UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE...

141
UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM FLÁVIO MARCELO DE CARVALHO SILVA POLÍTICAS PÚBLICAS, COMPETITIVIDADE E JOGOS DE PODER: uma análise de campanhas publicitárias de IES privadas e de seus cursos de Administração POUSO ALEGRE - MG 2019 1

Transcript of UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE...

Page 1: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM

FLÁVIO MARCELO DE CARVALHO SILVA

POLÍTICAS PÚBLICAS, COMPETITIVIDADE E JOGOS DE PODER: uma análise de

campanhas publicitárias de IES privadas e de seus cursos de Administração

POUSO ALEGRE - MG

2019

1

Page 2: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

FLÁVIO MARCELO DE CARVALHO SILVA

POLÍTICAS PÚBLICAS, COMPETITIVIDADE E JOGOS DE PODER: uma análise de

campanhas publicitárias de IES privadas e de seus cursos de Administração

Tese apresentada à Banca Examinadora do

Programa de Pós-Graduação em Ciências

da Linguagem da Universidade do Vale do

Sapucaí como requisito para a obtenção do

título de Doutor em Ciências da

Linguagem.

Linha de Pesquisa: Análise de Discurso

Área de concentração: Linguagem e

Sociedade.

Orientador: Profa. Dra. Juliana de Castro

Santana

POUSO ALEGRE – MG 2019

2

Page 3: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso
Page 4: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso
Page 5: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

AGRADECIMENTOS

A Deus, por toda a existência.

Aos meus pais, Rubens e Flordalise, pelo amor, formação e por toda a educação

dedicada.

À minha esposa Gislene e a meus filhos, Breno e Túlio, por estarem sempre ao meu

lado, apoiando, incentivando, fortalecendo.

Aos meus irmãos, Cláudio e Freddy, bem como a toda a minha família, pelo apoio

constante.

Ao competente corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaí, pela oportunidade de participar da produção

de conhecimentos relacionados às Ciências da Linguagem.

E, em especial, à minha orientadora Professora Juliana de Castro Santana, pela

compreensão das minhas limitações, pela confiança em minha capacidade e pela motivação

das minhas potencialidades.

Também, à Professora Paula Chiaretti por toda a motivação, pelo tempo dispensado às

minhas leituras e por contribuir com seus pareceres e conhecimentos para a edificação desta

tese.

À Faculdade CNEC Varginha - FACECA, pelo apoio, pela confiança e por investir em

minha formação.

Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso de Administração, bem como

aos colegas do programa de doutorado pela motivação na trajetória desta nova conquista.

A todos, minha eterna gratidão!

3

Page 6: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Dedico a referida produção a minha família e a

todos os profissionais da educação preocupados

com a construção, pela educação, de um futuro

melhor para todos.

4

Page 7: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Nas sociedades atuais, surge, então, um conceito

de verdade consensualmente estabelecido e

atrelado à esfera jurídica, que passa a ter a função

de fixar as leis a serem seguidas, individualizando

e responsabilizando os indivíduos por suas

supostas escolhas e faltas. Para haver o

estabelecimento da verdade, o sentido de algumas

convenções sociais se perde, ou melhor, é

esquecido e (re)aparece como expressão de uma

verdade natural, predeterminada (CAVALLARI,

2005, p. 58).

5

Page 8: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

RESUMO

Educação que forma ou educação que qualifica? Teoricamente não deveríamos fazer tal

indagação, já que a função primeira da educação deveria ser a formação do cidadão e o

desenvolvimento da sua capacidade de autorreflexão. Contudo, como Coordenador de curso

superior, há muitos anos observamos as campanhas publicitárias de IES objetivando captar

alunos. E, nestas campanhas, a educação formadora nunca esteve presente: apenas a educação

qualificadora, aquela voltada para o mercado de trabalho. Selecionamos, então, como corpus

de pesquisa as campanhas publicitárias de IES da microrregião de Varginha que oferecem

cursos de Administração para poder analisar as políticas públicas, a competitividade e os

jogos de poder presentes neste material. Para tanto, analisamos as discursividades em

funcionamento, as condições de produção quando da elaboração destas campanhas

publicitárias, como se dão as relações de poder, a legislação pertinente ao ensino superior e

aos cursos de administração, as políticas públicas, além da relação entre Estado, mercado de

trabalho, cidadania e ensino. Ao final do estudo, observamos que a própria legislação do

ensino superior prioriza a qualificação em detrimento da formação e que a ideologia

neoliberal está fortemente presente nas peças publicitárias analisadas. Constitui-se a

universidade-empresa, atendendo às demandas do mercado por mão de obra qualificada.

Palavras-chave: Educação, Poder, Mercado, Neoliberalismo, Análise de Discurso.

6

Page 9: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

ABSTRACT

Education that prepares the citizen or education that qualifies? Theoretically, we should not have

to debate this, once the true mission of education should be the constitution of a real citizen and

the development of his capability of reflection. However, as the Coordinator of a University

course, for years we have been analyzing the advertising campaigns that universities use to attract

students. At these campaigns, the education that prepares was never presented: only the education

that qualifies, the one turned to the job Market. So it was selected as the corpus of this survey the

advertising campaigns of universities located nearby Varginha, a city from the state of Minas

Gerais, Brazil, that offers Administration courses. Our main objective was to analyze the speech,

focusing the public policies, competitiveness and power relations presented in the analyzed

material. To do so, we analyzed the discursiveness, conditions of production when these

campaigns were prepared, the power relations, the legislation, besides the relation between Estate,

job market, citizenship and education. At the end of this survey, it was possible to identify that

even the legislation of superior levels of education in Brazil emphasize the education that qualifies

and not the education that prepares. It was constituted the enterprise university, attending the

Market demands for qualified workers.

Key-words: Education, Power, Market, Neoliberalism, Discourse Analyzes

7

Page 10: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Taxas de acesso à educação superior na faixa etária de 18 a 24 anos (2000 a 2010),

em %......................................................................................................................... ................ 63

Figura 2: Proporção da população entre 18 a 24 anos que frequentava/havia frequentado

educação superior (2010), em %................................................................................................ 63

Figura 3: Taxas de crescimentos das matrículas na educação superior entre 1996 e 2010, em

%............................................................................................................................................... 64

Figura 4: Quantidade de bolsas ofertadas, por ano, pelo PROUNI............................................. 65

Figura 5: Número de Contratos Firmados pelo FIES................................................................. 65

Figura 6: Distribuição do Conceito Preliminar de Cursos de Bacharelado do Brasil: ENADE

2009 – 2012............................................................................... ................................................ 68

Figura 7: Ranking das dez maiores empresas de ensino superior do país – 2017........................ 72

8

Page 11: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Métodos de Análise ................................................................................................................. 26

Quadro 2 – Estudiosos e sua influência na obra de Pêcheux ............................................................. 28

Quadro 3 – Dados Estatísticos do Ensino Superior Brasileiro – ano 2000 .................................... 60

Quadro 4 – Dados Estatísticos do Ensino Superior Brasileiro em porcentagem – ano 2000 .. 61

Quadro 5 – IGC 2016 .................................................................................................................................... 67

Quadro 6 – Poder Público e Educação Superior: uma síntese .......................................................... 76

Quadro 7 – Cursos de Administração Autorizados ............................................................................... 96

9

Page 12: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

LISTA DE RECORTES

Recorte 1 – Vestibular da UEL, 1995 ...................................................................................................... 50

Recorte 2 – Vestibular UNIDERP, 2001 ................................................................................................ 51

Recorte 3 – Vestibular da Faculdade R.SÁ, 2008 ................................................................................. 51

Recorte 4 – Vestibular da Faculdades Cearenses, 2010 ...................................................................... 52

Recorte 5 – Vestibular UEPG, 2013 ........................................................................................................ 52

Recorte 6 – Vestibular UNOPAR, 2013 ................................................................................................. 53

Recorte 7 – Vestibular UNOPAR, 2018 ................................................................................................. 98

Recorte 8 – Vestibular UNINCOR, 2017 ............................................................................................. 111

Recorte 9 – Vestibular UNINCOR, 2017-2 ......................................................................................... 114

Recorte 10 – Vestibular UNIS, 2017-2 ................................................................................................. 118

Recorte 11 – Vestibular UNIS, 2017 ..................................................................................................... 121

Recorte 12 – Vestibular FACECA, 2017-2 .......................................................................................... 124

Recorte 13 – Vestibular FACECA, 2018-2 .......................................................................................... 126

10

Page 13: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

LISTA DE SIGLAS

ABMES

AD

ANGRAD

APAE

BMFBovespa

BNDES

CFA

CNEC

CRA

DCN

ENEM

FAC

FACECA

FAEL

FAFI

FAJ

FIES

IBMEC

IDEB

IDH

IES

IPEA

LDB

MBA

OCDE

PNAD

PNE

PPC

PROUNI

Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior

Análise de Discurso

Associação Nacional de Cursos de Graduação em Administração

Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais

Bolsa de Valores do Estado de São Paulo

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

Conselho Federal de Administração

Campanha Nacional de Escolas da Comunidade

Conselho Regional de Administração

Diretrizes Curriculares Nacionais

Exame Nacional do Ensino Médio

Faculdades Cearenres

Faculdade CNEC de Varginha

Faculdade Educacional da Lapa

Faculdade de Filosofia e Letras de Varginha

Centro Universitário de Jaguariúna

Programa de Financiamento Estudantil

Faculdade IBMEC São Paulo

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

Índice de Desenvolvimento Humano

Instituição de Ensino Superior

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Master of Business Administration

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua

Plano Nacional da Educação

Projeto Político Pedagógico

Programa Universidade para Todos

11

Page 14: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

SENACSP Centro Universitário SENAC

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

UCB Universidade Castelo Branco

UEL Universidade Estadual de Londrina

UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa

UNICESUMAR Centro Universitário de Maringá

UNICNEC Centro Universitário Cenecista de Osório

UNIDERP Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do

Pantanal

UNIFACVEST Centro Universitário FACVEST

UNIFAVIP WYDEN Centro Universitário FAVIP WYDEN

UNIFRAN Universidade de Franca

UNINCOR Universidade Vale do Rio Verde

UNIMES Universidade Metropolitana de Santos

UNINTER Centro Universitário Internacional

UNIP Universidade Paulista

UNIS Centro Universitário do Sul de Minas

UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina

UNOPAR Universidade Norte do Paraná

USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

12

Page 15: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................................. 15

1.1. Um caminho até a Análise de Discurso .................................................................................... 15

1.2. O Estudo ............................................................................................................................................ 18

2. DELIMITAÇÕES TEÓRICAS ....................................................................................................... 23

2.1. Uma revisão histórica ..................................................................................................................... 23

2.2. Uma disciplina de entremeio ....................................................................................................... 30

2.3. História, ideologia e jogos de poder na constituição do discurso ..................................... 32

2.4. Dispositivo teórico-metodológico da AD ................................................................................ 36

2.5. Língua e sentido ............................................................................................................................... 42

2.6. Uma relação entre sujeito e sentido ........................................................................................... 44

2.7. O mesmo e o diferente na produção de sentidos .................................................................... 47

3. ADMINISTRAÇÃO: UM CURSO INTERDISCIPLINAR .......................................... 50

3.1. A inquietação .................................................................................................................................... 50

3.2. Historicidade e a conjuntura do Ensino Superior ................................................................... 58

3.2.1. Uma questão de ideologia ....................................................................................................... 75

3.3. A Legislação como efeito de verdade que sustenta as relações de poder ....................... 85

3.4. O Curso de Bacharelado em Administração ........................................................................... 90

3.5. Competitividade entre os Cursos de Bacharelado em Administração ............................. 96

3.5.1 FACECA ......................................................................................................................................... 99

3.5.2. UNIS .............................................................................................................................................. 101

3.5.3 UNINCOR .................................................................................................................................... 102

4. AS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DAS IES EM ESTUDO ............................... 105

4.1 O Discurso Publicitário................................................................................................................ 105

4.2 Análise das Campanhas ................................................................................................................ 110

5. CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 128

13

Page 16: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 131

14

Page 17: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1.1. Um caminho até a Análise de Discurso

É grande a dificuldade, ou até mesmo poderia ser dito que é impossível, a tentativa de

desvinculação da vida pessoal da vida profissional, considerando que ambas se constroem

simultaneamente. Assim, começo justificando a minha proposta de pesquisa/estudo que se dá

no entremeio: entre a vida pessoal e a profissional.

Posso afirmar que minha carreira acadêmica já me acompanhou desde o berço, sendo

filho orgulhoso de uma mãe que se dedicou à educação, sempre apoiada por um marido (e pai

saudoso). Por algumas décadas, exemplos de empenho em formar pessoas estiveram presentes

em minha vida, bem como exemplos de gestão compartilhada em formação de pessoas em

instituições de ensino.

Tive toda formação de base (Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II, bem como

o Ensino Médio) cursado no Colégio Santos Anjos – uma instituição privada e tradicional em

Varginha-MG. Além disso, durante o Ensino Fundamental e Ensino Médio, cursei inglês no

Centro de Cultura Anglo Americana - CCAA, também tradicional. Paralelamente, cursei

datilografia, mecanografia e iniciação em informática. Já iniciava, naquela época, meu

preparo para a empregabilidade futura, regida pelas relações neoliberais.

Em 1993, após o vestibular seletivo, me matriculei no curso superior de Economia

ofertado pela Faculdade Cenecista de Varginha – FACECA (hoje, Faculdade CNEC Varginha).

Logo em 1995, aprovado pelo processo seletivo do curso de Letras ofertado pela Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras de Varginha – FAFI (hoje, Centro Universitário do Sul de Minas –

UNIS/MG), iniciei paralelamente, ao curso de Economia, a licenciatura em Letras. Acreditava

ser a licenciatura a minha primeira oportunidade profissional na área da docência.

Nesse período já era estagiário remunerado da área de Comércio Exterior da empresa

Mangels em Três Corações-MG. Mas, logo em 1996, recebi uma nova proposta e aceitei o

cargo de Assistente de Comércio Exterior Júnior, na Polo Indústria e Comércio Ltda., uma

indústria de filme de polipropileno bi orientado, localizada em Varginha-MG.

No ano de 1997 colei grau como Economista. No ano de 1998 a FAFI abria processo

seletivo para a docência da disciplina de Literatura Anglo Norte-americana, e o Serviço

Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC abria processo seletivo para a docência em

15

Page 18: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Economia. Minha nova rotina era a indústria durante o dia e docência durante a noite e, em

concomitância, a vida de recém-casado.

Conciliei a minha atuação profissional em empresas com a minha vida acadêmica até

2001, quando por uma necessidade gerada pelo desligamento da empresa Mangels, dediquei-

me exclusivamente à carreira acadêmica. Não posso deixar de ponderar que as minhas

experiências materiais, que tive desde o berço, com os grandes exemplos e ensinamentos da

minha mãe, foram decisivos para a minha (re)formulação como pessoa e como docente. Seus

ensinamentos profissionais e de vida foram fundamentais.

Logo no ano de 2000 me efetivei como professor de ensino superior da FACECA e

ingressei, em 2002, no curso de Mestrado em Administração ofertado pela referida instituição de

ensino superior (IES). No mesmo ano iniciei a atuação como tutor do Projeto Veredas – um curso

de formação superior de professores públicos de Minas Gerais, oferecido na modalidade

à distância. A iniciativa propôs a formação de mais de 14 mil professores do Ensino

Fundamental da rede pública estadual. Apesar da modalidade ser a distância, encontros

presenciais mensais eram proporcionados, cabendo ainda, aos tutores, uma visitação às

escolas durante os semestres para conhecer e intermediar a prática pedagógica. Esta foi uma

experiência bem rica para a minha formação docente, onde várias foram as trocas de

informações e vivências com professores das escolas de Itajubá e Caxambu, inclusive das

escolas rurais e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) dos municípios.

Oportunidades diversas me levaram a cursar Administração, me especializar em Gestão

Educacional e em Gestão Empresarial. Tais experiências e oportunidades me qualificaram para

assumir, no ano de 2009, a Coordenação do Curso de Administração da FACECA.

Posteriormente, no ano de 2012, fui convidado para a coordenação do Comitê do

Processo Seletivo da FACECA. Por anos, além do planejamento de ações de marketing e

comunicação, percorremos visitando praticamente todas as escolas públicas e particulares, de

uma área até 150 quilômetros circunvizinha à Varginha-MG, para divulgação dos nossos

cursos e dos nossos processos seletivos.

A partir de então, sempre aguçado pela minha curiosidade, movido pela paixão por

Economia, e agora responsável pela coordenação do curso de Administração e pelo Comitê do

Processo Seletivo da FACECA, passei a observar as mudanças de mercado, com um grande

aumento na oferta de IES (em área de até 100 quilômetros circunvizinha à Varginha-MG) para

uma demanda em redução. Passei a observar a “poluição” das campanhas publicitárias, as

16

Page 19: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

promessas de sonhos e conquistas a qualquer sacrifício e a qualquer preço. Pude observar,

ainda, que a IES da qual fiz parte como aluno e me integrei como profissional, uma das

grandes líderes desse mercado, passou a enfrentar problemas financeiros, impactada pelo

cenário competitivo e pela crise econômica.

Naquele momento, não vislumbrava ainda o funcionamento pelo qual o neoliberalismo

passava a impactar a educação em seu nível superior e que a proposta de se educar na

universidade cedia lugar à proposta de vender educação já como

profissionalização/capacitação como uma mercadoria; a proposta de formar novos

consumidores para o mercado de trabalho e sustentar a produtividade.

Durante o curso de doutorado, deslocando-me da posição economista/gestor para a de

analista da linguagem, passei a refletir sobre “a situação problema da conjuntura”, que poderia

ser resumida em poucas palavras: competitividade, concorrência, jogos de poder, educação

como mercadoria, oferta, livre escolha e publicidade – isso já parecia configurar-se como

condições de produção de um novo discurso do ensino superior. A memória metálica

“passando a linearizar o interdiscurso, reduzindo o saber discursivo a um pacote de

informações, ideologicamente equivalentes, sem inscrever-se no funcionamento da

dissimetria” (ORLANDI, 2016, p. 78). Um verdadeiro leilão de educação superior, uma

disputa acirrada de poderes, sustentado pela publicidade agressiva e seus slogans sedutores.

Em encontro com minha orientadora, Professora Juliana de Castro Santana, a definição

da linha de pesquisa foi adequada para o processo de produção da tese – Análise de Discurso,

bem como o objeto de estudo para que eu pudesse compreender melhor essa “conjuntura” que

me inquietava: “Políticas Públicas, Competitividade e Jogos de Poder: uma análise de

campanhas publicitárias de IES privadas e de seus cursos de Administração.”

O desenvolvimento e adaptações em relação ao meu problema de pesquisa foram

constantes durante o percurso, principalmente depois de leituras e orientações; a cada

disciplina, uma ideia diferente surgia para minha tese. Eu já não levava em conta somente a

minha vivência e observações sobre o ensino superior.

Assim, a trajetória no curso de doutorado, tanto em meio às aulas, quanto pela convivência

com especialistas em discurso, me possibilitou uma maneira nova de compreender o mundo,

diferente daquela superficialidade que estava acostumado a ver nos fatos. Hoje, posso dizer que o

curso me proporcionou uma compreensão do mundo a partir da linguagem; ou melhor, a partir da

capacidade que nos dá de reconhecer e compreender que a linguagem tem sua opacidade.

17

Page 20: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Posso definir minha relação com as Ciências da Linguagem como um (re)encontro,

que me tirou da zona de conforto e me fez enxergar além do que eu “poderia e queria” ver.

Muito mais que a compreensão dos processos, o curso de doutorado em Ciências da

Linguagem me instigou a compreender a constituição dos sujeitos e dos discursos e a

produção de sentidos. Ensinou-me que, para compreender os caminhos para encontrar as

respostas que venho procurando, em minha posição sujeito profissional, como um

coordenador do curso de Administração do ensino superior, em um ambiente de acirrada

competitividade e disputa de poderes, é preciso que me desloque dessa posição, assumindo-

me como analista de discurso. É isso que pratico nesse estudo.

1.2. O Estudo

Sou professor do Ensino Superior há mais de 20 anos, atuando em cursos de

Administração, Direito, Engenharia de Produção, entre outros. Há dez anos, enquanto

Coordenador do Curso de Administração da FACECA, sempre analisei as campanhas

publicitárias dos meus concorrentes, a forma como comunicavam à comunidade local o seu

processo seletivo.

Nessa incansável batalha (já que em Administração usamos os termos “arena competitiva”

para expressar o território onde empresas concorrentes atuam), sempre me indaguei sobre o fato

da linguagem utilizada em tais campanhas não mudar, mesmo com a mudança no perfil e no

comportamento do consumidor, fruto da própria evolução das gerações.

Sobre esse assunto, Veloso, Dutra e Nakata (2016) discutem a evolução das gerações e

suas características:

os baby boomers, nascidos até 1964: valorizaram a posição social e a ascensão

profissional. Workaholics, aplicavam seus esforços, inclusive acadêmicos, na

construção de carreiras garantidas no universo profissional;

Geração X, composta pelos nascidos entre 1965 e 1977: geração que buscavam a

empregabilidade em um momento de reengenharia administrativa das empresas, de

otimização de recursos e melhoria dos resultados. Defendiam um ambiente de trabalho

menos formal e uma estrutura hierárquica menos rigorosa;

Geração Y, formada pelos nascidos a partir de 1978, indivíduos que “cresceram em

contato com as tecnologias de informação e são mais individualistas. Defendem suas

18

Page 21: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

opiniões e priorizam o lado pessoal em relação às questões profissionais.” (VELOSO;

DUTRA; NAKATA, 2016, p. 92)

Se por um lado a percepção meramente mercantilista que eu tinha era que as

campanhas publicitárias utilizavam uma linguagem inadequada e, desta forma, não “atraíam”

os alunos para os bancos da faculdade, por outro sempre me inquietava o fato de empresas do

Sul de Minas não conseguirem encontrar mão-de-obra qualificada em nossa região, um

empecilho ao seu crescimento econômico. Pâmela Kometani (2017) relata que a falta de

experiência enquanto fator para o não preenchimento de vagas é um fato nacional.

Contudo, e com o decorrer do Doutorado em Ciências da Linguagem, um

deslocamento interessante aconteceu: comecei a analisar tais campanhas publicitárias com

outros olhos, identificando a sobreposição dos interesses e do poder do mercado sobre aquele

que deveria (ao menos teoricamente), ser o objetivo principal do ensino superior, já que,

conforme estabelecido em nossa Carta Magna, em seu artigo 205:

a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho

(BRASIL, 1998, p. 160).

Ou seja: não basta formarmos um cidadão capaz de atuar efetivamente para o

desenvolvimento de uma sociedade, precisamos, com base no recorte acima, também, formar

profissionais aptos e capazes a atender aos interesses nacionais e neoliberais.

Acontece que um pouco antes da nossa Constituição estabelecer os objetivos do ensino

superior, como já apontado, um documento da Organização de Cooperação e Desenvolvimento

Econômico – OCDE, de 1987, atribuiu dez funções às universidades. Tal atribuição deve-se à

necessidade de geração de conhecimento como principal recurso econômico. São elas:

educação geral pós-secundária; investigação; fornecimento de mão-de-obra

qualificada; educação e treinamento altamente especializados; fortalecimento da

competitividade da economia; mecanismo de seleção para empregos de alto nível

através da credencialização; mobilidade social para os filhos e filhas das famílias

operárias; prestação de serviços à região e à comunidade local; paradigmas de

aplicação de políticas nacionais (ex.: igualdade de oportunidades para mulheres e

minorias raciais); preparação para os papéis de liderança social (ROGGERO, 2016,

p. 27).

19

Page 22: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Roggero (2016, p. 28) também defende que uma análise sistêmica dessas funções permite

observar com clareza a demanda pela “formação profissional de nível superior como mão-de-obra

e treinamento de alta especialização”. A universidade vira centro de credencialização para o

mercado, de instrumento de fortalecimento da competitividade da economia, em uma década

marcada por uma mudança no perfil da competição, com a inovação sendo utilizada enquanto

ferramenta para a criação de diferenciais competitivos. Portanto, é possível vislumbrar a relação

entre produção de conhecimento e crescimento econômico.

Retornando ao Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB também

apresenta, em seu artigo 43, outras finalidades do Ensino Superior, como o estímulo à criação

cultural, ao pensamento reflexivo e do desenvolvimento do espírito científico, o incentivo à

pesquisa e a investigação científica, a promoção à divulgação de conhecimentos culturais, o

estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo, entre outros, (BRASIL, 1996). Contudo

as questões mercadológicas e a preparação do sujeito profissional, trabalhador, também são

contemplados, como estabelecido principalmente no parágrafo II, que estabelece a formação

de “diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores

profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na

sua formação contínua” (BRASIL, 1996, p. 32).

Tamanha era a inquietação que busquei analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais

dos Cursos de Administração, também com um foco mais crítico. Para minha surpresa, o

perfil do egresso estabelecido para esse curso não prevê o desenvolvimento do espírito crítico

e reflexivo, do estímulo à criação cultural estabelecidos pela LDB, mas prevê única e

exclusivamente, a formação de um cidadão qualificado a atender às relações entre educação e

trabalho, a saber:

I - reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e

generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão; II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais; III - refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento; IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e

formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais; V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das

20

Page 23: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

implicações éticas do seu exercício profissional; VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos

organizacionais, revelando-se profissional adaptável; VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais (BRASIL, 2005, p. 2).

Paulo Freire (1979) em sua obra Educação e Mudança, discorre que a raiz da educação

está no desenvolvimento da capacidade humana de autorreflexão, da busca constante de ser mais,

de formação, ou seja, a educação como “finitude da infinitude”. Contudo, no mesmo livro,

defende que “quanto mais dirigidos são os homens pelas propaganda ideológicas, política ou

comercial, tanto mais são objetos de massa” (FREIRE, 1979, p. 17). Defende, também, que esses

“objetos de massa” são fruto de uma sociedade predadora, sendo o mercado externo a ela:

Nestas sociedades se instala uma elite que governa conforme as ordens da sociedade

diretriz. Esta elite impõe-se às massas populares. Esta imposição faz com que ela esteja

sobre o povo e não com o povo. As elites prescrevem as determinações às massas. Estas

massas estão sob o processo histórico. Sua participação na história é indireta. Não

deixam marcas como sujeitos, mas como objetos (FREIRE, 1979, p. 18).

Para a perspectiva discursiva o poder não emana só da elite em relação às massas, mas

constitui toda e qualquer relação que se dá no âmbito social. Por isso fala-se em relações de

poder. Foucault (2008) afirma que as verdades circulam diretamente ligadas aos sistemas de

poder, sendo este poder o elemento que apoia, produz e reproduz as verdades sócio-

historicamente compartilhadas. Não existem verdades fora das relações de poder. Desta feita,

se o poder e a verdade encontram-se interligados em uma relação considerada como circular e

constitutiva, os discursos providos de instituições funcionam como regimes de verdades. De

uma forma mais simples, fala-se que o poder vem operando e funcionado em conexão com a

verdade, produzindo efeitos de evidência.

Sobre a produção da verdade, Medeiros (2002, p. 14) defende que, em uma

perspectiva discursiva, a “verdade é, portanto, relativa aos sentidos que ‘colam’ em um dado

momento sócio-histórico e ideológico e que são hegemonizados em uma constituição de poder

em sociedade”.

Portanto, e diante desta minha inquietude, este trabalho objetiva verificar os discursos

em funcionamento nas campanhas publicitárias das Instituições privadas de Varginha que

21

Page 24: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

ofertam o Curso de Administração (UNIS e FACECA), bem como a competitividade nelas

existente e os jogos de poder que constituem tais campanhas. Incluímos, também, a análise

das campanhas da Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR, pela concorrência direta.

Para atingir esse objetivo, procurei responder às seguintes perguntas:

1. Quais são as discursividades em funcionamento nas Campanhas Publicitárias dessas

IES?

2. Quais as condições de produção de sua elaboração?

3. Como se dão as relações de poder nessas campanhas?

4. O que essas campanhas permitem vislumbrar da relação que se estabelece entre

estado, mercado de trabalho, cidadania e ensino?

5. As Leis e Políticas Públicas que regem os Cursos Superiores de Educação, além dos

Projetos Pedagógicos de Cursos, priorizam a formação do cidadão ou a qualificação da

mão-de-obra?

Para tanto, dividi o trabalho da seguinte forma: a primeira parte apresenta o trabalho e

seus objetivos e, na segunda etapa, as delimitações teóricas que embasam as análises aqui

propostas. Já o terceiro capítulo, discorre sobre a historicidade e a conjuntura do Ensino

Superior Brasileiro, como foco nas relações neoliberais. Os próximos capítulos apresentam a

legislação que sustenta as relações de poder e a discursividade da competitividade entre os

cursos de Administração aqui analisados. Dando continuidade, as campanhas publicitárias,

corpus desta pesquisa, são apresentadas e finalmente discorro sobre o poder midiático de tais

campanhas.

22

Page 25: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

2. DELIMITAÇÕES TEÓRICAS

2.1. Uma revisão histórica

A busca por analisar discursos, mesmo que de forma insipiente, pode ser encontrada

nos trabalhos de M. Bréal (século XIX) e dos formalistas russos, dos anos 1920/30.

Já a Análise do Discurso, que toma o discurso como seu objeto próprio, teve seu início

nos anos de 1960, a partir dos trabalhos de Z. S. Harris que defendia a Análise do Discurso

como fonte de ensinamentos sobre a estrutura de um texto ou sobre o papel de cada elemento

nessa estrutura, uma ferramenta que ensina como um discurso pode ser constituído para

atender a determinadas especificações (MAZIÉRE, 2007).

Quando da sua concepção (anos de 1960), a conjuntura era marcada pela prevalência

do Estruturalismo1, pela necessidade (para Pêcheux) de mais cientificidade por parte das

Ciências Sociais, com quem a Análise de Discurso mantém uma estreita relação, fato que

pesou na escolha.

Inclusive, o seguinte cenário linguístico era encontrado:

as leituras dos anos 60 eram baseadas no estruturalismo linguístico saussuriano, nas

críticas e no militarismo dos sociolinguístas, na filologia do estruturalismo de Saussure e

em seus anagramas. A língua, para Saussure, deve ser pensada como um sistema;

o início da propagação da gramática gerativa de Chomsky na França;

Harris estuda a Análise de Discurso, fornecendo procedimentos de análise: com a

redução do texto a enunciados elementares pode-se identificar a constituição de

sentidos semânticos;

Jakobson discute as funções da linguagem e apresenta o seu esquema de comunicação;

Benveniste ressalta a importância da enunciação e propõe uma oposição entre

narrativa e discurso. Propõe o discurso como um dito referido ao presente do

enunciado e a narrativa mimetiza uma sequência de acontecimentos que parecem se

contar por si mesmos (MAZIÉRE, 2007).

Culioli apresenta sua Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas;

1 Estruturalismo: método de análise que se apoia na criação de estruturas, de modelos explicativos da realidade.

Na França, tendo a Linguística como referência, “identificaram cultura e linguagem de tal modo que toda a análise de qualquer fato cultural devia tomar uma forma de análise linguística (GADET; HAK, 2014, p. 27).

23

Page 26: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

A fase da Análise do Discurso denominada “Escola Francesa da Análise do Discurso”

(sintagma introduzido por Dubois) ganha força principalmente através de produções dos anos

1969 e 1971. Essa fase é marcada pela imposição de objetos analíticos, do estabelecimento de

métodos e sua exposição à crise, à sua difusão em revistas, à sua divisão e posterior

reorganização, também à ampliação dos campos das disciplinas, das interrogações teóricas e

dos lugares de produção (MAZIÉRE, 2007)

Em 1969, Dubois publica um artigo intitulado “Analyse du discours”, uma tradução de

um outro artigo de Harris. Nesse artigo, Harris propunha um modelo de análise de discursos

baseado na adaptação ao texto de métodos distribucionalistas de identificação das unidades da

língua: segmentação e equivalência de classes paradigmáticas. O objetivo, segundo esse autor,

era a “análise da estrutura distribucional de um texto no qual se distinguiam invariantes, seja

por retomadas simples, seja por anáforas” (apud MAZIÉRE, 2007, p. 38).

Para realizar tal análise, Harris defendia um método fundamentado em

“transformações inversas como a despassivização (que permite generalizar uma ordem de

palavras, ou eleger um sujeito), a descoordenação e a dessubordinação (que permitem pôr

duas frases em paralelo)” (apud MAZIÉRE, 2007, p. 38).

A década de 70 presencia, ainda, uma aproximação da Análise do Discurso com o

sociológico, com a história e com a política, situação vista, por Dubois, como danosa à análise

por passar a representar apenas um ponto de vista do analista.

Maziére (2007) aponta que uma nova etapa apareceu na construção da Análise do

Discurso: a saída do distribucionalismo e abordagem de aspectos da retórica persuasiva, o

nascimento da Gramática Gerativo-Transformacional de Chomsky:

Desse modo, todo texto se torna o lugar de dois discursos: as estruturas de

superfície, manifestadas pelo texto, são opostas às estruturas profundas […]. Essa

estrutura profunda é o lugar de uma enunciação para o falante e de uma pergunta

para o ouvinte; são essas considerações que guiam as pesquisas em andamento sobre

o ‘ato da fala’ e a ‘intenção de falar’ (MAZIÉRE, 2007, p. 44)

Outros estudos acerca do texto podem ser encontrados em M. A. K. Halliday, que

pensando a linguagem em uso, considera o texto como uma passagem de qualquer

comprimento que forma um todo unificado (ORLANDI, 2001).

Uma revisão histórica acerca da Análise do Discurso não pode ser feita sem abordarmos

Pêcheux e sua contribuição para com essa ciência. Sua obra, principalmente após o rompimento

24

Page 27: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

com Dubois, é marcada por desconstruções e construções, por dúvidas, por experimentações,

pelo reconhecimento de impasses, por uma “problemática pela qual a língua, como objeto

construído pela linguística, é reconhecida porque funciona e não porque tem funções, trate-se

da função de comunicação ou interação”(MAZIÉRE, 2007, p. 48).

As contradições entre a Análise de Discurso de Pêcheux e a de Dubois são, também,

apontadas por Francine Maziére, que defende que

enquanto a AD de Dubois tenta uma articulação entre língua e sociedade no enunciado atestado pelo deslocamento de métodos distribucionais e pelo recurso às

teorias enunciativas, os pesquisadores do grupo de Pêcheux querem pensar a língua

como aquilo que permite constitutivamente o equívoco (e não a ambiguidade) e, portanto, garante a única possibilidade de ‘fazer sentido’ (2007, p. 55)

Escrevendo sobre a tecnicidade do mundo e sobre os sistemas homem-máquina, Gadet

e Hak escrevem “Por uma Análise Automática do Discurso”, material que demonstra uma

metodologia proposta por Pêcheux, de análise baseada em dados estatísticos e fórmulas

matemáticas.

Segundo Gadet e Hak (2014) Pêcheux, justificou a criação da Análise Automática de

Discurso em dois fatores: o primeiro no fato dos estudos das ciências sociais serem pré-

científicos. Isso pois, para Herbert-Pêcheux, “toda ciência é, antes de tudo, a ciência da

ideologia com a qual rompe. Logo, o objeto de uma ciência não é o objeto empírico, mas uma

construção” (GADET; HAK, 2014, p. 12).

A segunda justificativa reside no fato de que uma ciência necessita, para se

estabelecer, de instrumentos e, para Pêcheux, um trabalho teórico-conceitual (que reinventa a

ciência da ideologia com a qual ele rompe), deve resultar na criação de novas ferramentas. A

Análise de Discurso apareceria, então, como um novo Instrumento. Pêcheux objetivava

construir uma teoria e sistematizar um método, contribuindo para a Ciências Sociais,

transformando essa ciência em uma prática verdadeiramente científica e, ao mesmo tempo,

rompendo com o paradigma em voga na época para as ciências sociais.

Portanto, a Análise Automática de Discurso prevê a criação de um instrumento de

análise. Outros Métodos de Análises podem, para Gadet e Hak (2014) serem identificados.

Esses autores os classificam em “não linguísticos” e “linguísticos”. O quadro que segue

propõe-se a demonstrar tais métodos:

25

Page 28: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Quadro 1: Métodos de Análise

Classificação do Método Principais características

método

Métodos não Dedução frequencial Utilização de dados estatísticos, pelo

linguísticos levantamento da repetição de uma mesma

palavra no interior de uma frase (ou

parágrafo, ou texto) e a comparação da

frequência dessa palavra com a encontrada

em outros fragmentos. É, por assim dizer,

um método que trabalha a “demografia”

do texto, um método que não se preocupa

com os efeitos de sentidos que ele pode

despertar.

Análise por Método que, em contradição ao

categorias temáticas denominado “dedução frequencial”,

trabalha os sentidos: atravessando a

estrutura linguística, passando de um nível

infralinguístico para um nível

supralingúistico, o leitor pode detectar

uma série de significações.

Esse método prevê, também, uma

padronização2 da leitura, de forma que

leitores diferentes possam perceber os

mesmos sentidos em um texto.

Métodos Esses métodos referem-se à linguística

paralinguísticos moderna e trabalha muito a questão do

sentido. Nesse método, questões como a

2 Essa padronização, consenso entre vários codificadores, seria o fruto dos seus esforços, após aplicação das mesmas definições e utilização de um mesmo sistema de referência em suas análises.

26

Page 29: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

entonação, linguagem corporal, entre

outros, despertam sentidos gerando,

portanto, infinitas possibilidades de

análise.

Fonte: o autor adaptado de (GADET; HAK, 2014)

Mas retomamos Pêcheux e a Análise Automática de Discurso. Ao se colocar entre o

“sujeito da linguagem” e o “sujeito da ideologia”, Pêcheux percebia as ciências sociais como

técnicas que tinham um forte laço com a prática política e com a ideologia. E como ele via a

linguagem não como um instrumento de comunicação, mas como instrumento da prática

política, transformando as relações sociais e reformulando a demanda social, um instrumento

notadamente científico seria de grande contribuição (GADET; HAK, 2014).

E pode-se afirmar, inclusive, que o principal objetivo de Pêcheux com a sua Análise

Automática de Discurso era a criação de uma ferramenta que colocasse em evidência os

processos discursivos, através da elaboração de um esboço de uma análise não subjetiva dos

efeitos de sentido que atravessam a ilusão do efeito-sujeito, situação possibilitada através da

utilização de paráfrases interiores à matriz do sentido inerente à formação discursiva

(GADET; HAK, 2014).

A Análise Automática de Discurso partia de uma análise linguística, de natureza

morfossintática, permitindo a deslinearização especificamente linguística dos textos, com o

objetivo inclusive de deslocar o sujeito enunciador da materialidade dos enunciados.

Posteriormente, as “sofisticações da pragmática o reconfiguram em uma escala de ações e de

co-ações enunciativas e semânticas na qual ele pode se multiplicar e se diluir” (MAZIÉRE,

2007, p. 22)

Para tanto, Pêcheux entendia as condições de produção como algo que “designava ao

mesmo tempo o efeito das relações de lugar nas quais se acha inscrito o sujeito e a situação no

sentido concreto e empírico do termo, isto é, o ambiente material e institucional, os papéis mais ou

menos conscientemente colocados em jogo” (GADET; HAK, 2014, p. 169). Portanto, as

condições de produção indicariam a vivência do próprio sujeito, suas atitudes, representações,

entre outros, condições essenciais para a produção de determinados sentidos e não de outros.

O fato de não considerar uma teoria deste imaginário localizada em relação ao real, fato

que possibilitava a interpretação interpessoal dessas condições de produção é, inclusive, uma

27

Page 30: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

das críticas mais marcantes inerentes à Análise Automática de Discurso. Uma outra crítica

apresentada por Gadet e Hak (2014) reside na não clareza da análise morfossintática, uma das

primeiras etapas desse tipo de análise, bem como a não exclusão de um semantismo implícito.

A concepção de Pêcheux sobre da língua e suas influências podem ser encontradas no

quadro que segue:

Quadro 2 – Estudiosos e sua influência na obra de Pêcheux

Referência Influência na Análise Automática de

Discurso

Estruturalismo saussuriano Pêcheux reconhece que a língua é um sistema e

que a análise de discurso deveria focar na fala.

Também, pela compreensão da posição de

Saussure sobre a língua e pela sua convivência

com anagramas, atribui grande importância ao

“efeito metafórico”.

Gramática gerativa de Chomsky Contribui para a fundamentação teórica da AAD

já que Chomsky, ao se opor entre as estruturas

de superfície e a profunda, permite a proposição

da “relação entre estruturas discursivas

analisáveis como lugares de efeitos de superfície

e a estrutura invisível que as determina”

(GADET, HAK, 2014, p. 43).

Harris e a análise de discurso O Distribucionalismo Harrisiano é escolhido,

por Pêcheux, como teoria gramatical para suas

análises. Estabelece-se a paráfrase, baseada nas

questões sobre sinonímia e sobre a variabilidade

(ou não) da semântica.

Jakobson e as funções da linguagem Pêcheux, ampliando os limites da linguística,

retomando o esquema da comunicação e as

funções da linguagem, propõe ver na unidade da

28

Page 31: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

língua um sistema de subcódigos em

comunicação recíproca.

Benveniste e a enunciação Pêcheux faz, do enunciado, a unidade do

discurso, “a fronteira de um domínio irredutível

à ordem da gramática” (GADET, HAK, 2014, p.

46).

Culioli e a questão dos Apesar de Pêcheux, por um lado, ter apenas

determinantes “emprestado” a terminologia “léxis” para

elaborar seu instrumento, por outro, inspira-se

em Culioli nas análises das determinações do

nome e do verbo no enunciado.

Fonte: o autor, adaptado de (GADET; HAK, 2014)

O encantamento produzido pela Análise de Discurso é apontado por Gadet e Hak que,

ao publicar os últimos trabalhos de Pêcheux, dizem que

seja possível, a partir de um enunciado intuitivamente apreendido como ‘normal’,

imaginar e construir por pressão um outro enunciado, é um fato linguístico

experimentável. Que a interpretação ‘normal’ de um enunciado dado possa

repentinamente oscilar para outra interpretação, liberando retrospectivamente do

sentido outro (como sob o efeito de um trocadilho) é também um fato, que não é

nem, idêntico, nem simétrico ao primeiro. A questão do impossível, enquanto

estrutura essa rede de fenômenos linguísticos para um língua dada, se converte

assim em uma pluralidade de questões (apud MAZIÉRE, 2007, p. 54).

É inegável apontar que a AD se constitui no espaço de questões estabelecido por

outros campos do saber, sejam eles sociológicos, marxistas, históricos ou psicanalíticos, sem,

contudo, haver uma relação de dominação ou dependência dentre elas. A AD se mostra como

um processo teórico-analítico vivo que busca, nesses campos, subsídios teórico-metodológica

para suas análises, já que considera que, conforme Orlandi (2001):

1. A língua tem sua ordem própria e é relativamente autônoma;

2. a história tem seu real afetado pelo simbólico, já que os fatos reclamam sentidos;

3. o sujeito da linguagem é descentralizado, pois é afetado tanto pela língua quanto

pela história;

4. a linguagem só é linguagem pois faz sentido.

29

Page 32: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Nesse contexto, emissor e receptor não estão separados, mas significam, se constituem

mutuamente já que, enquanto sujeitos de linguagem são afetados pela língua e pela história, se

identificando e produzindo sentidos. E este é o principal objetivo da AD: através da análise e

dos gestos de interpretação, analisar como os sujeitos produzem sentido, “como ele está

investido de significância para e por sujeitos” (ORLANDI, 2001, p. 26)

A Análise de Discurso, portanto, ao conceber a linguagem como instrumento de

mediação do homem com sua realidade natural e social, não trabalha com a língua enquanto

algo abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens, seja

enquanto sujeitos, seja enquanto membros de determinada sociedade, falando, “se

esquecendo”, produzindo sentidos, tudo dentro de certas condições de produção. A análise de

textos, deixa de ter, dessa forma, uma abordagem meramente de interpretação, de buscas por

seu entendimento, e passa a abordar questões ideológicas, históricas, de sujeito, entre outras.

A AD coloca a intepretação que se pauta em evidências discursivas em questão. No nosso

caso, coloca o discurso das campanhas publicitárias das IES privadas em análise.

No processo de Análise é desnecessário perguntar ao sujeito “o que ele quis dizer”, já

que, como ele não tem acesso ou controle da forma como os efeitos produzem sentido, o que

ele sabe ou acredita que sabe não é suficiente para que possamos compreender os efeitos de

sentidos presentes em um discurso.

2.2.Uma disciplina de entremeio

Não podemos deixar de categorizar a Análise de Discurso, como uma disciplina de

entremeio, atuante no campo das Ciências Sociais e da Linguística. Devido a essa iniciativa,

leituras meramente convencionais de textos e falas, passaram a ser analisadas com a utilização

de dispositivos teóricos e analíticos visando à interpretação do simbólico; os princípios da AD

permitem compreender a maneira com que a ideologia se materializa no discurso e no objeto

de análise.

Orlandi (2007, p. 23) define que uma disciplina de entremeio é aquela que “não acumula

conhecimentos meramente, pois discute seus pressupostos continuamente”. Questionando a

Linguística, o Materialismo, a História e também a Psicanálise, a Análise de Discurso busca

analisar diferentes discursos, que são produzidos em diversas condições de produção. Isto é

possível pois enquanto a linguística estruturalista pensa na língua como sistema, apartada do

30

Page 33: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

falante e da situação de enunciação, a Análise de Discurso muda o objeto de análise de língua

para o discurso, considerando a opacidade da linguagem e a constituição histórica dos

sentidos. Já a Psicanálise trabalha o deslocamento da noção de homem para a de sujeito,

contribuindo enormemente para o construto teórico da AD. Já em sua relação com o

Marxismo, a Análise de Discurso pressupõe o legado do materialismo histórico, ou seja, o

homem faz a história, apesar da história não lhe ser transparente.

Essas são disciplinas que se configuram em sua especificidade nos anos 60,

fundamentalmente. Ao falarmos da análise de discurso e de seu modo de

constituição, estaremos aí representando o processo de construção dessas

disciplinas, em geral. O fato delas não acumularem positivamente no espaço

indistinto das relações entre disciplinas, relações estas que não são quaisquer umas,

mas que têm sua especificidade [...] (ORLANDI, 2007, p. 23).

Por ser uma disciplina de entremeio, a AD não vem complementar as disciplinas das

ciências sociais e linguística, mas é colocada justamente no questionamento destas áreas,

fazendo contrapontos entre elas. Muito mais do que uma ligação direta, ela circula em uma

área particular, que não deixa de considerar pontos destas disciplinas, mas põe em

funcionamento uma nova maneira de entendê-las e até mesmo faz nascer novas noções de

pontos estruturantes. Daí sua importância para este trabalho, por possibilitar a compreensão

do discurso neoliberal, da competitividade, dos jogos de poder, no material de análise.

É importante, contudo, frisar que não existe uma relação de servidão entre a

Linguística, o Marxismo e a Psicanálise, mas uma relação de coexistência para a análise de

como o discurso significa. Sobre esse assunto, Orlandi diz que a Análise de Discurso

interroga a linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo modo

como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (ORLANDI, 2001, p. 20).

A Análise de Discurso propõe um sujeito que é constituído também pelo inconsciente

– formações ideológicas, que sofre constantemente efeitos dessa constituição na produção

discursiva. A história, que não é somente cronológica, mas o funcionamento da historicidade,

também faz parte do campo teórico da AD (MALDIDIER, 2003).

Sendo assim, reservamos esta seção para os dispositivos teóricos e analíticos que

subsidiarão as demais seções deste estudo. Trouxemos, brevemente, noções da Análise de

31

Page 34: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Discurso, disciplina que, como já dito, de entremeio que dispõe ao leitor uma nova maneira de

interpretar, a partir da compreensão dos processos discursivos.

É importante salientar que muito mais que a transmissão de informações, o discurso traz

em si sentidos e efeitos diferentes, já que “todo conteúdo de pensamento existe na linguagem sob

a forma do discurso” (PÊCHEUX, 1995, p. 99). E “a palavra discurso, etimologicamente,

tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim

palavra em movimento, prática de linguagem; com o estudo do discurso observa-se o homem

falando” (ORLANDI, 2001, p. 15). O discurso é para Pêcheux, “o efeito de sentidos entre

interlocutores” (GADET; HAK, 2014), campo para o trabalho da AD a partir do processo de

produção de sentidos, pautado nas determinações histórico-sociais.

Abordado pela história, pela sociedade, pela memória e por diversos fatores em sua

elaboração, o discurso reúne repercussões diferentes de sentidos, baseado nas diferentes

condições de produção. “Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de significação e

não estão separados de forma estanque. Além disso, ao invés de mensagem, o que propomos é

justamente pensar aí o discurso” (ORLANDI, 2001, p. 21). “Desta forma, o campo particular

da AD permite analisar a produção dos possíveis sentidos que possibilitam pensar o discurso

como tensão entre paráfrase e polissemia, entre transparência e opacidade, entre o fechado e o

incompleto” (PEREIRA, 2018, p. 23).

Para tanto, os conhecimentos necessários para a composição do campo teórico da AD

congregam diferentes regiões do conhecimento, que ao mesmo tempo em que se contradizem,

se reúnem em linhas iguais: a teoria da sintaxe e da enunciação, a teoria da ideologia e a teoria

do discurso.

Diferente do que se pensa, a AD não busca desvendar o que está escondido nos discursos,

mas como os possíveis sentidos são constituídos por determinadas condições de produção; no caso

deste estudo: como os sentidos são constituídos nos discursos publicitários de IES privadas, em

um cenário onde a educação passa a ser comercializada enquanto produto.

2.3. História, ideologia e jogos de poder na constituição do discurso

Iniciamos esta sessão recorrendo à Orlandi para definir discurso. Como anteriormente

apresentado, Orlandi defende que tal significante tem em si a ideia de “curso, de percurso, de

correr por, de movimento” (2001, p. 15). Define, também como o “efeito de sentidos entre os

32

Page 35: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

locutores” (ORLANDI, 2001, p. 21), ou seja, é muito mais do que apenas transmitir

informações.

Ainda sobre o Discurso, Pêcheux (1995, p. 162) diz que

o funcionamento da ideologia em geral como interpelação dos indivíduos em

sujeitos (e, especificamente, em sujeitos de seu discurso) se realiza através do complexo das formações ideológicas (e, especificamente, através do interdiscurso

intrincado nesse complexo) e fornece ‘a cada sujeito’ sua ‘realidade’, enquanto

sistemas de evidências e de significações percebidas-aceitas – experimentadas.

Portanto o discurso não é o texto: é uma manifestação da materialidade da língua, um

“lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia” (ORLANDI, 2001, p.

17).

Ferreira (2003) defende que o discurso vem a ser um objeto teórico e livre da

comprovação empírica, no qual indícios de rupturas são desvendados pelo analista que preza

pela compreensão do modo como o gesto de interpretação passa a funcionar na materialidade,

no momento específico em que o sentido passa a fazer sentido em um discurso.

O discurso é o objeto que nos permite observar as relações entre ideologia e língua,

bem como os efeitos do jogo da língua na história e os efeitos desta na língua. É

através do discurso que se vai compreender como um material simbólico produz

sentidos e como o sujeito se constitui. Ao situar-se como lugar privilegiado de

observação entre a língua, a ideologia e o sujeito, o discurso propicia, como bom

observatório, a visualização das propriedades do complexo dispositivo teórico-

analítico (FERREIRA, 2003, p. 193-194).

Atravessada pelas especificidades do discurso, a AD compreende cada discurso a

partir das particularidades. É pertinente à AD “a desnaturalização dos sentidos, passando

então a problematizá-los, apontando para as relações da língua com a história e dos sujeitos

com os sentidos” (PEREIRA, 2018, p. 25). Desta forma, “além de se analisar o que está

concretamente no enunciado – palavras, cores, imagens ou expressões, observa-se, também a

constituição dos mesmos; ou seja, a relação do discurso com outros discursos” (PEREIRA,

2018, p. 135). Assim, considerá-lo é o mesmo que aceitar que o homem não é origem do que

diz – esquecimento número dois.

O esquecimento número dois, que é da ordem da enunciação: ao falarmos, o fazemos de

uma maneira e não de outra, e, ao longo do nosso dizer, formam famílias parafrásticas

que indicam que o dizer sempre podia ser outro [...]. Outro esquecimento

é o esquecimento número um, também chamado esquecimento ideológico: ele é a

33

Page 36: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

instância do inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia. Por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos preexistentes (ORLANDI, 2001, p. 35).

Pêcheux (1995, p. 173) afirma que o esquecimento número dois é aquele “pelo qual

todo sujeito –falante ‘seleciona’ no interior da formação discursiva que o domina, isto é, no

sistema de enunciados, formas e sequências que nela se encontram em relação à paráfrase”.

Sobre o Esquecimento número 1, Orlandi (2001), retomando os conceitos postulados

por Pêcheux, também afirma que os sentidos são representados em nós e não originados em

nós. São fruto de “como nos inscrevemos na língua e na história e é por isto que significam e

não pela nossa vontade” (ORLANDI, 2001, p. 35).

Gadet e Hak também falam sobre esse esquecimento, ao defini-lo como o “processo

pelo qual uma sequência discursiva concreta produzida, ou reconhecida como sendo um

sentido para um sujeito, se apaga, ele próprio, aos olhos do sujeito” (2014, p. 166).

Compreendendo os sujeitos e também a memória que constitui os discursos, acredita-

se, então, que as condições em que o discurso foi produzido, compreendendo a complexidade

e contextualização entre os elementos sócio históricos e, também, ideológicos que funcionam

nestas condições de produção. Estes acontecimentos, simultâneos à produção dos discursos,

relacionam-se não só com o que “já foi dito” histórica-ideologicamente, mas com o que “está

dito” sobre tal assunto, ou em determinado discurso.

Conforme Piovezani e Sargentini (2011), qualquer dito em um determinado momento

da história evoca uma memória discursiva que é caracterizada por aquilo que se fala em

algum outro lugar, espaço ou conjuntura, memória está evocada, por exemplo, no discurso

que produz um efeito de evidência e de verdade ao pregar que o Ensino Superior é condição

para o sucesso profissional, para a empregabilidade do sujeito, como em um dos recortes aqui

analisados, que utilizou a discursividade “eles estão mais prontos do que nunca para entrarem

no mercado de trabalho" (UNIS, 2016).

A memória discursiva, que difere de meras lembranças do passado, funciona no

interdiscurso – conjunto de formulações que afetam o dizer, e que se baseiam também nos

esquecimentos; ou seja, a ilusão do que é dito é inédito, assim produzindo a impressão que os

dizeres têm origem no próprio sujeito.

As formações discursivas, compostas pelas memórias do dizer, pelos esquecimentos de

primeira (ideológico) ou segunda ordem (enunciação), se constituem na relação com o

interdiscurso, representando, no dizer, as formações ideológicas.

34

Page 37: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Pêcheux defende que “toda formação discursiva dissimula, pela transparência do

sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao ‘todo complexo com

dominante’ das formações discursivas, intricado no complexo das formações ideológicas”

(2006, p. 162). Assim, o lugar do sentido, do sujeito e da metáfora, é função da interpretação,

espaço da ideologia (ORLANDI, 2013). Assim, quando se diz algo, este dizer poderia ser dito

de diferentes formas, compondo famílias parafrásticas. Afetando o sujeito, e o fazendo ter

uma noção ilusória que aquele dito é inédito, sendo que está de alguma forma presente na

memória discursiva.

Pêcheux (1995) também argumenta que processos parafrásticos e polissêmicos se fazem

presentes no funcionamento discursivo, propondo a tensão entre o mesmo e o diferente. A

paráfrase compõe a mesma família “do dizer”, mantendo desta forma algo em relação ao dizível.

Por outro lado, as possibilidades de sentidos que são deslocados em outros dizeres podem ser

consideradas processos polissêmicos. De acordo com Orlandi (2001), por reconhecer a

nebulosidade/opacidade da linguagem por conta de suas complexidades, o analista utiliza os

processos parafrásticos e polissêmicos para interpretar a incompletude da linguagem.

Percebe-se que os discursos são relacionados entre si, não existindo assim, início absoluto

para tal, tampouco o mesmo se finda por completo. Esta relação entre sentidos e discursos pode

ser denominada de relações de sentidos, considerando a memória do dizer, através da

historicidade. Todo dizer possui uma história, e é nessa historicidade que os discursos se

constituem. Nem o sujeito, muito menos o discurso, mostram-se transparentes; é justamente nesta

opacidade que a investigação do analista de discursos é colocada em funcionamento.

O materialismo histórico, um dos pilares que constitui a teoria da AD, compreende a

história não como fatos cronológicos distribuídos ao longo dos anos, mas pela perspectiva que

o homem participa da história e, desta, os sentidos são produzidos. Baseados na noção de

relações de forças pode-se perceber que o sujeito se instaura a partir da forma do seu dizer,

sendo assim, a ‘posição-sujeito’ pode variar de acordo com a formulação discursiva,

produzindo diferentes feitos em relação à forma-sujeito que fora construída. “O padre fala de

um lugar em que suas palavras têm uma autoridade determinada junto aos fiéis etc.”

(ORLANDI, 2001, p 39).

Em uma sociedade em que a hierarquia pressupõe uma forma particular em relação às

posições de poder, ela (a hierarquia) produz / emana sentidos de poder, podendo, assim, produzir

possíveis posições-sujeito em relação ao poder que é exercido na sociedade. Este poder

35

Page 38: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

é exercido na sociedade através de relações de força, produzido por uma posição em que o

mesmo ocupa perante a comunidade; construindo assim variáveis de sentidos a partir desta

posição (ORLANDI, 2010). Esta relação de poder e que busca abarcar sentidos de poder

exercido na sociedade será mais adiante tratada com detalhes, considerando o cumprimento de

seus objetivos já estabelecidos.

2.4. Dispositivo teórico-metodológico da AD

Considerando a importância da opacidade da linguagem, dos gestos de interpretação e

da produção dos efeitos de sentido nos estudos que se ancoram na perspectiva da AD,

iniciamos este subcapítulo discorrendo sobre a noção de sentido e sua produção

De acordo com Maziére, “toda forma de língua constitui sentido e modela o sentido por

conta de suas próprias particularidades” (MAZIÉRE, 2007, p. 16). Logo, é importante salientar

que a língua, bem como a história, afeta o sujeito da linguagem. Isso acontece, pois as palavras do

dia-a-dia chegam até esse sujeito carregadas de sentidos, cuja origem desconhecemos. Portanto, se

pensarmos que, na tentativa de nos comunicarmos, a linguagem em funcionamento

é carregada tanto dos fatos e acontecimentos históricos, do trabalho da ideologia, o discurso se

torna não apenas um processo de troca de informações, mas algo complexo, onde acontece o

processo de identificação do sujeito, da argumentação, da subjetivação e da construção da

realidade. A “linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque

se inscreve na história” (ORLANDI, 2001, p. 16).

Mas já que a Análise de Discurso visa “compreender como os objetos simbólicos

produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela considera

como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido”(ORLANDI, 2001, p.

26), precisa-se definir o que entendemos por “sentido”.

Maziére (2007, p. 28) define o sentido como

resultado de uma interpretação complexa, incluindo circunstantes e

contextualizantes. Nesse sentido, a Análise do Discurso se desinteressa da noção de

significação e se volta para a noção de valor, transferindo suas observações da palavra para o sintagma, da palavra para a proposição, da palavra para o texto, sem

jamais realmente largar a palavra.

Já Orlandi (2001, p. 25) define “sentido” “não como algo em si, mas com relação a”.

Expõe, inclusive, que para sua análise, a Análise de Discurso reúne “regiões de conhecimento

36

Page 39: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

em suas articulações contraditórias”, como a Teoria da Sintaxe e da Enunciação, a Teoria da

Ideologia e a Teoria do discurso, todas atravessadas por uma teoria do sujeito de natureza

psíquica (ORLANDI, 2001, p. 25). Inclusive, faz-se necessário ressaltar que os sentidos não

estão só nas palavras, nos textos, mas na relação com a exterioridade.

Ainda é importante salientar que os

dizeres não são, como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de

alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender (ORLANDI, 2001, p. 30).

Isso acontece pois, quando se fala, tenta-se transmitir uma informação, uma

mensagem. Achamos que sabemos o que falamos, que sabemos o que dizemos, mas

considerando as próprias condições de produção, o lugar social que ocupamos, nossas

posições ideológicas, nossa história, entre outros, o equívoco é inevitável. Portanto, o sentido

despertado pode ser diferente do intencionado. Fundamenta-se essas afirmações nos

postulados de Orlandi: “o discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito

diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro” e

ainda “os sentidos são sempre determinados ideologicamente” (2001, p. 43) Portanto, o

sentido é uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a história.

Não podemos nos esquecer que a incompletude é uma das condições da linguagem.

Isso acontece pois nem os sujeitos, nem os sentidos, estão completos, já determinados e

constituídos definitivamente. “Constituem-se e funcionam sob o modo do entremeio, da

relação, da falta, do movimento. Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta

é também o lugar do possível” (ORLANDI, 2001, p. 52). Portanto, ao falar, influenciado tanto

por condições determinadas, pela língua, pelo mundo e por nossas experiências, falamos, nos

significamos, despertando sentidos.

Dubois defendia que para que o sentido, nos elementos a serem analisados, fosse

mantido, havia a “necessidade de descrições exaustivas dos ambientes imediatos […] ou do

recurso a associações de termos que constituiriam o tema do texto” (apud MAZIÉRE, 2007, p.

33).

Já para Gadet e Hak

a produção do sentido é estritamente indissociável da relação de paráfrase entre

sequências, tais que a família parafrástica destas sequências constitui o que se poderia

37

Page 40: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

chamar a ‘matriz do sentido’. Isto equivale a dizer que é a partir da relação no interior desta família que se constitui o efeito de sentido (2014, p. 167).

Os sentidos não são inertes às palavras, muito menos há padronização em sua

constituição; as posições ideológicas são estabelecidas a partir da (inter)atuação dos

interdiscursos e suas formações sócio históricas. A memória discursiva relaciona-se com a

história e com as condições de produção; no entanto, baseados em Pêcheux (1995), podemos

afirmar que o sentido é materializado por uma ou mais palavras ou expressões que se

interagem simultaneamente, criando, assim, diferentes sentidos a partir da simultaneidade do

mesmo, em formulações diferentes (paráfrase) e uma nova forma do dizer (polissemia),

afetando o sujeito constituído pela ideologia e pelas relações de poder.

É nesta dinâmica entre processos parafrásticos e processos polissêmicos que a língua

se materializa através do discurso; é nesta tensão que o mesmo e o diferente funcionam e

significam. O discurso sempre em construção traz a noção da incompletude, uma vez que nem

o sujeito, muito menos seus dizeres estão finalizados. Daí percebe-se que não se define um

fim para um discurso, e um início para o outro; a heterogeneidade discursiva produz na/pela

língua marcas significantes.

Como um discurso produz sentidos? O que permite que um sentido se formule e não

outro? A partir destes questionamentos, percebe-se que não existe discurso sem interpretação,

muito menos interpretação sem ideologia, pois o indivíduo é interpelado em sujeito pela

ideologia. Desta forma, na maioria das vezes, não muito evidente, o analista de discursos

precisa amparar-se em um dispositivo analítico, a fim de analisar os processos discursivos e

ideológicos que funcionam na produção de determinados sentidos.

Entendendo que a linguagem permeia todos os campos de atividade do homem, não há

dúvidas de que a mesma não seja transparente e que os sentidos se movem, pois, como

mencionado por Orlandi (2001), o discurso coloca-se sempre em curso; ele movimenta-se se

submetendo a processos históricos de constituição dos sentidos. Em suma, nunca se pode

afirmar que um analista esgotará a interpretação de um discurso, pois, mesmo com um

dispositivo teórico/metodológico, diversas formações discursivas podem ser mobilizadas

pelos analistas a partir do dispositivo analítico.

Os sentidos sempre podem vir a ser outros, produzindo, assim, a subjetividade não

estruturada no empirismo, mas pela complexidade e incompletude da linguagem. Trazendo essas

considerações para análise do nosso material de pesquisa, podemos nos indagar: de quais

38

Page 41: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

sonhos estamos falando no recorte 8? O sonho de ser feliz? O sonho de constituir uma

família? O sonho de ser um profissional de sucesso? Ou, ainda, a quais escolhas o recorte 9 se

refere? O de ser feliz? Ou o de viver a vida mochilando pela Europa? Ou de preparação para o

mercado de trabalho? Ou de submissão às relações neoliberais? Isso se dá pois, como afirma

Orlandi (2001, p. 54), “pela natureza incompleta do sujeito, dos sentidos, da linguagem (do

simbólico), ainda que todo sentido se filie a uma rede de constituição, ele pode ser um

deslocamento nessa rede”.

Por também contar com um dispositivo teórico/metodológico, a AD se caracteriza por

apresentar uma metodologia própria de análise, que segue princípios teóricos e

epistemológicos particulares. Por não existirem sentidos literais, no campo teórico da

disciplina de AD, o analista deve levar em consideração o funcionamento da ideologia, da

memória discursiva, dos processos discursivos na produção dos sentidos.

Uma vez que o objeto da AD é o discurso, levar em conta a diferença entre segmentar

o texto e recortá-lo torna-se um ponto fundamental para entender nossos gestos de

interpretação e de análise (ORLANDI, 2001). Este primeiro recurso (segmentar) se distancia

do método da AD, pois separa partes do texto; desta forma, considerando o que está

mencionado de forma delimitada na parte segmentada e cortando qualquer tipo de vínculo

com outros ditos, não considerando a exterioridade.

Já o recorte é a escolha de uma parte do objeto, vindo de uma inquietação ou

questionamento do analista, podendo estar materializado no texto, na imagem, dentre outros.

No entanto, para se fazer um recorte do objeto de análise, se faz necessário reconhecer a

dinamicidade deste com os demais componentes do discurso.

Deve ser compreendida a noção de corpus na AD; ou seja, o objeto que o analista

buscará interpretar de acordo com a metodologia em diferentes materialidades – letras, sons,

imagens, expressões, dentre outras. Para determinar ou definir o corpus da pesquisa, o

dispositivo teórico segue rumo à pergunta que organiza a análise, colocando a interpretação

nos possíveis caminhos da pergunta que se busca compreender (SCHNEIDERS, 2014).

Outra etapa do processo tomado pela Análise de Discurso é a da superficialidade

linguística, que consiste em reconhecer a materialidade linguística que compõe o discurso –

como se diz, quando se diz, quem o diz e de que forma se diz. Desta forma, identifica-se,

superficialmente, no intradiscurso, alguns elementos essenciais para a análise. Ao longo da

39

Page 42: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

análise, a busca por processos parafrásticos ou polissêmicos pode levar à compreensão de

como os sentidos se constituem e funcionam, a partir da materialidade linguística analisada.

Torna-se substancial, no processo de análise, a observação do funcionamento de um

discurso, que pode funcionar em um fragmento do texto, sendo ele escrito ou falado, através

de palavras, cores ou imagens. Considera-se, então, elementos da/na língua, intradiscurso,

justapostos ao interdiscurso; desta forma, trazendo à tona a historicidade que funciona no

discurso, abolindo a observação meramente do conteúdo textual, mas reconhecendo a região

menos evidente, menos visível – porém, que opera no mesmo. “Não vemos nos textos os

‘conteúdos’ da história. Eles são tomados como discursos, em cuja materialidade está inscrita

a relação com a exterioridade” (ORLANDI, 2001, p. 68).

Pêcheux apresenta a ideia de que

o interdiscurso enquanto discurso-transverso atravessa e põe em conexão entre si os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto pré-construído, que fornece, por assim dizer, a matéria-prima na qual o sujeito se constitui enquanto sujeito-falante, com a formação discursiva que o assujeita (1995, p. 167)

Afirma, também, que “a forma sujeito pela qual o ‘sujeito do discurso’ se identifica

com a formação discursiva que o constitui, tende a absorver-esquecer o interdiscurso no

intradiscurso” (PÊCHEUX, 1995, p. 167).

Para Orlandi (1994), o materialismo em si não é aplicado na AD, mas uma nova noção

de forma material é instaurada, a partir da ideologia – as posições sujeito e a produção de

sentidos, deslocando o objeto da análise de discurso como o próprio discurso. Observa-se, nas

interpretações, que as formações imaginárias causam um efeito de realidade, influenciados

pela sua historicidade e pela sua constituição pela memória. Desta forma, o real do discurso

representa a dispersão, a falta, o equívoco e a incompletude do mesmo.

Quanto ao social, não são os traços sociológicos empíricos – classe social, idade, sexo, profissão – mas as formações imaginárias, que se constituem a partir das

relações sociais, que funcionam no discurso: a imagem que se faz de um operário, de

um presidente, de um pai, etc. (ORLANDI, 1994, p. 56)

Submetendo ao processo de análise a uma correlação, formula-se um procedimento

que tem o intuito de auxiliar o processo de interpretação: (primeira etapa) passagem da

superfície linguística para o objeto de discurso; (segunda etapa) passagem do objeto de

discurso para o processo discursivo; (terceira etapa) processo discursivo (ORLANDI, 2001).

40

Page 43: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

A etapa inicial, que compõe o método da análise, busca compreender, na superfície

linguística (no enunciado), vestígios do esquecimento número dois, a partir do corpus (objeto

discursivo a ser interpretado), em que coloca o sujeito na ilusão de que aquilo que foi dito

poderia ser somente daquela forma, assim elaborando o dizer atual (a enunciação). Neste

momento, é importante a noção de processos parafrásticos e polissêmicos, entre o dito e o não

dito, ou até mesmo o porquê não foi dito de outra forma, pois contribuirá para identificar a

competitividade e os jogos de poder nos discursos das campanhas publicitárias das IES aqui

analisadas.

Tomado pelo objeto discursivo representado pelo texto, a identificação das formações

discursivas nas quais o sujeito de linguagem se insere para que seu dizer produza sentidos

torna-se essencial para o segundo passo deste método, que busca associações dos já ditos

(sítios discursivos), independente da temporalidade cronológica, mas que se constitui a partir

da memória discursiva.

Especificamente sobre o material analisado neste trabalho, optamos pelas campanhas

publicitárias das IES privadas do Sul de Minas que oferecem o curso de Administração,

utilizadas nos vestibulares 2017-1 a 2018-2. O recorte apenas das peças utilizadas pela

Faculdade CNEC Varginha – FACECA, Centro Universitário do Sul de Minas – UNIS-MG e

Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR, deveu-se ao fato da Universidade de Alfenas –

UNIFAL oferecer o curso de Administração Pública e por ser uma instituição pública federal

que não seleciona alunos através de vestibulares tradicionais, e sim pelo SISU3.

Constituiu-se, também, como objetos de análise, algumas políticas públicas, leis,

(inclusive pertinentes ao Ensino Superior), além de Projetos Pedagógicos de Cursos e outras

informações que possibilitaram a construção desta tese e que nos permitam compreender os

jogos de poder e a influência da ideologia neoliberal na educação superior.

Já a construção do embasamento teórico específico da AD se deu através da literatura

específica de seus principais expoentes: Pêcheux e Orlandi, entre outros.

Registramos, ainda, que para que as condições de produção pudessem ser mais bem

descritas, buscamos construir uma linha temporal das peças publicitárias utilizadas por

diversas IES.

3 Registramos que não encontramos, na internet, materiais publicitários utilizados pela UNIFAL nos últimos anos.

41

Page 44: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

2.5. Língua e sentido

O efeito metafórico põe em funcionamento o discurso e a língua, a produção de

sentidos a partir de formulações (co)relacionadas. Este é um fenômeno semântico, não só por

trabalhar a superfície linguística do enunciado, mas também por produzir deslizes e

deslocamentos. “Falamos a mesma língua, mas falamos diferente” (ORLANDI, 2015, p. 78).

Sobre este assunto, Pêcheux diz que “no par língua/fala, o termo ‘fala’ reage sobre o

termo ‘língua’ sobrecarregado de sua sistematicidade própria (fonológica, morfológica,

sintática) com a suposta sistematicidade extralinguística do pensamento como reflexo ou

visão da realidade” (PÊCHEUX, 1995, p. 61). Portanto, a percepção da filiação do dizer (a

uma formação discursiva, por exemplo) coloca o analista face à interpretação de outros

dizeres constituídos pela materialidade histórica, pela língua e pelo inconsciente – logo, o

discurso é relacionado a diversos outros discursos.

O processo discursivo, instaurado a partir de condições específicas de produção, leva em

conta a heterogeneidade do texto e a opacidade do discurso. Estas condições afetam a

interpretação do discurso, uma vez que a compreensão de determinadas condições, faz com que o

próprio discurso perpasse por formações específicas. Esta etapa pode ser sinalizada como terceira,

que mergulha na discursividade do texto, relacionando-o ao interdiscurso – na relação ao dito, às

filiações e formações discursivas, ao intradiscurso e à enunciação que o compõe.

Interpelado pela ideologia, o sujeito se produz ao mesmo tempo que produz sentidos e

é a partir desta perspectiva que a AD propõe uma nova maneira de interpretar, levando em

consideração processos de produção de sentidos, e não meramente buscando desvendar tais

sentidos. A função do analista não está, portanto, na identificação desta ideologia, mas sim em

compreender seu funcionamento, ou seja, analisar de que modo se produzem os efeitos de

evidências.

Filiando-se no dispositivo da AD, que conduz a uma nova forma de ler, a uma forma

de compreender não somente o texto, mas o discurso que ali funciona, faz com que a atenção

não seja exclusiva ao que foi dito, mas também ao que está por se dizer, ao não-dito, ou até

mesmo ao que foi silenciado. Por trabalhar com a exterioridade representada por várias

questões, principalmente pela ideologia, o não-dito aparece nos objetos analisados, de forma

que até mesmo o silêncio significa.

42

Page 45: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Há um longo percurso entre o interdiscurso (memória discursiva) e o texto: ordem

das palavras, repetições, relações de sentidos, paráfrases que diluem a linearidade mostrando que há outros discursos no discurso, que os limites são difusos, passando

por mediações, por transformações, relação obrigatória ao imaginário. Farto trabalho

da ideologia (ORLANDI, 2007, p. 110).

Quando se lê Pêcheux a partir do campo das Ciências da Linguagem, especificamente

na Análise de Discurso, uma diferente interpretação é engendrada, em que o analista de

discurso lança mão do gesto de leitura, percebendo que o sujeito e o sentido se constituem

simultaneamente (ORLANDI, 2007).

O que diferencia a AD que circula hoje, em relação à linguística do século XIX, é

justamente a entrada do sujeito e do sentido na composição dos discursos, pois considerar

uma linguística autônoma é desconsiderar a opacidade da linguagem; também não levando em

conta o movimento dos discursos, muito menos as posições-sujeito que se inscrevem

simultaneamente com os discursos, e seus respectivos sentidos. Ou seja, o sujeito se inscreve

no discurso a partir da interpelação do indivíduo em sujeito pela ideologia.

Em nossa perspectiva, qualquer modificação na materialidade do texto corresponde a diferentes gestos de interpretação, compromisso com diferentes posições sujeito,

com diferentes formações discursivas, distintos recortes de memória, distintas

relações com a exterioridade (memória) (ORLANDI, 1996, p. 14).

Pensar em questões sócio históricas, a partir da abordagem discursiva, é de

fundamental relevância para uma teoria que se edifica na relação entre sujeito, história e

linguagem – tríade que ocupa um lugar diferenciado às demais teorias da linguagem, dando

lugar à interpretação do simbólico.

Como mencionado anteriormente, a AD se interessa pelos processos de significação,

assim considerando a história não como dados históricos, mas como a historicidade que

funciona na sociedade através da exterioridade.

Além dos processos sócio históricos, a AD provoca deslizamentos e deslocamentos em

noções psicanalíticas, importantes para a compreensão da noção de sujeito, que advém não

mais só da Psicanálise, mas do trabalho com o discurso.

Nos estudos discursivos, não se separam forma e conteúdo e procura-se compreender a

língua não só como uma estrutura, mas sobretudo como acontecimento. Reunindo

estrutura e acontecimento a forma material é vista como acontecimento do significante

(língua) em um sujeito afetado pela história. Aí entra então a contribuição da Psicanálise,

com o deslocamento da noção de homem para a de sujeito. Este, por sua vez, se constitui

na relação com o simbólico, na história (ORLANDI, 2015, p. 17).

43

Page 46: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

As palavras não possuem sentidos sozinhas, isoladas, mas circulam produzindo sentidos,

ao evocar e se relacionar com outras discursividades. Logo, chega-se à colocação de que a

textualidade se instaura, justamente nos processos de significação, a partir das palavras, textos e

discursos. Há uma diferença entre o texto e textualidade, em que o texto é um objeto sócio-

histórico-linguístico, onde a própria linguística intervém neste objeto sócio histórico. Por não ser

meramente um conjunto de enunciados, o discurso significa a partir da historicidade, da

textualidade presente nele, que, por sua vez incompleto, leva em consideração o interdiscurso.

Considerar a historicidade do discurso é repensar a relação entre ideologia e sujeito,

levando em consideração o interdiscurso – ou seja, a relação entre o discurso e sua

exterioridade, outros discursos, afinal, por não existir começo e fim, os discursos funcionam

como fatos discursivos, a partir de suas materialidades.

Os sentidos não são repassados pelos interlocutores, mas sim funcionam como

efeitos relativamente incontroláveis e, por isso, pode-se dizer que não se transmite uma

mensagem, mas sim se produz discursos. E, a partir desta afirmação, o gesto de interpretação

do analista é de interpretar os processos discursivos, e não os resultados dos discursos. No

entanto, sugere-se que a interpretação aparece em dois momentos da análise:

Em um primeiro momento, é preciso considerar que a interpretação faz parte do objeto da análise, isto é, o sujeito que fala interpreta e o analista deve procurar

descrever esse gesto de interpretação do sujeito que constitui o sentido submetido à análise (ORLANDI, 2015, p. 58).

Há uma nova compreensão de interpretação pela AD, mobilizando a noção de gestos

de interpretação, que além de ser um dispositivo analítico, toma parte de um texto, ou seja,

leva em conta a materialização do discurso através de uma unidade discursiva. Passa-se do

texto ao discurso, desta forma remetendo-o às diferentes formações discursivas que o

atravessam, assim distinguindo-o pela ideologia.

2.6. Uma relação entre sujeito e sentido

O batimento proposto por Pêcheux entre descrever e interpretar é fundamental para a AD.

Desta forma, toma-se a descrição, mas não deixando de levar em consideração os processos de

significação face a esta maneira particular de interpretar. Os sentidos não estão escondidos

44

Page 47: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

no texto, muito menos estão por detrás dele; o sentido está na discursividade do texto, e é a

partir de gestos de interpretação que o analista o vislumbra.

De acordo com Orlandi (2011), em um segundo momento, é preciso compreender que

não há descrição sem interpretação, então o próprio analista está envolvido na interpretação.

Por isso, é necessário apoiar-se em um dispositivo teórico que possa intervir na relação do

analista com os objetivos simbólicos que analisa, produzindo deslocamentos em sua relação

de sujeito com a interpretação: esse deslocamento vai permitir que ele trabalhe no entremeio

da descrição com a interpretação.

A literalidade é um produto da história, ou seja, é constituída a partir da historicidade

que funciona no discurso. Nesse campo teórico, o da Análise de Discurso, não se pode afirmar

que os sentidos são literais, mas que eles são produzidos a partir de acontecimentos, estes

também discursivos. Ainda assim, o texto pode possuir uma (co)relação que produzirá

sentidos, fazendo-se ultrapassar somente as barreiras textuais.

A relação entre o texto e o discurso põe em funcionamento uma relação dinâmica, pois o

discurso é materializado no texto, assim produzindo sua textualidade. Conforme será exposto nos

capítulos analíticos, percebe-se a predominância do discurso neoliberal nos materiais analisados,

seja na predominância de números de telefone para ligação gratuita (o 0800 032 1002 do recorte

8), as “provas agendadas” do recorte 11, ou o uso marcante do significante “grupo”,

materializando o poder das grandes corporações educacionais. Há a predominância da

competitividade e das relações de poder existentes no mercado e do discurso neoliberal.

Bem como o texto está para o discurso, o sujeito está para o autor, na (inter)relação da

textualidade e discursividade, uma vez que o discurso é uma unidade teórica e significativa;

independentemente de seu conteúdo quantitativo.

Pêcheux (2008 [1975]) afirma que não podemos separar a descrição da interpretação,

visto funcionarem ao mesmo tempo. Diferentemente dos estruturalistas, que descreviam as

formas, abandonando o caráter interpretativo dos fatos, dos arranjos, abordando a

materialidade e esquecendo a história, a AD considera o caráter histórico da língua.

Portanto, Pêcheux (2008 [1975]) nos mostra que interpretar é produzir um enunciado que

“traduza” o enunciado de origem; assim, para ele, descrever não pode tornar-se distinto do

interpretar. Ao falar da descrição, ele afirma que a língua está exposta ao equívoco, visto que todo

enunciado é possível de se tornar outro e seu sentido derivar discursivamente para outro. Nesse

momento, ele trabalha a possibilidade de um enunciado ser descrito como uma série de

45

Page 48: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

pontos de derivas possíveis, que oferecem lugar à interpretação, lugar este que trabalha a

análise de discurso.

A teoria desenvolvida por Pêcheux, muito mais que uma maneira de leitura, coloca o

sujeito em uma posição de analista na qual, através de gestos de interpretação, chega-se à

compreensão dos discursos, nos quais a inteligibilidade, interpretação e compreensão tornam-

se esferas fundamentais para tal ação interpretativa.

Especificamente sobre os gestos de interpretação, os consideramos como parte principal

da teoria contemplada neste estudo, já que o analista, além de ter uma nova perspectiva de leitura,

lança mão de dispositivos teóricos e analíticos, como mencionado anteriormente. De acordo com

Courtine (1981), compreender os processos simbólicos é documentá-los através da análise, torna-

se a principal tarefa do analista de discurso, que descreve e interpreta.

Não há sujeito sem ideologia, nem sentido sem sujeito; portanto, este processo

funciona de forma a produzir evidências a partir da constituição dos sujeitos e dos sentidos.

Segundo Orlandi (2015), o assujeitamento é a interpelação do indivíduo em sujeito

pela ideologia, o constituindo enquanto sujeito do discurso. De acordo com Harvey (2012), a

forma-sujeito histórica faz relacionar o capitalismo e o neoliberalismo com a constituição do

sujeito, uma vez sendo afetados pelo Estado, o mesmo passa a funcionar como sujeito de

deveres e direitos (jurídicos).

O sujeito individuado, aquele afetado pela ideologia e pelos processos sócio históricos, se

constitui, ao mesmo tempo que se identifica com determinadas formações discursivas. Nestas

filiações do dizer, o sujeito participa efetivamente do processo de identificação com essas

formações discursivas, assim fazendo gradativamente o movimento de identificação. Ainda, pode-

se dizer sobre a possibilidade da ruptura do sujeito em relação à identificação com determinadas

formações discursivas, assim demonstrando resistências (MALDIDIER, 2003).

Considera-se assujeitamento uma forma histórica do sujeito que, ao mesmo tempo em

que possui uma liberdade sem limites, é compelido a uma submissão contínua, imposta pelo

entendimento da língua que se propõe a saber. De acordo com Harvey (2012), o capitalismo e

o neoliberalismo vividos atualmente, e construídos ao longo da história, promovem um tipo

específico de assujeitamento dos indivíduos em relação aos seus discursos que,

simbolicamente, fazem-se existir alinhados aos processos de relações de pertença e poder.

46

Page 49: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Por hora, os efeitos ideológicos podem afastar o homem em compreender o real da

história, pois o imaginário funciona de maneira significativa no processo de assujeitamento,

inclusive na individuação deste sujeito na relação: ideologia e história.

2.7. O mesmo e o diferente na produção de sentidos

No processo de deriva dos sentidos, determinados sentidos podem se manter; porém, o

diferente também pode funcionar a partir do mesmo. Basta o analista, através de gestos de

interpretação, tomar a análise a partir da opacidade do texto, da ausência necessária – que é

fundamental na constituição dos discursos e dos sentidos, afinal não se pode dizer tudo ao

mesmo tempo, por isso o sujeito se filia a diferentes formações discursivas, a partir da

memória do dizer. “Quanto à completude, já tivemos ocasião de observar em diversas

ocasiões que a incompletude é fundamental no dizer. É a incompletude que produz a

possibilidade do múltiplo, base da polissemia” (ORLANDI, 2011, p. 47).

Mencionado anteriormente, os discursos são constituídos a partir de processos

simbólicos e é por esse motivo que a linguagem se faz opaca e cheia de desvios em meio à

discursividade. Não se esgotando de lembrar que os sujeitos e os sentidos são produzidos a

partir da materialidade discursiva; a relação entre a constituição (interdiscurso) e a formulação

(intradiscurso) podem produzir antecipações ou efeitos de antecipação. Estes mecanismos

naturais linguísticos fazem com que o sujeito acredite que o seu dizer será compreendido

sempre da mesma maneira.

Como já mencionado, de acordo com a AD, o esquecimento número dois, remete à

instância da formulação, fazendo com que o sujeito, ao enunciar, tenha a ilusão do controle da

linguagem/mundo/pensamento, trazendo o pensamento de que exista uma relação direta entre

essas esferas – assim, tendo a ilusão de que aquilo que foi dito só pode ser dito daquela forma,

esquecendo as demais possibilidades de formulações.

Ainda, o esquecimento da ordem primeira (o esquecimento número um) é parte da

instância da ideologia que conduz o sujeito ao dizer. Pensa-se que o dito tem justamente

origem nele, no sujeito, porém sabe-se que também é uma ilusão, pois o mesmo é afetado por

outros discursos (interdiscurso), através da memória que funciona inconscientemente, pois ela

não tem acesso à composição dos sentidos no sujeito. Percebe-se, então, que estes

funcionamentos produzem equivocidades nos processos discursivos.

47

Page 50: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Pensando-se a interpretação, esse efeito aponta-nos para o ‘discurso duplo e uno’.

Essa duplicidade faz referir um discurso a um discurso outro para que ele faça

sentido; na Psicanálise, isso envolve o inconsciente, na Análise de Discurso, envolve

também a ideologia. Essa duplicidade, esse equívoco é trabalhado como a questão

ideológica fundamental, pensando a relação material do discurso à língua e a da

ideologia ao inconsciente (ORLANDI, 2001, p. 80).

Compreende-se que os gestos de interpretação são carregados das relações entre

ideologia e inconsciente, onde sentidos derivam de lugares discursivos distintos, podendo,

assim, deslizarem-se ou deslocarem-se a partir do jogo dos dizeres. Deste modo, a noção de

interpretação na AD é ampla e possui características particulares, em que o trabalho simbólico

produz, na sociedade, determinadas práticas discursivas.

Observa-se, então, que a interpretação está presente ao menos nas seguintes instâncias:

na de quem fala, na de quem analisa, na de quem ouve; seja qual for a materialidade. Para o

analista, interpretar não concerne em chegar à intenção do dizer, muito menos em um sentido

uno e literal; mas sim, na discursividade que funciona no texto. Não existe sentido em si, mas

sentidos que estão ligados às diversas formações discursivas, uma vez que o sentido é sempre

em “relação a”.

O que diferencia a AD dos demais campos teóricos que estudam o discurso, dentre

outros conceitos, é a noção de ideologia e sua importância no trabalho do analista. Uma vez

que a noção de ideologia em nossa filiação não aparece como um conjunto de ideias, mas

como o processo pelo qual se evidencia um sentido em detrimento de outros possíveis – efeito

de evidência. A ideologia não oculta o sentido, muito menos seus possíveis efeitos, mas

evidencia as formações imaginárias com as quais o sujeito se relaciona, a partir de suas

condições de existência.

No questionamento das disciplinas da Linguística e das Ciências Sociais é que se chega

à noção de entremeio, a qual não funciona no intervalo destas disciplinas, mas justamente na

contradição e na incompletude das mesmas, uma vez que esta abertura na linguagem se faz

objeto para a AD, observando, assim, os processos simbólicos. Inclusive Orlandi (apud

BARRETO, 2006, p. 3) defende que a “materialidade da ideologia é o discurso e a

materialidade do discurso é a língua”.

Questionando e ao mesmo tempo refletindo sobre a Linguística, sobre a História e a

Psicanálise, Pêcheux faz o batimento entre as disciplinas, promovendo deslocamento de conceitos

estabilizados para noções que na AD circulam a partir de outros sítios de significação.

48

Page 51: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

A relação entre locutores e o transporte da comunicação não é o objeto de estudo da análise de

discurso, mas a produção de sentidos – os efeitos que são produzidos (ORLANDI, 2015).

Muito mais que uma troca de informações, a produção de sentidos é simultânea entre

locutores, tanto na interpretação, quanto na produção de sentidos, remetendo a outros discursos

– interdiscurso. Estas importantes mobilizações, “coloca-nos” na posição de analista de

discurso, frente aos dispositivos teóricos e analíticos desta teoria, fazendo dos gestos de

interpretação uma assimétrica maneira de compreender como os discursos se constituem, bem

como seu jogo discursivo na produção de efeitos de sentidos. Encontram-se, aí, os objetivos

desta pesquisa, de analisar as relações que se estabelecem entre estado, mercado de trabalho,

cidadania e ensino, além dos jogos discursivos que funcionam na produção dos sentidos (a

partir das relações de poder) e de competitividade (e livre concorrência).

Para tanto e considerando a importância das condições de produção para AD dedica-

se, os capítulos que seguem, a discorrer sobre o Curso de Administração, a legislação

pertinente, bem como as relações mercadológicas em curso.

49

Page 52: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

3. ADMINISTRAÇÃO: UM CURSO INTERDISCIPLINAR

3.1. A inquietação

Conforme mencionado no início deste trabalho, apesar de iniciar a minha carreira

acadêmica há pouco mais de 20 anos, iniciei as minhas atividades profissionais em 1993

enquanto estagiário do Banco do Brasil. Em 1994, já trabalhando no departamento de

exportação da Mangels, me encantava com negociações internacionais, com grandes vendas,

com ganhos financeiros significativos.

Já professor universitário, mas de novo aluno universitário cursando o Bacharelado em

Administração, um complemento interessante, já me encontrava no entremeio entre o

Mercado, as teorias econômicas e a ciência da Administração: uma combinação, para mim,

extremamente coerente.

Cavallari, em sua tese de Doutorado, defende que “dentro da abordagem discursiva, não

há a existência de um sentido primeiro, mas a disseminação de sentidos que estão atrelados às

condições de sua produção” (2005, p. 30). Portanto, e já enquanto coordenador do Curso de

Administração da FACECA, sempre questionei as campanhas publicitárias utilizadas no processo

de captação de alunos, incluindo, nesse processo, o trabalho com o discurso enquanto

materialidade significante. Costumava me deparar sempre com o mesmo intradiscurso, a mesma

linearidade, não importando a temporalidade e as condições de enunciação.

Recorte 1: Vestibular UEL, 1997

Fonte: (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, 1996)

50

Page 53: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Recorte 2: Vestibular UNIDERP, 2001

Fonte: (UNIDERP, 2000)

Recorte 3: Vestibular Faculdade R. SÁ, 2008

Fonte: (FACULDADE R.SÁ, 2007)

51

Page 54: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Recorte 4: Vestibular Faculdades Cearenses, 2010

Fonte: (FACULDADES CEARENSES, 2009)

Recorte 5: Vestibular UEPG, 2013

Fonte: (FACULDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA, 2012)

52

Page 55: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Recorte 6: Vestibular UNOPAR, 2013

Fonte: (UNOPAR, 2012)

Como pode ser observado, os seis recortes acima apresentados seguem a mesma

padronização: a foto de alguém (famoso ou não), uma frase de impacto (“Seu passaporte para

o mundo”, ou “Faça parte da melhor” ou “Aqui você vira fera”, ou “O passaporte para o

Século XXI”), além de informações como datas do processo seletivo e chamada para

inscrição. Isso independente se a Instituição de Ensino Superior – IES é pública (como é o

caso da UEL e da UEPG), privada (UNIDERP, Faculdade R.SÁ e Faculdades Cearenses), ou

se a oferta é na modalidade EAD.

Na posição sujeito Administrador e Professor do Curso de Administração que me

encontrava, não deixava de questionar a eficiência de tais campanhas no seu propósito

primário: a captação de alunos. Considerando a concorrência feroz de outros cursos

presenciais e/ou a distância considerava, enquanto gestor do curso, a propaganda como

instrumento de “enchimento” de salas de aula.

Sobre a propaganda, Batista e Tavares (2009) defendem que para que a comunicação

visual seja entendida por uma pessoa, elementos básicos de comunicação visual como o

ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a escala, a dimensão e o movimento,

são indispensáveis ao processo de entendimento.

Defendem, também, que para que uma campanha publicitária seja eficiente, há a

necessidade do correto uso

53

Page 56: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

das cores da faculdade; da logomarca; das imagens que condizem com a realidade

local (como exemplo: o uso dos modelos e de paisagens locais); dos veículos

apropriados; dos formatos e aplicações; dos substratos para os impressos; na escolha

das gráficas que se preocupam com a qualidade de seus serviços; e, principalmente,

com o direcionamento dos trabalhos gráficos, para os profissionais de comunicação

que tenham experiências técnica-profissional, porque só assim, pode-se criar uma

identidade visual junto ao seu público em potencial (BATISTA; TAVARES, 2009,

p.11).

Será que essa era a “fórmula mágica” para a criação de campanhas publicitárias eficientes?

Será que este é o motivo pelo qual todas as campanhas parecem iguais? A conclusão apresentada

no trabalho de Batista e Tavares, de que a Campanha do Vestibular da Faculdade R.SÁ de 2008,

aqui transcrita (figura 3), foi eficiente, já que “nunca se teve tantos inscritos para o vestibular do

citado ano” (2009, p. 12), parecia responder a essas indagações. Contudo, se todos usam dessa

mesma fórmula, como uma IES poderia se destacar utilizando a publicidade como estratégia,

como um diferencial para vencer os concorrentes e destacar-se neste mercado?

Jairo da Silva e Silva defende que

Com o advento do capitalismo e da expansão da sociedade de consumo, a

publicidade tem desempenhado um papel fundamental na contemporaneidade, não

apenas com o intuito de persuadir ao público consumidor, mas de criar necessidades

de consumo e de posicionar o público consumidor em determinados lugares na

relação com os anunciantes dos textos publicitários (SILVA, 2016, p. 2).

No estudo de Batista e Tavares, anteriormente mencionado, a eficiência das

campanhas publicitárias pode ser analisada pela verificação de elementos gráficos. Contudo,

esta abordagem não permitirá vislumbrar os processos discursivos, o interdiscurso, as relações

de poder, a presença marcante do neoliberalismo, ou seja, analisar os discursos presentes em

tais recortes, que são objetivos do nosso estudo. Para interpretar, levaremos em conta a

exterioridade e o fato de o sentido não ser único ou literal.

O Doutorado em Ciências da Linguagem possibilitou deslocar-nos e assumirmos o

papel de Analista de Discurso. Deslocamo-nos, portanto, da posição de Batista e Tavares e,

baseados em um dispositivo teórico, propomos lançar um olhar discursivo, levando em conta

a opacidade da linguagem e as condições de produção de tais campanhas, que sinalizam não

só como o curso de Administração é visto e publicizado, mas, de maneira mais ampla, como

se dá, nessas campanhas publicitárias, a relação entre o ensino superior, a cidadania, a

sociedade, o mercado de trabalho e o Estado. Analisar, ainda, como se dá o deslocamento da

educação formadora para educação qualificadora, do sujeito cidadão para sujeito consumidor.

54

Page 57: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Em um cenário de grande competição, como o do ensino superior brasileiro nos últimos

anos, o foco no destaque dos diferenciais competitivos é marcante, seja em dizeres como “aulas ao

vivo” (UNOPAR) ou “líder no IGC do MEC no Ceará” (FAC), ou “os melhores professores estão

aqui” (Faculdade R.SÁ). As marcas das Instituições de Ensino quase sempre aparecem em

destaque, enfocando aquela como a melhor “fornecedora” de um futuro profissional de sucesso.

Como pode ser encontrado no recorte do vestibular da UEL (“vendas do Manual do Candidato e

pagamento do preço público...”) as relações de mercado estão sempre presentes.

Destaca-se, nos recortes 1, 2 e 3, o dêitico “aqui”, elemento que objetiva localizar o

vestibular no tempo e no lugar sem, contudo, defini-lo. Há a possibilidade, inclusive, de

classificar tais campanhas em uma etapa do marketing denominada “Era do Marketing”,

classificação para uma era marcada pelo excedente da produção, em que as empresas passam

a prestar mais atenção às demandas mercadológicas (COBRA, 2009). Portanto, parece haver

uma busca por qualificar a Instituição de Ensino como um lugar de comércio, de venda, de

fechamento de negócios. “Passa aqui” que fecharemos um bom negócio, ou, ainda, “aqui” nos

destacamos dos outros competidores, venha conversar que aqui a gente faz dar.

Especificamente sobre o vestibular da UNIDERP, provavelmente pela sua localização

geográfica, há uma tentativa de identificação, seja com o uso da onça pintada, ou, ainda, com

o interdiscurso “aqui você vira fera”. Chama a atenção, também, o fato do candidato poder

“comprar” sua entrada na faculdade, sua inscrição, como se fosse em um shopping center

local. Contudo, a importância da educação na formação do cidadão e na construção de uma

sociedade desenvolvida não se encontra, nesse recorte ou em nenhum dos outros aqui

apresentados neste capítulo.

Pode-se dizer, portanto, que apesar de uma campanha ser de 1997 e as outras mais

recentes, a mesma memória do dizer que prega que o ensino superior é fundamental para o

ingresso no mercado de trabalho parece se repetir. Seja o dizer “o passaporte para o século 21!

Passa aqui!” (UEL), ou “Seu passaporte para o mundo” (UEPG), parece haver uma presença

do mesmo nessas campanhas (uma pessoa caracterizada de aluno, a data de realização, um

telefone para contato), apesar de haver mais de uma década de distância entre elas.

Entretanto, uma comparação entre tais recortes e os atualmente utilizados pelas

Instituições de Ensino, há um deslizamento nos slogans usados: se o foco inicial era no produto,

como aquele caracterizado na “Era do Marketing”, o foco das atuais campanhas está mais na

realização de supostos desejos do que no atendimento a necessidades (COBRA, 2009).

55

Page 58: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Portanto, discursividades do tipo “aqui você vira fera”4 são substituídas por “seu passaporte

para o mundo” ou “seja do tamanho dos seus sonhos”, ou, ainda, “a CNEC acredita em você”.

Considerando uma Instituição de Ensino Superior enquanto um Aparelho Ideológico

do Estado (assunto que será abordado oportunamente), local de realização da ideologia

hegemônica e considerando o fato de que o sentido de uma expressão é constituído pelo

momento sócio histórico e consequentes posições ideológica que dele afloram, recorremos a

Pêcheux que defende que

a dominação da ideologia dominante que é caracterizada, no nível ideológico, pelo

fato de que a reprodução das relações de produção ‘subjuga’ sua transformação [...],

corresponde, pois, menos à manutenção do idêntico de cada ‘região’ ideológica considerada em si mesma do que a produção das relações de desigualdade-

subordinação entre essas regiões (PÊCHEUX, 1995, p. 146).

Nesse prisma, buscaremos, adiante, analisar os discursos em funcionamento em

campanhas publicitárias de instituições da microrregião de Varginha, que ofertam o Curso de

Administração (corpus dessa pesquisa), um curso que nasceu em uma época de crescente

atividade econômica nacional, atendendo as necessidades do mercado por profissionais para as

diferentes funções de controlar, analisar e planejar as atividades empresariais (BRASIL, 2015a) e

que se encontra no meio dos interesses dos grandes grupos educacionais, das regulamentações

governamentais, das necessidades do mercado de trabalho, das aspirações da sociedade brasileira,

sociedade essa que urge por ética, por profissionalismo, por desenvolvimento.

Para Courtine (2007), um corpus é construído como conjunto de dados prévios, feito

de discurso doutrinal contrastado, produto de condições de produção controláveis e tomando

em um ritual bem particular. Tal assunto pode ser também encontrado em Gadet e Hak (2014,

p. 183), ao afirmarem que um “corpus é constituído por uma série de superfícies linguísticas

ou de objetos discursivos […], estando estas superfícies dominadas por condições de

produção estáveis e homogêneas”.

Maziére (2007, p. 36) afirma que o “corpus” de pesquisa não tem a função de selecionar

discursos, mas selecionar discursos em função de um objetivo discursivo. Inclusive, remetendo a

Dubois, afirma que o “corpus” é uma “escolha de difícil extração, dado que é tomado no

4 Slogans de recortes que serão trabalhados no capítulo 4 desta tase

56

Page 59: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

universal do discurso”. E continua: “ele será representativo se for homogêneo, no tempo e no

espaço e tradutor de uma ideologia”.

Como os “sentidos produzidos em um acontecimento discursivo estão atrelados à

determinação histórica, social, cultural e ideológica do sujeito e da linguagem”

(CAVALLARI, 2005, p. 30), as próximas sessões apresentarão o curso de Administração,

discorrendo sobre a conjuntura do ensino superior e a legislação que o embasa, informações

envoltas em relações de poder provenientes do neoliberalismo como condição material de

existência. As condições de produção serão, então, apresentadas.

A necessidade de tal exposição pode ser encontrada em Cavallari ao relatar que “se

considerarmos que a verdade é construída discursivamente, então a noção de verdade só fará

sentido se for atrelada a outras discursividades, bem como ao momento sócio histórico

vivenciado” (2005, p. 56).

Gadet e Hak definem as Condições de Produção como as “determinações que

caracterizam um processo discursivo, sejam as características múltiplas de uma situação

concreta, que conduz à produção, no sentido linguístico ou psicolinguístico deste termo, da

superfície linguística de um discurso empírico concreto” (2014, p. 182).

Ferreira (2001, p. 13) também discorre sobre o assunto ao defender que

As condições de produção são responsáveis pelo estabelecimento das relações de

força no interior do discurso e mantêm com a linguagem uma relação necessária,

constituindo com ela o sentido do texto. As condições de produção fazem parte da

exterioridade linguística e podem ser agrupadas em condições de produção em

sentido estrito (circunstâncias de enunciação) e em sentido amplo (contexto sócio-

histórico-ideológico) .

A Análise do Discurso “não separa o enunciado nem de sua estrutura linguística, nem

de suas condições de produção, de suas condições históricas e políticas, nem das interações

subjetivas. Ela dá suas próprias regras de leitura, visando permitir uma interpretação”

(MAZIÉRE, 2007, p. 13). Portanto e se considerarmos que o discurso é necessariamente

determinado pelas condições de produção, a análise das condições de produção é fundamental

para a análise do próprio texto.

Isso se dá pois, diante de determinadas situações, pessoas diferentes, sujeitos diferentes,

podem interpretar tais fatos de formas diferentes, sendo que essa interpretação possui espessura,

materialidade. Inclusive, esse “já dito”, presente no próprio fato a ser analisado pode, dependendo

das condições de produção, gerar sentidos diferentes. Portanto, conforme Orlandi

57

Page 60: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

(1994, p. 57) defende, determinado por sua exterioridade, todo discurso remete a outro

discurso, sendo que os sentidos são sempre a outros relacionados e daí é que a sua identidade

é tirada, sua realidade significada.

3.2. Historicidade e a Conjuntura do Ensino Superior

Discorrer sobre a história da Educação Superior no Brasil faz-se necessário, pois as

condições de produção influenciam e constituem as formações discursivas a serem analisadas.

Tal história começa apenas em 1808, com a instalação do primeiro curso superior em

terras tupiniquins, o Curso Médico de Cirurgia da Bahia, instalado em 1808 quando da

mudança da Família Real Portuguesa para as terras da Colônia. Fávero (2006) aponta que o

início das atividades desse curso se deu após um período de rígidas restrições impostas, pelo

Governo Português, para a oferta de níveis superiores de ensino em sua colônia.

Logo após, instalou-se um outro curso de medicina, desta vez no estado do Rio de

Janeiro. Houve, também, o início das atividades da Academia Real Militar, berço da atual

Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O Ensino Superior, então centrado nas mãos do Governo Federal, passou, em 1911, a

ser provisoriamente descentralizado. Tal situação permitiu o aparecimento de universidades

como a Universidade do Rio de Janeiro, inaugurada em 1920, que já contava com autonomia

didática e administrativa. Outras universidades como a de Manaus, a do Estado de São Paulo,

a do Estado do Paraná foram também criadas. Inclusive, segundo Fávero (2006), desde aquela

época, já se discutia que as funções principais de uma Universidade eram o desenvolvimento

da pesquisa e a priorização da formação profissional.

Os anos de 1930 foram marcados pelo retorno à centralização, nas mãos do Governo

Federal, do Ensino Superior. Houve a promulgação do Estatuto das Universidades Brasileiras

(que estabeleceu um irrestrito vínculo dessas universidades com a administração estatal) e a

criação do Conselho Nacional de Educação. Sobre esse assunto, Fávero afirma que

trata-se, sem dúvida, de adaptar a educação escolar a diretrizes que vão assumir

formas bem definidas, tanto no campo político quanto no educacional, tendo como preocupação desenvolver um ensino mais adequado à modernização do país, com

ênfase na formação de elite e na capacitação para o trabalho (2006, p. 23).

58

Page 61: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Com o crescimento e modernização do país na década de 50, época do Plano de Metas

de Juscelino Kubistchek, a precariedade das universidades brasileiras tornou-se visível. Planos

objetivando a modernização do Brasil inclusive com a participação da União Nacional dos

Estudantes, tomam força.

Já durante a década de 60, ocorreu o intervencionismo internacional na educação

superior brasileira, fruto de questões ideológicas do próprio Regime Miliar, situação

proporcionada tanto pelo Acordo5 entre o Ministério da Educação do Brasil e a Agência dos

Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), quanto pelo Plano Atcon6.

Internamente destaca-se o Decreto nº 62.024, que estabeleceu a criação de comissão,

conduzida pelo General Meira Mattos, que objetivava analisar as demandas dos movimentos

estudantis, propor medidas que otimizassem as ações governamentais na educação e que

acompanhasse a execução dessas propostas.

1968, Regime Militar: é proposta a Reforma Universitária, com o objetivo de

modernizar e expandir tais Instituições de Ensino Superior, com destaque para as

Universidades Federais. Alterações como a criação de uma política nacional de pós-

graduação, a instauração da departamentalização e a institucionalização da carreira

acadêmica, proporcionaram a articulação entre atividades de pesquisa e ensino, bem como o

início de um programa de Iniciação Científica. Surge, também, um novo Ensino Superior

privado, focado apenas em atividades de ensino, combinação “das medidas repressivas

desencadeadas pelos novos governantes, com relação ao movimento estudantil, e a estrita

vigilância dos docentes” (MARTINS, 2009, p. 8).

As mudanças do Ensino Superior no Brasil, presenciado no século XX e o deslocamento

formação – capacitação, coincide com movimentos de expansão desse nível de ensino, ocorridos

na Europa e nos Estados Unidos. Segundo Jarusch (apud PRATES, 2007), o século

XX foi marcado por uma enorme expansão do Ensino Superior, justificada em quatro

dimensões:

5 O Acordo MEC/USAID previa a assistência técnica e financeira, na forma de financiamento de projetos e

aquisição de equipamentos americanos. Previa, também, o treinamento de militares brasileiros por militares norte-americanos. 6 Consultor americano, Atcon defendia um modelo de gestão do Ensino Superior brasileiro fundamentado nos princípios de rendimento e eficiência. Previa: “defesa dos princípios de autonomia e autoridade; dimensão técnica e administrativa do processo de reestruturação do ensino superior; ênfase nos princípios de eficiência e produtividade; necessidade de reformulação do regime de trabalho docente; criação de centro de estudos básicos” (FÁVERO, 2006, p. 31).

59

Page 62: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

1ª dimensão: Econômica – uma força de trabalho melhor qualificada é necessária para

a manutenção do crescimento da sociedade industrial. Os setores mais tecnológicos da

indústria dependem da pesquisa aplicada, portanto, da expansão das universidades;

2ª dimensão: Sociológica – a classe média em expansão busca manter seu status

através também da educação.

3ª dimensão: Política – com a inclusão de setores anteriormente “marginalizados” da

sociedade, através da educação.

4ª dimensão: Culturalista – enfatiza o “ser humano educado”, o cidadão que busca

incessantemente a sua auto formação.

Provavelmente, como resultado de tais políticas expansionistas, o Brasil encerra o

século XX com os seguintes números e estatísticas:

Quadro 3 – Dados Estatísticos do Ensino Superior Brasileiro – ano 2000

Estatísticas

TOTAL Categoria Administrativa

Federal Estadual Munic. Privada

Instituições 1180 61 61 54 1004

Cursos 10.585 1.996 1.755 270 6.564

Matrículas 2.694.245 482.750 332.104 72.172 1.807.219

Vagas oferecidas 1.100.224 115.272 94.441 28.269 862.242

Inscrições para o 3.826.293

1.129.749

951.594

59.044

1.685.906

vestibular

Ingressos 829.706 113.388 90.341 23.428 602.549

Fonte: o autor, adaptado de (SCHWARTZMAN; SCHWARTZMAN, 2002).

60

Page 63: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Quadro 4 – Dados Estatísticos do Ensino Superior Brasileiro – em porcentagem

Ano 2000

Estatísticas

TOTAL Categoria Administrativa

Federal Estadual Munic. Privada

Instituições 100,00% 5,17% 5,17% 4,58% 85,08%

Cursos 100,00% 18,86% 16,58% 2,55% 62,01%

Matrículas 100,00% 17,92% 12,33% 2,68% 67,08%

Vagas oferecidas 100,00% 10,48% 8,58% 2,57% 78,37%

Inscrições para o vestibular 100,00% 29,53% 24,87% 1,54% 44,06%

Ingressos 100,00% 13,67% 10,89% 2,82% 72,62%

Fonte: o autor, adaptado de (SCHWARTZMAN; SCHWARTZMAN, 2002)

Schwartzman e Schwartzman (2002) também levantaram, em sua pesquisa apresentada

ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), que apesar das Instituições de

Ensino Superior privadas representarem mais de 85% do universo, são representadas, em sua

maioria, por Faculdades, Instituições de Ensino Superior que tem, em sua organização, foco

apenas no ensino. Oferecem, em sua maioria, cursos da área das Ciências Sociais Aplicadas.

Quanto aos alunos que procuram por tais instituições, normalmente são mais velhos7,

procuram o turno noturno e optam, majoritariamente, por cursos da área de Ciências Sociais,

Negócios e Direito.

Notadamente sobre a oferta majoritariamente de cursos da área das Ciências Sociais,

Castro (2013) aponta esta como uma característica das instituições de ensino particulares.

Outras características particulares do Brasil residem no não recebimento de verbas

diretamente do governo, a maioria são caracterizadas como faculdades ou centros

universitários, enfrentam uma concorrência acirrada, trabalham com alunos com mais idade e

menor formação, além de que se “aglomeram na extremidade menos seleta da qualidade do

ensino superior e do continuum da reputação” (CASTRO, 2013, p. 243).

7 Quase 60% dos alunos que optaram por cursos na área da educação, tem mais de 24 anos. Em cursos da área de humanas, 40% dos alunos tem tal idade e, na área das ciências sociais aplicadas, 37,5%.

61

Page 64: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Um outro dado relevante é que, enquanto as instituições federais tiveram, em 2000,

aproximadamente 99% de suas vagas preenchidas, nas instituições privadas tal número foi

inferior a 70%.

O século XXI foi marcado pelo retorno à regulamentação do Ensino Superior Brasileiro.

Tal afirmação se respalda no fato de que, apenas no ano de 2001 foram editados 234 Atos

Normativos para o Ensino Superior Brasileiro, com o objetivo de regulamentar e implantar as

normas estabelecidas pela Constituição de 1988 e pela LDB (FRAUCHES; FAGUNDES, 2012).

Medidas tomadas para garantir a melhoria qualitativa e a universalização do Ensino Superior,

também são citadas por Frauches e Fagundes e indicam tal regulamentação (2012):

Ministro da Educação - Paulo Renato: implantação da avaliação nacional em todos os

níveis de ensino, do provão, expansão de Instituições de Ensino Superior e de cursos e

programas na área privada;

Ministro da Educação - Tarso Genro: implantou o SINAES – Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Superior que, tendo como base o ENADE – Exame Nacional

de Desempenho do Estudante, criou índices avaliativos como o CPC – Conselho

Preliminar de Curso e o IGC – Índice Geral de Cursos.

Ministro da Educação - Fernando Haddad: instituiu o PROUNI e expandiu a rede

pública de ensino superior, por meio de inúmeros decretos, portarias, normas técnicas

e despachos de instrução. O Ensino Superior passa, mais uma vez, por um processo de

regulamentação.

Contudo e apesar do previsto na legislação e de todas as tentativas para universalizar a

educação no Brasil, dados estatísticos permitem afirmar que a “educação, direito de todos”, é

uma garantia que ainda está no papel. Quantitativamente, a Pesquisa Nacional por Amostras

de Domicílios Contínua – PNAD Contínua 2016 (BRASIL, 2017a) demonstra que 7,2% dos

brasileiros, com mais de 15 anos de idade, são analfabetos. Se a análise considerar o nível de

instrução das pessoas com 25 anos de idade ou mais, mais de 10% desse público não tem

instrução alguma e mais de 30% dessa amostra não tem ensino fundamental completo.

Informações específicas sobre a educação superior foram divulgadas pelo Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA:

62

Page 65: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Figura 1: Taxas de acesso à educação superior na faixa etária de 18 a 24 anos

(2000 a 2010), em %.

Fonte: (CORBUCCI, 2014, p. 12)

Corbucci (2014) também aponta a proporção de alunos que frequentava (ou frequentou)

a educação superior:

Figura 2: Proporção da população entre 18 a 24 anos que frequentava/havia

frequentado educação superior (2010), em %

63

Page 66: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Fonte: (CORBUCCI, 2014, p. 13)

Como informações anteriormente apresentadas demonstram a ociosidade de vagas em

escolas privas e públicas (em menor proporção), a situação de baixa adesão ao ensino

superior, provavelmente pode ser justificada pela incapacidade de pagamento por tais cursos.

Podemos perceber, pela figura abaixo, uma estrita relação entre crises econômicas e a

(in)evolução das matrículas no ensino superior;

Figura 3: Taxas de crescimentos das matrículas na educação superior entre 1996

e 2010, em %

Fonte: (CORBUCCI, 2014, p. 14)

Percebe-se as maiores quedas nos anos de 1997, final de década marcado por crises

econômicas no mundo como a dos Tigres Asiáticos e México, com forte impacto no Brasil,

além do início da própria crise no Brasil. Queda, também, no ano de 2001, proveniente do

“apagão energético”, insolvência da Argentina e ataques terroristas nos Estados Unidos.

Já a partir dos anos de 2004, apesar do momento de estabilidade econômica, o

aparecimento da modalidade EAD com valores de mensalidade muito mais baixas, resultou

nas tendências verificadas, ou seja, enquanto a graduação presencial decaia, a graduação à

distância aumentava.

64

Page 67: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

O aumento das matrículas da graduação presencial, a partir dos anos de 2009 está ligado

à efetividade de políticas públicas de incentivo ao ingresso no Ensino Superior, com o

PROUNI e o FIES:

Figura 4: Quantidade de bolsas ofertadas, por ano, pelo PROUNI

Fonte: (SILVA; SANTOS, 2017, p. 746)

Figura 5: Número de Contratos Firmados pelo FIES

Fonte: (SILVA; SANTOS, 2017, p. 748)

Os objetivos do FIES e do PROUNI são basicamente os mesmos: promover “a

inclusão e a ascensão social colaborando para a construção de uma sociedade mais solidária e

igualitária” (CARVALHO, 2016, p. 92), fato que aponta para uma grande desigualdade sócio

econômica e, consequentemente, educacional no país.

Almeida (2015) defende, ainda, que um dos objetivos constitucionais do Ensino

Superior não é a universalização do ensino, mas a igualdade de oportunidades para que o

cidadão possa, por meio de uma boa formação, conseguir efetivar o seu potencial intelectual.

65

Page 68: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Defende, também, que enquanto o FIES promove isso através da oferta de empréstimos a

juros baixos e com um prazo de carência para iniciar o pagamento após a conclusão do seu

curso, o PROUNI se constitui como uma bolsa de estudos concedida pelo governo, sendo sua

liberação condicionada ao desempenho do candidato no ENEM (ALMEIDA, 2015).

Limitações tecnológicas e orçamentárias levaram a reestruturações do programa em 2014.

Apesar dos recursos financeiros estarem previstos no artigo 212 da Constituição Federal, o acesso

ao financiamento tornou-se mais rigoroso. Como resultado, houve uma queda significativa nas

matrículas em Instituições de Ensino Superior privado. O objetivo principal de inclusão está longe

de ser atingido. A inclusão transformou-se em exclusão. A educação que liberta se distanciou das

classes menos abastadas da população, como destaca Almeida.

As normas são abundantes, mas os recursos ainda são escassos tendo em vista que o

direito à educação será realmente materializado quando forem atingidos os preceitos da obrigatoriedade, qualidade e gratuidade previstos na constituição. É importante

que o Estado brasileiro planeje suas políticas públicas observando a conjuntura socioeconômica sem perder de vista sua obrigação em atender a esse direito fundamental (ALMEIDA, 2015, p. 6).

As novas regras do FIES resultaram em um acirramento da competição, da luta das

instituições de ensino pelo escasso número de brasileiros com capacidade financeira para se

matricularem em cursos superiores privados. Os financiamentos privados, como diferencial

competitivo, ou ainda, como um atrativo ao banco das faculdades superiores, tornou-se

presente no discurso publicitário empregado por essas instituições.

Retomando a baixa adesão do brasileiro ao Ensino Superior, uma outra justificativa

está na própria proporção de brasileiros, entre 18 e 24 anos, que concluíram o ensino médio e

estavam: 55,3% na região sudeste (maior porcentagem) e 17,3% no nordeste (menor

porcentagem) (CORBUCCI, 2014).

A dificuldade em encontrar dados atualizados sobre vários aspectos da vida brasileira

impediu que aqui fossem abordadas informações sobre a porcentagem de brasileiros com ensino

superior completo. Enquanto o periódico “Valor Econômico” transcreve informações da

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que, em 2015, 14% dos

brasileiros entre 24 e 64 anos haviam concluído o ensino superior (GUIMARÃES, 2016),

reportagem intitulada “Censo do IBGE mostra crescimento no número de brasileiros com ensino

superior” (CENSO, 2017) aponta que o percentual de formandos, em 2010, era de 7,9%.

66

Page 69: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Contradizentes ou complementares? O mais importante é que o Brasil é um dos países com

mais baixa taxa de indivíduos com Ensino Superior Completo.

Orlandi (2010) defende a necessidade de compreensão da realidade para que se possa

interferir nela. Apesar da ideia não ser de intervenção, para podermos continuar a discorrer

sobre as condições de produção quando da elaboração dos discursos publicitários aqui em

análise, buscamos informações qualitativas sobre o Ensino Superior. Para tanto, recorremos

ao SINAES que, desde 2004, está a cargo da Avaliação da Educação Superior. O objetivo de

tal sistema é a melhoria da educação superior brasileira, através de indicadores como as

avaliações das instituições de ensino, dos cursos e do desempenho dos alunos.

O IGC – Índice Geral de Cursos é um desses indicadores de qualidade8. A análise dos

resultados de 2016 permitiu a elaboração do quadro que se segue:

Quadro 5 – IGC 2016

IGC Médio (considerando a Organização Acadêmica

faixa do índice)

Universidades públicas 3,62

Universidades privadas 3,23

Centros Universitários públicos e CEFETs 2,90

Centro Universitários privados 3,23

Faculdades públicas 2,88

Faculdades privadas 2,99

Fonte: elaborado pelo autor, com base em (BRASIL, 2018a)

Apesar de vasta pesquisa, não foi possível encontrar uma meta governamental estabelecida

pelo governo, um indicador a ser atingido. O PNE, aprovado pela Lei nº 10.172 de 09 de janeiro

de 2001, institui, resumidamente, medidas quantitativas de expansão, de autonomia das

universidades públicas, e qualitativos voltados para o sistema de avaliação, mas estabelece uma

meta quantitativa a ser atingida. Já o PNE 2014, aprovado pela Lei 13.005,

8 O IGC é composto pelos seguintes critérios: média dos “Conceitos Preliminares de Curso – CPC” dos últimos três anos, média dos conceitos de avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu, distribuição dos estudantes entre os diversos níveis de ensino (BRASIL, 2015c)

67

Page 70: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

estabelece questões quantitativas relacionadas ao número de vagas e ao número de mestres e

doutores e regulamenta o processo de avaliação institucional. Sobre metas quantitativas da

qualidade do ensino, apenas as estabelece para a educação básica.

Já que a única informação encontrada diz respeito a IGCs satisfatórios (3, 4 e 5) e IGCs

insatisfatórios (1,2) (BRASIL, 2011b), conclui-se que, em valores médios e com base nos

resultados de 2016, apenas as universidades públicas e privadas, além dos centros universitários

privados, tem índices satisfatórios. Como o IGC médio das faculdades privadas está muito

próximo de 3, decidiu-se por incluir essa organização acadêmica nos índices satisfatórios. Dessa

forma, são considerados insatisfatórios os índices médios observados pelos Centros Universitários

públicos e CEFETs, além das faculdades públicas (BRASIL, 2018a).

Especificamente sobre o Conceito Preliminar de Curso – CPC, um dos critérios de

composição do IGC, Seiffert (2018), comparando os resultados dos ciclos avaliativos 2009 e

2012, aponta para uma melhoria no desempenho dos cursos de graduação, contudo, com uma

maior concentração no centro da faixa, ou seja, no CPC 3. Tal situação pode ser ilustrada na

figura que segue:

Figura 6: Distribuição do Conceito Preliminar de Cursos de Bacharelado do Brasil:

ENADE 2009 - 2012

Fonte: (SEIFFERT, 2018, p. 110)

Souza (2016), ao estudar a qualidade dos cursos de pedagogia segundo o SINAES, defende

que o Sistema conseguiu diferenciar os cursos com qualidade insuficiente (avaliados com nota

68

Page 71: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

igual ou menor que dois) dos demais. Contudo, afirma que os padrões estabelecidos pelo

SINAES são pseudodefinidos, já que

Dois foram os achados principais: i) - a avaliação in loco não estabeleceu parâmetros

capazes de identificar os perfis de qualidade relativos aos cinco níveis da escala do

Sinaes, seja em função do uso de indicadores e parâmetros pouco claros para a valoração

(atribuição de notas) da dimensão organização didático-pedagógica, seja pelo uso de

critérios de qualidade dissociados de oportunidades de aprendizagens para os alunos, nas

dimensões infraestrutura e corpo docente e tutorial; e ii) - não foi possível estabelecer

relações entre os critérios utilizados pelo CPC e pelas avaliações in loco para aferir a

qualidade das licenciaturas em pedagogia, em função das diferenças no tratamento dos

componentes de cada um dos processos, tanto no que se refere aos resultados do Enade,

central no primeiro e totalmente desconsiderado no segundo, como também no que se

refere à organização didático-pedagógica e à infraestrutura, reduzidas cada uma, no CPC,

a uma questão retirada do Questionário do Estudante que integra o Enade (SOUZA,

2016, p. 6).

O Índice de Desenvolvimento Humano-IDH ao considerar, em sua elaboração, as

dimensões renda, saúde e educação, precisa ser analisado. De acordo com o Relatório de

Desenvolvimento Humano de 2015, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(ONU, 2015), o Brasil aparece em 75º lugar.

Mas qual será o motivo desses índices que, em sua maioria, se mostraram

insatisfatórios? A educação é, no Brasil, vista como um meio de transformação social, seja

formando cidadãos críticos, capazes de transformar a realidade de suas sociedades, ou

enquanto formadora de trabalhadores qualificados, necessários ao crescimento e ao

desenvolvimento econômico do Brasil?

A resposta a essa pergunta pode ser encontrada na própria legislação, seja na

Constituição Federal, na LDB ou, especificamente com relação aos cursos de Administração,

nas Diretrizes Curriculares Nacionais. Conforme discutido em capítulo específico, tais leis

focam na capacitação para o mercado, e não na formação, enquanto princípios do ensino

superior, ou seja, focam no crescimento econômico, na geração de emprego e renda. A

formação daquele sujeito, capaz de ressignificar sua própria existência, compreendendo e

avaliando os efeitos que a sociedade exerce sobre ele, defendido por Orlandi (ORLANDI,

2001), passa a ser delegado a um segundo plano, já que o objetivo principal é a capacitação, e

não a formação.

Sobre esta relação entre formação e capacitação, Orlandi defende que

estas formas de dizer se sucedem em conjunturas históricas diversas: ‘alfabetização e desenvolvimento’, atualmente se declinam em ‘educação e mercado’, em que o

69

Page 72: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

mercado exige ‘a qualificação do trabalho’, ‘a qualificação do trabalhador’: um país

educado. Um país rico em que os cidadãos, educados, são ‘capacitados’ para o trabalho e circulam como consumidores de um mercado de trabalho qualificado.

Consumo e cidadania se conjugam. O denominador comum é o trabalho e não o

conhecimento (ORLANDI, 2014, p. 146).

Orlandi (2014) também defende que a produção de um aluno “não alienado” é possível

com a formação, e não com a capacitação. Sobre a formação, a escolarização enquanto

ferramenta para a formação de um sujeito crítico, Pfeiffer (2011) defende que, na relação

entre escolarização e urbanização surge um sujeito urbano escolarizado, inserido e tomado

em/por uma sociedade que constrói seus espaços de significação na própria civilização.

Altbach (2002, tradução nossa) diz que de um sistema educacional provêm as

habilidades necessárias para o sucesso econômico, além de construir a sustentação de uma

sociedade civil e da participação nacional. Dessa forma, dizeres como “o passaporte para o

século 21” (recorte 1), ou “seu passaporte para o mundo” (recorte 5) passam a significar-se

nas próprias relações neoliberais que norteiam o ensino superior privado.

Sobre o papel da ciência, Orlandi defende que

a necessidade que tem nossa sociedade que a ciência não se limite ao seu espaço de

circulação mais restrito mas ganhe o espaço social mais amplo. Se exteriorize na

sociedade. Ela sai de si, sai de suas condições mais próprias e ocupa um lugar no

cotidiano dos sujeitos. Circula produzindo seus efeitos de ‘conhecimento’ (2010, p.

2).

Educação deveria ser, portanto, produzir efeitos e deslocamentos sociais e subjetivos.

Inclusive Tragtenberg (2005, p. 45) afirma que “uma política autêntica de ‘formação’ deve

dar liberdade de expressão aos ‘formandos’, ultrapassando o nível de aquisição de

conhecimento, tendo em conta a maturidade humana e social”. Hill parece validar tal

posicionamento ao afirmar que “o espaço da educação, por outro lado, só continua sendo um

espaço educacional quando estiver educando aqueles cuja motivação é aprender,

independentemente do seu custo” (HILL, 2003, p. 38).

Contudo, Nogueira e Dias afirmam que o discurso de (re)democratização do ensino, o

empoderamento está sendo substituído por um processo de (re)massificação “nas políticas

públicas de ensino de uma sociedade neoliberal mercado-lógica em que as artes mecânicas

passam a ser artes automatizadas e os sujeitos do conhecimento individualizados enquanto

usuários do conhecimento capacitados para operar x atividade” (2017, p. 3).

70

Page 73: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Marrach (1996) analisa esta relação entre educação e neoliberalismo, afirmando que a

educação se deslocou do campo político e social para as relações de mercado, funcionando a

sua semelhança. Defende, também, que a ideologia neoliberal determinou três objetivos

estratégicos para educação:

1) atrelar a educação escolar à preparação para o trabalho e a pesquisa acadêmica ao imperativo do mercado ou às necessidades da livre iniciativa. 2) Tornar a escola um meio de transmissão dos seus princípios doutrinários. O que está em questão é a adequação da escola à ideologia dominante 3) Fazer da escola um mercado para os produtos da indústria cultural e da informática (MARRACH, 1996, p. 2).

O mercado educacional brasileiro passou, então, por profundas transformações nas

últimas décadas, com a presença de grandes grupos educacionais. Roggero defende que se

a centralidade da universidade enquanto lugar privilegiado de produção da alta cultura e

conhecimento científico avançado é um fenômeno do século XIX, do período do

capitalismo liberal [...], o que se assiste na contemporaneidade é a subsunção dessa

universidade aos interesses heteronômicos de uma nova etapa do capital (2016, p. 29)

Sobre este assunto, Castro defende que tais universidades empresariais buscam

combinar uma imagem que são altamente inovadoras, “voltadas para o diagnóstico e a

resolução de problemas, empreendedoras, com a capacidade para elaborar ‘periferias

desenvolvimentistas’ lucrativas, desde parques de ciência até faculdades de professores, e a

venda de serviços em nichos globais” (CASTRO, 2013, p. 240).

Hill também defende que as empresas acharam, na educação, uma oportunidade de

investimento, “fazendo o ensino e a educação superior subordinados à personalidade e aos

requerimentos ideológicos e econômicos do capital, assegurando-se que as escolas produzam

trabalhadores eficientes, submissos, ideologicamente doutrinados, e pró-capitalistas” (HILL,

2003, p. 34). E complementa:

Nas universidades e estabelecimentos de cursos superiores vocacionais a linguagem

da educação foi amplamente substituída pela linguagem do mercado, aonde os

professores universitários ‘entregam o produto’, ‘operacionalizam a entrega’ e

‘facilitam o aprendizado dos clientes, dentro de um regime de ‘gestão da qualidade’

em que os estudantes viram fregueses selecionando módulos ao acaso aonde, nas

universidades, ‘o desenvolvimento da habilidade técnica’ ganha importância em

detrimento do desenvolvimento do pensamento crítico (HILL, 2003, p. 33).

71

Page 74: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Esta relação entre educação e neoliberalismo também é analisada por Marrach (1996) , ao

afirmar que a educação desloca-se do campo político e social para as relações de mercado,

funcionando a sua semelhança.

A Folha de São Paulo intitulou reportagem sobre o assunto como “Ranking das dez

maiores EMPRESAS de ensino superior do país”, em 2017 (CUNHA, 2017). A seguinte

relação foi apresentada:

Figura 7: Ranking das dez maiores empresas de ensino superior do país – 2017

Fonte: (CUNHA, 2017)

Se considerarmos:

1. que a Kroton é a maior empresa educacional do mundo;

2. que a Kroton, a Estácio, a Ser Educacional, a Anima são empresas de capital aberto,

listadas na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo;

3. que a Adtalem e que a Laureate são de origem americana,

72

Page 75: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

fica bem clara a submissão do ensino, da educação ao mercado e à sua lógica

internacional. Nogueira, recorrendo a Chesnais, defende que a “mundialização do capital é

uma nova configuração do capitalismo mundial e dos mecanismos que comandam seu

desempenho e regulação” (NOGUEIRA, 2015, p. 62). A própria utilização do significante

“empresa’ no título da reportagem, bem como a expressão “facilitam o aprendizado do

cliente” (HILL, 2003, p. 33, grifo nosso) anteriormente citada, mostram que a relação entre

educação e negócio (business) está se naturalizando.

Se considerarmos, também, o título da reportagem de Karin Salomão que afirma que

Rodrigo Galindo, presidente da Kroton, é um “comprador em série de faculdades”

(SALOMÃO, 2016), a comoditização do ensino fica evidente. Inclusive, Sguissardi (2008)

aponta que 60% das IES brasileiras com menos de 500 alunos deverão ser extintas em breve,

em um movimento de consolidação do mercado, de economia de escala. As outras 40% serão,

provavelmente, absorvidas por outros grupos, acompanhando a lógica da fusão das empresas.

Os analistas são categóricos: o alicerce da consolidação do mercado das instituições se chama restruturação operacional. Quem não repensar seu modelo de negócio e buscar alternativas pode não se salvar. Quem o fizer terá muito trabalho pela frente, mas pode garantir sua participação no mercado (SGUISSARDI, 2008, p. 1004).

O emprego do termo (“em série”) remete a Henry Ford e a sua teoria de linha de

produção, que revolucionou a indústria americana no início do século XX. A discursividade

“linha de produção” enquanto mecanização, especialização, produtividade, permite

reescrevermos o título dessa reportagem de “o Presidente da Kroton é um comprador em série

de faculdades” para “o presidente da Kroton é um comprador especializado de faculdades”,

ou, ainda, “o presidente da Kroton, comprador de faculdades produtivas”, ou “o presidente da

Kroton, o transformador da educação em indústria, da instituição de ensino superior em uma

empresa que deve funcionar como outra empresa qualquer, sem levar em conta as

especificidades do ensino e da formação crítica de cidadãos”. De qualquer forma, a submissão

da educação ao funcionamento do mercado fica ainda mais clara.

Monfredini (2016, p. 3) afirma que a cultura eminente nestas escolas empresariais é a

rentabilidade, instituída como cultura, “mediando as diversas práticas de gestão e formativas

nas universidades: as propostas curriculares, a avaliação, as práticas de ensino e pesquisa, a

organização dos tempos e espaços. Ou seja, nesse cenário as práticas acadêmicas são lenta e

profundamente alteradas”.

73

Page 76: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

A realidade do ensino superior com foco no mercado, da universidade S.A., não é

exclusividade do Brasil. Roggero (2016, p. 36) aponta que “há algum tempo era impensável

ouvir falar de ensino superior privado na Europa, por exemplo. Hoje, é frequente se ouvir de

vários estudantes a preferência por esse tipo de instituição, tendo em vista uma configuração

supostamente mais moderna” (ou seria, com foco na qualificação?)

Retomando à Kroton, convém destacar que seu o boom de crescimento coincide com a

desregulamentação da educação superior no final da década de 1990, conforme demonstrado

no quadro 6 que será apresentado no subcapítulo “Uma questão de ideologia”.

Chama a atenção, inclusive, a conclusão do trabalho de Corbucci ao dizer que

pode-se afirmar que a ampliação do acesso à educação superior no Brasil, no sentido

de transformá-la em um sistema de massas tal como define Trow (2000) e, assim

atingir a meta de taxa de frequência líquida de 33% que integra o Projeto de Lei do

Plano Nacional de Educação, dependerá em larga medida da melhoria do fluxo da

educação básica, de modo a assegurar que uma proporção substancialmente maior

de jovens brasileiros conclua este nível de ensino. Portanto, vai além da ampliação

da oferta de vagas e da concessão de subsídios e bolsas de estudos àqueles que

consegui-riam transpor os diversos obstáculos interpostos na trajetória escolar e

social da maioria dos jovens brasileiros (2014, p. 32).

Apesar de não ser impossível afirmar, fica no ar se os baixos índices avaliativos do

ensino fundamental e médio, medidos pelo IDEB não são, portanto, uma forma de massificar

essas etapas do ensino para, então, fornecer consumidores ao “produto” no qual se

transformou o ensino superior. Se não se constituem em mais uma forma de submissão da

educação à ideologia neoliberal, negócio dos grandes grupos educacionais.

Destaca-se, neste cenário, o papel da Associação Brasileira de Mantenedoras do

Ensino Superior, entidade que conta com 294 mantenedoras e 350 Instituições de Ensino. No

site dessa associação, a seguinte informação pode ser encontrada:

No âmbito político, a Associação ocupa posição em frentes importantes junto aos

órgãos governamentais para a formulação de políticas públicas. Tem presença

fundamental na construção e revisão de normas legais, buscando aproximá-las da realidade das instituições de educação superior e garantindo os direitos e conquistas

do setor (ABMES, 2018, p. 1).

Andréa Araújo do Vale recorre a um documento da própria ABMES para explicitar

este jogo de poder, da intervenção da ABMES na educação:

74

Page 77: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

a Associação passou a estimular, ‘de maneira mais sistematizada’, os debates sobre a

LDB, de que se tratará a seguir, mas também sobre a ‘reforma constitucional, mensalidades escolares, crédito educativo, avaliação, definição de políticas

nacionais, de educação superior e fortalecimento das relações com os órgãos

governamentais e com os segmentos da rede privada’ (2008, p. 11, grifo do autor).

Percebe-se, nesta afirmação de Andréa Araújo do Vale aqui transcrita, um

deslocamento, já que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação passa a ser um lugar

onde a ideologia das grandes corporações educacionais se realiza.

A seguinte questão ganha, então, força: será que todos os movimentos de intervenção

governamental na educação superior, marcados por momentos de regulamentação e

desregulamentação, são realmente para seguir a Constituição e demais legislações pertinentes, ou

refletem os interesses e ideologias das instituições de ensino superior e das grandes empresas do

setor? Castro responde que não, já que o “Brasil passou por períodos de regulação mais forte e

mais fraca, e nenhum deles levou o mercado a competir por qualidade” (2013, p. 237).

Refletem, portanto, os interesses neoliberais.

3.2.1. Uma questão de ideologia

Diante do anteriormente exposto, pode-se deduzir que a política pública educacional

brasileira vem, ano após ano, se restringindo apenas à produção de novas vagas, não

estabelecendo, de fato, mudanças, transformações que pudessem resultar em ganho de

qualidade para a educação.

Especificamente referente às políticas públicas, de como, historicamente, o Ensino

Superior brasileiro enfrentou momentos de proibição, centralização, descentralização,

intervenção, elaborou-se o quadro a seguir para ilustrar tal situação:

75

Page 78: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Quadro 6 – Poder Público e Educação Superior: uma síntese

Quando? Quem? O que?

Antes de 1808

Portugal

Proibição da instalação de Instituições de

Ensino Superior no Brasil.

1808

Portugal Instalação do primeiro curso superior no

Brasil, quando da mudança da família real.

Após 1911

Governo Federal

Descentralização do ensino: Estados e

Universidades com autonomia

Década de 30

Governo Federal

Centralização – Criação do primeiro

Conselho Nacional de Educação

Governo Federal –

Participação da União Nacional dos

Década de 50

Estado Democrático

Estudantes – UNE, na criação de políticas

públicas para o ensino superior

Intervencionismo internacional, com a

Década de 60

Governo Federal

parceria MEC X USALD e o Plano ATCON.

Regulamentação do Ensino Superior –

influências neoliberais na educação

Década de 80 Governo Federal Promulgação da Constituição Federal

Aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da

Década de 90 Governo Federal Educação – LDB e liberação para a atuação

do setor privado na Educação Superior.

Plano Nacional da Educação – 2001-2011 –

regulamentação do setor/instalação do

SINAES.

Substituição do Conselho Federal de

Anos 2000

Governo Federal

Educação pelo Conselho Nacional de

Educação e a “transformação do Instituto

Nacional de Estudos Pedagógicos, conhecido

como INEP, num importante órgão para

coleta de dados e diagnóstico da educação em

todos os níveis” (CASTRO, 2013, p. 244)

76

Page 79: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Planos Nacionais da Educação – (2001-2011

e 2014-2024) – regulamentação do setor.

Novo Instrumento Avaliativo de Cursos

Década 2010 Governo Federal Superiores, aumentando a participação das

Comissões Próprias de Avaliação – CPA9 das Instituições de Ensino

Superior, bem como dos Núcleos Docentes Estruturantes - NDE

Fonte: quadro elaborado pelo próprio autor

Não se pode desconsiderar a afirmação de Saviani, anteriormente referenciada, que

governos vêm e vão e que, nessa transição, políticos “vêm tomando iniciativas de política

educacional inteiramente à margem dos planos aprovados” (2014, 231).

Por acreditarmos que o desenvolvimento dessas políticas públicas ocorre por questões

políticas/ideológicas, faz-se necessário destinar parte desse trabalho à apreciação desse conceito.

Tal necessidade é justificada nas elaborações teóricas de Gadet e Hak (2014) que afirmam que a

Análise de Discurso é percebida como um dispositivo que coloca em relação os campos da língua

e da sociedade, apreendida pela história. Isso deve-se ao fato de a AD, baseada em um dispositivo

teórico e analítico, apoiar-se no político e em sua natureza contraditória.

Para Pêcheux, a indiferença da “língua em relação à luta de classes caracteriza a

autonomia relativa do sistema linguístico e que dissimetricamente, o fato de que as classes

não sejam indiferentes à língua se traduz pelo fato de que todo processo discursivo se inscreve

em uma relação ideológica de classes” (PÊCHEUX, 1995, p. 92). Faz-se necessário, contudo,

ressaltar que a Análise de Discurso estende esta ideia de luta de classes para a luta pelo

sentido autorizado ou hegemônico em uma dada sociedade.

Mas o que é ideologia? Althusser (1970, p. 39) defendia que a ideologia “representa a

relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”. Portanto, só há

“ideologia pelo sujeito e para os sujeitos” (ALTHUSSER, 1970, p. 93) não existindo,

portanto, prática senão sob uma ideologia. A ideologia, portanto, “interpela os indivíduos em

sujeitos” (GADET; HAK, 2014, p. 164).

9 As Comissões Próprias de Avaliação – CPA foram criadas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e são instâncias responsáveis pela autoavaliação das Instituições de Ensino Superior.

77

Page 80: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Apontava, também, a existência de quatro pressupostos fundamentais, a saber

(ALTHUSSER, 1970):

1. As ideologias têm existência material e devem ser estudadas enquanto conjunto de

ações materiais necessárias à reprodução das relações de produção;

2. as relações de produção resultam na divisão do trabalho, lugar naturalmente ocupado

por um indivíduo, necessário ao próprio processo produtivo;

3. o mecanismo que leva um indivíduo a conhecer o seu lugar é conhecido como

processo de “sujeição”, mecanismo esse de duplo efeito: o indivíduo se reconhece

como sujeito e se sujeita a um “Sujeito absoluto”;

4. essa sujeição existe na prática.

Já Gadet e Hak (2014, p. 23) defendiam que a ideologia era encarada como um

processo de dupla face pois, se do lado do processo de produção, a ideologia é percebida

como um processo no qual “conceitos técnicos operatórios, tendo sua função primitiva no

processo de trabalho, são destacados de sua sequência operatória e recombinados em um

processo original”, do lado das relações sociais, a “ideologia é um processo que produz e

mantém diferenças necessárias ao funcionamento das relações sociais de produção em uma

sociedade de classes”, lembrando, a cada indivíduo, o seu devido lugar nas relações de

produção. Inclusive, sobre tal relação, afirmam que a

o funcionamento da instância ideológica deve ser concebido como ‘determinado em

última instância’ pela instância econômica, na medida em que aparece como uma das

condições (não econômicas) de reprodução da base econômica. […]. A modalidade

particular do funcionamento da instância ideológica quanto à reprodução das relações de

produção, consiste no que se convencionou chamar interpelação, ou o assujeitamento do

sujeito como sujeito ideológico, de tal modo que cada um seja conduzido, sem se dar

conta, e tendo a impressão de estar exercendo sua livre vontade, a ocupar o seu lugar em

uma ou outra das duas classes sociais, antagonistas do modo de produção (GADET;

HAK, 2014, p. 165, grifo do autor).

Para Althusser, a “ideologia não existe senão por e para os sujeitos” não existindo,

portanto, prática senão sob uma ideologia (apud GADET; HAK, 2014, p. 31). Esses autores

defendem, inclusive, que a “ideologia interpela os indivíduos em sujeitos”(GADET; HAK,

2014, p. 164).

Posta a relação entre Ideologia e Economia, Althusser (1970) defendia que a produção

econômica determinava a totalidade social e que as condições de produção econômicas, para se

78

Page 81: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

reproduzirem, pressupõem, por sua vez, a reprodução de condições econômicas, políticas e

ideológicas. À mão-de-obra é apresentada, na submissão ao neoliberalismo, uma alternativa

ao socialismo (TRAGTENBERG, 2005). O Homem torna-se, nesse contexto, o fruto de um

conjunto complexo de atitudes e de representações, diretamente ligado à relação proletariado

x burguesia. Surgem as lutas de classe. Tragtenberg (2005, p. 139) defende que o sistema

capitalista

produz escravos a quem é inculcada, desde a infância, uma necessidade de

segurança, que se traduz socialmente por uma fé absoluta nas instituições e na

‘verdade’ do poder, de uma tal religiosidade que o sacrifício de si, a ideologia da

renúncia à subjetividade e seus prazeres proibidos, a adoração mística do poder e o

culto do chefe terminam por eliminar toda possibilidade autônoma de pensamento

ou de ação. O poder de fato não é delegado, ele é confiscado, comprado ou

transferido no curso de uma transação econômica, sexual, política e afetiva, que a

instância dirigente tem todo o interesse em tomar definitiva. O poder é uma droga

afrodisíaca para aqueles que o exercem, e paralisante para aqueles que o sofrem

Althusser (1970) também defendia que os chamados Aparelhos Ideológicos do Estado

(entre eles a escola), são uma forma de “divulgação” da ideologia da classe dominante, um

lugar onde a ideologia da classe burguesa se realiza, por ser hegemônica. Tal materialização

se dá de forma silenciosa, já que a Escola, ao utilizar de métodos próprios como sanções,

exclusões, seleções, entre outros, desempenha um papel altamente dominante. Apontava,

ainda, que mascarado pelo conhecimento, do ensino de conteúdos libertários, de conceitos de

liberdade, moralidade, da responsabilidade adulta, uma grande massa de crianças, com idade

média de 16 anos,

entra ‘na produção’: são os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte

da juventude escolarizável prossegue: e seja como for caminha para os cargos dos

pequenos e médios quadros, empregados, funcionários pequenos e médios, pequenos

burgueses de todo tipo. Uma última parcela chega ao final do percurso, seja para cair

num semi-desemprego intelectual, seja para fornecer, além dos ‘intelectuais do

trabalhador coletivo’, os agentes da exploração, da repressão, e os profissionais da

ideologia (ALTHUSSER, 1970, p. 79).

Pêcheux (1995) defendia que o aspecto ideológico da luta para a transformação das

relações de produção se localiza, pois, antes de mais nada, na luta para impor, no interior do

complexo dos aparelhos ideológicos do Estado, novas relações de desigualdade-subordinação.

Com relação ao papel ideológico da escola, Althusser (1970) denunciava que ele é

determinado pela necessidade de diversificação de mão-de-obra e de pessoas qualificadas (ou

não) para que um sistema produtivo, baseado na divisão do trabalho, aconteça. A diversidade

79

Page 82: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

qualitativa da força de trabalho é, então, necessária para atender às demandas de uma

sociedade capitalista. O referido autor historiciza tal relação ao apontar três destinos dos

estudantes franceses ao ingressar no ensino secundário: ou passavam a fazer parte do

proletariado, ou viravam pequenos-burgueses ou atingiam o “topo” da pirâmide e passavam a

fornecer, enquanto “intelectuais do trabalho coletivo”, os agentes de exploração, de repressão,

de ideologia (ALTHUSSER, 1970).

Pfeiffer (2011, p. 150) também discorre sobre o papel da escola, estabelecendo-a como

um “lugar de preparação e de evidência de qualidades dos homens que disputam, e já não

mais herdam, lugares sociais. Mais do que isto, a escola é responsável por criar uma unidade

cívica a partir de uma pluralidade cultural.”

Cabe, portanto, à escola o papel de colocar em prática a ideologia do Estado, de

ensinar competências e habilidades específicas, reproduzir as relações de produção, ensinando

linguagem, cálculo, ciências e outras disciplinas de interesse do mercado. A escola serve,

então, ao neoliberalismo, adaptando, inclusive, suas estruturas curriculares para atender à

qualificação e não à formação.

Lopes (2010) defende o conceito de “Educação Empreendedora”, pois o

desenvolvimento e/ou fortalecimento de crenças, atitudes, habilidades e conhecimento,

poderia levar o profissional a aproveitar oportunidades reais, capacitando o indivíduo a agir

prontamente. Apoiam, inclusive, tal modelo na educação básica, já que ao estimular atitudes e

comportamentos empreendedores, “que se traduzirão na criação de novos negócios, parece ser

a alternativa mais viável e melhor para a promoção do crescimento econômico, respondendo,

portanto, ao desafio colocado por enormes desequilíbrios no mercado de trabalho” (LOPES,

2010, p. 46).

Essa relação entre ensino, economia, mercado de trabalho, consumo e cidadania é que

coloca esse ideal de escola empreendedora em funcionamento, já que, ao menos

imaginariamente, o cidadão empreendedor, poderá, por si só, abrir o seu próprio negócio e

contribuir para o desenvolvimento econômico do país. Esse empresário, ao assumir uma

posição de sujeito patrão, não se submeterá às demandas do mercado de trabalho, mas, ao

contrário, passará a demandar profissionais qualificados, já que continuará identificado às

exigências neoliberais na economia e precisará se adequar a elas.

Um outro conceito discutido por Orlandi (2014) é o da “Alienação”. Recorrendo a Marx,

defende que quando o indivíduo não consegue discernir e reconhecer o conteúdo e o efeito de

80

Page 83: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

sua ação interventiva nas formas sociais, “que a alienação se desenvolve”. Se pensarmos que a

formação de um profissional e de um cidadão questionador, capaz de contribuir para o

desenvolvimento da sua comunidade, só é possível pela formação social advinda da escola, no

Brasil, já que o posicionamento mercantilista resulta em uma educação baseada na

capacitação, conclui-se que o próprio sistema educacional forma apenas profissionais, e não

cidadãos. Desta forma, o conceito brasileiro de educação acaba sendo confundido com o de

capacitação, se distanciando da formação de um cidadão questionador.

Esta submissão da educação ao neoliberalismo, leva ao deslocamento do propósito inicial

da educação, já que as instituições de ensino superior, principalmente as privadas, precisaram se

adequar às novas condições de produção, de mercado, da globalização. A livre concorrência leva a

uma busca incansável pela eficiência econômica, pelo resultado econômico e, atrelado a isso, ao

resultado e eficácia do ensino que se confunde com capacitação.

Nessas adjetivadas escolas empresas, chefes de departamento e coordenadores de

curso assumiram o papel de gestores daquele “negócio”, sendo responsáveis pela elaboração e

execução de orçamentos. Sistemas gerenciais passaram a ser utilizados para um processo

decisório mais assertivo.

Dentro das universidades, as questões institucionais se tornaram parte das atribuições

profissionais de todos, inclusive professores e pesquisadores, enquanto as questões

nacionais e aquelas relacionadas ao sistema de ensino superior como um todo passaram a

fazer parte das atribuições profissionais os reitores das universidades e de outros

administradores de alto escalão (CASTRO, 2013, p. 239, grifo nosso).

Especificamente sobre o Neoliberalismo, Dardot e Laval (2016, p. 17) defendem que

ele tende “a estruturar e governar tanto a ação dos governantes quando a dos governados.

Tem, na generalização da concorrência como norma de conduta e da empresa como modelo

de subjetivação”. Estes autores defendem, também, que

a exigência da competitividade tornou-se um princípio político geral que comanda

as reformas em todos os domínios, mesmo os mais distantes dos enfrentamentos

comerciais no mercado mundial. Ela é a expressão mais clara de que estamos

lidando não com uma ‘mercantilização sorrateira’, mas com uma expansão da

racionalidade de mercado a toda a existência por meio da generalização da forma-

empresa (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 26).

Retomando Dardot e Laval (2016, p. 34), os autores caracterizam o liberalismo do

século XVIII como aquele que limitava o governo: “o governo liberal é enquadrado por leis

81

Page 84: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

mais ou menos conjugadas: leis naturais que fazem do homem aquilo que ele é

“naturalmente” e devem servir de marco para a ação pública”.

Pereira (2009) aponta que o Neoliberalismo não é uma evolução do liberalismo, mas

uma constatação da incapacidade das teorias liberais em definir os limites para a intervenção

do governo. Pereira afirma que o objetivo era um Estado fraco que deixasse que as grandes

corporações e seus altos executivos realizassem seus lucros nas economias nacionais.

Dardot e Laval (2016, p. 34) também defendem que o Neoliberalismo não se preocupa

com os limites dados aos governantes, ao mercado, aos direitos, mas sim em “como fazer do

mercado tanto o princípio do governo dos homens como o do governo de si”. Portanto, mais

do que uma ideologia, um sistema de normas que regulamenta as práticas governamentais, os

estilos gerenciais, as políticas institucionais e as subjetividades contemporâneas.

Os Estados passam a ser, então, elementos-chaves dessa concorrência, da busca

constante por aumento de produtividade gerada pelo próprio processo de globalização, já que

buscam atrair investimentos estrangeiros pela “criação de condições físicas e sociais mais

favoráveis à valorização do capital” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 199). Os Estados se

tornam, de certa forma, reféns dos interesses dos detentores do capital.

Exemplos disto, no Brasil, podem ser encontrados em um dos últimos atos do Governo

Temer, o de autorizar que Instituições de Ensino ofertem até 40% dos cursos presenciais na

modalidade à distância ou ainda na abertura para que a iniciativa privada explorasse o Ensino

Superior no final da década de 1990, após a constatação da própria incapacidade

governamental em fazê-lo, seja por incompetência em acompanhar as atualizações constantes

de um ensino superior cada vez mais dinâmico, ou pelo próprio fato da educação superior ter

se tornado cara (CASTRO, 2013). Notadamente sobre esta desregulamentação, Castro

também defende que o Estado “abriu mão do controle direto em prol de uma administração

remota realizada através da supervisão e gestão de incentivos e restrições, afinada com a

comunidade do ensino superior” (2013, p. 240).

Andrade (2017) sugere que um outro exemplo desta submissão do Estado ao

Neoliberalismo reside no próprio FIES e PROUNI, já que essa suposta abertura de novas

oportunidades para que estudantes carentes conquistem sua graduação em uma instituição

privada, convive com cortes de verbas governamentais em instituições públicas. “Além do

orçamento das universidades públicas estar prejudicado e ter perdido prioridade para outras

82

Page 85: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

formas de financiamento do ensino superior, a parcela dos recursos destinada a investimentos

perdeu participação” (ANDRADE, 2017, p. 9).

Rui (2016) analisa, em sua pesquisa intitulada “A Relação do FIES e do PROUNI na

Evolução Econômica e Financeira das Companhias Listadas na BOVESPA entre os anos de

2013 e 2015”, o grande crescimento do ensino superior privado brasileiro e de sua

lucratividade proporcionado tanto pelo FIES quanto pelo PROUNI. Afirma, também, que as

grandes corporações como Kroton, Estácio e Ser Educacional foram as IES mais favorecidas,

mais uma exemplificação do poder das grandes corporações educacionais.

Há dois atores beneficiados na implantação e gestão do FIES e PROUNI, os alunos

que se beneficiam destes programas para sua formação acadêmica e, principalmente,

os empreendedores do setor da educação superior, que viram os seus negócios sendo

multiplicados pela ação do Estado, cabendo a estes – agora robustas empresas –

fazerem a gestão adequadas de seus negócios para perpetuação de seus

empreendimentos (RUI, 2016, p. 45).

E como negócios estão sujeitos à concorrência, o aluno passa a ser empoderado no

manto de “cliente”. Tal situação de empoderamento, colocada por algumas instituições de

ensino, passa a ser o objeto norteador de suas estratégias empresariais. A educação sofre...

mais uma vez, sujeita ao poder do neoliberalismo.

Orlandi (2014), no texto Formação ou Capacitação, discute o slogan que circulou há

algum tempo: “País rico é país sem pobreza”. Argumenta que o efeito de sentido que desse slogan

se produz é “País rico é país educado”, fato que pode despertar o sentido de que o mercantilismo,

o crescimento econômico, dependem da qualificação da mão-de-obra. Portanto, o próprio conceito

de educação passa a ser questionado: vai muito além de alfabetização, mas fica muito aquém da

formação do cidadão... é realmente a qualificação da mão-de-obra. Portanto, a história da “melhor

herança é um diploma”, pode ser entendida como, um “diploma

é condição para o sucesso profissional”, que resulta em um ser consumista e, portanto,

cidadão. O denominador comum passa a ser, portanto, o trabalho, e não o conhecimento.

Daí a pergunta “quando você se forma?” passa a ser substituída por “quando você

termina?”, ou seja, quando você se qualifica para o mercado de trabalho, encerrando a busca

governamental por um país educado? Como esse mesmo governo buscará a educação, se ele

mesmo restringe os investimentos governamentais em educação, e se as famílias, por uma

série de questões, não têm condições de enviar seus filhos para a escola e investir na sua real

educação?

83

Page 86: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Altbach (2002) quebra o pré-construído da escola formadora de cidadãos e defende

que a educação está se tornando uma commodity mundialmente negociada.

Ao invés, está sendo cada vez mais vista como uma commodity a ser comprada por

um consumidor para a construção de um kit de habilidades a ser usado no mercado

de trabalho, ou um produto a ser comprado e vendido por corporações

multinacionais, instituições acadêmicas que se transformaram em negócios, e outros

provedores (ALTBACH, 2002, p. 2, tradução nossa).

No Brasil, um dos resultados dessa submissão é que o estudante “profissionalizado”

brasileiro é incapaz de converter seu trabalho em força de trabalho sem um treinamento na

empresa, apesar de possivelmente ter frequentado o ensino superior. A origem disso encontra-

se no fato de o Ensino Superior brasileiro buscar uma formação geral, mais restrita e limitada.

Portanto, à escola cabe a capacitação para inserção no mercado de trabalho, mas é a empresa

que qualifica para o trabalho. Como consequência, esse mesmo estudante/funcionário tenderá

a se assujeitar à ideologia dominante e a se opor menos ao aviltamento do seu trabalho,

situação imposta pelo sistema neoliberal (ALTHUSSER, 1970).

Sobre este assunto, Tragtenberg (2005) defende que objetivando o rendimento a

qualquer custo, a formação profissional continua caminhando em sintonia com a expansão

econômica, com o aumento da produtividade e com a visão dos executivos, fato que acentua o

aspecto contábil de uma empresa. “As ações possíveis de realização têm como quadro

referencial o político, entendido como o poder de comando. Deve lidar habilmente com o

desemprego e efetuar reconversões técnicas exigidas pelo sistema” (TRAGTENBERG, 2005,

p. 43). Essa “reconversão técnica” é necessária, pois toda situação que não corresponde às

condições de concorrência pura e perfeita é considerada uma anomalia que impossibilita a

realização da harmonia preconcebida entre os agentes econômicos (DARDOT; LAVAL,

2016, p. 135).

Sguissardi (2008, p. 996) também discorre sobre a formação profissional ao defender

que “repete-se a velha receita: após privatizar os ganhos, o sistema socializa os prejuízos”, ou

seja, há a geração de uma massa falida de estudantes, de graduados de baixa qualificação,

cujos resultados encontram-se nos próprios índices do desemprego estrutural ou, ainda, nos

resultados auferidos pelos estudantes, nos sistemas de avaliação da educação brasileira. E todo

esse cenário ocorre paralelamente às incansáveis buscas das escolas-empresas por poder, por

84

Page 87: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

valorização, pelo controle da educação-mercadoria, de forma que melhor sirvam aos objetivos

do capital, leia-se, do neoliberalismo.

3.3. A Legislação como efeito de verdade que sustenta as relações de poder

1988: o Brasil sai de um Regime Militar de mais de 20 anos e ruma em direção ao que

poderia ser chamado de fortalecimento da democracia. O país encontra, na Constituição

chamada de “cidadã”, garantias fundamentais para esse processo.

Um dos direitos previstos na Carta Magna de 1988 é o acesso à educação.

Especificamente em relação a esse assunto, o Artigo 205 estabelece que a educação é direito

de todos e dever do Estado e da família, e “será promovida e incentivada com a colaboração

da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1998, p. 123).

Várias tentativas vêm, desde então, sendo implementadas para garantir a educação a

todos. Um desses exemplos é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, sancionada em

1996. Em consonância com a Constituição Brasileira estabelece, em seu artigo 2º, que a

“educação , dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, p. 1).

Estabelece, ainda, que o ensino deve pautar-se nos seguintes princípios (BRASIL, 1996):

igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o

saber;

pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

respeito à liberdade e apreço à tolerância;

coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

valorização do profissional da educação escolar;

gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas

de ensino;

garantia de padrão de qualidade; valorização da experiência extraescolar;

vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;

85

Page 88: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

consideração com a diversidade étnico-racial.

Ainda sobre a LDB, Pfeiffer defende que apesar da lei estabelecer uma visão

humanista e cientificista para o Ensino Médio, ela não descarta a possibilidade, para aqueles

que assim o "queiram", de cursar um ensino profissionalizante (PFEIFFER, 2010).

Sguissardi (2008) defende que a aprovação da LDB, como uma espécie de “guarda-

chuva jurídico”, possibilitou a edição de diversos decretos normalizadores [...], entre eles o de

nº 2.306 que reconhecia a educação como um bem de serviço comercializável,

Como objetivo de lucro ou acumulação; uma mercadoria ou a educação-mercadoria,

de interesse dos empresários da educação, que viria se completar com seu par gêmeo de interesses de todos os empresários dos demais ramos industriais ou comerciais, a

mercadoria-educação (SGUISSARDI, 2008, p. 1001).

Uma outra tentativa de universalizar a educação reside no projeto do Plano Nacional

da Educação - PNE que, em cumprimento à própria Constituição e à própria LDB, foi

encaminhado ao gabinete da Presidência da República. Esse planejamento da reconstrução da

educação brasileira objetivava a melhoria qualitativa do ensino, com medidas como aumento

dos gastos do governo no setor, aumento da jornada escolar, programas de formação de

professores, ensino para indígenas, inclusão para pessoas com deficiências, autonomia para as

universidades, em favor das minorias étnicas, profissionalização da gestão da educação,

ampliação gradual da oferta de vagas na Educação Superior.

O PNE foi sancionado em 2001 –, final do governo Fernando Henrique Cardoso. Logo

após, o governo Lula assume e propõe alterações/complementações no Plano estabelecido

para o período 2001-2011. O site da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados afirma

que, durante tal governo, propostas para a melhoria qualitativa da educação continuaram, com

a apresentação de projetos de Lei que objetivavam

[...] o sistema de cotas nas universidades, a reforma universitária, o Programa Universidade para Todos (ProUni), [...] Escola Aberta, Escola de Fábrica (ensino

médio) e Brasil Alfabetizado, bem como a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb), que

compõe parte da política pública governamental (BRASIL, 2011a, p. 2).

Objetivando acompanhar a rápida velocidade com a qual a sociedade (in)evoluía, mais

um Plano Nacional da Educação é proposto, desta vez para o decênio 2014-2024. Os objetivos

eram basicamente os mesmos: alcançar uma melhoria qualitativa da educação brasileira. Para

86

Page 89: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

tanto, critérios como a educação inclusiva e igualitária, a valorização dos profissionais da

educação e a garantia e a universalização do ensino, continuam em voga.

Mas se a formação prevista na Constituição e demais legislações é tão importante,

porque as políticas públicas adotadas vêm se mostrando ineficazes? Várias críticas podem ser

encontradas em pesquisas científicas acerca das medidas e regulamentações governamentais

da educação, como exemplo:

1. A própria LDB, ao conceituar, mas ao não assegurar o seu próprio cumprimento,

permanece ambígua, apesar de ser considerada como uma das mais completas

legislações em favor da educação já promulgadas (ALVES, 2002) .

2. A LDB desconhece o fato de que o ensino, sozinho, não resultada em aprendizagem,

“primeiro, porque não se trata de uma decorrência necessária e, segundo, porque não é

de uma situação de ensino que resulta a aprendizagem” (DEMO, 1997, p. 69).

3. desde a Constituição de 1934 […] a maioria dos planos permaneceu letra morta, meras

cartas de intenção solenemente ignoradas pelos dirigentes políticos, que vêm tomando

iniciativas de política educacional inteiramente à margem dos planos aprovados

(SAVIANI, 2014).

4. “Como resultados consideramos que o PNE (2014-2024) não atinge o objetivo de ser

uma continuidade do anterior (2001-2011), mas sim reporta uma série de metas que ao

fim e ao cabo se encontram repetidas, embora com novos indicadores” (ZANFERARI;

GUIL; ALMEIDA, 2017, p. 1).

5. A apreciação do documento final10 permite compreender e reafirmar que a educação,

assim como os demais setores, seguiu e segue o modelo político e econômico vigente

no país, atendendo os interesses do neoliberalismo, em que se adequa para a educação

medidas da área da economia transformando-a em um negócio com foco no lucro,

produtividade e competitividade, princípios estes do Estado Liberal ou neoliberalismo

(ZANFERARI; GUIL; ALMEIDA, 2017).

Pfeiffer (2010, p. 86) afirma “que o vínculo construído de ‘modo natural’ entre o ensino

e o trabalho é regularmente produzido, por meio das leis, das políticas de modo mais geral e

pelas teorias que ascendem e acenam ao Estado”.

10 Referente ao PNE – Plano Nacional da Educação

87

Page 90: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Faz-se necessário recorrer à Orlandi (2010, p. 3) que defende que a arte da política é a

“arte de pensar pelo outro, isto é, em termos discursivos, praticar o pensamento político é

situar-se lá onde os sentidos se repartem”.

Pêcheux (2006, p. 33) argumenta que o sujeito pragmático tem “por si mesmo uma

imperiosa necessidade de homogeneidade lógica”. E continua: “e também não serve de nada

negar que esta necessidade de fronteiras coincide com a construção de laços de dependência

face às múltiplas coisas a saber, consideradas como reserva de conhecimento acumuladas,

máquinas-de-saber contra ameaças de toda espécie” (PÊCHEUX, 2006, p. 34).

Especificamente os Cursos de Administração, são regidos pelas Diretrizes Curriculares

Nacionais, sendo a Resolução n° 4, de 13 de julho de 2005), a que está em vigor. Determina

que

o Curso de Graduação em Administração deve ensejar, como perfil desejado do

formando, capacitação e aptidão para compreender as questões científicas, técnicas,

sociais e econômicas da produção e de seu gerenciamento, observados níveis

graduais do processo de tomada de decisão, bem como para desenvolver

gerenciamento qualitativo e adequado, revelando a assimilação de novas

informações e apresentando flexibilidade intelectual e adaptabilidade

contextualizada no trato de situações diversas, presentes ou emergentes, nos vários

segmentos do campo de atuação do administrador (BRASIL, 2005, p. 1).

Como a identidade de uma organização está delineada na sua Missão e na sua Visão,

apresentaremos tais informações sobre as IES em estudo em capítulo específico.

No capítulo anterior mencionamos que as escolas, atualmente, não conseguem formar

os profissionais exigidos pelo mercado cabendo, então, às próprias organizações a

necessidade de oferta de treinamentos dos mais diversos. Os departamentos de Recursos

humanos ganham então força, a partir do momento que dedica esforços à identificação de

fragilidades e a proposição de treinamentos que as corrija.

Retoma-se tal situação nesta etapa deste trabalho pois, o cidadão que é bacharel em

Administração, deveria, portanto, conseguir efetivamente realizar suas atividades. Contudo, se

considerarmos que as últimas Diretrizes Curriculares Nacionais datam de 2005 e que a

evolução do mundo proveniente do aprofundamento das relações globais e das inovações

tecnológicas está muito rápido, presenciamos um descompasso entre políticas públicas

educacionais e a realidade.

88

Page 91: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

As próprias DCNs, apesar de determinarem que tais cursos devem contemplar

conteúdos que revelem inter-relações com a realidade brasileira e mundial, estabelece, como

conteúdos:

I - Conteúdos de Formação Básica: relacionados com estudos antropológicos, sociológicos, filosóficos, psicológicos, ético-profissionais, políticos, comportamentais,

econômicos e contábeis, bem como os relacionados com as tecnologias da comunicação

e da informação e das ciências jurídicas; II - Conteúdos de Formação Profissional:

relacionados com as áreas específicas, envolvendo teorias da administração e das

organizações e a administração de recursos humanos, mercado e marketing, materiais,

produção e logística, financeira e orçamentária, sistemas de informações, planejamento

estratégico e serviços; III - Conteúdos de Estudos Quantitativos e suas Tecnologias:

abrangendo pesquisa operacional, teoria dos jogos, modelos matemáticos e estatísticos e

aplicação de tecnologias que contribuam para a definição e utilização de estratégias e

procedimentos inerentes à administração; e IV - Conteúdos de Formação Complementar: estudos opcionais de caráter transversal e interdisciplinar para o enriquecimento do perfil do formando (BRASIL, 2005, p. 2).

Portanto, situações atualmente vividas pelo mercado como as Startups (empresas de

base tecnológica), que definiram um novo mundo no que se refere a planejamento e gestão,

muito menos a criatividade e inovação, são contemplados por essas diretrizes.

Em capítulo anterior, mencionamos o fato de o aluno passar a ser considerado como

cliente e que este deslizamento norteia as estratégias das Instituições de Ensino. A

possibilidade do aluno escolher sua formação é definida pelos próprios instrumentos

avaliativos do Ministério da Educação que, especificamente no Instrumento de Autorização de

novos cursos, prevê a atribuição de nota máxima para aquelas estruturas curriculares,

previstas nos Projetos Político-pedagógicos – PPCs dos referidos cursos, consideram

a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a acessibilidade metodológica, a

compatibilidade da carga horária total (em horas-relógio), evidencia a articulação da

teoria com a prática, a oferta da disciplina de LIBRAS e mecanismos de

familiarização com a modalidade a distância (quando for o caso), explicita

claramente a articulação entre os componentes curriculares no percurso de formação

e apresenta elementos comprovadamente inovadores (BRASIL, 2017b, p. 11).

Ressalta-se que, apesar da Portaria nº 1.428 de 28 de dezembro de 2018 (SILVA,

2018) estabelecer que as IES que possuam no mínimo 01 curso reconhecido poderão ofertar

até 40% da carga horária total do curso na modalidade EAD, o Instrumento Avaliativo do

Ministério da Educação só avalia com nota 5, a máxima estabelecida, aquela Instituição que

evencia os mecanismos de familiarização com a modalidade à distância.

Sobre os PPCs, esses são estabelecidos pelas Diretrizes Curriculares que definem que

devem abranger, inclusive, o perfil do egresso, sendo apontado, neste caso, sobretudo, as

89

Page 92: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

competências e habilidades que um administrador formado pelo curso deve demonstrar ter

adquirido/desenvolvido.

Sobre esse assunto, recorre-se a Veiga (1995) que discute o PPC como uma ferramenta

de constante reflexão, fruto de uma ação coletiva que instaura uma forma de organização do

trabalho pedagógico, tanto para a organização da própria escola, quanto para a organização da

sala de aula, do trabalho do professor, especialmente, de sua prática pedagógica. Estabelece,

também, que a “principal possibilidade de construção do projeto político-pedagógico passa

pela relativa autonomia da escola, de sua capacidade de delinear sua própria identidade. Isto

significa resgatar a escola como espaço público, lugar de debate, do diálogo, fundado na

reflexão coletiva” (VEIGA, 1995, p. 15).

3.4. O Curso de Bacharelado em Administração

O livro “50 Anos que fizeram História: jubileu de ouro” (BRASIL, 2015b) publicado

pelo Conselho Federal de Administração, afirma que o primeiro registo da Administração data

do século 5 a.C., quando, na Suméria, se criou um processo de planejamento para a

identificação de problemas e soluções voltadas para a prática do comércio. Após, no século 2

d.C., Cláudio Ptolomeu propõe um sistema econômico que, de acordo com estudiosos, só

pode ser operacionalizado com a aplicação da administração.

Da China antiga destacam-se dois legados importantes de administração pública: a

Constituição de Chow, com a definição de oito regulamentos para governar os diferentes setores do império, e as Regras de Administração Pública de Confúcio,

que destacavam a necessidade de um conhecimento da realidade objetiva para bem governar (BRASIL, 2015b, p. 17).

Fava (2008) discorre que a Ciência da Administração Moderna passou a ser estudada

após a Revolução Industrial e o consequente aumento da produção deste momento. Aumento

da produção este que gerou aumento da competitividade e da necessidade de gestão dos

negócios.

Divide, também, a história da Administração em três fases, a saber (FAVA, 2008):

Teocrática: os Administradores se diziam profetas e administravam enquanto

mandatários de Deus;

Empírito-prática: a experiência do Administrador sustentava a sua atuação. Aquilo que

funcionava era repetido;

90

Page 93: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Científica: as relações de causa e efeito passam a ser analisadas. A ciência passa a ser

aliada da arte de administrar. Taylor, principal expoente, defende o estudo de “Tempos

e Movimentos” como estratégia para aumento da produtividade.

Vários gênios emergiram desde então: Ford e os conceitos de “Linha de Produção”,

Fayol e a alegação de que administrar passa por “Planejamento, Organização, Comando,

Coordenação e Controle, a “Burocracia” de Weber, Mayo e a Escola das Relações Humanas,

Bertalanffy e a Teoria Geral dos Sistemas. Já a segunda metade do século XX vivenciou o

aparecimento da chamada escola Neoclássica e de conceitos como “Corporações”, “Gestão

por Metas e Objetivos”, “Reengenharia e Redesenho de Processos”, “Qualidade Total”, entre

outros.

Há, também, o advento do “Modelo Japonês” de Administração, com foco na redução

de desperdícios, na fabricação enxuta. As “Learning Organization” ou “Organizações que

Aprendem” e a “Administração Empreendedora” nascem na mesma década, em que o

conceito de “Qualidade de Vida no Trabalho” ganha espaço. Maximiano (2004) aponta o

aparecimento da “Administração Virtual” e da “Gestão do Conhecimento”.

A evolução da tecnologia da informação por nós vivenciada no século XXI trouxe,

consigo, uma enorme revolução no perfil da concorrência. Os negócios locais passaram a

competir com negócios localizados em todas as partes do mundo. Sites como eBay, Ali

Express, entre outros, unem vendedores e consumidores. Uma grande quantidade de cursos de

Administração são criados pelo Brasil e pelo mundo.

Nogueira (2015), recorrendo a Souza-e-Silva e a Faita (2002), aponta que a linguagem

corporativa passou por transformações, acompanhando esse movimento de globalização: a

produtividade substituiu a ideia de Taylor (apesar da percepção de uma certa racionalização)

de que falar levava a uma perda de tempo que poderia ser utilizada no processo produtivo.

Para Souza-e Silva e Faita (2002)

as novas formas de gestão (implementadas pelos programas de qualidade total), têm a

tendência de atribuir aos trabalhadores alguns direitos, como o de escrever no jornal da

empresa, o de propiciar a discussão entre os pares e a negociação entre as equipes,

diferentemente das organizações tayloristas em que a reflexão sobre o trabalho era

reservada somente à hierarquia (NOGUEIRA apud SOUZA-E-SILVA, 2015, p. 19).

91

Page 94: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

A autora também aponta que o discurso de gestão está na base do que seria a maior

expressão do “novo espírito do capitalismo”, a serviço da divulgação de novos modelos de

organização do trabalho, e publicizando a ideia de clima organizacional e as relações de

trabalho. “O modo como a noção de participação é tratada na literatura da gestão empresarial

mostra bem o apagamento” do conflito capital x trabalho (NOGUEIRA, 2015, p. 26).

Castro (1981) argumenta que o primeiro curso de Administração surgiu nos Estados

Unidos em 1881, o Curso da Wharton School. No Brasil, o primeiro registro da utilização do

termo “Administrador” com uma conotação comercial foi em 1850 com a assinatura, pelo

Imperador Pedro II, da Lei nº 556, que instituía o Código Comercial do Império do Brasil.

Foi apenas na década de 50 que surgiram os primeiros cursos de administração do

país, o da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, em 1952,

e o da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, em 1954. O principal objetivo

desses cursos era o de “gerar pessoas corretamente qualificadas para as posições

convencionalmente chamadas de gerenciais ou executivas” (CASTRO, 1981, p. 2).

O surto de ensino superior, e em especial o de Administração, é fruto da relação que

existe, de forma orgânica, entre essa expansão e o tipo de desenvolvimento

econômico adotado após 1964, calcado na tendência para a grande empresa. Nesse

contexto, tais empresas, equipadas com tecnologia complexa e com um crescente

grau de burocratização, passam a requerer mão-de-obra de nível superior para lidar

com essa realidade (BRASIL, 2015a, p. 2).

A profissão foi regulamentada em 1965, através da Lei nº 4.769. Já em 2017, fruto da

demanda crescente por mão-de-obra qualificada existiam, no Brasil, 1.568 Instituições de

Ensino que ofereciam 2.170 cursos, com 682.555 alunos matriculados (BRASIL, 2017c).

Desde a vinda de imigrantes para o Brasil, após a abolição da escravatura e o aumento da

demanda por estes profissionais, passando pelo boom econômico e o liberalismo da era Juscelino

Kubitschek, até o milagre econômico da década de 70, a demanda por administradores aptos e

qualificados a trabalhar e contribuir para com o crescimento econômico das grandes empresas e

corporações, sempre existiu. A situação continua pós década de 1990, com a Abertura Comercial

da era Collor e com a irrefutável inserção brasileira nas relações globais, fruto, inclusive, do

desenvolvimento de cada vez mais modernas tecnologias da informação

92

Page 95: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Se consideradas as habilitações11, havia, também em 2017, 1.853 Instituições de

Ensino que ofereciam 2.539 cursos, com 772.941 alunos matriculados. Desse total, três

instituições, todas privadas, oferecem o Curso de Administração na microrregião de Varginha:

UNINCOR, UNIS e FACECA.

Na primeira década do século XXI foram regulamentados, também, os Cursos

Tecnólogos em Administração, com a aprovação pelo Ministério da Educação e Cultura, em

2006, da primeira versão do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia.

Se somadas, agora, as IES que oferecem o curso de Administração e Tecnólogos, o

número de Instituições chega a 1.774, totalizando 5.134 cursos e um total de 1.214.637 alunos

matriculados. A concorrência se faz presente.

A participação do capital privado, da educação transformada em Ensino S.A., também

fica evidente, se considerarmos que do total de 1.774 Instituições de Ensino ofertantes desses

cursos, apenas 215 são públicas, ou seja, um pouco mais de 12%. Dos 5.134 cursos, apenas

669 são ofertadas por instituições públicas, fato que também demonstra a força das relações

neoliberais.

Neste ponto desta pesquisa, retomamos o Artigo 205 da Constituição Federal (BRASIL,

1998), anteriormente citada. Se a educação é um dever do Estado e da família e objetiva o pleno

desenvolvimento da pessoa, seja para o exercício da cidadania ou para a execução de atividades

profissionais, as informações sobre o Administrador e sua carreira até aqui citadas, demonstram

apenas o foco no trabalho, na produtividade, nas relações de mercado.

O que é no mínimo intrigante é que o desenvolvimento do ser humano, do cidadão,

capaz de contribuir para com a sua sociedade, não está presente, nem nas Diretrizes

Curriculares Nacionais que regem tais cursos. O artigo 4º estabelece que o profissional deve,

ao final, do curso, apresentar as seguintes competências e habilidades:

I - reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e

generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o

processo da tomada de decisão; II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais; III - refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento; IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e

11 Administração de Cooperativas, Administração dos Serviços de Saúde, Administração em micro e pequenas empresas, Administração Hospitalar, Administração Pública.

93

Page 96: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais; V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa,

vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional; VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável; VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais (BRASIL, 2005, p. 2).

Pode-se perceber:

reconhecer problemas, buscar soluções, tomar decisões, para a melhoria do processo

produtivo;

desenvolver comunicação e expressão para o desenvolvimento da atividades

profissionais e do processo de negociação;

refletir criticamente sobre processos produtivos;

ter iniciativa e vontade de aprender para o exercício de suas atividades profissionais;

transferir conhecimento da vida para o ambiente de trabalho e não o contrário;

ser capaz de propor projetos para as organizações;

ser capaz de oferecer consultoria em gestão e administração.

O único parágrafo que pode se aproximar do estabelecido na Constituição Federal e dos

objetivos da educação é o de número III. Contudo, a presença do interdiscurso permite afirmar

que o objetivo é apenas a qualificação profissional, o desenvolvimento de competências e

habilidades, para enfrentar situações impostas pelo cotidiano social, ou seja, preparar-se para

as influências sociais sobre as relações neoliberais: a profissão está à serviço do mercado. As

instituições de ensino e seus cursos de Administração, aparelhos ideológicos do Estado, como

discorreremos posteriormente.

Sobre o perfil dos Administradores, uma pesquisa nacional do sistema CFA/CRA

mostra que a maioria dos profissionais (ANGRAD, 2015):

São do sexo masculino, casado e com dependentes;

tem entre 31 e 35 anos;

94

Page 97: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

formou em universidades particulares, entre os anos de 2006 e 2015

possui especialização em alguma área de Administração;

trabalha em empresas de grande porte, no setor industrial;

tem carteira assinada e ocupa cargos de gerência ou analista;

atua na área de Administração e/ou Planeamento Estratégico;

possui renda média mensal de 9,2 salários mínimos.

Como o objetivo desta etapa da pesquisa é contextualizar o curso de Administração, sua

história, além do perfil do Administrador, optou-se por apresentar, abaixo, a oração do

Administrador, criada por Rui Ribeiro de Araújo ([s.d.], p. 1, grifo do autor):

Senhor, diante das organizações devo ter CONSCIÊNCIA de minhas responsabilidades como ADMINISTRADOR. Reconheço minhas limitações, mas humildemente, junto com meus companheiros de trabalho busco o consenso para alcançar a SOLUÇÃO e tornar o trabalho menos penoso e mais produtivo: Senhor, despido de egoísmo quero crescer, fazendo crescer, também, os que me cercam e que são a razão de minha escolha profissional; Senhor, ADMINISTRE o meu coração para que ele siga o caminho do bem, pois, a

mim caberá realizar obras sadias para tornar as organizações cada vez melhores e mais humanas.

A própria oração do Administrador, acima transcrita, mostra esta relação de subserviência

mercado x profissão x educação, ao afirmar que “busco alcançar a solução para tornar o trabalho

menos penoso, ou ainda, que o meu coração siga o caminho do bem para transformar as

organizações melhores e mais humanas” (ARAÚJO, [s.d.], p. 1, grifo nosso). Além de

percebermos que há, na oração, um pré-construído de que o trabalho é penoso e desumano, outras

perguntas são pertinentes: qual solução? Solução para quem? Organização melhor é aquela que

melhor cuida do seu profissional ou aquela que dá mais resultado ou lucro?

O enfoque profissional também é ressaltado no juramento da Administração que,

apesar de prever o desenvolvimento do homem e da pátria, prevê, principalmente, o

aperfeiçoamento da ciência e o desenvolvimento das instituições. (BRASIL, [s.d.])

Ressaltamos que a preocupação com o humanismo se encontra na escola das relações

humanas de John Mayo, na primeira metade do século XX. Maximiano (2004) afirma que,

entre as conclusões de Mayo, está a de que o comportamento do funcionário determinava a

95

Page 98: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

produtividade. Portanto, tratá-lo bem resultaria em melhor desempenho. “Bom tratamento,

bom desempenho” (MAXIMIANO, 2004, p. 62).

Aponta-se, enfim, que o indivíduo formado em Administração é um bacharel. Para

entender este significado, recorremos a definições disponibilizadas no site do Centro

Universitário São Camilo que diz que os cursos de bacharelado, especificamente, “habilitam o

profissional a exercer sua profissão na área que escolheu, ocupando funções relacionadas a

essa área no mercado de trabalho” (CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO, 2018, p. 1),

enfim, mais um argumento em prol da única e específica preparação do cidadão para atender

ao mercado de trabalho. É o mercado de trabalho que direciona o ensino e não o contrário.

3.5. Competitividade entre os cursos de bacharelado em Administração

Como proposto neste trabalho, o objetivo é analisar as discursividades presentes nas

campanhas publicitárias de Instituições de Ensino, que oferecem o Curso de Administração em

Varginha, além da UNINCOR, localizada em Três Corações. Portanto, para melhor entender a

competitividade existente na região, apresentamos, a seguir, todas as Instituições de Ensino

autorizadas pelo Ministério da Educação que oferecem tal curso na região delimitada.

Quadro 7 – Cursos de Administração Autorizados

Cidade Curso Presencial Cursos EAD e/ou híbridos

Três Corações UNINCOR FAJ

UNIS

Centro Universitário Estácio

de Ribeirão Preto

SENACSP

UCB

UNISUL

UNIMES

UNIP

UNINCOR

Varginha FACECA UNICNEC

96

Page 99: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

UNIS UNICESUMAR

UNIS-MG

UNIFACVEST

UNIFAVIP WYDEN

UNINTER

SENACSP

FAEL

IBMEC SP

UNIFRAN

UNESA

UNIMES

UNIP

Fonte: o autor adaptado de (BRASIL, 2018b)

O levantamento acima mostra que existem 25 Instituições de Ensino autorizadas a

ofertar o Curso de Administração nas cidades de Varginha e Três Corações, sendo 03 na

modalidade presencial e 22 na modalidade EAD ou híbrida; um mercado altamente

competitivo.

Retomando o ENADE, este exame acabou se constituindo em uma ferramenta de

acirramento desta concorrência, sendo que o resultado alcançado pelos alunos constituiu-se

não apenas em um diagnóstico para a promoção de melhorias qualitativas da educação, mas

tornou-se uma estratégia mercadológica, uma diferenciação na atração de alunos. Sobre este

assunto, Pfeiffer afirma que

nesse processo, as identidades sociais são forjadas na lógica das performances

(desempenhos) a serem expressas, conferindo ao conhecimento a relação restrita

com o que pode adquirir visibilidade nos desempenhos a serem medidos. O valor de

troca do conhecimento se sobrepõe ao seu valor de uso, pois é constituído um

mercado no qual os desempenhos devem ser visíveis para serem trocados por

benefícios sociais (PFEIFFER, 2010, p. 90).

Sobre o mercado, Pereira (2009, p, 15) defende que há um mecanismo de coordenação

econômica fundamentado na competição, “essencialmente por lucro das empresas, mas

também por melhores salários e melhores ordenados para os trabalhadores e os profissionais”

Tal concorrência permite que peças publicitárias como a abaixo recortada sejam

produzidas:

97

Page 100: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Recorte 7 – Vestibular UNOPAR, 2018

Fonte:(UNOPAR, 2018)

Percebe-se que o preço (1ª mensalidade a R$ 59,00) é altamente apelativo, além da

possibilidade de inscrição no processo seletivo sem o pagamento de taxa alguma, apenas com a

doação de 01 quilo de alimento. Não pode ser encontrada nenhuma discursividade que remeta

à questão de qualidade, seja com a formação para o mercado de trabalho ou, ainda, a

formação do cidadão para a vida.

Trata-se de mais um recorte em que a educação é posta à venda enquanto uma simples

mercadoria. Há uma grande tentativa de aproximação com o leitor, seja pela utilização de

emoticons, uma estratégia de comunicação paralinguística, ou pela utilização, pelos dois

modelos, de tablet e notebook, característica de uma geração dita digital e que, de certa forma,

naturaliza e reforça o ensino em sua modalidade a distância. A inserção digital busca uma

aproximação com a geração alvo da propaganda.

Chama a atenção no recorte, o trecho: “esta oferta não é válida para os cursos de

Medicina, Medicina Veterinária e Odontologia” provavelmente por serem cursos presenciais,

e com um custo operacional mais alto, ou, ainda, cursos de grande demanda. Contudo, não há

informação alguma sobre os preços desses cursos ou a possibilidade de realizar o vestibular

gratuitamente.

A sentença “É neste sábado!” é um exemplo concreto da opacidade da linguagem, já que

busca trazer o sentido de “ainda dá tempo”, ao invés do provável real sentido de liquidação.

Liquidação, pois, como há uma necessidade de sobrevivência econômica do “enchimento” de

salas de aula (ou neste caso, de “ambientes virtuais”), liquidações de última hora, seja com a

mensalidade a R$ 59,00 ou com inscrições gratuitas, podem garantir tal sustentabilidade.

98

Page 101: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

A ideia de corporação também está presente. Apesar da não presença do logo da IES, a

utilização de suas cores, o vermelho e o azul, remetem a ela. Ressalta-se, inclusive, que este é

um banner disponível na página da própria UNOPAR.

Discorreremos, a seguir, sobre cada um dos cursos presenciais objeto deste estudo:

3.5.1. FACECA

A FACECA – Faculdade CNEC Varginha é uma Instituição de Ensino Superior

Filantrópica e Comunitária, mantida pela Rede CNEC. Tem, como missão, “promover a

formação integral das pessoas, oferecendo educação de excelência com compromisso social”

(FACECA, 2013, p. 1).

Oferta o Curso de Administração mais antigo da região, com a primeira turma ofertada

em 1971 e reconhecido pelo Ministério da Educação em 1975. Especificamente sobre o Curso

de Administração, foi estabelecido no PPC – Projeto Político Pedagógico (FACECA, 2015),

as seguintes informações:

Objetivo Geral

Oferecer ao mercado profissionais que detenham conhecimento, habilidades e

atitudes, que se mostrem capazes de enfrentar os desafios a serem enfrentados pelas

organizações empresariais e sociais. Para alcançar seu objetivo, desenvolve

competências e habilidades ao graduando na sua formação para haver a justaposição

entre metodologia de ensino e a concepção do Curso (FACECA, 2015, p. 47).

Objetivos Específicos

Formar profissionais: com formação humanística e visão global que o habilite a compreender o meio

social, político, econômico e cultural onde está inserido, e a tomar decisões em um mundo diversificado e interdependente;

com capacidade de reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão;

com capacidade de desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais;

com capacidade de atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento;

com capacidade de desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais

99

Page 102: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais;

que tem iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional;

que tenham a capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável;

que possam elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; que desenvolvam a capacidade para realizar consultoria em gestão e

administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais;

que se adaptem às constantes mudanças organizacionais, na sociedade e no mercado de trabalho;

tenham competência para empreender, analisando criticamente as organizações, identificando tanto dificuldades como oportunidades, antecipando e promovendo suas transformações;

tenham capacidade de coordenar, liderar e atuar em equipes interdisciplinares; que possam contribuir para com o desenvolvimento da comunidade local e

regional, através de atitudes que empreendam a Responsabilidade Social (FACECA, 2015, p. 47).

Perfil Profissional do Egresso

Seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais, o Curso de Administração da

Faculdade CNEC Varginha objetiva formar um profissional (FACECA, 2015, p. 48):

com formação humanística e visão global que o habilite a compreender o meio social, político, econômico e cultural onde está inserido, e a tomar decisões em um mundo diversificado e interdependente;

com capacidade de reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão;

com capacidade de desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais;

com capacidade de atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento;

com capacidade de desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais;

que tem iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional;

que tenham a capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável;

que possam elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações;

100

Page 103: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

que desenvolvam a capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais;

que se adaptem às constantes mudanças organizacionais, na sociedade e no mercado de trabalho;

tenham competência para empreender, analisando criticamente as organizações, identificando tanto dificuldades como oportunidades, antecipando e promovendo suas transformações;

tenham capacidade de coordenar, liderar e atuar em equipes interdisciplinares; que possam contribuir para com o desenvolvimento da comunidade local e

regional, através de atitudes que empreendam a Responsabilidade Social.

3.5.2. UNIS

O UNIS - Centro Universitário mantido pela Fundação de Ensino e Pesquisa do Sul de

Minas – FEPESMIG, oferta o curso de Administração com ênfase em Comércio Exterior

desde o ano de 2002.

Por meio da Resolução nº 4, em 2005, o MEC definiu que as linhas de formação

específica, nas diversas áreas da Administração, não poderão mais constituir uma extensão ao

nome do curso, nem se caracterizarem como uma habilitação, devendo apenas constar no

projeto pedagógico (BRASIL, 2005).

A Instituição tem, como missão “formar pessoas socialmente responsáveis, em

diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para o desenvolvimento das regiões em que

atua” (UNIS, 2014, p. 1).

Perfil profissional do egresso12

O Administrador deve ser um profissional capaz de prever problemas e antecipar

decisões no contexto geral dos negócios, atuando com autonomia em equipes estruturadas sob

óptica de um aprendizado contínuo, compartilhando e disseminando por toda a organização;

incorporar princípios humanísticos em seus relacionamentos que leve a uma relação mais

próxima com o mercado de trabalho e o setor produtivo. Deve ainda:

1. Reconhecer e definir problemas;

2. Equacionar soluções;

12 Como não conseguimos acesso ao PPC do Curso de Administração do UNIS, retiramos as informações transcritas neste trabalho do seu site institucional (UNIS, [s.d.])

101

Page 104: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

3. Pensar estrategicamente;

4. Introduzir modificações no processo produtivo;

5. Atuar preventivamente;

6. Transferir e generalizar conhecimentos;

7. Exercer em diferentes graus de complexidade o processo da tomada de decisão;

8. Desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional;

9. Refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção;

10. Desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e

formulações matemáticas;

11. Ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade

de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas

do seu exercício profissional;

12. Desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência

cotidianas para o ambiente de trabalho;

13. Desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em

organizações;

14. Desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e

perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais.

Devido à especificidade do curso, estabelece, também, que o profissional formado em

Administração pelo Centro Universitário do Sul de Minas deve “ser um profundo conhecedor das

práticas comerciais entre as nações, sabendo analisar o ambiente global, perceber oportunidades e

atuar de maneira proativa, buscando os objetivos organizacionais em negócios internacionais”

(UNIS, [s.d.], p. 1). Ressalta-se, neste perfil, o léxico neoliberal “proativo”.

3.5.3. UNINCOR

A Universidade Vale do Rio Verde foi fundada em 1965 e tem Campi em Belo

Horizonte, Betim, Caxambu, Pará de Minas, Três Corações, além de marcante atuação na

educação à distância. Iniciou a oferta do seu curso de Administração em 1975.

102

Page 105: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Como também não tivemos acesso ao PPC do Curso, retiramos as informações que

seguem do site institucional

Missão

“Promover e disseminar o conhecimento com responsabilidade em suas áreas de

atuação, formando profissionais de alta qualidade, aptos para o mercado de trabalho e

comprometidos com a vida, ética, sociedade e o meio ambiente” (UNINCOR, [s.d.], p. 1).

Perfil do Egresso e objetivo

O Curso de Administração da UNINCOR busca “habilitar o egresso ao gerenciamento

à assimilação de novas informações, apresentando flexibilidade e competência no trato de

situações adversas presentes ou emergentes no campo de atuação do administrador”.

(UNINCOR, [s.d.], p. 1)

Tem, também, como objetivo, “formar profissionais empreendedores capazes de

implementar, gerenciar, manter e desenvolver continuamente organizações, que sejam

comprometidas com o desenvolvimento sustentável local, regional e nacional” (UNINCOR,

[s.d.], p. 1).

Percebe-se que os perfis do egresso estabelecidos pelas três Instituições de Ensino

refletem, em suma, as determinações das Diretrizes Curriculares Nacionais, legislação que

regula tal curso e estão de acordo com as demandas mercadológicas por mão de obra

qualificada. Ressaltamos que as DCNs, que regulamentam o curso de Administração, como

anteriormente transcrito, não contemplam a formação do cidadão, conforme determinando

tanto pelo artigo 25 da Constituição Federal, quanto pelo artigo 43 da LDB.

Referente às missões aqui recortadas, enquanto o enfoque da UNINCOR é pela

formação de profissionais, a missão do UNIS e da FACECA destaca a formação da pessoa e a

responsabilidade social. Contudo, o perfil do Curso de Administração do UNIS define apenas

a formação de profissionais.

103

Page 106: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Quanto à FACECA, apesar do perfil do egresso tender à formação profissional, é

relatado o desenvolvimento de competências e habilidades voltadas ao desenvolvimento

regional, com responsabilidade social.

104

Page 107: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

4. AS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DAS IES EM ESTUDO

4.1.O Discurso Publicitário

Nascemos em uma sociedade de consumo e, historicamente fomos programados para

consumir os bens e serviços produzidos por esta realidade globalizada e neoliberal que nos

cerca.

Silva (2014, p. 8) defende que “consumir é a forma mais rápida e eficaz de ter, e numa

sociedade com abundância produtiva, esses dois verbos (ser e ter) viram sinônimos

absolutos”. Então, se consumir é a forma mais rápida e eficaz de ter, consumir é a forma mais

rápida e eficaz de ser, ou para ser, ou para ter, a forma mais rápida é através do consumo.

Nesta sociedade consumista,

o modo ser de existir é desestimulado de todas as maneiras, pois ser não demanda

consumo nem a obtenção de lucros. Uma pessoa satisfeita com a sua aparência, com

seu ofício, com seus afetos e valores éticos não necessita consumir (de forma

abusiva e/ou compulsiva) cosméticos, cirurgias, plásticas, namorados e/ou

namoradas da hora ou títulos de bons cidadãos em instituições de visibilidade social

(SILVA, 2014, p. 14).

Inclusive, o “ter” assujeita o cidadão. Tragtenberg (2005) defende que cada um tem a

sua visão de mundo afetada pelo fato de ser ou não proprietário de meios de produção,

dependendo de sua situação mais ou menos lucrativa, se possui mais ou menos poder sobre os

outros, se procurar proteger sua propriedade e seu poder, ou se procura conquistá-los para si

ou para a coletividade

Tragtenberg (2005, p. 122) também discorre sobre o assunto, ao afirmar que “no

capitalismo desenvolvido, a classe trabalhadora é mercado consumidor importante para a

produção industrial de bens duráveis”. Nesse mesmo capitalismo moderno, esse consumidor é

submetido, em vários casos, a condições degradantes de trabalho, onde atos como ir ao

banheiro, almoçar ou descansar, são avaliadas em prol de ganhos de competitividade.

Telma Domingues da Silva (2009, p. 9) reflete sobre o consumo, argumentando que

ele implica em um reconhecimento não-reflexivo, normalmente por impulso, que é também

assim tomado pelo sujeito: “não necessita esforço, trabalho simbólico, pede apenas que seja

facilmente engolido incorporado, permanecendo-se, desse modo, na ordem de um imaginário

já-produzido, que não (se) afetaria pelo real do produto ou do consumo”.

105

Page 108: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

A publicidade massifica o consumismo, dita o modo “ter” de viver. A utilização, em

uma campanha publicitária, de um produto por parte de uma celebridade gera um sentido de

sucesso, de qualidade, de necessidade, de posse. Nessa perspectiva, a simples mercantilização

desloca-se, pela opacidade da linguagem, para um sentimento, um efeito de sentido de

realização de sucesso pessoal.

Sobre este assunto, Tragtenberg (2005) afirma que o poder contemporâneo manipula

os indivíduos, infantilizando-os e pervertendo-os pelo álcool, fumo, por monopólios do

Estado, pela publicidade, pornografia, baixo nível da cultura de massa.

Silva defende (2009, p. 2) que a publicidade exerce um papel essencial nesta sociedade

de consumo, criando necessidades de consumo e “posicionando o público consumidor em

determinados lugares na relação com os anunciantes dos textos publicitários”. O mercado,

então, atribui à mídia um papel de grande valor, já que “traduz de forma sutil e imperativa a

ideologia presente na sociedade capitalista moderna, que é a de consumo a qualquer preço”

(AOKI; SOUZA; TFOUNI, 2010, p. 2). Mais um poder se estabelece: o poder da mídia.

a linguagem publicitária, enquanto uma ferramenta de marketing de organizações complexas do capitalismo moderno, é capaz de provocar efeitos de sentidos,

despertando nos públicos destinatários reações empáticas compatíveis com as

intencionalidades dos anunciantes e das agências de circulação de capital (NISHIYAMA, 2010, p. 585).

Já que dedicamos os parágrafos acima ao consumo e ao papel da publicidade,

recorremos a Gomes para entender a diferença entre publicidade e propaganda. O autor

(GOMES, 2001) diz que a publicidade nasceu após a revolução industrial, já que uma

produção em massa demandava “vendas em massa”. Assume, então, a publicidade um papel

fundamental, já que pode ser definida como a “atividade mediante a qual bens de consumo e

serviços que estão à venda se dão a conhecer, tentando convencer o público da vantagem de

adquiri-los” (GOMES, 2001, p. 115).

Com relação à propaganda, Gomes (2001, p. 117) a define como a “expressão de uma

opinião por indivíduos ou grupos, deliberadamente orientada a influir opiniões ou ações de

outros indivíduos ou grupos para fins predeterminados”. Exemplifica que a propaganda já

havia sido usada no século XIV, pela igreja católica, para combater o avanço do luteranismo

e, ao mesmo tempo, expandir o catolicismo. Seu uso se dava, portanto, enquanto ferramenta

de divulgação de uma ideologia.

106

Page 109: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Tanto a publicidade quanto a propaganda, enquanto técnicas de comunicação

persuasiva, usam a mídia como canal para atingir seus objetivos. Sobre a mídia, Gregolin

(2007) afirma que atualmente ela é o principal instrumento da construção da “história do

presente”, um acontecimento que tenciona o esquecimento e a memória, formatando a

historicidade que nos atravessa e constitui, sendo que estamos constantemente submetidos a

interpretações dessas mensagens midiáticas.

Sobre a mídia, Medeiros (2014, p. 65) defende que ela tem

papel determinante no processo de difusão de saberes e valores na sociedade

contemporânea. No caso da mídia, como lugar de circulação de sentidos, se o controle

não ocorre pela via da vigilância repressora da presença e da ordenação do olhar de

sujeitos em presença, se dá na emergência de modelos de realidade; no agenciamento da

consciência, como promotora de gestos de interpretação, (re)produtora de fatos de

linguagem, de posições-sujeito atuantes na esfera de organização social.

Referindo-se ao discurso publicitário, Leite (2015) postula que ele é um dos que mais

trabalha as relações entre imagem e texto, utilizando-se de imagens e textos sedutores e

persuasivos, levando os sujeitos ao encantamento e à adesão a um mundo esteticamente

construído e bem elaborado, ao consumo.

Apesar de haver uma linha de pensamento que defende que essa mesma sociedade de

consumo, advinda com a revolução industrial e disseminada após a cultura do “jeito americano de

viver”, está em esgotamento, seja por questões ambientais ou econômicas, a cada dia que passa

somos bombardeados com propagandas de novos e supostamente melhores produtos.

Tamanha é a enxurrada de informações a que somos rotineiramente expostos, e

tamanho é o cenário de incerteza ao qual estamos submetidos, que para que a linguagem

midiática tenha uma performance de linguagem, há a necessidade de “impressionar os

interlocutores e de convencê-los através da produção de evidências de sentidos” (PAYER,

2005, p. 12). Discute, também, que o leitor deveria ser criativo em suas práticas, e não apenas

produtivo, como assim quer o mercado.

Muitas peças publicitárias se utilizam dos provérbios, fórmulas fixas da língua, que

buscam produzir dados efeitos de sentido no sujeito leitor/consumidor (CASSOL, 2013, p.

12). Essa repetição constante de sentidos é definida, por Orlandi, como memória metálica,

aquela produzida pela mídia e distribuída em série, na forma de acúmulo, adição. “O que foi

dito aqui e ali e mais além vai-se juntando como se formasse uma rede de filiação e não

apenas uma soma. Quantidade e não historicidade" (ORLANDI apud BARRETO, 2006, p. 5).

107

Page 110: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

O discurso publicitário, consolida a união entre palavras e imagens, com seus objetivos

de conquistar e seduzir pois há, neste contexto, uma relação entre um objeto que se deseja

vender e um sujeito que deseja comprar e ao qual é atribuído um potencial de comprar, um

poder de compra. Acontece, nesse momento, a persuasão (PEREIRA, 2018).

Nishiyama (2010, p. 588) defende que os jovens, que normalmente constituem-se em

público-alvo das campanhas publicitárias das Instituições de Ensino Superior, são

profundamente impactados por essa experiência midiática, já que que a publicidade, através

da linguagem persuasiva, manipula o imaginário, estandardizando os produtos, através dos

quais “as pessoas são incorporadas ao mercado e estimuladas a se identificarem com as suas

mercadorias”.

Apesar de serem discutidas oportunamente, verificamos que a teoria aqui colocada

pode ser identificada nas campanhas propostas, desde o efeito de poder do “futuro

consumidor”, com discursividades do tipo “eu posso” ou ainda evocando um imaginário de

sucesso profissional e social (“seja do tamanho dos seus sonhos” ou “seja do mundo” ou,

ainda, “eu faço o meu futuro acontecer”).

Se eu “faço o meu futuro acontecer”13

(FACECA, 2016) ou se eu sou do tamanho dos

meus sonhos (recorte 8) tenho, portanto, poder, a imaginária liberdade de escolha (recorte 13).

Sobre esse assunto, Silva (2015) diz que a mídia está se tornando libertária, incentivando o

consumidor a exercer tal liberdade, a se expressar.

A mídia tem a função de contestar os estereótipos. Não se trata de impor ao sujeito um

jeito de ser, mas de convencê-lo que determinado produto expressa sua individualidade.

O valor não está no produto, mas na subjetividade a ele associada. O produto é

apresentado como ferramenta destinada à construção de si (SILVA, 2015,

p. 183).

É como se faltasse a liberdade, se faltasse a minha capacidade de sonhar. E Aoki,

Souza e Tfouni afirmam que as propagandas “apóiam-se na falta como condição fundante do

sujeito, falta essa que funda o sujeito como tal e o move por toda a vida” (2010, p. 11).

A sociedade urbana moderna, industrializada, democratizada e de mercado, é

significada pela televisão brasileira, sendo diferenciados o discurso industrial (aquele que

institucionaliza o sujeito) do discurso publicitário (que o singulariza, que vende imagens, não

produtos).

13 Discursividade presente nas peças publicitárias do Vestibular FACECA 2017.

108

Page 111: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Dela Silva e Teixeira (2014), ao refletir sobre o “sujeito consumidor”, pensa a mídia

como um espaço de produção e circulação de sentidos, e, consequentemente, de constituição

de posições sujeito. E é essa posição de sujeito consumidor que institui a posição de sujeito

telespectador, que “crê na origem de si e de suas vontades, capaz de tudo dizer e livre para

fazer as suas escolhas” (DELA SILVA; TEIXEIRA, 2014, p. 160). E esse sujeito consumidor

é constituído pela própria publicidade que, com frequência, se utiliza de “já-ditos” para

formular seu discurso.

O discurso publicitário está presente em nossas TVs, revistas e, principalmente, redes

sociais. Especificamente sobre a Televisão, Silva (2009, p. 4) diz que ela “institucionaliza-se

no contexto da ideologia desenvolvimentista: um ‘modo de vida urbano’ se impõe, por

exemplo, através do consumo de produtos industrializados”. Afirma, também, que, no Brasil,

o avanço da mídia eletrônica “remete ao processo de urbanização, no momento em que este se

intensifica no país. O empresariado, em expansão, identifica-se ao que ocorria em outros

países, os chamados países desenvolvidos, e mostra seu interesse na promoção de uma

modernidade ‘cultural’ ” (SILVA, 2009, p. 4, grifo do autor).

Ir, pois, da televisão para a internet, seria, no imaginário da comunicação contemporânea, ir de um meio de comunicação passivo para um meio de

comunicação interativo;[...] a interatividade do leitor-navegador, sendo que apenas a

menção do site no anúncio na televisão já é uma forma de se produzir esse efeito de qualificação do consumo. (SILVA, 2009, p. 11, grifo do autor).

E nas inovações tecnológicas e nas redes sociais, a mídia achou um ambiente fértil

para conquistar um papel de grande importância na sociedade, produzindo sentidos,

constituindo sujeitos, afetando as relações sociais, possibilitando que o sujeito crie novas

formas de representação da sua conexão com a sua realidade.

Por outras palavras, os ‘efeitos de poder’ da ‘analítica da midiatização’ inscrevem-se

na própria organização societária, colocando-se como referência para a organização

discursiva e as operações de inteligibilidade das práticas sociais. Atravessam-nas,

permeando suas ‘políticas de sentido’, tanto em situação de produção como também

junto àquelas sobre as quais se assentam as possibilidades do seu reconhecimento. A

midiatização institui um novo ‘feixe de relações’, engendradas em operações sobre

as quais se desenvolvem novos processos de afetações entre as instituições e os

atores sociais (FAUSTO NETO, 2015, p. 96).

Enfim, vale refletir se na busca por esse suposto sucesso, vendido pela linguagem

publicitária e determinada pela ideologia neoliberal, não “estamos embarcando nas evidências

109

Page 112: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

criadas pelos enunciados mercadológicos, ao invés de nos relacionarmos criticamente com

elas” (PAYER, 2005, p. 23). Se não estamos cegamente nos entregando ao poder do mercado.

Pêcheux apresenta o conceito de “guerra ideológica”, caracterizando as diversas

“operações midiáticas de massa desenvolvidas (em média de maneira eficaz) pela grande

burguesia multinacional contra tudo o que resiste a sua política. A ideia subjacente é que é

preciso responder por uma contra-propaganda ainda mais eficaz: à guerra como na guerra...”

(2011, p. 73).

Especificamente sobre a linguagem midiática na educação, Castro (2013, p. 246)

afirma que “os alunos não têm como discernir o que é bom ou ruim quase por definição, mas

compram uma formação, ou seja, critérios, informação e uma capacitação que não tem. A

escolha correta nessas circunstâncias depende da informação disponível” e esses critérios de

educação, quase nunca, estão disponíveis. A linguagem é opaca... a linguagem publicitária

utilizada pelas Instituições de ensino, ainda mais.

O que acontece é o contrário: as instituições bombardeiam os estudantes com

suas estratégias de marketing sobre preço baixo, ingresso fácil e uma demanda

acadêmica pequena para a obtenção do grau. Em alguns casos, essa estratégia faz

sentido para estudante – quando, por exemplo, ele só precisa de um diploma para

conseguir uma promoção num emprego público. À medida que o mercado de

trabalho vai ficando mais competitivo, entretanto, esse tipo de estratégia acaba

sendo um tiro que sai pela culatra (CASTRO, 1981, p. 250).

Este “bombardeio” é colocado, por Pêcheux, como estratégia para a manipulação das

massas, já que o “Estado capitalista moderno passou a ser mestre na arte de agir à distância

sobre as massas. É esta toda a arte da propaganda, e esta arte (arma) não poderia virar-se,

como tal, a serviço do proletariado e das massas” (PÊCHEUX, 2011, p. 91).

4.2.Análise das Campanhas

Conforme já mencionamos, as análises conseguintes buscam compreender os processos de

significação, com base na perspectiva da Análise de Discurso Pecheutiana. Pretendemos analisar

como algumas textualidades de recortes publicitários de três IES privadas, da região do Sul de

Minas, que oferecem o curso de Administração, podem produzir discursividades (produzir

identificações, efeitos de verdade?) a partir da relação de constituição de sentidos com a

exterioridade. Assim, algumas discursividades são postas em funcionamento, providas de

110

Page 113: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

textos diversificados que são afetados por condições de produção, relações de poder,

formações discursivas e posições-sujeito.

O primeiro recorte analisado é uma peça universitária da IES UNINCOR. Vejamos:

Recorte 8 – Vestibular UNINCOR 2017

Fonte: (UNINCOR, 2016)

Contemplamos, aqui, um discurso publicitário que está relacionado a outros discursos

de venda de produtos. As cores, o formato, as imagens produzem efeitos daquilo que

visualmente e socialmente é representado pelas publicidades de variados e infinitos produtos.

Isso ocorre, pois no interdiscurso consideramos ser a memória discursiva definida como

aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Nas palavras de Pêcheux, trata-se

da “objetividade material essa que reside no fato de que ‘algo fala’ (ça parle) sempre ‘antes,

em outro lugar e independentemente’, isto é, sob a dominação do complexo das formações

ideológicas.” (PÊCHEUX, 1995, p. 162).

Dessa maneira, consideramos que todo o dizer retorna, sob a forma do pré-construído,

o já-dito que está na base do dizível. Assim, o interdiscurso faz retornar dizeres que afetam o

modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada. Logo, temos a educação

como o produto a ser “vendido” a partir do anúncio publicitário.

111

Page 114: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Os consumidores desempenham um papel decisivo na escolha e na compra do produto,

consequentemente, é comum o uso de estratégias que remetem à memória discursiva dos

possíveis comparadores. Assim, vamos tentar observar como se dá o funcionamento de tais

estratégias. A primeira observação remete a analisar uma possível tentativa de aproximação

com o leitor. Isso se dá em pelo menos dois momentos: no uso do imperativo no enunciado

“Seja do tamanho dos seus sonhos”; no uso do “tá”, uma redução do verbo “está”, e da

locução coloquial “da gente”, que substitui o uso do pronome do caso reto “nós”. Muito

usadas em conversas informais, ambas as expressões trazem como efeito de sentido a

sensação de estar à vontade com as pessoas com as quais nos relacionamos. A partir dessa

formulação, há um não-dito de que nesta Universidade o futuro estudante vai se sentir à

vontade. O substantivo “coração”, posto em linha vermelha e posicionado exatamente onde

bate o coração real da personagem posta na imagem, propõe esse efeito de sentimentos “bons”

que permeiam as pessoas que fazem parte deste lugar e que fazem questão de “realizar” os

seus sonhos. Há, nesse sentido, um discurso familiar em funcionamento.

A partir de um feito metafórico, podemos observar, neste recorte, o funcionamento

também de um discurso mercadológico. Observemos o seguinte deslizamento parafrástico:

Estude em uma das melhores universidades privadas de Minas Gerais.

Estude na melhor universidade privada de Minas Gerais.

Estude em uma das 10 melhores universidades privadas de Minas Gerais.

Estude em uma das melhores universidades de Minas Gerais.

O movimento parafrástico representado acima mantém o adjetivo comparativo

“melhor”. Sua forma sintética garante um grau comparativo de superioridade, mas que deixa o

não dito: superior em relação a quais universidades especificamente? O adjetivo “privadas”

marca a ilusão de resposta dada a essa questão; no entanto, a expressão “em uma das”, traz à

tona um equívoco e deixa como efeito a não especificidade de quais e/ou quantas seriam as

outras universidades. Essa é uma das estratégias de mercado em que a empresa que anuncia

usa o produto do concorrente como comparativo para demonstrar que o seu é melhor.

O que é produzido remete a uma educação que foi influenciada pela lógica empresarial, o

que, para nós, é resultado da prática de subordinação ao mercado. Isso equivale a dizer que se

alguém opta por este ou aquele produto, o resultado da escolha é individual. A mesma lógica

112

Page 115: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

parece acompanhar o sistema educacional. Ou seja, tanto as universidades, quanto professores

ou os alunos que fazem parte de determinada instituição são estratificados a partir da lógica

empresarial de profissionais bem ou malsucedidos, em função de seu próprio mérito. Isso

equivale a observar os enunciados “provas agendadas e on-line” e “Seja do tamanho dos seus

sonhos”. Não há mais um dia pré-determinado para a prova, o sujeito agenda sua prova de

entrada na universidade particular (e não mais vestibular) de acordo com o dia e horário que

melhor lhe convier como cliente e se não puder, ainda tem a chance de fazer online, ou seja, é

uma responsabilidade única do candidato, pois a “empresa” está “à disposição”.

Esse efeito pode ser posto quando se evoca o sentido de conselho e reflexão em “seja

do tamanho dos seus sonhos”. O não dito que se coloca aqui é: de que tamanho são seus

sonhos? Sonhe alto, afinal, é possível realizar o sonho, pois a universidade possui

“financiamentos”. E, ao observarmos a imagem, vemos que as linhas de financiamento estão

dispostas logo abaixo do enunciado sobre os sonhos. Ou seja, é possível realizar seus sonhos,

pois “realizar, tá no coração da gente”.

A partir do que propomos nas análises, reforçamos que as possibilidades de sentidos

são deslocadas em outros dizeres, uma vez que a língua é opaca. Logo, os processos podem

ser considerados polissêmicos e dar margens a outros dizeres, em outros lugares,

independentemente. Por ter esse caráter polissêmico, a linguagem nos leva a enunciados que

provocam efeitos de sentidos ao evocarem diferentes discursividades.

Outro discurso que observamos em andamento na publicidade em questão é o

corporativo. O enquadramento dentro do “politicamente correto” é uma atitude de

sobrevivência nas empresas. O “enquadrar-se” é posto em dois momentos na publicidade. O

primeiro é no rosto da personagem, que pode ser tanto a futura estudante quanto a atual, ou

seja, aqui o estudante é exatamente como precisa ser, enquadrado. Podemos fazer alusão

também às fotografias 3x4, normalmente usadas em situações consideradas “oficiais” e

documentadas pelo sistema.

O segundo momento de enquadramento está nos dizeres ao lado esquerdo da imagem.

Além de disposto no enquadramento, estão marcados com um ícone que provoca como efeito a

lembrança de um “ok”, remetendo àquelas que marcamos nas listas de atividades que temos a

cumprir. Quando elas são feitas, riscamos ou marcamos, a fim de nos concentrarmos nas outras

atividades que ainda não foram feitas. O efeito corporativo se completa quando, no final do

anúncio, lemos o 0800 da empresa e sua logomarca. Conforme já dizemos, a Análise de

113

Page 116: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Discurso propõe um sujeito que é constituído também pelo inconsciente e que sofre

constantemente efeitos dessa constituição na produção discursiva. Nas embalagens de

produtos, 0800 significa uma ligação sem custo para o consumidor. É um número à disposição

para ouvir reclamações, fazer sugestões, atender possíveis solicitações, enfim, é a empresa

que se coloca à inteira disposição do cliente sem custo algum para este.

Dentro das condições de produção (mercado, concorrência, preço, captação de aluno) nas

quais as publicidades das IES estão inseridas podemos fazer alguns agrupamentos. Algumas

práticas discursivas tornam possíveis a produção de alguns sentidos que são produzidos e

provocam efeitos. Esses efeitos, por seu turno, dão a ver a ideologia que nos interpela.

A análise subsequente é um recorte de publicidade da mesma IES (UNINCOR, do

vestibular de inverno do ano de 2017.

Recorte 9 – Vestibular UNINCOR 2017-2

Fonte: (UNINCOR, 2017)

Levando em consideração o sistema capitalista no qual vivemos, ou o que se

convencionou chamar de neoliberalismo, desde a década de 70, que se foi produzindo socialmente

alguns princípios que tomam como base, entre outras situações, o incentivo à competição e à

obtenção de lucro. Engana-se, porém, quem supõe que tal sistema esteja restrito

114

Page 117: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

somente a questões econômicas. A Educação também faz parte da racionalidade neoliberal

que governa nossa sociedade e suas instituições.

Se tomarmos, por exemplo, o objetivo geral do curso de Administração da FACECA,

lemos o seguinte:

O Curso visa oferecer ao mercado, profissionais que detenham conhecimento,

habilidades e atitudes, que se mostrem capazes de enfrentar os desafios a serem

enfrentados pelas organizações empresariais e sociais. Para alcançar seu objetivo

desenvolve competências e habilidades ao graduando na sua formação para haver a

justaposição entre metodologia de ensino e a concepção do Curso (FACECA, 2015,

p. 48, grifo nosso).

Observamos, pelos grifos, que a faculdade não forma pessoas, sujeitos, ela oferece os

profissionais e estes deverão ser capazes de enfrentar os desafios mercadológicos. Ou seja, há

um sentido de mercadoria, de produto de qualidade, consumo que é sobreposto à ideia de ser

humano.

Esse sentido de educação mercadoria, ou ainda, escola empresa, é apontada por

Nogueira e Dias em seu artigo “O Político-pedagógico na (nova) Base Nacional Comum

Curricular: uma análise discursiva das ‘competências e habilidades’ ”. As autoras, ao

definirem competência, indagam a relação educação x mercado.

[...] competência é definida como o ‘conhecimento útil’, ‘mobilizado’, ‘operado’ e

‘aplicado’ em situações que ‘requerem aplicá-lo’ para tomar ‘decisões pertinentes’. A

competência, nessa perspectiva, seria um conhecimento aplicado. A noção de

conhecimento aplicado escolar é colocada em relação ao sujeito, de modo que ‘ser

competente’, ‘ser capaz de’, se reduz a saber ativar e utilizar um conhecimento

construído. E, por fim, parece-nos que ‘competências’, predicada como conhecimento

aplicado, interessado, se opõe a ‘conhecimento desinteressado’, predicado como

conhecimento erudito, o qual é posto tendo como fim apenas si mesmo. Perguntamos:

Em relação a que esse conhecimento é desinteressado no jogo de forças da

competitividade mecado-lógica? (DIAS; NOGUEIRA, 2017, p. 3, grifo do autor).

Pfeiffer também discorre sobre competências e habilidades, ao afirmar que a “cultura

da performance” pressupõe que exista um “conjunto de performances adequadas a serem

formadas no indivíduo e, igualmente, que existe um determinado modelo de currículo capaz

de formá-lo, sendo importante a difusão de orientações para sua constituição na prática das

escolas” (2010, p. 91). Esse efeito de sentido estende-se para a publicidade e para a oferta do

produto em questão: a “educação” ou a “formação profissional”. Tomemos os seguintes

agrupamentos para analisar a publicidade (Recorte 9):

115

Page 118: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

1- Condições de produção

2- Poder> pertença>agrupamento> efeito de verdade> credibilidade

3- Formar X capacitar

Diante das condições de produção submetidas à lógica neoliberal, temos uma IES que

se presta ao papel de servir ao mercado. Em relação às provas, continua a proposta de

agendamento e o 0800 da publicidade anterior (Recorte 8), além do endereço eletrônico

www.unincor.br. Destaca-se, também, o dêitico “aqui”, remetendo a um “lugar de comércio”,

um local onde o consumidor pode adquirir um produto ou serviço sem maiores problemas.

Outra situação recorrente em IES cujas provas podem ser agendadas é a praticidade

para realizar a matrícula e a rapidez na apresentação do resultado de aprovação. Comumente,

o que se observa é que as matrículas podem ser feitas logo após a realização das provas, basta

que o candidato leve seus documentos, preencha o cadastro e leve o boleto de pagamento

impresso para ser pago. A prova de ingresso se torna uma mera formalidade, uma vez que as

provas não são seletivas, não são classificatórias e muito menos diagnósticas, elas servem a

uma formalidade, a um mercado. As propostas de financiamento (PROUNI, FIES) se mantêm

nesta publicidade, um não dito que permite àqueles menos abastados financeiramente

possuírem um curso superior.

O agrupamento 2 apresenta os seguintes deslizamentos: Poder> pertença>

agrupamento> efeito de verdade> credibilidade e tem como ponto central de análise o

enunciado #eupossoescolher. Quando analisamos o processo de deriva, o que podemos levar

em consideração é que algum sentido pode se manter, no entanto, o diferente também

funciona em meio ao mesmo. A ausência necessária é fundamental na constituição dos

discursos, pois não é possível dizer tudo ao mesmo tempo, por isso, o sujeito se filia a

diferentes formações discursivas a partir de uma memória. O “eu posso” é um dito que retoma

a ideia de poder. Logo, quando o sujeito tem poder, ele também pode escolher, ao escolher,

toma para si a ideia de pertença, de fazer parte de, de estar inserido em. Todo esse jogo faz

criar um efeito de verdade de que aquilo que se escolheu é o que vai gerar credibilidade

social, profissional etc. A própria ideia do #, joga com o discurso da tecnologia, da

modernidade, da jovialidade. O sujeito em questão é atualizado, é poderoso porque pode

escolher entre tantas outras opções. Como sabe escolher, opta pela melhor universidade e

passa a pertencer a este grupo, que passa, de fato, a ser o melhor.

116

Page 119: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Quanto às imagens nas duas publicidades (recortes 9 e 12), no processo de deriva,

determinados sentidos podem se manter, porém o diferente também pode funcionar a partir do

mesmo. O que seria o mesmo? São duas mulheres jovens, cujo efeito remete à ideia de

universitárias. São bonitas, cheias de vida, aparentemente saudáveis, com um futuro todo pela

frente.

Tal gesto de intepretação nos remete à Pêcheux em seu artigo “Foi propaganda mesmo

que você disse”, no qual aponta que uma das vias do modo de produção capitalista é a

apresentação de uma exemplar democracia, “fundada na ideologia jurídica do contrato livre e

igual que constitui, através da forma econômica das leis de mercado, a mola essencial da

divisão de classes entre trabalhadores livres e os proprietários da livre empresa Nesse

universo o passado está apagado ou ausente” (PÊCHEUX, 2011, p. 80). Produz-se, portanto,

um efeito de democratização pela ilusão da livre escolha.

Retomando as imagens nos recortes 9 e 12, há uma situação que diferencia as jovens: o

olhar. Na primeira imagem, a personagem foca o olhar no leitor, como se estivesse em uma

conversa, sorri, conquista, chama para perto. Na segunda imagem, há um olhar para cima e

para a esquerda cujo efeito é um ar sonhador, distante, reflexivo, um olhar de quem está a

decidir, a imaginar, a escolher, a optar por um futuro brilhante. Um efeito como de quem

suspira ao perceber que está a sonhar acordado.

Com relação ao terceiro agrupamento (formar X capacitar), buscamos na interpretação, os

sentidos em funcionamento na publicidade. “A interpretação está o tempo todo fazendo

intervenção na materialidade que estamos analisando” (NOGUEIRA, 2015, p. 42). Percebemos

que ‘formar’ produz efeitos de sentidos parafrásticos de ‘qualificar’ e de ‘capacitar’, neste caso.

Como todo dizer se sustenta pelo que existe entre o mesmo (paráfrase) e o diferente (polissemia),

em todos os dizeres, entre a repetição e a diferença, estamos sempre nos deslocando, não podendo

nos limitar, considerando que habitamos em uma pluralidade entre o igual e o desigual. Isto

resulta da compreensão de que, a AD é o movimento pelo qual apreendemos o processo de

produção dos sentidos e dos sujeitos, bem como de suas relações.

De acordo com Orlandi (2014), tomar a educação dentro de uma lógica de

desenvolvimento coloca-se como uma questão de capacitação, de treinamento, e não de

formação.

A capacitação não garante permanência e sustentação; é preciso educação, formação para

que esses sujeitos ingressem no trabalho [...]. Porque o que não está dito é que se

117

Page 120: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

somos uma sociedade do conhecimento e da informação estas são as formas de

atender a uma sociedade do trabalho (e do mercado) (ORLANDI, 2014, p. 148).

A autora menciona que em sucessões de conjunturas históricas, desenvolvimento se

declina para mercado, e o mercado exige a qualificação para o trabalho, a qualificação do

trabalhador. “Um país rico em que cidadãos educados são ‘capacitados’ para o trabalho e

circulam como consumidores de um mercado de trabalho qualificado. Consumo e cidadania

se conjugam” (ORLANDI, 2014, p. 146). O fato é que o denominador comum é o trabalho, e

não a educação e o conhecimento. Deste modo, #EUPOSSOESCOLHER me

qualificar/capacitar para o mercado na UNINCOR ou me formar/educar na UNINCOR.

Neste movimento entre observar as discursividades analisadas nas publicidades, e

análise dos efeitos de sentido que elas podem ter, recortamos outras duas campanhas da IES

UNIS (MG).

Recorte 10 – Vestibular UNIS 2017-2

Fonte: (UNIS, 2017).

Pelo que temos analisado e estudado em AD, percebemos que há uma relação contínua

entre publicidade e consumo. Este universo simbólico da publicidade bem como sua atuação,

em paralelo com as condições de produção, acaba, pela ideologia, constituindo a formação

social. Assim os processos discursivos vão significando o público a partir de um imaginário.

Os sentidos são, pois, construídos. Uma das hipóteses que defendemos é de que a publicidade

118

Page 121: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

universitária vende fundamentalmente um produto: a educação. Esta, por sua vez, está

representada dentro do sistema capitalista e é tão subordinada a ele como qualquer empresa

que possui concorrentes e busca desenfreadamente pelo lucro. Logo, a publicidade não

transmite informações, como todo jogo discursivo, ela é o “efeito de sentidos entre os

locutores” (ORLANDI, 2001, p. 21).

Este efeito se dá não somente no interior do texto, mas, principalmente pela/na

exterioridade. Na imagem do Recorte 10, há um enunciado que se utiliza da linguagem verbal

e não verbal, mas que, por suas condições de produção, causa certos efeitos.

Tomemos o enunciado central: “Ser do Unis é ser do mundo”. Desde 2013, esta IES

criou o Departamento de Relações Internacionais. Este departamento, segundo o próprio site

da instituição14, “trabalha para manter e ampliar a política de internacionalização do Grupo

Unis” (UNIS, [s.d.], p. 1). A instituição promove intercâmbios entre estudantes de vários

países. Tanto os que moram fora podem vir para o Brasil, como estudantes da IES podem ir

para outros países. No site do Grupo é possível ler

Programa de Mobilidade Acadêmica (Out going) O Programa de Mobilidade Acadêmica Internacional do Grupo Unis foi criado para

oferecer oportunidades de qualificação para seus alunos e professores através da realização de experiências acadêmicas e profissionais no exterior. (...) Este programa oferece, em especial aos seus alunos, a possibilidade de desenvolver atividades acadêmicas no exterior em diferentes modalidades. (...) O importante é que o estudante pode desfrutar de uma experiência acadêmica

internacional, unindo a experiência pessoal com as habilidades profissionais

desenvolvidas em outro país. A inserção em uma nova cultura, o convívio com

pessoas de outras nacionalidades, a imersão numa língua estrangeira garante que a

experiência de sair do Brasil pode ser inesquecível e marcará a trajetória dos

acadêmicos, tornando-os mais competitivos e mais preparados para os desafios

do mercado global. (UNIS, 2019, p. 1, grifos nossos).

Acesso a outra língua, convívio com estrangeiros, experiência fora do país são ações que

podem acontecer sem que a pessoa saia do lugar, devido à tecnologia e à globalização ou mesmo

fisicamente, este último tem sido o foco da IES nos últimos anos. Em ambas as situações, a

primeiro momento, o que dá a ver é o discurso da inclusão; no entanto, elas também marcam o

lugar do sistema capitalista, logo trazem implicitamente o discurso da globalização. Atender à

demanda capitalista, inserindo seus estudantes em outros lugares do mundo tem como objetivo

tornar os estudantes mais competitivos e prepará-los para o mercado global. Em outras

14 cf. Disponível em: http://internacional.unis.edu.br/apresentacao. Acesso em: 1 jan. 2019

119

Page 122: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

palavras, a educação à serviço do mercado, inclusive, internacional. A linguagem não verbal,

representada pelo globo, aprofunda esse efeito de sentido.

Enquanto no anúncio do Recorte 10, o azul tem como efeito representar a cor dos

sonhos, neste anúncio, a palavra “mundo” remete à lembrança de que nos ambientes, o azul

pode causar uma sensação de espaço aberto, pois as montanhas ficam azuladas no horizonte,

esta, como já mencionado, também é a cor do céu. Isso equivale a voar sem fronteiras, por

longas distâncias, com o mundo ao seu inteiro dispor. Além disso, “no processo de criação da

bandeira da União Europeia, continente com grandes contrastes culturais, o azul foi a cor

escolhida pois não pertence a nenhum partido ou conotação específicos. Assim, atualmente, o

azul também é a cor da Europa” (MATILDEFILMES, [s.d.], p. 2). A cor azul, pois, nesta

publicidade, pode representar a oportunidade de “voar” pelo mundo, inclusive pela Europa.

Observamos que os países que aparecem no globo estão representados pela cor verde,

ou a cor das coisas que crescem no mundo natural, como se viajar pelo mundo e “ser do

mundo” fossem algo da ordem do natural dentro desta instituição. Essa cor também é

associada à riqueza quando observamos que o dinheiro é visto como verde,

independentemente da cor real que as cédulas possuam. Dentro de uma educação pautada na

competitividade e na preparação para o mercado global, nada mais natural que se pense em

dinheiro. E por falar em dinheiro, o verde também é associado à burguesia. E nos retratos

antigos, os burgueses em grande parte faziam-se pintar com um fundo verde. Além disso, as

mesas de jogos, um dos principais entretenimentos neste grupo, tradicionalmente são forradas

por um tecido verde. Na imagem, temos um globo com a cor de fundo dos países verde. A cor

do dinheiro, da burguesia, do status e do diferencial de quem é do “mundo”.

Como os sentidos são atravessados, podemos associar o enunciado “ser do mundo”

com a expressão popular comumente usada quando se diz aos pais que “filho a gente cria para

o mundo”. Na literatura, um texto atribuído a José Saramago15 reforça esse discurso de

submissão ao mundo, inclusive no que se refere aos filhos:

Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém

além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os

melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o

maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor,

principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo

tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.

15 Há algumas controversas de que este texto possa não ser de autoria do escritor José Saramago, por isso ressaltamos que sua cópia foi feita do site https://www.recantodasletras.com.br/mensagens/3162574, acesso em 1 de jan. de 2019.

120

Page 123: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Se os filhos não são nossos, vem à tona o pré-construído de que são de alguém, quem

sabe do mundo. Daí a importância de criá-los bem, principalmente ao dar uma educação de

qualidade. A publicidade joga com a modernidade na qual o jovem está inserido e deve estar

preparado e ao mesmo tempo com o discurso do desprendimento, voltado para os pais, que

precisam permitir que este filho “voe” pelo mundo.

Quando comparamos esta publicidade às anteriores, observamos a recorrência da

citação referente ao financiamento PROUNI e o site para acesso, mas não é recorrente a

presença de um telefone 0800 nem do enunciado “prova agendada”. Nesta publicidade,

mantém-se o tradicionalismo, uma vez que existe uma prova de vestibular, com data

específica para sua realização. No entanto, não é o que ocorre no recorte a seguir, da mesma

instituição. Vejamos:

Recorte 11 – Vestibular UNIS 2017

Fonte: (UNIS, 2016)

Conforme já mencionamos em capítulos anteriores, a política púbica educacional

brasileira vem restringindo-se apenas à produção de novas vagas, não estabelecendo, de fato,

estratégias que pudessem resultar em ganho de qualidade para a educação. Apesar disso, há

um fundo de práticas avaliativas que traz à tona um discurso de competitividade.

Por um lado, as políticas públicas se submetem à uma educação mercadológica, mas,

por outro lado, precisam medir resultados. Logo, isso é feito pelas práticas avaliativas. Elas

121

Page 124: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

estão em toda parte no decorrer da educação (SAEB, ENEM, ENADE). As políticas de

educação estão inseridas nessa sistematização. Nessa conjuntura, há um discurso de melhora.

A princípio, o objetivo de tais avalições busca a indução de melhorias, a partir das falhas

apontadas. No entanto, para nós, elas velam um discurso neoliberal, pois tais resultados têm

servido para classificar e hierarquizar sejam países, instituições ou sujeitos.

Um efeito desse discurso neoliberal está posto em funcionamento no plano de fundo da

peça publicitária: “Nota 4 no MEC” + a personagem (que aparentemente representa uma das

estudantes da instituição) em atitude de comemoração, fazendo alusão à prática competitiva.

No recorte 10 essa prática discursiva aparece nos dizeres: “uma das melhores

universidades”, já nesta peça publicitária, podemos trabalhar com o seguinte deslizamento:

somos uma das melhores universidades e podemos provar: somos nota 4 no ENADE. Quando

se analisa que o conceito ENADE é o resultado de provas aplicadas aos alunos das faculdades,

colocamos em funcionamento um indicador de qualidade que avalia o desempenho desses

estudantes. Como as notas vão de 0 a 5, quanto mais próxima a nota for de 5, melhor os

alunos se saíram na prova; em outras palavras, melhor a universidade preparou estes

estudantes. Há, nesse sentido, a disseminação de uma cultura avaliativa de natureza

competitiva e estratificadora: quem tira a maior nota, consequentemente é o melhor e vende

mais o seu produto-ensino.

No que se refere ao enunciado “Os alunos UNIS são profissa”, há um movimento de

aproximação do público jovem quando se observa o efeito de sentido do termo “profissa”. A

gíria pode tanto não colaborar para a imagem pessoal de alguém, pelo seu caráter informal e

rotulador, como tentar uma aproximação com o público jovem, uma vez que produz o sentido

de que a pessoa que a usa tem conhecimento sobre a maneira como determinados grupos se

comunicam. O grupo em questão neste recorte é o jovem. Logo, a gíria “profissa” remete à

ideia de modernidade, jovialidade. Observa-se a presença de um equívoco: apenas o público

jovem é contemplado nas campanhas, como se os adultos e idosos que não estejam na faixa

etária esperada para cursar uma universidade não fossem bem-vindos na instituição. Se

levarmos em consideração que este termo é comumente usado na cidade de São Paulo, outro

efeito pode ser também considerado, o de jovem moderno e metropolitano.

Abaixo do enunciado que tem o termo “profissa”, lemos o seguinte: “Eles estão mais

prontos do que nunca para entrarem no mercado de trabalho. ” Podemos relacionar o termo

“profissa”, uma redução de profissional, com “prontos para o mercado de trabalho”. Há um não

122

Page 125: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

dito de que todos que estudam no Grupo Unis estão muito preparados e, consequentemente,

são bons profissionais, logo, conseguem bons empregos no mercado de trabalho. Se tomarmos

que esse termo (mercado de trabalho) é bem destacado pela instituição, o efeito de sentido é:

formamos profissionais preparados para o mercado de trabalho.

O mercado de trabalho vem ressaltar o discurso capitalista da educação; uma educação

voltada ao lucro; voltada a capacitar “profissas”, onde tais “profissas” têm maiores chances

(mais poderes) de conquista de um “lugar ao sol”, de um “sustento” para viver em sociedade.

Parece-me que reduzir o sentido social da educação aos interesses do lucro representa

um empobrecimento tanto do conceito de educação, quanto de seu sentido para a coesão

e viabilidade das sociedades. Nas palavras de Altbach (2002), há valores do bem comum,

com dimensão nacional e social, que devem ser protegidos e preservados em um

ambiente educacional globalizado [...]. Entretanto, não estamos frente a uma situação em

que seja possível frear o avanço do mercado educacional por formulações

compartilhadas por parte da sociedade. O fato é que, mesmo se afirmando, inclusive no

texto constitucional brasileiro, que educação é um direito social e um dever do Estado, o

mercado avança vorazmente (OLIVEIRA, 2009, p. 753).

Retomemos o que outrora já discutimos, há um atravessamento da educação pelo

neoliberalismo. Pela publicidade, observamos que as instituições de ensino superior,

principalmente as privadas, buscam adequar-se às novas condições de produção, de mercado,

da globalização.

Foucault (2008) não compreendia um arquivo como uma soma da diversidade de

textos de uma certa época. Interessava-se em saber sobre a razão de alguns anunciados

estarem aparecendo com frequência em detrimento aos demais e afirmava que os enunciados

estão ligados a jogos de relações que caracterizam o discurso. Sendo assim, para o autor, o

arquivo pode ser compreendido como um sistema em reação ao surgimento de enunciados

como uma forma de um acontecimento singular. Uma forma de funcionamento da memória

metálica; dos jogos de poder, da competitividade, do servir ao mercado em primeiro lugar.

A livre concorrência leva a uma busca incansável pela eficiência econômica, pelo

resultado econômico. Observamos o slogan (recortes 10 e 11) do “Grupo Unis”. Como já

dissemos, educação deveria significar deslocar. Contudo, oferecer educação, hoje, é tornar as

universidades empresas, uma vez que já discutimos que o mercado educacional brasileiro

passou, nas últimas décadas por profundas transformações, com a presença de grandes grupos

educacionais. Assim, a discursividade “Grupo Unis”, remete a esse sentido de poder, de ser o

maior, de ser uma corporação grande, poderosa, profissional.

123

Page 126: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

O atendimento ao “cliente” permanece com a oferta de provas agendadas e de um

telefone e site para contato. O Grupo não atende por chamada gratuita.

As duas últimas peças publicitárias a serem analisadas são da FACECA (CNEC). Se

analisamos a relação na publicidade do Grupo Unis, no que diz respeito ao termo Grupo,

observamos que, na publicidade a seguir, a corporatividade se dá pela associação FACECA

versus CNEC. Quando se fala em FACECA, a publicidade remete à CNEC, ou seja, a

instituição é uma das extensões de uma associação maior, composta por uma rede, por uma

união de outras instituições. Novamente o discurso do empoderamento. Vejamos o recorte:

Recorte 12 – Vestibular FACECA 2017-2

Fonte: (FACECA, 2017)

O efeito de empoderamento é ainda maior com o enunciado “Junte o ótimo ao

excelente”. Um dos efeitos é o de remeter ao ditado popular “Junte o útil ao agradável”.

Assim, temos o seguinte movimento parafrástico:

Junte o útil ao agradável

para

Junte o ótimo ao excelente.

124

Page 127: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Pela sequência de enunciados, o ótimo remete aos “mais de 40 anos de tradição”,

discurso do conservadorismo; e o excelente A “um dos maiores grupos educacionais do país”,

discurso de empoderamento e de mercado. A mesma regularidade discursiva também

observada nas peças publicitárias das outras instituições. Há um efeito regular em remeter à

ideia mercadológica de maior, melhor. Ou seja, em um mercado competitivo, a empresa

sempre se apresenta como a melhor entre as outras. Há sempre um diferencial, que às vezes se

mostra como o mesmo, por exemplo, pertencer a grandes corporações. Vejamos:

“Um dos maiores grupos educacionais do país...” (Recorte 12)

“Estude em uma das melhores universidades privadas de Minas Gerais" (Recorte 8)

“Eles estão mais prontos do que nunca...” (Recorte 10)

Como já dissemos, houve um o grande crescimento do ensino superior privado brasileiro e

de sua lucratividade proporcionado tanto pelo FIES quanto pelo PROUNI. Nesta peça, no canto

esquerdo, o que se lê, em primeiro plano e em destaque verde, é uma das logomarcas destes

financiamentos, no caso o FIES. A mesma estratégia usada para conquistar os possíveis clientes

também pelas outras instituições, embora não tenha sido mencionada no Recorte 11.

Nesta campanha, um pouco diferente das outras, já se mencionou, na mesma peça

publicitária, que existe o vestibular com data pré-determinada e as “provas agendadas”. É

como se fosse dito: as provas serão no dia tal, mas caso você não possa comparecer, fique

tranquilo, há provas agendadas. Se pensarmos nessa lógica de mercado, produto, podemos ler

da seguinte maneira: aproveite nossa promoção, ou, pague a vista ou parcelado (agendado).

Há o site e o telefone de contato, que seguiram a mesma lógica do Grupo Unis (a

UNINCOR foi a única que colocou um telefone gratuito à disposição). Além disso, há uma

informação que as outras instituições não colocaram, o endereço físico da instituição. Ou seja,

são pelo menos três formas de conseguir o produto: por telefone, online ou na loja física.

Esta peça não joga com o efeito de aproximação direta com o público através de

enunciados reflexivos ou uso de verbos no imperativo. Há um jogo mais voltado para a

transmissão de informações de ordem prática: data, lugar, hora, contatos, informações sobre o

produto. Isso já não ocorre na peça seguinte, da mesma instituição.

125

Page 128: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Recorte 13 – Vestibular FACECA 2018-2

Fonte: (CNEC, 2018)

Observamos o efeito mais corporativo quando analisamos a ausência da marca

FACECA. É comum em sistemas de rede, em que há muitas unidades espalhadas pelo país ou

pelo mundo, que se personalizem a mesma publicidade, produtos, slogan etc. para todas as

filiais. Um dos efeitos da peça em questão é esse. Com informações generalizadas, esse

anúncio pode ser aplicado em qualquer lugar do país, provavelmente, no 2º semestre, uma vez

que é mencionado o enunciado “inverno 2018” logo após “vestibular CNEC”, ou seja, o

mesmo vestibular que ocorre em todas as unidades que compõem esta associação.

Quanto ao jogo de pergunta e resposta proposto por este anúncio, retomamos as palavras

de Silva (2015). Há um efeito de tentar contestar os estereótipos. Segundo Silva, a questão não

é impor ao sujeito um jeito de ser, a questão é convencê-lo de que determinado produto expressa

sua individualidade. E como essa individualidade é expressa? Quando se questiona: “No que você

acredita”? Há um efeito aqui de identidade única, somos diferentes, cada um acredita em

algo. A crença é individual, particular, de cada um. Quanto à CNEC, esta acredita em você.

Isso remete ao não dito: Você pode acreditar no que quiser, que a CNEC está pronta para

acreditar que você está certo. Está pronta para seguir com você, para “acreditar” em você.

Observemos o destaque para o verbo acreditar. Há um efeito que remete a acreditar como o

primeiro passo para realizar. Você acredita, nós realizamos.

126

Page 129: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Há um jogo de cores claras, suaves na publicidade. Um efeito de leveza, de doçura de

estar atento aos sentimentos delicados como acreditar (sonhar?). Podemos jogar com o

movimento:

No que você acredita?

Com o que você sonha?

Se tomarmos alguns líderes sociais como Martin Luther King, observamos que frases

como “Eu tenho um sonho" se tornaram portas de grandes mudanças históricas e sociais e por

que não individuais? No que você acredita? Esse é o primeiro passo para se chegar a grandes

mudanças e a CNEC acredita que você é capaz. O produto, a educação, a CNEC são

apresentados como uma ferramenta destinada à construção de si, à realização daquilo que

você acredita. Basta agendar sua prova pelo site. Outro dado que nos permite pensar a

publicidade mais sistematizada em rede. Não há telefones regionais nem endereços físicos,

somente um site institucional.

O efeito do questionamento feito na publicidade nos remete ao discurso de

empoderamento em que o sujeito passa a acreditar que é a origem dele mesmo e de suas

vontades, logo é capaz de acreditar no que quiser e de fazer as suas escolhas.

Pelo que analisamos nas peças publicitárias, tanto o dito quanto o não dito são

provocadores de sentido. As discursividades remetem a um conjunto de práticas que estão

armazenadas em uma memória institucionalizada. A educação, por sua vez, está a serviço do

mercado e suas campanhas publicitárias produzem efeitos de sentidos conforme as condições

de produção (concorrência, mercado acirrado, falta de cliente, neoliberalismo).

Sendo assim, as instituições bombardeiam os estudantes com suas estratégias de

marketing sobre programa de financiamentos, ingresso fácil, melhores resultados, mais

capacidade para preparar o estudante para enfrentar o mercado. Ou seja, o que está posto é um

discurso marcado por processos discursivos que produzem um efeito de verdade e que se

coloca à serviço de uma lógica de mercado e de consumo.

127

Page 130: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

5. CONCLUSÃO

De acordo com Orlandi (2015) , o trabalho desenvolvido à luz da Análise de Discurso

visa expor o olhar do leitor à opacidade da língua, do texto. Assim, cabe ao analista (no caso,

a posição sujeito ocupada para a estruturação deste estudo e a edificação desta tese) não a

identificação ou alienação à determinada ideologia, mas a compreensão de seu

funcionamento. Coube a este analista de discurso analisar efeitos produzidos pelos processos

discursivos que funcionam nos materiais de análise, desvelando práticas sociais, jogos de

poder, a produção de verdades e de relações já naturalizadas, tal como a relação entre o ensino

superior e o mercado de trabalho.

Assim, além de analisarmos como o enunciado se constrói – a publicidade, no caso,

mídias e slogans –, observamos, também, a sua relação com outras discursividades,

instauradas a partir da historicidade e de condições específicas de produção.

No decorrer desta tese, pelas análises realizadas, compreendemos que toda descrição

acarreta uma interpretação, colocando em jogo um espaço de múltiplas leituras e interpretações. A

interpretação das materialidades significante está atrelada à memória discursiva (o mesmo),

produzindo novas significações (o diferente), à medida que se atualiza no acontecimento

discursivo, possibilitando, inclusive, o deslocamento deste autor, economista e administrador, para

uma posição de analista de discurso que descortina alguns processos de significação.

É inegável que vivemos em uma ‘aldeia global competitiva’, que chamamos de

mercado, onde todos os segmentos organizacionais são impactados pela livre concorrência,

pela acirrada competitividade, pela busca por sobrevivência e lucratividade, enfim, pelas

relações neoliberais. E esse mercado global competitivo, cada vez mais em crescimento,

demanda por profissionais qualificados para administrar negócios/empresas – especialmente,

os profissionais da Administração, Inclusive e com relação aos termos ‘aldeia global

competitiva’ e ‘livre concorrência’, tais termos, já naturalizados, ganharam uma espessura

histórica e discursiva neste estudo, o que permite desvelar contradições e equívocos.

Este profissional é compreendido como polivalente por atuar nas mais diversas áreas

de uma organização. Entretanto, em meio a essas relações de poder presentes no mercado, ele

deixa de ser visto como um profissional “em formação” para ser caracterizado como um

profissional “capacitado” para o mercado de trabalho, diplomado por Instituições de Ensino

128

Page 131: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

Superior que, em consequência das relações neoliberais, ganha o status de Universidades

S.A., de escolas empresas.

Pode-se concluir que este deslocamento de faculdades e universidades para o papel de

escolas empresas foi incentivada pela Constituição, pela LDB e pela própria legislação do

Ensino Superior Brasileiro que, em sua concepção de ensino superior, estabelece como função

deste nível de ensino, prioritariamente, a qualificação e não a formação.

As IES passaram a ser vistas, desta forma, como um centro de empoderamento do

profissional, pois a obtenção do diploma permitiria, ao menos imaginariamente, que o aluno se

inscrevesse em outra posição sujeito na formação social (de operário à gerente, de empregado

à patrão). Ressalva-se, contudo, que essa educação qualificadora produz um profissional

generalizado, cabendo, às empresas, qualificações específicas e complementares. Essa

situação faz com que ele não se insira definitivamente no mercado de trabalho, nas relações

mercantilistas, no cerne da sociedade produtiva brasileira, pois sempre precisa se adaptar a

um novo negócio/a um novo interesse.

Especificamente sobre as discursividades presentes nas campanhas publicitárias

analisadas, observamos a presença de uma diversidade de discursos, inclusive do discurso de

empoderamento das campanhas publicitárias das IES que ofertam cursos de Administração ou

cursos no Ensino superior, de modo geral, como garantia de sucesso profissional e pessoal.

Portanto, o dizer que, antigamente, produzia efeito de verdade, pregando que a “melhor

herança é um diploma”, desliza para um “diploma é condição para o sucesso profissional”,

mirando e produzindo um ser muito mais consumista do que cidadão. O denominador comum

passa a ser, portanto, o trabalho, e não o conhecimento. A qualificação e não a formação.

A publicidade analisada reflete e ratifica formações imaginárias que refletem

interesses, necessidades e desejos do mercado e das relações neoliberais.

Podemos dizer que o poder pode ser encontrado em toda parte, inclusive na “educação

qualificadora”, praticada pelas instituições de ensino, nas relações da ABMES com os órgãos

reguladores, sobre as demandas do mercado por mão-de-obra qualificada. Esse poder vem se

naturalizando, provocando ações que produzem efeitos de verdade que se materializam nas

peças publicitárias aqui abordadas.

Acontece que as mídias também colocam em funcionamento uma diversidade de

discursos que vêm circulando na sociedade, influenciando a dinâmica social, as práticas

discursivas, funcionando como uma fábrica de verdades. Assim, tanto o discurso quanto a

129

Page 132: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

publicidade passam a codificar e disseminar ideias e posicionamentos discursivos, portanto

ideológicos, que afetam a sociedade de consumo.

Compreendemos, portanto, que a memória institucionalizada das universidades como

lugar de formação e transformação funciona concomitantemente com a memória metálica da

educação como mercadoria a ser consumida, onde circula um discurso de capacitação

profissional para o enfrentamento no mercado.

Concluiu-se, assim, que as campanhas publicitárias das IES, que ofertam cursos de

Administração, trazem enunciados de competição, que engendram jogos de poder (e

capacitação) em detrimento da formação superior.

Registramos, inclusive, que apesar deste estudo ter focado o Curso de Administração,

os resultados das análises apresentadas se estendem aos demais cursos, pois permitem

observar como se estabelece a relação entre ensino, mercado de trabalho, cidadania,

economia, entre outras.

130

Page 133: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABMES. O que é ABMES, 2018. Disponível em: <https://abmes.org.br/o-que-e-a-abmes>.

Acesso em: 18 dez. 2018

ALMEIDA, S. S. A Importância do FIES na Garantia do Direito ao Ensino Superior. XV Colóquio Internacional de Gestão Universitária, 2015.

ALTBACH, P. G. Knowledge and Education in International Commodities: the collapse of the common good. Current Issues in Catholic Higher Education, n. 22, 2002.

ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Lisboa: Presença, 1970.

ALVES, D. J. A Filosofia no Ensino Médio: ambuiguidades e contradições na LDB. Campinas: Autores Associados, 2002.

ANDRADE, B. C. A Mercantilização do Ensino Superior no Brasil desde 2000: uma análise do avanço do FIES e PROUNI. 2017.

ANGRAD. Pesquisa Nacional Sistema CFA/CRAs. 2015. Disponível em: <http://cfa.org.br/wp-content/uploads/2018/01/Pesquisa-perfil-2016_v3_web.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018.

AOKI, F. C. O. S.; SOUZA, A. C.; TFOUNI, L. V. Projeções da Linguagem Midiática na Educação. E-scrita, v. 1, n. 3, 2010.

ARAUJO, R. R. Oração do Administrador. [s.d.].

BARRETO, R. G. Análise de Discurso: conversa com Eni Orlandi. Teias, v. 7, n. 13–12, 2006.

BATISTA, F. R. B.; TAVARES, F. Publicidade, Propaganda e Planejamento Gráfico: fatores estratégicos na construção de uma imagem institucional positiva, no vestibular 2008 da Faculdade R. SÁ. XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, 2009.

BRASIL, C. Juramento do Administrador, [s.d.]. Disponível em:

<http://www.cramg.org.br/o-juramento/>. Acesso em: 3 out. 2018

BRASIL. LDB. Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1998.

BRASIL. Resolução no 4. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Administração. 2005.

BRASIL, C. DOS D. Comissão de Educação. Histórico. 2011a.

131

Page 134: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

BRASIL, M. Nota Técnica: Avaliação de Cursos e Instituições no Ciclo Avaliativo, como referencial para os processos de Renovação de Reconhecimento e Recredenciamento do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES. 2011 b.

BRASIL, C. História da Profissão. 2015a.

BRASIL, C. F. DE A. 50 Anos que fizeram História. 2 ed ed. Brasília: CFA, 2015b.

BRASIL, I. Índice Geral de Cursos. 2015c.

BRASIL, I. Pesquisa Nacional por Amostras de Domcílios Contínua - PNAD. 2017a. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?=&t=o-que-e>. Acesso em: 7 set. 2018.

BRASIL, M. Instrumentos de Avaliação de Custos de Graduação Presencial e à Distância: autorização, 2017b. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_cursos_graduacao/instrumentos/2 017/curso_autorizacao.pdf>. Acesso em: 2 out. 2018

BRASIL, M. Sinopse Estatística da Educação Superior. 2017c. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior>. Acesso em: 4 out. 2018.

BRASIL, I. Resultado do IGC. 2018a. Disponível em: <http://inep.gov.br/indice-geral-de-

cursos-igc->. Acesso em: 5 jun. 2018.

BRASIL, M. Instituições de Educação Superior e Cursos Cadastrados, 2018b. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 30 dez. 2018

CARVALHO, J. D. Políticas Públicas e Ensino Superior no Brasil: o desafio da inclusão

social a partir dos programas FIES E ProUni. Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa

Cruz do Sul, 2016.

CASSOL, N. Análise de Discurso Publicitário: o dito e o por se dizer nas propagandas de cerveja. Os Desafios da Escola Pública Paraense na perspectiva do Professor PDE, 2013.

CASTRO, C. M. O Ensino de Administração e seus Dilemas: notas para debate. v. 21, n. RAE, 1981.

CASTRO, M. H. M. Estado e Mercado na Regulação da Educação Superior. 2013.

CAVALLARI, J. S. O Discurso Avaliador do Sujeito-professor na Constituição da Identidade do Sujeito-aluno. Campinas: Unicamp, 2005.

Censo do IBGE Mostra Crescimento no Número de Brasileiros com Ensino Superior. Guia

do Estudante, 2017.

CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO. Graduação, Licenciatura, Bacharelado e

Graduação Tecnológica: qual é a diferença?, 2018. Disponível em: <http://www.saocamilo-

es.br/centrouniversitario/cursos-duvidas.html>. Acesso em: 1 jan. 2019

132

Page 135: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

CNEC. Vestibular FACECA 2018-2, 2018. Disponível em:

<https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-BRBR826BR826&biw=1024&bih=488&tbm=isch&sa=1&ei=XoUyXJm7O4SdwATmupuA

Bw&q=VESTIBULAR+CNEC+2018-2&oq=VESTIBULAR+CNEC+2018-2&gs_l=img.3...39645.44810..45058...3.0..0.349.3669.0j10j6j1......1....1..gws-wiz- img.......0j0i24j35i39.GqIXP6I2tbE#imgrc=1NsKfkdp2cxBAM:>. Acesso em: 12 out. 2018

COBRA, M. Administração de Marketing no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

CORBUCCI, P. R. Evolução do acesso de Jovens à Educação Superior no Brasil. Brasília:

IPEA, 2014.

COURTINE, J. J. In: MAZIÉRE, F. Análise do Discurso: história e práticas. São Paulo:

Parábola Editorial, 2007.

CUNHA, J. Ranking das dez maiores Empresas de Ensino Superior do País em 2017. Folha

de são Paulo, 2017.

DARDOT, P.; LAVAL, C. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.

São Paulo: Boitempo, 2016.

DELA SILVA, S.; TEIXEIRA, K. C. Abrindo a Felicidade: sujeitos e sentidos em propagandas internacionais. Filó, v. Filo, 2014.

DEMO, P. A Nova LDB: ranços e avanços. Campinas: Papirus, 1997.

DIAS, J. P.; NOGUEIRA, L. O Político-ideológico na (nova) Base Nacional Comum Curricular: uma análise discursiva das competências e habilidades. VIII SEAD, 2017.

FACECA. Missão, 2013. Disponível em: <http://faceca.cnec.br/institucional/missao-visao-e-

valores/>. Acesso em: 9 jun. 2018

FACECA. Projeto Político-pedagógico, 2015. Disponível em: <http://faceca.cnec.br/wp-

content/uploads/sites/19/2015/04/PPC-ADM-revisado-2015.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018

FACECA. VESTIBULAR FACECA 2017, 2016. Disponível em:

<https://www.google.com/search?q=vestibular+faceca+2017&rlz=1C1SQJL_pt-BRBR826BR826&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjirtjQtPXgAhW-

LLkGHb2RBSwQ_AUIDygC&biw=1745&bih=881#imgrc=FAdUHNGAN86nVM:>.

Acesso em: 6 mar. 2019

FACECA. Vestibular FACECA 2017-2, 2017. Disponível em:

<https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-

BRBR826BR826&biw=1024&bih=488&tbm=isch&sa=1&ei=m4MyXKX2J8WewAST04zo

CA&q=VESTIBULAR+FACECA&oq=VESTIBULAR+FACECA&gs_l=img.3..35i39j0i24.

26418.26589..26820...0.0..0.198.395.0j2......1....1..gws-wiz-

img.gTPdBMiKpLQ#imgrc=GcVvuVN_kjm2OM:>. Acesso em: 12 out. 2018

FACULDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA. Vestibular Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2012. Disponível em: <https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-

133

Page 136: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

BRBR826BR826&biw=1523&bih=723&tbm=isch&sa=1&ei=pmQnXIztEsG5wgTPyJO4CA

&q=vestibular+2001&oq=vestibular+2001&gs_l=img.3...6064.9112..9238...2.0..0.186.929.1j

7......1....1..gws-wiz-

img.......0j35i39j0i24j0i8i30j0i67j0i5i30.8aP_Iw26XW4#imgrc=y6zE6DPnKM8VbM:>. Acesso em: 17 dez. 2018

FACULDADE R.SÁ. Vestibular Faculdade R.SÁ, 2007. Disponível em:

<https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-

BRBR826BR826&biw=1523&bih=762&tbm=isch&sa=1&ei=qmAnXKqsKYmYwgSrlJLQ

Dg&q=propagandas++vestibular+1990&oq=propagandas++vestibular+1990&gs_l=img.3...1

5494.15931..16098...0.0..0.115.427.0j4......1....1..gws-wiz-

img.rlDEqR0EEuQ#imgrc=6Tuj85_6jphaqM:>. Acesso em: 18 dez. 2018

FACULDADES CEARENSES. Vestibular Faculdades Cearenres, 2009. Disponível em:

<https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-

BRBR826BR826&biw=1523&bih=762&tbm=isch&sa=1&ei=qmAnXKqsKYmYwgSrlJLQ

Dg&q=propagandas++vestibular+1990&oq=propagandas++vestibular+1990&gs_l=img.3...1

5494.15931..16098...0.0..0.115.427.0j4......1....1..gws-wiz-

img.rlDEqR0EEuQ#imgrc=IHUl8jdeWkdpnM:>. Acesso em: 18 dez. 2018

FAUSTO NETO, A. Fragmentos de uma Análise da Midiatização. In: SILVA, F. I. C. Discurso Midiático, Consumo e Construção da Subjetividade. Ecos, v. 5, n. 2, 2015.

FAVA, R. Quando e onde nasceu a Administração? 2008.

FÁVERO, M. L. A. A Universidade no Brasil: das origens à reforma universitária de 1968.

Educar em Revista, v. 22, n. 28, 2006.

FERREIRA, M. C. L. Glossário de Termos do Discurso: projetos de pesquisa - A Aventura

do texto na perspectiva da teoria do discurso: a posição do leitor-autor. Porto Alegre: UFRGS, 2001.

FERREIRA, M. C. L. O Caráter Singular da Língua na Análise do Discurso. Organon, 2003.

FOUCAULT, M. A Microfísica do Poder. São Paulo: Graal, 2008.

FRAUCHES, C. C.; FAGUNDES, G. M. LDB anotada e comentada e reflexões sobre a educação superior. 3. ed. Brasília: Ilape, 2012.

FREIRE, P. Educação e Mudança. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1979.

GADET, F.; HAK, T. Por uma Análise Automática de Discurso: uma introdução à obra de

Pêcheux. Campinas: Editora da Unicamp, 2014.

GOMES, D. Publicidade ou Propaganda? É isso aí! Revista Famecos, v. 8, n. 6, 2001.

GREGOLIN, M. R. Análise do Discurso e Mìdia: a (re)produção de identidades.

Comunicação, Mídia e Consumo, v. 4, n. 11, 2007.

134

Page 137: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

GUIMARÃES, 3. Só 14% dos Adultos Brasileiros tinham Ensino Superior em 2015: notas OCDE. 2016.

HARVEY, D. O Neoliberalismo: histórias e implicações. 3 ed. ed. São Paulo: Loyola, 2012.

HILL, D. O Neoliberalismo Global, a Resistência e a Deformação da Educação. Currículo

sem Fronteiras, v. 3, n. 2, 2003.

KOMETANI, P. Jovens Recém-formados buscam Alternativas para Fugir do Desemprego. G1, 2017.

LEITE, R. M. F. Uma Análise do Discurso Publicitário em tempo de Espetáculo: cenografias e ethos do Itaú na campanha #issomudaomundo. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2015.

LOPES, R. M. A. Educação Empreendedora: conceitos, modelos e práticas. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2010.

MALDIDIER, D. A Inquietação do Discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Campinas: Pontes, 2003.

MARRACH, S. A. Neoliberalismo e Educação. 1996.

MARTINS, C. B. A Reforma Universitária de 1968 e a Abertura para o Ensino Superior Privado no Brasil. Educação e Sociedade, v. 30, 2009.

MATILDEFILMES. Psicologia das Cores: guia avançado para profissionais. [s.d.].

MAXIMIANO, A. C. A. Introdução à Administração. São Paulo: Atlas, 2004.

MAZIÉRE, F. Análise do Discurso: história e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

MEDEIROS, C. S. Mídia e sociedade: o poder é um jogo de forças. Revista Línguas e Instrumentos Linguísticos, n. 30, 2012.

MEDEIROS, C. S. O Discurso da Inclusão pela Diferença na Relação Mídia e Sociedade.

Discursos sobre a Inclusão, 2014.

MONFREDINI, I. Universidade como Espaço de Formação de Sujeitos. Santos:

Leopoldianum, 2016.

NISHIYAMA, A. F. Movimentos Midiáticos e Publicitários na Influência do Consumo Infantil. In: GALINDO, D. Comunicação de Mercado: conceitos & preconceitos. São Bernardo do Campo: Cátedra UNESCO/Metodista, 2010.

NOGUEIRA, L. Discurso, Sujeito e Relações de Trabalho: a posição discursiva da Petrobrás.

Campinas: Unicamp, 2015.

OLIVEIRA, R. P. A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Educação e Sociedade, v. 30, n. 108, 2009.

135

Page 138: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

ONU, P. DAS N. U. PARA O D. Desenvolvimento Humano e IDH. 2015. Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idh-global.html>. Acesso em: 5 jun. 2018.

ORLANDI, E. P. Discurso, Imaginário Social e Conhecimento. Em Aberto, n. 61, 1994.

ORLANDI, E. P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis:

Vozes, 1996.

ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2001.

ORLANDI, E. P. Autoria, Leitura e Efeitos do Trabalho Simbólico. 5 ed. ed. Campinas:

Pontes, 2007.

ORLANDI, E. P. Formas de Conhecimento, Informação e Políticas Públicas. Animus, 2010.

ORLANDI, E. P. As Formas do Silêncio: no movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas:

Editora da Unicamp, 2011.

ORLANDI, E. P. A Materialidade do Gesto de Interpretação e o Discurso Eletrônico. E-

urbano. v. 2, 2013.

ORLANDI, E. P. Formação ou Capacitação?: duas formas de ligar sociedade e conhecimento.

Discursos sobre a Inclusão, 2014.

ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 12. ed. Campinas: Pontes, 2015.

ORLANDI, E. P. Educação e Sociedade: o discurso pedagógico entre o conhecimento e a informação. 2016.

PAYER, M. O. Linguagem e Sociedade Contemporânea: sujeiro, mídia, mercado. Rua, v. 11, n. 1, 2005.

PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbivio. 2 ed. ed. Campinas:

Editora da Unicamp, 1995.

PÊCHEUX, M. O Discurso: estrutura ou acontecimento. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

PÊCHEUX, M. (1979) Foi “Propaganda” Mesmo que Você Disse? In: ORLANDI, E. P.

Análise de Discurso – Michel Pêcheux. Campinas: Pontes, 2011.

PEREIRA, G. M. As Campanhas Publicitárias de Vestibular e a Materialidade do

Discurso Neoliberal do/no Ensino Superior Privado. Pouso Alegre: Univás, 2018.

PEREIRA, L. C. B. Assalto ao Estado, ao Mercado, Neoliberalismo e Teoria Econômica.

Estudos Avançados, v. 23, n. 6, 2009.

136

Page 139: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

PFEIFFER, C. C. Políticas Públicas de ensino In: Discurso e políticas públicas urbanas: a

fabricação do consenso. Campinas: Editora RG, 2010.

PFEIFFER, C. C. Políticas Públicas: educação e linguagem. Caderno de Estudos Linguísticos, v. 53, n. 2, 2011.

PIOVEZANI, C.; SARGENTINI, V. Legados de Michel Pêcheux. São Paulo: Contexto, 2011.

PRATES, A. A. P. UNIVERSIDADES VS TERCEIRIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: a lógica da expensão do acesso com manutenção da desigualdade: o caso brasileiro. Sociologias, n. 17, 2007.

ROGGERO, R. A Educação Superior na Contemporaneidade: nota sobre mudanças e desafios

na universidade. In: MONFREDINI, I. A Universidade como Espaço para a Formação de

Sujeitos. Santos: Leopoldianum, 2016.

RUI, L. H. M. A Relação do FIES e PROUNI na Evolução Econômica e Financeira das Companhias Educionais Listadas na Bovespa entre os anos de 2013 e 2015. [s.l: s.n.].

SALOMÃO, K. Rodrigo Galindo, Comprador em Série de Faculdades. Exame, 2016.

SAVIANI, D. Entrevista. Revista Semestral da Escola de Formação da CNTE, v. 8, n. 15, 2014.

SCHNEIDERS, C. M. Do Retorno ao Arquivo à Constituição do Corpus e dos Gestos de Interpretação. Conexão Letras, v. 9, n. 11, 2014.

SCHWARTZMAN, J.; SCHWARTZMAN, S. O Ensino Superior Privado como Setor Econômico. 2002.

SEIFFERT, O. M. L. B. Avaliaçaõ da Qualidade da Educação Superior: entrelaçando evidências. Intermeio, v. 24, n. 47, 2018.

SGUISSARDI, V. Mercado de Expansão da Educação Superior no Brasil: predomínio privado/mercantil e desafios para a regulação e a formação universitária. Educação e Sociedade, v. 29, n. 105, 2008.

SILVA, A. B. S. Mentes Consumistas: do consumismo à compulsão por compras. São Paulo:

Globo, 2014.

SILVA, A. M.; SANTOS, B. C. S. Eficácia de Políticas de Acesso ao Ensino Superior Privado na Contenção da Evasão. Avaliação, v. 22, n. 3, 2017.

SILVA, F. I. C. Discurso Midiático, Consumo e Construção da Subjetividade. Ecos, v. 5, n. 2, 2015.

SILVA, J. S. Análise do Discurso Publicitário: celebridades em propagandas de instituições de ensino superior. Percursos Linguísticos, v. 6, n. 12, 2016.

SILVA, R. S. Portaria No 1.428, de 28 de dezembro de 2018. 2018.

137

Page 140: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

SILVA, T. D. Comunicação, Cultura e Consumo: da televisão à internet. Intercom, 2009.

SOUZA, V. C. Qualidade SINAES para o Curso de Pedagogia: padrão ou ilusão? Educar em Revista, n. 62, p. 261–277, dez. 2016.

SOUZA-E-SILVA, M.; FAITA, D. In: NOGUEIRA, L. Discurso, Sujeito e Relações de

Trabalho: a posição discursiva da Petrobrás. Campinas: Unicamp, 2002.

TRAGTENBERG, M. Administração, Poder e Ideologia. 3. ed. São Paulo: UNESP, 2005.

UNIDERP. Vestibular UNIDERP 2001, 2000. Disponível em:

<https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-BRBR826BR826&biw=1523&bih=723&tbm=isch&sa=1&ei=pmQnXIztEsG5wgTPyJO4CA

&q=vestibular+2001&oq=vestibular+2001&gs_l=img.3...6064.9112..9238...2.0..0.186.929.1j 7......1....1..gws-wiz- img.......0j35i39j0i24j0i8i30j0i67j0i5i30.8aP_Iw26XW4#imgrc=MwlwhoVkL8foLM:>.

Acesso em: 17 dez. 2018.

UNINCOR. Vestibular UNINCOR 2017, 2016. Disponível em:

<https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-BRBR826BR826&biw=1024&bih=488&tbm=isch&sa=1&ei=X38yXLHpKsygwgTx_4PwD

g&q=VESTIBULAR+2017+UNINCOR&oq=VESTIBULAR+2017+UNINCOR&gs_l=img. 3...16214.16656..17222...0.0..0.196.379.0j2......1....1..gws-wiz-

img.demru0vNuDw#imgrc=dIeEJZMhHp58HM:>. Acesso em: 12 out. 2018.

UNINCOR. Vestibular UNINCOR 2017-2, 2017. Disponível em:

<https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-

BRBR826BR826&biw=1024&bih=488&tbm=isch&sa=1&ei=IoEyXJHkDcvAwAT53JHAC

w&q=VESTIBULAR+UNINCOR+16&oq=VESTIBULAR+UNINCOR+16&gs_l=img.3.0.3

5i39.11967.12545..12701...0.0..0.207.207.2-1......1....1..gws-wiz-

img.yVEUJfHTw2w#imgrc=Y2fvZ6-IyhzolM:>. Acesso em: 12 out. 2018.

UNINCOR. Missão, [s.d.]. Disponível em: <http://www.unincor.br/institucional/missao>.

Acesso em: 22 maio. 2018a.

UNINCOR. Perfil do Egresso, [s.d.]. Disponível em:

<http://www.unincor.br/index.php/cursos/graduacao/tres-coracoes/1186-administracao-

3#perfil-do-egresso>. Acesso em: 22 maio. 2018b.

UNINCOR. Objetivos, [s.d.]. Disponível em:

<http://www.unincor.br/index.php/cursos/graduacao/tres-coracoes/1186-administracao-

3#objetivos>. Acesso em: 22 maio. 2018c.

UNIS. Missão, 2014. Disponível em: <http://portal.unis.edu.br/>. Acesso em: 8 jun. 2018.

UNIS. Vestibular UNIS 2017, 2016. Disponível em: <https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-

BRBR826BR826&biw=1024&bih=488&tbm=isch&sa=1&ei=44IyXL3TL4j4wATPrrSQCg

&q=VESTIBULAR+UNIS+2017+PROFISSA&oq=VESTIBULAR+UNIS+2017+PROFISS

138

Page 141: UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ - UNIVÁS PROGRAMA DE …pos.univas.edu.br/ppgcl/docs/2019/dissertacoes/FLAVIOMARCELOD… · Aos colegas professores da FACECA, em especial do Curso

A&gs_l=img.3...78260.80906..81012...0.0..0.232.2299.0j10j2......1.... 1..gws-wiz-

img....... 35i39j0i24.kaimaDDta7M#imgrc=rX3Ms2CXHmEeOM:>. Acesso em: 12 out. 2018.

UNIS. Vestibular UNIS 2017-2, 2017. Disponível em:

<https://www.google.com/search?rlz=1C1SQJL_pt-

BRBR826BR826&biw=1024&bih=488&tbm=isch&sa=1&ei=n4IyXNf9C4WVwATgjqLwA

g&q=VESTIBULAR+UNIS+25%2F6&oq=VESTIBULAR+UNIS+25%2F6&gs_l=img.3 ...6

6530.67077..67328...0.0..0.229.621.0j1j2 ......1....1..gws-wiz-img.f-

WnaLhiKAw#imgrc=2nBqweajOE9vXM:>. Acesso em: 12 out. 2018.

UNIS.ProgramadeMobilidadeAcadêmica,2019.Disponível em:

<http://internacional.unis.edu.br/apresentacao>. Acesso em: 1 jan. 2019.

UNIS. Perfil, [s.d.]. Disponível em: <http://administracao.unis.edu.br/perfil/>.

UNIS. Departamento de Relações Internacionais. [s.d.]. Disponível em <

https://portal.unis.edu.br/unis-internacional/apresentacao/>. Acesso em: 28 mar. 2019

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA. Vestibular UEL 1997, 1996. Disponível em: <http://www.cops.uel.br/vestibular/cartazes/>. Acesso em: 18 dez. 2018.

UNOPAR. Vestibular UNOPAR 2013, 2012. Disponível em:

<https://www.google.com/search?q=propagandas+antigas+de+vestibular&rlz=1C1SQJL_pt-

BRBR826BR826&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwicjZOv_cTfAhXGxpAK Hc9XBC4Q_AUIDigB&biw=1523&bih=762#imgrc=NM77-2efPZeUPM:>. Acesso em: 17

dez. 2018.

UNOPAR. Vestibular UNOPAR 2019, 2018. Disponível em:

<https://vestibular.unoparead.com.br/?gclid=Cj0KCQiA05zhBRCMARIsACKDWjdsT0S7h QXrbS7ZFXmM6yzpVM6rBWh-jHyl0vwPxyB0SYjI6y4cSZcaAsOsEALw_wcB>. Acesso

em: 30 dez. 2018.

VALE, A. A. Considerações sobre a Organização das IES Privadas Brasileiras: uma análise das propostas da ABMES - uma entidade representativa do setor privado, para o quadriênio 2007-2011. Trabalhonecessário, v. 6, n. 7, 2008.

VEIGA, I. P. A. Projeto Político-pedagógico da Escola: uma construção possível. 24. ed.

Campinas: Papirus, 1995.

VELOSO, E. F. R.; DUTRA, J. S.; NAKATA, L. E. Percepção sobre Carreiras Inteligentes:

diferença entre as gerações y, x e baby boomers,. Revista de Gestão, v. 23, n. 2, 2016.

ZANFERARI, T.; GUIL, T. F.; ALMEIDA, M. L. P. Plano Nacional de Educação (2001-2011/2014-2024): uma análise das metas para a educação superior. Educere, 2017.

139