UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO · 2017. 6. 7. · universidade metodista de sÃo paulo...

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde CARLA LUCATO PAVARINE DE PAULA DESEMPENHO EM TESTES DE ATENÇÃO VISUAL E INTERFERÊNCIA DE ESTÍMULOS AUDITIVOS DE MOVIMENTO EM INDIVÍDUOS COM E SEM MEDO DE ALTURA São Bernardo do Campo 2003

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  • UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA

    Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde

    CARLA LUCATO PAVARINE DE PAULA

    DESEMPENHO EM TESTES DE ATENÇÃO VISUAL E

    INTERFERÊNCIA DE ESTÍMULOS AUDITIVOS DE MOVIMENTO

    EM INDIVÍDUOS COM E SEM MEDO DE ALTURA

    São Bernardo do Campo 2003

  • CARLA LUCATO PAVARINE DE PAULA

    DESEMPENHO EM TESTES DE ATENÇÃO VISUAL E

    INTERFERÊNCIA DE ESTÍMULOS AUDITIVOS DE MOVIMENTO EM INDIVÍDUOS COM E SEM MEDO DE ALTURA

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

    em Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo

    como pré-requisito para o exame de Defesa de Mestrado

    na área de concentração Psicologia da Saúde, sob

    orientação e supervisão do Prof. Dr. Renato Teodoro

    Ramos.

    São Bernardo do Campo 2003

  • FICHA CATALOGRÁFICA Paula, Carla Lucato Pavarine de Desempenho em testes de atenção visual e interferência de estímulos auditivos de movimento em indivíduos com e sem medo de altura / Carla Lucato Pavarine de Paula ; orientação de Renato Teodoro Ramos. São Bernardo do Campo, 2003. 62 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia, Curso de Pós-Graduação em Psicologia. 1. Acrofobia 2. Atenção 3. Vertigem 4. Ansiedade I. Ramos, Renato Teodoro II. Título. CDD 157

  • DEDICATÓRIA

    Deus escolhe os filhos para homenagear as pessoas.

    Este trabalho é em homenagem à Marina, minha

    filha divina.

  • AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por tudo em minha vida, pela força, sabedoria, ensinamentos

    preciosos, pelas oportunidades de crescimento pessoal, pelo amor.

    Aos meus pais por toda a dedicação e amor à formação do meu caráter, em especial

    a minha mãe pela dedicação e por ser também a mãe da minha filha em todos os momentos

    em que precisei e ainda preciso, sempre com muito amor, agradeço com o meu coração.

    Ao meu marido, amigo, companheiro e amor Sergio pela compreensão, por sempre

    acreditar na minha capacidade, pela felicidade que trouxe para a minha vida, pela nossa

    filha maravilhosa, por tudo, pois faltam palavras para expressar toda a gratidão e amor.

    AMO VOCÊ!!!

    Às amigas Simone, Camila, Alessandra, Eliana e Adriana por toda a colaboração,

    pelas alegrias e dificuldades que juntas passamos no dia a dia, mas sem nunca deixar de

    acreditar umas nas outras e mostrar o quanto somos felizes por tudo, que seja assim para

    sempre!!!

    À Noeli pela amizade e cumplicidade durante todos estes anos. Às amigas Letícia e

    Patrícia pela colaboração e por acreditarem em mim, vocês estarão sempre no meu coração!

    À Camila Sachelli por toda a colaboração para o êxito deste trabalho.

    A todos os amigos da Universidade do Grande ABC e da Universidade Metodista de

    São Paulo que colaboraram direta ou indiretamente com este trabalho, meus sinceros

    agradecimentos.

    Ao meu orientador Prof. Renato, pela sabedoria, dedicação, paciência e bom humor

    sempre, minha admiração e meu muito obrigada!

    A todos os meus professores meus agradecimentos pelos incentivos e pela estrutura

    profissional.

    A todos os meus alunos que colaboraram com este trabalho, agradeço de todo o

    coração, pois vocês são meus estímulos constantes.

    A todas as pessoas que direta ou indiretamente colaboraram, muito obrigada!

  • RESUMO Desordens da ansiedade, especialmente a agorafobia e a desordem do pânico foram

    associadas a anormalidades das funções vestibulares. Evidências de que o controle do

    equilíbrio pode exigir habilidades atencionais também foram relatadas. Utilizando o medo

    de altura como modelo clínico onde sintomas ansiosos coexistem com anormalidades com a

    percepção espacial e controle do equilíbrio, este estudo investigou o desempenho em testes

    de atenção visual em voluntários normais com altos e baixos escores obtidos do

    Questionário de Acrofobia. O teste de rastreio visual foi realizado em 30 indivíduos (15 em

    cada grupo) enquanto ouviam dois tipos diferentes de estímulos auditivos. Na condição

    “volume” um som de 900 Hz era apresentado em ambos ouvidos durante 2 segundos

    seguidos de mais 2 segundos de silêncio. Na condição “balanço”, o mesmo som era

    apresentado durante 2 segundos ao ouvido direito seguido por 2 segundos ao ouvido

    esquerdo. Estímulos auditivos de movimento provocaram maior desconforto em ambos os

    grupos, mas nos indivíduos com maiores escores de acrofobia estes estímulos foram

    associados a um pior desempenho no teste visual. Embora muito limitado pela amostra

    experimental, este estudo sugere que o medo de altura pode estar associado à dependência

    visual para manutenção do equilíbrio e que poderia piorar o desempenho nos testes visuais

    devido à competição dos recursos neuro-cognitivos. Implicações experimentais e clínicas

    destes achados preliminares exigem outras pesquisas.

  • ABSTRACT Anxiety disorders, in special agoraphobia and panic disorder, have been associated to

    abnormalities in vestibular functions. In addition, evidences that balance control could also

    demand attentional resources have also been reported. Using fear of heights as a clinical

    model where anxiety symptoms coexist with abnormalities in space perception and balance

    control, this study investigated the performance a visual attention test of normal volunteers

    with high versus low scores in an acrophobia scale. A visual tracking test were carried out

    by 30 individuals (15 in each group) while earring two different auditory stimuli: a 900 Hz

    tone that moved from one ear to another at 2 seconds intervals versus a condition where the

    same stimuli had only changes in its intensity without movement. Moving stimuli induced

    more discomfort in both groups but in the individuals with high acrophobia scores, this

    stimulus was associated to a poor performance in the visual test. Although very limited by

    its experimental design, this study suggests that fear of heights could be associated to a

    visual dependence to keep balance that could worse the performance in visual tasks due to

    competition for neurocognitive resources. The experimental and clinical implications of

    these preliminary findings demand further investigation.

  • SUMÁRIO Lista de Figuras................................................................................................................. vii Lista de Tabelas................................................................................................................. viii 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 09 1.1 Os transtornos clínicos relacionados à ansiedade......................................................... 09

    1.1.1 Transtorno do Pânico...................................................................................... 11 1.1.2 Agorafobia...................................................................................................... 12 1.1.3 Fobias Específicas.......................................................................................... 13 1.1.4 Acrofobia........................................................................................................ 14

    1.2 Disfunção Vestibular e Desconforto com Espaço e Movimento DEM......................... 16 1.3 Atenção...........................................................................................................................24

    1.3.1 Atenção e a Percepção Visual......................................................................... 27 1.4 Objetivos....................................................................................................................... 28 2. MÉTODO...................................................................................................................... 30 2.1 Amostra/ Sujeitos.......................................................................................................... 30 2.2 Ambiente....................................................................................................................... 30 2.3 Material..........................................................................................................................30 2.4 Procedimento................................................................................................................. 31 3. RESULTADOS............................................................................................................. 36 4. DISCUSSÃO................................................................................................................. 39 5. REFERÊNCIAS.............................................................................................................42 6. ANEXOS....................................................................................................................... 49 5.1 Termo de Consentimento Pós-Informação................................................................... 50 5.2 Questionário de Acrofobia............................................................................................ 51 5.3 Inventário IDATE Estado-Traço.................................................................................. 53 5.4 Questionário de Características Situacionais................................................................ 55 5.5 Escala de Porcentagem de Desconforto........................................................................ 62

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 – Funções senoidais de freqüência não relacionadas para gerar o padrão de movimento..................................................................................................................... 35 Figura 2 – Tipos de estímulos sonoros......................................................................... 35

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 – Comparação entre os grupos com e sem medo de altura em relação à idade e aos escores nas escalas (teste t para amostras independentes).................................... 36 Tabela 2 – Comparação do desempenho nas condições de balanço e volume todos os indivíduos (teste t pareado)............................................................................................. 37 Tabela 3 – Comparação do desempenho nas condições de balanço e volume para o grupo de indivíduos sem medo de altura (teste t pareado).............................................. 37 Tabela 4 - Comparação do desempenho nas condições de balanço e volume para o grupo de indivíduos com medo de altura (teste t pareado).............................................. 38 Tabela 5 – Comparação do grau de desconforto nas condições de balanço e volume para os indivíduos com e sem medo de altura (teste t para amostras independentes)..... 38

  • 1. INTRODUÇÃO

    Ansiedade é uma experiência universal do ser humano e não deve ser considerada

    necessariamente patológica. O diagnóstico de um transtorno ansioso, em contraste, é

    considerado sempre que os sintomas ansiosos se tornam desproporcionalmente intensos ou

    duradouros em relação às condições sociais ou ambientais. Esteja associada a doenças

    clínicas ou psiquiátricas, a ansiedade é sempre uma experiência intensa com componentes

    cognitivos, comportamentais e neuro-vegetativos.

    Estes componentes da experiência ansiosa podem se apresentar de diferentes maneiras

    dando origem a diferentes categorias nosológicas na medida em que um outro sintoma

    prevaleça, como nas fobias, por exemplo. Desta forma, não é raro que médicos,

    independente de sua especialidade, psicólogos e fisioterapeutas tenham contato cotidiano

    com sintomas ansiosos e suas conseqüências no tratamento de seus pacientes. Dentre os

    diferentes fenômenos clínicos que envolvem a ansiedade, este estudo irá explorar um

    aspecto particular da relação entre sintomas de ansiedade, fobias e anormalidades do

    controle do equilíbrio e postura.

    Sintomas fóbico-ansiosos são capazes de gerar sintomas altamente incapacitantes com

    alto grau de dependência nas atividades de vida diária, social e profissional do indivíduo

    acometido e de sua família. Como será visto, tais sintomas não podem ser sempre

    creditados a anormalidades puramente psicológicas, estando muitas vezes associados à

    anormalidades do processamento neuro-cognitivo de informações.

    1.1 Os transtornos clínicos relacionados à ansiedade

    A ansiedade patológica não é um fenômeno unitário, podendo assumir diversas

    apresentações clínicas. Os transtornos ansiosos são definidos pela persistência de sintomas

    específicos como ataques de pânico ou esquiva de determinadas situações, na ausência de

    outras patologias psiquiátricas ou clínicas que pudessem justificá-los. Antes, porém, de se

    estabelecer o diagnóstico de transtorno ansioso, torna-se necessária uma extensa avaliação

    clínica para se determinar o quanto as manifestações ansiosas observadas se constituem

    sintoma de outras patologias orgânicas ou psiquiátricas.

  • Num estudo que avaliou a qualidade de vida de pacientes com transtornos de

    ansiedade, QUILTY et al., (2003) verificaram que, principalmente pacientes fóbico-sociais,

    e com transtorno obsessivo-compulsivo ou pânico, apresentavam queda da qualidade de

    vida. Estes pacientes apresentavam tendência a não se preocupar com eles mesmos, fixando

    sua atenção num determinado assunto, distorcendo outras informações do ambiente ao seu

    redor. Como nas demais condições ansiosas, estes pacientes costumam apresentar o

    pensamento difícil com dificuldade de concentração, insônia, impaciência, queda da

    memória, tremores nas mãos, palpitações e sudorese.

    Alguns fatores gerais inespecíficos parecem atuar nos diferentes transtornos como,

    por exemplo, a ansiedade de antecipação onde sintomas ansiosos intensos possam ser

    observados apenas pela expectativa de contato com situações temidas ou geradoras de

    ansiedade. Sintomas depressivos, uso ou abuso de álcool e drogas e ideação suicida são

    mais freqüentes nestes indivíduos do que na população geral (GOODWIN e HAMILTON,

    2003).

    Características interpessoais como timidez e ansiedade de separação têm sido também

    relacionadas às fobias específicas e agorafobia acompanhada de ataques de pânico

    (WILHELM et al., 2002). Além disso, outros transtornos clínicos como disfunções da

    tireóide são relatados em pacientes com transtorno do pânico e ansiedade generalizada

    (SIMON et al., 2002). Nos casos de prevalência de transtornos da ansiedade em portadores

    de outras doenças, os sintomas estão geralmente relacionados a expectativas negativas por

    parte dos pacientes em relação à própria doença. (KROENKE et al., 1997).

    Dentre os transtornos de ansiedade propriamente ditos, serão apresentados

    brevemente o transtorno do pânico e agorafobia devido à alta prevalência de anormalidades

    do equilíbrio encontrada nestes indivíduos. Como o interesse experimental irá se focar nos

    indivíduos com desconforto com altura, será apresentada também uma breve revisão sobre

    as fobias específicas.

  • 1.1.1 Transtorno do Pânico

    Ataques de pânico são episódios de intensa ansiedade acompanhados de

    manifestações como palpitações, sudorese, tremores, dificuldade de respirar e tontura,

    levando o paciente a sentir medo de morrer (American Psychiatric Association, 1994).

    Transtornos do pânico chegam a afetar até 4 % da população geral, sendo que em

    pacientes ansiosos em tratamento chega a 31 %. Geralmente acomete adolescentes ou

    indivíduos de meia-idade, porém, já foram descritos casos de início da doença em idosos,

    geralmente associados a outras doenças ou problemas neurológicos. Não foram encontradas

    diferenças entre homens e mulheres em relação à escolaridade, estado civil, tempo de

    duração da doença e idade de início do pânico (CAETANO, 1985; RAJ et al., 1993).

    A comorbidade com agorafobia é a mais comum. Em um estudo, apenas 18% (76

    pacientes) não tinham agorafobia e dentre os pacientes com pânico e agorafobia 71% eram

    mulheres (YONKERS et al., 1998).

    BROWN et al., (1995) avaliaram a comorbidade com outros transtornos de ansiedade

    e verificaram que 51 % dos pacientes portadores do transtorno do pânico também tinham

    algum outro transtorno psiquiátrico: 35 % ansiedade generalizada, 14 % fobia social e 13%

    depressão. Estes pacientes co-mórbidos responderam igualmente ao tratamento, porém foi

    necessário um período mais prolongado para tratá-los das diferentes morbidades.

    Os transtornos descritos acima foram mais comuns nas mulheres do que nos homens,

    nestes últimos, a comorbidade mais comum foi o alcoolismo. A taxa de recorrência dos

    sintomas do pânico foi o dobro quando comparadas as mulheres aos homens (YONKERS

    et al., 1998).

    TORRES e CREPALDI (2002) apontaram uma relação interessante entre o transtorno

    do pânico acompanhado de agorafobia e a hipocondria. Segundo os autores, a relação entre

    estes dois quadros é complexa e possivelmente bidirecional, um aumentando a

    vulnerabilidade ao outro.

    Em relação à etiologia deste transtorno, alguns autores sugerem a existência de um

    fator hereditário. Estudos de segregação apontam para a presença de um gene autossômico

    dominante responsável, em parte, pela doença (CAETANO, 1985).

  • Para o tratamento aplicam-se tanto as técnicas cognitivo-comportamentais descritas

    para as fobias específicas como drogas capazes de bloquear os ataques de pânico

    (VERSIANI e NARDI, 1989). No entanto, RANGÉ (1996) aponta para a necessidade de

    novos fármacos e de novos tratamentos psicoterápicos, que sejam mais específicos aos

    problemas de cada paciente.

    Um estudo comparando a eficácia do tratamento (fármacos e/ ou terapia cognitiva) do

    transtorno do pânico em pacientes que sofriam também de fobia social verificou que nestes

    últimos a eficácia do tratamento é menor do que em pacientes que não sofrem de fobia

    social (BERGER et al., 2003). Os autores sugerem um tratamento prolongado para o

    transtorno de pânico e um tratamento adicional para a fobia social.

    1.1.2 Agorafobia

    Agorafobia pode ser definida como um "medo do medo", decorrente de um ou mais

    ataques de pânico anteriores (RANGÉ, 1985). É um estado de ansiedade de estar em locais

    ou situações de difícil fuga, é o medo de ter os sintomas do pânico. Segundo RANGÉ

    (1996), pacientes agorafóbicos estão sempre hiperalertos e reagem às suas sensações com

    tanta ansiedade que induzem a situação fóbica.

    A prevalência deste transtorno é maior em mulheres do que em homens,

    principalmente a partir dos 25 anos de idade. Para os ataques de pânico teorias biológicas

    parecem ser as mais adequadas para explicar sua ocorrência, já para a agorafobia os

    modelos cognitivos parecem ser os mais adequados. Entre os possíveis mecanismos

    cognitivos já propostos destacam-se o de Clark, que propõe que a crise ocorre a partir de

    interpretações catastróficas do paciente; o de Beck, que relaciona a ansiedade como estado

    de vulnerabilidade do indivíduo; e o de Barlow (condicionamento interoceptivo), onde o

    paciente que já sofreu um ataque de pânico associa àquele estímulo a vulnerabilidade,

    tornando-se assim um agorafóbico (HAGGSTRAM et al., 1996; RANGÉ, 1996).

    Para o diagnóstico da agorafobia é necessário caracterizar bem os eventos de modo a

    identificar as fontes do problema, apesar de que a simples detecção destes elementos

    fóbicos não é necessária nem suficiente para estabelecer o diagnóstico (ARAUJO et al.,

    1989; HAGGSTRAM et al., 1996).

  • O tratamento é geralmente acompanhado de terapia na qual o paciente deve entender

    que todas as pessoas sentem ansiedade e que imprevistos acontecem sempre, sendo que às

    vezes podem resultar em algo positivo, outras em algo negativo, e que isso é comum na

    vida de todos. É preciso fazer com que o paciente se questione sobre as evidências que ele

    tem sobre a fonte temida para tentar controlar sua ansiedade frente à determinada situação

    (RANGÉ, 1996).

    RANGÉ (1992), descrevendo a psicoterapia cognitiva nos transtornos da ansiedade,

    propõem que após a desmistificação do problema sejam realizados treinamentos de

    relaxamento e o preenchimento de registros diários dos pensamentos disfuncionais

    (RDPD). Neste registro deve constar o problema, as evidências que suportam este problema

    e quais seriam outras possíveis hipóteses que explicariam determinada sensação.

    Posteriormente a esta fase, o terapeuta deve inserir gradualmente o paciente nas

    situações fóbicas e fazer com que ele pratique a técnica do A.C.A.L.M.E.-S.E. (adaptada de

    Beck et al., 1985 por Rangé), na qual o paciente faz auto-afirmações tranqüilizadoras para

    manejar a ansiedade (RANGÉ, 1992). O objetivo não é que o paciente não sinta mais

    ansiedade, mas sim que ele aprenda a controlá-la, e para isso a terapia deve abordar os três

    aspectos: cognitivo, autonômico e comportamental (RANGÉ, 1985).

    1.1.3 Fobias Específicas

    As fobias específicas se caracterizam por comportamentos de fuga em relação a

    determinados estímulos ou situações como, por exemplo, locais altos, escuros ou fechados;

    proximidade a animais como ratos, cobras, baratas ou outros; andar de avião ou ver sangue,

    entre outras (American Psychiatric Association, 1994). A grande diferença entre medo e

    fobia é que a fobia se baseia em algo irreal e está relacionada ao estímulo em si enquanto

    que o medo se relaciona às interpretações deste estímulo (HAGGSTRAM et al., 1996).

    Acredita-se que a prevalência deste transtorno seja de um a cada nove adultos, no

    caso de fobias específicas leves (CÍA, 1994). No entanto, as fobias específicas são muito

    comuns em crianças de até seis anos de idade. A etiologia pode ser explicada por diversas

    hipóteses (HAGGSTRAM et al., 1996):

  • − Condicionamento clássico: associação de algum fator que provoca medo a um

    determinado objeto, generalizando a presença de tal objeto a ocorrência do medo;

    − Teoria da predisposição filogenética: relacionada ao temor por fatores atuais (do

    presente) que provavelmente no futuro não serão temidos. Pode apresentar predisposição

    genética ou apenas influência cultural;

    − Teoria da modelação: relaciona a aquisição do medo à observação de um modelo

    e não necessariamente a uma experiência anterior negativa;

    − Modelo cognitivo: relaciona as cognições do indivíduo às suas respostas

    autonômicas e motoras.

    O melhor tratamento para este tipo de transtorno é a exposição ao agente ansiogênico.

    As técnicas mais utilizadas são a da dessensibilização sistemática e a da inundação. Na

    dessensibilização sistemática o terapeuta treina o paciente para uma técnica de relaxamento

    e expõem o paciente a uma seqüência hierárquica de situações que provocaria temor, de

    forma que o paciente as enfrente com um grau de ansiedade próximo de zero. Já a técnica

    da inundação o terapeuta tenta acabar com a ansiedade ao fazer com que o paciente atinja o

    máximo grau, sem possibilidade de esquiva ou fuga (HAGGSTRAM et al., 1996).

    Um estudo que avaliou a comorbidade de fobias específicas com transtorno do pânico

    e agorafobia sugere que as fobias relacionadas à morte podem significar um fator de risco

    ou os pródromos do desenvolvimento de pânico com agorafobia (STARCEVIC e

    BOGOJEVIC, 1997).

    1.1.4 Acrofobia

    A acrofobia é um subtipo de fobia específica na qual o paciente sofre de medo

    exagerado de altura. Atualmente, segundo a Associação de Psiquiatria Americana (DSM-

    IV), a acrofobia está classificada dentro do subtipo de fobia de ambiente natural juntamente

    com fobia a tempestades ou água e que, geralmente, tem inicio na infância. Porém, este

    agrupamento é muito discutido, pois alguns autores apresentaram evidências clínicas e

    epidemiológicas sugerindo que a acrofobia estaria melhor classificada como um medo

    situacional, como a agorafobia (HIMLE et al., 1991; VERBURG et al., 1994; ANTONY et

    al., 1997).

  • O agrupamento de condições clínicas distintas na mesma categoria pode aumentar a

    variabilidade dos parâmetros e assim conseqüentemente aumentar também o número de

    falsos negativos (ANTONY et al., 1997; CURTIS et al., 1998).

    Uma característica comum na acrofobia e na agorafobia é influência cognitiva na

    discriminação e interpretação das sensações do corpo (DAVEY et al., 1997).

    Anormalidades no controle do equilíbrio, postura e percepção motora podem estar

    envolvidas no desenvolvimento da acrofobia. O desenvolvimento do controle do equilíbrio

    não é um processo contínuo e estável ao logo da infância e da adolescência e os padrões de

    sensibilidade visual, dependentes da idade, parecem coincidir com o medo de altura.

    A vertigem causada pela altura é caracterizada por uma instabilidade de posturas e

    locomoção, associado a sintomas vegetativos e ao medo de cair. Esse fenômeno pode ser

    explicado pelo desconforto com espaço e movimento (DEM), conceito criado por JACOB

    et al., (1993) para descrever uma condição na qual situações com informações visuais e

    cinestésicas inadequadas para a orientação espacial normal provocam ansiedade e estresse.

    A relação entre a vertigem causada pela altura e a causada pelo DEM sugere que ambas

    condições apresentam a mesma base neurofisiológica, porém com diferenças na intensidade

    dos sintomas de ansiedade.

    Estudos epidemiológicos mostram que dentre as fobias específicas, a acrofobia é a

    mais prevalente (41 %), seguida do medo de animais (32 %) (GOISMAN et al., 1998).

    Ainda, CURTIS et al., (1998) mostraram que a acrofobia é mais comum em homens do que

    em mulheres. Essa é uma característica interessante por ser a única fobia que apresenta

    maior prevalência em homens (57,7 %).

    A análise do surgimento dos primeiros sintomas mostra que eles iniciam-se

    geralmente entre 2 e 7 anos, mas que a média é nos 14,7 anos de idade (CURTIS et al.,

    1990). Acredita-se que o desenvolvimento cognitivo e neurológico na infância e na

    adolescência e fatores sócio-culturais são importantes na aquisição da acrofobia.

    Diversos estudos sugerem que a aquisição ocorra de modo espontâneo e/ou não-

    associativo, ou seja, que o surgimento dos sintomas não esteja relacionado com nenhuma

    situação específica. Na tentativa de encontrar uma relação entre acidentes com queda na

    infância e a aquisição da acrofobia, POULTON et al., (2001) observaram que, ao contrário

    do esperado, acidentes com queda entre 5 e 9 anos de idade ocorreram com maior

  • freqüência em indivíduos normais. Assim, os autores propõem que o medo de altura é

    comum em algumas fases da vida, mas que os pacientes acrofóbicos não superaram esse

    medo por não terem tido oportunidades suficientes para isso (POULTON et al., 2001).

    1.2 Disfunção vestibular e Desconforto com Espaço e Movimento (DEM)

    A orientação espacial envolve a integração de informações provenientes do sistema

    vestibular, da visão e dos proprioceptores. A visão, os proprioceptores e estímulos

    vestibulares convergem a vários níveis no Sistema Nervoso Central. Como resultado do

    processo vestibular, atividades reflexas são modificadas, incluindo os reflexos vestíbulo-

    ocular, vestíbulo-espinhal e vestíbulo-autonômico (JACOB et al., 1993). Na chegada de

    estímulos sensoriais, o sistema os processa automaticamente e com incrível velocidade.

    Porém, quando os estímulos são deficientes, anormais, há a necessidade de um

    reaprendizado, um mecanismo de adaptação. Adaptação é um fenômeno que colabora com

    o indivíduo a se manter ereto novamente (MAUDONNET e MAUDONNET, 2000). A

    compensação é coordenada por um centro constituído por duas estruturas além dos núcleos

    vestibulares, o cerebelo e a formação reticular, resultando numa redução dos sintomas

    vestibulares (JACOB et al., 1993). A propriocepção refere-se ao uso das informações

    sensoriais dos receptores dos fusos musculares, tendões e articulações para discriminar a

    posição e movimentos articulares, inclusive a direção, amplitude e velocidade, bem como a

    tensão relativa sobre os tendões. Alguns neurofisiologistas também incluem os órgãos

    vestibulares no sistema proprioceptivo porque sua eferência proporciona o conhecimento

    consciente da orientação e dos movimentos da cabeça. Os impulsos proprioceptivos são

    integrados em vários centros sensoriomotores para regular automaticamente os ajustes na

    contração dos músculos posturais, mantendo, assim, o equilíbrio postural. São também

    importantes para a manutenção do equilíbrio vários tipos de aferências somatosensoriais e

    as imagens visuais da localização do corpo e suas partes com relação a pontos de referência

    no ambiente (LEHMKUHL e SMITH, 1989).

    Sob a maior parte das condições, uma pessoa pode estar conscientemente informada

    sobre a posição das várias partes do corpo com relação a todas as outras partes, e se uma

    determinada parte está em movimento ou parada. A este conhecimento foi dado, entre

  • outros, o nome de cinestesia e sentido de posição. Os sinais cinestésicos são gerados em

    vários tipos de receptores, situados nos músculos, tendões e articulações, em resposta aos

    movimentos corporais e à tensão dos tendões (LEHMKUHL e SMITH, 1989).

    Quando ocorre discordância entre as informações destes canais (sistema vestibular-

    visão-proprioceptores) ou estimulação vestibular intensa podem aparecer sintomas

    vestibulares como tontura ou vertigem. Em um primeiro estudo realizado por JACOB et al.,

    (1993), o Questionário de Características Situacionais foi aplicado aos membros de um

    grupo de auto-ajuda para distúrbios do equilíbrio, em uma amostra psiquiátrica com

    pacientes com desordem do pânico, distúrbios da ansiedade, depressão e em uma amostra

    com indivíduos normais. Os maiores níveis de desconforto com espaço e movimento

    encontraram-se no grupo de auto-ajuda para distúrbios do equilíbrio, seguido pelo grupo

    psiquiátrico. Os menores níveis foram encontrados na amostra de indivíduos normais. Em

    um segundo estudo, o Questionário de Características Situacionais foi aplicado em

    pacientes otolaringológicos com disfunção vestibular e em pacientes com déficit de

    audição. Os maiores níveis de desconforto com espaço e movimento foram encontrados nos

    pacientes com distúrbio vestibular.

    Como um sintoma, a vertigem pode caracterizar uma doença orgânica do sistema

    vestibular periférico e central, mas como um componente subjetivo, é parte de graves

    síndromes psiquiátricas. Quarenta e dois indivíduos com vertigem fóbico-postural

    participaram de um estudo neurológico e psiquiátrico. Os indivíduos passaram por uma

    completa reavaliação e responderam a uma entrevista de avaliação psiquiátrica utilizando o

    Structural Clinical Interwiew e a Global Assessment Scale. Embora a associação da

    vertigem postural com transtornos de ansiedade seja evidente, nem todos os pacientes

    apresentaram sintomas de ansiedade ou pânico durante ataques de vertigem

    (KAPFHAMMER et al., 1997).

    COHEN (1994), ao caracterizar as disfunções vestibulares por sensações de

    desequilíbrio, vertigem, desorientação e visão turva, fez questão de definir e diferenciar

    estes termos. A vertigem refere-se à ilusão do próprio movimento, usualmente definida

    como sensação de rotação que vem acompanhada de grande desconforto (sintomas

    autonômicos secundários como náusea, vômito, suor frio, desmaios, oscilações e tremores)

    e é causada por sinais inadequados enviados ao núcleo vestibular; o desequilíbrio está

  • relacionado à impossibilidade de estar posturalmente correto durante a ação da gravidade

    que é vertical; desorientação refere-se à falta de saber a própria localização no espaço ou a

    falta de localização geográfica; e a sensação de visão turva pode ser causada pela alteração

    do reflexo vestíbulo-ocular, conhecido como VOR (COHEN, 1994). Este reflexo é definido

    como o movimento compensatório dos olhos em resposta a um movimento da cabeça, para

    mantê-la estável no espaço (YARDLEY et al., 1995a). Os canais semicirculares do sistema

    vestibular são sensíveis à rotação. A cinetose, ou a náusea sofrida em veículos em

    movimento é, em geral, causada por conflito entre tipos distintos de informação sensorial.

    Quando se lê em um carro em movimento, a informação visual não sinaliza o movimento,

    enquanto a informação vestibular o faz (LUNDY-EKMAN, 2000).

    Além de fornecer informação sensorial sobre os movimentos e a posição da cabeça, o

    sistema vestibular exerce duas funções no controle do movimento: estabilização da mirada

    e ajustes posturais. A estabilização da mirada atua por meio do reflexo vestíbulo-ocular. Os

    ajustes posturais são efetuados por meio de conexões recíprocas entre os núcleos

    vestibulares e a medula espinhal, a formação reticular, os colículos superiores, o núcleo do

    nervo craniano XI e o cerebelo (LUNDY-EKMAN, 2000).

    A rotação rápida da cabeça, pelo simples girar do corpo ou por usar brinquedo

    giratório de parques de diversões, ativa as conexões dos canais semicirculares, produzindo

    alteração do controle postural, ajuste da orientação da cabeça, movimentos oculares

    reflexos, alterações autonômicas e da consciência. A amplitude das respostas reflexas às

    alterações da posição e dos movimentos depende do processamento cerebelar das

    informações vestibular e visual (LUNDY-EKMAN, 2000).

    Segundo CASTAGNO (1994), quando a pesquisa clínica é detalhada, pode-se

    classificar a vertigem em quatro categorias: (a) ilusão de movimento, que pode ser rotatória

    ou oscilante, com origem central ou periférica; (b) sensação de queda, provocada por

    alterações no fluxo sanguíneo cerebral; (c) desequilíbrio, causado por alterações nos

    sistema vestibular ou no cerebelo; (d) queixas mal definidas, que geralmente são sensações

    como “cabeça vazia”, e que estão relacionadas com problemas de ansiedade e depressão. O

    diagnóstico diferencial da vertigem é importante, pois, nem sempre a vertigem está

    relacionada com disfunções do sistema vestibular.

  • A vertigem está geralmente acompanhada de altos níveis de ansiedade e sinais de

    distúrbio emocional. Como os testes vestibulares são imprecisos e podem apresentar erros e

    como apenas o diagnóstico pelo histórico clínico leva a associação da vertigem a problemas

    de ansiedade, YARDLEY et al., (1992) desenvolveram questionários nos quais puderam

    quantificar os sintomas vestibulares sem que ocorra “contaminação” dos sintomas causados

    pela ansiedade. Questionários avaliando sintomas vestibulares e ansiedade foram

    completados por 127 pacientes com vertigem. Foram identificados sintomas distintos

    agrupados de acordo com a forma de base da construção das escalas quantificando o

    número e a freqüência dos sintomas: vertigem (longa e curta duração), sensações

    autonômicas e ansiedade provocada e somatização. Escores na escala de severidade da

    vertigem foram relacionados ao diagnóstico clínico, mas quase não obtiveram correlação

    com as medidas de ansiedade (IDATE T e E). Severidade da vertigem, sinais autonômicos

    e depressão independentemente contribuíram para a variância de dificuldade, tendo

    precedentes sobre a relação entre dificuldade, particularidade e ansiedade. Segundo a

    conclusão dos autores, a relação entre vertigem e ansiedade se deve principalmente aos

    sintomas autonômicos resultantes dos processos somatopsíquico e psicossomático.

    O sistema nervoso autonômico é crítico para a sobrevivência do indivíduo e da

    espécie porque regula a homeostasia e a reprodução. Regula a atividade dos órgãos internos

    e da vasculatura, ou seja, regula a circulação, a respiração, a digestão, o metabolismo, as

    secreções, a temperatura corporal e a reprodução (LUNDY-EKMAN, 2000).

    Áreas no bulbo regulam a freqüência cardíaca, a respiração, o grau de vasoconstrição

    e de vasodilatação por meio de sinais para os neurônios eferentes autonômicos na medula

    espinhal e por sinais conduzidos pelos nervos vagos. Áreas na ponte também participam da

    regulação da respiração (LUNDY-EKMAN, 2000).

    O hipotálamo, o tálamo e o sistema límbico modulam o controle autonômico pelo

    tronco encefálico. O hipotálamo influencia as atividades cardiorrespiratórias, metabólicas,

    de reabsorção de água e digestiva, por atuar sobre a glândula hipófise, os centros

    reguladores do tronco cerebral e a medula espinhal. A informação visceral que chega ao

    tálamo é projetada, em sua maioria para o sistema límbico, que é um conjunto de áreas

    cerebrais participantes das emoções, do humor e da motivação. A ativação das áreas

    límbicas produz respostas autonômicas (LUNDY-EKMAN, 2000).

  • Para o tratamento da vertigem em pacientes com disfunções do sistema vestibular,

    YARDLEY et al., (1998b) sugeriram, após estudo com objetivo de determinar os

    benefícios da Reabilitação Vestibular comparados aos cuidados médicos convencionais,

    que a Reabilitação Vestibular é uma terapia simples, de baixo custo e eficiente para a

    grande maioria dos pacientes. O elemento central desta terapia é um programa de exercícios

    de movimentação dos olhos, da cabeça e do corpo, com a intenção de estimular a

    compensação central (processo adaptativo que reduz a expansão dos sintomas vestibulares)

    e permitir que os pacientes superem o medo nas atividades que promovem tais sintomas.

    Muitos dos tratamentos validados para transtornos da ansiedade são benéficos para

    portadores de vertigem crônica (YARDLEY, 1994).

    YARDLEY et al. (1998a) relataram que pelo fato da vertigem ser um sintoma que

    muitas vezes não é tratado, e estar extremamente associada à incapacidade e morbidade

    psicológica, levaria indivíduos com vertigem a parar de trabalhar ou reduzir a participação

    em atividades sociais. Os autores chegaram a esta conclusão após estudo utilizando

    questionários com itens validados e encaminhados via postal a 2064 indivíduos.

    Freud, em 1895, foi o primeiro a relacionar vertigem com ansiedade

    (KAPFHAMMER et al., 1997). A relação entre ansiedade e funcionamento do sistema de

    equilíbrio está diretamente ligada a conexões neurofisiológicas entre os sistemas vestibular

    e autonômico, onde atividades mentais específicas podem interferir no processo de

    informação para orientação, concluiu YARDLEY et al., (1995b), após investigar a

    possibilidade da agorafobia interferir na disfunção do sistema de equilíbrio, comparando os

    resultados dos testes do sistema de equilíbrio em 36 indivíduos com sintomas do pânico e

    agorafobia e em 20 indivíduos normais para controle. À tradicional bateria de testes

    audiovestibulares foi adicionada a plataforma de movimento. Os indivíduos também

    responderam a um questionário sobre sintomas somáticos da vertigem, ansiedade e

    agorafobia. Mais de 60% dos indivíduos com sintomas do pânico e agorafobia obtiveram

    resultados piores para o equilíbrio comparados a apenas 10% nos indivíduos normais. A

    instabilidade postural foi fortemente relatada na agorafobia.

    Para explicar a relação entre disfunção vestibular e transtornos de ansiedade Jacob

    propôs dois modelos: o somatopsíquico, que propõe que sintomas fisiológicos, como a

    vertigem, levariam os pacientes a interpretá-los com indicadores de ansiedade, antecipando

  • um ataque de pânico; já para o modelo psicossomático, sintomas de pânico, como a

    hiperventilação, poderiam afetar o funcionamento do sistema vestibular (JACOB, 1988,

    apud LILIENFELD et al., 1989; YARDLEY et al., 1992). LILIENFELD et al., (1989)

    relataram um caso onde o ataque de pânico foi precedido por disfunção vestibular,

    apoiando assim o modelo somatopsíquico.

    JACOB et al., (1996) em estudo utilizando testes vestibulares e audiológicos,

    aplicados em 30 pacientes com desordem do pânico sem complicações, em 29 pacientes

    com desordens do pânico apresentando de moderada a severa agorafobia, em 27 pacientes

    com ansiedade, em 13 pacientes com desordens depressivas e 45 indivíduos normais para

    comparação, mediram o desconforto com espaço e movimento e a freqüência com que

    certos sintomas ocorreriam entre e durante ataques de pânico. O nível do estado de

    ansiedade foi medido durante os testes vestibulares. Anormalidades nos testes vestibulares

    foram comuns em todos os grupos, porém com maior prevalência nos pacientes com

    desordens do pânico apresentando de moderada a severa agorafobia. A disfunção vestibular

    foi associada com o desconforto com espaço e movimento e com a freqüência de sintomas

    vestibulares entre, mas não durante, os ataques de pânico. Não houve diferença entre os

    dois grupos com desordem do pânico em relação aos níveis de ansiedade. Não houve

    diferença significativa entre os grupos em relação ao componente audiológico. Os autores

    concluíram que apesar da possibilidade de que os sintomas vestibulares estariam

    relacionados a hiperventilação, pacientes com transtorno do pânico também apresentavam

    sintomas de disfunção vestibular como tendência à queda e perda de equilíbrio, sensação de

    rotação e vertigem. Foi observado por YARDLEY et al., (1995a), que a ansiedade e o

    estresse mental influenciam também na função do sistema de equilíbrio e estão

    relacionados ao aumento do VOR (JACOB et al., 1996; YARDLEY et al., 1995a). A

    ansiedade é caracterizada por altos níveis de atividade do sistema nervoso autonômico, por

    alerta cortical e atividade mental. Há inúmeras razões para relacionar psicofisiologicamente

    o sistema de funcionamento do equilíbrio com ansiedade. Primeiramente há notável co-

    variação entre desequilíbrio e ansiedade; pacientes com transtorno vestibular estão

    propensos à ansiedade e pânico, enquanto pacientes com desordens de ansiedade

    freqüentemente queixam-se de tontura. Em segundo lugar, pacientes com vertigem

    geralmente relatam que seus sintomas são agravados pelo estresse, embora a relação causal

  • entre o estresse cotidiano e a vertigem tem ainda de ser demonstrada (YARDLEY et al.,

    1995a).

    Diversos autores têm associado vertigem principalmente com transtorno do pânico e

    agorafobia. YARDLEY et al. (1998a) verificaram também que a prevalência de transtornos

    da ansiedade era maior em pacientes com disfunções vestibulares do que na população em

    geral. Outros trabalhos verificaram que pacientes com disfunção vestibular também

    apresentam transtornos psiquiátricos, principalmente sintomas e distúrbios de ansiedade

    (JACOB et al., 1993; RAMOS et al., 1997). Isto pode ser interpretado pelo fato de que

    indivíduos com distúrbios de ansiedade utilizam percepção visual para compensar a

    desordem vestibular (JACOB et al., 1985).

    Outro estudo demonstrou respostas disfuncionais em diversos testes vestibulares e

    otológicos realizados em pacientes com transtorno de pânico e agorafobia (JACOB et al.,

    1985). Os autores realizaram uma bateria de testes vestibulares e audiológicos que foi

    aplicada em 8 pacientes com desordem do pânico e em 13 pacientes com agorafobia e

    ataques de pânico. Nistagmo posicional ou espontâneo esteve presente em 67% dos

    sujeitos. Respostas anormais nos testes calóricos foram encontradas em 56% dos sujeitos,

    nos testes rotacionais em 35% e na posturografia em 32% dos sujeitos. Audiogramas foram

    anormais em 26% dos sujeitos avaliados. Seis dos oito pacientes testados com desordem do

    pânico tiveram uma anormal compreensão no teste de potencial evocado.

    GUERRAZ et al., (2001) observaram que alguns pacientes com distúrbio do

    equilíbrio sofriam de vertigem visual em situações específicas e concluíram que este

    sintoma aparecia em situações onde estes pacientes dependiam muito da visão ou quando

    ocorriam dificuldades na conexão entre o sistema visual e proprioceptivo e que o

    tratamento destes pacientes utilizando dessensibilização com movimento visual poderia ser

    benéfico.

    Para esclarecer a relação entre ansiedade e disfunção vestibular JACOB et al., (1993)

    criaram o termo desconforto com espaço e movimento (DEM), para descrever uma

    condição na qual situações com informações visuais e cinestésicas inadequadas para a

    orientação espacial normal provocam ansiedade e estresse. Segundo RAMOS et al., (1997),

    indivíduos com DEM têm um déficit vestibular e, portanto, maior dependência dos canais

    visuais e proprioceptivos para a orientação espacial do que indivíduos normais.

  • Em estudo com objetivo de examinar a integração sensorial da informação espacial

    na agorafobia, JACOB et al., (1997) hipotetizaram que os indivíduos agorafóbicos usavam

    o controle do equilíbrio como estratégia. Os indivíduos agorafóbicos obtiveram prejuízo no

    equilíbrio quando a informação proprioceptiva foi minimizada pelo referencial de balanço

    da superfície de apoio do teste. Portanto, indivíduos agorafóbicos confiam na

    propriocepção e se inclinam anteriormente para se manter apoiados e equilibrados. Para

    JACOB et al., (1997), o DEM pode explicar a natureza da associação fisiológica entre

    agorafobia e disfunção vestibular, já que pacientes agorafóbicos dependem das informações

    do sistema proprioceptivo para manter o equilíbrio e esta estratégia pode levar a fuga de

    situações onde estas informações não são estáveis. No entanto, nem todos os

    comportamentos de fuga dos agorafóbicos podem ser atribuídos ao DEM (JACOB et al.,

    1993).

    RAMOS et al., (1997) traduziram e validaram o questionário SitQ (Situational

    Characteristics Questionnaire) criado por JACOB et al., (1993) que avalia a relação do

    DEM com agorafobia. RAMOS et al., (1996) investigaram a ocorrência de disfunção

    vestibular em 32 pacientes brasileiros com desordens do pânico e agorafobia.

    Anormalidades no teste calórico foram encontradas em 31% dos pacientes, motivo pelo

    qual os autores sentiram a necessidade da tradução do Questionário de Características

    Situacionais para a língua portuguesa.

    Em estudo com este questionário aplicado em indivíduos brasileiros e em indivíduos

    americanos com transtorno de pânico e agorafobia, os autores relataram que o DEM pode

    ser a causa dos sintomas vestibulares nestes pacientes já que foi observado aumento do

    índice do DEM (RAMOS et al., 1997). Participaram deste estudo 38 brasileiros e 50

    americanos pertencentes a um dos três diagnósticos: pânico com agorafobia, pânico sem

    agorafobia e distúrbio da ansiedade exceto pânico e agorafobia e um grupo controle de 30

    americanos normais. Para o desconforto com espaço e movimento os indivíduos

    responderam ao Questionário de Características Situacionais, que inclui duas escalas SMD1

    e SMD2 e uma escala não relacionada a agorafobia (Ag1). Diferenças foram encontradas

    em todas as escalas, com escores elevados no grupo com agorafobia. Um efeito regional foi

    encontrado só no SMD2, que mostrou altos escores nos pacientes brasileiros comparados

    aos pacientes americanos. Alta prevalência de distúrbio vestibular ou de equilíbrio foi

  • relacionada aos pacientes com desordem do pânico principalmente acompanhados de

    agorafobia. Complicações psiquiátricas (sintomas de ansiedade e distúrbio da ansiedade)

    também foram relatadas em pacientes com distúrbios vestibulares.

    Em resumo, existem indicativos clínicos e experimentais de uma estreita interação

    entre estruturas fisiológicas ligadas ao controle de postura (aferência vestibular), percepção

    de movimento e desencadeamento de ansiedade.

    1.3 Atenção

    A atenção é um fenômeno de tensão, concentração, interesse e focalização (KANDEL

    et al., 2002). Segundo LURIA (1991), é a seleção da informação necessária ou de interesse

    e manifesta-se igualmente na percepção, nos processos motores e no pensamento.

    O caráter seletivo é importante para a organização da grande quantidade de

    informação proveniente do meio externo. Se não ocorresse a seleção, seria inacessível o

    pensamento organizado (LURIA, 1991). Quando o indivíduo seleciona o foco de atenção,

    os objetos ou fenômenos que ocorrem ao redor deste foco compõem a franja da

    consciência, ou seja, ocupam o subconsciente e o inconsciente. Assim, a atenção cria a

    consciência (KANDEL et al., 2002).

    Para o estudo da atenção é necessário primeiramente definir algumas características

    como a intensidade da atenção, que está relacionada à quantidade de informações que

    assume caráter dominante; estabilidade da atenção, que é o tempo que determinada

    informação assume caráter dominante; e oscilação da atenção, que é o caráter cíclico, onde

    ora é determinada informação que tem o caráter dominante, ora é outra (LURIA, 1991).

    Os fatores que determinam a seletividade da atenção podem ser divididos em dois

    grupos principais: o campo externo e o campo interno.

    Os fatores relacionados aos estímulos externos determinam a intensidade da atenção

    através da organização estrutural do campo perceptivo e o sentido da atenção através da

    intensidade e da novidade do estímulo (LURIA, 1991). É necessário, no entanto, diferenciar

    a “intensidade do estímulo” da “intensidade de atenção”, pois quanto maior intensidade da

    atenção, menor a intensidade do estímulo. A intensidade do estímulo refere-se a

  • características do estímulo como tamanho muito grande, coloração muito forte ou

    luminosidade intensa (KANDEL et al., 2002).

    Os fatores do campo interno, relacionados a aspectos afetivos do sujeito, são: o

    interesse, a necessidade e o objetivo. É muito clara a influência que o interesse e/ou a

    necessidade de uma pessoa têm em relação à mobilização ou inibição da atenção. Um

    indivíduo só presta atenção a algo que lhe desperta interesse ou que seja necessário para

    atingir seu objetivo e a orientação da atenção está diretamente ligada ao êxito ou fracasso

    de uma atividade (LURIA, 1991).

    Outro fator do sujeito que influencia o sentido da atenção é o grau de automatização

    de determinada atividade, ou seja, quando uma pessoa está aprendendo ou realizando

    alguma atividade pela primeira vez a atenção é tão intensa que o indivíduo concentra toda

    sua atenção na execução de tal atividade, porém, com a prática, a execução da atividade

    torna-se involuntária e então o sujeito pode desviar o sentido de sua atenção para um outro

    estímulo qualquer (LURIA, 1991).

    Apesar do processo da atenção constituir-se de uma atividade mental, pode-se

    classifica-la em 3 formas: (a) atenção sensorial, caracterizada por uma atividade de espera

    orientada por algum aparelho sensorial; (b) atenção motora, na qual a consciência está

    concentrada na execução de alguma atividade motora; ou (c) atenção intelectual, que

    representa a própria reflexão e o raciocínio (KANDEL et al., 2002).

    Características como a duração e a extensão da orientação para o movimento variam

    de uma pessoa para outra. Em alguns ela extingue-se paulatinamente enquanto em outros se

    mantêm por um curto período, ainda, pode ter um caráter concentrado, limitando-se apenas

    ao campo motor, ou um caráter irradiado, no qual a orientação se estende a outros campos

    além do motor (LURIA, 1991).

    Um fator que apresenta grande influência na orientação é a instrução verbal que

    possibilita a regulação dos processos de ativação (LURIA, 1991).

    A atenção pode ser caracterizada como involuntária ou voluntária. Na atenção

    involuntária a orientação ocorre espontaneamente, geralmente por meio de um estímulo

    forte, novo ou interessante. Este tipo de atenção é instável e está presente tanto no homem,

    desde a infância, como nos animais. A atenção voluntária exige certo esforço e tem como

    finalidade uma atividade psíquica, permitindo que representações e conceitos permaneçam

  • mais ou menos tempo na consciência. Está presente somente no homem e está associada ao

    livre-arbítrio, ou seja, o homem tem a capacidade de decidir qual objeto estará no domínio

    em cada momento (LURIA, 1991).

    Nos estudos relacionados à atenção são examinadas características como intensidade,

    estabilidade e distribuição da atenção arbitrária. O estudo da intensidade da atenção se faz

    por meio de um dispositivo que avalia a quantidade de elementos visuais que um sujeito

    pode aceitar simultaneamente com clareza. A estabilidade é avaliada pela tabelas de

    Burdon (letras) ou de Kraepelin (números), onde é possível estabelecer até que ponto a

    atenção é estável durante a execução de uma tarefa por um longo período. Após certo

    tempo surgem as oscilações e a fadiga, detectadas pela diminuição da produtividade e pelo

    aumento das omissões. Finalmente, o estudo da distribuição da atenção baseia-se no fato de

    que o homem não pode se concentrar em dois estímulos simultaneamente, assim neste caso

    avalia-se a velocidade de substituir a atenção de um estímulo para outro (LURIA, 1991).

    O estudo da atenção é um importante instrumento no diagnóstico de patologias

    neurológicas e psíquicas, já que distúrbios de atenção são comuns nestes pacientes

    (LURIA, 1991).

    São os distúrbios da atenção voluntária que mais interessam os clínicos. Neste caso o

    paciente é incapaz de organizar a atenção por meio de instrução verbal. As regiões do

    cérebro que geralmente são acometidas são os lobos, principalmente os mediais (LURIA,

    1991). Ainda, estados emocionais intensos podem alterar a capacidade de atenção,

    aumentando-a ou diminuindo-a, podendo até suprimi-la (KANDEL et al., 2002).

    É importante destacar que a distração não caracteriza um estado patológico. Ela pode

    ser devida a uma momentânea incapacidade de fixar a atenção ou o contrário, pela

    concentração muito forte a um determinado estímulo, tornando o indivíduo insensível a

    outros estímulos que não estejam relacionados ao que lhe interessa (KANDEL et al., 2002).

    Os distúrbios patológicos da atenção estão relacionados ao aumento da atenção

    (hiperprosexia), na qual o indivíduo atende a diversos estímulos, mas não consegue se fixar

    em nenhum deles; pode sofrer enfraquecimento da atenção (hipoprosexia), comum em

    casos de depressão e ansiedade e o indivíduo tem perturbações da consciência; ou a

    absoluta falta de atenção (aprosexia), na qual observa-se deficiência intelectual e inibição

    cortical (KANDEL et al., 2002).

  • É sabido que fatores emocionais influenciam na atenção, principalmente com relação

    à memória. Crianças ansiosas ou com risco de desenvolver transtornos de ansiedade

    apresentaram déficits em processos de memória, como por exemplo, no aprendizado de

    associação de pares (GRILLON, 2002).

    A atenção em pacientes com transtornos de pânico é objeto de estudo de diversos

    autores, principalmente a influência de informações ameaçadoras na atenção.

    Alguns autores acreditam que existam fatores que influenciam e direcionam a atenção

    de pacientes ansiosos, principalmente nos fóbico-sociais, considerando importante à

    identificação destes para psicopatologia dos pacientes com fobia social (SPECTOR et al.,

    2002; MUSA et al., 2003). Estudos recentes verificaram ainda que em pacientes com fobia

    social a atenção sofre maior influência das sensações internas, relacionadas a auto-estima

    do indivíduo, do que de fatores externos (SPURR e STOPA, 2002; MANSELL et al.,

    2003).

    No entanto, muitos autores concordam que estas considerações devam ser discutidas,

    pois as evidências ainda não são conclusivas (COLES e HEIMBERG, 2002; KULAS et al.,

    2003).

    1.3.1 A atenção e a percepção visual

    Neurofisiologicamente é sabido que as informações sobre a cor, o movimento, a

    profundidade e a forma são conduzidas por vias neuronais separadas bem como

    processadas em áreas separadas do córtex visual, mas, se organizando em percepções

    coesivas (KANDEL et al., 2002).

    As imagens visuais são construídas a partir de entradas das vias paralelas que

    processam características diferentes. Para expressar a combinação específica das

    propriedades no campo visual, grupos independentes de células com funções diferentes têm

    que ser temporariamente associados, ou seja, tem que haver um mecanismo pelo qual o

    cérebro momentaneamente associa as informações que estão sendo processadas

    independentemente, em diferentes regiões corticais. A formação dessas associações requer

    atenção (KANDEL et al., 2002).

  • A atenção é focalizada em um objeto no campo visual por propriedades elementares

    como brilho, cor e orientação das linhas. Há dois processos distintos na percepção visual, o

    primeiro, pré-atento, atua como um sistema de esquadrinhamento rápido e diz respeito

    apenas à detecção do contorno principal de um objeto, e diferenças complexas das

    combinações das propriedades não são detectadas. O segundo, atento, dirige a atenção para

    características específicas mais sutis de um objeto, selecionando e acentuando combinações

    de características (KANDEL et al., 2002).

    Apesar do sistema visual conter extensas vias paralelas para processar

    simultaneamente diferentes fluxos de informações, a quantidade dessas informações que

    atinge os centros mais superiores do processamento no cérebro (a região do córtex parietal

    superior está implicada na atenção à forma visual) é limitada pelo mecanismo da atenção

    seletiva. A atenção seletiva tanto elimina certas características quanto aguça a percepção de

    outras (KANDEL et al., 2002).

    Acrescentando, a função do sistema visual é em parte dependente do sistema

    vestibular porque a informação vestibular contribui para os movimento oculares

    compensatórios, mantenedores da estabilidade do mundo visual quando a cabeça é movida

    (LUNDY-EKMAN, 2000).

    1.4 Objetivos

    Este trabalho investiga a natureza das interações entre ansiedade, atenção, desconforto

    com espaço e movimento e disfunções vestibulares e visa, especificamente, estudar o

    desempenho em testes de atenção, possivelmente afetado pela ansiedade ou por

    modificações da percepção de espaço e movimento.

    Visa também, reproduzir em laboratório, um tipo específico de situação altamente

    desconfortável para os pacientes agorafóbicos que são os ambientes com várias fontes de

    ruído que podem gerar um estímulo virtual de movimento. Estes pacientes relatam um

    grave prejuízo em sua capacidade de concentrar-se em outras atividades ou mesmo de

    realizar tarefas simples enquanto expostos a estas situações. Pretende-se, então, verificar o

    impacto de um estímulo auditivo de movimento em indivíduos normais através do

    desempenho em testes de atenção.

  • Pretende-se, assim, mimetizar as situações de ruído ambiental que habitualmente

    geram desconforto e esquiva em pacientes com transtorno de pânico. A hipótese a ser

    testada é de que estímulos ligados ao DEM afetem o desempenho em tarefas atencionais em

    indivíduos normais, porém este efeito seria mais intenso naqueles indivíduos que

    apresentassem desconforto com altura. O desconforto com altura seria, neste experimento,

    um marcador comportamental de uma anormalidade ligada ao DEM e a comparação destes

    sujeitos com outros sem este desconforto permitiria avaliar o quanto uma disfunção leve do

    controle de equilíbrio poderia interferir no desempenho cognitivo.

    Em outras palavras, o objetivo seria comparar o desempenho em testes de atenção

    visual de indivíduos normais com e sem medo de altura em condições que reproduzissem

    em laboratório situações de ruído ambiental relatados como desagradáveis por pacientes

    com ansiedade.

  • 2. MÉTODO

    2.1 Amostra/Sujeitos

    Inicialmente 104 voluntários responderam ao Questionário de Acrofobia. Trinta

    voluntários foram selecionados e divididos em dois grupos pelos escores do Questionário

    de Acrofobia. Um grupo com voluntários que obtiveram os maiores escores e outro grupo

    com voluntários que obtiveram os menores escores.

    Os testes de atenção foram realizados nos 30 voluntários, 05 do sexo masculino e 25

    do sexo feminino, com idades variando de 18 a 34 anos.

    Estes indivíduos assinaram Termo de Consentimento (Anexo 1), após explicação

    dos procedimentos.

    Para a finalidade deste estudo, definiu-se como voluntários normais indivíduos sem

    queixas de tontura, qualquer alteração de equilíbrio e ataques de pânico ou queixas

    compatíveis aos transtornos ansiosos, portanto, foram excluídos os indivíduos que

    apresentaram as características acima citadas.

    2.2 Ambiente

    Os testes foram realizados no Laboratório de Psicopatologia Experimental e

    Psicofarmacologia do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de

    São Paulo.

    Foi utilizada uma sala com isolamento acústico e com controle de luminosidade, para

    diminuição de estímulos sonoros e visuais durante a execução dos testes.

    2.3 Material/Instrumentos

    Os voluntários responderam ao Questionário de Acrofobia (Anexo 2) que apresenta

    na primeira etapa (medo) uma lista de situações que envolvem altura, onde os voluntários

    assinalaram um número de 0 a 6 para cada situação. Na segunda etapa (esquiva), os

    voluntários assinalaram um número de 0 a 2 para as mesmas situações.

  • Em associação aos testes de atenção, foram aplicados o Inventário de Ansiedade

    Traço-Estado (IDATE) de Spielberger et al., (1970) (in ANDRADE et al., 1994) (Anexo 3),

    a versão para o português do questionário para desconforto com espaço e movimento -

    Questionário de Características Situacionais - SMD1 e SMD2 (RAMOS et al., 1997)

    (Anexo 4) e a escala de porcentagem de desconforto (Anexo 5).

    No laboratório dois microcomputadores (um com o programa dos testes de atenção e

    o outro com o programa de áudio), uma alavanca de comando direcional (“joystick”) e

    fones de ouvido foram utilizados para os testes de atenção.

    2.4 Procedimento

    Os voluntários foram divididos em dois grupos, de acordo com os escores do

    Questionário de Acrofobia. Maiores escores obtidos do questionário ficaram no grupo com

    medo de altura (15 indivíduos) (escores de 63,78 ± 10,32) e os menores escores ficaram no

    grupo sem medo de altura (15 indivíduos) (escores de 15,62 ± 15,46).

    Orientações iniciais foram dadas para que os indivíduos respondessem à 1a. etapa do

    questionário de Acrofobia (medo). Foi solicitado que o indivíduo indicasse dentre uma lista

    de situações que envolvem altura o quanto estas situações o deixavam, naquele momento,

    ansioso, tenso ou desconfortável. Foi solicitado que o indivíduo indicasse como se sentiria

    em cada uma das situações assinalando um número de 0 a 6 à frente de cada item de acordo

    com o seguinte gabarito: 0 significa nada ansioso, 2 significa ligeiramente ansioso, 4

    moderadamente ansioso e 6 extremamente ansioso, podendo também utilizar os números

    intermediários. Na 2a. etapa do Questionário de Acrofobia (esquiva), os indivíduos foram

    orientados a indicar um número seguindo o gabarito: 0 significa não evitaria a situação, 1

    evitaria a situação e 2 não enfrentaria esta situação sob nenhuma circunstância.

    Os resultados se dão pela somatória dos escores dados a cada questão. Quanto maior

    o resultado, maior o sintoma do medo ou esquiva.

    Anteriormente a execução dos testes de atenção visual, os indivíduos responderam

    ao Inventário de Ansiedade – IDATE Estado e Traço e ao Questionário de Características

    Situacionais.

  • O Inventário de Ansiedade-Estado (Anexo 3) verifica a intensidade dos sentimentos

    de ansiedade em um momento particular de tempo e o Inventário de Ansiedade-Traço

    (Anexo 3) avalia a tendência geral de uma pessoa perceber diversas situações como

    ameaçadoras (ANDRADE et al, 1994).

    As orientações para as respostas da parte 1 (IDATE - Estado) foram dadas para que

    os indivíduos assinalassem um número que melhor indicasse como ele se sentia naquele

    momento em relação às situações descritas, de acordo com o seguinte gabarito: 4 para

    muitíssimo, 3 para bastante, 2 para um pouco e 1 para absolutamente não em relação ao

    sentimento atual em cada situação.

    As orientações para as respostas da parte 2 (IDATE - Traço) foram dadas para que

    os indivíduos assinalassem um número que melhor indicasse como ele geralmente se sente

    em relação às situações descritas, de acordo com o seguinte gabarito: 4 para quase sempre,

    3 freqüentemente, 2 às vezes e 1 quase nunca.

    Os resultados da parte 1 (IDATE –E) se dão pela somatória dos 20 itens de acordo

    com o gabarito:

    - os itens indiretos (1,2,5,8,10,11,15,16,19 e 20) devem ser somados de acordo com a

    pontuação invertida, ou seja, 4, 3, 2, 1. Por exemplo, uma resposta no número 1

    corresponde ao escore 4, uma resposta no número 2 corresponde ao escore 3, uma

    resposta no número 3 corresponde ao escore 2 e uma resposta no número 4

    corresponde ao escore 1.

    - os itens diretos (3,4,6,7,9,12,13,14,17 e 18) devem ser somados de acordo com a

    pontuação de mesmo valor, ou seja, 1 para resposta 1, 2 para resposta 2, 3 para

    resposta 3 e 4 para resposta 4.

    Os resultados da parte 2 (IDATE – T) se dão pela somatória dos 20 itens de acordo

    com o gabarito:

    - os itens indiretos (1,6,7,10,13,16 e 19) devem ser somados de acordo com a

    pontuação invertida.

    - os itens diretos (2,3,4,5,8,9,11,12,14,15,17,18 e 20) devem ser somados de acordo

    com a pontuação de mesmo valor.

    Quanto maior o resultado final da somatória de todos os itens, maior será o sintoma

    ansioso. Caso algum item não apresentasse resposta, promove-se a somatória dos itens

  • respondidos, divide-se pelo número de itens respondidos e multiplica-se por 20 (número

    total de itens), arredondando-se sempre para o número superior.

    O Questionário de Características Situacionais SMD (Anexo 4), apresenta na Parte

    1, algumas situações que podem provocar desconforto ou ansiedade. Na Parte 2, o

    Questionário de Características Situacionais apresenta outras situações que podem

    incomodar o indivíduo. A Parte 2 do Questionário de Características Situacionais é

    recomendada para quantificar o desconforto com espaço e movimento em indivíduos com

    ansiedade e/ou desordens do equilíbrio (JACOB et al., 1993).

    As orientações dadas para as respostas da parte 1 deste questionário foram que

    algumas situações que podem provocar desconforto ou ansiedade são apresentadas bem

    como algumas características destas situações. As respostas se dão assinalando um número

    que representa que características destas situações incomodam mais, seguindo o gabarito: 3

    se fica muito incomodado na situação, 2 se fica moderadamente incomodado, 1 se fica

    pouco incomodado ou 0 se não fica incomodado na situação. Há a opção de não resposta

    em caso de não identificação com a situação específica.

    A orientação dada para as respostas da parte 2 do Questionário de Características

    Situacionais foi que os indivíduos assinalassem um número que melhor representasse o

    quanto lhe incomodava aquelas situações citadas, de acordo com o gabarito: 3 quando

    muito incomodava, 2 quando incomodava moderadamente, 1 quando pouco incomodava e

    0 quando não incomodava.

    Cada questão da parte 1 gerou um escore calculado pela diferença dos escores dados

    a cada uma das duas situações apresentadas. Em outras palavras, o escore para um dos itens

    sobre desconforto ao andar de ônibus foi obtido subtraindo-se a nota do desconforto

    “andando em pé” da nota dada ao desconforto “andando sentado”.

    Os resultados da parte 2 correspondem à somatória das respostas dadas em cada

    item.

    A escala de porcentagem de desconforto (Anexo 5) foi utilizada logo após o término

    de cada teste. A orientação dada era para que o indivíduo assinalasse o quanto havia sentido

    de desconforto durante aquele teste numa escala de 0 a 10 onde 0 significa nada

    desconfortável, 5 moderadamente desconfortável e 10 extremamente desconfortável,

    podendo utilizar os valores intermediários. Quanto maior o resultado, maior o desconforto.

  • A tarefa de rastreio visual foi desenvolvida com a intenção de manter uma demanda

    de atenção contínua por parte do sujeito. Os indivíduos foram instruídos a realizar

    movimentos manuais, através de uma alavanca de comando direcional “joystick” de forma

    a seguir um alvo em movimentos não previsíveis.

    A tarefa foi realizada numa tela de computador onde um quadrado amarelo de 3o de

    lado movia-se horizontalmente numa amplitude máxima de 35o de forma imprevisível. O

    padrão de movimento foi gerado por uma função de onda complexa obtida pela

    combinação de 3 diferentes funções senoidais de freqüências não relacionadas de 0,25 Hz;

    0,572 Hz e 1,67 Hz (Figura 1).

    A uma distância fixa de 57 cm da tela, os voluntários, em pé, foram instruídos a

    controlar o movimento de um círculo branco de 0,7o de diâmetro através do “joystick”

    tentando mantê-lo dentro do quadrado amarelo móvel a maior parte do tempo. A velocidade

    do alvo variou de acordo com a projeção da forma de onda no eixo x, numa velocidade

    máxima de 8o por segundo.

    Foram executados quatro blocos de tarefas e cada bloco de tarefa de 2 minutos foi

    precedido por um bloco de treinamento também de 2 minutos e o desempenho foi medido

    pela porcentagem de tempo que o indivíduo conseguia manter o círculo sobre o alvo. O

    grau de dificuldade da tarefa foi ajustado variando-se o tamanho do alvo e sua velocidade

    sendo estes valores escolhidos após estudo piloto em 10 outros voluntários de forma a

    permitir um desempenho médio em torno de 50% de tempo no alvo.

    O teste de rastreio visual foi realizado enquanto os indivíduos recebiam, por fones

    de ouvido, dois tipos de estímulos. Na condição “volume” um som de 900 Hz era

    apresentado em ambos os ouvidos durante dois segundos com mais dois segundos de

    silêncio. Na condição “balanço”, o mesmo som era apresentado durante 2 segundos ao

    ouvido direito seguido por 2 segundos ao ouvido esquerdo durante todo o tempo do teste

    (Figura 2).

    A intensidade do som foi ajustada por cada participante de maneira a senti-la com

    volume alto apenas levemente desconfortável. Desta forma, a intensidade do estímulo

    sonoro variou de 60 a 65 dB.

  • Figura 1: Funções senoidais de freqüências não relacionadas para gerar o padrão de

    movimento.

    Ouvido direito

    Vol. máximo

    volume = 0

    Ouvido esquerdo

    Vol. máximo

    Ouvido direito

    Vol. Máximo

    volume = 0

    Ouvido esquerdo

    Vol. máximo

    Figura 2: Tipos de estímulos sonoros.

  • 3. RESULTADOS

    Foram avaliados 30 indivíduos, 5 do sexo masculino, com idades variando de 18 a

    34 anos (20,86 ± 3,61 anos). Esta amostra foi dividida de acordo com o escore na escala de

    acrofobia num grupo com medo de altura (escore de 63,78 ± 10,32) e num grupo sem medo

    de altura (escores de 15,62 ± 15,46; t = -9,878, df = 28, p < 0,001).

    A tabela 1 mostra a comparação entre os grupos com e sem medo de altura em

    relação à idade e aos escores nas escalas IDATE estado, IDATE traço, SMD 1e SMD 2, e

    aos escores de porcentagem de tempo no alvo (balanço e volume) dos testes de atenção .

    Tabela 1: Comparação entre os grupos com e sem medo de altura em relação à

    idade e aos escores nas escalas (teste t para amostras independentes).

    Com medo

    de altura

    Sem medo

    de altura

    Idade (anos) 20,71 ± 4,04 21,00 ± 3,32 t = 0,212; df = 28; p = 0,833

    IDATE estado 42,64 ± 11,08 38,37 ± 10,51 t = -1,082; df = 28; p = 0,289

    IDATE traço 43,57 ± 9,88 39,00 ± 7,35 t = -1,448; df = 28; p = 0,159

    SMD 1 -0,28 ± 4,73 -2,12 ± 3,68 t = -1,196; df = 28; p = 0,242

    SMD 2 6,64 ± 2,17 3,81 ± 3,10 t = -2,854; df = 28; p = 0,008 *

    Porcentagem de

    tempo no alvo

    (balanço)

    30,92 ± 8,84 42,09 ± 13,68 t = 2,611; df = 28; p = 0,014 *

    Porcentagem de

    tempo no alvo

    (volume)

    31,934 ± 9,41 42,74 ± 14,73 t = 2,355; df = 28; p = 0,026 *

    Pode-se verificar que houve diferença significativa nas avaliações do SMD 2, onde

    os indivíduos com medo de altura obtiveram escores mais elevados, e, porcentagens de

    tempo no alvo tanto balanço quanto volume entre os grupos com e sem medo de altura,

    onde os maiores valores de porcentagem de tempo no alvo obtidos foram do grupo sem

    medo de altura, ou seja, o desempenho foi pior no grupo de indivíduos com medo de altura.

  • Para cada condição (volume e balanço) foram obtidas duas medidas de desempenho.

    Quando as médias das duas medidas foram comparadas, não foram observadas diferenças

    estatisticamente significativas nas diferentes comparações. No entanto, quando se optou por

    analisar os resultados associados à maior nota de desconforto, diversas diferenças foram

    encontradas (tabela 5). Em outras palavras, um determinado indivíduo apresentou dois

    resultados (expressos em porcentagem do tempo sobre o alvo) que correspondiam a

    diferentes graus de desconforto durante a realização da tarefa de rastreio. Foram escolhidos

    para análise os valores de desempenho associado ao maior escore de desconforto para cada

    condição. Os resultados destas comparações são apresentados nas tabelas 2 a 5. Como as

    comparações entre as duas condições envolveram os mesmos indivíduos, utilizou-se para

    comparação o teste t pareado.

    Tabela 2: Comparação do desempenho nas condições de balanço e volume todos os

    indivíduos (teste t pareado).

    Balanço Volume

    36,09 ± 13,40 37,51 ± 13,59 t=-2,319; df = 29; p = 0,028 *

    Houve diferença significativa no desempenho nas condições de balanço e volume,

    comparando todos os indivíduos, obtendo-se maiores escores do desempenho na condição

    volume, ou seja, a condição balanço interferiu mais no desempenho dos testes de atenção

    visual.

    Para verificar se havia influência do medo de altura nas condições de balanço e

    volume, os indivíduos foram divididos conforme as tabelas 3 e 4.

    Tabela 3: Comparação do desempenho nas condições de balanço e volume para o grupo de

    indivíduos sem medo de altura (teste t pareado).

    Balanço Volume

    41,72 ± 14,14 42,47 ± 14,55 t= -1,012; df = 15; p = 0,327

  • Comparando o desempenho nos testes de atenção dos indivíduos sem medo de

    altura, nas condições balanço e volume, não foram observadas diferenças significativas.

    Tabela 4: Comparação do desempenho nas condições de balanço e volume para o grupo de

    indivíduos com medo de altura (teste t pareado).

    Balanço Volume

    29,65 ± 9,30 31,85 ± 10,16 t =-2,204; df = 13; p = 0,046 *

    Comparando o desempenho nas condições de balanço e volume no grupo de

    indivíduos com medo de altura, pode-se verificar diferença significativa onde o

    desempenho na condição volume apresentou-se melhor, ou seja, a condição balanço

    interferiu mais no desempenho dos indivíduos com medo de altura do que nos indivíduos

    sem medo de altura.

    A tabela 5 se refere ao grau de desconforto nas condições de balanço e volume nos

    indivíduos com e sem medo de altura.

    Tabela 5: Comparação do grau de desconforto nas condições de balanço e volume para os

    indivíduos com e sem medo de altura (teste t para amostras independentes).

    Com medo de altura Sem medo de altura

    Balanço 6,00 ± 2,44 2,43 ± 2,25 t = -4,158; df = 28; p < 0,001 *

    Volume 6,17 ± 1,91 2,34 ± 2,12 t = -5,167; df = 28; p < 0,001*

    Pode-se verificar que houve um grau de desconforto maior nas condições tanto de

    balanço quanto de volume nos indivíduos com medo de altura, obtendo-se valores

    significativos de diferença.

    Foi investigada a possibilidade de aplicação de análise de variância com dois fatores

    e foi descartada pelo pequeno tamanho da amostra.

  • 4. DISCUSSÃO

    Esta dissertação explorou o conceito de desconforto com espaço e movimento

    utilizando grupos de indivíduos normais que se distinguiam por graus diferentes de medo e

    desconforto com altura. Embora diversas evidências clínicas sugiram que este tipo de

    sintoma em particular esteja relacionado com anormalidades do controle vestibular de

    postura, é importante notar que a função labiríntica não foi especificamente estudada o que

    constitui uma importante limitação metodológica do estudo. Apesar disso, foi possível

    observar uma diferença no desempenho dos dois grupos quando as duas condições

    experimentais foram analisadas em conjunto.

    O pior desempenho dos sujeitos com desconforto e medo de altura é compatível

    com a hipótese de que este medo estaria ligado a uma disfunção fisiológica que os deixaria

    mais dependentes de aferências visuais para o controle da postura. Nestas condições,

    qualquer outra tarefa que exigisse o processamento visual de informações passaria a

    competir por recursos neuro-cognitivos semelhantes e apresentaria, portanto, um prejuízo

    em seu desempenho.

    Como os dois grupos também diferiram em relação aos escores da escala SMD

    podemos dizer que evidências empíricas de uma relação entre desconforto com espaço e

    movimento, acrofobia e pior desempenho em testes de atenção visual foram encontradas.

    Novamente aqui, a impossibilidade de realizar-se testes diretos da função vestibular limita

    nossas conclusões, mas as indicações obtidas reforçam a idéia de aprofundar-se neste tipo

    de investigação em experimentos futuros.

    Uma vez demonstrado o pior desempenho de indivíduos com medo de altura no

    teste como um todo, passou-se à investigação mais detalhada de cada uma das condições de

    estimulação auditiva. Aqui chama a atenção o fato de que a condição de balanço, onde o

    estímulo sonoro movimentava-se entre os ouvidos, foi significativamente mais

    desconfortável para ambos os grupos. Este desconforto maior não pareceu afetar o

    desempenho dos indivíduos sem medo de altura sugerindo que possíveis alterações

    emocionais geradas pelo estímulo auditivo não sejam responsáveis por uma queda do

    rendimento. Em outras palavras, um estado de desconforto independente de sua origem

    poderia atrapalhar o desempenho cognitivo de forma inespecífica, o que não parece ter

    ocorrido neste caso.

  • As condições de volume e balanço não se correlacionaram com diferentes

    desempenhos no grupo de indivíduos sem medo de altura, porém no outro grupo, a

    condição balanço pareceu deteriorar os resultados de forma significativa. Como nas duas

    condições a intensidade e freqüência dos estímulos foi a mesma, podemos pensar que a

    característica de movimento tenha sido a responsável por este fenômeno.

    Embora o efeito do estímulo de movimento pareça significativo, é importante notar

    que a magnitude real deste efeito não parece tão marcante. Esta pequena diferença clínica

    pode ser considerada, no entanto, importante devido à pequena diferença entre os grupos.

    Este estudo envolveu apenas indivíduos normais, mas seus resultados sugerem que caso

    sujeitos com sintomas clinicamente relevantes de ansiedade ou acrofobia fossem estudados,

    a magnitude deste efeito seria maior. Novamente, os resultados obtidos sugerem um

    aprofundamento deste tipo de investigação em populações clínicas.

    Esta dissertação reforça a impressão de que ansiedade, atenção e controle postural

    sejam funções altamente interdependentes. Controlar a postura não parece ser uma função

    completamente automática, pois demanda recursos atencionais assim como tarefas

    cognitivas complexas poderiam afetar o controle postural. Como a estimulação vestibular

    pode por si só gerar grande desconforto, ansiedade e sintomas autonômicos, poderíamos

    supor que a fobia de altura surgisse por mecanismos mais neurofisiológicos do que

    propriamente psicológicos. Caso comprovada, tal observação poderia orientar o tratamento

    destes indivíduos, evitando-se o uso desnecessário de técnicas psicoterapêuticas

    interpretativas e favorecendo o uso de estratégias de reabilitação vestibular. Desenvolver

    tratamentos para a acrofobia não foi naturalmente o objetivo deste estudo, mas os achados

    aqui relatados poderiam servir de guia para o aperfeiçoamento destas técnicas.

    Do ponto de vista puramente experimental, os resultados obtidos sugerem que

    quando tarefas que envolvam percepção visual de movimento sejam utilizadas, uma

    atenção especial deva ser dada à escolha da amostra. Indivíduos normais que poderiam ser

    selecionados para este tipo de experimento poderiam não constituir uma população

    homogênea a menos que sejam mais minuciosamente examinados em relação a sua função

    vestibular ou pelo menos quanto ao seu grau de desconforto com altura.

    O fato de um maior desconforto que se associou com um pior desempenho

    cognitivo tenha sido associado à estimulação sonora abre caminho para outras conjecturas

  • clínicas. Ambientes ruidosos em condições naturais funcionam como uma fonte sonora que

    se move ao redor do indivíduo de forma errática. Nestas condições, são comuns queixas de

    desconforto e dificuldade de concentração que poderiam, numa abordagem mais

    descuidada, serem justificados por mecanismos psicodinâmicos mais sutis. O que esta

    dissertação sugere é que tal desconforto possa resultar de uma interação entre mecanismos

    neurofisiológicos ligados a processos atencionais básicos.

    Em conclusão, condições clínicas ligadas à ansiedade não parecem constituir um

    grupo homogêneo. Parece existir diferentes tipos de mecanismos geradores de ansiedade

    onde mecanismos neurofisiológicos e psicodinâmicos parecem interagir. Não se pode

    afirmar aqui que todos os tipos de ansiedade sejam conseqüência de anormalidades

    fisiológicas, mas pacientes com ataques de pânico, agorafobia e acrofobia deveriam

    demandar uma maior atenção na avaliação de suas funções vestibulares e cognitivas.

  • 5. REFERÊNCIAS

    AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of

    mental disorders. American Psychiatric Association, 4ª ed. Washington, DC, US, 1994.