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0 GLEICE DE DIVITIIS GÊNESE DA ANTROPOLOGIA DA COMUNICAÇÃO NO BRASIL Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo – SP, 2009

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GLEICE DE DIVITIIS

GÊNESE DA ANTROPOLOGIA DA COMUNICAÇÃO NO BRASIL

Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo – SP, 2009

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GLEICE DE DIVITIIS

GÊNESE DA ANTROPOLOGIA DA COMUNICAÇÃO NO BRASIL

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São

Paulo para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Professor Dr. José Marques de Melo

Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo – SP, 2009

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação de mestrado sob o título “Gênese da Antropologia da Comunicação no Brasil”, elaborada por Gleice De Divitiis foi defendida e aprovada em 04 de fevereiro de 2009, perante a banca examinadora composta pelo Professor Dr. José Marques de Melo, Professora Dra. Maria Cristina Gobbi e Professor Dr. Arquimedes Pessoni.

Declaro que a autora incorporou as modificações sugeridas pela banca examinadora, sob a minha anuência enquanto orientador, nos termos do Art. 34 do Regulamento dos Cursos de Pós-Graduação.

Assinatura do orientador:

Nome do orientador: Professor Dr. José Marques de Melo.

Data: São Bernardo do Campo, 30 de março de 2009

Visto do Coordenador do Programa de Pós-Graduação:

Área de Concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Comunicação Massiva

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SUMÁRIO

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Resumo

Resumen

Abstract

1. Introdução.................................................................................13

1.1. Metodologia Empregada........................................................15

1.2. Desenvolvimento do Trabalho Proposto................................17

2. Revisão de Literatura................................................................20

2.1. Antropologia..........................................................................20

2.2. Comunicação.........................................................................23

2.3. A intersecção – Antropologia e Comunicação......................24

CAPÍTULO I - Pensamento Comunicacional Brasileiro ...............28

1. Primeiros Passos – o conhecimento empírico (de Fernandes Pinheiro

a Barbosa Lima Sobrinho........................................................28

2. Assimilação Acadêmica: a contribuição das Ciências Sociais (de

Gilberto Freyre a Emílio Willems)..........................................31

3. Pioneiras Incursões Antropológicas – Egon Schaden e a

FFLCH......................................................................................38

3.1. Egon Schaden – Biografia..................................................39

3.2. Egon Schaden – Pensamento..............................................42

3.3. A Revista de Antropologia..................................................45

3.4. Contemporâneos de Schaden na FFLCH............................48

3.5. A Contribuição de Gioconda Mussolini..............................48

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5

CAPÍTULO II – Antropologia da Comunicação no Brasil...............52

1. João Baptista Borges Pereira: o desbravador – vida e obra...........52

1.1. Introdução..............................................................................52

1.2. Biografia.................................................................................53

1.3. Pensamento.............................................................................56

1.4. Relacionamento com Egon Schaden.......................................58

1.5. Obras.......................................................................................59

1.6. Antropologia da Comunicação................................................60

2. Trabalho Seminal – o negro e o rádio de São Paulo........................61

2.1. Cor, Profissão e Mobilidade....................................................61

2.2. Macacas de Auditório..............................................................64

3. Incursões de João Baptista Borges Pereira.......................................65

3.1. Antropologia da Comunicação...................................................66

3.1.1. Teses e/ou Dissertações orientadas referentes à temática....66

CAPÍTULO III – Antropologia da Comunicação na USP....................68

1. A Configuração do Campo Comunicacional...................................68

1.1. Pós-Graduação na ECA-USP..................................................69

2. Antropologia da Comunicação – Antecedentes...............................70

3. Antropologia da Comunicação.........................................................72

3.1. Cultura Brasileira – Aculturação de Imigrantes no Brasil......74

4. Discípulos de Schaden na ECA-USP...............................................75

4.1. Nelly de Camargo...................................................................75

4.1.1. Biografia.............................................................................75

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4.1.2. Pensamento.........................................................................78

4.2. Joseph Luyten.........................................................................81

4.2.1. Biografia.............................................................................81

4.2.2. Pensamento.........................................................................82

4.2.3. Obras...................................................................................84

4.2.4. A Configuração da Folkcomunicação.................................85

4.3. Sônia Luyten...........................................................................86

4.3.1. Biografia.............................................................................86

4.3.2. Pensamento.........................................................................88

4.3.3. Relacionamento com Egon Schaden...................................89

4.3.4. Obras...................................................................................90

4.4. Luiz Augusto Milanesi...........................................................91

4.4.1. Perfil Intelectual.................................................................91

4.4.2. O Paraíso Via Embratel......................................................92

5. Egon Schaden na Universidade Metodista de São Paulo.................93

6. A Antropologia da Comunicação na “Era Pós-Schaden”...............94

6.1. Solange Couceiro – Perfil Intelectual.....................................94

6.2. Solange Couceiro – Pensamento.............................................95

6.3. O negro na televisão de São Paulo..........................................97

6.4. Outras obras de Solange Couceiro..........................................99

6.5. Cor, Profissão e Mobilidade e o Negro e na TV de São

Paulo......................................................................................100

7. Focos irradiadores da Antropologia da Comunicação...................102

7.1. Discípulos de Solange Couceiro...........................................102

7.2. Dalva Aleixo Dias – Biografia .............................................102

7.2.1. Dalva Aleixo Dias – Pensamento.....................................103

7.2.2. Dalva Aleixo Dias – Relacionamento com Solange

Couceiro............................................................................105

7.3. Joel Zito Araújo – Biografia.................................................106

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7

7.3.1. Joel Zito Araújo – Pensamento.......................................108

7.3.2. Joelzito Araújo – Relacionamento com Solange

Couceiro..........................................................................110

7.3.3. Joel Zito Araújo – Obras................................................111

7.4. Ricardo Alexino Ferreira – Biografia.....................................112

7.4.1. Ricardo Alexino Ferreira – Pensamento.........................113

7.4.2. Ricardo Alexino Ferreira – Relacionamento com Solange

Couceiro..........................................................................115

7.4.3. Ricardo Alexino Ferreira – Obras...................................116

8. A Difusão da Antropologia da Comunicação no Brasil.................117

8.1. Alfredo Dias D’Almeida – Biografia....................................118

8.1.1. Alfredo D’Almeida – Pensamento...............................119

8.2. Roberto Reis de Oliveira – Biografia....................................121

8.2.1. Roberto Reis de Oliveira – Pensamento......................122

Conclusões................................................................................................125

Referências Bibliográficas......................................................................130

Anexos.......................................................................................................136

Fotos.................................................................................................137

Sínteses.............................................................................................150

Conteúdo Programático – Disciplinas Ministradas por Schaden na

Universidade Metodista de São Paulo.......................................................167

Entrevistas.......................................................................................173

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RESUMO

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Resumo:

O principal objetivo desta dissertação é inventariar, através de análise

documental, história de vida e entrevistas, os fatos e personagens que contribuíram para

o desenvolvimento do estudo antropológico da comunicação no Brasil, culminando com

a criação da disciplina “Antropologia da Comunicação”, no âmbito da Escola de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. O foco da pesquisa foi orientado

para desvendar o papel desempenhado pelo Professor Dr. Egon Schaden, bem como

pelo seu discípulo, Professor Dr. João Baptista Borges Pereira, destacando a

significação do livro “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo” para

a História do Pensamento Comunicacional Brasileiro.

Palavras-Chave: História do Pensamento Comunicacional; Pensamento

Comunicacional Brasileiro; Antropologia da Comunicação; Egon Schaden; João

Baptista Borges Pereira.

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Resumen:

El principal objetivo de la investigación es presentar, con un análisis

documental, historia de vida y entrevistas, los factos y personajes que han contribuido

para el desarrollo del estudio antropológico de la comunicación en Brasil, culminando

con la creación de la disciplina “Antropología de la Comunicación”, en la “Escola de

Comunicações e Artes de la “Universidade de São Paulo”. El foco de la investigación

ha sido orientado para desvendar el papel desempeñado por el maestro Egon Schaden,

además de su discípulo, João Baptista Borges Pereira, destacando la significación del

libro “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo” para la Historia del

Pensamiento Comunicacional Brasileño.

Palabras Clave: Historia del Pensamiento Comunicacional Brasileño; Pensamiento

Comunicacional Brasileño; Antropología de la Comunicación; Egon Schaden; João

Baptista Borges Pereira.

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Abstract:

The main aim of this research is to show through an documental analysis life

history and interviews, the facts and characters who contributed for the development of

anthropology studies, that were responsible for the creation of the subject

“Communication Anthropology”, at “Escola de Comunicações e Artes” of

“Universidade de São Paulo”. The focus of this research was guided to discover the job

performed by Professor Egon Schaden in this process, such as his pupil, João Baptista

Borges Pereira, observing the importance of the book “Cor, Profissão e Mobilidade: o

negro e o rádio de São Paulo”, to the Brazilian Communication Thought History.

Key Words: Brazilian Communication Thought History; Brazilian Communication

Thought; Communication Anthropology; Egon Schaden; João Baptista Borges Pereira.

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INTRODUÇÃO

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1. Introdução:

Todos os anos, projetos focalizando a Antropologia, a Comunicação e a

Antropologia da Comunicação são desenvolvidos nas mais diversas instituições de

ensino superior do Brasil. Todavia, no que se refere à História da Antropologia da

Comunicação, vista como disciplina, pouco se tem produzido. Parte dessa lacuna tentará

ser preenchida nesta investigação exploratória, que integra o Programa de Pesquisa

“Memória das Ciências da Comunicação no Brasil”, encabeçado pelo Professor Dr. José

Marques de Melo, cujo objetivo é resgatar e preservar a memória dos estudos sobre

Comunicação nas universidades brasileiras. Especificamente, este trabalho se insere nos

estudos relacionados ao Grupo Comunicacional do Butantã, que inclui os pesquisadores

atuantes na Universidade de São Paulo 1.

A implantação da Antropologia da Comunicação no Brasil confunde-se com a

história da atual Escola de Comunicação e Artes (ECA)2, da Universidade de São Paulo

(USP), no final dos anos 60, e início da década de 70, do século passado.

De regresso ao Brasil, após alguns anos ministrando cursos e proferindo

palestras no exterior, o Professor Dr. Egon Schaden (1913-1991), antes responsável pela

cadeira de Antropologia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

(FFLCH) da USP, vinculou-se à ECA, trazendo consigo amplo conhecimento da área

antropológica para criar a disciplina Antropologia da Comunicação. Trajetória

semelhante marcou a identidade acadêmica dos profissionais que constituíram o quadro

docente da ECA, em sua primeira década de existência. Isso se explica pela escassez de

doutores com titulação em Comunicação, e a necessidade da composição de um grupo

docente com pessoas tituladas nas mais diversas áreas das Humanidades. Com isso, o

estudante universitário teria uma formação interdisciplinar, e a oportunidade de

estruturar um senso crítico mais apurado.

Schaden também foi um dos articuladores para a criação do mestrado em

Ciências da Comunicação na ECA-USP, no início da década de 70. Logo depois,

enfrentou dificuldades políticas, que culminaram com o seu afastamento da USP.

1 A descrição das principais informações coletadas nesse programa está contida na trilogia escrita pelo Professor Dr. José Marques de Melo: História do Pensamento Comunicacional (Paulus, 2003); A Esfinge Midiática (Paulus, 2004) e História Política das Ciências da Comunicação (Maud, 2008). 2 A atual Escola de Comunicações e Artes foi fundada em 1966, com o nome de Escola de Comunicações Culturais (ECC).

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Regressou à ECA com a anistia, em 1979, passando a chefiar o Departamento de

Biblioteconomia e Documentação. Nesse período, o professor lecionou no Programa de

Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, cujo

corpo docente foi constituído, inicialmente, por docentes originários da USP3.

Schaden sinaliza que a Antropologia da Comunicação

tal como é ministrada na Universidade de São Paulo, a disciplina tem por objetivo a discussão das principais teorias e perspectivas metodológicas empregadas na interpretação da realidade cultural, sempre que possível com referência aos fenômenos de comunicação. Desta maneira, a integração das culturas e, de modo particular, a sua unidade funcional e os seus princípios estruturais são postos em confronto com os processos de comunicação inerentes aos diferentes tipos de sistemas. Dá-se importância primordial à análise dos processos culturais enquanto expressões características das formas de comunicação condicionadas pela cultura e à dos efeitos que os meios de comunicação têm na sua transformação. É que, para se chegar a uma explicação científica do processo de comunicação, este deve ser encarado primordialmente em termos de processo cultural. (Schaden, 1974, p.130)

Anterior à existência da Antropologia da Comunicação, como disciplina

propriamente dita, Schaden orientou a tese de doutorado em Antropologia4 do Professor

João Baptista Borges Pereira, defendida na FFLCH no ano de 1966, intitulada “Cor,

Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”. Pode-se admitir que a obra

mencionada representa o início da Antropologia da Comunicação, como área de estudos

acadêmicos no Brasil. A continuidade da tese de Borges Pereira, se deve, anos mais

tarde, em 1971, à dissertação de mestrado em Antropologia, da Professora Solange

Martins Couceiro de Lima, denominada “O Negro e a Televisão de São Paulo: um

estudo de relações raciais”, orientada pelo próprio João Baptista Borges Pereira.

Primeira orientanda de Borges Pereira em sua trajetória acadêmica, mais tarde,

Couceiro trabalhou como assistente de Schaden na ECA5.

As sementes deixadas por Schaden foram cultivadas por Borges Pereira e Couceiro

rendendo alguns frutos. Ex-orientandos de Borges Pereira e Couceiro começaram a

desenvolver projetos de pesquisa, e a ministrar aulas de Antropologia da Comunicação6

3 Ver: CASTELO BRANCO, Samantha; MARQUES DE MELO, José. Pensamento Comunicacional Brasileiro – O Grupo de São Bernardo. São Bernardo do Campo: UMESP, 1998. 4Primeira tese em Antropologia defendida, desde a instituição da disciplina em 1936. 5Ambas as obras serão analisadas, respectivamente, nos Capítulos II e III: Antropologia da Comunicação no Brasil e Antropologia da Comunicação na USP. 3 A disciplina Antropologia da Comunicação não é a única nomenclatura utilizada para estudar a relação do homem, de sociedades consideradas marg inalizadas ou minorias, e os meios de comunicação. Na ECA, por exemplo, após algumas reformulações a Antropologia da Comunicação fora transformada em

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nas faculdades e universidades onde estão vinculados. Com isso, a linha de pesquisa

implantada nos anos 60, se mantém viva até este início de século XXI, contando todos

os anos, com novas adesões e projetos de pesquisa.

1.1. Metodologia Empregada:

Fundamentalmente, esta investigação está amparada em fontes bibliográficas, e

em entrevistas semi-abertas e abertas. Foram entrevistados7 pesquisadores que, direta e

indiretamente contribuíram para consolidar a Antropologia da Comunicação no Brasil.

Com relação à entrevista semi-aberta, Duarte (2008, p. 66) enfatiza que

A lista de questões desse modelo tem origem no objeto de pesquisa e busca tratar da amplitude do tema, apresentando cada pergunta da forma mais aberta possível. Ela conjuga a flexibilidade da questão não estruturada com um roteiro de controle.

Já a entrevista aberta, segundo Duarte (2008, p.65)

Tem como ponto de partida um tema ou questão ampla e flui livremente, sendo aprofundada em determinado rumo de acordo com aspectos significativos identificados pelo entrevistador enquanto o entrevistado define a resposta segundo seus próprios termos, utilizando como referência seu conhecimento, percepção, linguagem, realidade, experiência. Dessa maneira, a resposta a uma questão origina a pergunta seguinte e uma entrevista ajuda a direcionar a subseqüente. A capacidade de aprofundar as questões a partir das respostas torna este tipo de entrevista muito rico em descobertas.

A pesquisa bibliográfica é definida por Marconi e Lakatos (2002, p.71) como a

“Antropologia Cultural”, ministrada obrigatoriamente para os alunos do curso de Relações Públicas. Em outras instituições, a disciplina também recebe a denominação de “Antropologia Visual”. 7 Foram entrevistados nesta pesquisa: Alfredo Dias D’Almeida (ex-orientando de Joseph Luyten); Dalva Aleixo Dias (ex-orientanda de Solange Couceiro); João Baptista Borges Pereira (ex-orientando de Egon Schaden); Joelzito Araújo (ex-orientando de Solange Couceiro); José Marques de Melo (ex-colega de Egon Schaden na ECA-USP); Nelly de Camargo (ex-orientanda de Egon Schaden); Ricardo Alexino Ferreira (ex-orientando de Solange Couceiro); Roberto Reis de Oliveira (ex-orientando de Dalva Aleixo Dias) e Sônia Bibe Luyten (ex-orientanda de Egon Schaden).

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Bibliografia já tomada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros pesquisas, monografias, teses, material cartográfico, etc., até meios de comunicação orais: rádio, gravações em fitas magnéticas e audiovisuais: filmes e televisão. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas ou gravadas.

Especificamente nesta dissertação, a análise bibliográfica privilegiou alguns livros, e

principalmente, artigos de autores, como por exemplo, Egon Schaden, Emílio Willems,

João Baptista Borges Pereira e Solange Martins Couceiro de Lima. A relação das fontes

utilizadas está exposta no capítulo “Referências Bibliográficas”, tendo sido coletadas

nas bibliotecas da Universidade Metodista de São Paulo, da Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), e da Escola de Comunicações e Artes

(ECA-USP). Através da Rede Mundial de Computadores foi possível obter artigos,

currículos e informações adicionais a respeito do objeto investigado.

Esta análise exploratória 8 tem como intuito responder algumas questões traçadas

anteriormente, entre elas:

- Quais foram os antecedentes para a criação da disciplina Antropologia da

Comunicação no Brasil?

- Qual era o contexto histórico e/ou cultural no período da fundação da Antropologia da

Comunicação no Brasil?

- Quais foram os principais trabalhos produzidos nessa área interdisciplinar?

- Como a disciplina Antropologia da Comunicação se desenvolveu na Universidade de

São Paulo?

- Como ocorreu a difusão da disciplina em outras instituições de ensino?

Entre os procedimentos citados anteriormente, as entrevistas foram úteis para

adicionar informações, negar ou confirmar dados colhidos nas investigações

bibliográficas e documentais.

Com o intuito de cumprir as metas previamente estabelecidas, a dissertação tentará

responder as indagações propostas acima por meio de três capítulos: Pensamento

8 A análise exploratória é compreendida por Gil (1996), como o exercício de conhecer “[...] mais e melhor o problema, elabora hipóteses, aprimora idéias, descobre intuições”.

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Comunicacional Brasileiro, Antropologia da Comunicação no Brasil e Antropologia da

Comunicacional na USP.

Em tese, pretende-se verificar como se deu a constituição da disciplina Antropologia

da Comunicação no âmbito acadêmico no Brasil e, em especial, no Estado de São

Paulo. Dessa forma, explica-se a escolha pelo título da presente dissertação.

1.2. Desenvolvimento do Trabalho Proposto:

A presente investigação está dividida conforme descrição a seguir:

Na Revisão de Literatura, será explicitado, brevemente, o surgimento da

Antropologia, das Ciências da Comunicação, e o momento em que a Antropologia passa

a analisar as influências que os processos comunicacionais recebem dos meios de

comunicação.

No primeiro capítulo intitulado “Pensamento Comunicacional Brasileiro”, será

relatado os primeiros passos de estudiosos como o Cônego Fernandes Pinheiro e

Barbosa Lima Sobrinho. A contribuição das Ciências Sociais para a Comunicação,

através de Gilberto Freyre e Emílio Willems, e o pioneirismo de Egon Schaden e seus

discípulos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de

São Paulo (FFLCH-USP), também serão apresentados nesse capítulo inicial.

O segundo capítulo, que recebeu a denominação de “Antropologia da Comunicação

no Brasil”, terá como objeto de análise o primeiro trabalho científico, produzido no

Brasil, que pode ser catalogado como uma obra referencial para a “Antropologia da

Comunicação”. Trata-se de “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São

Paulo”, de João Baptista Borges Pereira. Além de apresentar a obra com detalhes, será

traçado o perfil intelectual do autor, assim como seus projetos e demais contribuições à

Antropologia de uma forma generalizada.

Já o terceiro capítulo enfatizará a institucionalização da disciplina “Antropologia da

Comunicação”, especialmente na Escola de Comunicações e Artes. Será ressaltada a

colaboração de Egon Schaden (fundador da disciplina na USP, e orientador do trabalho

seminal para o campo produzido por João Baptista Borges Pereira) e seus discípulos, e a

difusão da disciplina pelo país.

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Na parte conclusiva, será apresentada uma análise sobre todo o conteúdo exposto ao

longo desta dissertação. Nas referências bibliográficas, estarão listadas todas as fontes

utilizadas.

Nos anexos, o leitor terá a oportunidade de ler a íntegra das entrevistas concedidas à

autora desta dissertação. Além disso, foram incluídas sínteses das duas obras seminais

para a “Antropologia da Comunicação” no Brasil9, e algumas fotos das pessoas citadas

neste trabalho.

9 São elas: “Cor Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”, cuja autoria pertence ao Professor Dr. João Baptista Borges Pereira, e “O Negro na Televisão de São Paulo: um estudo de relações raciais”, de Solange Martins Couceiro de Lima.

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REVISÃO

DE

LITERATURA

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2. Revisão de Literatura:

2.1 . Antropologia:

Muito antes da Antropologia se tornar a “Ciência do Homem”, ou o estudo dos

processos culturais de uma determinada sociedade, o interesse pelo estudo

antropológico configurou-se na Europa. Com as grandes navegações, durante os séculos

XV e XVI, e os novos territórios explorados, surge a curiosidade em conhecer quem

eram e como viviam os na tivos do denominado “novo mundo”10. Paradoxalmente, em

outros continentes onde viviam povos ditos civilizados, não é possível determinar a

existência de iniciativas de auto-observação, e/ou verificação de outras sociedades.

Considerado pelos antropólogos contemporâneos como “o pai da Antropologia

Moderna”, Boas (2008, p. 87) identifica a gênese desse interesse acerca das civilizações

distantes nos povos greco-romanos: “Numa época antiga, os homens estavam

interessados em países estrangeiros e na vida de seus habitantes. Heródoto relatou aos

gregos o que havia visto em muitas terras. César e Tácito escreveram sobre os costumes

dos gauleses e dos alemães”.

Os povos “descobertos” pelo homem europeu foram denominados “selvagens”.

Supostamente providos de reduzida capacidade intelectual, eram considerados avessos

aos padrões do “velho mundo”. Assim como na Grécia Antiga, onde todo e qualquer

indivíduo que não fosse grego era chamado de “bárbaro”, o europeu fazia essa

distinção, acreditando que os habitantes dos novos continentes tinham, além de baixo

intelecto, características animalescas, que, talvez, jamais poderiam ser corrigidas. Por

isso mesmo, a convivência “amistosa” entre “civilizações” e “selvagens” era

impensável.

O Renascimento explora espaços até então desconhecidos e começa a elaborar discursos sobre os habitantes que povoam aqueles espaços. A grande questão que é então colocada, e que nasce desse primeiro confronto visual com a alteridade, é a seguinte: aqueles que acabaram de serem descobertos pertencem à humanidade? O critério essencial para saber se convém atribuir-lhes um estatuto humano é, nessa época, religioso: O selvagem tem uma alma? O pecado original também lhes diz respeito? – questão capital para os missionários, já que da resposta irá depender o fato de saber se é

10 Ver LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.

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possível trazer-lhes a revelação. Notamos que se, no século XIV, a questão é colocada, não é deforma alguma solucionada. Ela será definitivamente resolvida dois séculos mais tarde. (Laplantine, 2007, p. 37-38)

Como sugeriu Laplantine, as questões religiosas atrasaram, de certa forma, a

consolidação da Antropologia como uma ciência. A explicação divina para a evolução

humana impediu que estudos aprofundados fossem realizados e/ou aceitos. Somente a

partir dos séculos XVIII e XIX, a Antropologia começa a ser delineada como um campo

científico. Nesse instante, os “selvagens” passam a ser chamados de “primitivos”. Dessa

maneira, era identificada toda a civilização que não fizesse parte do bloco europeu ou

norte-americano.

A partir do século XX, os “povos primitivos” são considerados seres em

processo de extinção. Caia por terra, a tese de que jamais ocorreria aculturação entre os

primitivos e os ocidentais

Surgia, nessa época, um conflito pessoal entre os que se dedicavam ao estudo

das civilizações primitivas. Muitos investigadores viviam décadas, realizando pesquisas

etnográficas, imergidos nas localidades ditas primitivas. A pergunta que esses cientistas

se faziam era: “Os estudiosos dos povos primitivos serão excluídos sem a existência do

seu objeto de análise?”

Logo, se o objeto de estudo evoluiu, a ciência seguiu o mesmo ritmo. A

Antropologia se transformou no estudo comparativo das sociedades urbanas e/ou de

grupos marginalizados, ou ainda, de pequenas estruturas sociais. O campo começa a

averiguar o homem através de uma ótica mais amplificada. A Antropologia começa a

assumir ares mais sofisticados, subdividindo-se e configurando especialidades capazes

de observar o homem sob diferentes perspectivas. Com isso, aparece a Antropologia

Biológica ou Física, Antropologia Social e Cultural (etnologia), Antropologia

Lingüística, Antropologia Psicológica e a Antropologia Pré-Histórica ou Arqueologia.

Na academia, o ensino de Antropologia é relativamente recente. Laplantine

(2007, p. 25) afirma que “[...] a Antropologia só começou a ser ensinada nas

universidades há algumas décadas. Na Grã-Bretanha a partir de 1908 (Frazer em

Liverpool), e na França, a partir de 1943 (Griaule na Sorbonne, seguido por Leroi-

Gourhan)”.

Em território nacional, a Antropologia aparece no ambiente acadêmico em

meados da década de 30 do século passado, surgindo, inicialmente, na Universidade do

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Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Especificamente em São Paulo, a Antropologia

nasceu na Escola de Sociologia e Política, no Estado de São Paulo. Em 1935, na então

recém-criada Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo,

localizada na Rua Maria Antonia, bairro da Consolação, a disciplina é desbravada por

Claude Levi-Strauss (gerador da teoria da Antropologia Estrutural). No seguinte (1936),

as aulas de Antropologia passam a ser ministradas, na FFCL, por Emílio Willems.

Em 1939, a Escola de Sociologia e Política de São Paulo (instituição pioneira no

estudo exclusivo das Ciências Sociais naquele período) cria, por iniciativa do professor

americano Donald Pierson, o departamento de Sociologia e Antropologia daquela

instituição de ensino superior, que anos mais tarde, transforma-se em um setor de

estudos pós-graduados11.

João Baptista Borges Pereira (1994, p.249) resgata a cronologia da disciplina

Antropologia 12, na Universidade de São Paulo:

passa a ser lecionada como matéria obrigatória nos cursos de Ciências Sociais, Geografia e História e, em 1947, consegue que seja instituído o diploma de especialização em Antropologia, juntamente com os de Sociologia e Ciência Política. Um ano depois, em 1948, de disciplina obrigatória a Antropologia passa à Cadeira número 49, sendo indicado para regê-la o professor Willems.

Através da visão do Professor Dr. Egon Schaden (1954, p.4), a disciplina tinha

quatro objetivos básicos que necessitavam ser alcançados:

1º) munir os licenciados em história, geografia e ciências sociais de uma perspectiva antropológica, que lhes proporcione novas possibilidades no tratamento de pesquisa; 2º) formar professores de antropologia que venham ocupar as cátedras universitárias ou trabalhar junto a elas; 3º) formar pesquisadores competentes, que se dediquem à investigação científica dos problemas antropológicos do país; 4º) formar técnicos capazes de aplicar os conhecimentos antropológicos na solução de problemas práticos.

11 Ver CÔRREA, Mariza. História da Antropologia no Brasil (1930-1960) – Volume 1. 2. ed. São Paulo: Edições Vértice, 1987. 12 A disciplina Antropologia foi instituída através do decreto número 12.038, de 1º de julho de 1941.

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23

2.2 . Comunicação:

O principal fator biológico que difere a espécie humana de outros animais é a

comunicação através de um código lingüístico sofisticado e estruturado. Os primeiros

indícios da constituição de um pensamento comunicacional no ocidente são delineados

pelos filósofos da Antiga Grécia e resgatados por Aristóteles.

Nesse período, é constatada que a dicotomia entre Política e Comunicação é

essencial para a manutenção das sociedades civilizadas. Na percepção de Aristóteles e

de seus seguidores, um bom governante deveria ter desenvolvida a arte da retórica, isto

é, a capacidade de persuasão e argumentação verdadeira13.

Após os gregos, através de Quintiliano, no primeiro século depois de Cristo, os

romanos continuaram a projetar o campo comunicacional. Mais adiante, outros

pensadores deram seguimento à sistematização da Comunicação. Entretanto, Marques

de Melo (2003, p.9) sinaliza que “a matriz identificadora do novo campo acadêmico só

despontaria em terras americanas em meados do século XX ”.

Dessa forma, o campo comunicacional tem origem remota, contudo

problemática, segundo a visão dos cientistas antigos e contemporâneos. A geração de

tensões e/ou conflitos ocorre pelo fato de a comunicação estar intersectada

permanentemente por outros campos de conhecimento.

Admitir diversas áreas de estudo é outra característica peculiar da Comunicação.

A Tecnologia, a Linguística, as Artes, as Ciências Sociais, a Literatura, a Filosofia, e

outras contribuem para o campo comunicacional.Entre o período aristotélico e o século

XVI, as investigações estavam concentradas no Interpessoal Grupal. Estavam em

evidência, nesse longo período, como afirma Marques de Melo14, a Linguística e a

Educação. Em um segundo momento, que compreende os séculos XVII e XIX,

13 Ver MARQUES DE MELO, José. História do Pensamento Comunicacional. São Paulo: Paulus, 2003. 14 Tais afirmações fazem parte do conteúdo didático oferecido durante as aulas da disciplina “História do Pensamento Comunicacional”, ministradas pelo Professor Dr. José Marques de Melo, para o Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, no período compreendido entre os meses de março e junho de 2008.

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24

evidencia-se a Filosofia da Comunicação, a História da Comunicação e o Direito da

Comunicação.

O campo comunicacional adquiriu notoriedade e autonomia na América Latina

somente a partir da segunda metade do século XX. Entretanto, ainda no século XIX, a

imprensa torna-se objeto de estudo. Os registros feitos no Brasil pelo Cônego Fernandes

Pinheiro, Alfredo de Carvalho e outros estudiosos comprovam essa tese15.

O século XX representa a consolidação da Comunicação, e a sua conseqüente

inserção no ambiente acadêmico. Na primeira metade do século, as investigações estão

dirigidas à comunicação coletiva. O jornalismo, a propaganda, as relações públicas e as

tecnologias mais recentes como a fotografia, a cinematografia e a radiodifusão são as

disciplinas que fazem parte desse contexto. É nessa oportunidade que surgem as

pesquisas realizadas por Harold Laswell (1902-1978), referentes à propaganda política

realizadas no período da I Guerra Mundial.

Ainda nesse período, as tecnologias de difusão de conteúdos em massa, que

representavam uma nova realidade comunicacional, foram alvo de duras críticas feitas

pela “Escola de Frankfurt”, geradora da “Teoria Crítica”. A pesquisa social dos

“frankfurtianos” privilegiou a crítica ao capitalismo, sugeria que a comunicação em

massa, ou a produção de bens culturais em série, a chamada “Indústria Cultural”, sendo

capaz de trazer alienação ao público receptor desses produtos, era responsável por

“esconder” a realidade vivida pela sociedade.

A segunda metade do século XX, marcada pela Guerra Fria entre Estados

Unidos e União Soviética, e pelos governos ditatoriais na América Latina, é também

conhecida pelo avanço dos cursos de Comunicação nas universidades ao redor do

mundo. Nessa conjuntura, a Comunicação passa a ser analisada através da perspectiva

das ciências sociais.

2.3. A intersecção - Antropologia e Comunicação:

De acordo com a tendência do período pós Segunda Guerra Mundial, ficam em

evidência os estudos nas áreas de Sociologia da Comunicação, Psicologia da

Comunicação, Antropologia da Comunicação e Política da Comunicação.

15 O trabalho de Fernandes Pinheiro será apresentado com maiores detalhes na Unidade I deste trabalho.

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25

O objeto da Antropologia da Comunicação, foco de análise deste trabalho, é

assim vista por Laplantine (2007, p 130):

o que se pode qualificar de Antropologia da Comunicação, que, com o impulso de Gregory Bateson e da escola de Palo Alto, estuda as diferentes modalidades da comunicação entre homens, não a partir dos interlocutores que seriam considerados como elementos separados uns dos outros, mas a partir dos processos de interação formando sistemas de troca, integrando notadamente tudo o que, no encontro, se dá ao nível (não verbal) das sensações , dos gestos, das mímicas, e das posturas.

Em território brasileiro, no ano de 1966, nasce na Universidade de São Paulo, a

Escola de Comunicações Culturais (ECC), que após a reforma universitária, transforma-

se em Escola de Comunicações e Artes (ECA). Professores dos mais diversos campos

das Ciências Humanas participam da construção da nova instituição. Com isso,

conhecimentos previamente adquiridos em outros campos foram trazidos, e

contribuíram significativamente para a estruturação dos cursos de graduação e pós-

graduação da ECA-USP. Entre eles, o Professor Dr. Egon Schaden, que utilizando-se da

experiência como ex-catedrático de Antropologia da Faculdade de Filosofia Letras e

Ciências Humanas da USP, funda na ECA, a disciplina “Antropologia da

Comunicação”. Dessa forma, a ECA torna-se pioneira nos estudos da Antropologia

ligados diretamente às Ciências da Comunicação.

Para Schaden (1974, p. 127),

o atual interesse pelos estudos de comunicação não é simples fenômeno de moda. Corresponde a uma necessidade real e nasce de uma inquietação inevitável diante de um paradoxo que desafia o homem de nossos dias. Graças à técnica moderna, as notícias e as idéias difundem com grande rapidez e através de todas as fronteiras; há os que dizem estarmos no limiar de uma nova era, a que chamam “era das comunicações”. Mas sob o granizo da informação, do qual não tem como defender-se, o homem é cada vez menos capaz de comunicar-se com o seu semelhante em termos de interação pessoal.

Com o passar dos anos, a unidade integrante à Universidade de São Paulo

passou por inúmeras reformulações incluindo disciplinas que constituíam a grade

curricular da graduação. A “Antropologia da Comunicação”, ministrada como disciplina

obrigatória no curso de graduação em Comunicação Social, deu lugar à “Antropologia

Cultural”, como disciplina integrante do currículo da habilitação em Relações Públicas.

Nos cursos de pós-graduação, inúmeros projetos são desenvolvidos, todos os anos,

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26

dentro e fora da Universidade de São Paulo. Marques de Melo16 (2008) sintetiza a

importância do ensino da “Antropologia” nos cursos de Comunicação: “A formação

humanística é fundamental para o processo de crescimento intelectual do aluno. Noções

básicas dessas disciplinas (Antropologia, Sociologia, Psicologia, entre outras) são

essenciais para a formação profissional do graduando. Já um maior aprofundamento

desses campos deve ser proposto nos estudos de pós-graduação”.

16 Depoimento concedido durante entrevista realizada pela autora deste trabalho no dia 11 set. 2008.

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CAPÍTULO I

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CAPÍTULO I – PENSAMENTO COMUNICACIONAL

BRASILEIRO

1. Primeiros Passos - o conhecimento empírico (de Fernandes

Pinheiro a Barbosa Lima Sobrinho):

Se a Antropologia da Comunicação foi oficializada como disciplina curricular somente na

década de 70, do século passado, no Brasil, muito antes disso, pesquisas comunicacionais sob a

perspectiva antropológica, ou vice-versa, já eram realizadas. Essa tese é levantada pelo

Professor Dr. José Marques de Melo, em sua obra “Estudos de Jornalismo Comparado” (Editora

Pioneira, 1972). Marques de Melo realizou um inventário pioneiro, onde explicitou os estudos

relativos às Ciências Sociais organizados por Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Roger

Bastide, Arthur Ramos, entre outros, em que a imprensa é utilizada como fonte para a

observação dos fenômenos da sociedade.

No Brasil, o campo comunicacional e o antropológico foram, de certa forma,

“beneficiados”, no início do século XIX, pela chegada da família real portuguesa, em 1808, na

cidade do Rio de Janeiro. Por uma questão de curiosidade, e necessidade de conhecimento, os

estudos ligados às tribos indígenas foram incentivados.

Borges Pereira (1987, p. 425) ressalta que a família real portuguesa foi a principal

responsável pelo impulso nas pesquisas de cunho científico no Brasil. Com isso, também, o país

viveu um período de forte desenvolvimento cultural.

Em 1815, resolveu o rei criar no Rio de Janeiro, então capital do reino unido luso-brasileiro, uma Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, destinada à preparação dos homens que deveriam ocupar cargos ou postos de responsabilidade na vida pública e à dos que iriam ter papel de relevo nas lides econômicas da antiga colônia recém-elevada a categoria de reino.

A permanência da família real no Brasil gerou muitas controvérsias,

principalmente, a respeito do que foi ou não trazido pela comitiva imperial portuguesa.

O Cônego Dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro (1825-1876) publicou no ano de

1859, na cidade do Rio de Janeiro, um artigo que contestava a informação de que a imprensa

surgira em 1808, no Brasil, por iniciativa dos portugueses.

Na convicção de Pinheiro, a tipografia aportou no Brasil por intermédio dos holandeses,

na região Nordeste, ainda no século XVII. A investigação do religioso foi considerada a

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29

primeira nesse sentido. A tese do religioso fora refutada anos mais tarde pelo historiador

Alfredo de Carvalho17.

Ainda nas questões relativas à imprensa, Fernandes Pinheiro fundou em 1851, o

periódico “Tribuna Católica”. Ademais, foi colaborador em diversos periódicos

nacionais e internacionais. Contribuiu para a Revista Popular e Revista do Instituto

Histórico Geográfico Brasileiro. Foi responsável pela organização do setor religioso dos

veículos: Jornal do Commercio, Diário do Rio de Janeiro e Correio Mercantil. Dirigiu,

também, a revista intitulada Guanabara, com periodicidade mensal18.

A trajetória profissional de Fernandes Pinheiro não se restringiu aos estudos

lusitanos e na docência em diversos colégios cariocas, onde ministrou inúmeras

disciplinas ligadas à literatura, e à religiosidade.

Na maioria das análises, Pinheiro investigou e criticou condutas tomadas pelos

jesuítas no que se refere à catequização no Brasil. Como requisito para o ingresso no

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1854, o padre defende uma tese

intitulada “Ensaio sobre os Jesuítas” questionando a validade do trabalho realizado pelo

“Instituto de Loyola no Brasil”. De acordo com Fernandes Pinheiro,

o Instituto de Loyola no Brasil, bem como em toda a parte, passou por diferentes fases: corrompeu-se depois com o andar dos tempos; mas em sua degeneração foi menos fatal à nossa terra do que ao velho continente, porque o nosso teatro era mesquinho e por isso menos destros os atores, que nele representaram. Como brasileiro não deixaremos jamais de tributar o testemunho da nossa gratidão pelo serviço que ao país prestaram: nós tudo lhe devemos; formam a antiguidade da nossa história e foram os arquitetos da presente prosperidade, e da nossa futura grandeza. Hoje porém não desejamos a sua volta: ser-nos-ia ela danosa, uma vez que se não despissem pisando as nossas fronteiras do manto de políticos, o que seria talvez exigir deles o impossível. Cônscios de sua superioridade intelectual querem dominar por ela; esquecem muitas vezes o lugar de modestos operários do Evangelho para se emaranharem no intrincado labirinto da política, e então tornam-se prejudiciais, deixam de ser uma congregação religiosa para se converterem em seita política, em carbonários da Igreja. Tal é a nossa opinião (Pinheiro apud Pinheiro, 1980, p. 33)

Ainda no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o religioso produz outros

textos com a mesma temática, como por exemplo, “História da Companhia de Jesus no

Brasil” e “Fontes da História da Igreja Católica no Brasil”. No entanto, a contribuição

17 Ver MARQUES DE MELO, José. História do Pensamento Comunicacional . São Paulo: Paulus, 2003. 18 Ver PINHEIRO, Mario Portugal Fernandes. Apresentação à 2ª. Edição de Estudos Históricos: acrescidos de estudos avulsos brasileiros ilustres do Cônego Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Livraria Ed itora Cátedra, 1980.

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mais clara para a Antropologia está refletida em “Breves Reflexões sobre o Sistema de

Catequese Seguido pelos Jesuítas no Brasil”, onde estuda a catequização das tribos

indígenas (os índios, inclusive, são tema recorrente nas pesquisas realizadas por

antropólogos e historiadores da época)19.

Fernandes Pinheiro expõe em seus escritos o fato dos jesuítas defenderem e

apoiarem a liberdade dos índios, apenas para ter trabalhadores rurais que pudessem

prestar serviço aos religiosos. Trata-se, portanto, de uma pesquisa com abordagem

antropológica, já que o índio, considerado marginalizado e primitivo, era o seu objeto

de estudo.

Apesar de pertencer ao clero, uma das características do historiador, jornalista e

professor era a sua habilidade em narrar fatos históricos. Prova disso são as inúmeras

menções feitas por personalidades da Literatura Brasileira, como Antonio da Rocha

Almeida e Joaquim Manuel de Macedo20. Pode-se considerar que Fernandes Pinheiro

foi um dos precursores dos trabalhos relativos à imprensa, e um estudioso das questões

antropológicas.

Mesmo após a sua morte, tem sido reverenciado por ícones da imprensa

brasileira no século XX, como Barbosa Lima Sobrinho, que em 1958 enfatizou21: “Essa

independência de orientação concorria para atribuir aos seus estudos a autoridade de um

julgamento imparcial e que sabia colocar-se acima das limitações que pudessem

decorrer da posição eclesiásticas do autor”.

Após a fase iniciada por Fernandes Pinheiro, o século XX é marcado pela

personalidade expressiva do pernambucano Alexandre Barbosa Lima Sobrinho (1897-

2000), cujo nome de batismo era Alexandre José Cintra Lima. Uma das principais

influências recebidas pelo jornalista foi a do seu tio, Alexandre Barbosa Lima,

governador do Estado de Pernambuco durante o período compreendido entre os anos de

1892 e 1896, que seguia ideais positivistas e nacionalistas. Quando cursava o curso

ginasial, e começou a escrever para o jornal do colégio onde estudava, o pai de Barbosa

Lima Sobrinho sugeriu ao filho que adotasse esse nome em homenagem ao tio. Outra

19 Além de estarem citadas no livro de Mário Portugal Fernandes Pinheiro, as contribuições do Cônego Fernandes Pinheiro estão presentes no livro “História do Pensamento Comunicacional” (Paulus, 2003), escrito por José Marques de Melo. 20Textos contidos em: PINHEIRO, Mario Portugal Fernandes. Apresentação à 2ª. Edição de Estudos Históricos: acrescidos de estudos avulsos brasileiros ilustres do Cônego Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra, 1980 21 Idem.

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motivação para a troca de nome foram as atitudes políticas tomadas pelo garoto, e

percebidas pela família22.

Em 1923, o jornalista publicou o livro intitulado “O Problema da Imprensa”,

cujo um dos objetivos prioritários da obra era discutir a lei de imprensa mais conhecida

como “Adolpho Gordo”, nome do senador paulista autor do decreto. Gordo propunha

no Congresso Nacional brasileiro normas rígidas e restrições para o trabalho dos

jornalistas.

O desenvolvimento da imprensa para Barbosa Lima Sobrinho não é apenas uma questão econômica, mas de liberdade. As mudanças vividas pelo jornalismo neste século não estão em sua modernidade e transformações técnicas, mas nas idéias. Para chegar a esta conclusão, Barbosa Lima fez um levantamento histórico de todos os jornais que circularem no Brasil durante a monarquia até a Independência, resgatando o comportamento dos homens que pregavam mudanças políticas e econômica. (Mendez, 2005, p.143)

2. Assimilação Acadêmica: a contribuição das Ciências Sociais (de

Gilberto Freyre a Emílio Willems):

Outro pernambucano, como Barbosa Lima Sobrinho, colaborou decisivamente

para a história do Brasil em inúmeros campos. Para se ter uma idéia, o antropólogo

Gilberto de Mello Freyre (1900-1987) começou a difundir o seu pensamento quando

dirigia o periódico do colégio onde estudava, e igualmente prestara serviços como

jornalista para o jornal “A Província” e para o “Diário de Pernambuco”. No entanto, ao

contrário de Lima Sobrinho que expõe os problemas do país nas páginas dos veículos

midiáticos, Freyre inspira-se nos jornais antigos para discutir em suas obras questões

sociológicas e/ou antropológicas. Gilberto Freyre

(...) estava interessado na captação da história a partir das relações cotidianas. A mídia narra os fatos cotidianos. Logo, por meio da análise daquele material antigo, torna-se possível a reconstrução analítica de um panorama do qual não restam outros registros. (Dalmonte, 2002, p.85)

22Ver MENDEZ, Rosemary Bars. Olhos de Jornalista: O Jornalismo segundo Barbosa Lima Sobrinho. 1999, 313f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

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Em terras americanas, Freyre estudou literatura, e graduou-se em Artes. Logo

após, conquista uma bolsa de estudos na Universidade de Columbia, e defende a sua

dissertação de mestrado, intitulada “Social Life in the middle of the 19th century23”,

sob a orientação do antropólogo Franz Boas, considerado o “pai da Antropologia

Cultural Moderna”24 .

Nos Estados Unidos, Freyre, ao mesmo tempo, em que se dedica às

investigações sociológicas, verifica o desenvolvimento dos periódicos norte-

americanos. No seu regresso ao Brasil (antes viajou pela Europa), traz a experiência

jornalística observada em território americano, acreditando que a qualidade deve ser

item prioritário em um jornal. Nesse sentido, passa a dirigir os jornais “A Província”,

entre os anos de 1928 e 1930, e o “Diário de Pernambuco”, quando esse é integrado aos

“Diários Associados”, de Assis Chateaubriand, em 1934. A linha editorial do “Diário”

era criticar o governo implantado pelo presidente Getúlio Vargas. Tal conduta

arquitetada por Freyre gerou algumas sanções ao periódico25.

Na concepção de Freyre a existência do jornal era imprescindível para a

divulgação de idéias e teorias dos intelectuais dessa primeira metade do século XX. Na

realidade, os veículos impressos serviam como palco para a exposição do pensamento, e

como forma de mostrar prestígio.

Não basta a um intelectual ter idéias; é igualmente necessário comunicá-las e torná-las públicas . É nessa máxima que se assenta a tradição de Gilberto Freyre. De um lado, o profícuo intelectual, com uma vasta obra e muitas idéias; de outro, a necessidade de difundir tal pensamento e de se firmar como pensador no meio de uma intelectualidade tradicionalista. (Dalmonte, 2002, p. 52)

23 “Vida Social em Meados do Século XIX” 24 “A concepção boasiana de cultura tem como fundamento um relativismo de fundo metodológico, baseado no reconhecimento de que cada ser humano vê o mundo sob a perspectiva da cultura em que cresceu – em uma expressão que se tornou famosa, ele disse que estamos acorrentados aos “grilhões da tradição”. O antropólogo deveria procurar sempre relativizar suas próprias noções , fruto da posição contingente da civilização ocidental e de seus valores”. (Castro In: Boas, 2008, p.18). Outra característica marcante de Boas está no fato de que a Antropologia que pratica faz questão de analisar o objeto de pesquisa “in loco”, ou seja, o trabalho de campo é completamente enaltecido. Freyre apreende os ensinamentos de seu mestre, e passa a utilizá -los em território brasileiro. 25 Ver: DALMONTE, Edson Fernando. Mídia: Fonte e Palanque do Pensamento de Gilberto Freyre. 2002, 150f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

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Para Gilberto Freyre, a mídia não era apenas um local para exposição de

trabalhos, ou um mero posto de trabalho. Como já citado no início deste texto, Freyre

via nos jornais uma fonte de inspiração, um documento de resgate histórico. Ao todo, o

sociólogo editou mais de 70 livros. O mais conhecido, que repercutiu ao redor do

planeta, “Casa Grande & Senzala”, foi publicado pela primeira vez em dezembro de

1933. A bibliografia de Gilberto Freyre é vasta e diversa

(...) Abrange a psicologia e a história, a antropologia e a sociologia - sociologia existencial, se poderá dizer, ou proustiana se quisermos preferir – projetando planetariamente , através de traduções para as principais l iteraturas do mundo, a figura do ensaísta de “Sobrados e Mucambos”, “Ordem e Progresso”, “Nordeste”, “Açúcar”, “Aventura e Rotina” e “Região e Tradição”, entre os títulos mais especificamente científicos da valiosa contribuição do antropólogo-sociólogo de “Casa Grande & Senzala”. (Coutinho In: Freyre, 1994, p. 16)

Se em “Casa Grande & Senzala”, e em algumas outras obras, a mídia esteve

presente no trabalho de Freyre como um coadjuvante, em “Escravo nos Anúncios de

Jornais Brasileiros do Século XIX”, escrito em 1934, a imprensa se torna fio condutor

de toda a obra.

O livro analisa a escravatura, e as características dos senhores proprietários de

escravos, a partir dos textos de anúncios divulgados em periódicos brasileiros editados

durante o século XIX. De acordo com o próprio Freyre26, a investigação trouxe

inúmeras contribuições para diversas ciências, como por exemplo, a Anunciologia e a

Linguística. Pode-se constatar, também, que a pesquisa tem fortes pinceladas de

Antropologia da Comunicação, entretanto, a estrutura que compõe os jornais

observados por Freyre não é detalhada no estudo.

Freyre enfatiza que

(...) a análise sistemática de anúncios relativos a escravos nos jornais brasileiros do século passado veio permitir chegar-se a importantes conclusões ou interpretações de caráter antropológico quer psicossomático, quer de todo cultural à base das descrições oferecidas das figuras, falas e gestos de negros – ou mestiços – à venda e, sobretudo, fugidos: altura, formas de corpo, pés, mãos, cabeças, dentes, modos de falar, gesticulação doenças. Entre estas, me foi possível identificar a presença, em escravos introduzidos no Brasil, não só vítimas de ainhum, como do próprio raquitismo. (Freyre, 1979, p. XIV)

26 Ver: FREYRE. Gilberto. Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX. 2.ed. São Paulo: Brasiliana, 1979.

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O antropólogo ainda menciona que a história do Brasil está retratada nas páginas

dos jornais:

Com relação ao Brasil – à sua história íntima, ao seu passado antropológico: um passado constantemente projetado sobre o presente e sobre o futuro -, os anúncios constituem a melhor matéria ainda virgem para o estudo e a interpretação desse período: para o esclarecimento da nossa psicologia em muitos dos seus aspectos gerais ainda obscuros. Para o estudo do desenvolvimento da língua brasileira por exemplo. No romance e na poesia, só nos livros de autores mais recentes ela vem revelando a espontaneidade e a independência que se encontram nos anúncios de jornais através de todo o século XIX. Anúncios já cheios de palavras de origem africana ou tupi-guarani; de brasileirismos do melhor sabor – sapiranga, cassaco, cambiteiro, aça ou assa, xexéu, troncho, perequeté, mulambo, munganga, cambado, zambo, cangulo, tacheiro, engurujado, bangüê, banzeiro, batuque, munheca, batucar. (Freyre, 1979, p. 3-7)

Se Gilberto Freyre foi o responsável por trazer e legitimar a Antropologia de

Franz Boas ao Brasil, Claude Levi-Strauss iniciou o delineamento da disciplina na

academia brasileira.

Nascido em Bruxelas, na Bélgica, no dia 28 de novembro de 2008, Claude Levi-

Strauss mudou-se para a França ainda muito jovem com sua família. Em território

francês, Levi-Strauss estudou Direito e Filosofia na Sorbonne, entretanto foi no Brasil

que o antropólogo alcançou o auge de sua carreira acadêmica27.

Convidado para ingressar como professor-visitante da recém-criada Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo, Levi-Strauss lecionou na

instituição entre os anos de 1935 e 1939. Nesse período, o docente ministrou aulas de

Sociologia, e inseriu o estudo antropológico na academia brasileira.

Com o foco de suas pesquisas direcionado à etnologia indígena, as investigações

de Levi-Strauss geraram a teoria conhecida como “Antropologia Estrutural”. Na visão

de Levi-Strauss (1971, p. 65-66),

quando se fala em estrutura social, dá-se atenção, sobretudo, aos aspectos formais dos fenômenos sociais, sai-se, pois, do domínio da descrição para considerar noções e categorias que não pertencem propriamente à etnologia, mas que ela gostaria de utilizar, à semelhança de outras disciplinas científicas que, desde muito tempo, tratam alguns de seus problemas como desejaríamos fazer com os nossos. Sem dúvida, estes problemas diferem quanto ao conteúdo, mas temos, com ou sem razão, o sentimento de que nossos

27 Ver HAAG, Carlos. O francês de alma brasileira. Revista da Cultura. São Paulo: Livraria Cultura, ed. 16, nov. 2008, p. 14-15.

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próprios problemas poderiam lhes ser aproximados, com a condição de adotar o mesmo tipo de formalização. O interesse das pesquisas estruturais está, precisamente, em que nos dão a esperança de que ciências mais avançadas que as nossas, sob este aspecto, possam nos fornecer modelos de métodos e soluções.

No ano de 1939, o antropólogo tentou voltar para a França, no entanto, a

Segunda Guerra Mundial o impediu de consolidar o seu projeto. Com isso, estabeleceu-

se nos Estados Unidos, e trabalhou na “New School for Social Research”, em Nova

Iorque. Quando regressou à Europa, foi catedrático no Collège de France.

Para o antropólogo, o “pensamento primitivo” era, longe de simplista, algo complexo, sofisticado e que tendia mais à ordem do que às idéias de organização e progresso que as sociedades modernas estabeleciam como parâmetro, fatos que, para ele, podem ser fonte de desequilíbrio social entre seres humanos. (Haag, p. 15)

Na extensa lista das obras escritas por Levi-Strauss, destacam-se28: As estruturas

elementares do parentesco (1949); Introdução à obra de Marcel Mauss (1950); Tristes

Trópicos (1955); Antropologia Estrutural (1958); O Pensamento Selvagem (1962);

Antropologia Estrutural 2 (1973); A via de máscaras (1975); Minhas Palavras (1984);

De Perto e de Longe (1988) e Saudades do Brasil (1994).

O “centenário” Claude Levi-Strauss recebeu, de acordo com Haag (2008, p. 15)

uma homenagem da UNESCO e do Museu Quai Branly. Trata-se de uma exposição dos

objetos utilizados pelo docente em suas investigações etnológicas.

Se Claude Levi-Strauss inseriu a Antropologia no âmbito acadêmico na

Universidade de São Paulo, Emílio Willems consolidou a disciplina como o estudo

científico do homem e cultura no país.

Imigrante alemão, graduado em Economia pela Universidade de Berlim, antes

de chegar à Universidade de São Paulo, morou um período (meados da década de 20)

nos Estados do Paraná e Santa Catarina, locais de maior concentração de alemães no

território brasileiro. O próprio Willems diagnostica, anos mais tarde, que o grupo de

alemães isolava-se em determinadas regiões por razões lingüísticas e culturais.

Nesses Estados, Willems presta a sua contribuição, lecionando no curso

secundário. Respaldado por pesquisas sobre os imigrantes germânicos, apoiado e

28 Mais informações disponíveis em 28 nov. 2008, nos sites: www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471170.shtml; www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471158.shtml; www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471179.shtml.

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incentivado pelo Professor Fernando de Azevedo, ingressou na Universidade de São

Paulo. Na USP, ministrou aulas de Sociologia na Faculdade de Filosofia. É no campo

sociológico educacional que Willems conquista o seu título de livre-docente, em 193729.

Nesse momento, impulsionado por Fernando Azevedo, ministra aulas de

Antropologia para a Faculdade de Filosofia, como matéria não oficial. Desde 1936,

pela mão de Willems, o ensino de Antropologia obtém legitimidade. Em 1941, através

do decreto número 12.038, de 1º de julho do ano citado, a matéria se torna obrigatória

para a graduação em Ciências Sociais, Geografia e História.

Já em 1947, é instituído o diploma de especialização em Antropologia. No ano

seguinte, a Antropologia torna-se cadeira, regida pelo próprio Willems, dedicando aos

estudos da Antropologia Física e/ou Biológica, como tendência trazida pela Escola

Americana.

a Willems devem-se pesquisas de campo e reflexões que tiraram a Antropologia feita no país de seu interesse apenas pelo biológico e pelo tribal, e a colocaram como ciência preocupada com a análise e interpretação de aspectos cruciais da sociedade complexa brasileira. Assim, inspirando-se em Robert Redfield, um atípico e sofisticado neo-evolucionista norte-americano, realizou o seu primeiro estudo de comunidade no Brasil, tendo como um de seus assistentes de pesquisa o aluno Florestan Fernandes “Uma Vila Brasileira – tradição e mudança”,São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1961”. (Pereira, 1994, p. 250)

Os principais trabalhos de Willems referem-se aos imigrantes alemães.

Willems procura, em seus livros “Assimilação e Populações Marginais no Brasil”, publicado em 1940, e “A Aculturação dos Alemães no Brasil”, publicado em 1946, analisar os imigrantes alemães e descendentes no Brasil através de um conjunto de conceitos e noções da então recente Antropologia Cultural, que surge como uma outra possibilidade de classificação social do mundo que não a racial. Assim, em um país mestiço como o Brasil, a possibilidade de se caracterizar uma identidade cultural só seria possível através de conceitos já utilizados pelos antropólogos estadunidenses para medir o processo de homogeneização cultural até então efetuado nos Estados Unidos da América . Estes conceitos são, principalmente, os de assimilação e aculturação, Desta maneira, Willems discute pela primeira vez em 1940, o processo de assimilação dos imigrantes alemães no Brasil, do mesmo modo que um grupo de antropólogos fez em relação aos Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial. (Voigt, 2007, p.190)

29 Ver PEREIRA, João Baptista. Emílio Willems e Egon Schaden na história da Antropologia. Estudos Avançados. São Paulo: Universidade de São Paulo, a.8, n. 22, p.249-253, 1994.

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Sem deixar de lado os estudos sobre as comunidades germânicas, Willems

realiza em 1948, um trabalho análogo intitulado “Aspectos da Aculturação dos

Japoneses no Estado de São Paulo”. Segundo Egon Schaden (1950, p. 76), o estudo

baseia-se exclusivamente em informes inéditos , colhidos em parte numa viagem de pesquisa ao Vale do Ribeira de Iguape e em parte através de um inquérito feito em 220 escolas públicas primárias situadas nas zonas de colonização japonesa de São Paulo. O inquérito atingiu a mais de seis mil alunos japoneses ou de ascendência nipônica. Além de responder ao questionário que lhes foi enviado, vários professores enviaram extensos relatos com observações pessoais sobre os colonos e seus descendentes no tocante à aculturação. A finalidade da investigação era a de descobrir os problemas mais importantes e serem estudados depois, de modo sistemático, em alguns anos de pesquisa intensa. Em virtude dos empecilhos surgidos com a guerra, esta tarefa infelizmente não pôde ser executada. É pena, pois o inquérito, cujos resultados principais estão contidos no volume “Aspectos da Aculturação dos Japoneses no Estado de São Paulo”, foi de fato um começo promissor.

Para suprir a carência de material didático para o ensino das Ciências Sociais, o

próprio antropólogo escreve duas obras: “Dicionário de Etnologia e Sociologia”, (em

parceria com Herbert Baldus) e “Dicionário de Sociologia”, publicadas em 1939 e 1950,

respectivamente.

Embora sua linha de pesquisa estivesse mais ligada aos estudos sobre os

imigrantes, Willems foi convidado pelo Instituto Panamericano de Geografia e História,

ainda quando prestava serviços à USP, para escrever o volume denominado “Brasil”,

pertencente à série “Programa de História da América, Período Indígena”. De acordo

com Schaden (1954a, p. 108),

Emílio Willems prestou um bom serviço à difusão de conhecimentos relativos ao indígena brasileiro. Em vista da precariedade do material existente, muito fragmentário e heterogêneo, era particularmente penosa a tarefa de traçara um programa equilibrado que, na concisão de cento e poucas páginas em formato pequeno, constituísse roteiro seguro para o desenvolvimento sistemático de algum curso ou estudo particular de etnologia brasileira. Cumpria dar pelo menos uma noção bastante clara dos problemas cruciais a serem discutidos e visão sumária dos recursos bibliográficos realmente acessíveis aos interessados em geral. E se Willems conseguiu realizar conseguiu realizar o trabalho a contento, foi sobretudo porque da primeira página à última não deixou de ter consciência das dificuldades que ia enfrentando, bem como do caráter provisório de numerosas de suas afirmações.

Apesar de o professor ter um conhecimento vasto a respeito do Brasil e sua

população, Borges Pereira (2003, p. 333) recorda-se de alguns “desentendimentos” de

Willems com as tradições culturais brasileiras:

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Willems, que foi meu professor de pós-graduação na Sociologia e Política, não conseguia disfarçar uma irritação total quando alguém, ao cumprimentá-lo, perguntava pela família, que é típico do brasileiro. Ele então virava para a pessoa e perguntava o que é que ela tinha com a família dele. Quer dizer, ele como professor era um homem público e institucional, não tinha nada a ver com a família. Ele dizia que não entendia essa invasão de privacidade no Brasil, porque, claro, na Alemanha essa distinção entre público e privado é muito mais rígida.

O professor deixa a cadeira de Antropologia em 1949, confiando-a ao Professor Dr.

Egon Schaden, quando se transfere para a Vanderbilt University, nos Estados Unidos.

Entretanto, regressou ao Brasil por diversas vezes, onde ministrou cursos para a pós-

graduação da então FFCL-USP, durante a década de 5030.

Não quero mencionar aqui as várias causas que determinaram a minha transmigração para os Estados Unidos. Uma delas reside no fato de que fui convidado por uma instituição (Vanderbilt University), especializada em estudos brasileiros. A minha expectativa de poder mobilizar recursos para levar adiante as minhas pesquisas no Brasil, foi plenamente justificada. Estive seis vezes no Brasil desde 1949, pesquis ando, lecionando ou assistindo a congressos vários. (p. 121) 31

Outra iniciativa de Willems em território brasileiro, foi a criação da revista

“Sociologia”:

Em 1939 fundei, junto com Antenor Romano Barreto, a revista Sociologia. Apesar de inúmeras dificuldades iniciais, logramos desenvolver e manter esse periódico sem subvenção alguma. Esperávamos atrair as poucas pessoas que então estavam emprenhadas em pesquisas, mas foi sumamente difícil conseguir colaboração. Porém, graças à colaboração regular de Herbert Baldus e Donald Pierson, Sociologia conseguiu alcançar um nível respeitável que correspondia, mais ou menos, à fase de desenvolvimento em que se encontrava a Sociologia e a Antropologia Social naquele tempo. Em 1949, a revista passou para a Escola de Sociologia e Política para se tornar, sob a direção competente de Oracy Nogueira, órgão dessa instituição. (p. 120)32

3. Pioneiras Incursões Antropológicas - Egon Schaden e a FFLCH:

Na terceira parte deste primeiro capítulo, o foco será o continuador do pensamento

de Emílio Willems: o Professor Dr. Egon Schaden, seu ex-orientando, sucessor na

cadeira de Antropologia e fundador da disciplina Antropologia da Comunicação na

ECA-USP.

30 Ver PEREIRA, João Baptista. Emílio Willems e Egon Schaden na história da Antropologia. Estudos Avançados. São Paulo: Universidade de São Paulo, a.8, n. 22, p.249-253, 1994. 31 Depoimento de Emílio Willems contido em: CÔRREA, Mariza. História da Antropologia no Brasil (1930-1960) – Volume 1 . 2. ed. São Paulo: Edições Vértice, 1987. 32 Idem

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Schaden tem uma história de vida muito parecida com a de Willems. Talvez, por

essa razão, ambos tivessem uma grande afinidade pessoal e profissional. Para se ter uma

idéia, os avós de Schaden, como os de Willems eram imigrantes alemães moradores no

Estado de Santa Catarina. A continuidade de Schaden, à frente da cadeira de

Antropologia, foi essencial para a sua manutenção na FFLCH-USP, e a ampliação para

outros campos do saber.

3.1. Egon Schaden – Biografia:

Nascido na colônia alemã de São Bonifácio (atual município da Grande

Florianópolis), em Santa Catarina, no dia 04 de julho de 1913, Egon Schaden, desde

muito cedo, recebeu influências da cultura alemã. Um de seus maiores incentivadores

foi o pai, Francisco Schaden. Filho de alemães, Francisco Schaden ministrava aulas em

uma escola de São Bonifácio.

Com isso, pode-se afirmar que Egon Schaden viveu uma infância confortável ao

lado de seus pais. Cursou o primário em sua cidade natal, cumprindo o ensino básico no

Colégio Catarinense, localizado em Florianópolis.

A família de Schaden, inclusive o próprio Egon Schaden, fazia questão de

manter as tradições da cultura alemã. Mesmo quando se mudou para São Paulo, e se

tornou um pai de família, Schaden permaneceu com os traços culturais deixados pelos

seus antepassados. No entanto, jamais deixou de enaltecer e respeitar as tradições

brasileiras. Em meados da década de 30, juntamente com o pai, Schaden editou a

Revista Pindorama. Com periodicidade quinzenal, a publicação era escrita

integralmente em alemão.

A esposa de Schaden, Margareth, ao contrário do marido, apesar de ser alemã,

cultivava as raízes brasileiras. “A Dona Margareth Schaden era muito mais brasileira do

que muito nativo do nosso país. Ela não conseguia imaginar a possibilidade de viver na

Alemanha. Quando Schaden cogitou essa hipótese, logo se mostrou contrária a tal

decisão”. (Pereira, 2008)33

Em sua vida acadêmica, logo nos primeiros anos de fundação da Universidade

de São Paulo, Schaden ingressou no curso de Filosofia, tendo como um de seus

33 Depoimento concedido durante entrevista para a autora desta dissertação no dia 19 de agosto de 2008.

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principais professores de graduação o antropólogo Levi-Strauss. Foi no ambiente da

então FFCL, que Schaden construiu a sua carreira. Na Faculdade de Filosofia, Ciências

e Letras cursou o doutorado, defendeu, também, a tese de livre-docência, e tornou-se

responsável pela cadeira de Antropologia deixada por Emílio Willems.

Orientado na pós-graduação por Willems, Schaden defendeu a tese de

doutoramento intitulada “A mitologia heróica das tribos indígenas no Brasil”. Essa

pesquisa, segundo Pereira (1991, p. 2),

foi incluída no rol das teses mais relevantes da Faculdade e, como tal, foi recentemente reeditada em sua terceira edição, pela Edusp (1989). Esse ensaio tem o seu caráter de estudo pioneiro acentuado na medida em que se reconhece, hoje, que é um marco de renovação na literatura sobre índios brasileiros. Não é a repetição rotineira da vida e dos costumes das nossas populações tribais escrita por um mero conhecedor de índios, mas sim um ensaio em que, dentro dos mais rigorosos procedimentos teóricos, o autor propõe analisar e interpretar o até então fugidio e complexo mundo dos mitos e das representações.

Como primeiro assistente do Professor Willems, Schaden assume, com a

indicação de seu catedrático, a cadeira de Antropologia (no. 49) da FFCL, em 1950. Um

dos principais marcos da gestão de Schaden é a institucionalização da disciplina, como

atesta João Baptista Borges Pereira (1994, p. 252):

Desde 1935, paralelamente à disciplina antropológica, funcionava na Faculdade de Filosofia a cadeira de Etnografia do Brasil e Língua Tupi-Guarani, sob a regência do professor Plínio Ayrosa. Era uma dualidade institucional que cortava, por assim dizer, um campo intelectual e impedia a Antropologia de assumir a sua integralidade como área de saber , tanto no plano do ensino, como no da pesquisa. Tal situação mantinha-se graças ao prestígio pessoal e poder político do Professor Ayrosa. Com a morte desse catedrático, em 1963, Schaden consegue eliminar essa dualidade, vencendo a resistência da área da Sociologia, liderada por Florestan Fernandes, que pretendia trazer Herbert Baldus , do Museu Paulista, para reger a cadeira de Etnografia. Cria -se, então, a cadeira de Línguas Indígenas do Brasil, que passa para o Setor de Letras, e a cadeira de Antropologia incorpora definitivamente as disciplinas de Etnologia e Etnografia brasileiras, dando ao ensino e à pesquisa da Antropologia na USP o perfil fundamental que ostenta hoje.

Schaden foi responsável pela incorporação de mais docentes à cadeira,

criando em 1953, a Revista de Antropologia, primeira do gênero a circular no Brasil.

Ademais de estar à frente da cadeira de Antropologia, Schaden integrou na USP, o

primeiro Conselho de Administração do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB),

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dirigindo a instituição no período de 1964 a 1966, com o apoio do vice Sérgio Buarque

de Holanda.

Além de ser o catedrático em Antropologia da USP, a cada seis meses,

Schaden lecionava, como professor visitante, na Universidade de Bonn, na Alemanha.

Em 1967, época conturbada na FFCL, em que ocorria a mudança de sede da Rua Maria

Antonia para a Cidade Universitária. Devido questões políticas, quando foi convidado

para reger, em caráter definitivo a cadeira de Etnologia na Universidade de Bonn,

Schaden aceitou o convite e aposentou-se da FFCL ainda no auge da sua carreira.

Deixou a cadeira para o jovem doutor e livre-docente João Baptista Borges Pereira, na

época, com aproximadamente 35 anos de idade. Razões familiares (a sua esposa não

aceitava, em hipótese alguma, a mudança para a Europa), e desentendimentos

profissionais, o impediram de assumir o cargo.

Sem uma ocupação fixa, Schaden aproveitou o tempo para ministrar cursos em

países da Ásia, Europa, América do Sul e América do Norte, como por exemplo, Japão,

Canadá, França e Colômbia.

De volta ao Brasil, no início da década de 70, trabalhou durante um ano na

Fundação Santo André, faculdade municipal, da cidade homônima, localizada na região

metropolitana da capital paulistana. Nessa instituição ministrou aulas de Antropologia e

Etnografia Geral e do Brasil.

No mesmo período, aceitou convite do diretor da então Escola de Comunicações

Culturais (ECC-USP), Antônio Guimarães Ferri, e integrou o quadro docente da

unidade pertencente à Universidade de São Paulo. Lá, criou a disciplina de

Antropologia da Comunicação, tornando-se o principal articulador para a instalação do

curso de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, em nível de mestrado. Desde

1967, a instituição mantinha o programa de doutoramento, seguindo o modelo europeu,

mas foi desativado em 1972, quando começou o mestrado de acordo com os moldes

norte-americanos. Com a aprovação do referido programa, Schaden é nomeado

coordenador da pós-graduação, desenvolvendo no mestrado uma linha de pesquisa

denominada “Cultura Brasileira”, onde a ênfase era dada aos estudos antropológicos

ligados às questões comunicacionais. Como forma de reconhecimento pelos serviços

prestados, a sala de defesa de teses da unidade recebeu o nome de Schaden, em 1992.

Durante o regime militar, logo depois de implantar a pós-graduação na ECA,

Egon Schaden enfrentou dificuldades políticas, culminado com o seu afastamento da

ECA-USP. Posteriormente, aceita proposta do Professor Dr. José Marques de Melo,

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(também afastado da ECA por razões políticas) para exercer atividades docentes no

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de

São Paulo, onde permaneceu durante três anos (entre os anos de 1978 e 1981).

Ainda nos 70, por indicação dos professores Marques de Melo e Luiz Beltrão,

Schaden proferiu palestras e cursos na CIESPAL (Centro Internacional de Estud ios

Superiores de Periodismo para América Latina), em Quito, no Equador. Depois,

trabalhou durante um ano no Institute for Culture and Technology, da Universidade de

Toronto, no Canadá, com Marshall McLuhan. Pode-se afirmar, que Egon Schaden foi o

responsável pela difusão da Antropologia da Comunicação em toda a América Latina.

Com a anistia, em 1979, Schaden volta para a Escola de Comunicações e Artes,

dessa vez, para assumir a direção do Departamento de Biblioteconomia e

Documentação, onde se aposentou, definitivamente, quando atingiu a idade

compulsória, em 1983.

No dia 16 de setembro de 1991, com 78 anos de idade, Egon Schaden morre

vitimado por um atropelamento, na cidade de São Paulo. Deixou diversas obras

referentes à Antropologia, como: Aculturação Indígena (1969); Homem, Cultura e

Sociedade no Brasil (1972); A Formação Étnica e a Consciência Nacional (1972);

Aspectos fundamentais da cultura Guarani (1972); Leituras de Etnologia Brasileira

(1976), além de dezenas de artigos publicados, principalmente, na Revista de

Antropologia.

3.2. Egon Schaden – Pensamento:

Apesar de cultivar fortemente as tradições alemãs, como uma herança familiar,

ao contrário de seu catedrático, Emílio Willems, Egon Schaden não tinha como objeto

de estudo os imigrantes alemães, ou de qualquer nacionalidade. A linha seguida na

maior parte de seus ensaios, estava relacionada com a análise das tribos indígenas do

Brasil.

As três teses defendidas na FFCL-USP (doutorado, livre-docência e cátedra)

estão embasadas nessa temática. A primeira (“A mitologia heróica de tribos indígenas

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do Brasil”), foi considerada uma das melhores teses produzidas na FFCL, pelo seu

caráter inovador34.

A segunda, intitulada “Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani”, publicada

em 1974, focaliza a mitologia indígena. Entretanto, nesse trabalho a análise está

delimitada a uma tribo apenas. Para compor a tese, Schaden buscou embasamento no

esquema teórico-metodológico funcionalista, configuracionista, estruturalista e

difusionista.

Já a terceira tese, “Aculturação Indígena” (1969) recapitula as produções

realizadas por outros estudiosos do tema. Sem ser um exercício de “futurologia”, mas

amparado em pesquisas feitas anteriormente pelo próprio autor, configurando um

panorama das mudanças culturais, a partir da interação com os “homens brancos”.

Apesar dos inúmeros artigos escritos, e das pesquisas de campo, Schaden era

essencialmente professor. Seus textos não tinham simplesmente o intuito de

engrandecê- lo perante a sociedade científica. Schaden queria colaborar para a melhoria

no ensino de Antropologia.

Para se ter uma idéia, a Revista de Antropologia35, criada por Schaden, em 1953,

antes de ser administrada pelo Departamento de Antropologia da FFLCH-USP, tinha

todas as suas despesas arcadas pelo docente.

Assim é que se produzia (para usar uma expressão muito em voga atualmente na USP), em tempos heróicos da faculdade. E o Professor Schaden pertenceu a esse tempo, tempo em que muitos patrimônios foram construídos com sacrifício e fé, o que nos tira, hoje, o direito de dilapidá-los em nome do que quer que seja. (Pereira, 1991, p. 2)

Discutir os problemas do ensino de sua disciplina tanto nos tempos de FFLCH

quanto no período de ECA, era outra vertente no pensamento intelectual de Schaden.

Para o docente,

se um professor de Antropologia aceita a incumbência de falar sobre problemas do ensino de sua disciplina, espera-se que, além de apontar dificuldades e falhas, proponha soluções baseadas na experiência de seus trabalhos didáticos. Parte dos problemas, entretanto, foge quase inteiramente ao raio de ação do docente, pois decorre da estrutura do nosso ensino universitário e da posição da Antropologia em face do que dela

34 Ver PEREIRA, João Baptista Borges. Lembrando Egon Schaden. Jornal da USP. São Paulo, p. 2, out. 1991; e PEREIRA, João Baptista Borges. Emílio Willems e Egon Schaden na história da Antropologia. Estudos Avançados. São Paulo: Universidade de São Paulo, a.8, n. 22, p.249-253, 1994. 35 Um breve relato sobre a história da Revista de Antropologia será dado nas páginas a seguir.

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esperam, de um lado, os estudantes que freqüentam os cursos e, do outro, a própria sociedade. Daí a falta de equilíbrio e até de correspondência satisfatória entre os múltiplos problemas que depara o professor e as sugestões que possa fazer no sentido de resolvê-los. O mais que dele se há de exigir é que procure, sempre que possível, dar formulações precisas, relativas a situações concretas. A discussão teórica dos aspectos metodológicos do ensino de Antropologia, embora talvez mais sedutora, seria menos adequada aos objetivos essencialmente práticos desta Reunião. Por essa razão, quero cingir-me de preferência ao ensino antropológico nos cursos universitários brasileiros atuais. (Schaden, 1954b, p. 1)

Schaden acreditava que, ao contrário do pesquisador, que delimita um tema para

melhor observá- lo, e tirar as suas conclusões acerca do problema escolhido, o professor

tem a obrigação de ser o mais amplo possível na disciplina em que atua, com o objetivo

de situar o aluno na questão, oferecendo ao futuro profissional a oportunidade de seguir

os seus próprios passos. Para o docente de Antropologia, Schaden defende que o ensino

deve estar além de uma teoria ou metodologia. A essência de uma aula está no estímulo

à compreensão humana.

Uma vantagem do ensino de Antropologia no Brasil, na década de 50 do século

passado, segundo a visão de Schaden, estava no fato de que a disciplina não se prendia a

tradicionalismos, ou a uma corrente única.

O ensino universitário da Antropologia no Brasil é novo e não se prende, por conseguinte, a nenhum tradicionalismo; este fato é explorado vantajosamente pelo professor que se proponha formar antropólogos no sentido pleno da palavra, cientistas que não se deixem levar pela bitola de perspectivas unilaterais. E o próprio espírito antropológico, antítese de estreitos nacionalismos, auxilia-o também a não preferir cegamente as contribuições de um país às de outro, mas a aproveitá-las todas no momento oportuno, e a não forçar, por isso mesmo, a criação de uma “teoria antropológica brasileira” sem que haja razões objetivas para tal. A antropologia brasileira há de constituir-se – é este o primeiro ponto – através de um ensino que não deixe de dar aos alunos uma visão crítica da Antropologia universal e que, pondo em relevo o valor de cada uma das teorias existentes, previna a formação prematura e talvez desnecessária de novas escolas. (Schaden, 1954b, p. 2)

Outra bandeira levantada por Schaden estava no desejo de se criar um curso de

licenciatura em Antropologia na FFCL. Tal pretensão não seria desconhecer a situação real, nem levaria a comprometer o ensino, mas antes a elevar-lhe o nível, uma vez que haja, para os licenciados, expectativa razoável de o título lhes proporcionar um meio de vida. Em outros termos: se a sociedade estiver em condições de empregar certo número de antropólogos para determinados fins concretos, de preferência no exercício da Antropologia Aplicada. (Schaden, 1954b, p. 5)

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Quando instituiu a disciplina de Antropologia da Comunicação36, e coordenou o

curso de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, na ECA-USP, Schaden

preservou os mesmos costumes cultivados na FFLCH. Isto é, instigar os alunos a

pesquisar, escrever e divulgar, mas, acima de tudo, contribuir para a consolidação da

Antropologia, especialmente da Antropologia da Comunicação no Brasil e na América

Latina.

3.3. A Revista de Antropologia:

Nas décadas de 40 e 50, do século passado, época em que a universidade e os

cursos de Ciências Humanas ainda passavam por um momento de configuração no

cenário acadêmico brasileiro, poucos eram os materiais e os canais para a divulgação

das pesquisas realizadas.

Para se ter uma idéia, durante os anos 30, docentes da USP apresentavam seus

trabalhos em revistas culturais que circulavam na cidade de São Paulo. No entanto,

esses veículos não eram específicos.

O primeiro esforço para se criar uma revista científica que integrasse os projetos

realizados pela FFCL, foi o periódico intitulado “Sociologia”, fundado em 1939, por

Emílio Willems e Romano Barreto.

Seu ano de criação coincide com o momento em que as escolas de Ensino Superior formam as primeiras turmas, o que indica o vínculo direto da revista com a produção universitária. Tal vínculo irá assumir feição institucional um pouco mais tarde quando, a partir do terceiro volume, a revista se torna órgão da Escola de Sociologia e Política. (Peixoto & Simões, 2003, p. 386)

Embora a disciplina Antropologia, em 1941, tenha sido transformada em cátedra

(ou departamento) essa área de estudo científico somente conquistou um periódico

exclusivo, a partir de 1953. Trata-se da “Revista de Antropologia”, implantada por

iniciativa pessoal do Professor Egon Schaden.

36 A implantação da Antropologia da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, e o pensamento cultivado por essa disciplina serão vistos detalhadamente na terceira unidade desta dissertação, intitulada “Antropologia da Comunicação na USP”.

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Na apresentação do primeiro número da publicação, Schaden (1953, p. 1) relata

que, as revistas já existentes eram insuficientes para suprir o número de análises

produzidas, as questões didáticas e as atividades realizadas dentro do ambiente

universitário.

Embora excelentes, as poucas publicações de que dispomos são insuficientes para satisfazer a todas essas exigências, sobretudo no tocante à ligação entre os diferentes centros universitários do país. A “Revista de Antropologia” vem, por isso, juntar os seus esforços aos dessas publicações, pretendendo com o tempo, se os fados lhe forem propícios, tornar-se órgão especialmente de discussão, e de coordenação de trabalhos. Convidar-se-ão cientistas do Brasil e do estrangeiro para relatarem as suas experiências e os resultados de suas pesquisas, e dar-se-á importância a abundante e criteriosa resenha bibliográfica.

A linha editorial seguida pelo periódico tinha como característica a pluralidade,

ou seja, eram publicados artigos das mais diversas áreas da Antropologia, como

apontaram Coelho e Hartmann (1981, p. 10):

A Revista de Antropologia, criada em 1953 pelo Professor Egon Schaden, também é reflexo de uma atitude mental muito característica. Em suas páginas encontraram acolhida trabalhos das mais diversas tendências, desde os escritos do missionário autodidata até os do profissional em antropologia. Como esquecer que foram elas que puseram a obra de Cadogan ao alcance da comunidade científica? O próprio nome da Revista evitou que os artigos se voltassem apenas para assuntos brasileiros. Durante todo o tempo em que foi dirigida pelo Professor Egon Schaden, a Revista de Antropologia apresentou à reflexão questões altamente diversificadas (...)

Apesar de ter sido um marco para a história da Antropologia no país, os

primeiros anos de veiculação da revista foram árduos para Schaden. O veículo era

produzido em caráter “artesanal”, não contando com qualquer recurso proveniente do

governo ou patrocínio da iniciativa privada. Em algumas situações, Egon Schaden era

obrigado a pedir dinheiro emprestado para comprar papel e enviar os exemplares através

dos Correios.

Em seu início, a Revista era obra de um homem só. Schaden tratava pessoalmente de toda a correspondência, buscava as contribuições, revia os artigos, preparava-os para publicação, revia as provas e administrava a impressão e distribuição, além de escrever boa parte das resenhas e, eventualmente, incluir alguns de seus próprios artigos. Além dis so, providenciava o financiamento da Revista, cuja impressão era feita gratuitamente pela gráfica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Assim, também, os custos de correio eram cobertos com verbas que ele

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conseguia com a direção da faculdade para a cadeira de Antropologia, Digo de um homem só porque, naquele tempo nós, os assistentes, constituíamos uma espécie de extensão do catedrático. Éramos então três: Gioconda Mussolini, Ruth Cardoso e eu e éramos designadas para escrever resenhas e auxiliávamos na correção de provas (três para cada edição). (Durham, 2003, p. 362)

João Baptista Borges Pereira, em entrevista para a revista, no ano de 2003,

redigida por Stélio Marras (p. 330), revela:

Lembro-me uma vez de que Schaden, em suas raras confidências, disse-me que, quando olhava seus filhos, ficava pensando se havia feito bem ou se havia feito mal, porque muitos natais passaram sem ganhar presente, já que com o dinheiro dos presentes, que poderia comprar para eles – porque ele ganhava pouco -, ele comprava papel para a Revista de Antropologia. Eu não sei como a família reagiu a isso...

Se a revista não oferecia retorno financeiro, certamente trouxe prestígio a

Schaden. Por mais que na época fosse um meio restrito, com poucos professores e

“adeptos” à Antropologia, o veículo servia como uma espécie de integração da área no

Brasil e no exterior. A revista tinha como língua oficial o Português, entretanto, como

Egon Schaden falava fluentemente, Inglês, Francês, Alemão e Espanhol, textos nesses

idiomas eram publicados, o que aumentava substancialmente as colaborações e a

oportunidade dos brasileiros entrarem em contato com a ciência praticada em outros

países.

O periódico era considerado, também, o órgão de divulgação oficial da

Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Muito do que se discutia nas reuniões da

entidade estava estampado nas páginas da “Revista de Antropologia”. Apesar de

Schaden publicar a pauta da ABA, jamais chegou a ser presidente da associação.

Em 1967, quando deixou a cadeira de Antropologia para João Baptista Borges

Pereira, Schaden deixou, também, a direção da Revista de Antropologia. Enquanto

dirigiu o periódico, durante cerca de dez anos, Borges Pereira conseguiu apoio da

FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para a sua

publicação, mantendo a mesma linha editorial proposta por Schaden.

Um princípio da Revista era começar todo número com um artigo de etnologia. Era norma de Egon Schaden e foi um dos compromissos que eu tive de assumir com ele. Toda a linha editorial foi pensada por Schaden. Para ele, a Revista tinha sempre de acolher resultados de pesquisa, mesmo que não fossem refinados do ponto de vista teórico. Eu acho que a Revista teve um papel importante na história da Antropologia no

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Brasil na medida em que ele adotava, como princípio, estimular bastante a pesquisa de campo, dando sempre precedência à etnologia. Tanto assim que havia um padrão de abrir a Revista com um artigo sobre índio, e nunca sobre qualquer outra matéria. E como exis tiam muitos missionários, alguns tidos por Schaden como muito bons, eles enviavam os relatórios e Schaden publicava todos. Eu acho que esse foi um grande papel da Revista, o de ter trazido para o campo, poucos antropólogos profissionais e pouca sofisticação teórica. Mas Schaden, em minha opinião, já era naquele tempo um importante teórico da etnologia. (Marras, 2003, p. 329)

3.4. Contemporâneos de Schaden na FFLCH:

Em quase duas décadas de atuação na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo, na época Faculdade de Filosofia Ciências e

Letras, as sementes plantadas por Egon Schaden germinaram, gerando dezenas de

frutos.

Nomes como Ruth Côrrea Leite Cardoso, Eunice Ribeiro Duhram, João Baptista

Borges Pereira, além do apoio incondicional da Professora Gioconda Mussolini, foram

essenciais para a configuração da Antropologia como área de estudo científico.

3.5. A Contribuição de Gioconda Mussolini:

Gioconda Mussolini (1913-1969) exerceu papel preponderante no que se refere

aos estudos antropológicos no Brasil37. Mussolini quebrou paradigmas profissionais. Foi

a primeira mulher a se tornar antropóloga no Brasil, e foi inserida no rol dos maiores

nomes desse campo de estudo no Brasil, ao lado de Emílio Willems, Egon Schaden,

Florestan Fernandes, entre outros. A primeira mulher a lecionar Antropologia em nosso

país, exerceu o cargo entre os anos de 1944 e 1969, sempre na Universidade de São

Paulo.

Gioconda Mussolini e Egon Schaden eram, entre as décadas de 40 e 50, os

únicos professores do departamento de Antropologia da USP. Logo em seguida, chegou

37 Ver CIACCHI, Andrea. Gioconda Mussolini: uma travessia bibliográfica. Revista de Antropologia, São Paulo: USP, v. 50, no. 1, p. 181-218, 2007.

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49

a segunda geração de docentes, constituída por João Baptista Borges Pereira, Ruth

Cardoso e Eunice Ribeiro Duhram.

Gioconda defende a sua dissertação de mestrado em Ciências Sociais, em 1945,

na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. No entanto, os trabalhos de

maior destaque da docente estão ligados aos povos residentes nas faixas litorâneas do

Brasil, mais conhecidos como caiçaras.

Inicialmente, Gioconda tinha como objetivo identificar as técnicas de pesca e o

cotidiano das comunidades de pescadores localizadas, principalmente, no litoral do

Estado de São Paulo. Na realidade, todos os seus trabalhos, aos quais os pesquisadores

têm acesso, foram produzidos no Litoral Norte de São Paulo, a maioria no município de

São Sebastião.

Com o tempo, o objeto de investigação científica foi ampliado. A pesquisa que,

na curta trajetória acadêmica de Gioconda Mussolini, marcou a sua contribuição ao

campo da Comunicação, foi a análise do conteúdo dos pasquins. A tradição de “tirar

pasquins”38 era típica dos habitantes litorâneos. Os pasquins, versos orais recitados por

pessoas da própria comunidade, os denominados pasquineiros, tinham como intuito

retratar o dia a dia desses indivíduos.

A contribuição mais significativa de Gioconda nesse sentido está embasada no

fato de que a maioria dos pasquins não está registrada no papel, pois os autores dos

versos eram, em grande parte, analfabetos. O estudo de Mussolini acerca dos pasquins

começou em janeiro de 1947, em uma região pertencente ao município de São

Sebastião, chamada Bonete.

De acordo com Mussolini (1971, p.13), os pasquins são originários da Itália. Os

textos, que recebiam o nome de “pasquinos”, eram produzidos desde a antiguidade:

Na Itália , onde surgiu o costume de se afixarem versos pelas estátuas, muros e colunas, para que um público freqüente pudesse lê-los e apreciá-los, representava uma herança que da Antiguidade Clássica recebera a Renascença. Inicialmente os versos expostos na estátua mutilada de Pasquino, em Roma, nada tinham dos aspectos de portavozes da crítica anônima no que mais tarde se caracterizariam os produtos literários ali exibidos [...]

Ainda segundo a pesquisadora, existem registros dos pasquins no Brasil já no

século XVI, trazidos pelos portugueses. Se de uma maneira geral, como apontou

38Mais dados disponíveis em 06 out. 2008, no site: HTTP://www2.uol.com.br/jornalasemana

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50

Mussolini (1971), os pasquins no Brasil também foram utilizados como forma de

manifestação política, e até observados com repúdio em determinadas ocasiões, mais

tarde, os versos foram incorporados como parte integrante do folclore regional, e se

tornaram representativos na observação e entendimento dos aspectos da comunidade

onde foram produzidos.

Na medida em que o pasquim corresponde às forças sociais operantes na comunidade, inovações e tradições, empréstimos de fora, etc., deixam sua marca nos versos. Num certo sentido, o pasquim também não é mero registro. Baseando-se na experiência do grupo, deve corresponder à mudanças sociais, porquanto estas mudanças implicam em redefinição da concepção de vida. O pasquineiro, quer expresse o que está subjacente, quer adiantando-se sobre a comunidade, projeta-se, desta forma, sobre seus ouvintes ou leitores. O pasquim se torna, então, um elemento que pelo menos visaria moldar o comportamento [...] (Mussolini,1971, p. 38)

Ademais da perspectiva cultural e social, os pasquins na visão de Mussolini

(1971) são significativos meios de comunicação, em outras palavras, são canais

informativos:

Explicando-se o pasquim em função de cultura, sociedade e mentalidade de que é fruto, por outro lado, transforma-se num elemento de comunicação no “in group”, e por isso mesmo, tende a acentuar-se o seu aspecto informativo. (p. 32)

A morte prematura de Gioconda Mussolini, em 1969, quando a docente estava

no auge da carreira, interrompeu a continuação da tese de doutoramento que estava

produzindo desde o início da década de 60

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CAPÍTULO II

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52

CAPÍTULO II – ANTROPOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

NO BRASIL

Neste capítulo será destacada a trajetória pessoal e acadêmica do Professor Dr. João

Baptista Borges Pereira. Discípulo de Schaden, Borges Pereira assumiu a cadeira de

Antropologia na FFLCH-USP, deixada por seu ex-orientador. Além disso, constata-se

que a tese de doutoramento de Borges Pereira, intitulada “Cor, Profissão e Mobilidade:

o negro e o rádio de São Paulo”, defendida em 1966, com a orientação de Schaden, é o

principal trabalho que dá início às pesquisas relacionadas à Antropologia da

Comunicação na academia brasileira.

1. João Baptista Borges Pereira: o desbravador – vida e obra:

1.1. Introdução:

“Cor, Profissão e Mobilidade” é o livro que inaugura a Antropologia da

Comunicação no Brasil. Falar sobre o negro, naquele momento, era algo que já não

trazia novidades à ciência. Já o rádio não representava assunto de grande significância

para os estudiosos, pois a TV era a novidade do momento. Mesmo assim, João Baptista

Borges Pereira seguiu o seu projeto, com o apoio do Professor Egon Schaden, pois

considerava que a população negra nunca tinha sido analisada dentro da estrutura de um

veículo de comunicação.

Mesmo após 42 anos da produção de “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o

rádio de São Paulo”, a tese que permitiu ao professor, deter o título de doutor em

Antropologia pela FFLCH-USP, suscita o interesse de inúmeros acadêmicos. Estudantes

de graduação e pós-graduação, além de investigadores da área antropológica e

comunicacional, procuram João Baptista Borges Pereira para obter esclarecimentos e

maiores dados sobre a obra.

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1.2. Biografia:

Filho de Antônio Bento Borges Pereira e Eurídice Borges Pereira, João Baptista

Borges Pereira nasceu em 23 de julho de 1932, na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo,

interior paulista, distante aproximadamente 340 km da capital São Paulo.

[...] Sou de descendência tcheca, meus bisavôs eram tchecos. Meu pai é fruto da primeira geração de um grupo que saiu de uma região limítrofe localizada entre os municípios de São João da Boa Vista (SP) e Poços de Caldas (MG). Esse grupo recebeu a denominação de mineiros. Meu avô foi um dos mineiros que desbravou o sertão daquela área. Papai nasceu já em Santa Cruz do Rio Pardo. Era bastante rústico. Mamãe já era da cidade. Estudou em um colégio católico sofisticado de Botucatu [...] (Pereira 2008)39

Borges Pereira teve uma infância tranqüila, em meio ao mundo rural, como

qualquer garoto do interior durante a década de 30, do século passado. Hábitos mais

urbanos começaram a fazer parte da sua vida, somente quando iniciou os seus estudos

no Grupo Escolar. Cursou o Ginasial (equivalente ao atual Ensino Fundamental II) e o

Normal (equivalente ao Ensino Médio) em Santa Cruz do Rio Pardo, pois não detinha

condições financeiras, na época, para se matricular nos cursos Clássico ou Científico, já

que as escolas que possuíam essas especificidades, localizavam-se em outros

municípios.

[...] Eu vim para a cidade para estudar. Papai já era comerciante quando fiz o ginásio e o curso normal. Não fiz o curso Clássico ou Científico, que me permitiriam ingressar em cursos superiores que não fossem ligados diretamente ao magistério, porque não tinha condições financeiras de sair da minha cidade [...] (Pereira, 2008)

Dois anos depois de concluir o curso Normal, João Baptista Borges Pereira se

mudou para São Paulo, com o objetivo de prestar o vestibular, e com isso, prosseguir os

seus estudos. A escolha da Universidade de São Paulo surgiu ainda no colégio. A

maioria de seus professores era formada pela USP, o que o incentivou bastante a trilhar

os mesmos caminhos de seus mestres. Nessa ocasião, Borges Pereira já estava casado, e

residia na capital acompanhado de sua esposa, Maria Tereza.

39 A maioria dos depoimentos de João Baptista Borges Pereira contidos neste texto, são parte integrante de uma entrevista concedida pelo antropólogo à autora desta dissertação, no dia 19 de agosto de 2008.

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[...] Eu já tinha me casado com a Maria Tereza quando cheguei em São Paulo. Casei bem jovem, com 19 ou 20 anos de idade. Maria Tereza veio comigo, e o pai dela queria que ela estudasse, matriculei-a em um colégio muito famoso na época, chamado Eduardo Prado. Conclui a faculdade ao mesmo tempo em que minha esposa concluía o colégio [...] (Pereira, 2008)

Apesar de ter se tornado, ao longo dos anos, um antropólogo respeitado, o

sucessor de Egon Schaden, e o responsável por transformar a Comunicação em objeto

de estudo da Antropologia, não encontrou facilidades no início da sua trajetória

acadêmica. O fato de ter cursado o Normal, o que possibilitaria apenas o ingresso na

faculdade de Pedagogia, fez com que o docente encontrasse alguns empecilhos para

realizar o seu sonho de seguir carreira como sociólogo. Nessa fase, a persistência de

Borges Pereira foi decisiva para que os objetivos anteriormente traçados, ainda em

Santa Cruz do Rio Pardo, fossem alcançados:

Tinha uma preocupação grande pela Sociologia. Sempre quis estudar Ciências Sociais. Quando cheguei em São Paulo, não me deixaram prestar vestibular para Sociologia. Entrei na Pedagogia, mas não agüentei o curso. Fui para a minha terra, e logo depois, voltei para cá (São Paulo). Aí o Jorge Nagle, que era reitor da Unesp me ajudou, avisando-me a respeito de um novo vestibular na FFCL. Dessa vez, prestei o vestibular para Ciências Sociais, amparado por um mandado de segurança. Para se ter uma idéia, muitas coisas sobre a vida universitária aprendi na prática, lá dentro. Só fui saber que existia cursinho pré-vestibular quando entrei na universidade. Enquanto estudava, dava aulas para os cursos primários da periferia da capital. (Pereira, 2008)

Na graduação, Borges Pereira teve contato com professores renomados. O

antropólogo assistiu às aulas de Egon Schaden, Gioconda Mussolini, Florestan

Fernandes e Lourival Gomes Machado. No segundo ano do curso de Ciências Sociais,

Borges Pereira, em conjunto com seus colegas, funda o Celpe (Centro de Estudos e

Pesquisas da Universidade de São Paulo).

É durante a graduação, que Borges Pereira afirma ter cometido duas traições em

sua vida. “Eu sempre falo que tenho duas traições na minha vida: a primeira é que eu

traí História pela Sociologia; e a segunda é que eu traí a Sociologia pela Antropologia”.

(Pereira, 2008)

O docente concluiu a graduação em 1958, e em 1960, ingressou no mestrado em

Ciências Sociais pela FFCL-USP, sob a orientação do Professor Oracy Nogueira. A

dissertação intitulada “A Escola Secundária numa Sociedade em Mudança”, é defendida

em 1964. Borges Pereira (2008) revela que a dissertação transformada em livro, pela

Editora Pioneira, em 1976, lhe rendeu muitos frutos.

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[...] Creio que ‘Escola Secundária’ é um dos trabalhos mais significativos que já produzi até hoje. Foi um trabalho que aborda a Sociologia da Comunicação, e na época, foi revolucionário. Foi adotado em diversos concursos públicos. Vendeu muito. Fiquei conhecido, proferi muitas palestras através do livro.

Dois anos depois, doutorou-se, com a orientação do Professor Dr. Egon

Schaden, em Antropologia. A tese chamada “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o

rádio de São Paulo”, tornou-se uma das principais obras de Borges Pereira, e um marco

para a história da Antropologia da Comunicação no Brasil.

Ainda na década de 60, Borges Pereira defendeu a sua livre-docência na

Universidade de Roma, Itália. Em 1967, por ter os requisitos necessários, assumiu o

cargo, de professor titular de Antropologia da FFLCH-USP.

[...] Schaden se aposentou aos 50 e poucos anos da FFLCH, no auge da carreira. Ele tomou essa atitude, porque supostamente iria assumir uma cátedra na Universidade de Bonn, na Ale manha. No entanto, a Congregação exigiu ao Schaden que deixasse um livre-docente na cadeira. E a cadeira não tinha livre-docente. Só tinha doutores. Na época, os únicos doutores da cadeira eram a Eunice Durham e eu. A Ruth (Cardoso) ainda não era doutora, nem a Gioconda, nem a Yolanda (Lhullier dos Santos). Nesse momento, estava preparando a minha livre-docência, eu era professor-assistente do Schaden. Dessa forma, o Schaden pediu que eu preparasse o mais rápido a minha livre-docência, porque ele precisava de mim para ir à Alemanha. Eu preparei a pesquisa, eu marquei a data da defesa, defendi, e o Schaden se aposentou. Assumi a cadeira e, com isso, fui contratado por dois anos como catedrático. Depois, antes de abrir o concurso para a cátedra, transformaram em departamento, e eu fui chefe do Departamento de Antropologia. Quando assumi a cadeira de Antropologia era muito jovem, tinha 30 e poucos anos de idade. (Pereira, 2008)

Ademais da cadeira, Borges Pereira recebeu a incumbência de prosseguir com a

“Revista de Antropologia”. Na entrevista que forneceu a Stélio Marras (2003, p. 327-

329), o antropólogo comenta o legado deixado por Schaden:

[...] Mas quando Schaden deixou a Faculdade e se aposentou, a “Revista” ficou um pouco à deriva, porque era dele. E no entanto ele não podia mais mantê-la porque, de uma forma ou de outra, havia um apoio institucional por trás. Foi aí que ele me pediu, quando eu havia assumido a cátedra e já estava contratado, que assumisse também a “Revista”, que eu chamo a herança do Professor Schaden. E o que constituía a herança de Egon Schaden? Manter o grupo bem unido, que éramos todos um grupo jovem. (...) Mas, como eu disse, a “Revista de Antropologia” era do Schaden, não do Departamento. Quando ele saiu, resolveu doar a “Revista” para o Departamento, porque ela não era institucional, embora funcionasse como se fosse. Na verdade, tanto Schaden quanto os demais que o rodeavam falavam da “Revista” como “a revista do Schaden”. Então, com a saída dele, ela passou a ser formalmente da USP, num momento em que havia um universo de pouquíssimos periódicos e revistas. Quando ele me passou a direção do periódico, pediu para que eu não mudasse a linha editorial e a capa, que ele considerava dentro de um modelo clássico, inspirado em revistas alemãs.

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Pai de duas filhas, Flávia (historiadora empresarial) e Valéria (advogada), e avô

de seis netos: Marina, Helena, Ana Lídia, Raquel, João (nome recebido em homenagem

ao avô) e Vítor, Borges Pereira confessa que nunca induziu membro algum de sua

família a seguir os caminhos da Antropologia: “Nunca seduzi ninguém da minha família

a seguir a carreira antropológica. Cada um seguiu o seu caminho, e fico muito satisfeito

com isso”. (Pereira, 2008)

Além de lecionar na Universidade de São Paulo, João Baptista Borges Pereira

iniciou a sua carreira, como professor universitário, na Universidade Estadual Paulista

(UNESP), em 1961, na unidade de Presidente Prudente. “Trabalhei durante um ano e

meio na UNESP, e o Schaden foi lá me buscar”. (Pereira, 2008)

Após a UNESP, Borges Pereira ministrou aulas na FSA (Fundação Santo

André). Atualmente, já aposentado pela USP, onde orientou teses e dissertações até o

ano de 2006, ainda se mantém na ativa como docente da Universidade Presbiteriana

Mackenzie, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, nível de mestrado.

No segundo semestre de 2008, o professor estava à frente da disciplina Estudos

Histórico-Sociais do Campo Religioso Brasileiro.

Na USP, Borges Pereira preside a Comissão Permanente de Políticas Públicas para a

População Negra. A comissão tem como intuito promover a democratização do acesso à

universidade. “Trata-se de um espaço aberto para a população negra. Queremos oferecer

a oportunidade de acesso à universidade para todos. A nossa comissão recebe quem nos

procura, informa e familiariza as pessoas com o ambiente universitário”. (Pereira, 2008)

1.3. Pensamento:

A maior parte do pensamento desenvolvido por Borges Pereira está concentrada na

Universidade de São Paulo. Foi nesse ambiente, e com a influência de professores como

Antonio Cândido, Egon Schaden. Florestan Fernandes, Gioconda Mussolini, Oracy

Nogueira, entre outros, que Borges Pereira produziu cerca de 10 obras, e publicou mais

de 20 artigos científicos.

Quando ingressou na universidade, Borges Pereira confessa que a Sociologia seria a

carreira escolhida, todavia, as aulas de Egon Schaden mudaram o rumo do então

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estudante de Ciências Sociais: “Foi Schaden quem me converteu para a Antropologia

com suas aulas sobre as ‘Populações Pigméias’. Era uma aula lindíssima. Fiquei

fascinado, e virei antropólogo na mesma hora”. (Pereira, 2008)

Um traço bastante característico das produções do professor é a incursão em

diversas áreas da Antropologia. “Considero-me um antropólogo ligado, sim, às questões

raciais, mas também um profissional que trabalhou em diversos campos da

Antropologia. Nunca fiquei concentrado em um gueto apenas”. (Pereira, 2008)

Para se ter uma idéia, a dissertação de mestrado, primeiro trabalho de fôlego de Borges

Pereira, intitulado “A Escola Secundária numa Sociedade em Mudança”, publicado em

1966, tinha como temática a Sociologia da Educação. Já a tese de doutorado, “Cor,

Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”, publicada em 1967, explora a

Antropologia da Comunicação.

A livre-docência, por sua vez, foi elaborada a partir da imigração italiana no

Brasil.

[...] Eu escolhi trabalhar com os italianos por dois motivos. Primeiro, porque eu estava na UNESP, e eu tinha um contrato que exigia o estudo de grupos dentro da área de abrangência da universidade. Então, desenvolvi essa pesquisa. E o segundo motivo era o fato de ninguém ter estudado essa temática com profundidade até aquele momento. (Pereira, 2008)

Esses três trabalhos são suficientes para comprovar o ecletismo do antropólogo

em questão. Embora no currículo de Borges Pereira existam investigações em diversas

linhas, todas as produções demonstram um forte embasamento teórico em cada temática

abordada.

Inclusive, as investigações relativas aos imigrantes sempre trouxeram, segundo

Borges Pereira, uma imensa satisfação profissional. O estudo referente à imigração

italiana, por exemplo, lhe rendeu, além da tese de livre-docência, convites do Itamaraty

e da empresa Parmalat. Ambas instituições solicitaram a Borges Pereira que

identificasse, e escrevesse a respeito da contribuição dos italianos para a construção da

história do Brasil, já que a comunidade italiana no país é uma das maiores do mundo,

fora da própria Itália.

Ademais dos italianos, Borges Pereira e um grupo de pesquisadores latino-

americanos e japoneses, realizaram uma investigação que tinha como intuito

diagnosticar qual era a imagem do japonês na América Latina. A análise fora promovida

pelo Instituto Ibero-Americano, da Universidade Sofia, de Tóquio, com o patrocínio do

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58

Instituto Toyota. Os resultados gerados pela investigação geraram algumas peças

publicitárias, como por exemplo, anúncios em TV e outdoors de uma conhecida marca

de produtos eletroeletrônicos.

Durante os dez anos em que esteve na dianteira da cadeira de Antropologia, na

FFLCH-USP, além de manter a mesma linha editorial traçada por Schaden para a

Revista de Antropologia, Borges Pereira foi o responsável pela contratação de mais

professores para a disciplina. “Consegui ampliar o número de docentes, porque estava

em uma situação mais favorável. No meu tempo de estudante, quando o Schaden era o

catedrático, eram pouquíssimos docentes de Antropologia”. (Pereira, 2008)

Atualmente como professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, segue uma linha de pesquisa

deniminada “Religiões Etnicizadas”. Os projetos desenvolvidos estão ligados às

religiões trazidas pelos imigrantes das mais diversas partes do planeta ao Brasil. Na

convicção de Borges Pereira, a pluralidade de religiões que é encontrada no país

corresponde à diversidade étnica. “É a união da vertente da imigração com a religião.

Alguns trabalhos de meus orientandos já estão sendo publicados”. (Pereira, 2008)

Ademais, o antropólogo ministrou no segundo semestre de 2008, no referido programa

da Universidade Mackenzie, a disciplina, em caráter obrigatório, intitulada “Estudos

histórico-sociais do campo religioso brasileiro”. Os objetivos40 dessa disciplina são: “a)

discutir questões referentes à diversidade histórica e atual do campo religioso brasileiro

no quadro da diversidade da sociedade e da cultura brasileiras; b) demonstrar o diálogo

da reflexão acadêmica (História, Antropologia, Sociologia, Psicologia e Ciência

Política) com relação a essa diversidade”.

1.4. Relacionamento com Egon Schaden:

João Baptista Borges Pereira, além de ter sido orientando de Schaden, foi professor-

assistente da cadeira de Antropologia da FFCL-USP, setor chefiado por Schaden, e seu

sucessor no departamento. O relacionamento profissional de ambos era bastante

amistoso, como afirmou o próprio Borges Pereira. “Eu era um dos poucos professores

40 Dados contidos no ementário da disciplina, fornecido pelo docente responsável.

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que chegou a freqüentar a casa do Professor Schaden, e ele freqüentou também a minha.

Tenho uma admiração enorme por ele. Ele era brilhante”. (Pereira, 2008)

Em um texto escrito para o Jornal da USP, em 1991 (7 a 13 out. 1991, p. 2), ano da

morte do Professor Schaden, Borges Pereira retrata uma lembrança de um Natal ao lado

de seu mestre: “Poderia dizer, também, num ato de indiscrição plena, de uma véspera de

Natal em minha casa, em que Schaden declamou quase todo o repertório dos poetas

românticos brasileiros, revivendo seus tempos de professor secundário de literatura

brasileira”.

Quanto às aulas ministradas por Schaden, Borges Pereira possui muitas recordações:

As aulas dele eram cinematográficas. Schaden “competia” com o Antônio Cândido. Mas o Schaden tinha uma coisa parodoxal. Eu digo isso porque apesar de cinematográfico, ao mesmo tempo, ele era anti-cinematográfico. Ele não movia u m músculo do rosto quando falava; não era de gestos exuberantes. Schaden jogava com duas coisas: com a voz e com o cachimbo. Ele chegava à sala, sentava, e começava a aula. Ele tinha uma voz grave, e criava um ritmo crescente, de suspense em classe. Quando você tinha a impressão de que ele já tinha falado tudo, ele dava uma parada e retomava, dizia: “Maaassssssss...”, e gerava um clímax. Já o Cândido era alegre, imitava as pessoas. Cada um tinha um estilo próprio. No entanto, a erudição do Schaden impressionava. Ele foi um dos grandes professores ainda... (Borges Pereira, 2008)

A erudição de Schaden era bem conhecida por seus colegas e alunos, como

retratou Borges Pereira (1991, p.2):

[...] não poderia deixar sem destaque a sua admirável erudição. A saudosa Professora Gioconda Mussolini, sua colega de tantos anos, sintetizava essa erudição num permanente conselho aos professores mais jovens: “Se alguém tiver alguma dúvida, não vá ao dicionário, vá ao Schaden”.

1.5. Obras:

Conforme o currículo de João Baptista Borges Pereira, disponível na Plataforma

Lattes41, o antropólogo possui 27 artigos publicados em periódicos científicos e 10

livros publicados, além de outras produções técnicas. Ademais, prefaciou seis obras, de

autores diversos. Abaixo, segue lista, contendo o livro e artigos relacionados com a

Antropologia da Comunicação:

41 Currículo disponível em 02 de setembro de 2008 em lattes.cnpq.br.

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Livro42:

- Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo (Edusp, 1967).

Artigos Científicos:

- Comunicação Social e Representação Étnica (Revista Comunicação & Sociedade,

1983);

- Publicidade e Manipulação de Identidade Étnica: A Imagem do Japão e dos Imigrantes

Japoneses no Brasil (1990);

- II Negro e La Comunicaziones di Massa in Brazile. (Movimento Operário e Socialista,

1988);

- Emílio Willems e Egon Schaden na História da Antropologia (Estudos Avançados,

1996);

- Pixinguinha (Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 1997);

- O negro e o rádio: um depoimento (Revista de Antropologia, 2003);

- Por onde anda Jeca Tatu? (Revista USP, 2004).

1.6. Antropologia da Comunicação:

Indubitavelmente, “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”,

tese de doutorado defendida em 1966, por João Baptista Borges Pereira, e transformada

em livro um ano depois43 pela Edusp, representa o primeiro trabalho científico referente

à Antropologia da Comunicação no Brasil. Na obra, além de retratar a participação da

população negra nas emissoras radiofônicas, Borges Pereira analisa a estrutura

radiofônica, que estava em um momento de plena transformação, identificando o

fenômeno das “Macacas de Auditório”.

Embora reconheça a importância de seu trabalho e a expressiva contribuição que

prestou às Ciências da Comunicação, Borges Pereira não admite ser um profissional

especializado em Antropologia da Comunicação:

42 Os anos das publicações dos livros escritos por João Baptista Borges Pereira referem-se à 1ª edição. 43 A Editora da Universidade de São Paulo publicou a segunda edição da obra em 2001.

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Eu não me considero um antropólogo da Comunicação. Fiz o trabalho (Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo) com amor. E acho que fiz com muito carinho. É um trabalho que todo mundo cita, me procura por ele. É um trabalho que me abriu muito o campo, principalmente para a Comunicação, porque sou muito convidado a participar de debates em veículos da mídia, por causa dele. Quando participei pela 3ª ou 4ª vez de debates na Rede Bandeirantes sobre o assunto, recebi propostas para trabalhar na TV, mas eu recusei porque não queria me transformar em uma espécie de jurado do Programa Silvio Santos. (Borges Pereira, 2008)

Uma das razões pelas quais Borges Pereira não se identifica como um

antropólogo ligado às questões comunicacionais, está no fato de que “Cor, Profissão e

Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo” foi a única pesquisa substancial realizada

ao longo de sua carreira docente, referente à temática. “O livro foi o único trabalho de

fôlego relativo à Antropologia da Comunicação. Escrevi alguns artigos, mas nenhuma

investigação expressiva”. (Borges Pereira, 2008)

Além disso, Borges Pereira justifica a sua afirmação, enfatizando que o objetivo

do seu trabalho era observar um fenômeno antropológico, e não comunicacional:

Na realidade, o rádio foi um pano de fundo para as minhas observações. Foi algo que tratei com muita consideração e carinho, que me permitiu participar de várias bancas examinadoras e de outros eventos. (Pereira, 2008)

2. Trabalho Seminal - o negro e o rádio de São Paulo:

Embora, a disciplina Antropologia da Comunicação tenha sido instituída

oficialmente, na Universidade de São Paulo, em 1972, pelo Professor Dr. Egon

Schaden, o primeiro trabalho que inaugura o campo de estudo em ambiente acadêmico,

fora produzido seis anos antes. “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São

Paulo”, resultado da tese de doutoramento em Antropologia, defendida por João

Baptista Borges Pereira, na FFLCH-USP, trouxe inúmeras contribuições à

Antropologia, quando observa a população negra na cidade de São Paulo, e igualmente

para as Ciências da Comunicação, pois analisa o negro dentro da estrutura radiofônica

em um momento de extremas modificações nas emissoras de rádio.

2.1. Cor, Profissão e Mobilidade:

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62

Resultado da tese de doutoramento do Professor João Baptista Borges Pereira,

defendida em 1966, “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”,

constitui-se obra pioneira na área de Antropologia da Comunicação no Brasil. Até hoje,

inclusive, o livro é um referencial para os estudiosos da área.

A vontade de realizar um estudo que englobasse a temática referente às relações

raciais surgiu a partir de um trabalho grupal realizado por Borges Pereira, e outros

colegas da então FFCL-USP: “Fiquei muito disposto a fazer um trabalho sobre relações

raciais, quando Octávio Ianni, Ruth Cardoso, Fernando Henrique Cardoso e eu fizemos

um trabalho de campo sobre os negros nas áreas meridionais do país”. (Pereira, 2008)

Relatar a questão da inserção do cidadão negro na estrutura radiofônica, segundo

Borges Pereira, era algo inédito. Existiam trabalhos referentes ao futebol, mas nada

sobre a questão racial no rádio.

A dissertação de mestrado de Borges Pereira tinha como temática a Sociologia da

Educação. O orientador dessa pesquisa anterior tinha sido o Professor Dr. Oracy

Nogueira, no entanto, para o doutorado Borges Pereira deveria escolher um professor

que trabalhasse com assuntos étnicos. “O meu orientador, de acordo com o meu projeto

de pesquisa, deveria ser o Professor Florestan Fernandes, porque ele realmente

trabalhava com a questão das relações raciais. O Florestan coordenava essa linha de

pesquisa na época”. (Pereira, 2008)

Porém, para pesquisar o assunto que desejava, Borges Pereira enfrentou alguns

obstáculos, como por exemplo, a não aceitação do projeto pelo suposto futuro

orientador, Florestan Fernandes:

Levei meu projeto sobre o negro no rádio para o Florestan Fernandes, e ele disse: “Eu não quero mais trabalhar com isso. Se você quiser fazer o doutorado comigo, você terá que estudar a comunidade do café”. Eu fiquei desapontado, porque o Florestan foi um grande “scholar”. Eu respondi que eu não gostava desse assunto. E o Florestan replicou: “Não, tem que fazer isso, porque o Fernando (Henrique Cardoso) está fazendo um trabalho sobre o capital acumulativo da indústria do café de São Paulo, e precisa ter um trabalho sobre a proposta que eu estou indicando a você. E você é bom para isso”. Então disse que tudo bem. Aí eu fui até Xavantes, uma cidadezinha que fica próxima a Ourinhos (Estado de São Paulo), e que as ruas terminam em fileiras de café. Fiz o que precisava, voltei e mostrei o novo projeto ao Florestan. Ele olhou e comentou: “Ah, era isso mesmo o que eu queria”. Quando ele falou isso, eu tive uma soma de irritação, rasguei o projeto e disse: “Tchau, professor”. Ele se virou e retrucou: “Você está louco?”, e eu respondi: “Eu não quero fazer isso, tomei consciência de que eu não quero fazer isso”. E ele, nervoso: “Eu também não quero orientar!”. Desci as escadas, e encontrei o Professor Schaden. Perguntei ao Schaden se ele aceitava me orientar, e ele contestou: “Se você me ajudar, eu te oriento”. Na verdade, quem me orientou efetivamente (Egon Schaden foi um grande crítico) foi o Oracy Nogueira, meu orientador no mestrado. Entretanto, o Schaden também me apoiou muito. No capítulo derradeiro, Schaden foi decisivo nas críticas. (Pereira, 2008)

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Participaram da banca examinadora da tese de João Baptista Borges Pereira, os

professores: Egon Schaden, Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Oracy Nogueira e Ruy

de Andrada Coelho.

Um ano após a defesa, “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São

Paulo” se tornou livro, e é publicado pela Editora da Universidade de São Paulo. Na

apresentação da obra, Egon Schaden explica que tanto através do futebol quanto por

meio do rádio, o indivíduo negro encontra caminhos facilitados para buscar a ascensão

social. Por essa justificativa, Borges Pereira toma o rádio como objeto de estudo, e

estuda não apenas a participação do negro nas emissoras radiofônicas, mas também a

estrutura do rádio. Com isso, identifica um período de transição, gerado,

principalmente, pelo advento da televisão no país. E, acima de tudo, constata o

fenômeno denominado “Macacas de Auditório”, conhecido e comentado pelos ouvintes,

calouros e profissionais do rádio, mas nunca citado em uma pesquisa de cunho

científico.

Dividido em duas partes: Estrutura e Dinâmica (nessa parte Borges Pereira

analisa a estrutura radiofônica, a contribuição do rádio para a cultura paulista, o rádio

educativo e o rádio publicitário, as ocupações profissionais nas emissoras) e Cor,

Estrutura e Dinâmica (Borges Pereira descreve a inserção do cidadão negro no contexto

radiofônico, a música, os programas de auditório, os calouros, os ouvintes, o negro e a

programação no rádio, e “as macacas de auditório”), “Cor, Profissão e Mobilidade: o

negro e o rádio de São Paulo”44, constitui-se um dos primeiros estudos sobre o rádio

feitos no Brasil. O antropólogo relata que o rádio jamais tinha sido estudado com rigor.

“Ninguém, antes, tinha se preocupado com o rádio. Era uma espécie de lixo da cultura”.

(Pereira, 2008)

Em artigo escrito para a Revista USP (1989, p. 62-63)45, Borges Pereira descreve

que o seu trabalho chegou até a ser alvo de críticas, por estar “fora de moda”:

Lembro-me como se fosse hoje. A década de 60 chegava ao fim. Depois de uma reunião científica no Rio de Janeiro, voltávamos a São Paulo, a bordo de um avião. Sentados lado a lado, eu e meu colega e amigo Carlos Guilherme Motta. Dentro de alguns dias, eu deveria estar perante uma banca examinadora de notáveis professores para defender a

44 A síntese da obra estará disponível nos “Anexos” desta dissertação. 45 Disponível em: PEREIRA, João Baptista Borges. O negro e o rádio: um depoimento. Revista USP – Coordenadoria de Comunicação Social, São Paulo: USP, no. 1, p. 62-64, mar-mai 1989.

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minha tese de doutorado, a primeira desde que, em 1936, a cadeira de Antropologia fora criada, na USP, pelo saudoso Professor Emílio Willems. A certa altura de nossa conversa, o historiador me surpreendeu (e até me preocupou) com uma observação textual, que ainda guardo inteira na memória: “Você é muito corajosos ao se doutorar com tema duplamente fora de moda: o negro e o rádio”. Carlos Guilherme acertara em cheio na sua observação, exceto na expressão “corajoso.” Era algo mais do que a coragem que me levava a estudar um tema que se poderia rotular hoje, modernamente, de Relações Raciais e Comunicação Social no Brasil.

Atualmente, Borges Pereira (2008), por mais que não se considere um

antropólogo da Comunicação, sente-se orgulhoso de seu trabalho e da repercussão

criada, apesar de demonstrar muita humildade quando fala de suas obras: “Eu entrei no

projeto, talvez, por ingenuidade, por prazer de fazer. E se tornou um referencial, pois é

incrível o número de pessoas que me procuram por esse trabalho, é uma penetração

inacreditável”.

Do ponto de vista teórico-metodológico, Borges Pereira explica que

eu queria juntar com o “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”, a visão sociológica mais próxima da “Escola Antropológica Inglesa” e a “Antropologia da Cultura”. Então, o único jeito era pegar uma instituição cuja estrutura apresentasse algum grau de complexidade. E eu peguei a estrutura radiofônica, que na época era muito complexa. Meu trabalho pegou um contexto micro-estruturado. Fechei e analisei. (Pereira, 2008)

De acordo com Marques de Melo (1972, p. 18-19), “Cor, Profissão e

Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”, constitui-se em uma significativa fonte de

referência não apenas para os antropólogos, mas essencialmente para os comunicólogos:

Do ponto de vista da Pesquisa em Comunicação o trabalho de João Baptista Borges Pereira representa o primeiro estudo, em bases científicas no país sobre o Comunicador, no caso de uma entidade codificadora e transmissora de mensagens para o grande público, o Rádio. [...] Trata-se de um livro de interesse para os estudiosos das Ciências Sociais, especialmente das Ciências da Comunicação. Não obstante a linguagem técnica, marcada pelo jargão específico da sociologia, antropologia e psicologia, o livro de João Baptista Borges Pereira interessa também ao leitor mediano, preocupado com os problemas de relações interétnicas e de ajustamento social.

2.2. Macacas de Auditório:

O rádio, como constatou Borges Pereira em “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e

o rádio de São Paulo”, era uma forma de ascensão social para os cidadãos considerados

marginalizados ou minorias pela elite constituinte da sociedade brasileira.

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No conhecido “Período de Ouro do Rádio”, entre as décadas de 40 e 50, do século

passado, os programas de auditório eram muito procurados tanto pelos calouros que

buscavam uma chance de realização pessoal e profissional, como pelas pessoas que

simplesmente assistiam as apresentações “in loco”.

O homem e/ou a mulher negra via no rádio a ascensão social e crescimento

financeiro. O fato de estar próximo ao artista, sentado em um auditório, já era razão para

estar em outra “realidade”, considerada por esses indivíduos mais justa e prestigiosa.

Para os profissionais da estrutura radiofônica, as moças mulatas ou negras que

freqüentavam as emissoras de rádio eram chamadas pelo termo pejorativo de “macacas

de auditório”. Jargão bastante utilizado pelos radialistas, e de conhecimento dos

ouvintes e participantes dos programas.

Entretanto, a expressão jamais tinha sido foco de observação, até a tese de

Borges Pereira.

O trabalho também identificou as “macacas de auditório”. Naquela época, o pessoal que participava do auditório não era pago para fazer isso. O rádio era uma opção de lazer. O termo “macacas de auditório” era muito utilizado pelos próprios animadores. Aí eu simplesmente relatei o fenômeno no meu trabalho. Mas no fundo, posso afirmar, que a expressão tem um componente racista. (Pereira, 2008)

3. Incursões de João Baptista Borges Pereira:

Como já relatado acima, João Baptista Borges Pereira, ao longo de sua trajetória

acadêmica, não ficou restrito a apenas uma linha de pesquisa dentro dos estudos

antropológicos. Ao analisar a bibliografia do antropólogo, é possível constatar as suas

passagens pelas questões raciais, imigratórias, e mais recentemente, a temática ligada às

Ciências da Religião.

Abaixo, estão as principais contribuições de João Baptista Borges Pereira, e as

dissertações e/ou teses orientadas nos campos investigados pelo antropólogo no campo

da Antropologia da Comunicação:

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3.1. Antropologia da Comunicação:

Além de “Cor, Profissão e Mobilidade”, Borges Pereira publicou alguns artigos

referentes ao tema.

3.1.1. Teses e/ou Dissertações orientadas referentes à

temática:

Com relação à Antropologia da Comunicação, Borges Pereira orientou dois

trabalhos: uma dissertação de mestrado (de Solange Martins Couceiro de Lima, que deu

continuidade à linha de pesquisa iniciada com “Cor, Profissão e Mobilidade”) e uma

tese de doutorado. São elas:

- GOMES, Laura Graziela F. Televisão e Cultura da Harmonia. 1997. Tese (Doutorado

em Ciências Sociais – Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo.

- LIMA, Solange Martins Couceiro. O negro na televisão de São Paulo: um estudo de

relações raciais. 1971. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais – Antropologia

Social), Universidade de São Paulo, São Paulo.

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CAPÍTULO III

CAPÍTULO III – ANTROPOLOGIA DA COMUNICAÇÃO NA USP

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Neste capítulo, o foco será direcionado à investigação da gênese (ou constituição) da

disciplina Antropologia da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo (ECA-USP). Será analisada a decisiva contribuição de Egon

Schaden (fundador da disciplina na ECA-USP), Solange Couceiro e seus discípulos,

ademais da propagação da Antropologia da Comunicação no Brasil.

1. A Configuração do Campo Comunicacional:

Como já é sabido, o campo comunicacional passou a se configurar como espaço de

estudos científicos independentes, na América Latina, a partir da década de 30 do século

passado, quando surgem os primeiros cursos universitários ligados à área.

Especificamente no Brasil, o primeiro curso de Comunicação (jornalismo) que se

tornou realidade foi o da Escola de Jornalismo Cásper Líbero, em 1947, atual Faculdade

Cásper Líbero, cuja mantenedora é a fundação de nome homônimo. Fruto de um

convênio entre a Fundação Cásper Líbero e a Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (PUC-SP), a metodologia empregada pela instituição apresentava algumas

especificidades, como relatou Marques de Melo (2003, p. 156):

O caso paulista é singular, pois a Faculdade Cásper Líbero contava com o aparato gráfico do jornal “A Gazeta”, permitindo aos seus professores a transformação das aulas em manuais didáticos que ganharam amplitude nacional, sendo usados pelos docentes das instituições similares criadas em outras cidades brasileiras.

Quase trinta anos após a instalação da primeira instituição universitária

direcionada ao ensino da Comunicação no Brasil, o campo começa a buscar autonomia

e legitimidade. Surgem novas universidades, novos cursos, instituições de apoio à

pesquisa e, principalmente, a necessidade de aprimoramento profissional dos docentes

que lecionavam nos cursos de abordagem comunicacional.

Apesar do momento desfavorável ao Brasil, devido ao regime militar e o

cerceamento da liberdade de imprensa, é na década de 70, que a Comunicação começa a

se configurar como campo autônomo do conhecimento científico.

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Evidencia-se, portanto, desde o início dos anos 70, o aparecimento de novos espaços de pesquisa da comunicação nas universidades. A criação de cursos de mestrado e doutorado em ciências da comunicação em algumas universidades latino-americanas facilita a circulação de uma mescla de teorias e metodologias forâneas, da semiótica à psicanálise, das correntes pós-modernistas aos postulados neoliberais. (Marques de Melo, 2003, p. 40)

É nesse panorama que o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação,

da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo é implantado, por um

grupo de docentes, encabeçado pelo Professor Dr. Egon Schaden. Em 1972, é

constituída a primeira turma em nível de mestrado.

1.1. Pós-Graduação na ECA-USP:

Para compor o quadro docente da então Escola de Comunicações Culturais (ECC),

fundada em 1966, professores de outras unidades da USP, e de outras universidades

foram convidados a contribuir para a área comunicacional. Profissionais dos mais

diversos campos, principalmente das Ciências Humanas, formavam o perfil da nova

faculdade. Entre eles, Hiroshi Saito (Sociologia), Virgílio Noya Pinto (História) e Egon

Schaden (Antropologia). Nesse cenário, as Ciências Sociais tiveram um papel

preponderante na constituição da atual ECA-USP.

Para se ter uma idéia, poucos docentes possuíam, naquele momento, uma

formação integralmente comunicacional. É o caso, por exemplo, do Professor Dr. José

Marques de Melo, e de outros idealizadores da ECA, que participaram do Programa de

Doutorado instituído em 1967, cujas teses foram defendidas em 1972.

A necessidade de compor um quadro docente mais focado à área comunicacional

foi uma das principais razões responsáveis pela criação dos cursos de pós-graduação em

Comunicação Social na década de 70, no vácuo criado pela desativação do doutorado,

que só foi instituído novamente na década de 80.

Convidado, em 1970, pelo então diretor da ECA, Professor Antonio Guimarães

Ferri, Egon Schaden ingressa na unidade, e traz consigo toda a experiência apreendida

nos anos de FFLCH, e nos cursos e palestras proferidas no exterior. Ao ingressar na

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ECA, além de criar a disciplina “Antropologia da Comunicação”, articula a fundação do

já referido programa de pós-graduação.

Conforme Lopes (2005, p.79), a clientela que procurava pelo programa

oferecido na ECA era “[...] de docentes universitários obrigados a obter títulos para

progressão de carreira”. Teoria confirmada por Sônia Bibe Luyten (2008)46, aluna da

primeira turma do mestrado da ECA:

Ninguém detinha a titulação. Todos nós estávamos fazendo o mestrado para continuar na carreira acadêmica. Hoje os requisitos são mais rígidos, mas naquela época, na década de 70, todo mundo estava começando.

O curso, coordenado por Schaden em seus primórdios, tinha como característica

a pluralidade de linhas de pesquisa, singular ao campo comunicacional. De acordo com

Sônia B. Luyten (2008), a formação humanística obtida no mestrado foi fundamental,

na sua percepção, para que as investigações feitas atualmente (relacionadas às áreas de

jornalismo e histórias em quadrinhos) não ficassem apenas na superficialidade das

temáticas abordadas:

[...]se eu não tivesse a base antropológica e sociológica apreendida na ECA, alguns trabalhos que fiz teriam sido superficiais. A Antropologia realmente me deu o alicerce para os meus estudos. Basicamente, quando você realiza uma pesquisa é essencial recorrer aos estudos do homem e sociedade.

2. Antropologia da Comunicação – Antecedentes:

46 Relato feito durante entrevista concedida à autora desta dissertação em 30 set. 2008.

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Como já mencionado no Capítulo I desta dissertação, e através de análises feitas

pelo Professor Dr. José Marques de Melo 47, estudos relativos à Antropologia

interligados com a Comunicação partem desde o século XIX.

Especificamente, a temática relacionada à questão racial e à imprensa já era assunto

discutido na academia, desde os primórdios da Universidade de São Paulo. No entanto,

até o trabalho de João Baptista Borges Pereira (O negro e o rádio jamais tinha sido

motivação para uma observação científica até Borges Pereira.) nenhuma outra obra

tinha se proposto a diagnosticar um fenômeno comunicacional, ao mesmo tempo em

que era investigado algo referente à Antropologia.

Durante a sua investigação científica, Marques de Melo (1972, p.39) enfatiza que

foi Gilberto Freyre o primeiro a descobrir a importância informativo-documental da imprensa. Aliás, situam-se exatamente nessa área das Ciências Humanas as suas pesquisas pioneiras em anúncios de jornais.

Ademais das pesquisas seminais de Gilberto Freyre, Marques de Melo cita em

suas obras os estudos de Florestan Fernandes, Arthur Ramos e Roger Bastide,

professores da Universidade de São Paulo.

Um exemplo dessas produções é o artigo escrito em 1951, pelo Professor Roger

Bastide. Intitulado “A Imprensa Negra do Estado de São Paulo”48, o texto descreve o

perfil do conteúdo publicado pelos periódicos do Estado de São Paulo dirigidos ao

público afrobrasileiro. Bastide. De acordo com o docente “assim percorrendo a

imprensa negra, o sociólogo pode seguir a evo lução da classe de cor”. (1972, p.77)

Segundo Bastide, os veículos impressos de dedicados ao público negro

47 Ver as obras: MARQUES DE MELO, José. Estudos de Jornalismo Comparado. São Paulo: Livraria Pioneira. São Paulo, 1972; MARQUES DE MELO, José. Teoria do jornalismo. São Paulo: Paulus, 2006.

48 Artigo disponibilizado no livro: BASTIDE, Roger. O Negro na Imprensa e na Literatura. Seleção dos textos: Professor Dr. José Marques de Melo. Série Jornalismo. São Paulo. Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1972.

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apesar de sua pequena tiragem e da fragilidade de alguns desses jornais, sua finalidade é múltipla e sua utilidade incontestável. Serve, em primeiro lugar, naturalmente por tornar conhecidas as convocações individuais pelo correio, dos comitês de membros contribuintes. Permite aos escritores de cor, que dificilmente podem escrever na imprensa nacional, publicar seus versos ou contos; serve pois, para revelar novos talentos. É enfim, sobretudo, um órgão de reivindicação, contra tudo o que seja em detrimento da elevação do brasileiro de cor; de educação; porque o preto só subirá com mais instrução e mais moralidade, e com mais confiança no seu próprio valor. (1972, p.78)

3. Antropologia da Comunicação:

Embora outros trabalhos isolados tenham sido produzidos anteriormente, é na

Universidade de São Paulo que a disciplina se torna campo de estudo científico. Ainda

na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Egon Schaden, em 1966, orienta

a tese de doutorado, em Antropologia, desbravadora para a Antropologia da

Comunicação no Brasil. “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”,

escrita por João Baptista Borges Pereira descreveu a participação dos afrobrasileiros na

estrutura radiofônica. Para que essa descrição se tornasse a mais fidedigna possível,

Borges Pereira estudou a história e o funcionamento das emissoras de rádio paulistanas,

o que transformou a obra em uma fonte de consulta para antropólogos e comunicólogos.

O segundo trabalho, também produzido na FFLCH, refere-se à dissertação de

Solange Martins Couceiro de Lima, defendida em 1971, sob a orientação de João

Baptista Borges Pereira. Intitulada “O Negro na Televisão de São Paulo: um estudo de

relações raciais”49, Solange Couceiro faz um estudo comparativo sobre a participação

do negro na estrutura radiofônica e televisiva, tomando como referencial a obra de

Borges Pereira.

Na ECA-USP, a disciplina passa a ser ministrada por Egon Schaden em 1970, nos

cursos de graduação. O principal intuito do curso, segundo o próprio Schaden (1974)

era analisar os aspectos culturais e as mudanças nesse sentido, que naquela época

aconteciam de uma forma mais rápida, sob a ótica da Comunicação. Buscava-se

entender quais eram os efeitos que os meios comunicacionais (e nesse contexto são

inseridos não apenas a TV e o rádio, mas também, a escola, a igreja, entre outros)

49 Mais detalhes sobre essa obra serão dados ainda nesta unidade.

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geravam para a manutenção, a extinção ou a fusão de culturas. Essa era a definição para

a Antropologia da Comunicação naquele momento.

Ainda no início da década de 70, a Antropologia da Comunicação não fica restrita

ao espaço da Universidade de São Paulo. Pelas mãos de Schaden, a disciplina, e

principalmente, o pensamento da Antropologia da Comunicação é difundido para o

continente americano.

Concomitantemente com as atividades exercidas na ECA-USP, Schaden leciona a

Antropologia da Comunicação, no Centro Internacional de Estudios Superiores del

Periodismo para Latinoamerica (CIESPAL), instituição mantida pela UNESCO,

localizada em Quito, Equador. Na Alemanha, o docente implanta na Universidade de

Bonn, a disciplina “Etnografia da Comunicação”, matéria com nomenclatura distinta,

mas com conteúdo semelhante aos cursos do CIESPAL e Universidade de São Paulo.

João Baptista Borges Pereira (2008), sucessor de Schaden na cadeira de

Antropologia da FFLCH-USP, ressalta que “Schaden criou uma reflexão permanente

sobre a Antropologia da Comunicação. Esse foi o seu grande mérito”.

Na concepção de Schaden, uma das principais tarefas que os estudiosos da

Antropologia da Comunicação deveriam cumprir era contribuir para a adaptação de

populações distantes (interioranas) aos meios de comunicação.

Já que é limitada a capacidade humana para sucessivas readaptações e talvez reorientações, chega finalmente um ponto em que o indivíduo perde a segurança de atitudes, a cultura se torna espúria e a vida deixa de ter sentido. Daí a necessidade de vigiar e controlar o processo de modernização e de ajudar o caboclo, ou quem quer que seja, a superar os inevitáveis fenômenos de crise cultural. Mas para isto se hão de conhecer, antes de mais nada, os valores e as atitudes características do nosso homem do campo e das vilas do interior, a fim de se descobrirem as possíveis aberturas para a comunicação eficiente com o mundo dos valores – se é que são valores – civilização. Eis aí uma das primeiras tarefas para a Antropologia da Comunicação. (Schaden, 1974, p. 144)

Em seu texto, Schaden ainda propôs que dentro da Antropologia da

Comunicação

Se empreenda o estudo da cultura euro-tropical do Brasil – também esta expressão é de Gilberto Freyre – na perspectiva da comunicação. É coisa que não se fará sem grande esforço, sem intensivas e metódicas pesquisas bibliográficas, sem cuidadosa e

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sistemática observação da realidade empírica. O que podemos fazer desde logo é coordenar e integrar conhecimentos isolados numa primeira visão de conjunto, naturalmente provisória, mas plataforma necessária para indagações mais profundas. Nestas o antropólogo necessitará da cooperação de sociólogos, de folcloristas e lingüistas, sobretudo de ecologistas, mas também da ajuda de representantes de outras ciências. (Schaden, 1974, p. 146)

Diretor por diversas ocasiões do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-

USP, José Marques de Melo (2008) ressalta que a afinidade com a área da Antropologia

da Comunicação, surgiu ainda nas teses defendidas por Schaden: “Alguns aspectos da

Comunicação estão explícitos nas teses de Schaden. Ele podia até dizer que não era

Comunicação, mas os indícios estão lá, nos escritos de Schaden”.

3.1. Cultura Brasileira – Aculturação de Imigrantes no

Brasil:

Nos cursos de pós-graduação da ECA-USP, a linha de pesquisa coordenada por

Schaden, dentro dos estudos da Antropologia da Comunicação, recebia o nome de

“Cultura Brasileira”.

Inicialmente, o principal objeto de estudo dessa área era o processo de aculturação

dos imigrantes que vinham, das mais diversas partes do mundo para o Brasil. Nesse

aspecto, era observado o papel da Comunicação nesse processo, isto é, o quanto a

Comunicação poderia ser responsável para contribuir na fusão de duas ou mais culturas.

Com isso, Schaden constitui um grupo formado por seus orientandos que investigavam

o fenômeno em diversos Estados.

Um dos principais trabalhos dentro desse campo é a dissertação de Sônia Bibe

Luyten, intitulado “Comunicação e Aculturação: a colonização holandesa no Paraná”,

publicada como livro em 1981, dois anos após a defesa ocorrida em 1979 .

A investigação de Sônia Luyten tinha como intuito analisar como se deu a

aculturação de uma comunidade de imigrantes holandeses, localizada na colônia de

Carambeí, Paraná. Nesse aspecto, Sônia observou a colaboração da comunicação para

que a fusão entre as tradições brasileiras e holandesas acontecesse.

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No tocante aos meios de comunicação coletiva, através de sua difusão, estes têm complementado o processo de assimilação e aculturação, à medida que surgem como agentes de reforço e/ou mudança, como já expusemos. Dada a grande predisposição do grupo para a audiência aos meios de comunicação – jornais, revistas, livros, rádio, televisão e cinema – estes vão integrando os colonos às expressões da vida sociocultural brasileira, familiarizando-os ao que há de mais atual. Os meios de comunicação coletiva, além da função de reforço do uso ou aprendizado da língua portuguesa, permitem também ampliar a visão estreita e local dos colonos, em decorrência da localização de Carambeí, colocando-os a par do que há de mais sofisticado nos centros urbanos brasileiros, dissolvendo os estereótipos e preconceitos adquiridos, nos primeiros tempos, pelo isolamento cultural. Dos meios de comunicação audiovisuais, a televisão e o rádio sobrepõem-se ao cinema quanto aos papéis de importância representados. Os meios impressos (jornais, revistas, livros) encontram, entre os colonos, equivalentes holandeses para comparação e os audiovisuais não (com exceção da parte informativa em ondas curtas pelo rádio), provocando mais impacto, principalmente, a televisão. (Luyten, Sônia B., 1981, p. 145-146)

4. Discípulos de Schaden na ECA-USP:

A linha de pesquisa, com direcionamento aos estudos da Antropologia da

Comunicação, criada por Schaden na ECA-USP, gerou diversas dissertações de

mestrado, e alguns discípulos de seu pensamento. Abaixo, segue a biografia, o

pensamento e as obras relacionadas à área de dois ex-orientandos de Schaden. São eles:

Nelly de Camargo, Joseph Maria Luyten e Sônia Bibe Luyten. Além disso, será

apresentado um breve perfil de Luiz Augusto Milanesi, que fez pesquisa, durante o

mestrado, de natureza antropológica sobre a televisão brasileira.

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4.1. Nelly de Camargo:

4.1.1. Biografia:

Natural da cidade paulista de Itú, e filha de um militar e uma cantora, Nelly de

Camargo realizou a maior parte de seus estudos na cidade de Itapetininga. Com apenas

17 anos de idade, a docente já havia concluído o curso normal50.

Quando Nelly de Camargo completou 18 anos, a sua família se mudou para São

Paulo. Nesse período, Nelly ingressou no magistério primário que exerceu durante cinco

anos, até prestar concurso para ingressar na Universidade de São Paulo como aluna de

Pedagogia, e posteriormente, de Psicologia. Após a conclusão do curso de Pedagogia,

Nelly de Camargo ministrou aulas em cursos normais da capital.

Nessa época, a docente passou a ter contato com a área comunicacional, através

de uma bolsa concedida pela Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.

Nesse período, houve um concurso do Ministério da Educação aqui em São Paulo para um setor de recursos audiovisuais que deveria promover uma melhor instrumentação do professor do ponto-de-vista pedagógico. Eu fiz esse concurso, passei. Aí os Estados Unidos ofereceram quatro bolsas de estudos para aquele pessoal que havia sido selecionado, e eu fui uma das agraciadas com isso. E eu fui para a Universidade de Indiana, onde havia um grande departamento de comunicações e recursos audiovisuais, e lá eu fiquei 01 ano, onde nesse época, eu fiz o meu mestrado... (Camargo, 2008)

De volta ao Brasil, Nelly de Camargo já estava vinculada ao Instituto de

Educação da Universidade de São Paulo, no departamento de recursos audiovisuais. No

setor, a pesquisadora permaneceu até 1966.

E nesse setor, nós demos habilitações para mais de 10 mil pessoas no magistério, pessoal da Polícia, pessoal de todo o Brasil que vinha por essa ou aquela razão, e queria aprender recursos audiovisuais de comunicação. Isso funcionava onde está instalada, atualmente, a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Naquele tempo se chamava Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação. (Camargo, 2008)

50 Dados biográficos coletados durante entrevista de Nelly de Camargo concedida à Gleice De Divitiis em 02 dez. 2008.

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Para se aprofundar na temática referente aos recursos audiovisuais, em 1966,

Nelly de Camargo viajou até a França com o objetivo de investigar o desenvolvimento

dos estudos audiovisuais na Europa. Antes de viajar, porém, a docente tinha feito uma

inscrição para concorrer à cadeira de Teoria da Comunicação da então Escola de

Comunicações Culturais.

Com isso, ao regressar da Europa, Nelly foi aprovada no concurso da ECC, e se

torna chefe do Departamento de Ciências e Técnicas de Comunicação da nova

instituição que estava se configurando. Nelly deixou o cargo para o Professor Egon

Schaden, que detinha da titulação necessária para assumir o departamento.

Em 1972, Nelly de Camargo concluiu a sua tese de doutorado na já denominada

Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), sob a orientação do Professor Egon

Schaden:

[...] todos os professores que estavam na ECA foram obrigados a fazer o seu doutorado em um determinado prazo. Não existia um programa de pós-graduação porque não havia professores doutores. Depois que eu fiz o meu doutorado, o Marques, o Professor Clóvis Garcia, o Professor Miroel... Todos os professores defenderam até 1972. Todos nós, juntos, poderíamos criar um programa de pós-graduação, e foi o que fizemos [...] (Camargo, 2008)

Além das atividades docentes desenvolvidas na ECA, Nelly, em 1980, recebeu

uma bolsa “Fullbright” para ser professora visitante da Universidade de Stanford nos

Estados Unidos. Na época, a investigadora foi convidada para o cargo de conselheira de

comunicação regional da UNESCO para a América Latina, em Quito, no Equador, onde

permaneceu por quatro anos, aposentando-se na USP.

Mais uma vez no Brasil, Nelly de Camargo vai lecionar na Universidade de

Campinas (UNICAMP), e instala, na universidade, o Departamento de Multimeios. Na

UNICAMP, Nelly exerceu a função docente durante aproximadamente 15 anos.

No ano 2000, Nelly passa a se dedicar, integralmente, ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP. Apesar de aposentada, Nelly de

Camargo ainda mantém orientandos na instituição. A tese de doutorado mais recente,

orientada pela pesquisadora, foi defendida em julho de 2008.

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Uma das primeiras dissertações de mestrado orientadas por Nelly de Camargo,

cujo enfoque que privilegiou um objeto de natureza sócio-antropólogico, foi o trabalho

produzido por Maria Immacolata Vassalo de Lopes, intitulado “O Rádio dos Pobres –

Comunicação de Massa, Ideologia e Marginalidade Social”51. A pesquisa transformada

em livro, no ano de 1988, teve como intuito

estudar os efeitos ideológicos do discurso radiofônico popular sobre as populações marginais que vivem no ambiente urbano. Para tal, toma-se um conjunto de três programas radiofônicos (“Zé Bettio”, “Gil Gomes” e “Silvio Santos” ) como realização de um discurso popular no rádio que tem sua escuta particularmente concentrada nos setores de menor renda. (Lopes, 1988, p.7)

4.1.2. Pensamento:

Tanto o mestrado quanto o doutorado de Nelly de Camargo tiveram como foco

principal os estudos referentes ao audiovisual. Mais especificamente com relação à tese

de doutoramento, orientada por Egon Schaden, o objetivo central era estudar a

implantação de aparelhos de televisão na periferia de São Luís do Maranhão pela

Prefeitura do município. A tese intitulada “A TV e o Quadro de Referência Sócio-Cultural: o Público dos

Telepostos de São Luís do Maranhão”, segundo Nelly de Camargo (1972, p. 9)

[...] tinha por finalidade situar possíveis focos de ruído no sistema pelo qual uma instituição governamental pretendia, através de uma organização de Comunicação (a TV), transmitir mensagens, com objetivos culturais e educacionais, em substituição ao entretenimento com que esse público costumava preencher o tempo destinado ao lazer. (Camargo, 2008)

O interesse em estudar os “telepostos” no Maranhão surgiu no período em que a

docente lecionou na capital, São Luís.

51 Ver: LOPES, Maria Immacolata Vasallo de. O Rádio dos Pobres – Comunicação de Massa, Ideologia e Marginalidade Social. São Paulo: Edições Loyola, 1988.

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Através da Universidade de São Paulo fui lecionar no Maranhão. E sempre quando ia para casa, lá em São Luís, percebia que a Prefeitura estava instalando nas ruas da periferia da cidade, uma espécie de poste com um aparelho de TV, onde eram exibidos canais abertos. Ao todo, foram colocados na cidade, 38 aparelhos. Percebi que a implantação desse sistema, mudou muitos hábitos daquelas pessoas, como por exemplo, a hora das orações nas igrejas, devido a telenovela “Irmãos Coragem”, que era exibida na época. Algumas tradições foram mudadas, somente para o público ter a oportunidade de acompanhar a novela. E isso me deixou muito curiosa. Fiz, então,um estudo com questionários com essas pessoas. O meu principal objetivo era diagnosticar o que tinha mudado na vida dessa população, e quais foram as alterações mais relevantes trazidas pela TV nessas localidades, onde a Prefeitura instalou o que chamei de “telepostos”. (Camargo, 2008)

Entre os principais resultados obtidos em sua investigação estão:

1. Trata-se de uma população em lento processo de mudança cultural, caracterizado pelo rompimento de alguns padrões peculiares à sociedade tradicional da qual, entretanto, conserva traços bastante fortes. Há indicação de alteração na organização familiar, consumo expressivo de rádio, TV e mesmo esporadicamente, jornal. A capacidade empática é mais difícil de ser avaliada. No entanto, a rejeição dos programas locais e grande preferência pela programação de fora, a admissão dos modelos da TV no comportamento são dados sugestivos. No entanto, como um todo, a faixa (adulta) desta população expressa-se em termos da sociedade tradicional.

2. Ir à praia aos domingos. Ir de vez em quando ao cinema, presenciar uma ou outra peça de teatro (também nos circos e festas populares) é o máximo em matéria de diversão. Poucos praticam esporte. Jogam habitualmente na loteria esportiva. Este fato causou perplexidade dado o pequeno poder de investimento da população e os custos fixos do jogo em questão. O assunto merece maior atenção e um estudo mais detalhado.

3. Não constitui, por seu poder aquisitivo, um público consumidor, de vez que a disponibilidade de renda é irrisória face às proposições do mercado e tem um padrão de vida extremamente precário. Assim, todo o investimento em instalações e materiais complementares exigidos pela tecnologia de educação via TV, deve ser feito pela organização promotora.

4. O consumo que faz dos meios de comunicação é restrito à leitura fragmentária de um jornal, quando muito, e à audição das emissões radiofônicas locais. Constantemente ligado, o rádio constitui fonte informativa por excelência por sua decodificação imediata, domesticidade, gratuidade, não interferência com o trabalho manual. Parece ter amplas possibilidades de utilização no desenvolvimento cultural e na complementação das transmissões televisionais.

5. Só eventualmente as necessidades de entretenimento são preenchidas pelo cinema e, de forma inteiramente esporádica, pelas representações teatrais.

6. Quanto à TV, assiste no teleposto para onde vai com a família inteira, levando sempre as crianças e também os mais velhos. A assistência diária à TV, em média entre duas e três horas por noite e, às vezes, até mais, deve ser compreendida face a uma programação que não ultrapassa a média de 4 horas. Não há seleção de programação. A cidade recebe apenas um canal de TV. Homens e mulheres são igualmente afeitos à TV. Não é discriminado (em termos de sexo) o comparecimento ao TP. Jovens e crianças são mais fiéis ao veículo e pressionam a família no sentido de comparecer ao TP. (Camargo, 1972, 238-240)

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Atualmente, Nelly de Camargo segue uma linha de pesquisa direcionada ao

“Gerenciamento de Crises”, isto é, o mapeamento de problemas empresariais,

pedagógicos e comunicaionais, e as suas prováveis soluções.

A minha linha de pesquisa, se é que nós podemos qualificar assim, eu quero saber qual é o problema que você tem, qual é o seu problema, o problema está dentro de você? É externo ou psicológico? É um problema de comunicação com o outro, com grupos? É um problema de comunicação de massa, empresarial? Eu estudo, na realidade, o problema. Para estudar o problema eu utilizo os conhecimentos que tenho de Ciências Sociais, de Psicologia, de Pedagogia, de Antropologia... E localizo, faço um mapa de onde está o problema. E aí eu vou trabalhar, crio estratégias para solucionar esse problema... (Camargo, 2008)

Embora Nelly de Camargo tenha uma vasta experiência no campo comunicacional,

a docente não acredita que a Comunicação possa ser considerada uma área de

conhecimento autônoma:

Para mim a Comunicação como campo autônomo não existe, não tem objeto, campo e método específico. Ela está em todos os processos humanos, em todos os processos vivos, e até nas máquinas existe um problema de Comunicação. (Camargo, 2008)

Dessa forma, a pesquisadora também não se considera uma antropóloga da

comunicação:

Não me considero uma antropóloga da comunicação. Eu me considero uma pessoa que conhece bem Antropologia. Conheço bem Psicologia, conheço bem Sociologia, e uso tudo aquilo que aprendi para entender como esses processos que falei ocorrem. (Camargo, 2008)

Com relação às produções científicas, a docente ressalta que possui mais artigos

do que livros escritos:

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Eu não tenho livros principais, eu tenho artigos principais. Eu fiz um livro chamado “Políticas de Comunicação no Brasil”, na época da ditadura, em 1970. As políticas de comunicação nunca tinham sido tratadas de maneira global por ninguém. Escrevi também uma obra sobre letras de músicas de Carnaval, intitulada “Brazilian Public Opinion in Carnival Lyrics”. Eu normalmente trabalho com mais pessoas, escrevo capítulos de livros.

4.2. Joseph Maria Luyten:

4.2.1. Biografia:

Joseph Maria Luyten nasceu na cidade de Brunssum, Holanda, em 15 de agosto

de 1941. Quinto filho de oito irmãos, Luyten chegou com sua família à capital

pernbambucana, Recife, em 1952, com 11 anos de idade.

No entanto, o clima nordestino, além de outras razões, não permitiu que a

família Luyten permanecesse por muito tempo em Pernambuco. Com o apoio de padres

franciscanos, a família conseguiu se mudar para São Paulo. Na capital paulista, Joseph

Luyten realizou a maior parte de seus estudos, e constituiu a sua própria família. Casa-

se com Sônia Bibe Luyten, e se torna pai de três filhas (Natalie, Isabelle e Caroline).

Sempre interessado em estudar a cultura brasileira, Luyten, ao contrário de seus

irmãos que se formaram em Engenharia, optou pela área de Humanidades, estudando

Filosofia, Administração de Empresas e Jornalismo

Em 1980, Joseph Luyten conquistou a titulação de mestre. A dissertação

intitulada “A literatura de cordel em São Paulo”, é defendida na ECA-USP, sob a

orientação do Professor Dr. Egon Schaden. Quatro anos depois, em 1984, Luyten

tornou-se doutor, pela ECA-USP, com a tese “A notícia na literatura de cordel”, e com a

orientação de Schaden. No ano de 1986, Luyten realiza estudos de pós-doutorado, no

“National Museum of Enology”, da Osaka University.

Joseph Luyten lecionou em diversas instituições de Ensino Superior nacionais e

internacionais, entre elas: Faculdades Integradas Alcântara Machado – FIAM (Brasil),

Universidade Paulista – Unip (Brasil); Escola Superior de Propaganda e Marketing –

ESPM (Brasil); Universidade de São Paulo – USP (Brasil), Faculdade Cásper Líbero

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(Brasil); Universidade Metodista de São Paulo (Brasil); Tokyo University of Foreign

Studies (Japão); University of Tsukuba (Japão); Osaka University of Foreign Studies

(Japão); Teikyo University Europe (Holanda) e Unipoitiers (França).

A trajetória acadêmica de Luyten foi interrompida pela sua morte em 27 de julho

de 2006, vitimado por uma parada cardíaca.

4.2.2. Pensamento:

Joseph Luyten dedicou-se ao estudo da cultura popular brasileira, vista através

da perspectiva comunicacional. O interesse por esses estudos surgiu quando Luyten

ainda era mestrando da ECA-USP, através das aulas do professor francês, Raymond

Cantel, que proferiu algumas palestras na unidade:

O Joseph acreditava que os brasileiros tinham certo preconceito com a cultura popular. Precisou um estrangeiro expor esse assunto. Para o Joseph foi um grande início, esse foi o caminho. Com isso, ele direcionou o mestrado para essa questão. (Luyten, 2008)

Dentro desse campo, Luyten enfocou a literatura de cordel. Para se ter uma

idéia, o acervo mantido por Joseph, e preservado, atualmente, pela sua esposa, Sônia

Luyten, possui aproximadamente 19 mil folhetos.

Na apresentação de uma das suas principais obras (que também foi a sua

dissertação de mestrado), “A Literatura de Cordel em São Paulo”, publicada em 1981,

Egon Schaden (p. 9) expõe o desenvolvimento do trabalho proposto por Joseph Luyten:

Joseph Maria Luyten tem o senso do concreto. Não se perde, como tantos que escrevem sobre o assunto, em conjeturas teóricas, que podem impressionar o leitor, mas que nem sempre se apóiam em sólido suporte de fatos. Procurou não só examinar milhares de folhetos e, na medida do possível, o quanto se publicou sobre a literatura de cordel, os desafios, as pelejas, e os versos de repentistas, mas também travar conhecimento pessoal com muitos autores de livretos e com outros poetas populares. De alguns apresenta um pequeno “curriculum vitae”, que dá uma visão elucidativa das vicissitudes de sua carreira, de ordinário um tanto aventurosa. Muitos são de origem humilde, nascidos no interior, e passaram a viver em pequenas cidades, ganhando o sustento com os mais variados ofícios e, aos poucos, granjeando fama com os versos que faziam. Com paciência beneditina e com notável pertinácia, Luyten coligiu, enfim, um cabedal de informações que nos ajuda a situar a literatura de cordel em seu contexto, sem o que, aliás, não é possível comp reender a sua força de penetração e o seu verdadeiro sentido.

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Apesar da existência de diversos trabalhos anteriores que abordavam a Literatura

de Cordel, a dissertação de Luyten tornou-se pioneira na área, já que o docente analisou

os folhetos feitos na cidade de São Paulo, cujos autores, em sua imensa maioria, eram

migrantes nordestinos. Em contrapartida, a bibliografia, até então, existente, enfatizava

as produções nordestinas, berço do cordel. Conforme Luyten (1981, p. 12),

O objetivo deste trabalho é o de analisar , especificamente, a contribuição de São Paulo no que se refere à produção de folhetos, fenômeno comumente chamado de Literatura de Cordel.

Durante a sua carreira acadêmica, Luyten escreveu diversos artigos científicos

referentes à temática, e os publicou em diversos países. Além disso, orientou dezenas de

teses e dissertações que tinham como assunto prioritário a cultura popular brasileira.

A linha seguida por Luyten, a “Folkmídia”, ou “Folkcomunicação”, isto é, a

análise dos fenômenos culturais populares vista sob a ótica midiática, era uma herança

do criador da teoria, o professor pernambucano, Luiz Beltrão.

Na Universidade Metodista de São Paulo, a disciplina “Folkmídia” fora

ministrada durante os quase sete anos em que Joseph Luyten foi docente do Programa

de Pós-Graduação em Comunicação Social da instituição.

De acordo, com Sônia Bibe Luyten (2008), esposa do Professor Joseph, o desejo

do orientador do docente, Egon Schaden, era que Luyten seguisse com os ensinamentos

de Antropologia da Comunicação, entretanto a escolha foi outra:

Na verdade, o Schaden queria que o Joseph continuasse a linha de estudo dele, ou seja, a Antropologia da Comunicação. Mas o Joseph fez a opção pelo cordel. Para falar a verdade, o campo do Joseph enveredava pela Antropologia da Comunicação. Mas aí nós fomos para o Japão, e nos distanciamos do Professor Schaden. Quando soubemos da morte do Professor Schaden, estávamos fora do Brasil. Quando voltamos ao Brasil, o Joseph começou a dar aulas na Universidade Metodista de São Paulo, e na Unisantos.

Mesmo que não tenha seguido os caminhos deixados por Egon Schaden, Sônia

Luyten (2008), acredita que se estivesse vivo, Joseph se consideraria um antropólogo da

comunicação:

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Fatalmente era a área dele. É o homem. E justamente o Joseph sempre valorizou o que era o extremo tanto na área de Comunicação quanto na Antropologia, ou seja, a comunicação das camadas baixas da população [...]

Alfredo Dias D’Almeida (2008)52, ex-orientando de Luyten, compartilha da

mesma opinião:

O Luyten, por exemplo, era um antropólogo da Comunicação. E por quê? Porque era uma pessoa que não se limitava a fazer a pesquisa através de referências que chegavam a ele. Ele ia conhecer, tinha um contato constante com os artistas populares. O que ele recebia de correspondências diárias, era algo inacreditável. E ele respondia a todas. E esse contato constante é o respeito pelo outro. É você tentar entender aquela manifestação. O cordel, que era a especialização do Luyten, por exemplo: ele queria entender o cordel como o próprio artista popular dava sentido para o cordel. Nós que somos urbanos, damos outro sentido para o cordel. É isso que gera o embate. É importante tentar deixar os nossos preconceitos de lado, e tentar entender o outro. E o Luyten me ensinou muito sobre isso. Eu saia com o Luyten de sábado pela manhã, para irmos às feiras de arte popular, e ele conhecia todo mundo. Ele tinha contato direto com as pessoas. Nós, hoje em dia, viramos comunicólogos de gabinete, o que era o antropólogo até o século XIX. Além de conversar, o Luyten sabia ouvir. Pensar a Antropologia da Comunicação como uma área que entende a questão cultural como algo que tenha um valor comunicativo: o Luyten era um antropólogo da Comunicação.

Sônia Luyten (2008) observa que

a grande contribuição do Joseph foi tornar todo esse conhecimento antropológico uma disciplina, que é a “Folkmídia”. Era o campo de estudo que ele aplicava na Metodista. Outra coisa que eu gostaria de dizer é que tanto o Schaden, como outros professores nos ensinaram, acima de tudo, como ser orientador. Por exemplo, os orientandos do Joseph tinham uma amizade muito grande com ele. E isso a gente deve ao Schaden.

4.2.3. Obras:

De acordo com o currículo disponibilizado na Plataforma Lattes53 de Joseph Luyten,

o docente possui mais de três dezenas de artigos divulgados em periódicos científicos,

52 Relato dado durante entrevista concedida à autora desta dissertação em 22 out. 2008.

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além de mais de dez livros publicados. Entre as obras do autor, as mais significativas

apontadas pelo próprio docente, são:

ü LUYTEN, Joseph Maria. O Que é Literatura Popular. 5a ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.

ü LUYTEN, Joseph Maria. Sistemas de Comunicação Popular. São Paulo: Ática, 1988.

ü LUYTEN, Joseph Maria; KUNTZ, R. Marketing Político. São Paulo: Global,

1982.

4.2.4. A Configuração da Folkcomunicação:

Sem qualquer intenção de aprofundamento na temática folkcomunicacional, já

que esse não é o principal objetivo do presente trabalho, nas linhas abaixo será

apresentado um breve relato referente à disciplina ministrada por Joseph Luyten na

Universidade Metodista de São Paulo.

A nomenclatura Folkcomunicação foi mencionada, pela primeira vez, na tese de

doutoramento do Professor Luiz Beltrão de Andrade54, defendida em 1967, na

Universidade de Brasília55.

O objetivo desse segmento inovador de pesquisa latino-americana no âmbito das ciências da comunicação encontra-se na fronteira entre o Folclore (resgate e interpretação da cultura popular) e a Comunicação de Massa (difusão industrial de símbolos, por meio de meios mecânicos ou eletrônicos, destinados a audiências amplas, anônimas e heterogêneas). Se o folclore compreende formas interpessoais ou grupais de manifestação cultural protagonizadas pelas classes subalternas, a folkcomunicação caracteriza-se pela utilização de mecanismos artesanais de difusão simbólica para expressar, em linguagem popular, mensagens previamente veiculadas pela indústria cultural. (Marques de Melo, 2008, p.17)

53 Currículo disponível em 26 out. 2008, no site: lattes.cnpq.br . 54 O Professor Dr. Luiz Beltrão foi a primeira pessoa a receber o título de doutor em Comunicação do Brasil. 55 Ver MARQUES DE MELO, José. Mídia e Cultura Popular. São Paulo: Paulus, 2008.

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O principal canal de difusão da folkcomunicação era a publicação intitulada

Comunicação & Problemas, criada pelo Professor Luiz Beltrão, com o intuito

prioritário de apresentar os trabalhos com a abordagem folkcomunicacional.

4.3. Sônia Maria Bibe Luyten:

4.3.1. Biografia:

Sônia Maria Bibe Luyten nasceu no dia 21 de agosto de 1948, no bairro do

Paraíso, em São Paulo, local onde realizou todos os seus estudos referentes ao Ensino

Fundamental e Médio. Em 1967, Sônia ingressou no curso de jornalismo da Faculdade

Cásper Líbero.

Sônia iniciou a carreira como jornalista no jornal “Gazeta”, feito na sede da

Fundação Cásper Líbero. Além disso, trabalhou em agências de notícias, onde exerceu

as funções de jornalista e tradutora, e nos jornais: “O Estado de São Paulo” e “Jornal da

Tarde. Foi nessa época, inclusive, que Sônia Luyten começou a fazer traduções de

histórias em quadrinhos.

Em 1972, Sônia se torna mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências

da Comunicação da ECA-USP, inicialmente sob a orientação do Professor Dr. Freitas

Nobre. A pesquisadora fez parte da primeira turma do mestrado da ECA.

O Professor Freitas Nobre tinha um grupo sobre direito da informação. Com isso, a minha área era quadrinhos e direito da informação. Mas justamente naquela época, por questões políticas, o Freitas Nobre foi afastado da USP. Aí então é que começou o meu desespero, porque a minha linha sempre foi quadrinhos. Até hoje eu produzo trabalhos dentro desse campo. (Luyten, Sônia B., 2008)

Paralelamente à saída de seu orientador, Sônia Luyten iniciou a sua carreira

docente no Departamento de Jornalismo da ECA, através de convite do Professor Dr.

José Marques de Melo. “Eu comecei a dar aulas tanto para o ciclo básico dos cursos de

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Comunicação, como para os alunos de Editoração, em uma disciplina relacionada aos

quadrinhos” (Luyten, Sônia B., 2008).

Sem orientador para prosseguir os seus estudos de pós-graduação, Sônia Luyten

foi indicada para conversar com o Professor Dr. Egon Schaden. A então mestranda foi

recebida por Schaden,

e então ele disse que a área dele era a Antropologia da Comunicação. Fui informada por ele que estavam formando um grupo de pesquisa, que estava analisando comunidades de imigrantes estrangeiros no Brasil, através da perspectiva comunicacional. O Professor Schaden afirmou que se eu quisesse fazer parte desse grupo, seria bem-vinda. Inclusive, ele pensou que eu tinha descendência holandesa devido ao meu sobrenome. Eu disse que era descendente de italianos, mas já existia um projeto com essa temática. Dessa maneira, fiquei com os holandeses. (Luyten, Sônia B., 2008)

Sônia aceitou participar do grupo, e realizou as suas análises em uma colônia

holandesa, chamada Carambeí, localizada no Estado do Paraná. A dissertação intitulada

“Comunicação e Aculturação: a colonização holandesa no Paraná” foi defendida, após

alguns percalços, em 1979, com a orientação de Hiroshi Saito, já que Egon Schaden,

por razões políticas havia sido afastado da ECA.

Em 1980, com a orientação de Hiroshi Saito, Sônia Luyten inicia os seus estudos

doutorais.

O Professor Saito até considerou que seria interessante fazer um trabalho comparativo, para o doutoramento, entre as colônias católicas e protestantes, e focando bastante o papel das cooperativas. Quando eu estava seguindo o meu trabalho de doutorado, o Professor Saito morreu no meio do caminho da minha orientação. Aí eu fui para o Professor Virgílio Noya Pinto. Da Antropologia, passei para a Sociologia, e depois para História. Nessa época já tinha cumprido todos os créditos, mas fui convidada para ir ao Japão lecionar. Como eu já tinha uma área paralela que eram as pesquisas sobre quadrinhos, e gostava muito dos quadrinhos japoneses, eu tive a ousadia de ligar para o meu orientador e mudar o meu tema. O Professor Virgílio enfatizou que não entendia nada sobre a temática, e eu repliquei dizendo que eu não iria desapontá-lo. Fiz o trabalho, tirei dez... (Luyten, Sônia B., 2008)

A tese “O poder de difusão das histórias em quadrinhos japonesas como reflexo

da sociedade nipônica”, sob a orientação do Professor Virgílio Noya Pinto, foi

defendida em 1988. Onze anos depois, em 1999, Sônia Luyten realizou estágio pós-

doutoral, na UniPoitiers, na França.

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Viúva de Joseph Maria Luyten, Sônia é mãe de três filhas (Nathalie, Isabelle e

Caroline) e avó de três netos. Ao longo se sua trajetória acadêmica, lecionou em

diversas universidades brasileiras e estrangeiras, entre elas: Universidade Católica de

Santos – Unisantos (Brasil); Universidade Dinâmica Cataratas (Brasil); UniPoitièrs

(França); Universiteit Utrecht (Holanda); Teikyo University Holland (Holanda);

Tsukuba University (Japão); Tokyo University of Foreign Studies (Japão); Osaka

University of Foreign Studies (Japão); Universidade de São Paulo – USP (Brasil);

Faculdade Cásper Líbero (Brasil); Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP

(Brasil); Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM (Brasil); Universidade

Paulista – UNIP (Brasil) e Faculdades Integradas Alcântara Machado – FIAM (Brasil).

Atualmente, a pesquisadora não leciona em instituições de Ensino Superior,

todavia, profere palestras nas mais diversas partes do planeta. A maioria das atividades

ministradas por Sônia Luyten se refere às “histórias em quadrinhos”.

4.3.2. Pensamento:

Segundo Sônia Luyten (2008), estudar a influência da Comunicação no processo

de aculturação de uma colônia holandesa no Estado do Paraná foi bastante gratificante.

Foi um trabalho magnífico, porque eu ia lá, levava a família toda. Fazia entrevistas, ouvia diversas histórias de vida, e ia vendo a relação desses imigrantes com a sociedade brasileira.

Dois anos após defender a sua dissertação intitulada “O papel da aculturação na

aculturação dos holandeses no Paraná”, em 1981, o trabalho se transformou no livro

“Comunicação e Aculturação: a colonização holandesa no Paraná”.

O critério fundamental que orientou a redação do trabalho foi o de mostrar em seus tópicos a evolução do processo assimilativo e aculturativo através da comunicação interétnica para a compreensão das múltiplas implicações que isso possa acarretar. Por isso, optamos por múltiplos processos para a obtenção de dados, desde os formais aos informais, procurando sempre a compreensão dos fenômenos que se desenvolviam na Colônia, num acompanhamento desde 1973, com nossa permanência espaçada em

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campo, na convivência grupal em casa de uma das famílias de Carambeí, numa observação progressiva dos acontecimentos. (Luyten, Sônia B., 1981, p. 14)

No entanto, essa não foi a linha de pesquisa adotada pela docente. Mesmo antes

de ingressar no curso de mestrado, Sônia Luyten tinha como intenção fazer uma análise

das revistas em quadrinhos, dentro de uma abordagem comunicacional.

A tese “O poder de difusão das histórias em quadrinhos japonesas como reflexo

da sociedade nipônica”, defendida em 1988, foi o passo inicial para que Sônia seguisse

o campo da investigação das histórias em quadrinhos.

Embora não se considere uma antropóloga da comunicação, por não ter seguido

a linha proposta por Egon Schaden, e por considerar que “[...] essa segmentação do

conhecimento é extremamente danosa [...]”, Sônia Luyten (2008), nunca deixou de

trabalhar com aspectos que envolvam a sociedade e a cultura.

Para se ter uma idéia, a pesquisadora, hoje em dia, tem os seus projetos de

investigação direcionados para os quadrinhos e o jornalismo. No que se refere às

histórias em quadrinhos, Sônia desenvolveu recentemente, em comemoração ao

centenário da imigração japonesa no Brasil, um estudo vasto sobre os mangás. Além

disso, analisa a utilização dos quadrinhos como recurso pedagógico.

[...] Outro enfoque são os quadrinhos africanos, também direcionados às questões pedagógicas. Em alguns países da África, onde o nível de alfabetização é baixo, o quadrinho é utilizado pelo governo como um folheto de prevenção da AIDS, e outros problemas sociais. No entanto, se eu não tivesse a base antropológica e sociológica apreendida na ECA, alguns trabalhos que fiz teriam sido superficiais. A Antropologia realmente me deu o alicerce para os meus estudos. Basicamente, quando você realiza uma pesquisa é essencial recorrer aos estudos do homem e sociedade. (Luyten, Sônia B., 2008)

4.3.3. Relacionamento com Egon Schaden:

Aluna da primeira turma do mestrado em Ciências da Comunicação da ECA-

USP, Sônia Luyten revela que o apoio de seu ex-orientador, Egon Schaden, foi

fundamental para o seu amadurecimento acadêmico.

De acordo com a investigadora, o Professor Schaden

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[...] me recebeu de braços abertos. Apesar de ele ter uma aparência bastante rígida, o Schaden era uma pessoa bastante afável. A gente ia, também, nos cursos do Professor Schaden, realizados no auditório da ECA, que eram lotados. Eu gostava muito das aulas dele. A metodologia dele era muito interessante. Ainda hoje com os meus orientandos, eu tenho recordações da metodologia empregada pelo Professor Schaden. Com o Schaden eu tinha uma relação amistosa, dava carona para ele após as aulas. No entanto, durante o caminho ele ficava “mudo”. Estava muito cansado. Hoje a gente entende perfeitamente. Ele se dava completamente nas aulas. O “bom” do Professor Schaden e do Professor Saito era a relação de amizade que eles mantinham com os orientandos... Eu freqüentava a casa do Professor Schaden, fiquei amiga da esposa dele, dos filhos. Até hoje eu tenho contato. Quando o meu marido foi orientando dele, freqüentávamos muito a casa do Schaden. O professor dava festas, deixava a biblioteca dele à disposição. Tenho uma lembrança do Professor Schaden de algo que aconteceu uma vez... O Schaden e a esposa foram até a minha casa, e nós os convidamos para comer uma pizza, lá no Paraíso mesmo. Na pizzaria ele começou a falar alto, aí a minha filha, ainda pequena, teve a ousadia de dizer ao Professor Schaden que ele estava falando muito alto, e aí a Dona Margarida, esposa dele, concordou: “Você não está na sala de aula! Fala mais baixo!” Em síntese: tínhamos uma relação bastante amistosa, o que nos deixava bastante à vontade. (Luyten, Sônia B., 2008)

A escassez de bibliografia referente à Antropologia da Comunicação era, e ainda

é, um empecilho para o desenvolvimento e aprendizado da disciplina, porém Schaden

contornava a situação com a formulação de materiais didáticos para as aulas:

O Professor Schaden comentava muito sobre a falta de bibliografia para a área. Na ECA ele fez vários “livrinhos”, tentando colocar esses aspectos da Comunicação. Eram “livrinhos” bem pequeninos, que atualmente consideramos como apostilas, ou alguma coisa do gênero. A Antropologia da Comunicação, na época, era uma área inovadora. Você não analisava apenas os aspectos antropológicos, mas isso relacionado com os aspectos comunicacionais. O que a Comunicação influía? Qual era a contribuição da Comunicação para mudar, para ir adiante no processo da evolução de uma tribo de índios, ou então, de uma comunidade? E o método que a gente estava estudando, o funcionalismo, e o estudo dos índios que era o foco do Professor Schaden nos ajudou bastante. E além do mais, o Professor Schaden me deu um livro para traduzir, eu fiz um trabalho. Isso tudo me ajudou. (Luyten, Sônia B., 2008)

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4.3.4. Obras:

Conforme a relação das obras escritas por Sônia Maria Bibe Luyten, exposta em seu

currículo lattes56, a autora possuía até outubro de 2008, sete livros e mais de vinte

artigos científicos publicados em periódicos. Abaixo, segue a lista das obras mais

significativas apontadas pela própria autora:

ü LUYTEN, Sônia Maria Bibe. Mangá, o poder dos quadrinhos japoneses. 2a ed.

São Paulo: Hedra, 2000.

ü LUYTEN, Sônia Maria Bibe. O que é Histórias em Quadrinhos. 3a ed. São

Paulo: Brasiliense, 1993.

ü LUYTEN, Sônia Maria Bibe. Histórias em Quadrinhos - Leitura crítica. 3a ed.

São Paulo: Editora Paulinas, 1989.

ü LUYTEN, Sônia Maria Bibe. Comunicação e Aculturação. 1. ed. São Paulo:

Loyola, 1981.

4.4. Luiz Augusto Milanesi57:

4.4.1. Perfil Intelectual:

Luiz Augusto Milanesi graduou-se em Biblioteconomia58, no ano de 1971, pela

ECA-USP. Na mesma unidade, concluiu o mestrado (1977) e o doutorado (1985).

Ambas as pesquisas foram orientadas pelo Professor Dr. Egon Schaden.

56 Currículo disponível em 26 out. 2008, no site: lattes.cnpq.br . 57 Por razões temporais e de disponibilidade, Luiz Augusto Milanesi não foi entrevistado nesta dissertação.

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Em 1966, com o trabalho intitulado “Percurso prático teórico do livro ao

catálogo e do catálogo à leitura”, Milanesi recebeu o título de livre-docente pela USP.

Durante as décadas de 70 e 90, o docente esteve vinculado ao Departamento de

Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP, ministrando disciplinas em nível de

graduação e pós-graduação. Milanesi possui mais de uma dezena de obras publicadas,

entre elas, “Paraíso Via Embratel – O processo de integração de uma cidade do interior

paulista na sociedade de consumo”. (Paz e Terra, 1978)

Desde 2005, Milanesi é o diretor responsável pela Escola de Comunicações e

Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

4.4.2. O Paraíso Via Embratel:

Uma das principais obras de Luiz Augusto Milanesi até hoje, “O Paraíso Via

Embratel”59, publicada pela primeira vez em 1978, é a versão revisada de sua

dissertação de mestrado homônima, orientada pelo Professor Dr. Egon Schaden, na

ECA-USP.

O principal objetivo da pesquisa foi identificar as mudanças que ocorreram na

cidade paulista de Ibitinga, trazidas pelo acesso à televisão na segunda metade da

década de 60, e início dos anos 70, do século XX.

A introdução e rápida disseminação desse novo elemento na coletividade provocaram mudanças claramente perceptíveis, inclusive aqueles que, dentro do processo, percebiam as alterações não apenas no meio, mas no próprio comportamento. Estas, vistas como normais dentro das transformações da sociedade, com resistência isolada e pouco significativa, foram aceitas. As alterações observadas situaram-se ao nível dos costumes, entendidos aqui como padrões de comportamento que o meio sancionou; ao nível das atitudes, caracterizadas como tendência para determinada postura em relação ao meio. Novas atitudes e costumes puderam ser identificados, pois manifestavam-se externamente. Se as pessoas deixavam de fazer visitas ou se o ou se o conteúdo das conversas restringia-se aos programas televisados, isso poderia ser notado e era. Já os novos valores, compreendidos como opinião e atitude em relação a objetos, posturas, regras, técnicas, pouco foram observados, ainda que mantivessem estreita ligação com

58 Informações disponibilizadas pelo autor em seu currículo na Plataforma Lattes. Disponível em 10 jan. 2009, no site: lattes.cnpq.br . 59 MILANESI, Luiz Augusto. O Paraíso Via Embratel – O Processo de Integração de uma Cidade do Interior Paulista na Sociedade de Consumo . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

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atitudes e costumes. Para os habitantes de Ibitinga, os aspectos externos das mudanças não passaram desapercebidos; já as alterações de valor não tiveram reconhecimento equivalente. Elas podiam ser mencionadas, e às vezes eram, principalmente pelos mais velhos, mas à televisão não era atribuída qualquer interferência nessa mudança de valores. É justamente esse aspecto o mais importante e o que mereceu mais atenção neste trabalho. (Milanesi, 1978, p. 14)

A oportunidade de uma investigação comunicacional, vista através de uma

perspectiva antropológica, segundo Milanesi (1978, p. 15) “fornece possibilidades

várias e variadas, abrindo um campo vasto que exige opções bem definidas”.

5. Egon Schaden na Universidade Metodista de São Paulo:

Assim como ocorreu no início da Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de São Paulo, quando professores de outras áreas das Ciências Humanas foram

incorporados ao quadro funcional da unidade, a pluralidade também se fez presente na

história do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade

Metodista de São Paulo, implantado em 1978.

Impedido de lecionar na Universidade de São Paulo, Schaden fora convidado pelo

Professor Dr. José Marques de Melo, fundador do Centro de Pós-Graduação da

Universidade Metodista, para integrar o corpo docente da instituição. No PósCom da

Metodista, Schaden permaneceu durante três anos. Embora não tenha orientado alunos,

a contribuição do Professor Dr. Egon Schaden foi decisiva para a consolidação do

programa.

No período em que permaneceu na Metodista, Schaden ministrou a disciplina

“Comunicação Intercultural”, cujos objetivos eram bem semelhantes à Antropologia da

Comunicação. Entre as principais temáticas abordadas no curso, destacavam-se60: “A

interpretação das culturas como sistemas de Comunicação”; “Difusão e reinterpretação

na comunicação intercultural”; “Aculturação e fusão de culturas”; “’Ethos’ cultural e

comunicação interétnica”; “Caráter nacional e comunicação interétnica”; “Formas de

comunicação entre subsistemas culturais”; “A complementaridade entre o processo

60 Conteúdo programático da disciplina “Comunicação Intercultural”, disponibilizado pela Secretaria de Pós-Graduação da Universidade Metodista de São Paulo, em outubro de 2008. Programas referentes ao segundo semestre de 1978, e primeiro semestre de 1979.

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evolutivo e a comunicação intercultural”; “A comunicação intercultural e a metáfora da

‘aldeia global’” e “Perspectiva e problemas de uma política de comunicação

intercultural para o mundo futuro”.

Para compor o conteúdo programático da disciplina61 Schaden se embasou em

nomes como: Roger Bastide, Bronislav Malinowski. Marshall Mcluhan, Wilbur

Schramm e Emílio Willems.

6. A Antropologia da Comunicação na “Era Pós-Schaden”:

Quando interrompeu suas atividades docentes na ECA-USP, Egon Schaden deixou o

campo de estudo e a disciplina “Antropologia da Comunicação” a cargo de sua primeira

assistente, a Professora Dra. Solange Martins Couceiro de Lima.

Grande parte do mérito relacionado ao desenvolvimento e difusão do pensamento

antropológico da comunicação, é devido à Solange Couceiro. Nas próximas páginas,

será traçado um breve perfil da investigadora, além de seu pensamento, obras e

discípulos:

6.1. Solange Couceiro – Perfil intelectual:

Solange Martins Couceiro de Lima completou o seu curso de graduação em

História, em 1968, pela FFLCH-USP. Um ano depois, em 1969, Couceiro ingressa no

mestrado em Antropologia da FFLCH, sob a orientação do Professor João Baptista

Borges Pereira. Na dissertação intitulada “O negro na televisão de São Paulo: um estudo

de relações raciais”, defendida em 1971, Solange Couceiro fez um estudo comparativo

referente à estrutura radiofônica e televisiva, utilizando a tese de João Baptista Borges

Pereira, “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo” como

referencial.

61Cópias dos conteúdos programáticos da disciplina ministrada por Egon Schaden serão disponibilizadas nos “Anexos” desta dissertação.

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Em 1984, defendeu a sua tese de doutorado em Ciências da Comunicação, pela

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. O trabalho chamado

“Mulher e famílias negras – realidade e representação na obra de Nina Rodrigues”, foi

orientado pela Professora Dra. Yolanda Lhullier dos Santos, ex-orientanda de Egon

Schaden.

Em 1971, Solange Couceiro ingressou no quadro docente da FFLCH-USP.

Concomitantemente, na mesma época, lecionou na ECA-USP, inicialmente como

Professora Assistente de Egon Schaden.

Atualmente, aposentada, Solange Couceiro integra o Departamento de

Comunicações e Artes da ECA-USP. A investigadora ministra aulas no curso de pós-

graduação lato sensu (especialização) em Gestão de Processos Comunicacionais62 e no

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Comunicação. Juntamente

com a Professora Dra. Roseli Aparecida Fígaro, Couceiro coordena (dentro do curso de

especialização) a área de Gestão de Processos Comunicacionais no Espaço

Artístico/Cultural.

6.2. Solange Couceiro – Pensamento:

A obra pioneira de Solange Couceiro “O negro na televisão de São Paulo: um

estudo de relações raciais”, não foi idealizada para ser uma obra referencial para a

Antropologia da Comunicação, conforme observou a docente63:

As duas obras, a do Professor Borges Pereira (“Cor, Profis são e Mobilidade”) e a minha não foram pensadas como Antropologia da Comunicação. Nos anos 60 e 70, não falávamos nessa área. Quem realmente trouxe a idéia dessa disciplina, quando foi para a ECA, foi o Professor Schaden. Acho que estudar a questão no rádio e na TV, pode ter sido mais tarde, considerado como uma Antropologia voltada para a Comunicação. Na época , pelo menos da minha parte, queria usar os conhecimentos sócio-antropológicos para estudar as relações raciais na televisão, que era tomada como meio e não como finalidade desse estudo. Portanto, não considero rigorosamente que o “Negro na televisão de São Paulo” seja “o início da disciplina Antropologia da Comunicação”. (Couceiro, 2008)

62 Informações disponíveis em 01 nov. 2008, no site: www.eca.usp.br/gestcom/ 63 Texto redigido por Solange Couceiro, e encaminhado para a autora desta dissertação, através de e-mail, em 03 set. 2008.

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Após a saída de Schaden, no período compreendido entre os anos de 1977 a

1987, Solange desenvolveu, com o auxílio do Professor Dr. Marco Antonio Guerra, a

introdução da Antropologia Visual na graduação da ECA-USP. No entanto, segundo

Couceiro (2008), algumas reformas instituídas na universidade reduziram a oferta das

disciplinas do campo humanístico nos cursos de graduação da faculdade. Atualmente, a

questão antropológica é discutida, obrigatoriamente, apenas no curso de Relações

Públicas, com a nomenclatura de “Antropologia Cultural”.

Apesar da inexistência de uma unidade de Antropologia da Comunicação na

Universidade de São Paulo, e a conseqüente falta de um apoio mais efetivo com relação

a outras disciplinas, o currículo lattes64 de Solange Couceiro aponta, até hoje, as três

linhas de pesquisa mais recentes observadas pela investigadora.

O primeiro projeto elaborado por Couceiro, entre 1995 e 1998, denominado “A

identidade da personagem negra na telenovela brasileira”, verificava o perfil das

personagens negras das telenovelas produzidas nas décadas de 70 e 90. O intuito era

diagnosticar as mudanças ocorridas na sociedade.

O segundo projeto intitulado “A negação do Brasil”, foi realizado em parceria

com o cineasta, e na época, orientando de Solange Couceiro, Joel Zito Araújo65. Já a

pesquisa atual, chamada “Mídia, Etnia e Sociedade: diálogos entre realidade e ficção”,

Busca investigar como e se a televisão em geral e a telenovela, em particular, tem dialogado, e se vem atendendo aos anseios dos movimentos sociais e institucionais que lutam por uma sociedade mais justa e democrática.66

A disciplina em que Solange Couceiro estava inserida no segundo semestre de

2008, no curso de Gestão de Processos Comunicacionais, recebeu a denominação de

“Processos de Produção em Comunicação/Cultura”. Trata-se de uma atividade que

engloba um ciclo de palestras, que tem como objetivo67:

64 Disponível em 01 nov. 2008, no site: lattes.cnpq.br 65 O trabalho produzido por Joel Zito será observado com maiores detalhes ainda nesta unidade. 66 Texto encontrado no currículo lattes de Solange Martins Couceiro de Lima, disponível em 01 nov. 2008, no site: lattes.cnpq.br 67 Objetivos disponíveis em 01 nov. 2008, no site: www.eca.usp.br/gestcom/pdf/programadocurso.pdf

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a) habilitar os alunos a conhecer, acompanhar e olhar criticamente processos de produção dos meios de comunicação; produções culturais/educacionais para aplicarem em áreas específicas;

b) possibilitar o acompanhamento desses processos em locais de produção.

Dentro desse contexto, Solange Couceiro ministrou, em parceria com a

Professora Luciana Uemura, a palestra “A Perspectiva Antropológica da Cultura e da

Cultura das Organizações”.

Na convicção de Couceiro (1999, p. 201-202),

A contribuição da antropologia para a formação do profissional de comunicação na concepção do curso de Gestão de Processos Comunicacionais como aquele mediador que transita nas áreas de comunicação/artes/cultura está intrinsecamente vinculada a um dos tripés dessa intersecção: a cultura. [...] O gestor/comunicador, como profissional que pretende atuar como mediador/planejador, precisará estar familiarizado com a concepção antropológica de cultura para incorporá-la, não só ao seu trabalho sistemático no campo da gestão, mas para melhor entender e analisar o cotidiano, juntando assim conhecimentos teóricos e prática vivida.

No que tange ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da

Comunicação, Solange Couceiro, é responsável, desde meados da década de 80, pela

disciplina “Representação Étnica e Comunicação Social no Brasil”, pertencente à área

de concentração: “Interfaces Sociais da Comunicação”, e à linha de pesquisa

“Comunicação e Cultura”.

6.3. O negro na televisão de São Paulo 68:

Embora Solange Couceiro, assim como João Baptista Borges Pereira, não reconheça

que as obras de ambos foram os “divisores de águas” para a Antropologia da

Comunicação, “Cor Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo” e “O negro

68 A síntes e da obra de Solange Couceiro será disponibilizada nos “Anexos” desta dissertação.

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na televisão de São Paulo: um estudo de relações raciais” trouxeram uma expressiva

contribuição tanto para a Antropologia, como para as Ciências da Comunicação, e

principalmente, para a Antropologia da Comunicação, período em que a disciplina ainda

estava em fase de configuração na academia brasileira.

A dissertação de mestrado, defendida em 1971, transformou-se em livro no ano de

1983. A obra tinha como intuito primordial dar continuidade à linha de pesquisa

iniciada por João Baptista Borges Pereira.

Couceiro queria investigar a inserção do cidadão negro no ambiente televisivo, e

traçar um paralelo com a participação dos afrobrasileiros observada por João Baptista

Borges Pereira no rádio.

Solange analisou a mobilidade do negro na televisão através de dois ângulos: a

televisão como mercado de trabalho para o homem negro; e a veiculação de imagens

que mostrem o estilo de vida e as relações entre brancos negros. Para tanto, a

pesquisadora investigou cinco emissoras paulistanas: os canais: 4, 5, 7, 9 e 13. Foram

excluídos o canal 2 (emissora educativa, que não apresenta as características de uma TV

publicitária ou comercial), e o canal 11 (estava no início de suas atividades, e

apresentava mais filmes de origem estrangeira do que propriamente uma programação

nacional).

Entretanto, no momento em que Solange Couceiro realizou a sua investigação, a

docente percebeu que a televisão passava por um momento de transição, e começava a

adquirir características próprias, diferentes do rádio.

Entre os setores da televisão que mais sofreram mudanças, estão o comercial

(que antes contava com profissionais improvisados, e agora obtém um status mais

técnico para a venda de espaços publicitários), e o setor técnico (nesse campo novas

funções foram criadas, pois a inserção de novos equipamentos foi extremamente

necessária para a geração do conteúdo televisivo).

Após as suas observações, Couceiro concluiu que:

comparativamente ao rádio, a moderna empresa de tevê apresenta estrutura mais complexa. Esta complexidade se nota na diversificação de funções, especialmente técnicas, e no aumento de setores de atividades. Além dos setores administrativo, técnico e programático, encontrados tanto no rádio como na tevê, nesta última verificou-se acréscimo do setor comercial. Neste setor a presença do negro é praticamente nula. O setor administrativo da tevê se comparado ao do rádio foi o que mais teve diminuído o número de empregados. O contingente masculino negro seguiu o mesmo ritmo de diminuição do grupo setorial correspondente mantendo-se percentualmente sua participação. O mesmo, porém, não ocorreu com o grupo negro feminino. No setor técnico, onde se verificou aumento considerável do número de empregados, o número

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de homens negros aumentou, mas sua participação percentual caiu ligeiramente. /a presença da mulher nesse setor continua nula. [...] Na empresa de tevê houve o preenchimento do vazio intermediário por numerosas categorias que terminou na do engenheiro. A participação do negro pouco se alterou: ele continua na base da estrutura do setor, em funções que exigem um mínimo de qualificação, e oferecem baixa remuneração. Talvez aqui a falta de escolaridade tenha pesado de maneira bem clara. O setor programático foi o que mais beneficiou o negro tanto numérica quanto percentualmente, pois nesse setor o número total de empregados caiu, mas o número de negros quase dobrou em relação ao mesmo setor no antigo rádio, embora o grupo feminino não tenha aumentado no mesmo ritmo. (Couceiro, 1983, p. 106-107).

6.4. Outras obras de Solange Couceiro:

Além de “O negro na televisão de São Paulo: um estudo de relações raciais”, todas

as produções de Solange Couceiro, encontradas em seu no currículo lattes, enfatizam a

questão étnica. Abaixo, estão listados os livros escritos pela pesquisadora, e os 10

artigos, mais recentes, publicados em periódicos científicos:

- Livros:

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. O negro na televisão de São Paulo - um estudo de relações raciais. São Paulo: FFLCH - USP, 1983.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. Bibliografia sobre o negro brasileiro. São Paulo/SP: ECA/USP - CODAC/USP, 1971.

- Artigos Publicados em Periódicos Científicos:

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. Comunicação e educação: um olhar para a diversidade. Comunicação & Educação, v. 1, p. 7-13, 2007.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. ... até canibal vira vegetariano. Revista USP, v. 69, p. 44-56, 2006.

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ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. Segmento negro e produção acadêmica. Revista Mídia e Etnia, v. 1, p. 52-58, 2006.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. A Personagem Negra na Telenovela Brasileira: alguns momentos. Revista da USP, São Paulo/SP, n. 48, p. 74-87, 2001.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. A Telenovela e o Brasil: Relatos de uma experiência acadêmica. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo/SP, v. XXIII, n. 1, p. 118-136, 2000.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. Multiculturalismo. Revista Comunicação Educação, São Paulo/SP, n. 13, 1998.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. Reflexos do “racismo à brasileira” na mídia. Revista U S P, São Paulo/SP, p. 56-65, 1996.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. A Publicidade e os símbolos raciais. Comunicação & Educação (SP), São Paulo/SP, v. Ano I, n. 2, p. 91-93, 1995.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. Manipulação e Construção da Identidade da África Negra na Imprensa Brasileira. África - Revista do Centro de Estudos Africanos, São Paulo/SP, p. 16-17, 1993.

ü LIMA, Solange Martins Couceiro de. Preconceito Anunciado. Revista Comunicações e Artes, São Paulo/SP, n. 27, 1992.

6.5. Cor, Profissão e Mobilidade e o Negro na TV de São Paulo:

“Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo” , de João Baptista

Borges Pereira, verificou a estrutura radiofônica em duas épocas distintas: na primeira,

o rádio era o principal veículo de comunicação de massa no Brasil; já na segunda,

embora a TV estivesse em fase de configuração no mercado brasileiro, e somente as

classes mais abastadas da sociedade tinham acesso ao novo equipamento, o rádio já

passava por um período de amplas mudanças com o objetivo de se ajustar ao advento do

audiovisual.

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Nesse contexto, João Baptista Borges Pereira analisa a participação do negro nessa

estrutura e as perspectivas de trabalho desse profissional. Trata-se de um estudo de

cunho antropológico que se utilizou de um meio de comunicação, nesse caso, o rádio,

para compor a pesquisa. Para que a investigação tivesse o resultado desejado pelo autor,

isto é, verificar as condições profissionais (de admissão, mobilidade, promoção) que o

homem negro encontrava no mercado comunicacional, foi necessário realizar uma

ampla análise acerca do rádio que serviria como “pano de fundo” para o trabalho de

João Baptista Borges Pereira.

A tese de Borges Pereira abriu um espaço para que novos trabalhos dentro dessa

abordagem (questões raciais e imprensa) fossem desenvolvidos. O primeiro

desdobramento dessa linha de pesquisa foi a dissertação de mestrado de Solange

Martins Couceiro de Lima, orientada pelo próprio João Baptista Borges Pereira.

Para compor “O negro na televisão de São Paulo: um estudo de relações raciais””,

Solange Couceiro se utilizou do mesmo método que Borges Pereira, ou seja, para

verificar a inserção do cidadão afrobrasileiro no ambiente televisivo, a pesquisadora

analisou, também, a estrutura das emissoras de TV da cidade de São Paulo no início da

década de 70 do século passado.

Além da investigação relativa ao homem negro na televisão, Solange Couceiro

também fez um estudo comparativo com a obra de Borges Pereira. Inclusive, em

diversas partes de sua dissertação, Couceiro cita a tese de Borges Pereira, observando

quais foram as mudanças e o que se manteve, no período de aproximadamente uma

década, com relação ao profissional negro no rádio e na televisão.

O trabalho de investigação aqui proposto, representa uma tentativa de continuar numa linha de pesquisa, que tem como tema central o negro envolvido em processo de integração na estrutura ocupacional ligada aos meios de comunicação de massa e à comercialização do entretenimento popular. Pode-se dizer que esta linha de preocupação começou, de forma mais substancial, com pesquisa realizada por João Baptista Borges Pereira, focalizando o homem de cor nas empresas radiofônicas de São Paulo. Num sentido mais restrito, este projeto de pesquisa inspira-se diretamente naquele estudo, procurando de certa maneira complementá-lo, através de duplo objetivo: em primeiro lugar, ao caracterizar nova área de aproveitamento profissional do negro ligado, como se observou, a comercialização do entretenimento popular e a mecanismos de massa; em segundo, ao analisar o processo de mobilidade do negro pela estrutura empresarial radiofônica, tomada esta como uma configuração global, que envolve tanto as emissoras de rádio como as estações televisoras. (Couceiro, 1983, p. 13-14)

Embora outras produções antropológicas tenham discutido as relações raciais e a

imprensa, as obras de Couceiro e Pereira são trabalhos seminais, visto que ademais da

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pesquisa antropológica, foram incorporados detalhes das estruturas televisiva e

radiofônica.

7. Focos irradiadores da Antropologia da Comunicação:

7.1. Discípulos de Solange Couceiro:

Nas linhas abaixo, serão apresentados alguns dos continuadores da linha de pesquisa

iniciada com João Baptista Borges Pereira, prosseguindo com Solange Couceiro. Ao

longo de quase 30 anos de docência, Couceiro foi responsável pela orientação de

dezenas de trabalhos, com enfoque à Comunicação e a representação étnica.

Nas próximas páginas, será exposta a biografia, o pensamento e as obras de três ex-

orientandos da Professora Dra. Solange Martins Couceiro de Lima, que contribuem

ativamente para a difusão da Antropologia da Comunicação (como disciplina e campo

de estudo científico) nas instituições de Ensino Superior onde lecionam. São eles: Dalva

Aleixo Dias, Ricardo Alexino Ferreira e Joel Zito Araújo69.

7.2. Dalva Aleixo Dias - Biografia:

Filha de Olavo Aleixo Dias e Maria Gardim Dias, Dalva Aleixo Dias nasceu no

dia 05 de março de 1961, em uma pequena cidade do interior de São Paulo, chamada

Óleo, nas adjacências da estância hidromineral de Águas de Santa Bárbara. A cidade

natal de Dalva.

[...]É uma terra de migrantes. É uma região onde existem muitos migrantes e imigrantes que foram tentar a vida lá. Eu vim para Bauru em 1979, com o objetivo de estudar. A vontade de pes quisar extremos da sociedade, talvez tenha surgido ainda na minha cidade. Algo que era relevante lá era o preconceito com as religiões africanas de uma

69 Entre os critérios para a escolha dos entrevistados, estava: objeto de estudo; continuidade da linha de pesquisa; atuação docente e localização.

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forma geral, pois o catolicismo predominava. Mas eu sempre combatia isso: tinha amizade com a professora espírita, com o maçom... (Dias, 2008)70

A origem familiar de Dalva também a inspirou. A docente se classifica como

“uma típica brasileira, com uma mistura grande de etnias”. (Dias, 2008) Quando chegou

a Bauru, a pesquisadora trouxe consigo os seus pais, mas logo depois, constituiu a sua

própria família. Dalva é mãe de duas filhas, e avó de um neto.

Em Bauru, Dalva concluiu o curso de Relações Públicas, no ano de 1984, pela

UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”). Pela mesma

instituição, dois anos depois, em 1986, a docente se graduou em jornalismo.

Para prosseguir com os seus estudos em nível de pós-graduação, Dalva seguiu

para a Universidade de São Paulo, e, em 1995, torna-se mestre em Ciências da

Comunicação pela ECA-USP. A dissertação “Comunicação e Política na Umbanda de

Bauru: dos rituais nos terreiros às festas públicas no Sambódromo” foi orientada pela

Professora Dra. Solange Martins Couceiro de Lima.

Atualmente, a pesquisadora leciona para os cursos de Comunicação Social, nas

habilitações de Radialismo, Jornalismo e Relações Públicas da UNESP. Inclusive,

grande parte das orientações de trabalhos de conclusão de curso que Dalva realiza, está

focada para a área de Comunicação Cultural. “Tenho uma atuação grande na área de

gestão cultural”. (Dias, 2008)

Além das atividades docentes, a pesquisadora é doutoranda em Didática de Ciências

Sociais, pela Universidade de La Laguna, na Espanha. A tese que pretende defender

recebeu o título provisório de “Diversidade e Educação: Análise dos Discursos sobre

Educação para a Convivência na Espanha”, e tem a orientação do Professor Dr.

Salvador Quintero Rodríguez.

7.2.1. Dalva Aleixo Dias – Pensamento:

70 Entrevista de Dalva Aleixo Dias, concedida à Gleice De Divitiis em 02 out. 2008.

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Desde a graduação, Dalva Aleixo Dias sempre demonstrou interesse pelos estudos

relacionados às questões regionais, à cultura popular, e às crenças e religiões

marginalizadas no Brasil.

O primeiro trabalho de conclusão de curso da investigadora fez um inventário das

instituições culturais da região de Bauru. Nessa ocasião, Dalva trabalhava na Secretaria

do Estado da Cultura, o que a impulsionou a escrever sobre as manifestações culturais

locais.

Em seguida, para o curso de jornalismo, a docente desenvolveu um projeto sobre a

influência das emissoras de TV regional no cotidiano da sociedade local. O TCC

recebeu o nome de “Análise do Telejornalismo Regional: Estudo de Caso Rede Globo

Oeste Paulista”.

Para o mestrado, Dalva escolheu trabalhar com os aspectos da religião Umbanda. A

primeira razão que a levou escolher esse assunto foi a oportunidade de estudar algo

desconhecido para a sociedade científica:

Pra mim o desconhecido sempre foi um desafio. Ter medo é uma limitação muito grande para o ser humano. E para a minha a investigação, e as reportagens que eu fazia... Eu levava tudo como forma de vencer as incertezas que o medo nos traz. Quanto à minha pesquisa, primeiro eu vi que existia preconceito contra o espiritismo. Então, eu estudei toda a doutrina do kardecismo, para entender o porquê de pessoas tão boas, às vezes, serem chamadas de “bruxa”, “macumbeiras”, ou algo do gênero. Então, eu passei a entender a questão da cultura. E a mesma coisa ocorria com o preconceito contra a maçonaria. Com isso, eu passei a defender o espiritismo, a maçonaria, a umbanda, todas as coisas que eram repelidas pela maioria da população. (Dias, 2008)

A segunda motivação estava fortemente ligada ao apreço que a pesquisadora

tinha pela cultura e crenças populares:

Eu me interessava muito pelas religiões populares. Eu encaro muito essa coisa de “arte adivinhatória” como uma espécie de “psicanálise de pobre”. Não tenho nada contra pobre, não é isso. O que eu quero dizer é que, às vezes, existem pessoas que podem pagar pelo psicólogo, pelo médico. E aquelas que não podem pagar, buscam essa fé, um conselho através da vidência. [...] Aí eu tinha duas coisas: a primeira é que eu tinha um contato grande com as pessoas que exerciam “arte adivinhatória” aqui em Bauru. Na cidade que eu nasci, apesar do preconceito, não existia médico, era só o farmacêutico e a benzedeira. Aliás, eu não sei quem era mais importante. Eu acredito que as pessoas iam mais nas benzedeiras. Com isso, eu comecei a pesquisar as benzedeiras, tanto de origem africana/indígena, como as de origem européia [...] (Dias, 2008)

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Para compor a sua dissertação, Dalva Aleixo Dias cursou disciplinas oferecidas

pela ECA, e pelo Departamento de Antropologia da FFLCH. No seu texto, a docente se

utilizou das referências de João Baptista Borges Pereira, Oracy Nogueira, Roberto da

Mata, Renato Ortiz, entre outros. Para se ter uma idéia, poucas teorias comunicacionais

foram utilizadas no desenvolvimento da investigação.

Apesar dos trabalhos referentes à cultura popular existentes em seu currículo,

Dalva Aleixo Dias não se considera uma antropóloga da comunicação:

Eu acho que seria muita pretensão, mas eu posso garantir que eu faço o melhor para manter as relações com a Antropologia e com a Comunicação. Eu não “mergulhei” profundamente nos dois campos: Comu nicação e Antropologia. Eu acredito que deveriam ter dentro da Antropologia estudos referentes à Comunicação e vice-versa. (Dias, 2008)

Quanto ao doutorado, a pesquisadora observa que deu continuidade aos estudos

da sociedade e da Comunicação:

Estou concluindo o doutorado, mas, na Universidade de La Laguna, na Espanha. Fiz toda a pesquisa, porém não defendi. Mas eu continuo nessa linha de Comunicação e sociedade. Eu fui para as Ilhas Canárias, pensando em estudar religiões sincréticas afroamericanas. As Ilhas Canárias são um lugar estratégico, pois é um centro de encontro entre África, Europa e América. Mas aí eu comecei a estudar a questão da imigração, que se transformou na minha tese. (Dias, 2008)

7.2.2. Dalva Aleixo Dias – Relacionamento com Solange Couceiro:

Dalva Aleixo Dias conheceu Solange Couceiro, quando ainda cursava disciplinas

como aluna especial no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da

ECA-USP.

Para se ter uma idéia, segundo as afirmações de Dias (2008), no início da década de

90, as questões étnicas eram abordadas na ECA, sob duas perspectivas: os negros na

imprensa com a Professora Solange Couceiro; e os negros e as artes com a Professora

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Dilma Melo e Silva. Dalva Aleixo Dias escolheu a proposta de Solange Couceiro, por

estar mais próxima do que deseja pesquisar.

Quanto ao relacionamento com Solange Couceiro, a investigadora aponta que

sempre foi muito amistoso:

[...] Pra mim, ela foi democrática, aberta, e muito solidária com a gente, enquanto estudante. Eu sempre considerei que o suporte teórico que a Solange defendia era essencial para os estudantes de Comunicação naquele tempo, isto é, a base nas Ciências Sociais. A Solange, o Ismar de Oliveira Soares e a Dilma sempre orientaram nesse sentido. E eu seguia, pois sempre acreditei que eles estavam certos [...] (Dias, 2008)

7.3. Joel Zito Araújo – Biografia:

Natural de Nanuque, município mineiro localizado na divisa do Estado da Bahia,

Joel Zito Almeida de Araújo se declara um filho de fusões culturais e raciais:

[...] Eu sou bastante “baianês”, bastante “misturado”. Misturado não só por ter nascido exatamente na divisa, porque o quintal da minha casa passava na Bahia, mas também a minha mãe, Rosita Pereira Araújo, é baiana, e o meu pai é mineiro. Eu sou uma fusão de dois Estados, e de certa forma, é uma fusão racial. Meu pai, Jandir Alves de Almeida, era filho de português, e a minha mãe, neta de um estivador do porto de Salvador. Meu avô materno casou com uma mulher que tinha uma ascendência indígena muito forte. Minha avó se chamava Margarida. Eu sou filho dessas fusões de duas culturas regionais fortes: o Estado de Minas Gerais e da Bahia [...]71

A formação escolar de Joel Zito foi iniciada ainda no município do interior

mineiro. Entretanto, o cineasta e professor viveu parte da sua adolescência no Estado do

Espírito, e concluiu o Ensino Médio na capital do Estado de Minas Gerais, Belo

Horizonte. Na capital mineira, Joel Zito ingressa no curso de Psicologia, em uma

universidade particular chamada Funec. Nessa instituição de Ensino Superior, Joel Zito

teve o seu primeiro contato com o cinema:

o meu envolvimento com cinema começou na Psicologia da Funec. Foi lá que eu me envolvi no Movimento Cineclubista Mineiro, e montei com outra pessoa o cineclube da minha faculdade. E com o Movimento Negro, nós montamos um movimento de cineclubes nos bairros operários de Belo Horizonte. (Araújo, 2008)

71 Entrevista de Joel Zito Araújo à Gleice De Divitiis, em 09 out. 2008.

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Nesse mesmo período, em meados da década de 80, Joel Zito participa da

fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) de Belo Horizonte. Nessa conjuntura, o

cineasta passa a ingressar em uma militância política e, principalmente, racial.

Embora, tenha concluído a faculdade de Psicologia, Joel Zito trabalhou apenas,

durante um ano, com Psicologia Social, porém nunca clinicou em um consultório. Com

a formação superior, a intenção de Joel Zito era seguir carreira acadêmica. Para tanto, o

cineasta ingressou no curso de mestrado em Ciências Sociais Aplicadas à Educação, em

Belo Horizonte.

Joel Zito, na realidade, sempre acreditou que tinha aptidão para a arte

cinematográfica, todavia jamais creditou ao cinema uma oportunidade real de carreira.

Com isso, a idéia de ser professor se mantinha latente.

Quando obteve todos os créditos das disciplinas cursadas em Belo Horizonte,

Joel Zito foi à USP para tentar uma transferência para a ECA, e pesquisar a temática

que desejava:

[...] Foi aí que eu comecei a estudar o que me interessava de fato. Cursei algumas disciplinas, e tentei fazer a transferência, entretanto não foi possível. Eu teria que começar o mestrado novamente. Eu fui aconselhado, então, a concluir o meu mestrado, e fazer o doutorado na ECA. Aí eu concluí o meu mestrado em Belo Horizonte. E logo, na seqüência, eu fui fazer o meu doutorado na ECA, e a Solange Couceiro me pareceu como a melhor opção, porque foi quando eu descobri que a linha de pesquisa dela, era exatamente o campo que me interessava. Portanto, lá por volta de 1993, eu entro para a ECA definitivamente, sob a orientação da Solange Couceiro [...] (Araújo, 2008)

Em 1999, Joel Zito defendeu a sua tese de doutoramento intitulada “A Negação

do Brasil: Identidade Racial e Estereótipo Sobre o Negro na História da Telenovela

Brasileira”, fruto de documentário homônimo produzido pelo autor.

Nessa época, Zoel Zito já tinha reconhecimento profissional como cineasta, no

entanto, continuou com os estudos pós-doutorais na Universidade do Texas, Estados

Unidos, concluindo-os em 2002.

Apesar de considerar, hoje em dia, algo secundário em sua trajetória

profissional, Joel Zito lecionou na Universidade Anhembi Morumbi, na Universidade

do Texas, e mais recentemente, coordenou um curso de pós-graduação, direcionado ao

cinema, na Universidade de Cuiabá (UNIC), no Estado do Mato Grosso.

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7.3.1. Joel Zito Araújo – Pensamento:

O interesse pelos estudos étnicos perpassa a fronteira de um mero interesse

profissional. Descendente de africanos, Joel Zito revelou que sempre observou as

questões raciais com muita proximidade:

[...] Eu sempre fui muito atento, porque era algo que me trazia muita dor, muito incômodo na adolescência. Mas foi quando eu estava concluindo a faculdade que eu passei a tomar mais consciência dos movimentos, que comecei a incorporar a questão racial na minha vida, refletindo como pessoa, e pela perspectiva intelectual [...] (Araújo, 2008)

Para se ter uma idéia, a questão racial norteia toda a sua produção acadêmica e

cinematográfica. Ao ingressar no doutorado, o projeto inicial era realizar um estudo de

recepção da telenovela brasileira. O objetivo, segundo Araújo (2008) era verificar

através de uma perspectiva mais antropológica, “se exis tiam diferenças de recepção

entre o segmento populacional negro, e o segmento populacional branco”.

Entretanto, em 1991, o investigador lança um documentário intitulado “Retrato

em Preto e Branco”, o que lhe garante uma importante premiação americana, e uma

bolsa de estudos concedida por uma fundação norte-americana, que lhe permitiu

permanecer durante um semestre nos Estados Unidos, pesquisando sobre a história do

negro no cinema e na televisão do país.

[...] E foi lá que eu conheci um documentário sobre essa questão. Com isso, eu pensei: por que não fazer um documentário sobre a história do negro na televisão brasileira? E quando eu voltei, o pró-reitor da USP, Jacques Marcovitch, que depois se tornou o reitor, me convidou para integrar uma comissão para redigir um documento da USP, no ano do Zumbi, em 1995. Nessa conversa com o Jacques, ele sugeriu que eu fizesse um documentário exatamente sobre o que eu pretendia fazer. Eu mostrei para o Jacques o projeto, e ele considerou caro, mas disse que poderia apoiar a pesquisa do documentário. Com essa ajuda, as portas foram abertas, inclusive o acesso ao Centro de Documentação da Rede Globo. Paralelo ao meu processo de doutoramento, eu estava fazendo o documentário com apoios fundamentais. Eu estava encantado com o filme, e falando sobre isso para Solange, e nada de começar a minha pesquisa do doutorado...

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Foi quando a Solange questionou o porquê de não tornar o meu documentário a minha tese de doutorado. Dessa forma, eu abandonei a idéia de fazer uma pesquisa a mais sobre o negro, e tornei o meu filme, o meu projeto, obviamente com pequenos ajustes. E tanto o filme quanto a tese saíram juntos. A tese, inclusive, foi logo transformada em livro pela Editora Senac. E todo mundo pensa que eu transformei a tese em u m filme. E não foi esse o processo. Eu fiz o contrário. (Araújo, 2008)

No decorrer da pesquisa, Joel Zito constatou que

[...] a telenovela “abraçou” um discurso que surgiu no século XIX, que é a ideologia do “branqueamento”. E ao “abraçar” o discurso do branqueamento, ele era feito em negação às afirmações das identidades brasileiras. O Brasil, e a telenovela afirmam isso, tanto através do discurso oral quanto estético, nega a sua origem africana, a sua origem indígena. “A negação do Brasil” foi a constatação de que a telenovela tinha um papel fundamental na reafirmação de um desejo que nasceu no século XIX. E a forma que a telenovela exerce isso é através do discurso estético, ou seja, por meio da escalação do elenco, e só tratar o negro como subalterno, como aquilo que você não quer ser. (Araújo, 2008)

A tese diagnosticou, ainda, a ínfima participação de atores negros nas telenovelas:

A mais evidente negação de nossa diversidade racial pode ser observada na constatação de que atores afro-descendentes es tiveram ausentes de um terço das telenovelas produzidas neste quase meio século de história do gênero, que desde 1963 se tornou o programa diário de maior sucesso da TV brasileira. E nos outros dois terços, nunca ultrapassaram 10% do elenco escalado. 72

Com as produções cinematográficas, Joel Zito ganhou diversos prêmios

nacionais e internacionais, entre eles, oito “Quiquitos” no Festival de Cinema de

Gramado, no Rio Grande do Sul, com o longa-metragem “Filhas do Vento”.

Em 2008, Joel Zito lançou um documentário chamado “Cinderela, Lobos e um

Príncipe Encantado”.

É um filme onde eu investigo os imaginários do turismo sexual dos dois personagens mais importantes: o turista social e as garotas de programa envolvidas. É um filme de investigação dos imaginários. A primeira parte do filme ocorre nas cidades com maior presença de turistas no Nordeste (Fortaleza, Recife, Natal e Salvador); e na segunda parte, eu vou para a Itália e Alemanha para ver as garotas que foram para lá, e os caras

72 ARAÚJO, Joelzito. Onde está o negro na TV pública? Brasil: Ministério da Cultura – Fundação Cultural Palmares, Folder de Divulgação, 2008.

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que “transam” e se casaram com elas. É um filme de estudo dos imaginários, culturais, sociais, etc. (Araújo, 2008)

No mês de novembro de 2008, o cineasta lançou o livro “O Negro na TV

Pública”

que é uma coletânea de artigos. Tem três artigos meus, e eu sou o organizador. É u ma tentativa de reflexão de várias pessoas sobre o que a programação de uma TV pública poderia fazer dentro da questão racial [...] (Araújo, 2008)

Embora a sua carreira apresente características antropológicas e, evidentemente,

comunicacionais, Joel Zito não se rotula como um antropólogo da comunicação:

[...] eu me considero um cineasta. Eu não me considero nem psicólogo, e nem antropólogo. Eu digo que tenho muita influência da Antropologia, e um pouco da Psicologia. Mas eu não faço um cinema antropológico, e nem psicológico. Eu trabalho com outra perspectiva. O artista tem que ter uma “antena” com muitos canais, e os meus canais são muito variados. (Araújo, 2008)

7.3.2. Joelzito Araújo – Relacionamento com Solange

Couceiro:

Ex-orientando de Solange Couceiro, Joel Zito frisa que Solange Couceiro foi

uma crítica fundamental no desenvolvimento de seu trabalho:

A Solange é uma amigona, uma mãezona, uma pessoa sensacional. Ela foi uma das boas pessoas que passaram na minha vida. Passou não, ela continua uma amigona. Ela veio na estréia do meu filme mais recente... A gente não tem muito tempo para se encontrar, mas toda hora que a gente se encontra... ficou uma amizade muito sólida, muito boa. A Solange foi uma crítica muito interessante, foi uma pessoa que me ajudou naquilo que eu estava precisando. Na verdade, quando eu fui fazer o doutorado, o curso já não tinha para mim o mesmo sentido que teve o mestrado. O mestrado teve um sentido de me habilitar como professor. Na época do doutorado eu já estava mais seguro com a minha vida, sabia que o que eu queria era fazer cinema, e não uma carreira acadêmica. Então a partir daí, a academia ficou em segundo lugar. (Araújo, 2008)

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7.3.3. Joel Zito Araújo – Obras:

Todas as obras impressas ou audiovisuais de Joel Zito Araújo têm como intuito

retratar a questão racial, sob inúmeras perspectivas. Para comprovar tal afirmação,

abaixo, estão listadas as produções de maior relevância, segundo a convicção do próprio

autor, conforme o seu currículo disponibilizado na Plataforma Lattes:

- Artigo publicado em periódico científico:

ü ARAUJO, Joel Zito . 1. A força de um desejo: a persistência da branquitude

como padrão estético audiovisual. Revista USP, v. 69, p. 72-79, 2006.

- Livro:

ü ARAUJO, Joel Zito . A Negação do Brasil o negro na história da telenovela

brasileira. 3a. ed. São Paulo : Editora Senac, 2006.

- Filmes:

ü ARAUJO, Joel Zito . Filhas do Vento. 2004.

ü ARAUJO, Joel Zito . A Negação do Brasil. 2000.

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7.4. Ricardo Alexino Ferreira – Biografia:

Ricardo Alexino Ferreira nasceu em São Paulo, no dia 01 de junho de 1964. Ainda

criança, mudou-se para Belo Horizonte, onde realizou todos os seus estudos até a

conclusão do curso superior.

Minha mãe, Olinda Maria dos Santos Ferreira, era branca, e meu pai era negro. Sou filho de um casamento inter-racial. O interessante é que a minha mãe sempre se colocava como negra em muitas situações, ainda mais se ela sentia alguma sensação de racismo rondando. Ela era enfermeira, e uma mulher muito adiante do seu tempo. Meu pai, Paulo André Ferreira, é eletricista, e um homem com uma visão profunda, também. 73

De acordo com Ferreira, uma característica preponderante das famílias negras da

classe média, que hoje em dia se mantém, mas que na década de 60 era mais evidente, é

o investimento maciço na educação das crianças. Tal fenômeno tinha como intuito

evitar com que os filhos sofressem as mesmas barreiras enfrentadas em épocas

anteriores pelos pais, que tiveram pouco ou nenhum acesso à escola. A família de

Ferreira não fugiu à regra:

Um fato importante nas famílias negras antigamente, e até hoje persiste, é o investimento na Educação. Era uma regra. Somos cinco irmãos, e a nossa obrigação era estudar. Havia um investimento muito grande nisso. Diferentemente de outras famílias, eu não enfrentei dificuldades para estudar. Éramos de classe média. Nada faltava com relação à escola. Eu fui preparado para chegar aonde cheguei. Devo muito aos meus pais por essa visão. (Ferreira, 2008)

Em 1983, o docente ingressou no curso de jornalismo da Fundação Cultural Belo

Horizonte:

73 Entrevista de Ricardo Alexino Ferreira concedida à Gleice De Divitiis, em 02 out. 2008.

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Era uma instituição extremamente forte, porque os professores eram os melhores profissionais do mercado, e também, pessoas que davam aulas em outras universidades. Em São Paulo, o meu curso universitário me possibilitou entrar, logo quando cheguei à cidade, trabalhar como jornalista nos jornais “O Estado de São Paulo” e “Jornal da Tarde”, um dos maiores grupos de comunicação do país. Posteriormente, trabalhei em veículos especializados e assessorias de comunicação. (Ferreira, 2008)

Estabelecido novamente, em São Paulo, no ano de 1988, Ferreira ingressa no

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP, nível de

mestrado, com a orientação da Professora Solange Couceiro. Em seguida, deixa o seu

trabalho no jornal para se dedicar, exclusivamente, ao mestrado.

Um ano após defender a sua dissertação de mestrado, em 1994, Ferreira inicia os

estudos doutorais na mesma instituição, mas dessa vez, com a orientação da Professora

Dra. Maria Aparecida Baccega.

Ferreira seguiu a carreira docente, lecionando em São Paulo na Universidade

Bandeirante de São Paulo (Uniban) e nas Faculdades Integradas Alcântara Machado

(Fiam). Atualmente, Ferreira faz parte do quadro docente dos cursos de graduação de

Comunicação Social, e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, nível de

mestrado, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),

campus de Bauru. Ademais da atividade docente, na UNESP, o pesquisador é o

responsável pela direção da Rádio UNESP.

7.4.1. Ricardo Alexino Ferreira – Pensamento:

Na década de 80, do século passado, a maioria dos mestrandos já exercia algum

tipo de atividade docente. Ferreira foi o oposto dessa tendência: o investigador era um

profissional do mercado (trabalhava em um periódico) quando começou a cursar a pós-

graduação.

O pessoal do jornal perguntava qual era a razão pela qual eu estava o mestrado. Naquela época o mestrado era visto como algo voltado apenas para a docência. Eu tinha a convicção de que eu não queria ser mais um jornalista. Eu entendia que o jornalismo era algo maior do que simplesmente fazer matérias. E foi interessante, porque nessa fase duas áreas do jornalismo me chamaram a atenção. Uma foi o jornalismo científico com o Professor Wilson Bueno. Ele esteve presente, em Belo Horizonte, na 37ª reunião da SBPC, e ministrou um curso lá de jornalismo científico, quando eu estava começando a

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graduação. Quando eu o ouvi falando sobre jornalismo científico, eu decidi que era aquilo que eu queria fazer. Jornalismo científico era algo muito novo ainda, mas eu já tinha convicção que era aquilo que eu queria fazer. A intersecção com a medicina, com as pesquisas acadêmicas...e isso me chamou muito a atenção. E outra coisa que me alertou foi o estudo das relações étnico-raciais. (Ferreira, 2008)

Entre as duas áreas de preferência, Ferreira optou por investigar as questões

raciais na pós-graduação. O projeto apresentado à Solange Couceiro tinha como

objetivo central analisar a representação do afrobrasileiro nos jornais, no período do

centenário da abolição da escravatura no Brasil. Em 1988, ano em que Ferreira iniciou o

mestrado, e data da comemoração da assinatura da Lei Áurea, diversos acontecimentos

foram registrados pelo docente, o que contribuiu significativamente para o

enriquecimento de seu trabalho.

A dissertação intitulada “A representação do negro em jornais no centenário da

abolição da escravatura no Brasil”, foi defendida em 1993. O maior desafio enfrentado

por Ferreira no decorrer da dissertação, segundo o seu ponto-de-vista, foi não se tornar o

objeto da pesquisa, já que o docente tem descendência africana:

Teve um determinado momento que foi muito importante pra mim. Apesar de estar trabalhando com a temática da etnia, foi um exercício pra mim. Eu precisava me afastar do objeto. O fato de ser negro, de estar trabalhando com os negros, de repente eu vi que precisava me afastar do objeto, porque ia chegar uma hora que eu iria falar sobre eu mesmo. E eu fiz esse exercício de afastamento. Algo interessante nessa questão de epistemologia foi que chegou um momento que eu parei e me perguntei: “A pesquisa que eu estou fazendo é Antropologia ou Comu nicação?” A minha pesquisa era Comunicação, portanto, o objeto da minha pesquisa não é necessariamente o negro. O objeto da minha pesquisa é Comunicação, Comunicação Midiática e jornais. Pelo fato de eu ser jornalista, tudo ficou mais visível na minha cabeça. Quando eu falava de jornalismo, de construção da matéria, eu estava falando sobre o meu cotidiano. E a Solange foi muito importante pra mim, pois ela trouxe a Antropologia para dentro da Comunicação. A orientação dela foi fundamental nesse aspecto. Essa intersecção do jornalismo com a Antropologia. Agora, a minha pesquisa, sem dúvida foi na área do jornalismo. (Ferreira, 2008)

Na tese de doutorado, orientada por Maria Aparecida Baccega, Ferreira abordou

os estudos de recepção.

[...] eu trabalho com profissionais negros da área de Comunicação que podem fazer uma reflexão sobre aquilo que a imprensa produz. Como tinha trabalhado o conteúdo da imprensa no mestrado, aqui eu começo a trabalhar o olhar negro. Eu poderia dizer por

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mim mesmo, porque eu sou profissional negro da área de Comunicação, mas ainda eu continuava com aquele exercício de distanciamento do objeto. Eu utilizava a minha experiência de vida para entender o objeto, mas eu tentava não interferir. Naquela época eu entrevistei quatro pessoas. Entrevistei a Teresa Santos (Secretaria da Cultura de São Paulo), a Maria Auxiliadora Nascimento (jornalista da TV Globo, foi uma das primeiras repórteres negras a trabalhar na região de Bauru, e era professora de jornalismo), Osvaldo Camargo (jornalista do “Jornal da Tarde, trabalhou também na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), e outra pessoa que não recordo o nome agora. (Ferreira, 2008)

Para compor as suas investigações, Ferreira cursou a disciplina de Solange

Couceiro (“Representação Étnica e a Comunicação Social”); de Maria Immacolata

Vassalo Lopes, referente à metodologia, além de outras oferecidas pela ECA. Na

FFLCH, Ferreira cursou a disciplina oferecida por João Baptista Borges Pereira. O

pesquisador se embasou nos referenciais teóricos de Roger Bastide, Gilberto Freyre,

Florestan Fernandes, Nestor Canclini, Oracy Nogueira, João Baptista Borges Pereira,

entre outros. Porém, não deixa de fazer uma ressalva: “Mas eu era apaixonado pelo

jornalismo, e sempre trazia tudo para a Comunicação”. (Ferreira, 2008)

Embora tenha diversos trabalhos que podem ser classificados como

Antropologia da Comunicação, Ferreira não se admite um antropólogo da comunicação:

“Sou um jornalista. Isso pra mim é mais do que evidente. É a minha identidade. Eu

dialogo com a Sociologia, com a Antropologia, com todas as áreas do conhecimento,

mas a minha área é Comunicação”. (Ferreira, 2008)

Na UNESP, Ferreira é responsável pelas disciplinas Jornalismo Especializado I e

II (na graduação) e Midialogia Científica Especializada (no mestrado).

7.4.2. Ricardo Alexino Ferreira – Relacionamento com

Solange Couceiro:

Ricardo Alexino Ferreira foi o primeiro orientando de Solange Couceiro na

ECA-USP. Para o docente, uma das principais características de Solange Couceiro, que

o ajudou na composição do projeto de pesquisa, foi saber ouví- lo em suas dúvidas e

questionamentos:

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[...] ela me respeitou inteiramente. E uma característica que me marcou muito com relação à orientação da Solange, é que, às vezes, o orientador se coloca em uma hierarquia muito superior ao orientando. Muitas vezes aquilo que o orientando tem a dizer não importa. E a Solange me ouvia muito quando eu falava sobre jornalismo com ela. Quando eu chegava com informações novas, ela me ouvia, e demonstrava interesse nisso. E com isso, ia tendo um diálogo. Sem dúvida, hoje, eu reconheço que a orientação da Solange me fez prosseguir com o doutorado, e agora com uma livre-docência. (Ferreira, 2008)

Na convicção de Ricardo Alexino Ferreira (2008), o negro era um assunto

dificilmente abordado pela Comunicação:

A questão, por exemplo, do negro ainda era muito nova para a comunicação. Na ECA, a Solange traz essa questão, primeiro para a graduação, e depois ela começa com uma linha de pesquisa na pós-graduação com relação a isso.

7.4.3. Ricardo Alexino Ferreira – Obras:

Conforme o currículo publicado na Plataforma Lattes74, Ferreira possui, até

novembro de 2008, mais de 30 artigos publicados em artigos científicos, e dezenas de

outras produções técnicas. Grande parte dos textos de Ferreira se refere à temática

étnica. Abaixo, serão expostos os cinco artigos mais recentes, cujo assunto seja a

questão racial:

ü FERREIRA, Ricardo Alexino. Negro midiático: construção e desconstrução do afro-brasileiro na mídia impressa (ISSN 0103-9989). Revista USP, v. 69, p. 80-91, 2006.

ü FERREIRA, Ricardo Alexino. Os grupos minorizados transformados em

informação (ISSN 1808-7353). Revista Mídia e Etnia: a imagem dos negros nos meios de comunicação, v. 1, p. 45-47, 2006.

ü FERREIRA, Ricardo Alexino. Imprensa e etnia no Brasil. Racismo, Racistas a Trajetória do Pensamento Racista no Brasil, São Paulo, v. 2, p. 85-99, 2001.

74 Currículo disponível em 03 nov. 2008, no site: lattes.cnpq.br .

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ü FERREIRA, Ricardo Alexino. . As lutas étnico-separatistas e a imprensa: o País Basco em notícia. Ética Comunicação, São Paulo, v. 2, p. 19-23, 2000.

ü FERREIRA, Ricardo Alexino. O ser negro em uma sociedade branca. Pesquisa Fapesp, São Paujo, v. 59, p. 72-72, 2000.

8. A Difusão da Antropologia da Comunicação no Brasil:

O campo de estudo criado por Egon Schaden na década de 70, do século XX,

difundiu-se, e atualmente, a Antropologia da Comunicação no Brasil ultrapassou os

muros da Universidade de São Paulo.

Neste início de século XXI, apesar de insuficientes, alguns estudos relacionados à

Antropologia da Comunicação têm sido realizados em diversas universidades

brasileiras. A valorização de uma formação de cunho específico nos cursos de

Comunicação reduziu a grade de discip linas de base humanística, como a Antropologia,

Sociologia, Filosofia e a Psicologia em algumas instituições de Ensino Superior.

Todavia, em universidades como a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC-SP), a Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), a Universidade

Metodista de São Paulo, a Universidade de São Paulo, entre outras, continuam a

ministrar cursos nessas áreas.75

Embora não se reconheçam como antropólogos da comunicação, as investigações

realizadas, neste início de século XXI, por ex-orientandos de Egon Schaden, João

Baptista Borges Pereira, Dalva Aleixo Dias, Joseph Luyten, e outros professores, são

fundamentais para a manutenção da Antropologia da Comunicação, e para a

consolidação da área.

Nas próximas páginas, os perfis e as análises desenvolvidas por dois docentes-

pesquisadores, serão objeto de investigação. São eles: Alfredo Dias D’Almeida (ex-

orientando do Professor Joseph Luyten) e Roberto Reis de Oliveira (ex-orientando da

Professora Ms. Dalva Aleixo Dias)76.

75 Na íntegra das entrevistas realizadas, disponibilizadas nos “Anexos” desta dissertação, é possível observar os perfis dos cursos ministrados na Unesp, Metodista e USP. Para que a questão tivesse o espaço merecido para o debate, ou seja, investigar o desenvolvimento da Antropologia da Comunicação neste início de século XXI, um novo projeto de pesquisa, específico sobre essa temática, se faz necessário. 76 A escolha pelos entrevistados levou em conta a linha de pesquisa atual dos investigadores; os trabalhos que têm como enfoque a Antropologia da Comunicação; a disponibilidade para atender a autora desta dissertação.

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8.1. Alfredo Dias D’Almeida – Biografia77:

Natural do município de Lages, Santa Catarina, Alfredo Dias D’Almeida, nasceu no dia 07

de julho de 1958. Em São Paulo, D’Almeida estudou na Escola Técnica Federal, e se formou

em Eletrotécnica.

[...] Era o começo da década de 70, censura e tudo mais. E com isso, a juventude da minha geração vivia um pouco sem perspectiva, com muitas preocupações... Tanto que da turma que se formou comigo, a maioria foi para a área de Humanas. E a Federal sempre formou quadros para a Escola Politécnica. Cheguei a trabalhar como técnico em eletrotécnica, pois sempre tive a dúvida se trabalharia ou não na área técnica. Trabalhei na CESP durante oito anos e meio [,,,] (D’Almeida, 2008)

No entanto, D’Almeida, assim como a maioria de seus colegas, também optou pelas

Humanidades. Como não podia estudar o dia inteiro, o investigador escolheu o curso de

jornalismo. Com isso, trabalhava durante o dia, e estudava à noite. Porém,

[...] Logo no primeiro ano de jornalismo, descobri a Filosofia, que era desconhecida até então. Na escola técnica a gente tinha história e tudo mais, mas o peso maior era para as disciplinas ligadas à área de formação. Com isso, larguei o emprego de eletrotécnica na CESP, para ir fazer Filosofia à tarde. Fazia Filosofia à tarde, e jornalismo à noite [...] (D’Almeida, 2008)

Em 1981, D’Almeida graduou-se pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado, e se

casou com Ana Paula D’Almeida, com quem teve duas filhas: Júlia (atualmente com 21 anos,

atriz e cursa História na FFLCH-USP) e Silvia (18 anos, estudante do Ensino Médio).

Após seis meses em Florianópolis, no início da década de 80, o jornalista retorna a São

Paulo, e ingressa no mestrado em Sociologia na USP, mas por questões financeiras, não

concluiu o curso. Na capital paulista, o pesquisador trabalhou, antes de ingressar na

77 Entrevista concedida à Gleice De Divitiis em 22 out. 2008.

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carreira docente, como jornalista da Editora Abril, assessor de imprensa e assessor

pedagógico das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e em uma agência de

publicidade.

Em 2003, D’Almeida obtém o título de mestre pela Universidade Metodista de

São Paulo. A tese intitulada “Caravana Farkas (1968/1970): a cultura popular

(re)interpretada pelo filme documentário - um estudo de folkmídia”, teve a orientação

do Professor Dr. Joseph Maria Luyten.

Já em 2008, D’Almeida defendeu a sua tese de doutoramento em Integração da

América Latina pelo Prolam-USP. O trabalho denominado “A construção do ‘outro’ nos

documentários de Geraldo Sarno e Jorge Prelorán”, foi orientado pelo Professor Dr.

Afrânio Mendes Catani.

Atualmente, Alfredo Dias D’Almeida leciona na Universidade Metodista de São

Paulo. Além da referida instituição, D’Almeida trabalhou na Faculdade Montessori, no

município de São Paulo.

8.1.1. Alfredo D’Almeida – Pensamento:

Quando ingressou no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da

Universidade Metodista de São Paulo, D’Almeida entregou um projeto de pesquisa

relacionado à propaganda política:

[...] Apresentei um projeto na área de propaganda política. Como eu trabalhava em uma agência, para que eles me liberassem para assistir às aulas, eu tinha que fazer algo relacionado à propaganda. Como havia interesse da agência em começar a trabalhar na área política, foi fácil convencer o dono da agência. O meu interesse por política ajudou bastante, também. Fiz o projeto de pesquisa sobre a propaganda política na época do Médici, com o Professor Adolpho Queiroz [...] (D’Almeida, 2008)

Contudo, a disciplina “História do Pensamento Comunicacional”, ministrada

pelos professores José Marques de Melo e Joseph Luyten, durante o curso de mestrado,

fez com que D’Almeida mudasse radicalmente o seu projeto de pesquisa:

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120

[...] Com o Professor Marques, eu fiz a biografia do Tomás Farkas. O doutorado do Farkas era relacionado com documentários. E eu já conhecia o trabalho dele com fotografias. E essa área de documentários eu não conhecia. Vi um documentário dele, “Vitalino o Lampião e o Jornal do Sertão”, e acabei unindo uma coisa com a outra, porque eu já estava querendo sair da publicidade, pois is so era só um caminho para eu sair do mestrado e começar a dar aula [...] (D’Almeida, 2008)

Ao tomar contato com a linha de pesquisa do Professor Joseph Luyten,

D’Almeida, decidiu mudar de orientador, e foi acolhido por Joseph Luyten:

[...] A área de cultura de popular era algo que sempre me interessou muito. Ainda na época de estudante eu cheguei a trabalhar, dentro do movimento estudantil, com os operários do ABC. Eu tinha uma vontade trabalhar com isso latente. Quando eu mudei de projeto, eu fui mandado embora da agência. O meu chefe me mandou escolher entre o mestrado o emprego. Eu conversei com a minha esposa, e fiquei com o mestrado [...] (D’Almeida, 2008)

A dissertação ligada ao estudo dos documentários de Farkas e à cultura popular

evidenciaram para D’Almeida que o assunto ainda era pouco valorizado, e que a

temática pouco evoluíra desde os anos 70.

[...] O resultado da dissertação foi uma mistura de Comunicação, Antropologia... tanto que poderia ser defendida nas Ciências Sociais, na Sociologia, no Cinema, na Comunicação e na Antropologia [...] (D’Almeida, 2008)

No doutorado, o investigador prossegue com a temática popular:

[...] O meu doutorado foi uma continuidade do mestrado. Eu trabalhei a relação entre o cineasta e o entrevistado nos documentários sobre cultura popular no Brasil e Argentina. Fui orientado pelo Professor Afrânio Cattani. Um sociólogo que dá aula na pós-graduação de Pedagogia [...] (D’Almeida, 2008)

Especialista em documentários, D’Almeida, leciona na Universidade Metodista

de São Paulo, a disciplina Antropologia Visual para os cursos voltados aos estudos do

audiovisual, todavia ainda não se considera um antropólogo da comunicação:

[...] é difícil definir com exatidão a Antropologia da Comunicação. Eu sei que existem estudos dentro dessa área. A imersão do próprio Egon Schaden na Comunicação. Definir é muito difícil. Agora eu valorizo o ferramental da Antropologia, sim. A Comunicação é um campo, mas é um objeto também, a gente não pode esquecer isso nunca. E essa relação campo/objeto faz com que a Comunicação permeie qualquer outra área. O sociólogo estuda Comunicação; o lingüista estuda Comunicação; o

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pedagogo estuda Comunicação. E nós comunicólogos também estudamos, e temos que conhecer o ferramental da Pedagogia, da Sociologia. Por exemplo, se você for estudar programas educativos, e não saber nada de Pedagogia será difícil fazer alguma coisa. Eu trabalho com Cultura Popular, então tive que ir atrás da Antropologia, da Sociologia [...] (D’Almeida, 2008)

8.2. Roberto Reis de Oliveira – Biografia78:

Roberto Reis de Oliveira nasceu no dia 05 de janeiro de 1968, na cidade de Garça,

interior do Estado de São Paulo. “Tive a infância na fazenda, o que me foi muito

importante. O sentido vizinhal e comunitário definiram várias rumos em minha vida”.

(Oliveira, 2008)

O jornalista cursou todo o Ensino Básico (Fundamental e Médio), e o curso técnico

em Magistério, com ênfase em pré-escola, em escola pública de sua cidade natal. Em

1987, Oliveira ingressou no curso de graduação em Pedagogia na Universidade

Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), em Marília.

Nesse momento, Oliveira toma contato com a Filosofia e Sociologia, o que o

impulsiona a cursar jornalismo na Unesp, em Bauru, apesar de sempre ter desejado

seguir a carreira jornalística. Logo no início da graduação em jornalismo, o pesquisador

assiste às aulas de Metodologia, ministradas pela Professora Dalva Aleixo Dias. “Foi

um contato privilegiado, que se estendeu pelo curso todo, culminando com a orientação

no trabalho de graduação e perdura até hoje”. (Oliveira, 2008)

Em 1992, Oliveira concluiu a graduação, e trabalhou entre os anos de 1993 e

1995, como jornalista. Inclusive, foi editor e sócio de um jornal na cidade de Garça.

Ainda em 1995, inicia as suas atividades docentes na Universidade de Marília (Unimar),

onde leciona até os dias atuais.

Sete anos depois, em 2002, Oliveira obtém o título de mestre em Comunicação

Social, pela Universidade de Marília. A dissertação intitulada “A Religião no Discurso

de Veja”, foi orientada pela Professora Dra. Linda Bulik.

Em 2006, Oliveira ingressou no Programa de Pós-Graduação em Comunicação

Social da Universidade Metodista de São Paulo, onde cursa a doutorado, sob a

78 Entrevista concedida à Gleice De Divitiis, em 30 ago. 2008.

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orientação da Professora Dra. Cicilia Maria Krohling Peruzzo. Seu projeto de pesquisa

tem o título provisório de “Televisão Regional: configurações e estratégias”.

8.2.1. Roberto Reis de Oliveira – Pensamento:

O contato de Oliveira com a Antropologia da Comunicação surgiu ainda na

graduação, quando o docente fez para o seu trabalho de conclusão de curso uma

investigação referente a um projeto cultural direcionado à cultura negra da cidade de

Garça e a relação com a mídia. Nesse momento o pesquisador conheceu, por intermédio

de sua orientadora, Dalva Aleixo Dias, as obras de João Baptista Borges Pereira e

Solange Couceiro:

Na época, minha orientadora (Professora Dalva) fazia sua dissertação de mestrado, orientada pela professora Couceiro. As referências de Borges Pereira foram importantes na construção do marco conceitual do trabalho. (Oliveira, 2008)

No mestrado, Oliveira prosseguiu com os estudos ligados à Antropologia, já que

a análise abordava o tratamento de temas religiosos pela Revista Veja. Para o

doutorado, Oliveira optou por outro enfoque. Dessa vez, preferiu trabalhar com as

questões relativas à mídia regional:

A idéia central é levantar e estudar as configurações de uma emissora de televisão que cobre 47% do estado de São Paulo, a TV TEM. Procuramos sistematizar mais contribuições sobre a atuação de veículos em perspectiva regional e local. Percebemos, pelo menos por enquanto, que a emissora representa um avanço significativo no panorama da regionalização midiática, porém há que se considerar que se trata de uma afiliada da Rede Globo, portanto há uma série de limitações no processo. Tentamos dar conta disto. (Oliveira, 2008)

Embora tenha mudado a perspectiva de sua pesquisa, na Universidade onde

leciona, Oliveira orienta diversas análises ligadas à questão étnica. “Durante esses quase

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123

13 anos, orientei trabalhos de iniciação científica que envolviam – de algum modo- a

relação negro-meios de comunicação”. (Oliveira, 2008)

Apesar de estar ativamente ligado às questões culturais e comunicacionais,

Oliveira (2008) não se classifica como um antropólogo da comunicação:

Não poderia dizer que sou um antropólogo da comunicação. Como um pesquisador que engatinha no conhecimento da comunicação, acredito ter uma noção vestibular do que seja a complexidade deste campo. Embora em alguns momentos dos trabalhos tenha tido contado com questões antropológicas, não poderia fazer esta afirmação.Claro que já bebi de fontes importantes, inclusive da antropologia.Logo, creio que o trabalho - até porque lidamos com comunicação e, diretamente, isto diz respeito aos aspectos culturais, peculiaridades das localidades e regiões - toque tangencialmente. Mas nisto não consiste o cerne das interrogações. Digamos que tenha uma profunda admiração por aqueles que se enveredam na Antropologia. Prefiro, nesta altura, servir-me dos "sopros" antropológicos na Comunicação.

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CONCLUSÕES

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125

Conclusões:

Antes de iniciar a investigação sobre o principal objetivo deste trabalho, isto é, a

“Gênese da Antropologia da Comunicação”, isto é, foi preciso voltar ainda mais ao

tempo. Para observar a história da introdução da Antropologia no Brasil, e os primeiros

textos que mencionaram a questão da imprensa e a sua relação com o homem. Boa parte

do material encontrado foi exposto na primeira unidade desta dissertação.

Sabe-se que os trabalhos do Cônego Fernandes Pinheiro foram pioneiros nessa

questão. No entanto, foi Gilberto Freyre quem iniciou, com maior ênfase, os estudos

sobre a representação cultural da sociedade pela mídia. Uma de suas obras, como

observado também na primeira unidade desta dissertação, analisou o perfil do homem

escravo do século XIX, através dos anúncios de jornais publicados na época.

Apesar da existência das pesquisas isoladas no início do século XX, é na década

de 30 do período citado que o ensino da Antropologia é introduzido na academia

brasileira. Especificamente em São Paulo, Claude Levi-Strauss começa a ministrar a

disciplina em 1935, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de

São Paulo. É inclusive, Levi-Strauss quem traz as investigações etnológicas para a

universidade. Antes disso, na Universidade do Distrito Federal, a Antropologia foi

desbravada por Arthur Ramos, que publicou a obra “Introdução à Antropologia

Brasileira”. A disciplina também esteve presente na história da Escola de Sociologia e

Política de São Paulo, por iniciativa do Professor Dr. Donald Pierson.

Se é através de Levi-Strauss que a Antropologia se torna objeto de estudo na

universidade paulista, é pelas mãos de Emílio Willems que a Antropologia se

transforma em disciplina oficial. Anos mais tarde, o Professor Egon Schaden assume a

cadeira de Antropologia na USP, e cria a Revista de Antropologia. Reconhecido veículo

científico nacional e internacionalmente.

Em 1966, Egon Schaden dá um passo significativo para o início das pesquisas

referentes à Antropologia da Comunicação. Trata-se da tese de doutorado, seminal para

a área, defendida pelo Professor João Baptista Borges Pereira. “Cor, Profissão e

Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo” diagnosticou não apenas um fenômeno

antropológico (que era o objetivo do autor), mas também registrou o funcionamento da

estrutura radiofônica, e duas fases do rádio: a primeira quando o veículo era

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hegemônico; e o segundo quando o rádio passou a dividir as atenções com o advento da

televisão.

Anos mais tarde, a tese de Borges Pereira recebeu uma continuidade. A

dissertação de mestrado, em Antropologia, intitulada “O Negro e a Televisão de São

Paulo: um estudo de relações raciais”, de Solange Couceiro, seguiu o mesmo itinerário

do trabalho anterior. Dessa vez, Couceiro utilizou a televisão como pano de fundo para

a sua pesquisa antropológica e, além disso, fez um estudo comparativo entre os dados

encontrados por João Baptista Borges Pereira e a autora.

Na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), a disciplina Antropologia da

Comunicação e as investigações relacionadas a esse campo começaram no início da

década de 70, com Egon Schaden, e posteriormente com Solange Couceiro. Para se ter

uma idéia, como apresentado na terceira unidade desta dissertação, diversas dissertações

e teses dentro dessa temática foram defendidas, e difundidas para todo o Brasil e

América Latina.

Hoje a Antropologia da Comunicação desenvolve-se no Brasil em diversas

universidades, entre elas, destaca-se a linha de pesquisa originalmente desenvolvida

pelo Professor Dr. Renato Ortiz79 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC-SP), inclusive seu emblemático trabalho sobre a telenovela brasileira80, que teve

seus desdobramentos nos estudos realizados pelo docente na UNICAMP. Essa linha foi

continuada e ampliada na PUC-SP pela Professora Dra. Silvia Borelli81.

Com relação à Comunicação e, especificamente, a Antropologia da Comunicação,

decidi fazer algumas ressalvas nesta conclusão, após as entrevistas e demais

observações que realizei no decorrer desta dissertação:

ü Especificamente, quando se fala em Antropologia da Comunicação estamos

analisando um campo de estudo acadêmico relativamente recente, com cerca de

40 anos de existência, o que torna as investigações realizadas nessa área, de

certa forma, “nebulosas”. Ainda se busca uma legitimidade, já que os próprios

79 Atualmente, Renato Ortiz é docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Es tadual de Campinas (IFCH-UNICAMP). 80 Uma das principais obras de Renato Ortiz, que retrata a telenovela brasileira: ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia Helena Simões; RAMOS, José Mário Ortiz. Telenovela História e Produção . São Paulo: Brasiliense, 1989. 81 Silvia Borelli, atualmente, é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP.

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analistas do assunto ainda não conseguem determinar se a Antropologia da

Comunicação está mais intimamente ligada à Antropologia ou à Comunicação.

Vou citar a minha experiência com esta análise: a bibliografia referente à

Antropologia da Comunicação é praticamente inexistente, o material que

encontrei relativo à temática era pouco específico, elucidativo. Consegui

compreender a especificidade do campo somente quando entrevistei outros

investigadores ligados à Antropologia da Comunicação.

ü A grade curricular atual dos cursos de Comunicação Social também não

contribui para o cultivo da Antropologia da Comunicação. A formação

profissional é privilegiada, em detrimento das disciplinas de caráter humanístico.

Iniciativas tomadas pela UNESP, Universidade Metodista de São Paulo, PUC-

SP, entre outras, ainda são isoladas, o que desestimula um aprofundamento dos

próprios docentes nas análises das disciplinas humanísticas. Com isso, as

instituições de Ensino Superior deixam de exercer um de seus principais

objetivos: oferecer a oportunidade de enriquecer a bagagem cultural dos

estudantes universitários.

ü Mesmo quem pesquisa, diuturnamente, as temáticas relacionadas à Antropologia

da Comunicação, não consegue delimitar o campo de estudo, ou seja, a definição

sintética do que é a Antropologia da Comunicação é muito problemática.

ü A maioria dos entrevistados não se rotula como um antropólogo da

comunicação, apesar de realizar trabalhos dentro dessa área. Na minha

convicção, isso se explica por duas razões mais evidentes: a falta de definição do

campo, o que torna extremamente difícil se atrelar a algo subjetivo; a segunda

razão se ancora pelo fato do pesquisador se sentir apenas um comunicólogo, isto

é, os estudos culturais são apenas um meio, um pano de fundo, para se chegar ao

objetivo traçado por uma pesquisa apenas de interesse comunicacional. E para os

antropólogos parece ocorrer o mesmo fenômeno. Entretanto, falo apenas em

hipóteses sobre uma breve observação, não considero essas duas possíveis

motivações citadas acima como algo absoluto.

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ü Acredito que seria necessária a produção de mais bibliografia a respeito da

Antropologia da Comunicação, e do seu vasto campo de estudo, o que geraria

um provável debate de idéias, e conseqüentemente, um aclaramento do que é, e

o que não é Antropologia da Comunicação. Dessa forma, os profissionais se

sentiriam mais à vontade para certificar com firmeza a sua posição: “sou ou não

sou um antropólogo da comunicação”.

O que consola, de certa forma, os pesquisadores comunicacionais é o crescimento

anual das pesquisas do campo, mesmo que muitos investigadores ainda não considerem

a Comunicação como um campo autônomo.

Infelizmente, em um projeto de pesquisa, apenas, é impossível relatar todo o

campo da Antropologia da Comunicação, que é bastante vasto. Além disso, analisar as

manifestações culturais de uma determinada sociedade, assim como os meios

comunicacionais, não é uma tarefa simples, já que se trata de algo extremamente

dinâmico. Com isso, as investigações devem ser constantes.

Espera-se que este trabalho possa ter sido elucidativo, para se compreender

como se deu a criação e o desenvolvimento das investigações relacionadas à área. No

entanto, espero que esta dissertação possa instigar novos pesquisadores para colaborar

na continuidade da observação dessa disciplina, que ainda trará novas perspectivas ao

campo antropológico e comunicacional.

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_____________________ Recentes Contribuições à Antropologia Brasileira. Boletim Bibliográfico, São Paulo: Biblioteca Pública Municipal de São Paulo, v. XIV, p. 75-84, 1950.

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VOIGT, André Fabiano. Emílio Willems e a Invenção do Teuto-Brasileiro, entre a Aculturação e a Assimilação (1940-1946). História: Questões & Debates. Curitiba: UFPR, n. 46, p. 189-201, 2007.

WAINBERG, Jacques A. Casa-grande e senzala com antena parabólica: a geopolítica comunicacional brasileira. Comunicação & Sociedade. São Bernardo do Campo-SP: PósCom-Umesp, a.24, n.38, p.141-174, 2º. sem. 2002.

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www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471170.shtml

www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471158.shtml

www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471179.shtml

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136

ANEXOS

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FOTOS

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FOTOS

CAPÍTULO I

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139

Cônego Fernandes Pinheiro

PINHEIRO, Mario Portugal Fernandes.

Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra, 1980.Apresentação à 2ª. Edição de Estudos Históricos: acrescidos de estudos

avulsos brasileiros ilustres do Cônego Fernandes Pinheiro.

Barbosa Lima Sobrinho

Imagem disponível em:www.oab.org.br/espacocultural/agraciadosmedalhabarbosalimasobrinho.asp

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140

Gilberto Freyre

Imagem disponível em:http://www.globaleditora.com.br/loader.aspx?ucontrol=bWudvhvbwwsYnVzY2FfYXV0b3I=&autorID=3232

Claude Levi-Strauss

Imagem disponível em:http://portal.unesco.org/culture/en/ev.php_URL_ID=3734&URL_DO=DO_TOPIC&URL_section=201.html

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141

Emílio Willems

Imagem disponível em:http://www.fespsp.org.br/75anos/meio_personalidades.html

Egon Schaden

PEREIRA, João Baptista Borges.

São Paulo: Universidade de São Paulo, a.8, n. 22, p.249-253, 1994

Emílio Willems e Egon Schaden na história da Antropologia.

Estudos Avançados.

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142

FOTOS

CAPÍTULO II

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143

João Baptista Borges Pereira

Imagem disponível em:http://www.usp.br.br/politicaspublicas/img/jbatista.jpg

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144

FOTOS

CAPÍTULO III

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145

Joseph Luyten

Imagem disponível em:http://www.nordesteweb.com/not07_0906/20060731joseph_luyten.jpg

Sônia Luyten

Imagem disponível em:http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=T83885&tipo=simples

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146

Luiz Augusto Milanesi

Imagem disponível em: http://www.imagem.ufrj.br/thumbnails/4/946.jpg

Ricardo Alexino e Dalva Aleixo Dias

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147

Joelzito Araújo

Imagem disponível em:http://www.centrodametropole.org.br/divercidade/numero7/7.html

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148

CAPAS

DOS

LIVROS

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Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São PauloAutor: João Baptista Borges Pereira

O Negro na Televisão de São Paulo: um estudo de relações raciaisAutor: Solange Martins Couceiro de Lima

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SÍNTESES

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Síntese de “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o

rádio de São Paulo”, de João Baptista Borges Pereira

PEREIRA, João Baptista Borges. Cor, Profissão e Mobilidade – o Negro e o Rádio de São Paulo. 2ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.

Em sua tese, Borges Pereira analisou quatro grupos de emissoras localizadas em

São Paulo. São elas: Rádio Record, São Paulo e Panamericana (Emissoras Unidas);

Rádio Tupi, Difusora e Cultura (Emissoras Associadas); Rádio Nacional e Excelsior

(Organização Victor Costa); Rádio Gazeta, América, Piratininga e Bandeirantes.

Como critério de escolha das emissoras que seriam observadas, estava: o tempo de

existência, a participação ativa dos ouvintes, e a programação ao vivo.

Dentro desse contexto, Borges Pereira entrevistou profissionais do rádio,

ouvintes, calouros, professores de música, jornalistas, publicitários, musicólogos,

membros de escolas de samba, entre outros profissionais.

Segundo Borges Pereira, historicamente o rádio surge no Brasil e no mundo, em

um período de diversas mudanças, geradas, principalmente, pela Primeira Guerra

Mundial. Especificamente no Brasil, o crescimento da urbanização, essencialmente

ocorrida nos estados da região Sudeste, deve ser observado.

A indústria, o comércio e a urbanização trazem novas necessidades aos grandes

municípios: novas cidades são criadas, migrantes e imigrantes aumentam

significativamente o número de habitantes de São Paulo. A imigração de japoneses,

italianos, alemães, portugueses e outros formam, também, outra realidade étnica: o

Brasil deixa de ser uma nação apenas de brancos e negros, porém esse fato “faz a

balança pender, em definitivo para o lado dos brancos”. (p. 46)

Com isso, surgem novas profissões, as classes sociais se tornam mais divididas,

e meios como o avião, o trem e o telefone ficam, inicialmente, responsáveis pela

interatividade da nova sociedade.

Apesar dessa efervescência em todas as classes sociais, a escola ainda se limita

às elites, e a maioria da população continua analfabeta. Dessa forma, a mídia impressa

não obtém a penetração que desejava ter.

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É nesse contexto que aparece o rádio no Brasil. A radiodifusão apresentou uma

inigualável vantagem com relação aos outros meios: a facilidade de abranger até mesmo

os desfavorecidos, que devido ao analfabetismo, não tinham acesso aos meios escritos.

O rádio surgiu repentinamente na cultura brasileira. Com isso, a invenção era

considerada algo completamente inédita e curiosa na primeira metade do século

passado.

Porém, nem todas os recursos que eram imaginados pela população poderiam

ser transformados em realidade naquela época. Os empreendedores radiofônicos

sonhavam em transformar o novo veículo em um meio de difundir a educação. Para se

ter uma idéia, o slogan da primeira emissora regular do país, a Academia Brasileira de

Ciências era: “Levar a cada canto um pouco de educação, de ensino e de alegria”.

Mesmo sem desaparecer completamente, o modelo de rádio-educativa aos

poucos deixou de ser uma prioridade constante. Dessa forma, o Rádio-Publicitário

começa a ocupar o espaço educativo.

O ano de 1932 marcava o início da rádio publicitária no Brasil. Junto com essa

“nova era” o número de emissoras e aparelhos têm até a década de 50, um expressivo

crescimento. Essa ampliação reflete em oportunidades de emprego. No entanto, o rádio

não representa apenas uma chance de remuneração financeira. As emissoras oferecem a

oportunidade de democratização de acesso aos brancos e negros.

Para identificar a participação dos grupos sociais no rádio, Borges Pereira não se

limitou apenas à estrutura radiofônica. O antropólogo buscou alicerces também em

publicitários e anunciantes. Os anunciantes podem ser enumerados como o primeiro

grupo externo ao rádio. Já os publicitários são os intermediadores entre os anunciantes e

as emissoras radiofônicas.

Os ouvintes, até o momento em que Borges Pereira concluíra a sua análise, era o

grupo menos pesquisado. O grupo dos ouvintes é o mais heterogêneo entre os já

relacionados. Pode-se falar desde os que participam com cartas, telefonemas e na

compra de produtos anunciados , até aqueles que possuem participação efetiva e física

nas dependências das emissoras: fãs de cantores e radialistas, calouros, integrantes da

platéia, etc.

Quanto à estrutura empresarial, o rádio não se difere muito de outras empresas.

Possui uma direção geral, o setor administrativo; o setor programático e o técnico.

Pode-se afirmar que esse é o quadripé básico encarregado pelo funcionamento de uma

emissora.

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153

Para a manutenção de ouvintes e anunciantes, criou-se no rádio a divisão dos

programas em A, B e C, isto é, fragmentar a programação conforme o horário e o

público-alvo que se desejava atingir. Entretanto, existem momentos em que alguns

programas são homogêneos, isto é, atingem um público geral. Com isso, denominou-se

“horário nobre”, a faixa de horário em que os ouvintes pertencem à distintas condições

culturais e sociais. Trabalhar em horário nobre significava para os profissionais uma

“promoção” de cargo no contexto radiofônico.

O interesse em públicos amplos, todavia, não era restrito apenas aos

trabalhadores do rádio. Publicitários e anunciantes tinham total interesse em aumentar o

número de consumidores de seus produtos. Embora ainda fosse um assunto proibido nas

emissoras, Borges Pereira enfatiza que muitos publicitários davam opiniões e/ou

sugestões nas programações, e não raro, eram também responsáveis pelas produções de

peças publicitárias e programas de rádio. Contudo, também, não era difícil encontrar

radialistas que migravam para o campo publicitário como uma maneira de aumentar a

renda ou colaborar com o seu conhecimento nas agências de publicidade.

Quanto aos ouvintes, muitos almejavam uma oportunidade no rádio. Alguns

conseguiam a tão sonhada vaga, porém, em funções administrativas ou técnicas, embora

o desejo real fosse uma carreira artística ou a participação em programas de calouros.

Na época, para contratar um profissional, muitas emissoras buscavam o

preenchimento de seu quadro funcional em empresas interioranas, ou até mesmo

recorriam ao apadrinhamento e ao nepotismo.

Dentro da estrutura radiofônica, como em qualquer organização, a mobilidade

entre funções e setores acontecia frequentemente. No rádio, especificamente, nos

setores administrativo e técnico, as transições ocorriam normalmente e com mais

facilidade. Já no setor programático, a realidade era bem mais complexa. Podia-se falar

até em uma espécie de competição pela audiência e pelo status. Alguns radia listas

encontravam a ascensão em convites para o desenvolvimento de seus trabalhos em

outras empresas radiofônicas.

Após retratar o funcionamento dos setores dentro da estrutura radiofônica,

Borges Pereira desejou conhecer quem eram as pessoas que constituíam o rádio. A

maior parte da população era formada por imigrantes (principalmente italianos),

migrantes de outras regiões do país e negros descendentes de escravos. Para se ter uma

idéia, segundo dados do IBGE, colhidos pelo autor, dos 11,2%, de negros, em 1950, que

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154

habitavam o Estado de São Paulo, cerca de 10,2%, viviam na capital paulista. Borges

Pereira explica que

o deslocamento em maior escala do negro para cá deu-se pela transferência de braços até então concentrados em específicas áreas geográficas (focos de mineração) e que, devido ao declínio do novo ciclo econômico, foram liberados para outros empreendimentos ligados à constituição da ‘grande lavoura’ . (p. 107)

Mesmo após quase 100 anos da abolição (década de 50, do século XX), os ex-

escravos procuravam a integração sócio-econômica. No entanto, tal tarefa era árdua,

pois disputavam com os brancos, que por questões históricas já conhecidas, obtinham

maior êxito. Para os negros, conforme a investigação realizada, restava ocupar cargos de

menor prestígio e remuneração.

No contexto radiofônico, o negro encontrava, talvez, segundo a observação de

Borges Pereira, um ensejo de “competir” em igualdade, pois muitas funções eram

inéditas, e sobre elas não cabia o peso da tradição de posições ocupadas somente por

brancos.

Entre publicitários e anunciantes, a presença da população negra é praticamente

inexistente. Entretanto, no grupo de ouvintes, a situação é inversa: apesar de

informações imprecisas, constatou-se uma significativa participação do negro nesse

contingente.

O negro também estava presente em programas de auditório com uma

participação numerosa. Outra constante era a presença ativa da mulher negra como

ouvinte e nos auditórios. O envolvimento dessas mulheres era tanto, que esse grupo

ficou conhecido como “macacas de auditório”.

O tão sonhado crescimento profissional era, definitivamente, encontrado pelos

negros no rádio. Observavam-se, durante a análise de Borges Pereira, alguns negros

radialistas bem-sucedidos profissionalmente. Era o reconhecimento de seu trabalho, já

que fora dessa esfera tudo era muito limitado. Para a platéia e os calouros, era a chance

de adquirir outra identidade, ao lado de artistas, conquistar o seu espaço dentro de uma

competição externa extremamente desleal.

[...] eles encontram no auditório oportunidade de gozar dos prazeres de falar, de trocar idéias, de rever velhas amizades e de alicerçar novas relações sociais. (p. 115)

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155

Apesar de ser um meio com uma participação mais efetiva do público negro, a

discrepância entre o número de negros e brancos existia no rádio. No grupo artístico das

emissoras paulistanas, os dados apresentados por Borges pereira revelam que apenas

10,5% dos profissionais eram considerados negros ou mulatos na época em que a

pesquisa foi realizada. A maioria dos considerados negros ou mulatos ainda ocupavam

cargos de menor reconhecimento e prestígio social. “Deste ângulo, o rádio – espécie de

micro mundo paulista – reproduz em linhas gerais a tendência observada na estrutura

social global, que se traduz em aproveitar negros e mulatos em atividades menos

categorizadas, e situadas na base da pirâmide ocupacional”. (p. 121)

A pesquisa de Borges Pereira evidenciou, também, que os cantores e artistas de

rádio estavam mais horas nas programações radiofônicas do que os próprios locutores.

Nesse caso, a cor não interferiu diretamente. Cantores conseguem ultrapassar as

fronteiras do rádio através de seus discos, e a divulgação em outros materiais, o que

gera maior renome com relação ao radialista.

Conforme as análises realizadas por Borges Pereira, poucos foram os

participantes da platéia ou dos programas de calouros que conseguiram, de fato, a tão

desejada vaga no quadro artístico.

Em busca de uma elevação social, muitos dos negros e mulatos entrevistados

pelo antropólogo confundiam-se quando o objetivo era distinguir sucesso artístico,

econômico e social.

O maior número de cidadãos negros almejava ingressar no setor programático,

visto que nas tarefas ali desempenhadas, a resistência racial era consideravelmente

menor.

Enquanto, para o desempenho de outros cargos, mesmo o de músico, exige-se formação escolar satisfatória, geral ou especializada, o de cantor dispensa tudo isto, e o negro, tal como está, já pode participar com alguma possibilidade de êxito da competição para uma imediata profissionalização. (p.136)

A cor nunca é um empecilho para os cidadãos negros que são bem-sucedidos.

Os obstáculos mais comuns são: falta de instrução, falta de um padrinho artístico e falta

de talento. Contudo, o ponto mais crítico apontado é o apadrinhamento.

Em situações de freqüência não periódica, anunciantes, intencionalmente ou não,

podem influenciar na escolha dos artistas que participarão dos programas patrocinados.

Isso, muitas, vezes, prejudica o negro pela falta de apadrinhamento.

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156

Outro fato destacado em inúmeras ocasiões por Borges Pereira é a mobilidade

profissional reduzida do homem negro.

Esta liberdade de trânsito dentro da estrutura do setor programático, que a pesquisa revela ser uma constante entre radialistas brancos – e através da qual exibem sua ‘versatilidade’ profissional -, não se reproduz com relação aos de cor (p.147).

Apesar de claramente demonstrado por Borges Pereira, brancos e negros não

expressavam as suas opiniões com facilidade. Com isso, restavam poucas alternativas

de socialização e interação racial, segundo as entrevistas colhidas pelo autor da obra.

Para vencer na música, muitos negros faziam questão de enaltecer certos

conceitos, principalmente aqueles que dizem respeito a sua forte vocação musical.

Especificamente, tal estratégia poderia ser válida. Contudo, em um contexto global

poderia servir como um obstáculo.

Curiosamente, discussões espontâneas sobre o porquê do negro não ocupar

outros setores das empresas radiofônicas, além da programática, não existiam. Apenas

três pessoas entrevistadas assumiram que o preconceito racial é uma barreira. A falta de

instrução prejudicava o processo de conscientização de que algo deveria ser feito para

reverter aquele quadro.

O baixo grau de instrução empobrece a capacidade reflexiva do indivíduo, embotando a sua sensibilidade de pensar de forma crítica seus próprios problemas e, inclusive, restringindo os recursos de arregimentação daquelas potencialidades cognitivas que lhe permitiriam de maneira mais eficiente, situar-se perante a si mesmo, perante seus semelhantes e o mundo que o rodeia. (p. 166)

Borges Pereira constatou que com histórias de situações desrespeitosas

provocadas, principalmente pelos brancos, ao longo de suas narrativas de vida desde a

infância, quando adultos, os negros sentem receio de vivenciar tudo novamente, e

sequer comparecem a um processo seletivo profissional, em que tinham a plena

convicção de que poderiam competir de igual para igual com o branco.

Pouquíssimos negros conseguiram, no rádio, desempenhar funções além da

música. Alguns desses cidadãos foram entrevistados por Borges Pereira, e revelaram

que somente alcançaram êxito, após quebrar as barreiras que os impediram de

prosseguir o caminho em busca das realizações profissionais.

Ainda dentro do setor programático do rádio, surge o negro caricatural.

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A estilização deste negro é feita à base de estereótipos impregnados de alusões à sua estética: feito, macaco, tição; ou ligados à sua descategorização social e a sua frouxidão de costumes: malandro, rufião, delinqüente, maloqueiro, amasiado, bêbado, vagabundo, ,mandigueiro, pernóstico, servil;ou ainda relacionados com certas qualidades ‘positivas’, como o seu talento para a música, a sua astúcia e a sua ingenuidade, ou então, são estilizações piegas decalcadas em tipos consagrados pela nossa tradição paternalista, como o preto velho bondoso, a meiga mãe-preta ou o humilde e fiel servidor do homem branco. Até mesmo a mulata, tão exaltada como tipo feminino nos temas musicais populares, e talvez por isso mesmo, é alcançada por este humorismo que se avizinha estreitamente do deboche. (p. 178)

Borges Pereira observou que tal fenômeno não teve o seu início no rádio e/ou na

televisão. Isso fazia parte do cotidiano oral desde os primórdios da sociedade brasileira.

Além disso, tais referenciais eram encontrados em letras de música, jornais, folhetos e

revistas.

O que piorava a situação era o fato da televisão e o rádio possuírem um maior

poder de difusão do que os meios escritos. Com isso, essas informações deturpadas

chegavam a um número maior de pessoas, o que poderia fixar um conceito negativo a

respeito da população negra.

Durante sua investigação, o autor percebeu que o negro trabalhador do rádio

publicitário, não discutia a respeito da programação que deteriorava a imagem de sua

etnia.

A música foi uma das responsáveis pelos resultados profissionais satisfatórios

obtidos pelo indivíduo negro. Outra possibilidade era a televisão, que na época em que

Borges Pereira realizou a sua pesquisa, estava em implantação. Isso mostra que as

perspectivas de mobilidade do negro encontravam certa amplitude, mas não seriam

suficientes para reverter a situação exposta anteriormente.

No capítulo conclusivo de seu livro, Borges Pereira analisa a música popular e a

sua influência na ascensão profissional da população negra. O que no começo do século

XX, era considerada “música negra” e clandestina, aos poucos encontra espaço, e

transforma-se até em produto de exportação, com a denominação de “Música Popular

Brasileira”.

Nesse período, começou a tomar forma, primeiramente, o samba, uma mistura

de elementos, com a participação ativa dos negros africanos e do continente americano,

além de ritmos europeus. Juntamente, aparecem outras manifestações como o maxixe, o

choro, vistas pelo senso comum como tradicionalmente expressões negras.

A Primeira Guerra Mundial trouxe à tona as diferenças entre os países mais e

menos desenvolvidos. No Brasil, o processo crescente de urbanização e o nacionalismo

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que pretendia afastar tudo o que fosse estrangeiro, foi o combustível para o crescimento

da música originalmente brasileira.

Borges Pereira citou Mário de Andrade afirmando que era hora do Brasil buscar

uma representação nacional. O índio já tinha sido muito explorado pelo Romantismo, se

o branco fosse utilizado, a cultura européia seria exaltada. Com isso, optou-se pelo

negro como a representação do nacionalismo brasileiro.

Nas considerações derradeiras, Borges Pereira afirma que apesar da inserção do

negro no mercado radiofônico ter sido ampliada, ainda são raras as oportunidades em

outros setores. O autor salienta que sua análise fora realizada em um período de

transição, em que alguns negros obtinham destaque no setor radiofônico. Esse processo

de mudança na sociedade se desencadeou a partir da década de 30, do século passado.

Borges Pereira constata que após tantos percalços na busca por um emprego

comum, regular. O negro encontra no rádio, além de uma chance de trabalhar, novas

diretrizes sociais.

Com base nos dados, pode-se afirmar logo de início que, paralelamente à sua marcha ascensional na carreira, a vida do radialista de cor é uma ascensão de conquistas de tudo aquilo que se pode obter com o dinheiro. (p. 238)

Educar os filhos e oferecer uma vida confortável para a família era, também, o

desejo de todos os radialistas negros que conquistavam o seu espaço nas emissoras. No

entanto, o bem que representava, na opinião do homem negro, um novo “status” social

era o automóvel. “O carro passa, pois, a ter como função reforçar o status profissional

do radialista negro, colocando-o em posição de relevo na escala de prestígio social”. (p.

241)

O relacionamento entre os colegas de trabalho de pele branca, geralmente, não

extravasava o interior da emissora. Alguns homens negros relataram a Borges Pereira

tal fato. Quando convidados para alguma reunião em um ambiente, cujo universo

presente era branco, sempre ocorria algo discriminatório contra o cidadão negro, ou

então, o homem negro era invitado para mostrar suas habilidades artísticas, e não para

desfrutar das confraternizações.

Todas as histórias de vida que fornecem subsídios a este estudo mostram como quase todos os radialistas passaram por tais experiências discriminatórias, e mostram ainda como eles desenvolvem uma hipersensibilidade para perceber o que é quase sempre apenas levemente insinuado. (p. 247)

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Tudo isso seria o oposto do que a população denomina a conduta do radialista.

Com o passar do tempo, o homem negro percebeu que o dinheiro e a fama não são

suficientes para estar na sociedade taxada com “branca”. Esses profissionais

sabem que a expectativa dos ainda embriagados pelo sucesso imediato é parcialmente ilusória; ao libertá-los de injunções econômicas, a profissão transporta-os para novas situações de convívio, em que o papel, até então representado pela deficiência pecuniária, passa a ser interpretado pela cor e por tudo o que este traço racial simboliza em termos sociais e culturais. Se tais radialistas não encaram com pessimismo a sua situação, todavia, nas suas confidências ao pesquisador, não conseguem esconder o desencanto dos que se vêem traídos nas suas mais caras expectativas. (p. 253)

Na parte intitulada “Anexos”, Borges Pereira reúne algumas tabelas que

comprovam e exemplificam o que foi narrado ao longo do livro. São elas: total de

empregadores e trabalhadores por conta própria segundo a cor, no Estado de São Paulo;

total de empregadores e trabalhadores por conta própria, segundo a cor, em três setores

de atividades, no Estado de São Paulo; programas irradiados durante um ano (número

redondo de horas); sessenta profissionais de cor, segundo meio usado para ingressar no

rádio de São Paulo (parte programática); quarenta “calouros” de cor, , segundo a

ocupação; emprego anterior de sessenta profissionais do rádio (setor programático);

noventa e seis profissionais de cor, segundo o grau de instrução (setores técnico,

administrativo e programático); cem profissionais brancos, segundo o grau de instrução

(setores técnico, administrativo e programático).

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Síntese da obra da Professora Dra. Solange Martins Couceiro

de Lima: “O Negro na Televisão de São Paulo: um estudo de

relações raciais”

LIMA, Solange Martins Couceiro de. O Negro na Televisão de São Paulo: um estudo de relações raciais. São Paulo: FFLCH-USP, 1983.

O livro da Professora Solange Couceiro, resultado de sua dissertação de

mestrado em Antropologia, apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo (USP), em 1971, e orientada pelo Professor

João Baptista Borges Pereira, está dividido em sete partes: Introdução; A empresa

televisora e seu sistema organizatório-estrutural; Convivência inter-racial nas empresas

televisores de São Paulo; O negro e o conteúdo programático das tevês de São Paulo; O

negro e as novas oportunidades de trabalho ligadas à comercialização do entretenimento

popular; Notas finais e Bibliografia.

Na introdução de “O Negro na Televisão de São Paulo”, Couceiro explica que o

trabalho é uma continuidade de uma linha de pesquisa proposta anteriormente por João

Baptista Borges Pereira, em “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São

Paulo”.

Num sentido mais restrito, este projeto de pesquisa inspira-se diretamente naquele estudo, procurando de certa maneira complementá-lo, através de duplo objetivo: em primeiro lugar, ao caracterizar nova área de aproveitamento profissional do negro, ligado, como se observou, à comercialização do entretenimento popular e a mecanismos de massa; em segundo, ao analisar o processo de mobilidade do negro pela estrutura empresarial radiofônica, tomada esta como uma configuração, que envolve tanto as emissoras de rádio como as estações televisoras. (Couceiro, 1983, p. 14)

Solange analisou a mobilidade do negro na televisão através de dois ângulos: a

televisão como mercado de trabalho para o homem negro; e a veiculação de imagens

que mostrem o estilo de vida e as relações entre brancos e negros. Para tanto, a

pesquisadora investigou cinco emissoras paulistanas: os canais, 4, 5, 7, 9 e 13. Foram

excluídos o canal 2 (emissora educativa, que não apresentava as características de uma

TV publicitária ou comercial), e o canal 11 (estava no início de suas atividades, e

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161

apresentava mais filmes de origem estrangeira do que propriamente uma programação

nacional).

Quando Couceiro deu continuidade ao projeto e investigou a estrutura televisiva,

o rádio e a televisão não mais apresentavam características idênticas entre si:

Se algum dia, em seu início de vida, como quer Borges Pereira, a televisão confundia-se com o rádio, ao qual estava ligada histórica e logicamente, compondo do ponto de vista de organização e de estrutura um único complexo, esta pesquisa revela que atualmente isto não mais se dá, a não ser num plano jurídico, isto é, quando rádio e televisão pertencem a mesma pessoa ou grupo empresarial. (Couceiro, 1983, p. 21)

Entre os setores da televisão que mais sofreram mudanças, estava o comercial

(que antes contava com profissionais improvisados, e quase uma década depois, possuía

um status mais técnico para a venda de espaços publicitários), e o setor técnico (nesse

campo novas funções foram criadas, pois a inserção de novos equipamentos foi

extremamente necessária para a geração do conteúdo televisivo).

Na década de 70, as emissoras de TV criam as denominadas redes, ou seja, mais

uma inovação criada pelo meio que completava no Brasil 20 anos de existência, e estava

em plena ascensão. Inicialmente, foram fundadas três redes no território nacional, REI

(Rede de Emissoras Independentes), Rede Globo de Televisão e Rede Associada de

Televisão.

Se por um lado as redes trouxeram desemprego aos profissionais de televisão,

por outro, novas alternativas surgiram. O rádio, que passava por um processo de

reformulação, absorveu mão-de-obra, já que não exigia uma qualificação complexa. E

com a chegada do vídeotape, logo vieram os “enlatados” estrangeiros, que abriram o

mercado para os dubladores.

Na terceira parte, intitulada “Convivência Inter-Racial nas empresas televisoras

de São Paulo”, Couceiro analisou, principalmente, a inserção de pessoas negras na

estrutura televisiva. A docente tentou elucidar algumas questões, como por exemplo; em

qual setores da tevê o negro trabalha? Quais são os departamentos em que existe

ausência dessa população?

Não foi possível, segundo a autora, mostrar todo o universo de trabalhadores

negros na televisão, pois grande parte recebia um “cachê”, ou seja, alguns indivíduos

não tinham um salário fixo, e pela falta de exclusividade em uma determinada empresa,

prestavam serviços em todas as emissoras possíveis.

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162

De acordo com Couceiro, o negro está inserido em funções que exigem uma

escolaridade menor. “Esses segmentos mais humildes são representados pelos trabalhos

braçais, subalternos em geral, e trabalhos não qualificados.” (Couceiro, 1983, p. 41)

Solange ainda ressalta que

Com exceção do setor comercial, a participação do negro nos demais setores varia de 13 a 19%, quase se equivalendo tanto entre si como em relação à população setorial. Numericamente, porém, a sua presença é mais significativa no setor programático, e dentro deste, nas esferas ligadas á música. (Couceiro, 1983, p. 42)

A ausência, ou a desigualdade numérica, de profissionais negros em setores

administrativos e comerciais das emissoras, assim como a participação quase nula da

mulher negra nesses departamentos, reflete os dados anteriormente expostos por João

Baptista Borges Pereira em “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São

Paulo”.

Durante o início da década de 70, a TV brasileira passava, segundo Couceiro,

por uma relativa crise. Era preciso criar novos programas, manter os que davam bons

índices de audiência, conquistar telespectadores, e gastar pouco com programas que

fossem campeões de “IBOPE”. Diante dessa fase de constantes mudanças e de

preocupação com a audiência, qual era a real participação do negro nesse processo?

Para Solange Couceiro, o cidadão negro tem um melhor aproveitamento na

programação musical, programas de calouros, semelhantes ao rádio, mas mesmo assim

em canções populares brasileiras:

parece haver uma tendência no sentido de este favorecimento do artista negro no campo da música se tornar mais claro quando os musicais são feitos na base da música popular brasileira, historicamente identificada ao grupo negro, segundo Borges Pereira. Nota-se esta tendência , quando, por exemplo, um calouro negro se apresenta para interpretar música “estrangeira”. Em geral ele é criticado pelo “júri” ou pelo apresentador que esperam que ele venha interpretar”samba”; essa tendência se nota também na expectativa dominante naquele meio de trabalho de que cantor negro e sambista devam ser expressões sinônimas. (Couceiro, 1983, p. 57)

O que foi mostrado por Solange Couceiro acima, demonstra o quão difícil era a

mobilidade profissional do negro na estrutura televisiva, tal qual era há quase vinte anos

antes da dissertação de Couceiro, no rádio, situação mostrada por Borges Pereira82.

82 Dados apresentados no livro “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”, resultado da tese de doutoramento apresentada pelo mesmo autor em 1966.

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163

O homem negro também tinha espaço em: programas de “Agressão”, espécie de

um tribunal de júri exibido pela TV, com estrutura relativamente simples; e nas

telenovelas. Porém, eram, ainda, os programas de calouros que abriam as portas à

população negra na TV. No entanto, o empresário da TV e o calouro viam esse

programa (assim como no rádio) através de perspectivas distintas:

pode-se afirmar que os “desencontros de perspectivas” continuam pois, mesmo que o candidato tente usar o programa como meio de ingressar na vida artística, o produtor de tevê usa-o apenas como um elemento programático que lhe custa pouco, ou mesmo quase nada, que lhe “dá bom índice de audiência, sempre porém admitindo racionalizadora ou ideologicamente que a finalidade do programa é selecionar novos artistas dar chance aos novos. As gravadoras não se interessam muito pelo programa de calouro, pois não é essa, na opinião de seus diretores-artísticos, a melhor fonte onde procurar material humano. (Couceiro, 1983, p. 62)

Com relação à telenovela (formato inspirado nas radionovelas, onde muitos

atores que pertenciam ao rádio foram aproveitados pela TV), o ator negro, conforme

Couceiro, inseria-se, freqüentemente, em três papéis: em tramas que retravam a

escravidão; em situações pós-escravidão, em que o negro representava profissões de

baixa escolaridade; e quando o intuito era discutir temáticas raciais. Couceiro explica

que

o aproveitamento seletivo do ator negro por parte do realizador de novela parece condicionado por um padrão mais amplo de aproveitamento do profissional negro naquele ambiente de trabalho. Este padrão baseia-se em uma meia -verdade e em dois pressupostos claramente preconceituosos : destes, o primeiro é a idéia de que negros em papéis principais é “anti-IBOPE”, isto é determina a queda do índice de audiência. Na novela em que o autor focalizou deliberadamente problemas raciais, o enredo foi alterado para eliminar, aos poucos, os personagens negros. As explicações dadas pelo autor do “script” foram que o público reagia negativamente ao tema, através de cartas; que os atores negros não têm condições satisfatórias de representar, de “agüentar” o peso do papel. O recurso foi eliminá-los através da alteração do enredo. O segundo pressuposto preconceituoso é a idéia corrente naquele ambiente de trabalho de que o público não gosta de um número muito grande de negros num só programa. Borges Pereira já documenta isto no tocante ao rádio, mostrando como um produtor era muito cauteloso ao dosar a quantidade de participantes negros em seu programa. Aqui está o depoimento de um produtor que mostra como a crença nesta idéia desfavorece o negro, também na televisão: uma novela ambientada em fase escravocrata, tão logo entrou no ar, começou a perder audiência. Houve uma reunião dos responsáveis para buscar explicação para o fato. Sem maiores críticas, partiram do principio de que o excesso de negros era o responsável por isto. Solução adotada: o autor do “script” incluiu no capítulo seguinte uma providencial epidemia que dizimou o grupo de escravos. Resultado: a novela não conseguiu ganhar audiência, demonstrando que o principio alegado é muito mais preconceituoso do que real. Real ou não, condiciona o aproveitamento do ator negro. (Couceiro, 1983, p. 77-78)

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Solange Couceiro, além de investigar os programas produzidos pelas

emissoras televisivas, analisou também o negro na publicidade. Segundo as suas

constatações, o estereótipo se mantém, isto é, a maioria dos comerciais representa a

pessoa negra com características marginalizadas ou subalternas.

Na quinta parte da obra, Solange Couceiro expôs a participação do negro nas

indústrias que alimentam a televisão, ou seja, as gravadoras e estúdios de dublagem.

Como ocorria com o rádio, é muito difícil, de acordo com Couceiro, um negro procurar

primeiramente uma gravadora para mostrar o seu trabalho. A primeira opção de escolha,

para esse público era a televisão. Uma das razões apontadas por Couceiro,

anteriormente discutida por Borges Pereira é a questão do homem negro acreditar que

para ser inserido no mercado fonográfico é exigido um apadrinhamento, relativamente

mais fácil para a população branca.

Já no que tange a dublagem, os profissionais dessa área eram advindos do

rádio, cinema, teatro e da própria televisão. Entretanto, como acontecia nos veículos

comunicacionais citados, o estúdio de dublagem apenas constatou algo que seria fácil de

ser imaginado: a pouca presença do negro nesse mercado.

Nas notas finais, a autora apresentou cinco tabelas (p.104-105),

reproduzidas abaixo, que traçam um comparativo com os dados apresentados por

Borges Pereira em “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”, e por

Couceiro em sua dissertação:

Dados: Rádio: Tevê:

População total: 2.216 (100%) 1.921 (100%)

População negra: 272 (12,2%) 288 (14,9%)

População branca: 1.944 (87,8%) 1.633 (85,1%)

População masculina: 1.854 (83,7%) 1.676 (87,3%)

População Feminina: 362 (16,3%) 245 (12,7%)

Grupo de cor: Rádio: Tevê:

Negro: 272 (100%) 288 (100%)

Homens: 244 (89,7%) 266 (92,4%)

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Mulheres: 28 (10,3%) 22 (7,6%)

Branco: 1.944 (100%) 1.633 (100%)

Homens: 1.610 (83%) 1.410 (86,2%)

Mulheres: 334 (17%) 223 (13,8%)

Setor de Atividade: (Cor e

Sexo)

Rádio Tevê:

Administrativo: 701 (100%) 346 (100%)

Pretos: 139 (19,8%) 66 (19%)

Homens: 123 (17,5%) 62 (17,9%)

Mulheres: 16 (2,3%) 4 (1,1%)

Brancos: 562 (80,2%) 280 (81%)

Setor Técnico: 339 (100%) 534 (100%)

Pretos: 51 (15%) 73 (13,6%)

Homens: 51 (16%) 72 (13,4)

Mulheres: 0 (0%) 1 (0,2)

Brancos: 288 (85%) 461 (86,4%)

Rádio: Tevê:

Programático: 1.176 (100%) 965 (100%)

Pretos: 82 (6,9%) 147 (15,0%)

Homens: 70 (5,9%) 130 (13,2%)

Mulheres: 12 (1,0%) 17 (1,7%)

Brancos: 1.094 (93,1%) 818 (85%)

Solange Couceiro concluiu que

comparativamente ao rádio, a moderna empresa de tevê apresenta estrutura mais complexa. Esta complexidade se nota na diversificação de funções, especialmente

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técnicas, e no aumento de setores de atividades. Além dos setores administrativo, técnico e programático, encontrados tanto no rádio como na tevê, nesta última verificou-se acréscimo do setor comercial. Neste setor a presença do negro é praticamente nula. O setor administrativo da tevê se comparado ao do rádio foi o que mais teve diminuído o número de empregados. O contingente masculino negro seguiu o mesmo ritmo de diminuição do grupo setorial correspondente mantendo-se percentualmente sua participação. O mesmo, porém, não ocorreu com o grupo negro feminino. No setor técnico, onde se verificou aumento considerável do número de empregados, o número de homens negros aumentou, mas sua participação percentual caiu ligeiramente. /a presença da mulher nesse setor continua nula. [...] Na empresa de tevê houve o preenchimento do vazio intermediário por numerosas categorias que terminou na do engenheiro. A participação do negro pouco se alterou: ele continua na base da estrutura do setor, em funções que exigem um mínimo de qualificação, e oferecem baixa remuneração. Talvez aqui a falta de escolaridade tenha pesado de maneira bem clara. O setor programático foi o que mais beneficiou o negro tanto numérica quanto percentualmente, pois nesse setor o número total de empregados caiu, mas o número de negros quase dobrou em relação ao mesmo setor no antigo rádio, embora o grupo feminino não tenha aumentado no mesmo ritmo. (Couceiro, 1983, p. 106-107).

Ademais das tabelas e dessas considerações, assim como Borges Pereira, a

autora acrescentou 12 tabelas anexas. São elas; cinco tabelas com a representação do

número de profissionais que exercem as suas funções nas cinco emissoras pesquisadas;

distribuição quantitativa de profissionais pelo quadro estrutural (segundo setores de

atividades, sexo e cor); total semanal com as horas de programas televisivos; 297

calouros segundo sexo e cor; participação em programas enviados ao ar (calouros) –

observação feita no período de 04 de fevereiro a 11 de julho de 1970; gênero artístico de

121 calouros, segundo a cor; 121 calouros, segundo o nível de escolaridade e cor;

profissão de 56 calouros; e 77 calouros segundo sexo e cor (2ª amostra).

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CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO

DAS DISCIPLINAS MINISTRADAS

PELO PROFESSOR EGON SCHADEN

NA UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO

PAULO

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ENTREVISTAS

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174

Entrevista de Alfredo D’Almeida concedida à Gleice De

Divitiis, em 22 de outubro de 2008:

Gleice – O senhor poderia falar um pouco sobre a sua biografia?

Alfredo – Eu nasci na cidade de Lages, Santa Catarina, em 07 de julho de 1958, mas

vim para São Paulo ainda pequeno. Sou de uma família de classe média: meu pai,

Adailton Dias D’almeida, era bancário e minha mãe dona de casa. Mas eles sempre

valorizaram muito os estudos. Então, eu acabei fazendo o colégio técnico, fiz na Escola

Técnica Federal.

Era o começo da década de 70, censura e tudo mais. E com isso, a juventude da minha

geração vivia um pouco sem perspectiva, com muitas preocupações... Tanto que da

turma que se formou comigo, a maioria foi para a área de História, Humanas. E a

Federal sempre formou quadros para a Escola Politécnica.

Cheguei a trabalhar como técnico em eletrotécnica, pois sempre tive a dúvida se

trabalharia ou não na área técnica. Trabalhei na CESP, durante oito anos e meio. Mas aí

eu optei pelo jornalismo, porque eu tinha que fazer um curso à noite, não tinha como

me sustentar fazendo um curso o dia inteiro.

Logo no primeiro ano de jornalismo, descobri a Filosofia, que era desconhecida até

então. Na escola técnica a gente tinha história e tudo mais, mas o peso maior era para as

disciplinas ligadas à área de formação. Com isso, larguei o emprego de eletrotécnica na

CESP, para ir fazer Filosofia à tarde. Fazia Filosofia à tarde, e jornalismo à noite.

Formei-me em 1981, e me casei com a Ana Paula no mesmo ano. Saímos de São Paulo,

e fomos para o Sul. Ficamos em Florianópolis por uns seis meses, porque eu pretendia

terminar Filosofia. Voltei para São Paulo, porque a minha esposa ainda cursava

faculdade. Ela fazia Letras na USP, e se transferiu para a Federal, porém lá no Sul o

curso era o dia inteiro, eu trabalhava em jornal e rádio, entretanto, ganhava muito

pouco, começo de carreira era assim mesmo.

Em São Paulo, não retomei Filosofia, porque recebi o convite de uma professora de

Sociologia, Irene de Arruda Cardoso, para fazer o mestrado, isso era 1982. Começo a

fazer o mestrado em Sociologia na USP. Tinha um interesse muito grande por Foucault.

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175

Nesse tempo eu era bolsista, mas o pagamento não era em dia. Para um homem casado,

que precisava pagar aluguel, e outras despesas era muito complicado. Agüentei até a

qualificação, e recebi um convite para trabalhar como jornalista, e abandonei o

mestrado. No entanto, agradeço muito à minha orientadora, a Professora Irene, que foi

quem me iniciou na pesquisa científica.

Trabalhei como jornalista para a revista “Exame”, da Editora Abril, como free lancer,

assessoria de imprensa, relações públicas, em rádio. Ingressei na FMU como assessor de

imprensa, e virei um assessor pedagógico. Depois de um tempo, eu saí da FMU, e fui

para uma agência de publicidade. Entretanto, a relação com a academia permaneceu

nesse tempo todo, porque os nossos melhores amigos são professores. Eu acompanhei

mestrado e doutorado de vários amigos meus. Eu lia, discutia com eles, o que me

possibilitou manter esse contato sempre. Depois de trabalhar como publicitário, eu vi

que era hora de fazer o que queria de verdade: dar aula e voltar para a academia. Resolvi

fazer o mestrado aqui na Metodista. Apresentei um projeto na área de propaganda

política. Como eu trabalhava em uma agência, para que eles me liberassem para assis tir

às aulas, eu tinha que fazer algo relacionado à propaganda. Como havia interesse da

agência em começar a trabalhar na área política, foi fácil convencer o dono da agência.

O meu interesse por política ajudou bastante, também.

Fiz o projeto de pesquisa sobre a propaganda política na época do Médici, com o

Professor Adolpho Queiroz. Mas, logo de cara, eu conheci o Professor Luyten que

ministrava aulas na disciplina “História do Pensamento Comunicacional”, juntamente

com o Professor Marques de Melo. Com o Professor Marques, eu fiz a biografia do

Tomás Farkas. O doutorado do Farkas era relacionado com documentários. E eu já

conhecia o trabalho dele com fotografias. E essa área de documentários eu não

conhecia. Vi um documentário dele, “Vitalino o Lampião e o Jornal do Sertão”, e acabei

unindo uma coisa com a outra, porque eu já estava querendo sair da publicidade, pois

isso era só um caminho para eu sair do mestrado e começar a dar aula.

Gleice – Na verdade, o sonho do senhor era ser professor...

Alfredo – Era dar aula, eu sempre tive contato com os jovens na época da agência.

Recebia os estagiários, eu ia dar umas palestras sobre a profissão...

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176

Aí eu conheci o Luyten, o trabalho do Farkas, e o documentário que era um curta

produzido na década de 70, sobre cordel. Quando eu conheci o Luyten e o cordel, eu me

apaixonei. Aí eu fui conversar com o Luyten, e com o Marques de Melo, e mudei o meu

projeto.

A área de cultura de popular era algo que sempre me interessou muito. Ainda na época

de estudante eu cheguei a trabalhar, dentro do movimento estudantil, com os operários

do ABC. Eu tinha uma vontade trabalhar com isso latente. Quando eu mudei de projeto,

eu fui mandado embora da agência. O meu chefe me mandou escolher entre o mestrado

o emprego. Eu conversei com a minha esposa, e fiquei com o mestrado. Arrisquei, pois

começar uma carreira aos 42, 43 anos de idade... Minha esposa fazia mestrado nessa

época. Fizemos o mestrado e o doutorado juntos. Faz um mês que defendi a minha tese

de doutorado. Na verdade, a Ana Paula entregará a tese no começo do ano que vem.

Gleice – E como foi o desenvolvimento do novo projeto?

Alfredo – Meu projeto foi na área de documentário sobre a cultura popular. Era na área

de folkcomunicação, a comunicação voltada para áreas populares. Apresentei o trabalho

para o Luyten, e iniciamos um relacionamento que suplantou a relação mestre/discípulo.

O Luyten e eu éramos amigos. E eu me tornei uma espécie de secretário dele. Nós nos

encontrávamos entre duas e três vezes por semana, na biblioteca que ele mantinha em

um apartamento pequeno que ele tinha próximo à Avenida Brigadeiro Luís Antonio.

Nesse local, nós tínhamos “altas” conversas. Ele me introduziu a esse mundo da cultura

popular. Na verdade, eu pouco conhecia em termos de conhecimento científico, de

leituras. A biblioteca que ele mantinha era fantástica. Em termos de cultura popular, a

biblioteca do Luyten batia 90% do acervo das universidades existentes. E através dele,

eu passei a conhecer vários artistas populares.

A grande virtude do Luyten estava no fato de não se limitar aos muros da academia. Eu

aprendi com ele isso. Aí eu fiz o mestrado aqui na Metodista. E quando eu saí da

agência, o Luyten sofreu um infarto, e aí ele me pediu para que eu o substituísse nas

aulas de graduação na Metodista. Eu o substitui durante um mês, ele retornou e, por

coincidência, a professora que ministrava “Antropologia Visual” recebeu um convite

para ir à Europa, e o coordenador do curso, o Professor João Plaza, que fazia mestrado

junto comigo, sabia do meu “pezinho” na Antropologia, e perguntou se eu queria

trabalhar como professor substituto durante dois meses. Eu aceitei, e a professora foi

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177

para Paris, e não voltou. Aí eu fui efetivado no semestre seguinte. Eu estava acabando o

mestrado, e querendo começar um doutorado. Pois se você pensa em seguir a carreira

acadêmica, é inevitável o doutorado. Seis meses após a conclusão do mestrado, eu

resolvi fazer um projeto, só que eu não apresentei na Metodista. Creio que é importante

mudar de ares e conhecer outras instituições. Um amigo meu me indicou um programa

de pós-graduação interdisciplinar da USP, chamado “Prolam”, Programa de Integração

da América Latina. E a minha pesquisa não era algo focado somente na Comunicação.

Uma coisa que eu aprendi com o Luyten é a impossibilidade de ficar restrito apenas a

uma área do conhecimento. E eu optei pelo Prolam. O meu doutorado foi uma

continuidade do mestrado. Eu trabalhei a relação entre o cineasta e o entrevistado nos

documentários sobre cultura popular no Brasil e Argentina. Fui orientado pelo Professor

Afrânio Cattani. Um sociólogo que dá aula na pós-graduação de Pedagogia. O

interessante é que você se abre um pouco, não fica “preso”. Dessa forma, você utiliza

ferramentas da Antropologia, Semiótica, Sociologia. Não fica fechado em um foco

somente. Mas eu continuei me especializando. Hoje a minha área de especialização é

documentário. Dou aula de Antropologia Visual, de documentário. Faço parte de um

grupo de pesquisa lá na USP, chamado “Arianda”, que pesquisa documentário. Fomos

convidados para dar cursos no SESC de São Paulo, e atualmente estamos ministrando

um curso na USP de Ribeirão Preto, tudo nessa área. E o meu foco é o documentário

sobre cultura popular, mas voltado muito mais para essa relação que se estabelece entre

o cineasta (que é de uma determinada cultura) e o entrevistado (que é de uma outra

cultura). O que resulta dessa relação? O que gera de significado dentro desse

relacionamento com as pessoas?

Gleice – Voltando ao mestrado, quais foram os resultados que o senhor considera

relevantes na pesquisa realizada?

Alfredo - É perceber o quanto pouco é valorizado esse contato com a cultura popular.

Eu fiquei afastado da academia por quase 20 anos, e fiquei muito surpreso ao constatar

que o debate continuava o mesmo, só que menos profundo do que era na década de 70,

quando terminei a graduação. O debate tinha mais substância, talvez uma meta política,

interesses políticos por trás. Depois de 20 anos, eu percebo que a comunicação popular

ainda é pouco vista, pouco valorizada. A discussão daquela época, anos 70, parece que

estava voltando agora, mas sem levar em conta, o que já se havia comentado. A área de

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178

comunicação me surpreendeu muito por perceber que as pessoas começam tudo do zero,

como se não houvesse um conhecimento todo sendo construído. É uma coisa que o

Luyten falava muito. O relacionamento que eu tinha com os professores do mestrado era

diferente do que os meus colegas, eu era um dos alunos mais velhos da turma, e

criticava, dava sugestões aos docentes...

No meu mestrado eu recuperei Gramsci, e aí eu descobri que apesar da leitura de

Gramsci ter iniciado no Brasil depois de outros países da América Latina, se perdeu

durante muito tempo a obra dele como referência para se discutir a posição do

intelectual dentro da sua relação com as outras culturas. No entanto, eu sempre fui um

pouco contra colocar um nome, por exemplo, a questão de “Folkcomunicação” ou

“Folkmídia” ou “Cultura Popular”. Apesar de ter que discutir esses conceitos no

mestrado, porque era a linha de pesquisa que eu estava seguindo, eu procuro dar uma

maior amplitude, até das discussões que eu tinha com o próprio Luyten.

O resultado da dissertação foi uma mistura de Comunicação, Antropologia... Tanto que

poderia ser defend ida nas Ciências Sociais, na Sociologia, no Cinema, na Comunicação

e na Antropologia.

Gleice – Em quais faculdades o senhor lecionou até hoje?

Alfredo – Aqui na Metodista, e em uma faculdade pequena de São Paulo, chamada

Montessori, lá eu lecionava para o curso de Publicidade e Propaganda, as disciplinas

Pesquisa de Mercado e Sociologia da Comunicação. Mas devido ao doutorado, eu

preferi me dedicar a apenas uma instituição, e decidi ficar na Metodista. Fiquei dois

anos na Montessori, e estou há cinco na Metodista.

Gleice – Voltando a falar um pouco da vossa biografia: o senhor tem filhos?

Alfredo – Tenho duas filhas. A Júlia, com 21 anos, que é atriz e está fazendo História

na USP. E a Silvia que está concluindo o Ensino Médio, com 18 anos de idade.

Gleice – E como funciona a disciplina Antropologia Visual aqui na Metodista?

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Alfredo – É uma disciplina que deveria ser oferecida para todos os cursos com ênfase

em audiovisual, mas poucas universidades oferecem a matéria. Antropologia Visual é

uma disciplina básica para você poder entender a relação entre as diferentes culturas e a

maneira como as diferentes culturas se registram a si próprias ou as outras, e a relação

do homem com esse tipo de ferramenta.

A disciplina não é voltada para a teoria antropológica, porque os próprios antropólogos

ainda divergem sobre o que é Antropologia Visual. É uma área muito recente, tem no

máximo 30 anos. Alguns antropólogos se utilizavam do vídeo para registrar rituais,

tribos, etc. É a partir da década de 70 que se começa a definir o que é, e o que não é um

documentário antropológico. Eu fujo desse tipo de discussão, pois é algo conceitual que

não se leva a nada. O que me interessa mais sobre a Antropologia Visual é perceber que

é necessário ouvir a opinião do outro sobre determinado fato cultural que foi criado

naquela sociedade. É você não subir em um pedestal, e definir o significado de algo que

você não conhece. É perceber que as coisas só são explicadas a partir da sociedade que

produz o fato, e da relação entre as pessoas. E isso é muito importante para as pessoas

que irão trabalhar com audiovisual.

Aqui essa disciplina é ministrada no curso de Rádio e TV . O primeiro semestre é

introdutório, trabalho com as teorias de Levi Strauss, Bronislaw Malinowiski, entre

outros. No segundo semestre, trabalho com registro de imagem de outras culturas.

Trabalho com documentário, e os textos dos próprios documentaristas. E sempre peço

um trabalho de campo. No curso de cinema, eu leciono Documentarismo. Em todas as

disciplinas eu entro nessa questão da Antropologia da Comunicação, ou seja, como um

ritual, um comportamento, um artefato cultural é entendido como um valor

comunicativo para uma determinada sociedade.

Gleice – O senhor se considera um antropólogo da Comunicação?

Alfredo – Eu não sei, é difícil definir com exatidão a Antropologia da Comunicação. Eu

sei que existem estudos dentro dessa área. A imersão do próprio Egon Schaden na

Comunicação. Definir é muito difícil. Agora eu valorizo o ferramental da Antropologia,

sim.

A Comunicação é um campo, mas é um objeto também, a gente não pode esquecer isso

nunca. E essa relação campo/objeto faz com que a Comunicação permeie qualquer outra

área. O sociólogo estuda Comunicação; o lingüista estuda Comunicação; o pedagogo

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180

estuda Comunicação. E nós comunicólogos também estudamos, e temos que conhecer o

ferramental da Pedagogia, da Sociologia. Por exemplo, se você for estudar programas

educativos, e não saber nada de Pedagogia será difícil fazer alguma coisa. Eu trabalho

com Cultura Popular, então tive que ir atrás da Antropologia, da Sociologia.

O Luyten, por exemplo, era um antropólogo da Comunicação. E por quê? Porque era

uma pessoa que não se limitava a fazer a pesquisa através de referências que chegavam

a ele. Ele ia conhecer, tinha um contato constante com os artistas populares. O que ele

recebia de correspondências diárias, era algo inacreditável. E ele respondia a todas. E

esse contato constante é o respeito pelo outro. É você tentar entender aquela

manifestação.

O cordel, que era a especialização do Luyten, por exemplo: ele queria entender o cordel

como o próprio artista popular dava sentido para o cordel. Nós que somos urbanos,

damos outro sentido para o cordel. E isso que gera o embate. É importante tentar deixar

os nossos preconceitos de lado, e tentar entender o outro. E o Luyten me ensinou muito

sobre isso. Eu saia com o Luyten de sábado pela manhã, para irmos às feiras de arte

popular, e ele conhecia todo mundo. Ele tinha contato direto com as pessoas. Nós, hoje

em dia, viramos comunicólogos de gabinete, o que era o antropólogo até o século XIX.

Além de conversar, o Luyten sabia ouvir. Pensar a Antropologia da Comunicação como

uma área que entende a questão cultural como algo que tenha um valor comunicativo, o

Luyten era um antropólogo da Comunicação.

Gleice – E quais foram os professores do senhor aqui na Metodista?

Alfredo - Adolpho Queiroz, José Marques de Melo, Jacques Vigneron, o próprio

Luyten e a Cicilia Peruzzo, professora que admiro muito. É uma pessoa maravilhosa.

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Entrevista de Dalva Aleixo Dias, concedida à Gleice De

Divitiis no dia 02 de outubro de 2008:

Gleice – Antes de mais nada, eu gostaria que a senhora falasse um pouco sobre a

sua biografia:

Dalva – Nasci em 05 de março de 1961, em uma cidade pequena do interior de São

Paulo, chamada Óleo, próxima a Águas de Santa Bárbara, que é uma estância

hidromineral. É uma terra de migrantes. É uma região onde existem muitos migrantes e

imigrantes que foram tentar a vida lá. Eu vim para Bauru em 1979, com o objetivo de

estudar. A vontade de pesquisar extremos da sociedade, talvez tenha surgido ainda na

minha cidade.

Algo que era relevante lá era o preconceito com as religiões africanas de uma forma

geral, pois o catolicismo predominava. Mas eu sempre combatia isso: tinha amizade

com a professora espírita, com o maçom...

Falando um pouco da minha família: meu pai se chamava Olavo Aleixo Dias, e minha

mãe se chamava Maria Gardim Dias, de descendência italiana. Na realidade, eu sou uma

típica brasileira, com uma mistura grande de etnias. Quando cheguei a Bauru trouxe a

minha família, e logo depois, me casei, tive as minhas filhas e um neto.

Comecei aqui em Bauru a pesquisar a questão regional, interessava-me muito a questão

regional. Como eu sou formada em jornalismo e relações públicas, voltei-me à mídia

regional, como as emissoras transformavam o cotidiano das pessoas, a cultura... Esse foi

foco foi direcionado para a conclusão do meu TCC. No curso de relações públicas, eu já

trabalhava na Secretaria da Cultura, e aí eu fiz um levantamento das instituições e

atividades culturais da região.

Quando eu fui para o mestrado, tinha o interesse pelas disciplinas ligadas aos

fenômenos da cultura popular, principalmente a religiosidade. E atualmente eu ministro

aulas na Unesp de Bauru nos cursos de jornalismo, radialismo e relações públicas.

Oriento muitos alunos na área de da Comunicação Cultural. Tenho uma atuação grande

na área de gestão cultural.

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Gleice – Por que a senhora decidiu direcionar a pesquisa para a re ligião umbanda?

Dalva – É a questão do mistério. Pra mim o desconhecido sempre foi um desafio. Ter

medo é uma limitação muito grande para o ser humano. E para a minha investigação, e

as reportagens que eu fazia... Eu levava tudo como forma de vencer as incertezas que o

medo nos traz.

Quanto à minha pesquisa, primeiro eu vi que existia preconceito contra o espiritismo.

Então, eu estudei toda a doutrina do kardecismo, para entender o porquê de pessoas tão

boas, às vezes, serem chamadas de “bruxa”, “macumbeiras”, ou algo do gênero. Então,

eu passei a entender a questão da cultura. E a mesma coisa ocorria com o preconceito

contra a maçonaria. Com isso, eu passei a defender o espiritismo, a maçonaria, a

umbanda, todas as coisas que eram repelidas pela maioria da população.

Gleice – A senhora segue alguma religião que, de certa forma, é marginalizada no

Brasil?

Dalva – Eu sou brasileira também nisso. É uma vela num canto para cada santo (risos).

Eu sou uma típica brasileira.

Gleice – A senhora pode falar um pouco do projeto de mestrado que foi proposto

na ECA?

Dalva – Eu me interessava muito pelas religiões populares. Eu encaro muito essa coisa

de “arte adivinhatória” como uma espécie de “psicanálise de pobre” . Não tenho nada

contra pobre, não é isso. O que eu quero dizer é que, às vezes, existem pessoas que

podem pagar pelo psicólogo, pelo médico. E aquelas que não podem pagar, buscam essa

fé, um conselho através da vidência.

Para fazer o mestrado eu fui para São Paulo, porque aqui não tinha o curso, e a USP era

um dos poucos locais que existia a pós-graduação. Cursei seis meses como aluna

ouvinte, depois mais um ano e pouco como aluna especial. Só depois que eu ingressei

como aluna regular. Eu não tinha pressa. Na época eu fiz contato com algumas pessoas

que pesquisavam sobre relações raciais e preconceito no Brasil. Essa era até o nome de

uma disciplina que o Oracy Nogueira ministrava na FFLCH, “Relações Raciais e

Preconceitos”. E o Ismar de Oliveira Soares dava “Comunicação, Mitos, Ritos e Classes

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Sociais”, na ECA. Eram professores muito queridos pelos alunos, e a maioria cursava

essas disciplinas.

Aí eu tinha duas coisas: a primeira é que eu tinha um contato grande com as pessoas que

exerciam “arte adivinhatória” aqui em Bauru. Na cidade que eu nasci, apesar do

preconceito, não existia médico, era só o farmacêutico e a benzedeira. Aliás, eu não sei

quem era mais importante. Eu acredito que as pessoas iam mais às benzedeiras. Com

isso, eu comecei a pesquisar as benzedeiras, tanto de origem africana/indígena, como as

de origem européia. O primeiro trabalho que fiz com o Ismar, em 1988, foi sobre as

“artes adivinhatórias” em Bauru. Eu fiquei surpreendida com o que vi. Gente que

poderia superar todos os limites da vida humana com magia, gente boa, ruim, muitos

interesses pessoais, e o cruzamento de classes sociais nos terreiros. Para você ter uma

idéia, o local onde as benzedeiras “trabalhavam” era a porta da frente dos terreiros. Na

verdade, era uma fachada socialmente aceitável, para “encobrir” um fundo socialmente

não aceitável.

Relacionei-me bastante com um grupo que pesquisava sobre as questões étnicas, do Rio

Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Angola e Nigéria. Foi uma

interação muito válida, uma troca de experiências muito satisfatória. Era um grupo

muito grande, que estudava em diversos departamentos da USP.

Gleice – Então existia uma integração da ECA com os outros departamentos? Da

ECA e FFLCH, por exemplo?

Dalva – Totalmente. Nós que éramos da Comunicação, cursávamos disciplinas que

eram da Antropologia. No meu caso, as disciplinas que eram fora da ECA, eram todas

da Antropologia. Na verdade, os professores da ECA, que nos davam aula, eram da

Sociologia, da Antropologia...

Gleice – Isso significa que a senhora não encontrou, na década de 80, “barreiras”

pelo simples fato de estar vinculada à ECA?

Dalva – Não. Eu não sentia que existiam barreiras. Está certo que nós vivíamos ali na

ECA e, às vezes, éramos taxados como “loucos”. A visão que se tinha sobre a ECA era

do rebelde, da oposição ao sistema. Mas também a FFLCH sofria com essa visão de

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opositores. As duas faculdades eram as mais repelidas. O que acontecia com a

Comunicação, é que esse campo não era visto como uma ciência hegemônica,

autônoma.

Gleice – Como era o relacionamento da senhora com a Professora Solange

Couceiro? Como a senhora chegou até lá?

Dalva – Eu comecei a fazer as disciplinas. Conheci a Solange cursando a disciplina

dela. Na ECA existiam duas linhas de pesquisa básicas: a questão da resistência

cultural, que passava por uma análise com os estudantes de países próximos como o

Uruguai e Paraguai, e outros países, e nós trabalhávamos juntos nisso. A outra linha era

ligada à questão da Comunicação e da cultura direcionada mais à representação das

etnias. E aí entrava a Solange com a questão dos negros na imprensa, e a Dilma Melo e

Silva com a representação dos negros nas artes, com o processo de aculturação. É lógico

que todo orientador vai passar para você, todo o embasamento que ele tem. E isso

ocorreu com a Solange. Eu “li da mesma cartilha” que o João Baptista Borges Pereira

passou à Solange. Mas a Solange dava total abertura para pesquisar outras coisas. Pra

mim, ela foi democrática, aberta, e muito solidária com a gente, enquanto estudante.

Eu sempre considerei que o suporte teórico que a Solange defendia era essencial para os

estudantes de Comunicação naquele tempo, isto é, a base nas Ciências Sociais. A

Solange, o Ismar e a Dilma sempre orientaram nesse sentido. E eu seguia, pois sempre

acreditei que eles estavam certos, e aí eu fiz uma extensa pesquisa de campo sobre a

umbanda. Na ECA, os estudos sobre televisão, rádio, comunicação de massa e outros

prevaleciam. Ainda durante a década de 80, a televisão era “endeusada”. O meu grupo

era uma minoria. Dentro da ECA éramos um pouco hostilizados, mas não de uma

maneira agressiva, pelo objeto que escolhemos para investigar. Sempre tinha alguém

que perguntava por que estávamos estudando isso ou aquilo, com tanta coisa que eles

julgavam mais importante. Não se dava importância para os estudos da Comunicação e

das minorias.

Gleice – E a tese de doutorado da senhora?

Dalva – Estou concluindo o doutorado, mas, na Universidade de La Laguna, na

Espanha. Fiz toda a pesquisa, porém não defendi. Mas eu continuo nessa linha de

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Comunicação e sociedade. Eu fui para as Ilhas Canárias, pensando em estudar religiões

sincréticas afroamericanas. As Ilhas Canárias são um lugar estratégico, pois é um centro

de encontro entre África, Europa e América. Mas aí eu comecei a estudar a questão da

imigração, que se transformou na minha tese.

Gleice – Em quais autores a senhora se embasou para a pesquisa do mestrado?

Dalva – Usei João Baptista Borges Pereira, Oracy Nogueira, Roberto da Mata, Renato

Ortiz, Nina Rodrigues. Os clássicos relacionados aos afrobrasileiros. Utilizei poucos

referenciais comunicacionais para compor a dissertação.

Gleice – Depois de realizar tantos estudos na área na antropológica, a senhora se

considera uma antropóloga da Comunicação?

Dalva – Hum...Eu acho que seria muita pretensão, mas eu posso garantir que eu faço o

melhor para manter as relações com a Antropologia e com a Comunicação. Eu não

“mergulhei” profundamente nos dois campos: Comunicação e Antropologia. Eu

acredito que deveriam ter dentro da Antropologia estudos referentes à Comunicação e

vice-versa.

Gleice – E como a Antropologia da Comunicação é trabalhada aqui na Unesp?

Dalva – Eu acho um absurdo, totalmente incoerente, que em um contexto de

globalização, de internacionalização de mercados, com essa diversidade cultural, que

em uma faculdade de jornalismo não se discutam esses temas. Aqui nós temos

disciplinas como Cultura Brasileira e Antropologia Cultural. O foco das disciplinas

centra na questão das identidades culturais, grupos e identificações. A Cultura Brasileira

é mais específica, trabalha a composição da cultura brasileira, os elementos dos diversos

“Brasis”. E isso tem rendido muitos trabalhos sobre cultura: migrações nordestinas,

artesanato, torcidas de futebol. A Unesp está muito bem nessa área. Toda a visão de

relacionamento entre as culturas é muito forte aqui.

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Gleice – O que a senhora tem a dizer sobre as novas gerações que estão difundindo

a Antropologia da Comunicação no Brasil?

Dalva – Eu tenho vários alunos que estão trabalhando com a questão da cultura e da

Comunicação. Muitos deles saíram para trabalhar em órgãos relacionados à cultura.

Hoje em dia, tenho alunos que trabalham em diversas unidades do “SESC”, no Estado

de São Paulo, como agentes de cultura, e gestores, e outras funções. Tenho alunos que

trabalham na Secretaria da Cultura. Outros são comunicadores fortemente ligados à

cultura.

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Entrevista de João Baptista Borges Pereira concedida à Gleice

De Divitiis, em 19 de agosto de 2008:

Gleice - O senhor poderia falar um pouco sobre a sua biografia? JBBP – Nasci no dia 23 de julho de 1932, em Santa Cruz do Rio Pardo, cidade do

interior paulista. Meu pai se chamava Antônio Bento Borges Pereira, e minha mãe,

Eurídice Borges Pereira.

Sou de descendência tcheca, meus bisavôs eram tchecos. Meu pai é fruto da primeira

geração de um grupo que saiu de uma região limítrofe localizada entre os municípios de

São João da Boa Vista (SP) e Poços de Caldas (MG). Esse grupo recebeu a

denominação de mineiros. Meu avô foi um dos mineiros que desbravou o sertão daquela

área. Papai nasceu já em Santa Cruz do Rio Pardo. Era bastante rústico. Mamãe já era

da cidade. Estudou em um colégio católico sofisticado de Botucatu.

Eu era um menino da vida rural, só fiquei mais urbano, quando vim para o Grupo

Escolar. Tive uma infância tranqüila: ordenhava vaca, carpinava mato... Eu vim para a

cidade para estudar. Papai já era comerciante quando fiz o ginásio e o curso normal.

Não fiz o curso Clássico ou Científico, que me permitiriam ingressar em cursos

superiores que não fossem ligados diretamente ao magistério, porque não tinha

condições financeiras de sair da minha cidade.

Eu já tinha me casado com a Maria Tereza quando cheguei em São Paulo. Casei bem

jovem, com 19 ou 20 anos de idade. Maria Tereza veio comigo, e o pai dela queria que

ela estudasse, matriculei-a em um colégio muito famoso na época, chamado Eduardo

Prado. Conclui a faculdade ao mesmo tempo em que minha esposa concluía o colégio.

Tinha uma preocupação grande pela Sociologia. Sempre quis estudar Ciências Sociais.

Quando cheguei em São Paulo, não me deixaram prestar vestibular para Sociologia.

Entrei na Pedagogia, mas não agüentei o curso. Fui para a minha terra, e logo depois,

voltei para cá (São Paulo). Aí o Jorge Nagle, que era reitor da Unesp me ajudou,

avisando-me a respeito de um novo vestibular na FFCL. Dessa vez, prestei o vestibular

para Ciências Sociais, amparado por um mandado de segurança.

Para se ter uma idéia, muitas coisas sobre a vida universitária aprendi na prática, lá

dentro. Só fui saber que existia cursinho pré-vestibular quando entrei na universidade.

Enquanto estudava, dava aulas para os cursos primários da periferia da capital. Aliás,

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foi durante a graduação que eu cometi duas traições. Eu sempre falo que tenho duas

traições na minha vida: a primeira é que eu traí História pela Sociologia; e a segunda é

que eu traí a Sociologia pela Antropologia.

Hoje sou pai de duas filhas: Flávia (historiadora empresarial) e Valéria (advogada), e

avô de seis netos: Marina, Helena, Ana Lídia, Raquel, João (nome recebido em

homenagem ao avô) e Vitor. Entretanto, nunca seduzi ninguém da minha família a

seguir a carreira antropológica. Cada um seguiu o seu caminho, e fico muito satisfeito

com isso.

Gleice – Como o Professor Schaden deixou a cadeira de Antropologia para o

senhor?

JBBP - O Professor Schaden se aposentou da FFLCH muito precocemente. Ele dava

aula um ano sim, um ano não. Seis meses ele lecionava na USP, e os outros seis em uma

universidade alemã. Embora o Schaden cultivasse muito a cultura alemã, ele era neto de

alemães. O pai dele Francisco Schaden já era professor. A casa de Schaden, ele e as

coisas dele tinham a tradição alemã. A mulher dele, surpreendentemente, ela era alemã,

mas muito brasileira na questão cultural.

Aí está o problema que eu vou te contar: ele dava aula aqui na USP, e na Universidade

de Bonn, na Alemanha, eu mesmo quando estava fazendo a minha livre-docência sobre

italianos na Universidade de Roma, além de dar aula lá, e eu fui assistir a uma palestra

do Schaden, porque ele era o meu catedrático. Schaden se aposentou aos 50 e poucos

anos da FFLCH, no auge da carreira. Ele tomou essa atitude, porque supostamente iria

assumir uma cátedra na Universidade de Bonn, na Alemanha. No entanto, a

Congregação exigiu ao Schaden que deixasse um livre-docente na cadeira. E a cadeira

não tinha livre-docente. Só tinha doutores. Na época, os únicos doutores da cadeira

eram a Eunice Durham e eu. A Ruth (Cardoso) ainda não era doutora, nem a Gioconda,

nem a Yolanda (Lhullier dos Santos).

Nesse momento, estava preparando a minha livre-docência, eu era professor-assistente

do Schaden. Dessa forma, o Schaden pediu que eu preparasse o mais rápido a minha

livre-docência, porque ele precisava de mim para ir à Alemanha. Eu preparei a pesquisa,

eu marquei a data da defesa, defendi, e o Schaden se aposentou. Assumi a cadeira e,

com isso, fui contratado por dois anos como catedrático. Depois, antes de abrir o

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concurso para a cátedra, transformaram em departamento, e eu fui chefe do

Departamento de Antropologia.

Quando assumi a cadeira de Antropologia era muito jovem, tinha 30 e poucos anos de

idade. Não era época ainda, eu deveria amadurecer mais. Mas quem vetou a ida de

Schaden à Alemanha, foi a sua esposa. A Dona Margareth Schaden era muito mais

brasileira do que muito nativo do nosso país. Ela não conseguia imaginar a

possibilidade de ir viver na Alemanha. Quando Schaden cogitou, essa hipótese, logo se

mostrou contrária a tal decisão. E o Schaden não teve outra alternativa senão ficar aqui

em São Paulo.

Mas primeiro ele viajou por todas as universidades sul-americanas, e quando esgotou

esse itinerário, ele veio para São Paulo. E eu fiquei muito chateado de ver o Schaden,

um grande intelectual parado. E assim eu o indiquei para Santo André, para a Fundação

Santo André. Eu havia sido professor lá, porque a Universidade de São Paulo concordou

em enviar professores para trabalhar durante um ano lá.

Quando eu saí de lá eu deixei o Professor Hiroshi Saito, que era da Sociologia Política.

Aí o Schaden foi para Santo André durante mais ou menos um ano, e quem era o diretor

da Eca... eu não lembro o nome, mas eu falei com essa pessoa sobre o Schaden, e eu

arranjei o Schaden para a ECA, porque ele era um grande nome. E com isso, o Schaden

inaugurou, na ECA, a cadeira de Antropologia da Comunicação. E chamou a Solange

para ser assistente dele lá na ECA.

Gleice – E como está, hoje, esse departamento de Antropologia da Comunicação lá

na ECA?

JBBP – Eu não sei. Eu sei que estava a Solange, a Aparecida Baccega. Quando o

Schaden chegou, criou-se a disciplina, no entanto, que todos os filmes etnográficos

estão lá na ECA. Eu sei, porque fiz um acordo, tanto que fiz uma relação e a publiquei

na Revista de Antropologia. O Schaden foi quem inaugurou, em termos institucionais, a

Antropologia da Comunicação. E eu fiz um trabalho apenas. Tenho o mérito de ter feito

esse trabalho, mas o Schaden criou uma reflexão permanente sobre a Antropologia da

Comunicação.

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Gleice – O Professor Schaden se utilizava de muitos referenciais teóricos de seu

orientador, o Professor Emílio Willems?

JBBP – O Willems foi o fundador da cadeira de Antropologia. Antes Levi-Strauss dava

aula, mas não tinha criado a cadeira. Agora o Willems foi o chefe de Schaden, e

também, meu professor. E depois o Schaden foi o meu professor desde a graduação. Foi

Schaden quem me converteu para a Antropologia com suas aulas sobre as “Populações

Pigméias”. Era uma aula lindíssima. Fiquei fascinado, e virei antropólogo na mesma

hora. E acho que o Schaden tem esse grande mérito pelo trabalho da ECA.

Gleice – E como era o relacionamento do senhor com o Professor Schaden?

JBBP – Eu era um dos poucos professores que chegou a freqüentar a casa do Professor

Schaden, e ele freqüentou também a minha. Tenho uma admiração enorme por ele. Ele

era brilhante. As aulas dele eram cinematográficas. Schaden “competia” com o Antônio

Cândido.

Mas o Schaden tinha uma coisa parodoxal. Eu digo isso porque apesar de

cinematográfico, ao mesmo tempo, ele era anti-cinematográfico. Ele não movia um

músculo do rosto quando falava; não era de gestos exuberantes. Schaden jogava com

duas coisas: com a voz e com o cachimbo. Ele chegava à sala, sentava, e começava a

aula. Ele tinha uma voz grave, e criava um ritmo crescente, de suspense em classe.

Quando você tinha a impressão de que ele já tinha falado tudo, ele dava uma parada e

retomava, dizia: “Maaassssssss...”, e gerava um clímax. Já o Cândido era alegre, imitava

as pessoas. Cada um tinha um estilo próprio. No entanto, a erudição do Schaden

impressionava. Ele foi um dos grandes professores ainda...

Gleice – Quando o senhor iria fazer o doutorado, que seria “Cor, Profissão e

Mobilidade”, creio que o senhor enfrentou alguns problemas com o Professor

Florestan Fernandes. Isso procede?

JBBP - O meu orientador, de acordo com o meu projeto de pesquisa, deveria ser o

Professor Florestan Fernandes, porque ele realmente trabalhava com a questão das

relações raciais. O Florestan coordenava essa linha de pesquisa na época. Fiquei muito

disposto a fazer um trabalho sobre relações raciais, quando Octávio Ianni, Ruth

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Cardoso, Fernando Henrique Cardoso e eu fizemos um trabalho de campo sobre os

negros nas áreas meridionais do país. Aí escolhi falar sobre o negro no rádio, porque

ninguém ainda tinha feito nada sobre o assunto. Existiam trabalhos sobre o futebol, mas

não sobre a questão racial no rádio. Levei meu projeto sobre o negro no rádio para o

Florestan Fernandes, e ele disse: “Eu não quero mais trabalhar com isso. Se você quiser

fazer o doutorado comigo, você terá que estudar a comunidade do café”. Eu fiquei

desapontado, porque o Florestan foi um grande “scholar”. Eu respondi que eu não

gostava desse assunto. E o Florestan replicou: “Não, tem que fazer isso, porque o

Fernando (Henrique Cardoso) está fazendo um trabalho sobre o capital acumulativo da

indústria do café de São Paulo, e precisa ter um trabalho sobre a proposta que eu estou

indicando a você. E você é bom para isso”. Então disse que tudo bem. Aí eu fui até

Xavantes, uma cidadezinha que fica próxima a Ourinhos (Estado de São Paulo), e que

as ruas terminam em fileiras de café. Fiz o que precisava, voltei e mostrei o novo

projeto ao Florestan. Ele olhou e comentou: “Ah, era isso mesmo o que eu que ria”.

Quando ele falou isso, eu tive uma soma de irritação, rasguei o projeto e disse: “Tchau,

professor”. Ele se virou e retrucou: “Você está louco?”, e eu respondi: “Eu não quero

fazer isso, tomei consciência de que eu não quero fazer isso”. E ele, nervoso: “Eu

também não quero orientar!”. Desci as escadas, e encontrei o Professor Schaden.

Perguntei ao Schaden se ele aceitava me orientar, e ele contestou: “Se você me ajudar,

eu te oriento”. Na verdade, quem me orientou efetivamente (Egon Schaden foi um

grande crítico) foi o Oracy Nogueira, meu orientador no mestrado. Entretanto, o

Schaden também me apoiou muito. No capítulo derradeiro, Schaden foi decisivo nas

críticas.

Gleice – “Cor, Profissão e Mobilidade” foi a única obra produzida pelo senhor

sobre Antropologia da Comunicação, além dos artigos?

JBBP - Sim, além dos artigos. Trabalho de fôlego, não. Depois eu publiquei Escola

Secundária, e depois os trabalhos sobre os italianos.

Gleice – Então o senhor não se considera um antropólogo da Comunicação?

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JBBP - Eu não me considero um antropólogo da Comunicação. Fiz o trabalho (“Cor,

Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”) com amor. E acho que fiz com

muito carinho. É um trabalho que todo mundo cita, me procura por ele. É um trabalho

que me abriu muito o campo, principalmente para a Comunicação, porque sou muito

convidado a participar de debates em veículos da mídia, por causa dele. Quando

participei pela 3ª ou 4ª vez de debates na Rede Bandeirantes sobre o assunto, recebi

propostas para trabalhar na TV, mas eu recusei porque não queria me transformar em

uma espécie de jurado do Programa Silvio Santos (risos).

Gleice – Então, o senhor se considera um antropólogo ligado às questões raciais? E

o rádio foi apenas um pano de fundo?

JBBP – Sim. Na realidade, o rádio foi um pano de fundo para as minhas observações.

Foi algo que tratei com muita consideração e carinho, que me permitiu participar de

várias bancas examinadoras e de outros eventos. Ninguém queria trabalhar com o rádio.

Era uma espécie de “lixo” da cultura.

Eu conto sempre esta história: estávamos o Carlos Guilherme Mota e eu no avião, ele

me perguntou como eu tinha coragem de apresentar, naquela época, um trabalho

duplamente fora de moda, ou seja, o rádio tinha saído da moda, e o negro igualmente.

Eu talvez entrei nesse projeto por ingenuidade, por prazer de fazer. E se tornou um

referencial, pois é incrível o número de pessoas que me procuram por esse trabalho, é

uma penetração inacreditável.

Gleice – O senhor utilizou o rádio como pano e queria trabalhar as questões

raciais...

JBBP - ... Eu queria juntar com o “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de

São Paulo”, a visão sociológica mais próxima da “Escola Antropológica Inglesa” e a

“Antropologia da Cultura”. Então, o único jeito era pegar uma instituição cuja estrutura

apresentasse algum grau de complexidade. E eu peguei a estrutura radiofônica, que na

época era muito complexa. Meu trabalho pegou um contexto micro-estruturado. Fechei

e analisei.

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Gleice – Dentro desse contexto, o senhor identificou o fenômeno das “Macacas de

Auditório”. Como foi fazer essa identificação?

JBBP - O trabalho também identificou as “macacas de auditório”. Naquela época, o

pessoal que participava do auditório não era pago para fazer isso. O rádio era uma opção

de lazer. O termo “macacas de auditório” era muito utilizado pelos próprios animadores.

Aí eu simplesmente relatei o fenômeno no meu trabalho. Mas no fundo, posso afirmar,

que a expressão tem um componente racista.

Gleice – Quem foram os professores do senhor na pós e na graduação?

JBBP – Foram Emílio Willems, Oracy Nogueira, Cândido Procópio Ferreira de

Camargo, Hiroshi Saito e o Schaden, na pós. Na graduação: Egon Schaden, Gioconda

Mussolini, Florestan Fernandes, Lourival Gomes Machado, Roger Bastide, entre outros.

Gleice – E como a Professora Solange Couceiro chegou até o senhor? Ela foi vossa

aluna na graduação?

JBBP - Ela foi minha aluna de graduação, na História. E depois que ela fez a faculdade

de História, ela ingressou na pós-graduação em Antropologia. A Solange era muita

ligada ao cinema, porque o pai dela era da área.

Gleice – E a Solange foi a primeira orientanda do senhor? Vocês mantêm contato?

JBBP – Sim. Quanto ao contato: é pouco, esporádico. Ela está em uma área, e eu em

outra.

Gleice – A Solange fez uma análise comparativa com a obra do senhor. Ela

apontou, inclusive, que a estrutura televisiva da época em que ela realizou a

pesquisa tinha muito a ver com o rádio, no período em que o senhor pesquisou. O

que o senhor tem a dizer sobre isso?

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JBBP – No começo, a televisão brasileira era o rádio. Tanto que aquele slogan do

Chacrinha: “Nada se cria, tudo se copia”, era válido. O padrão de criação na televisão

era a capacidade de imitação. Se um faz um programa, e dá certo, todo mundo vai atrás.

E acho que não mudou até hoje.

Gleice – E quem foram os vossos contemporâneos? Quais foram os antropólogos

que estudaram com o senhor na USP?

JBBP – Eunice Duhram, Ruth Cardoso, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, entre outros.

Gleice – Existia um esquema de cooperação entre a FFLCH e a ECA, referente à

área antropológica?

JBBP – Não existia um esquema de cooperação. A ECA foi surgindo aos poucos. Ao

contrário do Marques de Melo, um dos fundadores da Eca, a maioria não pertencia à

área de Comunicação. A única cooperação ocorreu quando a relação dos filmes

etnográficos que o Schaden reuniu, e que está no acervo da ECA foi divulgada na

Revista de Antropologia.

Gleice – Após receber a cadeira de Antropologia, o senhor fez alguma modificação

significativa no que foi deixado pelo Schaden?

JBBP – O que mudou foram as condições que eram mais favoráveis, e eu pude

contratar mais gente.

Gleice – O senhor disse que nunca gostou de se prender em “guetos”, ou seja, se

prender no estudo de uma única etnia. Além do trabalho com o negro e o italiano,

o senhor trabalhou com outra etnia?

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JBBP – Eu fiz uma pesquisa sobre a imagem dos japoneses na América Latina. Foi um

trabalho em equipe que abrangeu desde a Argentina até o México. Era um trabalho

encomendado pela Universidade Sofia do Japão. A pesquisa gerou até um comercial,

uma publicidade, muito conhecida no Brasil, para uma indústria de eletrodomésticos,

com o objetivo de mostrar a imagem do japonês moderno. Bom, você pode ver que é

mais um trabalho com a Comunicação (risos). A propaganda fez muito sucesso. É uma

pesquisa que gerou artigos científicos.

Gleice – Atualmente o senhor preside uma Comissão de Políticas Raciais na USP?

JBBP – Sim, presido Comissão Permanente de Políticas Públicas para a População

Negra. É uma comissão formada por sete professores, e é ligada diretamente ao gabinete

da reitoria. A comissão tem como intuito promover a democratização do acesso à

universidade. Trata-se de um espaço aberto para a população negra. Queremos oferecer

a oportunidade de acesso à universidade para todos. A nossa comissão recebe quem nos

procura, informa e familiariza as pessoas com o ambiente universitário.

Gleice – Além da questão étnica, o senhor produziu trabalhos em outras áreas?

JBBP – Eu tenho alguns trabalhos, como uma entrevista com o Pixinguinha, com o

Almirante... Eu publiquei em uma revista comemorativa ao Pixinguinha do IEB-USP.

Gleice – Até quando o senhor orientou na USP? E qual é a linha de pesquisa que o

senhor segue aqui no Mackenzie?

JBBP – Eu orientei na USP até 2006. Eu só tenho uma linha de pesquisa aqui no

Mackenzie. Trata-se de “Religiões Etnicizadas”. São as religiões de imigração. O Brasil

é um país com uma pluralidade de religiões, que reflete na pluralidade étnica. É a união

da vertente da imigração com a religião, Alguns trabalhos de meus orientandos já estão

sendo publicados.

Gleice – Por que o senhor escolheu trabalhar com os italianos?

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196

JBBP - Eu escolhi trabalhar com os italianos por dois motivos. Primeiro, porque eu

estava na UNESP, e eu tinha um contrato que exigia o estudo de grupos dentro da área

de abrangência da universidade. Então, desenvolvi essa pesquisa. E o segundo motivo

era o fato de ninguém ter estudado essa temática com profundidade até aquele

momento. Tive muita satisfação de ter trabalhado com os italianos. Essa linha já gerou

08 teses. Escrevi para a Parmalat. Escrevi para o Itamaraty na série de 500 anos do

Brasil sobre a contribuição dos italianos.

Gleice – Então o senhor lecionou, aqui no Brasil, na UNESP, na USP e no

Mackenzie?

JBBP – Exatamente. Mas na UNESP eu fiquei apenas um ano e meio, o Schaden foi lá

me buscar.

Gleice – O trabalho sobre os italianos e “Cor, Profissão e Mobilidade” foram os

mais significativos da vossa carreira?

JBBP – Para dizer a verdade, eu não sei te falar. Creio que ‘Escola Secundária’, que foi

a minha dissertação de mestrado, é um dos trabalhos mais significativos que já produzi

até hoje. Foi um trabalho que aborda a Sociologia da Comunicação, e na época, foi

revolucionário. Foi adotado em diversos concursos públicos. Vendeu muito. Fiquei

conhecido, proferi muitas palestras através do livro. É um trabalho mais formal. Mas eu

tenho dúvidas sobre isso. Eu amei todos os meus trabalhos.

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197

Entrevista de Joel Zito Araújo, concedida à Gleice De Divitiis,

em 09 de outubro de 2008:

Gleice – O senhor poderia falar um pouco sobre a sua biografia?

Joel Zito – Eu nasci em uma vila, na divisa de Minas Gerais com a Bahia. Exatamente

na divisa. Tanto que a parte baiana que era a Vila de Caravelas se tornou um município.

Eu nasci na rua de Minas, portanto, nasci na cidade de Nanute. Então, eu sou bastante

“baianês”, bastante “misturado”. Misturado não só por ter nascido exatamente na divisa,

porque o quintal da minha casa passava na Bahia, mas também a minha mãe, Rosita

Pereira Araújo, é baiana, e o meu pai é mineiro.

Eu sou uma fusão de dois Estados, e de certa forma, é uma fusão racial. Meu pai, Jandir

Alves de Almeida, era filho de português, e a minha mãe, neta de um estivador do porto

de Salvador. Meu avô materno casou com uma mulher que tinha uma ascendência

indígena muito forte. Minha avó se chamava Margarida. Eu sou filho dessas fusões de

duas culturas regionais fortes: o Estado de Minas Gerais e da Bahia.

Minha formação começou em Nanute, mas meu pai que era músico no início, e se

tornou motorista de caminhou, migrou para o Espírito Santo. Morei dois anos no

Espírito Santo, passei parte da minha adolescência lá. E fui concluir o Ensino Médio em

Belo Horizonte, onde entrei em uma universidade particular, Funec, onde fiz Psicologia.

Eu tentei fazer Psicologia na Federal, mas não passei... E o meu envolvimento com

cinema começou na Psicologia da Funec. Foi lá que eu me envolvi no Movimento

Cineclubista Mineiro, e montei com outra pessoa o cineclube da minha faculdade.

E com o Movimento Negro, nós montamos um movimento de cineclubes nos bairros

operários de Belo Horizonte. Foi quando começou uma penetração política nesses

bairros, eu fui um dos fundadores do PT de Belo Horizonte. E aí nós começamos a

desenhar uma militância racial. Eu sempre fui muito atento, porque era algo que me

trazia muita dor, muito incômodo na adolescência. Mas foi quando eu estava concluindo

a faculdade que eu passei a tomar mais consciência dos movimentos, que comecei a

incorporar a questão racial na minha vida, refletindo como pessoa, e pela perspectiva

intelectual. Fiz a faculdade de Psicologia, no entanto, nunca cliniquei. Trabalhei um ano

com psicologia social, e comecei o meu mestrado em Sociologia da Educação.

Page 199: Gleice de Divitiis - tede.metodista.br

198

Mas o meu mestrado em Sociologia da Educação foi mais por uma exigência de ter um

mestrado, mas por uma exigência de emprego. Eu tive talento para a Educação desde

cedo, e queria fazer carreira como professor universitário. Mas eu sempre quis mais

fazer carreira de cinema, porém eu não confiava muito que eu poderia fazer cinema.

Então, eu fiz o mestrado em Ciências Sociais Aplicadas à Educação, em BH.

E quando eu conclui os créditos, eu vim para São Paulo, para a ECA, com o intuito de

transferir o meu mestrado. Foi aí que eu comecei a estudar o que me interessava de fato.

Cursei algumas disciplinas, e tentei fazer a transferência, entretanto não foi possível. Eu

teria que começar o mestrado novamente. Eu fui aconselhado, então, a concluir o meu

mestrado, e fazer o doutorado na ECA. Aí eu concluí o meu mestrado em Belo

Horizonte. E logo, na seqüência, eu fui fazer o meu doutorado na ECA, e a Solange

Couceiro me pareceu como a melhor opção, porque foi quando eu descobri que a linha

de pesquisa dela, era exatamente o campo que me interessava. Portanto, lá por volta de

1993, eu entro para a ECA definitivamente, sob a orientação da Solange Couceiro.

Gleice – E como foi esse projeto de doutorado?

Joel Zito – O meu projeto inicial era referente à telenovela, mas não era tentar levantar

a história do negro, não. No meu projeto inicial, eu estava muito encantado pelos

estudos de recepção. Então, eu queria investigar, por uma linha mais antropológica, se

existiam diferenças de recepção entre o segmento populacional negro, e o segmento

populacional branco.

Mas aí, em 1991, eu fiz um documentário, eu tinha certa a intenção de fazer isso, que se

chamava “Retrato em Preto e Branco”, que foi o único trabalho selecionado para uma

importante mostra nos Estados Unidos, e a partir dele eu recebi uma bolsa de uma

fundação norte-americana, que me permitiu ficar seis meses nos Estados Unidos

estudando a história do negro no cinema e na televisão norte-americana.

E foi lá que eu conheci um documentário sobre essa questão. Com isso, eu pensei: por

que não fazer um documentário dobre a história do negro na televisão brasileira? E

quando eu voltei, o pró-reitor da USP, Jacques Marcovitch, que depois se tornou o

reitor, me convidou para integrar uma comissão para redigir um documento da USP, no

ano do Zumbi, em 1995. Nessa conversa com o Jacques, ele sugeriu que eu fizesse um

documentário exatamente sobre o que eu pretendia fazer.

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Eu mostrei para o Jacques o projeto, e ele considerou caro, mas disse que poderia apoiar

a pesquisa do documentário. Com essa ajuda, as portas foram abertas, inclusive o acesso

ao Centro de Documentação da Rede Globo. Paralelo ao meu processo de

doutoramento, eu estava fazendo o documentário com apoios fundamentais. Eu estava

encantado com o filme, e falando sobre isso para Solange, e nada de começar a minha

pesquisa do doutorado... Foi quando a Solange questionou o porquê de não tornar o meu

documentário a minha tese de doutorado. Dessa forma, eu abandonei a idéia de fazer

uma pesquisa a mais sobre o negro, e tornei o meu filme, o meu projeto, obviamente

com pequenos ajustes. E tanto o filme quanto a tese saíram juntos. A tese, inclusiva, foi

logo transformada em livro pela Editora Senac. E todo mundo pensa que eu transformei

a tese em um filme. E não foi esse o processo. Eu fiz o contrário.

Gleice – E quais foram os resultados mais significativos da pesquisa?

Joel Zito – A minha pesquisa tentava ver a representação do negro na telenovela, desde

quando o produto se tornou um produto diário na TV brasileira. Eu já tinha a idéia,

aquela que todo mundo tem, que a maioria dos atores negros desempenhava papéis

subalternos: escravos, empregados, jagunços, motoristas. Eu já tinha esse ponto de

partida, e o que eu compreendi com a investigação foi mais do que isso, e é daí que vem

o título: “A Negação do Brasil”. Porque nós achamos que vivemos em uma democracia

racial, e que nós vivemos em um país de valorização de todas as etnias.

Bom, primeiro olhando a telenovela, é fácil confirmar que nós nunca fomos uma

democracia racial. A grande novidade foi constatar que a telenovela “abraçou” um

discurso que surgiu no século XIX, que é a ideologia do “branqueamento”. E ao

“abraçar” o discurso do branqueamento, ele era feito em negação às afirmações das

identidades brasileiras. O Brasil, e a telenovela afirma isso tanto através do discurso oral

quanto estético, nega a sua origem africana, a sua origem indígena. “A negação do

Brasil” foi a constatação de que a telenovela tinha um papel fundamental na reafirmação

de um desejo que nasceu no século XIX. E a forma que a telenovela exerce isso é

através do discurso estético, ou seja, por meio da escalação do elenco, e só tratar o

negro como subalterno, como aquilo que você não quer ser.

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200

Gleice – Durante o curso de doutorado, o senhor teve algum contato com o

Departamento de Antropologia da FFLCH?

Joel Zito – Não cursei nenhuma disciplina na FFLCH, embora eu tenha lido diversas

obras de autores da FFLCH. Inclusive, na minha banca, estive ram presentes o Professor

Kanbengele Munanga e o João Baptista Borges Pereira. Essa intersecção da

Antropologia com a Comunicação sempre me interessou muito.

Gleice – E como o senhor analisa as novelas hoje em dia? Por exemplo, a telenovela

“A Favorita”, onde o autor, João Emanuel Carneiro, utiliza o negro de uma

maneira aparentemente diferente, isto é, como um deputado, uma família rica...

Joel Zito - Não acredito que o João Emanuel Carneiro tenha dado um passo à frente,

com relação aos outros autores, como por exemplo, Dias Gomes, Janete Clair. Não tem

nada de inovador. Ele se enquadra no rol de autores que oferecem oportunidades aos

atores negros. Nas novelas anteriores “Cobras e Lagartos” e “Da Cor do Pecado”, a

grande novidade foram os protagonistas negros.

Mas agora ele cometeu uma “bobagem” de reafirmar o negro pelo estereótipo negativo,

dessa vez, não por subalternidade, mas pelo deputado corrupto, o alcoólatra. Pelo meu

ponto de vista, creio que o autor deva colocar o negro, o qualquer ator, em papéis assim,

mas o problema é que o Carneiro, por exemplo, se comportou como se a questão racial

já tivesse sido resolvida, e quando nós não a resolvemos. A regra deveria ser outra: o

negro em papéis positivos e negativos. Nós temos filmes norte-americanos em que os

vilões são negros e os heróis também o são.

Gleice – Voltando um pouco para o doutorado: como era o relacionamento do

senhor com a Professora Solange?

Joel Zito – A Solange é uma amigona, uma mãezona, uma pessoa sensacional. Ela foi

uma das boas pessoas que passaram na minha vida. Passou não, ela continua uma

amigona. Ela veio na estréia do meu filme mais recente... A gente não tem muito tempo

para se encontrar, mas toda a hora que a gente se encontra... Ficou uma amizade muito

sólida, muito boa. A Solange foi uma crítica muito interessante, foi uma pessoa que me

ajudou naquilo que eu estava precisando. Na verdade, quando eu fui fazer o doutorado,

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o curso já não tinha para mim o mesmo sentido que teve o mestrado. O mestrado teve

um sentido de me habilitar como professor. Na época do doutorado eu já estava mais

seguro com a minha vida, sabia que o que eu queria era fazer cinema, e não uma

carreira acadêmica. Então a partir daí a academia ficou em segundo lugar.

Gleice - Mas o senhor lecionou?

Joel Zito – Lecionei. Eu acabei de coordenar um curso de pós-graduação no Mato

Grosso. Lecionei, também, na Anhembi Morumbi, trabalhei na Universidade do Texas

durante um ano. Enfim, nunca abandonei, e nem quero abandonar a carreira

universitária. Mas é algo que se tornou secundário pra mim. Entretanto, eu ainda dou

muitas palestras. Eu também não abandonei a pesquisa, porque tem a ver com a minha

profissão de documentarista. Eu sou um cineasta de ficção, mas trabalho muito com

documentários. Agora mesmo, em novembro, eu lançarei um livro denominado “O

Negro na TV Pública”, que é uma coletânea de artigos. Tem três artigos meus, e eu sou

o organizador. É uma tentativa de reflexão de várias pessoas sobre o que a programação

de uma TV pública poderia fazer dentro da questão racial. Foi um levantamento feito...

Gleice – E como foi a pesquisa de pós-doutorado que o senhor realizou na

Universidade do Texas?

Joel Zito – Eu investiguei, comparativamente, a representação do negro na América

Latina, comparando com o Brasil. E eu constatei que tinham poucos trabalhos feitos

sobre isso. Eu estudei toda a bibliografia existente na América Latina sobre tudo o que

tinha sido escrito sobre a representação do negro no cinema, e em outros veículos.

Gleice – Após todas essas a contribuições do senhor para a Antropologia da

Comunicação: o senhor se considera um antropólogo da Comunicação?

Joel Zito – Não, eu me considero um cineasta. Eu não me considero nem psicólogo, e

nem antropólogo. Eu digo que tenho muita influência da Antropologia, e um pouco da

Psicologia. Mas eu não faço um cinema antropológico, e nem psicológico. Eu trabalho

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com outra perspectiva. O artista tem que ter uma “antena” com muitos canais, e os meus

canais são muito variados.

Gleice – E quais foram os prêmios que o senhor recebeu com os filmes que o

senhor produziu sobre a temática racial? Creio que todos os filmes do senhor têm

essa questão racial em evidência...

Joel Zito – Exatamente. O meu primeiro filme para cinema foi “A Negação do Brasil”.

Eu fiz um outra longa, mas foi para a televisão, e não para o cinema. Ganhei com “A

negação do Brasil” diversos prêmios. Meu filme seguinte foi “Filhas do Vento”. Com

esse, eu ganhei oito “Quiquitos” em Gramado, ganhei outro troféu no festival de

Tiradentes, e outros. Especialmente os oito “Quiquitos de Gramado” foram os mais

marcantes pra mim.

Gleice – E o novo filme que o senhor está lançando?

Joel Zito – Este novo filme se chama “Cinderela, Lobos e um Príncipe Encantado”. É

um filme onde eu investigo os imaginários do turismo sexual dos dois personagens mais

importantes: o turista social e as garotas de programa envolvidas. É um filme de

investigação dos imaginários. A primeira parte do filme ocorre em cidade com maior

presença de turistas no Nordeste (Fortaleza, Recife, Natal e Salvador); e na segunda

parte eu vou para a Itália e Alemanha para ver as garotas que foram para lá, e os caras

que “transam” e se casaram com elas. É um filme de estudo dos imaginários, culturais,

sociais, etc.

Gleice – Esse filme conta com atores negros e brancos em papéis iguais?

Joel Zito – Não. Trata-se de um documentário com casos reais.

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Entrevista de José Marques de Melo concedida à Gleice De

Divitiis, em 11 de setembro de 2008:

Gleice – Antes de mais nada, eu gostaria que o senhor comentasse um pouco sobre

a história de fundação da ECA-USP:

JMM – Bem, a ECA surgiu em 1966, com o nome de Escola de Comunicações

Culturais (ECC). Logo após, o nome é modificado para Escola de Comunicações e

Artes. O primeiro diretor da unidade se chamava Júlio Garcia Morreson. Em 1972, foi o

segundo diretor da ECA, Antonio Guimarães Ferri, quem contratou o Professor Egon

Schaden.

Eu, particularmente, dirigi o Departamento de Jornalismo a partir de 1966. Depois de

uma reforma, em 1972, o Departamento de Jornalismo passa a se chamar Departamento

de Jornalismo e Editoração. Em 1989, eu assumo a direção da ECA. Contribuí na

promoção de algumas reformas na universidade, entretanto, nunca desacreditei na

importância das disciplinas humanísticas, como por exemplo, a Antropologia da

Comunicação.

Gleice – E como o senhor considera que as disciplinas de cunho humanístico devem

ser ensinadas nas universidades?

JMM - A formação humanística é fundamental para o processo de crescimento

intelectual do aluno. Noções básicas dessas disciplinas (Antropologia da Comunicação,

Sociologia da Comunicação, Psicologia da Comunicação, entre outras) são essenciais

para a formação profissional do graduando. Já um maior aprofundamento desses

campos deve ser proposto nos estudos de pós-graduação.

Gleice – O senhor acompanhou o processo de implantação da disciplina

Antropologia da Comunicação pelo Professor Egon Schaden, na ECA?

JMM – Sim. Acompanhei a disciplina desde o seu início. O Professor Egon Schaden

tinha uma formação antropológica bastante vasta, que permeava a Antropologia Física e

Cultural. Alguns aspectos comunicacionais, inclusive, já estavam expostos em suas

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teses, muito antes de ele ir para a ECA. O Schaden foi o articulador do curso de pós-

graduação em Ciências da Comunicação da ECA, além de coordená-lo.

Em meados da década de 70, o Schaden foi cassado, e em 1978, eu o convidei para

lecionar no recém fundado Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da

Universidade Metodista de São Paulo. Antes de ser cassado, porém, Schaden

desenvolvia na USP, uma linha de pesquisa, chamada “Cultura Brasileira”, onde

abordava os aspectos da Antropologia da Comunicação. Na ECA, o Schaden também

dava cursos de extensão, que eram muito concorridos. Ainda na década de 70, o

Professor Schaden deu cursos no CIESPAL, e trabalhou durante 01 ano, em Toronto, no

Canadá, com Marshall McLuhan, ou seja, Schaden foi um dos responsáveis por difundir

o pensamento antropológico referente à Comunicação, pelo continente americano.

Gleice – E quando o Professor Schaden voltou para a ECA?

JMM – Então, o Schaden lecionou na Metodista por um período bem curto. Ele

retornou à USP, com a anistia, na década de 80. De volta à ECA, o Professor Schaden

chefiou o Departamento de Biblioteconomia e Documentação.

Gleice – E como era o relacionamento do senhor com o Professor Schaden?

JMM – Nunca tive problema algum com o Schaden. Sempre tivemos excelentes

relações. Ele sempre passou para as pessoas muito prestígio e credibilidade. Era um

profissional fantástico.

Gleice – O senhor gostaria de acrescentar algo mais?

JMM – Sim. Gostaria de dizer que quando estive na ECA sempre valorizei o ensino das

disciplinas humanísticas, inclusive com apoio aos docentes. Quanto à Antropologia da

Comunicação, o Schaden tem um mérito enorme. Hoje em dia, vários discípulos de

Schaden lecionam a disciplina em diversas universidades do país.

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Entrevista de Nelly de Camargo, concedida à Gleice De

Divitiis em 02 de dezembro de 2008:

Gleice – A senhora poderia comentar um pouco sobre a sua biografia?

Nelly – Eu sou do interior de São Paulo. Minha família é de Itú. Meu pai era militar e a

minha mãe era uma cantora. Meu pai era músico, e fez toda a carreira dele dentro do

exército formando bandas de músicas nas fronteiras do Brasil, nos pelotões, nos

quartéis. Foi assim que eu vi a carreira do meu pai. Eu estudei em Itú. Eu fui

alfabetizada em Itú, e depois eu fui para Itapetininga, quando o meu pai foi transferido.

Em Itapetininga eu entrei no primário de novo. Na verdade, eu comecei a me alfabetizar

com três anos de idade. Eu fiz o primário, o secundário e o normal em Itapetininga. Eu

sou formada pelo Instituto de Educação Peixoto Gomide de Itapetininga. Quando me

formei tinha 17 anos, e não podia lecionar, pois ainda não tinha idade. Nesse tempo, a

minha família já estava se mudando para São Paulo, e eu vim para a cidade em 1949.

Entrei para o magistério, quando comple tei 18 anos. Fui professora primária durante

quatro ou cinco anos, e aí prestei concurso para a Universidade de São Paulo, para o

curso de Pedagogia, que dava bolsas de estudos para os professores efetivos. Eu ganhei

essa bolsa, estudei quatro anos Pedagogia, e depois me matriculei, também, para o curso

de Psicologia. Quando terminei o curso de Educação, fui professora do curso normal,

ministrei a disciplina Sociologia da Educação. Nesse período, houve um concurso do

Ministério da Educação aqui em São Paulo para um setor de recursos audiovisuais que

deveria promover uma melhor instrumentação do professor do ponto-de-vista

pedagógico. Eu fiz esse concurso, passei. Aí os Estados Unidos ofereceram quatro

bolsas de estudos para aquele pessoal que havia sido selecionado, e eu fui uma das

agraciadas com isso. E eu fui para a Universidade de Indiana, onde havia um grande

departamento de comunicações e recursos audiovisuais, e lá eu fiquei 01 ano, onde

nesse época, eu fiz o meu mestrado...

Gleice – E qual era o objeto do seu mestrado?

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Nelly – O objeto do meu mestrado era sobre as técnicas de comunicações dentro dos

programas de relações humanas, onde incluía vários assuntos, como por exemplo, a

seleção de pessoal. Eu era psicóloga, então o que me interessava era como você se

comunica, como você extrai de alguém uma vocação, como você consegue perceber que

uma pessoa é feita para aquele tipo de trabalho. Além disso, pesquisei o

desenvolvimento de testes, e o desenvolvimento de projetos e processos de pesquisa,

porque nessa altura, eu já estava empregada pelo Instituto de Educação, no setor de

recursos audiovisuais. E nesse setor, nós demos habilitações para mais de 10 mil

pessoas no magistério, pessoal da Polícia, pessoal de todo o Brasil que vinha por essa ou

aquela razão, e queria aprender recursos audiovisuais de comunicação. Isso funcionava

onde está instalada, atualmente, a Faculdade de Educação da Universidade de São

Paulo. Naquele tempo se chamava Centro Regional de Pesquisas Educacionais do

Ministério da Educação.

Gleice – E como foi o contato da senhora com a ECA?

Nelly – Eu trabalhei no Centro até 1966, quando fui para a França. Fui investigar o que

os franceses sabiam sobre recursos audiovisuais, mas eles estavam bem mais atrasados

com relação aos americanos no uso real nas escolas. Eles conheciam o sistema, mas o

uso não era tão desenvolvido, tão intenso, como nos Estados Unidos. Quando eu voltei

da França, eu tinha feito uma inscrição para a cadeira de Teoria da Comunicação, para a

Escola de Comunicações e Artes que estava se formando. E eu ganhei também esse

concurso. E aí na ECA eu fiquei como chefe do Departamento de Comunicações

Culturais. Só tinha isso na época. Depois tinha Jornalismo, Relações Públicas. Mas o

Departamento de Comunicações era um só, e eu era chefe desse departamento. Aí pelo

entendimento que eu sempre tive do problema da Comunicação. Para mim a

Comunicação como campo autônomo não existe, não tem objeto, campo e método

específico. Ela está em todos os processos humanos, em todos os processos vivos, e até

nas máquinas existe um problema de Comunicação. Então, era preciso que nós

tivéssemos uma equipe multidisciplinar proveniente das mais importantes áreas que

abordam a questão da Comunicação nas Humanidades. Porque a nossa Escola era

chamada Escola de Comunicações Culturais. E quem que eu fui buscar para preencher o

quadro? O Professor Schaden; o Professor Virgílio (Noya Pinto) que era da História,

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207

aliás a História passa dentro da Comunicação, mas já era para ser um campo separado.

Eu não me lembro exatamente quem eram os professores, mas, por exemplo, era muito

difícil encontrar um professor de Psicologia. O Samuel Pfomm Netto, que nunca

trabalhou na ECA, sempre colaborava como professor visitante, e inclusive, estava na

minha banca de doutorado.

Gleice – E qual foi a composição da sua banca de doutorado?

Nelly – A minha banca de doutorado foi composta por João Baptista Borges Pereira,

Professor Antonio Guimarães Ferri, pelo Hiroshi Saito, pelo Professor Schaden e pelo

Samuel (Pfomm Netto). O Samuel foi meu calouro na universidade. Quando o Samuel

entrou no primeiro ano como aluno, eu já estava no segundo ano. Ele levou o trote de

mim (risos).

Gleice – A senhora pode falar um pouco mais sobre a criação da ECA?

Nelly – Claro! Tenho que falar que no início da ECA, existiam, também, muitos

professores de línguas, porque quem criou essa escola foi o Professor Julio García

Morejón. E o Júlio García Morejón era um homem inteligentíssimo. Ele é quem criou

isso, quem inventou isso. E eu só lamento que ele deixou a ECA para fazer outras

coisas. Ele é muito criativo, e quando ele faz alguma coisa, ele vai fazer a outra coisa.

Mas o Professor Morejón é um homem de uma criatividade, de uma pertinência muito

grande na questão da Comunicação.

Gleice – E mais especificamente, onde estava inserida a Antropologia da

Comunicação?

Nelly - Nunca existiu um Departamento de Antropologia da Comunicação na ECA. O

departamento em que a Antropologia da Comunicação estava vinculada se chamava

“Ciências da Comunicação”, que também era responsável pela Teoria da Comunicação,

Matemática Aplicada à Comunicação, Psicologia da Comunicação e Sociologia da

Comunicação. Mas na realidade a Eca demorou muito tempo para se constituir um

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departamento devido à falta de professores doutores. Então o Schaden veio para o meu

departamento que era o de Ciências da Comunicação. Eu fui chefe desse departamento,

depois ele passou para a chefia, porque ele era exatamente quem deveria ser chefe

daquele departamento pelos títulos que ele tinha, pela experiência que ele tinha. Todos

os departamentos provenientes das Humanidades acabaram se difundindo no

Departamento de Comunicações. Era inicialmente Ciências da Comunicação, depois se

formou Comunicações e Artes, porque nós passamos a abrigar outras disciplinas. Eu

estou falando da evolução da ECA. Nós passamos a abrigar o pessoal de Artes Plásticas,

pois não tinha anteriormente. Os professores de Artes Plásticas ficaram conosco até

quando eles tivessem número suficiente, e tivessem como a gente chama de “massa

crítica” para formar o Departamento de Artes Plásticas. Aí começou o Departamento de

Música que iniciou da mesma forma que o de Artes Plásticas. Então, por causa das

normas universitárias a gente era obrigada a seguir algumas regras. E tinha que adaptar

o que existia ao que precisava dentro das normas universitárias. E nem sempre a gente

conseguia ajustar da melhor maneira. Mas hoje a ECA é um colosso. O Departamento

de Música, por exemplo, hoje é imenso. O Departamento de Jornalismo, Relações

Públicas...

Gleice – Enquanto a senhora esteve na ECA, a senhora participou de outras

atividades fora da universidade?

Nelly – Eu entro para a ECA, e em 1968, naquela greve que teve nesse período eu vou

para o Equador, para o CIESPAL. Fui para lá para saber o que os latino-americanos

entendiam sobre Comunicação. Porque a minha formação era americana e européia.

Quando saía de férias eu ia para a França, para a Bélgica, ia para vários lugares. É o

jeito que eu aprendi a ser. Meu pai nunca parou em lugar algum. Ele estudou fora,

estudou no Brasil, sempre considerou que isso era muito bom para a formação. Nessa

época, eu fiz o meu doutorado, com o Schaden, que foi o primeiro doutorado da ECA.

Gleice – E como era o relacionamento da senhora com o Professor Schaden?

Nelly – Era ótimo. Ele era o chefe do departamento nesse tempo da tese. Por causa de

um professor de História, que dirigia a ECA naquele período, e que a maioria dos

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alunos não gostava dele, aconteceram algumas manobras para que a ECA conseguisse a

sua congregação. E a congregação só fora conquistada porque eu fiz o meu doutorado

na ECA.

Gleice – A senhora pode resumir a temática principal da sua tese?

Nelly – Através da Universidade de São Paulo fui lecionar no Maranhão. E sempre

quando ia para casa, lá em São Luís, percebia que a Prefeitura estava instalando nas ruas

da periferia da cidade, uma espécie de poste com um aparelho de TV, onde eram

exibidos canais abertos. Ao todo, foram colocados na cidade, 38 aparelhos. Percebi que

a implantação desse sistema, mudou muitos hábitos daquelas pessoas, como por

exemplo, a hora das orações nas igrejas, devido a telenovela “Irmãos Coragem”, que era

exibida na época. Algumas tradições foram mudadas, somente para o público ter a

oportunidade de acompanhar a novela. E isso me deixou muito curiosa. Fiz, então,um

estudo com questionários com essas pessoas. O meu principal objetivo era diagnosticar

o que tinha mudado na vida dessa população, e quais foram as alterações mais

relevantes trazidas pela TV nessas localidades, onde a Prefeitura instalou o que chamei

de “telepostos”.

Gleice – Pelo que eu entendi, quando a senhora defendeu a sua tese foi algo isolado,

ou seja, ainda não existia um programa de pós-graduação na ECA?

Nelly – Tanto meu doutorado como o do Professor Marques de Melo, e outros... Quer

dizer, todos os professores que estavam na ECA foram obrigados a fazer o seu

doutorado em um determinado prazo. Não existia um programa de pós-graduação

porque não havia professores doutores. Depois que eu fiz o meu doutorado, o Marques,

o Professor Clóvis Garcia, o Professor Miroel... Todos os professores defenderam até

1972. Todos nós, juntos, poderíamos criar um programa de pós-graduação, e foi o que

fizemos. A gente dava aula no mestrado e na graduação. Nesse meio tempo, eu fiz

muitas viagens para o exterior, participei de várias entidades de Comunicação no

exterior, de muitas universidades. Mas em 1980, eu recebi uma bolsa da Fullbright,

onde fui convidada para ser professora da Universidade de Stanford. Eu passei um ano

na Universidade de Stanford, como professora visitante. Isso, pra mim, é um marco na

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210

minha carreira porque quando você é um “Professor Fullbright”, você põe isso na frente

do seu nome. É uma espécie de “honraria” que eles concedem. Quando voltei de

Stanford, fui convidada pela UNESCO para ser conselheira de comunicação regional da

entidade para a América Latina. Era um cargo muito requisitado pelas pessoas. E a

minha sede era em Quito, no Equador. Fiquei quatro anos em Quito, até quando eu

percebi que eu estava me tornando uma espécie de “administrador cultural”, e não era

isso que eu buscava. Eu gosto mesmo é de estudar, de pesquisar, de fazer consultoria

que é um negócio que eu sempre quis, e hoje eu vivo, praticamente, disso. Quando eu

voltei da UNESCO, eu fui lecionar na Universidade de Campinas, e lá eu fiquei 15

anos, e onde eu instalei o Departamento de Multimeios. Em 2000, eu tive que sair de lá,

porque eu já tinha feito o que tinha que fazer. Depois, eu me dediquei aos cursos de pós-

graduação da ECA, onde eventualmente eu ainda sou convidada, apesar de estar

aposentada, eu ainda tenho orientandos de mestrado e doutorado na ECA. A minha

doutoranda mais recente, eu formei agora em julho de 2008.

Gleice – Então, a senhora ainda orienta alunos? Qual é a linha de pesquisa que a

senhora segue atualmente?

Nelly – Sim, ainda oriento. A minha linha de pesquisa, se é que nós podemos qualificar

assim, eu quero saber qual é o problema que você tem, qual é o seu problema, o

problema está dentro de você? É externo ou psicológico? É um problema de

comunicação com o outro, com grupos? É um problema de comunicação de massa,

empresarial? Eu estudo, na realidade, o problema. Para estudar o problema eu utilizo os

conhecimentos que tenho de Ciências Sociais, de Psicologia, de Pedagogia, de

Antropologia... E localizo, faço um mapa de onde está o problema. E aí eu vou

trabalhar, crio estratégias para solucionar esse problema...

Gleice – A senhora trabalha, então, na área de gerenciamento de crises?

Nelly – Se você quiser chamar assim... Agora é gerenciamento de crises, anteriormente

era “Job Analysis”. Eu não faço questão do nome, faço questão do problema.

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211

Gleice – E quais foram os trabalhos que a senhora produziu considerados mais

relevantes?

Nelly – Eu escrevo muito pouco. O que eu escrevo em quantidade, normalmente é para

congressos no exterior, e para as empresas onde faço consultoria.

Gleice – Por que a senhora não publicou a sua tese de doutorado?

Nelly – Não pude publicar, porque na época, assim que terminei a minha defesa um mês

depois os professores me solicitaram que eu tinha que iniciar as aulas de Psicologia da

Comunicação. Tinha um padre canadense que os alunos não suportavam, e ele não

agüentava mais aulas. Então com as aulas que eu tinha, eu não publiquei o meu

trabalho. Eu publiquei diversos livros.

Gleice – Desses livros, quais a senhora listaria como principais?

Nelly – Eu não tenho livros principais, eu tenho artigos principais. Eu fiz um livro

chamado “Políticas de Comunicação no Brasil”, na época da ditadura, em 1970. As

políticas de comunicação nunca tinham sido tratadas de maneira global por ninguém.

Escrevi também uma obra sobre letras de músicas de Carnaval, intitulada “Brazilian

Public Opinion in Carnival Lyrics”. Eu normalmente trabalho com mais pessoas,

escrevo capítulos de livros.

Gleice – Com uma experiência vasta na área comunicacional, como a senhora

poderia classificar a Comunicação?

Nelly – Pra mim a Comunicação é um processo que ocorre em todos os tipos de

sistemas. Desde os sistemas não orgânicos até os orgânicos. Isso envolve tudo. Na

verdade, o processo de comunicação é um como se dá a passagem de informação entre

um e outro, e como se dá o processo de visão entre esse outro e o mundo. Então, tanto

faz, se estamos falando de Biologia das células, por exemplo, nós estamos falando de

processos de comunicação. O órgão é um conjunto de células, portanto um sistema

muito maior do que a célula, ele se comunica com outros órgãos, de acordo com o

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212

sistema que ele está envolvido. A nossa mente se comunica com outras mentes, com

outras pessoas através de processos. E esses processos que são a Comunicação. A

Comunicação é constituída por esses processos de transferência de informação e de

significado de um indivíduo para outro, de um organismo para outro, de um Estado para

outro Estado, de um país para outro país. Dos meios de comunicação de massa de um

país para outro, da audiência para o círculo social. Isso é a síntese do que eu entendo

como Comunicação.

Gleice – A senhora não se considera uma espécie de antropóloga da Comunicação

por estar envolvida nessas questões do homem e seus problemas dentro da área

comunicacional?

Nelly – Não. Eu me considero uma pessoa que conhece bem Antropologia. Conheço

bem Psicologia, conheço bem Sociologia, e uso tudo aquilo que aprendi para entender

como esses processos que falei ocorrem.

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213

Entrevista de Ricardo Alexino Ferreira concedida à Gleice De

Divitiis, no dia 02 de outubro de 2008:

Gleice – O senhor pode, se possível, comentar um pouco sobre a sua biografia?

Ricardo – Meu nome é Ricardo Alexino Ferreira, nasci em 01 de junho de 1964, na

cidade de São Paulo. Quando criança, fui para Belo Horizonte, e depois, já adulto voltei

para São Paulo.

Minha mãe, Olinda Maria dos Santos Ferreira, era branca, e meu pai era negro. Sou

filho de um casamento inter-racial. O interessante é que a minha mãe sempre se

colocava como negra em muitas situações, ainda mais se ela sentia alguma sensação de

racismo rondando. Ela era enfermeira, e uma mulher muito adiante do seu tempo. Meu

pai, Paulo André Ferreira, é eletricista, e um homem com uma visão profunda, também.

Um fato importante nas famílias negras antigamente, e até hoje persiste, é o

investimento na Educação. Era uma regra. Somos cinco irmãos, e a nossa obrigação era

estudar. Havia um investimento muito grande nisso.

Diferentemente de outras famílias, eu não enfrentei dificuldades para estudar. Éramos

de classe média. Nada faltava com relação à escola. Eu fui preparado para chegar aonde

cheguei. Devo muito aos meus pais por essa visão. É uma característica das famílias

negras nos anos 60.

Eu fiz a faculdade de jornalismo ainda em Belo Horizonte, em 1983, na Fundação

Cultural Belo Horizonte. Era uma instituição extremamente forte, porque os professores

eram os melhores profissionais do mercado, e também, pessoas que davam aulas em

outras universidades.

Em São Paulo, o meu curso universitário me possibilitou entrar, logo quando cheguei à

cidade, trabalhar como jornalista nos jornais “O Es tado de São Paulo” e “Jornal da

Tarde”, um dos maiores grupos de comunicação do país. Posteriormente, trabalhei em

veículos especializados e assessorias de comunicação.

Nesse período, em 1988, em ingresso no Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Comunicação da ECA-USP, com a Professora Solange Couceiro. No início eu fui

levando as duas coisas: a minha carreira de jornalista e a pós-graduação, o mestrado. Eu

era muito novo quando entrei no mestrado, tinha 23 anos de idade. Na época era muito

comum professores que estavam começando a dar aula que procuravam por um

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mestrado. Eu era considerado um dos mais novos em todas as disciplinas que eu

cursava. Como docente eu ministrei aulas na Fiam (São Paulo) e na Uniban (São Paulo),

e atualmente na Unesp.

Gleice – E por que o senhor escolheu fazer um mestrado nessa época já que o

senhor estava inserido no mercado? O senhor tinha a intenção de trabalhar na

área acadêmica, ou buscava apenas uma especialização, um aperfeiçoamento?

Ricardo – Minha vida era uma loucura. Eram muitas disciplinas que eu tinha que

cursar. Eu trabalhava no jornal, tinha o fechamento, e muitas noites que eu não dormia.

O pessoal do jornal perguntava qual era a razão pela qual eu estava o mestrado. Naquela

época o mestrado era visto como algo voltado apenas para a docência. Eu tinha a

convicção de que eu não queria ser mais um jornalista. Eu entendia que o jornalismo era

algo maior do que simplesmente fazer matérias.

E foi interessante, porque nessa fase duas áreas do jornalismo me chamaram a atenção.

Uma foi o jornalismo científico com o Professor Wilson Bueno. Ele esteve presente, em

Belo Horizonte, na 37ª reunião da SBPC, e ministrou um curso lá de jornalismo

científico, quando eu estava começando a graduação. Quando eu o ouvi falando sobre

jornalismo científico, eu decidi que era aquilo que eu queria fazer. Jornalismo científico

era algo muito novo ainda, mas eu já tinha convicção que era aquilo que eu queria fazer.

A intersecção com a medicina, com as pesquisas acadêmicas... E isso me chamou muito

a atenção. E outra coisa que me alertou foi o estudo das relações étnico-raciais.

Engraçado é que quando eu vou para o jornal, o chefe de reportagem começa a sentir as

preferências do repórter. E eu comecei a cobrir muitas matérias de ciência, e da área de

saúde. E quando eu entro lá na ECA, já com a Solange Couceiro, eu apresento um

projeto referente ao estudo dos negros em jornais.

Eu aprendi a fazer o projeto com uma professora da graduação, chamada Terezinha. Ela

era muito boazinha, e o pessoal da sala esperava ela abaixar a cabeça para sair. E eu não

fazia isso, ficava nas aulas e, praticamente, tive aulas particulares de metodologia.

Todas essas anotações eu trouxe para São Paulo, o que foram essenciais para a minha

entrada na ECA. Quando eu apresentei o projeto para a Solange, ela o considerou muito

bom. E imagine! Eu recém-formado, muito novo...

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Gleice – E como era o seu relacionamento com a Professora Solange?

Ricardo – Bom, eu cheguei à ECA, e como eu era muito jovem, eu não tinha a

dimensão de onde estava pisando. Por exemplo, se eu tivesse tido a dimensão do que era

“O Estado de São Paulo”, eu teria “tremido nas bases”, e não teria entrado lá.

Quanto à ECA eu sabia que era a Universidade de São Paulo, mas eu não sei se foi

coragem ou juventude que me fez encarar tudo com mais facilidade. Eu sabia o que

queria estudar: comunicação e relações étnicas. Procurei a lista dos professores que

seguiam essa linha, e cheguei à Solange. Não a conhecia. Na época eu já estudava

francês na Aliança Francesa de Belo Horizonte, o que ajudou também. Para você ter

uma idéia, depois do processo seletivo eu fiquei sabendo que eu seria o primeiro

orientando da Solange. Nós “tivemos” uma química muito boa. Eu estava muito

disposto a aprender. Eu fazia tudo ao mesmo tempo, e queria sempre mais. E isso

ajudava.

Gleice – E o jornal?

Ricardo – Chegou um momento que não dava mais para conciliar o mestrado e o

jornal. Então eu tive que tomar uma decisão muito dolorosa, porque eu estava no auge

da minha carreira. Mas eu perguntei: o que é mais duradouro? O jornal se eu parar, eu

posso voltar, já o mestrado eu terei que começar tudo novamente. E eu decidi pelo

mestrado. Aí eu vou para a assessoria de comunicação lá da USP, no gabinete do reitor,

e trabalho, também, no “Jornal da USP”. Continuei trabalhando lá na USP, mesmo com

a bolsa do CNPQ.

Gleice – E como foi o desenvolvimento do seu projeto de mestrado?

Ricardo – O meu projeto foi a representação do negro em jornais, no centenário da

abolição da escravatura no Brasil, que coincidia com 1988, ano em que ingresso no

mestrado. Eu sinto que foi algo intuitivo, também, porque fiz o processo seletivo em

1987. O arquivo do Estadão, que era muito rico, me ajudou muito. Eu comecei a pegar

muito material ali. Eu já tinha um volume interessante quando cheguei ao mestrado. Eu

considero o ano de 1988, um marco do ponto de vista do jornalismo.

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A Solange Couceiro foi muito paciente ao me ouvir quando cheguei com o meu projeto,

e até eu herdo isso dela, a paciência com os orientandos. Saber ouvir é essencial. Eu

achava que ia dar conta de tudo. E ela achava que eu tinha que fazer um recorte. Mas ela

nunca me “podou”. Deixava eu seguir em frente. Se ela tivesse me cortado antes de eu

mesmo perceber que eu não ia dar conta, eu ia ficar receoso. Aprendi a gostar de fazer

pesquisa com a Solange.

Voltando ao projeto, em 1988, nós tínhamos algumas questões que foram muito

interessantes naquela época. O que foi extremamente marcante pra mim, e que até hoje

me serve para eu construir um paradigma no jornalismo, é que estávamos ainda no

Governo Sarney, e em dezembro, o movimento negro diz que aquele ano não era de

comemoração, e sim de reflexão. A pauta para aquele ano já estava dada. O segundo

fato é que o Brasil estava começando os trabalhos da constituinte, e aparece o deputado

federal Carlos Alberto Kaó, do PDT do Rio de Janeiro, que coloca como projeto de lei o

racismo visto como crime inafiançável. Isto é, a pessoa que cometesse crime de racismo

iria para a cadeia, e não teria direito à fiança.

E a partir desses debates, surge uma série de matérias. Foi um ano, que em termos de

objeto de pesquisa, as coisas iam “caindo” em minhas mãos. Foi um ano que eu

comecei a perceber que o negro migrava das páginas de esporte, da editoria de

variedades, da editoria de polícia, para a economia, política, cultura, comportamento. Eu

comecei a perceber esse movimento. Internacionalmente, a ONU começou uma cruzada

contra a África do Sul com relação ao “apartheid”, além da libertação do Nelson

Mandela. Isso obrigou a imprensa a questionar como é que se dava a situação do negro

aqui no Brasil. A igreja católica fez a campanha da fraternidade em cima dessa temática.

E foi interessante porque foi a primeira vez que a campanha não foi nacional. O Dom

Eugênio Salles disse que esse tema incitava o racismo, e ele propôs um outro enfoque

para o Rio de Janeiro.

Então, você todos esses elementos acontecendo, e isso é muito forte dentro da imprensa.

E tem mais um detalhe: em 1985, você tem o país mudando. Tem a ditadura militar, e o

exercício de liberdade começa a se desenvolver, não é mais cerceado. E eu encaro 1988,

como o exercício da imprensa de mostrar cidadania. Ela toma para si o papel do

Ministério Público, que é defender os grupos minorizados. E esse grupo eram os negros.

Logo após começam a surgir outros grupos, mulheres, homossexuais, entre outros,

começam a aparecer quanto notícia.

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217

O grande desafio da imprensa era como cobrir certas terminologias. Foi um período de

muita efervescência. A minha pesquisa era muito contemporânea, era o debate que

estava aflorado. Foi dentro desse viés que eu desenvolvi a minha pesquisa.

Gleice - E quais foram os principais resultados que o senhor pode destacar que

foram obtidos com a pesquisa?

Ricardo – Teve um determinado momento que foi muito importante pra mim. Apesar

de estar trabalhando com a temática da etnia, foi um exercício pra mim. Eu precisava

me afastar do objeto. O fato de ser negro, de estar trabalhando com os negros, de

repente eu vi que precisava me afastar do objeto, porque ia chegar uma hora que eu iria

falar sobre eu mesmo. E eu fiz esse exercício de afastamento.

Algo interessante nessa questão de epistemologia, foi que chegou um momento que eu

parei e me perguntei: “A pesquisa que eu estou fazendo é Antropologia ou

Comunicação?” A minha pesquisa era Comunicação, portanto, o objeto da minha

pesquisa não é necessariamente o negro. O objeto da minha pesquisa é Comunicação,

Comunicação Midiática e jornais. Pelo fato de eu ser jornalista, tudo ficou mais visível

na minha cabeça. Quando eu falava de jornalismo, de construção da matéria, eu estava

falando sobre o meu cotidiano. E a Solange foi muito importante pra mim, pois ela

trouxe a Antropologia para dentro da Comunicação. A orientação dela foi fundamental

nesse aspecto. Essa intersecção do jornalismo com a Antropologia. Agora, a minha

pesquisa, sem dúvida foi na área do jornalismo.

Gleice – Então o senhor não se considera um antropólogo da comunicação?

Ricardo – De jeito nenhum. Sou um jornalista. Isso pra mim é mais do que evidente. É

a minha identidade. Eu dialogo com a Sociologia, com a Antropologia, com todas as

áreas do conhecimento, mas a minha área é Comunicação.

Gleice – Pelo fato de a Solange ter um traço antropológico muito forte, surgiu em

algum momento divergências com o seu trabalho?

Ricardo – Não, ela me respeitou inteiramente. E uma característica que me marcou

muito com relação à orientação da Solange, é que, às vezes, o orientador se coloca em

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218

uma hierarquia muito superior ao orientando. Muitas vezes aquilo que o orientando tem

a dizer não importa. E a Solange me ouvia muito quando eu falava sobre jornalismo

com ela. Quando eu chegava com informações novas, ela me ouvia, e demonstrava

interesse nisso. E com isso, ia tendo um diálogo. Sem dúvida, hoje, eu reconheço que a

orientação da Solange me fez prosseguir com o doutorado, e agora com uma livre-

docência.

Gleice – O senhor pode falar um pouco sobre a sua tese de doutorado?

Ricardo – No doutorado, eu trabalhei a questão da recepção. A tese se chamava

“Olhares negros: a recepção crítica de afrodescendentes”,com a orientação da

Professora Maria Aparecida Baccega. Ela pertencia ao mesmo departamento da

Solange. As duas eram muito amigas. Continuei trabalhando com o recorte do negro,

mas passo a chamá-los de afrobrasileiros, e não utilizo grupos minoritários, que era um

termo bem resolvido para os sociólogos, mas não para os comunicólogos, pois passava

uma idéia de quantidade. Utilizo, então, minorizados. Surge um amadurecimento nesse

sentido. E eu trabalho com profissionais negros da área de Comunicação que podem

fazer uma reflexão sobre aquilo que a imprensa produz. Como tinha trabalhado o

conteúdo da imprensa no mestrado, aqui eu começo a trabalhar o olhar negro. Eu

poderia dizer por mim mesmo, porque eu sou profissional negro da área de

Comunicação, mas ainda eu continuava com aquele exercício de distanciamento do

objeto. Eu utilizava a minha experiência de vida para entender o objeto, mas eu tentava

não interferir. Naquela época eu entrevistei quatro pessoas. Entrevistei a Teresa Santos

(Secretaria da Cultura de São Paulo), a Maria Auxiliadora Nascimento (jornalista da TV

Globo, foi uma das primeiras repórteres negras a trabalhar na região de Bauru, e era

professora de jornalismo), Osvaldo Camargo (jornalista do “Jornal da Tarde, trabalhou

também na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), e outra pessoa que não recordo o

nome agora.

Gleice – E quais foram os resultados obtidos na tese de doutorado?

Ricardo – Na pesquisa eu pegava um pouco da história de vida dos entrevistados, até

para entender que percepção eles tinham do que estavam falando. Eu pude concluir que

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219

a história de vida influencia muito na recepção dos conteúdos. É interessante que a

percepção que eles tinham da temática em relação ao negro, era permeada por uma

visão de que existiam poucas matérias sobre o assunto. Mas eu tinha mais de dois mil e

quinhentos recortes sobre o assunto que me provavam o contrário, porém eu não

interferia no que eles falavam.

Quando o pergunto ao Osvaldo Camargo, por exemplo, sobre qual era a matéria que

mais havia marcado a vida dele, ele pegou uma da “Revista Realidade”, uma matéria de

capa que fazia uma comparação entre o racismo praticado no Brasil, e aquele praticado

nos Estados Unidos. Era um texto de 1968, como a matéria mais representativa para ele.

E eu fui notando que era um padrão. Eram pessoas diferentes, que trabalhavam em

ambientes diversificados, mas que tinham a mesma visão sobre a imprensa.

Mas os dados que eu já tinha levantado com relação ao mestrado, que mostravam o

negro com visões econômicas, políticas, e outras, mostravam outra realidade. E eu

ficava me perguntando o porquê da não visualização desse fato por essas pessoas. Eu

passei a entender que a história de vida pode ser um elemento complicador, muitas

vezes, na visualização das diferentes realidades.

Por um outro lado eu percebi também que o militante, porque de certa forma, todos ali

eram militantes. Eu vi que a militância era também uma anti-ciência em algumas

situações. Eu comecei ficar mais atento com a minha postura, porque quando você

deseja provar algo a todo custo, você não consegue deixar a pesquisa respirar. E eu

coloquei isso na minha investigação...

Gleice – Qual era o suporte que a ECA e a FFLCH ofereciam para os anos que

estudavam, de certa maneira, questões antropológicas?

Ricardo – Era um momento que a comunicação estava tentando encontrar o seu lugar

enquanto ciência, enquanto uma área autônoma do conhecimento. E a Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas lá da USP, principalmente os departamentos de

Sociologia e Antropologia, eles foram extremamente importantes nessa construção. A

questão da etnia era objeto da Sociologia e da Antropologia. A questão, por exemplo, do

negro ainda era muito nova para a comunicação. Na ECA, a Solange traz essa questão,

primeiro para a graduação, e depois ela começa com uma linha de pesquisa na pós-

graduação com relação a isso.

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220

Gleice – E quais eram as disciplinas que o senhor cursou na ECA?

Ricardo – Eu tive aula com a Solange, na disciplina a “Representação Étnica e a

Comunicação Social”, que abordava a linha ligada ao negro. Cursei várias disciplinas.

Metodologia com a Professora Maria Immacolata Vassalo Lopes. Fiz aulas com a

Professora Dulcília Buotoni, do Departamento de Jornalismo. Cursei algumas

disciplinas, também na FFLCH, inclusive, fiz até o curso oferecido pelo Professor João

Baptista Borges Pereira. Mas sempre procurei fazer uma interligação com a

comunicação.

Gleice – Em quais autores o senhor se embasou para compor a pesquisa?

Ricardo – Vários! Roger Bastide, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Canclini,

Oracy Nogueira, João Baptista Borges Pereira e outros. Mas eu era apaixonado pelo

jornalismo, e sempre trazia tudo para a comunicação.

Gleice – E qual é o trabalho que o senhor realiza hoje aqui na Unesp, em Bauru?

Ricardo – Para a graduação, eu ministro as disciplinas Jornalismo Especializado I e

Jornalismo Especializado II. Essas duas disciplinas têm a duração de um semestre cada

uma. No curso I eu trabalho muito o jornalismo científico.

Quando eu comecei a estudar a história do jornalismo científico, percebo que sem

entender as relações raciais, é praticamente impossível compreender o que eu queria

analisar. O que, praticamente, possibilitou o desenvo lvimento da divulgação científica

no Brasil foram as teorias raciais. Isso ocorre porque na segunda metade do século XIX,

existia um Brasil que estava “pegando fogo”. Primeiro, existia um debate para que o

país se tornasse república. Você tem a pressão da Inglaterra, que queria formar um

mercado consumidor aqui. Não existia a possibilidade de existir um mercado

consumidor em um país escravocrata. Outras nações também pressionavam o Brasil. É

interessante porque os primeiros jornais que surgiram aqui, tais como a gente vai

conhecer na atualidade, seriam “A Província de São Paulo”, o “Correio Paulistano”, e

outros que estavam tomando posição tanto pela manutenção do império como pela

proclamação da república. A “Província” era pró-República. E o debate que surge aí não

é a necessidade de acabar com a escravidão, não por uma questão de humanidade, mas

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por uma questão lógica. Não era possível existir escravidão em uma República. Nisso,

você vai ter grandes correntes teóricas, como o Positivismo, que gera até a nossa

bandeira; e o evolucionismo de Darwin, que estava muito presente naquela época. E

aqui surge como o “Darwinismo Social”, implicando que as pessoas são diferentes de

acordo com a raça. Eu descobri que a divulgação científica estava intimamente ligada

com as questões raciais.

Já no curso II trabalho muito a questão de como utilizar as terminologias corretas, com

os grupos minorizados. Eu ministro essas disciplinas desde que eu ingressei na Unesp.

No mestrado, eu ministro a disciplina Midialogia Científica Especializada. É um

aprofundamento das disciplinas da graduação. Além de lecionar nos cursos de

graduação e no mestrado aqui da Unesp, eu sou o responsável pela direção da “Rádio

Unesp”, entrei na emissora em dezembro de 2005.

Gleice – O senhor pode falar um pouco sobre o trabalho na rádio?

Ricardo – Fui nomeado relo reitor da instituição para dirigir o Centro de Rádio e

Televisão Educativa. Mas a minha função aqui é só cuidar da rádio. A Rádio Unesp é

uma emissora que tem a outorga da Anatel como emissora cultural e educativa. A

emissora atinge 100km, abrangendo diversos municípios da região de Bauru. Além

disso, a emissora pode ser acessada pela internet.

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Entrevista de Roberto Reis de Oliveira concedida à Gleice De Divitiis em 30 de

agosto de 2008:

Gleice - Você pode fazer um resumo da sua biografia?

Roberto - Nasci em 05 de janeiro de 1968, na cidade de Garça, em São Paulo.Tive a

infância na fazenda, o que me foi muito importante. O sentido vizinhal e comunitário

definiram várias rumos em minha vida. Estudei em escola pública até o ensino médio.

Cursei Magistério com aprofundamento em pré-escola. Apesar de ter vivido

intensamente as atividades do curso, não ingressei na carreira mesmo tendo sido

aprovado em concurso para ingresso. Em 1987 ingressei no curso de Pedagogia da

Unesp – Marília, quando li vários textos de referência na Filosofia e na Sociologia.

Depois de um ano, ingressei novamente –via vestibular – em Jornalismo na Unesp

Bauru, carreira que desde cedo desejei e neste momento o curso já havia sido

encampado pela Estadual Paulista.

O contato com a professora Dalva Aleixo Dias se deu logo no primeiro semestre do

curso, na disciplina de Metodologia. Foi um contato privilegiado, que se estendeu pelo

curso todo, culminando com a orientação no trabalho de Graduação e perdura até hoje.

Finalizei a graduação em 1992. Executei trabalhos jornalísticos em Garça de 1993 a

1995 (como editor e sócio de um jornal); 1995, início da atividade docente na

Universidade de Marília; 1998-2002, Mestrado em Comunicação – Unimar;

2004 e 2005, aluno especial do doutorado da Universidade Metodista de São Paulo;

2006, ingresso no doutorado da Universidade Metodista de São Paulo.

Gleice - Quais foram as razões que o motivaram a escolher o objeto de estudo atual

(tese de doutorado)?

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Roberto - Sou docente de uma faculdade do interior paulista. Inevitavelmente tenho

contado com veículos de comunicação e jornalistas da região.

Nosso trabalho tem reflexos junto a estes, profissionais e suas práticas.

Isto me levou a estudar as configurações da mídia local e regional.

Gleice - Qual é o grau de importância, de acordo com a sua perspectiva, das

citações de João Baptista Borges Pereira e/ou Solange Couceiro na sua pesquisa?

Roberto - O contato com estes pesquisadores/autores se deu no trabalho de graduação.

Foi um estudo de um projeto cultural que lidava com a cultura negra de Garça (e, claro,

seus ecos na mídia).

Na época, minha orientadora (professora Dalva) fazia sua dissertação de mestrado,

orientada pela professora Couceiro. As referências de Borges Pereira foram importantes

na construção do marco conceitual do trabalho.

Gleice - Quais são as considerações da sua atual orientadora (Anamaria Fadul)

sobre as referidas citações?

Roberto - Hoje sou orientando da professora Cicília Peruzzo. A trajetória de pesquisa

(incluindo a graduação) foram questões pontuais na entrevista com a professora Fadul.

Gleice - O incentivo fornecido pela Professora Dalva foi decisivo para que você

prosseguisse na carreira acadêmica?

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Roberto - Diria que decisivo. Sempre admirei a professora Dalva pela sua capacidade e

pela sua generosidade com colegas de trabalho e orientandos. A professora sempre foi

uma figura de destaque. No seu currículo acadêmico não há sombra de um mal que

assola a comunidade acadêmica: a tal da “arrogância epistêmica”. Isso é fundamental!

Gleice - Você pode falar um pouco sobre o seu trabalho na Unimar? Você orienta

alguém que tenha uma temática parecida com a sua tese? Você realiza algum

projeto que contribua com o fortalecimento da Unimar e/ou de outra instituição?

Participa de algum grupo de pesquisa vinculado à Universidade?

Roberto - Ingressei na Unimar quando o curso de Comunicação estava em seu quarto

semestre de vida.

Isto foi importante porque ao lado de outros colegas, pudemos contribuir para o

reconhecimento do curso e, também, para sua projeção na região e entre os cursos de

comunicação social. Desde 1997 coordeno a produção do jornal- laboratório do curso.

Pude acompanhar também a implantação e o reconhecimento do mestrado em

Comunicação.

Durante esses quase 13 anos, orientei trabalhos de iniciação científica que envolviam –

de algum modo- a relação negro-meios de comunicação.

Com relação a iniciativas que contribuam para o fortalecimento da Instituição, creio que

o fato de levar adiante um trabalho sério na docência e na pesquisa por si seja um

incentivo importante.

Como pesquisador, procuro levar o nome da instituição aos congressos e outros eventos

em que faço comunicações de pesquisa. Isto também acontece, creio, quando participo

de comissões de avaliação de cursos do Inep/MEC.

No mais, trabalhamos com os produtos laboratoriais em jornalismo que sempre

contribuem para a projeção da Universidade.

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225

Gleice - Você pode explicar com mais de talhes o seu projeto de doutorado? A

Antropologia da Comunicação está presente?

Roberto - A idéia central é levantar e estudar as configurações de uma emissora de

televisão que cobre 47% do estado de São Paulo, a TV TEM.

Procuramos sistematizar mais contribuições sobre a atuação de veículos em perspectiva

regional e local.

Percebemos, pelo menos por enquanto, que a emissora representa um avanço

significativo no panorama da regionalização midiática, porém há que se considerar que

se trata de uma afiliada da Rede Globo, portanto há uma série de limitações no

processo.

Tentamos dar conta disto.

Gleice - Pelos estudos que você realiza, e as orientações concluídas você se

considera, de alguma forma, um antropólogo da comunicação? Você pode

justificar a resposta?

Roberto - Não poderia dizer que sou um antropólogo da comunicação.

Como um pesquisador que engatinha no conhecimento da comunicação, acredito ter

uma noção vestibular do que seja a complexidade deste campo. Embora em alguns

momentos dos trabalhos tenha tido contado com questões antropológicas, não poderia

fazer esta afirmação.

Claro que já bebi de fontes importantes, inclusive da antropologia.

Logo, creio que o trabalho - até porque lidamos com comunicação e, diretamente, isto

diz respeito aos aspectos culturais, peculiaridades das localidades e regiões - toque

tangencialmente. Mas nisto não consiste o cerne das interrogações.

Digamos que tenha uma profunda admiração por aqueles que se enveredam na

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antropologia. Prefiro, nesta altura, servir-me dos "sopros" antropológicos na

comunicação.

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Entrevista de Sônia Bibe Luyten concedida à Gleice De

Divitiis, em 30 de setembro de 2008:

Gleice – Antes de mais nada, eu gostaria que a senhora falasse um pouco sobre a

sua biografia.

Sônia – Eu nasci, fui criada na cidade de São Paulo. Sou de 21 de agosto de 1948. Sou

paulistana do bairro do Paraíso. Tenho três filhas (Nathalie, Isabellle e Caroline). Tenho

três netos. Realizei todos os meus estudos em São Paulo, e eu prestei vestibular para a

Faculdade Cásper Líbero. Escolhi o curso de jornalismo. Fui, inclusive, aluna do

Professor José Marques de Melo, quando ele estava iniciando a sua carreira acadêmica.

Eu trabalhei na imprensa por vários anos...

Gleice – Em qual veículo?

Sônia – Trabalhei em jornal, na “Gazeta”, periódico feito na Fundação Cásper Líbero.

Comecei minha carreira. Depois eu trabalhei como free lancer, e em agência de notícias

como tradutora e jornalista. Posteriormente, eu fui cobrir umas férias de uma amiga, que

fazia tradução de histórias em quadrinhos, lá no “Estadão”.

Cobrindo essas férias, ela iria se casar, na verdade, essa amiga iria fazer uma viagem de

moto ao redor do mundo. Isso em 1967. E eu acabei ficando, trabalhando no “Jornal da

Tarde” e no “Estadão” como tradutora. Nesse período, eu vi que abriu vaga para o

mestrado em Comunicação na USP. Em princípio, o meu primeiro trabalho tinha

relação com quadrinhos. O meu primeiro orientador na USP foi o Professor Freitas

Nobre. Isso em 1972.

Gleice – Então, a senhora fazia parte da primeira turma do mestrado em

Comunicação da USP?

Sônia - Exatamente. E o Professor Freitas Nobre tinha um grupo sobre direito da

informação. Com isso, a minha área era quadrinhos e direito da informação. Mas

justamente naquela época, por questões políticas, o Freitas Nobre foi afastado da USP.

Aí então é que começou o meu desespero, porque a minha linha, mesmo, sempre foi

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quadrinhos. Até hoje eu produzo trabalhos dentro desse campo. E concomitantemente a

tudo isso, eu fui convidada pelo Professor Marques de Melo para fazer parte do corpo

docente do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA. Eu comecei a dar aulas

tanto para o ciclo básico dos cursos de Comunicação, como para os alunos de

Editoração, na disciplina relacionada aos quadrinhos.

Gleice – Quando a senhora começou a lecionar na USP já tinha concluído o

mestrado?

Sônia – Não. No início, a ECA estava sendo implantada. Ninguém detinha a titulação.

Todos nós estávamos fazendo o mestrado para continuar na carreira acadêmica. Hoje os

requisitos são mais rígidos, mas naquela época, na década de 70, todo mundo estava

começando. Por exemplo, professores como Egon Schaden, Virgílio Noya Pinto e

Hiroshi Saito eram provenientes de outras unidades da USP. Após a USP, dei aula na

FIAM, na FAAP, na Anhembi Morumbi, Cásper Líbero, em três universidades

japonesas, na Holanda, na França e na Universidade Católica de Santos.

Gleice – E como foi a readaptação da senhora no mestrado com a saída do

Professor Freitas Nobre?

Sônia – Todos os orientandos de Freitas Nobre foram realocados para outros docentes.

Foi quando o Professor Schaden entrou na história, e eu fui indicada para falar com ele.

E então ele disse que a área dele era a Antropologia da Comunicação. Fui informada por

ele que estavam formando um grupo de pesquisa, que estava analisando comunidades

de imigrantes estrangeiros no Brasil, através da perspectiva comunicacional. O

Professor Schaden afirmou que se eu quisesse fazer parte desse grupo, seria bem-vinda.

Inclusive, ele pensou que eu tinha descendência holandesa devido ao meu sobrenome.

Eu disse que era descendente de italianos, mas já existia um projeto com essa temática.

Dessa maneira, fiquei com os holandeses.

Gleice – Então foi o Professor Schaden que ofereceu a proposta da realização de

um projeto de pesquisa sobre os holandeses?

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Sônia – Foi, porque ele já estava orientando um grupo relacionado a esse tipo de

pesquisa. O foco era o processo de aculturação dos imigrantes visto sob um ângulo

comunicacional. E aí eu ingressei no grupo. Naquela altura o mestrado não tinha regras

tão rígidas como hoje. O curso tinha um período de duração maior. Minha pesquisa de

campo, então, foi uma análise dos imigrantes holandeses em uma colônia chamada

Carambeí, no Paraná. Foi um trabalho magnífico, porque eu ia lá, levava a família toda.

Fazia entrevistas, ouvia diversas histórias de vida, e vendo a relação desses imigrantes

com a sociedade brasileira.

Gleice – E quais foram os principais resultados obtidos com a pesquisa?

Sônia – Eu demorei um bom tempo para fechar a pesquisa, uns quatro ou cinco anos. A

liderança do Professor Schaden foi muito boa. Ele era uma pessoa extremamente

organizada, e ele dava todas as bases para que nós fizéssemos as pesquisas necessárias.

Depois de terminar o mestrado, eu publiquei um livro sobre isso, intitulado

“Comunicação e Aculturação”. Pelo fato da colônia de holandeses investigada ter

membros protestantes, comparando com outros fluxos de imigração que vieram da

Holanda, como por exemplo, as pessoas que se concentraram em Holambra, em São

Paulo, que são católicos, encontrei uma significativa interferência nos processos de

aculturação. Esse foi o cerne da pesquisa. Eles, muitas vezes, preferiam realizar

casamentos com membros da própria família, para evitar uma mudança de religião. Eles

pertenciam a uma facção protestante, a Igreja Reformada Holandesa. Eram

extremamente fanáticos. Somente a partir da terceira e quarta geração é que surgiu uma

abertura, através mecanismos de comunicação, como um jornal interno e a própria

escola.

Gleice – E como era o relacionamento da senhora com o Professor Schaden?

Sônia – Ele me recebeu de braços abertos. Apesar de ele ter uma aparência bastante

rígida, o Schaden era uma pessoa bastante afável. A gente ia, também, nos cursos do

Professor Schaden, realizados no auditório da ECA, que eram lotados. Eu gostava muito

das aulas dele. A metodologia dele era muito interessante. Ainda hoje com os meus

orientandos, eu tenho recordações da metodologia empregada pelo Professor Schaden.

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Com o Schaden eu tinha uma relação amistosa, dava carona para ele após as aulas. No

entanto, durante o caminho ele ficava “mudo”. Estava muito cansado. Hoje a gente

entende perfeitamente. Ele se dava completamente nas aulas. O “bom” do Professor

Schaden e do Professor Saito era a relação de amizade que eles mantinham com os

orientandos... Eu freqüentava a casa do Professor Schaden, fiquei amiga da esposa dele,

dos filhos. Até hoje eu tenho contato. Quando o meu marido foi orientando dele,

freqüentávamos muito a casa do Schaden. O professor dava festas, deixava a biblioteca

dele à disposição.

Tenho uma lembrança do Professor Schaden de algo que aconteceu uma vez... O

Schaden e a esposa foram até a minha casa, e nós os convidamos para comer uma pizza,

lá no Paraíso mesmo. Na pizzaria ele começou a falar alto, aí a minha filha, ainda

pequena, teve a ousadia de dizer ao Professor Schaden que ele estava falando muito

alto, e aí a Dona Margarida, esposa dele, concordou: “Você não está na sala de aula!

Fala mais baixo!” Em síntese: tínhamos uma relação bastante amistosa, o que nos

deixava bastante à vontade.

Gleice – Qual era o diferencial da metodologia empregada pelo Schaden em

comparação aos outros docentes?

Sônia – Era a forma que ele acompanhava os nossos trabalhos. A gente aprendeu muito.

Foi a época que eu mais li. Tive uma base muito sólida em Antropologia. É algo que

ficou muito marcado até hoje pra mim. Mas eu não terminei o mestrado com o Schaden.

Por razões políticas ele teve que sair da ECA, e eu tive a orientação do Professor Saito.

Gleice – O Professor Schaden comentava com a senhora sobre a implantação da

disciplina Antropologia da Comunicação na ECA?

Sônia – Sim. O Professor Schaden comentava muito sobre a falta de bibliografia para a

área. Na ECA ele fez vários “livrinhos”, tentando colocar esses aspectos da

Comunicação. Eram “livrinhos” bem pequeninos, que atualmente consideramos como

apostilas, ou alguma coisa do gênero. A Antropologia da Comunicação, na época, era

uma área inovadora. Você não analisava apenas os aspectos antropológicos, mas isso

relacionado com os aspectos comunicacionais. O que a Comunicação influía? Qual era a

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contribuição da Comunicação para mudar, para ir adiante no processo da evolução de

uma tribo de índios, ou então, de uma comunidade? E o método que a gente estava

estudando, o funcionalismo, e o estudo dos índios que era o foco do Professor Schaden

nos ajudou bastante. E além do mais, o Professor Schaden me deu um livro para

traduzir, eu fiz um trabalho. Isso tudo me ajudou. Era um livro por uma editora da USP,

e mais uma outra que era de um antropólogo chinês. Eu lembro que estava grávida

quando traduzi esse livro. Eu ganhei um “dinheirinho”, porém o mais importante foi

estar em contato com o assunto, verificar a opinião de outros antropólogos.

Gleice – A senhora participou, de alguma maneira, da implantação da ECA. Como

a senhora viu o desenvolvimento da unidade? A senhora tem alguma lembrança

sobre isso?

Sônia – Minha visão era de mestranda, pois fiz a graduação na Cásper Líbero. Esse

mestrado da ECA foi o primeiro no Brasil referente à área de comunicacional.

Estávamos em uma fase de muito experimentalismo. Todo mundo tinha um certo

preconceito contra a própria faculdade de Comunicação, pois as pessoas acreditavam

que a instituição estava “invadindo” os espaços tanto da Sociologia quanto da

Antropologia, e outros campos.

Gleice – Então existiu em “embate” entre a ECA e outras unidades?

Sônia – Teve sim. Mas os professores estavam lá, e prontos para isso. Mas eu nunca

tive qualquer problema. A gente percebia que as unidades tinham um sentimento de

como se nós estivéssemos “pisando no terreno” deles. A Comunicação é uma área

muito ampla. No período de implantação do mestrado, lá na ECA, a grade curricular foi

modificada várias vezes. A nossa turma foi privilegiadíssima, pois nós pegamos grandes

nomes das respectivas áreas. Para estudar Comunicação, é essencial ter bases em

Sociologia, Antropologia, e uma série de coisas. Tive aulas com o Schaden, com o

Virgílio Noya Pinto. Em outras palavras: tive a oportunidade de aprender com a “nata

da nata” dos mais diversos campos.

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Gleice – Entretanto existiu de alguma forma uma cooperação entre a ECA e

FFLCH no que se refere ao empréstimo de materiais, por exemplo?

Sônia – Quem emprestava material para os alunos da FFLCH na área antropológica era

o próprio Schaden. Eu não me lembro de ter ido alguma vez à FFLCH para pegar

alguma espécie de material.

Gleice – Além do Schaden, do Virgílio Noya Pinto e do Hiroshi Saito, quais foram

os outros docentes que lecionaram para a senhora naquela época?

Sônia – José Marques de Melo, Fredric Lito. O professor, Lito, inclusive nos ajudou

muito com as questões metodológicas.

Gleice – A senhora esteve vinculada à ECA em um período muito expressivo da

unidade, isto é, entre as décadas de 70 e 80. Quais foram as mudanças

significativas que ocorreram na instituição nessa época?

Sônia – Na verdade fiquei até 1984 na ECA. Essas mudanças estão muito ligadas,

inclusive, pela atuação do Professor Marques de Melo. Ele deu mais dinamismo, um

pouco mais de metodologia e modernização à ECA. Foi a época de ouro da ECA.

Abertura e consolidação.

Gleice – A senhora se consideraria uma antropóloga da Comunicação?

Sônia – Não. Eu não segui essa linha. Eu até ia seguir esse caminho, mas o Schaden foi

afastado. Eu terminei o mestrado dentro dessa área. Fui direcionada ao Professor Saito,

que era sociólogo. O Professor Saito até considerou que seria interessante fazer um

trabalho comparativo, para o doutoramento, entre as colônias católicas e protestantes, e

focando bastante o papel das cooperativas. Quando eu estava seguindo o meu trabalho

de doutorado, o Professor Saito morreu no meio do caminho da minha orientação. Aí eu

fui para o Professor Virgílio Noya Pinto. Da Antropologia, passei para a Sociologia, e

depois para História. Nessa época já tinha cumprido todos os créditos, mas fui

convidada para ir ao Japão lecionar. Como eu já tinha uma área paralela que eram as

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pesquisas sobre quadrinhos, e gostava muito dos quadrinhos japoneses, eu tive a

ousadia de ligar para o meu orientador e mudar o meu tema. O Professor Virgílio

enfatizou que não entendia nada sobre a temática, e eu repliquei dizendo que eu não iria

desapontá- lo. Fiz o trabalho, tirei dez... Em suma: eu tive uma formação na área

antropológica, mas não continuei.

Gleice – Atualmente a área de pesquisa da senhora está direcionada aos

quadrinhos?

Sônia – Sim. Trabalho com quadrinhos e jornalismo.

Gleice – E a senhora desenvolve algum projeto de pesquisa neste momento?

Sônia – Sempre!

Gleice – E qual é o foco das pesquisas atualmente?

Sônia – Tenho vários focos dentro dos quadrinhos. Agora com a comemoração do

centenário da imigração japonesa, tenho me dedicado bastante aos mangás. Inclusive, é

uma pesquisa que comecei ainda na Eca, na década de 70, analisando os mangás, o que

se tornou a minha tese de doutorado. Depois disso, publiquei vários trabalhos referentes

ao tema. Outro foco são os quadrinhos na sala de aula, isto é, como o professor pode se

utilizar dos quadrinhos para melhorar o desempenho do aluno.

Outro enfoque são os quadrinhos africanos, também direcionados às questões

pedagógicas. Em alguns países da África, onde o nível de alfabetização é baixo, o

quadrinho é utilizado pelo governo como um folheto de prevenção da AIDS, e outros

problemas sociais. No entanto, se eu não tivesse a base antropológica e sociológica

apreendida na ECA, alguns trabalhos que fiz teriam sido superficiais. A Antropologia

realmente me deu o alicerce para os meus estudos. Basicamente, quando você realiza

uma pesquisa é essencial recorrer aos estudos do homem e sociedade.

Gleice – A senhora não se considera, mas está na área da Antropologia da

Comunicação...

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Sônia – Eu vejo que essa segmentação do conhecimento é extremamente danosa.

Quando você fala que é de Comunicação, isso não pode significar colocar uma viseira e

ver só o que se refere à área comunicacional. O conhecimento humano é amplo. O

grande legado do Schaden, por exemplo, foi abrir horizontes nesse sentido.

Gleice – A senhora leciona em alguma universidade atualmente?

Sônia – Apesar de estar extremamente ativa, não leciono atualmente em universidades.

Hoje em dia eu fiz uma opção. Exerço a atividade docente de outra forma. Dou cursos,

palestras...Tudo relacionado aos quadrinhos. Eu só não tenho a universidade como

“muleta”. Não é necessário um local fixo para lecionar. Para se ter uma idéia, profiro

palestras ao redor do mundo. Tenho uma agenda lotada. O fato de estar fora de uma

universidade, faz com que eu tenha que ser mais metódica.

Gleice – Se possível, eu gostaria que a senhora falasse um pouco sobre o Professor

Joseph Luyten, da biografia dele, do ingresso na ECA...

Sônia – Bom, o Joseph nasceu na Holanda, em 15 de agosto de 1941. Ele era o quinto

de oito filhos. A mãe dele tinha uma visão muito grande, e na década de 50, período

pós-guerra, ela quis sair da Holanda. A Holanda é um país muito bonito e organizado,

mas lá é o governo quem decide o que você vai ser quando crescer. Até hoje é isso.

Nesse contexto, a mãe do Joseph decide, então, imigrar para o Brasil com os oito filhos

e o marido por conta própria. Eles vieram para o Brasil em 1952, primeiramente para

Pernambuco, Recife. Eles queriam começar uma “nova vida” por lá. No entanto, Recife

não foi muito positivo para eles, o clima foi um fator que prejudicou bastante.

Dessa forma, eles decidiram vir para São Paulo. Como o Sul da Holanda, local de

procedência da família do Joseph, era extremamente católico, a família recebeu muito

apoio dos padres franciscanos. Nessa altura, o Joseph tinha 11 anos de idade. O Joseph

continuou os estudos dele aqui no Brasil.

Praticamente, toda a formação dele é brasileira. Primeiramente, ele entrou em Filosofia

na USP. Cursou Filosofia, e depois ele quis fazer Administração de Empresas e,

posteriormente, Jornalismo. O Joseph era o irmão que mais se destacava na questão de

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conhecer sobre a cultura brasileira. Todos os irmãos dele são engenheiros, e ele foi o

único que seguiu o campo comunicional, essa área de Humanas.

Nós nos conhecemos, por um acaso, eu tinha 16 anos. Era uma festinha na casa de uma

colega minha de classe, e ele estava lá porque era amigo da irmã mais velha dessa

minha amiga. E aí o conheci. A gente começou antes de eu entrar na faculdade. Eu tinha

16 para 17 anos, e me casei com 19 anos de idade. Mesmo ele sendo mais velho, 7 anos,

nós tínhamos muitas coisas em comum. Idéias do que a gente queria da vida, por

exemplo. Quando nós ingressamos na ECA, já éramos casados. Então nós vivemos a

nossa vida trabalhando e estudando juntos. O Joseph sempre me deu ampla liberdade de

trabalho, de carreira. Nós começamos juntos, inclusive o curso de pós-graduação. O

bonito da nossa história é que um nunca atrapalhou o outro.

Gleice – E o Professor Joseph teve o mesmo problema que a senhora com o

orientador?

Sônia – Não, ele foi direto para o Schaden. Meu caso que é famoso na ECA (risos). Em

um dos cursos que eram realizados na ECA, o Joseph teve contato com um professor

francês, esse fato despertou nele o interesse pela cultura popular dentro dessa área de

Comunicação.

Gleice – Mais especificamente, como surgiu o interesse pela literatura de cordel?

Sônia – Surgiu através desse curso que ele fez. O Joseph acreditava que os brasileiros

tinham certo preconceito com a cultura popular. Precisou um estrangeiro expor esse

assunto. Para o Joseph foi um grande início, esse foi o caminho. Com isso, ele

direcionou o mestrado para essa questão. Ele defendeu o doutorado primeiro do que eu,

em 1983. A partir do momento que ele determinou o que queria fazer, ele seguiu em

frente. Era muito disciplinado. Ele comprou e montou um acervo de folhetos de cordel.

Ele tem mais de 19 mil folhetos. É um dos maiores acervos do mundo. Eu sempre

admirei a profundidade do Joseph como pesquisador. Ele escreveu uma quantidade de

livros e artigos absurda. Era uma pessoa que corria atrás. E o relacionamento com o

Schaden era muito positivo. Os dois fumavam cachimbo juntos, conversavam em

alemão (risos). Na verdade, o Schaden queria que o Joseph continuasse a linha de

estudo dele, ou seja, a Antropologia da Comunicação. Mas o Joseph fez a opção pelo

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cordel. Para falar a verdade, o campo do Joseph enveredava pela Antropologia da

Comunicação. Mas aí nós fomos para o Japão, e nos distanciamos do Professor

Schaden. Quando soubemos da morte do Professor Schaden, estávamos fora do Brasil.

Quando voltamos ao Brasil, o Joseph começou a dar aulas na Universidade Metodista

de São Paulo, e na Unisantos.

Gleice – Se hoje o Professor Joseph estivesse vivo a senhora acredita que ele se

consideraria um antropólogo da Comunicação?

Sônia – Acredito que sim.

Gleice – E por quê?

Sônia – Porque fatalmente era a área dele. É o homem. E justamente o Joseph sempre

valorizou o que era o extremo tanto na área de Comunicação quanto na Antropologia,

ou seja, a comunicação das camadas baixas da população. Infelizmente, ninguém olha

para baixo.

Gleice – A senhora gostaria de acrescentar algo mais?

Sônia – Sim, gostaria de dizer que a grande contribuição do Joseph foi tornar todo esse

conhecimento antropológico uma disciplina, que é a “Folkmídia”. Era o campo de

estudo que ele aplicava na Metodista. Outra coisa que eu gostaria de dizer é que tanto o

Schaden, como outros professores nos ensinaram, acima de tudo, como ser orientador.

Por exemplo, os orientandos do Joseph tinham uma amizade muito grande com ele. E

isso a gente deve ao Schaden. Eu devo aos meus orientadores o meu sucesso.

Gleice – Então, a senhora se espelhou no Schaden, por exemplo?

Sônia – Espelhei-me no Schaden. E o Joseph também. Foi uma pessoa muito marcante

na nossa trajetória acadêmica.