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UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM
FLÁVIO MARCELO DE CARVALHO SILVA
POLÍTICAS PÚBLICAS, COMPETITIVIDADE E JOGOS DE PODER: uma análise de
campanhas publicitárias de IES privadas e de seus cursos de Administração
POUSO ALEGRE - MG
2019
1
FLÁVIO MARCELO DE CARVALHO SILVA
POLÍTICAS PÚBLICAS, COMPETITIVIDADE E JOGOS DE PODER: uma análise de
campanhas publicitárias de IES privadas e de seus cursos de Administração
Tese apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Linguagem da Universidade do Vale do
Sapucaí como requisito para a obtenção do
título de Doutor em Ciências da
Linguagem.
Linha de Pesquisa: Análise de Discurso
Área de concentração: Linguagem e
Sociedade.
Orientador: Profa. Dra. Juliana de Castro
Santana
POUSO ALEGRE – MG 2019
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por toda a existência.
Aos meus pais, Rubens e Flordalise, pelo amor, formação e por toda a educação
dedicada.
À minha esposa Gislene e a meus filhos, Breno e Túlio, por estarem sempre ao meu
lado, apoiando, incentivando, fortalecendo.
Aos meus irmãos, Cláudio e Freddy, bem como a toda a minha família, pelo apoio
constante.
Ao competente corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaí, pela oportunidade de participar da produção
de conhecimentos relacionados às Ciências da Linguagem.
E, em especial, à minha orientadora Professora Juliana de Castro Santana, pela
compreensão das minhas limitações, pela confiança em minha capacidade e pela motivação
das minhas potencialidades.
Também, à Professora Paula Chiaretti por toda a motivação, pelo tempo dispensado às
minhas leituras e por contribuir com seus pareceres e conhecimentos para a edificação desta
tese.
À Faculdade CNEC Varginha - FACECA, pelo apoio, pela confiança e por investir em
minha formação.
Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso de Administração, bem como
aos colegas do programa de doutorado pela motivação na trajetória desta nova conquista.
A todos, minha eterna gratidão!
3
Dedico a referida produção a minha família e a
todos os profissionais da educação preocupados
com a construção, pela educação, de um futuro
melhor para todos.
4
Nas sociedades atuais, surge, então, um conceito
de verdade consensualmente estabelecido e
atrelado à esfera jurídica, que passa a ter a função
de fixar as leis a serem seguidas, individualizando
e responsabilizando os indivíduos por suas
supostas escolhas e faltas. Para haver o
estabelecimento da verdade, o sentido de algumas
convenções sociais se perde, ou melhor, é
esquecido e (re)aparece como expressão de uma
verdade natural, predeterminada (CAVALLARI,
2005, p. 58).
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RESUMO
Educação que forma ou educação que qualifica? Teoricamente não deveríamos fazer tal
indagação, já que a função primeira da educação deveria ser a formação do cidadão e o
desenvolvimento da sua capacidade de autorreflexão. Contudo, como Coordenador de curso
superior, há muitos anos observamos as campanhas publicitárias de IES objetivando captar
alunos. E, nestas campanhas, a educação formadora nunca esteve presente: apenas a educação
qualificadora, aquela voltada para o mercado de trabalho. Selecionamos, então, como corpus
de pesquisa as campanhas publicitárias de IES da microrregião de Varginha que oferecem
cursos de Administração para poder analisar as políticas públicas, a competitividade e os
jogos de poder presentes neste material. Para tanto, analisamos as discursividades em
funcionamento, as condições de produção quando da elaboração destas campanhas
publicitárias, como se dão as relações de poder, a legislação pertinente ao ensino superior e
aos cursos de administração, as políticas públicas, além da relação entre Estado, mercado de
trabalho, cidadania e ensino. Ao final do estudo, observamos que a própria legislação do
ensino superior prioriza a qualificação em detrimento da formação e que a ideologia
neoliberal está fortemente presente nas peças publicitárias analisadas. Constitui-se a
universidade-empresa, atendendo às demandas do mercado por mão de obra qualificada.
Palavras-chave: Educação, Poder, Mercado, Neoliberalismo, Análise de Discurso.
6
ABSTRACT
Education that prepares the citizen or education that qualifies? Theoretically, we should not have
to debate this, once the true mission of education should be the constitution of a real citizen and
the development of his capability of reflection. However, as the Coordinator of a University
course, for years we have been analyzing the advertising campaigns that universities use to attract
students. At these campaigns, the education that prepares was never presented: only the education
that qualifies, the one turned to the job Market. So it was selected as the corpus of this survey the
advertising campaigns of universities located nearby Varginha, a city from the state of Minas
Gerais, Brazil, that offers Administration courses. Our main objective was to analyze the speech,
focusing the public policies, competitiveness and power relations presented in the analyzed
material. To do so, we analyzed the discursiveness, conditions of production when these
campaigns were prepared, the power relations, the legislation, besides the relation between Estate,
job market, citizenship and education. At the end of this survey, it was possible to identify that
even the legislation of superior levels of education in Brazil emphasize the education that qualifies
and not the education that prepares. It was constituted the enterprise university, attending the
Market demands for qualified workers.
Key-words: Education, Power, Market, Neoliberalism, Discourse Analyzes
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Taxas de acesso à educação superior na faixa etária de 18 a 24 anos (2000 a 2010),
em %......................................................................................................................... ................ 63
Figura 2: Proporção da população entre 18 a 24 anos que frequentava/havia frequentado
educação superior (2010), em %................................................................................................ 63
Figura 3: Taxas de crescimentos das matrículas na educação superior entre 1996 e 2010, em
%............................................................................................................................................... 64
Figura 4: Quantidade de bolsas ofertadas, por ano, pelo PROUNI............................................. 65
Figura 5: Número de Contratos Firmados pelo FIES................................................................. 65
Figura 6: Distribuição do Conceito Preliminar de Cursos de Bacharelado do Brasil: ENADE
2009 – 2012............................................................................... ................................................ 68
Figura 7: Ranking das dez maiores empresas de ensino superior do país – 2017........................ 72
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Métodos de Análise ................................................................................................................. 26
Quadro 2 – Estudiosos e sua influência na obra de Pêcheux ............................................................. 28
Quadro 3 – Dados Estatísticos do Ensino Superior Brasileiro – ano 2000 .................................... 60
Quadro 4 – Dados Estatísticos do Ensino Superior Brasileiro em porcentagem – ano 2000 .. 61
Quadro 5 – IGC 2016 .................................................................................................................................... 67
Quadro 6 – Poder Público e Educação Superior: uma síntese .......................................................... 76
Quadro 7 – Cursos de Administração Autorizados ............................................................................... 96
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LISTA DE RECORTES
Recorte 1 – Vestibular da UEL, 1995 ...................................................................................................... 50
Recorte 2 – Vestibular UNIDERP, 2001 ................................................................................................ 51
Recorte 3 – Vestibular da Faculdade R.SÁ, 2008 ................................................................................. 51
Recorte 4 – Vestibular da Faculdades Cearenses, 2010 ...................................................................... 52
Recorte 5 – Vestibular UEPG, 2013 ........................................................................................................ 52
Recorte 6 – Vestibular UNOPAR, 2013 ................................................................................................. 53
Recorte 7 – Vestibular UNOPAR, 2018 ................................................................................................. 98
Recorte 8 – Vestibular UNINCOR, 2017 ............................................................................................. 111
Recorte 9 – Vestibular UNINCOR, 2017-2 ......................................................................................... 114
Recorte 10 – Vestibular UNIS, 2017-2 ................................................................................................. 118
Recorte 11 – Vestibular UNIS, 2017 ..................................................................................................... 121
Recorte 12 – Vestibular FACECA, 2017-2 .......................................................................................... 124
Recorte 13 – Vestibular FACECA, 2018-2 .......................................................................................... 126
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LISTA DE SIGLAS
ABMES
AD
ANGRAD
APAE
BMFBovespa
BNDES
CFA
CNEC
CRA
DCN
ENEM
FAC
FACECA
FAEL
FAFI
FAJ
FIES
IBMEC
IDEB
IDH
IES
IPEA
LDB
MBA
OCDE
PNAD
PNE
PPC
PROUNI
Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
Análise de Discurso
Associação Nacional de Cursos de Graduação em Administração
Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais
Bolsa de Valores do Estado de São Paulo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Conselho Federal de Administração
Campanha Nacional de Escolas da Comunidade
Conselho Regional de Administração
Diretrizes Curriculares Nacionais
Exame Nacional do Ensino Médio
Faculdades Cearenres
Faculdade CNEC de Varginha
Faculdade Educacional da Lapa
Faculdade de Filosofia e Letras de Varginha
Centro Universitário de Jaguariúna
Programa de Financiamento Estudantil
Faculdade IBMEC São Paulo
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
Índice de Desenvolvimento Humano
Instituição de Ensino Superior
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Master of Business Administration
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua
Plano Nacional da Educação
Projeto Político Pedagógico
Programa Universidade para Todos
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SENACSP Centro Universitário SENAC
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
UCB Universidade Castelo Branco
UEL Universidade Estadual de Londrina
UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa
UNICESUMAR Centro Universitário de Maringá
UNICNEC Centro Universitário Cenecista de Osório
UNIDERP Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do
Pantanal
UNIFACVEST Centro Universitário FACVEST
UNIFAVIP WYDEN Centro Universitário FAVIP WYDEN
UNIFRAN Universidade de Franca
UNINCOR Universidade Vale do Rio Verde
UNIMES Universidade Metropolitana de Santos
UNINTER Centro Universitário Internacional
UNIP Universidade Paulista
UNIS Centro Universitário do Sul de Minas
UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina
UNOPAR Universidade Norte do Paraná
USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
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SUMÁRIO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................................. 15
1.1. Um caminho até a Análise de Discurso .................................................................................... 15
1.2. O Estudo ............................................................................................................................................ 18
2. DELIMITAÇÕES TEÓRICAS ....................................................................................................... 23
2.1. Uma revisão histórica ..................................................................................................................... 23
2.2. Uma disciplina de entremeio ....................................................................................................... 30
2.3. História, ideologia e jogos de poder na constituição do discurso ..................................... 32
2.4. Dispositivo teórico-metodológico da AD ................................................................................ 36
2.5. Língua e sentido ............................................................................................................................... 42
2.6. Uma relação entre sujeito e sentido ........................................................................................... 44
2.7. O mesmo e o diferente na produção de sentidos .................................................................... 47
3. ADMINISTRAÇÃO: UM CURSO INTERDISCIPLINAR .......................................... 50
3.1. A inquietação .................................................................................................................................... 50
3.2. Historicidade e a conjuntura do Ensino Superior ................................................................... 58
3.2.1. Uma questão de ideologia ....................................................................................................... 75
3.3. A Legislação como efeito de verdade que sustenta as relações de poder ....................... 85
3.4. O Curso de Bacharelado em Administração ........................................................................... 90
3.5. Competitividade entre os Cursos de Bacharelado em Administração ............................. 96
3.5.1 FACECA ......................................................................................................................................... 99
3.5.2. UNIS .............................................................................................................................................. 101
3.5.3 UNINCOR .................................................................................................................................... 102
4. AS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DAS IES EM ESTUDO ............................... 105
4.1 O Discurso Publicitário................................................................................................................ 105
4.2 Análise das Campanhas ................................................................................................................ 110
5. CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 128
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 131
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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.1. Um caminho até a Análise de Discurso
É grande a dificuldade, ou até mesmo poderia ser dito que é impossível, a tentativa de
desvinculação da vida pessoal da vida profissional, considerando que ambas se constroem
simultaneamente. Assim, começo justificando a minha proposta de pesquisa/estudo que se dá
no entremeio: entre a vida pessoal e a profissional.
Posso afirmar que minha carreira acadêmica já me acompanhou desde o berço, sendo
filho orgulhoso de uma mãe que se dedicou à educação, sempre apoiada por um marido (e pai
saudoso). Por algumas décadas, exemplos de empenho em formar pessoas estiveram presentes
em minha vida, bem como exemplos de gestão compartilhada em formação de pessoas em
instituições de ensino.
Tive toda formação de base (Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II, bem como
o Ensino Médio) cursado no Colégio Santos Anjos – uma instituição privada e tradicional em
Varginha-MG. Além disso, durante o Ensino Fundamental e Ensino Médio, cursei inglês no
Centro de Cultura Anglo Americana - CCAA, também tradicional. Paralelamente, cursei
datilografia, mecanografia e iniciação em informática. Já iniciava, naquela época, meu
preparo para a empregabilidade futura, regida pelas relações neoliberais.
Em 1993, após o vestibular seletivo, me matriculei no curso superior de Economia
ofertado pela Faculdade Cenecista de Varginha – FACECA (hoje, Faculdade CNEC Varginha).
Logo em 1995, aprovado pelo processo seletivo do curso de Letras ofertado pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Varginha – FAFI (hoje, Centro Universitário do Sul de Minas –
UNIS/MG), iniciei paralelamente, ao curso de Economia, a licenciatura em Letras. Acreditava
ser a licenciatura a minha primeira oportunidade profissional na área da docência.
Nesse período já era estagiário remunerado da área de Comércio Exterior da empresa
Mangels em Três Corações-MG. Mas, logo em 1996, recebi uma nova proposta e aceitei o
cargo de Assistente de Comércio Exterior Júnior, na Polo Indústria e Comércio Ltda., uma
indústria de filme de polipropileno bi orientado, localizada em Varginha-MG.
No ano de 1997 colei grau como Economista. No ano de 1998 a FAFI abria processo
seletivo para a docência da disciplina de Literatura Anglo Norte-americana, e o Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC abria processo seletivo para a docência em
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Economia. Minha nova rotina era a indústria durante o dia e docência durante a noite e, em
concomitância, a vida de recém-casado.
Conciliei a minha atuação profissional em empresas com a minha vida acadêmica até
2001, quando por uma necessidade gerada pelo desligamento da empresa Mangels, dediquei-
me exclusivamente à carreira acadêmica. Não posso deixar de ponderar que as minhas
experiências materiais, que tive desde o berço, com os grandes exemplos e ensinamentos da
minha mãe, foram decisivos para a minha (re)formulação como pessoa e como docente. Seus
ensinamentos profissionais e de vida foram fundamentais.
Logo no ano de 2000 me efetivei como professor de ensino superior da FACECA e
ingressei, em 2002, no curso de Mestrado em Administração ofertado pela referida instituição de
ensino superior (IES). No mesmo ano iniciei a atuação como tutor do Projeto Veredas – um curso
de formação superior de professores públicos de Minas Gerais, oferecido na modalidade
à distância. A iniciativa propôs a formação de mais de 14 mil professores do Ensino
Fundamental da rede pública estadual. Apesar da modalidade ser a distância, encontros
presenciais mensais eram proporcionados, cabendo ainda, aos tutores, uma visitação às
escolas durante os semestres para conhecer e intermediar a prática pedagógica. Esta foi uma
experiência bem rica para a minha formação docente, onde várias foram as trocas de
informações e vivências com professores das escolas de Itajubá e Caxambu, inclusive das
escolas rurais e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) dos municípios.
Oportunidades diversas me levaram a cursar Administração, me especializar em Gestão
Educacional e em Gestão Empresarial. Tais experiências e oportunidades me qualificaram para
assumir, no ano de 2009, a Coordenação do Curso de Administração da FACECA.
Posteriormente, no ano de 2012, fui convidado para a coordenação do Comitê do
Processo Seletivo da FACECA. Por anos, além do planejamento de ações de marketing e
comunicação, percorremos visitando praticamente todas as escolas públicas e particulares, de
uma área até 150 quilômetros circunvizinha à Varginha-MG, para divulgação dos nossos
cursos e dos nossos processos seletivos.
A partir de então, sempre aguçado pela minha curiosidade, movido pela paixão por
Economia, e agora responsável pela coordenação do curso de Administração e pelo Comitê do
Processo Seletivo da FACECA, passei a observar as mudanças de mercado, com um grande
aumento na oferta de IES (em área de até 100 quilômetros circunvizinha à Varginha-MG) para
uma demanda em redução. Passei a observar a “poluição” das campanhas publicitárias, as
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promessas de sonhos e conquistas a qualquer sacrifício e a qualquer preço. Pude observar,
ainda, que a IES da qual fiz parte como aluno e me integrei como profissional, uma das
grandes líderes desse mercado, passou a enfrentar problemas financeiros, impactada pelo
cenário competitivo e pela crise econômica.
Naquele momento, não vislumbrava ainda o funcionamento pelo qual o neoliberalismo
passava a impactar a educação em seu nível superior e que a proposta de se educar na
universidade cedia lugar à proposta de vender educação já como
profissionalização/capacitação como uma mercadoria; a proposta de formar novos
consumidores para o mercado de trabalho e sustentar a produtividade.
Durante o curso de doutorado, deslocando-me da posição economista/gestor para a de
analista da linguagem, passei a refletir sobre “a situação problema da conjuntura”, que poderia
ser resumida em poucas palavras: competitividade, concorrência, jogos de poder, educação
como mercadoria, oferta, livre escolha e publicidade – isso já parecia configurar-se como
condições de produção de um novo discurso do ensino superior. A memória metálica
“passando a linearizar o interdiscurso, reduzindo o saber discursivo a um pacote de
informações, ideologicamente equivalentes, sem inscrever-se no funcionamento da
dissimetria” (ORLANDI, 2016, p. 78). Um verdadeiro leilão de educação superior, uma
disputa acirrada de poderes, sustentado pela publicidade agressiva e seus slogans sedutores.
Em encontro com minha orientadora, Professora Juliana de Castro Santana, a definição
da linha de pesquisa foi adequada para o processo de produção da tese – Análise de Discurso,
bem como o objeto de estudo para que eu pudesse compreender melhor essa “conjuntura” que
me inquietava: “Políticas Públicas, Competitividade e Jogos de Poder: uma análise de
campanhas publicitárias de IES privadas e de seus cursos de Administração.”
O desenvolvimento e adaptações em relação ao meu problema de pesquisa foram
constantes durante o percurso, principalmente depois de leituras e orientações; a cada
disciplina, uma ideia diferente surgia para minha tese. Eu já não levava em conta somente a
minha vivência e observações sobre o ensino superior.
Assim, a trajetória no curso de doutorado, tanto em meio às aulas, quanto pela convivência
com especialistas em discurso, me possibilitou uma maneira nova de compreender o mundo,
diferente daquela superficialidade que estava acostumado a ver nos fatos. Hoje, posso dizer que o
curso me proporcionou uma compreensão do mundo a partir da linguagem; ou melhor, a partir da
capacidade que nos dá de reconhecer e compreender que a linguagem tem sua opacidade.
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Posso definir minha relação com as Ciências da Linguagem como um (re)encontro,
que me tirou da zona de conforto e me fez enxergar além do que eu “poderia e queria” ver.
Muito mais que a compreensão dos processos, o curso de doutorado em Ciências da
Linguagem me instigou a compreender a constituição dos sujeitos e dos discursos e a
produção de sentidos. Ensinou-me que, para compreender os caminhos para encontrar as
respostas que venho procurando, em minha posição sujeito profissional, como um
coordenador do curso de Administração do ensino superior, em um ambiente de acirrada
competitividade e disputa de poderes, é preciso que me desloque dessa posição, assumindo-
me como analista de discurso. É isso que pratico nesse estudo.
1.2. O Estudo
Sou professor do Ensino Superior há mais de 20 anos, atuando em cursos de
Administração, Direito, Engenharia de Produção, entre outros. Há dez anos, enquanto
Coordenador do Curso de Administração da FACECA, sempre analisei as campanhas
publicitárias dos meus concorrentes, a forma como comunicavam à comunidade local o seu
processo seletivo.
Nessa incansável batalha (já que em Administração usamos os termos “arena competitiva”
para expressar o território onde empresas concorrentes atuam), sempre me indaguei sobre o fato
da linguagem utilizada em tais campanhas não mudar, mesmo com a mudança no perfil e no
comportamento do consumidor, fruto da própria evolução das gerações.
Sobre esse assunto, Veloso, Dutra e Nakata (2016) discutem a evolução das gerações e
suas características:
os baby boomers, nascidos até 1964: valorizaram a posição social e a ascensão
profissional. Workaholics, aplicavam seus esforços, inclusive acadêmicos, na
construção de carreiras garantidas no universo profissional;
Geração X, composta pelos nascidos entre 1965 e 1977: geração que buscavam a
empregabilidade em um momento de reengenharia administrativa das empresas, de
otimização de recursos e melhoria dos resultados. Defendiam um ambiente de trabalho
menos formal e uma estrutura hierárquica menos rigorosa;
Geração Y, formada pelos nascidos a partir de 1978, indivíduos que “cresceram em
contato com as tecnologias de informação e são mais individualistas. Defendem suas
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opiniões e priorizam o lado pessoal em relação às questões profissionais.” (VELOSO;
DUTRA; NAKATA, 2016, p. 92)
Se por um lado a percepção meramente mercantilista que eu tinha era que as
campanhas publicitárias utilizavam uma linguagem inadequada e, desta forma, não “atraíam”
os alunos para os bancos da faculdade, por outro sempre me inquietava o fato de empresas do
Sul de Minas não conseguirem encontrar mão-de-obra qualificada em nossa região, um
empecilho ao seu crescimento econômico. Pâmela Kometani (2017) relata que a falta de
experiência enquanto fator para o não preenchimento de vagas é um fato nacional.
Contudo, e com o decorrer do Doutorado em Ciências da Linguagem, um
deslocamento interessante aconteceu: comecei a analisar tais campanhas publicitárias com
outros olhos, identificando a sobreposição dos interesses e do poder do mercado sobre aquele
que deveria (ao menos teoricamente), ser o objetivo principal do ensino superior, já que,
conforme estabelecido em nossa Carta Magna, em seu artigo 205:
a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1998, p. 160).
Ou seja: não basta formarmos um cidadão capaz de atuar efetivamente para o
desenvolvimento de uma sociedade, precisamos, com base no recorte acima, também, formar
profissionais aptos e capazes a atender aos interesses nacionais e neoliberais.
Acontece que um pouco antes da nossa Constituição estabelecer os objetivos do ensino
superior, como já apontado, um documento da Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE, de 1987, atribuiu dez funções às universidades. Tal atribuição deve-se à
necessidade de geração de conhecimento como principal recurso econômico. São elas:
educação geral pós-secundária; investigação; fornecimento de mão-de-obra
qualificada; educação e treinamento altamente especializados; fortalecimento da
competitividade da economia; mecanismo de seleção para empregos de alto nível
através da credencialização; mobilidade social para os filhos e filhas das famílias
operárias; prestação de serviços à região e à comunidade local; paradigmas de
aplicação de políticas nacionais (ex.: igualdade de oportunidades para mulheres e
minorias raciais); preparação para os papéis de liderança social (ROGGERO, 2016,
p. 27).
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Roggero (2016, p. 28) também defende que uma análise sistêmica dessas funções permite
observar com clareza a demanda pela “formação profissional de nível superior como mão-de-obra
e treinamento de alta especialização”. A universidade vira centro de credencialização para o
mercado, de instrumento de fortalecimento da competitividade da economia, em uma década
marcada por uma mudança no perfil da competição, com a inovação sendo utilizada enquanto
ferramenta para a criação de diferenciais competitivos. Portanto, é possível vislumbrar a relação
entre produção de conhecimento e crescimento econômico.
Retornando ao Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB também
apresenta, em seu artigo 43, outras finalidades do Ensino Superior, como o estímulo à criação
cultural, ao pensamento reflexivo e do desenvolvimento do espírito científico, o incentivo à
pesquisa e a investigação científica, a promoção à divulgação de conhecimentos culturais, o
estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo, entre outros, (BRASIL, 1996). Contudo
as questões mercadológicas e a preparação do sujeito profissional, trabalhador, também são
contemplados, como estabelecido principalmente no parágrafo II, que estabelece a formação
de “diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na
sua formação contínua” (BRASIL, 1996, p. 32).
Tamanha era a inquietação que busquei analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais
dos Cursos de Administração, também com um foco mais crítico. Para minha surpresa, o
perfil do egresso estabelecido para esse curso não prevê o desenvolvimento do espírito crítico
e reflexivo, do estímulo à criação cultural estabelecidos pela LDB, mas prevê única e
exclusivamente, a formação de um cidadão qualificado a atender às relações entre educação e
trabalho, a saber:
I - reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e
generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão; II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais; III - refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento; IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e
formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais; V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das
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implicações éticas do seu exercício profissional; VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos
organizacionais, revelando-se profissional adaptável; VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais (BRASIL, 2005, p. 2).
Paulo Freire (1979) em sua obra Educação e Mudança, discorre que a raiz da educação
está no desenvolvimento da capacidade humana de autorreflexão, da busca constante de ser mais,
de formação, ou seja, a educação como “finitude da infinitude”. Contudo, no mesmo livro,
defende que “quanto mais dirigidos são os homens pelas propaganda ideológicas, política ou
comercial, tanto mais são objetos de massa” (FREIRE, 1979, p. 17). Defende, também, que esses
“objetos de massa” são fruto de uma sociedade predadora, sendo o mercado externo a ela:
Nestas sociedades se instala uma elite que governa conforme as ordens da sociedade
diretriz. Esta elite impõe-se às massas populares. Esta imposição faz com que ela esteja
sobre o povo e não com o povo. As elites prescrevem as determinações às massas. Estas
massas estão sob o processo histórico. Sua participação na história é indireta. Não
deixam marcas como sujeitos, mas como objetos (FREIRE, 1979, p. 18).
Para a perspectiva discursiva o poder não emana só da elite em relação às massas, mas
constitui toda e qualquer relação que se dá no âmbito social. Por isso fala-se em relações de
poder. Foucault (2008) afirma que as verdades circulam diretamente ligadas aos sistemas de
poder, sendo este poder o elemento que apoia, produz e reproduz as verdades sócio-
historicamente compartilhadas. Não existem verdades fora das relações de poder. Desta feita,
se o poder e a verdade encontram-se interligados em uma relação considerada como circular e
constitutiva, os discursos providos de instituições funcionam como regimes de verdades. De
uma forma mais simples, fala-se que o poder vem operando e funcionado em conexão com a
verdade, produzindo efeitos de evidência.
Sobre a produção da verdade, Medeiros (2002, p. 14) defende que, em uma
perspectiva discursiva, a “verdade é, portanto, relativa aos sentidos que ‘colam’ em um dado
momento sócio-histórico e ideológico e que são hegemonizados em uma constituição de poder
em sociedade”.
Portanto, e diante desta minha inquietude, este trabalho objetiva verificar os discursos
em funcionamento nas campanhas publicitárias das Instituições privadas de Varginha que
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ofertam o Curso de Administração (UNIS e FACECA), bem como a competitividade nelas
existente e os jogos de poder que constituem tais campanhas. Incluímos, também, a análise
das campanhas da Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR, pela concorrência direta.
Para atingir esse objetivo, procurei responder às seguintes perguntas:
1. Quais são as discursividades em funcionamento nas Campanhas Publicitárias dessas
IES?
2. Quais as condições de produção de sua elaboração?
3. Como se dão as relações de poder nessas campanhas?
4. O que essas campanhas permitem vislumbrar da relação que se estabelece entre
estado, mercado de trabalho, cidadania e ensino?
5. As Leis e Políticas Públicas que regem os Cursos Superiores de Educação, além dos
Projetos Pedagógicos de Cursos, priorizam a formação do cidadão ou a qualificação da
mão-de-obra?
Para tanto, dividi o trabalho da seguinte forma: a primeira parte apresenta o trabalho e
seus objetivos e, na segunda etapa, as delimitações teóricas que embasam as análises aqui
propostas. Já o terceiro capítulo, discorre sobre a historicidade e a conjuntura do Ensino
Superior Brasileiro, como foco nas relações neoliberais. Os próximos capítulos apresentam a
legislação que sustenta as relações de poder e a discursividade da competitividade entre os
cursos de Administração aqui analisados. Dando continuidade, as campanhas publicitárias,
corpus desta pesquisa, são apresentadas e finalmente discorro sobre o poder midiático de tais
campanhas.
22
2. DELIMITAÇÕES TEÓRICAS
2.1. Uma revisão histórica
A busca por analisar discursos, mesmo que de forma insipiente, pode ser encontrada
nos trabalhos de M. Bréal (século XIX) e dos formalistas russos, dos anos 1920/30.
Já a Análise do Discurso, que toma o discurso como seu objeto próprio, teve seu início
nos anos de 1960, a partir dos trabalhos de Z. S. Harris que defendia a Análise do Discurso
como fonte de ensinamentos sobre a estrutura de um texto ou sobre o papel de cada elemento
nessa estrutura, uma ferramenta que ensina como um discurso pode ser constituído para
atender a determinadas especificações (MAZIÉRE, 2007).
Quando da sua concepção (anos de 1960), a conjuntura era marcada pela prevalência
do Estruturalismo1, pela necessidade (para Pêcheux) de mais cientificidade por parte das
Ciências Sociais, com quem a Análise de Discurso mantém uma estreita relação, fato que
pesou na escolha.
Inclusive, o seguinte cenário linguístico era encontrado:
as leituras dos anos 60 eram baseadas no estruturalismo linguístico saussuriano, nas
críticas e no militarismo dos sociolinguístas, na filologia do estruturalismo de Saussure e
em seus anagramas. A língua, para Saussure, deve ser pensada como um sistema;
o início da propagação da gramática gerativa de Chomsky na França;
Harris estuda a Análise de Discurso, fornecendo procedimentos de análise: com a
redução do texto a enunciados elementares pode-se identificar a constituição de
sentidos semânticos;
Jakobson discute as funções da linguagem e apresenta o seu esquema de comunicação;
Benveniste ressalta a importância da enunciação e propõe uma oposição entre
narrativa e discurso. Propõe o discurso como um dito referido ao presente do
enunciado e a narrativa mimetiza uma sequência de acontecimentos que parecem se
contar por si mesmos (MAZIÉRE, 2007).
Culioli apresenta sua Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas;
1 Estruturalismo: método de análise que se apoia na criação de estruturas, de modelos explicativos da realidade.
Na França, tendo a Linguística como referência, “identificaram cultura e linguagem de tal modo que toda a análise de qualquer fato cultural devia tomar uma forma de análise linguística (GADET; HAK, 2014, p. 27).
23
A fase da Análise do Discurso denominada “Escola Francesa da Análise do Discurso”
(sintagma introduzido por Dubois) ganha força principalmente através de produções dos anos
1969 e 1971. Essa fase é marcada pela imposição de objetos analíticos, do estabelecimento de
métodos e sua exposição à crise, à sua difusão em revistas, à sua divisão e posterior
reorganização, também à ampliação dos campos das disciplinas, das interrogações teóricas e
dos lugares de produção (MAZIÉRE, 2007)
Em 1969, Dubois publica um artigo intitulado “Analyse du discours”, uma tradução de
um outro artigo de Harris. Nesse artigo, Harris propunha um modelo de análise de discursos
baseado na adaptação ao texto de métodos distribucionalistas de identificação das unidades da
língua: segmentação e equivalência de classes paradigmáticas. O objetivo, segundo esse autor,
era a “análise da estrutura distribucional de um texto no qual se distinguiam invariantes, seja
por retomadas simples, seja por anáforas” (apud MAZIÉRE, 2007, p. 38).
Para realizar tal análise, Harris defendia um método fundamentado em
“transformações inversas como a despassivização (que permite generalizar uma ordem de
palavras, ou eleger um sujeito), a descoordenação e a dessubordinação (que permitem pôr
duas frases em paralelo)” (apud MAZIÉRE, 2007, p. 38).
A década de 70 presencia, ainda, uma aproximação da Análise do Discurso com o
sociológico, com a história e com a política, situação vista, por Dubois, como danosa à análise
por passar a representar apenas um ponto de vista do analista.
Maziére (2007) aponta que uma nova etapa apareceu na construção da Análise do
Discurso: a saída do distribucionalismo e abordagem de aspectos da retórica persuasiva, o
nascimento da Gramática Gerativo-Transformacional de Chomsky:
Desse modo, todo texto se torna o lugar de dois discursos: as estruturas de
superfície, manifestadas pelo texto, são opostas às estruturas profundas […]. Essa
estrutura profunda é o lugar de uma enunciação para o falante e de uma pergunta
para o ouvinte; são essas considerações que guiam as pesquisas em andamento sobre
o ‘ato da fala’ e a ‘intenção de falar’ (MAZIÉRE, 2007, p. 44)
Outros estudos acerca do texto podem ser encontrados em M. A. K. Halliday, que
pensando a linguagem em uso, considera o texto como uma passagem de qualquer
comprimento que forma um todo unificado (ORLANDI, 2001).
Uma revisão histórica acerca da Análise do Discurso não pode ser feita sem abordarmos
Pêcheux e sua contribuição para com essa ciência. Sua obra, principalmente após o rompimento
24
com Dubois, é marcada por desconstruções e construções, por dúvidas, por experimentações,
pelo reconhecimento de impasses, por uma “problemática pela qual a língua, como objeto
construído pela linguística, é reconhecida porque funciona e não porque tem funções, trate-se
da função de comunicação ou interação”(MAZIÉRE, 2007, p. 48).
As contradições entre a Análise de Discurso de Pêcheux e a de Dubois são, também,
apontadas por Francine Maziére, que defende que
enquanto a AD de Dubois tenta uma articulação entre língua e sociedade no enunciado atestado pelo deslocamento de métodos distribucionais e pelo recurso às
teorias enunciativas, os pesquisadores do grupo de Pêcheux querem pensar a língua
como aquilo que permite constitutivamente o equívoco (e não a ambiguidade) e, portanto, garante a única possibilidade de ‘fazer sentido’ (2007, p. 55)
Escrevendo sobre a tecnicidade do mundo e sobre os sistemas homem-máquina, Gadet
e Hak escrevem “Por uma Análise Automática do Discurso”, material que demonstra uma
metodologia proposta por Pêcheux, de análise baseada em dados estatísticos e fórmulas
matemáticas.
Segundo Gadet e Hak (2014) Pêcheux, justificou a criação da Análise Automática de
Discurso em dois fatores: o primeiro no fato dos estudos das ciências sociais serem pré-
científicos. Isso pois, para Herbert-Pêcheux, “toda ciência é, antes de tudo, a ciência da
ideologia com a qual rompe. Logo, o objeto de uma ciência não é o objeto empírico, mas uma
construção” (GADET; HAK, 2014, p. 12).
A segunda justificativa reside no fato de que uma ciência necessita, para se
estabelecer, de instrumentos e, para Pêcheux, um trabalho teórico-conceitual (que reinventa a
ciência da ideologia com a qual ele rompe), deve resultar na criação de novas ferramentas. A
Análise de Discurso apareceria, então, como um novo Instrumento. Pêcheux objetivava
construir uma teoria e sistematizar um método, contribuindo para a Ciências Sociais,
transformando essa ciência em uma prática verdadeiramente científica e, ao mesmo tempo,
rompendo com o paradigma em voga na época para as ciências sociais.
Portanto, a Análise Automática de Discurso prevê a criação de um instrumento de
análise. Outros Métodos de Análises podem, para Gadet e Hak (2014) serem identificados.
Esses autores os classificam em “não linguísticos” e “linguísticos”. O quadro que segue
propõe-se a demonstrar tais métodos:
25
Quadro 1: Métodos de Análise
Classificação do Método Principais características
método
Métodos não Dedução frequencial Utilização de dados estatísticos, pelo
linguísticos levantamento da repetição de uma mesma
palavra no interior de uma frase (ou
parágrafo, ou texto) e a comparação da
frequência dessa palavra com a encontrada
em outros fragmentos. É, por assim dizer,
um método que trabalha a “demografia”
do texto, um método que não se preocupa
com os efeitos de sentidos que ele pode
despertar.
Análise por Método que, em contradição ao
categorias temáticas denominado “dedução frequencial”,
trabalha os sentidos: atravessando a
estrutura linguística, passando de um nível
infralinguístico para um nível
supralingúistico, o leitor pode detectar
uma série de significações.
Esse método prevê, também, uma
padronização2 da leitura, de forma que
leitores diferentes possam perceber os
mesmos sentidos em um texto.
Métodos Esses métodos referem-se à linguística
paralinguísticos moderna e trabalha muito a questão do
sentido. Nesse método, questões como a
2 Essa padronização, consenso entre vários codificadores, seria o fruto dos seus esforços, após aplicação das mesmas definições e utilização de um mesmo sistema de referência em suas análises.
26
entonação, linguagem corporal, entre
outros, despertam sentidos gerando,
portanto, infinitas possibilidades de
análise.
Fonte: o autor adaptado de (GADET; HAK, 2014)
Mas retomamos Pêcheux e a Análise Automática de Discurso. Ao se colocar entre o
“sujeito da linguagem” e o “sujeito da ideologia”, Pêcheux percebia as ciências sociais como
técnicas que tinham um forte laço com a prática política e com a ideologia. E como ele via a
linguagem não como um instrumento de comunicação, mas como instrumento da prática
política, transformando as relações sociais e reformulando a demanda social, um instrumento
notadamente científico seria de grande contribuição (GADET; HAK, 2014).
E pode-se afirmar, inclusive, que o principal objetivo de Pêcheux com a sua Análise
Automática de Discurso era a criação de uma ferramenta que colocasse em evidência os
processos discursivos, através da elaboração de um esboço de uma análise não subjetiva dos
efeitos de sentido que atravessam a ilusão do efeito-sujeito, situação possibilitada através da
utilização de paráfrases interiores à matriz do sentido inerente à formação discursiva
(GADET; HAK, 2014).
A Análise Automática de Discurso partia de uma análise linguística, de natureza
morfossintática, permitindo a deslinearização especificamente linguística dos textos, com o
objetivo inclusive de deslocar o sujeito enunciador da materialidade dos enunciados.
Posteriormente, as “sofisticações da pragmática o reconfiguram em uma escala de ações e de
co-ações enunciativas e semânticas na qual ele pode se multiplicar e se diluir” (MAZIÉRE,
2007, p. 22)
Para tanto, Pêcheux entendia as condições de produção como algo que “designava ao
mesmo tempo o efeito das relações de lugar nas quais se acha inscrito o sujeito e a situação no
sentido concreto e empírico do termo, isto é, o ambiente material e institucional, os papéis mais ou
menos conscientemente colocados em jogo” (GADET; HAK, 2014, p. 169). Portanto, as
condições de produção indicariam a vivência do próprio sujeito, suas atitudes, representações,
entre outros, condições essenciais para a produção de determinados sentidos e não de outros.
O fato de não considerar uma teoria deste imaginário localizada em relação ao real, fato
que possibilitava a interpretação interpessoal dessas condições de produção é, inclusive, uma
27
das críticas mais marcantes inerentes à Análise Automática de Discurso. Uma outra crítica
apresentada por Gadet e Hak (2014) reside na não clareza da análise morfossintática, uma das
primeiras etapas desse tipo de análise, bem como a não exclusão de um semantismo implícito.
A concepção de Pêcheux sobre da língua e suas influências podem ser encontradas no
quadro que segue:
Quadro 2 – Estudiosos e sua influência na obra de Pêcheux
Referência Influência na Análise Automática de
Discurso
Estruturalismo saussuriano Pêcheux reconhece que a língua é um sistema e
que a análise de discurso deveria focar na fala.
Também, pela compreensão da posição de
Saussure sobre a língua e pela sua convivência
com anagramas, atribui grande importância ao
“efeito metafórico”.
Gramática gerativa de Chomsky Contribui para a fundamentação teórica da AAD
já que Chomsky, ao se opor entre as estruturas
de superfície e a profunda, permite a proposição
da “relação entre estruturas discursivas
analisáveis como lugares de efeitos de superfície
e a estrutura invisível que as determina”
(GADET, HAK, 2014, p. 43).
Harris e a análise de discurso O Distribucionalismo Harrisiano é escolhido,
por Pêcheux, como teoria gramatical para suas
análises. Estabelece-se a paráfrase, baseada nas
questões sobre sinonímia e sobre a variabilidade
(ou não) da semântica.
Jakobson e as funções da linguagem Pêcheux, ampliando os limites da linguística,
retomando o esquema da comunicação e as
funções da linguagem, propõe ver na unidade da
28
língua um sistema de subcódigos em
comunicação recíproca.
Benveniste e a enunciação Pêcheux faz, do enunciado, a unidade do
discurso, “a fronteira de um domínio irredutível
à ordem da gramática” (GADET, HAK, 2014, p.
46).
Culioli e a questão dos Apesar de Pêcheux, por um lado, ter apenas
determinantes “emprestado” a terminologia “léxis” para
elaborar seu instrumento, por outro, inspira-se
em Culioli nas análises das determinações do
nome e do verbo no enunciado.
Fonte: o autor, adaptado de (GADET; HAK, 2014)
O encantamento produzido pela Análise de Discurso é apontado por Gadet e Hak que,
ao publicar os últimos trabalhos de Pêcheux, dizem que
seja possível, a partir de um enunciado intuitivamente apreendido como ‘normal’,
imaginar e construir por pressão um outro enunciado, é um fato linguístico
experimentável. Que a interpretação ‘normal’ de um enunciado dado possa
repentinamente oscilar para outra interpretação, liberando retrospectivamente do
sentido outro (como sob o efeito de um trocadilho) é também um fato, que não é
nem, idêntico, nem simétrico ao primeiro. A questão do impossível, enquanto
estrutura essa rede de fenômenos linguísticos para um língua dada, se converte
assim em uma pluralidade de questões (apud MAZIÉRE, 2007, p. 54).
É inegável apontar que a AD se constitui no espaço de questões estabelecido por
outros campos do saber, sejam eles sociológicos, marxistas, históricos ou psicanalíticos, sem,
contudo, haver uma relação de dominação ou dependência dentre elas. A AD se mostra como
um processo teórico-analítico vivo que busca, nesses campos, subsídios teórico-metodológica
para suas análises, já que considera que, conforme Orlandi (2001):
1. A língua tem sua ordem própria e é relativamente autônoma;
2. a história tem seu real afetado pelo simbólico, já que os fatos reclamam sentidos;
3. o sujeito da linguagem é descentralizado, pois é afetado tanto pela língua quanto
pela história;
4. a linguagem só é linguagem pois faz sentido.
29
Nesse contexto, emissor e receptor não estão separados, mas significam, se constituem
mutuamente já que, enquanto sujeitos de linguagem são afetados pela língua e pela história, se
identificando e produzindo sentidos. E este é o principal objetivo da AD: através da análise e
dos gestos de interpretação, analisar como os sujeitos produzem sentido, “como ele está
investido de significância para e por sujeitos” (ORLANDI, 2001, p. 26)
A Análise de Discurso, portanto, ao conceber a linguagem como instrumento de
mediação do homem com sua realidade natural e social, não trabalha com a língua enquanto
algo abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens, seja
enquanto sujeitos, seja enquanto membros de determinada sociedade, falando, “se
esquecendo”, produzindo sentidos, tudo dentro de certas condições de produção. A análise de
textos, deixa de ter, dessa forma, uma abordagem meramente de interpretação, de buscas por
seu entendimento, e passa a abordar questões ideológicas, históricas, de sujeito, entre outras.
A AD coloca a intepretação que se pauta em evidências discursivas em questão. No nosso
caso, coloca o discurso das campanhas publicitárias das IES privadas em análise.
No processo de Análise é desnecessário perguntar ao sujeito “o que ele quis dizer”, já
que, como ele não tem acesso ou controle da forma como os efeitos produzem sentido, o que
ele sabe ou acredita que sabe não é suficiente para que possamos compreender os efeitos de
sentidos presentes em um discurso.
2.2.Uma disciplina de entremeio
Não podemos deixar de categorizar a Análise de Discurso, como uma disciplina de
entremeio, atuante no campo das Ciências Sociais e da Linguística. Devido a essa iniciativa,
leituras meramente convencionais de textos e falas, passaram a ser analisadas com a utilização
de dispositivos teóricos e analíticos visando à interpretação do simbólico; os princípios da AD
permitem compreender a maneira com que a ideologia se materializa no discurso e no objeto
de análise.
Orlandi (2007, p. 23) define que uma disciplina de entremeio é aquela que “não acumula
conhecimentos meramente, pois discute seus pressupostos continuamente”. Questionando a
Linguística, o Materialismo, a História e também a Psicanálise, a Análise de Discurso busca
analisar diferentes discursos, que são produzidos em diversas condições de produção. Isto é
possível pois enquanto a linguística estruturalista pensa na língua como sistema, apartada do
30
falante e da situação de enunciação, a Análise de Discurso muda o objeto de análise de língua
para o discurso, considerando a opacidade da linguagem e a constituição histórica dos
sentidos. Já a Psicanálise trabalha o deslocamento da noção de homem para a de sujeito,
contribuindo enormemente para o construto teórico da AD. Já em sua relação com o
Marxismo, a Análise de Discurso pressupõe o legado do materialismo histórico, ou seja, o
homem faz a história, apesar da história não lhe ser transparente.
Essas são disciplinas que se configuram em sua especificidade nos anos 60,
fundamentalmente. Ao falarmos da análise de discurso e de seu modo de
constituição, estaremos aí representando o processo de construção dessas
disciplinas, em geral. O fato delas não acumularem positivamente no espaço
indistinto das relações entre disciplinas, relações estas que não são quaisquer umas,
mas que têm sua especificidade [...] (ORLANDI, 2007, p. 23).
Por ser uma disciplina de entremeio, a AD não vem complementar as disciplinas das
ciências sociais e linguística, mas é colocada justamente no questionamento destas áreas,
fazendo contrapontos entre elas. Muito mais do que uma ligação direta, ela circula em uma
área particular, que não deixa de considerar pontos destas disciplinas, mas põe em
funcionamento uma nova maneira de entendê-las e até mesmo faz nascer novas noções de
pontos estruturantes. Daí sua importância para este trabalho, por possibilitar a compreensão
do discurso neoliberal, da competitividade, dos jogos de poder, no material de análise.
É importante, contudo, frisar que não existe uma relação de servidão entre a
Linguística, o Marxismo e a Psicanálise, mas uma relação de coexistência para a análise de
como o discurso significa. Sobre esse assunto, Orlandi diz que a Análise de Discurso
interroga a linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo modo
como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (ORLANDI, 2001, p. 20).
A Análise de Discurso propõe um sujeito que é constituído também pelo inconsciente
– formações ideológicas, que sofre constantemente efeitos dessa constituição na produção
discursiva. A história, que não é somente cronológica, mas o funcionamento da historicidade,
também faz parte do campo teórico da AD (MALDIDIER, 2003).
Sendo assim, reservamos esta seção para os dispositivos teóricos e analíticos que
subsidiarão as demais seções deste estudo. Trouxemos, brevemente, noções da Análise de
31
Discurso, disciplina que, como já dito, de entremeio que dispõe ao leitor uma nova maneira de
interpretar, a partir da compreensão dos processos discursivos.
É importante salientar que muito mais que a transmissão de informações, o discurso traz
em si sentidos e efeitos diferentes, já que “todo conteúdo de pensamento existe na linguagem sob
a forma do discurso” (PÊCHEUX, 1995, p. 99). E “a palavra discurso, etimologicamente,
tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim
palavra em movimento, prática de linguagem; com o estudo do discurso observa-se o homem
falando” (ORLANDI, 2001, p. 15). O discurso é para Pêcheux, “o efeito de sentidos entre
interlocutores” (GADET; HAK, 2014), campo para o trabalho da AD a partir do processo de
produção de sentidos, pautado nas determinações histórico-sociais.
Abordado pela história, pela sociedade, pela memória e por diversos fatores em sua
elaboração, o discurso reúne repercussões diferentes de sentidos, baseado nas diferentes
condições de produção. “Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de significação e
não estão separados de forma estanque. Além disso, ao invés de mensagem, o que propomos é
justamente pensar aí o discurso” (ORLANDI, 2001, p. 21). “Desta forma, o campo particular
da AD permite analisar a produção dos possíveis sentidos que possibilitam pensar o discurso
como tensão entre paráfrase e polissemia, entre transparência e opacidade, entre o fechado e o
incompleto” (PEREIRA, 2018, p. 23).
Para tanto, os conhecimentos necessários para a composição do campo teórico da AD
congregam diferentes regiões do conhecimento, que ao mesmo tempo em que se contradizem,
se reúnem em linhas iguais: a teoria da sintaxe e da enunciação, a teoria da ideologia e a teoria
do discurso.
Diferente do que se pensa, a AD não busca desvendar o que está escondido nos discursos,
mas como os possíveis sentidos são constituídos por determinadas condições de produção; no caso
deste estudo: como os sentidos são constituídos nos discursos publicitários de IES privadas, em
um cenário onde a educação passa a ser comercializada enquanto produto.
2.3. História, ideologia e jogos de poder na constituição do discurso
Iniciamos esta sessão recorrendo à Orlandi para definir discurso. Como anteriormente
apresentado, Orlandi defende que tal significante tem em si a ideia de “curso, de percurso, de
correr por, de movimento” (2001, p. 15). Define, também como o “efeito de sentidos entre os
32
locutores” (ORLANDI, 2001, p. 21), ou seja, é muito mais do que apenas transmitir
informações.
Ainda sobre o Discurso, Pêcheux (1995, p. 162) diz que
o funcionamento da ideologia em geral como interpelação dos indivíduos em
sujeitos (e, especificamente, em sujeitos de seu discurso) se realiza através do complexo das formações ideológicas (e, especificamente, através do interdiscurso
intrincado nesse complexo) e fornece ‘a cada sujeito’ sua ‘realidade’, enquanto
sistemas de evidências e de significações percebidas-aceitas – experimentadas.
Portanto o discurso não é o texto: é uma manifestação da materialidade da língua, um
“lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia” (ORLANDI, 2001, p.
17).
Ferreira (2003) defende que o discurso vem a ser um objeto teórico e livre da
comprovação empírica, no qual indícios de rupturas são desvendados pelo analista que preza
pela compreensão do modo como o gesto de interpretação passa a funcionar na materialidade,
no momento específico em que o sentido passa a fazer sentido em um discurso.
O discurso é o objeto que nos permite observar as relações entre ideologia e língua,
bem como os efeitos do jogo da língua na história e os efeitos desta na língua. É
através do discurso que se vai compreender como um material simbólico produz
sentidos e como o sujeito se constitui. Ao situar-se como lugar privilegiado de
observação entre a língua, a ideologia e o sujeito, o discurso propicia, como bom
observatório, a visualização das propriedades do complexo dispositivo teórico-
analítico (FERREIRA, 2003, p. 193-194).
Atravessada pelas especificidades do discurso, a AD compreende cada discurso a
partir das particularidades. É pertinente à AD “a desnaturalização dos sentidos, passando
então a problematizá-los, apontando para as relações da língua com a história e dos sujeitos
com os sentidos” (PEREIRA, 2018, p. 25). Desta forma, “além de se analisar o que está
concretamente no enunciado – palavras, cores, imagens ou expressões, observa-se, também a
constituição dos mesmos; ou seja, a relação do discurso com outros discursos” (PEREIRA,
2018, p. 135). Assim, considerá-lo é o mesmo que aceitar que o homem não é origem do que
diz – esquecimento número dois.
O esquecimento número dois, que é da ordem da enunciação: ao falarmos, o fazemos de
uma maneira e não de outra, e, ao longo do nosso dizer, formam famílias parafrásticas
que indicam que o dizer sempre podia ser outro [...]. Outro esquecimento
é o esquecimento número um, também chamado esquecimento ideológico: ele é a
33
instância do inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia. Por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos preexistentes (ORLANDI, 2001, p. 35).
Pêcheux (1995, p. 173) afirma que o esquecimento número dois é aquele “pelo qual
todo sujeito –falante ‘seleciona’ no interior da formação discursiva que o domina, isto é, no
sistema de enunciados, formas e sequências que nela se encontram em relação à paráfrase”.
Sobre o Esquecimento número 1, Orlandi (2001), retomando os conceitos postulados
por Pêcheux, também afirma que os sentidos são representados em nós e não originados em
nós. São fruto de “como nos inscrevemos na língua e na história e é por isto que significam e
não pela nossa vontade” (ORLANDI, 2001, p. 35).
Gadet e Hak também falam sobre esse esquecimento, ao defini-lo como o “processo
pelo qual uma sequência discursiva concreta produzida, ou reconhecida como sendo um
sentido para um sujeito, se apaga, ele próprio, aos olhos do sujeito” (2014, p. 166).
Compreendendo os sujeitos e também a memória que constitui os discursos, acredita-
se, então, que as condições em que o discurso foi produzido, compreendendo a complexidade
e contextualização entre os elementos sócio históricos e, também, ideológicos que funcionam
nestas condições de produção. Estes acontecimentos, simultâneos à produção dos discursos,
relacionam-se não só com o que “já foi dito” histórica-ideologicamente, mas com o que “está
dito” sobre tal assunto, ou em determinado discurso.
Conforme Piovezani e Sargentini (2011), qualquer dito em um determinado momento
da história evoca uma memória discursiva que é caracterizada por aquilo que se fala em
algum outro lugar, espaço ou conjuntura, memória está evocada, por exemplo, no discurso
que produz um efeito de evidência e de verdade ao pregar que o Ensino Superior é condição
para o sucesso profissional, para a empregabilidade do sujeito, como em um dos recortes aqui
analisados, que utilizou a discursividade “eles estão mais prontos do que nunca para entrarem
no mercado de trabalho" (UNIS, 2016).
A memória discursiva, que difere de meras lembranças do passado, funciona no
interdiscurso – conjunto de formulações que afetam o dizer, e que se baseiam também nos
esquecimentos; ou seja, a ilusão do que é dito é inédito, assim produzindo a impressão que os
dizeres têm origem no próprio sujeito.
As formações discursivas, compostas pelas memórias do dizer, pelos esquecimentos de
primeira (ideológico) ou segunda ordem (enunciação), se constituem na relação com o
interdiscurso, representando, no dizer, as formações ideológicas.
34
Pêcheux defende que “toda formação discursiva dissimula, pela transparência do
sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao ‘todo complexo com
dominante’ das formações discursivas, intricado no complexo das formações ideológicas”
(2006, p. 162). Assim, o lugar do sentido, do sujeito e da metáfora, é função da interpretação,
espaço da ideologia (ORLANDI, 2013). Assim, quando se diz algo, este dizer poderia ser dito
de diferentes formas, compondo famílias parafrásticas. Afetando o sujeito, e o fazendo ter
uma noção ilusória que aquele dito é inédito, sendo que está de alguma forma presente na
memória discursiva.
Pêcheux (1995) também argumenta que processos parafrásticos e polissêmicos se fazem
presentes no funcionamento discursivo, propondo a tensão entre o mesmo e o diferente. A
paráfrase compõe a mesma família “do dizer”, mantendo desta forma algo em relação ao dizível.
Por outro lado, as possibilidades de sentidos que são deslocados em outros dizeres podem ser
consideradas processos polissêmicos. De acordo com Orlandi (2001), por reconhecer a
nebulosidade/opacidade da linguagem por conta de suas complexidades, o analista utiliza os
processos parafrásticos e polissêmicos para interpretar a incompletude da linguagem.
Percebe-se que os discursos são relacionados entre si, não existindo assim, início absoluto
para tal, tampouco o mesmo se finda por completo. Esta relação entre sentidos e discursos pode
ser denominada de relações de sentidos, considerando a memória do dizer, através da
historicidade. Todo dizer possui uma história, e é nessa historicidade que os discursos se
constituem. Nem o sujeito, muito menos o discurso, mostram-se transparentes; é justamente nesta
opacidade que a investigação do analista de discursos é colocada em funcionamento.
O materialismo histórico, um dos pilares que constitui a teoria da AD, compreende a
história não como fatos cronológicos distribuídos ao longo dos anos, mas pela perspectiva que
o homem participa da história e, desta, os sentidos são produzidos. Baseados na noção de
relações de forças pode-se perceber que o sujeito se instaura a partir da forma do seu dizer,
sendo assim, a ‘posição-sujeito’ pode variar de acordo com a formulação discursiva,
produzindo diferentes feitos em relação à forma-sujeito que fora construída. “O padre fala de
um lugar em que suas palavras têm uma autoridade determinada junto aos fiéis etc.”
(ORLANDI, 2001, p 39).
Em uma sociedade em que a hierarquia pressupõe uma forma particular em relação às
posições de poder, ela (a hierarquia) produz / emana sentidos de poder, podendo, assim, produzir
possíveis posições-sujeito em relação ao poder que é exercido na sociedade. Este poder
35
é exercido na sociedade através de relações de força, produzido por uma posição em que o
mesmo ocupa perante a comunidade; construindo assim variáveis de sentidos a partir desta
posição (ORLANDI, 2010). Esta relação de poder e que busca abarcar sentidos de poder
exercido na sociedade será mais adiante tratada com detalhes, considerando o cumprimento de
seus objetivos já estabelecidos.
2.4. Dispositivo teórico-metodológico da AD
Considerando a importância da opacidade da linguagem, dos gestos de interpretação e
da produção dos efeitos de sentido nos estudos que se ancoram na perspectiva da AD,
iniciamos este subcapítulo discorrendo sobre a noção de sentido e sua produção
De acordo com Maziére, “toda forma de língua constitui sentido e modela o sentido por
conta de suas próprias particularidades” (MAZIÉRE, 2007, p. 16). Logo, é importante salientar
que a língua, bem como a história, afeta o sujeito da linguagem. Isso acontece, pois as palavras do
dia-a-dia chegam até esse sujeito carregadas de sentidos, cuja origem desconhecemos. Portanto, se
pensarmos que, na tentativa de nos comunicarmos, a linguagem em funcionamento
é carregada tanto dos fatos e acontecimentos históricos, do trabalho da ideologia, o discurso se
torna não apenas um processo de troca de informações, mas algo complexo, onde acontece o
processo de identificação do sujeito, da argumentação, da subjetivação e da construção da
realidade. A “linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque
se inscreve na história” (ORLANDI, 2001, p. 16).
Mas já que a Análise de Discurso visa “compreender como os objetos simbólicos
produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela considera
como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido”(ORLANDI, 2001, p.
26), precisa-se definir o que entendemos por “sentido”.
Maziére (2007, p. 28) define o sentido como
resultado de uma interpretação complexa, incluindo circunstantes e
contextualizantes. Nesse sentido, a Análise do Discurso se desinteressa da noção de
significação e se volta para a noção de valor, transferindo suas observações da palavra para o sintagma, da palavra para a proposição, da palavra para o texto, sem
jamais realmente largar a palavra.
Já Orlandi (2001, p. 25) define “sentido” “não como algo em si, mas com relação a”.
Expõe, inclusive, que para sua análise, a Análise de Discurso reúne “regiões de conhecimento
36
em suas articulações contraditórias”, como a Teoria da Sintaxe e da Enunciação, a Teoria da
Ideologia e a Teoria do discurso, todas atravessadas por uma teoria do sujeito de natureza
psíquica (ORLANDI, 2001, p. 25). Inclusive, faz-se necessário ressaltar que os sentidos não
estão só nas palavras, nos textos, mas na relação com a exterioridade.
Ainda é importante salientar que os
dizeres não são, como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de
alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender (ORLANDI, 2001, p. 30).
Isso acontece pois, quando se fala, tenta-se transmitir uma informação, uma
mensagem. Achamos que sabemos o que falamos, que sabemos o que dizemos, mas
considerando as próprias condições de produção, o lugar social que ocupamos, nossas
posições ideológicas, nossa história, entre outros, o equívoco é inevitável. Portanto, o sentido
despertado pode ser diferente do intencionado. Fundamenta-se essas afirmações nos
postulados de Orlandi: “o discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito
diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro” e
ainda “os sentidos são sempre determinados ideologicamente” (2001, p. 43) Portanto, o
sentido é uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a história.
Não podemos nos esquecer que a incompletude é uma das condições da linguagem.
Isso acontece pois nem os sujeitos, nem os sentidos, estão completos, já determinados e
constituídos definitivamente. “Constituem-se e funcionam sob o modo do entremeio, da
relação, da falta, do movimento. Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta
é também o lugar do possível” (ORLANDI, 2001, p. 52). Portanto, ao falar, influenciado tanto
por condições determinadas, pela língua, pelo mundo e por nossas experiências, falamos, nos
significamos, despertando sentidos.
Dubois defendia que para que o sentido, nos elementos a serem analisados, fosse
mantido, havia a “necessidade de descrições exaustivas dos ambientes imediatos […] ou do
recurso a associações de termos que constituiriam o tema do texto” (apud MAZIÉRE, 2007, p.
33).
Já para Gadet e Hak
a produção do sentido é estritamente indissociável da relação de paráfrase entre
sequências, tais que a família parafrástica destas sequências constitui o que se poderia
37
chamar a ‘matriz do sentido’. Isto equivale a dizer que é a partir da relação no interior desta família que se constitui o efeito de sentido (2014, p. 167).
Os sentidos não são inertes às palavras, muito menos há padronização em sua
constituição; as posições ideológicas são estabelecidas a partir da (inter)atuação dos
interdiscursos e suas formações sócio históricas. A memória discursiva relaciona-se com a
história e com as condições de produção; no entanto, baseados em Pêcheux (1995), podemos
afirmar que o sentido é materializado por uma ou mais palavras ou expressões que se
interagem simultaneamente, criando, assim, diferentes sentidos a partir da simultaneidade do
mesmo, em formulações diferentes (paráfrase) e uma nova forma do dizer (polissemia),
afetando o sujeito constituído pela ideologia e pelas relações de poder.
É nesta dinâmica entre processos parafrásticos e processos polissêmicos que a língua
se materializa através do discurso; é nesta tensão que o mesmo e o diferente funcionam e
significam. O discurso sempre em construção traz a noção da incompletude, uma vez que nem
o sujeito, muito menos seus dizeres estão finalizados. Daí percebe-se que não se define um
fim para um discurso, e um início para o outro; a heterogeneidade discursiva produz na/pela
língua marcas significantes.
Como um discurso produz sentidos? O que permite que um sentido se formule e não
outro? A partir destes questionamentos, percebe-se que não existe discurso sem interpretação,
muito menos interpretação sem ideologia, pois o indivíduo é interpelado em sujeito pela
ideologia. Desta forma, na maioria das vezes, não muito evidente, o analista de discursos
precisa amparar-se em um dispositivo analítico, a fim de analisar os processos discursivos e
ideológicos que funcionam na produção de determinados sentidos.
Entendendo que a linguagem permeia todos os campos de atividade do homem, não há
dúvidas de que a mesma não seja transparente e que os sentidos se movem, pois, como
mencionado por Orlandi (2001), o discurso coloca-se sempre em curso; ele movimenta-se se
submetendo a processos históricos de constituição dos sentidos. Em suma, nunca se pode
afirmar que um analista esgotará a interpretação de um discurso, pois, mesmo com um
dispositivo teórico/metodológico, diversas formações discursivas podem ser mobilizadas
pelos analistas a partir do dispositivo analítico.
Os sentidos sempre podem vir a ser outros, produzindo, assim, a subjetividade não
estruturada no empirismo, mas pela complexidade e incompletude da linguagem. Trazendo essas
considerações para análise do nosso material de pesquisa, podemos nos indagar: de quais
38
sonhos estamos falando no recorte 8? O sonho de ser feliz? O sonho de constituir uma
família? O sonho de ser um profissional de sucesso? Ou, ainda, a quais escolhas o recorte 9 se
refere? O de ser feliz? Ou o de viver a vida mochilando pela Europa? Ou de preparação para o
mercado de trabalho? Ou de submissão às relações neoliberais? Isso se dá pois, como afirma
Orlandi (2001, p. 54), “pela natureza incompleta do sujeito, dos sentidos, da linguagem (do
simbólico), ainda que todo sentido se filie a uma rede de constituição, ele pode ser um
deslocamento nessa rede”.
Por também contar com um dispositivo teórico/metodológico, a AD se caracteriza por
apresentar uma metodologia própria de análise, que segue princípios teóricos e
epistemológicos particulares. Por não existirem sentidos literais, no campo teórico da
disciplina de AD, o analista deve levar em consideração o funcionamento da ideologia, da
memória discursiva, dos processos discursivos na produção dos sentidos.
Uma vez que o objeto da AD é o discurso, levar em conta a diferença entre segmentar
o texto e recortá-lo torna-se um ponto fundamental para entender nossos gestos de
interpretação e de análise (ORLANDI, 2001). Este primeiro recurso (segmentar) se distancia
do método da AD, pois separa partes do texto; desta forma, considerando o que está
mencionado de forma delimitada na parte segmentada e cortando qualquer tipo de vínculo
com outros ditos, não considerando a exterioridade.
Já o recorte é a escolha de uma parte do objeto, vindo de uma inquietação ou
questionamento do analista, podendo estar materializado no texto, na imagem, dentre outros.
No entanto, para se fazer um recorte do objeto de análise, se faz necessário reconhecer a
dinamicidade deste com os demais componentes do discurso.
Deve ser compreendida a noção de corpus na AD; ou seja, o objeto que o analista
buscará interpretar de acordo com a metodologia em diferentes materialidades – letras, sons,
imagens, expressões, dentre outras. Para determinar ou definir o corpus da pesquisa, o
dispositivo teórico segue rumo à pergunta que organiza a análise, colocando a interpretação
nos possíveis caminhos da pergunta que se busca compreender (SCHNEIDERS, 2014).
Outra etapa do processo tomado pela Análise de Discurso é a da superficialidade
linguística, que consiste em reconhecer a materialidade linguística que compõe o discurso –
como se diz, quando se diz, quem o diz e de que forma se diz. Desta forma, identifica-se,
superficialmente, no intradiscurso, alguns elementos essenciais para a análise. Ao longo da
39
análise, a busca por processos parafrásticos ou polissêmicos pode levar à compreensão de
como os sentidos se constituem e funcionam, a partir da materialidade linguística analisada.
Torna-se substancial, no processo de análise, a observação do funcionamento de um
discurso, que pode funcionar em um fragmento do texto, sendo ele escrito ou falado, através
de palavras, cores ou imagens. Considera-se, então, elementos da/na língua, intradiscurso,
justapostos ao interdiscurso; desta forma, trazendo à tona a historicidade que funciona no
discurso, abolindo a observação meramente do conteúdo textual, mas reconhecendo a região
menos evidente, menos visível – porém, que opera no mesmo. “Não vemos nos textos os
‘conteúdos’ da história. Eles são tomados como discursos, em cuja materialidade está inscrita
a relação com a exterioridade” (ORLANDI, 2001, p. 68).
Pêcheux apresenta a ideia de que
o interdiscurso enquanto discurso-transverso atravessa e põe em conexão entre si os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto pré-construído, que fornece, por assim dizer, a matéria-prima na qual o sujeito se constitui enquanto sujeito-falante, com a formação discursiva que o assujeita (1995, p. 167)
Afirma, também, que “a forma sujeito pela qual o ‘sujeito do discurso’ se identifica
com a formação discursiva que o constitui, tende a absorver-esquecer o interdiscurso no
intradiscurso” (PÊCHEUX, 1995, p. 167).
Para Orlandi (1994), o materialismo em si não é aplicado na AD, mas uma nova noção
de forma material é instaurada, a partir da ideologia – as posições sujeito e a produção de
sentidos, deslocando o objeto da análise de discurso como o próprio discurso. Observa-se, nas
interpretações, que as formações imaginárias causam um efeito de realidade, influenciados
pela sua historicidade e pela sua constituição pela memória. Desta forma, o real do discurso
representa a dispersão, a falta, o equívoco e a incompletude do mesmo.
Quanto ao social, não são os traços sociológicos empíricos – classe social, idade, sexo, profissão – mas as formações imaginárias, que se constituem a partir das
relações sociais, que funcionam no discurso: a imagem que se faz de um operário, de
um presidente, de um pai, etc. (ORLANDI, 1994, p. 56)
Submetendo ao processo de análise a uma correlação, formula-se um procedimento
que tem o intuito de auxiliar o processo de interpretação: (primeira etapa) passagem da
superfície linguística para o objeto de discurso; (segunda etapa) passagem do objeto de
discurso para o processo discursivo; (terceira etapa) processo discursivo (ORLANDI, 2001).
40
A etapa inicial, que compõe o método da análise, busca compreender, na superfície
linguística (no enunciado), vestígios do esquecimento número dois, a partir do corpus (objeto
discursivo a ser interpretado), em que coloca o sujeito na ilusão de que aquilo que foi dito
poderia ser somente daquela forma, assim elaborando o dizer atual (a enunciação). Neste
momento, é importante a noção de processos parafrásticos e polissêmicos, entre o dito e o não
dito, ou até mesmo o porquê não foi dito de outra forma, pois contribuirá para identificar a
competitividade e os jogos de poder nos discursos das campanhas publicitárias das IES aqui
analisadas.
Tomado pelo objeto discursivo representado pelo texto, a identificação das formações
discursivas nas quais o sujeito de linguagem se insere para que seu dizer produza sentidos
torna-se essencial para o segundo passo deste método, que busca associações dos já ditos
(sítios discursivos), independente da temporalidade cronológica, mas que se constitui a partir
da memória discursiva.
Especificamente sobre o material analisado neste trabalho, optamos pelas campanhas
publicitárias das IES privadas do Sul de Minas que oferecem o curso de Administração,
utilizadas nos vestibulares 2017-1 a 2018-2. O recorte apenas das peças utilizadas pela
Faculdade CNEC Varginha – FACECA, Centro Universitário do Sul de Minas – UNIS-MG e
Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR, deveu-se ao fato da Universidade de Alfenas –
UNIFAL oferecer o curso de Administração Pública e por ser uma instituição pública federal
que não seleciona alunos através de vestibulares tradicionais, e sim pelo SISU3.
Constituiu-se, também, como objetos de análise, algumas políticas públicas, leis,
(inclusive pertinentes ao Ensino Superior), além de Projetos Pedagógicos de Cursos e outras
informações que possibilitaram a construção desta tese e que nos permitam compreender os
jogos de poder e a influência da ideologia neoliberal na educação superior.
Já a construção do embasamento teórico específico da AD se deu através da literatura
específica de seus principais expoentes: Pêcheux e Orlandi, entre outros.
Registramos, ainda, que para que as condições de produção pudessem ser mais bem
descritas, buscamos construir uma linha temporal das peças publicitárias utilizadas por
diversas IES.
3 Registramos que não encontramos, na internet, materiais publicitários utilizados pela UNIFAL nos últimos anos.
41
2.5. Língua e sentido
O efeito metafórico põe em funcionamento o discurso e a língua, a produção de
sentidos a partir de formulações (co)relacionadas. Este é um fenômeno semântico, não só por
trabalhar a superfície linguística do enunciado, mas também por produzir deslizes e
deslocamentos. “Falamos a mesma língua, mas falamos diferente” (ORLANDI, 2015, p. 78).
Sobre este assunto, Pêcheux diz que “no par língua/fala, o termo ‘fala’ reage sobre o
termo ‘língua’ sobrecarregado de sua sistematicidade própria (fonológica, morfológica,
sintática) com a suposta sistematicidade extralinguística do pensamento como reflexo ou
visão da realidade” (PÊCHEUX, 1995, p. 61). Portanto, a percepção da filiação do dizer (a
uma formação discursiva, por exemplo) coloca o analista face à interpretação de outros
dizeres constituídos pela materialidade histórica, pela língua e pelo inconsciente – logo, o
discurso é relacionado a diversos outros discursos.
O processo discursivo, instaurado a partir de condições específicas de produção, leva em
conta a heterogeneidade do texto e a opacidade do discurso. Estas condições afetam a
interpretação do discurso, uma vez que a compreensão de determinadas condições, faz com que o
próprio discurso perpasse por formações específicas. Esta etapa pode ser sinalizada como terceira,
que mergulha na discursividade do texto, relacionando-o ao interdiscurso – na relação ao dito, às
filiações e formações discursivas, ao intradiscurso e à enunciação que o compõe.
Interpelado pela ideologia, o sujeito se produz ao mesmo tempo que produz sentidos e
é a partir desta perspectiva que a AD propõe uma nova maneira de interpretar, levando em
consideração processos de produção de sentidos, e não meramente buscando desvendar tais
sentidos. A função do analista não está, portanto, na identificação desta ideologia, mas sim em
compreender seu funcionamento, ou seja, analisar de que modo se produzem os efeitos de
evidências.
Filiando-se no dispositivo da AD, que conduz a uma nova forma de ler, a uma forma
de compreender não somente o texto, mas o discurso que ali funciona, faz com que a atenção
não seja exclusiva ao que foi dito, mas também ao que está por se dizer, ao não-dito, ou até
mesmo ao que foi silenciado. Por trabalhar com a exterioridade representada por várias
questões, principalmente pela ideologia, o não-dito aparece nos objetos analisados, de forma
que até mesmo o silêncio significa.
42
Há um longo percurso entre o interdiscurso (memória discursiva) e o texto: ordem
das palavras, repetições, relações de sentidos, paráfrases que diluem a linearidade mostrando que há outros discursos no discurso, que os limites são difusos, passando
por mediações, por transformações, relação obrigatória ao imaginário. Farto trabalho
da ideologia (ORLANDI, 2007, p. 110).
Quando se lê Pêcheux a partir do campo das Ciências da Linguagem, especificamente
na Análise de Discurso, uma diferente interpretação é engendrada, em que o analista de
discurso lança mão do gesto de leitura, percebendo que o sujeito e o sentido se constituem
simultaneamente (ORLANDI, 2007).
O que diferencia a AD que circula hoje, em relação à linguística do século XIX, é
justamente a entrada do sujeito e do sentido na composição dos discursos, pois considerar
uma linguística autônoma é desconsiderar a opacidade da linguagem; também não levando em
conta o movimento dos discursos, muito menos as posições-sujeito que se inscrevem
simultaneamente com os discursos, e seus respectivos sentidos. Ou seja, o sujeito se inscreve
no discurso a partir da interpelação do indivíduo em sujeito pela ideologia.
Em nossa perspectiva, qualquer modificação na materialidade do texto corresponde a diferentes gestos de interpretação, compromisso com diferentes posições sujeito,
com diferentes formações discursivas, distintos recortes de memória, distintas
relações com a exterioridade (memória) (ORLANDI, 1996, p. 14).
Pensar em questões sócio históricas, a partir da abordagem discursiva, é de
fundamental relevância para uma teoria que se edifica na relação entre sujeito, história e
linguagem – tríade que ocupa um lugar diferenciado às demais teorias da linguagem, dando
lugar à interpretação do simbólico.
Como mencionado anteriormente, a AD se interessa pelos processos de significação,
assim considerando a história não como dados históricos, mas como a historicidade que
funciona na sociedade através da exterioridade.
Além dos processos sócio históricos, a AD provoca deslizamentos e deslocamentos em
noções psicanalíticas, importantes para a compreensão da noção de sujeito, que advém não
mais só da Psicanálise, mas do trabalho com o discurso.
Nos estudos discursivos, não se separam forma e conteúdo e procura-se compreender a
língua não só como uma estrutura, mas sobretudo como acontecimento. Reunindo
estrutura e acontecimento a forma material é vista como acontecimento do significante
(língua) em um sujeito afetado pela história. Aí entra então a contribuição da Psicanálise,
com o deslocamento da noção de homem para a de sujeito. Este, por sua vez, se constitui
na relação com o simbólico, na história (ORLANDI, 2015, p. 17).
43
As palavras não possuem sentidos sozinhas, isoladas, mas circulam produzindo sentidos,
ao evocar e se relacionar com outras discursividades. Logo, chega-se à colocação de que a
textualidade se instaura, justamente nos processos de significação, a partir das palavras, textos e
discursos. Há uma diferença entre o texto e textualidade, em que o texto é um objeto sócio-
histórico-linguístico, onde a própria linguística intervém neste objeto sócio histórico. Por não ser
meramente um conjunto de enunciados, o discurso significa a partir da historicidade, da
textualidade presente nele, que, por sua vez incompleto, leva em consideração o interdiscurso.
Considerar a historicidade do discurso é repensar a relação entre ideologia e sujeito,
levando em consideração o interdiscurso – ou seja, a relação entre o discurso e sua
exterioridade, outros discursos, afinal, por não existir começo e fim, os discursos funcionam
como fatos discursivos, a partir de suas materialidades.
Os sentidos não são repassados pelos interlocutores, mas sim funcionam como
efeitos relativamente incontroláveis e, por isso, pode-se dizer que não se transmite uma
mensagem, mas sim se produz discursos. E, a partir desta afirmação, o gesto de interpretação
do analista é de interpretar os processos discursivos, e não os resultados dos discursos. No
entanto, sugere-se que a interpretação aparece em dois momentos da análise:
Em um primeiro momento, é preciso considerar que a interpretação faz parte do objeto da análise, isto é, o sujeito que fala interpreta e o analista deve procurar
descrever esse gesto de interpretação do sujeito que constitui o sentido submetido à análise (ORLANDI, 2015, p. 58).
Há uma nova compreensão de interpretação pela AD, mobilizando a noção de gestos
de interpretação, que além de ser um dispositivo analítico, toma parte de um texto, ou seja,
leva em conta a materialização do discurso através de uma unidade discursiva. Passa-se do
texto ao discurso, desta forma remetendo-o às diferentes formações discursivas que o
atravessam, assim distinguindo-o pela ideologia.
2.6. Uma relação entre sujeito e sentido
O batimento proposto por Pêcheux entre descrever e interpretar é fundamental para a AD.
Desta forma, toma-se a descrição, mas não deixando de levar em consideração os processos de
significação face a esta maneira particular de interpretar. Os sentidos não estão escondidos
44
no texto, muito menos estão por detrás dele; o sentido está na discursividade do texto, e é a
partir de gestos de interpretação que o analista o vislumbra.
De acordo com Orlandi (2011), em um segundo momento, é preciso compreender que
não há descrição sem interpretação, então o próprio analista está envolvido na interpretação.
Por isso, é necessário apoiar-se em um dispositivo teórico que possa intervir na relação do
analista com os objetivos simbólicos que analisa, produzindo deslocamentos em sua relação
de sujeito com a interpretação: esse deslocamento vai permitir que ele trabalhe no entremeio
da descrição com a interpretação.
A literalidade é um produto da história, ou seja, é constituída a partir da historicidade
que funciona no discurso. Nesse campo teórico, o da Análise de Discurso, não se pode afirmar
que os sentidos são literais, mas que eles são produzidos a partir de acontecimentos, estes
também discursivos. Ainda assim, o texto pode possuir uma (co)relação que produzirá
sentidos, fazendo-se ultrapassar somente as barreiras textuais.
A relação entre o texto e o discurso põe em funcionamento uma relação dinâmica, pois o
discurso é materializado no texto, assim produzindo sua textualidade. Conforme será exposto nos
capítulos analíticos, percebe-se a predominância do discurso neoliberal nos materiais analisados,
seja na predominância de números de telefone para ligação gratuita (o 0800 032 1002 do recorte
8), as “provas agendadas” do recorte 11, ou o uso marcante do significante “grupo”,
materializando o poder das grandes corporações educacionais. Há a predominância da
competitividade e das relações de poder existentes no mercado e do discurso neoliberal.
Bem como o texto está para o discurso, o sujeito está para o autor, na (inter)relação da
textualidade e discursividade, uma vez que o discurso é uma unidade teórica e significativa;
independentemente de seu conteúdo quantitativo.
Pêcheux (2008 [1975]) afirma que não podemos separar a descrição da interpretação,
visto funcionarem ao mesmo tempo. Diferentemente dos estruturalistas, que descreviam as
formas, abandonando o caráter interpretativo dos fatos, dos arranjos, abordando a
materialidade e esquecendo a história, a AD considera o caráter histórico da língua.
Portanto, Pêcheux (2008 [1975]) nos mostra que interpretar é produzir um enunciado que
“traduza” o enunciado de origem; assim, para ele, descrever não pode tornar-se distinto do
interpretar. Ao falar da descrição, ele afirma que a língua está exposta ao equívoco, visto que todo
enunciado é possível de se tornar outro e seu sentido derivar discursivamente para outro. Nesse
momento, ele trabalha a possibilidade de um enunciado ser descrito como uma série de
45
pontos de derivas possíveis, que oferecem lugar à interpretação, lugar este que trabalha a
análise de discurso.
A teoria desenvolvida por Pêcheux, muito mais que uma maneira de leitura, coloca o
sujeito em uma posição de analista na qual, através de gestos de interpretação, chega-se à
compreensão dos discursos, nos quais a inteligibilidade, interpretação e compreensão tornam-
se esferas fundamentais para tal ação interpretativa.
Especificamente sobre os gestos de interpretação, os consideramos como parte principal
da teoria contemplada neste estudo, já que o analista, além de ter uma nova perspectiva de leitura,
lança mão de dispositivos teóricos e analíticos, como mencionado anteriormente. De acordo com
Courtine (1981), compreender os processos simbólicos é documentá-los através da análise, torna-
se a principal tarefa do analista de discurso, que descreve e interpreta.
Não há sujeito sem ideologia, nem sentido sem sujeito; portanto, este processo
funciona de forma a produzir evidências a partir da constituição dos sujeitos e dos sentidos.
Segundo Orlandi (2015), o assujeitamento é a interpelação do indivíduo em sujeito
pela ideologia, o constituindo enquanto sujeito do discurso. De acordo com Harvey (2012), a
forma-sujeito histórica faz relacionar o capitalismo e o neoliberalismo com a constituição do
sujeito, uma vez sendo afetados pelo Estado, o mesmo passa a funcionar como sujeito de
deveres e direitos (jurídicos).
O sujeito individuado, aquele afetado pela ideologia e pelos processos sócio históricos, se
constitui, ao mesmo tempo que se identifica com determinadas formações discursivas. Nestas
filiações do dizer, o sujeito participa efetivamente do processo de identificação com essas
formações discursivas, assim fazendo gradativamente o movimento de identificação. Ainda, pode-
se dizer sobre a possibilidade da ruptura do sujeito em relação à identificação com determinadas
formações discursivas, assim demonstrando resistências (MALDIDIER, 2003).
Considera-se assujeitamento uma forma histórica do sujeito que, ao mesmo tempo em
que possui uma liberdade sem limites, é compelido a uma submissão contínua, imposta pelo
entendimento da língua que se propõe a saber. De acordo com Harvey (2012), o capitalismo e
o neoliberalismo vividos atualmente, e construídos ao longo da história, promovem um tipo
específico de assujeitamento dos indivíduos em relação aos seus discursos que,
simbolicamente, fazem-se existir alinhados aos processos de relações de pertença e poder.
46
Por hora, os efeitos ideológicos podem afastar o homem em compreender o real da
história, pois o imaginário funciona de maneira significativa no processo de assujeitamento,
inclusive na individuação deste sujeito na relação: ideologia e história.
2.7. O mesmo e o diferente na produção de sentidos
No processo de deriva dos sentidos, determinados sentidos podem se manter; porém, o
diferente também pode funcionar a partir do mesmo. Basta o analista, através de gestos de
interpretação, tomar a análise a partir da opacidade do texto, da ausência necessária – que é
fundamental na constituição dos discursos e dos sentidos, afinal não se pode dizer tudo ao
mesmo tempo, por isso o sujeito se filia a diferentes formações discursivas, a partir da
memória do dizer. “Quanto à completude, já tivemos ocasião de observar em diversas
ocasiões que a incompletude é fundamental no dizer. É a incompletude que produz a
possibilidade do múltiplo, base da polissemia” (ORLANDI, 2011, p. 47).
Mencionado anteriormente, os discursos são constituídos a partir de processos
simbólicos e é por esse motivo que a linguagem se faz opaca e cheia de desvios em meio à
discursividade. Não se esgotando de lembrar que os sujeitos e os sentidos são produzidos a
partir da materialidade discursiva; a relação entre a constituição (interdiscurso) e a formulação
(intradiscurso) podem produzir antecipações ou efeitos de antecipação. Estes mecanismos
naturais linguísticos fazem com que o sujeito acredite que o seu dizer será compreendido
sempre da mesma maneira.
Como já mencionado, de acordo com a AD, o esquecimento número dois, remete à
instância da formulação, fazendo com que o sujeito, ao enunciar, tenha a ilusão do controle da
linguagem/mundo/pensamento, trazendo o pensamento de que exista uma relação direta entre
essas esferas – assim, tendo a ilusão de que aquilo que foi dito só pode ser dito daquela forma,
esquecendo as demais possibilidades de formulações.
Ainda, o esquecimento da ordem primeira (o esquecimento número um) é parte da
instância da ideologia que conduz o sujeito ao dizer. Pensa-se que o dito tem justamente
origem nele, no sujeito, porém sabe-se que também é uma ilusão, pois o mesmo é afetado por
outros discursos (interdiscurso), através da memória que funciona inconscientemente, pois ela
não tem acesso à composição dos sentidos no sujeito. Percebe-se, então, que estes
funcionamentos produzem equivocidades nos processos discursivos.
47
Pensando-se a interpretação, esse efeito aponta-nos para o ‘discurso duplo e uno’.
Essa duplicidade faz referir um discurso a um discurso outro para que ele faça
sentido; na Psicanálise, isso envolve o inconsciente, na Análise de Discurso, envolve
também a ideologia. Essa duplicidade, esse equívoco é trabalhado como a questão
ideológica fundamental, pensando a relação material do discurso à língua e a da
ideologia ao inconsciente (ORLANDI, 2001, p. 80).
Compreende-se que os gestos de interpretação são carregados das relações entre
ideologia e inconsciente, onde sentidos derivam de lugares discursivos distintos, podendo,
assim, deslizarem-se ou deslocarem-se a partir do jogo dos dizeres. Deste modo, a noção de
interpretação na AD é ampla e possui características particulares, em que o trabalho simbólico
produz, na sociedade, determinadas práticas discursivas.
Observa-se, então, que a interpretação está presente ao menos nas seguintes instâncias:
na de quem fala, na de quem analisa, na de quem ouve; seja qual for a materialidade. Para o
analista, interpretar não concerne em chegar à intenção do dizer, muito menos em um sentido
uno e literal; mas sim, na discursividade que funciona no texto. Não existe sentido em si, mas
sentidos que estão ligados às diversas formações discursivas, uma vez que o sentido é sempre
em “relação a”.
O que diferencia a AD dos demais campos teóricos que estudam o discurso, dentre
outros conceitos, é a noção de ideologia e sua importância no trabalho do analista. Uma vez
que a noção de ideologia em nossa filiação não aparece como um conjunto de ideias, mas
como o processo pelo qual se evidencia um sentido em detrimento de outros possíveis – efeito
de evidência. A ideologia não oculta o sentido, muito menos seus possíveis efeitos, mas
evidencia as formações imaginárias com as quais o sujeito se relaciona, a partir de suas
condições de existência.
No questionamento das disciplinas da Linguística e das Ciências Sociais é que se chega
à noção de entremeio, a qual não funciona no intervalo destas disciplinas, mas justamente na
contradição e na incompletude das mesmas, uma vez que esta abertura na linguagem se faz
objeto para a AD, observando, assim, os processos simbólicos. Inclusive Orlandi (apud
BARRETO, 2006, p. 3) defende que a “materialidade da ideologia é o discurso e a
materialidade do discurso é a língua”.
Questionando e ao mesmo tempo refletindo sobre a Linguística, sobre a História e a
Psicanálise, Pêcheux faz o batimento entre as disciplinas, promovendo deslocamento de conceitos
estabilizados para noções que na AD circulam a partir de outros sítios de significação.
48
A relação entre locutores e o transporte da comunicação não é o objeto de estudo da análise de
discurso, mas a produção de sentidos – os efeitos que são produzidos (ORLANDI, 2015).
Muito mais que uma troca de informações, a produção de sentidos é simultânea entre
locutores, tanto na interpretação, quanto na produção de sentidos, remetendo a outros discursos
– interdiscurso. Estas importantes mobilizações, “coloca-nos” na posição de analista de
discurso, frente aos dispositivos teóricos e analíticos desta teoria, fazendo dos gestos de
interpretação uma assimétrica maneira de compreender como os discursos se constituem, bem
como seu jogo discursivo na produção de efeitos de sentidos. Encontram-se, aí, os objetivos
desta pesquisa, de analisar as relações que se estabelecem entre estado, mercado de trabalho,
cidadania e ensino, além dos jogos discursivos que funcionam na produção dos sentidos (a
partir das relações de poder) e de competitividade (e livre concorrência).
Para tanto e considerando a importância das condições de produção para AD dedica-
se, os capítulos que seguem, a discorrer sobre o Curso de Administração, a legislação
pertinente, bem como as relações mercadológicas em curso.
49
3. ADMINISTRAÇÃO: UM CURSO INTERDISCIPLINAR
3.1. A inquietação
Conforme mencionado no início deste trabalho, apesar de iniciar a minha carreira
acadêmica há pouco mais de 20 anos, iniciei as minhas atividades profissionais em 1993
enquanto estagiário do Banco do Brasil. Em 1994, já trabalhando no departamento de
exportação da Mangels, me encantava com negociações internacionais, com grandes vendas,
com ganhos financeiros significativos.
Já professor universitário, mas de novo aluno universitário cursando o Bacharelado em
Administração, um complemento interessante, já me encontrava no entremeio entre o
Mercado, as teorias econômicas e a ciência da Administração: uma combinação, para mim,
extremamente coerente.
Cavallari, em sua tese de Doutorado, defende que “dentro da abordagem discursiva, não
há a existência de um sentido primeiro, mas a disseminação de sentidos que estão atrelados às
condições de sua produção” (2005, p. 30). Portanto, e já enquanto coordenador do Curso de
Administração da FACECA, sempre questionei as campanhas publicitárias utilizadas no processo
de captação de alunos, incluindo, nesse processo, o trabalho com o discurso enquanto
materialidade significante. Costumava me deparar sempre com o mesmo intradiscurso, a mesma
linearidade, não importando a temporalidade e as condições de enunciação.
Recorte 1: Vestibular UEL, 1997
Fonte: (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, 1996)
50
Recorte 2: Vestibular UNIDERP, 2001
Fonte: (UNIDERP, 2000)
Recorte 3: Vestibular Faculdade R. SÁ, 2008
Fonte: (FACULDADE R.SÁ, 2007)
51
Recorte 4: Vestibular Faculdades Cearenses, 2010
Fonte: (FACULDADES CEARENSES, 2009)
Recorte 5: Vestibular UEPG, 2013
Fonte: (FACULDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA, 2012)
52
Recorte 6: Vestibular UNOPAR, 2013
Fonte: (UNOPAR, 2012)
Como pode ser observado, os seis recortes acima apresentados seguem a mesma
padronização: a foto de alguém (famoso ou não), uma frase de impacto (“Seu passaporte para
o mundo”, ou “Faça parte da melhor” ou “Aqui você vira fera”, ou “O passaporte para o
Século XXI”), além de informações como datas do processo seletivo e chamada para
inscrição. Isso independente se a Instituição de Ensino Superior – IES é pública (como é o
caso da UEL e da UEPG), privada (UNIDERP, Faculdade R.SÁ e Faculdades Cearenses), ou
se a oferta é na modalidade EAD.
Na posição sujeito Administrador e Professor do Curso de Administração que me
encontrava, não deixava de questionar a eficiência de tais campanhas no seu propósito
primário: a captação de alunos. Considerando a concorrência feroz de outros cursos
presenciais e/ou a distância considerava, enquanto gestor do curso, a propaganda como
instrumento de “enchimento” de salas de aula.
Sobre a propaganda, Batista e Tavares (2009) defendem que para que a comunicação
visual seja entendida por uma pessoa, elementos básicos de comunicação visual como o
ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a escala, a dimensão e o movimento,
são indispensáveis ao processo de entendimento.
Defendem, também, que para que uma campanha publicitária seja eficiente, há a
necessidade do correto uso
53
das cores da faculdade; da logomarca; das imagens que condizem com a realidade
local (como exemplo: o uso dos modelos e de paisagens locais); dos veículos
apropriados; dos formatos e aplicações; dos substratos para os impressos; na escolha
das gráficas que se preocupam com a qualidade de seus serviços; e, principalmente,
com o direcionamento dos trabalhos gráficos, para os profissionais de comunicação
que tenham experiências técnica-profissional, porque só assim, pode-se criar uma
identidade visual junto ao seu público em potencial (BATISTA; TAVARES, 2009,
p.11).
Será que essa era a “fórmula mágica” para a criação de campanhas publicitárias eficientes?
Será que este é o motivo pelo qual todas as campanhas parecem iguais? A conclusão apresentada
no trabalho de Batista e Tavares, de que a Campanha do Vestibular da Faculdade R.SÁ de 2008,
aqui transcrita (figura 3), foi eficiente, já que “nunca se teve tantos inscritos para o vestibular do
citado ano” (2009, p. 12), parecia responder a essas indagações. Contudo, se todos usam dessa
mesma fórmula, como uma IES poderia se destacar utilizando a publicidade como estratégia,
como um diferencial para vencer os concorrentes e destacar-se neste mercado?
Jairo da Silva e Silva defende que
Com o advento do capitalismo e da expansão da sociedade de consumo, a
publicidade tem desempenhado um papel fundamental na contemporaneidade, não
apenas com o intuito de persuadir ao público consumidor, mas de criar necessidades
de consumo e de posicionar o público consumidor em determinados lugares na
relação com os anunciantes dos textos publicitários (SILVA, 2016, p. 2).
No estudo de Batista e Tavares, anteriormente mencionado, a eficiência das
campanhas publicitárias pode ser analisada pela verificação de elementos gráficos. Contudo,
esta abordagem não permitirá vislumbrar os processos discursivos, o interdiscurso, as relações
de poder, a presença marcante do neoliberalismo, ou seja, analisar os discursos presentes em
tais recortes, que são objetivos do nosso estudo. Para interpretar, levaremos em conta a
exterioridade e o fato de o sentido não ser único ou literal.
O Doutorado em Ciências da Linguagem possibilitou deslocar-nos e assumirmos o
papel de Analista de Discurso. Deslocamo-nos, portanto, da posição de Batista e Tavares e,
baseados em um dispositivo teórico, propomos lançar um olhar discursivo, levando em conta
a opacidade da linguagem e as condições de produção de tais campanhas, que sinalizam não
só como o curso de Administração é visto e publicizado, mas, de maneira mais ampla, como
se dá, nessas campanhas publicitárias, a relação entre o ensino superior, a cidadania, a
sociedade, o mercado de trabalho e o Estado. Analisar, ainda, como se dá o deslocamento da
educação formadora para educação qualificadora, do sujeito cidadão para sujeito consumidor.
54
Em um cenário de grande competição, como o do ensino superior brasileiro nos últimos
anos, o foco no destaque dos diferenciais competitivos é marcante, seja em dizeres como “aulas ao
vivo” (UNOPAR) ou “líder no IGC do MEC no Ceará” (FAC), ou “os melhores professores estão
aqui” (Faculdade R.SÁ). As marcas das Instituições de Ensino quase sempre aparecem em
destaque, enfocando aquela como a melhor “fornecedora” de um futuro profissional de sucesso.
Como pode ser encontrado no recorte do vestibular da UEL (“vendas do Manual do Candidato e
pagamento do preço público...”) as relações de mercado estão sempre presentes.
Destaca-se, nos recortes 1, 2 e 3, o dêitico “aqui”, elemento que objetiva localizar o
vestibular no tempo e no lugar sem, contudo, defini-lo. Há a possibilidade, inclusive, de
classificar tais campanhas em uma etapa do marketing denominada “Era do Marketing”,
classificação para uma era marcada pelo excedente da produção, em que as empresas passam
a prestar mais atenção às demandas mercadológicas (COBRA, 2009). Portanto, parece haver
uma busca por qualificar a Instituição de Ensino como um lugar de comércio, de venda, de
fechamento de negócios. “Passa aqui” que fecharemos um bom negócio, ou, ainda, “aqui” nos
destacamos dos outros competidores, venha conversar que aqui a gente faz dar.
Especificamente sobre o vestibular da UNIDERP, provavelmente pela sua localização
geográfica, há uma tentativa de identificação, seja com o uso da onça pintada, ou, ainda, com
o interdiscurso “aqui você vira fera”. Chama a atenção, também, o fato do candidato poder
“comprar” sua entrada na faculdade, sua inscrição, como se fosse em um shopping center
local. Contudo, a importância da educação na formação do cidadão e na construção de uma
sociedade desenvolvida não se encontra, nesse recorte ou em nenhum dos outros aqui
apresentados neste capítulo.
Pode-se dizer, portanto, que apesar de uma campanha ser de 1997 e as outras mais
recentes, a mesma memória do dizer que prega que o ensino superior é fundamental para o
ingresso no mercado de trabalho parece se repetir. Seja o dizer “o passaporte para o século 21!
Passa aqui!” (UEL), ou “Seu passaporte para o mundo” (UEPG), parece haver uma presença
do mesmo nessas campanhas (uma pessoa caracterizada de aluno, a data de realização, um
telefone para contato), apesar de haver mais de uma década de distância entre elas.
Entretanto, uma comparação entre tais recortes e os atualmente utilizados pelas
Instituições de Ensino, há um deslizamento nos slogans usados: se o foco inicial era no produto,
como aquele caracterizado na “Era do Marketing”, o foco das atuais campanhas está mais na
realização de supostos desejos do que no atendimento a necessidades (COBRA, 2009).
55
Portanto, discursividades do tipo “aqui você vira fera”4 são substituídas por “seu passaporte
para o mundo” ou “seja do tamanho dos seus sonhos”, ou, ainda, “a CNEC acredita em você”.
Considerando uma Instituição de Ensino Superior enquanto um Aparelho Ideológico
do Estado (assunto que será abordado oportunamente), local de realização da ideologia
hegemônica e considerando o fato de que o sentido de uma expressão é constituído pelo
momento sócio histórico e consequentes posições ideológica que dele afloram, recorremos a
Pêcheux que defende que
a dominação da ideologia dominante que é caracterizada, no nível ideológico, pelo
fato de que a reprodução das relações de produção ‘subjuga’ sua transformação [...],
corresponde, pois, menos à manutenção do idêntico de cada ‘região’ ideológica considerada em si mesma do que a produção das relações de desigualdade-
subordinação entre essas regiões (PÊCHEUX, 1995, p. 146).
Nesse prisma, buscaremos, adiante, analisar os discursos em funcionamento em
campanhas publicitárias de instituições da microrregião de Varginha, que ofertam o Curso de
Administração (corpus dessa pesquisa), um curso que nasceu em uma época de crescente
atividade econômica nacional, atendendo as necessidades do mercado por profissionais para as
diferentes funções de controlar, analisar e planejar as atividades empresariais (BRASIL, 2015a) e
que se encontra no meio dos interesses dos grandes grupos educacionais, das regulamentações
governamentais, das necessidades do mercado de trabalho, das aspirações da sociedade brasileira,
sociedade essa que urge por ética, por profissionalismo, por desenvolvimento.
Para Courtine (2007), um corpus é construído como conjunto de dados prévios, feito
de discurso doutrinal contrastado, produto de condições de produção controláveis e tomando
em um ritual bem particular. Tal assunto pode ser também encontrado em Gadet e Hak (2014,
p. 183), ao afirmarem que um “corpus é constituído por uma série de superfícies linguísticas
ou de objetos discursivos […], estando estas superfícies dominadas por condições de
produção estáveis e homogêneas”.
Maziére (2007, p. 36) afirma que o “corpus” de pesquisa não tem a função de selecionar
discursos, mas selecionar discursos em função de um objetivo discursivo. Inclusive, remetendo a
Dubois, afirma que o “corpus” é uma “escolha de difícil extração, dado que é tomado no
4 Slogans de recortes que serão trabalhados no capítulo 4 desta tase
56
universal do discurso”. E continua: “ele será representativo se for homogêneo, no tempo e no
espaço e tradutor de uma ideologia”.
Como os “sentidos produzidos em um acontecimento discursivo estão atrelados à
determinação histórica, social, cultural e ideológica do sujeito e da linguagem”
(CAVALLARI, 2005, p. 30), as próximas sessões apresentarão o curso de Administração,
discorrendo sobre a conjuntura do ensino superior e a legislação que o embasa, informações
envoltas em relações de poder provenientes do neoliberalismo como condição material de
existência. As condições de produção serão, então, apresentadas.
A necessidade de tal exposição pode ser encontrada em Cavallari ao relatar que “se
considerarmos que a verdade é construída discursivamente, então a noção de verdade só fará
sentido se for atrelada a outras discursividades, bem como ao momento sócio histórico
vivenciado” (2005, p. 56).
Gadet e Hak definem as Condições de Produção como as “determinações que
caracterizam um processo discursivo, sejam as características múltiplas de uma situação
concreta, que conduz à produção, no sentido linguístico ou psicolinguístico deste termo, da
superfície linguística de um discurso empírico concreto” (2014, p. 182).
Ferreira (2001, p. 13) também discorre sobre o assunto ao defender que
As condições de produção são responsáveis pelo estabelecimento das relações de
força no interior do discurso e mantêm com a linguagem uma relação necessária,
constituindo com ela o sentido do texto. As condições de produção fazem parte da
exterioridade linguística e podem ser agrupadas em condições de produção em
sentido estrito (circunstâncias de enunciação) e em sentido amplo (contexto sócio-
histórico-ideológico) .
A Análise do Discurso “não separa o enunciado nem de sua estrutura linguística, nem
de suas condições de produção, de suas condições históricas e políticas, nem das interações
subjetivas. Ela dá suas próprias regras de leitura, visando permitir uma interpretação”
(MAZIÉRE, 2007, p. 13). Portanto e se considerarmos que o discurso é necessariamente
determinado pelas condições de produção, a análise das condições de produção é fundamental
para a análise do próprio texto.
Isso se dá pois, diante de determinadas situações, pessoas diferentes, sujeitos diferentes,
podem interpretar tais fatos de formas diferentes, sendo que essa interpretação possui espessura,
materialidade. Inclusive, esse “já dito”, presente no próprio fato a ser analisado pode, dependendo
das condições de produção, gerar sentidos diferentes. Portanto, conforme Orlandi
57
(1994, p. 57) defende, determinado por sua exterioridade, todo discurso remete a outro
discurso, sendo que os sentidos são sempre a outros relacionados e daí é que a sua identidade
é tirada, sua realidade significada.
3.2. Historicidade e a Conjuntura do Ensino Superior
Discorrer sobre a história da Educação Superior no Brasil faz-se necessário, pois as
condições de produção influenciam e constituem as formações discursivas a serem analisadas.
Tal história começa apenas em 1808, com a instalação do primeiro curso superior em
terras tupiniquins, o Curso Médico de Cirurgia da Bahia, instalado em 1808 quando da
mudança da Família Real Portuguesa para as terras da Colônia. Fávero (2006) aponta que o
início das atividades desse curso se deu após um período de rígidas restrições impostas, pelo
Governo Português, para a oferta de níveis superiores de ensino em sua colônia.
Logo após, instalou-se um outro curso de medicina, desta vez no estado do Rio de
Janeiro. Houve, também, o início das atividades da Academia Real Militar, berço da atual
Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O Ensino Superior, então centrado nas mãos do Governo Federal, passou, em 1911, a
ser provisoriamente descentralizado. Tal situação permitiu o aparecimento de universidades
como a Universidade do Rio de Janeiro, inaugurada em 1920, que já contava com autonomia
didática e administrativa. Outras universidades como a de Manaus, a do Estado de São Paulo,
a do Estado do Paraná foram também criadas. Inclusive, segundo Fávero (2006), desde aquela
época, já se discutia que as funções principais de uma Universidade eram o desenvolvimento
da pesquisa e a priorização da formação profissional.
Os anos de 1930 foram marcados pelo retorno à centralização, nas mãos do Governo
Federal, do Ensino Superior. Houve a promulgação do Estatuto das Universidades Brasileiras
(que estabeleceu um irrestrito vínculo dessas universidades com a administração estatal) e a
criação do Conselho Nacional de Educação. Sobre esse assunto, Fávero afirma que
trata-se, sem dúvida, de adaptar a educação escolar a diretrizes que vão assumir
formas bem definidas, tanto no campo político quanto no educacional, tendo como preocupação desenvolver um ensino mais adequado à modernização do país, com
ênfase na formação de elite e na capacitação para o trabalho (2006, p. 23).
58
Com o crescimento e modernização do país na década de 50, época do Plano de Metas
de Juscelino Kubistchek, a precariedade das universidades brasileiras tornou-se visível. Planos
objetivando a modernização do Brasil inclusive com a participação da União Nacional dos
Estudantes, tomam força.
Já durante a década de 60, ocorreu o intervencionismo internacional na educação
superior brasileira, fruto de questões ideológicas do próprio Regime Miliar, situação
proporcionada tanto pelo Acordo5 entre o Ministério da Educação do Brasil e a Agência dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), quanto pelo Plano Atcon6.
Internamente destaca-se o Decreto nº 62.024, que estabeleceu a criação de comissão,
conduzida pelo General Meira Mattos, que objetivava analisar as demandas dos movimentos
estudantis, propor medidas que otimizassem as ações governamentais na educação e que
acompanhasse a execução dessas propostas.
1968, Regime Militar: é proposta a Reforma Universitária, com o objetivo de
modernizar e expandir tais Instituições de Ensino Superior, com destaque para as
Universidades Federais. Alterações como a criação de uma política nacional de pós-
graduação, a instauração da departamentalização e a institucionalização da carreira
acadêmica, proporcionaram a articulação entre atividades de pesquisa e ensino, bem como o
início de um programa de Iniciação Científica. Surge, também, um novo Ensino Superior
privado, focado apenas em atividades de ensino, combinação “das medidas repressivas
desencadeadas pelos novos governantes, com relação ao movimento estudantil, e a estrita
vigilância dos docentes” (MARTINS, 2009, p. 8).
As mudanças do Ensino Superior no Brasil, presenciado no século XX e o deslocamento
formação – capacitação, coincide com movimentos de expansão desse nível de ensino, ocorridos
na Europa e nos Estados Unidos. Segundo Jarusch (apud PRATES, 2007), o século
XX foi marcado por uma enorme expansão do Ensino Superior, justificada em quatro
dimensões:
5 O Acordo MEC/USAID previa a assistência técnica e financeira, na forma de financiamento de projetos e
aquisição de equipamentos americanos. Previa, também, o treinamento de militares brasileiros por militares norte-americanos. 6 Consultor americano, Atcon defendia um modelo de gestão do Ensino Superior brasileiro fundamentado nos princípios de rendimento e eficiência. Previa: “defesa dos princípios de autonomia e autoridade; dimensão técnica e administrativa do processo de reestruturação do ensino superior; ênfase nos princípios de eficiência e produtividade; necessidade de reformulação do regime de trabalho docente; criação de centro de estudos básicos” (FÁVERO, 2006, p. 31).
59
1ª dimensão: Econômica – uma força de trabalho melhor qualificada é necessária para
a manutenção do crescimento da sociedade industrial. Os setores mais tecnológicos da
indústria dependem da pesquisa aplicada, portanto, da expansão das universidades;
2ª dimensão: Sociológica – a classe média em expansão busca manter seu status
através também da educação.
3ª dimensão: Política – com a inclusão de setores anteriormente “marginalizados” da
sociedade, através da educação.
4ª dimensão: Culturalista – enfatiza o “ser humano educado”, o cidadão que busca
incessantemente a sua auto formação.
Provavelmente, como resultado de tais políticas expansionistas, o Brasil encerra o
século XX com os seguintes números e estatísticas:
Quadro 3 – Dados Estatísticos do Ensino Superior Brasileiro – ano 2000
Estatísticas
TOTAL Categoria Administrativa
Federal Estadual Munic. Privada
Instituições 1180 61 61 54 1004
Cursos 10.585 1.996 1.755 270 6.564
Matrículas 2.694.245 482.750 332.104 72.172 1.807.219
Vagas oferecidas 1.100.224 115.272 94.441 28.269 862.242
Inscrições para o 3.826.293
1.129.749
951.594
59.044
1.685.906
vestibular
Ingressos 829.706 113.388 90.341 23.428 602.549
Fonte: o autor, adaptado de (SCHWARTZMAN; SCHWARTZMAN, 2002).
60
Quadro 4 – Dados Estatísticos do Ensino Superior Brasileiro – em porcentagem
Ano 2000
Estatísticas
TOTAL Categoria Administrativa
Federal Estadual Munic. Privada
Instituições 100,00% 5,17% 5,17% 4,58% 85,08%
Cursos 100,00% 18,86% 16,58% 2,55% 62,01%
Matrículas 100,00% 17,92% 12,33% 2,68% 67,08%
Vagas oferecidas 100,00% 10,48% 8,58% 2,57% 78,37%
Inscrições para o vestibular 100,00% 29,53% 24,87% 1,54% 44,06%
Ingressos 100,00% 13,67% 10,89% 2,82% 72,62%
Fonte: o autor, adaptado de (SCHWARTZMAN; SCHWARTZMAN, 2002)
Schwartzman e Schwartzman (2002) também levantaram, em sua pesquisa apresentada
ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), que apesar das Instituições de
Ensino Superior privadas representarem mais de 85% do universo, são representadas, em sua
maioria, por Faculdades, Instituições de Ensino Superior que tem, em sua organização, foco
apenas no ensino. Oferecem, em sua maioria, cursos da área das Ciências Sociais Aplicadas.
Quanto aos alunos que procuram por tais instituições, normalmente são mais velhos7,
procuram o turno noturno e optam, majoritariamente, por cursos da área de Ciências Sociais,
Negócios e Direito.
Notadamente sobre a oferta majoritariamente de cursos da área das Ciências Sociais,
Castro (2013) aponta esta como uma característica das instituições de ensino particulares.
Outras características particulares do Brasil residem no não recebimento de verbas
diretamente do governo, a maioria são caracterizadas como faculdades ou centros
universitários, enfrentam uma concorrência acirrada, trabalham com alunos com mais idade e
menor formação, além de que se “aglomeram na extremidade menos seleta da qualidade do
ensino superior e do continuum da reputação” (CASTRO, 2013, p. 243).
7 Quase 60% dos alunos que optaram por cursos na área da educação, tem mais de 24 anos. Em cursos da área de humanas, 40% dos alunos tem tal idade e, na área das ciências sociais aplicadas, 37,5%.
61
Um outro dado relevante é que, enquanto as instituições federais tiveram, em 2000,
aproximadamente 99% de suas vagas preenchidas, nas instituições privadas tal número foi
inferior a 70%.
O século XXI foi marcado pelo retorno à regulamentação do Ensino Superior Brasileiro.
Tal afirmação se respalda no fato de que, apenas no ano de 2001 foram editados 234 Atos
Normativos para o Ensino Superior Brasileiro, com o objetivo de regulamentar e implantar as
normas estabelecidas pela Constituição de 1988 e pela LDB (FRAUCHES; FAGUNDES, 2012).
Medidas tomadas para garantir a melhoria qualitativa e a universalização do Ensino Superior,
também são citadas por Frauches e Fagundes e indicam tal regulamentação (2012):
Ministro da Educação - Paulo Renato: implantação da avaliação nacional em todos os
níveis de ensino, do provão, expansão de Instituições de Ensino Superior e de cursos e
programas na área privada;
Ministro da Educação - Tarso Genro: implantou o SINAES – Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior que, tendo como base o ENADE – Exame Nacional
de Desempenho do Estudante, criou índices avaliativos como o CPC – Conselho
Preliminar de Curso e o IGC – Índice Geral de Cursos.
Ministro da Educação - Fernando Haddad: instituiu o PROUNI e expandiu a rede
pública de ensino superior, por meio de inúmeros decretos, portarias, normas técnicas
e despachos de instrução. O Ensino Superior passa, mais uma vez, por um processo de
regulamentação.
Contudo e apesar do previsto na legislação e de todas as tentativas para universalizar a
educação no Brasil, dados estatísticos permitem afirmar que a “educação, direito de todos”, é
uma garantia que ainda está no papel. Quantitativamente, a Pesquisa Nacional por Amostras
de Domicílios Contínua – PNAD Contínua 2016 (BRASIL, 2017a) demonstra que 7,2% dos
brasileiros, com mais de 15 anos de idade, são analfabetos. Se a análise considerar o nível de
instrução das pessoas com 25 anos de idade ou mais, mais de 10% desse público não tem
instrução alguma e mais de 30% dessa amostra não tem ensino fundamental completo.
Informações específicas sobre a educação superior foram divulgadas pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA:
62
Figura 1: Taxas de acesso à educação superior na faixa etária de 18 a 24 anos
(2000 a 2010), em %.
Fonte: (CORBUCCI, 2014, p. 12)
Corbucci (2014) também aponta a proporção de alunos que frequentava (ou frequentou)
a educação superior:
Figura 2: Proporção da população entre 18 a 24 anos que frequentava/havia
frequentado educação superior (2010), em %
63
Fonte: (CORBUCCI, 2014, p. 13)
Como informações anteriormente apresentadas demonstram a ociosidade de vagas em
escolas privas e públicas (em menor proporção), a situação de baixa adesão ao ensino
superior, provavelmente pode ser justificada pela incapacidade de pagamento por tais cursos.
Podemos perceber, pela figura abaixo, uma estrita relação entre crises econômicas e a
(in)evolução das matrículas no ensino superior;
Figura 3: Taxas de crescimentos das matrículas na educação superior entre 1996
e 2010, em %
Fonte: (CORBUCCI, 2014, p. 14)
Percebe-se as maiores quedas nos anos de 1997, final de década marcado por crises
econômicas no mundo como a dos Tigres Asiáticos e México, com forte impacto no Brasil,
além do início da própria crise no Brasil. Queda, também, no ano de 2001, proveniente do
“apagão energético”, insolvência da Argentina e ataques terroristas nos Estados Unidos.
Já a partir dos anos de 2004, apesar do momento de estabilidade econômica, o
aparecimento da modalidade EAD com valores de mensalidade muito mais baixas, resultou
nas tendências verificadas, ou seja, enquanto a graduação presencial decaia, a graduação à
distância aumentava.
64
O aumento das matrículas da graduação presencial, a partir dos anos de 2009 está ligado
à efetividade de políticas públicas de incentivo ao ingresso no Ensino Superior, com o
PROUNI e o FIES:
Figura 4: Quantidade de bolsas ofertadas, por ano, pelo PROUNI
Fonte: (SILVA; SANTOS, 2017, p. 746)
Figura 5: Número de Contratos Firmados pelo FIES
Fonte: (SILVA; SANTOS, 2017, p. 748)
Os objetivos do FIES e do PROUNI são basicamente os mesmos: promover “a
inclusão e a ascensão social colaborando para a construção de uma sociedade mais solidária e
igualitária” (CARVALHO, 2016, p. 92), fato que aponta para uma grande desigualdade sócio
econômica e, consequentemente, educacional no país.
Almeida (2015) defende, ainda, que um dos objetivos constitucionais do Ensino
Superior não é a universalização do ensino, mas a igualdade de oportunidades para que o
cidadão possa, por meio de uma boa formação, conseguir efetivar o seu potencial intelectual.
65
Defende, também, que enquanto o FIES promove isso através da oferta de empréstimos a
juros baixos e com um prazo de carência para iniciar o pagamento após a conclusão do seu
curso, o PROUNI se constitui como uma bolsa de estudos concedida pelo governo, sendo sua
liberação condicionada ao desempenho do candidato no ENEM (ALMEIDA, 2015).
Limitações tecnológicas e orçamentárias levaram a reestruturações do programa em 2014.
Apesar dos recursos financeiros estarem previstos no artigo 212 da Constituição Federal, o acesso
ao financiamento tornou-se mais rigoroso. Como resultado, houve uma queda significativa nas
matrículas em Instituições de Ensino Superior privado. O objetivo principal de inclusão está longe
de ser atingido. A inclusão transformou-se em exclusão. A educação que liberta se distanciou das
classes menos abastadas da população, como destaca Almeida.
As normas são abundantes, mas os recursos ainda são escassos tendo em vista que o
direito à educação será realmente materializado quando forem atingidos os preceitos da obrigatoriedade, qualidade e gratuidade previstos na constituição. É importante
que o Estado brasileiro planeje suas políticas públicas observando a conjuntura socioeconômica sem perder de vista sua obrigação em atender a esse direito fundamental (ALMEIDA, 2015, p. 6).
As novas regras do FIES resultaram em um acirramento da competição, da luta das
instituições de ensino pelo escasso número de brasileiros com capacidade financeira para se
matricularem em cursos superiores privados. Os financiamentos privados, como diferencial
competitivo, ou ainda, como um atrativo ao banco das faculdades superiores, tornou-se
presente no discurso publicitário empregado por essas instituições.
Retomando a baixa adesão do brasileiro ao Ensino Superior, uma outra justificativa
está na própria proporção de brasileiros, entre 18 e 24 anos, que concluíram o ensino médio e
estavam: 55,3% na região sudeste (maior porcentagem) e 17,3% no nordeste (menor
porcentagem) (CORBUCCI, 2014).
A dificuldade em encontrar dados atualizados sobre vários aspectos da vida brasileira
impediu que aqui fossem abordadas informações sobre a porcentagem de brasileiros com ensino
superior completo. Enquanto o periódico “Valor Econômico” transcreve informações da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que, em 2015, 14% dos
brasileiros entre 24 e 64 anos haviam concluído o ensino superior (GUIMARÃES, 2016),
reportagem intitulada “Censo do IBGE mostra crescimento no número de brasileiros com ensino
superior” (CENSO, 2017) aponta que o percentual de formandos, em 2010, era de 7,9%.
66
Contradizentes ou complementares? O mais importante é que o Brasil é um dos países com
mais baixa taxa de indivíduos com Ensino Superior Completo.
Orlandi (2010) defende a necessidade de compreensão da realidade para que se possa
interferir nela. Apesar da ideia não ser de intervenção, para podermos continuar a discorrer
sobre as condições de produção quando da elaboração dos discursos publicitários aqui em
análise, buscamos informações qualitativas sobre o Ensino Superior. Para tanto, recorremos
ao SINAES que, desde 2004, está a cargo da Avaliação da Educação Superior. O objetivo de
tal sistema é a melhoria da educação superior brasileira, através de indicadores como as
avaliações das instituições de ensino, dos cursos e do desempenho dos alunos.
O IGC – Índice Geral de Cursos é um desses indicadores de qualidade8. A análise dos
resultados de 2016 permitiu a elaboração do quadro que se segue:
Quadro 5 – IGC 2016
IGC Médio (considerando a Organização Acadêmica
faixa do índice)
Universidades públicas 3,62
Universidades privadas 3,23
Centros Universitários públicos e CEFETs 2,90
Centro Universitários privados 3,23
Faculdades públicas 2,88
Faculdades privadas 2,99
Fonte: elaborado pelo autor, com base em (BRASIL, 2018a)
Apesar de vasta pesquisa, não foi possível encontrar uma meta governamental estabelecida
pelo governo, um indicador a ser atingido. O PNE, aprovado pela Lei nº 10.172 de 09 de janeiro
de 2001, institui, resumidamente, medidas quantitativas de expansão, de autonomia das
universidades públicas, e qualitativos voltados para o sistema de avaliação, mas estabelece uma
meta quantitativa a ser atingida. Já o PNE 2014, aprovado pela Lei 13.005,
8 O IGC é composto pelos seguintes critérios: média dos “Conceitos Preliminares de Curso – CPC” dos últimos três anos, média dos conceitos de avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu, distribuição dos estudantes entre os diversos níveis de ensino (BRASIL, 2015c)
67
estabelece questões quantitativas relacionadas ao número de vagas e ao número de mestres e
doutores e regulamenta o processo de avaliação institucional. Sobre metas quantitativas da
qualidade do ensino, apenas as estabelece para a educação básica.
Já que a única informação encontrada diz respeito a IGCs satisfatórios (3, 4 e 5) e IGCs
insatisfatórios (1,2) (BRASIL, 2011b), conclui-se que, em valores médios e com base nos
resultados de 2016, apenas as universidades públicas e privadas, além dos centros universitários
privados, tem índices satisfatórios. Como o IGC médio das faculdades privadas está muito
próximo de 3, decidiu-se por incluir essa organização acadêmica nos índices satisfatórios. Dessa
forma, são considerados insatisfatórios os índices médios observados pelos Centros Universitários
públicos e CEFETs, além das faculdades públicas (BRASIL, 2018a).
Especificamente sobre o Conceito Preliminar de Curso – CPC, um dos critérios de
composição do IGC, Seiffert (2018), comparando os resultados dos ciclos avaliativos 2009 e
2012, aponta para uma melhoria no desempenho dos cursos de graduação, contudo, com uma
maior concentração no centro da faixa, ou seja, no CPC 3. Tal situação pode ser ilustrada na
figura que segue:
Figura 6: Distribuição do Conceito Preliminar de Cursos de Bacharelado do Brasil:
ENADE 2009 - 2012
Fonte: (SEIFFERT, 2018, p. 110)
Souza (2016), ao estudar a qualidade dos cursos de pedagogia segundo o SINAES, defende
que o Sistema conseguiu diferenciar os cursos com qualidade insuficiente (avaliados com nota
68
igual ou menor que dois) dos demais. Contudo, afirma que os padrões estabelecidos pelo
SINAES são pseudodefinidos, já que
Dois foram os achados principais: i) - a avaliação in loco não estabeleceu parâmetros
capazes de identificar os perfis de qualidade relativos aos cinco níveis da escala do
Sinaes, seja em função do uso de indicadores e parâmetros pouco claros para a valoração
(atribuição de notas) da dimensão organização didático-pedagógica, seja pelo uso de
critérios de qualidade dissociados de oportunidades de aprendizagens para os alunos, nas
dimensões infraestrutura e corpo docente e tutorial; e ii) - não foi possível estabelecer
relações entre os critérios utilizados pelo CPC e pelas avaliações in loco para aferir a
qualidade das licenciaturas em pedagogia, em função das diferenças no tratamento dos
componentes de cada um dos processos, tanto no que se refere aos resultados do Enade,
central no primeiro e totalmente desconsiderado no segundo, como também no que se
refere à organização didático-pedagógica e à infraestrutura, reduzidas cada uma, no CPC,
a uma questão retirada do Questionário do Estudante que integra o Enade (SOUZA,
2016, p. 6).
O Índice de Desenvolvimento Humano-IDH ao considerar, em sua elaboração, as
dimensões renda, saúde e educação, precisa ser analisado. De acordo com o Relatório de
Desenvolvimento Humano de 2015, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(ONU, 2015), o Brasil aparece em 75º lugar.
Mas qual será o motivo desses índices que, em sua maioria, se mostraram
insatisfatórios? A educação é, no Brasil, vista como um meio de transformação social, seja
formando cidadãos críticos, capazes de transformar a realidade de suas sociedades, ou
enquanto formadora de trabalhadores qualificados, necessários ao crescimento e ao
desenvolvimento econômico do Brasil?
A resposta a essa pergunta pode ser encontrada na própria legislação, seja na
Constituição Federal, na LDB ou, especificamente com relação aos cursos de Administração,
nas Diretrizes Curriculares Nacionais. Conforme discutido em capítulo específico, tais leis
focam na capacitação para o mercado, e não na formação, enquanto princípios do ensino
superior, ou seja, focam no crescimento econômico, na geração de emprego e renda. A
formação daquele sujeito, capaz de ressignificar sua própria existência, compreendendo e
avaliando os efeitos que a sociedade exerce sobre ele, defendido por Orlandi (ORLANDI,
2001), passa a ser delegado a um segundo plano, já que o objetivo principal é a capacitação, e
não a formação.
Sobre esta relação entre formação e capacitação, Orlandi defende que
estas formas de dizer se sucedem em conjunturas históricas diversas: ‘alfabetização e desenvolvimento’, atualmente se declinam em ‘educação e mercado’, em que o
69
mercado exige ‘a qualificação do trabalho’, ‘a qualificação do trabalhador’: um país
educado. Um país rico em que os cidadãos, educados, são ‘capacitados’ para o trabalho e circulam como consumidores de um mercado de trabalho qualificado.
Consumo e cidadania se conjugam. O denominador comum é o trabalho e não o
conhecimento (ORLANDI, 2014, p. 146).
Orlandi (2014) também defende que a produção de um aluno “não alienado” é possível
com a formação, e não com a capacitação. Sobre a formação, a escolarização enquanto
ferramenta para a formação de um sujeito crítico, Pfeiffer (2011) defende que, na relação
entre escolarização e urbanização surge um sujeito urbano escolarizado, inserido e tomado
em/por uma sociedade que constrói seus espaços de significação na própria civilização.
Altbach (2002, tradução nossa) diz que de um sistema educacional provêm as
habilidades necessárias para o sucesso econômico, além de construir a sustentação de uma
sociedade civil e da participação nacional. Dessa forma, dizeres como “o passaporte para o
século 21” (recorte 1), ou “seu passaporte para o mundo” (recorte 5) passam a significar-se
nas próprias relações neoliberais que norteiam o ensino superior privado.
Sobre o papel da ciência, Orlandi defende que
a necessidade que tem nossa sociedade que a ciência não se limite ao seu espaço de
circulação mais restrito mas ganhe o espaço social mais amplo. Se exteriorize na
sociedade. Ela sai de si, sai de suas condições mais próprias e ocupa um lugar no
cotidiano dos sujeitos. Circula produzindo seus efeitos de ‘conhecimento’ (2010, p.
2).
Educação deveria ser, portanto, produzir efeitos e deslocamentos sociais e subjetivos.
Inclusive Tragtenberg (2005, p. 45) afirma que “uma política autêntica de ‘formação’ deve
dar liberdade de expressão aos ‘formandos’, ultrapassando o nível de aquisição de
conhecimento, tendo em conta a maturidade humana e social”. Hill parece validar tal
posicionamento ao afirmar que “o espaço da educação, por outro lado, só continua sendo um
espaço educacional quando estiver educando aqueles cuja motivação é aprender,
independentemente do seu custo” (HILL, 2003, p. 38).
Contudo, Nogueira e Dias afirmam que o discurso de (re)democratização do ensino, o
empoderamento está sendo substituído por um processo de (re)massificação “nas políticas
públicas de ensino de uma sociedade neoliberal mercado-lógica em que as artes mecânicas
passam a ser artes automatizadas e os sujeitos do conhecimento individualizados enquanto
usuários do conhecimento capacitados para operar x atividade” (2017, p. 3).
70
Marrach (1996) analisa esta relação entre educação e neoliberalismo, afirmando que a
educação se deslocou do campo político e social para as relações de mercado, funcionando a
sua semelhança. Defende, também, que a ideologia neoliberal determinou três objetivos
estratégicos para educação:
1) atrelar a educação escolar à preparação para o trabalho e a pesquisa acadêmica ao imperativo do mercado ou às necessidades da livre iniciativa. 2) Tornar a escola um meio de transmissão dos seus princípios doutrinários. O que está em questão é a adequação da escola à ideologia dominante 3) Fazer da escola um mercado para os produtos da indústria cultural e da informática (MARRACH, 1996, p. 2).
O mercado educacional brasileiro passou, então, por profundas transformações nas
últimas décadas, com a presença de grandes grupos educacionais. Roggero defende que se
a centralidade da universidade enquanto lugar privilegiado de produção da alta cultura e
conhecimento científico avançado é um fenômeno do século XIX, do período do
capitalismo liberal [...], o que se assiste na contemporaneidade é a subsunção dessa
universidade aos interesses heteronômicos de uma nova etapa do capital (2016, p. 29)
Sobre este assunto, Castro defende que tais universidades empresariais buscam
combinar uma imagem que são altamente inovadoras, “voltadas para o diagnóstico e a
resolução de problemas, empreendedoras, com a capacidade para elaborar ‘periferias
desenvolvimentistas’ lucrativas, desde parques de ciência até faculdades de professores, e a
venda de serviços em nichos globais” (CASTRO, 2013, p. 240).
Hill também defende que as empresas acharam, na educação, uma oportunidade de
investimento, “fazendo o ensino e a educação superior subordinados à personalidade e aos
requerimentos ideológicos e econômicos do capital, assegurando-se que as escolas produzam
trabalhadores eficientes, submissos, ideologicamente doutrinados, e pró-capitalistas” (HILL,
2003, p. 34). E complementa:
Nas universidades e estabelecimentos de cursos superiores vocacionais a linguagem
da educação foi amplamente substituída pela linguagem do mercado, aonde os
professores universitários ‘entregam o produto’, ‘operacionalizam a entrega’ e
‘facilitam o aprendizado dos clientes, dentro de um regime de ‘gestão da qualidade’
em que os estudantes viram fregueses selecionando módulos ao acaso aonde, nas
universidades, ‘o desenvolvimento da habilidade técnica’ ganha importância em
detrimento do desenvolvimento do pensamento crítico (HILL, 2003, p. 33).
71
Esta relação entre educação e neoliberalismo também é analisada por Marrach (1996) , ao
afirmar que a educação desloca-se do campo político e social para as relações de mercado,
funcionando a sua semelhança.
A Folha de São Paulo intitulou reportagem sobre o assunto como “Ranking das dez
maiores EMPRESAS de ensino superior do país”, em 2017 (CUNHA, 2017). A seguinte
relação foi apresentada:
Figura 7: Ranking das dez maiores empresas de ensino superior do país – 2017
Fonte: (CUNHA, 2017)
Se considerarmos:
1. que a Kroton é a maior empresa educacional do mundo;
2. que a Kroton, a Estácio, a Ser Educacional, a Anima são empresas de capital aberto,
listadas na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo;
3. que a Adtalem e que a Laureate são de origem americana,
72
fica bem clara a submissão do ensino, da educação ao mercado e à sua lógica
internacional. Nogueira, recorrendo a Chesnais, defende que a “mundialização do capital é
uma nova configuração do capitalismo mundial e dos mecanismos que comandam seu
desempenho e regulação” (NOGUEIRA, 2015, p. 62). A própria utilização do significante
“empresa’ no título da reportagem, bem como a expressão “facilitam o aprendizado do
cliente” (HILL, 2003, p. 33, grifo nosso) anteriormente citada, mostram que a relação entre
educação e negócio (business) está se naturalizando.
Se considerarmos, também, o título da reportagem de Karin Salomão que afirma que
Rodrigo Galindo, presidente da Kroton, é um “comprador em série de faculdades”
(SALOMÃO, 2016), a comoditização do ensino fica evidente. Inclusive, Sguissardi (2008)
aponta que 60% das IES brasileiras com menos de 500 alunos deverão ser extintas em breve,
em um movimento de consolidação do mercado, de economia de escala. As outras 40% serão,
provavelmente, absorvidas por outros grupos, acompanhando a lógica da fusão das empresas.
Os analistas são categóricos: o alicerce da consolidação do mercado das instituições se chama restruturação operacional. Quem não repensar seu modelo de negócio e buscar alternativas pode não se salvar. Quem o fizer terá muito trabalho pela frente, mas pode garantir sua participação no mercado (SGUISSARDI, 2008, p. 1004).
O emprego do termo (“em série”) remete a Henry Ford e a sua teoria de linha de
produção, que revolucionou a indústria americana no início do século XX. A discursividade
“linha de produção” enquanto mecanização, especialização, produtividade, permite
reescrevermos o título dessa reportagem de “o Presidente da Kroton é um comprador em série
de faculdades” para “o presidente da Kroton é um comprador especializado de faculdades”,
ou, ainda, “o presidente da Kroton, comprador de faculdades produtivas”, ou “o presidente da
Kroton, o transformador da educação em indústria, da instituição de ensino superior em uma
empresa que deve funcionar como outra empresa qualquer, sem levar em conta as
especificidades do ensino e da formação crítica de cidadãos”. De qualquer forma, a submissão
da educação ao funcionamento do mercado fica ainda mais clara.
Monfredini (2016, p. 3) afirma que a cultura eminente nestas escolas empresariais é a
rentabilidade, instituída como cultura, “mediando as diversas práticas de gestão e formativas
nas universidades: as propostas curriculares, a avaliação, as práticas de ensino e pesquisa, a
organização dos tempos e espaços. Ou seja, nesse cenário as práticas acadêmicas são lenta e
profundamente alteradas”.
73
A realidade do ensino superior com foco no mercado, da universidade S.A., não é
exclusividade do Brasil. Roggero (2016, p. 36) aponta que “há algum tempo era impensável
ouvir falar de ensino superior privado na Europa, por exemplo. Hoje, é frequente se ouvir de
vários estudantes a preferência por esse tipo de instituição, tendo em vista uma configuração
supostamente mais moderna” (ou seria, com foco na qualificação?)
Retomando à Kroton, convém destacar que seu o boom de crescimento coincide com a
desregulamentação da educação superior no final da década de 1990, conforme demonstrado
no quadro 6 que será apresentado no subcapítulo “Uma questão de ideologia”.
Chama a atenção, inclusive, a conclusão do trabalho de Corbucci ao dizer que
pode-se afirmar que a ampliação do acesso à educação superior no Brasil, no sentido
de transformá-la em um sistema de massas tal como define Trow (2000) e, assim
atingir a meta de taxa de frequência líquida de 33% que integra o Projeto de Lei do
Plano Nacional de Educação, dependerá em larga medida da melhoria do fluxo da
educação básica, de modo a assegurar que uma proporção substancialmente maior
de jovens brasileiros conclua este nível de ensino. Portanto, vai além da ampliação
da oferta de vagas e da concessão de subsídios e bolsas de estudos àqueles que
consegui-riam transpor os diversos obstáculos interpostos na trajetória escolar e
social da maioria dos jovens brasileiros (2014, p. 32).
Apesar de não ser impossível afirmar, fica no ar se os baixos índices avaliativos do
ensino fundamental e médio, medidos pelo IDEB não são, portanto, uma forma de massificar
essas etapas do ensino para, então, fornecer consumidores ao “produto” no qual se
transformou o ensino superior. Se não se constituem em mais uma forma de submissão da
educação à ideologia neoliberal, negócio dos grandes grupos educacionais.
Destaca-se, neste cenário, o papel da Associação Brasileira de Mantenedoras do
Ensino Superior, entidade que conta com 294 mantenedoras e 350 Instituições de Ensino. No
site dessa associação, a seguinte informação pode ser encontrada:
No âmbito político, a Associação ocupa posição em frentes importantes junto aos
órgãos governamentais para a formulação de políticas públicas. Tem presença
fundamental na construção e revisão de normas legais, buscando aproximá-las da realidade das instituições de educação superior e garantindo os direitos e conquistas
do setor (ABMES, 2018, p. 1).
Andréa Araújo do Vale recorre a um documento da própria ABMES para explicitar
este jogo de poder, da intervenção da ABMES na educação:
74
a Associação passou a estimular, ‘de maneira mais sistematizada’, os debates sobre a
LDB, de que se tratará a seguir, mas também sobre a ‘reforma constitucional, mensalidades escolares, crédito educativo, avaliação, definição de políticas
nacionais, de educação superior e fortalecimento das relações com os órgãos
governamentais e com os segmentos da rede privada’ (2008, p. 11, grifo do autor).
Percebe-se, nesta afirmação de Andréa Araújo do Vale aqui transcrita, um
deslocamento, já que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação passa a ser um lugar
onde a ideologia das grandes corporações educacionais se realiza.
A seguinte questão ganha, então, força: será que todos os movimentos de intervenção
governamental na educação superior, marcados por momentos de regulamentação e
desregulamentação, são realmente para seguir a Constituição e demais legislações pertinentes, ou
refletem os interesses e ideologias das instituições de ensino superior e das grandes empresas do
setor? Castro responde que não, já que o “Brasil passou por períodos de regulação mais forte e
mais fraca, e nenhum deles levou o mercado a competir por qualidade” (2013, p. 237).
Refletem, portanto, os interesses neoliberais.
3.2.1. Uma questão de ideologia
Diante do anteriormente exposto, pode-se deduzir que a política pública educacional
brasileira vem, ano após ano, se restringindo apenas à produção de novas vagas, não
estabelecendo, de fato, mudanças, transformações que pudessem resultar em ganho de
qualidade para a educação.
Especificamente referente às políticas públicas, de como, historicamente, o Ensino
Superior brasileiro enfrentou momentos de proibição, centralização, descentralização,
intervenção, elaborou-se o quadro a seguir para ilustrar tal situação:
75
Quadro 6 – Poder Público e Educação Superior: uma síntese
Quando? Quem? O que?
Antes de 1808
Portugal
Proibição da instalação de Instituições de
Ensino Superior no Brasil.
1808
Portugal Instalação do primeiro curso superior no
Brasil, quando da mudança da família real.
Após 1911
Governo Federal
Descentralização do ensino: Estados e
Universidades com autonomia
Década de 30
Governo Federal
Centralização – Criação do primeiro
Conselho Nacional de Educação
Governo Federal –
Participação da União Nacional dos
Década de 50
Estado Democrático
Estudantes – UNE, na criação de políticas
públicas para o ensino superior
Intervencionismo internacional, com a
Década de 60
Governo Federal
parceria MEC X USALD e o Plano ATCON.
Regulamentação do Ensino Superior –
influências neoliberais na educação
Década de 80 Governo Federal Promulgação da Constituição Federal
Aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Década de 90 Governo Federal Educação – LDB e liberação para a atuação
do setor privado na Educação Superior.
Plano Nacional da Educação – 2001-2011 –
regulamentação do setor/instalação do
SINAES.
Substituição do Conselho Federal de
Anos 2000
Governo Federal
Educação pelo Conselho Nacional de
Educação e a “transformação do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos, conhecido
como INEP, num importante órgão para
coleta de dados e diagnóstico da educação em
todos os níveis” (CASTRO, 2013, p. 244)
76
Planos Nacionais da Educação – (2001-2011
e 2014-2024) – regulamentação do setor.
Novo Instrumento Avaliativo de Cursos
Década 2010 Governo Federal Superiores, aumentando a participação das
Comissões Próprias de Avaliação – CPA9 das Instituições de Ensino
Superior, bem como dos Núcleos Docentes Estruturantes - NDE
Fonte: quadro elaborado pelo próprio autor
Não se pode desconsiderar a afirmação de Saviani, anteriormente referenciada, que
governos vêm e vão e que, nessa transição, políticos “vêm tomando iniciativas de política
educacional inteiramente à margem dos planos aprovados” (2014, 231).
Por acreditarmos que o desenvolvimento dessas políticas públicas ocorre por questões
políticas/ideológicas, faz-se necessário destinar parte desse trabalho à apreciação desse conceito.
Tal necessidade é justificada nas elaborações teóricas de Gadet e Hak (2014) que afirmam que a
Análise de Discurso é percebida como um dispositivo que coloca em relação os campos da língua
e da sociedade, apreendida pela história. Isso deve-se ao fato de a AD, baseada em um dispositivo
teórico e analítico, apoiar-se no político e em sua natureza contraditória.
Para Pêcheux, a indiferença da “língua em relação à luta de classes caracteriza a
autonomia relativa do sistema linguístico e que dissimetricamente, o fato de que as classes
não sejam indiferentes à língua se traduz pelo fato de que todo processo discursivo se inscreve
em uma relação ideológica de classes” (PÊCHEUX, 1995, p. 92). Faz-se necessário, contudo,
ressaltar que a Análise de Discurso estende esta ideia de luta de classes para a luta pelo
sentido autorizado ou hegemônico em uma dada sociedade.
Mas o que é ideologia? Althusser (1970, p. 39) defendia que a ideologia “representa a
relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”. Portanto, só há
“ideologia pelo sujeito e para os sujeitos” (ALTHUSSER, 1970, p. 93) não existindo,
portanto, prática senão sob uma ideologia. A ideologia, portanto, “interpela os indivíduos em
sujeitos” (GADET; HAK, 2014, p. 164).
9 As Comissões Próprias de Avaliação – CPA foram criadas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e são instâncias responsáveis pela autoavaliação das Instituições de Ensino Superior.
77
Apontava, também, a existência de quatro pressupostos fundamentais, a saber
(ALTHUSSER, 1970):
1. As ideologias têm existência material e devem ser estudadas enquanto conjunto de
ações materiais necessárias à reprodução das relações de produção;
2. as relações de produção resultam na divisão do trabalho, lugar naturalmente ocupado
por um indivíduo, necessário ao próprio processo produtivo;
3. o mecanismo que leva um indivíduo a conhecer o seu lugar é conhecido como
processo de “sujeição”, mecanismo esse de duplo efeito: o indivíduo se reconhece
como sujeito e se sujeita a um “Sujeito absoluto”;
4. essa sujeição existe na prática.
Já Gadet e Hak (2014, p. 23) defendiam que a ideologia era encarada como um
processo de dupla face pois, se do lado do processo de produção, a ideologia é percebida
como um processo no qual “conceitos técnicos operatórios, tendo sua função primitiva no
processo de trabalho, são destacados de sua sequência operatória e recombinados em um
processo original”, do lado das relações sociais, a “ideologia é um processo que produz e
mantém diferenças necessárias ao funcionamento das relações sociais de produção em uma
sociedade de classes”, lembrando, a cada indivíduo, o seu devido lugar nas relações de
produção. Inclusive, sobre tal relação, afirmam que a
o funcionamento da instância ideológica deve ser concebido como ‘determinado em
última instância’ pela instância econômica, na medida em que aparece como uma das
condições (não econômicas) de reprodução da base econômica. […]. A modalidade
particular do funcionamento da instância ideológica quanto à reprodução das relações de
produção, consiste no que se convencionou chamar interpelação, ou o assujeitamento do
sujeito como sujeito ideológico, de tal modo que cada um seja conduzido, sem se dar
conta, e tendo a impressão de estar exercendo sua livre vontade, a ocupar o seu lugar em
uma ou outra das duas classes sociais, antagonistas do modo de produção (GADET;
HAK, 2014, p. 165, grifo do autor).
Para Althusser, a “ideologia não existe senão por e para os sujeitos” não existindo,
portanto, prática senão sob uma ideologia (apud GADET; HAK, 2014, p. 31). Esses autores
defendem, inclusive, que a “ideologia interpela os indivíduos em sujeitos”(GADET; HAK,
2014, p. 164).
Posta a relação entre Ideologia e Economia, Althusser (1970) defendia que a produção
econômica determinava a totalidade social e que as condições de produção econômicas, para se
78
reproduzirem, pressupõem, por sua vez, a reprodução de condições econômicas, políticas e
ideológicas. À mão-de-obra é apresentada, na submissão ao neoliberalismo, uma alternativa
ao socialismo (TRAGTENBERG, 2005). O Homem torna-se, nesse contexto, o fruto de um
conjunto complexo de atitudes e de representações, diretamente ligado à relação proletariado
x burguesia. Surgem as lutas de classe. Tragtenberg (2005, p. 139) defende que o sistema
capitalista
produz escravos a quem é inculcada, desde a infância, uma necessidade de
segurança, que se traduz socialmente por uma fé absoluta nas instituições e na
‘verdade’ do poder, de uma tal religiosidade que o sacrifício de si, a ideologia da
renúncia à subjetividade e seus prazeres proibidos, a adoração mística do poder e o
culto do chefe terminam por eliminar toda possibilidade autônoma de pensamento
ou de ação. O poder de fato não é delegado, ele é confiscado, comprado ou
transferido no curso de uma transação econômica, sexual, política e afetiva, que a
instância dirigente tem todo o interesse em tomar definitiva. O poder é uma droga
afrodisíaca para aqueles que o exercem, e paralisante para aqueles que o sofrem
Althusser (1970) também defendia que os chamados Aparelhos Ideológicos do Estado
(entre eles a escola), são uma forma de “divulgação” da ideologia da classe dominante, um
lugar onde a ideologia da classe burguesa se realiza, por ser hegemônica. Tal materialização
se dá de forma silenciosa, já que a Escola, ao utilizar de métodos próprios como sanções,
exclusões, seleções, entre outros, desempenha um papel altamente dominante. Apontava,
ainda, que mascarado pelo conhecimento, do ensino de conteúdos libertários, de conceitos de
liberdade, moralidade, da responsabilidade adulta, uma grande massa de crianças, com idade
média de 16 anos,
entra ‘na produção’: são os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte
da juventude escolarizável prossegue: e seja como for caminha para os cargos dos
pequenos e médios quadros, empregados, funcionários pequenos e médios, pequenos
burgueses de todo tipo. Uma última parcela chega ao final do percurso, seja para cair
num semi-desemprego intelectual, seja para fornecer, além dos ‘intelectuais do
trabalhador coletivo’, os agentes da exploração, da repressão, e os profissionais da
ideologia (ALTHUSSER, 1970, p. 79).
Pêcheux (1995) defendia que o aspecto ideológico da luta para a transformação das
relações de produção se localiza, pois, antes de mais nada, na luta para impor, no interior do
complexo dos aparelhos ideológicos do Estado, novas relações de desigualdade-subordinação.
Com relação ao papel ideológico da escola, Althusser (1970) denunciava que ele é
determinado pela necessidade de diversificação de mão-de-obra e de pessoas qualificadas (ou
não) para que um sistema produtivo, baseado na divisão do trabalho, aconteça. A diversidade
79
qualitativa da força de trabalho é, então, necessária para atender às demandas de uma
sociedade capitalista. O referido autor historiciza tal relação ao apontar três destinos dos
estudantes franceses ao ingressar no ensino secundário: ou passavam a fazer parte do
proletariado, ou viravam pequenos-burgueses ou atingiam o “topo” da pirâmide e passavam a
fornecer, enquanto “intelectuais do trabalho coletivo”, os agentes de exploração, de repressão,
de ideologia (ALTHUSSER, 1970).
Pfeiffer (2011, p. 150) também discorre sobre o papel da escola, estabelecendo-a como
um “lugar de preparação e de evidência de qualidades dos homens que disputam, e já não
mais herdam, lugares sociais. Mais do que isto, a escola é responsável por criar uma unidade
cívica a partir de uma pluralidade cultural.”
Cabe, portanto, à escola o papel de colocar em prática a ideologia do Estado, de
ensinar competências e habilidades específicas, reproduzir as relações de produção, ensinando
linguagem, cálculo, ciências e outras disciplinas de interesse do mercado. A escola serve,
então, ao neoliberalismo, adaptando, inclusive, suas estruturas curriculares para atender à
qualificação e não à formação.
Lopes (2010) defende o conceito de “Educação Empreendedora”, pois o
desenvolvimento e/ou fortalecimento de crenças, atitudes, habilidades e conhecimento,
poderia levar o profissional a aproveitar oportunidades reais, capacitando o indivíduo a agir
prontamente. Apoiam, inclusive, tal modelo na educação básica, já que ao estimular atitudes e
comportamentos empreendedores, “que se traduzirão na criação de novos negócios, parece ser
a alternativa mais viável e melhor para a promoção do crescimento econômico, respondendo,
portanto, ao desafio colocado por enormes desequilíbrios no mercado de trabalho” (LOPES,
2010, p. 46).
Essa relação entre ensino, economia, mercado de trabalho, consumo e cidadania é que
coloca esse ideal de escola empreendedora em funcionamento, já que, ao menos
imaginariamente, o cidadão empreendedor, poderá, por si só, abrir o seu próprio negócio e
contribuir para o desenvolvimento econômico do país. Esse empresário, ao assumir uma
posição de sujeito patrão, não se submeterá às demandas do mercado de trabalho, mas, ao
contrário, passará a demandar profissionais qualificados, já que continuará identificado às
exigências neoliberais na economia e precisará se adequar a elas.
Um outro conceito discutido por Orlandi (2014) é o da “Alienação”. Recorrendo a Marx,
defende que quando o indivíduo não consegue discernir e reconhecer o conteúdo e o efeito de
80
sua ação interventiva nas formas sociais, “que a alienação se desenvolve”. Se pensarmos que a
formação de um profissional e de um cidadão questionador, capaz de contribuir para o
desenvolvimento da sua comunidade, só é possível pela formação social advinda da escola, no
Brasil, já que o posicionamento mercantilista resulta em uma educação baseada na
capacitação, conclui-se que o próprio sistema educacional forma apenas profissionais, e não
cidadãos. Desta forma, o conceito brasileiro de educação acaba sendo confundido com o de
capacitação, se distanciando da formação de um cidadão questionador.
Esta submissão da educação ao neoliberalismo, leva ao deslocamento do propósito inicial
da educação, já que as instituições de ensino superior, principalmente as privadas, precisaram se
adequar às novas condições de produção, de mercado, da globalização. A livre concorrência leva a
uma busca incansável pela eficiência econômica, pelo resultado econômico e, atrelado a isso, ao
resultado e eficácia do ensino que se confunde com capacitação.
Nessas adjetivadas escolas empresas, chefes de departamento e coordenadores de
curso assumiram o papel de gestores daquele “negócio”, sendo responsáveis pela elaboração e
execução de orçamentos. Sistemas gerenciais passaram a ser utilizados para um processo
decisório mais assertivo.
Dentro das universidades, as questões institucionais se tornaram parte das atribuições
profissionais de todos, inclusive professores e pesquisadores, enquanto as questões
nacionais e aquelas relacionadas ao sistema de ensino superior como um todo passaram a
fazer parte das atribuições profissionais os reitores das universidades e de outros
administradores de alto escalão (CASTRO, 2013, p. 239, grifo nosso).
Especificamente sobre o Neoliberalismo, Dardot e Laval (2016, p. 17) defendem que
ele tende “a estruturar e governar tanto a ação dos governantes quando a dos governados.
Tem, na generalização da concorrência como norma de conduta e da empresa como modelo
de subjetivação”. Estes autores defendem, também, que
a exigência da competitividade tornou-se um princípio político geral que comanda
as reformas em todos os domínios, mesmo os mais distantes dos enfrentamentos
comerciais no mercado mundial. Ela é a expressão mais clara de que estamos
lidando não com uma ‘mercantilização sorrateira’, mas com uma expansão da
racionalidade de mercado a toda a existência por meio da generalização da forma-
empresa (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 26).
Retomando Dardot e Laval (2016, p. 34), os autores caracterizam o liberalismo do
século XVIII como aquele que limitava o governo: “o governo liberal é enquadrado por leis
81
mais ou menos conjugadas: leis naturais que fazem do homem aquilo que ele é
“naturalmente” e devem servir de marco para a ação pública”.
Pereira (2009) aponta que o Neoliberalismo não é uma evolução do liberalismo, mas
uma constatação da incapacidade das teorias liberais em definir os limites para a intervenção
do governo. Pereira afirma que o objetivo era um Estado fraco que deixasse que as grandes
corporações e seus altos executivos realizassem seus lucros nas economias nacionais.
Dardot e Laval (2016, p. 34) também defendem que o Neoliberalismo não se preocupa
com os limites dados aos governantes, ao mercado, aos direitos, mas sim em “como fazer do
mercado tanto o princípio do governo dos homens como o do governo de si”. Portanto, mais
do que uma ideologia, um sistema de normas que regulamenta as práticas governamentais, os
estilos gerenciais, as políticas institucionais e as subjetividades contemporâneas.
Os Estados passam a ser, então, elementos-chaves dessa concorrência, da busca
constante por aumento de produtividade gerada pelo próprio processo de globalização, já que
buscam atrair investimentos estrangeiros pela “criação de condições físicas e sociais mais
favoráveis à valorização do capital” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 199). Os Estados se
tornam, de certa forma, reféns dos interesses dos detentores do capital.
Exemplos disto, no Brasil, podem ser encontrados em um dos últimos atos do Governo
Temer, o de autorizar que Instituições de Ensino ofertem até 40% dos cursos presenciais na
modalidade à distância ou ainda na abertura para que a iniciativa privada explorasse o Ensino
Superior no final da década de 1990, após a constatação da própria incapacidade
governamental em fazê-lo, seja por incompetência em acompanhar as atualizações constantes
de um ensino superior cada vez mais dinâmico, ou pelo próprio fato da educação superior ter
se tornado cara (CASTRO, 2013). Notadamente sobre esta desregulamentação, Castro
também defende que o Estado “abriu mão do controle direto em prol de uma administração
remota realizada através da supervisão e gestão de incentivos e restrições, afinada com a
comunidade do ensino superior” (2013, p. 240).
Andrade (2017) sugere que um outro exemplo desta submissão do Estado ao
Neoliberalismo reside no próprio FIES e PROUNI, já que essa suposta abertura de novas
oportunidades para que estudantes carentes conquistem sua graduação em uma instituição
privada, convive com cortes de verbas governamentais em instituições públicas. “Além do
orçamento das universidades públicas estar prejudicado e ter perdido prioridade para outras
82
formas de financiamento do ensino superior, a parcela dos recursos destinada a investimentos
perdeu participação” (ANDRADE, 2017, p. 9).
Rui (2016) analisa, em sua pesquisa intitulada “A Relação do FIES e do PROUNI na
Evolução Econômica e Financeira das Companhias Listadas na BOVESPA entre os anos de
2013 e 2015”, o grande crescimento do ensino superior privado brasileiro e de sua
lucratividade proporcionado tanto pelo FIES quanto pelo PROUNI. Afirma, também, que as
grandes corporações como Kroton, Estácio e Ser Educacional foram as IES mais favorecidas,
mais uma exemplificação do poder das grandes corporações educacionais.
Há dois atores beneficiados na implantação e gestão do FIES e PROUNI, os alunos
que se beneficiam destes programas para sua formação acadêmica e, principalmente,
os empreendedores do setor da educação superior, que viram os seus negócios sendo
multiplicados pela ação do Estado, cabendo a estes – agora robustas empresas –
fazerem a gestão adequadas de seus negócios para perpetuação de seus
empreendimentos (RUI, 2016, p. 45).
E como negócios estão sujeitos à concorrência, o aluno passa a ser empoderado no
manto de “cliente”. Tal situação de empoderamento, colocada por algumas instituições de
ensino, passa a ser o objeto norteador de suas estratégias empresariais. A educação sofre...
mais uma vez, sujeita ao poder do neoliberalismo.
Orlandi (2014), no texto Formação ou Capacitação, discute o slogan que circulou há
algum tempo: “País rico é país sem pobreza”. Argumenta que o efeito de sentido que desse slogan
se produz é “País rico é país educado”, fato que pode despertar o sentido de que o mercantilismo,
o crescimento econômico, dependem da qualificação da mão-de-obra. Portanto, o próprio conceito
de educação passa a ser questionado: vai muito além de alfabetização, mas fica muito aquém da
formação do cidadão... é realmente a qualificação da mão-de-obra. Portanto, a história da “melhor
herança é um diploma”, pode ser entendida como, um “diploma
é condição para o sucesso profissional”, que resulta em um ser consumista e, portanto,
cidadão. O denominador comum passa a ser, portanto, o trabalho, e não o conhecimento.
Daí a pergunta “quando você se forma?” passa a ser substituída por “quando você
termina?”, ou seja, quando você se qualifica para o mercado de trabalho, encerrando a busca
governamental por um país educado? Como esse mesmo governo buscará a educação, se ele
mesmo restringe os investimentos governamentais em educação, e se as famílias, por uma
série de questões, não têm condições de enviar seus filhos para a escola e investir na sua real
educação?
83
Altbach (2002) quebra o pré-construído da escola formadora de cidadãos e defende
que a educação está se tornando uma commodity mundialmente negociada.
Ao invés, está sendo cada vez mais vista como uma commodity a ser comprada por
um consumidor para a construção de um kit de habilidades a ser usado no mercado
de trabalho, ou um produto a ser comprado e vendido por corporações
multinacionais, instituições acadêmicas que se transformaram em negócios, e outros
provedores (ALTBACH, 2002, p. 2, tradução nossa).
No Brasil, um dos resultados dessa submissão é que o estudante “profissionalizado”
brasileiro é incapaz de converter seu trabalho em força de trabalho sem um treinamento na
empresa, apesar de possivelmente ter frequentado o ensino superior. A origem disso encontra-
se no fato de o Ensino Superior brasileiro buscar uma formação geral, mais restrita e limitada.
Portanto, à escola cabe a capacitação para inserção no mercado de trabalho, mas é a empresa
que qualifica para o trabalho. Como consequência, esse mesmo estudante/funcionário tenderá
a se assujeitar à ideologia dominante e a se opor menos ao aviltamento do seu trabalho,
situação imposta pelo sistema neoliberal (ALTHUSSER, 1970).
Sobre este assunto, Tragtenberg (2005) defende que objetivando o rendimento a
qualquer custo, a formação profissional continua caminhando em sintonia com a expansão
econômica, com o aumento da produtividade e com a visão dos executivos, fato que acentua o
aspecto contábil de uma empresa. “As ações possíveis de realização têm como quadro
referencial o político, entendido como o poder de comando. Deve lidar habilmente com o
desemprego e efetuar reconversões técnicas exigidas pelo sistema” (TRAGTENBERG, 2005,
p. 43). Essa “reconversão técnica” é necessária, pois toda situação que não corresponde às
condições de concorrência pura e perfeita é considerada uma anomalia que impossibilita a
realização da harmonia preconcebida entre os agentes econômicos (DARDOT; LAVAL,
2016, p. 135).
Sguissardi (2008, p. 996) também discorre sobre a formação profissional ao defender
que “repete-se a velha receita: após privatizar os ganhos, o sistema socializa os prejuízos”, ou
seja, há a geração de uma massa falida de estudantes, de graduados de baixa qualificação,
cujos resultados encontram-se nos próprios índices do desemprego estrutural ou, ainda, nos
resultados auferidos pelos estudantes, nos sistemas de avaliação da educação brasileira. E todo
esse cenário ocorre paralelamente às incansáveis buscas das escolas-empresas por poder, por
84
valorização, pelo controle da educação-mercadoria, de forma que melhor sirvam aos objetivos
do capital, leia-se, do neoliberalismo.
3.3. A Legislação como efeito de verdade que sustenta as relações de poder
1988: o Brasil sai de um Regime Militar de mais de 20 anos e ruma em direção ao que
poderia ser chamado de fortalecimento da democracia. O país encontra, na Constituição
chamada de “cidadã”, garantias fundamentais para esse processo.
Um dos direitos previstos na Carta Magna de 1988 é o acesso à educação.
Especificamente em relação a esse assunto, o Artigo 205 estabelece que a educação é direito
de todos e dever do Estado e da família, e “será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1998, p. 123).
Várias tentativas vêm, desde então, sendo implementadas para garantir a educação a
todos. Um desses exemplos é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, sancionada em
1996. Em consonância com a Constituição Brasileira estabelece, em seu artigo 2º, que a
“educação , dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, p. 1).
Estabelece, ainda, que o ensino deve pautar-se nos seguintes princípios (BRASIL, 1996):
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o
saber;
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
respeito à liberdade e apreço à tolerância;
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
valorização do profissional da educação escolar;
gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas
de ensino;
garantia de padrão de qualidade; valorização da experiência extraescolar;
vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;
85
consideração com a diversidade étnico-racial.
Ainda sobre a LDB, Pfeiffer defende que apesar da lei estabelecer uma visão
humanista e cientificista para o Ensino Médio, ela não descarta a possibilidade, para aqueles
que assim o "queiram", de cursar um ensino profissionalizante (PFEIFFER, 2010).
Sguissardi (2008) defende que a aprovação da LDB, como uma espécie de “guarda-
chuva jurídico”, possibilitou a edição de diversos decretos normalizadores [...], entre eles o de
nº 2.306 que reconhecia a educação como um bem de serviço comercializável,
Como objetivo de lucro ou acumulação; uma mercadoria ou a educação-mercadoria,
de interesse dos empresários da educação, que viria se completar com seu par gêmeo de interesses de todos os empresários dos demais ramos industriais ou comerciais, a
mercadoria-educação (SGUISSARDI, 2008, p. 1001).
Uma outra tentativa de universalizar a educação reside no projeto do Plano Nacional
da Educação - PNE que, em cumprimento à própria Constituição e à própria LDB, foi
encaminhado ao gabinete da Presidência da República. Esse planejamento da reconstrução da
educação brasileira objetivava a melhoria qualitativa do ensino, com medidas como aumento
dos gastos do governo no setor, aumento da jornada escolar, programas de formação de
professores, ensino para indígenas, inclusão para pessoas com deficiências, autonomia para as
universidades, em favor das minorias étnicas, profissionalização da gestão da educação,
ampliação gradual da oferta de vagas na Educação Superior.
O PNE foi sancionado em 2001 –, final do governo Fernando Henrique Cardoso. Logo
após, o governo Lula assume e propõe alterações/complementações no Plano estabelecido
para o período 2001-2011. O site da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados afirma
que, durante tal governo, propostas para a melhoria qualitativa da educação continuaram, com
a apresentação de projetos de Lei que objetivavam
[...] o sistema de cotas nas universidades, a reforma universitária, o Programa Universidade para Todos (ProUni), [...] Escola Aberta, Escola de Fábrica (ensino
médio) e Brasil Alfabetizado, bem como a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb), que
compõe parte da política pública governamental (BRASIL, 2011a, p. 2).
Objetivando acompanhar a rápida velocidade com a qual a sociedade (in)evoluía, mais
um Plano Nacional da Educação é proposto, desta vez para o decênio 2014-2024. Os objetivos
eram basicamente os mesmos: alcançar uma melhoria qualitativa da educação brasileira. Para
86
tanto, critérios como a educação inclusiva e igualitária, a valorização dos profissionais da
educação e a garantia e a universalização do ensino, continuam em voga.
Mas se a formação prevista na Constituição e demais legislações é tão importante,
porque as políticas públicas adotadas vêm se mostrando ineficazes? Várias críticas podem ser
encontradas em pesquisas científicas acerca das medidas e regulamentações governamentais
da educação, como exemplo:
1. A própria LDB, ao conceituar, mas ao não assegurar o seu próprio cumprimento,
permanece ambígua, apesar de ser considerada como uma das mais completas
legislações em favor da educação já promulgadas (ALVES, 2002) .
2. A LDB desconhece o fato de que o ensino, sozinho, não resultada em aprendizagem,
“primeiro, porque não se trata de uma decorrência necessária e, segundo, porque não é
de uma situação de ensino que resulta a aprendizagem” (DEMO, 1997, p. 69).
3. desde a Constituição de 1934 […] a maioria dos planos permaneceu letra morta, meras
cartas de intenção solenemente ignoradas pelos dirigentes políticos, que vêm tomando
iniciativas de política educacional inteiramente à margem dos planos aprovados
(SAVIANI, 2014).
4. “Como resultados consideramos que o PNE (2014-2024) não atinge o objetivo de ser
uma continuidade do anterior (2001-2011), mas sim reporta uma série de metas que ao
fim e ao cabo se encontram repetidas, embora com novos indicadores” (ZANFERARI;
GUIL; ALMEIDA, 2017, p. 1).
5. A apreciação do documento final10 permite compreender e reafirmar que a educação,
assim como os demais setores, seguiu e segue o modelo político e econômico vigente
no país, atendendo os interesses do neoliberalismo, em que se adequa para a educação
medidas da área da economia transformando-a em um negócio com foco no lucro,
produtividade e competitividade, princípios estes do Estado Liberal ou neoliberalismo
(ZANFERARI; GUIL; ALMEIDA, 2017).
Pfeiffer (2010, p. 86) afirma “que o vínculo construído de ‘modo natural’ entre o ensino
e o trabalho é regularmente produzido, por meio das leis, das políticas de modo mais geral e
pelas teorias que ascendem e acenam ao Estado”.
10 Referente ao PNE – Plano Nacional da Educação
87
Faz-se necessário recorrer à Orlandi (2010, p. 3) que defende que a arte da política é a
“arte de pensar pelo outro, isto é, em termos discursivos, praticar o pensamento político é
situar-se lá onde os sentidos se repartem”.
Pêcheux (2006, p. 33) argumenta que o sujeito pragmático tem “por si mesmo uma
imperiosa necessidade de homogeneidade lógica”. E continua: “e também não serve de nada
negar que esta necessidade de fronteiras coincide com a construção de laços de dependência
face às múltiplas coisas a saber, consideradas como reserva de conhecimento acumuladas,
máquinas-de-saber contra ameaças de toda espécie” (PÊCHEUX, 2006, p. 34).
Especificamente os Cursos de Administração, são regidos pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais, sendo a Resolução n° 4, de 13 de julho de 2005), a que está em vigor. Determina
que
o Curso de Graduação em Administração deve ensejar, como perfil desejado do
formando, capacitação e aptidão para compreender as questões científicas, técnicas,
sociais e econômicas da produção e de seu gerenciamento, observados níveis
graduais do processo de tomada de decisão, bem como para desenvolver
gerenciamento qualitativo e adequado, revelando a assimilação de novas
informações e apresentando flexibilidade intelectual e adaptabilidade
contextualizada no trato de situações diversas, presentes ou emergentes, nos vários
segmentos do campo de atuação do administrador (BRASIL, 2005, p. 1).
Como a identidade de uma organização está delineada na sua Missão e na sua Visão,
apresentaremos tais informações sobre as IES em estudo em capítulo específico.
No capítulo anterior mencionamos que as escolas, atualmente, não conseguem formar
os profissionais exigidos pelo mercado cabendo, então, às próprias organizações a
necessidade de oferta de treinamentos dos mais diversos. Os departamentos de Recursos
humanos ganham então força, a partir do momento que dedica esforços à identificação de
fragilidades e a proposição de treinamentos que as corrija.
Retoma-se tal situação nesta etapa deste trabalho pois, o cidadão que é bacharel em
Administração, deveria, portanto, conseguir efetivamente realizar suas atividades. Contudo, se
considerarmos que as últimas Diretrizes Curriculares Nacionais datam de 2005 e que a
evolução do mundo proveniente do aprofundamento das relações globais e das inovações
tecnológicas está muito rápido, presenciamos um descompasso entre políticas públicas
educacionais e a realidade.
88
As próprias DCNs, apesar de determinarem que tais cursos devem contemplar
conteúdos que revelem inter-relações com a realidade brasileira e mundial, estabelece, como
conteúdos:
I - Conteúdos de Formação Básica: relacionados com estudos antropológicos, sociológicos, filosóficos, psicológicos, ético-profissionais, políticos, comportamentais,
econômicos e contábeis, bem como os relacionados com as tecnologias da comunicação
e da informação e das ciências jurídicas; II - Conteúdos de Formação Profissional:
relacionados com as áreas específicas, envolvendo teorias da administração e das
organizações e a administração de recursos humanos, mercado e marketing, materiais,
produção e logística, financeira e orçamentária, sistemas de informações, planejamento
estratégico e serviços; III - Conteúdos de Estudos Quantitativos e suas Tecnologias:
abrangendo pesquisa operacional, teoria dos jogos, modelos matemáticos e estatísticos e
aplicação de tecnologias que contribuam para a definição e utilização de estratégias e
procedimentos inerentes à administração; e IV - Conteúdos de Formação Complementar: estudos opcionais de caráter transversal e interdisciplinar para o enriquecimento do perfil do formando (BRASIL, 2005, p. 2).
Portanto, situações atualmente vividas pelo mercado como as Startups (empresas de
base tecnológica), que definiram um novo mundo no que se refere a planejamento e gestão,
muito menos a criatividade e inovação, são contemplados por essas diretrizes.
Em capítulo anterior, mencionamos o fato de o aluno passar a ser considerado como
cliente e que este deslizamento norteia as estratégias das Instituições de Ensino. A
possibilidade do aluno escolher sua formação é definida pelos próprios instrumentos
avaliativos do Ministério da Educação que, especificamente no Instrumento de Autorização de
novos cursos, prevê a atribuição de nota máxima para aquelas estruturas curriculares,
previstas nos Projetos Político-pedagógicos – PPCs dos referidos cursos, consideram
a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a acessibilidade metodológica, a
compatibilidade da carga horária total (em horas-relógio), evidencia a articulação da
teoria com a prática, a oferta da disciplina de LIBRAS e mecanismos de
familiarização com a modalidade a distância (quando for o caso), explicita
claramente a articulação entre os componentes curriculares no percurso de formação
e apresenta elementos comprovadamente inovadores (BRASIL, 2017b, p. 11).
Ressalta-se que, apesar da Portaria nº 1.428 de 28 de dezembro de 2018 (SILVA,
2018) estabelecer que as IES que possuam no mínimo 01 curso reconhecido poderão ofertar
até 40% da carga horária total do curso na modalidade EAD, o Instrumento Avaliativo do
Ministério da Educação só avalia com nota 5, a máxima estabelecida, aquela Instituição que
evencia os mecanismos de familiarização com a modalidade à distância.
Sobre os PPCs, esses são estabelecidos pelas Diretrizes Curriculares que definem que
devem abranger, inclusive, o perfil do egresso, sendo apontado, neste caso, sobretudo, as
89
competências e habilidades que um administrador formado pelo curso deve demonstrar ter
adquirido/desenvolvido.
Sobre esse assunto, recorre-se a Veiga (1995) que discute o PPC como uma ferramenta
de constante reflexão, fruto de uma ação coletiva que instaura uma forma de organização do
trabalho pedagógico, tanto para a organização da própria escola, quanto para a organização da
sala de aula, do trabalho do professor, especialmente, de sua prática pedagógica. Estabelece,
também, que a “principal possibilidade de construção do projeto político-pedagógico passa
pela relativa autonomia da escola, de sua capacidade de delinear sua própria identidade. Isto
significa resgatar a escola como espaço público, lugar de debate, do diálogo, fundado na
reflexão coletiva” (VEIGA, 1995, p. 15).
3.4. O Curso de Bacharelado em Administração
O livro “50 Anos que fizeram História: jubileu de ouro” (BRASIL, 2015b) publicado
pelo Conselho Federal de Administração, afirma que o primeiro registo da Administração data
do século 5 a.C., quando, na Suméria, se criou um processo de planejamento para a
identificação de problemas e soluções voltadas para a prática do comércio. Após, no século 2
d.C., Cláudio Ptolomeu propõe um sistema econômico que, de acordo com estudiosos, só
pode ser operacionalizado com a aplicação da administração.
Da China antiga destacam-se dois legados importantes de administração pública: a
Constituição de Chow, com a definição de oito regulamentos para governar os diferentes setores do império, e as Regras de Administração Pública de Confúcio,
que destacavam a necessidade de um conhecimento da realidade objetiva para bem governar (BRASIL, 2015b, p. 17).
Fava (2008) discorre que a Ciência da Administração Moderna passou a ser estudada
após a Revolução Industrial e o consequente aumento da produção deste momento. Aumento
da produção este que gerou aumento da competitividade e da necessidade de gestão dos
negócios.
Divide, também, a história da Administração em três fases, a saber (FAVA, 2008):
Teocrática: os Administradores se diziam profetas e administravam enquanto
mandatários de Deus;
Empírito-prática: a experiência do Administrador sustentava a sua atuação. Aquilo que
funcionava era repetido;
90
Científica: as relações de causa e efeito passam a ser analisadas. A ciência passa a ser
aliada da arte de administrar. Taylor, principal expoente, defende o estudo de “Tempos
e Movimentos” como estratégia para aumento da produtividade.
Vários gênios emergiram desde então: Ford e os conceitos de “Linha de Produção”,
Fayol e a alegação de que administrar passa por “Planejamento, Organização, Comando,
Coordenação e Controle, a “Burocracia” de Weber, Mayo e a Escola das Relações Humanas,
Bertalanffy e a Teoria Geral dos Sistemas. Já a segunda metade do século XX vivenciou o
aparecimento da chamada escola Neoclássica e de conceitos como “Corporações”, “Gestão
por Metas e Objetivos”, “Reengenharia e Redesenho de Processos”, “Qualidade Total”, entre
outros.
Há, também, o advento do “Modelo Japonês” de Administração, com foco na redução
de desperdícios, na fabricação enxuta. As “Learning Organization” ou “Organizações que
Aprendem” e a “Administração Empreendedora” nascem na mesma década, em que o
conceito de “Qualidade de Vida no Trabalho” ganha espaço. Maximiano (2004) aponta o
aparecimento da “Administração Virtual” e da “Gestão do Conhecimento”.
A evolução da tecnologia da informação por nós vivenciada no século XXI trouxe,
consigo, uma enorme revolução no perfil da concorrência. Os negócios locais passaram a
competir com negócios localizados em todas as partes do mundo. Sites como eBay, Ali
Express, entre outros, unem vendedores e consumidores. Uma grande quantidade de cursos de
Administração são criados pelo Brasil e pelo mundo.
Nogueira (2015), recorrendo a Souza-e-Silva e a Faita (2002), aponta que a linguagem
corporativa passou por transformações, acompanhando esse movimento de globalização: a
produtividade substituiu a ideia de Taylor (apesar da percepção de uma certa racionalização)
de que falar levava a uma perda de tempo que poderia ser utilizada no processo produtivo.
Para Souza-e Silva e Faita (2002)
as novas formas de gestão (implementadas pelos programas de qualidade total), têm a
tendência de atribuir aos trabalhadores alguns direitos, como o de escrever no jornal da
empresa, o de propiciar a discussão entre os pares e a negociação entre as equipes,
diferentemente das organizações tayloristas em que a reflexão sobre o trabalho era
reservada somente à hierarquia (NOGUEIRA apud SOUZA-E-SILVA, 2015, p. 19).
91
A autora também aponta que o discurso de gestão está na base do que seria a maior
expressão do “novo espírito do capitalismo”, a serviço da divulgação de novos modelos de
organização do trabalho, e publicizando a ideia de clima organizacional e as relações de
trabalho. “O modo como a noção de participação é tratada na literatura da gestão empresarial
mostra bem o apagamento” do conflito capital x trabalho (NOGUEIRA, 2015, p. 26).
Castro (1981) argumenta que o primeiro curso de Administração surgiu nos Estados
Unidos em 1881, o Curso da Wharton School. No Brasil, o primeiro registro da utilização do
termo “Administrador” com uma conotação comercial foi em 1850 com a assinatura, pelo
Imperador Pedro II, da Lei nº 556, que instituía o Código Comercial do Império do Brasil.
Foi apenas na década de 50 que surgiram os primeiros cursos de administração do
país, o da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, em 1952,
e o da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, em 1954. O principal objetivo
desses cursos era o de “gerar pessoas corretamente qualificadas para as posições
convencionalmente chamadas de gerenciais ou executivas” (CASTRO, 1981, p. 2).
O surto de ensino superior, e em especial o de Administração, é fruto da relação que
existe, de forma orgânica, entre essa expansão e o tipo de desenvolvimento
econômico adotado após 1964, calcado na tendência para a grande empresa. Nesse
contexto, tais empresas, equipadas com tecnologia complexa e com um crescente
grau de burocratização, passam a requerer mão-de-obra de nível superior para lidar
com essa realidade (BRASIL, 2015a, p. 2).
A profissão foi regulamentada em 1965, através da Lei nº 4.769. Já em 2017, fruto da
demanda crescente por mão-de-obra qualificada existiam, no Brasil, 1.568 Instituições de
Ensino que ofereciam 2.170 cursos, com 682.555 alunos matriculados (BRASIL, 2017c).
Desde a vinda de imigrantes para o Brasil, após a abolição da escravatura e o aumento da
demanda por estes profissionais, passando pelo boom econômico e o liberalismo da era Juscelino
Kubitschek, até o milagre econômico da década de 70, a demanda por administradores aptos e
qualificados a trabalhar e contribuir para com o crescimento econômico das grandes empresas e
corporações, sempre existiu. A situação continua pós década de 1990, com a Abertura Comercial
da era Collor e com a irrefutável inserção brasileira nas relações globais, fruto, inclusive, do
desenvolvimento de cada vez mais modernas tecnologias da informação
92
Se consideradas as habilitações11, havia, também em 2017, 1.853 Instituições de
Ensino que ofereciam 2.539 cursos, com 772.941 alunos matriculados. Desse total, três
instituições, todas privadas, oferecem o Curso de Administração na microrregião de Varginha:
UNINCOR, UNIS e FACECA.
Na primeira década do século XXI foram regulamentados, também, os Cursos
Tecnólogos em Administração, com a aprovação pelo Ministério da Educação e Cultura, em
2006, da primeira versão do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia.
Se somadas, agora, as IES que oferecem o curso de Administração e Tecnólogos, o
número de Instituições chega a 1.774, totalizando 5.134 cursos e um total de 1.214.637 alunos
matriculados. A concorrência se faz presente.
A participação do capital privado, da educação transformada em Ensino S.A., também
fica evidente, se considerarmos que do total de 1.774 Instituições de Ensino ofertantes desses
cursos, apenas 215 são públicas, ou seja, um pouco mais de 12%. Dos 5.134 cursos, apenas
669 são ofertadas por instituições públicas, fato que também demonstra a força das relações
neoliberais.
Neste ponto desta pesquisa, retomamos o Artigo 205 da Constituição Federal (BRASIL,
1998), anteriormente citada. Se a educação é um dever do Estado e da família e objetiva o pleno
desenvolvimento da pessoa, seja para o exercício da cidadania ou para a execução de atividades
profissionais, as informações sobre o Administrador e sua carreira até aqui citadas, demonstram
apenas o foco no trabalho, na produtividade, nas relações de mercado.
O que é no mínimo intrigante é que o desenvolvimento do ser humano, do cidadão,
capaz de contribuir para com a sua sociedade, não está presente, nem nas Diretrizes
Curriculares Nacionais que regem tais cursos. O artigo 4º estabelece que o profissional deve,
ao final, do curso, apresentar as seguintes competências e habilidades:
I - reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e
generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o
processo da tomada de decisão; II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais; III - refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento; IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e
11 Administração de Cooperativas, Administração dos Serviços de Saúde, Administração em micro e pequenas empresas, Administração Hospitalar, Administração Pública.
93
formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais; V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa,
vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional; VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável; VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais (BRASIL, 2005, p. 2).
Pode-se perceber:
reconhecer problemas, buscar soluções, tomar decisões, para a melhoria do processo
produtivo;
desenvolver comunicação e expressão para o desenvolvimento da atividades
profissionais e do processo de negociação;
refletir criticamente sobre processos produtivos;
ter iniciativa e vontade de aprender para o exercício de suas atividades profissionais;
transferir conhecimento da vida para o ambiente de trabalho e não o contrário;
ser capaz de propor projetos para as organizações;
ser capaz de oferecer consultoria em gestão e administração.
O único parágrafo que pode se aproximar do estabelecido na Constituição Federal e dos
objetivos da educação é o de número III. Contudo, a presença do interdiscurso permite afirmar
que o objetivo é apenas a qualificação profissional, o desenvolvimento de competências e
habilidades, para enfrentar situações impostas pelo cotidiano social, ou seja, preparar-se para
as influências sociais sobre as relações neoliberais: a profissão está à serviço do mercado. As
instituições de ensino e seus cursos de Administração, aparelhos ideológicos do Estado, como
discorreremos posteriormente.
Sobre o perfil dos Administradores, uma pesquisa nacional do sistema CFA/CRA
mostra que a maioria dos profissionais (ANGRAD, 2015):
São do sexo masculino, casado e com dependentes;
tem entre 31 e 35 anos;
94
formou em universidades particulares, entre os anos de 2006 e 2015
possui especialização em alguma área de Administração;
trabalha em empresas de grande porte, no setor industrial;
tem carteira assinada e ocupa cargos de gerência ou analista;
atua na área de Administração e/ou Planeamento Estratégico;
possui renda média mensal de 9,2 salários mínimos.
Como o objetivo desta etapa da pesquisa é contextualizar o curso de Administração, sua
história, além do perfil do Administrador, optou-se por apresentar, abaixo, a oração do
Administrador, criada por Rui Ribeiro de Araújo ([s.d.], p. 1, grifo do autor):
Senhor, diante das organizações devo ter CONSCIÊNCIA de minhas responsabilidades como ADMINISTRADOR. Reconheço minhas limitações, mas humildemente, junto com meus companheiros de trabalho busco o consenso para alcançar a SOLUÇÃO e tornar o trabalho menos penoso e mais produtivo: Senhor, despido de egoísmo quero crescer, fazendo crescer, também, os que me cercam e que são a razão de minha escolha profissional; Senhor, ADMINISTRE o meu coração para que ele siga o caminho do bem, pois, a
mim caberá realizar obras sadias para tornar as organizações cada vez melhores e mais humanas.
A própria oração do Administrador, acima transcrita, mostra esta relação de subserviência
mercado x profissão x educação, ao afirmar que “busco alcançar a solução para tornar o trabalho
menos penoso, ou ainda, que o meu coração siga o caminho do bem para transformar as
organizações melhores e mais humanas” (ARAÚJO, [s.d.], p. 1, grifo nosso). Além de
percebermos que há, na oração, um pré-construído de que o trabalho é penoso e desumano, outras
perguntas são pertinentes: qual solução? Solução para quem? Organização melhor é aquela que
melhor cuida do seu profissional ou aquela que dá mais resultado ou lucro?
O enfoque profissional também é ressaltado no juramento da Administração que,
apesar de prever o desenvolvimento do homem e da pátria, prevê, principalmente, o
aperfeiçoamento da ciência e o desenvolvimento das instituições. (BRASIL, [s.d.])
Ressaltamos que a preocupação com o humanismo se encontra na escola das relações
humanas de John Mayo, na primeira metade do século XX. Maximiano (2004) afirma que,
entre as conclusões de Mayo, está a de que o comportamento do funcionário determinava a
95
produtividade. Portanto, tratá-lo bem resultaria em melhor desempenho. “Bom tratamento,
bom desempenho” (MAXIMIANO, 2004, p. 62).
Aponta-se, enfim, que o indivíduo formado em Administração é um bacharel. Para
entender este significado, recorremos a definições disponibilizadas no site do Centro
Universitário São Camilo que diz que os cursos de bacharelado, especificamente, “habilitam o
profissional a exercer sua profissão na área que escolheu, ocupando funções relacionadas a
essa área no mercado de trabalho” (CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO, 2018, p. 1),
enfim, mais um argumento em prol da única e específica preparação do cidadão para atender
ao mercado de trabalho. É o mercado de trabalho que direciona o ensino e não o contrário.
3.5. Competitividade entre os cursos de bacharelado em Administração
Como proposto neste trabalho, o objetivo é analisar as discursividades presentes nas
campanhas publicitárias de Instituições de Ensino, que oferecem o Curso de Administração em
Varginha, além da UNINCOR, localizada em Três Corações. Portanto, para melhor entender a
competitividade existente na região, apresentamos, a seguir, todas as Instituições de Ensino
autorizadas pelo Ministério da Educação que oferecem tal curso na região delimitada.
Quadro 7 – Cursos de Administração Autorizados
Cidade Curso Presencial Cursos EAD e/ou híbridos
Três Corações UNINCOR FAJ
UNIS
Centro Universitário Estácio
de Ribeirão Preto
SENACSP
UCB
UNISUL
UNIMES
UNIP
UNINCOR
Varginha FACECA UNICNEC
96
UNIS UNICESUMAR
UNIS-MG
UNIFACVEST
UNIFAVIP WYDEN
UNINTER
SENACSP
FAEL
IBMEC SP
UNIFRAN
UNESA
UNIMES
UNIP
Fonte: o autor adaptado de (BRASIL, 2018b)
O levantamento acima mostra que existem 25 Instituições de Ensino autorizadas a
ofertar o Curso de Administração nas cidades de Varginha e Três Corações, sendo 03 na
modalidade presencial e 22 na modalidade EAD ou híbrida; um mercado altamente
competitivo.
Retomando o ENADE, este exame acabou se constituindo em uma ferramenta de
acirramento desta concorrência, sendo que o resultado alcançado pelos alunos constituiu-se
não apenas em um diagnóstico para a promoção de melhorias qualitativas da educação, mas
tornou-se uma estratégia mercadológica, uma diferenciação na atração de alunos. Sobre este
assunto, Pfeiffer afirma que
nesse processo, as identidades sociais são forjadas na lógica das performances
(desempenhos) a serem expressas, conferindo ao conhecimento a relação restrita
com o que pode adquirir visibilidade nos desempenhos a serem medidos. O valor de
troca do conhecimento se sobrepõe ao seu valor de uso, pois é constituído um
mercado no qual os desempenhos devem ser visíveis para serem trocados por
benefícios sociais (PFEIFFER, 2010, p. 90).
Sobre o mercado, Pereira (2009, p, 15) defende que há um mecanismo de coordenação
econômica fundamentado na competição, “essencialmente por lucro das empresas, mas
também por melhores salários e melhores ordenados para os trabalhadores e os profissionais”
Tal concorrência permite que peças publicitárias como a abaixo recortada sejam
produzidas:
97
Recorte 7 – Vestibular UNOPAR, 2018
Fonte:(UNOPAR, 2018)
Percebe-se que o preço (1ª mensalidade a R$ 59,00) é altamente apelativo, além da
possibilidade de inscrição no processo seletivo sem o pagamento de taxa alguma, apenas com a
doação de 01 quilo de alimento. Não pode ser encontrada nenhuma discursividade que remeta
à questão de qualidade, seja com a formação para o mercado de trabalho ou, ainda, a
formação do cidadão para a vida.
Trata-se de mais um recorte em que a educação é posta à venda enquanto uma simples
mercadoria. Há uma grande tentativa de aproximação com o leitor, seja pela utilização de
emoticons, uma estratégia de comunicação paralinguística, ou pela utilização, pelos dois
modelos, de tablet e notebook, característica de uma geração dita digital e que, de certa forma,
naturaliza e reforça o ensino em sua modalidade a distância. A inserção digital busca uma
aproximação com a geração alvo da propaganda.
Chama a atenção no recorte, o trecho: “esta oferta não é válida para os cursos de
Medicina, Medicina Veterinária e Odontologia” provavelmente por serem cursos presenciais,
e com um custo operacional mais alto, ou, ainda, cursos de grande demanda. Contudo, não há
informação alguma sobre os preços desses cursos ou a possibilidade de realizar o vestibular
gratuitamente.
A sentença “É neste sábado!” é um exemplo concreto da opacidade da linguagem, já que
busca trazer o sentido de “ainda dá tempo”, ao invés do provável real sentido de liquidação.
Liquidação, pois, como há uma necessidade de sobrevivência econômica do “enchimento” de
salas de aula (ou neste caso, de “ambientes virtuais”), liquidações de última hora, seja com a
mensalidade a R$ 59,00 ou com inscrições gratuitas, podem garantir tal sustentabilidade.
98
A ideia de corporação também está presente. Apesar da não presença do logo da IES, a
utilização de suas cores, o vermelho e o azul, remetem a ela. Ressalta-se, inclusive, que este é
um banner disponível na página da própria UNOPAR.
Discorreremos, a seguir, sobre cada um dos cursos presenciais objeto deste estudo:
3.5.1. FACECA
A FACECA – Faculdade CNEC Varginha é uma Instituição de Ensino Superior
Filantrópica e Comunitária, mantida pela Rede CNEC. Tem, como missão, “promover a
formação integral das pessoas, oferecendo educação de excelência com compromisso social”
(FACECA, 2013, p. 1).
Oferta o Curso de Administração mais antigo da região, com a primeira turma ofertada
em 1971 e reconhecido pelo Ministério da Educação em 1975. Especificamente sobre o Curso
de Administração, foi estabelecido no PPC – Projeto Político Pedagógico (FACECA, 2015),
as seguintes informações:
Objetivo Geral
Oferecer ao mercado profissionais que detenham conhecimento, habilidades e
atitudes, que se mostrem capazes de enfrentar os desafios a serem enfrentados pelas
organizações empresariais e sociais. Para alcançar seu objetivo, desenvolve
competências e habilidades ao graduando na sua formação para haver a justaposição
entre metodologia de ensino e a concepção do Curso (FACECA, 2015, p. 47).
Objetivos Específicos
Formar profissionais: com formação humanística e visão global que o habilite a compreender o meio
social, político, econômico e cultural onde está inserido, e a tomar decisões em um mundo diversificado e interdependente;
com capacidade de reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão;
com capacidade de desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais;
com capacidade de atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento;
com capacidade de desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais
99
entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais;
que tem iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional;
que tenham a capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável;
que possam elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; que desenvolvam a capacidade para realizar consultoria em gestão e
administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais;
que se adaptem às constantes mudanças organizacionais, na sociedade e no mercado de trabalho;
tenham competência para empreender, analisando criticamente as organizações, identificando tanto dificuldades como oportunidades, antecipando e promovendo suas transformações;
tenham capacidade de coordenar, liderar e atuar em equipes interdisciplinares; que possam contribuir para com o desenvolvimento da comunidade local e
regional, através de atitudes que empreendam a Responsabilidade Social (FACECA, 2015, p. 47).
Perfil Profissional do Egresso
Seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais, o Curso de Administração da
Faculdade CNEC Varginha objetiva formar um profissional (FACECA, 2015, p. 48):
com formação humanística e visão global que o habilite a compreender o meio social, político, econômico e cultural onde está inserido, e a tomar decisões em um mundo diversificado e interdependente;
com capacidade de reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão;
com capacidade de desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais;
com capacidade de atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento;
com capacidade de desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais;
que tem iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional;
que tenham a capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável;
que possam elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações;
100
que desenvolvam a capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais;
que se adaptem às constantes mudanças organizacionais, na sociedade e no mercado de trabalho;
tenham competência para empreender, analisando criticamente as organizações, identificando tanto dificuldades como oportunidades, antecipando e promovendo suas transformações;
tenham capacidade de coordenar, liderar e atuar em equipes interdisciplinares; que possam contribuir para com o desenvolvimento da comunidade local e
regional, através de atitudes que empreendam a Responsabilidade Social.
3.5.2. UNIS
O UNIS - Centro Universitário mantido pela Fundação de Ensino e Pesquisa do Sul de
Minas – FEPESMIG, oferta o curso de Administração com ênfase em Comércio Exterior
desde o ano de 2002.
Por meio da Resolução nº 4, em 2005, o MEC definiu que as linhas de formação
específica, nas diversas áreas da Administração, não poderão mais constituir uma extensão ao
nome do curso, nem se caracterizarem como uma habilitação, devendo apenas constar no
projeto pedagógico (BRASIL, 2005).
A Instituição tem, como missão “formar pessoas socialmente responsáveis, em
diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para o desenvolvimento das regiões em que
atua” (UNIS, 2014, p. 1).
Perfil profissional do egresso12
O Administrador deve ser um profissional capaz de prever problemas e antecipar
decisões no contexto geral dos negócios, atuando com autonomia em equipes estruturadas sob
óptica de um aprendizado contínuo, compartilhando e disseminando por toda a organização;
incorporar princípios humanísticos em seus relacionamentos que leve a uma relação mais
próxima com o mercado de trabalho e o setor produtivo. Deve ainda:
1. Reconhecer e definir problemas;
2. Equacionar soluções;
12 Como não conseguimos acesso ao PPC do Curso de Administração do UNIS, retiramos as informações transcritas neste trabalho do seu site institucional (UNIS, [s.d.])
101
3. Pensar estrategicamente;
4. Introduzir modificações no processo produtivo;
5. Atuar preventivamente;
6. Transferir e generalizar conhecimentos;
7. Exercer em diferentes graus de complexidade o processo da tomada de decisão;
8. Desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional;
9. Refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção;
10. Desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e
formulações matemáticas;
11. Ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade
de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas
do seu exercício profissional;
12. Desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência
cotidianas para o ambiente de trabalho;
13. Desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em
organizações;
14. Desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e
perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais.
Devido à especificidade do curso, estabelece, também, que o profissional formado em
Administração pelo Centro Universitário do Sul de Minas deve “ser um profundo conhecedor das
práticas comerciais entre as nações, sabendo analisar o ambiente global, perceber oportunidades e
atuar de maneira proativa, buscando os objetivos organizacionais em negócios internacionais”
(UNIS, [s.d.], p. 1). Ressalta-se, neste perfil, o léxico neoliberal “proativo”.
3.5.3. UNINCOR
A Universidade Vale do Rio Verde foi fundada em 1965 e tem Campi em Belo
Horizonte, Betim, Caxambu, Pará de Minas, Três Corações, além de marcante atuação na
educação à distância. Iniciou a oferta do seu curso de Administração em 1975.
102
Como também não tivemos acesso ao PPC do Curso, retiramos as informações que
seguem do site institucional
Missão
“Promover e disseminar o conhecimento com responsabilidade em suas áreas de
atuação, formando profissionais de alta qualidade, aptos para o mercado de trabalho e
comprometidos com a vida, ética, sociedade e o meio ambiente” (UNINCOR, [s.d.], p. 1).
Perfil do Egresso e objetivo
O Curso de Administração da UNINCOR busca “habilitar o egresso ao gerenciamento
à assimilação de novas informações, apresentando flexibilidade e competência no trato de
situações adversas presentes ou emergentes no campo de atuação do administrador”.
(UNINCOR, [s.d.], p. 1)
Tem, também, como objetivo, “formar profissionais empreendedores capazes de
implementar, gerenciar, manter e desenvolver continuamente organizações, que sejam
comprometidas com o desenvolvimento sustentável local, regional e nacional” (UNINCOR,
[s.d.], p. 1).
Percebe-se que os perfis do egresso estabelecidos pelas três Instituições de Ensino
refletem, em suma, as determinações das Diretrizes Curriculares Nacionais, legislação que
regula tal curso e estão de acordo com as demandas mercadológicas por mão de obra
qualificada. Ressaltamos que as DCNs, que regulamentam o curso de Administração, como
anteriormente transcrito, não contemplam a formação do cidadão, conforme determinando
tanto pelo artigo 25 da Constituição Federal, quanto pelo artigo 43 da LDB.
Referente às missões aqui recortadas, enquanto o enfoque da UNINCOR é pela
formação de profissionais, a missão do UNIS e da FACECA destaca a formação da pessoa e a
responsabilidade social. Contudo, o perfil do Curso de Administração do UNIS define apenas
a formação de profissionais.
103
Quanto à FACECA, apesar do perfil do egresso tender à formação profissional, é
relatado o desenvolvimento de competências e habilidades voltadas ao desenvolvimento
regional, com responsabilidade social.
104
4. AS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DAS IES EM ESTUDO
4.1.O Discurso Publicitário
Nascemos em uma sociedade de consumo e, historicamente fomos programados para
consumir os bens e serviços produzidos por esta realidade globalizada e neoliberal que nos
cerca.
Silva (2014, p. 8) defende que “consumir é a forma mais rápida e eficaz de ter, e numa
sociedade com abundância produtiva, esses dois verbos (ser e ter) viram sinônimos
absolutos”. Então, se consumir é a forma mais rápida e eficaz de ter, consumir é a forma mais
rápida e eficaz de ser, ou para ser, ou para ter, a forma mais rápida é através do consumo.
Nesta sociedade consumista,
o modo ser de existir é desestimulado de todas as maneiras, pois ser não demanda
consumo nem a obtenção de lucros. Uma pessoa satisfeita com a sua aparência, com
seu ofício, com seus afetos e valores éticos não necessita consumir (de forma
abusiva e/ou compulsiva) cosméticos, cirurgias, plásticas, namorados e/ou
namoradas da hora ou títulos de bons cidadãos em instituições de visibilidade social
(SILVA, 2014, p. 14).
Inclusive, o “ter” assujeita o cidadão. Tragtenberg (2005) defende que cada um tem a
sua visão de mundo afetada pelo fato de ser ou não proprietário de meios de produção,
dependendo de sua situação mais ou menos lucrativa, se possui mais ou menos poder sobre os
outros, se procurar proteger sua propriedade e seu poder, ou se procura conquistá-los para si
ou para a coletividade
Tragtenberg (2005, p. 122) também discorre sobre o assunto, ao afirmar que “no
capitalismo desenvolvido, a classe trabalhadora é mercado consumidor importante para a
produção industrial de bens duráveis”. Nesse mesmo capitalismo moderno, esse consumidor é
submetido, em vários casos, a condições degradantes de trabalho, onde atos como ir ao
banheiro, almoçar ou descansar, são avaliadas em prol de ganhos de competitividade.
Telma Domingues da Silva (2009, p. 9) reflete sobre o consumo, argumentando que
ele implica em um reconhecimento não-reflexivo, normalmente por impulso, que é também
assim tomado pelo sujeito: “não necessita esforço, trabalho simbólico, pede apenas que seja
facilmente engolido incorporado, permanecendo-se, desse modo, na ordem de um imaginário
já-produzido, que não (se) afetaria pelo real do produto ou do consumo”.
105
A publicidade massifica o consumismo, dita o modo “ter” de viver. A utilização, em
uma campanha publicitária, de um produto por parte de uma celebridade gera um sentido de
sucesso, de qualidade, de necessidade, de posse. Nessa perspectiva, a simples mercantilização
desloca-se, pela opacidade da linguagem, para um sentimento, um efeito de sentido de
realização de sucesso pessoal.
Sobre este assunto, Tragtenberg (2005) afirma que o poder contemporâneo manipula
os indivíduos, infantilizando-os e pervertendo-os pelo álcool, fumo, por monopólios do
Estado, pela publicidade, pornografia, baixo nível da cultura de massa.
Silva defende (2009, p. 2) que a publicidade exerce um papel essencial nesta sociedade
de consumo, criando necessidades de consumo e “posicionando o público consumidor em
determinados lugares na relação com os anunciantes dos textos publicitários”. O mercado,
então, atribui à mídia um papel de grande valor, já que “traduz de forma sutil e imperativa a
ideologia presente na sociedade capitalista moderna, que é a de consumo a qualquer preço”
(AOKI; SOUZA; TFOUNI, 2010, p. 2). Mais um poder se estabelece: o poder da mídia.
a linguagem publicitária, enquanto uma ferramenta de marketing de organizações complexas do capitalismo moderno, é capaz de provocar efeitos de sentidos,
despertando nos públicos destinatários reações empáticas compatíveis com as
intencionalidades dos anunciantes e das agências de circulação de capital (NISHIYAMA, 2010, p. 585).
Já que dedicamos os parágrafos acima ao consumo e ao papel da publicidade,
recorremos a Gomes para entender a diferença entre publicidade e propaganda. O autor
(GOMES, 2001) diz que a publicidade nasceu após a revolução industrial, já que uma
produção em massa demandava “vendas em massa”. Assume, então, a publicidade um papel
fundamental, já que pode ser definida como a “atividade mediante a qual bens de consumo e
serviços que estão à venda se dão a conhecer, tentando convencer o público da vantagem de
adquiri-los” (GOMES, 2001, p. 115).
Com relação à propaganda, Gomes (2001, p. 117) a define como a “expressão de uma
opinião por indivíduos ou grupos, deliberadamente orientada a influir opiniões ou ações de
outros indivíduos ou grupos para fins predeterminados”. Exemplifica que a propaganda já
havia sido usada no século XIV, pela igreja católica, para combater o avanço do luteranismo
e, ao mesmo tempo, expandir o catolicismo. Seu uso se dava, portanto, enquanto ferramenta
de divulgação de uma ideologia.
106
Tanto a publicidade quanto a propaganda, enquanto técnicas de comunicação
persuasiva, usam a mídia como canal para atingir seus objetivos. Sobre a mídia, Gregolin
(2007) afirma que atualmente ela é o principal instrumento da construção da “história do
presente”, um acontecimento que tenciona o esquecimento e a memória, formatando a
historicidade que nos atravessa e constitui, sendo que estamos constantemente submetidos a
interpretações dessas mensagens midiáticas.
Sobre a mídia, Medeiros (2014, p. 65) defende que ela tem
papel determinante no processo de difusão de saberes e valores na sociedade
contemporânea. No caso da mídia, como lugar de circulação de sentidos, se o controle
não ocorre pela via da vigilância repressora da presença e da ordenação do olhar de
sujeitos em presença, se dá na emergência de modelos de realidade; no agenciamento da
consciência, como promotora de gestos de interpretação, (re)produtora de fatos de
linguagem, de posições-sujeito atuantes na esfera de organização social.
Referindo-se ao discurso publicitário, Leite (2015) postula que ele é um dos que mais
trabalha as relações entre imagem e texto, utilizando-se de imagens e textos sedutores e
persuasivos, levando os sujeitos ao encantamento e à adesão a um mundo esteticamente
construído e bem elaborado, ao consumo.
Apesar de haver uma linha de pensamento que defende que essa mesma sociedade de
consumo, advinda com a revolução industrial e disseminada após a cultura do “jeito americano de
viver”, está em esgotamento, seja por questões ambientais ou econômicas, a cada dia que passa
somos bombardeados com propagandas de novos e supostamente melhores produtos.
Tamanha é a enxurrada de informações a que somos rotineiramente expostos, e
tamanho é o cenário de incerteza ao qual estamos submetidos, que para que a linguagem
midiática tenha uma performance de linguagem, há a necessidade de “impressionar os
interlocutores e de convencê-los através da produção de evidências de sentidos” (PAYER,
2005, p. 12). Discute, também, que o leitor deveria ser criativo em suas práticas, e não apenas
produtivo, como assim quer o mercado.
Muitas peças publicitárias se utilizam dos provérbios, fórmulas fixas da língua, que
buscam produzir dados efeitos de sentido no sujeito leitor/consumidor (CASSOL, 2013, p.
12). Essa repetição constante de sentidos é definida, por Orlandi, como memória metálica,
aquela produzida pela mídia e distribuída em série, na forma de acúmulo, adição. “O que foi
dito aqui e ali e mais além vai-se juntando como se formasse uma rede de filiação e não
apenas uma soma. Quantidade e não historicidade" (ORLANDI apud BARRETO, 2006, p. 5).
107
O discurso publicitário, consolida a união entre palavras e imagens, com seus objetivos
de conquistar e seduzir pois há, neste contexto, uma relação entre um objeto que se deseja
vender e um sujeito que deseja comprar e ao qual é atribuído um potencial de comprar, um
poder de compra. Acontece, nesse momento, a persuasão (PEREIRA, 2018).
Nishiyama (2010, p. 588) defende que os jovens, que normalmente constituem-se em
público-alvo das campanhas publicitárias das Instituições de Ensino Superior, são
profundamente impactados por essa experiência midiática, já que que a publicidade, através
da linguagem persuasiva, manipula o imaginário, estandardizando os produtos, através dos
quais “as pessoas são incorporadas ao mercado e estimuladas a se identificarem com as suas
mercadorias”.
Apesar de serem discutidas oportunamente, verificamos que a teoria aqui colocada
pode ser identificada nas campanhas propostas, desde o efeito de poder do “futuro
consumidor”, com discursividades do tipo “eu posso” ou ainda evocando um imaginário de
sucesso profissional e social (“seja do tamanho dos seus sonhos” ou “seja do mundo” ou,
ainda, “eu faço o meu futuro acontecer”).
Se eu “faço o meu futuro acontecer”13
(FACECA, 2016) ou se eu sou do tamanho dos
meus sonhos (recorte 8) tenho, portanto, poder, a imaginária liberdade de escolha (recorte 13).
Sobre esse assunto, Silva (2015) diz que a mídia está se tornando libertária, incentivando o
consumidor a exercer tal liberdade, a se expressar.
A mídia tem a função de contestar os estereótipos. Não se trata de impor ao sujeito um
jeito de ser, mas de convencê-lo que determinado produto expressa sua individualidade.
O valor não está no produto, mas na subjetividade a ele associada. O produto é
apresentado como ferramenta destinada à construção de si (SILVA, 2015,
p. 183).
É como se faltasse a liberdade, se faltasse a minha capacidade de sonhar. E Aoki,
Souza e Tfouni afirmam que as propagandas “apóiam-se na falta como condição fundante do
sujeito, falta essa que funda o sujeito como tal e o move por toda a vida” (2010, p. 11).
A sociedade urbana moderna, industrializada, democratizada e de mercado, é
significada pela televisão brasileira, sendo diferenciados o discurso industrial (aquele que
institucionaliza o sujeito) do discurso publicitário (que o singulariza, que vende imagens, não
produtos).
13 Discursividade presente nas peças publicitárias do Vestibular FACECA 2017.
108
Dela Silva e Teixeira (2014), ao refletir sobre o “sujeito consumidor”, pensa a mídia
como um espaço de produção e circulação de sentidos, e, consequentemente, de constituição
de posições sujeito. E é essa posição de sujeito consumidor que institui a posição de sujeito
telespectador, que “crê na origem de si e de suas vontades, capaz de tudo dizer e livre para
fazer as suas escolhas” (DELA SILVA; TEIXEIRA, 2014, p. 160). E esse sujeito consumidor
é constituído pela própria publicidade que, com frequência, se utiliza de “já-ditos” para
formular seu discurso.
O discurso publicitário está presente em nossas TVs, revistas e, principalmente, redes
sociais. Especificamente sobre a Televisão, Silva (2009, p. 4) diz que ela “institucionaliza-se
no contexto da ideologia desenvolvimentista: um ‘modo de vida urbano’ se impõe, por
exemplo, através do consumo de produtos industrializados”. Afirma, também, que, no Brasil,
o avanço da mídia eletrônica “remete ao processo de urbanização, no momento em que este se
intensifica no país. O empresariado, em expansão, identifica-se ao que ocorria em outros
países, os chamados países desenvolvidos, e mostra seu interesse na promoção de uma
modernidade ‘cultural’ ” (SILVA, 2009, p. 4, grifo do autor).
Ir, pois, da televisão para a internet, seria, no imaginário da comunicação contemporânea, ir de um meio de comunicação passivo para um meio de
comunicação interativo;[...] a interatividade do leitor-navegador, sendo que apenas a
menção do site no anúncio na televisão já é uma forma de se produzir esse efeito de qualificação do consumo. (SILVA, 2009, p. 11, grifo do autor).
E nas inovações tecnológicas e nas redes sociais, a mídia achou um ambiente fértil
para conquistar um papel de grande importância na sociedade, produzindo sentidos,
constituindo sujeitos, afetando as relações sociais, possibilitando que o sujeito crie novas
formas de representação da sua conexão com a sua realidade.
Por outras palavras, os ‘efeitos de poder’ da ‘analítica da midiatização’ inscrevem-se
na própria organização societária, colocando-se como referência para a organização
discursiva e as operações de inteligibilidade das práticas sociais. Atravessam-nas,
permeando suas ‘políticas de sentido’, tanto em situação de produção como também
junto àquelas sobre as quais se assentam as possibilidades do seu reconhecimento. A
midiatização institui um novo ‘feixe de relações’, engendradas em operações sobre
as quais se desenvolvem novos processos de afetações entre as instituições e os
atores sociais (FAUSTO NETO, 2015, p. 96).
Enfim, vale refletir se na busca por esse suposto sucesso, vendido pela linguagem
publicitária e determinada pela ideologia neoliberal, não “estamos embarcando nas evidências
109
criadas pelos enunciados mercadológicos, ao invés de nos relacionarmos criticamente com
elas” (PAYER, 2005, p. 23). Se não estamos cegamente nos entregando ao poder do mercado.
Pêcheux apresenta o conceito de “guerra ideológica”, caracterizando as diversas
“operações midiáticas de massa desenvolvidas (em média de maneira eficaz) pela grande
burguesia multinacional contra tudo o que resiste a sua política. A ideia subjacente é que é
preciso responder por uma contra-propaganda ainda mais eficaz: à guerra como na guerra...”
(2011, p. 73).
Especificamente sobre a linguagem midiática na educação, Castro (2013, p. 246)
afirma que “os alunos não têm como discernir o que é bom ou ruim quase por definição, mas
compram uma formação, ou seja, critérios, informação e uma capacitação que não tem. A
escolha correta nessas circunstâncias depende da informação disponível” e esses critérios de
educação, quase nunca, estão disponíveis. A linguagem é opaca... a linguagem publicitária
utilizada pelas Instituições de ensino, ainda mais.
O que acontece é o contrário: as instituições bombardeiam os estudantes com
suas estratégias de marketing sobre preço baixo, ingresso fácil e uma demanda
acadêmica pequena para a obtenção do grau. Em alguns casos, essa estratégia faz
sentido para estudante – quando, por exemplo, ele só precisa de um diploma para
conseguir uma promoção num emprego público. À medida que o mercado de
trabalho vai ficando mais competitivo, entretanto, esse tipo de estratégia acaba
sendo um tiro que sai pela culatra (CASTRO, 1981, p. 250).
Este “bombardeio” é colocado, por Pêcheux, como estratégia para a manipulação das
massas, já que o “Estado capitalista moderno passou a ser mestre na arte de agir à distância
sobre as massas. É esta toda a arte da propaganda, e esta arte (arma) não poderia virar-se,
como tal, a serviço do proletariado e das massas” (PÊCHEUX, 2011, p. 91).
4.2.Análise das Campanhas
Conforme já mencionamos, as análises conseguintes buscam compreender os processos de
significação, com base na perspectiva da Análise de Discurso Pecheutiana. Pretendemos analisar
como algumas textualidades de recortes publicitários de três IES privadas, da região do Sul de
Minas, que oferecem o curso de Administração, podem produzir discursividades (produzir
identificações, efeitos de verdade?) a partir da relação de constituição de sentidos com a
exterioridade. Assim, algumas discursividades são postas em funcionamento, providas de
110
textos diversificados que são afetados por condições de produção, relações de poder,
formações discursivas e posições-sujeito.
O primeiro recorte analisado é uma peça universitária da IES UNINCOR. Vejamos:
Recorte 8 – Vestibular UNINCOR 2017
Fonte: (UNINCOR, 2016)
Contemplamos, aqui, um discurso publicitário que está relacionado a outros discursos
de venda de produtos. As cores, o formato, as imagens produzem efeitos daquilo que
visualmente e socialmente é representado pelas publicidades de variados e infinitos produtos.
Isso ocorre, pois no interdiscurso consideramos ser a memória discursiva definida como
aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Nas palavras de Pêcheux, trata-se
da “objetividade material essa que reside no fato de que ‘algo fala’ (ça parle) sempre ‘antes,
em outro lugar e independentemente’, isto é, sob a dominação do complexo das formações
ideológicas.” (PÊCHEUX, 1995, p. 162).
Dessa maneira, consideramos que todo o dizer retorna, sob a forma do pré-construído,
o já-dito que está na base do dizível. Assim, o interdiscurso faz retornar dizeres que afetam o
modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada. Logo, temos a educação
como o produto a ser “vendido” a partir do anúncio publicitário.
111
Os consumidores desempenham um papel decisivo na escolha e na compra do produto,
consequentemente, é comum o uso de estratégias que remetem à memória discursiva dos
possíveis comparadores. Assim, vamos tentar observar como se dá o funcionamento de tais
estratégias. A primeira observação remete a analisar uma possível tentativa de aproximação
com o leitor. Isso se dá em pelo menos dois momentos: no uso do imperativo no enunciado
“Seja do tamanho dos seus sonhos”; no uso do “tá”, uma redução do verbo “está”, e da
locução coloquial “da gente”, que substitui o uso do pronome do caso reto “nós”. Muito
usadas em conversas informais, ambas as expressões trazem como efeito de sentido a
sensação de estar à vontade com as pessoas com as quais nos relacionamos. A partir dessa
formulação, há um não-dito de que nesta Universidade o futuro estudante vai se sentir à
vontade. O substantivo “coração”, posto em linha vermelha e posicionado exatamente onde
bate o coração real da personagem posta na imagem, propõe esse efeito de sentimentos “bons”
que permeiam as pessoas que fazem parte deste lugar e que fazem questão de “realizar” os
seus sonhos. Há, nesse sentido, um discurso familiar em funcionamento.
A partir de um feito metafórico, podemos observar, neste recorte, o funcionamento
também de um discurso mercadológico. Observemos o seguinte deslizamento parafrástico:
Estude em uma das melhores universidades privadas de Minas Gerais.
Estude na melhor universidade privada de Minas Gerais.
Estude em uma das 10 melhores universidades privadas de Minas Gerais.
Estude em uma das melhores universidades de Minas Gerais.
O movimento parafrástico representado acima mantém o adjetivo comparativo
“melhor”. Sua forma sintética garante um grau comparativo de superioridade, mas que deixa o
não dito: superior em relação a quais universidades especificamente? O adjetivo “privadas”
marca a ilusão de resposta dada a essa questão; no entanto, a expressão “em uma das”, traz à
tona um equívoco e deixa como efeito a não especificidade de quais e/ou quantas seriam as
outras universidades. Essa é uma das estratégias de mercado em que a empresa que anuncia
usa o produto do concorrente como comparativo para demonstrar que o seu é melhor.
O que é produzido remete a uma educação que foi influenciada pela lógica empresarial, o
que, para nós, é resultado da prática de subordinação ao mercado. Isso equivale a dizer que se
alguém opta por este ou aquele produto, o resultado da escolha é individual. A mesma lógica
112
parece acompanhar o sistema educacional. Ou seja, tanto as universidades, quanto professores
ou os alunos que fazem parte de determinada instituição são estratificados a partir da lógica
empresarial de profissionais bem ou malsucedidos, em função de seu próprio mérito. Isso
equivale a observar os enunciados “provas agendadas e on-line” e “Seja do tamanho dos seus
sonhos”. Não há mais um dia pré-determinado para a prova, o sujeito agenda sua prova de
entrada na universidade particular (e não mais vestibular) de acordo com o dia e horário que
melhor lhe convier como cliente e se não puder, ainda tem a chance de fazer online, ou seja, é
uma responsabilidade única do candidato, pois a “empresa” está “à disposição”.
Esse efeito pode ser posto quando se evoca o sentido de conselho e reflexão em “seja
do tamanho dos seus sonhos”. O não dito que se coloca aqui é: de que tamanho são seus
sonhos? Sonhe alto, afinal, é possível realizar o sonho, pois a universidade possui
“financiamentos”. E, ao observarmos a imagem, vemos que as linhas de financiamento estão
dispostas logo abaixo do enunciado sobre os sonhos. Ou seja, é possível realizar seus sonhos,
pois “realizar, tá no coração da gente”.
A partir do que propomos nas análises, reforçamos que as possibilidades de sentidos
são deslocadas em outros dizeres, uma vez que a língua é opaca. Logo, os processos podem
ser considerados polissêmicos e dar margens a outros dizeres, em outros lugares,
independentemente. Por ter esse caráter polissêmico, a linguagem nos leva a enunciados que
provocam efeitos de sentidos ao evocarem diferentes discursividades.
Outro discurso que observamos em andamento na publicidade em questão é o
corporativo. O enquadramento dentro do “politicamente correto” é uma atitude de
sobrevivência nas empresas. O “enquadrar-se” é posto em dois momentos na publicidade. O
primeiro é no rosto da personagem, que pode ser tanto a futura estudante quanto a atual, ou
seja, aqui o estudante é exatamente como precisa ser, enquadrado. Podemos fazer alusão
também às fotografias 3x4, normalmente usadas em situações consideradas “oficiais” e
documentadas pelo sistema.
O segundo momento de enquadramento está nos dizeres ao lado esquerdo da imagem.
Além de disposto no enquadramento, estão marcados com um ícone que provoca como efeito a
lembrança de um “ok”, remetendo àquelas que marcamos nas listas de atividades que temos a
cumprir. Quando elas são feitas, riscamos ou marcamos, a fim de nos concentrarmos nas outras
atividades que ainda não foram feitas. O efeito corporativo se completa quando, no final do
anúncio, lemos o 0800 da empresa e sua logomarca. Conforme já dizemos, a Análise de
113
Discurso propõe um sujeito que é constituído também pelo inconsciente e que sofre
constantemente efeitos dessa constituição na produção discursiva. Nas embalagens de
produtos, 0800 significa uma ligação sem custo para o consumidor. É um número à disposição
para ouvir reclamações, fazer sugestões, atender possíveis solicitações, enfim, é a empresa
que se coloca à inteira disposição do cliente sem custo algum para este.
Dentro das condições de produção (mercado, concorrência, preço, captação de aluno) nas
quais as publicidades das IES estão inseridas podemos fazer alguns agrupamentos. Algumas
práticas discursivas tornam possíveis a produção de alguns sentidos que são produzidos e
provocam efeitos. Esses efeitos, por seu turno, dão a ver a ideologia que nos interpela.
A análise subsequente é um recorte de publicidade da mesma IES (UNINCOR, do
vestibular de inverno do ano de 2017.
Recorte 9 – Vestibular UNINCOR 2017-2
Fonte: (UNINCOR, 2017)
Levando em consideração o sistema capitalista no qual vivemos, ou o que se
convencionou chamar de neoliberalismo, desde a década de 70, que se foi produzindo socialmente
alguns princípios que tomam como base, entre outras situações, o incentivo à competição e à
obtenção de lucro. Engana-se, porém, quem supõe que tal sistema esteja restrito
114
somente a questões econômicas. A Educação também faz parte da racionalidade neoliberal
que governa nossa sociedade e suas instituições.
Se tomarmos, por exemplo, o objetivo geral do curso de Administração da FACECA,
lemos o seguinte:
O Curso visa oferecer ao mercado, profissionais que detenham conhecimento,
habilidades e atitudes, que se mostrem capazes de enfrentar os desafios a serem
enfrentados pelas organizações empresariais e sociais. Para alcançar seu objetivo
desenvolve competências e habilidades ao graduando na sua formação para haver a
justaposição entre metodologia de ensino e a concepção do Curso (FACECA, 2015,
p. 48, grifo nosso).
Observamos, pelos grifos, que a faculdade não forma pessoas, sujeitos, ela oferece os
profissionais e estes deverão ser capazes de enfrentar os desafios mercadológicos. Ou seja, há
um sentido de mercadoria, de produto de qualidade, consumo que é sobreposto à ideia de ser
humano.
Esse sentido de educação mercadoria, ou ainda, escola empresa, é apontada por
Nogueira e Dias em seu artigo “O Político-pedagógico na (nova) Base Nacional Comum
Curricular: uma análise discursiva das ‘competências e habilidades’ ”. As autoras, ao
definirem competência, indagam a relação educação x mercado.
[...] competência é definida como o ‘conhecimento útil’, ‘mobilizado’, ‘operado’ e
‘aplicado’ em situações que ‘requerem aplicá-lo’ para tomar ‘decisões pertinentes’. A
competência, nessa perspectiva, seria um conhecimento aplicado. A noção de
conhecimento aplicado escolar é colocada em relação ao sujeito, de modo que ‘ser
competente’, ‘ser capaz de’, se reduz a saber ativar e utilizar um conhecimento
construído. E, por fim, parece-nos que ‘competências’, predicada como conhecimento
aplicado, interessado, se opõe a ‘conhecimento desinteressado’, predicado como
conhecimento erudito, o qual é posto tendo como fim apenas si mesmo. Perguntamos:
Em relação a que esse conhecimento é desinteressado no jogo de forças da
competitividade mecado-lógica? (DIAS; NOGUEIRA, 2017, p. 3, grifo do autor).
Pfeiffer também discorre sobre competências e habilidades, ao afirmar que a “cultura
da performance” pressupõe que exista um “conjunto de performances adequadas a serem
formadas no indivíduo e, igualmente, que existe um determinado modelo de currículo capaz
de formá-lo, sendo importante a difusão de orientações para sua constituição na prática das
escolas” (2010, p. 91). Esse efeito de sentido estende-se para a publicidade e para a oferta do
produto em questão: a “educação” ou a “formação profissional”. Tomemos os seguintes
agrupamentos para analisar a publicidade (Recorte 9):
115
1- Condições de produção
2- Poder> pertença>agrupamento> efeito de verdade> credibilidade
3- Formar X capacitar
Diante das condições de produção submetidas à lógica neoliberal, temos uma IES que
se presta ao papel de servir ao mercado. Em relação às provas, continua a proposta de
agendamento e o 0800 da publicidade anterior (Recorte 8), além do endereço eletrônico
www.unincor.br. Destaca-se, também, o dêitico “aqui”, remetendo a um “lugar de comércio”,
um local onde o consumidor pode adquirir um produto ou serviço sem maiores problemas.
Outra situação recorrente em IES cujas provas podem ser agendadas é a praticidade
para realizar a matrícula e a rapidez na apresentação do resultado de aprovação. Comumente,
o que se observa é que as matrículas podem ser feitas logo após a realização das provas, basta
que o candidato leve seus documentos, preencha o cadastro e leve o boleto de pagamento
impresso para ser pago. A prova de ingresso se torna uma mera formalidade, uma vez que as
provas não são seletivas, não são classificatórias e muito menos diagnósticas, elas servem a
uma formalidade, a um mercado. As propostas de financiamento (PROUNI, FIES) se mantêm
nesta publicidade, um não dito que permite àqueles menos abastados financeiramente
possuírem um curso superior.
O agrupamento 2 apresenta os seguintes deslizamentos: Poder> pertença>
agrupamento> efeito de verdade> credibilidade e tem como ponto central de análise o
enunciado #eupossoescolher. Quando analisamos o processo de deriva, o que podemos levar
em consideração é que algum sentido pode se manter, no entanto, o diferente também
funciona em meio ao mesmo. A ausência necessária é fundamental na constituição dos
discursos, pois não é possível dizer tudo ao mesmo tempo, por isso, o sujeito se filia a
diferentes formações discursivas a partir de uma memória. O “eu posso” é um dito que retoma
a ideia de poder. Logo, quando o sujeito tem poder, ele também pode escolher, ao escolher,
toma para si a ideia de pertença, de fazer parte de, de estar inserido em. Todo esse jogo faz
criar um efeito de verdade de que aquilo que se escolheu é o que vai gerar credibilidade
social, profissional etc. A própria ideia do #, joga com o discurso da tecnologia, da
modernidade, da jovialidade. O sujeito em questão é atualizado, é poderoso porque pode
escolher entre tantas outras opções. Como sabe escolher, opta pela melhor universidade e
passa a pertencer a este grupo, que passa, de fato, a ser o melhor.
116
Quanto às imagens nas duas publicidades (recortes 9 e 12), no processo de deriva,
determinados sentidos podem se manter, porém o diferente também pode funcionar a partir do
mesmo. O que seria o mesmo? São duas mulheres jovens, cujo efeito remete à ideia de
universitárias. São bonitas, cheias de vida, aparentemente saudáveis, com um futuro todo pela
frente.
Tal gesto de intepretação nos remete à Pêcheux em seu artigo “Foi propaganda mesmo
que você disse”, no qual aponta que uma das vias do modo de produção capitalista é a
apresentação de uma exemplar democracia, “fundada na ideologia jurídica do contrato livre e
igual que constitui, através da forma econômica das leis de mercado, a mola essencial da
divisão de classes entre trabalhadores livres e os proprietários da livre empresa Nesse
universo o passado está apagado ou ausente” (PÊCHEUX, 2011, p. 80). Produz-se, portanto,
um efeito de democratização pela ilusão da livre escolha.
Retomando as imagens nos recortes 9 e 12, há uma situação que diferencia as jovens: o
olhar. Na primeira imagem, a personagem foca o olhar no leitor, como se estivesse em uma
conversa, sorri, conquista, chama para perto. Na segunda imagem, há um olhar para cima e
para a esquerda cujo efeito é um ar sonhador, distante, reflexivo, um olhar de quem está a
decidir, a imaginar, a escolher, a optar por um futuro brilhante. Um efeito como de quem
suspira ao perceber que está a sonhar acordado.
Com relação ao terceiro agrupamento (formar X capacitar), buscamos na interpretação, os
sentidos em funcionamento na publicidade. “A interpretação está o tempo todo fazendo
intervenção na materialidade que estamos analisando” (NOGUEIRA, 2015, p. 42). Percebemos
que ‘formar’ produz efeitos de sentidos parafrásticos de ‘qualificar’ e de ‘capacitar’, neste caso.
Como todo dizer se sustenta pelo que existe entre o mesmo (paráfrase) e o diferente (polissemia),
em todos os dizeres, entre a repetição e a diferença, estamos sempre nos deslocando, não podendo
nos limitar, considerando que habitamos em uma pluralidade entre o igual e o desigual. Isto
resulta da compreensão de que, a AD é o movimento pelo qual apreendemos o processo de
produção dos sentidos e dos sujeitos, bem como de suas relações.
De acordo com Orlandi (2014), tomar a educação dentro de uma lógica de
desenvolvimento coloca-se como uma questão de capacitação, de treinamento, e não de
formação.
A capacitação não garante permanência e sustentação; é preciso educação, formação para
que esses sujeitos ingressem no trabalho [...]. Porque o que não está dito é que se
117
somos uma sociedade do conhecimento e da informação estas são as formas de
atender a uma sociedade do trabalho (e do mercado) (ORLANDI, 2014, p. 148).
A autora menciona que em sucessões de conjunturas históricas, desenvolvimento se
declina para mercado, e o mercado exige a qualificação para o trabalho, a qualificação do
trabalhador. “Um país rico em que cidadãos educados são ‘capacitados’ para o trabalho e
circulam como consumidores de um mercado de trabalho qualificado. Consumo e cidadania
se conjugam” (ORLANDI, 2014, p. 146). O fato é que o denominador comum é o trabalho, e
não a educação e o conhecimento. Deste modo, #EUPOSSOESCOLHER me
qualificar/capacitar para o mercado na UNINCOR ou me formar/educar na UNINCOR.
Neste movimento entre observar as discursividades analisadas nas publicidades, e
análise dos efeitos de sentido que elas podem ter, recortamos outras duas campanhas da IES
UNIS (MG).
Recorte 10 – Vestibular UNIS 2017-2
Fonte: (UNIS, 2017).
Pelo que temos analisado e estudado em AD, percebemos que há uma relação contínua
entre publicidade e consumo. Este universo simbólico da publicidade bem como sua atuação,
em paralelo com as condições de produção, acaba, pela ideologia, constituindo a formação
social. Assim os processos discursivos vão significando o público a partir de um imaginário.
Os sentidos são, pois, construídos. Uma das hipóteses que defendemos é de que a publicidade
118
universitária vende fundamentalmente um produto: a educação. Esta, por sua vez, está
representada dentro do sistema capitalista e é tão subordinada a ele como qualquer empresa
que possui concorrentes e busca desenfreadamente pelo lucro. Logo, a publicidade não
transmite informações, como todo jogo discursivo, ela é o “efeito de sentidos entre os
locutores” (ORLANDI, 2001, p. 21).
Este efeito se dá não somente no interior do texto, mas, principalmente pela/na
exterioridade. Na imagem do Recorte 10, há um enunciado que se utiliza da linguagem verbal
e não verbal, mas que, por suas condições de produção, causa certos efeitos.
Tomemos o enunciado central: “Ser do Unis é ser do mundo”. Desde 2013, esta IES
criou o Departamento de Relações Internacionais. Este departamento, segundo o próprio site
da instituição14, “trabalha para manter e ampliar a política de internacionalização do Grupo
Unis” (UNIS, [s.d.], p. 1). A instituição promove intercâmbios entre estudantes de vários
países. Tanto os que moram fora podem vir para o Brasil, como estudantes da IES podem ir
para outros países. No site do Grupo é possível ler
Programa de Mobilidade Acadêmica (Out going) O Programa de Mobilidade Acadêmica Internacional do Grupo Unis foi criado para
oferecer oportunidades de qualificação para seus alunos e professores através da realização de experiências acadêmicas e profissionais no exterior. (...) Este programa oferece, em especial aos seus alunos, a possibilidade de desenvolver atividades acadêmicas no exterior em diferentes modalidades. (...) O importante é que o estudante pode desfrutar de uma experiência acadêmica
internacional, unindo a experiência pessoal com as habilidades profissionais
desenvolvidas em outro país. A inserção em uma nova cultura, o convívio com
pessoas de outras nacionalidades, a imersão numa língua estrangeira garante que a
experiência de sair do Brasil pode ser inesquecível e marcará a trajetória dos
acadêmicos, tornando-os mais competitivos e mais preparados para os desafios
do mercado global. (UNIS, 2019, p. 1, grifos nossos).
Acesso a outra língua, convívio com estrangeiros, experiência fora do país são ações que
podem acontecer sem que a pessoa saia do lugar, devido à tecnologia e à globalização ou mesmo
fisicamente, este último tem sido o foco da IES nos últimos anos. Em ambas as situações, a
primeiro momento, o que dá a ver é o discurso da inclusão; no entanto, elas também marcam o
lugar do sistema capitalista, logo trazem implicitamente o discurso da globalização. Atender à
demanda capitalista, inserindo seus estudantes em outros lugares do mundo tem como objetivo
tornar os estudantes mais competitivos e prepará-los para o mercado global. Em outras
14 cf. Disponível em: http://internacional.unis.edu.br/apresentacao. Acesso em: 1 jan. 2019
119
palavras, a educação à serviço do mercado, inclusive, internacional. A linguagem não verbal,
representada pelo globo, aprofunda esse efeito de sentido.
Enquanto no anúncio do Recorte 10, o azul tem como efeito representar a cor dos
sonhos, neste anúncio, a palavra “mundo” remete à lembrança de que nos ambientes, o azul
pode causar uma sensação de espaço aberto, pois as montanhas ficam azuladas no horizonte,
esta, como já mencionado, também é a cor do céu. Isso equivale a voar sem fronteiras, por
longas distâncias, com o mundo ao seu inteiro dispor. Além disso, “no processo de criação da
bandeira da União Europeia, continente com grandes contrastes culturais, o azul foi a cor
escolhida pois não pertence a nenhum partido ou conotação específicos. Assim, atualmente, o
azul também é a cor da Europa” (MATILDEFILMES, [s.d.], p. 2). A cor azul, pois, nesta
publicidade, pode representar a oportunidade de “voar” pelo mundo, inclusive pela Europa.
Observamos que os países que aparecem no globo estão representados pela cor verde,
ou a cor das coisas que crescem no mundo natural, como se viajar pelo mundo e “ser do
mundo” fossem algo da ordem do natural dentro desta instituição. Essa cor também é
associada à riqueza quando observamos que o dinheiro é visto como verde,
independentemente da cor real que as cédulas possuam. Dentro de uma educação pautada na
competitividade e na preparação para o mercado global, nada mais natural que se pense em
dinheiro. E por falar em dinheiro, o verde também é associado à burguesia. E nos retratos
antigos, os burgueses em grande parte faziam-se pintar com um fundo verde. Além disso, as
mesas de jogos, um dos principais entretenimentos neste grupo, tradicionalmente são forradas
por um tecido verde. Na imagem, temos um globo com a cor de fundo dos países verde. A cor
do dinheiro, da burguesia, do status e do diferencial de quem é do “mundo”.
Como os sentidos são atravessados, podemos associar o enunciado “ser do mundo”
com a expressão popular comumente usada quando se diz aos pais que “filho a gente cria para
o mundo”. Na literatura, um texto atribuído a José Saramago15 reforça esse discurso de
submissão ao mundo, inclusive no que se refere aos filhos:
Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém
além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os
melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o
maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor,
principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo
tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.
15 Há algumas controversas de que este texto possa não ser de autoria do escritor José Saramago, por isso ressaltamos que sua cópia foi feita do site https://www.recantodasletras.com.br/mensagens/3162574, acesso em 1 de jan. de 2019.
120
Se os filhos não são nossos, vem à tona o pré-construído de que são de alguém, quem
sabe do mundo. Daí a importância de criá-los bem, principalmente ao dar uma educação de
qualidade. A publicidade joga com a modernidade na qual o jovem está inserido e deve estar
preparado e ao mesmo tempo com o discurso do desprendimento, voltado para os pais, que
precisam permitir que este filho “voe” pelo mundo.
Quando comparamos esta publicidade às anteriores, observamos a recorrência da
citação referente ao financiamento PROUNI e o site para acesso, mas não é recorrente a
presença de um telefone 0800 nem do enunciado “prova agendada”. Nesta publicidade,
mantém-se o tradicionalismo, uma vez que existe uma prova de vestibular, com data
específica para sua realização. No entanto, não é o que ocorre no recorte a seguir, da mesma
instituição. Vejamos:
Recorte 11 – Vestibular UNIS 2017
Fonte: (UNIS, 2016)
Conforme já mencionamos em capítulos anteriores, a política púbica educacional
brasileira vem restringindo-se apenas à produção de novas vagas, não estabelecendo, de fato,
estratégias que pudessem resultar em ganho de qualidade para a educação. Apesar disso, há
um fundo de práticas avaliativas que traz à tona um discurso de competitividade.
Por um lado, as políticas públicas se submetem à uma educação mercadológica, mas,
por outro lado, precisam medir resultados. Logo, isso é feito pelas práticas avaliativas. Elas
121
estão em toda parte no decorrer da educação (SAEB, ENEM, ENADE). As políticas de
educação estão inseridas nessa sistematização. Nessa conjuntura, há um discurso de melhora.
A princípio, o objetivo de tais avalições busca a indução de melhorias, a partir das falhas
apontadas. No entanto, para nós, elas velam um discurso neoliberal, pois tais resultados têm
servido para classificar e hierarquizar sejam países, instituições ou sujeitos.
Um efeito desse discurso neoliberal está posto em funcionamento no plano de fundo da
peça publicitária: “Nota 4 no MEC” + a personagem (que aparentemente representa uma das
estudantes da instituição) em atitude de comemoração, fazendo alusão à prática competitiva.
No recorte 10 essa prática discursiva aparece nos dizeres: “uma das melhores
universidades”, já nesta peça publicitária, podemos trabalhar com o seguinte deslizamento:
somos uma das melhores universidades e podemos provar: somos nota 4 no ENADE. Quando
se analisa que o conceito ENADE é o resultado de provas aplicadas aos alunos das faculdades,
colocamos em funcionamento um indicador de qualidade que avalia o desempenho desses
estudantes. Como as notas vão de 0 a 5, quanto mais próxima a nota for de 5, melhor os
alunos se saíram na prova; em outras palavras, melhor a universidade preparou estes
estudantes. Há, nesse sentido, a disseminação de uma cultura avaliativa de natureza
competitiva e estratificadora: quem tira a maior nota, consequentemente é o melhor e vende
mais o seu produto-ensino.
No que se refere ao enunciado “Os alunos UNIS são profissa”, há um movimento de
aproximação do público jovem quando se observa o efeito de sentido do termo “profissa”. A
gíria pode tanto não colaborar para a imagem pessoal de alguém, pelo seu caráter informal e
rotulador, como tentar uma aproximação com o público jovem, uma vez que produz o sentido
de que a pessoa que a usa tem conhecimento sobre a maneira como determinados grupos se
comunicam. O grupo em questão neste recorte é o jovem. Logo, a gíria “profissa” remete à
ideia de modernidade, jovialidade. Observa-se a presença de um equívoco: apenas o público
jovem é contemplado nas campanhas, como se os adultos e idosos que não estejam na faixa
etária esperada para cursar uma universidade não fossem bem-vindos na instituição. Se
levarmos em consideração que este termo é comumente usado na cidade de São Paulo, outro
efeito pode ser também considerado, o de jovem moderno e metropolitano.
Abaixo do enunciado que tem o termo “profissa”, lemos o seguinte: “Eles estão mais
prontos do que nunca para entrarem no mercado de trabalho. ” Podemos relacionar o termo
“profissa”, uma redução de profissional, com “prontos para o mercado de trabalho”. Há um não
122
dito de que todos que estudam no Grupo Unis estão muito preparados e, consequentemente,
são bons profissionais, logo, conseguem bons empregos no mercado de trabalho. Se tomarmos
que esse termo (mercado de trabalho) é bem destacado pela instituição, o efeito de sentido é:
formamos profissionais preparados para o mercado de trabalho.
O mercado de trabalho vem ressaltar o discurso capitalista da educação; uma educação
voltada ao lucro; voltada a capacitar “profissas”, onde tais “profissas” têm maiores chances
(mais poderes) de conquista de um “lugar ao sol”, de um “sustento” para viver em sociedade.
Parece-me que reduzir o sentido social da educação aos interesses do lucro representa
um empobrecimento tanto do conceito de educação, quanto de seu sentido para a coesão
e viabilidade das sociedades. Nas palavras de Altbach (2002), há valores do bem comum,
com dimensão nacional e social, que devem ser protegidos e preservados em um
ambiente educacional globalizado [...]. Entretanto, não estamos frente a uma situação em
que seja possível frear o avanço do mercado educacional por formulações
compartilhadas por parte da sociedade. O fato é que, mesmo se afirmando, inclusive no
texto constitucional brasileiro, que educação é um direito social e um dever do Estado, o
mercado avança vorazmente (OLIVEIRA, 2009, p. 753).
Retomemos o que outrora já discutimos, há um atravessamento da educação pelo
neoliberalismo. Pela publicidade, observamos que as instituições de ensino superior,
principalmente as privadas, buscam adequar-se às novas condições de produção, de mercado,
da globalização.
Foucault (2008) não compreendia um arquivo como uma soma da diversidade de
textos de uma certa época. Interessava-se em saber sobre a razão de alguns anunciados
estarem aparecendo com frequência em detrimento aos demais e afirmava que os enunciados
estão ligados a jogos de relações que caracterizam o discurso. Sendo assim, para o autor, o
arquivo pode ser compreendido como um sistema em reação ao surgimento de enunciados
como uma forma de um acontecimento singular. Uma forma de funcionamento da memória
metálica; dos jogos de poder, da competitividade, do servir ao mercado em primeiro lugar.
A livre concorrência leva a uma busca incansável pela eficiência econômica, pelo
resultado econômico. Observamos o slogan (recortes 10 e 11) do “Grupo Unis”. Como já
dissemos, educação deveria significar deslocar. Contudo, oferecer educação, hoje, é tornar as
universidades empresas, uma vez que já discutimos que o mercado educacional brasileiro
passou, nas últimas décadas por profundas transformações, com a presença de grandes grupos
educacionais. Assim, a discursividade “Grupo Unis”, remete a esse sentido de poder, de ser o
maior, de ser uma corporação grande, poderosa, profissional.
123
O atendimento ao “cliente” permanece com a oferta de provas agendadas e de um
telefone e site para contato. O Grupo não atende por chamada gratuita.
As duas últimas peças publicitárias a serem analisadas são da FACECA (CNEC). Se
analisamos a relação na publicidade do Grupo Unis, no que diz respeito ao termo Grupo,
observamos que, na publicidade a seguir, a corporatividade se dá pela associação FACECA
versus CNEC. Quando se fala em FACECA, a publicidade remete à CNEC, ou seja, a
instituição é uma das extensões de uma associação maior, composta por uma rede, por uma
união de outras instituições. Novamente o discurso do empoderamento. Vejamos o recorte:
Recorte 12 – Vestibular FACECA 2017-2
Fonte: (FACECA, 2017)
O efeito de empoderamento é ainda maior com o enunciado “Junte o ótimo ao
excelente”. Um dos efeitos é o de remeter ao ditado popular “Junte o útil ao agradável”.
Assim, temos o seguinte movimento parafrástico:
Junte o útil ao agradável
para
Junte o ótimo ao excelente.
124
Pela sequência de enunciados, o ótimo remete aos “mais de 40 anos de tradição”,
discurso do conservadorismo; e o excelente A “um dos maiores grupos educacionais do país”,
discurso de empoderamento e de mercado. A mesma regularidade discursiva também
observada nas peças publicitárias das outras instituições. Há um efeito regular em remeter à
ideia mercadológica de maior, melhor. Ou seja, em um mercado competitivo, a empresa
sempre se apresenta como a melhor entre as outras. Há sempre um diferencial, que às vezes se
mostra como o mesmo, por exemplo, pertencer a grandes corporações. Vejamos:
“Um dos maiores grupos educacionais do país...” (Recorte 12)
“Estude em uma das melhores universidades privadas de Minas Gerais" (Recorte 8)
“Eles estão mais prontos do que nunca...” (Recorte 10)
Como já dissemos, houve um o grande crescimento do ensino superior privado brasileiro e
de sua lucratividade proporcionado tanto pelo FIES quanto pelo PROUNI. Nesta peça, no canto
esquerdo, o que se lê, em primeiro plano e em destaque verde, é uma das logomarcas destes
financiamentos, no caso o FIES. A mesma estratégia usada para conquistar os possíveis clientes
também pelas outras instituições, embora não tenha sido mencionada no Recorte 11.
Nesta campanha, um pouco diferente das outras, já se mencionou, na mesma peça
publicitária, que existe o vestibular com data pré-determinada e as “provas agendadas”. É
como se fosse dito: as provas serão no dia tal, mas caso você não possa comparecer, fique
tranquilo, há provas agendadas. Se pensarmos nessa lógica de mercado, produto, podemos ler
da seguinte maneira: aproveite nossa promoção, ou, pague a vista ou parcelado (agendado).
Há o site e o telefone de contato, que seguiram a mesma lógica do Grupo Unis (a
UNINCOR foi a única que colocou um telefone gratuito à disposição). Além disso, há uma
informação que as outras instituições não colocaram, o endereço físico da instituição. Ou seja,
são pelo menos três formas de conseguir o produto: por telefone, online ou na loja física.
Esta peça não joga com o efeito de aproximação direta com o público através de
enunciados reflexivos ou uso de verbos no imperativo. Há um jogo mais voltado para a
transmissão de informações de ordem prática: data, lugar, hora, contatos, informações sobre o
produto. Isso já não ocorre na peça seguinte, da mesma instituição.
125
Recorte 13 – Vestibular FACECA 2018-2
Fonte: (CNEC, 2018)
Observamos o efeito mais corporativo quando analisamos a ausência da marca
FACECA. É comum em sistemas de rede, em que há muitas unidades espalhadas pelo país ou
pelo mundo, que se personalizem a mesma publicidade, produtos, slogan etc. para todas as
filiais. Um dos efeitos da peça em questão é esse. Com informações generalizadas, esse
anúncio pode ser aplicado em qualquer lugar do país, provavelmente, no 2º semestre, uma vez
que é mencionado o enunciado “inverno 2018” logo após “vestibular CNEC”, ou seja, o
mesmo vestibular que ocorre em todas as unidades que compõem esta associação.
Quanto ao jogo de pergunta e resposta proposto por este anúncio, retomamos as palavras
de Silva (2015). Há um efeito de tentar contestar os estereótipos. Segundo Silva, a questão não
é impor ao sujeito um jeito de ser, a questão é convencê-lo de que determinado produto expressa
sua individualidade. E como essa individualidade é expressa? Quando se questiona: “No que você
acredita”? Há um efeito aqui de identidade única, somos diferentes, cada um acredita em
algo. A crença é individual, particular, de cada um. Quanto à CNEC, esta acredita em você.
Isso remete ao não dito: Você pode acreditar no que quiser, que a CNEC está pronta para
acreditar que você está certo. Está pronta para seguir com você, para “acreditar” em você.
Observemos o destaque para o verbo acreditar. Há um efeito que remete a acreditar como o
primeiro passo para realizar. Você acredita, nós realizamos.
126
Há um jogo de cores claras, suaves na publicidade. Um efeito de leveza, de doçura de
estar atento aos sentimentos delicados como acreditar (sonhar?). Podemos jogar com o
movimento:
No que você acredita?
Com o que você sonha?
Se tomarmos alguns líderes sociais como Martin Luther King, observamos que frases
como “Eu tenho um sonho" se tornaram portas de grandes mudanças históricas e sociais e por
que não individuais? No que você acredita? Esse é o primeiro passo para se chegar a grandes
mudanças e a CNEC acredita que você é capaz. O produto, a educação, a CNEC são
apresentados como uma ferramenta destinada à construção de si, à realização daquilo que
você acredita. Basta agendar sua prova pelo site. Outro dado que nos permite pensar a
publicidade mais sistematizada em rede. Não há telefones regionais nem endereços físicos,
somente um site institucional.
O efeito do questionamento feito na publicidade nos remete ao discurso de
empoderamento em que o sujeito passa a acreditar que é a origem dele mesmo e de suas
vontades, logo é capaz de acreditar no que quiser e de fazer as suas escolhas.
Pelo que analisamos nas peças publicitárias, tanto o dito quanto o não dito são
provocadores de sentido. As discursividades remetem a um conjunto de práticas que estão
armazenadas em uma memória institucionalizada. A educação, por sua vez, está a serviço do
mercado e suas campanhas publicitárias produzem efeitos de sentidos conforme as condições
de produção (concorrência, mercado acirrado, falta de cliente, neoliberalismo).
Sendo assim, as instituições bombardeiam os estudantes com suas estratégias de
marketing sobre programa de financiamentos, ingresso fácil, melhores resultados, mais
capacidade para preparar o estudante para enfrentar o mercado. Ou seja, o que está posto é um
discurso marcado por processos discursivos que produzem um efeito de verdade e que se
coloca à serviço de uma lógica de mercado e de consumo.
127
5. CONCLUSÃO
De acordo com Orlandi (2015) , o trabalho desenvolvido à luz da Análise de Discurso
visa expor o olhar do leitor à opacidade da língua, do texto. Assim, cabe ao analista (no caso,
a posição sujeito ocupada para a estruturação deste estudo e a edificação desta tese) não a
identificação ou alienação à determinada ideologia, mas a compreensão de seu
funcionamento. Coube a este analista de discurso analisar efeitos produzidos pelos processos
discursivos que funcionam nos materiais de análise, desvelando práticas sociais, jogos de
poder, a produção de verdades e de relações já naturalizadas, tal como a relação entre o ensino
superior e o mercado de trabalho.
Assim, além de analisarmos como o enunciado se constrói – a publicidade, no caso,
mídias e slogans –, observamos, também, a sua relação com outras discursividades,
instauradas a partir da historicidade e de condições específicas de produção.
No decorrer desta tese, pelas análises realizadas, compreendemos que toda descrição
acarreta uma interpretação, colocando em jogo um espaço de múltiplas leituras e interpretações. A
interpretação das materialidades significante está atrelada à memória discursiva (o mesmo),
produzindo novas significações (o diferente), à medida que se atualiza no acontecimento
discursivo, possibilitando, inclusive, o deslocamento deste autor, economista e administrador, para
uma posição de analista de discurso que descortina alguns processos de significação.
É inegável que vivemos em uma ‘aldeia global competitiva’, que chamamos de
mercado, onde todos os segmentos organizacionais são impactados pela livre concorrência,
pela acirrada competitividade, pela busca por sobrevivência e lucratividade, enfim, pelas
relações neoliberais. E esse mercado global competitivo, cada vez mais em crescimento,
demanda por profissionais qualificados para administrar negócios/empresas – especialmente,
os profissionais da Administração, Inclusive e com relação aos termos ‘aldeia global
competitiva’ e ‘livre concorrência’, tais termos, já naturalizados, ganharam uma espessura
histórica e discursiva neste estudo, o que permite desvelar contradições e equívocos.
Este profissional é compreendido como polivalente por atuar nas mais diversas áreas
de uma organização. Entretanto, em meio a essas relações de poder presentes no mercado, ele
deixa de ser visto como um profissional “em formação” para ser caracterizado como um
profissional “capacitado” para o mercado de trabalho, diplomado por Instituições de Ensino
128
Superior que, em consequência das relações neoliberais, ganha o status de Universidades
S.A., de escolas empresas.
Pode-se concluir que este deslocamento de faculdades e universidades para o papel de
escolas empresas foi incentivada pela Constituição, pela LDB e pela própria legislação do
Ensino Superior Brasileiro que, em sua concepção de ensino superior, estabelece como função
deste nível de ensino, prioritariamente, a qualificação e não a formação.
As IES passaram a ser vistas, desta forma, como um centro de empoderamento do
profissional, pois a obtenção do diploma permitiria, ao menos imaginariamente, que o aluno se
inscrevesse em outra posição sujeito na formação social (de operário à gerente, de empregado
à patrão). Ressalva-se, contudo, que essa educação qualificadora produz um profissional
generalizado, cabendo, às empresas, qualificações específicas e complementares. Essa
situação faz com que ele não se insira definitivamente no mercado de trabalho, nas relações
mercantilistas, no cerne da sociedade produtiva brasileira, pois sempre precisa se adaptar a
um novo negócio/a um novo interesse.
Especificamente sobre as discursividades presentes nas campanhas publicitárias
analisadas, observamos a presença de uma diversidade de discursos, inclusive do discurso de
empoderamento das campanhas publicitárias das IES que ofertam cursos de Administração ou
cursos no Ensino superior, de modo geral, como garantia de sucesso profissional e pessoal.
Portanto, o dizer que, antigamente, produzia efeito de verdade, pregando que a “melhor
herança é um diploma”, desliza para um “diploma é condição para o sucesso profissional”,
mirando e produzindo um ser muito mais consumista do que cidadão. O denominador comum
passa a ser, portanto, o trabalho, e não o conhecimento. A qualificação e não a formação.
A publicidade analisada reflete e ratifica formações imaginárias que refletem
interesses, necessidades e desejos do mercado e das relações neoliberais.
Podemos dizer que o poder pode ser encontrado em toda parte, inclusive na “educação
qualificadora”, praticada pelas instituições de ensino, nas relações da ABMES com os órgãos
reguladores, sobre as demandas do mercado por mão-de-obra qualificada. Esse poder vem se
naturalizando, provocando ações que produzem efeitos de verdade que se materializam nas
peças publicitárias aqui abordadas.
Acontece que as mídias também colocam em funcionamento uma diversidade de
discursos que vêm circulando na sociedade, influenciando a dinâmica social, as práticas
discursivas, funcionando como uma fábrica de verdades. Assim, tanto o discurso quanto a
129
publicidade passam a codificar e disseminar ideias e posicionamentos discursivos, portanto
ideológicos, que afetam a sociedade de consumo.
Compreendemos, portanto, que a memória institucionalizada das universidades como
lugar de formação e transformação funciona concomitantemente com a memória metálica da
educação como mercadoria a ser consumida, onde circula um discurso de capacitação
profissional para o enfrentamento no mercado.
Concluiu-se, assim, que as campanhas publicitárias das IES, que ofertam cursos de
Administração, trazem enunciados de competição, que engendram jogos de poder (e
capacitação) em detrimento da formação superior.
Registramos, inclusive, que apesar deste estudo ter focado o Curso de Administração,
os resultados das análises apresentadas se estendem aos demais cursos, pois permitem
observar como se estabelece a relação entre ensino, mercado de trabalho, cidadania,
economia, entre outras.
130
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