cuidar! [...] Entonces en este sentido el Shuar guardaba y cuidaba la naturaleza. Pero en ese entonces no había la política occidental, sino había la política Shuar, que no puedes tocar la reserva de tus hijos, y nietos. Pero hoy, como ya nos fuimos a la escuela, ya se transforma y adopta a la política occidental. ¿Por que? Porque es la única forma de patearles el trasero! Porque en los gobiernos existen ministerios del ambiente, no defensores de la naturaleza. Entonces nosotros lo que ellos han escrito le aplicamos en su propio medio. O sea: lo que ellos dicen, eso mismo le aplicamos. No es que el Shuar ha inventado o creado. [Utilizamos] sus propias armas [...]” (Tserembo - Yawints, 20.12.2006).

Apesar de todas as dúvidas em relação à origem deste (novo) ecologismo

(neo-)indígena, alguns dos iniciadores e colaboradores não-indígenas dos programas de

educação indígena, como por exemplo Fabricio, porém entendem justamente este

ecologismo como grande potencial da colaboração intercultural.

“[...] Una cuestión que para mi es clave en esta discusión epistemológica es la cuestión ecológica, el pensamiento ecológico. Es decir, ahora los mismos Europeos se han dado cuenta que sus saberes y la ciencia están destruyendo al mundo, que son dados que les da su propia ciencia. [...] Hay una serie de fenómenos, que están mostrando, digamos, que ese saber que se creía universal, el único valido, verdadero, ha llegado a sus limites. [...] [Hay] otras formas culturales que han sido mas apropiadas al medio ambiente. Y esas son las indígenas” (Fabricio - Cochabamba, 15.11.2006).

“Estuve en [...] Montpellier en un laboratorio muy famoso, dicho allí por el mismo Dr., el primer laboratorio mas grande en Europa. [...] Científicamente en el estudio bio-químico nosotros tenemos otros tipos de realidad, su composición, su aplicación, y sus efectos. Para nosotros no existe laboratorio. Entonces la planta procesada por supuesto tiene otros argumentos químicos, y la planta no procesada tiene otros argumentos químicos, la planta esta viva! Entonces nosotros aplicamos la planta desde el punto de vista activo, y en los laboratorios se aplica desde el punto de vista inactivo, donde la ciencia tiene que buscar en sus laboratorios la composición – eso es la diferencia, y

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esto los científicos tienen que aceptar: que una planta viva es diferente que una planta muerta, no [...]” (Tserembo - Yawints, 20.12.2006).

Construído ou simplesmente mal entendido; o conceito (neo-)indígena de “natureza”

parece destacar-se significativamente do conceito ocidental - e distingue-se de tal

maneira, que implica uma outra relação entre o homem e a natureza. Sem querer

ofender a críticos como Barbazky, cuja análise sem dúvida está válida dentro de uma

narração de autenticidade, pode ser registrado aqui, que o ecologismo (neo-)indígena

pode ter sim uma certa importância em relação à atual crise ambiental72.

Skirbekk (1995), por exemplo, aponta o antropocentrismo ético ocidental, cujas origens

estão na cosmologia judéia-cristã, com o homem como imagem de Deus e ao

antropocentrismo social, que aceita meramente seres humanos como membros do

cosmo social com direitos morais. Embora animais e natureza façam parte de

considerações morais, não poderiam participar no discurso sobre seus próprios direitos.

Isso resultaria numa advocacia e a uma assimetria dupla, porque os animais tampouco

teriam algum tipo de responsabilidade – porque nós não podemos comunicar com eles.

Por isso Skirbekk opta por um gradualismo ético no sentido de uma inclusão de não-

homens como parte do cosmo ético. Para isso ele propõem uma ética de discurso em

base de uma distinção gradual entre homens e não-homens. Nisso o interesse do objeto

de considerações éticas será o critério para a relevância ética. No sentido do conatus

de Spinoza como uma “aspiração inerente junto a possibilidade der ser ferido” uma

extensão gradual das relações éticas à vida orgânica em geral seria possível. Mas a

natureza anorgânica Skirbekk somente pode imaginar como valor em relação à

valorização ética de sujeitos. Skirbekk chega à “conclusão, que o gradualismo ético,

comparado como o antropocentrismo ético, levaria a mais cuidado com o meio

ambiente [...]” (ebd.: 433).

Uma mudança no pensamento ético, então, é o pré-requisito para uma mudança no

pensamento ecológico. Não sendo capaz de sair da advocacia do homem para os seres

não-humanos a tentativa de Skirbekk de desenhar um novo espaço ético dentro do

pensar ocidental torna-se difícil, porque o ocidente não consegue se comunicar com os

72 Neste sentido o conceito de „natureza“, como o conceito do „xamanismo“, deve ser entendido como produto de um discurso ocidental entre iluminação e contra-iluminação. Em vez de acrescentar mais uma „mestre-narração“ à velha disputa essencialista sobre a autenticidade, seria mais interessante pesquisar os discursos, dispositivos e epistemes que estão a base.

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outros seres. Também é por isso que o conceito do conatus falha em relação à natureza

inânime. O fato de Skirbekk não estar preocupado com isso mostra ainda mais claro o

quanto estamos longe de cosmovisões (neo-)indígenas.

A seguir às sugestões feitas até então podiam-se presumir duas hipóteses em relação ao

potencial de cosmologias (neo-)indígenas: 1. Estes sistemas de saber são absolutamente

incomensuráveis e porém não podemos aprender nada deles; 2. O pensar

(neo-)indígena diferencia-se fundamentalmente do nosso. Mas podem ser acessíveis

através de um diálogo dinâmico e aberto e através de mnemotécnicas de saberes

performativos baseadas na prática. Nesse caso o argumento da performance ecológica

em relação a conceitos de natureza diversos certamente levaria à preferência de

sistemas (neo-)indígenas. No sentido da interculturalidade uma simples adaptação não

pode ser o objetivo desse diálogo. Este excurso foi intencionado para mostrar que o

novo ecologismo indígena possivelmente contém um potencial ético em relação à

construção de um futuro compartido, justamente por ser construído a partir de um

discurso intercultural e por ser adaptado às necessidades reais de um mundo

globalizado. Assim deverá ser interessante também para nós; não num sentido

esotérico, mas em relação aos sistemas de saber baseados nas relações éticas.

5.3. Um Modelo Cíclico do Tempo

A mudança contínua de cosmos transitórios significa a nível temporal uma reflexão

permanente, um modelo cíclico do tempo, semelhante a um “retorno eterno”. Esse

modelo cíclico do tempo foi introduzido também pelos Guambianos (um povo vizinho

dos Nasa) na sua cosmovisão e identificado como “o próprio”. A partir desta visão o

tempo se desembrulha, se desenvolve. Os antepassados marcam o caminho da vida

dos descendentes; eles seguem no tempo a frente dos descendentes, o futuro segue-os.

Como se o espaço fosse perambulando seguindo uma curva longa, para um novo

encontro com os antepassados; passado e futuro, uma ilusão, uma esperança no

pensamento dos Guambianos. O tempo já vivido se estende frente a nós e orienta a

vida humana em forma de “tradições”, que antecipam a nossa vida e que continuam

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após – o espaço-tempo atrás, ainda não vivido, espera para se desenvolver (Rappaport

2005: 162).

O tempo dos antepassados, então, não passou, senão está para desenvolver-se no

presente, que por sua vez já faz parte do futuro.

Também nas narrações coletivas reúnem os tempos em relações alegóricas, metáforas

associativas, e “entrelaçamentos estranhos do tempo mítico e do presente” (Münzel

1986: 202; veja também Lyotard 1986: 67ff). Porque a narração, como interpretação

individual de um saber ancestral, refere-se a todos os tempos. Ela postula metas

universais, sendo que as transformações dos protagonistas nos mitos realçam aspectos

transversais. Assim a narração „tradicional“ pode ser entendida como reflexão do

narrador sobre a obra de vida dos antepassados ainda para ser desenvolvida.

O entendimento aqui atribui nesta visão o individuo como parte de um coletivo que

se estende no espaço e no tempo. Atuar, como retomada de um atuar já iniciado, que

sempre será continuado. Talvez isso tenha algo a ver com a tranqüilidade dos indígenas

em relação a construção dos seus projetos:

„[...] Yo como persona, no voy a hacer mucho, porque eso todo es transitorio. Estoy aquí por un poco de tiempo. Si bien que hoy no se ve infraestructura, si no se ve un cuerpo colegiado, si no se ve los departamentos, es porque nosotros no somos como hace el mundo occidental. Nosotros todavía estamos en el mundo ancestral. Pero eso tampoco quiere decir que mañana vamos a hacer todo eso. Nosotros queremos desarrollar a nuestra manera - con programas propios. Mas adelante quizás, nos seguiremos preparando, y haremos diferentes departamento. Como dije antes, no estamos de prisa [...]“ (Tserembo - Yawints, 20.12.2006).

Os aspectos mencionados, a “complementaridade”, o “perspectivismo”, “a

circularidade” e a “coletividade” reúnem-se aqui a um conceito inteligível, aceito por

uma boa parte dos indígenas como parte da sua identidade cultural. Por isso o

movimento indígena (especialmente na região Andina) escolheu o espiral como o seu

símbolos.

“Pues yo no tengo una posición radical, una distinción entre materiales animados y inanimados. Yo creo que sí así lo distingue, y así lo relaciona el cartesianismo, y así lo ven, y lo elaboran, y manipulan el universo con esa filosofía, con esa base. Pero para nosotros sinceramente todo es cambiante, todo se trasforma, todo es movimiento. Por eso es que para mi transición es mundo, movimiento. Por eso el esquema, el modelo circular para mi es importante, porque es implícito en el modelo, mi visión cosmológica, lo circular, en donde yo soy transitorio, un ser transitorio en esa vida, la

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naturaleza” (José - Popayán, 29.12.2006).

6. Terceiro Resumo Preliminar – Jogo de Pensamento com Nietzsche

Essas afirmações de José apontam a relação entre a episteme ocidental como sistema

tendencialmente fechado, e os saberes indígenas como sistemas tendencialmente

abertos. Indiretamente José aponta aqui uma conexão interessante entre a dicotomia

cartesiana de corpo e mente, e o modelo de um tempo linear. A dicotomia de corpo e

mente é a base do problema do sujeito-objeto dominando o pensamento ocidental.

Kant já propõe que somente do cogito não pode ser deduzido o tempo linear (Kant

1787:446). Mas essa suposição é o fundamento da razão lógica, e porém, do sujeito

autônomo. tempo Interpretando a vontade ao poder no sentido de um retorno eterno

(que significara justamente a dissolução de qualquer vontade) Nietzsche viu tal

conexão e abandonou tanto o sujeito quanto o modelo unilinear (Nietzsche: Der Wille

zur Macht: 696).

Essa paralela não representa nenhuma verdadeira semelhança entre cosmovisões

(neo-)indígenas e a filosofia de Nietzsche; mas ambas parecem conter movimentos de

pensamento, que minam à episteme ocidental. Por isso talvez não seja por acaso que

Nietzsche busca a negação do sujeito iluminado dentro da mitologia Grega.

“Ao final ele cambaleia entre duas estratégias. Por um lado Nietzsche sugere a possibilidade de uma visão artística do mundo, com meios científicos, mas de maneira anti-metafísica, anti-romântica, pessimista e céptica” (Habermas 1988: 120 – tradução por mim).

A integração da iluminação e da contra-iluminação, do logos e do mythos, que

Nietzsche não podia realizar a partir da filosofia Européia, e que ele adiantou a um

futuro incerto, para outras culturas aparentemente não parece representar problema

nenhum.

Também neste sentido parece justificável a esperança, que um diálogo intercultural

possa levar a resultados, que podem também enriquecer a episteme ocidental.

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Por outro lado o fracasso do ocidente na tentativa de sair da sua miséria epistemológica

também pode apontar a impossibilidade de se abrir a outros saberes.

“A modernidade nem pode, nem quer derivar as suas metas orientadoras de ídolos de épocas passadas, ela tem que tirar a sua normatividade de si mesma. A modernidade percebe-se, sem saída, remetida para si mesma” (Habermas 1988: 16 – traduzido por mim).

Isso está certo enquanto a episteme ocidental, no sentido de uma constelação

específica do poder-saber, que muitas vezes se mostra incapaz de integrar impulsos

alheios de forma criativa, e utilizando-os para a resolução dos seus próprios problemas.

A provocação de um diálogo como os grandes projetos de educação intercultural

(como o PROEIB Andes e a UII) propõe, é um primeiro passo para forçar a abertura.

Mas esperar, que os dispositivos que se elaboraram aqui forneçam resoluções prontas

para o dilema epistemológico do ocidente seria uma esperança muito cômoda.

Instituições como a cátedra indígena ou a UAIIN procuram resoluções para contextos

indígenas dentro de um mundo globalizado e intercultural. Os seus meta-discursos

epistemológicos orientam-se em cosmologias (neo-)indígenas e somente dentro deste

horizonte os seus dispositivos epistemológicos são aplicáveis como base de um diálogo

intercultural. Mas antes que a ciência não tenha elaborado uma meta narração para

legitimar um pluralismo epistemológico, ela não pode aproveitar da oferta indígena

para uma colaboração intercultural no sentido de um verdadeiro inter-cientismo.

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7. Último Resumo Preliminar„Sem desvalorizar a riqueza e a importância de seus

conhecimentos e tecnologias tradicionais, hoje as sociedades

indígenas são cada vez mais confrontadas com as exigências da

sociedade dominante brasileira e da economia mundial e

precisam de novos conhecimentos e tecnologias para a sua

sobrevivência (...). Outro elemento importante da nova

conjuntura é o fato de que a sociedade dominante brasileira se

encontra em situação semelhante: outros conhecimentos além

dos científicos ocidentais são necessários para que sobreviva. (...)

Tanto a ciência ocidental quanto a indígena precisam ser

renovadas para poderem confrontar os desafios ambientais feitos

por todos. É neste sentido que proponho um verdadeiro diálogo

inter-científico em vez da simples apropriação unilateral seja por

parte das sociedades indígenas, seja por parte da sociedade

dominante“ (Little, Paul 2002; citado em: Lindenberg Monte

2003: 48)

As observações feitas até então deveriam propor, que o movimento indígena para uma

educação intercultural na América Latina não só levou à elaboração de alguns

dispositivos conceituais e metodológicos muito interessantes, mas também representa

um desafio para a ciência ocidental. Esse desafio não significa somente relativizar o

universalismo científico, senão um apelo para a construção de um futuro compartido.

Como mostram as tendências desenhadas aqui, a colaboração inter-científica implica a

elaboração de dispositivos epistemológicos como novo meta discurso, que não

somente relativiza “saber”, senão legitima uma pluralidade de formas de saberes. Mas

como tanto a própria axiomática, quanto o caráter institucional da ciência parecem

dificultar este objetivo, isso já precisa da vontade de colaborar como pré-requisito –

pois, está-se confrontado com um circulus vitiosus.

A necessidade de legitimar formas alheias de saberes não resulta somente de uma

demanda política de um diálogo intercultural e horizontal. O próprio inter-cientismo

intercultural promete levar a novos caminhos para resolver problemas como a crise

ambiental global, e também para fornecer alternativas epistemológicas mostrando

possíveis saídas do dilema pós-moderno das ciências.

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Por isso deve-se romper tal circulus vitiosus para poder aproveitar a oferta indígena de

juntamente procurar resoluções para problemas compartidos. Sendo que as suposições

apresentadas aqui tenham base, que o paradigma causalista e subjetivista da episteme

ocidental causa um tipo de encerramento epistemológico que não pode ser resolvido

pelos Indígenas, estamos sendo chamados para enfrentar o desafio de elaborar os

dispositivos epistemológicos que darão a base a um verdadeiro inter-cientismo, ou seja

um pluralismo epistemológico.

O presente trabalho, então, deverá ser entendido como apelo para pensar sobre

possíveis caminhos direcionados a uma ciência intercultural. O trabalho considerável

já feito pelos movimentos indígenas e os seus colaboradores devemos entender como

chance para retomar o projeto da pós-modernidade; mas não para mais uma vez

afundar-nos num pessimismo epistemológico auto-destrutivo, senão para possibilitar

construir resoluções viáveis dentro de um mundo compartido.

A questão para ser enfrentada é então: Como poder ser pensado “saber” no plural, sem

condená-lo à arbitrariedade?

III. Reflexão Ligeira – Possíveis Perspectivas?

Essa pequena pergunta leva a questões altamente complexas, que jamais poderão ser

“resolvidas” aqui – supondo que uma “resolução” pode ser pensada. Mas como aqui já

foi anunciado o apelo para refletir sobre tais questões, a seguir serão tentados alguns

ensaios.

Os seguintes ensaios provisórios representam reflexões a procura de propostas dentro

do discurso ocidental, que podem servir como pontos de partida para futuros

caminhos. E quanto a isso é necessário ficar dentro do meta-discurso científico, para

não correr o risco de ser excluído do “jogo científico” – com o que todo trabalho seria

em vão. Dentro dessas propostas “próprias” pode-se procurar paralelas com propostas

alheias, e reinterpretá-las a partir do “próprio” – digamos no sentido de uma

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construção própria.

1. Objetivação do Sujeito Objetivisante... e a sua Dissolução ...

A desagregação do sujeito para Kant aparece em forma de duas causalidades

aspectualmente diferentes, como momento libertador e momento determinista, volta

com Heidegger como o sujeito contraditório da modernidade; que se representa como

“possibilidade de ser ele mesmo, e não ser ele mesmo”, como “alternativa inevitável de

impropriedade [Uneigentlichkeit] e propriedade [Eigentlichkeit]” (Habermas 1988: 173).

Heidegger encontra aqui o poder estrutural do modelo subjetivista de representação,

que resulta do transtorno da realidade feito por Kant, a seguir da qual somente pode ser

real, o que responde a habilidade de pensar de um sujeito racional. O subjetivismo

científico, como ratio extrapolada, representa-se como constelação histórica do homem

e do mundo, como matriz da experiência e do atuar (veja Hornbacher 2005: 111).

“Quando o homem pesquisando, observando persegue a natureza como área da sua imaginação, ele já está ocupado por uma maneira do descobrir, que o desafia a enfrentar a natureza como objeto da sua pesquisa, até também o objeto some na imaterialidade do fundo disponível [Bestand]” (Heidegger 1954: 26).

“Agora chamamos esta pretensão desafiadora, que junta o homem ao lavrar do aparecer como fundo disponível – o dispositivo [Ge-stell]” (o mesmo: 27 – traduzido por mim).

Sendo que o “dispositivo”, como matriz poética do atuar, “deixa aparecer o presente

no desvelamento [Unverborgenheit]”, objetivando a natureza ao “fundo disponível”, é

um “descobrir”, porém “aletheia” (o mesmo: 28). Embora as ciências naturais tenham

antecipado cronologicamente a tecnologia moderna, como uma “maneira do

descobrir” específica, historicamente elas são baseadas na essência da tecnologia.

“Para o homem a manhã [Frühe] inicial se mostra por último” (o mesmo: 30).

“Se a física tem que contentar-se cada vez mais que a sua área de imaginação continua abstrata [unanschaulich], essa renúncia não é ditada por alguma comissão de pesquisadores. Ela esta desafiada pelo governo do dispositivo [Ge-stell], que exige a

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disponibilidade [Bestellbarkeit] da natureza como fundo disponível. Por isso a física, por mais que ela se retire de todo imaginar que até pouco era a meta única, somente encarando os objetos, não pode renunciar a uma coisa: que a natureza se mostre de alguma forma matematicamente detectável, e que ela esteja imaginável como um sistema de informações” (o mesmo – tradução por mim).

Assim a ciência continua presa no aspecto da materialidade. Mas essa somente é um

aspecto da plenitude da essência (Wesensfülle) do total da natureza. Como destino

(Geschick) inevitável para a ciência ela mesma é inacessível (o mesmo: 66).

“Uma coisa no sentido de um objeto, somente existe onde o homem se torna sujeito, onde o sujeito se torna o eu, e o eu ao ego cogito, onde este cogitare na sua maneira de ser é entendido como ‘entidade inicialmente sintética da percepção transcendental’, somente onde o ponto máximo da ‘lógica’ é alcançado (na verdade como evidencia do ‘eu penso’)” (o mesmo: 84 – traduzido por mim).

Assim a subjetividade, a objetivação, e a reflexão lógica formam um complexo de

atuar, que constitui uma “relação fundamental ao ser [Sein]”, e que determina o ser

como objetividade ou materialidade. A filosofia torna-se antropologia, e com isso a

uma metafísica “objetivante”, ao esquecimento do ser (Seinsvergessenheit).

“Esse reconhecimento geral ‘do homem’ leva a procurar primeiro e somente no seu âmbito ao ser, e a entender o mesmo homem como fundo disponível humano, como tal µή όν da ίδέα “ (o mesmo: 87 – traduzido por mim).

O homem, como inexpressível, como oco, não-ser, ou nada, objetiva-se a si mesmo,

torna-se imagem, cópia. Primeiro ele se levanta como cogito acima da res extensa para

em seguida achar-se no meio dela, e afundar na determinação insignificante da matéria

morta. Enquanto isso a impressão deles mesmos serem a expressão da vontade

somente é a expressão de uma vontade alheia, não experimentável. Justamente esta

luta de poder leva finalmente ao esquecimento do ser. Essa vontade é o que guia como

um destino (Geschick). A ciência, porém, não é um artefato humano – “algo diferente

governa” (o mesmo: 46).

“Do ponto de vista de Heidegger a visão moderna do mundo não pode ser colocada como uma ‘cosmovisão’ qualquer ao lado de outras visões de forma pluralista por causa do seu prestígio universal e do potencial de poder resultando dele, mas confronta o pensar com uma forma de tratar o mundo qualitativamente diferente, porque ele pela primeira vez limita radicalmente o tamanho ‘planetário’ o espaço de ação de outras relações ao mundo e formas de saber, e as ameaça com destruição” (Hornbacher 2005:114 – traduzido por mim).

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Kitaro Nishida (1990) retoma a crítica do sujeito feito por Heidegger e a entrelaça com

o nada do Zen. No Zen a dissolução do eu direcionado ao nada absoluto é o objetivo

supremo (Ueda 1999:472).

“Na doutrina budista o eu é entendido como autoconsciência e a forma mais elementar da autoconsciência é: ‘eu sou eu’ ...” (o mesmo: 473 – traduzido por mim).

O ego é a razão da “tripla auto-envenenação”: Ódio contra outros, cegueira principal

contra si mesmo, ganância. Semente do nada absoluto (jap.: zettai mu), como “negação

da negação”, isso pode-se tornar positivo. Após da dissolução do eu, do homem

mesmo, sobra o nada absoluto, que surge como contemplação pura – o grande nada

como a forma pura (o mesmo). Assim Nishida chega à “auto-identidade contraditória”

(jap.: mujunteki jiko dōitsu) como entidade dialética (Nishida 1990). Esta tem que ser

“localizada” (orthaft), quer dizer, o lugar dela deve auto determinar-se, porque “a idéia

que um único se torna sua própria mediação” não pode ser negada, ou seja, o eu

torna-se sua própria mediação.

“O que significa, que as coisas tem efeito umas às outras? As coisas sob efeito umas às outras tem que ser separadas e independente entre si. Se não, não existe efeito. Como é que coisas independentes podem ser relacionadas mutuamente e exercer efeito umas às outras? Se coisas independentes exercem efeito mutuamente, tem que existir uma mediação” (o mesmo: 60 – traduzido por mim).

Mas uma mera mediação não existe. “Nisso está a auto-identidade do mundo dialético.

A auto-determinação desse mundo é um ato de modelagem. Esse ato de modelagem é

um ato criador no sentido de uma determinação sem determinador” (o mesmo: 61).

Como parte do mundo, também o nosso pensar é determinado e mediado pelo mundo.

Como já para Heidegger, também para Nishida o subjetivismo, como modo do atuar,

leva à objetivação do mundo, e assim, do sujeito.

“A ciência natural resulta do geral. Do ponto de vista da ciência natural não existe nenhum mundo dialético. Mesmo supondo que se entenda a realidade através do atuar, este mesmo atuar já é unicamente subjetivo. Obviamente o objeto de alguma maneira afeta o sujeito. Mas do mero objetivo não resulta nada subjetivo, de uma matéria imaginada meramente materialmente não surge nenhuma consciência” (o mesmo: 66 – traduzido por mim).

Por isso o mundo mesmo tem que ter o caráter de uma entidade de mediação, que ao

mesmo tempo é uma pluralidade. O eu, como parte do mundo, é “mediado pelo eu a

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partir deste mundo”, é ao mesmo tempo objeto e sujeito. Sendo um tipo de auto-

mediação o mundo também é, então, um sujeito. A humanidade, como entidade

histórica é parte do mundo que somente como pluralidade possibilita a consciência

individual, “significa, que somos nós através da auto-negação. Além disso o eu, como

um eu reagindo, não pode surgir só e independentemente. Nisso está a auto-identidade

contínua do mundo” (o mesmo: 84 – traduzido por mim).

“Isso é a direção subjetiva do mundo, em que vivemos. Daqui vem a nossa consciência. [...] Olhar o mundo do ponto de vista intelectual significa olhar o mundo da visão ativa do ponto de vista do depois do seu passado” (o mesmo: 86 – traduzido por mim).

A razão lógica, como fonte e resultado do tempo linear, e portanto da causalidade

determinista, corresponde a observação retrospectiva da alternação de causa e efeito

como um efeito, como realidade. O Eu intelectual, o cogito, torna-se assim a negação

do mundo, a objetivação dele como coisa morta, como passado no qual o mundo

desaparece.

“Como Eu intelectual estamos numa direção oposta ao mundo. Como Eu ativo estamos no meio do mundo e estamos na direção do desenvolvimento desse mundo. Visto assim, baseia-se também o Eu intelectual, que se torna por completo a sua mediação e que se media ele mesmo, no Eu ativo. Entender é uma forma de ação” (o mesmo: 91 – traduzido por mim).

Para Nishida o Eu se reúne no efeito ativo e passa ao exterior da consciência. Assim o

atuar é impenetrável para o eu, sem ser inconsciente, mas sim leva ao verdadeiro eu, à

auto-consciência. O problema noético resolve-se na auto-identidade dialética: “A

dialética é a estrutura lógica do mundo da experiência em geral” (Nishida 1990: 108 –

traduzido por mim).

Essa dialética da auto-identidade contraditória não significa uma fracção definitiva,

porque o mundo sempre “se torna sua própria mediação e se confirma por absoluto.

No fundo a determinação linear é circular” (o mesmo: 90 – traduzido por mim)

Na ação mostra-se o “mundo real da auto-determinação do agora eterno” (o mesmo:

64 – traduzido por mim). No entender como ação no sentido da praxis, como “fim

entelequético” (Honbacher 2005: 44), que resulta na habilidade de conscientemente

harmonizar a própria atitude com o bem estar da comunidade. O que está frente ao eu

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é um tu – eu e tu estão frente a frente como dois mundos auto-determinados, são cada

um a negação do outro, mas agem mutuamente, são “descontinuamente

-continuamente” mediados (Nishida 1990: 96).

“Isso significa que o eu é um lado do mundo subjetivo-objetivo. Também o oposto do eu não é somente um mundo comum, senão um único no sentido de um tu” (o mesmo: 97 – traduzido por mim).

Ao contrário do Eu intelectual, o Eu ativo não enfrenta meras coisas, senão “coisas

históricas, coisas dialéticas”; tus.

Este eu não é uma entidade simples, no sentido de que cada entidade seja uma

pluralidade e ao revés. Justamente isso é o contraditório naquela auto-identidade do

eu, como entidade dialética, que corresponde ao ser. O dualismo entre sujeito e objeto

aparece aqui como qualidade aspectual do ser em geral, do qual o eu somente

representa uma parte.

Retomando a crítica do subjetivismo metafísico feita por Heidegger, e acrescentando

esta pelo complementarismo ontológico do Zen, Nishida consegue integrar o dualismo

entre sujeito e objeto numa dialética ontológica.

Foucault entende o problema do sujeito a partir do ponto de vista ocidental, com o

qual ele segue Nietzsche. Na união contraditória de res cogitans e res extensa, mente e

corpo em forma de um sujeito racional, mas secretamente manipulado pelo Isso (alem.:

Es) ele encontra a “neurose da dialética” (Foucault; em: Deleuze & Foucault 1977: 43).

O “eu penso” não leva mais ao “eu sou”, “mas abre caminho para uma série de

questões [...]: O que tenho que ser, eu quem penso e quem sou o meu pensamento,

para ser o que eu não penso, para que o meu pensar seja aquilo, que eu não sou?”

(Foucault 1974: 391 – traduzido por mim). O sujeito não é “sínteses, senão ruptura

incurável”. O pensar deve ser pensado como “irregularidade intensiva, dissolução do

eu” (Foucault 1977: 36 – traduzido por mim). “No áudio da sua identidade o pensar

em si é diferença e repetição” (o mesmo: 10 – traduzido por mim).

Também para Foucault a contradição intrínseca do eu penso resulta na sua própria

ontologia: “Para que a diferença seja possível, o mesmo tem que ser separado pela

contradição, e sua infinita positividade tem que ser limitada pelo não-ser, a sua

positividade indeterminada tem que passar pela negação” (o mesmo: 42 – traduzido

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por mim). Por isso havia que afirmar essa fragmentação, ao invés de seguir procurando

o sujeito e a sua compreensão “objetiva”; “milhares de pequenos sujeitos larva,

milhares de eus dissolvidos, passividades e desordem, aonde ontem governava o

sujeito autónomo” (o mesmo: 11 – traduzido por mim).

Essa afirmação da fragmentação lembra à auto-identidade de Nishida. Somente no

sentido de uma complementaridade ontológica perpétua mudança e continuidade do

ser são possíveis.

“O que eu chamo de ‘auto-identidade’ não significa somente, que uma coisa é uma coisa, mas sim, que algo, coincide que com a sua mudança não muda, e que coincidindo com que este seja a pluralidade, é um só. Também aquilo, que eu chamo de ‘continuidade’, significa tal, que coincidindo com que este seja a pluralidade, é um só. A mera singularidade não pode ser chamada de continuidade, e tão pouco a mera pluralidade pode ser chamada de continuidade. [...] Embora as singularidades e o geral se contradigam de forma absoluta, eles são imediatamente idênticos, ou seja, contraditoriamente auto-idênticos. [...] Uma verdadeira continuidade é tal auto-identidade contraditória” (Nishida 1990: 54 – traduzido por mim)

Mas o eu compreendente, como subjetividade unilateral, nega a união do contraditório

da pluralidade.

Também para Heidegger o abandono do ser (Seinsverlassenheit) se constitui numa

negação do ser pelo sujeito compreendente.

“É uma coisa, aproveitar-se da terra, e é uma outra, receber a benção da terra e acomodar-se dentro da lei dessa recepção, para cuidar do segredo do ser e salvaguardar a invulnerabilidade do possível” (Heidegger 1954: 90 – traduzido por mim).

Para ele a poesia é a oposição ao dispositivo (Ge-stell) do pensar técnico, e ele aponta

às palavras de Hölderlin: “Quem pensou o mais profundo, ama o mais vivo” (citado

em: Heidegger 1954: 138). “Isso significa que o amar se constitui em ter pensado o

mais profundo. [...] Mas o que significa ‘pensar’?” (Heidegger 1954: 138).

“Por ejemplo tu te enamoras ... o el químico se enamora de una química, por ejemplo. ¿Para hacerle sentir feliz en su corazón y tocarle su cuerpo, que tiene que hacer? Hablar pues! Tiene que haber un sonido que le abre el corazón, que le abre el sentimiento. De pronto te hablé: los animales tienen una cultura, los seres humanos tienen una cultura, las plantas tienen su cultura. Entonces, nosotros, para querer mayor efecto tenemos que cantar con la planta. En el ritual nosotros cantamos, por supuesto. Eso es pues, el sentimiento, el amor, lo que nos conecta entre la planta y nosotros. En este mismo sentido yo pienso que un químico, o todos los químicos, tendrían que venir

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aquí, hacer ritual, y entender el proceso legal! Porque no es de coger no mas y cortar una planta. Eso también es falta de respecto, falta de ética, falta de educación! Porque cada planta tiene su propia cultura. Y por eso a cada planta también hay que pedirle con el corazón que nos cure. Por ejemplo Shuar, cuando toma el hayawasca, floripondio, se dice: [...] ‘gran abuelo, fuerzas, me falta fuerzas, me falta energía’ Y se dice, se pide a la planta, y se toma. Porque son elementos vivos, no son muertos, son plantas vivas. Esto para el químico es falso. Pero yo repito otra vez: ¿el químico, como le enamora en una química? Hablándole, cantándole, comunicándose. Este es la comunicación entre las culturas vivas. [...] Entonces esta para el físico, o el químico es no creíble, es imposible. [...] Si tienes una buena comunicación con la planta, esta plante te va a curarte. Pero si no crees en las plantas, si experimentas esa planta jamás te va a curar. En ese sentido hay que hacer el buen uso de las plantas, y no solamente de las plantas, sino en general de todo que son las culturas vivas [...]” (Tserembo - Yawints, 20.12.2006).

O pensar, conhecer, ou saber com o coração é realçado por muitos indígenas como

conceito característico da sua cosmovisão.

Martin Castillo Collado (2005:101) aponta o significado específico do yachay

(Quéchua: saber, conhecer). Yachay refere-se aos conhecimentos e às habilidades vitais.

O significado de yachay, dependendo do contexto, é entendido como processo de

auto-completação do homem, como processo dinâmico do “agarrar-se” ao saber. Este

“agarrar-se” não é de forma consciente, senão de coração, porque o coração guia ao

saber. Então, aprender não implica necessariamente uma interação entre sabedor e

aprendiz, mas um processo de “auto-aprendizagem” voluntária, enquanto o saber surge

do coração, aonde ele esta guardado desde o nascimento da pessoa e espera para ser

ativado (talvez como um tipo de destino (Geschick), ou desdobramento (Entfaltung) no

sentido de Heidegger?). Mas o aprender e processar de conhecimentos não funciona

somente através do coração, da cabeça, e dos olhos, senão é estreitamente conectado

ao desenvolvimento do corpo. Na cosmologia dos Kharacha-Aymara, por exemplo,

todas as partes do corpo podem pensar e sentir. Com o coração pensa-se sobre o que

se quer telhar, com a cabeça sobre a realização técnica. Pensar, como ação, é uma

cooperação entre todas as partes do corpo (o mesmo). Também aqui o sujeito

autônomo cai numa pluralidade, que ao mesmo tempo é uma unidade, uma auto-

identidade auto-mediada. Esse saber incorporado também é o processo do aprender

corporalmente, o qual surge como desdobramento no sentido da práxis como ação

entelequética que é “boa” por si mesma, e que representa o eu ativo.

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Uma vez que o corpo tiver aprendido o que ele tem que aprender, ele nunca estará

cansado ou doente; alcançando um estado de contentamento e felicidade no atuar, não

existe nada, que possa impedir a sua realização – isso se chamaria de “alcançar o

saber e a saúde ao mesmo tempo”, explica Castillo (2005).

1.1. Sujeito – causalidade - tempo

Para Heidegger (1954) Nietzsche tinha que finalizar primeiro à metafísica do querer

para poder neutralizar a repugnância contra a finidade resultando dela através do

retorno eterno (Ewige Wiederkehr). Em Zarathustra reúnem-se passado, presente, e

futuro para um agora eterno, para a eternidade, para o retorno eterno da “plenitude

inesgotável da vida feliz e dolorida” (o mesmo: 109 – traduzido por mim).

Kant já definiu a causalidade como regra da sucessão temporal, como corrente de

experiências, que faz com que as aparências pareçam estar conectadas num desenho

temporal, e que parece representar leis universais deterministas, ou “leis naturais” (o

mesmo: 50). Mas Heidegger aponta que para Aristóteles a essência em presença

(Anwesen) ainda tinha o significado de realidade como energia, e que somente com a

tradução ao latin, como “actio”, teria obtido a conotação de gerar, produzir, ou de um

resultado de uma causa (o mesmo). Mas o ser do sendo (Sein des Seienden) seria a

presença mesmo, como o persistente, o qual estaria no desvelamento

(Unverborgenheit). Na presença governaria, porém, o presente como caráter do tempo,

como agora eterno (o mesmo: 142).

“Quem quer uma prova daquilo que somente se torna evidente, quanto ao seu parecer espontâneo, em que ele ao mesmo tempo se disfarça, que quer comprovar isso e quer uma prova disso, não julga com base em uma meta de saber superior ou mais rígida. Ele simplesmente conta com uma meta inadequada” (o mesmo: 134 – traduzido por mim).

O tempo cíclico, heraclítico, porém, rompe com a causalidade unilinear. É a tal visão

do tempo, que parece fundar os cosmos (neo-)indígenas (compare Drexler a cima).

Também no Zen poderia-se achar conceitos análogos: “O tempo já é o ser, o ser já é

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tempo” (Ohashi 1999: 153 – traduzido por mim). E Dogen relata (1200-1253):

“Inicialmente não existe nem errar, nem concordar. [...] de acordo com a maneira, que se pode entrar e sair dos três tempos, uma atitude tal não pode levar a um mero recolhimento do tempo, nem a uma transcendência sobre o tempo, porque os três tempos sempre são os tempos do mundo histórico. Interiorizar este entendimento significa ser consciente do próprio estar no mundo, tornar-se consciente do ‘ser’ e do ‘tempo’ desse mundo” (citado em: o mesmo: 152 – traduzido por mim).

Dogen desenvolve uma visão de um “tempo-espaço”, que se estende diacronicamente

em todas as direções, “de hoje para amanhã, de hoje para ontem, de ontem para hoje,

de hoje para hoje, de amanhã para amanhã” (o mesmo: 154). É exatamente isso que a

continuidade descontinuada de Nishida quer dizer. Mas Nishida põem isto como

questão fenomenológica sobre a negação neótica:

“¿Como se pode descrever tudo que é, e que acontece, ou seja, o mundo, descrever este de tal maneira, como ele é, como o mundo, que se encontra na experiência imediata?” (o mesmo: 186 – traduzido por mim)

Com isso Nishida torna a pergunta ocidental sobre a união do sujeito ao contrário

(compare Foucault 1974: 391 - acima). Para Kant a ação natural (Naturhandlung)

somente está determinada e é lei natural, porque ela está no tempo do mundo da

experiência como matéria morta. Se tudo se tornasse sujeito, auto-mediante, sobraria

somente a liberdade como causalidade inteligível (veja Kant 1787 – acima). Mas como

uma mediação mediada pelo mundo auto-mediado, o sujeito não está livre, senão

pode aparecer somente na auto-mediação do sujeito ativo, o qual, por sua vez,

desdobra o mundo, do qual ele faz parte, através da sua mediação. Assim a questão da

união da fragmentação é transmitida do sujeito ao mundo, ao ser, que de tal maneira

engole o querer metafísico do sujeito.

Entende-se, que a Escola de Kyoto de certa forma construiu uma ponte intercultural

entre oriente e ocidente; não somente conectando o Zen com a filosofia ocidental,

senão também porque o modelo dialético-fenomenológico do Ser elaborado por ela

mostra a direção para uma alternativa do paradigma causalista.

“A necessidade do ‘mundo moderno’, em qualquer cultura, justamente por continuar com a sua subjetividade criadora, co-efetua este ‘mundo’, sem a presunção de domínio egocêntrico, nem de um ‘orientalismo’ ou ‘ocidentalismo’” (Ohashi 1999:188 – traduzido por mim).

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Juntando cosmologias ocidentais e orientais, Nishida fornece um exemplo para a

possibilidade de uma colaboração intercultural fértil na filosofia. Ele mostra um

caminho, que aponta em direção à dissolução do dilema ocidental do sujeito.

É interessante, que Nishida deduz o dilema do sujeito à redução do ser a experiência

linear do tempo do eu lógico, e que ele o confronta com o agora eterno (eikyū no

ima), como modelo circular do tempo, que é o tempo do eu ativo. Localizando este eu

contraditório como parte de um mundo, que por sua vez representa uma unidade da

pluralidade auto-mediante e contraditória, e ao mesmo tempo é sujeito e objeto, e

porém também é um tu, do qual também surge o eu, Nishida desenha um modelo

alternativo, que em alguns aspectos mostra em direções semelhantes a alguns modelos

(neo-)indígenas. Lembramos por exemplo do comentário de José:

“[...] Pero para nosotros sinceramente todos es cambiante. Todo es cambiante, todo se trasforma, todo es movimiento. Por eso es que para mi transición es mundo, movimiento. Por eso este esquema, el modelo circular para mi es importante, porque es implícito en el modelo, mi visión cosmológica, lo circular, en donde yo soy transitorio, un ser transitorio en esa vida, la naturaleza” (José - Popayán, 29.12.2006).

Também aqui a singularidade aparece como o outro, como continuidade descontínua

de transições contínuas e repentinas, como “metáfora de transformação” circular.

Enquanto isso a compreensão parece estar no aprender como atuar, como práxis,

como atuar coletivo no sentido do desdobramento de um destino, que deste sempre já

está implícito no coletivo. Mira-se isso em relação à visão circular do tempo, na qual o

passado coletivo se desdobra através do indivíduo, que por sua vez se define em

relação ao coletivo, e assim funda uma parte do futuro, o saber incorporado, ou saber

do coração, aparece como saber do corpo estendido temporalmente, como poder-saber

dos anciãos, ou destino coletivo.

De igual maneira, essas “paralelas” entre os diferentes sistemas filosóficos e

cosmológicos devem ser entendidas somente como “proximidades aparentes”, que

poderiam levar a pontos de partida para um diálogo intercultural fértil.

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1.2. ¿Construção Arbitraria, ou Prática do Mundo-do-Viver?

Obviamente este tipo de pensamentos filosóficos não pode levar a dispositivos

epistemológicos viáveis. Não parece muito prático tornar o ensino universitário em

uma forma de auto-esquecimento ativo, ou seja, em uma meditação da doutrina do

Zen. A recusa do paradigma universal da falibilidade facilmente pode ser entendida

como arbitrariedade, como traição! Facilmente demais pode surgir a acusação de estar

praticando uma construção arbitrária de uma suposta “proximidade ao ser”, invés de

mostrar um caminho epistemológico viável para chegar a “fatos concretos”. Facilmente

surgem associações com um “anarquismo epistemológico” do tipo proposto por

Feyerabend, ou até a recusa dadaísta de qualquer sentido racional:

“Se eu grito:

Ideal, ideal, ideal

Conhecimento, conhecimento, conhecimento

Bum bum, bum bum, bum bum

registrei mais ou menos exatamente o progresso, a lei, a moral, a todas as outras belas propriedades, que foram discutidas por várias pessoas muito inteligentes em tantos livros, para finalmente poder dizer, que mesmo assim cada um dançou ao redor do seu próprio bum bum, que ele esta certo em relação ao seu bum bum, satisfação para a curiosidade patológica [...] Não existe verdade final” (Tristan Tzara – traduzido por mim).

Logicamente conceitos como a deslegitimação da causalidade unilinear não

contribuem muito para a consolidação de conhecimentos científicos. Mas tais

objetivações podiam ser enfrentadas com dois argumentos: por um lado o fundamento

epistemológico da própria ciência está questionável; por outro lado, a perseverança de

outras culturas, embora tenham a possibilidade de adotar a episteme ocidental por ser

mais “eficaz” e “verdadeira”. De alguma forma é um indício para o seu próprio valor

epistemológico. Isso é comprovado também pela re-introdução da medicina taoísta na

China na década de 50. Inúmeras pesquisas comparatistas foram realizadas desde

então sobre a eficiência da medicina taoísta e a medicina moderna. Os resultados

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positivos desses estúdos levaram ao estabelecimento de clínicas que paralelamente

trabalham com ambos sistemas medicinais. Mas justamente a medicina taoísta Chinesa

baseia-se em um sistema epistemológico fundamentalmente distinto da ciência

ocidental, e porém, da medicina moderna (Kapchuk 2006).

“No ocidente, o ‘vento’ não é percebido como fator de uma doença; mesmo assim a medicina moderna pode impedir ‘vento de fígado’ de ‘subir para a cabeça’, ou acalmar ‘vento furioso na pele’. Os modos de percepção das duas culturas refletem dois mundos diferentes, mas ambas podem curar o mesmo corpo” (o mesmo: 14 – traduzido por mim).

Enquanto a medicina ocidental particulariza o corpo, dissecá-lo e curar os órgãos

como entidades separadas, a medicina taoísta parte de uma visão do corpo como

totalidade, que pode mostrar vários desenhos sintomáticos. Por isso ela não é menos

lógica, senão menos analítica. A dialética taoísta de Yin e Yang compõem a base de

desenhos complementares e aspectuais, que se dissolvem até ao infinito. Em cada

aspecto de Yin está um aspecto de Yang, que por sua parte necessariamente contém um

aspecto de Yin, e assim ad infinitum. Yin e Yang são adscritos a propriedades

complementares tendenciais, como quente-frio, seco-úmido, alto-baixo, dentro-fora,

etc., e formam redes associativas. A complementaridade consiste parecido ao

pensamento do Zen, em uma filosofia de contradição. Lao-tzu (que é conhecido como

fundador do Taoísmo) explica:

“Porque ser e não-ser se geram.

Pesado e leve completam-se.

Comprido e curto formam-se.

Alto e baixo transtornam-se.

Voz e Som casam-se.”

(Tão-teching, 2. Cap., Wilhelm 1978; citado em: Kapchuk 2006: 22 – traduzido por mim).

A relação complementar dos opostos ponta principalmente a um equilíbrio. Mas este

nunca é alcançado de forma absoluta e sempre está instável. Representa um conjunto

- 197 -

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dinâmico, enquanto os complementos também se podem transformar em tendências

opostas. “Esta transformação permanente é a fonte de toda mudança, um dar e tomar,

que representa a vida em si” (o mesmo: 23). Como princípio universal do ser cada

constelação dinâmica das coisas baseia o seu estado,

“não embase de ações passadas, ou impulsos das outras coisas, senão porque a sua posição no movimento permanente do universo cíclico as forneceu com uma natureza própria, que determina esta atitude especifica [...] Cada parte está, porém, dependente de todo o organismo mundial” (Needham 1975; citado em: Kapchuk 2006: 27 – traduzido por mim)

Considerando o que já foi dito aqui em relação ao Zen, nota-se facilmente, que a

causalidade no sentido ocidental é praticamente obsoleta para o pensamento taoísta, o

qual nega os paradigmas principais da ciência. Certamente poder-se-ia trançar varias

ligações com tendências de pensamentos ameríndios indiciadas aqui, mas isso

corresponderia a uma equiparação muito artificial e supostamente superficial, e além

disso teria pouca utilidade para a argumentação. De qualquer jeito o exemplo da

medicina Chinesa mostra uma coisa: Também epistemes largamente incomensuráveis e

contraditórias podem funcionar juntas uma ao lado da outra e até fertilizar-se

mutuamente. Ou seja: um pluralismo epistemológico não somente faz sentido, senão

também é viável – pelo menos na China. Mas lá parece dominar aquela cosmovisão

transitória e dinâmica, que parece separar os ocidentais de outras culturas, e assim

também dos seus conhecimentos. Mas como se vê, no pensar Europeu já existem

tendências, que possivelmente apontam em direção a um nexo. Se as reflexões feitas

aqui mostrarem à direção certa, o paradigma da causalidade unilinear, pois, o

subjetivismo e o seu modelo linear de tempo podem ser visto como principal obstáculo

para o processo propagado aqui. A “resolução” do problema, porém, parece estar na

direção de um modelo circular de tempo, que não procura obter conhecimento

observando somente a sucessão temporal, senão observando constelações

fenomenológicas e relações tendenciais. Um entendimento de inter-relações, ao invés

de procurar a “causa”. Enquanto isso a meditação do Zen talvez não possa ajudar

muito, mas talvez a retoma da demanda de Humbolt de um ensino através da

pesquisa, como é proposto e praticado pelos vários programas de educação indígena.

Entender através da práxis, através de um atuar “entelequético”.

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Entendendo o “compreender” mais como um tipo de atuar poder-se-ia aproximar a um

novo conceito contextual de “compreensão”.

O objetivo, porém, tem que ser o estabelecimento de um meta-discurso, que permite a

questão de legitimação de “compreensões científicas” permanecer dentro do seu

contexto, ou seja, que avaliá-las aspectualmente no sentido de um perspectivismo.

Certamente o objetivo deste texto não é desvalorizar às ciências naturais – elas

representam a teoria da matéria mais elaborada e eficaz que conhecemos73. O que está

em primeiro plano é a possibilidade de um aumento de dispositivos epistemológicos, e

não a desvalorização daqueles que já temos.

Não desconstrução, senão a construção de uma perspectiva científica, que sirva a um

mundo intercultural tem que ser o objetivo dos nossos esforços.

Neste sentido quero propor, ao invés da “hipótesis” como “verdade” provisória, mas

monolítica, de entender modelos explicativos divergentes como tendências aspectuais;

estas obviamente não serão falsificáveis, mas sim questionáveis aspectualmente74. Isto

implica também respeitar como dispositivos alternativos as diversas regras discursivas e

mnemotécnicas, como por exemplo a práxis coletiva e os espaços específicos de cada

forma de saber. Através da ação coletiva dentro de novos espaços, e aspectualmente

relacionando os “conhecimentos universais” com outros saberes, talvez possam ser

feitos alguns primeiros passos para a construção coletiva de um futuro melhor num

mundo compartido.

73 Em relação á questões, que não se referem a efeitos matérias que podem ser medidas, ela lamentavelmente não pode fazer nenhuma proposição. Por isso Foucault vê as ciências humanas como aquelas, que se encarregam com o que „se estende entre o homem na sua positividade [...], e aquilo que permite ao mesmo ser saber [...], o que é a vida [..…]“ (Foucault 1974: 423), pois tal abismo, que o subjetivismo abre entre a matéria e a consciência. Como oco, me on, o homem é nada, some.74 Aliás, isso já está sendo praticado - assim por exemplo na física, a „mãe das ciências naturais“, que paralelamente utiliza modelos explicativos incongruentes, como a mecânica, a teoria da relatividade, e a mecânica quântica, o que contradiz ao universalismo epistemológico, e porém, não representa nenhuma hipótese válida (veja Feyerabend 1974: 374). Além disso, até Karl Popper descobre o „buraco negro“ do regresso infinito atrás do paradigma da falibilidade (Unger 2005), com que a falibilidade como paradigma é inconsistente – o que já tinha descoberto Kant (Kant 1787: 429). Falta notar, que tanto a teoria da relatividade, e mais ainda os resultados da física quântica, revelam que tempo e espaço são fenômenos dinâmicos e somente determináveis aspectualmente. Pois, essas teorias não fomentam nem o reducionismo materialista, nem o paradigma da causalidade unilinear, mas contradizem-los. E o consenso intersubjetivo para a legitimação de „conhecimento“ não é sustentável em contextos interculturais, porque é justamente a variedade de visões diferentes que se pretende fomentar. Geralmente se pode-se tratar de „inventar“ uma nova episteme intercultural, porque isso significaria justamente abolir a diversidade.

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D. Palavra Final

Desnecessário, mas indispensável para dar respeito às regras do discurso em vigor,

quero apontar mais uma vez o caráter provisório dos pensamentos anotados aqui. A

maioria das questões tratadas neste texto necessitariam de uma análise bem mais

profunda, do que pode ser oferecido neste trabalho. E além disso, como foi tentado

mostrar aqui, qualquer “legitimação” de proposições feitas pelas ciências humanas

constitui-se somente na sua relação a proposições anteriores, porém, ao saber dos

“anciãos científicos” (Bourdieu 1987 – acima). Especialmente as minhas “ ligeiras

reflexões” não contém “proposições”, senão meramente “sugestões” relevando

possíveis questões. Também está muito claro, que não proclamo ter apresentado uma

descrição “neutra”, já que “neutralidade” é um objetivo inaccessível, uma ilusão. Ao

contrário retomo a crítica de Feyerabend que define a argumentação científica como

um tipo de “propaganda”, que sempre quer convencer, e isso também utilizando meios

retóricos e literários (veja Feyerabend 1976: 277). Reivindico então explicitamente, que

o meu texto seja entendido como “propaganda” para uma educação acadêmica

intercultural, e espero ter utilizado os meus instrumentos retóricos e literários de forma

mais convincente para incentivar o pensar sobre a sua possibilidade (ou

impossibilidade).

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E. Anexo I

Alguns programas de educação indígena acadêmica na América Latina

País Programa Instituições Informações adicionaisInternacional PROEIB

Andes (Programa de Formación en Educación Intercultural Bilingüe para los Países Andinos)

UMSS (Universidad Mayor de San Simón, Cochabamba, Bolivia)

- Rede internacional de varias organizações e universidades indígenas, e universidades regulares com programas específicos para estudantes indígenas- Países participando ate então: Bolívia, Colômbia, Cile, Peru, Equador - oferece cursos de posgraduação para professores e lideres indígena

www.proeibandes.orgUII (Universidad Intercultural Indígena)

Fondo Indígena,UMSS (Universidad Mayor de San Simón, Cochabamba, Bolivia) UFRO (Universidad de Frontera, Temuco, Chile); URACCAN (Universidad de las Regiónes Autónomas de la Costa Caribe Nicaragüense)

- Rede internacional de varias organizações e universidades indígenas, e universidades regulares com programas específicos para estudantes indígenas- Países participando ate então: Bolívia, Colômbia, Chile, Peru, Equador - Oferece cursos de posgraduação para professores e lideres indígena em Educación Bilingüe Intercultural (UMSS, Bolivien), Salud Intercultural (URACCAN, Nicaragua) und Derecho Indígena (UFRO, Chile)

www.fondoindigena.org

UNIT (Universidad Intercultural Tinku)

CONAIE (Confederación de Nacionalidades Indígenas del Equador)

- Projeto autónomo - Paises participando: Equador, Perú, Bolívia- Objetivos: fortalecer a identidade cultural dos povos indígenas a traves da reconstrução de conhecimento- Oferece cursos em direitos indígenas, pedagógica intercultural, que são realizados dentro das terras indígenas

KAWSY – UNIK – Universidad Intercultural

Autônomo - Projeto autônomo de educação acadêmica indígena e enter-etnica

Argentina Universidad Indígena Madre Tierra

PROYECTO TUKMA - Objetivos: revivença e resgate das culturas indígenas

Bolívia Universidad pública del Alto (UPEA),

Autônomo - Existe desde os anos 80- Teve grandes problemas organizativos, jurídicos e financeiros- Atualmente funcionando, mas não destaca

- 201 -

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muito de universidades convencionais

http://www.elalto.galeon.com/upea.htm

Unidad del Valle del Sacta

Inicialmente autônomo – hoje extenção da UMSS (Universidad Mayor de San Simón, Cochabamba)

- Tem um caráter sindicalista com um ensino direcionado ao mercado de trabalho- Em funcionamento desde 2002, mas sem currículo definido- Cursos em nível de licenciatura com respeito aos saberes indígenas, mas sem relação clara á área rural- Foco andino Quechua e Aymara

www.umss.edu.boUniversidad Intercultural Kawsay (UNIK)

Autônomo - Desde 1996 – Lei proposta em 2002 - Organizado por grupos inteletuais com apoio internacional- prevê 4 faculdades: Cosmovisión y Desarrollo Cultural – Social; Derechos y Gestión Originarios; Economía y Producción Sostenible; Artes y Tecnologias- Cursos atualmente aferecidos: pedagogia intercultural; direitos internacionais e humanas; agricultura ecológica; eco-turismo comunitario- Combina conhecimentos ocidentais e andinas

www.kawsay-unik.orgInstituto Superior "Avelino Siñani"

Desconhecido - Objetivo: Romper com a ignorância cientifica frente os saberes indígenas

INSPOC (Instituto Superior para Oriente y Chaco)

Desconhecido - Objetivo: Formar professores indígenas bilíngües

Movimiento Cultural Quillana

Desconhecido - Objetivo: Formação de lideres indígenas

Instituto Normal Superior "Warisata"

Desconhecido - Objetivo: Capacitar professores com conhecimentos profundos sobre sociedades interculturais

Brasil 3° Grau Indígena

UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

- Desde 2001- Programa para a formação de professores indígenas- Cursos oferecidos: ciencias matemáticas e

- 202 -

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naturais, sociais e lingüística, arte e literatura- Objetivos: formação de professores indígenas; elaboração de material ditatico www.unemat.br

Núcleo Inskiran de Formação Superior Indígena

UFRR (Universidade Ferderal de Roraima)

- Desde 2001 - Objetivo: melhorar a educação acadêmica de indígenas na UFRR- Programa para a formação de professores indígenas

www.insikiran.ufrr.brLicenciatura em Educação Diferenciada

UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

- Cursos de licenciatura para professores indígenas - Objetivos: formação de professores indígenas; elaboração de material ditatico; melhorar o acesso a carreiras acadêmicas para a população indigena

www.ufmg.brProjeto de Educação e Referência Cultural

CTI (Centro de Trabalho Indigenista)

- Objetivos: Criar escolas nas aldeias; formação de professores indígenas; elaboração de material ditatico

http://www.trabalhoindigenista.org.br/Chile UMACH

(Universidad Mapuche)

Em colaboração com a UFRO (Universidad de Frontera, Temuco)

- Desde 2003- Em colaboração com a Universidade Paris 12 Val de Marne & Universidade Livut, Lund, Suíça- Cursos oferecidos: Médio ambiente e biodiversidade; direitos indígenasObjetivos: proteção, resgate, e transmissão de conhecimentos indígenas; investigação e geração de saberes a traves de cooperação intercultural

www.universidadmapuche.org.UFRO (Universidad de la Frontera)

- Universidade publica- Objetivo: investigação histórica Americana com foco em historia pré-colombiana

www.ufro.clCosta Rica Universidad

Madre Tierra – in Planung

Desconhecido Desconhecido

Equador Amawtay Wasi (antes UINPI)

CONAIE - Desde 2004 - Universidade privada oficialmente

- 203 -

Page 204: Universidades Indígenas: Programas de Educação Superior Indígena na America Latina: A Caminho de uma Ciência Intercultural?

reconhecida- Objetivos: educação acadêmica intercultural com respeito às cosmologias indígenas- Problemas financeiros

www.amawtaywasi.edu.ecUNCIA (Universidad de las Ciencias Ansestrales)

Autônomo - Desde 2005- Objetivos: educação acadêmica autônoma; investigação e transmissão de saberes ansestrais; intercambio intercultural

Guatemala Instituto Educativo Tulan

Desconhecido - Objetivo: educação acadêmica apropriada à realidade multicultural e rural

ESEDIR – Escuela Superior de Educacíon Integral Rural

Desconhecido - Objetivos: educação acadêmica apropriada às necessidades das populações marginalizadas; capacitação de lideres indígenas

Universidad POP WUJ – em planejamento

Desconhecido - Instituto privado, mas não-lucrativo- Objetivos: educação acadêmica adequada para uma sociedade multicultural

Universidad Maya – em planejamento

Desconhecido - Projeto autônomo de educação acadêmica com especial respeito à cultura Maya- Objetivos: Aplicação das leis para a proteção dos direitos indígenas

Colômbia PAES (Programa de Admisión Especial)

Universidad Nacional de Colombia

- Programa autônomo de educação acadêmica indígena e intercultural- objetivos: melhorar o acesso à educação acadêmica para a população indígena; formação de professores e lideres indígenas

http://www.unal.edu.co/paes/html/prog.htmlLicenciatura en Etnoeducación

Universidad de la Guajira

- Cursos de etno-pedagogia- não tem suporte das organizações indígenas

www.uniguajira.edu.coLicenciatura en etnoeducación

Universidad del Cauca

- Cursos de etno-pedagogia- não tem suporte das organizações indígenas

www.ucauca.edu.coINDEIA (Instituto de Educación Indígena de Antioquia)

OIA (Organización Indigena de Antioquia)

- Programa autônomo de educação indígenas- Objetivos: Gerar a base para um novo sistema educacional próprio - Até então não foi reconhecido oficialmente como universidade e depende, porem, na colaboração com a universidade de Antioquia

- 204 -

Page 205: Universidades Indígenas: Programas de Educação Superior Indígena na America Latina: A Caminho de uma Ciência Intercultural?

UAIIN (Universidad Autonoma Intercultural Indígena)

CRIC (Concejo Regional Indígena del Cauca)

- Projeto autônomo de educação acadêmica - Objetivo: Fundação de um sistema educacional próprio - Até então não foi reconhecido oficialmente como universidade

Mexico Maestria de Educación Indígena - Faculdad de Humanidades

UNP (Universidad Nacional Pedagógica)

Objetivo: Formação de professores indígenas

http://www.lie.upn.mx

UAIM (Universidad Autónoma Indígena del México)

Autônomo - Desde 2001- Cursos em: contabilidade, direito, etno-psicologia, sociologia rural, turismo, informática, etc.

www.uaim.edu.mxUII (Universidad Indigena International)

Autônomo - Centro espiritual- localizado no municipio de Toluca, México

http://universidadindigena.org/uiiUMMA (Universidad Mundo Maya)

Autônomo - Universidade oficialmente reconhecida com foco especial na população Maya- Ensino largamente convencional com cursos convencionais

www.umma.com.mxPacto por el Devenir de los Pueblos Indígenas de México

Desconhecido Objetivo: Proteção dos direitos indígenas do México, melhor acesso à educação acadêmica para os indigenas

Nicarágua URACCAN (Universidad de las Regiónes Autónomas de la Costa Caribe Nicaragüense)

URACCAN Objetivo: educação autônoma acadêmica para as nações do Caribe

www.uraccan.edu.ni

BICU (Bluefield´s Indian and Caribean University)

- Objetivos: Formação de profissionais para achar resoluções em contextos pluri-etnicos

Peru FORMABIAP (Programa de Formación de Meastros Bilingües de la Amazonía

AIDESEP Desde 1988- programa de formação de professores indígenas bilíngües oficialmente reconhecido- Objetivos: formação autônoma de professores indígenas e bilíngües com um

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Page 206: Universidades Indígenas: Programas de Educação Superior Indígena na America Latina: A Caminho de uma Ciência Intercultural?

Peruana) foco ecológico

www.aidesep.org.peUniversidad Nacional Nativa de la Amazonía – em planejamento

Desconhecido Objetivos: educação acadêmica para os Shipibo, Aguaruna, Asháninka

Venezuela Universidad experimentalSimón Rodríguez

Autônomo Zusammenarbeit mit indigenen Organisationen zur schrittweisen Einführung indigener Kenntnisse durch indigene Alte und Weise

www.unesr.edu.veKIWXI – Universidad indígena del Tauca – em planejamento

Desconhecido Objetivos: educação autônomo acadêmica com especial respeito aos saberes indígenas

Esta lista certamente não é completa, já por que muitos projetos pequenos não são conhecidos. Alem disso algumas dessas informações vem de fontes já antigas (de 2002 até 2006), assim que alguns dos projetos notados aqui já podem ter desaparecido, enquanto outros novos tenham aparecido no entanto.Portanto esta lista somente pode dar uma idéia geral da variedade e distribuição de programas de educação acadêmica na América Latina.

Fontes:Sisco & Simbaqueba Torres 2002; Barreno 2002; Mundt 2004; Weise Vargas 2004; Chirinos Rivera & Zegarra Leyva 2004; Fabián & Urrutia 2004; Lópes 1992; Cunningham Kain 2004; Pérez de Borgo 2004; Schmelkes 2003; Sousa 2003; Muñoz 2006

- 206 -

Page 207: Universidades Indígenas: Programas de Educação Superior Indígena na America Latina: A Caminho de uma Ciência Intercultural?

F. Anexo II

Interlocutores de Entrevistas:

Para garantir a privacidade do interlocutores, os nomes foram anonimisados. Porem, os nomes na lista a seguir são fictícios.

Adriana - Belo Horizonte - 26.09.2006: estudante da UFMG

Adriano (Indígena Nasa) - 27.12.2006: Colaborador no CRIC na área da educação

André, Leonardo, Júnio (Indígenas Maxakalí) - 28.09.2006: Professor de primaria e estudante no curso de educação diferenciada da UFMG

Antonio (Indígena Nasa) - 08.01.2007: Ativistas do CRIC de Tierradentro, Colombia

Arnaldo (Indígena Pataxó) - 27.09.2006: Estudantes no curso de educação diferenciada da UFMG

Arlinda (Indígena Umutina) - 19.10.2006: Professora da primaria na aldeia Umutina de Barra do Bugres e ex-aluno do 3°Grau Indígena

Barbara (Indígena Umutina) - 19.10.2006: Professora da primaria na aldeia Umutina de Barra do Bugres e ex-aluno do 3°Grau Indígena

Bertila (Indígena Manoke/Irantxe) - 03.11.2006: Professora de primaria na comunidade Manoke, MT, e ex-aluna do 3°Grau Indígena

Beto (Indígena Umutina) - 19.10.2006: Professor da primaria na aldeia Umutina de Barra do Bugres e ex-aluno do 3°Grau Indígena

Carlos - 13.11.2006: Coordenador da colaboração entre o PROEIB Andes e a UII do FI

Caroline (Indígena Umutina) - 19.10.2006: Professora da primaria na aldeia Umutina de Barra do Bugres e ex-aluno do 3°Grau Indígena

Eduardo (Indígena Nasa) - 27.12.2006: Coordenador do programa de educação do CRIC

Elena (Indígena Maya) - 15.11.2006: Estudante do PROEIB Andes

Elias - 20.11.2006: Ex-Chefe do Fondo Indígena (FI)

Elizete - 07.01.2007: Colaboradora no CRIC e uma das fundadoras da UAIIN

Enrique - 13.11.2006: Fundador e coordenador do PROEIB Andes e da UII

Ernesto (Indígena Pasto) - 15.11.2006: Estudante do PROEIB Andes

Fabio - 24.10.2006: Coordenador do 3°Grau Indígena

- 207 -

Page 208: Universidades Indígenas: Programas de Educação Superior Indígena na America Latina: A Caminho de uma Ciência Intercultural?

Fabricio - 15.11.2006: Professor, ou orientador no PROEIB Andes – Linha de investigação: Epistemologia e Integração de formas de saber

Felipe (Indígena Umutina) - 19.10.2006: Professor da primaria na aldeia Umutina de Barra do Bugres e ex-aluno do 3°Grau Indígena

Fernando (Indígena Nasa) - 30.12.06: Ativista do CRIC e ex-aluno da UAIIN

Franz - 20.11.2006: Coordenador da GTZ em La Paz, Bolívia

Gilberto (Indígena Aymara) - 14.11.2006: Ex-aluno, e hoje orientador do PROEIB Andes

Guido (Indígena Nasa) - 30.12.2006: Ativista no CRIC de Tribio

Ignacio (Indígena Umutina) - 19.10.2006: Professor da primaria na aldeia Umutina de Barra do Bugres e ex-aluno do 3°Grau Indígena

Inês - 26.09.2006: Professora da faculdade de letras da UFMG – trabalha na elaboração de material didático para educação indígena

Irene (Indígena Nasa) - 30.12.06: Ativista do CRIC e ex-aluna da UAIIN

Ivan (Manoke/Irantxe) - 26.10.2006: Aluno do 3°Grau Indígena

Jaime (Indígena Nasa) - 08.01.2007: Ativistas do CRIC de Tierradentro, Colombia

Joaquin (Indígena Nasa) - 30.12.06: Ativista do CRIC e ex-aluno da UAIIN

José (Indígena Nasa) - 29.12.2006: Etno-lingüista e orientador do CRIC

Juan (Indígena Nasa) - 30.12.06: Professor num colégio do CRIC em Tierradentro, Colombia

Luci, Marlene (Indígenas Pataxó) - 27.09.2007: Professoras de primaria e estudante no curso de educação diferenciada da UFMG

Manuel (Indígena Nasa) - 08.01.2007: Ativista do CRIC de Tierradentro, Colombia

Maria (Indígena Nasa) - 30.12.06: Promotora de saúde, parteira tradicional, e professora na primaria – participou na primeira turma da UAIIN

Marina (Indígena Umutina) - 19.10.2006: Professora da primaria na aldeia Umutina de Barra do Bugres e ex-aluno do 3°Grau Indígena

Marinalva (Indígena Nasa) - 27.12.2006: Ativista do CRIC e estudante da primeira turma da UAIIN

Maristela (Indígena Pareci) - 26.10.2006: Aluna do 3°Grau Indígena

Marta (Indígena Parecí) - 26.10.2006: Aluna do 3°Grau Indígena

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Page 209: Universidades Indígenas: Programas de Educação Superior Indígena na America Latina: A Caminho de uma Ciência Intercultural?

Mauricio (Indígena Pasto) - 15.11.2006: Estudante do PROEIB Andes

Mery (Indígena Nasa) - 27.12.2006: Ativista do CRIC e estudante da primeira turma da UAIIN

Orlando (Indígena Triqui) - 14.11.2006: Estudante do PROEIB Andes

Pablo (Indígena Nasa) - 08.01.2007: Ativistas do CRIC de Tierradentro, Colombia

Paulo (Indígena Pataxó) - 27.09.2006: Estudantes no curso de educação diferenciada da UFMG

Pedro - 24.10.2006: Coordenador no 3°Grau Indígena

Raul (Indígena Shuar) -10.12.06: Um dos maiores da comunidade Yawints, e padre de Tserembo

Renato (Indígena Kichwa) - Dez. 2006: Coordenador da Amawtay Wasi e alto funcionário da CONAIE, Equador

Ricardo (Indígena Chawi) - 15.11.2006: Estudante do PROEIB Andes

Rodolfo (Krenak/Botocudo) - 27.09.2006: Professor de primaria e estudante no curso de educação diferenciada da UFMG

Ronaldo (Indígena Manoke/Irantxe) - 01.11.2006: Professor mais velho da comunidade Manoke na aldeia Paredão, MT, Brasil

Rosana - 10.11.2006: Trabalha na administração da UMSS, Cochabamba, na elaboração da novo reforma educacional

Sebastian - 27.12.2006: Colaborador no CRIC na área da educação

Sergio (Indígena Shaur) -15.12.2006: Ativistas indígenas, Equador

Simón (Indígena Shaur) -15.12.2006: Ativistas indígenas, Equador

Soledad (Indígena Aztek) - 14.11.2006: Estudante do PROEIB Andes

Tiago - 13.11.2006: Orientador no PROEIB Andes – Linha de investigação: linguas

Tserembo (Indígena Shaur) - 20.12.2006: Iniciador da UNCIA e mensajero da comunidade Yawints, Palora, Equador

Valerio (Indígena Aymara) - 14.11.2006: Ex-aluno e hoje orientador no PROEIB Andes – Linha de investigação: identidade cultural e programas de educação indígena

- 209 -

Page 210: Universidades Indígenas: Programas de Educação Superior Indígena na America Latina: A Caminho de uma Ciência Intercultural?

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