UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE...

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO ANDRÉ MAGALHÃES COELHO O SER HUMANO COMO IMAGEM DE DEUS UMA ANÁLISE TEOLÓGICA DO DUALISMO ANTROPOLÓGICO NO DISCURSO RELIGIOSO DA COMUNIDADE CRISTÃ PAZ E VIDA SÃO BERNADO DO CAMPO 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ANDRÉ MAGALHÃES COELHO

O SER HUMANO COMO IMAGEM DE DEUS

UMA ANÁLISE TEOLÓGICA DO DUALISMO ANTROPOLÓGICO NO

DISCURSO RELIGIOSO DA COMUNIDADE CRISTÃ PAZ E VIDA

SÃO BERNADO DO CAMPO

2017

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ANDRÉ MAGALHÃES COELHO

O SER HUMANO COMO IMAGEM DE DEUS

UMA ANÁLISE TEOLÓGICA DO DUALISMO ANTROPOLÓGICO NO

DISCURSO RELIGIOSO DA COMUNIDADE CRISTÃ PAZ E VIDA

Dissertação apresentada em

cumprimento parcial às exigências do

Programa de Pós-Graduação em

Ciências da Religião, para obtenção do

grau de Mestre, sob orientação do Prof.

Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro.

SÃO BERNADO DO CAMPO

2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

C65s

Coelho, André Magalhães

O ser humano como imagem de Deus: uma análise teológica do

dualismo antropológico no discurso religioso da comunidade cristã

paz e vida.

103fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades, Programa de Pós-

Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São

Paulo, São Bernardo do Campo, 2017.

Bibliografia

Orientação de: Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

1. Pentecostalismo 2.Antropologia cristã 3.Dualismo – Aspectos

religiosos 4. Comunidade cristã Paz e Vida I. Título

CDD 289

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A dissertação de mestrado sob o título “O ser humano como imagem de Deus: Uma

análise teológica do dualismo antropológico no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz

e Vida”, elaborada por André Magalhães Coelho, foi apresentada em 24 de março de 2017,

perante banca examinadora composta pelo Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

(Presidente/UMESP), Dr. Rui de Souza Josgrilberg (Titular/UMESP) e Dr. Antonio Manzatto

(Titular/PUC-SP).

_____________________________________________

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_____________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião.

Área de Concentração: Linguagens da Religião.

Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura.

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“Embora sem nome adequado, Deus

arde em nosso coração e ilumina

nossa vida. Então não precisamos

mais crer em Deus. Simplesmente

sabemos dele porque o

experimentamos” (Leonardo Boff)

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DEDICATÓRIA

Dedico essa dissertação à minha mãe, Maria de Lurdes Magalhães Coelho e ao meu pai

João Coelho, que lutaram para educar a mim e minhas irmãs e nos proporcionar uma vida

digna. Também dedico a minha esposa pela paciência e encorajamento que foi de essencial

importância para a conclusão deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Magda Almeida – Pelo apoio e o companheirismo que me ajudou a ter paciência no

desenvolvimento desse trabalho.

A minha família: pai, mãe e esposa que me acolheram e tiveram paciência nos

momentos de dedicação da pesquisa.

Capes – Pelo financiamento da pesquisa.

Ao Professor Claudio de Oliveira Ribeiro que me orientou nessa jornada de dois anos

no desenvolvimento da pesquisa.

Aos Professores Rui de Souza Josgrilberg e Helmut Renders que me aconselharam na

qualificação e apontaram caminhos para que o trabalho fosse concluído.

Ao Professor Marcelo Furlin que me apresentou ao programa de Ciências da Religião

da UMESP.

E aos demais professores do programa de Ciências da Religião e colegas que em

conversas me ajudaram no desenvolvimento da minha pesquisa.

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RESUMO

Esta pesquisa propõe investigar a antropologia teológica da Comunidade Cristã Paz e

Vida, grupo evangélico de matriz neopentecostal. A ênfase teológica na unidade da

constituição humana, que o testemunho bíblico indica, contrasta com a experiência histórica

da cristandade, na qual o corpo sempre teve um papel secundário, status que ainda permanece

em vários grupos religiosos, incluindo o pentecostalismo brasileiro atual. Diante desta

realidade, o pentecostalismo estabelece suas bases, fiel ao seu contexto eclesiástico na mesma

tendência platônica de valorizar mais o que usualmente se denominou a “alma” e “espírito”

do que o corpo, não obstante ao valor da cura do corpo, da corporeidade na liturgia e da lógica

de prosperidade material também presentes nessas experiências religiosas. Para se contrapor a

essa visão será indicado o conceito de antropologia integrada, a partir de vários autores, em

especial o teólogo Alfonso Garcia Rubio. Tal conceito se caracteriza fundamentalmente por

entendermos que o ser humano é uma unidade. Trata-se daquele ser concreto que se apresenta

em todas as suas dimensões corpóreas, sendo que o corpo deve se relacionar com todo o

cosmo e com outros seres vivos fazendo presente em um mundo de relações e não de

exclusões e dicotomias. Nesse sentido, nos perguntamos em que medida a contribuição de

uma antropologia teológica integral pode se constituir em uma contribuição para a superação

do dualismo antropológico em grupos religiosos como a Comunidade Cristã Paz e Vida? A

pesquisa indica alguns caminhos teológicos de superação de conceitos de natureza dualista e

reducionista da condição humana, tendo em vista uma antropologia integrada. Como

superação desse dualismo sugerimos uma espiritualidade encarnada na qual o corpo faz

evidente em todas as suas relações e na qual a experiência unitária do ser humano como

pessoa concreta. A partir do conceito de Humano Integrado, que busca a superação dos

dualismos, espera-se oferecer à Comunidade Cristã Paz e Vida, a partir de sua própria

vivência, com todas as ambiguidades nela existentes, uma percepção unitária do ser humano.

Palavras-chave: Teologia Pentecostal, Comunidade Cristã Paz e Vida, Dualismo

corpo e alma, Antropologia Teológica.

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ABSTRACT

This research proposes to investigate the theological anthropology of the Christian

Community Peace and Life, evangelical group of neo-Pentecostal matrix. The theological

emphasis on the unity of the human constitution, which biblical testimony indicates, contrasts

with the historical experience of Christendom in which the body has always played a

secondary role, a status that still remains in various religious groups, including current

Brazilian Pentecostalism. In view of this reality, Pentecostalism establishes its foundations,

faithful to its ecclesiastical context in the same Platonic tendency to value more what is

usually called the "soul" and "spirit" than the body, despite the value of body healing,

Corporeality in the liturgy and the logic of material prosperity also present in these religious

experiences. In order to counter this view, the concept of integrated anthropology will be

indicated, based on several authors, especially the theologian Alfonso Garcia Rubio. This

concept is fundamentally characterized by the understanding that the human being is a unit. It

is that concrete being that appears in all its corporeal dimensions, and the body must relate to

the whole cosmos and other living beings making present in a world of relationships and not

of exclusions and dichotomies. In this sense, we wonder to what extent the contribution of an

integral theological anthropology can constitute a contribution to overcome the

anthropological dualism in religious groups such as the Christian Community Peace and Life?

The research indicates some theological paths of overcoming concepts of dualistic and

reductionist nature of the human condition, in view of an integrated anthropology. As an

overcoming of this dualism we suggest an incarnated spirituality where the body makes

evident in all its relations and where the unitary experience of the human being as a concrete

person. From the concept of Integrated Human, which seeks to overcome dualisms, it is

hoped to offer the Christian Community Peace and Life, from its own experience, with all the

ambiguities in it, a unitary perception of the human being.

Keywords: Pentecostal Theology, Christian Community Peace and Life, Body and Soul

Dualism, Theological Anthropology.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11

CAPÍTULO I: O PENSAMENTO DUALISTA NA VIDA CRISTÃ ..................................... 14

1.1 O dualismo helênico na teologia cristã ................................................................... 15

1.1.1 O dualismo no Ocidente Medieval ...................................................................... 17

1.1.2 O dualismo na Modernidade ................................................................................ 20

1.1.3 O dualismo antropológico entre os reformadores ................................................ 24

1.1.4 O dualismo antropológico no pentecostalismo .................................................... 26

1.2 Aspectos da antropologia teológica da Comunidade Cristã Paz e Vida ................. 31

1.2.1 O corpo no culto da Comunidade Cristã Paz e Vida ........................................... 35

1.2.2 Dualismo Corpo e Alma e Cura divina na Comunidade Cristã Paz e Vida......... 36

1.2.3 Imortalidade da alma na Comunidade Cristã Paz e Vida .................................... 40

CAPÍTULO II: A CONCEPÇÃO DE HUMANO INTEGRADO ........................................... 47

2.1 A integralidade do humano na antropologia bíblica ............................................... 47

2.2 A noção de Humano Integrado ............................................................................... 53

2.2.1 O Corpo como unidade na pessoa humana .......................................................... 62

2.2.2 Problema antropológico ....................................................................................... 66

2.3 Superação do dualismo Corpo e Alma ................................................................... 67

CAPÍTULO III: NO CAMINHO DA SUPERAÇÃO DO DUALISMO CORPO E ALMA .. 73

3.1 De uma espiritualidade etérea para uma espiritualidade encarnada ....................... 74

3.2 A ênfase nas curas como caminho de superação do dualismo ............................... 78

3.3 De uma visão sobrenaturalista a uma visão humana responsável .......................... 83

3.4 Da imortalidade da alma à ressurreição do corpo ................................................... 87

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 95

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 98

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INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema do dualismo "corpo” e "alma" ocorreu pelo fato de que

há, diante do contexto evangélico brasileiro, principalmente pentecostal e neopentecostal, uma

influência de um ser humano dicotômico e não integral nas diferentes práticas das

comunidades. Como decorrência dessa preocupação surgiu a pergunta: Como falar hoje

significativamente sobre o ser humano numa perspectiva antropológica integrada de ser

humano? Antes de aprofundar este questionamento e procurar uma resposta, deve-se

considerar que a dimensão humana encontra-se em um ser integral contrapondo tendências

espiritualistas e dualistas. Estes questionamentos, de uma forma ou de outra, serão abordados

neste estudo.

A separação entre corpo e alma deve ser colocada como uma problemática

dentro da antropologia teológica e filosófica, por ser uma influência do pensamento gnóstico e

não ser – segundo as avaliações teológicas mais criteriosas – autenticamente bíblica. Ao

contrário, deve ser considerada a imagem e a compreensão do ser humano integrado, pois o

determinante na relação entre alma e corpo atinge não só a relação de dois princípios no

âmbito do próprio ser humano, mas, também, a relação para com outras pessoas, com o

mundo e com Deus. A religião de modo geral, e o cristianismo em particular, nunca lidaram

bem com a natureza humana e as suas fraquezas. De que maneira esse dualismo exagerado

orienta as igrejas a não valorizar a percepção bíblica de ser humano em sua integralidade? Ao

analisar os discursos religiosos da Comunidade Cristã Paz e Vida, pretende-se responder a

estas e a outras perguntas, para uma melhor compreensão sobre o dualismo antropológico nela

existente. Para contextualizar historicamente o tema, faremos uma leitura sobre a influência

gnóstica no cristianismo no decorrer da história e, por fim, usaremos as contribuições de

Alfonso Garcia Rubio sobre a perspectiva de um ser humano integrado. Nesse sentido,

pergunta-se: Em que medida a contribuição de uma antropologia teológica integral pode se

constituir em uma contribuição para a superação do dualismo antropológico em grupos

religiosos como a Comunidade Cristã Paz e Vida?

Por estes motivos, a pesquisa tem por objetivo investigar a antropologia

teológica da Comunidade Cristã Paz e Vida, grupo evangélico de matriz neopentecostal, além

de propor caminhos teológicos de superação de conceitos de natureza dualista e reducionista

da condição humana, tendo em vista uma antropologia integrada. A ênfase teológica na

unidade da constituição humana, que o testemunho bíblico indica, contrasta com a experiência

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histórica da cristandade, na qual o corpo sempre teve um papel secundário, status que ainda

permanece em vários grupos religiosos, incluindo o pentecostalismo brasileiro atual. Diante

desta realidade, o pentecostalismo estabelece suas bases, fiel ao seu contexto eclesiástico na

mesma tendência platônica de valorizar mais o que usualmente se denominou a “alma” e

“espírito” do que o corpo, não obstante o valor da cura do corpo, da corporeidade na liturgia e

na lógica de prosperidade material também presentes nessas experiências religiosas. Para se

contrapor a essa visão será indicado o conceito de antropologia integrada, a partir de vários

autores, em especial Alfonso Garcia Rubio, conforme já citado. Nos discursos religiosos,

principalmente nos movimentos pentecostais e neopentecostais no Brasil, o corpo não possui

valor em si mesmo. Antes é visto como uma parte separada do espírito. Tal discurso provém

da filosofia helênica, principalmente platônica e neoplatônica, em que há uma valorização do

que é “espiritual” e tudo que é corpóreo é visto como fraqueza e mal, e não pertence ao

mundo positivo das ideias. Para Platão, em linhas gerais, o corpo seria a prisão da alma. O

dualismo religioso e filosófico, desde os primórdios, assedia o cristianismo com certa

concepção antropológica e de mundo caracterizada por séria desconfiança em relação à

matéria e toda corporeidade. Por outro lado, nunca foi fácil para a pessoa comum, que fora

atraída para as igrejas pentecostais, apreender adequadamente a concepção bíblica da

integridade do ser humano em sua dimensão material-espiritual. Para ela, o corpo, a princípio,

era em si mesmo uma natureza pecaminosa, estava aprisionado à sombra de uma força

poderosa, o poder da carne, que se opõe ao espírito.

É fato que em tensão com o desprezo pelo corpo estão contraditoriamente

presentes outras dimensões como o valor da cura física, a expressão da corporeidade na

liturgia e a lógica de prosperidade material também presentes nessas experiências religiosas.

Nesta pesquisa pretende-se investigar o que a teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida

afirma a respeito de ser humano e a sua constituição. A intenção é verificar em que níveis

acontecem a influência do dualismo antropológico corpo e alma nos discursos da referida

igreja.

Ao longo deste estudo, outros conceitos serão utilizados para a demonstração

da validade da expressão "O Ser humano como imagem de Deus” e para uma análise

teológica do dualismo antropológico no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida.

Para a realização da pesquisa, a partir dos pressupostos mencionados, será utilizado o método

da pesquisa bibliográfica com atenção especial para livros de referência da teologia

pentecostal no Brasil, materiais citados pela Escola Superior de Teologia Juanribe Pagliarin

(ESTJP), que é o presidente da Comunidade Cristã Paz e Vida. Estes materiais são essenciais

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para a compreensão do ser humano e as suas dimensões antropológicas a respeito do tema que

serão abordados.

Outras obras e autores – que têm lapidado a teologia pentecostal no Brasil – serão

citados, assim como a compreensão a respeito da natureza humana. Nossa pressuposição é

que elas marcam, ao menos em parte, o imaginário doutrinário da Comunidade Cristã Paz e

Vida. Entre tais obras, destacam-se Conhecendo as Doutrinas da Bíblia, de Myer Pearlmann

(2006) e O Século do Espírito Santo: 100 anos do avivamento pentecostal e carismático, cujo

editor é Vinson Synan (2009). Esta dissertação divide-se em três capítulos. O primeiro

capítulo explica sobre o pensamento dualista na vida cristã e como esse dualismo

antropológico influenciou as comunidades cristãs, além de abordar o discurso teológico da

Comunidade Cristã Paz e Vida e sua antropologia. O segundo capítulo mostra a concepção de

humano integrado e a análise da visão bíblica sobre o ser humano. E o terceiro e último

capítulo apresenta caminhos da superação real do dualismo corpo e alma.

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CAPÍTULO I

O PENSAMENTO DUALISTA NA VIDA CRISTÃ

Em primeiro lugar, apresentaremos, de forma panorâmica, o pensamento

dualista no cristianismo e como isso influenciou diversos movimentos e grupos ao longo da

história. Abordaremos também, em linhas gerais, a antropologia teológica pentecostal no

Brasil, sobretudo a neopentecostal, além de apontar a desvalorização do corpo, com a

valorização da “alma” e do “espírito” de forma exagerada e dualista. Essa desvalorização do

corpo não é um traço somente dos movimentos pentecostais, também aparece no decorrer da

história do cristianismo. A origem do pensamento dicotômico do ser humano no cristianismo

não foi um problema só de época, mas se encontra hoje nos círculos religiosos e seculares. A

manifestação do pensamento dualista de ser humano não acontece apenas na visão da filosofia

helênica, mas, remonta ao início da história da humanidade. Percebemos essa influência

dicotômica na Índia e na Pérsia Antiga. Na visão helênica ela é trabalhada especialmente entre

Pitágoras, mas é por meio de Platão que ela ganha uma importância no campo teórico

metafísico (GARCIA RUBIO, 1989, p. 77).

Desde os primórdios do cristianismo, essa concepção dualística se tornou

modelo dominante no cristianismo sustentando um pensamento platônico e ideologicamente

religioso da gnose de seu dualismo metafísico. É importante lembrar que a partir do século

4ºd.C., sobretudo depois de Santo Agostinho, a ideia cristã do destino do ser humano após a

morte baseia-se, cada vez mais, no modelo dualista da filosofia helênica. Este padrão

antropológico já existia dentro do império greco-romano antes mesmo do cristianismo. Com o

desaparecimento deste império, prosseguiu-se dentro do pensamento cristão e permanece até

os dias de hoje. A partir do momento que a cultura helênica, com seu pensamento dualista e

antropológico, entra em contato com o cristianismo há um esforço contínuo das primeiras

comunidades irem contra essa concepção metafísica do ser humano, para defender a

globalidade do humano integrado contra o modelo helênico.

Nesse sentido, as visões da filosofia helênica serão apresentadas e como o

dualismo antropológico veio infiltrar nos círculos cristãos e influenciar movimentos oriundos

do cristianismo.

Em seguida, o estudo mostrará o que a teologia da Comunidade Cristã Paz e

Vida afirma a respeito do ser humano e sua constituição. Pretende-se examinar a antropologia

teológica desta Comunidade, tendo como eixo de observação, e análise o dualismo "corpo" e

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“alma” e a contraposição a uma visão unitária de ser humano. O pensamento gnóstico dualista

– que se manifestou durante a história nos movimentos cristãos, em especial os pentecostais, e

em que níveis ocorrem a influência do dualismo antropológico corpo e alma nos discursos da

referida igreja – também será estudado.

1.1 O dualismo helênico na teologia cristã

Neste item abordaremos o dualismo helênico na teologia cristã e discutiremos

que ele não foi o único a influenciar na vida da igreja, nos tempos modernos. Descartes

desenvolveu uma visão de ser humano dualista: “o corpo é simplesmente matéria espacial,

substância extensa” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 80). A problemática desta antropologia é

bem conhecida: a pessoa humana e a sua consciência estão divididas da própria corporeidade

e vice-versa. A fé no Deus salvador e o Cristo Glorificado evitou sempre uma contaminação

radical por parte do dualismo. Com isso, comentaremos a influência da filosofia grega no

cristianismo e as suas visões de ser humano. Os gnósticos acreditavam que tinham um

conhecimento (uma sabedoria espiritual) e com isso ensinavam a respeito das coisas que

dividiam o mundo das ideias e o mundo físico. A matéria seria desvinculada do mundo

espiritual. Para os dualistas a salvação significava que não estava ao alcance de uma pessoa

comum e nem dos cristãos. “Tal gnose ou conhecimento implicava reconhecer a verdadeira

origem celestial do espírito sua natureza divina essencial, como uma parte do próprio ser de

Deus, e Cristo como o mensageiro espiritual imaterial enviado por esse Deus” (OLSON, 2001,

p.28). Como isso acertava-se em ser incognoscível para resolver e buscar as centelhas

dispersas do ser que estavam aprisionadas em corpos materiais. Todos os gnósticos

acreditavam que Cristo não estava de fato encarnado em Jesus, mas, tinha a aparência de um

ser humano. A igreja nunca aceitou tipos de dualismos que comprometessem considerar a

matéria e o corpo como mau. A igreja soube evitar e defender a unidade fundamental do ser

humano e suas constituições. O corpo não pode ser desprezado, mas é valorizado como um

todo. Reconhecendo a Imagem e Semelhança de Deus – na corporeidade e na criação – a

penetração deste dualismo moderado pode ser graficamente representada com repartições e

não como o ser integrado (GARCIA RUBIO, 1989, p. 80-81).

O pensamento gnóstico infiltrou fortemente nos cultos greco-romanos e

também em certos movimentos cristãos. Muitas vezes, a sua influência fazia os cristãos não

perceberem o perigo que ele apresentava para a fé cristã (GARCIA RUBIO, 1989, p. 269). A

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filosofia helênica tanto no começo do cristianismo como na história da igreja foi bastante

debatida. No decorrer da época a doutrina gnóstica levantou questões hermenêuticas onde

surgiram grandes teólogos debatendo a questão, por exemplo: Santo Agostinho de Hipona,

Gregório de Nissa e outros tantos.

O novo testamento jamais prega em seu anúncio central a imortalidade da alma, mas a

ressurreição dos mortos como o grande futuro do homem para o após-morte. Essa

mensagem não é fruto de uma especulação de ordem antropológica, mas de uma

experiência vivida que os levou a exclamar radiante: o Senhor ressuscitou verdadeiramente

e apareceu a Simão (Lc 24, 34) (BOFF, 1972, p. 71).

Na Patrística ocidental a aceitação do dualismo Platônico ganhava força. O

corpo é separado da alma. O Platonismo é latente nas comunidades cristãs. O corpo (carne) é

pecador e as emoções e sentimentos devem ser sacrificados para que o mal não se aproxime e

a alma seja liberta. Para Bengt Hägglund a alma do ser humano era arremessada para dentro

deste processo periódico. O ser humano caiu no mundo da luz e era aprisionado no mundo

material. A salvação consistia na libertação do mundo mau de modo que este pudesse

ascender ao cosmo de onde viera. De alguma forma, a filosofia helênica “emprestou” do

cristianismo para criar conceitos gerais da salvação. Para os gnósticos, Cristo era o salvador

que oferecia o conhecimento da salvação para o mundo. Porém, este não é o Cristo da Bíblia.

Para eles, o Cristo era uma espécie de luz transcendente – uma essência espiritual que era dos

íons – e esta não poderia ter vindo na forma de ser humano. Para eles, quando apareceu na

Terra, era apenas no corpo físico e pregavam uma cristologia docética (HÄGGLUND, 1981, p.

30). O helenismo pretendia transformar o cristianismo em uma especulação mitológica. Sua

negação era contrária. A afirmação da fé cristã para o cristianismo deveria ser substituída pela

sabedoria superior dos gnósticos. De fato, eles combatiam a crença dos cristãos. “Muitas

ideias gnósticas surgiram posteriormente na forma do neoplatonismo e outras escolas de

pensamento idealistas correlatas, além disso, certos conceitos teológicos fortemente

influenciados pela filosofia grega revelam tendências que nos fazem lembrar o gnosticismo”

(HÄGGLUND, 1981, p. 32). Para Tillich, o “cristianismo primitivo não foi influenciado tanto

pela filosofia clássica, mas pelo pensamento helênico” (TILLICH, 2000, p. 54). Para eles o

mundo criado é mau, foi manifestado por um ser mau e a salvação para eles seria a libertação

deste cosmo. Para os gregos o corpo isola e separa: ele é o princípio de individuação. Não é

assim na concepção judaico-cristã, pelo contrário, pelo corpo é que o ser humano está unido a

um grupo. O dualismo antropológico tinha a tendência de dividir o cristianismo. Pensava-se

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na integração, todos os membros estão unidos e faz parte de um só corpo. Para a filosofia

helênica, os gregos desconheciam as relações entre o corpo e o intelecto. Nesse sentido o que

influenciou na evolução do cristianismo foi a filosofia, e não uma visão integrada de ser

humano (COMBLIN, 1985, p. 76-77).

1.1.1 O dualismo no Ocidente Medieval

Nesta parte trataremos do dualismo no Ocidente Medieval e a perda gradativa

da visão unitária de ser humano a partir dos séculos 6° ao 15, principalmente na Idade Média.

Trata-se de uma maneira equivocada de ler e utilizar a Bíblia para discutir a questão de ser

humano criado à Imagem e Semelhança de Deus. As ferramentas usadas para interpretar as

Escrituras foi uma visão da filosofia grega. Com isso, o dualismo antropológico defendido por

Platão ganhou força e foi por meio de Santo Agostinho que esta maneira de enxergar o ser

humano influenciou muitos cristãos: a visão platônica de corpo e alma. Santo Agostinho foi

um grande estudioso das obras de Platão. Isto explica sua forte atenção neste pensamento

gnóstico. “Também deve ser notada, em Santo Agostinho, a conexão entre pecado e corpo.

Certamente, o corpo, como criatura de Deus, não pode ser mau. Mas, como consequência do

pecado, o corpo, com a sua vida instintiva em desarmonia com a alma, tende para o mal,

servindo de tentação para esta” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 272).

Segundo Moltmann uma espiritualidade ganhou uma tendência que influenciou

o cristianismo a desvincular do corpo e da alma e separando do mundo: “sem a menor

dimensão política, assumiu o lugar da vitalidade original, judaico e cristã que vive a partir do

Espírito criador de Deus” (MOLTMANN, 2002, p. 82). Costuma-se identificar “pecados”

como prazeres da carne e estes como imortalidades sensuais. Desta maneira, os impulsos

constituem na ganância e na avidez pelo poder por parte da alma das pessoas modernas que

abandonaram a Deus e endeusam a si próprias. Jürgen Moltmann comenta que Santo

Agostinho iniciou as bases teológicas – que teve como gênese no ocidente – e sua evolução da

alma denominada misticismo foi ensinada por Agostinho. Moltmann explica:

Por isso Agostinho afirmava acerca do mistério divino: “Mais perto de mim que meu eu

mais íntimo” (interior íntimo meo), e confessava pessoalmente: “Tarde te amei, e eis que

estavas comigo dentro de mim. Eu, porém, estive fora e te busquei ali. Tu estavas comigo,

mas ei estive longe de ti”. Porque a alma procura a Deus? Nossa alma em busca de Deus é

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tão-somente um eco do Deus que busca o ser humano. “Inquieto está nosso coração, até que

descanse em ti” (MOLTMANN, 2002, p. 83).

O primado total concedido à alma faz com que o tempo e a história não sejam

suficientemente valorizados. Agostinho comenta que o Padre foi influenciado pelas literatura

Platônica e esta visão de alma e corpo ganhou força no Cristianismo. A influência Platônica

ocorreu também na escolástica (1225-1274). O pensamento neoescolástico esboçou algumas

tentativas de superação do dualismo. Somente em Tomás de Aquino acontece uma superação

total do dualismo antropológico. Para Tomás, o ser humano não possui as duas formas: alma e

corpo. A unificação entre corpo e alma é uma união profunda e não um simples encontro.

Porém a perspectiva tomista ao defender a constituição do ser humano a partir de dois

princípios, a alma e a matéria que unidos formam o corpo não foram suficientes para a

superação do dualismo aceito por Santo Agostinho. “Para Tomás de Aquino a separação entre

alma e corpo é uma impossibilidade filosófica e prática. Ele contraria claramente a posição de

Platão” (ROSA, 2014, p.42). As dominações gregas e dualistas reduzem, ao longo da história,

a perspectiva bíblica do ser humano e as suas dimensões antropológicas que valorizam mais o

mundo “espiritual” – a pátria divina – e crucificam o corpo com suas paixões e sentimentos.

Para os gnósticos, existiria a necessidade da alma vestir sua última roupa até se perder. Assim

que a alma desaparecesse, o corpo mostraria sua fraqueza e apodreceria (ZIKAS, 1990, p. 50).

Esse debate antropológico e teológico não ficou apenas no ambiente acadêmico, mas

influenciou toda a vida cristã com pensamentos metafísicos. Não foi apenas Santo Agostinho

que influenciou o pensamento dualista na Idade Média. Garcia Rubio destaca que:

Não foi Santo Agostinho o único a utilizar teologicamente a doutrina platônica e

neoplatônica do exemplarismo. Pelo contrário, para explicar a relação existente entre o

Deus criador e as suas criaturas, a Patrística e posteriormente a teologia medieval fará

frequente uso desta doutrina. Na raiz do esquema filosófico do exemplarismo está a

experiência cotidiana: o ser humano concede a ideia de algo a ser realizado e depois

executa, de fato, tal ideia, estabelecendo-se, assim, uma semelhança entre ideia exemplar e

a obra realizada o exemplificado. A aplicação à relação Deus – criatura salta logo a vista:

tudo quando é criado é participação em diversos graus das ideias divinas segundo tudo foi

criado por Deus (GARCIA RUBIO, 1989, p. 209).

A visão dicotômica de ser humano teve outras influências da patrística.

Clemente de Alexandria foi um dos primeiros padres da igreja que se lançou na interpretação

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cristã da realidade da filosofia grega. Em sua antropologia, o elemento cristão relaciona-se

com a filosofia. Desta forma apenas no cristianismo os problemas relativos ao ser humano

passam a ter respostas adequadas e conclusivas: sua gênese e os elementos constitutivos

fundamentais do seu ser. Os problemas já estavam instalados em toda especulação grega,

sobretudo na platônica, aristotélica, estoica, sem solução evidente e satisfatória. Apenas mais

tarde, em Fílon, herdeiro da melhor elucubração helênica, foi resolvida a questão – conforme

as exigências da fé bíblica – mas ainda bastante incompleta. Clemente segue os traços do

pensamento de Fílon sem inaugurar nenhuma filosofia nova ou soluções adequadas para as

questões antropológica da Imago Dei. “De fato, Fílon havia ensinado que, além do homem

sensível, existe também um inteligível; distinguira no primeiro a alma do corpo, mas

considerava como essencial para a natureza humana” (MONDIN, 1986, p. 104). Clemente

abandona essas três doutrinas e considera o ser humano composto de corpo e alma, e concede

a Deus a criação direta e imediata dos dois componentes. Battista Mondin comenta que:

A imago Dei fica sendo também a chave principal de leitura de todos os outros Padres da

Igreja, que, depois de Clemente de Alexandria, procuraram compreender e esclarecer o ser

do homem. Nesta resenha das posições mais importantes e influentes, limitaremos a expor

o pensamentode Gregório de Nissa, como representante da patrística grega, e de Santo

Agostinho, como representante da patrística latina. Uma das obras principais de Gregório

de Nissa intitula-se de Hominisopifício e é um tratado de antropologia filosófico-teológica,

inteiramente composto em torno das ideias de que o homem é imagem de Deus Imago Dei.

Para Gregório, ser o homem imago Dei é uma verdade revelada; ela faz parte do núcleo

originário de verdades que Deus fez conhecer aos primogênitos. Mas, na opinião do autor

de hominis opifício, é possível dar também uma justificação racional e filosófica a esta

verdade bíblica. Com esta finalidade, ele examina atentamente o homem em seus

componentes alma e corpo, em todas as suas faculdades e atividades; faz ver em cada uma a

veracidade da ideia da imago Dei (MONDIN, 1986, p. 106-107).

Percebe-se a influência dualista no ocidente, com fortes tendências gnósticas

no pensamento da Igreja cristã. Segundo a filosofia helênica o exemplarismo seria que tudo

em nosso mundo é uma cópia: são sombras da realidade, isto é, do mundo das ideias. O

neoplatonismo está sempre presente para tentar explicar a relação entre Deus – que faz – e as

suas criaturas. A patrística e o mundo medieval fazem grande uso dessa doutrina. No

cristianismo, o conceito de ser humano não foi transmitido como um simples fato de fé. Nesse

sentido, a patrística e a escolástica submetem a uma análise racional, o que atribuiu uma

sólida roupagem filosófica. A chance de tal investigação ocorreu principalmente a partir das

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disputas teológicas acerca dos grandes mistérios da trindade e da encarnação, cuja solução

subsidiou, de forma decisiva, a formulação restrita do conceito de ser humano. A primeira

análise desse conceito foi realizada por Santo Agostinho, cuja preocupação era atribuir ideias

ao conceito de Pai, Filho e ao Espírito Santo, sem cair no risco de fazer deles deuses e sem

perder a individualidade nos conceitos. “Essa dupla virtude é expressa pelo termo grego

hypóstasis, seu correlativo latino persona o qual não significa uma espécie, mas algo de

singular e de individual” (RAMPAZZO, 2014, p. 62). Mas não foi em Santo Agostinho que o

dualismo antropológico teve uma superação. Ele rejeitara esse tipo de dualismo e, com efeito,

o faz. “Mas tanto a doutrina do pecado original como a tentativa de fundamentar

adequadamente a imortalidade da alma levaram o doutor africano aceitar os aspectos da

antropologia platônica” (GARCIA RUBIO, 2006, p. 271).

1.1.2 O dualismo na Modernidade

Aqui mostraremos que a modernidade foi marcada pela racionalização, na qual

o corpo era compreendido com um modelo dualista Cartesiano. Nesse sentido, o espírito era

separado do corpo, o que ocasionou uma ruptura em que o ser humano passou a ser

redimensionado como autônomo, independentemente de sua constituição antropológica.

“A modernidade é um processo que tem sua origem do século XVI, quando

começa a emergir um novo tipo de humanidade consciente de sua própria autonomia e de sua

própria força racional” (RAMPAZZO, 2014, p.161). O dualismo platônico não foi o único a

influenciar a vida das comunidades evangélicas nos tempos modernos. Em sua antropologia

cartesiana, René Descartes (1596-1650) define o dualismo corpo e alma como duas naturezas

completas, que podemos substituir uma sem a outra. O racionalismo cartesiano é mecanicista.

Já o racionalismo empirista de John Locke (1932-1704) transmite a imagem do ser humano

liberal com um otimismo naturalista que se tem na cultura europeia dos séculos 18 e 19.

Nesse sentido, ao contrário de Descartes, “afirma existirem do homem todas as disposições

para conhecer a Deus, a natureza e a si mesmo como ser moral” (ZILLES, 2011, p. 54).

Descartes desenvolveu um dualismo no qual o corpo é exclusivamente matéria espacial, mera

extensão apreciável, enquanto que a alma ou espírito (ou consciência) é uma substância

alheada. Com esta visão, o corpo não passa de um objeto que pode funcionar sem a alma, esta

de maneira alguma interfere na vida biológica do ser humano, pois sua função é basicamente

ser um ser pensante. Para Descartes, o corpo humano tanto como o espírito são seres

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separados que podem interagir com autonomia uns dos outros, mas, que se encontram

relacionados no ser humano de maneira extrínseca. Sobre esta antropologia, Garcia Rubio,

destaca: “O sujeito à consciência humana está cortado da própria corporeidade e vice-versa.

Ora se o sujeito entra em contato com os outros sujeitos mediante o corpo, uma vez separado

deste, fica igualmente isolado dos outros sujeitos” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 80). Com isso

a modernidade e o movimento científico criam um novo dualismo antropológico. Comblin

explica que:

Pois as ciências tomam o ser humano como objeto das suas investigações: o ser humano,

das ciências não é o ser humano vivido realmente pelo homem, e sim o objeto visto com a

mesma indiferença como se enxerga uma pedra ou uma ferramenta. O ser humano visto

pela ciência reduz-se às observações cada vez mais quantitativas que dele se acumulam. No

tempo em que dominou a ciência física, o homem foi considerado como uma mecânica

muito perfeita, rígida pelas mesmas leis físicas e químicas que regem o mundo material

bruto (COMBLIN, 1985, p. 86).

Algumas ciências – biologia, psicologia e sociologia– mostraram outros

modelos sempre concebidos a forças objetivas. Desta forma, o ser humano foi percebido

como objeto de transformação. Comblin ressalta que “os científicos chegaram à conclusão de

que não havia alma porque não havia nada nas suas observações que respondesse a tal

conceito e tudo se explicava por forças exteriores” (COMBLIN, 1985, p. 869). O ser humano

era tido pela ação de numéricas forças exteriores sobre ele. Nesse sentido constatava uma

realidade que não explicava a consciência: era mais aparência do que um ser, verdadeiro

reflexo de certo produto criado pelo ser biológico, com tendência materialista. Ou seja, que o

ser humano é medido pelas observações exteriores: eu sou pontualmente o que os

observadores conseguem perceber. Com isso, notou-se que na consciência do ser humano

havia duas partes: uma mostrava-se cientificamente e análoga aos próximos da natureza, e

outra, não notório da parte de fora, mas unicamente pelo sujeito; consciência apresentada pela

famosa frase de Descartes: “eu penso e logo existo”. Era a consciência pensante separada do

corpo e, dessa maneira, tendeu-se para o idealismo. Com isso criou-se um problema: como

explicar o corpo ligado a consciência e como esta podia agir na matéria. Comblin salienta que

de “qualquer maneira o idealismo pretendia que a consciência agia na matéria, e era inclusive

o motor principal da cultura e da história, enquanto os materialistas negavam que a

consciência tivesse possibilidades de agir em última instância na matéria” (COMBLIN, 1985,

p. 87). Podemos dizer que o dualismo moderno criou entre o corpo e consciência um conflito

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entre o idealismo e materialismo (COMBLIN, 1985, p. 86-87). Esse conflito foi superado no

século 20, mas, ainda há amplos setores – especialmente de semi-intelectuais– que tomam

opiniões entre devaneio e materialismo. O materialismo fez com que filósofos modernos

pensassem sobra a inexistência de Deus, gerando a negação da imortalidade da alma, no

Syllabus de Pio IX (1864) e no Concílio Vaticano I (1870). O materialismo foi condenado

desta maneira quando o comunismo pretendia condenar e destruir a religião. A oposição

também condenou o materialismo. A consciência separa os corpos e faz comparação como

sujeitos isolados, porém une com outros corpos, uma vez que somos meios de comunicação e

necessitamos de nos relacionarmos uns com outros (COMBLIN, 1985, p. 87-88). Garcia

Rubio comenta que:

A modernidade acentuou ainda mais incisivamente a primazia da razão em detrimento do

mundo afetivo, seguindo um esquema rigidamente dualista. Nada há de estranho que no

mundo da civilização industrial tenha triunfado amplamente a razão instrumental à custa da

razão dialógica, comunicativa, articulada intimamente com a afetividade. E como sempre

acontece quando a razão é valorizada em detrimento do afeto, fica reforçado o

patriarcalismo. Isto é fácil de explicar, dado que a razão tem sido considerada

tradicionalmente como atributo próprio do homem. E, assim, o mundo criado pela

modernidade é um mundo predominantemente masculino (GARCIA RUBIO, 2006, p. 98).

Para Zilles, “a visão do homem na modernidade é marcada pela contradição

entre o positivismo, de um lado, e o existencialismo, de outro. Ambos os polos determinados

na história da antropologia” (ZILLES, 2011, p. 55). O positivismo absolutiza a dimensão

corpórea do ser humano, já o existencialismo impõe a dimensão espiritual (razão consciente).

Nesse sentido deduz a possibilidade absoluta para a autodeterminação do ser humano.

Rampazzo explica que:

Essa autonomia do ser humano recebe novo impulso a partir do século XVIII pela

civilização industrial, ou do desenvolvimento técnico-científico. O movimento da

modernidade, ou modernização, desemboca na sociedade que denominamos “secularizada”.

O eixo da civilização deixou de ser a religião, como foi no passado, e se deslocou para a

economia (produção e trabalho) e a política. A religião passou para o domínio privado. Para

a sociedade moderna, a religião não conta. As esferas da vida humana tornam-se sempre

mais autônomas. O que conta na vida do ser humano é este mundo, é a imanência. A

transcendência nada mais diz ao homem da modernidade. É o fenômeno do “secularismo”

(RAMPAZZO, 2014, p. 162).

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Desta maneira, um dualismo antropológico separou o ser humano em

consciência e corpo, o que reforçou ainda mais a ideia de um ser dualista e não integral. O

dualismo ganhou um discurso diferente, mas, influenciador. Nesse sentido, o desafio perdurou

na Reforma, ocasionando novas interpretações e significado à antropologia helênica.

Wanderley Rosa afirma que:

A Modernidade foi um grande esforço, que tomou impulso a partir da Renascença italiana,

com o intuito de desconstruir esses fundamentos, libertar o mundo ocidental do julgo

religioso e construir novos fundamentos baseados na razão humana. Ora, isso significa um

empenho no sentido de repensar toda essa base em sua dimensão política, social, econômica,

religiosa, cultural e também psicológica. Ou seja, era necessário repensar toda a estrutura

do edifício medieval. Vale destacar que a Reforma Protestante foi uma força secularizante

nesse processo. Com sua proposta de livre exame das Escrituras, o que implica liberdade de

consciência, Martinho Lutero ajudou na formulação desse novo mundo (nova era), a

Modernidade (ROSA, 2014, p. 45).

Desta forma, a próxima parte do nosso estudo abordará sobre a Reforma, a sua

influência na antropologia teológica, quais foram os impactos e as mudanças que ocorreram,

dentro do contexto protestante. O dualismo platônico esteve presente em todo o contexto da

história e ganhou força nos ideais dos teólogos do século 16.

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1.1.3 O dualismo antropológico entre os reformadores

Neste item mostraremos que na Reforma Protestante não houve grandes

transformações a respeito da ideia gnóstica. O pensamento platônico já estava bem firmado

nos escritos de Agostinho e Tomas de Aquino. Martinho Lutero e João Calvino foram

influenciados por escritos da Europa Medieval de Santo Agostinho. Para Lutero sua

concepção de ser humano era a totalidade, ou seja, toda a dimensão humana foi atingida pelo

pecado reforçando o dualismo platônico. Em Lutero o seu conceito dos dois reinos, o

espiritual e o secular, traços dualistas do seu contexto religioso. João Calvino acreditava que o

corpo é a prisão da alma e este deseja ardentemente se libertar.

Para Lutero a vida é corrompida em sua totalidade, incluindo sua natureza e substância.

Vamos considerar agora a expressão “depravação total” que tanto ouvimos. Não significa

que não haja nada bom no ser humano; nenhum reformador nem neo-reformador jamais fez

essa afirmação. Quer dizer sim, que não há parte alguma do ser humano isenta dessa

deformação existencial. Esse conceito, traduzido em termos de psicologia moderna,

significa que o homem “depravado” está em conflito consigo mesmo bem no centro de sua

vida pessoal (TILLICH, 2000, p. 244).

Em Lutero percebe-se o conceito dos dois reinos, o espiritual e o secular, traços

dualistas do seu contexto religioso medieval. Já o reformador João Calvino acreditava que o

corpo é a cadeia da alma e este deseja ardentemente se libertar do cárcere. Tillich afirma que

Calvino é fiel à visão Platônica ao firmar que a carne é prisão para a alma (TILLICH, 2000, p.

266-267). Nesse sentido, na teologia antropológica reformada, o espiritual quer dizer interior;

humano contrapõe-se a realidade espiritual e da matéria. Com isso, a espiritualidade tem

relação direta com a alma, as atividades interiores e não as do corpo. Em Calvino percebem-

se os traços perfeitos do gnosticismo, o dualismo corpo e alma. Nas Institutas o reformador

cita sobre Salomão falando da morte e que deseja ardentemente que o seu espírito volte para

Deus.

Afinal, que o ser humano consta de alma e corpo, deve estar além de toda controvérsia, e

pela palavra alma entendo uma essência imortal, contudo criada, que lhe é das duas a parte

mais nobre. Por vezes também é chamada espírito. Ora, ainda que estes dois termos difiram

entre si em sentido quando ocorrem juntos, contudo, onde o termo espírito é empregado

separadamente, equivale à alma, como quando Salomão, falando da morte, diz que “o

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espírito retorna então a Deus, que o deu” [Ec12.7] (CALVINO, p.186).

Observa-se que no século da reforma protestante houve forma religiosa

intimista mais exagerada, a negação da matéria e a pecaminosa obra da carne. Com isso, surge

um dualismo entre o corpo e o interior do indivíduo regenerado. Novamente o ser humano é

dividido, entre alma, espírito e corpo: uma valorização do interior e uma negação da matéria.

Assim, o cristão chegaria mais perto do divino reprimindo os seus desejos. Encontra-se, aqui,

novamente o dualismo. O pietismo mais uma vez exerceu considerável influência sobre o

metodismo, fundado no século 18 pelo inglês John Wesley, cuja ênfase teológica era a

experiência religiosa da conversão e santificação (OLSON, 2001, p.526). “Os grupos de

reavivamento, incluindo os pentecostais e igrejas de santidade, como os nazarenos e as

Assembleias de Deus, podem ser vistos como extensões radicais do pietismo” (OLSON, 2001,

p. 502-503). Com isso as controvérsias partiram em torno de palavras, sendo que os pontos de

vista eram opostos. Segundo Hägglund, Zwinglio, outro reformador importante,

Partia do dualismo básico entre o espiritual e o sangue de Cristo. Citava, nesta conexão, as

palavras de (João 6.63). A carne para nada aproveita. O fator mais importante na ceiado Senhor,

portanto, é a participação da fé nos dons celestiais, não o comer físico. Zwinglio procurou

expressar isto em sua interpretação simbólica, como indicado acima. Além disso, dizia serem as

palavras corpo e sangue de cristo (neste contexto) uma “alloeosis”, isto é, uma figura retórica cujo

significado é referir-se na realidade à natureza divina o que se diz sobre a natureza humana

(HÄGGLUND, 1981, p. 206).

Tanto Lutero como Zwinglio defenderam a communicatio idiomatum, isto é

que as qualidades da natureza divina e humanas são relacionadas uma às outras e tudo se

encontra ligado a Cristo. Nesse sentido, a palavra corpo e sangue de Cristo diz respeito à

humanidade de Cristo. Mas, devido à integração de natureza divina e humana a natureza

divina participa da humana. “A fé, portanto, dirige-se ao homem Cristo, e recebe seu corpo e

sangue na ceia do Senhor, que são ao mesmo tempo, o corpo e o sangue do filho de Deus, este

recebe um lugar através do comer físico, e não apenas simplesmente resultado da comunhão

da fé na esfera espiritual” (HÄGGLUND, 1981, p. 207). Para Calvino “o corpo não passa de

prisão da alma sem qualquer valor. São palavras bem mais da tradição de Platão do que do

Antigo ou do Novo Testamento” (TILLICH, 2000, p. 266-267). Assim, é possível perceber

que, nos reformadores, não houve uma superação do dualismo e, sim, uma confirmação,

influenciando o cristianismo ainda mais na visão da filosofia helênica.

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1.1.4 O dualismo antropológico no pentecostalismo

Aqui abordaremos que o pentecostalismo – que surgiu em 1909-1910 no Brasil,

Argentina e Chile – tem traços dualistas em sua maneira de pensar e valorizar a imortalidade

da alma e a visão de salvação do espírito, e o corpo destinado à perdição (KLEIN, 2005, p.

310-313). Diante dessa realidade, o pentecostalismo, fiel ao seu contexto eclesiástico, segue

na mesma tendência, dualista Platônica. Esta pesquisa pressupõe que o dualismo da filosofia

helênica, ainda que atenuado, se constitui numa das características da teologia pentecostal e

neopentecostal brasileira. Isso explica a insuficiência do ser humano integral, porque a

corporeidade faz parte da própria subjetividade humana.

A inserção do pentecostalismo no Brasil ocorreu na segunda fase da presença

do protestantismo e foi relevante para a terceira fase do protestantismo brasileiro. A primeira

fase intromissão protestante; a segunda, minoria protestante; a terceira, protestantismo de

concorrência (SOUZA, 2004, p.113). O protestantismo brasileiro tem tido transformações

devido às diversas conjunturas históricas do País. A forma na qual se encontra atualmente é o

produto de sucessivas etapas de sua realidade mais primitiva. O pentecostalismo foi a última

expressão do protestantismo a se instalar no País, que ocorreu no final da primeira e no início

da segunda década do século 20, com o surgimento das principais denominações de

pentecostalismo clássico – com as proibições de assistir televisão, modo de se vestir e com

sua forma de ler a Bíblia literalmente – estabelecendo um reducionismo teológico e um

dualismo moderado (SOUZA, 2004, p.122).

Para Vinson Synan, “a primeira onda de missionários pentecostais produziu o

que veio a ser conhecido como movimento pentecostal, clássico, com mais de 14 mil

denominações em todo o mundo” (SYNAN, 2009, p. 23). Com esta nova tendência veio logo

a proliferação de novas organizações denominacionais, com resultado rápido no crescimento

de missões. A explosão pentecostal logo ocorreu entre hispânicos, tanto nos Estados Unidos

quanto na América Latina. Exemplos significativos de crescimento também aconteceram

entre os negros americanos e em países da África. Desta maneira, o pentecostalismo percorreu

vários caminhos e se instalou nas igrejas protestantes e católicas-romanas: “os chamados

movimentos de renovação carismática, cujos propósitos eram reavivar as igrejas históricas”

(SYNAN, 2009, p. 23). Essas ondas renovadoras também vieram dos Estados Unidos. Pode-

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se, aqui, incluir os movimentos neopentecostais protestantes, com início em 1960 “na cidade

de Van Nuys, Califórnia, pelo ministério de Dennis Bennett, pároco da igreja Episcopal

Anglicana de São Marcos” (SYNAN, 2009, p. 24). Nessa mesma década o movimento atingiu

150 maiores famílias protestantes do mundo, atingindo 55 milhões de pessoas por volta de

1990. Para Paulo Romeiro, o termo neopentecostal é recente entre nós: “foi cunhado há vários

anos nos EUA. Lá, na década de 70, ele designou as dissidências pentecostais das igrejas

protestantes, movimento que posteriormente foi designado de carismático” (ROMEIRO, 2013,

p.51). Desta maneira no contexto norte americano tem se dado outro sentido do termo

“neopentecostal.” Atribui-o o termo “neopentecostalismo” a pessoas que tinham uma

mentalidade pentecostal, ou seja, pessoas com uma nova visão ou renovação espiritual, dentro

das próprias igrejas pentecostais que pertenciam. Para essa nova mentalidade, o

neopentecostalismo enfatiza o exorcismo, a teologia da prosperidade, a batalha espiritual, o

poder de curas e milagres, as visões vindas de líderes carismáticos e dualismos da filosofia

helênica. Essa tendência do espírito, isto é, do neopentecostal, ganhou força no mundo

religioso norte-americano nos anos 1970. Nesse mesmo período também começou o

surgimento dessa onda neopentecostal em terras latinas, “provocando o surgimento de novas

igrejas, seitas e denominações, assim como cisões nas principais denominações protestantes

brasileiras” (ROMEIRO, 2013, p. 49). Podemos mencionar os metodistas, batistas,

presbiterianos, Congressionais e outras. Citamos as três ondas pentecostais em contextos

brasileiros:

A Primeira Onda – No Brasil, o Movimento Pentecostal pode ser dividido em três ondas:

começou em 1910 com a fundação da Congregação Cristã no Brasil e as Assembléias de

Deus em 1911. Depois, da América, chega a Igreja de Cristo no Brasil (1932, Mossoró, RN)

e entra em conflito com as outras duas por defender que o Batismo com o Espírito Santo

dava-se no momento da conversão e não com a experiência posterior de falar em línguas.

Em seguida, surgiu a Igreja Evangélica do Calvário Pentecostal (1935, Catalão, GO) que

depois se funde com a Igreja de Deus de Cleveland, EUA, e se tornou a Igreja de Deus no

Brasil. No ano seguinte surgiu a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo (1936, São Paulo, SP)

e, três anos depois, de origem americana, a Missão Evangélica Pentecostal do Brasil (1939,

Manaus, AM). Novas denominações vão surgindo até 1950. A Primeira Onda Pentecostal,

portanto, vai de 1910 a 1950. A Segunda Onda Pentecostal: Começou em 1950 quando dois

missionários da International Church of The Foursquare Gospel vieram ao Brasil e

fundaram a Igreja do Evangelho Quadrangular (I.E.Q), construindo um pequeno templo

(1951, São João da Boa Vista). Em 1952, a convite do pastor da Igreja Presbiteriana do

Cambuci viajaram à capital de São Paulo e realizaram uma cruzada de evangelização e

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milagres. Em seguida, conseguiram uma tenda de lona no mesmo bairro e, através do rádio,

revolucionaram o evangelismo pentecostal, com reuniões em tendas a que compareciam

milhares de pessoas. Nascia assim a Cruzada Nacional de Evangelização, com a tenda

número 1 percorrendo todas as cidades do estado de SP. Sempre que a tenda se mudava,

deixava uma I.E.Q. no local. Desta Igreja surgiram muitas outras denominações como O

Brasil para Cristo, a Igreja Pentecostal Deus é Amor, A Casa da Bênção, Igreja Cristã

Pentecostal da Bíblia do Brasil, Igreja Pentecostal Unida do Brasil, Ministério Cristo Vive,

Igreja Unida, Igreja de Nova Vida e diversas outras. A Segunda Onda Pentecostal vai de

1950 a 1970. A Terceira Onda: Neopentecostal: Começou em 1970 e deu origem a um

novo ciclo chamado de Neopentecostal (onde Neo quer dizer Novo), por serem mais

liberais, pois a maior parte das denominações pentecostais anteriores proibiam, inclusive,

ouvir-se rádio ou assistir tv, e eram rígidas com relação a usos e costumes. De 1977 a 1992

surgiram as Igreja Universal do Reino de Deus, fundada pelo Bispo Edir Macedo (1977,

Rio de Janeiro), a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo Missionário R. R.

Soares, (1980, Rio de Janeiro), a Comunidade Cristã Paz e Vida, fundada pelo

PrJuanribePagliarin (1982, São Paulo), Igreja Renascer em Cristo, fundada pelo Apóstolo

Estevan Hernandes (1986, São Paulo), Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, fundada

pelo Bispo Robson Rodovalho (1992, Brasília) e Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada

pelo Apóstolo Valdomiro Santiago (1998, São Paulo). De um modo geral, os

Neopentecostais utilizam intensamente a mídia eletrônica e aplicam métodos de moderna

administração, bem como o uso de marketing, planejamento estatístico, análise de

resultados etc. O Neopentecostalismo é a vertente pentecostal que mais cresce no Brasil e,

consequentemente, a mais influente. A Terceira Onda Pentecostal está em pleno movimento

(PAGLIARIN, 2011, p. 57).

Desse modo, a antropologia pentecostal é caracterizada por um dualismo. Não

possui valor em si mesmo, antes seu valor consiste em ser morada da alma. Esse espírito é o

centro e a fonte da vida humana; a alma possui e usa essa vida, dando-lhe expressão por meio

do corpo. Nesta perspectiva, o ser humano é identificado como alma e espírito que possui um

corpo. “A alma é semelhante ao divino, ao mortal” (ZIKAS, 1990, p. 46). De acordo com o

pentecostalismo o ser humano se parece com Deus em relação a alma e espírito e não com o

corpo. Essa ideia prioriza a alma e espírito em detrimento do corpo e exclui este último do

conceito de “imagem” e semelhança de “Deus” concluindo, assim, um dualismo.

Na teologia do pentecostalismo, sobretudo a neopentecostal, a sua concepção

de antropologia parece valorizar mais a “alma” e “espírito” do que o corpo. A corporeidade é

um traço contidamente do discurso pentecostal. Diante de Deus o corpo é mal e a busca para a

purificação está na crucificação dos desejos carnais de se alimentar do espírito para alcançar a

salvação eterna. A visão de mundo, inclusive o corpo, se insere ou na ordem do mal ou na

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ordem do bem. Com isso, o corpo apresenta-se primeiramente como entidade que precisa ser

exorcizada. Assim, cria-se uma visão dualista que valoriza a alma e espírito e ignora a

corporeidade e a percepção bíblica sobre ser humano (SOUZA, 2004, p.81-82). Para o

pentecostalismo, o ser humano, segundo Gênesis 2.7, “compõe-se de duas substâncias a

material o corpo e a substância imaterial, a alma e espírito. A alma dá vida ao corpo; e quando

a alma se retira, o corpo morre” (PEARLMAN, 2006, p.106). De acordo com Pearlman, o ser

humano possui alma, espírito e corpo (1Ts 5.23). “A alma sobrevive à morte”. Alguns

pentecostais, que defendem a Bíblia, têm esse ponto de vista dualista de que a constituição

humana se compõe de três partes: “espírito e alma representam os dois lados da substância

não física do ser humano; ou em outras palavras, o espírito e a alma representam os dois lados

da natureza espiritual” (PEARLMAN, 2006, p.107-108). Isto posto, cabe perguntar pelas

origens desta concepção antropológica dualista – sua tensão com a perspectiva bíblica de ser

humano – assim como esse dualismo veio se fazer presente na teologia pentecostal que, a

princípio parece valorizar o corpo, pelo menos em seu aspecto litúrgico e na crença da cura

divina. O pentecostalismo que apareceu em 1909-1910 no Brasil – e que experimentou

extraordinário crescimento mundial – é de caráter dualista. A terceira onda conhecida como

neopentecostalismo, que surgiu em 1970, é uma vertente do pentecostalismo e carrega esses

mesmos traços dualistas em sua antropologia. Segundo Alexandre Carneiro, o rito pentecostal

estabelece uma relação com o corpo da mesma forma como Platão: o corpo como cárcere da

alma e deve ser libertado como condição de usufruir da benção divina (SOUZA, 2004, p. 82).

O pentecostalismo, como se sabe, é um movimento cristão proveniente do

protestantismo evangélico que afirma a importância da experiência com o Espírito Santo,

iniciada pelo batismo no Espírito Santo e confirmada pelos dons de falar línguas estranhas.

Entre suas principais formas destacam-se: a valorização na espiritualidade e nos dons

espirituais, uma nova liturgia, a leitura literal dos textos bíblicos, a intensa atividade de

pessoas leigas na expansão e administração das comunidades pentecostais e neopentecostais,

a busca da salvação da alma. A expressão pentecostalismo provém de Pentecostes, nome dado

a uma festa anual do povo judeu e conforme descrito no capítulo (2:1,13) do livro dos Atos

dos apóstolos (SOUZA, 2004, p. 16).

Nos seus discursos, o pentecostalismo e sua antropologia teológica mostram o

pensamento gnóstico e a valorização do espírito e da alma, como algo superior ao corpo.

Possui uma visão de salvação metafísica elaborada por Platão,na qual a alma gozaria de

liberdade quando libertada do corpo. Na antropologia pentecostal o reducionismo recai sobre

a alma e o espírito, reduzindo a visão cristã em que o corpo é inferior à alma. De acordo com

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Garcia Rubio, a visão correta de ser humano é a unidade em que não há desprezo, mas,

prevalece a concepção de toda a dimensão humana. A ideia de desprezo do corpo e da matéria

surgiu da filosofia helênica e está em conflito com a proposta de antropologia bíblica criando

dualismos e reducionismos. “A rejeição do dualismo caracterizado pela relação de exclusão

entre corpo e alma por parte da igreja rejeita o dualismo em continuidade com a

intencionalidade profunda da Sagrada Escritura e da longa tradição eclesial” (GARCIA

RUBIO, 1989, p. 259).

A mesma percepção do gnosticismo que atenta à unidade básica da pessoa

humana. O corpo é vivido como uma realidade autônoma da pessoa, o que mostra que esta

não se identifica com aquele. Existe na pessoa humana uma dimensão que excede todas as

possibilidades e virtualidades do corpo, isto é, o ser aberto ao transcendente. O tema “alma” é

utilizado tradicionalmente para dignar esta dimensão, entendida como o princípio estruturante

que enforma. Segundo a terminologia aristotélica, o corpo humano é este princípio que faz

com que o corpo humano seja diferente de qualquer outro organismo vivo. É a dimensão da

pessoa humana que a torna capaz de conhecer de maneira ilimitada percebendo o sentido da

realidade, capaz de um conhecimento reflexo, de autopossuir-se com liberdade e

responsabilidade, de se abrir aos outros seres pessoais, especialmente a Deus. Essa abertura ao

transcendente não se faz com a alma, mas, sim, com toda a abertura da unidade do “eu” no

diálogo e no amor, bem como ao mundo da natureza para transformá-lo em mundo humano.

A manifestação mais profunda do ser humano deve ser procurada na dimensão pessoal do ser

humano. Porém, esta visão dualista histórica que tem repercussão nos movimentos

evangélicos não mostra ser apenas um discurso de movimentos pentecostais e neopentecostais.

Vale perguntar sobre as origens desse dualismo e sua tensão com o pensamento bíblico cristão

a respeito do ser humano que a Bíblia descreve – e como veio fazer parte dos discursos

pentecostais e neopentecostais – que parece valorizar a alma e espírito mais do que o corpo,

no qual este seria matéria destinada à perdição. Para Alexandre Carneiro, ao mesmo tempo

em que o corpo é desprezado ele acaba sendo também valorizado por grupos pentecostais.

O corpo-templo hospedeiro do Espírito Santo começa a ser assumido como corpo estético,

cuja beleza se põe à mostra; com isto surge uma ideia mais maleável acerca do corpo como

categoria profissional: mulheres que se confessam convertidas ao pentecostalismo são

fotografadas, o teatro secular e a televisão amoldam atores e atrizes ligados a igrejas

pentecostais surgem os atletas de Cristo (SOUZA, 2004, p.88).

Percebe-se, então, uma desvalorização do corpo e uma aproximação. Dessa

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maneira os dualismos presentes em movimentos pentecostais ganham forma e se manifestam

nos discursos religiosos em época contemporânea.

1.2 Aspectos da antropologia teológica da Comunidade Cristã Paz e Vida

Até agora, o nosso estudo abordou sobre a influência do pensamento dualista

no cristianismo. Essa maneira de ver o ser humano impactou no Ocidente Medieval e

Moderno, influenciando pensadores como Santo Agostinho e Descartes. A percepção binária

de ser humano na Europa Medieval esteve presente entre os reformadores Martinho Lutero e

João Calvino, com repercussões nos movimentos pentecostais e neopentecostais.

Esta parte da pesquisa tratará dos aspectos antropológicos da Comunidade

Cristã Paz e Vida, com o objetivo de mostrar a doutrina neopentecostal da Comunidade Cristã

Paz e Vida. Sua base doutrinária é a Escola Superior de Teologia Juanribe Plagliarin (ESTJP).

O ser humano é formado de espírito, alma e corpo (PAGLIARIN, 2011, p. 53). Parece que sua

antropologia é tricotômica. O ser humano possui partes distintas que, juntas, constituem o seu

ser. A Bíblia de Estudo Pentecostal, utilizada na Comunidade Cristã Paz e Vida, afirma que o

espírito é o componente imaterial do ser humano pelo qual se tem comunhão com Deus. A

alma, igualmente imaterial é a sede das emoções, da razão e da vontade. Pagliarin relata que

em 1981 deixou a Igreja do Evangelho Quadrangular porque não queria ser mais pastor desta

igreja ou de qualquer outra. Ele foi para Manaus e lá ficou por dois anos trabalhando como

publicitário. Passou a sonhar quase todas as noites que estava pregando para multidões e,

muitas vezes, acordava falando em línguas ou chorando. Um dia, em seu trabalho de

publicitário, veio o nome “Paz e Vida”. Desta maneira acreditou que seu ministério seria

autônomo. Vieram-lhe as palavras Comunidade Cristã e entendeu que Deus estava lhe

entregando o ministério que levaria o nome da referida igreja. Deixou Manaus, seu emprego e

com suas próprias economias, fundou a Comunidade Cristã Paz e Vida em 25/12/1982, na Av.

Rio Branco, 511, no Centro de SP (PAGLIARIN, 2011, p. 57). Mas, há uma contradição com

o que Juanribe diz e o que a revista Veja (17 de Janeiro de 2001) indica. De acordo com Paulo

Romeiro – no livro Decepcionado com a Graça, utilizado como fonte a revista Veja,1– para

comentar sua pesquisa sobre a história da Comunidade Cristã Paz e Vida,ele afirma que a

igreja foi fundada em São Paulo, em 1996, pelos irmãos Pagliarin: Rodney Ulysses Pagliarin,

1 Veja, 17 de janeiro de 2001, p. 22.

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Juanribe Pagliarin, João Misael Pagliarin e Hideraldo Pagliarin. Explica ainda que, em 2001, a

Comunidade contava com 124 templos, 120 deles na Grande São Paulo e cerca de sessenta

mil fiéis (ROMEIRO, 2013, p. 61). Percebe-se uma contradição em que ano de fato a igreja

foi fundada. Hoje a igreja conta com 138 templos, sendo que na Grande São Paulo são 77

templos. Conforme informações obtidas junto à Comunidade Cristã Paz e Vida, é impossível

gerar uma contabilidade de membros tendo em vista a alta rotatividade dos fiéis, devido aos

meios de evangelização utilizados por ela, pelos cultos feitos na sede da igreja e pelas

programações na rádio.

A Igreja conta com os seguintes ministérios: 1) Pregadores do Telhado que

recebe doações e ofertas para manter as programações da rádio; 2) Feliz FM que pertence à

comunidade; 3) O S.O.S Oração que funciona 24 horas por dia e é composto por pessoas

voluntárias chamados de Conselheiros, que doam parte do seu tempo disponível para

atenderem, conversarem e orarem para todas as pessoas que precisam de ajuda; 4) O

Ministério Gerando Vidas que é voltado para o público jovem, tendo por objetivo levar os

ensinamentos da igreja e servindo como evangelização da Comunidade Cristã Paz e Vida para

o público juvenil; 5) A TV Paz e Vida que funciona online e transmite as pregações dos

pastores da comunidade; 6) A Escola Superior de Teologia Juanribe Pagliarin (ESTJP), que é

reconhecida pela denominação como uma importante instituição de apoio teológico que leva o

seu nome. Os cultos da referida igreja são semelhantes com as demais igrejas neopentecostais,

com cantos, palmas, sessões de exorcismo e pregações alinhadas com a teologia da

prosperidade e com o discurso dualista platônico. A Bíblia merece absoluta confiança como

revelação de Deus, sendo que as dúvidas e interrogações devem-se, principalmente, à

incapacidade humana de interpretá-la. “Para entendê-la perfeitamente, devemos depender da

graça e sabedoria do mesmo Espírito Santo que inspirou os seus escritores” (Jo 16:13; I Co

2:10-14; I Jo 2:27).2 As leituras fundamentalistas e ao pé da letra têm sido as marcas de

movimentos pentecostais e neopentecostais. Talvez isso explique leituras dualistas e

fundamentalistas que são feitas por movimentos oriundos do protestantismo brasileiro. Mas,

apesar das leituras literais da Bíblia feita pela a Comunidade Cristã Paz e Vida, encontram-se

as contradições em seus discursos. Ao mesmo tempo em que as leituras devem ser

consultadas pelo Espírito, Pagliarin comenta que “Cremos que a Bíblia deve ser encarada em

seu contexto e não em versículos isolados, assim como existem muitas passagens poéticas ou

em parábolas que não devem ser tomadas ao pé da letra e sim no verdadeiro sentido

2 Disponível em: <http://www.pazevida.org.br/em-que-cremos/10-2-as-escrituras-sagradas.html>. Acesso em: 13

nov. 2016.

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espiritual.”3

A Bíblia de Estudo Pentecostal, utilizada na Comunidade Cristã Paz e Vida,

afirma que o espírito é o componente imaterial do ser humano pelo qual se tem comunhão

com Deus. A alma, igualmente imaterial é a sede das emoções, da razão e da vontade. O

corpo é a parte do ser humano que serve de abrigo para a dimensão espiritual, isto é, a alma e

espírito. A teologia neopentecostal compreende que embora os termos “alma e espírito” sejam

usados intercaladamente, persistem diferenças fundamentais em vários textos das Escrituras.

Assim, ensina conforme consta no Novo Testamento: que o ser humano é um ser tripartido,

composto de espírito, alma e corpo (1Ts 5.23).

Para a teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida o corpo do ser humano não

possui valor em si mesmo, antes seu valor consiste em ser “morada” da alma. Nas palavras de

Pagliarin: Deus colocou uma centelha no ser humano, isto é, a alma e quando o ser humano se

afasta desta centelha vai se apagando. Nesta perspectiva o corpo é desprezado e “coisificado”,

pois é entendido como instrumento, como algo que serve de transporte da alma para se

comunicar com o mundo. Como já mencionado, a compreensão do corpo como sendo

instrumento da alma é um conceito platônico e a concepção do corpo – como mera

exterioridade – é de procedência do dualismo cartesiano. Assim, se identifica as bases, que

fundamentam a antropologia pentecostal que coloca o corpo a serviço da alma,

instrumentaliza e concebe como coisa externa, distinta da identidade humana. Pagliarin, no

artigo “A morte do rico e do mendigo”, menciona a parábola do homem rico e Lázaro (Lc

16.19-31):

Tanto o Paraíso como o Hades são lugares provisórios, onde as almas aguardam o Dia do

Juízo Final, quando então os corpos dos falecidos, que jazem no pó na terra ou nas águas

dos mares, ressuscitarão para se juntarem às suas almas vivas e receberão seus destinos

definitivos: ou o lago de fogo e enxofre que é a segunda morte4.

O dualismo está presente na antropologia da comunidade cristã paz e vida, em

que o corpo é mal e somente a alma das pessoas boas terá um destino bom ao se juntarem com

as almas dos justos. Observa-se um infiltramento do pensamento dicotômico da filosofia

helênica. Pagliarin comenta que a “alma” do ser humano é lâmpada do Senhor a qual

3 Disponível em: <http://www.pazevida.org.br/em-que-cremos/10-2-as-escrituras-sagradas.html>.

Acesso em: 13 nov. 2016. 4 Disponível em: <http://www.pazevida.org.br/estudos/4825-a-morte-do-rico-e-do-mendigo.html>. Acesso em:

05 ago. 2016.

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esquadrinha todo mais intimo do ventre. Deus colocou em nós uma luz e quando nos

afastamos do caminho do divino vamos nos apagando. Para Juanribe tudo isso é devido a

nossa desobediência. Em uma leitura literal, o Presidente da Paz e Vida cita o livro de Jó

21.17. Quantas vezes se sucedem que as lâmpadas dos ímpios se apagam, isso é a “alma”.

Entendemos, aqui, um dualismo entre bons e maus: os que são separados e os que são

excluídos do plano espiritual. Para a luz continuar acesa é necessário manter o foco no

Criador que nos deu a “alma” e é Ele que pode iluminar as nossas trevas. Se temos dentro de

nós uma luz que não acende direito devemos nos apresentar a Deus, a pessoa que nos fez.

Para Pagliarin, nós somos o tabernáculo de Deus. Isso é o nosso corpo. Nesse sentido somos

um transporte para a alma e espírito. Com isso assumimos a responsabilidade para conduzir o

nosso espírito, manter a nossa lâmpada acesa, emitir luz, iluminar e deve arder continuamente

em nossas vidas. Percebe-se a presença da filosofia helênica nos discursos da Comunidade

Cristã Paz e Vida.5 Para Pagliarin tudo acontece no mundo espiritual. “Se eu estiver dentro da

Lei do Reino de Deus nenhum infortúnio poderá me aprisionar. Mas se eu estiver fora da Lei,

por menor que seja a minha transgressão, então, com justiça, serei aprisionado e serei

sucedido a doenças, sofrimentos e tormentos” (PAGLIARIN, 2014, p. 56). Apesar da visão

dualista presente no discurso da Comunidade Cristã Paz e Vida, existe também uma

aproximação de uma antropologia integrada de ser humano. Pagliarin escreve, em um artigo,

alguns esclarecimentos teológicos. Apesar de não citar fontes de autores conhecidos, nota-se

que a sua antropologia vem do seu próprio discurso:

Esclarecimentos teológicos: O ser humano, à semelhança de Deus, é uma trindade: Corpo, alma

e espírito. O corpo é este que você usa agora. Mas qual é a diferença entre alma e espírito? A

cultura popular costuma confundir a alma com espírito. Mas a alma é a vida que está no seu

corpo. Neste exato momento, enquanto você lê estas linhas, o seu coração está batendo sozinho,

sem que você o mande. Do mesmo modo, o seu pulmão está abrindo e fechando sem que você

lhe dê qualquer ordem. Isto é a alma: a vida em você! Portanto, entenda-se por alma a vida do

corpo. Quando uma pessoa morre, dizemos; sua alma foi embora. Isto é; sua vida foi embora. É

fácil entender isso quando se lê a seguinte revelação em Levítico 17:11: “A alma da carne está

no sangue.” No texto hebraico original, diz-se: “A vida da carne está no sangue.” Não é o

espírito humano que está no sangue, mas a alma a vida. Transfusões de sangue não transferem

espírito, mas vida. Fazer esta distinção é fundamental para não se confundir alma com espírito.

Porque o espírito é a pessoa, única e inigualável, com todas as suas experiências, consciências e

5 Juanribe Pagliarin Presidente da CPV. Pregação: A Alma do homem é a lâmpada do Senhor. Disponível em: <

https://www.youtube.com/watch?v=SGRrgh4PKsM&t=5 >. Acesso em: 05 ago.2016.

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personalidades: você! 6

Os dualismos estão presentes no discurso antropológico da referida igreja e, de

certa forma, uma visão integral de ser humano, mesmo que esta seja de maneira contraditória.

Encontra-se, nas palavras de Pagliarin, um dualismo exagerado, no qual a matéria não está

integrada ao corpo e também uma aproximação de uma visão integrada de ser humano. Além

do dualismo corpo e alma é possível constatar esse pensamento dualista em diversos grupos

de matriz cristã. Desta maneira, esse pensamento dualista antropológico também está presente

no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida. Observa-se uma exagerada

valorização da alma e uma desvalorização do corpo. A teologia antropológica neopentecostal

está totalmente vinculada a um pensamento tricotômico dualista. Desta forma, pode-se indicar

que o discurso da Igreja Paz e Vida tem traços platônicos, mas, ao mesmo tempo, a

valorização do corpo.

1.2.1 O corpo no culto da Comunidade Cristã Paz e Vida

Este item da nossa pesquisa abordará sobre o culto da Comunidade Cristã Paz

e Vida que possui uma euforia com cantos, manifestações corporais, palmas, choros, danças,

levantar e abaixar as mãos, entre outras. De certo modo, na doutrina oficial o corpo está

desvalorizado e limitado, enquanto que na prática litúrgica o corpo é afirmado. Com isso,

questiona-se essa contradição que vai da concepção negativa e reducionista em relação ao

corpo, até a ampla expressão corporal no momento litúrgico.

No culto da Comunidade Cristã Paz e Vida o corpo deve ocupar um papel

subalterno em relação ao espírito e alma, como consta nas suas aulas de Eclesiologia. A frieza

e a espiritualidade superficial vistas nas igrejas tradicionais que não davam liberdade às

manifestações do Espírito Santo nas vidas dos seus membros, conforme prometido por Jesus

em Marcos 16.17, fez com que o Espírito Santo de Deus – como rio de Água Viva que jorra e

corre (Jo 4.14 e 7.38-39) – transbordasse de outra maneira, pois era impossível que a sua

presença e operações ocorressem em algumas Igrejas. Quase sempre eram reprimidas e pouco

permitidas para o tanto que o Espírito Santo desejava operar, a maneira do que havia ocorrido

na Igreja Cristã Primitiva, no dia de Pentecostes, em 27 d.C., quando houve uma explosão de

6 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/artigos-do-pr-juanribe/2076-o-sofrimento-de-jesus-e-a-doutrina-

da-reencarnacao-parte-4.html >. Acesso em: 13 nov. 2016.

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poder e sinais em Israel e no mundo (PAGLIARIN, 2011, p. 55). Por ser incorpóreo,

subentende-se que ele deve ser adorado de modo não corpóreo, e sim, espiritual pelas

faculdades da alma, vivificadas e iluminadas pelo Espírito Santo. Desse modo, o corpo está

desqualificado para o culto a Deus. Somente a alma e o espírito do ser humano estão

habilitados para a adoração. Essa ideia de que a alma e espírito possuem uma relação direta

com a adoração, e o corpo um papel secundário, expressa um dualismo que contradiz a prática

litúrgica neopentecostal, em que o corpo ocupa importante papel. Sendo assim, trata-se de

algo contraditório, no mínimo. Pois no culto da Comunidade Cristã Paz e Vida há

mobilização e entusiasmo dos corpos. O culto neopentecostal é uma euforia com cantos,

manifestações corporal, palmas, choros, danças, levantar e abaixar de mãos, entre outras. O

corpo tem ganhado espaço nos cultos da Comunidade Cristã Paz e Vida pelas manifestações

de curas e danças. Esta aparente contradição possivelmente pode ser compreendida do

seguinte modo: na perspectiva neopentecostal, boa parte das expressões corporais mais

entusiasmadas dos crentes, não são atitudes meramente voluntárias do sujeito, mas

manifestações do Espírito Santo sobre os corpos, fazendo os pular, dançar, aplaudir, entre

outros. Alexandre Carneiro comenta: “Crentes pentecostais põem o corpo à mostra, fazendo

uso das tendências da moda mais ousada, passam a frequentar instituições de cuidados

corporais, descobrem a ginga, o ritmo e a dança; dá-se o encontro do corpo com o lazer, com

o esporte, com teatro” (SOUZA, 2004, p. 86).

Ações corpóreas entusiásticas podem ser observadas já no início do movimento

pentecostal. Portanto, são os neopentecostais que utilizam os meios mais exagerados de

expressões corporais pelos gestos e ritos nos cultos, mas que sempre foram compreendidas

como manifestações do Espírito Santo. Na Rua Azusa, os cultos eram longos e, de forma

geral, espontâneos. Os cultos incluíam cânticos, testemunhos dados por visitantes ou lidos

daqueles que escreviam para a missão, oração, momento de apelo para pessoas aceitarem

Cristo, apelo à santificação ou ao batismo no Espírito Santo e fervorosa pregação

(PAGLIARIN, 2011, p.55).

1.2.2 Dualismo Corpo e Alma e Cura divina na Comunidade Cristã Paz e Vida

Nesta parte, a nossa pesquisa abordará sobre a teologia antropológica da

Comunidade Cristã Paz e Vida. Além disso, o estudo mostrará que o corpo não possui valor

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em si mesmo, é apenas parte externa, é um tabernáculo perecível valorizado como algo que

perde o seu valor. Este corpo é animado pela a alma que é parte superior que deve ser

valorizada.

Pagliarin afirma: “Qualquer que seja a causa do seu sofrimento, você já está

sarado, já está sarada! Você não precisa carregar esta doença no seu corpo, na alma e no

espírito. Ele, Jesus, já levou sobre si as nossas dores e enfermidades, bem como os pecados e

sofrimentos de toda a humanidade, passada, presente e futura” (PAGLIARIN, 2014, p. 58).

A teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida e a sua concepção de

antropologia parecem valorizar mais a “alma” e “espírito” do que o corpo. A corporeidade é

um traço contundente no discurso pentecostal, o corpo como entidade maligna que promove a

doença, a pobreza e toda a sorte de privação – e inconscientemente nos cultos da Comunidade

Cristã Paz e Vida – manifesta-se por meio das danças dos ritos corporais, manifestações

milagrosas e prosperidades. Diante de Deus o corpo é mal e a busca para a purificação está na

crucificação dos desejos carnais de se alimentar do espírito para alcançar a salvação eterna. O

corpo apresenta-se primeiramente como entidade que precisa ser exorcizada. Com isso, cria-

se uma visão dualista que valoriza a alma e espírito e ignora a corporeidade e a percepção

bíblica sobre ser humano (SOUZA, 2004, p. 81-82). Pagliarin diz que, além de explicar como

estes fenômenos ocorrem, ensina como qualquer pessoa pode convocá-los sempre que

precisar, seja para superar doenças ou problemas. Aproveite esta rara oportunidade de

descobrir como você pode superar todos os desafios que surgirem e dar início a uma nova

dimensão à sua vida, repleta de realizações, saúde e sucessos! (PAGLIARIN, 2014, p. 11).

Para Pagliarin, antes de afetarem o corpo, as doenças são reflexos de um mundo “espiritual”.

As doenças físicas podem ser curadas por uma ação direta do Espírito. Até o dicionário

Aurélio, que esta a disposição de qualquer pessoa, fala sobre as doenças psicossomáticas, que

são os reflexos daquilo que está na mente, na consciência da pessoa, o que nós chamamos

também de espírito, e acabam refletindo no corpo. Quer dizer, a parte espiritual refletindo no

corpo para causar uma doença. O contrário também é verdadeiro, o espírito, a mente, o

intelecto da pessoa influindo no corpo para gerar saúde, para aquilo que ela pode crer que ela

pode colocar na mente. É o espírito que opera a cura.7Com isso mostra o dualismo platônico e

cartesiano presentes na teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida. Dessa forma as curas da

Comunidade Cristã Paz e Vida estão também ligadas ao dualismo espírito e alma: estes, como

7 Coluna de Adriana Amorim, repórter do Guia-me. Disponível em: < http://guiame.com.br/gospel/mundo-

cristao/novo-livro-de-juanribe-pagliarin-relata-casos-de-doencas-terminais-que-foram-alterados-pela-interacao-

com-o-sobrenatural-de-deus-veja-entrevista.html#.VeqAhxFViko >. Acesso em: 05 ago.2016.

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superiores ao corpo, realizam as manifestações de curas.

Em seu livro Quando não dá Mais, publicado em 2014, Pagliarin comenta que

ao fazer um serviço de publicidade, antes da fundação da Igreja, hospedou-se num hotel

luxuoso. Acordava todos os dias de manhã para trabalhar como publicitário. Olhava as

pessoas que tomavam o café da manhã e pensava: “tenho vontade de participar da mesa farta

com os outros que estão hospedados neste hotel, mas, não poderei, porque estou sem

dinheiro”. Certa ocasião pegou um táxi para fazer seus serviços de publicitário e o motorista

perguntou: Por que você não toma café da manhã com os outros? Ele respondeu: Estou sem

dinheiro! O motorista explicou que o café da manhã já está incluído na diária do hotel. Basta

você ir à mesa e se alimentar quantas vezes quiser. Em seu livro, Pagliarin explana este texto

para explicar que Jesus – sendo rico – já pagou todas as nossas despesas. Com isso só temos

que aproveitar. Nesse sentido, ele tenta mostrar que as doenças e sofrimentos já estão curados.

Temos apenas que tomar posse da cura divina, que já está providenciada. Mais uma vez

encontram-se contradições no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida, em que o

corpo é um mero instrumento da alma, mas pode ser curado e valorizado pela cura. Ele

comenta: “Mas é justamente isso que ocorre com as pessoas que sofrem: deixa de aproveitar

uma vida plena e transbordante, com perfeita saúde, amor, paz, prosperidade, felicidade, bem-

estar, realização pessoal e profissional” (PAGLIARIN, 2014, p. 52). Desta forma ele diz que

tal pessoas desconhecem a abrangência da “conta” que Jesus já pagou para todos nós, na cruz

do Calvário. Pagliarin destaca:

Tudo o que você precisa já foi pago por Ele e está incluído no preço: “Sabendo que não foi

com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de

viver que, por tradição, recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo,

como de um cordeiro imaculado e incontaminado” (I Pedro 1:18). Tudo o que você precisa

fazer é tomar posse deste direito! Faça um pacote de todas as suas dores, enfermidades,

desilusões, sonhos desfeitos, amarguras, transgressões e iniquidades e tudo mais que

infelicita a sua vida e entregue para Jesus (PAGLIARIN, 2014, p. 59).

Para a Comunidade Cristã Paz e Vida, a realização completa da vida é a

participação nas bênçãos e prosperidade: basta fazer e se submeter ao sobrenatural que tudo

vai correr bem para quem busca essa vida plena. Percebe-se uma desvalorização das dores e

sofrimentos que são causados pelo nosso corpo frágil e suscetível às ambiguidades da vida.

Cria-se uma ilusão de que tudo vai correr bem, basta tomar posse. Há uma desvalorização do

corpo negando as doenças causadas pelas limitações e, ao mesmo tempo, uma valorização na

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busca da prosperidade e realização pessoal. Pagliarin narra a história de uma senhora chamada

Maria da Glória que não se sentia bem e parecia que tudo estava errado. Os filhos olham para

ela que andava desequilibrada, com o corpo tombando para a esquerda. As mãos tremiam.

Sentia vertigem. Tentou falar e a língua pulou soltamente, levaram-na ao hospital e os

médicos disseram que ela estava com um tumor no cérebro e precisava operar. Em janeiro ela

voltou para repetir os exames. Habituado a remover tumores por cirurgia, o neurocirurgião

vigilantemente olhou os exames, emocionou-se a ponto de dizer: “Eu nunca vi uma coisa

dessas, você teve muita sorte. O seu tumor foi totalmente curado! Maria da Glória retrucou

com o médico, não foi sorte” (PAGLIARIN, 2014, p. 22-23). Para Pagliarin, toda

manifestação do mal físico está ligada a falta de fé. Ele comenta:

Sua fé extraordinária lhe permitia obter qualquer coisa que quisesse. Ele nem precisava orar.

Bastava mandar e pronto: mares enfurecidos eram acalmados; paralíticos saltavam de

alegria; mudos cantavam; carnes leprosas tornavam-se iguais às de recém-nascidos; cegos

passavam a enxergar como águias; espíritos maus fugiam apavorados e mortos eram

ressuscitados instantaneamente, ainda que seus corpos já estivessem putrefeitos

(PAGLIARIN, 2014, p. 159-160).

Segundo Pagliarin, a união entre Deus e o ser humano só se faz na obediência,

caso contrário esse receberá sua recompensa, ou seja, sua exclusão.

Cremos que Deus, por ser amoroso, não quer a morte do ímpio, pois Ele mesmo declara:

“vivo Eu, Yhvh, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta

do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por

que razão morrereis?” (Ez 33:11). Deus é claro na Sua palavra: quem não se converter

receberá o dano da Segunda Morte, que é estar separado de Deus definitivamente. Neste

castigo, que Deus preparou para os maus, o “bicho não morre e o fogo nunca se apaga” (Mc

9:43-44). Neste local de choro, amargura, trevas, ranger dos dentes, e tardio arrependimento,

ficarão os tímidos, fornicários, descrentes, abomináveis, criminosos, feiticeiros, os que em

vida consultavam os mortos, os idólatras, mentirosos e os que rejeitaram e desprezaram o

amor e o sacrifício de um Salvador banhado em sangue, apesar de todas as oportunidades

que Deus lhes concedeu para que pudessem se arrepender (Mt 13:41-42). Neste local,

primeiramente preparado para o diabo e seus anjos caídos, também serão lançados todos

aqueles que não foram achados escritos no Livro da Vida (Ap 20:10,15).8

8 Disponível em: < http://pazevida.org.br/em-que-cremos/32-24-o-tormento-eterno.html >. Acesso em: 14 out.

2016.

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Para Pagliarin, nós somos separados e não temos um vínculo com o mundo:

Dá-se o nome de igreja visível ao grupo de pessoas chamadas membros (I Co12:12-27),

unidas na mesma fé em Cristo Jesus, devidamente batizadas nas Águas e compromissadas e

fiéis à Obra do Senhor, separadas do mundo (santos: At 9:32, Rm 15:25) pelo recebimento

de Jesus Cristo como Único, Suficiente, Exclusivo e Eterno Senhor e Salvador (Jo 1:12)

(PAGLIARIN, 2011, p. 55).

De acordo com Pagliarin, a partir do momento em que você pede algo com fé,

pela liberação da palavra, passa a esperar com certeza de que vai dar certo. Aquilo que você

pediu, a força gerada por sua convicção faz o mundo “espiritual” se mexer e a consequência é

a materialização de seu pedido. É preciso esperar. 9 Com isso, percebe-se um dualismo

exagerado, uma contradição e, ao mesmo tempo, uma negação com o corpo e por outro lado

uma valorização, devido às curas divinas e manifestações com cantos e palmas nos cultos da

Comunidade Cristã Paz e Vida. Em seu livro, Pagliarin comenta que toda manifestação das

más doenças, sofrimentos e frustrações estão relacionadas com a falta de comprometimento

com o divino. Desta forma temos que ser obedientes para a realização de toda boa sorte que

venha ocorrer em nossas vidas:

Este livro além de explicar como estes fenômenos ocorrem, ensina como qualquer pessoa

pode provocá-los sempre que precisar, seja para superar doenças ou problemas. Aproveite

esta rara oportunidade de descobrir como você pode superar todos os desafios que surgirem

e dar início a uma nova dimensão à sua vida, repleta de realizações, saúde e sucessos!

(PAGLIARIN, 2014, p. 11).

Nesse sentido, existe um dualismo carregado no discurso religioso da Comunidade

Cristã Paz e Vida, em que o místico e o sobrenatural respondem as necessidades da existência,

contrariando a visão de ser humano integrado em que o ser é um todo em seu conjunto.

1.2.3 Imortalidade da alma na Comunidade Cristã Paz e Vida

Neste item, o nosso estudo tratará sobre a imortalidade da “alma”. De acordo

com a Comunidade Cristã Paz e Vida, toda pessoa tem uma “alma” e ela não morre; suportará

9 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/estudos/4256-tende-fe.html >. Acesso em: 05 ago.2016.

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a morte do corpo físico, porque é indestrutível e não pode deixar de existir porque é eterna e

continuará viva. Terá um destino após a morte, ou seja, para o divino paraíso. Tudo vai

depender de como o ser humano viveu sua vida na terra, mas, se a pessoa viveu uma vida

errada ela se perderá e será transportada para o hades. E os corpos das pessoas boas – que

ressuscitaram – encontrarão com as almas boas. Para a Comunidade Cristã Paz e Vida, o

corpo é perecível, mas, a “alma”, o “espírito” é imortal. O que a pessoa faz na terra vai

determinar o destino da alma. Os maus – os ímpios que rejeitam a salvação – serão lançados

fora do divino e estarão no tormento eterno. Segundo Pagliarin, tudo dependerá do sacrifício

feito pelas pessoas. Os seres humanos que negaram seus desejos e sentimentos estarão com o

divino. Porém, as pessoas que viveram de acordo com os seus desejos perderam a imagem e

semelhança de Deus e serão lançadas fora do divino. 10 Para a Comunidade Cristã Paz e Vida

a manifestação explícita do pecado é a “separação de Deus, sem exceção, e em qualquer nível:

o querubim pecador foi expulso do Céu, o ser humano pecador foi expulso do Paraíso, o povo

pecador afastado da Presença do Senhor. E isto provoca dor, vazio e sofrimento na

alma.”11Nesse sentido não se trata de pecado, mas, uma transformação para um novo sentido

de vida: ao deixar sua maneira antiga de viver transforma-se em uma nova vida e relaciona-se

de maneira concreta com o mundo criado.

A vida tem quer ser vivida de acordo com o espírito e não como os desejos

carnais. A imortalidade da alma, presente no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e

Vida, tem origens e traços Platônicos. Para o gnosticismo, o mundo e a matéria seriam

destituídos do mundo das ideias, enquanto as almas das pessoas boas seriam recolhidas e

direcionadas para o divino. Como mencionado anteriormente, dois são os destinos das almas.

A teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida afirma que os maus têm um destino certo:

herdarão um lugar de tormento, enquanto os bons estarão nos braços divinos. Com isso,

entende-se que a antropologia da Comunidade Cristã Paz e vida é dualista e não corresponde a

unidade do corpo. É possível perceber uma teologia grega com um discurso metafísico

defendido por Platão. A alma e o espírito não são um aspecto do ser humano, mas, um aspecto

da vida do corpo. O ser se torna integral e não uma mera divisão como queria a filosofia

helênica. Pagliarin comenta:

O Hades é o lugar de tormento para onde vão os ímpios e todos os que se esquecem de

Deus: “Os ímpios irão para o Seol, sim, todas as gentes que se esquecem de Deus” (Salmo

10 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=hKVO63BlQIQ >. Acesso em:17 maio 2016. 11 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/estudos/2262-na-sua-opiniao-o-que-e-pecado.html >.Acesso em:

13 nov. 2016.

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9:17). Seol é a palavra hebraica equivalente à grega Hades. O Paraíso é um lugar de delícias

e descanso, para onde vão os justificados, no mesmo dia em que morrem. Ao ladrão

arrependido que morria ao seu lado, Jesus prometeu: “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso”

(Lc23:43). Portanto, nenhum espírito de defunto ficará dormindo até o Juízo ou

perambulando aqui na Terra. Tanto o Paraíso como o Hades são lugares provisórios, onde

os espíritos aguardam o Dia do Juízo Final.12

A visão da Comunidade Cristã Paz e Vida é metafísica e binária. Pagliarin

explica que a união da alma e do corpo não é eterna, mas, chega uma época em que ela se

rompe. Ele usa a Bíblia e responde o que acontecerá tanto com o corpo e o espírito humano

após a morte. Tanto os bons e maus serão julgados e cada um vai para o destino que escolheu.

A tentativa dualista da Comunidade Cristã Paz e Vida é uma maneira de recorrer aos

ensinamentos da cultura grega, em que há uma imortalidade da alma. Juanribe explica:“Antes

das Bodas do Cordeiro, nas nuvens do Céu e em oculto, se dará o Tribunal de Cristo, onde os

salvos receberão ou não suas recompensas pelo trabalho prestado aqui na Terra, ou açoites,

conforme o conhecimento que o “servo” tinha da vontade do Senhor e não a fez” (Lc12:47).13

Percebe-se uma separação entre corpo e terra, o que contraria a visão unitária em que não há

uma repartição. Para Pagliarian, existe um dualismo no qual terra e corpo não se

correspondem. É pela busca gnóstica que o ser humano encontrará um destino: as almas dos

bons serão salvas e a dos maus serão perdidas. Myer Pearlman lembra: “os justos são

destinados à vida eterna na presença de Deus. Desta maneira Deus criou o ser humano para

conhecê-lo neste mundo, como também gozar eternamente de sua presença no mundo

vindouro” (PEARLMAN, 2006, p. 377). Pagliarin escreve sobre as duas portas: uma que leva

a salvação, ou seja, uma que nos conduz à imortalidade da “alma” e “espírito” e outra que nos

leva para a perdição. Juanribe explica:

Os caminhos criados pela imaginação humana são frequentados pela maioria e levam

diretamente a uma porta larga e convidativa, com néons coloridos que acendem e apagam,

cartazes chamativos e muitas pessoas que parecem felizes. A porta é muito atraente. Quem

fica diante dela imagina que, lá dentro, há muita vida. Mas, todos os que entram pela porta

larga, encontram a morte. 14

12 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/estudos/2263-podem-os-mortos-se-comunicar-com-os-vivos-

.html >. Acesso em: 05 ago.2016. 13 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/estudos/4431-a-parabola-das-dez-virgens.html >. Acesso em: 05

ago.2016. 14 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/estudos/2291-as-duas-portas-e-os-dois-caminhos.html >. Acesso

em: 06 ago.2016.

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A Comunidade Cristã Paz e Vida, liderada por Juanribe Pagliarin, mostra em

sua antropologia uma dicotomia que valoriza muito mais a imortalidade da “alma” do que

um ser humano integral. Para Pagliarin, o inferno deposita muito dinheiro para que não

creia no único nome capaz de dar vida eterna à humanidade: e que em seu Nome se

anunciasse o arrependimento para a remissão dos pecados, a todos os povos. Não houve,

entre todas as nações, outro nome que produz perdão dos pecados e salvação,

simplesmente porque ninguém mais viveu neste mundo sem pecado, morreu pelos

pecadores e ressuscitou. “Ele é o único que venceu a morte e está vivo pelos séculos dos

séculos. Por isso, pode garantir a vida eterna a todos os que Nele creem”!15 Para o escritor

pentecostal Severino Pedro da Silva:

A imortalidade natural sem ser aquela inerente a Deus é uma propriedade em virtude da

qual um ser não pode morrer. Tal é a imortalidade da alma humana. Chama-se natural, para

distinguir da imortalidade possuída por Deus em grau supremo e no sentido próprio:

“Aquele que tem, Ele só, a imortalidade” (1Tm 6.16ª).Na imortalidade simples existem três

condições, a saber: A. Que a alma existe ou continua a existir após a dissolução do

composto humano. B. Que nesta sobrevivência, a alma conserve sua individualidade e

permaneça, por conseguinte, consciente de si mesma e de sua identidade e superego. C.

Que a sobrevivência seja ilimitada. Já no conceito de Plotino filósofo – (205-270),

especialmente na filosofia panteísta emanatista, o divino tem três termos: O ser em si, a

inteligência, e enfim, a alma, que segundo Plotino, deriva da inteligência como inteligência

deriva do ser. As almas individuais são parcelas da alma universal, dizia Plotino (SILVA,

2004, p. 109-110).

A visão dualista de Pagliarin mistura-se com a visão dicotômica grega, com

ênfase a manifestações sobrenaturais e binárias sobre o ser humano em uma concepção

metafísica. Para Pagliarin, temos uma “alma” e essa não pertence a nós e, sim, ao divino. Não

podemos viver no mundo da maneira que queremos, mas, da maneira que leva a salvação da

“alma”. Tudo vai depender de que forma vivemos na terra, senão corremos o risco de perder a

“alma”. Numa leitura literal de Provérbios 15.32, feita pela Bíblia pentecostal da Comunidade

Cristã Paz e Vida, Juanribe Pagliarin comenta que não temos o direito de desprezar a lâmpada,

que é a nossa parte interior. Temos que trilhar o caminho da salvação. Para Juanribe, há seres

humanos pecadores e outros santos, criando uma acepção entre salvação e perdição. A “alma”

15 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/estudos/2264-5-provas-da-ressurreicao-de-jesus.html >. Acesso

em: 06 ago.20016.

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que pecar morrerá e prestará contas. Ele comenta que quanto mais uma pessoa peca, mais a

“alma” fica doente e fraca. Desta maneira temos que alimentá-la para irmos direto ao divino,

porque a ele pertence todas as “almas” do mundo. Pagliarin explica que é necessário analisar

como está a nossa “alma”, para refletirmos e buscarmos a cura divina. O líder da Comunidade

Cristã Paz e Vida afirma que a “alma” está sofrendo e devemos buscar a cura para não

sofrermos a perdição eterna. A única maneira de sermos abençoados é ouvir a repreensão de

Deus e nos humilharmos para não desprezar a “alma” que temos. Para Pagliarin, temos que

entregar a Deus aquilo que lhe pertence porque Ele nos emprestou a alma e um dia teremos

que devolvê-la. Não podemos fazer o que bem queremos, mas, buscar sempre a orientação do

divino, para levar a nossa “alma” ao paraíso eterno. Pagliarin diz que nós cuidamos do corpo,

damos tanta atenção a este tabernáculo, porém, este corpo vai nos deixar, a alma, não. Ela

existe e, na morte, é a única que se salvará.16 Encontramos aqui um dualismo Platônico, no

qual o corpo é um cárcere para a “alma” e esta necessita de libertação. Observamos, nos

discursos da Comunidade Cristã Paz e Vida, um dualismo típico da dicotomia de ser humano

com uma visão metafísica Platônica. As novas tendências dualísticas têm espiritualizado as

dimensões do “eu”, com a criação de um dualismo presente que separa a matéria e o espiritual.

Assim, surge uma tensão entre elas: o platonismo presente nessas novas tendências

espiritualistas tende a valorizar muito mais a alma e o espírito do que a matéria, esta como

mal e temporária. O corpo humano sendo desvalorizado como coisa e não como pertencente a

toda a matéria. O fato é que o cristão não pode ser materialista e, ao mesmo tempo,

espiritualista. Se é que com estes dois termos se afirma que espírito e matéria não designam

regiões particulares e justapostas da realidade total, mas, momentos diversos, na sua essência

e referidos um ao outro, constitutivos da realidade, seja onde e como for que esta se encontre.

Assim, a unidade do ser humano não anula a espiritualidade e a materialidade, mas, juntas,

constitui uma unidade. A dimensão corpórea e a dimensão espiritual designam o ser humano

na sua totalidade, embora não de maneira monística, pois apontam para aspectos diversos da

realidade unitária que é o ser humano concreto. Trata-se de dimensões essenciais do ser

humano integralmente considerado que se inter-relacionam, não mediante uma relação de

oposição e exclusão. A concretude do cosmo e a sua relação com o ser humano na sua

humanidade não tem sido aceita pelo dualismo platônico. Este, de maneira espiritualista, retira

a manifestação concreta das atitudes humanas em relação ao mundo para uma metafísica além

do materialismo.

16 Pregação: A alma desprezada – Pr. Juanribe Pagliarin. Disponível em: <

https://www.youtube.com/watch?v=8MvUveh2PDU >. Acesso em: 06 ago. 2016.

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A filosofia helênica, com tendências espiritualistas, tem feito de ambientes

pentecostais e neopentecostais uma realidade que foge da concretude da vida presente para

uma vida futura, negando a unidade do ser humano para uma justificação da alma e do

espírito. Esta realidade presente hoje na vida dos crentes influencia muitas pessoas a pensar

em dualismo e reducionismo, negando sua própria concretude na história. O ser humano é

sempre um espírito e corpo; um espírito sozinho, sem o corpo , não pode ser um ser humano.

O ser humano é corpóreo e espiritual, mas, experimenta esta dualidade. Assim, o ser humano

é imagem e semelhança de Deus não só na alma, mas, também, no corpo. Nos discursos

neopentecostais percebe-se a valorização da alma. Evidentemente, como Imagem de Deus, a

exterioridade do corpo é desprezada e desvalorizada em determinados grupos evangélicos,

levando, assim, ao reducionismo antropológico do ser humano como Imagem e Semelhança

de Deus. “Certamente o corpo é valorizado, diretamente contra o desprezo gnóstico pelo

mesmo, embora já se fale da alma imperecedoura. Em todos estes apologistas prevalece

indubitavelmente a visão unitária de ser humano apesar de que o instrumental é já helênico”

(GARCIA RUBIO, 1989, p. 270).

Considerações finais

Neste primeiro capítulo, o nosso objetivo foi apresentar o dualismo

antropológico presente nas comunidades cristãs e como este pensamento dicotômico

influenciou essas comunidades no decorrer da história, inclusive na Patrística Ocidental e a

concepção de valorização da “alma” e desprezo pelo corpo. Destacamos dois pontos. No

primeiro ,indicamos como a Idade Média foi impactada por esse pensamento filosófico

ganhando força e simpatia. A percepção cristã da filosofia grega foi interpretada pelos Pais da

igreja: Santo Agostinho e Clemente de Alexandria. Desta maneira, o problema antropológico

se instalava nos círculos cristãos. Mostramos que não foi um problema somente das primeiras

comunidades e nem da Patrística e Idade Média, mas, que perdurou na modernidade com um

modelo dualista Cartesiano. Os reformadores Martinho Lutero e João Calvino foram

influenciados por escritos da Europa Medieval de Santo Agostinho.

O nosso estudo também demonstrou que o dualismo antropológico entre o

pentecostalismo tem traços dicotômicos em sua maneira de pensar. As influências da Europa

Medieval repercutiram sobre os movimentos pentecostais e neopentecostais.

No segundo, comentamos sobre os aspectos antropológicos da Comunidade

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Cristã Paz e Vida e seu discurso. De certa maneira, há uma afirmação do corpo, contradizendo

o reducionismo antropológico e tendo em suas práticas litúrgicas manifestações corporais,

como curas, danças, levantar e abaixar as mãos, entre outras. O próximo passo de nossa

análise mostrará que a percepção bíblica sobre o ser humano é unitária. Abordaremos sobre o

humano integrado na visão de Alfonso Garcia Rubio e a sua contribuição antropológica.

Trabalharemos, também, com o corpo como unidade da pessoa humana; questões

antropológicas e, por fim, a superação do dualismo corpo e alma.

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CAPÍTULO II

A CONCEPÇÃO DE HUMANO INTEGRADO

Neste capítulo, discutiremos a visão bíblica sobre o ser humano integrado.

Mostraremos que as narrativas bíblicas não apontam para a dualidade de corpo e espírito –

como os gnósticos apresentam na perspectiva filosófica e ontológica – mas, uma concepção

de várias culturas em que a vida do ser humano é manifestada. De modo geral, a Bíblia indica

uma visão integrada do ser humano, não de forma sistemática, mas, de maneira concreta e

integral.

A Bíblia pressupõe uma visão unitária ser humano (GARCIA RUBIO, 1989,

p. 259) e de forma alguma essa maneira de pensar entra em conflito com o pensamento cristão.

A maneira de olhar para o Ser dualisticamente é oriunda da filosofia grega e não dialoga com

a maneira que as Escrituras apresentam. De modo geral, a percepção semita apresenta uma

visão unitária de ser humano, que provem de várias culturas e povos primitivos. A concepção

e a realidade de Ser humano será sempre unitária e não dualista. Com essa maneira de olhar a

visão integrada do ser humano, mostraremos, de maneira sintética, o que a Bíblia apresenta a

respeito da concepção de humano integrado.

A base teórica de nossas análises será o pensamento de Alfonso Garcia Rubio.

Também, em diálogo e sintonia com ele, recorremos a autores cuja visão antropológica é

igualmente integral, como José Comblin, Hans Wolff e outros.

2.1 A integralidade do humano na antropologia bíblica

Esta parte da nossa pesquisa abordará sobre a integralidade do humano na

antropologia bíblica. De acordo com a Bíblia, a concepção de ser humano é uma unidade e de

forma alguma essa maneira de pensar entra em contradições com o pensamento cristão. A

maneira de olhar para o ser humano separadamente ou dualisticamente é oriunda da filosofia

helênica e não dialoga com a maneira que as Escrituras apresentam. De forma geral, a Bíblia

apresenta uma visão integrada, narrativa e proveniente de várias culturas. Os semitas e outros

povos primitivos olhavam a realidade de maneira sintética. Embora reconheça o ser humano

de várias dimensões, a concepção será sempre unitária do ser humano e não uma visão

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dualista (GARCIA RUBIO, 1989, p. 259). Para o autor, a maneira que o Antigo Testamento

narra sobre os temas alma, espírito não se trata de uma divisão e, sim, uma unidade. Por

exemplo, a palavra nefesh tem sido traduzida por muito estudiosos como “alma”. Só que essa

maneira de tradução no mundo grego não tem o mesmo significado que nefesh. Com isso,

muitas leituras dicotômicas da Bíblia originam-se em traduções inexatas. De maneira mais

detalhada mostraremos esta percepção integrada de ser humano nos próximos capítulos.

Wolff, em seu estudo sobre Antropologia do Antigo Testamento, a palavra

nefesh designa a “garganta”, necessária para alimentação e a respiração. Também pode

significar o pescoço, a parte exterior da garganta. Mas, os dois significados vão traduzir o ser

humano como inteiro e não partes distintas uma das outras. Wolff explica que nefesh pode ser

traduzido por “alma” e pode ser traduzido, também, por sentimentos sempre ligados ao

emocional. Com isso entende o significado por “vida” (traduzido no Antigo Testamento), mas,

vida no sentido concreto, o ser humano se tornando um ser vivente. Trata-se do ser humano

inteiro como um ser à procura de sua sobrevivência. Assim, conclui-se que nefesh e “alma”

não são termos que possam ser intercambiados (GARCIA RUBIO, 1989, p. 260). Para Wolff,

ainda existe uma dificuldade da tradução do termo nefesh para a filosofia helênica.

Via de regra, as versões tradicionais da Bíblia traduzem por “alma” uma

palavra fundamental da antropologia veterotestamentária: nefesh. Como no francês, ame, e no

inglês, soul, elas lançam mão da tradução mais frequente de, por yuch (psyché) na Bíblia

grega e na latina aparece 755 vezes no Antigo Testamento; a septuaginta traduz seiscentas

vezes por yuch. Esta diferença estatística mostra que a significação diversa da palavra, em

vários lugares, já chamou a atenção dos antigos. Hoje, é possível concluir que em muitas

poucas passagens a tradução dessas palavras por “alma” corresponde ao significado de nefesh

(WOLFF, 2007, p. 33).

Em sua riqueza de estudos no campo da linguística, Wolff comenta que no

termo hebraico para nefesh há vários significados, por exemplo: garganta, no qual o autor

designa a “vida” do ser humano, fome, sede e respiração (WOLFF, 2007, p. 36). Para o autor,

o pescoço traduz o ser humano como necessitado em busca da sua sobrevivência, enquanto

garganta diz respeito à vida e sua necessidade. O desejo do ser humano é expresso para dignar

o anseio em conquistar as coisas (WOLFF, 2007, p. 43-44). A alma é semelhante ao desejo e

sede das emoções (WOLFF, 2007, p. 44). Outro termo utilizado por Wolff é basar. Esta

palavra hebraica pode significar carne de animais ou do ser humano e, também, pode

significar o ser humano em sua integralidade (WOLFF, 2007, p. 57). Para Wolff, todos esses

apontamentos indicam o ser humano integral, ou seja, para sua unidade e não para o dualismo

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antropológico da filosofia helênica. A visão unitária de ser humano no Antigo Testamento

manifesta-se de maneira evidente, diferentemente das representações dualistas antropológicas.

Seus conceitos apresentam-se de tal maneira que as realidades são sempre concretas e

representativas. Por isso, não cabe buscar uma explicação bíblica para ser humano, “corpo”,

“alma”. Garcia Rubio mostra que decerto não se encontra na Sagrada Escritura, uma

elaboração sistemática sobre a visão unitária ou dualista de ser humano. As indicações

bíblicas a respeito de ser humano são expressas com a utilização de instrumentos narrativos e

conceituais provenientes de várias culturas. É verdade que, globalmente considerada, a

Sagrada Escritura pressupõe uma visão unitária de ser humano (GARCIA RUBIO, 1989, p.

259). A teologia do Antigo Testamento apresenta a criação e formação do ser humano: por

um lado, parte do mundo material, enquanto, por outro, transcende a realidade material e

animal precisamente porque é criado à Imagem e Semelhança de Deus. “O fato de pertencer

ao mundo material não é um mal para o ser humano, mas simplesmente a sua condição natural”

(GARCIA RUBIO, 1989, p. 275). O ser humano pertence ao mundo físico, mas, não se define

só pelo espírito (espiritualismo) e nem só pela matéria (materialismo). O ser humano é

espírito e matéria. Portanto, há uma unidade do ser humano junto às coisas criadas, porém,

esta dualidade real não deve levar a uma ruptura-separação entre espírito e matéria. Não deve

ser colocada numa tensão de dúvidas que na tradição cristã, aculturada no mundo helênico, a

dualidade foi muito bem ressaltada. Pela tradição judaico-cristã há unidade fundamental do

ser humano. Na tradição helênica, o perigo de separar dualisticamente espírito e matéria. Para

Schmidt:

Tendências dualistas parecem ter sido intensificadas em Israel através da influência da

religião persa. Esta explica o mundo a partir do confronto entre o bem e o mal, mais tarde

representado pelo conflito entre Ormazd ou Ahura Mazda, o criador do bem, e o espírito do

mal, Ahriman. Os israelitas da época pós-exílica foram súditos persas, tanto na pátria

palestinense quanto no estrangeiro, durante dois séculos, de Ciro até Alexandre, o Grande.

Assim, contados com a religião iraniana são bem possíveis. Conceitos surgidos do período

tardio do AT, como reino de Deus, ressurreição, juízo mundial e angelogia, são familiares à

religião persa. Porém, é difícil definir a idade precisa das concepções iranianas. Também

não há como demonstrar, de modo inequívoco, que o ideário do AT dependa delas. Em

todo caso, há certas semelhanças, talvez estímulos, e talvez também a adoção de

determinados motivos isolados (SCHMIDT, 2004, p. 454).

“Para o AT, o ser humano é uma unidade, não uma alma imortal num transitório”

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(SCHMIDT, 2004, p.460). Já a antropologia helenista ganha força nas comunidades cristãs,

influenciando com a sua mensagem dualista.

A visão bíblica, presente hoje nos movimentos evangélicos, permanece fiel a

tradição filosófica platônica e neoplatônica: a separação do corpo com as coisas criadas. A

matéria e o espírito e alma têm criado barreiras na unidade que o Antigo e o Novo

Testamentos apontam. Verifica-se que no Antigo Testamento, a palavra nefesh, de certa

maneira, tem sido traduzida normalmente por “alma”. Portanto, o termo “alma” no mundo

ocidental, a começar pela filosofia helênica raramente significa a mesma coisa que nefesh.

Muitas leituras dualistas da Sagrada Escritura originam-se em tradução inexatas (GARCIA

RUBIO, 1989, p. 259-260). A maneira que o Antigo Testamento descreve o ser humano é no

sentido integrado e não dualista, como já mencionado em capítulos anteriores neste estudo. É

possível entender que os dualismos são trazidos por culturas gregas, semitas e egípcias.

Schmidt comenta:

A ideia de uma vida após a morte, na época do AT, não era impossível. A religião egípcia

era dominada fortemente pela esperança de um julgamento no além, e há um extenso

acervo de ditos destinados ao morto (textos de pirâmides e túmulos, o Livro dos Mortos).

Enquanto os egípcios esperavam uma participação do rei e, mais tarde, de cada pessoa no

destino de Osíris, não se pode comprovar, na Mesopotâmia nem na Síria e Palestina, uma fé

na ressurreição, mesmo que não faltem concepções sobre o além Gilgamesch, Inana-Ishtar,

Tamuz. O retorno do Deus morto por exemplo de Baal à terra não foi equiparada ao destino

da pessoa. Se de fato houve influência estrangeira no surgimento da esperança na

ressurreição dos mortos no AT tardio, então elas devem ser procuradas no zoroastrismo

(SCHMIDT, 2004, p. 457).

De acordo com Ildo Bohn Gass, os povos persas foram os primeiros a elaborar

uma espiritualidade dualista (558-330 a.C.). Eles adotaram a doutrina de Zoroastro, versão

grega de Zaratustra, que era do Irã no século 12 a.C. Seu discurso estava centrado na eterna

guerra cósmica entre o bem e o mal (Ahura Mazda), de um lado, e, de outro o mal (Angra

Mayniu). Neste duelo o bem seria vitorioso e o mal condenado juntamente com Angra

Mayniu (BOHN, 2013, p. 27). Os persas acreditavam que o mal era vindo de forças externas

como as desgraças, doenças, epidemias e demônios, da mesma forma como fariam os

israelitas mais tarde. Percebe-se que outra cultura foi determinante para uma visão dualista de

ser humano. Além disso, interpretações errôneas se estenderam em toda a história do

cristianismo, com impactos nos movimentos pentecostais e neopentecostais. Schmidt salienta:

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O AT compreende o ser humano “holisticamente” e não o separa entre corpo mortal e alma

imortal, ou entre corpo e espírito. Conceitos antropológicos, como “carne” ou “corpo”,

“coração” ou “alma”, significam menos uma parte do ser humano do que um aspecto ou

uma dimensão do ser humano significam, em certo sentido, o próprio ser humano (Sl42):

“Por que estás tão intranquila, alma minha” ou seja “meu eu”? (SCHMIDT, 2004, p. 485).

O Antigo Testamento não separa o ser humano em partes, mas, juntas, formam

uma unidade. A visão integradora do ser humano tem sua origem no mundo cultural semita,

que, como já sabemos, é o mundo no qual a Bíblia foi sendo elaborada e escrita. Desta forma,

entendemos que o ser humano é um ser integral. Wolff afirma:

Para o Antigo Testamento, muito mais importante do que a "cabeça" é a "face" do ser

humano que sempre se denomina com um plural, lembrando o múltiplo voltar-se do ser

humano para seu interlocutor; o que acontece se reflete nos traços do rosto (Gn 4.5); apenas

pela expressão do rosto se pode falar ao parceiro (Gn 31.2,5). Na "face", que constitui os

"atos de voltar-se" do ser humano, estão reunidos seus órgãos de comunicação, entre os

quais os olhos, a boca e os ouvidos são os principais. Não estaremos justamente aqui, entre

todos os órgãos e membros, nos aproximando daquilo que constitui a essência do ser

humano e o distingue de todas as outras criaturas? (WOLFF, 2007, p. 131).

Para Wolff, o ser humano não é uma parte distinta uma da outra, mas,

entrelaçada entre membros, entendendo o ser como um todo. O que ele propõe, no seu estudo

de Antropologia no Antigo Testamento é: “a partir do campo da linguística, sublinha a riqueza

de significações do termo nefesh: primeiramente, designa a “garganta” necessária para a

ingestão de alimentos e para a respiração”. Desta maneira pode também significar o “pescoço”

e a parte exterior da garganta. “Nestas duas significações, todavia, estaria presente o ser

humano inteiro, precisamente como ameaçado e necessitado de auxílio, de tal maneira que o

desejo” (GARCIA RUBIO, p. 260), insatisfeito ou anelo do ser humano pode passar a ocupar

o primeiro da significação de nefesh. Wolff explica que nefesh pode ser entendido muitas

vezes por “alma” ou sentimento ou sede dos desejos ou no âmbito emocional. Assim,

entendemos a passagem do significado de “vida” presente do Antigo Testamento. Nesse

sentido, a palavra vida em sua concretude no relacionamento do ser humano com o cosmo

criado. “Rûah, outro termo básico na antropologia do Antigo Testamento, apresenta

igualmente pluralidade de significações: primeiramente é usado para designar o vento,

normalmente vento forte a serviço do desígnio. Garcia Rubio comenta:

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Quando aplicado ao ser humano o termo hebraico rûah significa “respiração”, a força vital

do homem; com bastante frequência é referido a Iahweh para significar a sua força criadora

que, comunica ao homem, confere-lhe dons e talentos diversos, concedidos para que este

possa superar a importância e a fraqueza própria do basar, realizando, assim, tarefas

especiais a serviço do desígnio salvífico de Iahweh; com arûah descrevem-se também

sentimentos, disposições e estado do coração humano e, mais especificamente, a força e a

energia da vontade, em conexão com a ação e a força que vêm de Iahweh (GARCIA

RUBIO, 1989, p. 260-261).

Notamos que arûah não diz respeito de uma parte do ser humano, mas o ser

humano inteiro com toda a sua dimensão integradora e sua relação de abertura a Iahweh.

Outro termo do Antigo Testamento é a palavra leb ou lebab, traduzida em português por

coração. “Também aqui a tradução não parece corresponder à riqueza de significados do

termo hebraico. Certamente designa o órgão central do corpo humano que comanda a

mobilidade de todos os membros” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 261). Para Zilles “Leb ou

coração, pois, segundo o pensamento semítico, o coração é a sede da razão. Com o termo leb

designa-se, pois, muito mais intelecção, conhecimento e capacidade de discernimento”

(ZILLES, 2011, p. 124). E por muitas vezes quer dizer estado de espírito como alegria e

tristeza. Quando o hebreu fala de corporeidade está falando de ser humano em um todo, não

uma parte separada do corpo. É possível concluir que o ser humano, de todas as terminologias

usadas até aqui, corresponde sempre à unidade do ser humano no Antigo Testamento. Para

Emil Brunner:

É um fato bem conhecido, pelo menos no interior da Igreja Cristã, e entre os leitores da

Bíblia, que a Bíblia entende o homem como um todo, como uma entidade que consiste de

“alma” ou “espírito” e “corpo”, A visão bíblica não dá azo para a noção dualista que pensa

que o “espírito” ou “alma” seja de origem divina e divina em caráter, o corpo, por outro

lado é algo abaixo e inferior. Mas é menos conhecido porque a Bíblia sustenta esta visão.

De onde vem esta dignidade dada ao corpo como algo criado por, e, portanto desejado por

Deus? Já sugerimos a resposta a esta importante questão, quando dissemos quão difícil é

para o homem compreender-se a si mesmo como uma “criatura”. O homem que não

conhece o Criador está sempre tentado ou negar Deus, ou considerar sua natureza física

como algo que realmente não pertence a ele, a fim de estar apto para manter a divindade de

sua “verdadeira” natureza espiritual (BRUNNER, 2006, p. 93-94)

De acordo com Brunner, o ser humano, como alma e corpo, foi criado para

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glorificar o criador, por isso o antagônico. A mais elevada autointerlocução de Deus é a

encarnação da Palavra num homem de carne e sangue. Nesse sentido, a relação do corpo e

alma é determinada na pessoa humana, isso é Cristo. Para Tillich o centro do sistema por sua

vez, revela uma forte concentração cristológica, nem sempre reconhecida na pesquisa. A

verdade da qual ele fala tem um duplo acento. Primeiro, trata-se de uma verdade identificada

com uma pessoa, com a vida e desta maneira ele não fala de uma alma e espírito, mas, de uma

pessoa em toda a sua concretude. “A vida é a verdade. Deus é a verdade, o Deus vivo e

pessoal” (MUELLER, 2005, p.43). Segundo, e em consequência direta do primeiro, a verdade

é sempre uma verdade histórica: o aparecimento, no mundo e na história, do novo ser em

Jesus como o Cristo. Para o teólogo Garcia Rubio não se pode reduzir o ser humano a um ser

dualista de corpo e espírito, porque para a fé cristã, existiu primeiro o ser humano terrestre,

fraco e pecador, o ser humano “psíquico”. “A afirmação é clara: o ser humano não é divino, o

ser humano é criatura, se bem que crido à Imagem de Deus. É importante ressaltar esta

afirmação bíblica” (GARCIA RUBIO, 2012, p. 138). Nesse sentido, o ser humano não é

divino, mas terrestre e integral se relacionando com toda a natureza. É possível concluir que

na percepção bíblica, o corpo é o ser humano. Desta maneira cada um é seu corpo. José

Comblin comenta que “não há distinção entre espírito e corpo. O espírito está no corpo e o

corpo é animado pelo espírito. Tudo é corpo, por isso a esperança cristã é a vitória sobre a

morte corporal pela ressurreição dos corpos” (SOTER, 2005, p. 18-19).

2.2 A noção de Humano Integrado

Este subcapítulo tratará sobre a concepção de humano integrado em Alfonso

Garcia Rubio, que mostra que a infiltração do pensamento platônico em certos textos de livros

deuterocanônicos do Antigo Testamento – não valida a concepção unitária do ser humano no

Antigo Testamento. Pelo contrário, trata-se de uma visão fortemente unitária do ser humano

(GARCIA RUBIO, 1989, p. 262). Convém frisar a perspectiva unitária; encontram-se

fundamentos da fé do Deus criador do Antigo Testamento. Para Garcia Rubio, os termos

hebraicos do Antigo Testamento não devem ser confundidos como a revelação de Deus. A

antropologia semita é o guia não exclusivo, uma vez que se trata de outras culturas para se

manifestar que o ser humano concreto em seu todo é criatura de Deus. E a fé em Deus que se

leva a rejeitar toda a manifestação dualista, dicotômica do ser humano entre espírito, matéria,

“corpo” e “alma”. Não há dualismo de princípios bons que leva toda a forma de

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espiritualidade e princípios maus, origem da matéria, mas, a ação criadora do Deus que é

também salvador. Esta perspectiva eclesial é uma forma de rejeitar toda espécie de dualismo

radical (GARCIA RUBIO, 1989, p. 262-263). De acordo com Garcia Rubio, o Novo

Testamento mantém fiel a visão de ser humano integral considerando um todo vivo. Os

termos gregos psyché, pnêuma, sarx, soma e kardia podem significar tanto um aspecto do ser

humano, quanto inteiro (GARCIA RUBIO, 1989, p. 263). A vida assinalada por psyché como

conteúdo próximo da nefesh hebraica, diz respeito à vida, mas é designado para o ser humano

integral. Com isso, o termo psyché não caracteriza as necessidades fisiológicas do ser humano,

mas, a “vida unitária”. Para Garcia Rubio, Sarx (carne) é o mesmo que o termo grego basar

hebraico. Ambos apontam para o ser humano integrado.

O teólogo comenta que a infiltração do pensamento platônico em certos textos

de livros deuterocanônicos veterotestamentários não valida à concepção unitária do ser

humano no Antigo Testamento. Pelo contrário, trata-se de uma visão fortemente unitária do

ser humano (GARCIA RUBIO, 1989, p. 262). Convém frisar a perspectiva unitária.

Encontram-se fundamentos da fé do Deus criador no Antigo Testamento. Para Garcia Rubio,

os termos hebraicos do Antigo Testamento não devem ser confundidos como a revelação de

Deus.

Já a palavra grega soma para o Novo Testamento designa tanto um cadáver

quanto um corpo com suas manifestações vitais e visíveis. Soma é utilizada para mostrar o ser

humano inteiro com sua vida concreta “Garcia Rubio ainda comenta que pnêuma em conexão

com rûah do Antigo Testamento, pode significar tanto o principio da vida concedida por Deus,

quanto à pessoa humana” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 264). Kardia (coração) éoutro termo

antropológico usado no Novo Testamento 148 vezes. Equivalente ao hebraico leb designa o

centro vital do ser humano na vida espiritual anímico. Com isso, pode-se entender que os

termos psyché, sarx, soma, pnêuma e kardia, tal como são usados no Novo Testamento são os

mesmos que trazem a conclusão que o exame dos termos hebraicos do Antigo Testamento;

uns e outros apontam para a integralidade do ser humano como um todo (GARCIA RUBIO,

1989, p. 265). No seu conjunto, o Novo Testamento mantém a visão integral de ser humano,

considerando-se que é como um todo vivo. As representações já citadas – como os termos

bíblicos, psyché, pnêuma, sarx, soma e kardia – podem significar tanto um aspecto do ser

humano quanto uma visão unitária do ser. Não apontam para um dualismo antropológico, no

sentido helênico (GARCIA RUBIO, 1989, p. 263). Percebe-se que o Novo Testamento atribui

a realidade de dualismo no interior do ser humano, entre a existência do “homem velho” e a

realidade do “homem novo”, mas, isso não se trata de forma alguma de uma visão metafísica,

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que indica para dois sentidos do ser humano espiritual e material, antes, aponta para uma

transformação integral do ser com sua relação com o cosmo. Para James Dunn, o Novo

Testamento diz que:

A importância do corpo como corporificação pessoal também é clara em (Rm 12,1).

Quando Paulo exorta os fiéis romanos a que ofereçais vossos corpos como sacrifício,

certamente não os convida a oferecer braços e pernas sobre um altar sacrificial. Seu convite

é, pelo contrário, no sentido de que se ofereçam a si mesmos. O paralelismo com 6,13 e 16

põe a questão fora de qualquer discussão: entregar vossos corpos (12,1) entregar-vos a vós

mesmos (6,13.16). Mas o que deviam oferecer eram eles mesmos precisamente como

corpos, eles mesmos na sua corporeidade, nas relações concretas que constituem sua vida

do dia-a-dia. O equivalente ao oferecimento de Israel no sacrifício cúltico era a dedicação

expressa nas suas relações corporificas (DUNN, 2003, p. 89).

James Dunn explica que Paulo comenta sobre a tricotomia de espírito, alma e

corpo em 1 Tessalonicenses 5.23, “que soa mais partitiva, aparece num contexto que enfatiza

a integralidade, em que a enumeração é mais como a de Dt 6,5 denotando um compromisso

total” (DUNN, 2003, p. 88). Nesse sentido em outras passagens o conceito de corporificação é

mais evidente. No Novo Testamento, em 1 Coríntios 6.13-20, Paulo usa o termo soma oito

vezes. Pode-se afirmar que a prostituição comentada no texto bíblico tem sentido de corpo

físico, quando fala de relações sexuais com prostitutas (6.13,16,18). Mas, Paulo recorda aos

coríntios que nossos corpos são membros de Cristo (6.15). Isso mostra o que Paulo de fato

comentava era sobre corpos físicos. Desta maneira, Paulo recordava aos coríntios que eles

mesmos (6.14) eram membros de Cristo, mas, eles como seres corporificados indicavam o

compromisso do seu discipulado (DUNN, 2003, p. 88).

Nesse sentido, o corpo está presente e não ausente, não havendo um dualismo

de exclusão e, sim, de união. Nesse contexto, a teologia antropológica quer dizer a integração

do ser humano inteiro e não parte distinta. É pelo corpo que o ser humano se relaciona, faz

amigos e se corporifica nas relações sociais. Não havendo uma separação entre seres humanos

santos e pecadores – como está explícita nas palavras de Pagliarin – mas todos se

relacionando entre iguais. Para John Stott, “quando Paulo fala em sarx (carne), não está se

referindo a esse tecido muscular mole e macio que cobre o nosso esqueleto, nem aos instintos

e apetites do nosso corpo, mas sim ao todo que compõe a nossa natureza” (STOTT, 2014, p.

267). A corporeidade fica refém dela mesma, porque não há dualismo e, sim, uma integração

de dimensões em conjunto do “eu”. Para Bultmann, o Novo Testamento:

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De qualquer modo, ele se compreende como um ser unitário, que se atribui a si mesmo seu

sentir, seu pensar e querer. Ele não se compreende tão particularmente dividido, como o

Novo Testamento encara o ser humano, de modo que forças estranhas pudessem interferir

em sua vida interior. Ele se atribui a si mesmo a unidade interior de seus estados e de suas

ações. Ao ser humano que presume essa unidade partida pela intervenção de poderes

demoníacos ou divinos, ele designa como esquizofrênico (BULTMANN, 2014, p. 10).

De acordo com Rudolf Bultmann, o Novo Testamento deve ser compreendido

em unidade e em contexto integrado e não como os gnósticos atribuíram: com manifestações

sobrenaturais e dualismos, alma e espírito. Assim, observa-se a antropologia teológica no

Novo Testamento de maneira unitária. Segundo Leonardo Boff, “nós, ocidentais e herdeiros

da cultura grega, impõe-se especial atenção, porque em nosso sistema linguístico as palavras

corpo e espírito possuem um significado bem determinado”. Para Boff, a epístola de Paulo,

referente ao texto de 1 Coríntios 15,coloca-se a pergunta: Como ressuscitam os mortos? Com

que corpo volta à vida? E a resposta é como um corpo espiritual (1Co 15.25,44). “Que

significa essa expressão? “Corpo não exclui espírito”? Podemos pensar porque Paulo fala de

duas coisas contraditórias? Desta maneira tanto para Paulo quanto para a cultura semita,

espírito não se contrapõe ao corpo. “Como veremos pormenorizadamente logo abaixo corpo

significa o homem inteiro, interior e exterior (2Co 4.16); (Rm 7.22) corpo e alma” enquanto é

comunhão o corpo é personalidade. Podemos afirmar que o ser humano não tem corpo, ele é

corpo (BOFF, 1972, p. 73). Em um belíssimo poema Rubem Alves cita:

Deus fez-nos corpos. Deus fez-se corpo. Encarnou-se. Corpo: imagem de Deus. Corpo:

nosso destino, destino de Deus. Isto é bom. Eterna divina solidariedade com a carne

humana. Nada mais digno. O corpo não está destinado a elevar-se a espírito. É o Espírito

que escolhe fazer-se visível, no corpo. Corpo: realização do Espírito: suas mãos, seus olhos,

suas palavras, seus gestos de amor. Corpo: ventre onde Deus se forma. Maria, grávida,

Jesus, feto silencioso, à espera, protegido, no calor das entranhas de uma mulher. Jesus:

corpo de Deus entre nós, corpo que se dá aos homens, corpo para os corpos, como carne e

sangue, pão e vinho (ALVES, 1984, p. 47).

No texto percebe-se a beleza do corpo humano projetada em Jesus Cristo.

Corpo que se relacionou e que ocorre a comunhão e servidão. Não se observa um dualismo

corpo e espírito no Novo Testamento, mas, uma integração de dimensões em unidade na

corporeidade e que se mostra presente nos relacionamentos. O Novo Testamento não é dual,

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porém, concreto em suas manifestações corpóreas e visível no corpo. As nossas relações

acontecem na vivência e na concretude da vida em uma manifestação gloriosa e esplêndida no

espírito e corpo, não como uma junção separada, mas, entrelaçada uma com a outra. Nessa

dança corporificada – que se une em espetáculo – mostrando sua beleza e gestos reais e não

em imaginários como a filosofia helênica. Para Bultmann, “Paulo é caracterizado pelo fato de

que ele, inserido no cristianismo helenista, elevou os termos teológicos que atuavam no

querigma da comunidade helenista à clareza do pensamento teológico, trouxe à consciência e

levou a uma resolução” (BULTMANN, 2008, p. 242). Paulo está inserido na filosofia grega,

porém, ele não faz uma leitura metafísica. “Sob esse aspecto também se encontra na

cristologia de Paulo, que não discute especulativamente a essência metafísica de Cristo, sua

relação com Deus e sua natureza” (BULTMANN, 2008, p. 246). Bultmann destaca que:

O fato de Paulo não ter desenvolvido, a exemplo de filósofos gregos ou teólogos modernos,

seu pensamento sobre Deus e Cristo, sobre o mundo e o ser humano teoricamente e de

modo coeso em um texto científico independente, mas que os apresenta com exceção de

Rm apenas de modo fragmentário, sempre em conexão com uma ocasião atual, em suas

epístolas; e inclusive em Rm, onde os expressa do modo coerente e de certo modo completo,

o faz justamente na forma de epístola sob a pressão de uma situação concreta este fato não

nos deve seduzir ao juízo de que Paulo não teria sido um teólogo no verdadeiro sentido e

que para compreender sua singularidade, seria preciso, antes, entendê-lo como herói da

religiosidade. Pelo contrário! A maneira com que deduz questões atuais de uma questão

fundamentalmente teológica, como toma decisões concretas a partir de reflexões

fundamentalmente teológicas, mostra que seu pensar e falar emanam de sua posição

teológica fundamental, que aliás, se explica em Rm de modo mais ou menos completo

(BULTMANN, 2008, p. 245).

Nesse sentido, Paulo não faz ou “distingui, de modo dualista, o eu do ser

humano a alma do corporal como um envoltório que não lhe é adequado, como uma prisão, e

sua esperança não vai ao sentido de uma libertação do eu da prisão do corpo” (BULTMANN,

2008, p. 257). Mas, segue uma interpretação no sentido da ressurreição ou na transformação

do sujeito. Conforme já mencionado, o Novo Testamento e a sua antropologia não se referem

a um dualismo antropológico e, sim, uma unidade do ser humano em suas dimensões. O

termo usado em grego para se referir o ser humano-carne é sarx: é o ser humano em sua

existência humana empírica, gerada em contato com duas carnes que se fazem uma. Desta

maneira, o ser humano-carne, no sentido antropológico, é o ser humano em um todo e que se

faz presente na vida concreta sem ser um ser cósmico e dual; mas, um ser vivente que se

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relaciona. O ser humano corpo – em grego soma – designa o ser humano todo inteiro (Rm

12.1). Em várias passagens, corpo pode ser interpretado simplesmente por eu. A pessoa, em

sua globalidade, não pode pensar em sobrevivência do ser humano sem incluir o corpo. Não

há igualmente ressurreição sem corpo. Já o ser humano alma, em grego, é psique. Neste lugar

não se pensa em alma enquanto se diferencia do corpo. Mas, no ser humano todo como ser

vivente. Para as Escrituras, o termo alma significa vida e é isso que consta no texto de Marcos

8.36. Desta maneira, o ser humano alma pode significar um ser vivente em sua vida

consciente como eu. “Daí que o ser humano alma e homem-corpo são equivalentes. Corpo e

alma não se opõem, mas exprimem o ser humano inteiro” (BOFF, 1972, p. 87-88). Para

Leonardo Boff, o ser humano espírito, em grego, designa pneuma. Ele explica que:

Como espírito o homem extrapola os limites de sua existência como carne corpo-alma para

se comunicar com a esfera divina. Por isso é um sinal da transcendência e da destinação

divina do homem. Para o Novo Testamento viver no espírito é viver a existência humana

nova no horizonte das possibilidades reveladas pela ressurreição de Jesus, o Senhor. Pela

Ressurreição o Senhor é o Espírito (2 Cor 3,17; cf .At 2,32s), isto é, Jesus Ressuscitado

vive uma existência humana por isso também corporal totalmente determinada e repleta de

Deus e em total comunhão com a realidade. Daí que Paulo chama os ressuscitados de

homem-corpo espiritual (1 Cor 15,44). Pela Ressurreição o homem carne indigente e

inautêntico é transfigurado em homem-corpo espiritual. Por ela o homem-corpo é

totalmente atualizado em suas possibilidades de comunicação não só para com os outros,

mas toda a realidade (BOFF, 1972, p. 88).

Garcia Rubio comenta que o dualismo radical propugnando pelo gnosticismo,

nas suas diversas variantes, foi o principal desafio que levou a igreja a precisar melhor, com a

mediação do instrumental filosófico, na sua visão de ser humano integrado (GARCIA RUBIO,

1989, p. 276). Para Ladaria: “costuma-se considerar que o pensamento bíblico apresenta uma

visão fundamentalmente unitária do homem. Não podemos entrar na discussão dos

pormenores” (LADARIA, 2016, p. 65). No ponto de vista Novo Testamento compreende-se

que esta integralidade do ser humano é evidente, se levar em consideração que todas as

pessoas são chamadas a participar da ressurreição de Jesus. A unidade não deve se distinguir

dos aspectos do ser humano, que é um ser cósmico e, ao mesmo tempo, concretamente

corpóreo ou carnal. Com confiança, podemos dizer que o ser humano é dotado de sentimentos,

de vida e capaz de adotar posturas racionais. Ladaria afirma:

No Novo Testamento, encontramos a contraposição alma-corpo num logion de Jesus (Mt

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10,28). “Não temais os que matam o corpo mas não podem matar a alma. Temei muito

mais aquele que pode fazer a alma e o corpo perecer na Geena”; na versão de Lucas 12,4-5,

a distinção alma não está presente. Em outras ocasiões, a alma é associada à ideia da

imortalidade, quando se fala das almas dos defuntos (Ap 6,9; 20,4; em Hb 12,23 se fala dos

“espíritos”, ao que aparece no mesmo sentido). Mas em geral, em Paulo o autor

neotestamentário em que os conceitos antropológicos têm maior importância, a

antropologia gira em torno do corpo, por exemplo (1 Cor 15,44ss.). Não podemos pensar

que o NT mostre uma antropologia de cunho helenista; no entanto, as categorias que a

Igreja adotará em seguida não são totalmente alheias ao mundo bíblico embora certamente

tenham ocorrido mudanças nos significados dos tempos e, sobretudo, na acentuação de

diversos aspectos (LADARIA, 2016, p. 66-67).

A concepção de ser humano, composto de alma e espírito, se difundiu no

mundo sobre a influência da filosofia grega. O cristianismo teve que lidar com tais visões

helenistas. “O homem “perfeito” não é aquele que consta de alma e corpo, mas sim de alma,

corpo e espírito, em que este último elemento, na sua complexidade teo-antropológica, é, ao

mesmo tempo, transcendente, divino e necessário à nossa perfeição” (LADARIA, 2016, p. 68).

Embora o corpo seja desprezado, para a tradição do Novo Testamento ele é valorizado em

toda a sua extensão corpórea. É possível afirmar que a influência platônica teve forte presença

no cristianismo no decorre dos séculos. Segundo o teólogo Garcia Rubio, a cristologia não é

um dualismo entre alma e corpo. Existe divisão, sim, mas ela se coloca na acolhida ou na

rejeição do dom de Deus oferecido em Jesus Cristo. É sempre a visão de ser humano

integrado que se coloca em comunhão uns com os outros.

Para o teólogo, as novas tendências dualísticas têm espiritualizado as

dimensões do “eu”, criando um dualismo presente que separa a matéria e o espiritual. Assim,

surge uma tensão entre elas: o platonismo presente nessas novas tendências espiritualistas

tende a valorizar muito mais a alma e o espírito do que a matéria, esta é mal e temporária. O

corpo humano sendo desvalorizado como coisa e não como pertencente a toda a matéria. O

fato é que o cristão não pode ser materialista e, ao mesmo tempo, espiritualista – se é que com

estes dois termos se afirma que espírito e matéria não designam regiões particulares e

justapostas da realidade total – mas, momentos diversos, na sua essência e referidos um ao

outro, constitutivos da realidade, seja onde e como for que esta se encontre. Ildo Bohn

comenta que a dualidade da vida mostra que a própria existência, assim como o cosmo, é dual.

Esta é a condição da natureza humana. Em nós há escuridão e trevas e o bem. Na lógica do

mal, do egoísmo e do amor próprio, a maneira das comunidades cristãs do primeiro século

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retratava essas experiências nas tentações de Jesus (Lc 4.1-13). Aqui está exposto o caminho

da prosperidade, do amor próprio e da satisfação imediata da fome. De outra forma temos o

caminho da partilha e da solidariedade com os mais vulneráveis (Lc 10.29). A alteridade é

fazer-se próximo daquele que está próximo de nós, ver o outro como a si mesmo,

diferentemente do escriba que comenta quem é o meu próximo. Jesus inverte e coloca o amor

serviço em ação (BOHN, 2013, p. 9). A dualidade do bem e do mal está dentro de cada um de

nós. São duas forças distintas: uma gera vida e a outra gera destruição e morte. Qual das duas

é mais latente, vai de pessoa a pessoa; deixar que uma dessas forças dirija a nossa mente e

instituições sociais depende muito em que contexto de vida cada um de nós foi criado ou vive,

depende também da nossa personalidade e da mística que alimentamos para a liberdade. Nisso,

Nelson Mandela estava certo ao dizer que “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de

sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião, para odiar a pessoa é preciso aprender”

(BOHN, 2013, p. 10). Se aprendemos a odiar também podemos aprender a amar. Tanto o

amor e quanto o ódio faz parte da dualidade da vida. O que alimentarmos melhor vai conduzir

a nossa caminhada. Um dos textos bíblicos que mais expressa esta ambiguidade encontra-se

em Romanos 7.17-25. Paulo comenta esta dualidade, esta luta interior e que também atua em

nós (BOHN, 2013, p. 11).

Assim, a unidade do ser humano não anula a espiritualidade e a materialidade,

mas, juntas, constitui uma unidade. A dimensão corpórea e a dimensão espiritual designam o

ser humano na sua totalidade, embora não de maneira monística, pois apontam para aspectos

diversos da realidade unitária que é o ser humano concreto. Trata-se de dimensões essenciais

do ser humano integralmente considerado que se inter-relacionam, não mediante uma relação

de oposição e exclusão. O espírito humano depara com a manifestação de sua espiritualidade

justamente em sua integralidade como o corpo, de modo que o espírito humano, como tal, não

se torna mais espírito à medida que se isola do corpo e, sim, à medida que corporifica. A

concretude do cosmo e a sua relação com o ser humano na sua humanidade não tem sido

aceita pelo dualismo platônico. Este, de maneira espiritualista, retira a manifestação concreta

das atitudes humanas em relação ao mundo para uma metafísica além do materialismo.

Alfonso Garcia Rubio destaca:

A superação real do dualismo evidentemente, não da dualidade, só é possível a partir da

experiência unitária básica do ser humano como pessoa. A partir deste dado, certamente ré-

filosófico, deve ser desenvolvida uma articulação ou relação de integração-inclusão entre os

aspectos ou dimensões do humano respeitando, contudo, as diferenças existentes entre eles

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(GARCIA RUBIO, 1989, p. 284).

A filosofia helênica, com tendências espiritualistas, tem feito de ambientes

pentecostais e neopentecostais uma realidade que foge da concretude da vida presente para

uma vida futura, negando a unidade do ser humano para uma justificação da alma e do

espírito. Esta realidade presente hoje na vida dos crentes influencia muitas pessoas a pensar

em dualismo e reducionismo, negando sua própria concretude na história. O ser humano é

sempre um espírito como o corpo; um espírito sozinho, não pode ser um ser humano. O ser

humano é corpóreo e espiritual, mas, experimenta esta dualidade. Assim, o ser humano é

Imagem e Semelhança de Deus não só na alma, mas, também, no corpo. Nos discursos

neopentecostais percebe-se a valorização da alma. Evidentemente, como Imagem de Deus, a

exterioridade do corpo é desprezada e desvalorizada em determinados grupos evangélicos,

levando, assim, ao reducionismo antropológico do ser humano como Imagem e Semelhança

de Deus. “Certamente o corpo é valorizado, diretamente contra o desprezo gnóstico pelo

mesmo, embora já se fale da alma imperecedoura. Em todos estes apologistas prevalece

indubitavelmente a visão unitária de ser humano apesar de que o instrumental é já helênico”

(GARCIA RUBIO, 1989, p. 270). De acordo com Garcia Rubio: fizemos notar que algumas

categorias antropológicas tomadas pela reflexão da teologia cristã do mundo filosófico grego

foram deixadas de lado, uma vez que, por uma parte, mostraram-se inadequadas à

comunicação significativa da mensagem cristã para o ser humano moderno e “pós moderno”.

Não seria importante deixar de lado esta categoria carregada de traços espiritualistas e

carregado de dualismos (GARCIA RUBIO, 1989, p. 285).

Para o teólogo, a tradição cultural ocidental, desde a interpretação clássica do

ser humano, têm sido fortemente estimada a razão e a vontade livre, na definição do

especificamente humano. Desta maneira a visão clássica do ser humano tendia a valorizar o

espírito em detrimento do corpo. Assim, no ser humano, o que prevalecia, era a inteligência

emocional e o racionalismo, sobre esta maneira de ver as coisas. O mundo escuro e vazio de

afeto e emoções e sentimentos “só poderia merecer um tratamento bastante depreciativo no

processo de humanização aqui encontramos um dualismo que reduz o ser humano e valoriza

as partes em vez do todo” (GARCIA RUBIO, 2006, p. 59). Uma antropologia que mostra

unilateralmente o ser humano como “espírito”, cogitando o “corpo” como algo exterior à

pessoa humana, como um mero instrumento utilizado pela pessoa. Deste modo possibilitou a

maneira de enxergar as coisas nos círculos cristãos. Garcia Rubio explica:

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Ora, se o corpo não é constitutivo da pessoa humana, não há por que dar muita importância

quando se trata dos outros, naturalmente! Às condições materiais miseráveis em que esta se

encontra com tanta frequência. Certamente, não foi este o caminho palmilhado pelos santos

e santas de todas as épocas. Lembremos o amor-serviço, vivido por eles e elas como

enorme gratuidade e com tanta criatividade, em relação ao corpo dolorido e maltratado do

doente, da criança abandonada, dos marginalizados de todo tipo (GARCIA RUBIO, 1989, p.

258).

O teólogo também comenta que “a pessoa real e concreta é encarnada. A

imanência e a transcendência pessoais se dão na corporeidade” (GARCIA RUBIO, 1989, p.

258). Nesse sentido a espiritual e a carnal ocorrem em toda a dimensão humana, em uma

experiência vivida e compartilhada; superam o dualismo sem sacrificar essas duas dimensões

do ser humano, respeitando as diferenças e integrando umas com as outras. Para Garcia Rubio,

não basta querer reconhecer tanto o corpo como a alma, afeição junto com a razão ou, então, o

feminino da mesma maneira que o masculino, se não for estabelecido uma relação interna

fértil. Desta maneira, essas dimensões andam em tensão. A visão dualista acaba sendo

fecunda quando se trata de perceber e de entender a luta interior, vivenciada pelo ser humano.

“Em primeiro lugar, a visão unitária não deve ser confundida como monismos antropológicos

o ser humano reduzido ao espírito espiritualismo ou à matéria materialismo” (GARCIA

RUBIO, 2006, p. 40,42). A integralidade aceita e valoriza a dualidade do ser humano em sua

corporeidade, entendendo como um todo. A dualidade não tem que se tornar-se dualismo,

porque a maneira dualista só é eficaz quando, com o intuito de valorizar uma dimensão, é

menosprezada e ridicularizada outra com qual se encontra em conflito.

2.2.1 O Corpo como unidade na pessoa humana

Nesta parte da nossa pesquisa, o corpo será apresentado como unidade – e não

meramente um corpo dicotômico conforme a filosofia helênica – em que o corpo é um veículo

para “alma”. Uma visão platônica é encontrada fora da concepção cristã, de um ser humano

unitário.

Surge também outro problema com relação à interpretação da Bíblia, principalmente

com os escritos paulinos. As leituras feitas de forma literal causam graves equívocos, a

respeito da visão unitária comentada por Alfonso Garcia Rubio. Diante desta realidade, o

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pentecostalismo, fiel ao seu contexto eclesiástico, segue na mesma tendência. Os efeitos disso

podem ser uma exagerada valorização do espiritual, que esquece o “aqui e agora” e enfatiza a

salvação da alma. “Essa experiência profunda foi expressa pela filosofia platônica por corpo e

“alma” que tem influenciado as igrejas pentecostais e neopentecostais aterem uma visão

equivocada da unidade de ser humano” (BOFF, 1972, p. 84).

Para Comblin, o corpo está presente no meio do universo e não se encontra

sozinho, mas, integrado a todo o cosmo. Pode-se dizer que não há um dualismo, uma

separação e, sim, uma integração, se unindo com outros corpos e se relacionando entre si

(COMBLIN, 1985, p. 89). Urbano Zilles explica que “a pessoa toda, não apenas sua alma; a

comunhão humana verdadeira, não apenas pessoas isoladas; a humanidade ligada com a

natureza, não apenas as pessoas que se defrontam com a natureza, são imagem e honra de

Deus” (ZILLES, 2011, p. 168). A integração do ser humano não é parte isolada, mas, uma

unidade em que todas as pessoas se encontram e se entrelaçam entre si – em uma mesma

corrente de comunhão e fraternidade – não havendo um dualismo antropológico, que os

gnósticos pretendiam e influenciaram as comunidades cristãs no decorrer dos séculos. Garcia

Rubio comenta que “a visão clássica do ser humano tendia a ressaltar o valor do espírito em

detrimento da realidade corpórea-sensível assim, do ser humano” (GARCIA RUBIO, 2006, p.

59). Não se tinha uma visão integradora por parte da filosofia helênica, mas, sim, um

dualismo no qual corpo e espírito se encontravam totalmente separados, com uma percepção

dualista da realidade, o que leva a exclusão de mundo e corpo. Para Garcia Rubio, essas

concepções dualistas devem ser procuradas na antropologia teológica. Ele salienta:

A resposta deve ser buscada na concepção neoplatônica de ser humano, que tanto marcou a

mentalidade ocidental. Segundo este pensamento, as diversas dimensões do ser humano não

são chamadas à integração, mas sim à exclusão de algumas para a afirmação de outras.

Assim, por exemplo, o mundo das ideias é superior ao mundo da corporeidade, a alma ao

corpo, o pensar ao sentir. O problema do dualismo não está tanto em colocar este ou aquele

aspecto em posição momentânea de primazia, mas exatamente em estabelecer entre

distintos aspectos uma relação de desarticulação, oposição, conflito. No caso da clássica

relação entre alma e corpo, diante da primazia dualista da alma, não se trata de somente

afirmar, por inversão de polos, a primazia referencial do corpo como acontece nos

ambientes urbanos (GARCIA RUBIO, 2007, p. 42).

A formulação para toda a experiência cristã “concebe a pessoa humana como

portadora, ao mesmo tempo, de individualidade e relacionalidade, estas duas dimensões são

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chamadas à coexistência integradora” (GARCIA RUBIO, 2007, p. 42-43). O indivíduo é

sujeito diante de si mesmo e das relações sociais e com todo o cosmo. O ser humano é união

de um corpo e uma alma; está identificado com o “eu” ou sujeito. Como ser corpóreo se

relaciona com espaço e tempo. Contra todas as formas de dualismo convém destacar que o ser

humano é singular: uma única substância que tem integrado a psique e a parte física, ou seja,

não se reduz a alma e o corpo. De acordo com Zilles: “Através do corpo que entramos em

comunhão com todo o universo material, pelo ar que respiramos, pelo alimento que ingerimos”

(ZILLES, 2011, p.121). As coisas existem enquanto relacionadas com o corpo, ou seja, o

corpo é minha transmissão para minha integração com os demais existentes. Sem corpo não

há mundo nem consciência. É por meio dele que eu me comunico com as outras pessoas. Para

Garcia Rubio, a maneira que a filosofia helênica olhou para o ser humano pretendia valorizar

o espírito, desprezando a corporeidade. Este modo de pensar penetrou na vida ocidental e na

consciência cristã. Desse modo, é necessário afirmar, explicar e fundamentar a visão

integradora de ser humano. O discernimento do próprio corpo, ou melhor, a consciência de si

próprio como corporeidade, é primordial para o maturar da efetividade. A desvalorização do

corpo fecunda para a desvalorização dos nossos sentimentos, sofrimentos e fraquezas que

fazem parte da nossa constituição como pessoa. O corpo deve ser reconhecido e cuidado, pois

faz parte da integridade do ser humano. O corpo é relação e locução com as outras pessoas.

Garcia Rubio comenta:

Toda a corporeidade é uma dimensão a ser integrada na globalidade de dimensões que é o

ser pessoal. O cuidado e a preocupação com o corpo devem estar a serviço do projeto de

vida. A acentuação unilateral do valor da corporeidade empobrece e mutila o ser humano

tanto quanto a acentuação unilateral do valor da dimensão espiritual (GARCIA RUBIO,

2006, p. 100-101).

Para o teólogo Garcia Rubio, o corpo apresenta fraquezas para a vida pessoal,

especialmente a insuficiência da sua capacidade expressiva, os equívocos na comunicação

corpórea, as doenças e limitações. O caráter da ambiguidade acompanha o ser humano em

suas relações. Não existe um dualismo que separa, mas, que integra o corpo junto aos outros e

o mundo criado. Em súmula, pelo corpo somos parte do mundo material. Porém, pelo corpo,

também estamos interligados aos outros seres humanos. A comunhão corporal alcança sua

inteireza nos relacionamentos de afetos. “Ao lado da doença, da dor e da morte, essa união

revela sua limitações e finitude” (ZILLES, 2011, p. 125). Portanto, a corporeidade não é dual

como queria os gnósticos, mas, uma relação que se faz no contato com o próximo e com o

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cosmo.

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2.2.2 Problema antropológico

O subcapítulo tem por objetivo apontar o problema antropológico. A

antropologia cristã nunca deve ser entendida como um dualismo, em que corpo e alma são

partes distintas. O ser humano se faz de um ser unitário, “todo espiritual” e um “todo

corporal”. O corpo é “original” ao ser humano. É pelo corpo que expressamos e comunicamos

o mundo a nossa volta, que nos relacionamos e nos envolvemos uns com os outros. Desta

unidade de corpo e alma que o ser humano é um “todo”; corpo e alma não se separam, mas,

formam uma unidade. Ambas contemplam a outra formando um ser integral em todas as suas

dimensões.

A antropologia cristã nunca deve ser entendida como um dualismo, no qual

corpo e alma são partes distintas. O ser humano se faz de um ser unitário e um todo. O corpo

é a expressão de todas as dimensões do ser humano. É pelo corpo que podemos nos

comunicar e nos relacionar uns com os outros. Desta integralidade o corpo e alma se tornam

um “todo”, não se separam, mas formam uma unidade e ambas contemplam a outra formando

um ser integral em todas as suas dimensões. Para Comblin, há um grande equívoco das

culturas, devido ao menosprezo que se faz do corpo do ser humano. O evangelho cristão

ignora a separação do corpo e da alma, ignora a antipatia que se faz do corpo, embora o

cristianismo histórico tenha caiado quase sempre nas deformações das outras grandes culturas.

De certo modo podemos dizer que o ser humano é o seu corpo, e no seu corpo está tudo o que

faz o seu valor. Importa, porém, explicar bem o que é o corpo humano (COMBLIN, 1985, p.

76-77).

De acordo com Garcia Rubio, o ser humano é corpóreo e o corpo não deve ser

um mero instrumento da alma, como queria a filosofia helênica. A corporeidade é tão corpo

quanto o espiritual. O ser humano é um sempre espírito com o corpo; um espírito sozinho,

descorporificado, não tem corpo; a dimensão do ser humano é um todo integrado (GARCIA

RUBIO, 1989, p. 265). Plotino dizia que “a alma do mundo, constitui o vínculo entre o

mundo espiritual e o mundo material”. Urbano Zilles comenta:

Para Plotino, os corpos são substâncias do mundo físico que se encontram em mudança

contínua. Os corpos são passageiros, constituído de matéria e forma. O movimento inverso

à emanação em direção à origem, ao Uno, realiza-se sobretudo do homem, quando este se

volta para o espiritual. Começa com o encontro com o Belo no mundo sensível. Quando

indagamos acerca da beleza nas coisas, encontramo-la em sua forma. Da forma ascendemos

para a ideia e ao mundo da ideias, chegando ao conhecimento no (nôus). Mas a ascensão do

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(nôus) ao Uno já não é possível mediante o conhecimento, mas somente por união mística

(ZILLES, 2011, p.84).

“Transcendente não é objeto de possível experiência sensível, entretanto,

admitindo a existência do transcendente, não se admite necessariamente uma relação casual

entre esse mundo empírico pressuposto da primeira objeção” (ZILLES, 2011, p. 85). Arduini

afirma que “O ser humano é mistura, de bem e de mal, de solidariedade e de egoísmo, de

afirmação e de negação” (ARDUINI, 2014, p. 9). De acordo com Platão, o ser humano é

essencialmente alma e espírito. Sua sobrevivência e sua imortalidade estão fora de discussão e

não representam nenhum problema. O único problema é se livrar do corpo e salvar sua alma.

O ser humano pode conhecer a verdade e escapar da prisão que é seu corpo (RAMPAZZO,

2014, p.57). Rampazzo destaca:

O problema antropológico mais difícil é a existência da alma e seu caráter substancial.

Alguns autores, como Agostinho, Descartes e Leibniz, seguindo o exemplo de Platão,

afirmam que a alma humana é uma verdadeira substância e que sua substancialidade se

identifica com a do homem. Em outros termos, o homem é sua alma. As razões alegadas

para sustentar esta tese são, em parte, de ordem moral como aspiração do homem a uma

vida de perfeita felicidade, que não pode achar realizações neste mundo e, em parte, de

ordem gnosiológica, por exemplo a posse de verdades absolutas, como a da existência de

Deus, da bondade, da justiça, da felicidade, da beleza, da verdade; essas verdades não

parecem extraídas da experiência (RAMPAZZO, 2014, p.59-60).

Para Platão, a alma se baseia no conhecimento do mundo das ideias, do belo,

bem, verdadeiro, justo e santo. O conhecimento é alcançado não pelos sentidos, mas, antes,

afastando-se deles. O espírito possui vida própria; a alma também porque pertence ao mundo

das ideias que é eterno e imutável (RAMPAZZO, 2014, p.61).

2.3 Superação do dualismo Corpo e Alma

Neste item abordaremos que o dualismo não surgiu da antropologia

veterotestamentária e nem da neotestamentária, pois esta maneira de atribuir ao ser humano

partes distintas em que “alma” e “corpo” seriam uma diferente da outra não é uma visão cristã.

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Mostraremos que a dimensão corpórea não é uma coisa mística, mas, é uma unidade em que o

ser humano se encontra em sua realidade concreta da vida. Esse dualismo está presente na

teologia pentecostal e neopentecostal brasileira. Isso explica a insuficiência do ser humano

inteiro, porque a corporeidade faz parte da própria subjetividade humana.

Desta forma, é possível concluir que os dualismos não provem da antropologia

veterotestamentária e nem da neotestamentária. Esta maneira de atribuir ao ser humano partes

distintas em que “alma” e “corpo” seriam uma diferente da outra não é uma visão cristã, pois

o ser humano é um todo. “Alma e Corpo não são dois seres que se encontram em conflito,

antes devem ser considerados como duas dimensões essenciais e fundamentais da estrutura

ontológica unitária que é o homem” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 283). A corporeidade não é

uma distração espiritual, mas, é uma unidade na qual o ser humano se encontra em sua

concretude da vida. A filosofia helênica tende para uma concepção dualista de corpo e alma.

A alma e o corpo são como duas partes distintas uma da outras. A alma luta com o corpo

tendo suas atividades autônomas e o corpo tende a ter também esta mesma tendência de duelo.

Segundo Comblin: a “teologia clássica seja ela de inspiração platônica ou aristotélica, não

conseguiu valorizar o corpo e nem uni-lo realmente à alma” (COMBLIN, 1985, p. 81). A

superação desse dualismo antropológico só é real a partir da experiência unitária do ser

humano. Para Garcia Rubio, a partir da experiência da unidade, certamente, deve ser

desenvolvida uma articulação ou relação de integração-inclusão entre aspectos ou dimensões

concretas vividas em sua relação uns com os outros e com o cosmo. Em termos gerais, a

dimensão corpórea e a dimensão espiritual do ser humano estão relacionadas na sua totalidade,

com isso não de maneira abstrata, mas na concretude do ser integral. O espírito humano está

em sua relação com o corpo, de modo que o espírito humano, como tal “não se torna mais

espírito à medida que se separa do corpo e sim à medida que se corporifica” (GARCIA

RUBIO, 1989, p. 284). Toda manifestação do ser se encontra nas suas dimensões e em toda

sua maneira de se relacionar com ambas as partes. “Todo ato do homem, seja ele o mais

sublime de suas aspirações religiosas ou mais elevado de seus pensamentos especulativos, é,

como realização que aperfeiçoa sua natureza, uma corporificação de seu espírito e uma

espiritualização do seu corpo” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 284). Contra toda forma de

dualismo entendamos que o ser humano é um ser pessoal e unitário, que não se reduz a corpo

nem espírito. Para Zilles:

A corporeidade, que nos integra ao mundo exterior, aparece como origem da dependência e

transitoriedade. O corpo é perecível e caracterizado a fragilidade humana. Está destinado à

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corrupção mortal. Entretanto, o ser humano é capaz de pensar coisas imortais e eternas,

projetos que transcendem sua vida breve. O corpo une-me aos outros e ao mundo. É o

modo de minha presença no mundo, minha maneira de existir. Eu existo na medida em que

me relaciono como o outro. Mas o que me faz ser um eu é a presença amorosa do tu,

presença criadora. Na situação de transitoriedade sou impulsionado, ao mesmo tempo, para

além do mundo, na esperança e no amor (ZILLES, 2011, p. 87).

Os discursos dualistas, que provem de culturas helênicas, influenciaram a

maneira de enxergar o ser humano. O pentecostalismo e o neopentecostalismo são carregados

por essas tendências espiritualistas – que separa o mundo criado e o ser criado à Imagem e

Semelhança de Deus – para um ser dicotômico que não corresponde à visão judaico-cristã,

mas, uma exagerada tendência gnóstica que coloca a alma e espírito além das coisas visíveis

que corresponde a todo o universo. A pessoa, nas relações interpessoais, se abre aos outros

seres humanos, considerando e aceitando como diferentes. Na relação como o meio ambiente,

a pessoa supera qualquer formas de tendências dualistas e reducionistas, coloca sempre a

unidade em primeiro lugar e rejeita qualquer discurso que separa o ser humano do cosmo

criado e seus corpos que se entrelaçam entre si (GARCIA RUBIO, 2006, p. 38). Segundo

Garcia Rubio este dualismo que gera exclusão, na sua vertente espiritualista, mantém uma

experiência de divisão esterilizante. O ser humano reduzido ao “eu” ou à alma fecha-se ao

outro e aos outros, pois uma vez que o corpo é menosprezado falha inevitavelmente a

interlocução. O ser humano fica mutilado a uma vertente materialista do dualismo. O teólogo

comenta que:

Destituído da sua abertura ao Transcendente, o ser humano fica escravizado pela

absolutização do que é relativo, abrindo-se, destarte, o caminho para sua trágica

animalização. Por último, a tentativa de justapor em dois planos corpo e alma e com

consequência, oração-ação, Igreja-mundo, divino-humano etc. (GARCIA RUBIO, 1989, p.

284).

O ser humano, “convém repetir, não é um mero objeto ou uma coisa, mas

pertence à experiência do ser humano, que se autopercebe como corporeidade orientada ao

encontro com pessoas e ao relacionamento com o globo e a existência corpórea do espírito

humano” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 283). A concretude do ser humano é vivida em

comunhão com todas as pessoas, e nessa relação não há dualismos e separação, mas,

agregação com o corpo e matéria e a valorização da integração no seu conjunto. A dualidade –

não o dualismo – vive-se na unidade pessoal. Toda esta vitalidade novamente deve ser guiada

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pela relação de integração-inclusão, respeitando sempre essa contenda entre as duas. Em um

relacionamento não deve haver desconfiança, porém uma entrega de ambas as partes, em uma

vivência de encontros e não separações, alma e espírito e corpo servindo ambos sem

exclusões. O ser humano não é senhor do seu corpo, mas, também, se torna uma unidade com

o mundo e com as coisas a sua volta. O “corpo é elemento essencial do homem: sem o corpo

o homem não pode alimentar-se, reproduzir-se, aprender, comunicar-se, diverte-se”

(RAMPAZZO, 2014, p. 33). Rampazzo explica:

A partir do meu espaço encontro as coisas que estão no meu horizonte e esse meu espaço

torna-se centro, a partir do qual eu conheço todo universo. E aqui entramos numa outra

função específica do corpo: ele nos ajuda a conhecer o mundo, as coisas. Antes de tudo, por

meio do corpo percebemos a nós mesmos o corpo é instrumento de autoconsciência

(RAMPAZZO, 2014, p. 34).

A harmonia entre corpo e alma no ser humano não permite admitir a

metempsicose ou deslocamento das almas, pois não constitui uma substância separada do

corpo. A unidade corpo e alma não se contradiz, mas faz parte do ser humano como um todo.

Nosso corpo não é um sistema físico no qual habita uma alma. No ocidente, a

substancialidade da autonomia da alma teve uma enorme relevância devido à crença em uma

vida pós-morte em Platão no Fédon. Apresenta uma tentativa de pensamento em uma vida

depois da morte. Sobre este tema abordarei adiante. O cristianismo ocidental, de modo geral,

adotou esse tema e essa concepção filosófica. De acordo com Urbano Zilles, a corporeidade,

que nos une ao mundo exterior, aparece como início da dependência e transitoriedade. O

corpo é perecível e caracteriza a fraqueza humana, com destino a sua degradação. Por outro

lado o ser humano é capaz de transcender em seus pensamentos na vida imortal e projetos que

estão além de sua compreensão. O corpo me faz presente no mundo, é capaz de me apresentar

aos outros corpos e me faz existir em plenitude na presença do outro. Somos chamados

pessoas porque somos capazes de amar e de nos comprometer no amor e serviço uns com os

outros (ZILLES, 2011, p.122-123). Garcia Rubio destaca:

O corpo jamais foi relegado dualisticamente por Jesus a um plano inferior. Ele esteve atento

à fome, à cegueira, à surdez, à deficiência dos paralíticos, à discriminação sentida na carne

das crianças, dos doentes, das mulheres, dos estrangeiros. Jesus foi sensível à alegria, À dor,

à festa e à morte. Celebrou, com comida e bebida, os eventos especiais que eram marcantes

em sua cultura. Criou laços afetivos profundos. Divertiu-se em festas e chorou a morte do

amigo. Passou pela experiência da solidão e do medo e chocou-se diante da certeza de sua

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morte. Enfim todos os momentos e circunstâncias da vida que só podem ser vividos pela

dimensão da nossa corporeidade não indiferentes a Jesus; ao contrário, foram por ele

assumidos (GARCIA RUBIO, 2007, p. 248).

É possível concluir que o dualismo corpo e alma faz parte das dimensões do ser

humano. Não é substância separada, mas integradora, interagindo com o cosmo, na qual todos

fazem parte. Desta maneira vivemos de acordo com o corpo e as suas dimensões. Indo na

contramão da filosofia grega que desprezava o corpo, para pensar em uma espiritualidade

metafísica e dualista. “O homem é um ser aberto, orientado para encontrar-se com o mundo e

com seus semelhantes, esta abertura leva à comunicação e a comunicação faz-se

principalmente por meio da linguagem” (RAMPAZZO, 2014, p.40). As linguagens se

mantêm vivas nos ambientes concretos da vida. É importante destacar que somente na

realidade da vida que se supera qualquer dualismo presente, no qual alma e corpo não se

misturam como queria a filosofia helênica. A superação total acontece na vivência e nos

relacionamentos de afeto, com todas as suas fraquezas e sonhos, frustrações e da união entre

corpo e alma, como dimensões que fazem parte do ser humano integral em toda a sua história

e concretude. A concepção de humano integrado ganha força quando deixamos de lado

tendências dualistas que separam a terra do corpo, e o mundo do espírito. A concretude das

coisas criadas corresponde a nossa realidade como ser humano criado e colocado neste mundo.

Desta forma não pode haver separações entre espírito e corpo, nem das coisas que fazem parte

da nossa maneira de agir e de se relacionar com outros. Porque somos terra, espírito e corpo.

Dessa união não haverá separação, mas um conjunto de iguais se relacionando entre si como o

mundo criado a nossa volta.

Considerações finais

Nesse capítulo apresentamos que de forma geral a Bíblia não aponta para um

dualismo antropológico – como a filosofia helênica pretendia mostrar – porém a uma

concepção de várias culturas em que a vida do ser humano é manifestada. De modo amplo, a

Bíblia indica uma visão unitária de ser humano, não de forma sistemática, mas, de maneira

concreta e integral. Mostramos de que maneira esta integralidade do ser humano se encontra

na percepção Bíblica e como outras culturas, por exemplo, os povos semitas e primitivos

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olhavam a realidade de maneira sintética. Embora outras culturas demonstrem o ser humano

de várias dimensões, a concepção será sempre unitária e não uma visão dicotômica.

Abordamos sobre a noção de humano integrado em Alfonso Garcia Rubio e

como o pensamento platônico em certos textos de livros, deuterocanônicos do Antigo

Testamento, não anulam concepção unitária do ser humano. Dessa maneira, é possível

observar que se trata de uma visão unitária e não dualista.

Comentamos também que a antropologia cristã sobre as dimensões humanas

não deve ser um problema antropológico no qual “corpo” e “alma” são partes distintas. Mas

apontamos que o ser humano se faz de um ser unitário, “todo espiritual” e um “todo corporal.”

E não deve ser entendido como um ser dicotômico – como é observado em discursos

neopentecostais e pentecostais – em que o corpo se faz prisão da alma e não deve fazer parte

do mundo positivo das ideias como pretendia a visão Platônica. Nesse sentido, falamos que o

corpo deve se relacionar com todo o cosmo e com outros seres vivos, fazendo presente em um

mundo de relações e não de exclusões. E, por fim, discutimos a superação do dualismo

antropológico. Indicamos que esse dualismo exagerado não veio da visão veterotestamentária

e nem da neotestamentária, pois esta maneira de atribuir ao ser humano partes distintas em

que “alma” e “corpo” seriam uma diferente da outra não é uma visão cristã. Mas, foi imputada

pela filosofia helênica. A superação desse dualismo só é possível pelas experiências unitárias

e concretas da vivência humana em sua relação recíproca com o cosmo criado em todas as

suas manifestações. Somente a realidade da vida supera toda forma de dualismos e exclusões.

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Capítulo III

NO CAMINHO DA SUPERAÇÃO DO DUALISMO CORPO E ALMA

Neste terceiro capítulo mostraremos que a teologia neopentecostal da

Comunidade Cristã Paz e Vida – que tem como marca um dualismo no qual “corpo” e “alma”

encontra-se dividido – pode descobrir caminhos teológicos de superação do conceito de

natureza dualista e reducionista da condição humana, tendo em vista uma antropologia

integrada. Nosso objetivo é propor alguns desses caminhos teológicos de superação.

Alguns percursos serão indicados, a fim de mostrar que a superação desse

dualismo antropológico só é real a partir da experiência unitária do ser humano concreto.

Primeiro, apontaremos que o discurso religioso da referida Igreja em questão, embora seja

dicotômico e com tendências metafísicas, poderia – a partir dos relacionamentos humanos

concretos vivenciados pela comunidade – encontrar caminhos que levem a uma visão etérea

de espiritualidade para outra visão, em que o corpo se faz evidente em todas as suas relações.

Desta maneira, a proposta é de uma espiritualidade encarnada na qual a corporeidade faz

presente na própria subjetividade humana.

O segundo caminho será indicado por meio das curas que se manifestam no

culto da Comunidade Cristã Paz e Vida. Assim, compreendemos que há uma valorização do

corpo.

O terceiro, apesar dos discursos “sobrenaturalistas” da referida igreja, é que há

uma aparente contradição na qual percebemos a ênfase que o "aqui e agora" faz parte desse

discurso. Esta visão pode ser um meio de superação do dualismo, especialmente se forem

reforçadas as ênfases da experiência unitária do ser humano como pessoa, gerando uma visão

humana responsável com os destinos da vida.

A quarta indicação de superação do dualismo é a que mostra um caminho que

se desloca da imortalidade da alma para pensar a fé a partir da ressurreição do corpo. Ou seja,

a mensagem cristã da ressurreição da carne e o acaso da alma parecem obscurecidos. As

tradições religiosas criaram ideias que não correspondem com uma unidade do corpo, mas,

uma espiritualidade metafísica que está além ou fora desse mundo e não das coisas concretas

ligadas à corporeidade.

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3.1 De uma espiritualidade etérea para uma espiritualidade encarnada

Como já referido, o corpo, dentro da visão bíblico-teológica, não é uma

repartição como classificado pela filosofia helênica, mas, é uma unidade fundamental no ser

humano. A Bíblia não conhece o dualismo corpo e alma, ainda que existam textos e

expressões que dão margem para as interpretações dualistas. Esse modelo dualista entrou no

discurso teológico sob a influência da filosofia grega. Assim, o ser humano é um ser

multidimensional; tudo o que ocorre com ele inclui todas as suas dimensões. Deste modo, o

discurso teológico-pastoral atual, para ser coerente com tais perspectivas bíblicas, deve

superar esse dualismo platônico tendo em vista uma antropologia integrada do ser humano.

As contribuições de Garcia Rubio, mencionadas em nosso trabalho, ajudarão a nossa pesquisa

no sentido de oferecer à Comunidade Cristã Paz e Vida, a partir de sua própria vivência, com

todas as ambiguidades nela existentes, uma percepção unitária do ser humano. É possível

identificar que detrás da expressão corpo e alma, está a unidade do ser humano em toda a sua

dimensão. Não se pretende afirmar um dualismo, mas, uma dimensão integrada do Ser, com

toda a sua corporeidade. “É o homem todo inteiro, porque a corporeidade faz parte da própria

subjetividade humana: na realidade eu jamais encontro em mim um espírito puro e concreto,

mas sempre, em todo o lugar e em cada momento um espírito encarnado” (BOFF, 1972, p.

84). Para a teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida percebe-se certa desvalorização do

corpo, mas, ao mesmo tempo, contraditoriamente uma valorização dele por meio das curas e

danças que a comunidade manifesta em seus cultos. Já comentamos isso no primeiro capítulo

da nossa pesquisa, mas reforçaremos tal visão. De acordo com Pagliarin, líder desta

denominação religiosa, "O pecado faz separação entre o homem e o seu Deus (Gn 3; Is 59:2;

Lc 5:8; I Jo 2:28), e que como salário do pecado é a morte, o homem pecador está morto

espiritualmente (Rm 5:12,21; 6:23) e que a exclusão definitiva e eterna do pecador da

presença de Deus é a segunda morte (Mt 25:41; II Ts 1:9; Ap 20:11-15).”17

Pagliarin ainda comenta que é a “escolha que os vivos fazem aqui e agora, e o

modo como vivem, é que vai determinar em que lugar eles esperarão o Juízo.” 18 Para a

teologia da Comunidade Cristã paz e Vida tudo dependerá de que maneira nós vivemos a vida

aqui na terra. Se negarmos as nossas vontades pecaminosas – e andarmos no caminho do

espírito – vamos para o mundo eterno, onde não vai haver choro nem ranger de dentes. “O

17 Disponível em: < http://pazevida.org.br/em-que-cremos/14-6-o-homem-seu-estado-na-criacao-e-seu-estado-

atual.html >. Acesso em: 13 nov. 2016. 18 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/estudos/4825-a-morte-do-rico-e-do-mendigo.html >. Acesso em:

13 nov. 2016.

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Hades é o lugar de tormento para onde vão os ímpios e todos os que esquecem de Deus: Os

ímpios irão para o Seol, sim, todas as nações que se esquecem de Deus” (Sl 9:17). 19 Observe

um contraponto a esta visão. Segundo o teólogo Garcia Rubio, “o homem inteiro é criado por

um Deus bom e o homem inteiro participa da salvação e da glorificação. A salvação cristã não

permite a ruptura – oposição entre alma e corpo que os dualistas radicais propugnam”

(GARCIA RUBIO, 1989, p. 275- 276). É possível afirmar que o ser humano não é uma parte

e, sim, uma integração. Quando olhamos para o corpo não enxergamos o espírito e alma, mas,

toda a sua extensão em sua corporeidade. O ser humano se realiza não apenas em uma

dimensão, porém, em seu conjunto, em que é todo corpo e totalmente alma. Corpo e espírito

não são dois componentes no ser humano, mas, dois primórdios que constituem um ser

humano inteiro. O corpo é a realidade do espírito presente e se exprimindo; o espírito é

semelhante à corporeidade dando-se conta de si mesmo.

Para Leonardo Boff, por exemplo, o magistério da Igreja Católica Romana

sempre defendeu a integralidade do ser humano em suas dimensões, “no quinto concílio do

Latrão (1513) contra o filósofo neo-aristotélico Pompanazzi (1464-1525) que afirmava ser o

espírito não algo de pessoal, mas de universal, em comum, reafirmou-se que o espírito

singular e individual” (BOFF, 1972, p. 91). Assim, essas dimensões do ser humano se

encontram juntas e não divididas.

De acordo com Garcia Rubio, a distorção da vida cristã continua atual e

presente nos discursos religiosos, “quando, no intuito de reagir contra o empobrecimento das

acentuações unilaterais anteriormente indicadas, pessoas ou movimentos na Igreja passam a

valorizar” (GARCIARUBIO, 2004, p. 31). As visões espiritualistas e platônicas ainda têm

traços contundentes em movimentos cristãos, mais do que uma visão unitária de ser humano.

Como vimos, as visões dicotômicas a respeito do ser humano, na Comunidade Cristã Paz e

Vida, se encontram presentes no discurso de seu líder. Para Pagliarin, temos uma alma imortal

e incorruptível, devemos entregá-la a Deus porque Ele nos emprestou e um dia teremos que

devolvê-la. Não podemos agir com liberdade, mas, buscar sempre uma espiritualidade etérea

para nos orientar e levar a nossa “alma” ao paraíso eterno.

Ao contrário disso, como Garcia Rubio afirma: “A pessoa humana é corpórea,

assim, o corpo humano não deve ser considerado um mero instrumento da alma, como queria

o platonismo. Também não é pura exterioridade, como afirmava o dualismo cartesiano”

(GARCIA RUBIO, 1989, p. 280). Com isso, entendemos que o pensamento dualista a

19 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/estudos/4825-a-morte-do-rico-e-do-mendigo.html >. Acesso em:

13 nov. 2016.

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respeito do ser humano não condiz com a antropologia judaico-cristã, que se caracteriza,

como já mencionado, pelo ser humano em sua dimensão integradora e relacional com o

mundo criado. Segundo Garcia Rubio: “Esta é a grandeza do ser humano e também o difícil

desafio de viver as relações entre estas dimensões de maneira inclusiva e não exclusiva sem

negar as diferenças e as tensões entre as mesmas” (GARCIARUBIO, 2004, p. 33). Não se

pode desprezar a corporeidade do ser humano como o helenismo; não levou em conta a

dimensão corpórea e integradora do ser humano criado a Imagem e Semelhança de Deus.

Garcia Rubio destaca:

A mesma experiência pré-filosófica que percebe a unidade básica da pessoa humana, de tal

maneira que o corpo é vivido como uma realidade própria da pessoa, percebe igualmente

que esta não se identifica com aquele. Existe na pessoa humana uma dimensão que excede

todas as possibilidades e virtualidades do corpo. O termo “alma” é utilizado

tradicionalmente para designar esta dimensão, entendida como o princípio estruturante que

enforma segundo a terminologia aristotélica o corpo humano. É este princípio que faz com

que o corpo humano seja diferente de qualquer outro organismo vivo. É a dimensão da

pessoa humana que a torna capaz de um conhecer de maneira ilimitada percebendo o

sentido da realidade, capaz de um conhecimento reflexo, de auto possuir-se com liberdade e

responsabilidade, de abrir aos outros seres pessoais especialmente a Deus no diálogo e no

amor bem como ao mundo da natureza para transformá-lo em mundo humano pela cultura

genuína (GARCIA RUBIO, 1989, p. 281).

Para a antropologia da Comunidade Cristã Paz e Vida essa divisão é feita pela

aceitação que o ser humano faz de Deus. Ou seja, pelo arrependimento a pessoa se torna

filho/filha e deixa de ser excluída, pertencendo à família celestial. Percebe-se um dualismo no

qual o ser humano, em toda a sua concretude, passa a ser aceito como filho de Deus por

aceitar Jesus:

Antes de se converter, o homem é apenas uma criatura para Deus. Depois que o ser humano

aceita Jesus, pela graça do novo nascimento ele passa a ser Filho de Deus: “Mas a todos

quantos o receberem, deu-lhes o poder de serem feitos Filhos de Deus; a saber: aos que

creem no seu nome” (Jo 1:12).20

No discurso religioso da referida igreja há um dualismo presente no qual o

corpo, frágil e pecador, torna-se separado do que é imortal; somente passa a ser aceito como

20 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/em-que-cremos/21-13-o-novo-nascimento--a-nova-vida--a-

regeneracao.html >. Acesso em: 13 nov. 2016.

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filho/filha de Deus por meio de uma mudança. Isso é o arrependimento no qual o ser humano

deixa sua vida de pecados para se tornar uma nova criatura em Deus, aceito por meio da

obediência. A superação desse dualismo só é real a partir da vivência integrada do ser humano.

Desta forma, na experiência concreta da unidade deve ser desenvolvida uma articulação ou

relação de integração-inclusão entre traço ou dimensões concretas vividas, em sua relação uns

com os outros e com a realidade histórica e com o cosmo. O ser humano, em toda a sua

concretude, está inserido ao corpóreo mudando, porém, isso não invalida a sua existência

como filho de Deus, independentemente da situação religiosa, mas interage com toda a sua

corporeidade, corpo e alma não como um dualismo, mas partes presentes em toda a criação.

Desse modo, não deve haver uma separação entre o espiritual e o carnal, apenas uma

transformação de condutas éticas. Garcia Rubio explica:

Este dualismo na vontade do homem é focalizado insistentemente e com toda clareza pela

Sagrada Escritura, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento. O que a visão

cristã de homem não aceita é a passagem deste dualismo existente na vontade humana para

um dualismo metafísico, seja lá qual for (GARCIA RUBIO, 1989, p. 85).

Apesar desse dualismo antropológico da Comunidade Cristã Paz e Vida há

uma aceitação – ou uma aparente aproximação – de uma visão em que o corpo se faz presente

se relacionando com outros. Podemos perceber isso no discurso da referida igreja: “O

ministério não cobra por nada: distribui livros gratuitamente, bolsas de estudo em cursos

gratuitos de teologia, mensagens em CD e DVD. Também leva este mesmo curso gratuito de

teologia para dentro dos presídios do Brasil, inclusive o Complexo de Gericinó (Bangu/RJ).”

21Dessa forma observamos um cuidado para com o corpo e as questões sociais. Pagliarin

comenta: “não precisa morrer para gozar vida eterna, porque esta vida passa a ser desfrutada

aqui e agora, graças ao sacrifício feito por Cristo (Jo 5:24; 6:47), sendo, a vida após a morte,

uma consequência lógica e justa de uma sábia escolha tomada durante esta vida, em favor da

vida.” 22 Esta ênfase no "aqui-e-agora", embora não seja majoritária no pensamento de

Pagliarin e na Comunidade Cristã Paz e Vida, pode representar um caminho de superação do

dualismo.

O ser humano é vivido em sua realidade própria. Por ser um indivíduo corporal

21 Disponível em: <http://www.estjp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=99:ultimas-vagas-

&catid=42:novidadesindex> . Acesso em: 02 abr.2017. 22 Disponível em: < http://www.pazevida.org.br/em-que-cremos/21-13-o-novo-nascimento--a-nova-vida--a-

regeneracao.html >. Acesso em: 13 out.2016.

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se relaciona com o universo em sua volta e com as pessoas, contradizendo o pensamento da

visão antropológica da Comunidade Cristã Paz e Vida: que o invés da união e do diálogo faz

uma separação do salvo e do excluído do bem e do mal, típico do dualismo helênico.

3.2 A ênfase nas curas como caminho de superação do dualismo

Um segundo bloco de questões – que poderia ser uma contribuição para a

superação do dualismo – está marcado pela ênfase na cura divina que a Comunidade Cristã

Paz e Vida possui. O ser humano tem limitações e fraquezas como tristezas, cansaços e

doenças. Assim, é possível afirmar que não é devido à falta de fé que somos afligidos pelas

doenças e pesares da vida, mas, é devido as próprias ambiguidades da vida e do corpo. Na

visão da Comunidade Cristã Paz e Vida observam-se as manifestações de curas divinas, em

que as doenças são reflexos de um mundo “espiritual”. As doenças físicas podem ser curadas

por uma ação direta do Espírito ou por uma solução do mundo sobrenatural. Como já referido,

há dualismos presentes e, ao mesmo tempo, contradições, em que doenças são manifestações

de pecados, como veremos adiante na nossa pesquisa. Como abordado anteriormente, o Novo

Testamento mantém sua visão de humano integrado considerando-se que é como um todo

vivo. As representações já citadas no segundo capítulo do nosso trabalho – como os termos

bíblicos: psyché, pnêuma, sarx, soma e kardia – podem significar tanto um aspecto do ser

humano quanto uma visão unitária do ser. De modo geral, nota-se que o Novo Testamento

relata um dualismo, mas, este não se refere a pensamentos helênicos e, sim, a uma

transformação do ser humano em seu conjunto, em que o velho ser se transforma em uma

nova criatura.

Percebe-se que o discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida têm

influências da filosofia helênica apesar de suas contradições – como as curas divinas e textos

escritos por Pagliarin – que mostram uma possível indicação de uma antropologia integrada,

tema já trabalhado em nossa pesquisa. No discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e

Vida encontra-se um dualismo, no qual alma e corpo são meramente separados. No capítulo

primeiro deste trabalho aspectos antropológicos da Comunidade Cristã Paz e Vida foram

comentados, com referencial nos artigos escritos por Pagliarin, em que ele enfatiza dualismos

como o texto já citado A morte do rico e do mendigo, mencionando a parábola do homem rico

e Lázaro. Assim, observa-se a presença dessa menção em que alma e corpo devem ser

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separados; em que os justos guardaram pelo dia do Senhor e os maus serão lançados do hades.

O discurso teológico-pastoral atual, considerando as reflexões teológicas mais consistentes,

para ser coerente com tais percepções bíblicas, deve superar esse dualismo gnóstico tendo em

vista uma antropologia integrada do ser humano. Percebe-se um caminho para esta superação

nos discursos religiosos da Comunidade Cristã Paz e Vida por meio das curas divinas, apesar

da visão metafísica de Pagliarin a uma valorização da corporeidade em seu discurso.

Segundo Garcia Rubio, o Novo Testamento não deve ser entendido desta

maneira, mas, onde: “O espírito humano encontra a complementação de sua espiritualidade

justamente em sua união com o corpo” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 284). Não havendo partes

distintas, porém, uma complementação na qual a unidade não anula a presença das

constituições do ser humano, mas a complementam. A Comunidade Cristã Paz e Vida, como

uma Igreja de matriz neopentecostal, como qualquer outra igreja pentecostal, não deixa de

lado o credo fundamental da fé cristã:

Cremos que Deus já fez toda a sua parte. O Pai, o Filho e o Espírito Santo não obrigam

ninguém a abandonar os seus pecados e maus caminhos. O homem continua livre para

exercer sua soberana vontade. Contudo, o pecado, a rebelião e a desobediência mantêm o

ser humano afastado de Deus. Cremos que não existe pecado que não possa ser perdoado, a

não ser aquele que Jesus citou em (Mt 12:31-32), que é a blasfêmia contra o Espírito

Santo.Fora disso, qualquer pecado pode ser esquecido por Deus, e a Salvação concedida,

desde que haja uma conversão verdadeira.23 Cremos que Jesus ressuscitou em carne e osso

(Lc 24:39), sendo que, apesar disso, seu corpo tem uma nova estrutura molecular que nós

não conhecemos, visto que Ele pode entrar em um recinto fechado, diante dos apóstolos,

sem que as portas lhe fossem abertas (Jo 20:19,26).As testemunhas que o viram vivo, após

a sua morte, puderam comer com Ele (Lc 24:42-43), andar com Ele (Lc 24:15), tocar nas

feridas provocadas em suas mãos e pés pelo martírio dos cravos na cruz (Lc 24:39-40; Jo

20:27; I Co 15:4-7). Cremos que o Cristianismo é algo superior a todas as outras religiões

do mundo justamente porque nenhuma delas oferece o líder ressuscitado. Todo os grandes

homens, profetas e líderes religiosos que morreram, foram e permanecem sepultados.

Somente Cristo foi sepultado e revivido (Mt 28; Mc 16; Lc 24; Jo 20-21). Tendo subido aos

céus 40 dias depois de ressuscitado (Lc 24:50-51; At 1:9-11) e permanecido até hoje à

direita de Deus (Ef 1:19-20). Assim como o ódio e a morte entraram no mundo pela

desobediência de Adão, a paz e a vida vieram por Cristo Jesus, nosso Senhor (I Co 15:20-

21).24 Cremos no ensinamento bíblico de que “Há um só Deus” (I Tm 2:5) e que isto se

23 Disponível em: < http://pazevida.org.br/em-que-cremos/18-10-a-salvacao-total-ao-alcance-de-todos.html >.

Acesso em: 25 out. 2016. 24 Disponível em: < http://pazevida.org.br/em-que-cremos/16-8-a-ressurreicao-e-ascensao-de-jesus.html >.

Acesso em: 25 out. 2016.

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trata de uma verdade fundamental, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Cremos que

Deus se revelou à nação de Israel, que o chamava de Javé ou Yavé – (Jhvh ou Yhvh – Êx

3:14-15), tendo a pronúncia correta se perdido devido ao temor que os judeus tinham de

desobedecer (Êx 20:7). Cremos, conforme testifica o Antigo Testamento que, Yhvhéé um e

que além dele não existe outro Deus, sendo falsos os pretensos deuses dos pagãos (Dt 6:4;

Jr 5:7). Esse único Deus, entretanto, já no início do Antigo Testamento se refere a si mesmo

no plural (Gn1:26 ; 11:7). O Anjo de Yhvh, que assume forma visível, é mencionado como

sendo o próprio YHVH (Gn16:7,13; 18:1-2). Deus também mandou o seu próprio espírito

aos profetas (Is 48:16; 63:10), estando o mistério da tri-unidade divina patente a todos os

homens, desde o princípio da Bíblia Sagrada. Cremos que, em perfeita consonância com o

Antigo, o Novo Testamento confirma a existência de um único Deus, não havendo outro

semelhante a Ele. Cremos na revelação Cristã de que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo e

que os três nomes estão no mesmo plano de poder e glória, perfeitamente harmônicos e

interligados (Mt 28:19; II Co 13:13; Ef 2:18; 4:4-6; II Ts 2:13-14; I Pe 1:2) pelos mais

estreitos laços de amor e pensamentos, conhecendo cada um a vontade dos outros dois (Jo

5:19-23,26,27,30; 17:21,23) trabalhando todos para a redenção humana. Em alguns casos,

têm as mesmas funções: o Pai e o Filho são o Criador (Gn 1:2; Jo 1:1-3) o filho e o espírito

são o Consolador (Jo 15:26; Mt 28:20; Jo 16:13-14). Cremos que não há graus de divindade

entre os três, porque são uno, apesar das diferentes funções de cada um. O Pai é supremo

como a Fonte: dele procede o Filho (I Jo 4:9,14) e o Espírito (Jo 14:16,26) sendo este

enviado pelo Filho da parte do Pai (Jo 15:26; I Co 15:24-28).25

Conforme consta, o credo da comunidade Cristã Paz e Vida traz a manifestação

da trindade, com as três pessoas juntas, o sacrifício feito por Jesus na cruz, a ressurreição da

carne e o perdão dos pecados. Mas o credo da Igreja não faz nenhuma menção a salvação do

corpo e, sim, o corpo ressuscitado sendo como uma nova estrutura molecular. É possível

então afirmar que a Igreja, em seu discurso, tem o mesmo discurso da filosofia helênica: “que

segundo, os seres humanos são centelhas ou gotículas da mesma substância espiritual da qual

Deus é feito e foram aprisionados em corpos físicos” (OLSON, 2001, p.36). Assim, entende-

se o porquê da estrutura molecular. Roger Olson comenta que para os gnósticos: “Cristo

apareceu na pessoa de Jesus, mas que Jesus nunca foi realmente um ser humano físico”

(OLSON, 2001, p.37). A teologia neopentecostal não é tarefa fácil de se definir. As novas

tendências e igrejas que surgem, se multiplicam e se espalham, torna cada vez mais

complexos os temas para novas pesquisas. “Com isso o movimento vai acumulando várias

designações: pentecostalismo autônomo, pentecostalismo neoclássico, pós-protestantismo,

pós-pentecostalismo” (ROMEIRO, 2013, p. 49). Como já mencionado, os movimentos

25Disponível em: < http://pazevida.org.br/em-que-cremos/12-4-a-unidade-e-tri-unidade-divina.html >. Acesso

em: 25 out. 2016.

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neopentecostais se aproximam das doutrinas pentecostais e, por isso tem, em seus cultos,

práticas de exorcismos, e pregam a cura divina como a libertação do corpo enfermo. Essa

teologia ganha cada vez espaço nos templos pentecostais e neopentecostais. O nosso estudo

fará uma breve descrição dessas doutrinas. O objetivo não é estender muito a temática, visto

que já foi abordado sobre a Comunidade Cristã Paz e Vida no primeiro capítulo do nosso

trabalho. Para Wanderlei Rosa, as crenças dessa teologia em púlpitos pentecostais são

causadas por “doenças é coisa satânica. Quanto mais consagrado, mais saudável será o crente”

(ROSA, 2014, p. 138). Em seu artigo, Ricardo Bitun destaca que “na visão da saúde e

prosperidade neopentecostal, o fiel deve se apropriar daquilo que Jesus fez por ele na cruz. O

texto bíblico do profeta Isaías, capítulo 53, versículos 4-5 verdadeiramente, ele tomou sobre si

as nossas enfermidades e as nossas dores.”26 Para a teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida,

Juanribe comenta:

Quanto às doenças, cremos que elas têm, geralmente, quatros naturezas:

a) FÍSICA: a doença física é causada por germes, micróbios, bactérias, vírus,

bacilos e outros microorganismos infecciosos, conhecidos ou não pela ciência. Ex.

gripe, tuberculose, pneumonia etc.

b) ESPIRITUAL: a doença espiritual é causada por espíritos de enfermidades que,

não conseguindo tomar todo o corpo do ser humano, se alojam em determinada parte do

organismo, ocasionando a dor e os sintomas da “doença”. Ao contrário das doenças físicas,

as doenças espirituais não podem ser detectadas por exames ou chapas. Ex. o homem que

era mudo. Quando Jesus tirou o espírito imundo, o homem falou (Lc 11:14). Idem, mulher

que andava encurvada há 18 anos (Lc 13:11,12).

c) PECADO: a doença causada pelo pecado é tão terrível quanto à espiritual, pois

também não pode ser detectada por métodos científicos e tão pouco curada por remédios.

Ela só pode ser curada quando o homem é perdoado de seus pecados. Ex. o paralítico de

Cafarnaum, sobre o qual Jesus disse: “o que é mais fácil? Dizer: Perdoado te são os teus

pecados ou dizer: Levanta-te e anda?” (Mt 9:5). E Ele o curou, dizendo: “perdoados te são

os teus pecados. Levanta-te, toma a tua cama e vai para tua casa” (Mt 9:6).

d) PROVA DIVINA: esta doença não é causada por nenhuma das três formas, mas

é permitida por Deus para provar o homem ou para que o Seu nome seja glorificado. Ex. a

doença de Jó e o cego do Novo Testamento, descrito em (Jo 9:2-3).

26 Disponível em: < file:///C:/Users/Usuario/Downloads/875-1114-1-PB.pdf >. Acesso em: 26 out. 2016.

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Cremos que é da vontade de Cristo que todos gozemos de boa saúde e que

ninguém precise sofrer o flagelo da doença, porque no sacrifício da Cruz do Calvário,

Cristo já pagou a conta do médico por nós (Is 53).27

Dessa forma, a corporeidade ganha espaço nos cultos da Comunidade Cristã

Paz e Vida.

“A preocupação com o corpo dentro do neopentecostalismo, observa-se

também nos cuidados da beleza e a saúde” (KLEIN, 2005, p.161). Observa-se um

dualismo presente no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida, mas, também

uma valorização em questão ao corpo, como já mencionado no primeiro capítulo da

pesquisa. O dualismo presente no discurso da referida Igreja traz quatro naturezas que são

causadoras de doenças: a física é causada por fragilidades; as espirituais causadas por

espíritos malignos; do pecado, que só pode ser curada pelo perdão dos pecados e, por

último, prova divina, uma espécie de mal causador de desgraças e doenças. De acordo com

Garcia Rubio: “em conformidade com o esquema neoplatônico, é a alma que faz com que

o ser humano seja homem, enquanto que o corpo não passa de instrumento a ser usado por

ela” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 272). Percebe-se também, em Santo Agostinho, a questão

do pecado e do corpo; certamente o corpo como criatura de Deus não é mal. Devido à

consequência do pecado, o corpo, com a sua vida programada em discórdia com a alma,

tende para o mal, servindo de tentação para esta. Observe que o dualismo platônico

presente na Comunidade Cristã Paz e Vida é influenciado por discursos da filosofia

helênica. O corpo não pode ser mal já que este é criatura de Deus; nem somos tentados ao

mal. Garcia Rubio explica:

Concomitantemente, é afirmado que o corpo não é crido pelo demônio nem é princípio do

mal; reafirma-se que o corpo é bom, bem como a realidade da sua ressurreição. Quer dizer,

a dualidade alma corpo não deve levar a um dualismo de oposição – exclusão que coloque a

alma na esfera do divino e o corpo no mundo do mal e do demoníaco (GARCIA RUBIO,

1989, p. 276).

A comunidade Cristã Paz e Vida, como qualquer outra igreja de matriz

pentecostal, enfatiza as suas doutrinas em discursos sobrenaturais, além de transferir os

problemas existenciais em castigo ou falta de fé por parte do cristão, ou algo trazido pelos

27 Disponível em: < http://pazevida.org.br/em-que-cremos/27-19-problemas-e-doencas-milagres-e-curas-

divinas.html >. Acesso em: 26 out. 2016.

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espíritos mensageiros do “diabo.” Segundo Ricardo Bitun:

O cristão deve gozar de saúde plena. Para isso basta conhecer os seus direitos como cristãos

e declará-los; ou, como eles mesmos preferem dizer, “tomar posse” da cura, ou do desejo

que está prestes a acontecer. Quando estes desejos não são alcançados, duas razões se

destacam para o insucesso: primeira, a falta de fé; segunda, satanás está impedindo que tal

desejo se concretize. Saúde e finanças (prosperidade) devem ser marcas do cristão. Saúde e

finanças são seus direitos, pois assim é a vontade de Deus (BITUN, 2009, p. 69).

As curas são por intermédio das pessoas. Basta ter fé que os problemas são

resolvidos. Os males são causados pelo mundo das trevas onde os espíritos maus circulam ou

porque Deus está provando este crente. Rolim diz que “as doenças são as mais variadas, desde

simples nervosismo, dor de cabeça, tonteiras, até as mais graves, físicas e mentais. Os crentes

não fazem distinção entre curáveis e não curáveis” (CARTAXO, 1985, p. 211). Desta forma

tornam-se ações dos demônios e sobre esta pessoa vai estender os sinais do divino. As

manifestações dos movimentos neopentecostais se espalham por todo o mundo com suas

crenças e doutrinas, com novas e sofisticadas abordagens, sendo que multidões são

influenciadas com suas as manifestações e liturgias.

Na Comunidade Cristã Paz e Vida o corpo é valorizado, mas, parece haver

inconscientemente um desprezo gnóstico pelo mesmo, embora já se fale da alma

imperecedoura. Exemplos disso são as afirmações de curas divinas, danças dos ritos corporais,

manifestações milagrosas e prosperidades como já mencionado neste capítulo e no primeiro.

De acordo com Pagliarin, as doenças são reflexo de um mundo “sobrenatural”. As doenças do

corpo podem ser curadas por uma ação direta do Espírito. Pagliarin afirma que apenas temos

que aceitar Jesus e tomar posse das curas porque Ele, o Deus de todas as coisas, já nos

perdoou. Assim, o corpo ganha espaço – e não o desprezo – nos cultos da Comunidade Cristã

Paz e Vida. Ao mesmo tempo em que se observa um dualismo presente no discurso religioso,

percebe-se também, contraditoriamente, uma valorização do corpo.

3.3 De uma visão sobrenaturalista a uma visão humana responsável

A Comunidade Cristã Paz e Vida utiliza dos meios de comunicação para sua

propagação, com os cultos transmitidos pela rádio e outros meios de comunicação, como já

citado nessa pesquisa. A visão dos movimentos pentecostais e neopentecostais são dualistas;

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suas bases doutrinárias estão construídas por uma metodologia da filosofia grega

principalmente platônica. A sua identidade são as crenças em poderes sobrenaturais. Bruno da

Silveira Albuquerque comenta que “a visão de mundo da vertente pentecostal clássica no

Brasil pode ser considerada confirmada e predominantemente dualista? Alguns autores diriam

que sim, contudo, outros percebem mais um aspecto de integração do que de dualismo.”28

Para Ildo Bohn, “o enigma da presença do mal na história humana está na origem da

experiência com satanás, os demônios e poderes diabólicos, poderes contrários a Deus que é

fonte de vida” (BOHN, 2013, p. 7). Estas crenças, muito antigas, são encontradas na Bíblia,

porque o próprio Jesus, além de anunciar a boa-nova, também pediu para que seus discípulos

fizessem curas e expulsassem demônios (Mc 6.7-13; 16.17; Mt 10.1-7). É possível perceber

estas práticas de exorcismos de maneira muito atual nas comunidades neopentecostais.

Também as doenças, principalmente ataque epilético, na época de Jesus eram atribuídas a

demônios. Outra influência que o povo de Israel teve foi a do gnosticismo. A ideia de Platão

(429-347 a.C.) a respeito de demônios mostra como os gregos imaginavam que entre o mundo

dos humanos e do Olimpo, o monte das divindades, havia demônios. Acreditava que o mundo

estava carregado de demônios e que suas habitações eram o ar. Acreditava-se que a matéria

era má e que o corpo era uma espécie de prisão da alma, para esta se libertar. O verdadeiro

filósofo desejaria a morte. Essa maneira de pensar influenciaria a concepção judaica mais

tarde (BOHN, 2013, p. 29).

Para o Credo da Comunidade Cristã Paz e Vida, as crenças em seres

sobrenaturais é muito presente em seu discurso. Juanribe Pagliarin explica:

O nome “satanás” vem do hebraico e significa “adversário”, declarando sua total oposição

aos salvos. Tem poder de atuar sobre os incrédulos (Ef 2:2) colocando-os sob controle (I Jo

5:19; Lc 4:6; Jo 12:31; 14:30). Os descrentes estão sujeitos a ele (At 26:18), cegos por ele

(II Co 4:4) e enganados por ele (II Co 11:13-14). Ele é mentiroso e homicida por essência

(Jo 8:44) e tem poder da morte sobre os seus súditos (Hb 2:14). O salvo é liberto da sua

escravidão (Cl 1:13), mas não da sua tentação (At 5:3; I Co 7:5), sendo que o diabo não se

furtou de tentar próprio Cristo (Lc 4:1-13). Ataca os crentes com dardos inflamados (Ef

6:16), enreda com estratagemas sutis (I Tm 3:7; II Tm 2:26; Ap 20:3) e desmoraliza com

maledicência (I Tm 5:14-15). A palavra “diabo” (grego diabolos) significa “acusador” e a

sua intenção é devorar, derrotar e peneirar os discípulos de Cristo (Jó 1:12; I Pe 5:8; Lc

22:31). Satanás e seus anjos caídos sucumbiram diante de Cristo (Lc 10:18; Jo 12:31) e

logo esta vitória na Cruz (Cl 2:15) será confirmada no esmagamento de satanás (Rm 16:20),

28ALBUQUERQUE, Bruno da Silveira. O pentecostalismo Integrado: A Contribuição de Alfonso Garcia Rubio

para a Superação do Dualismo Antropológico, p.79.

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sendo primeiramente lançado no abismo (Ap 20:2-3) e depois no lago de fogo (Ap 20:11;

Mt 25:41).29

Na Comunidade Cristã Paz e vida observa-se – especialmente nas expressões

aqui destacadas – que as situações existenciais da vida como pobreza, doenças e males são

causadas por seres sobrenaturais. Os vícios, o fracasso e as doenças são frutos do poder do

maligno “diabo” e “causados diretamente por demônios que estão a serviço dele. Esses

demônios têm que ser exorcizados. Segundo essa tese, se os males têm sua origem nos

poderes mágicos dos demônios as pessoas deixam de serem responsáveis por seus atos e

atribuem as culpas a seres e entidades sobrenaturais” (BOHN, 2013, p. 14).

De acordo com o teólogo Garcia Rubio, a superação do dualismo não implica

sobre a criação e graça, entre natural e sobrenatural, nem, contudo, na negação da distinção

entre essas dimensões do amor de Deus. Deus criou o ser humano cheio de desejo. Nesse caso

desejo não absoluto, mas, condicionado que conduz para a graça. O ser humano, destinado a

viver a vida divina, encontra-se sobre “existencial sobrenatural” que nesta maneira se faz

receber a autorrevelação de Deus. A graça afeta a globalidade do ser humano em todas as suas

dimensões. Sua estrutura fundamental, precisamente na sua abertura ao transcendente,

encontra na vida da graça a inserção interna no mais íntimo da criatura espiritual-corpórea que

é o ser humano. A salvação/libertação do pecado e participação na vida divina diz respeito

apenas que a criação não comporta o conceito de salvação. Para Garcia Rubio “a distinção

entre os conceitos de natural e sobrenatural (criação e salvação) deve ser cuidadosamente

mantida, para ressaltar a gratuidade especial da autocomunicação da vida trinitária à criatura

humana” (GARCIARUBIO, 1989, p. 241). Alfonso Garcia Rubio destaca:

A superação real do dualismo evidentemente, não da dualidade, só é possível a partir da

experiência unitária básica do ser humano como pessoa. A partir deste dado, certamente

pré-filosófico, deve ser desenvolvida uma articulação ou relação de integração-inclusão

entre os aspectos ou dimensões do humano respeitando, contudo, as diferenças existentes

entre eles (GARCIA RUBIO, 1989, p. 284).

O discurso antropológico sobre a imortalidade da “alma” e o dualismo corpo e

“alma”, de forma alguma surgiu das comunidades cristã do primeiro século, mas, houve uma

tentativa de superação desse pensamento dicotômico do ser humano, que veio a influenciar

29Disponível em: < http://pazevida.org.br/em-que-cremos/13-5-outros-seres-espirituais-poderosos.html >. Acesso

em: 27 out. 2016.

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toda a história da Igreja. Como já mencionado neste trabalho, o dualismo presente no discurso

religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida, de certa maneira, foi influenciado por essas

tendências gnósticas como ocorreu em toda a história da Igreja, não apenas em movimentos

oriundos do Cristianismo. Percebe-se a presença desse dualismo antropológico em diversas

expressões religiosas e, principalmente, no neopentecostalismo. A “alma” não está

aprisionada no corpo, como Platão apresenta, não há uma separação. Garcia Rubio sintetiza:

“O que a visão cristã de ser humano não aceita é a passagem deste dualismo existente na

vontade humana para um dualismo metafísico. Seja lá qual for” (GARCIA RUBIO, 1989, p.

85). Para Comblin, o “uso comum da palavra “alma” não corresponde nem ao sentido da

Bíblia, nem ao conteúdo da verdadeira tradição cristã. Por isso a palavra “alma” é fonte de

confusões permanentes” (COMBLIN, 1985, p.249). Nesse sentido, a herança da filosofia

grega influenciou o cristianismo com essa visão binária trazida pelos helênicos. Comblin

comenta que a alma não é parte do ser humano, mas o aspecto de vida do corpo, o que faz que

o corpo seja um eu vivente, sujeito de atos e responsável. Sendo vida, a alma procede de Deus,

fonte de vida. Nesse caso, o cristianismo sempre resistiu à maneira que o dualismo corpo-

alma, se manifestou. Para a tradição cristã não há uma desvalorização do corpo como se a

alma fosse a centelha divina e como queria os gnósticos (COMBLIN, 1985, p. 249). Garcia

Rubio explica que “o homem está intimamente vinculado a todas as criaturas, unido a elas

numa espécie de fraternidade fundamental” (GARCIARUBIO, 1989, p. 242).

Observa-se, então, um conceito metafísico no discurso da Comunidade Cristã

Paz e Vida. “O Abismo também é um lugar temporário, habitado por espíritos caídos,

lançados ali por Deus, após a rebelião no céu. “Satanás e os anjos desobedientes, após a queda,

tornaram-se espíritos imundos” (Is 14:9,11-15, Ez 28:16).30As tendências em manter uma

visão do mundo sobrenatural, onde espíritos e demônios circulam em outra dimensão cósmica,

já mostram um dualismo presente no discurso da referida Igreja. Mas, ao mesmo tempo desse

discurso “sobrenatural”, existe uma aparente contradição e aproximação de uma antropologia

integrada, como já referido. Pagliarin comenta que não precisa sofrer a terrível morte do

corpo para gozar a vida imortal, porque esta vida passa a ser desfrutada no presente, graças ao

sacrifício feito por Cristo, sendo a vida, após a sepultura, uma consequência lógica e justa de

uma sábia escolha tomada durante esta vida, em favor da vida. Percebe-se que o "aqui e

agora" faz parte desse discurso. Esta visão pode ser um canal de superação do dualismo,

especialmente se forem reforçadas as ênfases teológicas do "Humano Integrado", como

30 Disponível em: < http://pazevida.org.br/estudos/2263-podem-os-mortos-se-comunicar-com-os-vivos-.html >.

Acesso em: 14 nov. 2016.

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mencionado ao longo do nosso trabalho.

3.4 Da imortalidade da alma à ressurreição do corpo

Como já mencionado em nossa pesquisa, a Comunidade Cristã Paz e Vida

compreende que a essência do ser humano é sua alma psyche. Desta maneira se estabelece a

imortalidade da alma. Para Pagliarin, quem vive em desobediência, o prêmio em si mesmo é o

castigo eterno. No discurso religioso de Pagliarin, o corpo é perecível, mas, a “alma”, o

“espírito” é imortal. O que o ser humano faz aqui e agora é que determinará o destino da alma.

Os incrédulos, os impuros de coração que rejeitam a salvação serão separados do divino,

estarão em sofrimento eterno. De acordo com Pagliarin, tudo dependerá de que maneira as

pessoas vivem suas vidas no tempo presente. Os seres humanos que sacrificaram seus desejos

e reprimiram suas pulsões estarão nos braços da eternidade. Porém, os que vivem de acordo

com os seus desejos perderam a Imagem e Semelhança de Deus e serão jogados fora do

divino. Para a Comunidade Cristã Paz e Vida, a presença explícita do pecado é a separação de

Deus. “O pecado, portanto, vai além do conceito de certo ou errado, vai além das cobranças

da consciência, vai além da transgressão das leis dos homens, vai além dos conceitos

religiosos, porque gera no ser humano uma misteriosa certeza de condenação futura”.31 Não

se trata de pecado, mas, uma metamorfose para um novo despertar de vida, que deixando sua

maneira de viver antiga manifestou-se em uma nova vida e relaciona-se de maneira concreta

com o mundo criado. Segundo Pagliarin, a vida tem quer ser vivida de acordo com o espírito e

não como os desejos carnais. A imortalidade da alma – presente no discurso religioso da

Comunidade Cristã Paz e Vida – tem suas origens e traços na filosofia helênica, em que o

mundo e a matéria seriam destituídos do mundo das ideias. As almas das pessoas boas seriam

recolhidas e direcionadas para o divino. Como referido anteriormente, dois são os destinos: os

bons herdarão a vida eterna e os que amaram seus corpos se juntarão ao hades. O discurso

etéreo de Pagliarin encontra também contradições e uma aparente aproximação de uma

antropologia unitária de ser humano. Ele afirma que o ser humano, como Imagem e

Semelhança de Deus é uma trindade: corpo, alma e espírito. O corpo está presente no aqui e

agora. Mas, como é possível perceber esta diferença entre espírito e corpo? Para Pagliarin, a

cultura popular não sabe distinguir a diferença entre alma e espírito. Mas, a alma é a vida que

31 Disponível em: < http://pazevida.org.br/estudos/2262-na-sua-opiniao-o-que-e-pecado.html >. Acesso em: 14

nov. 2016.

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corre em nosso sangue, ou seja, no corpo. Quando uma pessoa morre, dizemos: sua alma foi

embora, isto é, a sua vida foi embora. Desta maneira, significa que a alma da carne está no

sangue. Pagliarin comenta que, no texto hebraico original, diz-se que a vida da carne está no

sangue. Não é o espírito humano que está no sangue, mas, a alma, a vida. Ele diz que a pessoa

é única e inigualável, com todas as suas experiências, consciências e personalidades; é você

em um todo.

De acordo com Tillich, o cristianismo emprega as ideias platônicas para a

expressão vida eterna. Ele destaca:

Desses dois, somente ressurreição é bíblico. Mas a ideia de imortalidade, no sentido da

doutrina platônica da imortalidade da alma, já aparece muito cedo na teologia cristã, e, em

amplas parcelas do pensamento protestante, chegou a substituir o símbolo da ressurreição.

Em alguns países protestantes, a ideia da imortalidade se tornou o último remanescente de

toda a mensagem cristã, mas na forma não-cristã e pseudoplatônica segundo a qual a vida

temporal do indivíduo perdura incorpórea depois da morte. Onde se usa o símbolo da

imortalidade para expressar esta superstição popular, ele deve ser radicalmente rejeitado

pelo cristianismo, pois participação na eternidade não é continuação da vida após a morte,

nem uma qualidade natural da alma humana (TILLICH, 2014, p. 836).

Paul Tillich é contrário ao dualismo gnóstico, pois não é uma visão unitária de

ser humano. Esta maneira contradiz o cristianismo e traz uma problemática às questões

antropológicas. O sentido da herança da filosofia grega compreende que o ser humano tem

duas partes distintas: a espiritual e a carnal. Porém, não vem do cristianismo, embora o

discernimento comum acredita que é exatamente a convicção cristã do ser humano. Na

realidade a mensagem cristã sempre resistiu à queda para o dualismo corpo-alma. Todos os

textos do magistério falam da unidade condicional do ser humano. A alma não é parte do ser

humano, mas, faz parte da vida como um todo; dá vida ao corpo e faz que este seja um ser

vivente. A alma procede de Deus, fonte de vida. A alma do ser humano é mais vida do que a

vida dos animais. Ela está mais íntima a Deus. A mensagem cristã da ressurreição da carne e o

destino da alma parecem obscuros. As religiões criaram ideias que, na verdade, não

correspondem com uma integralidade do corpo, mas uma espiritualidade metafísica que está

além desse mundo e não das coisas concretas ligadas à corporeidade (COMBLIN, 1985, p.

250).

A visão que a Comunidade Cristã Paz e Vida tem é binária e metafísica, conforme

mencionado no primeiro capítulo da nossa pesquisa. Pagliarin afirma:

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O Abismo, que separa o Hades do Paraíso, é intransponível. Jesus garantiu que os mortos

não podem sair do Hades e passar para o Paraíso ainda que quisessem, por causa do Grande

Abismo que separa os dois lugares. Qualquer afirmação que permite a transmigração entre

estes dois lugares é totalmente contrária à revelação dada por Jesus. Somente o

desconhecimento do Evangelho é que permite que suposições como estas prosperem.32

“Os dois mundos estão presentes no homem: na alma mundo das ideias e no

corpo mundo das coisas. O corpo, como coisa que é, participa imperfeitamente de uma ideia,

enquanto que a alma pertence ao mundo eterno divino das ideias” (GARCIA, RUBIO, 1989,

p. 79). Era uma faísca da divindade que habitava em um corpo e se mantinha prisioneira até a

partida nesse tabernáculo, para o indivíduo essa faísca era como um guia que o instrua e

direcionava as suas realizações terrenas. O homem devia atualizar, por meio da educação, as

possibilidades que o espírito lhe conferia. Em geral, esta concepção predominou tanto na

filosofia como na teologia durante os séculos. É possível distinguir, de forma evidente, que as

tentativas de dualismos estiveram presentes em todas as épocas – e ainda se situa nos dias de

hoje em comunidades pentecostais e neopentecostais – influenciando tanto o discurso quanto

uma visão cósmica de ser humano. A filosofia helênica, nomeadamente platonismo,

reconhece a imortalidade da alma. “Mas não conhece nem pode imaginar uma ressurreição”

(BOFF, 1972, p. 67). Para Garcia Rubio, conforme já referido, a alma é exposta como

intervenção entre o mundo sensível e o mundo das ideias. O teólogo comenta:

A alma como vimos, pertence ao mundo da verdadeira realidade enquanto que o corpo

forma parte do mundo sensível, visto como degradado, temporal, caduco e caótico. No

homem coexistem, em conflito, a alma realidade que define o ser próprio do homem e o

corpo, pertence ao mundo enganoso dos sentidos e das coisas sensíveis. A realidade da

contraposição entre estes dois mundos, mundo do espírito e mundo da matéria repercute

dolorosamente na autopercepção do homem. Com efeito, como poderia deixar de ser

dividido e carente de harmonia um ser no qual esses dois mundos coexistem? (GARCIA,

RUBIO, 1989, p. 79).

A visão dualista ou dicotômica está presente na Comunidade Cristã Paz e Vida.

“Já que fomos criados à Sua imagem e Semelhança, é bom nos acostumarmos a pensar como

Deus pensa e não como os homens pensam.” 33 Nesse sentido, temos que pensar

32 Disponível em: < http://pazevida.org.br/estudos/2263-podem-os-mortos-se-comunicar-com-os-vivos-.html >.

Acesso em: 14 nov. 2016. 33 Disponível em: < http://pazevida.org.br/estudos/4256-tende-fe.html >. Acesso em: 14 nov. 2016.

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metafisicamente e não concretamente, nos afastando dos relacionamentos e nos aproximando

no mundo imaterial. Quando notamos um aspecto de valorização apenas de uma dimensão do

ser humano – e não da outra – a pessoa é levada a reconhecer uma e desprezar a outra. Há

exemplo para acentuar a importância da alma; a pessoa menospreza o corpo, para valorizar a

razão, desvalorizar o afeto etc. Ou, ao contrário, para sublinhar a importância do corpo,

desvalorizar a alma; há um desprezo entre ambas as partes. A verdadeira realidade somente se

encontra no mundo sensível das ideais. “O mundo das coisas não passa, na melhor das

hipóteses, de mera participação muito imperfeita do mundo das ideias ou, então, ele é visto

como degradação do mundo verdadeiro, do mundo ideal” (GARCIA RUBIO, 2004, p. 25).

Se há dois mundos, haverá também dois modos de pensar diferentes. “O mundo verdadeiro,

do mundo ideal como isso existirá também sempre perspectivas platônicas, dois modos de

conhecimento, o falso e o errado a matéria e o espírito a alma e o corpo” (GARCIA RUBIO,

2004, p. 24-25). Então, é possível afirmar que o ser humano e as distinções entre ideias e

coisas são evidentes. A alma pertence ao divino e o nosso corpo inclui-se no mundo temporal

e imperfeito. Não é de estranhar que experimentamos uma hesitação radical na nossa vida.

Nesse sentido, poderá concernir a duas existências tão desiguais e mesmo postas! Observa-se,

em discursos religiosos, duas pertenças: uma que está além e outra que está no mundo atual.

“O mundo da verdadeira realidade a alma e o mundo ilusório dos sentidos do corpo. O

dualismo antropológico aparece assim já explicado no campo propriamente filosófico”

(GARCIA RUBIO, 2004, p. 26-27). Nessa dialética entre ideias e mundo é possível perceber

as contradições dualistas da Comunidade Cristã Paz e Vida. Enquanto que para Pagliarin a

alma do ser humano é uma centelha – e esta necessita de cuidados para a sua própria

libertação – ou seja, tudo dependerá da maneira em que as pessoas vivem na terra. Conforme

já mencionado em nosso estudo, observa-se um discurso contrário a esta visão, no qual ele

afirma que fazer a distinção entre espírito e alma é fundamental para não se confundir alma

com espírito; porque o espírito é a pessoa, única e inigualável, com toda a sua experiência,

consciência e personalidade.

Se temos um corpo, estamos mortos porque somos fundamentalmente nossa

alma; e a alma, enquanto se encontra num corpo, acha-se numa sepultura; e, com isso,

encontra-se em situação de morte. Nosso morrer com o corpo é viver, porque morrendo o

corpo, a alma se liberta da prisão. Juanribe explica:

O pecado, portanto, vai além do conceito de certo ou errado, vai além das cobranças da

consciência, vai além da transgressão das leis dos homens, vai além dos conceitos

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religiosos, porque gera no ser humano uma misteriosa certeza de condenação futura. O

pecado acusa além das fronteiras da consciência. Aquele que comete pecado sabe no seu

interior que se tornou devedor a Alguém superior e que precisa de seu perdão.34

Nesse sentido, o corpo é mal e a alma é boa, e tudo isso representa fatores de

libertação do que é imortal. Essa ideia negativa do corpo sofre certas debilidades nas últimas

obras de Platão, embora nunca desapareça definitivamente. É importante considerar que a

visão gnóstica da filosofia grega apresenta apenas parcialmente condicionada por esse

dualismo exacerbado. Na verdade, suas preposições e corolários fundamentais apoiam-se na

distinção metafísica entre a alma ser dotada de afinidade com o atingível e o corpo realidade

sensível. Percebe-se, no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida, que temos que

viver de acordo com um ser superior para alcançarmos a perfeição divina do nosso corpo. A

morte representa a derrota do corpo. Nesse caso, a alma fica por pertencer ao mundo perfeito

das ideais, com isso a morte física traz benefício para uma vida verdadeira voltada para si

mesmo, sem obstáculos e anteparos, inteiramente unida ao inteligível. “Isso significa que a

morte do corpo representa a abertura para a verdadeira vida da alma, o sentido do paradoxo,

portanto, não muda com a invenção de sua formulação” (REALE, 2014, p. 155). Nas

contradições da Comunidade Cristã Paz e Vida observa-se um desprezo pelo corpo e, ao

mesmo tempo, uma valorização por meio das curas divinas. As afirmações de Pagliarin

apontam para uma negação de uma antropologia integrada por meio de discursos metafísicos

e, inconscientemente, uma visão unitária de ser humano. Por meio dos seus escritos é possível

indicar uma superação desse dualismo Platônico presente no discurso religioso da Paz e Vida.

Para Garcia Rubio: “Nestas perspectivas platônica e neoplatônica, só a alma nos torna

humana. E convém lembrar que, segundo esta visão, a alma possui todas as características

próprias do mundo das ideias: imortal, pertencente ao mundo do divino etc” (GARCIA

RUBIO 2004, p. 27).

As visões platônicas ou neoplatônicas a respeito de Deus, o ser humano e do

mundo, a fé cristã tinha a dizer. Não poderia deixar de ser desconcertante e até extravagante a

confissão cristã de um Deus que cria livre e amorosamente o mundo especialmente o ser

humano. O ser humano é integral, afirma a fé cristã, incluindo alma. Contrariando Platão que

defendia a eternidade da alma. Os patriarcas da igreja “utilizaram a linguagem e o

instrumental expressivos gregos, mas o que eles afirmam em grego era novo entre os gregos,

34 Disponível em: < http://pazevida.org.br/estudos/2262-na-sua-opiniao-o-que-e-pecado.html >. Acesso em: 14

nov. 2016.

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contra as diversas tendências do pensamento helênico” (GARCIA RUBIO 1989, p. 200). O

mundo não é divino e nem eterno e não deve ser considerado como emanação da divindade.

Segundo Juanribe: “o ser humano também foi criado perfeito e sem pecado. Vivia em

comunhão plena com Deus, no lugar mais extraordinário que já existiu na face da Terra. Sua

única restrição era comer da Árvore do Conhecimento do “Bem e do Mal” (Gn 2:17).35 Não

se pode comparar ou afirmar que o ser humano é de outro mundo ou partícula divina, como se

alma dependesse da libertação do corpo físico (como os gnósticos atribuíam esse pensamento).

O ser humano e o mundo são criaturas e na relação entre mundo e ser humano deve também

ser valorizado, mas, não divinizando, o mundo. Para o teólogo Garcia Rubio, a Eclésia não

trilhou este caminho percorrido pelas religiões; antes, abriu-se à interpelação da filosofia e

utilizou o instrumental filosófico grego como expressão do conteúdo da fé cristã, bem como

da visão de ser humano e de mundo. A separação de corpo, alma e matéria ganhou espaço nos

discursos religiosos e causa um grande desafio hoje para a visão de ser humano integrado

(GARCIA, RUBIO 1989, p. 200-2001). Nesta antropologia, o que importa não é tanto o

individuo humano, não é a pessoa humana considerada como única e irrepetível. O que

importa é a dimensão do espírito, alma, que supera todas as outras dimensões do ser humano,

que de forma alguma se encontra desprovido de uma ou aquela dimensão, mas, é considerado,

pela visão bíblica, um ser integral. Não há dualismos entre uma dimensão e outra. Todas se

encontram em harmonia, não desprezando a outra, porém, em uma relação de comunhão e

integração mútua uma com a outra. A pessoa não pode ser reduzida em consciência e espírito,

mas, em uma relação com ambas as partes sem desprezar a outra e interagindo entre si. A

antropologia cristã nunca defendeu um dualismo corpo e alma e, sim, a integração de ambas

as partes como ser em unidade e não dividido entre partes distintas. Quase toda a tradição

cristã, no campo doutrinário, sempre valorizou a alma e espírito em detrimento ao Corpo,

conforme comentado no início deste trabalho. Percebe-se como foi impactante uma visão

dualista de ser humano, principalmente em movimentos pentecostais e neopentecostais. É

uma tendência presente nos discursos religiosos do nosso objeto de pesquisa que é a

Comunidade Cristã Paz e Vida, mas que também possui contradições e possíveis

apontamentos para uma antropologia integrada da referida igreja em questão.

Para Garcia Rubio “não se pode esquecer, é precisamente na qualidade de seres

corpóreos, que somos chamados a viver um relacionamento de comunhão com outros seres

também corpóreos do nosso mundo, eles também criaturas de Deus” (GARCIA RUBIO 2004,

35 Disponível em: < http://pazevida.org.br/estudos/2262-na-sua-opiniao-o-que-e-pecado.html >. Acesso em: 14

nov. 2016.

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p. 75). Assim, não somos partículas cósmicas que almejamos ardentemente sair deste mundo

para a direção da divindade cósmica; temos um corpo integral que nos faz seres humanos, e

entregamos uns aos outros para nos relacionar e manifestar afeto. Em todos estes apologistas

prevalece indubitavelmente a visão unitária de ser humano apesar de que o instrumental é já

helênico (GARCIA RUBIO, 1989, p. 270). Somos unidos ao cosmo e não deve haver

dualismos ou imaginação que nos leve a uma condição de um ser humano distante das coisas

concretas da vida.

Considerações finais

Este capítulo teve por objetivo mostrar que a antropologia neopentecostal da

Comunidade Cristã Paz e Vida pode superar o dualismo – no qual alma e corpo encontram-se

divididos tendo uma interação – fazendo-se presente na constituição humana como um ser

integral. Alguns caminhos foram trilhados a fim de indicar que a superação do dualismo

antropológico só se faz real na experiência unitária do ser humano concreto, com todas as

suas fraquezas e limitações.

Entre as várias possibilidades, destacamos quatro delas. Na primeira

apresentamos que a superação desse dualismo “corpo” e “espírito” só é real a partir da

experiência unitária do ser humano concreto. Sugerimos uma espiritualidade encarnada na

qual a corporeidade se faz presente na própria subjetividade humana. A segunda são as

expressões de curas divinas, uma vez que na Comunidade Cristã Paz e Vida o corpo é

valorizado por intermédio dessas expressões. Na terceira destacamos que, apesar da existência

dos discursos “sobrenaturais” da referida igreja, há uma aparente contradição na medida em

que há uma ênfase do "aqui e agora" nesse discurso. Esta visão pode ser um meio de

superação do dualismo antropológico, especialmente se forem acrescidos às ênfases da

experiência unitária do ser humano como pessoa.

No quarto ponto ressaltamos a superação da visão metafísica da imortalidade

da alma a partir da ressurreição do corpo. As ideias criadas pelas tradições religiosas não

correspondem com a unidade do corpo que a tradição judaico-cristã indica.

Mostramos a unidade do ser humano na visão bíblica, tanto no Novo

Testamento como no Antigo Testamento. Também trabalhamos as questões fundamentais do

dualismo da filosofia helênica como a imortalidade da alma, integralidade condicional ou

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dualidade na unidade do ser humano. Tendo como chave de nossa pesquisa uma visão integral

de ser humano, em toda parte oferecemos um paralelo com a antropologia da Comunidade

Cristã Paz e Vida, a fim de apresentar um contraponto com a visão integral de ser humano.

Apontando, mesmo de certa forma contraditória, a presença de uma visão de ser humano

integral no discurso da referida igreja. O propósito, com esta pesquisa, é de uma contribuição

efetiva no sentido de abordar dúvidas referentes à temática antropológica do ser humano. As

questões de uma teologia sistemática de ser humano, propostas por Alfonso Garcia Rubio, são

muito importantes para uma percepção do humano, em suas relações históricas e

congressionais. Não que o nosso estudo indique ideias inéditas a respeito da antropologia

teológica. A intenção é proporcionar uma contribuição para que novos trabalhos acadêmicos

sejam desenvolvidos no campo da teologia sistemática, que leve em conta os dualismos e

outras formas reducionistas de ver o ser humano, comuns em ambientes evangélico-

pentecostais.

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CONCLUSÃO

O objetivo do nosso trabalho foi contribuir para uma pesquisa antropológica

tendo como chave teórica uma visão integral de ser humano e como base empírica as práticas

e o discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida, analisados a partir dos escritos de

Pagliarin e de documentos da referida Igreja em questão. Comentamos sobre as influências da

filosofia helênica no contexto das comunidades cristãs do primeiro século e a propagação

dessa tendência dualista nos discursos religiosos, no decorrer da história. Nesse sentido, o

dualismo filosófico assedia o cristianismo com suas visões metafísicas e uma série de

desconfianças em relação à corporeidade. Elaboramos a nossa pesquisa em um panorama,

para mostrar o pensamento helênico na vida cristã, e os principais autores dessas influências.

Apresentamos também os dualismos presentes no Ocidente Medieval, entre os reformadores e

entre os pentecostais. Nosso interesse foi a antropologia da Comunidade Cristã Paz e Vida e

para se contrapor a essa visão usamos o conceito de antropologia integral de Alfonso Garcia

Rubio. Mostramos os aspectos teológicos da referida Igreja, tendo uma visão histórica dos

movimentos neopentecostais e pentecostais no Brasil.

Em um segundo momento, abordamos sobre o conceito de "humano integrado",

caracterizado por vários aspectos. A visão que a Bíblia oferece é de uma perspectiva integrada

de ser humano – não de maneira sistemática – mas, o humano visto a partir das situações

concretas da vida, com todas as suas limitações, fraqueza e concretude. Desde os tempos

antigos as percepções dos povos semitas eram de uma visão unitária de ser humano. De forma

alguma esta maneira de atribuir o ser não contrapõe com a visão cristã. Nos primórdios do

cristianismo houve tentativas de reduzir o ser humano em corpo, alma e espírito, por meio da

filosofia helênica, principalmente platônica. Tanto o Novo Testamento como o Antigo

Testamento apresentam uma antropologia integrada de ser humano, conforme já mencionado

no segundo capítulo desta pesquisa. A visão majoritária que se tem hoje sobre o ser humano é

refém da filosofia helênica e metafísica. Percebe-se esta maneira de atribuir o ser humano em

diversas representações religiosas, mas, principalmente, no pentecostalismo e

neopentecostalismo. De certa forma, o pensamento helênico tem influenciado certos textos de

livros deuterocanônicos do Antigo Testamento e Novo Testamento, mas de maneira alguma

essa tentativa dualista não valida a concepção integrada com toda a sua corporeidade.

Em um primeiro momento mostramos, de modo panorâmico, como a visão

helenista influenciou o cristianismo no decorrer dos séculos e os demais movimentos oriundos

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do cristianismo. Apresentamos que a dicotomia de ser humano não foi apenas um problema

de época, encontra-se hoje presente em diversos grupos religiosos, principalmente no

neopentecostalismo e movimentos seculares. Comentamos também como esse dualismo

penetrou na história e como essa tendência impactou épocas contemporâneas com uma visão

dualista de ser humano.

Em seguida, estudamos a antropologia teológica da Comunidade Cristã Paz e

Vida e sua concepção teológica de ser humano. Percebemos que em seu discurso religioso há

uma valorização da “alma” e “espírito” menosprezando a corporeidade. Mostramos que a sua

liturgia se assemelha com as demais Igrejas Pentecostais como as práticas de curas divinas, a

ênfase no mundo sobrenatural e dualismo entre corpo e espírito. Vimos também como a

Comunidade Cristã Paz e Vida assimilou a influência da filosofia grega em seus discursos e

como essa tendência dicotômica de ser humano impactou em sua liturgia, as ênfases em um

mundo sobrenaturalista, desprezando o "aqui-e-agora", além de valorizar as coisas que

pertencem ao mundo das ideias, o que é típico da cultura helenista. Observamos uma

valorização da alma tendo esta como imortal. Com isso mostramos um dualismo radical –

com certo desprezo pela vida vivida no presente – com uma perspectiva para o mundo das

ideias, menosprezando as práticas corporais no cotidiano para uma visão metafísica. Assim, a

influência gnóstica tem espitualizado o “eu” para uma tendência de exclusão entre corpo e

espírito, abrindo-se para um mundo em que a dimensão corpórea não deve ser considerada por

fazer parte da matéria e essa sendo má. Nesse sentido o que importa é uma vida em

obediência para o divino em detrimento com o corpo.

E, por último, no terceiro capítulo, mostramos caminhos de superação do

dualismo presente nesse movimento. Apontamos contradições em que a ênfase no "aqui-e-

agora" – embora não seja majoritária no pensamento de Pagliarin e na Comunidade Cristã Paz

e Vida – pode representar uma direção de superação do dualismo “corpo” e “alma”.

Concluímos que, apesar da expressão metafísica presente no Credo da Comunidade Cristã Paz

e Vida e as manifestações de curas divinas, há inconscientemente uma valorização da

corporeidade por meios das curas do corpo. Desta forma indicamos que há superação desse

dualismo, por meio de suas práticas e discursos. Apesar do dualismo antropológico da

Comunidade Cristã Paz e Vida há uma confirmação – ou uma aparente aproximação – de uma

visão em que o corpo se faz presente, relacionando-se com outros corpos.

Ao longo da pesquisa realizamos uma leitura nas obras de Alfonso Garcia

Rubio e de outros renomados autores, visando à indicação de caminhos para a superação

desse dualismo presente no discurso religioso da Comunidade Crista Paz e Vida. Analisamos

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textos escritos por Pagliarin e concluímos, nessas leituras, dualismos herdados pela filosofia

helênica. Mas, apesar da visão grega, há também contradições de uma aproximação de uma

visão de ser humano integrado.

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de Alfonso García Rubio para a Superação do Dualismo Antropológico. Dissertação

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