Anais do ENADIS 2018 ENADIS v. 2...Freda Indursky - UFRGS Juciele Pereira Dias - UNIVÁS Lauro José...
Transcript of Anais do ENADIS 2018 ENADIS v. 2...Freda Indursky - UFRGS Juciele Pereira Dias - UNIVÁS Lauro José...
ÉLCIO ALOISIO FRAGOSO
et al (orgs.)
Anais do ENADIS 2018
II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE DISCURSO:
Conhecimento, História e Língua
PORTO VELHO – RO - 2018
GRUPO DE PESQUISA: CONHECIMENTO, HISTÓRIA E LÍNGUA (GPECHELI/CNPQ);
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS (PPGML);
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO
ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS (PPGMEL); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO
PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO ESCOLAR (PPGMEPE); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO
ACADÊMICO EM HISTÓRIA E ESTUDOS CULTURAIS (PPGMHEC).
Fundação Universidade Federal de Rondônia/UNIR
Porto Velho
2019
Élcio Aloisio Fragoso
Carlos Barroso de Oliveira Júnior
Juciele Pereira Dias
Rodrigo Oliveira Fonseca
(Orgs.)
PORTO VELHO, 2018.
GRUPO DE PESQUISA: CONHECIMENTO, HISTÓRIA E LÍNGUA (GPECHELI/CNPQ);
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS (PPGML);
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS (PPGMEL);
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO ESCOLAR
(PPGMEPE); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO
ACADÊMICO EM HISTÓRIA E ESTUDOS CULTURAIS (PPGMHEC).
Fundação Universidade Federal de Rondônia/UNIR
ANAIS DO ENADIS
2018 II ENCONTRO NACIONAL
EM ANÁLISE DE DISCURSO:
Conhecimento, História e Língua
COMISSÃO ORGANIZADORA
II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE DISCURSO: Conhecimento, História e Língua
COORDENAÇÃO GERAL
Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso TAES. Me. Carlos Barroso de Oliveira Júnior
COORDENAÇÃO EXTERNA
Profa. Dra. Juciele Pereira Dias Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca
COMISSÃO ORGANIZADORA
Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso TAES. Me. Carlos Barroso de Oliveira Júnior Profa. Dra. Juciele Pereira Dias - Membro Externo (Univás) Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca - Membro Externo (Ufsb) Prof. Dr. Fábio Robson Casara Cavalcante Profa. Dra. Ilka De Oliveira Mota - Membro Externo (Ufscar) Profa. Dra. Juracy Machado Pacífico Profa. Dra. Lilian Maria Moser Prof. Dr. Lucas Martins Gama Khalil Profa. Dra. Lusinilda Carla Pinto Martins Profa. Dra. Mara Genecy Centeno Nogueira Profa. Dra. Maria de Fátima Castro de Oliveira Molina Profa. Dra. Marília Lima Pimentel Cotinguiba Profa. Dra. Nair Ferreira Gurgel do Amaral Profa. Dra. Sonia Maria Gomes Sampaio
Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)
E56
Encontro Nacional em Análise de Discurso ENADIS (2. : 2018 : Porto Velho, RO)
Anais do II Encontro Nacional em Análise de Discurso ENADIS:
Conhecimento, História e Língua [recurso eletrônico] / organizado por Élcio
Aloisio Fragoso, Juciele Pereira Dias, Rodrigo Oliveira Fonseca, Carlos Barroso
de Oliveira Júnior et al. – Porto Velho: UNIR, 2018.
Modo de acesso: <www.enadis.unir.br> Encontro realizado nos dias 25 a 27
de julho, com o tema ―Conhecimento, História e Língua‖.
1. Análise de Discurso. 2. História. 3. Ideologia. 4.Língua. 5. Sujeito. I.
Fragoso, Élcio Aloisio. II. Dias, Juciele Pereira. III. Fonseca, Rodrigo Oliveira. IV.
Oliveira Júnior, Carlos Barroso. V. Título.
ISSN 2674-7650
CDU 81‘42
Bibliotecária Responsável: Cristiane Marina T. Girard CRB11/897
[2019]
Capa, revisão e diagramação
Carlos Barroso de Oliveira Júnior – [email protected]
EQUIPE EXECUTORA DO II ENADIS: Conhecimento, História e Língua
COORDENAÇÃO GERAL
Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso TAES. Me. Carlos Barroso de Oliveira Júnior
COORDENAÇÃO EXTERNA
Profa. Dra. Juciele Pereira Dias Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca
COMISSÃO ORGANIZADORA
Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso
TAES. Me. Carlos Barroso de Oliveira Júnior
Profa. Dra. Juciele Pereira Dias - Membro Externo (Univás)
Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca - Membro Externo (Ufsb) Prof. Dr. Fábio Robson Casara Cavalcante
Profa. Dra. Ilka de Oliveira Mota - Membro Externo (Ufscar) Profa. Dra. Juracy Machado Pacífico Profa. Dra. Lilian Maria Moser Prof. Dr. Lucas Martins Gama Khalil
Profa. Dra. Lusinilda Carla Pinto Martins Profa. Dra. Mara Genecy Centeno Nogueira Profa. Dra. Maria de Fátima Castro de Oliveira Molina Profa. Dra. Marília Lima Pimentel Cotinguiba Profa. Dra. Nair Ferreira Gurgel do Amaral Profa. Dra. Sonia Maria Gomes Sampaio
COMISSÃO DE APOIO
MONITORES(AS)
Adriano da Silva Borges Agenor Augusto Macedo Prado de Melo
Alan de Souza Prazeres Aleandro Gonçalves Leite Ana Beatriz Lúcio de Souza Andreia da Silva Mesquita Andressa Viana da Silva
Angela Ferreira Gahú da Silva Anna Jamilly Santos Martins Camila Giovana Souza Melo Carla Vanessa Vieira do Nascimento Carlos Eduardo do Vale Ortiz
Carmelita da Silva Santos Cecília Martiniano de Sousa Clara Maria Felício Najar Cleiton Leirson das Neves Cristiane Marina Teixeira Girard
Cyntia Alyne Nascimento Moura Daniela Hilary Nunes Nascimento Daniela Mendonça da Silva Darlan Batalha Sampaio Dejane Rolim de Araújo Silva Delcilene Rubira Fogaça Diego Figueredo Moura
II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE
DISCURSO:
Conhecimento, História e Língua
PORTO VELHO – RO – 2018
Elaine Porto Chiullo
Eliane do Santos Ramos Eliane Ricarte Rodrigues
Elizete Vieira de Melo Emanuel Jadir Correa Siqueira Erick Breno da Silva Borges Ester Quinto Beleza Evânia Lima de Barros Fabrício Veloso de Souza
Fernanda Gonçalves Pimentel - Membro Externo Fernando Silva de Almeida Francisco Alexandre da Silva Francisco Gabriel Moreira da Silva Francisco Geane Ramos da Conceição
Geanne Ferreira Leite Geovânia de Souza Andrade Maciel Heliana Passos Jordão Helioene Ribeiro dos Santos Humberto Bacic
Irismar Gomes Silva Iule Carla Pinheiro Vargas Iza Queiroz Barroso Janaina Kelly Leite Chaves Joelton Rezende Gomes
Joely Coelho Santiago Josy Alves de Souza Juliane Cristina Meireles Venâncio Kessia Raiane Pinheiro de Souza Ketiele de Oliveira Lima
Klivy Ferreira dos Reis Larissa Gonzaga Branco Laudenice Freitas da Silva Leonilson Bittencourt Botelho Lídia Maria Cordeiro Donato Luciana Oliveira Monteiro
Magno Prado Gama Prates Maira Valente Pereira Maria Dulce Pereira da Silva Maria Janete Gonçalves Machado Rodrigues
Maria Norma Lopes Souza Silva Maria Vitória Loureiro do Nascimento Vieira Marta de Paula Vieira de Paula Vieira - Membro Externo Nair Araújo Moreira Nataly Rodrigues Barros
Nayara de Souza Silva Pollyana Woida Rosália Aparecida da Silva Rosane Serra Pereira Rosângela da Silva Santos Rosenita Maia dos Santos
Samara Menezes Campos Suéllen Lemos Silva dos Santos Tainá Costa da Silva
Thais Oliveira dos Santos Ferreira Thalia Chipana Ilorca Thalya Abreu Alves Vitória Siton Buganeme Viviane de Oliveira Bitencourte Dalberto Viviane Silva de Oliveira Nolasco
COMITÊ CIENTÍFICO
Amanda Eloina Scherer - UFSM
Ana Cláudia Fernandes Ferreira - UNICAMP
Atilio Catosso Salles - UNIVÁS
Ana Luiza Artiaga Rodrigues da Motta - UNEMAT
Bethania Sampaio Corrêa Mariani - UFF
Carolina María Rodríguez Zuccolillo - UNICAMP
Claudia Regina Castellanos Pfeiffer - UNICAMP
Débora Raquel Hettwer Massmann
Élcio Aloisio Fragoso - UNIR
Evandra Grigoletto - UFPE
Freda Indursky - UFRGS
Juciele Pereira Dias - UNIVÁS
Lauro José Siqueira Baldini - UNICAMP
Lucília Maria Abrahão e Sousa - USP
Luiz Carlos Martins de Souza - UFAM
Luiza Kátia Andrade Castello Branco - UFF
Mara Ruth Glozman - Universidad de Buenos Aires
Maria do Socorro Pereira Leal - UFRR
Mónica Graciela Zoppi Fontana - UNICAMP
Rodrigo Oliveira Fonseca - UFSB
Silvia Regina Nunes - UNEMAT
Suzy Maria Rodrigues Lagazzy - UNICAMP
Tania Conceição Clemente de Souza - UFRJ
Verli Fátima Petri da Silveira - UFSM
II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE
DISCURSO:
Conhecimento, História e Língua
PORTO VELHO – RO – 2018
II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE DISCURSO:
Conhecimento, História e Língua
REALIZAÇÃO
GRUPO DE PESQUISA: CONHECIMENTO, HISTÓRIA E LÍNGUA Prof. Élcio Aloisio Fragoso – Líder
TAES. Carlos Barroso de Oliveira Júnior – Pesquisador Profa. Juciele Pereira Dias – Líder
Prof. Rodrigo Oliveira Fonseca – Pesquisador
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS
Profa. Marília Lima Pimentel Cotinguiba Coordenadora
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA E ESTUDOS CULTURAIS Profa. Lilian Maria Moser
Coordenadora
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS
Profa. Mara Genecy Centeno Nogueira Coordenadora
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO
ESCOLAR
Profa. Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos Farias Coordenadora
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
REITORIA Prof. Ari Miguel Teixeira Ott
Reitor
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
Prof. Carlos Luís Ferreira da Silva Pró-Reitor
PRÓ-REITORIA DE CULTURA, EXTENSÃO E ASSUNTOS ESTUDANTIS
Profa. Marcele Regina Nogueira Pereira Pró-Reitora
NÚCELO DE CIÊNCIAS HUMANAS
Profa. Dra. Walterlina Barboza Brasil Diretora do Núcleo
DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE LÍNGUAS VERNÁCULAS
Prof. Lucas Martins Gama Khalil Chefe do Departamento
Fundação Universidade Federal de Rondônia - Campus Universitário José Ribeiro Filho BR 364, Km 9,5, sentido Rio Branco/Acre
APRESENTAÇÃO
Com o tema ―Conhecimento, História e Língua‖, o II Encontro Nacional em
Análise de Discurso - ENADIS foi realizado na Fundação Universidade Federal de
Rondônia (UNIR), em Porto Velho (RO), de 25 a 27 de julho de 2018 e contou com a
participação de pesquisadores do Brasil e do exterior em Análise de Discurso nas
Mesas-redondas, Conferências, Seminários temáticos e Atividades culturais.
Promovido, nessa edição, pelo Grupo de Pesquisa: Conhecimento, História e Língua
(GPeCHeLI/CNPq), pelo Mestrado Acadêmico em Letras, pelo Mestrado Acadêmico
em História e Estudos Culturais, pelo Mestrado Acadêmico em Estudos Literários e
pelo Mestrado Profissional em Educação Escolar, o ENADIS vem produzindo
condições para diálogos e promovendo laços acadêmicos outros, voltados para a
formação e a produção consistentes em Análise de Discurso enquanto espaço de
entremeio entre diferentes campos do saber das ciências da linguagem e áreas
afins.
Nesta edição, o evento contou com a conferência de abertura da Profa. Dra.
Eni Orlandi - autora e pesquisadora que introduziu e consolidou a Análise de
Discurso no Brasil. Em três dias, foram realizadas, de acordo com a programação,
as conferências de abertura e de encerramento, mesas-redondas, minicursos,
simpósios temáticos, seminário de pesquisa e integração, sessão de lançamento de
livros e a sessão Discurso em Análise, com o debate do documentário Selva na
Selva (Luiz Carlos Martins e Paulo Cezar Freire, 2004). Cabe salientar que em sua
segunda edição o ENADIS foi contemplado com o financiamento externo do
Programa de Apoio a Eventos Científicos e Tecnológicos (PAE), Chamada FAPERO
n. 004/2017, categoria B.
A publicação dos Anais do ENADIS 2018 reúne trabalhos de pós-graduandos
de diferentes campos do conhecimento, o que constitui uma inserção social dos
supracitados Programas de Pós-Graduação, da Fundação Universidade Federal de
Rondônia, em Porto Velho, na região Norte do país, na Amazônia, em outras regiões
do Brasil e no exterior, com articulação com outras instituições: Universidade do
Vale do Sapucaí (UNIVÁS), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB),
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), Universidad de Buenos Aires (UBA), Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), Secretaria Estadual de Educação de Rondônia (SEDUC/RO),
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO) e
Faculdade Cenecista de Varginha (FACECA). Essa produção acadêmica vem
contribuindo com o trabalho de formação de pesquisadores por meio de sua
participação em seminários, simpósios, palestras, minicursos e conferências no
evento com forte integração, como por meio da publicação dos trabalhos
apresentados. Os trabalhos publicados nestes Anais passaram pela apreciação do
Comitê Científico formado por avaliadores externos nacionais e internacionais do
campo da Análise de Discurso.
Por esse movimento, o ENADIS se constituiu sob o pressuposto de que a
Análise de Discurso produz realmente uma outra forma de conhecimento, com seu
objeto próprio, que é o discurso. E esse objeto, conforme nos diz Orlandi (1994, p.
54), trabalhando esse espaço disciplinar, faz aparecer uma outra noção de ideologia,
passível de explicitação a partir da noção mesma de discurso e que não separa
linguagem e sociedade na história. E finalizando, retomamos mais uma vez Orlandi
(idem, p. 59), quando diz que a noção de discurso se coloca como historicamente
necessária para o deslocamento dessas relações entre disciplinas e aponta para
uma nova organização, novos recortes, novos desenhos de formas de conhecimento
se não se pensam mais essas regiões disciplinares (com seus ―conteúdos‖), mas um
novo jogo entre as formas do saber.
A Comissão Organizadora agradece à Fundação Universidade Federal de
Rondônia (UNIR), às agências de fomento, CAPES e FAPERO, e a todos os
colaboradores (professores, monitores, funcionários e técnicos) que são parte da
organização e da realização do ENADIS 2018, que resulta na presente publicação.
Carlos Barroso de Oliveira Júnior Élcio Aloisio Fragoso Juciele Pereira Dias
Rodrigo Oliveira Fonseca
SUMÁRIO
IDEOLOGIA JURÍDICA E AMBIGUIDADE NO SUJEITO NO DISCURSO DE COOFICIALIZAÇÃO DE LÍNGUAS..................................................................... Carlos Barroso de Oliveira Júnior
10
CONSTRUÇÃO DE UM GLOSSÁRIO EM LIBRAS DA CIDADE DE VILHENA: PRODUÇÃO DE EFEITOS DE SENTIDOS NOS ALUNOS SURDOS................
Marta de Paula Vieira de Paula Vieira
26
AO CABARÉ NUNCA MAIS: O IDEAL FEMININO E A RESTRIÇÃO DOS SEUS ESPAÇOS NO ALTO MADEIRA...............................................................
Alex Filipe Gomes dos Santos e Aleandro Gonçalves Leite
42
A PLASTICIDADE E A METALINGUAGEM COMO ELEMENTOS CONSTITUIDORES DE SENTIDO NA OBRA LITERARIA “A PALAVRA FALTA”.................................................................................................................
José De Ribamar Muniz Ribeiro Neto
58
SUJEITO E RESISTÊNCIA: A CONDIÇÃO HUMANA NO CONTO "NEGRINHA", DE MONTEIRO LOBATO............................................................
Marcos Aurélio Bitencourt dos Santos
69
ANÁLISE DOS EFEITOS DE SENTIDOS DA MÚSICA PAIS E FILHOS............ Ana Beatriz Santos Braz e Sara Almieira da Rocha
80
GÊNEROS TEXTUAIS COMO INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS: ESTUDOS E REFLEXÕES DA PRÁTICA EDUCATIVA........................................................
Ana Kely de Souza Viana, Elizane Assis Nunes e Gleidenira Lima Soares
94
A RESISTÊNCIA DA MULHER NAS OBRAS SERINGAL E TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA.....................................................................
Ariceneide Oliveira da Silva
109
A MATERIALIDADE DISCURSIVA DO POEMA “VOZES-MULHERES” DE CONCEIÇÃO EVARISTO..................................................................................... Gabriela Gomes Reis
124
O DISCURSO, IDEOLOGIA E O SUJEITO DO CLIP DA MÚSICA: “O TRONO DO ESTUDAR”..................................................................................................... Graziely Cristiny Ferreira Cardoso, Lucas Gabriel Brasil Desmarest e Valéria França dos Santos
133
AS FORMAS INTERPELATIVAS DA MÍDIA SOBRE A IDENTIDADE DO CORPO FEMININO.............................................................................................. Laís dos Santos Bezerra e Maria da Conceição de Figueiredo
143
O DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL SOB O VIÉS DA DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM ESCOLAR........................................................................ Luciana Oliveira Monteiro, Niuara dos Santos Lima e João Elói de Melo
156
ROLIM DE MOURA POR MEIO DOS DISCURSOS DE SUA FORMAÇÃO ESPACIAL............................................................................................................ Michelle Fernandes Figueiredo Jandre e Zairo Carlos da Silva Pinheiro
178
CHARGE: O DISCURSO SOBRE O MEIO AMBIENTE...................................... Tomé Fernandes Caitano e Agostinho Filho Da Silva Lima
194
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 10
IDEOLOGIA JURÍDICA E AMBIGUIDADE NO SUJEITO NO DISCURSO DE COOFICIALIZAÇÃO DE LÍNGUAS
CARLOS BARROSO DE OLIVEIRA JÚNIOR1
Departamento Acadêmico de Ciências Sociais e Ambientais Fundação Universidade Federal de Rondônia
Rodovia BR-425, 6656 - St. 08, Guajará-Mirim - RO, 76850-000
Programa de Pós-Graduação em Letras – Linguagem e Identidade Universidade Federal do Acre
Campus Universitário – BR 364, Km 04 – Distrito industrial – CEP: 69.920-900 Rio Branco – Acre. Bloco da Pós-Graduação. Rio Branco – AC, Brasil.
Resumo. O presente trabalho filia-se na perspectiva teórica da Análise de Discurso de linha francesa – enquanto dispositivo teórico e analítico – fundada por Michel Pêcheux, na França, e difundida e desenvolvida por Eni Orlandi, no Brasil. A pesquisa tem como objetivo refletir sobre a noção de ideologia jurídica no discurso das leis de cooficialização de línguas. Ideologia, esta, que instala uma ambiguidade no sujeito, que dele é constitutiva. A fim de alcançar o objetivo proposto, ter-se-á como aporte teórico, para a temática específica, os estudos empreendidos por Eni Orlandi, Suzy Lagazzi, Bethania Mariani, entre outros, dos quais se buscará as noções precisas para análise engendrada, como a noção de: ideologia, ideologia jurídica, ambiguidade, assujeitamento e resistência. Através da análise, que está em andamento, já é possível refletir, pela noção de ideologia jurídica, que o Estado trata de maneira homogênea, sujeitos que são heterogêneos, como se todos fossem um, em direitos e deveres (pelo corpus, trata-se de direitos e deveres de falantes de línguas de minorias). O Estado, então, trabalha com o individual como se coletivo fosse e vice-versa. Nessa relação de força e de poder, dá continuidade a manutenção do poder entre os que o constitui, enquanto Estado. É aí que se percebe a ambiguidade no sujeito, que é observado e tratado como intercambiável pelo Estado.
1 Doutorando em Letras: linguagem e identidade, pela UFAC; Mestre em Letras (2018), pela UNIR;
Especialista em Formação para Professores do Ensino Superior (2014), pela UNIP; Graduado em licenciatura plena em Letras Português e respectivas literaturas (2010) e em bacharelado em Direito (2018), ambas pela UNIR; Técnico Administrativo da Educação Superior – Técnico em Assuntos Educacionais, no DACSA/UNIR.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 11
Palavras-Chave. Ideologia. Sujeito. Discurso. Ambiguidade. Ideologia Jurídica.
Resumen. El presente trabajo se alía en la perspectiva teórica del Análisis de Discurso de línea francesa – como dispositivo teórico y analítico – desarrollada por Michel Pêcheux, en Francia, y difundida y continuada por Eni Orlandi, en Brasil. La investigación tiene como objetivo reflexionar sobre la noción de ideología jurídica en el discurso de cooficialización de lenguas. Ideología, ésta, que instala una ambigüedad en el sujeto, que de él es constitutiva. A fin de alcanzar el objetivo propuesto, se tendrá como aporte teórico los estudios emprendidos por Eni Orlandi, Suzy Lagazzi, Bethania Mariani, entre otros, de los cuales se buscará las nociones precisas para análisis engendrado, como la noción de: ideología, ideología jurídica, ambigüedad, sujeción y resistencia. A través del análisis, que está en marcha, ya es posible reflexionar, por la noción de ideología jurídica, que el Estado trata de manera homogénea, sujetos que son heterogéneos, como si todos fuesen uno, en derechos y deberes (por el corpus, se trata de derechos y deberes de hablantes de lenguas de minorías). El Estado, entonces, trabaja con el individual como si colectivo fuera y viceversa. En esa relación de fuerza y poder, da continuidad el mantenimiento del poder entre los que lo constituye, en cuanto Estado. Es ahí donde se percibe la ambigüedad en el sujeto, que es observado y tratado como intercambiable por el Estado.
Palabras clave. Ideología. Sujeto. Discurso. Ambigüedad. Ideología Jurídica.
1 Considerações iniciais
O presente trabalho resulta de uma das pesquisas realizadas durante o
movimento de escrita da dissertação de mestrado intitulada ―O PROCESSO DE
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO À LÍNGUA: uma análise discursiva dos
sentidos de línguas (co)oficiais em legislações municipais brasileiras‖, apresentada e
defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Fundação
Universidade Federal de Rondônia.
Tal pesquisa, revista e atualizada, é contemplada nos projetos do Grupo de
Pesquisa: Conhecimento, História e Língua (GPeCHeLi).
Buscou-se, por esse gesto de estudo, compreender e refletir sobre o sujeito e
sobre a ideologia, nos discursos de cooficialização de línguas, num batimento entre
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 12
os efeitos de sentido sobre língua oficial e língua cooficial, que determinam sentidos
sobre o direito e sobre os falantes de línguas outras (assim entendidas as línguas de
minorias).
Para tanto, o trabalho filia-se Análise de Discurso de linha francesa, enquanto
dispositivo teórico e dispositivo de análise. O trabalho, desta maneira, está
organizado em duas partes, sendo que em sua primeira parte discute sobre o sujeito
de direito nas questões jurídicas de minorias linguísticas, refletindo nela sobre as
noções de minoria, imaginário, cultura, forma-sujeito, entre outras. Em sua segunda
parte, trata diretamente da ideologia jurídica e da ambiguidade do sujeito,
observando, para tanto, as noções de ideologia, ambiguidade, juridismo, comando-
obediência, sobre a perspectiva teórico-analítica da Análise de Discurso.
2 O sujeito de direito nas questões jurídicas de minorias linguísticas
Os direitos das minorias, assunto amplamente discutido por políticos,
organizações, institutos, militantes e juristas é uma característica fundamental da
sociedade contemporânea. Esses direitos estão diretamente relacionados à coerção,
por normatização ou omissão, imposta pelos Estados, nas relações de força e poder
em suas sociedades.
Orlandi compreende minoria – ao incluir a história, o político, a ideologia e o
sujeito – como um dispositivo simbólico com um vetor material ético-político dentro
da luta contra-hegemônica, ―porque é uma força dinâmica, na direção da
transformação, e não é da ordem jurídico-social instituída‖ (ORLANDI, 2016, p. 24).
Trata-se, para a autora, de um movimento na sociedade, o que ela define como
―força viva dos corpos que se deslocam. Espaços em ruptura na formação social.
Irrupção do irrealizado, passagem do sem-sentido para o sentido outro‖ (ORLANDI,
idem).
Ao compreender que as minorias não são da ordem jurídico-social instituída,
a autora esclarece que a partir do momento em que são nomeadas como minorias,
elas saem da força de deslocamento e se estabilizam, na ordem jurídico-social
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 13
instituída. Em outras palavras, por esta análise, quando o Estado2 reconhece as
minorias enquanto minorias, elas passam a compor a ordem jurídico-social, por ele
estabelecida. Deixam, assim, de ser a resistência. Nesse sentido, é interessante o
que diz Orlandi, a respeito dos sentidos diferentes que as mesmas coisas, seres e
fatos possuem em razão de suas condições de produção e de existência, porém,
considerando em sua fala o imaginário que vai constituindo essas direções, ao
referir que
No entanto, há um imaginário social que vai constituindo direções para esses sentidos, hierarquizando-os, valorizando uns em detrimento de outros, de acordo com as relações de força e de poder que presidem a vida social, e a relação com a alteridade. Elas vão fazer com que as diferenças sejam silenciadas em suas especificidades e signifiquem em relação a esse imaginário que administra as relações de sentidos e, logo, as relações sociais e de poder simbolizadas, ou seja, políticas (ORLANDI, 2017, p. 94).
No caso das línguas, o que está silenciado são as línguas outras, as línguas
de minorias, que é parte daquilo que Orlandi (2017, p.96) chama de ―processo de
individuação do sujeito pelo Estado, e de tal modo que, pela divisão social de
sujeitos e sentidos produzida pelo político‖, a língua é institucionalizada: ―a língua
oficial é a língua portuguesa‖. Gesto que fica silenciado nos direitos de falantes de
línguas ―A‖, ou ―B‖, ou ―C‖, que arcam o preço de ter que falar a língua
institucionalizada como oficial.
Nesse quadro têm-se as minorias linguísticas, que se institucionalizam por
meio de legislações específicas, normas que as configuram enquanto cooficiais, em
2
Não se nega as contradições existentes no Estado, em suas relações de força e poder. Pelo contrário, compreende-se que há resistência até nos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE). Porém, ao instituir um AIE, o Estado se coloca enquanto dominante, a submissão, ou não, a esse AIE, passa a determinar a resistência daquele que (não) se submete a ele. Justamente por isso, observa-se esse processo de resistência por parte das minorias enquanto não reconhecidas pelo estado ―legalmente‖. O gesto de legalizar uma minoria a coloca sobre a égide do Estado que passa a determinar o lugar dessa minoria enquanto minoria. Assim, percebe-se tensões na relação Estado X minorias, em relação à lei, ao direito, à resistência, ou não-resistência, complexidades estas que são constituídas em um jogo de forças e poder, que engendram nas disputas desses sentidos (de direito, de liberdade, de submissão, de emancipação), nessas questões sobre a resistência.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 14
um gesto de acepção às outras que ainda não gozam de tal caráter de
cooficialidade, que, por sua vez, não gozam do caráter de oficialidade.
Acontece que com esse deslocamento, da posição de minoria linguística, de
sem-sentido, para a posição de língua cooficializada, ou sentido outro, desloca-se da
posição de vetor material ético-político, para a posição de uma ordem jurídico-social
instituída por meio de um instrumento jurídico. Desloca-se da posição de resistência
ao Estado e passa a integrá-lo em seu rol normativo-jurídico. A resistência é assim
silenciada.
Esses outros sentidos, estabelecidos por instrumentos jurídicos, evidenciam
ideologias dos grupos de minorias linguísticas, na ilusão de terem a garantia do seu
direito à língua, no sentido de proteção, promoção, respeito entre outras, por
coerção/injunção, como os atribuídos pela Declaração Sobre os Direitos das
Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, de
1992, ou pela Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, de 1996. Porém,
Orlandi explica que
O que pode levar a uma transformação é a produção desse espaço social de convivência, politicamente significado e que afete a ideologia da divisão do fechamento, da segregação do ―outro‖. A sociedade tem que expandir o espaço público, sem dividir o lugar comum. Reconhecer as diferenças, em um espaço comum, mas não homogêneo (hospitalidade?), observando deslocamentos possíveis, trajetos diferenciados, práticas não previstas. Improvisar, re-significar (ORLANDI, 2017, p. 98).
Essas declarações são instrumentos jurídicos internacionais, que abrem
espaço, politicamente, para outras relações de poder, que são históricas e sociais,
que (re)configuram e (re)significam a política linguística interna, ou nacional,
evidenciando a presença do político na linguagem, que interpelam o sujeito que
ocupa uma posição de falante de uma língua não civilizada, como o que fala uma
língua de cultura, compreendidas como ―línguas que fazem parte do que caracteriza
as culturas dos povos que as praticam, sendo estes, então, caracterizados, entre
outras coisas, por suas línguas‖ (GUIMARÃES, 2003, p. 49). E,
contemporaneamente, não há como falar de minoria sem se remeter ao sentido de
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 15
cultura, como Orlandi (2016), discursivamente trata da questão, ao explicar, em tom
crítico, que
a noção de cultura é facilmente pensada no paradigma positivista, relaciona-se com a política, fazendo vizinhança com a racionalidade, aquilo que se representa como visível, claro, explicável. Na atualidade, para se falar em minoria, a palavra cultura está certamente presente, assim como a de comunicação e a de política. Todas elas comprometidas com o sentido de democracia (ORLANDI, 2016, p. 20).
Esse deslocamento, a partir da posição do sujeito falante de língua de cultura,
evidencia um acontecimento3, que rompe com as formas de significar as línguas de
cultura que antes eram suplantadas pelo português. Assim, vão sendo
institucionalizadas as cooficializações e se deslocam sentidos por instituições que
têm o poder de legitimar a língua, pela lei, a grupos de minorias que pensam estar
se singularizando por ela. Sobre essa questão, Pêcheux (1988, p. 159), já alertava
que ―O futuro do subjuntivo da lei jurídica ‗aquele que causar um dano...‘ (e a lei
sempre encontra um ‗jeito de agarrar alguém‘, uma ‗singularidade‘ à qual aplicar sua
‗universalidade‘) produz o sujeito sob a forma do sujeito de direito‖.
O sujeito, em questão, não percebe que se constitui aí. Nesse espaço, por
uma interpelação dada pela formação discursiva na qual ele está inscrito, nessa
contradição, onde há a ilusão da liberdade de falar a sua própria língua, a sua língua
de cultura, de minoria. Ilusão porque ele passa a se submeter à força coercitiva da
Lei, isso é o que Orlandi chama de forma-sujeito histórica,
que corresponde à da sociedade atual representa bem a contradição: é um sujeito ao mesmo tempo livre e submisso. Ele é capaz de uma liberdade sem limites e uma submissão sem falhas: pode tudo dizer, contanto que se submeta à língua para sabê-la. Essa é a base do que chamamos assujeitamento (ORLANDI, 2015, p. 48).
3 Como discutido em O ACONTECIMENTO POLÍTICO DO PROCESSO DE COOFICIALIZAÇÃO DE
LÍNGUAS E A SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL, publicado nos Anais do ENADIS (v. 1, 2017), disponível em:< www.enadis.unir.br>.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 16
Essas relações de força e poder, nas garantias e nos direitos de línguas de
minorias, da sociedade atual, expressas, a exemplo, pelas declarações
supracitadas, configuram a formação discursiva, na qual o sujeito está inscrito, e o
produz sob a forma de sujeito de direito, ou sujeito jurídico, ―a noção de sujeito-de-
direito se distingue da de indivíduo‖ (ORLANDI, 2015, p. 49). Como é definida, por
Eni Orlandi, ―Essa forma-sujeito corresponde, historicamente, ao sujeito do
capitalismo, ao mesmo tempo determinado por condições externas e autônomo
(responsável pelo que diz), um sujeito com seus direitos e deveres‖ (ORLANDI,
2015, p. 43).
É válido lembrar como Bethania Mariani definiu essa forma-sujeito
com relação ao discurso jurídico, sua função de interpelação-identificação que atua sobre os processos de constituição do sujeito: o sujeito de direito tanto é aquele que se reconhece/enuncia sob a evidência do Eu – uma singularidade, com suas vontades e responsabilidades, portanto – como também é aquele que poderá-, virtualmente, ocupar o lugar ―vazio‖ instaurado pela universalidade das leis dos direitos humanos (MARIANI, 1998, p. 77).
Ao se pensar nessa forma-sujeito, de sujeito de direito, enquanto pertencente
a esse sistema capitalista, interroga-se o que são direitos de minorias linguísticas
para esse sistema? Lembra Orlandi (2016, p. 22) que ―No capitalismo, o indivíduo
não é visto como ser pensante, capaz de decidir e participar, mas como consumidor
pontencial‖.
Não há como imaginar, nesse sistema, como também em outro, a figura de
um sujeito livre em seus desejos e anseios dada as condições de existência, a
ideologia, a representação do sistema de ideias que funcionam na sociedade
capitalista. Nisso está à ilusão do sujeito de direito, ―a ideia de um sujeito livre em
suas escolhas, o sujeito do capitalismo‖ (ORLANDI, 2015, p. 49).
Esse sujeito de direito é o mesmo sujeito das minorias linguísticas, que se
coloca na posição de ser repleto de deveres e direitos, porém é válido lembrar que
ele ―não é uma entidade psicológica, ele é feito de uma estrutura social bem
determinada: a sociedade capitalista‖ (ORLANDI, 2015, p. 49).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 17
Por ser interpelado por essa sociedade capitalista, esse sujeito de direito é
individualizado pelo Estado – por um processo fundamentalmente capitalista para
que se possa governar – como sujeito de minorias linguísticas.
3 Ideologia jurídica e ambiguidade no sujeito
É interessante iniciar esse capítulo com a noção de ideologia, já trabalhada
por meio dos estudos de Althusser4, que de acordo com a perspectiva teórica de Eni
Orlandi (1996),
não é vista aqui como conjunto de representações nem como ocultação da realidade. Enquanto prática significante, discursiva, ela aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história, para que signifique (ORLANDI, 1996, p. 28).
Por essas palavras, compreende-se que a ideologia é efeito da relação do
sujeito5 com a língua e com a história, isso, enquanto prática significante, ou seja,
uma prática discursiva.
Quando se fala em discurso, reporta-se a um dos aspectos materiais da
própria ideologia, a saber: o encontro entre língua e ideologia, como ensina Mariani
(1998). Porém, o mais interessante a destacar é a compreensão que Orlandi (1996)
apresenta de que a ideologia não é um conjunto de representação, ou ocultação da
realidade. Não há como esconder-se por detrás ou na ideologia, ou, por outro lado,
tentar escapar do efeito do ideológico, porque ela (a ideologia) é constitutiva do
sujeito. Quanto a isso, Mariani (1998) procura
4 ―Portanto a ideologia interpela os indivíduos como sujeitos. Como a ideologia é eterna, vamos
suprimir a forma da temporalidade na qual representámos o funcionamento da ideologia e afirmar: a ideologia sempre-já interpelou os indivíduos como sujeitos, o que nos leva a precisar que os indivíduos são sempre-já interpelados pela ideologia como sujeitos, e nos conduz necessariamente a uma última proposição: os indivíduos são sempre-já sujeitos. Portanto, os indivíduos são «abstractos» relativamente aos sujeitos que sempre-já são. Esta proposição pode parecer um paradoxo (ALTHUSSER, 1980, p. 102)‖. 5
―É enquanto sujeito que qualquer pessoa é interpelada a ocupar um lugar determinado no sistema de produção‖, de acordo com Paul Henry, em ―Os fundamentos teóricos da Análise Automática do Discurso de Michel Pêcheux (1969)‖.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 18
chamar a atenção para o fato de que não está em jogo, aqui, a ideia de ideologia como máscara, tanto que em outros escritos Pêcheux fez questão de realçar o aspecto de falha ou enfraquecimento que sempre pode existir no ritual da interpelação ideológica (MARIANI, 1998, p. 58).
Ao se ter como base a noção de ideologia, pela compreensão do princípio
que a Análise de Discurso ensina, ao considerar que ―O indivíduo é interpelado em
sujeito pela ideologia para que se produza o dizer‖ (ORLANDI, 2015, p. 44), passa-
se a noção de ideologia jurídica fundamentada e estabelecida pelo trabalho de
Lagazzi (1987), ao escrever que a ideologia jurídica instala uma ambiguidade no
sujeito.
Essa ambiguidade é percebida no momento em que o sujeito passa a se
observar como um ser único, individual, dono, senhor e responsável de seus atos,
porém, frente ao Estado, ele (o sujeito) é observado e tratado como intercambiável,
pois o Estado se direciona aos cidadãos, de maneira geral, considerando-os como
―uma massa uniforme de sujeitos assujeitados‖ (Lagazzi, 1987, p. 7), constituídos
nessa ilusão de unicidade. O sujeito, enquanto posição sujeito se compreende como
único, mas o Estado o compreende como coletivo, porém tratando-o como único, aí
está o que se diz ambiguidade no sujeito, sobre a qual aqui se discorre. Pelo viés
discursivo, não há como o sujeito se compreender como único, pois no conjunto
social, um sujeito não ocupa apenas uma posição, como explica Mariani (1998).
A ilusão de unicidade é produzida pelo próprio Estado, que, em sua posição
de poder, impede que as características e as especificidades dos indivíduos,
enquanto sujeitos, sejam evidenciadas, ao mesmo tempo em que ela é aceita e
compreendida como natural, e certa, pelos sujeitos assujeitados6.
Esse movimento de interpelação dos indivíduos pela ideologia, ou seja, esse
assujeitamento é condição necessária para que o indivíduo se torne sujeito do
discurso, ao se submeter às condições de produção que são impostas, nesse caso
6 Sobre o assujeitamento, explica Mariani (1998, p. 25) que ―Nenhum processo de assujeitamento
pode ser completo ou imutável até porque o sujeito, no todo social, não ocupa apenas uma (1) posição. Os mecanismos de resistência, ruptura (revolta) e transformação (revolução) são, assim, igualmente constitutivos dos rituais ideológicos de assujeitamento[...]‖.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 19
pelo Estado, pelo discurso do jurídico, porém na ilusão de autonomia. Como explica
Althusser (1980), o indivíduo (para este estudo sujeito) se compreende como
autônomo, porque vive na ideologia, sem compreender a existência dessa ideologia
e de sua interpelação por ela. Pelas palavras de Orlandi (2015), o assujeitamento
submete o sujeito, mas ao mesmo tempo o apresenta como livre e responsável, ou
seja, ―se faz de modo a que o discurso apareça como instrumento (límpido) do
pensamento e um reflexo (justo) da realidade‖ (ORLANDI, 2015, p. 49).
Observa-se, por esse movimento de interpelação, pela noção de ideologia
jurídica, que o Estado trata de maneira homogênea, sujeitos que são heterogêneos,
como se todos fossem um, em direitos e deveres. Trabalha com o individual como se
coletivo fosse e vice-versa, e nessa relação de força dá continuidade a manutenção
do poder entre os que o constitui, enquanto Estado.
Se por um lado, constatamos a tentativa do Estado em abafar as diferenças e particularidades dos indivíduos, na busca do cidadão comum, mediano, completamente absorvido pela ‗massa‘, observamos, por outro lado, a permanência da hierarquia de poder entre as pessoas, constitutivas do próprio Estado (Lagazzi, 1987, p. 7).
Na manutenção desse poder entre as pessoas que o constituem, o Estado,
ideologicamente soberano, estabelece as relações de hierarquias, percebidas nas
mais diferentes esferas sociais, desde o âmbito familiar, escolar, religioso,
trabalhista, até as relações de gestão de cidades e municípios, Estados e Nação
(em âmbito nacional e internacional), entre outras. Além, também, das relações
autoritárias, por ele (Estado) estabelecidas, aquelas relações que se fazem, como é
definido por Lagazzi (1987),
de comando-obediência, presentes nas mais diversas situações e diferentes contextos sociais, leva as pessoas a se relacionarem dentro de uma esfera de tensão, permeada por direitos e deveres, responsabilidades, cobranças e justificativas (LAGAZZI, 1987, p. 7).
Essas relações autoritárias, de comando-obediência, chamam a atenção
desse estudo, porque são nessas relações, que há a instituição dos direitos e
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 20
deveres, as obrigações e injunções, ou seja, são nessas relações autoritárias que o
jurídico interfere nas relações sociais, constituída nas/pelas relações pessoais. É
nessa perspectiva, que se pode observar o juridismo7, enquanto prática discursiva,
―um juridismo inscrito nas relações pessoais. É justamente esse juridismo, essas
situações de confronto‖ (LAGAZZI, 1987, p. 7) entre o que é obrigação e o que é
direito, entre a opção e a injunção.
O sujeito se coloca na posição de que tudo pode pela letra da lei, na ilusão de
que é um sujeito livre, por efeitos de sentido de ser um ser repleto de deveres e
direitos. Apaga-se no imaginário desse sujeito a sua subordinação e obediência ao
Estado, subordinação e obediência que já são ideológicas, mas se naturalizam. A
própria ideologia na qual o sujeito está não lhe é evidente. Ele (o sujeito) não
percebe que o Estado lhe homogeneíza por meio dos Aparelhos Ideológicos de
Estado (ALTHUSSER, 1980).
A partir dessa noção de ideologia jurídica e ao se perceber essas relações de
comando-obediência, compreende-se, também, tomando agora o objeto de estudo
desta pesquisa, que ao se instituir a Língua Portuguesa enquanto oficial da nação
brasileira se exclui os falantes de línguas outras. Essa instituição de uma língua trata
os falantes de línguas indígenas, quilombolas, fronteiriças, imigrantes, entre outras,
como se falantes de Língua Portuguesa fossem. Isso engendra o apagamento e o
silenciamento de tais línguas e a homogeneização da língua, aos sujeitos, pelo
Estado.
Por outro lado, ao permitir a cooficialização de línguas outras, o Estado, pelo
juridismo, põe essas outras línguas, em uma situação de subordinação à língua
oficial, no caso do Brasil, que aqui interessa, a Língua Portuguesa. A Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, em seu Art. 13, dispõe que ―A Língua
Portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil‖ (BRASIL, 2003, p.
7 Toma-se aqui, a definição de juridismo estabelecida por Lagazzi (1987, p. 02) ―Com a noção de
sujeito-de-direito, um sujeito centrado em direitos e deveres, responsabilidades, cobranças e justificativas, constitutivo das sociedades de Estado, mostramos como as relações interpessoais, caracterizadas por relações de poder, inscrevem-se numa esfera de tensão, conflitos e confrontos, que denominamos juridismo‖.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 21
24). Não há de fato um gesto de igualdade, de aceitação da outra língua. O que há
na verdade é a aparência de igualdade entre as línguas. O prefixo co-, já coloca as
línguas tornadas oficiais, em uma posição outra da língua então tida como oficial. A
língua agora oficializada, não é a oficial, mas, sim, a cooficial. O efeito de sentido
que fica evidenciado nesse gesto é o de que a língua outra, a cooficial, é
concomitante, simultânea, da língua oficial, portanto goza de todos os direitos a ela
permitidos em lei.
Esse processo de cooficialização acaba por evidenciar a questão do que vem
a ser a ideologia jurídica que engendra na ambiguidade do sujeito, ao se instituir, por
meio de um gesto legislativo, uma língua, como oficial para a Nação, que ressoa em
um efeito de um direito, de garantias, ao mesmo tempo em que se instituem línguas
outras, enquanto cooficiais, como efeito de direitos e deveres linguísticos, aos
cidadãos e ao Estado, forjando uma compreensão da diversidade linguística e do
plurilinguismo.
Em outras palavras, ao instituir uma língua única à Nação, o Estado coloca
em evidência que compreende os sujeitos como linguisticamente homogêneos, na
ilusão de uma igualdade linguística, que não existe, estabelecendo, por um gesto de
injunção, um monolinguismo a toda uma nação, em uma falsa-aparência dessa
possibilidade. Homogeneidade, essa, que afeta a todos, que é entendida como
lógica e como uma necessidade de um sujeito pragmático, como explica Pêcheux
(2002) ao definir que
O sujeito pragmático – isto é, cada um de nós, os ―simples particulares‖ face às diversas urgências de sua vida – tem por si mesmo uma imperiosa necessidade de homogeneidade lógica: isto se marca pela existência dessa multiplicidade de pequenos sistemas lógicos portáteis que vão da gestão cotidiana da existência (por exemplo, em nossa civilização, o porta-notas, as chaves, a agenda, os papéis, etc) até as ―grandes decisões‖ da vida social e afetiva (eu decido fazer isto e não aquilo, de responder a X e não a Y, etc...) passando por todo o contexto sócio-técnico dos ―aparelhos domésticos‖ (isto é, a série dos objetos que adquirimos e que aprendemos a fazer funcionar, que jogamos e que perdemos, que quebramos, que consertamos e que substituímos)[...] (PÊCHEUX, 2002, p.33).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 22
O sujeito, nessa condição, sente a necessidade de ser um com todos, de ser
igual, ter igualdade, especialmente nas garantias de direitos, isso por um efeito de
ser lógica a unidade. A interpelação ideológica leva o sujeito a esse desejo.
A imposição de uma língua, e não de outras, por omissão (histórica, política,
social) do Estado, coloca o sujeito em outra posição – como ensina Mariani (1998),
nenhum sujeito ocupa apenas uma posição –, a fim de se (re) significar na e com a
língua, por meio de um processo de resistência, compreendido na Análise de
Discurso como: ―movimento do sujeito para uma posição que não o submete
inteiramente à coerção‖ (ORLANDI, 1998, p. 17). Posição que, pela historicidade,
produz outros sentidos, no modo de funcionamento da linguagem e na constituição
dos sujeitos falantes das línguas outras – minorias, fronteiriças, indígenas,
quilombolas, etc. Como efeito desse processo de resistência, o Estado, em
contrapartida, acaba por permitir a cooficialização de línguas, na ilusão de garantir
direitos e reconhecimento das diferenças.
O sujeito, nessa condição, sente a necessidade de ser um apenas, de ser
diferente, ter diferença, especialmente nas garantias de direitos, o que já se entende
como uma interpelação ideológica.
Desse modo, busca-se ―compreender essa ambiguidade da noção de sujeito
que, se determina no que diz, no entanto, é determinado pela exterioridade na sua
relação com os sentidos [...]‖ (ORLANDI, 2015, p. 48). Essa ambiguidade, para a
Análise de Discurso, é constitutiva do/desse sujeito falante de outra(s) língua(s).
4 Considerações finais
O trabalho apresentado, resultado de pesquisas que não se constituem na
ilusão de acabadas/terminadas, já evidencia uma posição (um lugar) de fala.
Filiado a Análise de Discurso pecheutiana, nesse início de percurso de
pesquisa, de escrita e de análise, já propôs e como proposto, apresentou
compreensões sobre a língua, o sujeito e a história nos processos de cooficialização
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 23
de línguas, no que concernem aos discursos postos acerca das minorias linguísticas
e do direito à língua.
Para isso, articulou teoria e análise durante o movimento de constituição do
material que aqui se tem, ao trabalhar a noções de ideologia, sujeito, comando-
obediência, resistência, etc. a luz da análise de discurso. Espera-se com isso,
contribuir para pesquisas futuras que, da mesma forma, visam compreender os
discursos sobre a temática.
Através da análise foi possível refletir, pela noção de ideologia jurídica, que o
Estado trata de maneira homogênea, sujeitos que são heterogêneos, como se todos
fossem um, em direitos e deveres. O Estado, então, trabalha com o individual como
se coletivo fosse e vice-versa. Nessa relação de força e de poder, ele dá
continuidade à manutenção do poder entre os que o constitui, enquanto Estado. É aí
que se percebe a ambiguidade no sujeito, que é observado e tratado como
intercambiável pelo Estado.
Referências
ALTHUSSER, Louis. IDEOLOGIA E OS APARELHOS IDEOLÓGICOS DO ESTADO. Disponível em: <https://politica210.files.wordpress.com/2014/11/althusser-
louis-ideologia-e-aparelhos-ideolc3b3gicos-do-estado.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2017.
GUIMARÃES, Eduardo. Enunciação e política de línguas no Brasil. In: CORRÊA, Marcia Cristina; DO NASCIMENTO, Silvia Helena Lovato (org.). Espaços de Circulação da Linguagem. – N. 27 (jul. – dez. de 2003). ISSN 1519-3985 – Santa Maria, 1991. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/issue/view/648/showT oc. Acesso em 01 jun. 2017.
HENRY, Paul. Os fundamentos teóricos da ―Análise Automática do Discurso‖ de Michel Pêcheux (1969). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (org.). Por uma Análise Automática do Discurso – uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradutores Bethania S. Mariani... [et al.]. 2a. Ed. Editora da Unicamp, Campinas, SP. 1993.
LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy Maria. O juridismo marcando as palavras: uma
análise do discurso cotidiano. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Instituto de
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 24
Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas – Campinas, SP: [s.n.], 1987.
MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais
(1922-1989). Rio de Janeiro: Revan; Campinas, SP. UNICAMP, 1998.
ORLANDI, E. P. – Eu, Tu, Ele – Discurso e real da história. Campinas, SP: Pontes
Editores, 2017.
. – Ser diferente é ser diferente: a quem interessam as minorias?. In: BARROS, Renata C. Bianchi de.; CAVALLARI, Juliana S. (orgs.). Sociedade e Diversidade. Trilogia Travessia da Diversidade – Vol. 2. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016.
. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 12.ª Ed. Pontes
Editores, Campinas, SP. 2015.
. Exterioridade e Ideologia. In: Cadernos de Estudos Linguísticos - UNICAMP. Campinas, (30):27-33, Jan./Jun. 1996. Disponível em: <https:// periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8637037/4759>. Acesso em 03 mar 2018.
PÊCHEUX, Michel. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Tradução Eni
Puccinelli Orlandi. 3ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2002.
. Semântica e Discurso. Uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Ed.
Da Unicamp, 1988.
Legislações
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n.º 1/92 a n.º 39/2002 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n.º 1 a 6/64. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2003.
Declaração Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, adotada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas na sua resolução 47/135, de 18 de dezembro de 1992. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Preven%C3%A7%C3%A3o-contra-a- Discrimina%C3%A7%C3%A3o-e-Prote%C3%A7%C3%A3o-das-Minorias/declaracao
-sobre-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-intolerancia-e-discriminacao-fundadas-n a-religiao-ou-nas-conviccoes.html.>. Acesso em: 20 abr. 2016.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 25
Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, de 6 a 9 de junho de 1996.
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/a_pdf/dec_universal _direitos_linguisticos.pdf> Acesso em: 20 abr. 2016. [2008].
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 26
CONSTRUÇÃO DE UM GLOSSÁRIO EM LIBRAS DA
CIDADE DE VILHENA: PRODUÇÃO DE EFEITOS DE
SENTIDOS NOS ALUNOS SURDOS
MARTA DE PAULA VIEIRA DE PAULA VIEIRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LINGUÍSTICA Cidade Universitária: Bloco do Centro de Pesquisa e Pós-graduação em Linguagem
Av. Santos Dumont, S/nº; Bairro: DNER; CEP: 78.200-000; Cáceres-MT Tel/Fax: (65) 3223-1466; E-mail: [email protected] Site: portal.unemat.br/linguistica
Resumo. Este trabalho, desenvolvido no Mestrado Profissional em Letras - ProfLetras - Cáceres – MT, da Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, apresenta uma proposta didático-pedagógica, desenvolvida com os alunos surdos do 9º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Marechal Rondon, em Vilhena - RO. O projeto objetivou a nomeação, em Língua Brasileira de Sinais (Libras), de locais da cidade de Vilhena e como produto deste trabalho, a produção de um glossário. Pelo viés dos estudos semântico-discursivos, a pesquisa fundamentou-se na Semântica do Acontecimento, de Eduardo Guimarães, em articulação com a Análise de Discurso, instituída por Michel Pêcheux, na França, e Eni Orlandi, no Brasil, e a História das Ideias Linguísticas. Para alcançar os objetivos, metodologicamente, o trabalho foi organizado em quatro etapas. Na primeira etapa, construímos listas selecionado locais da cidade, sinalizados ou não, para a composição do glossário. Na segunda etapa, trabalhamos com dicionários e glossários diversos, mapas e listas telefônicas da cidade de Vilhena, documentários e fotografias da história da cidade. Na terceira etapa, procedemos à oficina de fotografia, participação na exposição fotográfica da História de Rondônia e gravação dos sinais da cidade de Vilhena para o glossário. Na quarta etapa, como efeito de fecho, publicizamos o glossário para a comunidade surda vilhenense. Compreendemos, ao final desse projeto, que as atividades desenvolvidas proporcionaram ressignificações nas práticas de ensino e aprendizagem, possibilitando compreender os sentidos produzidos pelos gestos de nomeação dos locais da cidade, como também, compreender os gestos de autoria dos alunos na produção do glossário. Enfim, pensar a cidade como espaço de significação na relação com a sala de aula oportuniza aos alunos um outro modo de ler e de compreender a língua.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 27
Palavras-Chave. Glossário. Libras. Nomeação. Análise de Discurso. Saber Urbano e Linguagem.
Resumè: Ce travail, élaboré lors de la Maîtrise Professionnelle en Lettres – ProfLetras - Cáceres/MT, Université de l’Etat du Mato Grosso/UNEMAT, présente une proposition didactico-pédagogique développée avec les élèves malentendants de la 9ème année de l’école publique d’enseignement primaire et secondaire Marechal Rondon, à Vilhena-RO. Le projet a pour but de nommer des lieux de la Ville de Vilhena en langue des signes brésilienne (Libras) et en conséquence de ce travail, la production d’un glossaire. Par le biais d’études discursives, la recherche s’appuie sur la Semântica do Acontecimento (Sémantique de l’évènement) d’Eduardo Guimarães en articulation avec l’Analyse du discours de Michel Pêcheux en France et Eni Orlandi au Brésil avec l’História das Ideias Linguísticas (Histoire des Idées Linguistiques). Pour atteindre ces objetifs métodiquement, le travail a été organisé en quatre étapes. A la première étape, nous avons sélectionné des listes des lieux de la ville qui ont été signalés ou pas pour la composition du glossaire. A la deuxième étape, nous avons travaillé avec des dictionnaires et glossaires divers, des cartes, annuaires téléphoniques, documentaires et photographies de la ville. A la troisième étape, nous nous sommes rendus à l’Oficina de Fotografia (Atelier de Photographie) où nous avons participé à l’exposition photographique de l’histoire de Rondônia et où on a procédé à l’enregistrement des signes des lieux de la ville de Vilhena dans le glossaire. A la quatrième étape, pour conclure, nous avons diffusé le glossaire à la communauté malentendante de Vilhena. Nous avons pu comprendre, suite à ce projet, que les activités développées donnent un nouveau sens aux pratiques de l’enseignement et de l’apprentissage, en permettant la compréhension des sens produits par les gestes de nommer les lieux de la ville, tout comme la compréhension des gestes d’auteur des élèves lors de la production du glossaire. Enfin, que considérer la ville en tant qu’espace d’importance dans la relation avec la classe offre aux élèves une autre manière de lire et de comprendre la langue.
Mots-clés: Glossaire. Libras. Dénomination. Analyse de discours. Connaissance urbaine et langage.
1 Introdução
A educação de surdos tem sido amplamente debatida no Brasil. Trata-se de
um longo percurso que pode ser exemplificado por diferentes acontecimentos, como
a criação do Collégio Nacional para Surdos-Mudos no Rio de Janeiro, por Ernest
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 28
Huet, em 1857, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES; a
oficialização da Lei nº 10.436, a ―Lei da Libras‖, em 2002 e ao recente debate
promovido pelo tema da redação do Enem 2017: "Desafios para a formação
educacional de surdos no Brasil".
Compreendemos que educar em Libras é, também, propor materialidades
significantes em Libras que proporcionem aos alunos conhecimento de língua e
sobre a língua. Flausino da Gama inaugura, em 1857, com a ―Iconographia dos
Signaes dos Surdos-Mudos‖, a produção de dicionários e glossários em Língua de
Sinais no Brasil. Os glossários objetivam auxiliar na educação de surdos, além de
registrar e expandir os sinais da Língua de Sinais.
No trabalho que desenvolvemos com os alunos surdos, buscamos criar
condições para que os alunos conhecessem os sinais dos locais da cidade de
Vilhena, já consolidados pela comunidade surda, e nomeasse os locais da cidade
que ainda não possuem um sinal em Libras. O trabalho também buscou
compreender que os dicionários não são somente objetos detentores dos sentidos
―neutros‖ das palavras, mas, produzem sentidos sobre a língua e os sujeitos, no
movimento da história e da sociedade. A turma escolhida para o desenvolvimento do
projeto é composta por 7 alunos surdos que cursam a série numa sala denominada
bilíngue. Buscamos, por meio da leitura discursiva dos dicionários, mapas,
fotografias e documentários, proporcionar aos alunos surdos condições de
compreender como a cidade se constitui, pelos diversos discursos apresentados.
quando tomamos a nomeação de construções urbanas como lugar de reflexão, podemos dizer que a produção de uma referência no espaço tem a ver com a simbolização desse espaço: o modo como um nome (se) projeta (em) outros, identificando o espaço e recortando uma sua memória (FEDATTO, 2013, p. 114).
As diferentes materialidades trabalhadas com os alunos ampliaram as
possibilidades de interpretações, ante às diversas interpretações possíveis.
Conhecer a cidade e produzir saber na Língua de Sinais possibilita um
redimensionamento nas práticas em sala de aula, movendo, imaginariamente, esse
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 29
espaço físico. Essas leituras discursivas também proporcionam deslocamentos de
sentidos, em relação a ser professora de língua.
Na busca pelo saber da língua e saber a língua, a Libras e a Língua
Portuguesa circulam, em intensa disputa, no espaço escolar. Dentre os muitos
espaços de circulação das línguas, a escola é um espaço privilegiado, por ser um
―espaço de relações de sentidos que investem nos sujeitos formas e gestos de
interpretação muito específicos, que conformam suas relações sociais‖ (PFEIFFER,
2011, p. 253).
A partir da compreensão da importância dos materiais em Libras, do aspecto
visual da língua e das necessidades que foram surgindo durante a intervenção,
redirecionei as atividades para exploração de mapas. Guimarães (2005, p. 59) diz
que ―Tomar o mapa como texto é considerá-lo como linguagem‖ repleta de sentidos.
Recortamos para esse artigo, algumas atividades, realizadas com os alunos, a partir
de leituras de mapas e listas telefônicas da cidade de Vilhena.
2 As atividades com mapas
Enquanto trabalhávamos as listas de lugares para a construção do glossário,
percebia o desconhecimento dos alunos com relação aos nomes dos lugares da
cidade. Alguns alunos se locomoviam pela cidade, sozinhos, normalmente de
bicicleta e, portanto, conheciam diversos lugares distantes ou próximos. Outros
apenas saíam com os pais. Embora situações comuns a qualquer adolescente, o
nome desses espaços era desconhecido. Mesmo desconhecendo os nomes
próprios dos lugares, alguns não demonstravam dificuldades de localização. Orlandi
(2011, p. 31) nos diz que ―O mapa não é só um esboço no papel. É traçado da
memória. É percurso de sentidos. Tem historicidades. Materialidade discursiva‖.
Organizei as atividades de leituras de mapas, levando, para a sala de aula,
alguns mapas da cidade de Vilhena - RO. Os alunos não conheciam o mapa da
cidade e se surpreenderam ao perceber as distâncias entre os bairros em que
residiam e a escola, além de distâncias entre outros lugares. Também observaram
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 30
as áreas dos bairros, os formatos dos limites de bairro, os espaços mais e menos
povoados entre outras leituras.
Concordando com Guimarães (2005, p. 60) que nos diz que ―um mapa, por
mais que ele se dê como descrição de um espaço, é antes uma indicação de
acessos ao mundo do que uma descrição‖, também exploramos outros mapas de
funcionalidades diferentes, como mapas hidrográficos, de relevo e outros. Durante a
atividade com mapas, percebendo a expansão da cidade, os loteamentos novos e
outras particularidades, observei que a atividade dá visibilidade ao que nos diz
Rodríguez-Alcalá (2003, p. 78):
o que está em jogo é a relação estabelecida pelo homem com a natureza [...] que é uma relação de transformação: o homem cultiva o espaço em que vive seu espaço de vida é resultado desse trabalho de transformação. O homem não habita o meio natural, mas o espaço construído a partir do seu trabalho sobre aquele. Entre o homem e o meio natural há uma mediação necessária e intransponível, que é a condição da vida humana.
Eu havia pedido aos alunos, anteriormente, para trazerem o endereço
residencial por escrito, já que apenas dois alunos sabiam informar o endereço onde
moravam. Localizamos a casa de cada um num mapa maior, afixado na lousa. Essa
atividade foi altamente produtiva e os alunos se aglomeravam frente à lousa,
indicando no mapa e compartilhando experiências.
Percebi que esta era uma alternativa interessante para o conhecimento dos
locais da cidade, mas o tamanho e a escassez de mapas disponíveis da cidade,
interferiam negativamente na exploração feita pelos alunos de maneira coletiva.
Para dar acesso aos mapas a todos os alunos, recolhi, em casa, na escola e junto
aos colegas listas telefônicas da cidade. Levei para cada aluno uma agenda
telefônica da cidade, que contém, nas páginas iniciais, um mapa da cidade e eles
foram localizando suas residências nesses mapas. Depois todos apontavam para os
colegas a localização da casa deles no mapa maior. Também pedi que localizassem
um ponto de referência, um local público, conhecido, próximo a casa deles.
Objetivava que os alunos reconhecessem que todos os espaços da cidade, públicos
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 31
e privados, faziam parte de um todo: a própria cidade. Era necessário que os alunos
compreendessem que esses espaços são habitados por sujeitos distintos. Lemos
em Guimarães (2005, p. 60) que
Como descrição de uma cidade um mapa seria uma imitação grosseira. Como narração, contaria uma história de épocas diferentes como sucessões que se projetaram em contiguidades progressivas. E só. Como instrução, não sendo nenhuma coisa e nem outra, ele é sentido que pode nos dizer mais, tanto do retrato como da história da cidade, do que se fosse diretamente descrição e narração.
Durante essa atividade, alguns alunos, observando o mapa, indicaram o local
de uma chácara que frequentavam no fim de semana. Em meio à conversa sobre
rios e cachoeiras da região, os alunos observaram que alguns desses lugares são
acessíveis para que todos possam frequentar, enquanto outros lugares são
cercados e só é possível a entrada, com a autorização do proprietário. Retomamos
as conversas que tivemos quando consultamos os verbetes rua, praça e cidade e
retornamos ao dicionário em busca das definições que ele trazia. Então,
conversamos sobre alguns conceitos que envolviam as distinções de público e
privado. Encontramos em Rodríguez-Alcalá (2011, p. 249, grifo do autor) a seguinte
orientação:
Quando observamos o plano de uma cidade, vemos que esta se apresenta grosso modo, em sua própria configuração arquitetônica, como um quadriculado de espaços privados (casas, edifícios), concebidos como lugares de habitar, do morar (isto é, espaços para fixar-se, assentar-se), circundados por espaços públicos, planificados para circular e encontrar-se (ruas/calçadas, para veículos/pedestres; praças). Essa divisão que envolve questões técnicas e estéticas, entre outras, para o planejamento e construção dos prédios e dos equipamentos urbanos que operacionalizem tais modalidades de moradia e de circulação/encontro, responde a modos de estar-juntos relacionados aos próprios sentidos históricos do que seja ‗público‘ ou ‗privado‘.
Outra questão que reclamava por sentidos, durante o trabalho com os mapas,
é que, não podíamos considerar a cidade sem considerar os sujeitos que a
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 32
constituem. A cidade é o espaço para o desenvolvimento das relações interpessoais.
Baldini (2011, p. 57) nos diz que a cidade significa
um corpo imaginariamente construído, com seus limites, seus ‗de dentro‘ (cidadãos) e seus ‗de fora‘ (marginais), suas duplas articulações de sentido (a cidade como o oposto do campo, a cidade como o todo político- administrativo); de qualquer modo, como todo corpo, é necessário traçar um fim e um começo, um dentro do corpo e um fora do corpo, um público e um privado, lugares de identificação.
Muitas vezes, os alunos identificam-se com a escola, com a igreja, com
alguns espaços da cidade, mas não percebiam a cidade, como um espaço de inter-
relações. O trajeto casa-escola é a única via, muitas vezes, conhecida por esses
alunos. Fedatto (2013, p. 36) diz que
[...] a cidade não é vista apenas como um cenário ou um pano de fundo. É um espaço histórico que se edifica no correr do tempo, vai sendo burilado e gasto pela sobreposição de construções e (di)lapidado no andamento de vias e viandantes que intervêm na significação e marcam o corpo dos sentidos. o espaço citadino produz o contíguo, o imediato e o localizado e, nesse gesto, delimita o estranho, o externo e o remoto.
Eu havia pedido aos alunos que trouxessem, por escrito, os endereços de
suas residências para que as localizássemos nos mapas. Tal atividade demandou
bastante tempo, então fomos utilizando os mapas das agendas e o mapa maior,
afixado no quadro, ao mesmo tempo. Assim, não teriam que apenas aguardar o
momento de ir ao quadro localizar o endereço. Eles já iam localizando no mapa
menor, de maneira individual ou coletiva e aos poucos, individualmente, iam ao
mapa maior. Os alunos foram ao quadro, onde deixei um mapa grande da cidade, e
foram fazendo o percurso da escola até suas casas com um barbante. Devido ao
mapa ser muito pequeno, mesmo sendo o maior que conseguimos na cidade,
tivemos certa dificuldade em contornar os caminhos.
Alguns alunos pediram para fazer o percurso que o ônibus faz e o que eles
fazem quando estão de bicicleta. Dois alunos não souberem registrar o percurso e
foram auxiliados pelos colegas. Interessante analisar a fala de uma aluna, que, ao
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 33
conversamos sobre as praças da cidade, afirmou que apenas passava perto das
praças dos bairros, pois a mãe permitia que ela frequentasse, apenas, as praças do
centro da cidade. Em debate com os demais alunos, que afirmavam que as praças
de bairros eram tão interessantes quanto as praças do centro, a aluna afirmou que
as praças dos bairros eram frequentadas por ‗pessoas ruins‘: ―bêbados, mendigos e
drogados‖.
Conversamos sobre a questão de praças e logradouros públicos servirem de
moradia aos que não têm residência, especialmente nas grandes cidades, e que em
alguns desses espaços públicos, também na nossa cidade, em virtude da violência
urbana, estabiliza-se o imaginário da aluna. Entretanto, conversamos também que
as praças, do centro ou dos bairros, são frequentadas por todos. Em nossa cidade,
as praças do centro, recebem, por parte do poder público, maior cuidado com a
iluminação, limpeza e conservação. Os eventos públicos, normalmente, acontecem
nas praças do centro, enquanto algumas praças dos bairros, por não receberem os
mesmos cuidados, reforçam o imaginário de local perigoso. Rodríguez-Alcalá (2011,
p. 252) nos explica que
A questão que se coloca é que um espaço público como a praça, assim com o as ruas e as calçadas, de lugares de circulação e de encontro passam a ser, contemporaneamente, lugares de moradia, de habitação, com a tensão que isso produz em relação tanto à concepção arquitetural do espaço como às normas de sociabilidade estabelecidas. Essas imagens são, nesse sentido, um sintoma de desagregação de fronteiras entre público e privado, resultado de problemas políticos e econômicos mais amplos [...].
As agendas telefônicas foram utilizadas para outras atividades, durante o
desenvolvimento do projeto pedagógico. Movida pela curiosidade dos alunos,
novamente o planejamento das aulas, como já acontecido anteriormente, foi
revisitado e, valendo-nos das características das agendas telefônicas que contêm
imagens do comércio, slogans, endereços e outras informações, realizamos
algumas atividades bastante produtivas. Os alunos selecionaram alguns
estabelecimentos, localizaram e apresentaram no mapa maior, explicando aos
outros colegas as atividades desses estabelecimentos comerciais, bem como a
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 34
localização, demonstrando certa intimidade e conhecimento dos locais da cidade,
não observados nas primeiras atividades com mapas.
Mobilizamos para o trabalho com as agendas telefônicas, os conceitos de
memória e imaginário, considerando sua relação com a história e a ideologia. Ao nos
depararmos com os slogans da cidade, bem como as diversas formas de linguagem,
percebemos que, não há como não sermos tomados pelas redes de sentidos que,
no movimento da história, atualizam memórias, identificam sujeitos e inauguram
sentidos. Nunes (1998) salienta que
Construído através de frases feitas, estereótipos, expressões idiomáticas, ditos populares, provérbios, frases de efeito, o slogan atualiza memórias discursivas, reconfigurando-as. Vemos a memória como ‗um espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização... Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contradiscursos.‘ (Pêcheux 1985). Consideramos, assim, os slogans como enunciados que, aparecendo como acontecimentos públicos, inscrevem-se na história produzindo efeitos de sentido.
Não trabalhamos, especificamente, os sentidos das propagandas ou dos
slogans com os alunos, mas ao visualizar as materialidades e as discursividades, os
alunos tiveram acesso às diversas possibilidades de leituras. Observando os
diversos slogans contidos nas agendas telefônicas, concordamos com a afirmação
de Nunes (1998) ao dizer que
O imperativo, assim como o afirmativo, da publicidade é uma marca da constituição do sujeito urbano, imerso num mundo de necessidades lógico- pragmáticas: se você é assim, você compra isso; você é assim, portanto você faz isso; este objeto é assim, então ele é a sua cara; acontece isso, logo você fará aquilo. As diversas formas de interpelação dos slogans condicionam a constituição ideológica dos sujeitos nas situações cotidianas. O lugar de enunciação que aí se estabelece tem a ver com a formação histórica do sujeito urbano enquanto sujeito político.
Qualquer objeto simbólico, tomado como discurso, não significa em si mesmo.
Todo sentido é em ―relação à.‖ (Canguilhem, 1990, apud Orlandi, 2012). Nos mapas,
os discursos atravessam-no, e neles são produzidos discursos. Em Orlandi (2011, p.
21) lemos que
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 35
O espaço é delimitado e constituído por relações de poder. E é por isso que significa. Ele tem além de tudo existência política, jurídica e administrativa reconhecidas. Essa é sua materialidade em que o simbólico e o político se conjugam.
Portanto, o espaço é significado pela relação com o poder. É um espaço
político. ―Tomar o mapa enquanto uma unidade é tomar um texto cujos enunciados
são os nomes de rua‖ (GUIMARÃES, 2005, p 63). Quando lemos os mapas, é
possível visualizar a temporalidade e o movimento da cidade. Ao perceberem as
transformações geográficas, as expansões territoriais, pela comparação de mapas
mais antigos com os mais atuais, os alunos experienciaram o movimento histórico e
geográfico da cidade.
Fizemos algumas leituras de mapas de Rondônia e Vilhena, juntamente com
as explicações que eu fazia aos alunos, em Libras. Lemos mapas mais antigos e de
diversas funcionalidades, além de mapas na internete e mapas que contam a
formação do estado de Rondônia. Este foi um momento bastante significativo do
trabalho, porque, ao contar a história da criação política do estado de Rondônia e os
processos de ocupação, os alunos fizeram relação com a história de vida da família
deles: histórias vindas de outras regiões.
Também conversamos sobre algumas mudanças percebidas nos mapas da
cidade de Vilhena. Não consegui mapas da época da criação do município, mas pela
leitura de um mapa integrante de uma lista telefônica de 2002, os alunos puderam
comparar com o mapa atual e visualizar o surgimento de seis novos bairros e vários
loteamentos.
As atividades com o mapa permitiram aos alunos, pelas leituras desses
objetos, observar movimentos históricos e geográficos dos espaços de Vilhena e
Rondônia. Eu objetivava, com essas atividades, que os alunos percebessem o
movimento da história e os discursos, pelas diversas leituras proporcionadas por
essa materialidade. Os alunos puderam observar cidade, a língua e a história.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 36
Ao longo desse projeto, buscamos compreender, pelo viés da Análise de
Discurso, da Semântica do Acontecimento e da História das Ideias Linguísticas,
como as nomeações de lugares da cidade de Vilhena produzem sentidos nos alunos
surdos.
É preciso pensar atividades que permitam ao aluno acessar e compreender,
também, em Língua Portuguesa. Propus-me a sair da ―zona de conforto‖ de ensinar
a ―língua imaginária‖ e aventurar-me pelo aprender, junto aos alunos, a ―língua
fluída‖. Como nos diz Orlandi (2003, p. 10), ―É no espaço da diferença que o sujeito
se constitui‖.
Questões sobre a cidade me tocam profundamente, porque dispõem de
propícias e diversas condições de produção, para o trabalho com nomeações.
Fedatto (2013, p.114) sustenta nosso dizer ao pontuar que
[...] nomear é tomar posição em relação ao objeto, mas a denominação mesma faz esquecer que há um enunciador, um ato, um discurso. a designação de logradouros se mostra, portanto, um campo fecundo que nos permite questionar como as formas da língua convocadas na textualidade dos nomes de rua se relacionam com as condições históricas que as produziram.
Realizamos as atividades com os alunos, sempre pensando em trabalhar os
deslocamentos e as reconfigurações de lugares, de aluno e de professor, na relação
com o conhecimento, nos processos educacionais. Concordamos com os dizeres de
Orlandi ao propor que
Trabalhando politicamente a relação dos sujeitos com os sentidos, procuramos aumentar a capacidade de compreensão do leitor, expondo-o a percursos de significação diferentes, abertos, sujeitos a equívocos. Não se trata de dar-lhes novos sentidos, mas de criar condições textuais, materiais para que ele trabalhe a construção de arquivos – discursos documentais de toda ordem – que abram sua compreensão para sentidos outros, mesmo os irrealizados. E isso não se faz por exclusão ou mera ou pela mera quantidade, mas pela observação do que coexiste como textualidade. Já que os sentidos são em ‗relação a‘ (ORLANDI, 2003, p. 14).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 37
Em nossa incursão teórica, na busca por compreender os sentidos das
nomeações de lugares, trabalhamos história e línguas, e a relação entre teoria e
prática foi um desafio constante, na elaboração desta pesquisa e na realização das
atividades. Várias foram as expectativas que se abriam antes e durante a realização
das atividades, porém, nem todas as atividades planejadas ocorreram conforme eu
previa. Diversas outras foram se agregando quando eu percebia uma possível leitura
de um objeto simbólico ou quando me sentia desafiada por algum instigante
comentário dos alunos. Concordamos com a posição de Fedatto
perguntando quem, quando, onde, como, por que e analisando o modo pelo qual, através da linguagem, o confronto com a história vai marcando a cidade e reclamando sentidos, podemos problematizar isso que é habitualmente visto como evidência e olhar para as construções urbanas como artefatos simbólicos e políticos que, pela sobreposição de determinados saberes no espaço, intervêm no modo como uma cidade, remetida a um país, significa o imaginário nacional, inaugurando e projetando posições para seus habitantes (FEDATTO, 2013, p. 27, grifo do autor).
No decorrer das atividades, os alunos refletiam, liam, participavam
ativamente, sinalizavam, discutiam muito entre eles sobre a formulação de um nome;
em outras atividades ―silenciavam‖ mediante as atividades propostas. Em diversas
vezes eu ia para sala de aula com um plano pronto, mas sabia que bastava uma das
perguntas instigantes e, lá ia toda uma aula se reorganizando. Foram muitos os
momentos em que um ―por que?‖ se transformava num novo bloco de atividades.
Exemplifico, com a apresentação de um glossário de nomes próprios, que levei para
observação dos alunos e, a partir da curiosidade deles, desenvolvemos uma oficina
de sinais-nome.
Podemos afirmar que alguns dos objetivos traçados no projeto foram
redefinidos e, a partir das atividades desenvolvidas, foram contemplados. Dentre
esses objetivos, saliento a compreensão do imbricamento de língua e sociedade e
as leituras dos mapas, documentários e fotografias, como discursos sobre a língua e
sobre a história. Conseguimos que os alunos participassem e compreendessem
todas as atividades propostas.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 38
A pesquisa possibilitou a abertura de diversas perspectivas de estudos, como
o aprofundamento sobre o estudo da cidade, de nomeações, de línguas,
estabelecendo relações com o ensino.
Diante disso, é que podemos afirmar que uma das maiores contribuições que
alcançamos com esse trabalho não foi o glossário em si, mas a possibilidade de
leituras que os alunos, com tantas dificuldades e defasagens, demonstraram durante
todo o percurso. Nas leituras dos mapas, os alunos questionaram (e estudamos)
sobre rural e urbano, sobre público e privado, questões históricas e geográficas; ao
assistirmos aos documentários sobre a cidade, contamos diversas histórias como as
de imigração, de ocupações, de povos indígenas entre outras, que perpassando
pela linguagem, trouxeram entendimento de que ―no processo de constituição de
sentidos entram mecanismos de funcionamento discursivo, em que são produzidas,
imagens dos sujeitos e dos objetos simbólicos, ocorrem em determinados contextos
sócio históricos‖ (SILVA, 2009, p. 32).
O projeto também me instigou a refletir e, ao mesmo tempo, avaliar o meu
fazer pedagógico. E foi isso que procurei fazer ao longo desse trabalho: estabelecer
esse diálogo da teoria com a prática pedagógica. Nesse sentido, concordamos que
Com o advento da tecnologia digital em sala de aula, o professor deixa de ocupar, junto com o livro didático, a posição de reprodutor do conhecimento, através de quem os alunos têm acesso à ‗boa resposta‘. Seu papel na relação do aluno com o conteúdo se desloca. Não se trata mais de uma questão de acesso – ele está abundantemente disponível ao aluno e prescinde o professor. Trata-se de, diante da disponibilidade absoluta, guiar a quais buscas levarão a respostas que movem, que deslocam, que educam. Para poder buscar respostas, antes de tudo, é preciso ter perguntas. O educador, então, deixa de ter autoridade sobre a ‗boa resposta‘ e, em seu lugar, passa a ter a responsabilidade sobre a ‗boa pergunta‘. É um papel pautado na criatividade responsável, que viabiliza a articulação dos conhecimentos e dos textos lidos em busca de respostas plurais. Nessa posição, o professor não mais valida sentidos, legitimando o que é verdadeiro, mas coloca em debate as interpretações diante das materialidades significantes (DE CONTI et al., 2014, p. 63).
Em todo o processo do trabalho com os alunos surdos, destaco o ressignificar
da minha prática como professora da Língua Portuguesa, para os quem têm o
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 39
português como primeira língua e para os que, tendo a Libras como primeira língua,
aprendem a Língua Portuguesa como segunda língua. Todos nós ensinamos. Todos
somos alunos. ―Ser diferente é ser diferente‖ (Orlandi, 2016, p.33).
Referências
AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Palavras incertas: as não-coincidências do dizer.
Campinas: Editora da Unicamp, 1998.
BALDINI, Lauro José Siqueira. Cidade e sujeito na rede. In: ORLANDI, Eni P. (Org.). Discurso, espaço e memória: Caminhos da identidade no Sul de Minas. Campinas: RG, 2011. p. 57-68.
FEDATTO, Carolina Padilha. Um saber nas ruas: O discurso histórico sobre a cidade brasileira. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.
GUIMARÃES, Eduardo. Semântica do acontecimento: um estudo enunciativo
designativo. Campinas: Pontes, 2005.
NUNES, José Horta. Janelas da cidade: outdoors e efeitos de sentido. In: Escritos. Ver e dizer. n. 2. Campinas, SP: LABEURB/NUDECRI, 1998.
ORLANDI, Eni. Discurso Fundador: a formação do país e a construção da
identidade nacional. Campinas: Pontes, 2003.
. Os sentidos de uma estátua: Fernão Dias, individuação e identidade pousoalegrense. In: ORLANDI, Eni (Org.). Discurso, espaço e memória. Campinas: RG, 2011. p. 13-34.
. Ser diferente é ser diferente: a quem interessam as minorias? In: BARROS, Renata Chrystina Bianchi de. CAVALLARI, Juliana Santana (Org.). Sociedade e Diversidade. v. 2. Campinas: Pontes, 2016. p. 19-34. PFEIFFER, Claudia Castellanos. Compreender discursivamente a escola: uma possibilidade construída. In: RODRIGUES, Eduardo Alves; SANTOS, Gabriel Leopoldino dos; CASTELLO BRANCO, Luiza Katia Andrade. (Org.). Análise de Discurso no Brasil: pensando o impensado sempre. Uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas, SP: Editora RG, 2011. p. 231-242.
RODRÍGUEZ, Carolina. Sentido, interpretação e história. In: ORLANDI, Eni (Org.). A leitura e os Leitores. Campinas: Pontes, 2003. p. 47-58.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 40
RODRÍGUEZ-ALCALÁ, Carolina. Discurso e cidade: a linguagem e a construção da ―evidência de mundo‖. In: RODRIGUES, Eduardo Alves; SANTOS, Gabriel Leopoldino dos; CASTELLO BRANCO, Luiza Katia Andrade. (Org.). Análise de Discurso no Brasil: pensando o impensado sempre. Uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas, SP: Editora RG, 2011. p. 243-258.
SILVA, Marisa Ganança Teixeira da. Outros sentidos para os Galhos Secos. In:
BOLOGNINI, Carmen Zink, PFEIFFER, Cláudia Castellanos, LAGAZZI, Suzy. (Org.). Discurso e Ensino: Práticas de linguagem na escola. Campinas: Mercado de
Letras, 2009. p. 31-46
Anexos
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 41
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 42
AO CABARÉ NUNCA MAIS: O IDEAL FEMININO E A RESTRIÇÃO DOS SEUS ESPAÇOS NO ALTO MADEIRA.
ALEX FILIPE GOMES DOS SANTOS ALEANDRO GONÇALVES LEITE
Programa de Pós-Graduação de Mestrado Acadêmico em História e Estudos Culturais
Universidade Federal de Rondônia Campus José Ribeiro Filho, rodovia BR 364, Km. 9,5, Bloco 2K, sala 208, CEP:
76801-059, Porto Velho, Rondônia.
[email protected] [email protected]
Resumo. Esta análise busca compreender os mecanismos discursivos na formação do “ideal feminino” nas páginas do jornal Alto Madeira na década de 1980. Tendo em vista a efervescência, nesse período, dos garimpos às margens do Rio Madeira e a longa distância que muitos deles tinham de Porto Velho, pequenos núcleos urbanos improvisados formavam-se no entorno da atividade garimpeira. Mesmo erguidos com madeira não beneficiada e pedaços de lona, muitos barracos transformavam-se em pequenos comércios que possuíam múltiplas funções para atender às demandas dos trabalhadores. Não demorou para que muitos desses pontos comerciais, de tão polivalentes (sendo, muitas vezes, no mesmo local, bar-restaurante-cabelereiro-oficina mecânica), também se tornassem centros de prostituição. Em 1981, a Polícia Civil deflagrou a “Operação Garimpo” com o objetivo de garantir a segurança nos garimpos mais desassistidos. No ano seguinte, a operação foi levada adiante delimitando restrições, proibindo a entrada nos garimpos de bebidas, cocaína, maconha e mulheres. A restrição pautava-se na conjugação entre álcool e mulheres como principal responsável pelas confusões que lá ocorriam. Neste viés, os discursos veiculados pelo Alto Madeira sobre a mulher e sua função social apontavam para a naturalização da responsabilidade feminina em seus postos “dignos” de trabalho, indicando a moralidade e a pudiscidade como características a serem cultivadas. Há, discursivamente, portanto, uma seletividade dos espaços a serem ocupados na sociedade a partir de um critério de gênero, que atribui à mulher uma responsabilidade “natural”, por ser foco de “confusão” e por ter que prestar penitência em honra às conquistas desses espaços selecionados.
Palavras-Chave. Porto Velho. Formação cultural. Discurso. Imprensa.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 43
Abstract. This analysis seeks to understand the discursive mechanisms in the formation of the “feminine ideal” in the pages of the Alto Madeira newspaper in 1980’s. Considering the effervescence, during this period, in the mining camps on the banks of Madeira River and the long distance that many of them had of Porto Velho, small improvised urban niches were formed around the mining activity. Even raised with wood and pieces of canvas, many shacks became small trades that had multiple functions to meet the demands of the workers. It wasn’t long before many of these commercial centers, so multipurpose (often in the same place, bar- restaurant-barber-shop-garage) also became centers of prostitution. In 1981, the Police deployed the “Operação Garimpo” with the objective of guaranteeing security in the most unserviced mining camps. The following year, the operation was carried forward into the mining camps of alcohol, cocaine, marijuana and women. The restriction was based on the conjugation between alcohol and women as the main responsible for the confusions that occurred there. In this perspective, the discourses propagated by the Alto Madeira on women and their social function pointed to the naturalization of the feminine responsibility in their positions worthy of work, indicating the morality as characteristic to be cultivated. There is, therefore, a selectivity of the spaces to be occupied in society from a gender criterion, which attributes to women a natural responsibility, for being a source of confusion and having to render penitence in honor of the achievement of these selected spaces.
Keyword. Porto Velho. Cultural training. Speech. Press.
1 Introdução
O historiador inglês Eric Hobsbawm (2012, p. 341) chamou atenção para a
presença do termo ―respeitabilidade‖ na classe operária de meados do século XIX, e
que tem como uma de suas expressões a penetração de standards e valores da
classe média no âmbito do mundo operário.
Em sua obra, o historiador demonstra como após o processo de consolidação
da dupla revolução (Industrial e Francesa) no mundo ocidental houve uma forte
imposição dos valores ético-morais e dos padrões de comportamento (no que tange,
por exemplo, a religião, trabalho, família, sexualidade) típicos do mundo burguês às
classes trabalhadoras.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 44
Esse processo, contudo, não se restringiu aos meados do século XIX, objeto
por excelência da obra de Hobsbawm e, tampouco, podemos determinar que se
circunscreveu notadamente a Europa, ou mesmo ao mundo ocidental.
A ideia de ―respeitabilidade‖ burguesa acabou por traçar uma fronteira entre
aqueles que adotavam e reproduziam os valores da cultura hegemônica e aqueles
que a ela não se adequavam. Neste viés, de acordo com Margareth Rago (1985,
p.61), a negação da alteridade e o desejo de eliminação da diferença, se
constituíram nos motivos primários das investidas de poder sobre a classe
trabalhadora (dentro e fora das fábricas) foram sendo moldados pelo olhar analítico
e classificador de médicos, higienistas, criminologistas e inspetores públicos.
As áreas de mineração, por sua vez, têm como uma de suas principais
representações a oposição a determinados valores e padrões de comportamentos
típicos do mundo burguês, especificamente os que se referem a trabalho e,
sobretudo, sexualidade. O minerador ou garimpeiro, em uma analogia ao descrito
por Hobsbawm (2012, p.308), é a expressão do arquétipo da promiscuidade e do
folclore da masculinidade não oficial, ou seja, estrangeiros das fronteiras da
respeitabilidade do mundo burguês.
Deste modo, o ideal burguês de mulher (dona-de-casa-mãe-de-família-casta-
religiosa) circunscrito pela noção de ―respeitabilidade‖, é a contraposição do mundo
que gravita ao entorno dos centros de atividade mineradora.
O presente trabalho se pauta, portanto, no limiar da relação entre a presença
de mulheres nos garimpos do Alto Madeira e a circunscrição das suas presenças
(tendo em vista esse ―ideal feminino‖ e as funções sociais das mulheres na
sociedade) pelo discurso da polícia e imprensa portovelhense. A análise se
concentra em recortes da cobertura jornalística de uma operação policial itinerante
dentro dos garimpos que ficavam nas proximidades da cidade de Porto Velho.
Essa operação, ocorrida no início da década de 1980, tinha como objetivo
fazer uma espécie de ―higienização social‖ nas áreas de mineração, não permitindo
a circulação de elementos diversos, como álcool, maconha, cocaína e mulheres, que
seriam desviantes de uma conduta social adequada para a formação ideológica que
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 45
sustentava as ações dominantes do período. E teve, na imprensa local, o seu
principal suporte narrativo para a construção dos instrumentos interdiscursivos que
fixavam as formas de caos, anarquia, imoralidade e subversão a esses ambientes.
Por curiosidade, o jornal de maior circulação no período, em Porto Velho, chamava-
se Alto Madeira (SOUZA, 2011), mesmo nome do trecho do Rio Madeira onde se
formaram os principais garimpos fluviais do estado.
Sob a perspectiva da Análise de Discurso, compreendemos que o discurso
veiculado no jornal Alto Madeira não se caracteriza como um mero veículo
informativo, pois, no discurso, de uma forma geral, colocam-se em relação sujeitos e
sentidos que são afetados pela língua e pela história (ORLANDI, 2001). E tendo em
vista que esses sujeitos e esses sentidos são formados em um complexo processo
constitutivo, a linguagem que os realiza possui efeitos múltiplos e variados. Todos,
porém, resultam no intenso trânsito de sentidos que tornam ―reais‖ os elementos que
se queira enunciar. Entendemos, portanto, que o discurso seja ―efeito de sentidos
entre locutores‖ (ORLANDI, 2001, p. 21).
A própria ação de restringir espacialmente a mulher, pensando
discursivamente, não se justificava apenas pela ação policial em si, mas por um
conjunto de valores que haviam se constituído ao longo do século XX sobre o corpo
feminino. A fluidez que a reprodução desses valores nas palavras possui se dá pelo
―fazer sentido‖ que se constrói no discorrer dos termos. Sendo assim, a reflexão se
propõe a uma análise da dupla restrição dos espaços do ideal feminino, ou seja,
restrição tanto na proibição da presença de mulheres nos garimpos do Alto Madeira,
quanto na formação discursiva que corroborava o cerceamento social pelo fator
gênero, concretizada na forma de notícias, colunas de opinião e declarações
múltiplas veiculadas pelo jornal Alto Madeira.
2 A década de ouro
A década de 1980 representou, para Porto Velho, um período de profundas
mudanças socioeconômicas em sua formação. Além da sua elevação à capital do
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 46
estado de Rondônia, em 1982, a cidade também estava inserida em um intenso
processo de crescimento demográfico provocado pelo boom da extração aurífera na
Amazônia. Com a emergência do garimpo, ocorreu uma inversão no cenário
econômico das redes de fluxo migratório da Amazônia. O que Alberto Carlos Pereira
denominou de refluxo relativo, em que a frente migratória de expansão agrícola,
exógena e predominante na década de 1970, foi sobreposta e invertida por um
refluxo endógeno, provocado pela emergência na década de 1980 da mineração
como atividade econômica altamente rentável (PEREIRA, 1991). Na Amazônia,
como um todo, vários pontos de intensa atividade mineradora foram instalados, no
caso de Rondônia, esse refluxo foi delimitado pelos acessos ocasionados pelos
cenários já estabelecidos até então, que, em sua grande maioria, culminavam em
Porto Velho.
As notícias de ouro no Rio Madeira, atraíram uma grande quantidade de garimpeiros que vinham para a região com o intuito de enriquecer repentinamente. Em 1980 começaram a chegar as primeiras balsas vindas do Pará, a exploração em terra firme também aconteceu, contudo, sua participação não adquiriu a importância como a dos garimpos fluviais. (NASCIMENTO, 2009, p.169).
É importante lembrar que muitas dessas zonas de extração aurífera não
estavam necessariamente dentro da cidade (no núcleo urbano) de Porto Velho.
Grande parte dos garimpos se estabeleceu acima da cidade no curso do rio, na
região conhecida como ―Alto Madeira‖, trecho acima da antiga cachoeira de Santo
Antônio (região atualmente acima da usina hidroelétrica de Santo Antônio). Dessa
forma, os núcleos de mineração, por serem distantes dos recursos de subsistência
oferecidos na cidade, se transformaram em grandes conglomerados de atividades
econômicas informais que estavam no entorno das necessidades demandadas pela
garimpagem como um todo.
Nesses garimpos, portanto, logo se formaram as estruturas de manutenção e
acomodação dos garimpeiros, das máquinas e dos vários outros trabalhadores
direta ou indiretamente envolvidos na busca pelo ouro. Essas estruturas
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 47
acompanhavam as demandas da extração aurífera (por exemplo com oficinas
mecânicas e dormitórios improvisados) e eram condicionadas pela distância da
cidade (havendo pequenos comércios informais, bares, restaurantes e lojas de
roupas), que fazia com que a maior parte dos garimpeiros passassem meses sem ir
à cidade.
Esse modelo de formatação dos garimpos no Rio Madeira acompanhava uma
série de mudanças que estavam ocorrendo nessa atividade na Amazônia. Arimin
Mathis (1995) ressalta que os garimpos desse período, na Amazônia, haviam
acabado de passar por uma transição estrutural, que englobava uma rápida
incorporação tecnológica para a formação das dragas, pequenas balsas de sucção,
que transformaram a rentabilidade dos garimpos e, principalmente a relação de
trabalho entre o dono do equipamento e o garimpeiro propriamente dito.
A mudança na tecnologia da extração ocorreu dentro do regime de trabalho vigente. Ou seja, o princípio da remuneração, em dependência da produção, que tinha se estabelecido como sistema padrão da contratação de mão de obra, se manteve. Mas observou-se a partir deste momento uma diminuição da quota de participação dos trabalhadores no montante da produção reduzindo-se de 50% para 40% ou 30%. Os donos dos garimpos justificaram essa mudança pelo aumento dos custos da produção e os trabalhadores aceitaram-na, devido ao aumento do valor do ganho individual, em conseqüência do aumento do preço do ouro, que conseguiu absorver a queda na produção individual. (MATHIS, 1995, p. 08).
Os garimpos do Alto Madeira, portanto, foram formados em acompanhamento
a essas mudanças, que inclusive podem ser vistas como motor da instalação de
novos garimpos fluviais. Com isso, nota-se um movimento demográfico distinto e
motivado por fatores que não envolviam uma atração direta para uma migração,
uma vez que não envolvia um destino fixo para ação de migrar. O refluxo relativo, do
qual discorre Alberto Pereira, inclui exemplos que caracterizam os migrantes
endógenos à região amazônica sendo, dessa forma, uma possibilidade pensar o
garimpo como um aglomerado de migrantes, de diferentes regiões, que, por motivos
diversos, não se fixaram naquilo que teria sido o seu destino pretendido.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 48
A relação de trabalho entre o dono do equipamento e o garimpeiro era,
portanto, marcada pela plena informalidade e, principalmente, pela indistinção dos
espaços de convivência e existência dentro das estruturas que faziam parte dos
garimpos. Essas estruturas, tal como as relações de trabalho, também
acompanhavam uma lógica de distribuição dos espaços. Segundo Letícia da Luz
Tedesco (2015), um típico garimpo era constituído por duas zonas distintas, os
baixões e as currutelas. ―Um garimpo é normalmente formado por uma currutela e
vários baixões que ligam-se àquela numa relação de produção (baixões) e
reprodução (currutela)‖ (TEDESCO, 2015, p. 138).
A currutela, segundo a autora, seria o lugar onde ocorreria a compra e venda
de produtos básicos, a oferta de diversões noturnas, a chegada e saída de novos
trabalhadores, a instalação de oficinas, o recebimento de notícias, correspondências
e etc. Na presente análise, é justamente nesse espaço, a currutela, que se encontra
o ponto de partida para a compreensão da relação discursiva que se estabeleceu
frente à presença de mulheres no garimpo.
Havia, por parte da elite dos grandes centros urbanos, um discurso genérico
de demonização dos garimpos, principalmente pela formação de uma espécie de
autodeterminação social que destoava de forma brusca com os parâmetros de
higiene, moralidade e pudiscidade comuns ao modo de vida formatado pelo
pensamento pequeno burguês.
É público e notório que a sociedade do garimpo não segue as leis convencionais seja as das cidades ou do campo; tem a sua própria lei que a despeito de suas qualidades e problemas está regendo a vida de centenas de milhares de homens e de mulheres da Amazônia. (JORNAL DO OURO apud TEDESCO, 2015, p. 136).
As representações demonizadas da vida no garimpo como um caos social, se
transformaram em um lugar comum dos discursos que se propunham a narrar o dia
a dia dos trabalhadores. Essas representações, logo ganharam tipos prontos no
funcionamento cotidiano. Os ―eleitos‖ como motivadores primários das confusões,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 49
eram divididos discursivamente em categorias muito próximas no que diz respeito ao
potencial de responsabilidade pelos conflitos: mulheres, drogas e bebidas.
Em 1981, em Porto Velho, foi deflagrada, por uma ação conjunta das polícias
civil e militar, a ―Operação Garimpo‖, que tinha como objetivo percorrer os garimpos
do Alto Madeira e manter uma presença de agentes para impedir a ocorrência dos
conflitos e distúrbios diversos que causavam a morte de muitos trabalhadores.
Depois de quase um ano de ações pontuais, a operação adquiriu uma conotação
sexista e moralizante, por meio da proibição da entrada nos garimpos de drogas,
bebidas e, principalmente, mulheres. (DELEGADO PROÍBE... 1982, p. 05).
3 O Alto Madeira e o ideal feminino
A restrição dos espaços do ideal feminino no ―Alto Madeira‖ se deu de duas
formas: nos garimpos do Alto Madeira (Rio Madeira), por meio da proibição da
presença de mulheres, por serem consideradas potenciais ―prostitutas‖ e que, por
isso, causavam brigas e assassinatos; e no jornal Alto Madeira, que incorporou
discursivamente a ação policial como uma necessidade para a manutenção dos
padrões de moralidade pública nos garimpos e, principalmente, no núcleo urbano de
Porto Velho, que seria diretamente influenciado pela imoralidade e anarquia em que
se encontravam os garimpos.
Na perspectiva da Análise de Discurso, essa relação nominal entre o jornal e
o ambiente físico das restrições representa uma paráfrase discursiva, que determina
ao ambiente o peso de coerção enunciativa que o jornal possuía na região, antes
mesmo do estabelecimento dos garimpos. O jornal chama-se Alto Madeira, constitui-
se, portanto, como sendo o noticiário legítimo do Alto Madeira. O nome de um jornal,
pensando de uma forma mais ampla, aponta para o domínio ao qual se pretende o
poder de enunciação legítima (O País, Correio da Manhã, Jornal do Comércio,
Jornal do Ouro e etc.). Neles, em um tipo de endereçamento discursivo, enuncia-se
com uma propriedade que se ancora no lugar em que se pretende ser lido. Essa
paráfrase, além de abraçar um determinado lugar da vida cotidiana, é, em si, um
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 50
processo constitutivo da própria linguagem (ORLANDI, 2003), em que se vinculam
sentidos a determinadas frações do mundo do trabalho, da política ou dos negócios.
O ponto de inflexão, que delimita a ação feminina nos garimpos, está na
eleição de um fator de gênero, em detrimento de tantos outros possíveis, como
corresponsável pelos distúrbios e pelas violências no garimpo. O cerceamento
provocado por essa eleição, veio na forma de ações enérgicas de expulsão de uma
multidão de mulheres dos garimpos do Alto Madeira, e por meio de uma
comemorada cobertura jornalística da ―Operação Garimpo‖, tal como noticiava, em
1982, o texto a seguir:
Depois que o delegado Santos Dias entrou no comando da ―Operação Garimpo‖ não passa nada, segundo o que ele próprio declarou. Santos Dias, para finalizar, falou ―neste pouco tempo que estou no garimpo não deixo passar nada, pois em menos de uma semana prendi milhares de garrafas de cerveja, vários quilos de maconha e também proíbo a entrada de mulheres no garimpo para que não haja confusão, pois bebida e mulher vira a cabeça dos garimpeiros‖. Dias veio ontem pela manhã à capital só para trazer o traficante e voltará hoje para continuar o seu serviço. (DELEGADO PROÍBE... 1982, p. 05).
O ideal feminino, requerido pelos discursos veiculados no jornal Alto Madeira,
em muito se aproxima do cerceamento espacial experimentado pelas mulheres
ainda no começo do século XX. Segundo Margareth Rago (1985), esse ideal pautou-
se pelo condicionamento dos espaços de atuação e existência social da mulher ao
modo mais casto, pudico e menos parecido possível com o ―universo masculino‖,
das jogatinas, promiscuidade e trabalhos braçais. A condição de fragilidade da
mulher contrastava em relação à aspereza dos espaços das fábricas, neste sentido
o trânsito da mulher nos ambientes fabris incidia numa exposição temerária aos
perigos da prostituição que, por sua vez, se constituía numa afronta a esse modelo
de feminilidade que se pretendia inculcar. O espaço da fábrica passou, então, a ser
visto como inadequado ao exercício da função da mulher por excelência o de
―vigilante do lar‖ e o de ―mãe casta‖.
Deste modo, a construção de um discurso pautado em cima dos valores da
―Família‖ moldou uma concepção que excluiu indiretamente – quando não
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 51
diretamente – a mulher dos espaços de trabalho. A noção introjetada no imaginário
social sobre a mulher enquanto ―esposa-dona-de-casa-mãe-de-família‖ embasava-
se em um valor moral de cunho elevado ―A Família‖.
Contudo, esse deslocamento da mulher dos espaços públicos para os
privados não se fundou apenas nos valores morais em si, pois a moralidade familiar
serviu de base para a construção de leis e outros mecanismos repressivos e
disciplinadores que acabavam por reforçar o direcionamento da mulher ao lar.
As condições de convivência nos garimpos do Alto Madeira reascendiam a
construção desse discurso disciplinador, que desiguala a relação de gênero nas
ações cotidianas da vida em sociedade. A justificativa da proibição da presença de
mulheres nos garimpos colocava, por eliminação, a condição feminina como uma já-
culpa, pelo desejo em que a mesma se encontrava como alvo. A alimentação dessa
responsabilidade ―natural‖ se dava, principalmente, pela consolidação de uma
representação caótica e insana da vida nos garimpos e que, por conseguinte, os
tornavam completamente inapropriados para a presença feminina.
A vida paralela ao garimpo, exige uma permanente fiscalização policial e do poder de polícia administrativa, pois além da vadiagem, prostituição, jogadores profissionais, ladrões, aproveitadores e outros marginais e, da absoluta falta de higiene nas vilas de apoio, o tráfico de drogas apavora e coloca em pânico os garimpeiros bem intencionados, que procuram fazer do seu trabalho uma honrada profissão, juntamente com os seus familiares, o que se torna impossível diante desse submundo nefasto e impudico. (GARIMPO LUTA... 1983, p. 09).
Dessa representação emergem movimentos enunciativos que denotam uma
inversão de demandas nos garimpos. O título da reportagem acima citada é
―Garimpo luta por segurança e assistência‖. Os termos indicam um clamor pela
presença policial, para que se corrijam todas aquelas que seriam ações desviantes
dos fins que caracterizariam um garimpo digno. Os atores dessas ações, porém,
(seguindo a ordem) vadios, prostitutas, jogadores profissionais, ladrões,
aproveitadores e outros marginais ainda não catalogados pela moral e bons
costumes, constituem desvios sociais muito antes do próprio garimpo, e,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 52
principalmente, designados por padrões não relacionados à atividade garimpeira. O
submundo nefasto e impudico, formado por esses desviantes, seria, portanto, o
norte para que a mulher fosse preservada em sua pureza e reestabelecida aos
parâmetros restritivos da sua condição natural de objeto de desejo.
4 A mobilidade restritiva dos sentidos de uma conquista
Os resultados da ―Operação Garimpo‖ não demoraram a expor suas
contradições e suas precipitações sexistas. Muitas das mulheres que foram expulsas
e depois proibidas de retornar eram trabalhadoras que ocupavam funções-chave
dentro do garimpo, tanto nos baixões quanto na currutela. Depois de uma série de
protestos violentos de grupos de mulheres e dos próprios garimpeiros, a restrição,
ainda em 1983, passou a selecionar as mulheres que poderiam ficar nos garimpos.
O fim da prostituição nos garimpos foi uma das metas alcançadas pela polícia. Mais de 200 mulheres foram expulsas da área de garimpagem: ―Estas mulheres teriam que sair, pois muitas delas estavam só tumultuando o local. Entretanto, muitas delas ficaram, pois são trabalhadoras‖. Cerca de outras 200 mulheres ficaram no garimpo, pois elas são responsáveis por parte da garimpagem e cozinham para mais de mil homens. Algumas trabalham em farmácias e ―boutiques‖ improvisadas com lonas e madeira, outras são balseiras, mergulhadoras e garimpeiras. (AÇÃO DA... 1983, p. 04).
A extensa lista de funções dentro do garimpo exercidas por ―outras 200
mulheres‖, compõe o tipo antagônico às 200 mulheres que foram expulsas por
serem prostitutas. O trajeto explicativo da notícia é composto pela incorporação de
um discurso de consolidação da liberdade feminina, mas deixa escapar a inscrição
ideológica burguesa para o ideal feminino, que admite a conquista dos espaços no
mercado de trabalho outrora monopolizada pelo público masculino, mas que
restringe, em detrimento da sua força de trabalho, a atuação da mulher sobre o seu
próprio corpo, ou, em outras palavras: sobre as que ficaram, ―ficaram, pois são
trabalhadoras‖.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 53
Ainda na esteira do pensamento de Rago, a construção da representação da
prostituta esteve associada, não apenas em relação à oposição ao ideal ―esposa-
dona-de-casa-mãe-de-família‖, mas também a indolência, a aversão ao trabalho, a
uma espécie de ―vício‖, e a ―tumultos e escândalos‖:
Mulheres de má vida, meretrizes insubmissas, impuras, insignificantes, o que fazer com essas loucas que recusam o aconchego do casamento, que negam a importância do lar e preferem circular enfeitada pelas ruas, desnudando partes íntimas do corpo, exalando perfumes fortes e extravagantes, provocando tumultos e escândalos, subversivas que rejeitam o mundo edificante do trabalho, surdas aos discursos masculinos moralizadores e que perseguem a todo o custo a satisfação do prazer? Assim como a masturbação a prostituição é classificada pelo saber médico e criminológico como ―vício‖, ―fermento corrosivo lançado no grêmio social‖, que tende a alastrar-se e a corromper todo o corpo social. (Grifou-se). (RAGO, 1985, p.85).
Esses paralelos com a prostituição que a autora identificou nos discursos de
médicos e delegados entre 1890 e 1930 são análogos aos observados nas páginas
do Alto Madeira e nos discursos dos responsáveis pela ―Operação Garimpo‖ na
década de 1980, demonstrando uma clara continuidade do processo de
normatização das mulheres e de seus papéis sociais e também daquilo que
Margareth Rago (1985, p.85) denominou de ―sequestro da sexualidade insubmissa‖.
No que tange às conquistas de espaço no mercado de trabalho, estas
figuravam no jornal Alto Madeira como a sombra de mais uma responsabilidade,
pela qual a mulher não poderia se dar ao luxo de arbitrar sexualmente sobre o seu
corpo (tal como fazem os homens), pois essa atitude soava como um desrespeito a
tais conquistas.
Em 1982, a mensagem de Natalina Ferreira da Cruz, então coordenadora
estadual do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), apontava
repetidamente para uma responsabilidade coletiva, de atuar na melhoria dos
espaços já conquistados e zelar pela integridade moral, fatores que caracterizariam
um ser feminino digno de ser lembrado no Dia Internacional da Mulher.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 54
O Dia da Mulher duplamente lembrado, parece-me servir não só de preito àqueles que criam, incentivam e promovem o processo e o bem estar coletivo, como igualmente para convite à reflexão sobre a responsabilidade que recai sobre nós, que desfrutamos os benefícios bravamente conquistados. (...) A mulher, alvo das mais significativas homenagens, deve atuar, por excelência, na expressão e defesa de sua dignidade. Sem interferência de interesses mesquinhos e alheios a sua integridade moral, precisa contribuir para alcançar a melhoria da comunidade, colaborando direta ou indiretamente, para um mundo melhor, onde a paz possa reinar. (NATALINA ENALTECE... 1982, p. 09).
A defesa da dignidade da mulher, condicionada a uma pureza moral,
transparece a forma pela qual a elite portovelhense se relacionava com a sua
própria segregação social, estabelecida, nesse caso, por um critério sexista, que
confundia o corpo feminino a um ser sagrado, inviolável para a conservação da
dignidade coletiva. Transparece, ainda, um clamor, para que as mulheres fujam dos
―cabarés‖ e para lá não retornem mais, pois de outra forma, sendo essa uma atitude
desviante da moral dominante, não se poderia ver ―consolidadas e ampliadas as
conquistas democráticas alcançadas no passado‖.
É importante ressaltar que o que se almejava era um projeto de libertação da
mulher não apenas no âmbito político, mas uma libertação completa, moral, familiar,
pessoal, etc., o que se traduzia numa busca pela ruptura da representação feminina
burguesa que propunha a ―emancipação da mulher de todas as classes sociais dos
papéis que lhe são atribuídos socialmente‖ (RAGO, 1985, p.96), inclusive a
emancipação da mulher burguesa. A luta libertária dessas mulheres passava,
portanto, por um questionamento e uma reelaboração das relações e dos papéis a
elas atribuídos tanto nos espaços públicos como nos espaços domésticos.
Tal reelaboração se demonstrou, na década de 1980 em Porto Velho,
empacada no ideal feminino quanto ao uso do próprio corpo. Seria uma experiência
de liberdade restritiva, que, nesse caso, agiria como o sentido de uma
imperatividade discursiva: livre para trabalhar (desde que as atividades laborais
exercidas pelas mulheres não fossem de encontro ao modelo de feminilidade da
esposa-dona-de-casa-mãe-de-família-casta-assexuada), não para se
autodeterminar. A materialidade desse imperativo se demonstra pelos muitos
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 55
destinos tolerados pela colonização masculina da mulher, em nenhum deles o poder
de existência social abre mão do fator gênero, pois em todos ocorre um declínio ao
se supor a mulher, e não um homem, governando o seu próprio corpo.
5 Considerações finais
O processo de uma construção discursiva que elaborou um ―ideal feminino‖
trouxe como contrapartida a criação de modelos desviantes de condutas em relação
a este parâmetro idealizado. Nesta perspectiva, a prostituta é a representação da
antítese do arquétipo feminino que se pretendia inculcar, o de ―esposa-dona-de-
casa-mãe-de-família-casta-assexuada‖.
Em Do cabaré ao lar, Margareth Rago apresentou o processo de
normatização das mulheres no final do século XIX e início do século XX por
intermédio de discursos moralizadores, disciplinadores e punitivistas. No caso da
prostituição, a questão ganhou contornos agravantes. Destarte, Rago (1985)
demonstrou como a prostituição foi alvo de intervenção do discurso médico,
sanitarista e criminológico, sendo tratada como patologia, vício, indolência e
elemento produtor de tumultos e escândalos.
Ante o cenário exposto por Rago, a proposição de relações com o quadro que
apresentamos sobre a ―Operação Garimpo‖ e a sua cobertura nas páginas do Alto
Madeira é quase inevitável. Se, por um lado, o delegado Santos Dias não deixa
―passar nada‖: garrafas de cerveja, maconha e mulheres – ―prostitutas‖ que ―viram a
cabeça dos homens‖ – por serem focos de confusão. Por outro, aquelas mulheres
que se adequam aos ditames edificantes do trabalho foram privadas de serem
expulsas dos garimpos do Alto Madeira, ou seja, ficaram, ―pois são trabalhadoras‖.
Há, portanto, um reforço simultâneo da representação do caráter nocivo e temerário
da prostituição, enquanto ―fermento corrosivo lançado no grêmio social‖ e motivo de
desordem, e também da imagem da meretriz avessa ao trabalho.
Por fim, há ainda no Alto Madeira a reprodução de um discurso que
asseverou a seletividade dos espaços a serem ocupados na sociedade a partir de
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 56
um critério de gênero, ou seja, existe uma circunscrição dos ―espaços‖ laborais,
morais, sexuais etc., que as mulheres podem ocupar. Neste sentido, a defesa dos
espaços conquistados se confunde com uma retórica moralizadora e paternalista,
uma espécie de penitência em honra às ―conquistas‖ desses espaços selecionados.
Referências
FAU/USP - FUPAM. Plano Diretor. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e Fundação para Pesquisa Ambiental. Porto Velho. 1990.
HOBSBAWM, Eric. A era do capital: 1848-1857. 15ªEd., São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
MATHIS, Armin. Garimpos de ouro na Amazônia: atores sociais, relações de
trabalho e condições de vida. Papers do NAEA, Belém-PA, nº 37, 1995.
NASCIMENTO, Cláudia Pinheiro. Cenário da produção espacial urbana de Porto Velho. 2009, 214 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal de
Rondônia, Porto Velho.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise de Discurso. Princípios e Procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001.
. (org.). Para uma enciclopédia da cidade. Campinas, SP: Pontes,
Labeurb/Unicamp, 2003.
PEREIRA, Alberto Carlos. Garimpo e fronteira amazônica: as transformações dos anos 80. In: LÉNA, Phillipe; OLIVEIRA, Adélia Engrácia (Orgs.). Amazônia: a fronteira agrícola 20 anos depois. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1991, p.305-318.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: A utopia da cidade disciplinar 1890-1930. Rio
de Janeiro: Paz & Terra, 1985.
SOUZA, Valdir Aparecido de. Rondônia, uma memória em disputa. f. 192. Tese (doutorado em História). Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista, 2011.
TEDESCO, Letícia da Luz. No trecho dos garimpos: Mobilidade, gênero e modos de viver na garimpagem de ouro amazônica. 2015. Tese (Doutorado em
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 57
Antropologia). Programa de pós-graduação em Antropologia Social (UFRGS), Amsterdam.
Jornais
AÇÃO da polícia diminui índice de prostituição e tráfico nos garimpos. Alto Madeira. Porto Velho, p. 04, 27 de jul. de 1983.
DELEGADO proíbe bebida, jogo e bordéis: garimpo. Alto Madeira. Porto Velho, p.
05, 27 de out. de 1982.
GARIMPO luta por segurança e assistência. Alto Madeira. Porto Velho, p. 09, 22 de mar. de 1983.
NATALINA enaltece a mulher no seu dia internacional. Alto Madeira. Porto Velho, p. 09, 09 de mar. de 1982.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 58
A PLASTICIDADE E A METALINGUAGEM COMO
ELEMENTOS CONSTITUIDORES DE SENTIDO NA OBRA
LITERARIA “A PALAVRA FALTA”
RIBEIRO NETO, JOSÉ DE RIBAMAR MUNIZ8
Fundação Universidade Federal De Rondônia
Campus De Guajará-Mirim/RO Departamento Acadêmico De Ciências Da Linguagem
Endereço: Br 425 - Km 2,5 - Jardim Das Esmeraldas - Guajará-Mirim/RO, Cep: 76850-000
Resumo. Este trabalho mostra que a metalinguagem e a plasticidade são elementos constituidores de sentido nas composições poéticas da obra literária “A palavra falta” de autoria do escritor Eduardo Martins. O estudo do tema justifica-se porque traz contribuições para a constituição da Literatura brasileira. Para compreender o processo composicional de Eduardo Martins, que reside no estado de Rondônia há 31anos, é necessário mencionar que o referido autor, natural de Recife/Pernambuco, conviveu desde a infância no universo literário, especialmente sendo leitor da obra de Manuel Bandeira e de outros escritores pernambucanos consagrados pela crítica. Destaca-se que a forma utilizada pelo autor é marcada pela utilização da metalinguagem e da plasticidade, evidenciando, principalmente, a inter-relação Literatura e Pintura. Esse processo de criação aponta alguns elementos presentes na poesia moderna e pós-moderna e a participação do escritor nos espaços boêmios da grande Recife, onde ele formou, juntamente com outros escritores, o Movimento Literário dos Poetas Independentes. Os espaços que vivenciou do Nordeste ao Norte, somados a uma visão panorâmica do sofrimento dessas regiões, deram origem a estas relações e à plasticidade, o que torna sua obra singular. As análises e discussões da pesquisa estão sendo fundamentadas pela Teoria literária (poesia), destacando-se os estudos dos seguintes autores: Cortez & Rodrigues (2009), que destacam alguns operadores da leitura da poesia; Orlandi (2015), a qual apresenta os princípios e os procedimentos da análise do discurso; Bosi (2015), o qual discute sobre imagem e discurso literário; Cortes (2009), a qual discute sobre a inter-relação entre a Literatura e a
8 Acadêmico do VIII período do Curso de Letras, Campus de Guajará-Mirim, da Universidade Federal
de Rondônia/UNIR. Membro dos Grupo de Pesquisa Filologia e Modernidades e do Grupo de Estudos Interdisciplinares Fronteiriços da Amazônia-GEIFA.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 59
Pintura, mostrando o processo de intersemiose entre o texto poético e o texto imagético. Os resultados preliminares evidenciam a utilização da metalinguagem como recurso semântico-estilístico. Nesse sentido, o autor constrói um jogo de palavras de onde ecoam múltiplas vozes e sentidos, imagens e cores.
Palavras-Chave. Literatura. Poesia. Metalinguagem. Plasticidade.
Sentido.
Resumen. Este trabajo muestra que el metalenguaje y la plasticidad son elementos constituyentes de sentido en las composiciones poéticas de la obra literaria "La palabra falta" de autoría del escritor Eduardo Martins. El estudio del tema se justifica porque trae contribuciones para la constitución de la Literatura brasileña. Para comprender el proceso composicional de Eduardo Martins, que reside en el estado de Rondônia hace 31 años, es necesario mencionar que el referido autor, natural de Recife/Pernambuco, convivió desde la infancia en el universo literario, especialmente siendo lector de la obra de Manuel Bandeira y de otros escritores pernambucanos consagrados por la crítica. Se destaca que la forma utilizada por el autor está marcada por la utilización del metalenguaje y de la plasticidad, evidenciando, principalmente, la interrelación Literatura y Pintura. Este proceso de creación apunta algunos elementos presentes en la poesía moderna y posmoderna y la participación del escritor en los espacios bohemios de la gran Recife, donde formó junto a otros escritores el Movimiento Literario de los Poetas Independientes. Los espacios que vivenció del Nordeste al Norte, sumados a una visión panorámica del sufrimiento de esas regiones, dieron origen a estas relaciones ya la plasticidad, lo que hace su obra singular. Los análisis y discusiones de la investigación están siendo fundamentados por la Teoría literaria (poesía), destacándose los estudios de los siguientes autores: Cortez & Rodrigues (2009), que destacan algunos operadores de la lectura de la poesía; Orlandi (2015), la cual presenta los principios y los procedimientos del análisis del discurso; Bosi (2015), el cual discute sobre imagen y discurso literario; Cortes (2009), la cual discute sobre la interrelación entre la Literatura y la Pintura, mostrando el proceso de intersemiosis entre el texto poético y el texto imagético. Los resultados preliminares evidencian la utilización del metalenguaje como recurso semántico-estilístico. En ese sentido, el autor construye un juego de palabras de donde resonan múltiples voces y sentidos, imágenes y colores.
Palabras clave. La literatura. Poesía. Metalenguaje. Plasticidad. Sentido.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 60
1 Introdução
Este artigo apresenta resultados de uma análise poético-discursiva da obra
literária ―A palavra falta‖ de autoria do escritor Eduardo Martins, destacando-se a
inter-relação entre discurso e discurso literário e mostrando-se a utilização da
metalinguagem e da plasticidade como elementos constituidores de sentido nas
composições poéticas.
Para atingir o objetivo proposto, estabelecemos os seguintes objetivos
específicos: analisar as características formais e temáticas da obra literária ―A
palavra falta‖; Destacar a utilização da metalinguagem como recurso semântico-
estilístico na obra poética de Eduardo Martins; Mostrar que a forma utilizada pelo
autor é marcada pela utilização da plasticidade, evidenciando a inter-relação
Literatura e Pintura e Apontar, na obra ―A palavra falta‖, alguns elementos presentes
na poesia moderna e pós-moderna e Contribuir para o estudo da literatura brasileira
contemporânea.
O estudo justifica-se porque traz importantes contribuições para a
constituição da Literatura moderna e pós-moderna brasileira.
As análises e discussões da pesquisa foram fundamentadas pelos estudos
da Teoria literária (poesia), destacando-se os estudos de: Cortez & Rodrigues (2009)
e Franco Jr.(2009), que destacam alguns operadores da leitura da poesia; Bosi
(2015), o qual discute sobre imagem e discurso literário; Cortes (2009), a qual
discute sobre a inter-relação entre a Literatura e a Pintura, mostrando o processo de
intersemiose entre o texto poético e o texto imagético; Campos (2017), que
apresenta conceitos para a metalinguagem e outras metas.
Os resultados da pesquisa evidenciam que o processo de criação da poesia
de Eduardo Martins aponta alguns elementos presentes na poesia moderna e pós-
moderna. Também, identificamos a relevância da arte literária como um espaço
privilegiado para a utilização de outras linguagens, podendo-se afirmar que o autor
utiliza a metalinguagem e a plasticidade como recursos estéticos constituidores de
sentido e de subjetividade.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 61
2 Discurso, Discurso Literário e Formação Discursiva
Neste tópico, apresentamos conceitos e discutimos sobre os temas discurso,
discurso literário e formação discursiva, tendo como base os estudos de Orlandi
(2015) e Baccega (2007). A compreensão destes conceitos é importante porque eles
irão fundamentar as análises apresentadas no quarto tópico deste artigo.
2.1 Discurso e Discurso Literário: conceitos básicos
Conforme Orlandi: ―[...] a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a
ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra
em movimento, prática de linguagem‖ (ORLANDI, 2015, p. 7). Ou seja, quando
falamos produzimos discursos, no entanto, os discursos que proferimos se
processam de formas distintas, pois nossa formação discursiva é permeada por
múltiplas ideologias.
Dessa forma, segundo Orlandi (2015), toda materialidade discursiva
relaciona-se com a tríade sujeito-discurso-ideologia. ―Consequentemente, o discurso
é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,
compreendendo-se como a língua produz sentidos por/ para sujeitos.‖ (ORLANDI,
2015, p. 17).
Ao discutir sobre a gênese dos discursos, a autora afirma que:
Quando nascemos os discursos já estão em processo e nós e que entramos
nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que não
haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Mas
não somos o início delas. Elas se realizam em nós em sua materialidade.
Essa é uma determinação necessária para que haja sentido e sujeitos. Por
isso é que dizemos que o esquecimento é estruturante. Ele é parte da
constituição dos sujeitos de dos sentidos. (ORLANDI, 2015, p. 36).
Partindo-se da ideia de que a palavra é a base comum dos discursos, pode-
se dizer que tanto o discurso, quanto o discurso literário estão inter-relacionados,
visto que, a palavra constitui-se como um signo neutro, ―ou seja, a mesma palavra
pode estar em vários discursos, já que ela só assume seu significado no jogo das
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 62
realidades discursivas‖ (BACCEGA, 2007, p. 64). Portanto, se levarmos em
consideração tais características da palavra, pode-se afirmar que o discurso literário
está carregado de ideologia, no entanto, não se deve confundir aquilo que está no
texto literário com aquilo que consiste em realidade, pois, conforme Baccega (2007,
p. 76), ―O discurso literário pode ser visto como a apresentação, através da palavra,
de um pensamento, de uma visão de mundo do autor [...].‖ Nessa persperctiva, a
autora também afirma que ―[...] o discurso literário sofre influência do meio literário
daquela sociedade, o qual, por sua vez, sofre a influência das várias formações
ideológicas/formações discursivas [...].‖ (BACCEGA, 2007, p. 79).
2.2 O que é formação discursiva?
No domínio da formação discursiva, a configuração de sentidos ocorre a
partir das condições de produção dos discursos, que englobam as possibilidades
discursivas e as formações sociais e ideológicas. Ou seja, o discurso está sempre
atravessado por outros discursos.
Evidentemente, a configuração de novos sentidos se dá com mais vigor
quando, numa sociedade, se agudiza um processo revolucionário, como,
por exemplo, a Revolução francesa. São novas formas e novos sentidos ou
formas antigas com novos sentidos, manifestando o avanço histórico.
(BACCEGA, 2007, p.32).
De acordo com Baccega: ―As formações discursivas predem-se sempre às
formações ideológicas, das quais são manifestações.‖ (BACCEGA, 2007, p. 92).
Corroborando com as ideias de Baccega (2007), Orlandi (2015) afirma que as
formações discursivas são marcadas pela heterogeneidade e as formações
ideológicas são marcadas pela interdiscursividade. Assim, a partir dessas
concepções, podemos inferir que a verdadeira substância da língua é construída
pela interação e que os discursos são materializados no tempo e no espaço a partir
da formação social dos sujeitos que enunciam.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 63
Vale ressaltar que a produção de linguagem se dá na proporção em que
sujeitos interagem em uma prática social. E esta prática é impregnada de formações
ideológicas que determinarão os sentidos entre uma formação discursiva e outra.
Assim, a produção da linguagem engloba dois processos distintos: o parafrástico e o
polissêmico.
Estas contribuições no âmbito da Linguística contribuem com a ideia de que
o texto literário entendido como tal é polissêmico, uma vez que transgride o espaço
convencional da linguagem, em seus diversos níveis (morfológico, fonológico,
sintático e semântico), de maneira a estabelecer um efeito diferente de sentido.
Assim, temos uma diferenciação da linguagem ―comum‖, presente em outros
discursos.
Um outro aspecto que podemos abordar é o que diz respeito à função
poética. Na literatura os recursos de linguagem geram significantes que pela sua
natureza polissêmica, sincrética e ambígua são desvelados na interação com o leitor
real, levando-o a se organizar e se mobilizar, de alguma forma, no seu mundo.
3 Metalinguagem e Plasticidade: alguns conceitos básicos
Neste tópico, apresentamos alguns conceitos sobre a metalinguagem e a
plasticidade, mostrando como estes recursos podem contribuir para a constituição
dos sentidos dos textos poéticos.
Conforme Cortez: ―A relação entre a palavra e a imagem, entre a palavra e
as coisas (e a sua representação) tem sido um tema constante nos processos de
comunicação entre os homens― (CORTEZ, 2009, p.355). A referida autora também
afirma que:
A poesia, segundo os críticos, rivaliza-se com a pintura, não através de
processos imitativos e descrições pictóricas, mas pela apreensão da sua
sugestão, ao conciliar o sensível com o intelectível, a sugestão pictural com
a intelectual e o seu conteúdo moral. [...] essa representação poesia/pintura
é intelectual e não sensitiva e busca o ideal, combinando, ao mesmo tempo,
elementos realistas e metafóricos, traços simbólicos e índices de conotação
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 64
sentimental que as pinturas não poderiam oferecer. (CORTEZ, 2009, p.
363).
Na obra, ―O ser e o tempo da poesia‖ Bosi (2015), discute sobre o tema
―imagem e discurso‖, a partir do seguinte questionamento: ―O que é a imagem no
poema?‖. Posteriormente, o autor explica: ―Já não é evidentemente, um ícone do
objeto que se fixou na retina; E nem um fantasma produzido na hora do devaneio: é
uma palavra articulada. A superfície da palavra é uma cadeia sonora.‖ (BOSI, 2015,
p.29).
Em relação à metalinguagem, Roman Jakobson (1974) considera que ocorre
a função metalinguística quando a linguagem fala da linguagem, voltando-se para si
mesma. Tal função reenvia o código utilizado à língua e a seus elementos
constitutivos. Nessa perspectiva, destacamos que a gramática, por exemplo, é um
campo do conhecimento que utiliza um discurso essencialmente metalinguístico,
pois quando trata da parte conceitual utiliza a metalinguagem. ou seja, utiliza o
código para explicar o próprio código. Vale ressaltar que quando se faz uma análise
semântico-lexical, por exemplo, faz-se uso dessa função.
Dessa forma, quando um escritor escreve um poema e discute o seu próprio
fazer poético, explicitando procedimentos utilizados em sua construção, ele está
usando a metalinguagem.
4 “A Palavra Falta”: aspectos formais e temáticos
O título da obra em epígrafe é marcado pela ambiguidade e ―a palavra falta‖
também é o título do primeiro poema do livro, do qual é homônimo. Nas palavras no
poeta Rubem Vaz Cavalcante, no prefácio da obra, “A palavra falta nos ensina os
revezes das vozes performáticas que escapam ao trovador e à trova.‖ Também
mencionamos fragmento da análise construída pelo escritor Miguel Nenevé, que
afirma:
Não se pode dizer por dizer, é preciso causar impressão, é preciso dizer poeticamente [...]. Há falta do poder dizer, do poder expressar, da
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 65
dificuldade de se fazer palavra, de se verbalizar o que é sentido pode angustiar o vivente. [...]. Não se podendo encher de Palavras, o vazio tem que ser valorizado. (NENEVÉ, 2016, p. 83).
Na obra ―A palavra falta‖, desde o princípio, o poeta Eduardo Martins propõe
reflexões sobre a complexidade do processo composicional do texto poético, por
isso, o tema da ―ausência/presença‖ é tão presente na obra. Segundo o autor, a
compreensão da poesia exige do leitor um olhar reflexivo a partir do qual ele possa
extrair a essência da poesia, pois o texto poético é aberto.
No processo composicional da obra ―A palavra falta‖, a forma utilizada pelo
escritor Eduardo Martins é marcada pela utilização da metalinguagem e da
plasticidade, evidenciando a inter-relação Literatura e Pintura. Porém, é necessário
enfatizar que a obra em questão também é constituída por outros recursos poéticos-
discursivos, tais como a musicalidade, a ambiguidade, o uso de reflexões filosóficas
e outros, sem perder o foco poético.
POEMA 1
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 66
A incompletude semântico-lexical induz o leitor a questionar-se, a refletir
sobre o processo criativo do poeta e sobre o sentido das palavras. O autor utiliza a
metalinguagem como recurso semântico-estilístico. A própria poesia fala sobre o
processo de criação. Nas palavras de Rubens Vaz Cavalcante ―[...] o poeta e a
poesia simulam encontros e desencontros pelo viés da palavra ausente.‖ Nesse
sentido, no processo composicional ele constrói um jogo de palavras: ―vozes/mudas;
faltas/presenças‖.
POEMA 2
O processo de criação da poesia de Eduardo Martins aponta a participação
do escritor nos espaços boêmios da grande Recife, onde ele formou, juntamente
com outros escritores, o Movimento Literário dos Poetas Independentes. Os espaços
que o poeta vivenciou do Nordeste ao Norte, somados a uma visão panorâmica da
realidade dessas regiões, deram origem a estas relações plasticidade e
metalinguagem em sua obra.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 67
POEMA 3
Considerando que o discurso é a linguagem em movimento e que a análise
de discurso parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história,
pode-se afirmar que as vivências de Eduardo Martins, do Nordeste ao Norte,
somadas a uma visão panorâmica do sofrimento dessas regiões, deram origem a
estas relações e à plasticidade, o que torna sua obra singular.
5 Considerações finais
A partir da análise poético-discursiva, pode-se inferir na obra ―A palavra
falta‖, ecoam múltiplas vozes e sentidos, imagens e cores. Esses recursos
estilísticos contribuem para a compreensão do discurso literário e para a
constituição do sentido dos poemas.
A forma composicional utilizada pelo escritor Eduardo Martins é marcada
pela utilização da metalinguagem, possibilitando-nos a reflexão sobre a
complexidade do fazer poético. Também é possível observar a presença da
plasticidade, a qual evidencia a inter-relação entre a Literatura e a Pintura.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 68
Na obra ―A palavra falta‖ é possível identificar elementos presentes na
poesia moderna e pós-moderna, evidenciada principalmente pela quebra da
estrutura formal clássica dos versos. Portanto, este trabalho pode contribuir para o
estudo da literatura brasileira contemporânea.
Referências
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem e Outras Metas. 4a edição. São Paulo:
Perspectiva, 2017.
CORTEZ, Clarice Zamonaro. Literatura e Pintura. In: BONNICI, Thomas e ZOLIN,
Lúcia Osana. (orgs.) Teoria da Literatura, abordagens históricas e tendências
contemporâneas. Maringá, Ed. da UEM, 2003.
FRANCO JR., Arnaldo. Operadores de leitura da narrativa. In: BONNICI, Thomas
e ZOLIN, Lúcia Osana. (orgs.) Teoria da Literatura, abordagens históricas e
tendências contemporâneas. Maringá, Ed. da UEM, 2003.
JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidro Blikstein e José
Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1974.
ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: Princípios e procedimentos. 12ª Edição,
Pontes Editores, Campinas (SP): Pontes, 2015.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 69
SUJEITO E RESISTÊNCIA: A CONDIÇÃO HUMANA NO CONTO "NEGRINHA", DE MONTEIRO LOBATO
MARCOS AURÉLIO BITENCOURT DOS SANTOS
Fundação Universidade Federal de Rondônia Departamento Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários - DELL
Resumo. Esta comunicação propõe uma análise do conto “Negrinha” (1922), de Monteiro Lobato, sob a perspectiva de que é necessário repensar a formação do sujeito como também a sua desconstrução a partir dos preceitos socioculturais e como reverbera essas questões no texto literário. A relação entre sociedade e literatura é uma questão abordada pela fortuna crítica existente a respeito das obras infantis de Monteiro Lobato, sobretudo pelo viés do naturalismo-nacionalismo. As obras desse escritor se tornam nesse sentido um documento literário da condição humana e social das primeiras décadas do século XX, como é representado através da personagem Negrinha, que nos permitirá discutir a situação social e as representações literárias desse momento da história, no intuito de realizar um exame da realidade enfrentada pelos negros. Nessa seara, pressupomos que a obra literária de Lobato promove, por meio da linguagem emotiva e sensível, a desrealização do olhar sobre os acontecimentos do mundo, sugerindo-nos outra visão: o repúdio à formação histórica de uma sociedade brasileira desumana através da resistência. A releitura que aqui empreendemos pretende observar a construção da personagem Negrinha sob a ótica da fenomenologia, pois acreditamos que a formação do sujeito não necessariamente está condicionada ao meio, mas que é socialmente imposta pela estratificação das classes. A partir desse contrato social, vislumbramos a possibilidade de encontrar vínculos entre constituição do ser e sociedade, estabelecendo o lugar-comum do ser humano e, consequentemente, a sua formação. Propomos, assim, analisar a figura de resistência da protagonista Negrinha, entendendo-a como uma transfiguração da realidade – pois representa a especificidade constituída à margem da sociedade e que, contudo, busca romper tal condição, estabelecendo uma postura de resistência ao lugar-comum delegado. Para essa discussão, consideraremos a perspectiva de Antonio Candido (1968;2006) em relação à sociedade e literatura brasileiras como parâmetro de nossa visão sobre a realidade tematizada em “Negrinha” (1922) e para tratarmos de resistência e sujeito, teremos por aporte teórico Regina Dalcastagnè (2018) e Bachelard (1993).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 70
Palavras-Chave. Formação do sujeito. Literatura Brasileira. Resistência.
Resumen. Esta comunicación propone un análisis del cuento “Negrinha” (1922), de Monteiro Lobato, en la perspectiva de que es necesario repensar la formación del individuo como también su desconstrucción a partir de los prejuicios socioculturales. La relación entre sociedad y literatura es una cuestión abordada por la fortuna crítica existente a respeto de las obras infantiles de Monteiro Lobato, sobre todo por el camino recurrido por el naturalismo-nacionalismo. Las obras de ese escritor se tornan así un documento literario de la condición humana y social de las primeras décadas del siglo XX, como es representado a través del personaje “Negrinha”, que permitirá discutir la situación social y las representaciones literarias del momento de la historia, en el intuito de realizar un examen de la realidad enfrentada por los negros. Así, presuponemos que la obra literaria de Lobato promoved, por medio del lenguaje emotivo y sensible, la des realización de la mirada acerca de los acontecimientos del mundo, sugiriéndonos otra visión: el repudio a la formación histórica de una sociedad brasileña deshumana a través de la resistencia. La relectura que aquí emprendemos pretende observar la construcción del personaje “Negrinha” en la óptica de la fenomenología, pues creemos que la formación del individuo no necesariamente está condicionada al medio, pero que es socialmente imposta por la estratificación de las clases. A partir de ese contrato social, miramos la posibilidad de encontrar vínculos entre constitución del ser y sociedad, estableciendo el lugar-común del ser humano y, consecuentemente, su formación. Proponemos, así, analizar la figura de resistencia de la protagonista “Negrinha”, entendiéndola como una transfiguración de la realidad – pues representa la especificidad constituida a la margen de la sociedad y que, con todo, busca romper tal condición, estableciendo una postura de resistencia al lugar-común delegado. Para esa discusión, consideraremos la perspectiva de Antônio Candido (1968;2006) acerca de la sociedad y literatura brasileñas como parámetro de nuestra visión sobre la realidad tematizada en “Negrinha” (1922) y para tratar de resistencia y individuo, tenemos por aporte teórico Regina Dalcastagnè (2018) e Bachelard (1993).
Palabras-Clave. Formación del individuo. Literatura Brasileña. Resistencia.
1 Conto e contradiscurso
O intuito de nossa investigação é alicerçar sentidos e relações entre a forma
do conto e a temática abordada. Investigar o uso da forma em correlação com os
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 71
temas encaminha nossa reflexão para, pelo menos, dois pontos: a ontologia da
forma e a hagiografia (JOLLES, 1972) do ser humano representado na literatura. Por
ontologia, entendemos nesse artigo por um estudo das propriedades gerais do ser
(filosofia aristotélica) que, nesse caso, é o gênero conto, partindo de um
levantamento através de Auerbach (1970). Desse modo, encontramos
particularidades da linguagem do texto que agregam sentido a sua totalidade. Em
decorrência desse método, verificamos nos contos populares fusões na linguagem
de endeusamento de seres ao mesmo tempo que os transportam ao universo
autônomo do conto através do realismo mágico. Daí que a expressão hagiografia
aparece em nossa pesquisa: como uma transposição conceitual, portanto
metafórica, e cultural de denominação usava em seio cristão para outra realidade,
no caso, de Negrinha. Assim, abordamos o conto Negrinha (1922), de Monteiro
Lobato, pelo viés intrínseco e depois extrínseco de análise, no intuito de encontrar
no procedimento estético de construção da obra literária diálogos com aquilo que se
denomina externo ao texto literário, que é – nessa seara – o Brasil da Primeira
República.
O conto, publicado em livro homônimo no ano de 1922, é o terceiro de uma
linha cronológica que, segundo Beatriz Resende (2014, p.12),
[...] constrói a imagem do país, as imagens que apresenta da gente que o habita, as situações e os conflitos de seus personagens não só provocaram recepção favorável imediata como permanecem importantes no quadro da cultura brasileira sobretudo pela forma que Lobato, nestes textos, dá à realidade que quer mostrar, a da ficção.
Fica evidente, nesse contexto, que tratamos de um conto cujas relações com
o seu tempo são polêmicas ao mesmo tempo que denunciam a crueldade do
sistema republicano implantado no país.
Consideramos, doravante, que a forma do conto possui uma significância que,
soma ao conteúdo da linguagem, eleva o valor do texto literário por implicar em
trabalho estético, em escolha formal. Para abarcar o estado fenomenológico do ser –
a princípio, da criança, cuja percepção não captou as leis naturais e convencionais
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 72
da realidade e, por isso, assegura-se sobre uma lógica desvencilhada dos aparelhos
ideológicos imperantes –, consideramos o seguinte: a protagonista Negrinha não é
apenas uma personagem criança, mas representa um ser humano que descobre a
sua condição no mundo e demonstra, sobretudo, a situação social do negro na
sociedade brasileira. Em complemento ao excerto de Resende (2014), as escolhas
formais de Lobato tornam latente uma extensividade (LUKÁCS, 2000) da vida vivida
antes mesmo de a criança reconhecer os aparatos ideológicos que a definem e é
nesse ponto que, mais adiante, propomos discutir a resistência humana.
Antes disso, a escolha do conto como forma fixa de expressão artística
suscita pensarmos na ontologia dessa estrutura. Segundo André Jolles (1972, p.
208), ―El Marchen […] es una forma artística en que se unen y pueden satisfacerse
dos tendencias de la naturaleza humana: la tendencia a lo maravilloso y el amor a lo
verdadero y natural.‖. Nessa perspectiva, podemos estabelecer um paralelo entre o
pensamento desse teórico e Resende (2014), pois a singularidade da representação
humana, de certo modo, é singular. Por isso, levamos em consideração a
possibilidade do maravilhoso se alicerçar na representação de Negrinha, na qual a
narrativa se concentra e sobretudo naquilo que há de mais humano na ação
fenomenológica do sujeito.
Em relação ao desejo pela verdade, esse aspecto naturalista de abordagem
presente no conto corrobora na denúncia de mazelas sociais (RESENDE, 2014), ao
mesmo tempo que se distancia do universo criado pelo conto. Esse encontro
estético de temperamento naturalista com a estrutura do conto – portanto a forma –
permite a atualização do sentido do conto ao mesmo tempo que reitera seus
princípios estéticos. Ao abordar a realidade no conto, Lobato permite que a forma
dialogue com a forma crônica e, consequentemente, move o texto pelos limítrofes
entre real e ficção.
O que assegura a ficcionalidade do texto é o fato de que toda produção
hagiográfica se pretende tal qual está ou no seu oposto. Jolles (1972) afirma que a
representação de sujeitos arquétipos na literatura se dá pelas suas virtudes ou pela
sua indolência e que, nos contos, não é diferente. A personagem do conto
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 73
geralmente constrói um perfil a ser negado ou aceito como exemplo – a que se
chama de hagiografia do personagem. Os primeiros contos populares do ocidente
(AUERBACH, 1970) representavam – e existiram de fato – sujeitos que possuíam
algum vigor exemplar. No entanto, a fantasia que os acompanhavam servia como
um procedimento estético de mitologização do arquétipo, assegurando sua realidade
noutra instância. Surgem disso um traço estrutural, portanto de forma, no conto que
vale sua distinção das crônicas, novelas e outras formas narrativas: a construção do
mundo maravilhoso.
Negrinha, nesse sentido, é, para além de suas qualidades realísticas, um
conto imerso no universo maravilhoso, pois é próprio do conto uma realidade
verossímil, em que o maravilhoso pouco a pouco toma espaço e se distingue da
realidade na afirmação do espaço ficcional. Contudo, ainda segundo Jolles (1972), o
conto se torna uma forma simples por reger autonomamente um mundo para a
hagiografia9 do seu personagem, alicerçando um aspecto que Resende (2014, p. 13)
aponta em uma Lobato:
Contos andam aí aos pontapés, a questão é saber apanhá-los. Não há sujeito que não tenha na memória uma dúzia de arcabouços magníficos, aos quais para virarem obra de arte, só falta o vestuário da forma, bem cortado, bem cosido, com pronomes bem colocadinhos.
Os traços do maravilhoso são, dessa maneira, uma singularidade na forma do
conto que, por estar mais próximo da oralidade e em contato com modalidades de
discurso, promove fusões estruturais com o causo, por exemplo.
Si damos una mirada al campo del Marchen, reconocemos una multiplicidad de acontecimientos de índole diversa que parecen a su vez estar unidos por una característica forma de presentación. Si ahora, del mismo modo, intentamos acercar esta forma al mundo real, sentimos de inmediato que es
9 Entendemos por hagiografia, na mesma perspectiva de Jolles (1972), a construção semântica da
personagem, semelhante ao processo de construção da identidade dos santos de religiões. Negrinha, no conto, é um arquétipo enaltecedor da condição humana numa sociedade que marginaliza sua existência e inferioriza sua capacidade, marcando-nos e evocando em nós a afetividade ausente em seu tempo. De igual modo, formam-se os perfis santos, cujas dificuldades existências salientadas ressaltam sua nobreza e beleza.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 74
imposible; no porque los sucesos o acontecimientos deban ser en el Marchen de naturaleza maravillosa, mientras en el mundo real no lo son, sino porque tal como los encontramos en el Marchen, sólo pueden imaginarse dentro de él. Dicho brevemente: podemos muy bien acercar el mundo real al Marchen, pero no el Marchen al mundo real. (JOLLES, 1972, p. 211).
Em Negrinha, essa característica se firma na representação da criança,
exatamente pela sua anti-hagiografia e a distância da realidade latente. O
temperamento naturalista-nacionalista do narrador visualiza/narra aquilo a ser
negado, ao que deverá não-ser. Estabelecemos assim um paralelo no conto – o seu
contradiscurso enraizado no discurso do conto. A desumanização de Negrinha e
toda ação que coisifica sua existência geram um discurso contrário de humanização
e de elevação da sua existência. Cria-se, desse modo, dois eixos de hagiografia do
humano em que um concentra o menos humano e o outro o mais humano. Em
nosso ver, a ironia é um recurso utilizado por Lobato para desestruturar o sistema
que determina o sujeito à coisificação, porque cria um ambiente de contra
argumentação, como nesse trecho:
O Treze de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo. — Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!... (LOBATO, 2014, p. 308).
Nesse trecho, a representação da criança move sua condição para mais próximo do
menos humano, enquanto que eleva a condição humana da senhora. Nosso olhar
aqui busca vislumbrar essa mobilidade de Negrinha até o ponto em que desafia a
condição de humanidade da senhora. Mover-se, nessas condições, é de certo modo
reivindicar sua condição de ser humano, o que para a personagem infantil é sempre
resultado de castigo. Para a personagem Negrinha, ainda aquém de todo aparato
ideológico que a classifica socialmente, tais repreensões não possuem sentido e,
quando passam a ter sentido, desfalece.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 75
A autonomia do conto em relação a realidade permite que este a represente
de modos inaceitáveis, como os acontecimentos que envolvem Negrinha. Tais
acontecimentos constroem a hagiografia da personagem que corresponde a uma
classe e também a sua condição de coisa/objeto. Entender a protagonista desse
modo, permite-nos uma leitura de si como resistência – não em um sentido militante,
mas puramente fenomenológico –, pois é a partir do seu ato/presença que o algoz
age. Essa representação da condição humana corrobora com o princípio de que os
valores sociais aprisionaram sem prender fisicamente o brasileiro, sobretudo no
início do século XX no Brasil: um país que caminhava entre o conservadorismo e o
pensamento de vanguarda (RESENDE, 2014).
2 Sujeito e resistência
A personagem de ficção é antes de tudo uma intencionalidade (CANDIDO;
ROSENFELD, 1968). Ao determinar os modos de representação de uma entidade
fictícia através da forma do conto e pelo temperamento estético naturalista, Lobato
intenciona criar uma realidade subvertida. Nesse espaço de ação, os
acontecimentos dialogam com a realidade sem, contudo, fidedignidade. O
maravilhoso que constitui o universo do conto constrói os parâmetros de sua
organicidade e legitima sua verossimilhança (JOLLES, 1972).
Nesse sentido, os acontecimentos que envolvem Negrinha reclamam o seu
oposto. No protagonismo da personagem reside a intenção de se descontruir a ideia
de inferioridade do ser humano por fatores socioculturais e étnicos. Galastri (2006)
identifica em pelo menos quinze contos de Lobato a tendência a desconstrução da
realidade, em que a ironia é trabalhada para denunciar as mazelas da sociedade.
Desse modo, o racismo é uma das questões representadas nos contos, pois o Brasil
de Lobato é aquele que acaba de abolir a escravatura e não perdera seus modos
conservadores. Formighieri (2017) disserta sobre esse assunto no intuito de
esclarecer qual seria a ontologia dessa temática nas obras do escritor, se
facultativas do gênio ou representação da realidade de seu tempo.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 76
Podemos considerar que a utilização de recursos linguísticos que geram um
contradiscurso, como a adjetivação irônica do algoz de Negrinha, e a presença
marcante de questões raciais no texto propiciam uma distensão da condição
humana através do conto. Com alguns acontecimentos – de natureza cruel e que ao
mesmo tempo enaltece a inocência de Negrinha – notamos que o texto literário ―[...]
transforma o estado [a situação] em processo, em distensão temporal. Somente
assim se define a personagem com nitidez, na duração de estados sucessivos.‖
(CANDIDO; ROSENFELD, 1968, p. 13).
A personagem ganha legitimidade quando é colocada numa realidade aquém
a do leitor, propiciado pelas instâncias estruturais do conto. A narrativa do passado
não apenas conta, mas determina algo imutável, exatamente como era o caso dos
contos populares, segundo Auerbach (1970), que precisavam da fantasia para não
serem postos ao julgamento da verdade. Funciona assim o conto como um relator
da situação exemplar, ou, como vimos, de uma anti-hagiografia para ser negada.
Nesse sentido, Tavares (2014) discute a potencialidade desconstrutiva na escrita de
Lobato a respeito da criança como instrumento de trabalho ou coisa.
Negrinha pode ser lido como uma representação mágica da resistência
humana, pois apresenta em seu protagonista a intencionalidade contrária daquilo
que lhe exige a organicidade do mundo. Negrinha sempre age de modo não
coerente à exigência e isso configura sua resistência enquanto sujeito, enquanto ser
humano, se pensarmos nos eixos mais humano e menos humano. Toda força de
atitude na personagem vem do seu anseio puro de conhecer o mundo que lhe é
negado, não há na sua formação aspectos da intenção objetiva senão a intenção
puramente fenomenológica (Bachelard, 1993) da criança que ainda não absorveu os
parâmetros comuns de vivência social.
O rompimento por Negrinha dos parâmetros da realidade estabelecida nos
permite compreender a resistência do sujeito diante das imposições sociais que,
nesse contexto, delegam a inferioridade do negro. Negrinha e as outras
personagens crianças do conto são isentas de dados culturais que as separam em
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 77
mundos sociais distintos e, por isso, a protagonista sofre as penalidades da
transgressão. Vejamos neste trecho:
Do seu canto na sala do trono Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo. Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos. Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos o som cruel de todos os dias: ―Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga?‖. Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral — sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos —, a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre. (LOBATO, 2014, p. 310).
Configurar esse dado na linguagem literária exige do escritor destreza em
combinar a crueza da realidade com o mundo da ficção ao ponto de suplantá-la.
Jolles (1972) diz que a legitimação de uma personagem arquetípica, nesse caso de
contradiscurso, deve ocorrer em pretérito absoluto porque permite a sua
mitologização.
3 Considerações
A urdidura das questões temáticas e a estrutura do conto, considerando
também as escolhas formais de representação da personagem no plano da
linguagem, estabelece o procedimento estético da obra. A singularidade da escrita
de Lobato perscruta o universo mágico no intuito de legitimar a desigualdade
recorrente na história do nosso país. Entendemos, dessa forma, que a condição
humana é representada em Negrinha é uma transfiguração da resistência do sujeito.
Regina Dalcastagnè (2017) trata de resistência como um fenômeno pelo qual não se
pode passar indiferente. E não devemos passar por Lobato sem mencionarmos essa
militância pela igualdade e equidade social entre os homens – que, de certo modo,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 78
caminha na contramão dos aspectos xenofóbicos e racistas atribuídos à literatura
desse escritor.
Em verdade, o temperamento naturalista-nacionalista presente em nossos
autores brasileiros nos tenta uma leitura referencial, mas cogitemos sempre que o
mundo da ficção é outro. Mesmo que seja um romance histórico e documental como
é o caso de Triste Fim de Policarpo Quaresma e Os Sertões, há sempre uma
intencionalidade na obra artística; necessariamente precisamos recorrer a forma
para compreender o procedimento estético alinhavado às temáticas que encorpam o
enredo da obra. O mesmo para o gênero conto, sobretudo de Monteiro Lobato, é
válido.
Referências
AUERBACH, Erich. Introdução aos estudos literários. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Editora Cultrix, 1970.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antonio de Pádua Danesi:
revisão da tradução Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
CANDIDO, Antonio; ROSENFELD, Anatol; et al. A personagem de ficção. 2. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1968. Disponível em: < http://lelivros.love/book/ downloada-personagem-de-ficcao-antonio-candido-e-outros-em-epub-mobi-e-pdf/>. Acesso em 15 de maio 2018.
DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura e resistência no brasil hoje. In: Suplemento Pernambuco - Literatura e resistência no Brasil hoje, agosto de 2017. Disponível
em: < http://www.suplementopernambuco.com.br/artigos/1936-literatura-e- resist%C3%AAncia-no-brasil-hoje.html>. Acesso em 24 de abril 2018.
FORMIGHIERI, Ana Paula de Souza. Monteiro Lobato: construção ou denúncia do pensamento racista?. 2017. 140 f. Dissertação (Mestrado - Programa de Pós- Graduação em Educação) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2017.
GALASTRI, Elaine de Oliveira. Elementos cômicos e trágicos em contos de Monteiro Lobato. 2006. 104 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, 2006. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/91607>. Acesso em 25 de maio 2018.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 79
JOLLES, André. Las formas simples. Trad. de Rosemarie Kempf Titize. Valparaíso,
Chile: Editora Universitaria, 1972.
LOBATO, Monteiro. Contos completos. 1. ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014.
RESENDE, Beatriz. Os imprescindíveis contos de Monteiro Lobato. In: LOBATO, Monteiro. Contos completos. 1. ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014.
LUKÁCS, Georg. A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. 1. ed. 3. reimp. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas cidades; Editora 34, 2000.
TAVARES, Fabiana Valeria da Silva. 'Quase' como antes: a (des)construção das representações de infância da classe trabalhadora na literatura infantil e juvenil. 2014. Tese (Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua
Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. doi:10.11606/T.8.2014.tde-22012015-182220. Acesso em 17 de jul. 2018.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 80
ANÁLISE DOS EFEITOS DE SENTIDOS DA MÚSICA PAIS E
FILHOS
ANA BEATRIZ SANTOS BRAZ
SARA ALMIEIRA DA ROCHA
Instituto de Educação Agricultura e Ambiente Universidade Federal do Amazonas
Rua Circular Municipal, n° bloco 1, 698000-000
[email protected] [email protected]
RESUMO: O presente trabalho traz as questões da ideologia, do sujeito e as interpelações que estes introduzem em um indivíduo através de seus discursos. O que está em questão é a relação entre os pais e os filhos e as consequências que podem causar estes conflitos familiares. O principal objetivo foi identificar quais ideologias da sociedade Renato Russo são abordadas na música “Pais e Filhos”, uma vez que esta relação é um exemplo de submissão e assujeitamento sobre o outro; além disto, aborda-se o injusto julgamento que os filhos fazem sobre os pais, sem se colocar no lugar destes. Este artigo se justifica porque pretende-se entender os conflitos existentes na constituição familiar e a maneira como este aparelho ideológico interfere nos demais. Foi utilizado como base para a estruturação deste artigo, reportagens de revistas como a Istoé; Época; G1 e autores como Brandão (2002), Claras (2015), Orlandi (1999) entre outros. A música “Pais e Filhos” de Renato Russo foi a base para esta discussão.
PALAVRAS-CHAVES: Pais, Filhos, Ideologia, Discurso
ABSTRACT: The present work brings the questions of ideology, the
subject and the interpellations that they introduce in an individual through
their speeches. The focus in question is the relationship between parents
and children and the consequences that can cause these family conflicts.
The main objective was to identify the ideologies of Renato Russo society
in the songs "Parents and Children", since this relationship is an example
of submission and assembling on the other, besides, it addresses the
unfair judgment that the children make about the parents, without putting
themselves in the place of these. This article is justified because it is
intended to understand the origin of the conflicts existing in the family
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 81
constitution and the way in which this ideological apparatus interferes in
the others. It was used as basis for the structuring of this article, reports of
magazines like Istoé; Époa; G1 and authors such as Brandão (2002),
Claras (2015), Orlandi (1999) among others. The song "Pais e Filhos" by
Renato Russo was the basis for this discussion.
KEYWORDS: Parents, Children, Ideology, Speech.
1 Introdução
O trabalho em questão trata da reflexão existente nas músicas do cantor e
compositor Renato Russo. Este, foi um grande influenciador dos jovens de sua
época e continua sendo para a juventude atual, uma vez que ele aborda em suas
canções situações que dizem respeito ao cotidiano familiar. Sua grande inspiração
foram os altos e baixos de sua vida; alguns destes problemas serão expostos no
decorrer deste trabalho.
Tivemos como objetivo, descrever o imaginário sobre o sujeito que está
representado na letra da música. Neste caso, não deve se pensar essencialmente
nas imagens produzidas sobre os jovens, mas também nas imagens produzidas
sobre os pais destes, ambos são sujeitos a falhas uns com os outros; além disto,
identificar as posições ideológicas apresentadas por Renato Russo sobre valores
familiares, pois estas têm uma grande influência nos demais aparelhos ideológicos
e, por último, discutir sobre o sujeito e a ideologia na juventude.
O artigo está composto em um resumo, uma introdução e duas seções, a
primeira seção encontra-se dividida em cinco subtópicos, a primeira diz respeito ao
indivíduo e sujeito, a segunda linguagem e a subjetividade, a terceira discurso,
enunciados e formação discursiva, a quarta assujeitamento histórico, a quinta
Renato Russo e suas posições ideológicas. A segunda seção refere-se aos conflitos
entre ―Pais e Filhos‖ presentes na música e por fim, uma conclusão e referência
bibliográfica.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 82
2 Indivíduo e Sujeito
Todos nascem indivíduo, ninguém nasce com ideologias prontas. Segundo
Lowy (1995, p. 13) ―ideologia é o conjunto de concepções, ideias, representações,
teorias, que se orientam para a estabilização, ou legitimação, ou reprodução, da
ordem estabelecida‖. Desta forma, cada sociedade tem suas ideologias, e isto,
interpela cada um por meio de aparelhos ideológicos. Os aparelhos ideológicos,
segundo Althusser (1985, p. 69) ―funcionam através da ideologia‖.
A família é o primeiro meio em que o ser humano tem contato com costumes
e ideias, à medida em que ele é educado, adquire os costumes familiares para si,
deixando de ser indivíduo para ser sujeito. Conforme cresce, o indivíduo estabelece
contato com outros aparelhos ideológicos, como por exemplo a escola, no qual o ser
humano convive constantemente com diversas maneiras de pensar, pois, cada um
presente naquele ambiente cresceu com ideologias familiares distintos. Para formar
sua concepção ideológica o sujeito será interpelado pela sociedade em que está
inserido, por estar mantendo relações com o meio em que vive
Desta forma, constitui-se o sujeito interpelando o indivíduo por meio de
ideologias. Apesar do mesmo achar ser um indivíduo consciente e dono de suas
opiniões, ele não passa de um indivíduo interpelado pelos enunciados da dimensão
social, tendo todos eles uma só doutrina. Por isso, cada sujeito tem opiniões
diversas, apesar de pertencer à mesma classe social, eles crescem em aparelhos
ideológicos distintos, como as igrejas, a escola, a política, família, etc. Sobre isso,
Althusser (1985, p. 70) afirma que ―a escola, as igrejas ―moldam‖ por métodos
próprios de sanções, exclusões, seleção etc... não apenas seus funcionários, mas
também suas ovelhas. E assim a família... assim o Aparelho IE cultural (a censura,
para mencionar apenas ela)‖ cada aparelho tem uma maneira de passar seus
valores.
Portanto, o Aparelho de Estado é composto pelo governo, a administração, o
exército, a polícia, os tribunais, as prisões, entre outros, e são caracterizados pela
violência; já os Aparelhos Ideológicos do Estado, são caracterizados pela ideologia
que exercem. A mídia tem grande influência para a atual juventude, é através dela
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 83
que os interlocutores são interpelados pelos princípios de outros. Temos como
exemplo as músicas de Renato Russo, que até hoje interpelam a sociedade por
apresentar um forte discurso – sentido – e pela identificação que muitos sujeitos
adquirem conforme o contexto em que se apresentam.
2.1 Linguagem e a Subjetividade
A língua não se confunde com a linguagem, entretanto é essencial para que a
mesma seja colocada em prática. Em decorrência disto, torna-se impossível falar da
língua sem mencionar o papel da linguagem, pois uma complementa a outra. A
língua é um ato convencional e natural, ela é algo pertencente a determinado grupo
social e que acontece naturalmente por meio da capacidade humana, assim como
afirma Saussure:
A esse princípio de classificação poder-se-ia objetar que o exercício da linguagem repousa numa faculdade que nos é dada pela Natureza, ao passo que a língua constitui algo adquirido e convencional, que deveria subordinar-se ao instinto natural em vez de adiantar-se a ele. (2006, p. 17)
Ela é o meio para reproduzir as ideias e sentimentos, e isto é possível através
dos signos. A língua só se torna algo concreto pelo fato de estar na massa coletiva,
pertencente a um determinado grupo social, e a partir disto, ela faz a unidade da
linguagem, uma vez que, sem a capacidade de comunicar-se coletivamente esta não
seria colocada em prática. Dessa maneira que a língua se perpetua na história, pois
tudo que é dito é materializado e fixado.
Existe na linguagem o aspecto individual e o aspecto social, segundo
Saussure são ―impossível conceber um sem o outro‖. A questão social diz respeito a
língua em si, aquilo que pertence a toda comunidade ―a língua existe na
coletividade‖ (SAUSSURE, p. 27); a questão individual seria a fala, pois os sujeitos
introduzem suas particularidades.
A linguagem faz do homem um ser repleto de ideias e isto é o que diferencia
ele dos animais. Segundo Bagno (2007, p. 9) ―só existe língua se houver ser
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 84
humano que a falem‖, portanto, ela é uma característica especial do homem, sendo
indispensável para a diferenciação dos homens em relação aos animais – no qual se
comunicariam apenas por códigos de sinais, sem a capacidade de pensar.
Além disso, a linguagem serve para representar tudo aquilo que existe, que
não existe, que está presente e que está ausente. Para Benveniste a subjetividade é
fundamental para a constituição do sujeito e através dela acontece a subjetividade
enquanto capacidade do locutor se propor como sujeito na e pela linguagem, no qual
ocorre o conflito entre o locutor e alocutor, e a interpelação entre ambos, pois um
complementa o outro.
2.2 Discurso, Enunciados e Formação Discursiva
O sujeito tem uma incessante busca por um lugar na sociedade, querendo ser
reconhecido pelo que fala e pela influência que exerce sobre os demais. Desta
maneira, formam-se um discurso através de outros enunciados, por isso, é possível
em apenas um discurso várias vozes se presentificarem ―o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo
por que, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar‖ (FOUCAULT,
1996, p. 10). Existem diversas formas de discursos: políticos, familiares e religiosos
– todos com o propósito de interpelar o outro, uma vez que, exprime uma só ideia.
Segundo Orlandi ―O discurso é assim palavra em movimento, prática da linguagem:
com o estudo do discurso, observa-se o homem falando‖ (1999, p. 15) ele é o que
mantem a linguagem ativa.
O enunciado é um embate de ideias, entre o locutor e o alocutor. O locutor é o
transmissor delas, é o que toma a palavra, e o alocutor é emissor, correspondendo
respectivamente ao ―Eu‖ e ao ―Tu‖. Aquele indivíduo que toma a palavra se torna o
Eu e necessariamente implanta-se uma outra face, o Tu. nesse sentido, o Eu está
acima do Tu, entretanto, nenhum dos dois tem continuidade sem o outro, ocorrendo
também a troca de papéis. Como afirma Helena Brandão ―em oposição ao Eu e ao
Tu que têm a marca de pessoa, tem-se o Ele, a não-pessoa (o ―ausente‖ dos
gramáticos árabes) que, não tendo a marca da pessoa, não refere um indivíduo
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 85
específico‖ (2002, p. 49). Em um enunciado, nem o locutor e o alocutor são
passivos, ambos trocam de papéis tomando a palavra no decorrer da interação.
Em outros termos a formação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas. São as formações ideológicas que, em uma formação ideológica específica e levando em conta uma relação de classe, determinam ―o que pode e deve ser dito‖ a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada. (BRANDÃO, 2002, p. 47/48).
Sem discurso não seria possível obter relações e nem ser uma sociedade,
pois, a sociedade caracteriza-se em uma massa que seguem determinadas
ideologias. Sem o discurso não haveria enunciados para serem materializadas em
formações ideológicas, pois não haveria interação, enunciado e nem interpelação.
Antigamente era considerado que um enunciado carregava apenas uma FD
(formação discursiva). Mais tarde, entretanto, foi preciso repensar de que forma os
discursos se equivalem em seu interior.
A formação ideológica e formação discursiva são adquiridas através da
identificação com determinada ideologia, permitindo-se ser interpelado por isso, e
dessa forma o sujeito se insere em determinado grupo social. Estes grupos
estabelecem relações de aliança, antagonismo ou dominação, pelas suas posições
políticas e ideológicas. Se ele é dialógico, é fato que obtém uma interação,
porquanto não existe discurso sem interação, ninguém interage sozinho, todos
necessitam do outro. É no diálogo e exteriorização de seus pensamentos que o ser
humano é subjetivo.
De acordo com a sociedade em que está inserido, o sujeito se depara com
diversas ideologias, e por causa dos sentidos que as ideologias apresentam, ele se
identifica inconscientemente com determinadas FD:
Essa interpelação ideológica consiste em fazer com que cada indivíduo (sem que ele tome consciência disso, mas ao contrário, tenha a impressão de que ele é o senhor de sua própria vontade), seja levado a ocupar seu lugar em um dos grupos ou classes de uma determinada formação social. (BRANDÃO, 2002, p. 46).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 86
Aquilo que ele enxerga como um discurso coerente, passa a ter sentido, ao
contrário dos demais. Segundo Orlandi (1999, p.43) ―as palavras não têm um sentido
nelas mesmas, elas derivam seus sentidos nas formações discursivas em que se
inscrevem‖, não há sentido nas palavras, o que o traz é a maneira como o locutor
produz seu discurso: a coerência, a memória discursiva, a convicção que ele relata e
etc. Orlandi diz que, a memória discursiva ―sustenta o dizer em uma estratificação de
formulações já feitas mas esquecidas e que vão construindo uma história de
sentidos‖ (1999, p.54), ou seja, os discursos se perpetuam na história e conforme o
tempo passa e se torna um argumento para os discursos de outros interlocutores.
2.3 Assujeitamento histórico
Durante toda história o homem conviveu com algum tipo de domínio, e
conforme a sociedade evoluía, a forma de domínio sobre os mais fracos também
evoluiu. Corroborando com esta afirmação, Orlandi argumenta (1999, p.50) ―Ele é
capaz de uma liberdade sem limites e uma submissão sem falhas‖: a partir do
momento que o homem toma consciência de si, ele age para mudar a submissão em
que está inserido, mas inconscientemente é introduzido a outro tipo de domínio, pois
o ser humano sempre terá esta vontade de ter domínio sobre algo e ao mesmo
tempo, terá aqueles que se submetem a isto, sendo assujeitados pelos discursos
mais poderosos. Conforme Orlandi (1999, p.50) ―Esta é base do que chamamos de
assujeitamento‖. Sem o outro, o ser humano não se torna consciente de si mesmo.
A sociedade atual brasileira não vive um domínio direto sobre poder absoluto,
como em outras épocas da ditadura ou colonização. Entretanto, vive um domínio
indireto político, em que eles argumentam ser uma política democrática, mas tomam
decisões que a população não está de acordo. Desta forma, introduzem seus
discursos, que de alguma forma, determina os dizeres, os sentidos, de algumas
posições do sujeito. Conforme Orlandi (1999, p.51) ―Submetendo ao sujeito, mas ao
mesmo tempo apresentando-o como livre e responsável, o assujeitamento se faz de
modo a que o discurso apareça como um instrumento (límpido) do pensamento e um
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 87
reflexo (justo) da realidade‖, aqueles que estão expostos a algum tipo de submissão,
faz-se acreditar que aquela realidade é algo justo, não se tratando de um poder
sobre ele.
2.4 Renato Russo e suas ideologias
Renato Manfredini Júnior foi um grande cantor e compositor da música
nacional brasileira, memorado até os dias atuais. Na juventude foi para os Estados
Unidos, por causa do trabalho de seu pai e lá teve grande influência em sua carreira
de músico. Ao voltar para o Brasil, fica doente e começa a produzir as letras de suas
músicas compulsivamente. Não previu o poder que suas músicas tinham sobre a
juventude e nem que iam ter esse poder até hoje. O indivíduo encontra certa
semelhança no que o cantor fala e se identifica. Desta forma, deixa-se ser afetado.
Ao formar uma banda, denominada ―Aborto Elétrico‖, é responsável pelo estouro
musical em Brasília na década de 80 e pelo surgimento de outras bandas.
Ao ler sobre a vida dele, fica perceptível os conflitos psíquicos que ele
convivia diariamente. Sua vida foi repleta de altos e baixos e, sem dúvida, isto
contribuiu para suas canções, como, por exemplo, o problema com seus pais. Sua
mãe relata, em uma entrevista, que apenas soube que o filho tinha aids quando ele
morreu, pois foi noticiado na TV: ―Ela soube pela tevê que o filho tinha Aids, horas
depois da morte de Renato Russo, em 11 de outubro de 1996. ―À noite, ouvi na tevê:
‗Morreu hoje de Aids o cantor Renato Russo‘. Foi um choque.‖ (istoé, 2017). Além
disto, fica claro que ele não tinha a aceitação do pai. Uma de suas amigas revela
que, antes de morrer, ele queria a presença do pai ―ele queria provas do amor do pai
e de que ele o aceitava como gay e alcoólatra‖ (istoé, 2017).
Estes fatos contribuíram para suas canções. Segundo uma reportagem da
Globo (2013) ―Renato Manfredini Junior deu lugar ao contestado compositor Renato
Russo, nome inspirado no filósofo e compositor Jean-Jacques Rousseau e no
filósofo matemático Bertrand Russell‖, bem como ele procurava em outros filósofos e
literatos tentar explicar seus sentimentos, como por exemplo na música ―Monte
Castelo‖ em que cita Camões ―o amor é fogo que arde sem se ver...‖. Renato era
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 88
movido a amores, inclusive platônicos. Em seu diário relatou o amor platônico que
sentia por Dado Villa-Lobos, integrante da mesma banda que ele.
Renato tinha um discurso com um grau de sentido muito alto, pois falava dos
problemas de uma forma muito real, de forma que fazia com que as pessoas que
passavam/passam por aquelas situações se identificassem. Todos imaginavam ele
como um gênio, entretanto apenas falava de coisas que estavam presentes na
sociedade há muito tempo, ou seja, atualizando uma memória, com a qual as
pessoas se identificavam naquelas condições de produção do discurso. Foi um
grande influenciador da juventude da época, por ser bastante presente em suas
letras questões políticas, como em ―Que país é este‖ composta por ele. Pode-se
identificar na música “Pais e filhos” o contexto familiar e, em seguida, a forma como
este aparelho ideológico interfere em todas as outras relações da sociedade.
Sobre as posições ideológicas tomadas por Renato referente aos valores
familiares, primeiramente, ele expõe os conflitos presentes neste aparelho
ideológico. Como colocado anteriormente, todo ser humano tem o objetivo de
dominar alguém, e as famílias tem este objetivo de manter seu domínio sobre seus
dependentes – os filhos. Orlandi afirma (1999, p. 40) ―como nossa sociedade é
constituída por relações hierarquizadas, são relações de forças, sustentadas no
poder desses diferentes lugares, que se fazem valor na ―comunicação‖. A fala do
professor vale (significa) mais que a do aluno‖, ou seja, os pais tentam manter
domínio sobre seus filhos, uma vez que eles possuem mais experiência e outros
domínios.
Desta forma, acontece um embate entre pai e filho, já que, cada um tem suas
posições ideológicas, por pertencerem a épocas diferentes e conviverem com
pessoas de acordo com suas faixas etárias. Como por exemplo, os filhos pertencem
a um mundo moderno e ainda que os pais vivam neste mundo, muitas de suas
ideologias foram formadas na juventude, em outro contexto histórico.
Se os pais forem cristãos, passarão aos filhos a respectiva crença, por
―participar de certas práticas regulamentadas que são as do aparelho ideológico do
qual dependem as ideias que ele livremente escolheu, em plena consciência
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 89
enquanto sujeito‖ (ORLANDI, 1999, p. 90). Eles acreditam que suas posições
ideológicas são as corretas e desejam que os filhos sigam os mesmos caminhos,
isso é o próprio da ideologia produzindo evidências de sentido. Os pais fazem o seu
papel enquanto sujeito dotado de consciência ―imprimindo no ato de sua prática
material as suas próprias ideias enquanto sujeito livre. Se ele não o faz, algo vai
mal‖. Dessa maneira, ocorre a formação discursiva e nela os enunciados, os
sentidos em disputa, cada um defendendo suas ideias por meio do discurso.
3 Os conflitos entre “Pais e Filhos” presentes na música
A canção pais e filhos promove uma automática reflexão ao ser ouvida. Ela
contém uma melodia triste e uma letra que faz as pessoas refletirem sobre suas
atitudes, sobre que tipo de pai ou mãe será no futuro. Rezende (2012 - online) relata
uma entrevista de Renato Russo, na qual ele afirma que "Pais e filhos é
especificamente sobre a nossa situação [dos componentes da Legião], pois nós três,
agora, somos pais. E este disco é extremamente universal, não está ligado ao
momento. Daqui a 20 anos, vamos poder ouvir Pais e Filhos", ou seja, são situações
que se perpetuam na história, é o aparelho ideológico mais intrigante levando em
consideração o lado emocional.
Os pais são indivíduos interpelados como todos, e eles querem dar condições
a seus filhos que imaginam ser as de um bom cidadão. Entretanto, nos imaginários
dos filhos isto pode ser feito de outra maneira e não da maneira que os pais
determinam. Em uma parte da música é abordada a questão dos filhos nunca se
colocarem no lugar dos pais, sempre julgá-los ao invés de compreendê-los ―você
culpa seus pais por tudo, isso é absurdo são crianças como você o que você vai ser
quando você crescer‖, os filhos um dia serão pais e cometerão os mesmos erros.
Este aparelho ideológico causa bastante conflitos internos; os pais querem deixar
seus filhos assujeitados, pois, como dito anteriormente, todo ser humano tem a
necessidade de manter domínio sobre o outro e a relação Pai/Filho não deixa de ser
um exemplo disto.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 90
O sujeito da música seria o locutor, ou seja, o Eu ―Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia‖, que fala para o alocutor, o Tu ―Você me diz que seus pais
não te entendem, mas você não entende seus pais‖ e ainda coloca uma terceira
pessoa, o Ele. O Ele descreve a história de uma menina que se suicidou por conflitos
com os pais ―ela se jogou da janela do quinto andar nada é fácil de
entender‖. ―Na música, quando o ―eu‖ se refere ao papel de pais, o ―tu‖ diz
respeito aos filhos e vice-versa‖ (CLARAS, 2015), podemos notar que a
música traz diferentes vozes e apresenta os conflitos existentes dentro das
constituições familiares, como o divórcio, abandono e o suicídio:
Ao contrário do que muitos pensam, a canção conta a história de uma menina que se suicida após várias discussões e desentendimentos com seus pais. A letra é fabulosa por começar do suicídio e só depois explicar os motivos. Além disso, o refrão é uma lição de vida que diz que devemos amar as pessoas todos os dias, porque o amanhã pode não existir. (Freitas, 2011)
A música seria uma explicação para os motivos que levou a menina a
cometer suicídio.
A canção em si trata de questões familiares, como o próprio nome diz e todos
os enunciados giram em torno destas relações, como afirma CLARAS (2015):
Todas as escolhas do enunciador, por meio da delegação da voz, projetando diferentes instâncias enunciativas, ou entendidas como discurso indireto livre, têm o propósito de chamar a atenção do enunciatário para questões acerca das relações, conflitos e modelos familiares
O locutor também coloca a questão do assujeitamento na relação pai/filho em
outro momento da música. Quando ele cita que ―meu filho vai ter nome de santo
Quero o nome mais bonito‖ assumindo o papel de um futuro pai, determinando o
modo em que ele pretende moldar seus filhos ―são versos que apontam o lado
sonhador dos pais, que desejam filhos saudáveis, que sejam como santos, isto é,
pessoas boas‖ (CLARAS, 2015). Inconscientemente, ele já faz planos de agir como
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 91
seus pais e interpelar o filho de acordo com suas crenças, seus costumes e etc. sem
que o filho tenha a oportunidade de escolher seu caminho.
A questão do divórcio e abandono também predomina na música. O locutor
deixa isso de uma maneira bem clara, quando diz ―Eu moro com a minha mãe, mas
meu pai vem me visitar eu moro na rua, não tenho ninguém eu moro em qualquer
lugar‖, como afirma (CLARAS, 2015):
Dentre estes está o divórcio, que institui uma nova relação, um modelo diferente de relacionamento entre pais e os filhos, ou seja, filhos que moram com as mães e recebem a visita do pai. Na música discute-se ainda a questão do abandono, crianças que vivem na rua, em qualquer lugar.
Por fim, nesta música é relatado os diversos problemas de relação entre pais
e filhos. Estes conflitos podem chegar em atitudes de extrema rebeldia, como por
exemplo, tirar a própria vida, os conflitos que cercam o universo familiar, elencados
na sintaxe discursiva, podem ser as razões para o suicídio. Porém os filhos um dia
entenderão os discursos paternos, uma vez que também se tornarão pais.
4 Conclusão
Diante dos resultados apresentados pode-se considerar que a constituição
familiar nem sempre tem a melhor relação para os filhos. Esta pode conter
problemas, conflitos de sentidos, como divórcio, abandono, suicídio, embates entre
pais e filhos, entre outros conflitos. Estes problemas afetam a formação ideológica
dos filhos, uma vez que cada um convive em diferentes aparelhos ideológicos e tem
a intenção de seguir suas próprias ideologias, mas os pais querem impor um
assujeitamento de suas ideologias nos filhos, formando os conflitos e embates entre
ambos.
Porém nem sempre os filhos se colocam no lugar dos pais para procurar
entendê-los. E a música retrata esta questão, uma vez que todos crescem,
constituem uma família e agirão provavelmente da mesma maneira, querendo impor
suas ideologias sobre o outro. O discurso funciona desta forma, quando faz sentido
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 92
para o sujeito, este acaba tentando passar/impor como evidente, verdade, para
outros.
Pode-se concluir que não há sentido sem ideologia, o que há são sentidos em
circulação em diferentes condições de produção na sociedade e na história. Há
outros aparelhos que podem determinar o processo de produção de sentidos (como
a mídia), e estes podem se identificar melhor do que dentro daquele aparelho no
qual cresceu. Por isso sempre ocorrerá este embate entre pais e filhos, e isto diz
respeito ao materialismo histórico predominante na sociedade.
Referências
BARRETO, André; CARNEIRO, Claudia. Renato Russo Do inferno ao céu: 2017 (on-line). Disponível em:
<https://www.terra.com.br/istoegente/34/reportagens/rep_renato2.htm> acesso em: 10 nov. 2017.
BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução à Análise do Disurso. 8. Ed. Campinas-
SP: Editora da Unicamp,2002.
FREITAS, Gustavo. Pais e filhos – Legião Urbana, 2011 (on-line). Disponível em:< https://musicasbrasileiras.wordpress.com/2011/02/15/pais-e-filhos-legiao-urbana/> acesso em: 10 nov. 2017.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Trad. Laura F. de Almeida Sampaio. Loyola. São Paulo, 1996.
GARCIA, Sergio. “Só por hoje e para sempre” um relato sincero de Renato Russo: 2015 (on-line). Disponível em: <
http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/07/so-por-hoje-e-para-sempre-um-relato- sincero-de-renato-russo.html> acesso em: 10 nov. 2017.
LOWY,Michael. Ideologia e ciências sociais: elementos para uma análise marxista 10. ed. São Paulo: Cortez, 1995.
MERITH-CLARAS, Sonia. Uma leitura semiótica de “Pais e filhos”: o plano do
conteúdo da canção, 2015. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/esse> acesso em: 10 nov. 2017.
ORLANDI, Eni P. Analise do discurso. 1. ed. São Paulo: Pontes, 1999.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 93
SAUSSURE, Ferdinando. Curso de linguística geral: 27. ed. São Paulo: Cultriz,
2006.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 94
GÊNEROS TEXTUAIS COMO INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS: ESTUDOS E REFLEXÕES DA PRÁTICA
EDUCATIVA
ANA KELY DE SOUZA VIANA E-mail: [email protected]
ELIZANE ASSIS NUNES E-mail: [email protected]
GLEIDENIRA LIMA SOARES E-mail: [email protected]
Resumo. O presente artigo aborda as possíveis possibilidades de intervenções educativas com gêneros textuais no 4º ano do ensino fundamental, tal escolha deu-se por nos depararmos com alunos, nessa etapa do ensino, que ainda se encontram em processo de alfabetização. Partindo da problemática de como trabalhar gêneros textuais em sala de aula para promover a aprendizagem da leitura e da escrita, a metodologia foi pesquisa-ação, utilizando-se como instrumento de estudo a observação em campo na escola pública da rede municipal de ensino, na cidade de Guajará-Mirim. O aporte teórico foi embasado nas pesquisas desenvolvidas por CHAVES (2014); CAGLIARI (1998); GOMES e MORAES (2013); SOARES (2017); TRAVAGLIA (2013). Vale ressaltar que os teóricos e/ou cientistas asseguram que no 4º ano do ensino básico os educandos já deveriam estar alfabetizados, porém muitos ainda não estão sabendo ler e escrever nessa fase. Assim, nas considerações finais podemos afirmar que existe a possibilidade de realizar intervenções pedagógicas com o uso de gêneros diversos, sejam textos literários (poesia, fábula e parlenda), orais ou escritos, intervenções essas que servem para consolidar a junção da alfabetização e do letramento nas perspectivas das facetas: linguística, interativa e sociocultural.
Palavras-Chave: Alfabetização. Práticas Educativas. Gêneros textuais.
Abstract. This article addresses the possible possibilities of educational interventions with textual genres in the fourth year of elementary school, such choice was given by believing that students at this stage of teaching, are still in the process of literacy. Starting from the problematic how to work textual genres in the classroom to promote the learning of reading and writing, thus, the methodology was research-action, used as an instrument of study the field observation, public School of the network Municipal education system, in the city of Guajará-Mirim. The theoretical contribution was based on the researches developed by Chaves (2014); CAGLIARI (1998); GOMES and MORAES (2013); SOARES (2017);
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 95
TRAVAGLIA (2013). It is worth pointing out that theorists and/or scientists ensure that in the 4th year of basic education the students should already be literate, and many are still not knowing how to read and write. Thus, in the final considerations we can affirm that there is the possibility of carrying out pedagogical interventions with the use of different genres, whether literary texts (poetry, fable and speech), oral or written, which serve to consolidate the junction of literacy and literacy in the perspectives of the facets: linguistic, interactive and sociocultural.
Key Words: Literacy. Educational Practice. Genres textual
1 Introdução
Abordamos sobre as intervenções educativas com o uso de gêneros textuais
no 4º ano do ensino fundamental, município de Guajará-Mirim, por acreditar que
conhecemos algumas realidades em que alunos nessa etapa do ensino, ainda
encontram-se em processo de alfabetização, vale ressaltar que os teóricos e/ou
cientistas asseguram que em tal ano os educandos já deveriam estar alfabetizados,
e muitos ainda não estão sabendo ler e escrever. Para efetivar a referida proposta
adentramos em uma instituição da rede publica de ensino.
Em virtude dos argumentos apresentados embasamos nossa pesquisa no
assunto que vem sendo discutido por diversos pesquisadores da educação. Alguns
desses autores estão fundamentando esse artigo como: Soares (2017); Cagliari
(1998); Travaglia (2013); Gomes e Moraes (2013), dentre outros.
Nesse sentido, objetivamos investigar as possibilidades de intervenções
pedagógicas com o uso de gêneros textuais no 4º ano do ensino fundamental para a
promoção da aprendizagem da leitura e da escrita. Não pretendíamos fazer uma
retrospectiva do que o aluno aprendeu ou deixou de aprender, mas, sobretudo
discutir a alfabetização e o letramento desses alunos e as intervenções pedagógicas
possíveis para fomentar o exercício da aquisição da leitura e da escrita.
A metodologia foi pesquisa ação, usamos como instrumento de pesquisa a
observação em campo, na qual convivemos com 27 alunos de uma escola pública
municipal localizada em Guajará-Mirim. Nas considerações ressaltamos a existência
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 96
real de muitas possibilidades de intervenções pedagógicas com o uso dos gêneros
diversos para alfabetizar nas três características das facetas: linguística, interativa e
sociocultural. As atividades podem ser orais ou escritas. Essas intervenções
consolidam a alfabetização e o letramento.
2 Reflexões sobre a prática pedagógica no ensino fundamental
A escola pública, sobretudo de ensino fundamental, não é pobre apenas na fachada; também o é em seu funcionamento, por vezes indigente. Vendo o trabalho de muitas professoras por este Brasil, constatamos que em muitos casos elas não dispõem do material de que precisam para realizar o seu trabalho. (CAGLIARI, 1998, p. 09)
Iniciamos esse texto com a reflexão do autor Cagliari (1998) para imprimir a
realidade das escolas públicas brasileiras no nosso país. O que vemos são: falta de
estrutura, recursos, formação e etc. E esse contexto, contribui para que alguns
alunos cheguem ao 4º ano do ensino fundamental sem saberem ler e escrever. Para
Cagliari (1998):
Os alunos pobres têm pouco contato com a escrita e a leitura antes de entrarem para a escola. Necessitariam, portanto, de livros e materiais escritos bem impressos. Mas justamente eles é que recebem o pior material: cópias de péssima qualidade de atividades mimeografadas em tipos gráficos inadequados para as primeiras lições de escrita e leitura, quando não feitos no verso de um papel já utilizado. (CAGLIARI, 1998, p. 10)
Vale frisar que foi bem nessa conjuntura que se iniciou essa pesquisa. Ao
entrar em contato com a equipe gestora da escola para apresentar o referido projeto
de pesquisa. Nesse momento, a diretora percebeu que tinha na instituição uma
turma que se adequava à problemática da pesquisa, visto que eram perceptíveis as
dificuldades na leitura e na escrita. Soares (2017) assevera:
Nos anos iniciais do século XXI, apesar da hegemonia exercida pelo construtivismo nas duas décadas anteriores, o fracasso em alfabetização persiste, embora esse fracasso, agora, configure-se de forma diferente: enquanto, no período anterior, o fracasso, revelado por meio de sobretudo de avalições internas à escola, concentrava-se na série inicial do ensino fundamental, a então chamada ―classe de alfabetização‖, o fracasso na
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 97
década inicial do século XXI é denunciado por avaliações externas à escola- avaliações estaduais, nacionais e até internacionais -, e já não se concentra na série inicial da escolarização, mas espraia-se ao longo de todo ensino fundamental, chegando mesmo ao ensino médio, traduzido em altos índices de precário ou nulo domínio da língua escrita, evidenciando grandes contingentes de alunos não alfabetizados ou semialfabetizados depois de quatro, seis, oito anos de escolarização. (SOARES, 2017, p. 23, grifos nosso).
Dessa forma, a diretora da escola propôs em fazer um trabalho com essa
turma do 4º ano do ensino fundamental, classe composta por 27 alunos, sendo 13
meninos e 14 meninas. Depois desse primeiro contato, nos foi apresentada a
estrutura física da instituição. A escola tem no total 19 ambientes (salas de aula,
direção, supervisão, laboratórios, refeitórios, banheiros dentre outros). O corpo
docente é composto por 09 professores para atender a demanda de 390 alunos
matriculados, a grande maioria desses estudantes são oriundos de famílias simples
e residentes de bairros periféricos do município pesquisado.
Dando prosseguimento, ocorreu apresentação e interação entre os sujeitos da
pesquisa, à professora da turma com a pesquisadora. Os estudantes estavam dando
início a observação e participação cooperativa das atividades que foram propostas
no plano de aula. Vale ressaltar que estamos refletindo sobre intervenções
pedagógicas para fomentar a aprendizagem da leitura e da escrita.
Nesse sentido, a referida professora iniciou um diálogo sobre métodos de
alfabetização, sugerindo que os alunos poderiam ter vivenciado experiências
inadequadas durante o ciclo de alfabetização e por esse motivo estaria com
dificuldades de aprendizagem. A respeito disso, trazemos à baila Soares (2017), que
anuncia que métodos de alfabetização tornaram-se controvérsia, polêmica,
divergências e desacordos. Vejamos:
Como assunto a discutir ou mais que isso dificuldade a resolver [...] controvérsia, polêmica – métodos de alfabetização como objeto de divergências, desacordos [...]. A questão dos métodos de alfabetização [...] é histórica, não é uma ocorrência atual. Esteve presente, em nosso país, ao longo da história dos métodos de alfabetização, pelo menos desde as décadas finais do século XIX, momento em que começa a consolidar-se um sistema público de ensino, trazendo a necessidade de implementação de
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 98
um processo de escolarização que propiciasse às crianças o domínio da leitura e da escrita. Como consequência de indefinição de como garantir esse domínio, o método para a aprendizagem inicial da língua escrita tornou-se [...] uma dificuldade a resolver; e como consequência de diferentes respostas sugeridas para essa dificuldade o método tornou-se também [...] um objeto de controvérsia e polêmicas. Uma questão que atravessou o século XX e ainda persiste, recebendo ao longo do tempo, sucessivas pretensas ―soluções‖ em um movimento [...] de contínua alternância. (SOARES, 2017, p. 16).
Percebemos que a questão dos métodos é histórica e os problemas de
aprendizagem de leitura e escrita também não são atuais, pelo contrário persistem
desde o final do século XIX, como assegura Soares (2017):
Em um movimento, analisado por Mortatti (2000), de continua alternância entre ―inovadores‖ e tradicionais: um ―novo‖ método é proposto, e em seguida criticado e negado, substituído por um outro ―novo‖ método é proposto, em seguida é criticado e negado, substituído por mais um ―novo‖ que, algumas vezes, é apenas o retorno de um método que se tornara ―tradicional‖ e renasce como ―novo‖, e assim sucessivamente. (SOARES, 2017, p. 17).
É a relativa instabilidade do método de ensinar leitura e escrita. O resultado
dessa inconstância é o fracasso escolar. E ele tem sido o propulsor das periódicas
mudanças de paradigma e de concepções de métodos. Ele tem se constituído por
problemas de aprendizagem e a produção de analfabetos pelo próprio sistema
escolar. Desse modo, Soares (2017, p. 23) explica ―até os anos 1980, via-se no
método a solução para o fracasso na alfabetização, nesse período sempre
concentrado na classe ou serie inicial do ensino fundamental, traduzindo-se em altos
índices de reprovação, repetência, evasão‖. Ainda acrescenta:
A questão dos métodos de alfabetização tem-se caracterizado fundamentalmente por dúvidas e divergências sobre a adequada orientação da criança para a aprendizagem do sistema alfabético-ortográfico-para a leitura e escrita de palavras. Embora essa aprendizagem do que aqui se denomina faceta linguística deva ocorrer de forma simultânea e interativa com as duas outras facetas, a questão de métodos em relação a essas outras duas – métodos para o desenvolvimento da compreensão de texto escrito, e para a produção de texto escrito, nos contextos socioculturais – não tem merecido a centralidade que vem tendo, historicamente, a questão
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 99
dos métodos para a aprendizagem do sistema de escrita. (SOARES, 2017, p. 36)
Como esclarecimento, Soares (2017) traz no bojo de seu livro ―Alfabetização:
a questão dos métodos‖, uma orientação que a forma mais ampla e talvez mais
adequada seja os métodos de aprendizagem inicial da língua escrita, chamando-as
de facetas, ou seja:
A faceta propriamente linguística da língua escrita – a representação visual da cadeia sonora da fala, faceta a que neste livro se reservará a designação de alfabetização. Faceta Interativa da língua escrita – a língua escrita como veículo de interação entre as pessoas, de expressão e compreensão de mensagens; a faceta sociocultural da língua escrita – os usos, funções e valores atribuídos à escrita em contextos socioculturais, estas duas últimas facetas consideradas neste livro, como letramento. (SOARES, 2017, p. 28, grifos do autor).
Nesse sentido, constatamos que Soares (2017) vincula à aprendizagem da
leitura e da escrita, a alfabetização e o letramento. A referida autora acrescenta em
seus escritos os objetos de conhecimento de cada uma das facetas, assim como
evidencia os métodos em cada uma delas. Observamos:
A faceta linguística [...] Predomina nos métodos sintéticos e analíticos [...] e as competências visadas são a codificação e decodificação da escrita [...] o objeto de conhecimento é a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e das convenções da escrita, objeto que demanda processos cognitivos e linguísticos específicos e, portanto, desenvolvimento de estratégias específicas de aprendizagem e, consequentemente, de ensino [...] a alfabetização. A faceta interativa [...] predomina no construtivismo [...] as competências são [...] a inserção da criança no mundo da cultura do escrito, ou seja, decorrência do desenvolvimento das facetas interativa e sociocultural [...] o objeto são as habilidades de compreensão e produção de textos, objeto que requer outros e diferentes processos cognitivos e linguísticos e diferentes estratégias de aprendizagem e escrita. A faceta sociocultural, o objeto são os eventos sociais e culturais que envolvem a escrita, objeto que implica conhecimentos, habilidades e atitudes específicos que promovam inserção adequada nesses eventos, isto é, em diferentes situações e contextos de uso da escrita. Essa tricotomia explica [...] as controvérsias – entre os métodos mencionados anteriormente [...] implicam seleção de diferentes objetos para o processo de aprendizagem. (SOARES, 2017, p. 29, grifos nossos)
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 100
Convém lembrar que tudo que os escolares precisam é que sejam realizadas
todas essas intervenções pedagógicas no cotidiano da escola. Nessa seara, durante
a observação a professora permitiu que fossem realizadas algumas atividades de
intervenção pedagógica com os educandos. ―As intervenções pedagógicas [...] são
capazes de potencializar o desenvolvimento linguístico e intelectual dos escolares ‖
(CHAVES, 2014, p. 88).
Em uma sessão de estudo, entre pesquisadora e orientadora, refletimos que
seria interessante socializar as experiências vivenciadas durante a pesquisa com
acadêmicos que iriam a campo realizar estudos científicos para produção dos
Trabalhos de Conclusão de Curso e vice versa, pois uma das disciplinas oferecidas
no Curso de Pedagogia foi a de Metodologias de Alfabetização.
3 A produção de gêneros textuais na prática pedagógica no ensino
fundamental
Partindo desse pressuposto iniciamos o trabalho com uma turma de
Pedagogia (2017.1) da Fundação Universidade Federal de Rondônia, no campus de
Guajará-Mirim, na disciplina de Metodologias de Alfabetização, ministrada pela
docente Elizane Assis Nunes.
Nessa turma, a docente enfatizava a importância dos trabalhos com gêneros
textuais para o fortalecimento da alfabetização e letramento a partir da criação e
imaginação dos escolares. Aproveitando a pesquisa e fazendo a junção da teoria
com a prática foi possível realizar um trabalho cooperativo e participativo com as
turmas (Graduação e 4º Ano Ensino Fundamental). Vale frisar que as atividades
propostas na academia eram colocadas em práticas com os educandos do 4º ano,
durante a pesquisa.
Nesse contexto foram realizados diversos acrósticos em sala de aula para
depois serem doados para a escola e assim podermos iniciar a nossa intervenção.
Vejamos alguns momentos desse trabalho participativo e cooperativo com ambas
turmas:
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 101
Ilustração 1 - Referente aos grupos de trabalhos que realizaram o trabalho
na Fundação Universidade Federal de Rondônia, Campus de Guajará-Mirim/RO, no
segundo semestre do ano de 2017.
Fonte: https://www.facebook.com/elizane.nunes.7/photos_all
A partir desse trabalho proposto e iniciado com a turma em evidencia, na
escola desenvolvemos listas temáticas, como listas de aniversários, animais, listas
de compra (supermercado), nomes de amigos. Depois realizamos atividades de
gêneros e produtos diversos, como por exemplo, acróstico e produção de textos.
Levamos os trabalhos acadêmicos para a escola e fixamos em sala de aula
para os alunos iniciarem a relação de convivência com os gêneros textuais. Para
Travaglia (2013):
No dia a dia as salas de aula, as atividades devem ser desenvolvidas em torno e a partir de textos orais e escritos de fontes e gêneros diversos e de produtores diversos, inclusive textos dos alunos. Os textos trabalhados em sala de aula irão servir de base à atividade de leitura, produção de textos, ensino do vocabulário e conhecimento da língua (ensino da gramática). (TRAVAGLIA, 2013, p.143)
A esse respeito, concordamos com o referido autor. As atividades que foram
geradas pelos textos e opiniões dos acadêmicos tiveram aceitação positiva por parte
dos alunos do 4º ano, pois serviram de estímulo para produção de atividade, sendo
proveitoso em termos de participação e aprendizagem.
Ilustração 2 - Referente ao gênero textual lista, trabalho realizado pelos
estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental, escola localizada no município de
Guajará- Mirim/RO.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 102
Fonte: Acervo da Ana Kelly (2017)
Ilustração 3 - Referente ao trabalho com ortografia realizado pela turma do
4º ano do Ensino Fundamental, em uma escola no município de Guajará-Mirim/RO.
Fonte: Acervo da Ana Kelly (2017)
Foi possível trabalhar número de sílabas, sílaba tônica, frases e outros
conteúdos do ensino da gramática e dos conhecimentos linguísticos. Travaglia
(2013) ressalta que:
As atividades de conhecimento linguístico devem, sobretudo nas séries iniciais, mas mesmo por todo o Ensino Fundamental, concentrar-se: a) Na significação dos recursos linguísticos, na sua contribuição para o(s) sentido(s) que se quer veicular por meio de textos; b) Na função desses mesmos recursos na constituição dos textos, quase sempre ligada às suas significação; c) Na exploração de recursos alternativos para o mesmo fim (significado e função), ressaltando a diferença entre eles, quando isto for possível [...] é sempre bom procurar introduzir primeiro o conceito, para que o aluno perceba o fato e em segundo lugar o termo ( sílaba – conceito, sílaba tônica, classificação das palavras quanto ao número de sílabas e
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 103
quanto à sílaba tônica, palavra, frase, verso, estrofe, parágrafo, verbo etc.) (TRAVAGLIA, 2013, p. 143).
Nessa exploração dos recursos para o aprendizado dos conhecimentos
linguísticos, percebemos que essas atividades propunham muitos materiais que
podiam ser trabalhados e muitos dos conteúdos que estão fragmentados nas
unidades dos livros didáticos poderiam ser unificados e transversalizados. Dessa
forma, podíamos trabalhar realizando a aprendizagem de diversos conteúdos do
ensino da gramática e de conhecimentos linguísticos. ―Um texto sempre tem muito
material que pode ser trabalhado e, portanto, o que se trabalha depende apenas de
nosso objetivo no momento‖ (TRAVAGLIA, 2013, p.145).
Atividades e exercícios foram sendo realizados ao longo dos dias, podemos
mencionar que a professora regente sempre permitiu nossa participação,
ativamente, inclusive as intervenções que trazíamos eram aceitas. Depois das
atividades fazíamos questão de acompanhar cada um dos alunos no momento da
conversa, pois oportunizávamos aos educandos um período denominado de
socialização, em que todos podiam participar e expor suas dúvidas, ou mesmo,
hipóteses que criaram para realizar a tarefa. Travaglia (2013) resume:
Essa é sem dúvida uma opção importante, pois só assim o aluno se torna capaz de perceber, por exemplo, onde o texto apresenta uma causa, uma consequência, uma escolha, um tempo, um modo, um lugar, uma quantidade etc. e que recursos exprimem tais ideias, bem como perceber que certos recursos exprimem certos sentidos, como, por exemplo, o fato de a flexão de número exprimir quantidade. Só assim também ele se tornará capaz de perceber relações semânticas entre elementos do texto (palavras, orações etc.) e como elas se estabelecem. Sem isto jamais será um bom produtor e leitor de textos. (TRAVAGLIA, 2013, p. 146).
Nesse caso, realmente percebemos que os alunos não tinham uma boa
leitura e produção textual. É preciso reconhecermos que:
O Brasil precisa de uma modificação profunda na educação e, em especial, na alfabetização. Para isso necessita de professores com melhor formação técnica. As escolas de formação dedicam muito tempo às matérias pedagógicas, metodológicas e psicológicas e não ensinam o que devem a
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 104
respeito da linguagem; nem sequer tem cursos de linguísticas (ou de aritmética). Como um professor pode lidar corretamente com o fenômeno linguístico, se ele nunca estudou linguística. A escola precisa saber dosar todos esses conhecimentos para poder atuar de maneira correta. Nada substitui a competência do professor e, enquanto nossas escolas continuarem a formar mal nossos professores, a alfabetização e o processo escolar como um todo continuarão seriamente comprometidos. (CAGLIARI, 1998, p. 04).
Certamente, temos que melhorar a formação de professores no país, para
que tenhamos melhores resultados na aprendizagem. Pois acreditamos que não
seja mais possível encontrarmos alunos no 4º ano do ensino fundamental sem as
mínimas habilidades de leitura e escrita.
Ao longo dos últimos anos, o processo de alfabetização foi confundido com tantas coisas e ficou amarrado a tantas atividades inúteis, que o tempo necessário para um aluno aprender a ler (e a escrever) se espichou demais. O que podia ser feito num semestre passou a ser feito em um ano. Com o ciclo básico, alguns professores passaram a entender que agora o aluno tem dois anos para se alfabetizar, o que é falso. (CAGLIARI, 1998, p.110)
Dessa forma temos vivido a protelação do ensino para o próximo semestre e
depois para o próximo ano e até para o próximo professor, e assim, os escolares
têm chegado ao 4º ano mal alfabetizados. A respeito desse assunto Cagliari (1998),
adverte:
Se essa criança tivesse sido alfabetizada de outra maneira, se tivesse tido a chance de mostrar ao professor o que pensava a respeito da fala, da escrita e da leitura, apresentando um trabalho de escrita feito por iniciativa própria e não apenas seguindo um modelo de coisas já dominadas, teria resolvido seus problemas. (CAGLIARI, 1998, p. 115)
Pensando nessa alternativa proposta pelo autor e tendo como meta levar o
aluno a refletir sobre a fala, a escrita e a leitura que propusemos a realização do
ditado divertido, chamando-o de ditado estourado. Usamos balões coloridos e
palavras que os próprios alunos escolheram para compor a atividade.
Inicialmente fizemos uma roda de conversa, resgatando a lista que fizemos
anteriormente e depois pedimos que os alunos participassem escrevendo novas
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 105
palavras para compormos o ditado divertido. Depois íamos estourando os balões e
as palavras que estavam dentro do balão eram lidas, por e com eles, depois
passávamos para a escrita desses vocábulos por eles. Travaglia (2013) recomenda:
Deve-se também incentivar os alunos a transferirem e aplicarem o conhecimento adquirido no estudo de um determinado tópico para outros recursos que encontrarão em textos que vão ler ou produzir, essencialmente as atitudes de questionar o que algo significa ou pode significar e que diferença de significação há entre recursos alternativos para o mesmo fim. (TRAVAGLIA, 2013, p. 147).
Evidente que estávamos procurando incentivar os alunos a participar das
atividades propostas, assim como aplicarem o conhecimento que foi aprendido nas
atividades anteriores, ou seja, operacionalizar o aprendizado da gramática.
Sem dúvida falar sobre o ensino da gramática nas primeiras séries do Ensino Fundamental para levar os alunos a um conhecimento linguístico pertinente não é fácil, considerando os muitos elementos e aspectos envolvidos, já sobejamente conhecidos dos (as) professores (as). Menos fácil é operacionalizar o aprendizado em sala de aula, com alunos de níveis diferentes de aprendizado e também em condições diferentes de aprendizagem. Todavia [...] é possível trabalhar a gramática pela via do uso dos diferentes recursos da língua e do estudo da contribuição desses recursos para a significação, para o sentido dos textos, apresentando aos alunos alguns conceitos fundamentais e uma terminologia básica e mínima, apenas a necessária para ajudar a referência a elementos da língua e assim a construção do conhecimento linguístico que o aluno precisa. (TRAVAGLIA, 2013, p. 290)
Pensando no uso dos diferentes recursos da língua e no estudo da
contribuição dos recursos para a significação, que continuamos com as atividades
de intervenções durante a pesquisa de observação. Usamos às atividades do ditado
estourado e realizamos algumas reflexões de ortografia, com relevância no ensino
do ―h‖ no início de palavras e nos dígrafos.
No que tange práticas de ortografia Travaglia (2013), lembra que existem
alguns casos que merecem atenção do professor, e enumera o ensino do H no início
de palavra e no dígrafo, como exemplo. Ainda reconhece que:
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 106
Há uma série de conhecimentos linguísticos que dizem respeito diretamente à aquisição da variedade escrita da língua e, portanto, estão muito relacionadas com o processo de alfabetização e letramento. Há várias competências e habilidades que precisam ser automatizadas e dominadas na aquisição da escrita. Essas competências e habilidades se organizam em níveis que serão desenvolvidos um por vez, mas também ao mesmo tempo. (TRAVAGLIA, 2013, p. 90)
Procurando não sermos exaustivos com as tarefas dos conhecimentos
linguísticos e ao percebermos que os alunos já estavam construindo suas
competências e habilidades para a aquisição da escrita, depois dessa atividade, em
que foram destacados os dígrafos, fizemos atividades de letramento com a tradição
oral. Nesse momento, levamos para a sala de aula atividades com fábulas.
Iniciamos com a história da raposa e o corvo, fábula infantil, um livro da editora FTD,
da autora Ana Oon.
Na fábula um corvo encontra um pedaço de queijo e voa até uma árvore para
comê-lo em paz. No entanto, não esperava que a raposa pudesse aparecer e
incomodá-la. E vejam que a raposa, que estava faminta, tenta por vários artifícios
extrair a comida dele e no final conseguindo tal artimanha. Ao narrar a história foi
possível perceber que os alunos ficaram inquietos, querendo participar da atividade,
muitos deles levantaram a mão com o desejo de oralizar suas opiniões.
Assim como os provérbios, as fábulas também podem ser vistas como um gênero da tradição oral de caráter metafórico e normativo exemplar ou moralista. No entanto enquanto os primeiros se apresentam na forma de frases curtas, estas são constituídas em narrativas, podendo ou não apresentar uma frase final que sintetize a moral por ela vinculada. (GOMES, MORAES, 2013, p. 0).
Nessa linha de pensamento em trabalhar a moral vinculada pela fábula,
colocamos em debate os seguintes questionamentos: a) Na opinião de vocês a raposa
foi esperta mesmo? b) Ao enganarmos os outros realmente estamos sendo espertos?
Essa atividade baseou-se na indicação de Gomes e Moraes (2013) quando dizem:
Em um primeiro momento, o professor apresentará algumas fábulas aos alunos (lidas em voz alta enquanto as crianças acompanham a leitura em uma
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 107
folha com o texto impresso, ou em data show). Na ocasião da leitura em voz alta, sempre que considerar necessário, ele favorecerá a construção de sentido por meio das paráfrases elaboradas a partir de cada trecho lido, utilizando para isso de uma fala próxima à dos alunos (o que favorecerá sua produção de sentido). (GOMES & MORAES, 2013, p. 40).
Além disso, acrescentamos mais questionamento em nosso debate,
oportunizando aos alunos a construção de sentidos, porque concordamos com Soares
(2008), quando assegura:
A alfabetização, muito além de ser a aquisição de uma ―técnica‖, é um processo político que deve ser inserido em um objetivo maior na luta contra as exclusões e discriminações: o ―da construção de uma sociedade mais justa e da constituição de uma identidade política e cultural para o conjunto do povo brasileiro‖. (SOARES, 2008, p. 59).
Portanto, não é suficiente para alfabetizar letrando, ensinar a ler e escrever,
são necessárias atividades que relacionam a leitura e a escrita com as práticas
sociais. Cabe ao professor, e em específico ao docente alfabetizador, desvelar os
sentidos das leituras e desbravar caminhos para que tarefas sejam significativas aos
escolares.
4 Conclusão
Em virtude dos argumentos apresentados podemos afirmar que esse trabalho
foi de grande valia para entendermos as dificuldades do cotidiano escolar, no
decorrer do processo de alfabetizar e letrar os escolares. Compreendemos nesse
texto que os métodos não são prioridade no processo de ensino e aprendizagem.
Que não existe apenas um método e que um método não se sobressai sobre outro.
São apenas métodos e cada um tem seu objeto de aprendizagem. O que devemos
nos ater é à própria práxis educacional. Realizar intervenções pedagógicas sempre
que necessário com exímio planejamento para alcançar o sucesso no ensino-
aprendizagem.
Assim, devemos oportunizar nos planejamentos a inclusão dos diversos
gêneros textuais, orais ou escritos visto que tais materiais circulam nas sociedades e
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 108
ao se trabalhar com eles em sala de aula poderemos promover práticas de leitura e
escrita, desse modo, caberá a nós docentes nos inteirarmos sobre os gêneros
textuais propondo atividades significativas de alfabetização e letramento, já que os
gêneros constam nos documentos oficiais como Parâmetros Curriculares Nacionais
– PCNS.
Logo, as possibilidades de intervenções com gêneros são benéficas para os
professores ao fazerem o seu uso na aquisição da leitura e da escrita e para o
conhecimento linguístico, assim como bem aceitas pelos escolares e nesse caso
com os escolares do 4º ano do ensino fundamental.
Referências
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bí-bo-bu. - São Paulo: Scipione, 1998.
GOMES, Lenice. MORAES, Fabiano. Alfabetizar letrando com a tradição oral.
São Paulo: Cortez, 2013.
SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto,
2017.
SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2008.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Na trilha da gramática: conhecimento linguístico na alfabetização e letramento. São Paulo: Cortez, 2013.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 109
A RESISTÊNCIA DA MULHER NAS OBRAS SERINGAL E
TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA
ARICENEIDE OLIVEIRA DA SILVA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
RUA 29 DE AGOSTO, Nº 786, CENTRO-HUMAITÁ-AMAZONAS CEP: 69800-000
Resumo. O presente artigo tem como tema central A resistência da mulher nas obras Seringal e Tereza Batista Cansada de Guerra. As histórias narram denúncias de violências cometidas contra crianças do gênero feminino, um processo de resistência da mulher nas Regiões Norte e Nordeste. A primeira obra é do autor Miguel Jeronymo de Ferrante - acreano e, a segunda é do autor Jorge Amado - baiano. O principal objetivo do estudo dos romances foi estabelecer um diálogo entre as denúncias feitas por Jorge Amado e Miguel Jeronymo de Ferrante, obras essas da década de 70 do século XX. Outro objetivo desse estudo é mostrar a resistência da mulher no processo discursivo literário em meios às adversidades, em especial, a resistência feminina diante do discurso machista da sociedade da época. Muitas das vezes essa resistência se revela nos fenômenos naturais, simbolizados pela floresta e pela natureza que convergem com a identidade feminina com relação às adversidades colocadas pelas condições, ou seja, diante da ideologia masculina que promovia a submissão feminina. Essa submissão era configurada na opressão e violência cometidas contra a mulher em relação ao machismo da época. Essa resistência apresentada pelas personagens acontece de duas formas: uma é o desencadeamento da depressão, da dor, e da morte. A outra é representada pelo enfrentamento, pela luta corporal, violência física, resistência à tortura e o desejo de liberdade. A metodologia utilizada foi a Análise de Discurso e teorias que tratam da abordagem sobre identidade. Os teóricos que embasaram a discussão foram: Pêcheux (2014), Orlandi (2015), Amado (1996), Hall (2006), Coutinho (2002), Figueiredo (2002) e Ferrante (1972).
Palavras-Chave. Discurso. Resistência Feminina. Ideologia. Processo discursivo
Abstract. This article has as its central theme "the resistance in the discursive process of women's identity in Seringal and Tereza Batista
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 110
Cansada de Guerra. The stories narrate denunciations of violence committed against children of the feminine gender, a process of silencing and resistance of women in the North and Northeast Regions. The first work is the author Miguel Jeronymo de Ferrante - acreano, and the second one is the author Jorge Amado - Bahia. The main objective of the study of the novels was to establish a dialogue between the denunciations made by Jorge Amado and Miguel Jeronymo de Ferrante, works of the seventies, of the twentieth century. Another objective of this study is to show the resistance and silencing of the woman in the literary discursive process in means to the adversities, in particular, the feminine resistance before the macho discourse of the society of the time. Many times this resistance is revealed in natural phenomena, symbolized by the forest and nature that converge with feminine identity in relation to the adversities posed by the conditions, that is, in the face of the male ideology that promoted female submission. This submission was shaped by the oppression and violence committed against women in relation to the machismo of the time. This resistance presented by the characters happens in two ways: one is silencing, depression, pain, and death. The other is represented by confrontation, by corporal struggle, physical violence, resistance to torture and the desire for freedom. The methodology used was the Discourse Analysis that he based on French line discourse theories and theories that deal with the approach on identity. Theorists who supported the discussion were: Pêcheux (2014), Orlandi (2015), Amado (1996), Hall (2006), Coutinho (2002), Figueiredo .
Key words. Discours. Feminine Resistance. Ideology. Discursive process
1 Discurso, texto e ideologia na perspectiva pecheutiana
Esse trabalho pauta-se na teoria de Análise de Discurso de linha francesa,
portanto, é importante compreender as noções e discurso, texto e ideologia,
conceitos fundamentais para sustentação da análise. No contraponto discurso e
texto entende-se que o discurso é o objeto da Análise de Discurso, é também o
espaço de interação entre os sujeitos, situado no tempo e no espaço com todo seu
caráter histórico-sócio-ideológico, ou seja, o discurso é o funcionamento da
linguagem entre os sujeitos afetados pela ideologia, nessa relação entre sujeitos
ideológicos se constitui a produção de sentidos assim podemos dizer que ―o
discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,
compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos‖ (ORLANDI,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 111
2015, p. 15). Partindo desses pressupostos chegamos à conclusão de que não
devemos ignorar que a Análise de Discurso é um método voltado para interpretação,
para análise de um corpus composto de linguagem em seu caráter histórico-sócio-
ideológico e constitui a base das leituras de um texto. Nesse caso, o texto é a
narrativa literária. Isso porque ―sai-se do positivismo da estrutura e instala-se em
uma posição materialista, a que privilegia a ideia de processo de articulação entre
estrutura e acontecimento, ganhando corpo a noção de funcionamento ‖ (ORLANDI,
2012, p.22). O que precisa ficar claro é que o discurso não é o texto, pois ―o texto é
a unidade que o analista tem diante de si e da qual ele parte‖ (ORLANDI 2015,
p.61). Dessa forma o texto é o material simbólico que servirá de partida para a
interpretação do analista de discurso, visto que o corpus é montado visando
determinados funcionamentos discursivos que atravessam o texto.
Isso acontece quando o texto revela a face do discurso, pois passa pelo
processo da discursividade, ou seja, ―quando se explicita em suas regularidades,
pelas suas referências de formas discursivas que vai ganhando sentido pela sua
formação ideológica‖ (ORLANDI, 2015, p. 61). Portanto, discurso não é texto ou
vice-versa, mas um revela a face do outro: o texto é a porta de acesso para o
discurso, pois quando o texto passa pelo processo discursivo, modo como o texto
significa, partindo das suas referências, suas formações discursivas e formações
ideológicas dá-se o discurso, o que significa dizer que ―[..] todo processo discursivo
se inscreve numa relação ideológica de classes‖ (PÊCHEUX, 2014, p.82). Então,
cabe ao analista de discurso identificar a relação com as formações discursivas,
procurando remeter os textos ao discurso e esclarecer as relações deste com a
ideologia, assim o analista deixa a superfície linguística passando ao processo
discursivo (ORLANDI, 2015).
Segundo Althusser apud Orlandi (2012, p. 75) ―ideologia é o modo através do
qual os homens vivem suas relações em relação às suas condições de existência‖.
Nessa perspectiva pode-se concluir que o sujeito no uso da linguagem atribui
sentido na relação da língua com sua exterioridade a partir da sua posição
ideológica. Assim ele produz seu dizer. Dessa forma Orlandi (2015, p. 45), diz que
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 112
―ideologia não é ocultação, mas função da relação necessária entre linguagem e
mundo, linguagem e mundo se refletem no sentido da refração, do efeito imaginário
de um sobre o outro‖. E ainda (idem, idem), ―[...] não há discurso sem sujeito e não
há sujeito sem ideologia‖. Pois o sujeito é por natureza é um ser social, vive em
grupos, tem ideais, valores, conhecimentos e costumes, os quais constituem o
homem em um ser sócio-histórico, cultural e ideológico, pois nenhum ser humano é
destituído de cultura, de história, de valores e de ideologia. Sendo assim, para
Orlandi ―a linguagem é a materialidade do discurso, e o discurso se define como
materialidade especifica da ideologia‖ (2008, p. 35). Portanto, a literatura materializa
as ideologias da sociedade no ato de sua constituição, a literatura na sua conjuntura
social, política e econômica revela as ideologias de um povo, de uma nação.
2 Contexto histórico das obras e de seus autores
O romance Seringal foi escrito por Miguel Jeronymo Ferrante, o qual, na obra
faz uma abordagem sobre o discurso ideológico machista da sociedade da década
de 70 de forma bastante relevante. O mesmo toma a floresta como cenário, e o
seringal como espaço de constituição identitária de um tipo humano, o seringueiro,
mas também revela uma denúncia sobre a forma de ver a mulher pobre perante a
sociedade machista da época. A personagem Paula de apenas onze anos sofre
abuso sexual por um rapaz da alta sociedade de Rio Branco. No contraponto, o
romance Tereza Batista Cansada de Guerra, escrito em 1972, retrata a identidade
da mulher negra e órfã. Nessa obra Jorge Amado apresenta uma personagem que
também ainda é criança, pois sua história inicia-se aos oito anos de idade e a
menina além da beleza traz também a garra de uma raça de uma classe pouco
respeitada, sofrida, mas que não aceitou o destino e brigou por justiça, mostrou que
o sexo não é tão frágil assim, que ela tem vontade própria, tem personalidade e
resistência. Ambas, Paula e Tereza Batista representam as formas de tratar as
crianças do gênero feminino vulneráveis à sociedade e mostram de maneira
diferente a forma de resistência da mulher pela sobrevivência, pois as personagens
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 113
ainda crianças vivem em condições subumanas. Nesse contexto, a ideologia em
relação à mulher era tê-la como objeto sexual, numa sociedade em que a luta de
classes constitui a identidade dos sujeitos.
Segundo as autoras Bordini e Aguiar (1988, p.14) ―a linguagem literária extrai
dos processos histórico-político-sociais nela representados uma visão da existência
humana‖. Esses processos históricos e políticos-sociais remetem às condições de
produção do discurso. Por isso torna-se interessante estudar as obras de Ferrante e
Amado discutindo a resistência atribuída à mulher da época, no seu contexto
histórico-social e as formas discursivas de resistência das personagens que não
aceitam a violência sofrida. Essa análise trata-se de um estudo comparativo
discursivo entre a literatura regional do Norte e a literatura regional do Nordeste.
Ambas enfatizam o papel social da identidade feminina numa sociedade no que se
refere ao final do século XX.
Antes de adentrar nos funcionamentos discursivos que serão analisados em
meio às obras, a resistência da mulher em Seringal e em Tereza Batista Cansada de
Guerra, se faz necessário retomar a apresentação dos autores das obras, Miguel
Ferrante, e em seguida de Jorge Amado. O primeiro nasceu em 1920 e morreu em
2001, no Acre. Formou-se em Direito, em Brasília, foi Diretor do Departamento de
Educação e Cultura, quando o Acre ainda era Território. Atuou no Ministério da
Justiça em Brasília e também em São Paulo. O segundo nasceu em 10 de agosto de
1912, em uma fazenda de cacau denominada Auricídia, localizada no distrito de
Ferradas, no município de Itabuna, estado da Bahia e morreu em agosto de 2001.
Jorge Amado era o filho mais velho de João Amado de Faria e de sua esposa Eulália
Leal Amado de Faria. Amado representa o regionalismo baiano da zona rural do
cacau, do agreste baiano e da zona urbana de Salvador. Sua grande preocupação foi
fixar tipos marginalizados, em especial a mulher. Então, é sob o olhar discursivo
desses autores que se analisou a resistência da menina-mulher na década de setenta
do século XX, em duas regiões distintas do país.
Sobre os conteúdos dos romances, como foi abordado acima, o tema central
são as denúncias, as diferenças sociais e a resistência dos marginalizados, nesse
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 114
caso, o gênero feminino. Como veremos mais adiante, a obra escrita por Miguel de
Ferrante, em 1972, dialoga com a obra de Jorge Amado, também escrita em 1972 –
pois ambas destacam a vida de duas meninas entre 11 e 12 anos que são estupradas
por ―homens da sociedade‖, um era o filho do prefeito de Rio Branco, capital do Acre
e o outro um coronel no agreste baiano. Ideologicamente, o mundo feminino era
sempre ignorado socialmente, pois a mulher não tinha voz, elas apenas
desempenhavam um papel de procriar e ser objeto sexual do desejo dos homens da
sociedade de modo geral.
Os cenários nos quais se passam as tramas são: na primeira a floresta é viva, se
movimenta, tem sentimentos representados nas cores, pois a natureza vivencia os
sentimentos humanos. Dessa forma, o autor personifica o ambiente induzindo o leitor
a buscar nos personagens tamanha sensação como podemos identificar no discurso
em que revela as sensações de angústia e sofrimento. No início da história de
Seringal o ambiente é bem semelhante ao da caatinga, conforme descreve Ferrante
(1972, p.21), ―há na paisagem parada em tom de cinza, de desolação e de angústia.
O ar imobilizado. Nem uma asa, a mais ligeira brisa. Tudo estático a morrer
brutalizado pelo calor asfixiante, sob a cúpula do céu‖. Esse cenário retrata A
resistência da personagem Paula após sofrer a violência cometida por Carlinhos, filho
de um grande representante da sociedade de Rio Branco, afilhado do seringalista,
coronel da região. E mais, ―a vegetação rasteira do campo do ‗Santa Rita‘ encolhe-se
as fulgurações dos raios inclementes e, aos poucos, vai murchando, amarelando e
morrendo em lenta agonia‖ (idem). Dessa forma, descrita pelo cenário, assim tornou-
se a vida de Paula ao ser violentada por Carlinhos. Vejamos uma passagem do texto
de Ferrante (1972, p.76-77):
- Agora, vamos ver você, minha filha.
A mocinha tem gesto de quem quer fugir. Encolhe-se toda, com os olhos verdes dilatados de medo na face emagrecida. Observa Margarida: - Ela ficou com medo. Depois do que aconteceu, a pobrezinha ficou assim, por causa do malvado do seu Carlinho. (...)
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 115
- Se chama Paula. Nhô sim. Paula. Ela não compreende, não. Não adianta. Não vai falar nada. Tá cada vez pior a pobrezinha. Virge Mãe, quem haverá de dizer que ia mudar assim. Antes, o senhor carecia de ver, era alegre como um passarinho...
Mas em seguida a floresta mostra sua outra face, ela inunda, seus rios
transbordam, coisa que não acontece na caatinga, pois ela também tem ação, seus
encantos como mostra o trecho ―o inferno dos igapós nas lombadas das enchentes. A
floresta diabolicamente verde, exuberante, estuante de seiva, avançando dominadora,
enfuirecida sobre a barraca‖ (idem, p.30). Nesse trecho o autor parece revelar a ação
avassaladora do homem sobre a mulher, vejamos (idem, p. 40-41):
Seu Carlinho ficou desarvorado, quando viu a menina. A menina era um deus-nos-acuda. Vivia grudada na saia da mãe (...). Pois deu a louca no seu Carlinho. Vivia morrendo. Macambúzio que nem bezerro desmamando. É. Ela bancando gostosa (...) Seu Carlinho ficou agitado que nem oirana. E foi aquele escarcéu. Coitada da menina... E na frente da entrevada.(Grifo meu).
Conforme os retalhos acima, há no discurso de Ferrante uma relação com os
fenômenos naturais – a caatinga revela o sofrimento da menina que foi violentada. A
menina Paula vai morrendo em lenta agonia como a vegetação da caatinga durante
a seca no sertão. Enquanto que as cheias dos igarapés, dos rios na floresta
retratam a ideologia machista, avassaladora incontrolável do homem que não se
contém e quer demostrar seu poder. Dessa forma, o homem ganha forças como as
cheias dos rios ao ver a menina indefesa, e assim como a força das águas nada
controla os impulsos doentio de Carlinhos em relação à Paula.
Veja um discurso machista de um dos personagens, Chico Xavier,
(FERRANTE, 1972, p. 39);
- Pois é. Foi como lhe estava contando. A menina é bonita. Franzina, mas bem feita. - Credo cruz! Ela tem uns onze anos !... - Ué, comadre, mulher não se avalia pela idade, não. Depois, aquela menina, com aquele jeito de santa, toda arisca, dificultando tudo... Homem gosta de mulher difícil, pode crer.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 116
Já na obra de Jorge Amado, o cenário não é tão relevante quanto para Ferrante.
Jorge Amado (1996) descreve que Tereza Batista Cansada de Guerra – ―custou um
conto e quinhentos mil-réis mais um vale para armazém‖. A história de Tereza Batista
se passa às margens do rio Real, nos limites da Bahia e de Sergipe. Tereza, uma
menina órfã de pai e mãe, ficou na companhia da tia Felipa que vendeu a menina
antes de completar 13 anos para o capitão Justiniano, o Justo como era chamado.
Tereza conheceu cedo a dor, o sofrimento. Ela aprendeu a brigar desde cedo com os
moleques de rua, pois brigas eram seu passatempo, a única brincadeira que tinha,
não conhecia brinquedos, brincava sempre com os meninos e um cachorrinho que
tinha. Em sua história Tereza recebe vários adjetivos como Tereza Navalha, Tereza
do Bamboleio, Tereza dos Sete Suspiros, Tereza do Pisar Macio, Tereza de Omolu,
Tereza Medo Acabou todos eles merecidos por seus feitos em sua trajetória de vida.
Isso porque Tereza acreditava em justiça e não aceitou a humilhação, resistiu, brigou,
enfrentou o coronel.
3 A resistência: uma análise discursiva sobre Seringal e Tereza Batista
Cansada de Guerra
No ano em que as obras foram publicadas, em 1972, o Brasil estava passando
por uma transição de forças políticas, saindo do período ditatorial e ingressando em
um novo regime político, e também estava em evidência a colonização na região
Norte. Os autores, então fazem uma contextualização dos fatos reais
correlacionados à ficção e tecendo um debate em torno do caráter regional, ou seja,
há nesse período um diálogo entre a ficção e os fatos do momento em que vive o
país, principalmente das questões políticas no Norte e Nordeste do país. No entanto,
o foco de análise será as formas de resistências femininas descritas nas obras, suas
condições de vidas, as denúncias de violências sociais, as lutas das personagens
Paula e Tereza Batista Cansada de Guerra, nas histórias, os autores relatam as
condições de vida da mulher negra perante a sociedade. Apesar de já ter se
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 117
passado quase um século após a libertação dos escravos a figura do negro ainda é
ideologizada na sociedade capitalista.
Assim em Seringal, Ferrante faz as mesmas denúncias sobre a mulher feitas
por Jorge Amado. As condições de vida das meninas eram as mesmas. Crianças
desprotegidas, do gênero feminino que viviam em condições desprivilegiadas,
situadas em um contexto ideológico do machismo, do coronelismo.
Tereza ao ficar órfã aos oito anos e meio de idade, passa a viver no casebre
com o casal de tios pobres Rosalvo e Felipa. Essa antes de a menina completar os
treze anos, vende-a por ―um conto e quinhentos, uma carga de mantimentos e um
anel de pedra falsa, porém vistosa‖ (AMADO, 1996, p. 68), ao rico e infame
Justiniano Duarte da Rosa.
Felipa deseja apenas negociar, obter algum lucro, mesmo pequeno, Tereza é o único capital que lhe resta. Se pudesse esperar uns anos mais, com certeza faria melhor negócio, pois a menina desabrocha com força e as mulheres da família eram todas bonitas demais, disputadas, fatais. (...) Justiniano Duarte da Rosa tirou o maço de dinheiro, foi contando cédula por cédula, devagar, a contragosto. Não lhe apraz desprender-se de dinheiro, sente uma dor quase física quando não lhe resta outra saída senão pagar, dar ou devolver. (...) arrastaram-na para o caminhão, ele e Terto. Felipa andou para a casa, a pedra verde reluzia ao sol. (...) No estribo do caminhão estava escrito em alegres letras azuis: DEGRAU DO DESTINO. Para fazê-la subir, Justiniano Duarte da Rosa aplicou-lhe mais um tabefe, dos bons. Assim Tereza batista embarcou em seu destino, peste, fome e guerra. (AMADO, 1996, p. 71-78).
Assim inicia a vida de sofrimento de Tereza, primeiro, com a orfandade;
segundo, quando é vendida, ainda menina, a um certo capitão Justo. Sob o açoite
do seu dono, ela vai experimentar, à flor da pele e ao fundo de si mesma, o sentido
da palavra ―servidão‖. O rico e infame Justiniano Duarte da Rosa, dito capitão Justo,
a leva consigo para um sítio adjacente e depois para seus armazéns e residência
em Cajazeiras do Norte, violando-a, amedrontando-a, torturando-a até submetê-la
passivamente aos mais desumanos atos.
As personagens apresentadas por Ferrante e por Amado diante de ideologias
de dominantes e dominados, são femininas e se encontram na condição de
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 118
dominadas, condições de vida que é desumana, pois as histórias revelam um
cenário de injustiça social, de violência contra a mulher. Paula e Tereza se
manifestam ora em forma de resistência do gênero, ora silenciando e renegando a
vida, ora brigando, lutando por mudanças e enfrentando o medo. O silêncio significa
na personagem Paula como uma não aceitação do ato de Carlinhos. O silêncio de
Paula é uma manifestação da resistência à dor. Para revelar sua resistência, ela
silencia, se cala, perde a alegria de uma criança e a leveza do passarinho, conforme
relata Ferrante (1996, p.76) ―Se ao menos respondesse às minhas perguntas...‖ (...)
―Antes o senhor carecia de ver, era alegre como um passarinho...‖. Depois da
violência sofrida, a menina perde a vontade de viver, de falar.
Isso se repete com Tereza Batista na condição de criança, mulher
representante de uma classe sem força, sem voz e sem vez. E pela sociedade
machista e covarde a personagem foi transformada pela violência, pela brutalidade
de uma tia que só pensava em dinheiro e de um devorador de virgens, coronel
Justiniano. Amado (1996, p. 106) descreve: ―a pancadaria recomeçou, surras e
gritos tornaram-se monótonos, só dona Brígida ainda fugia para os matos a clamar
por justiça divina ... seria essa moleca melhor do que Doris para se fazer tão rogada
e difícil‖. Assim viveu a garota de doze anos durante dois anos e meio. Tereza
apanhou todas às vezes que o coronel a quis na cama. Isso remete à uma questão
de poder, uma questão de status social. Sobre poder e status Hall destaca que
―status, a classificação e a posição de uma pessoa na grande cadeia do ser – a
ordem secular e divina das coisas – predominavam sobre qualquer sentimento de
que a pessoa fosse indivíduo soberano‖ (HALL, 2001, p. 25).
Tereza foi vítima da soberania do capitão Justiniano de criança livre tornou-se
escrava do serviço braçal e também do desejo sexual do outro. Segundo Amado
(1996, p. 119) Tereza não era prostituta, mas dela foi arrancada a vida, a infância, a
pureza, o amor, a inocência ―a menina solta, livre, alegre, subindo pelas árvores, em
correrias como um vira-lata em macha e combate de cangaço, com os garotos
respeitada na briga‖. Era assim a vida da menina inocente até ser vendida pela tia
ao coronel.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 119
A menina ingênua passou a fazer parte de um grupo socialmente
desrespeitado desde que o mundo é mundo – o grupo das prostitutas, das excluídas
pela sociedade, das marginalizadas. E por este grupo passou a lutar, pois Tereza
não admitia um gesto de covardia de um homem para com uma mulher. Tudo isso
porque ela conheceu cedo a dor, a covardia de um homem perante um ser frágil.
Tereza era uma menina alegre da cor da natureza do mel, rosto de cobre, gostava
de correr solta no mato, trepar nas árvores, brincar com o cachorro, mas tudo isso
acabou quando foi adquirida por um colecionador de colar de argolas de ouro, e
assim Tereza embarca em seu destino de crueldade, peste, fome e guerra. Na luta
para não ser possuída, Tereza trava luta com o capitão, dar-lhe pontapé, arranha-lhe
o rosto com as unhas, passa o candeeiro nas virilhas do capitão, o capitão surra
Tereza como jamais surrou alguma virgem para possuí-la, o homem que ama
descabaçar meninas com cheiro de leite consegue vencer Tereza e tê-la com gosto
de sangue. ―Até então fora risonha e brincalhona, muito dada e festiva, amiga de
todo mundo, doce menina. Naquela tarde e naquela noite aprendeu o ódio, de vez e
inteiro. O medo ainda não‖ (AMADO, 1996, p.103).
A resistência de Tereza resultou em muita violência, (IDEM, p. 106), vejamos
os trechos:
Tereza aguentou cada vez que o capitão a teve foi na porrada. Cada novidade, custou tempo e violência. Tereza aprendeu o ofício da cama ao lado de Justo da forma mais dura e cruel, foi queimada na sola dos pés até ouvir o chiado da pele. Aplicou ferro de engomar primeiro num pé, depois no outro. O cheiro de carne queimada, o chiado da pele, os uivos e o silêncio da morte. Depois de fazê-lo o capitão a desamarrou, já não era necessário cordas e violências cobra no corredor, fechadura na porta curso completo e medo e respeito, Tereza por fim obediente. (IDEM, 108).
De acordo com a história de Tereza Batista, as mulheres não passam a fazer
parte de grupo só porque querem ser mulher da vida fácil, mas porque muitas ficam
sem opção diante daquilo que o mundo as oferece. Tereza foi jogada neste mundo,
mesmo assim ela tentou buscar outra forma de viver dançando nos cabarés sem
precisar servir aos homens na cama, ela se tornou amante de um único homem,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 120
viveu uma vida conjugal, mas não casou porque a sua história a condenava,
já não tinha mais o respeito da sociedade e quem a procurava era para ser a
outra, infelizmente a sociedade é assim, os valores são bem outros,
principalmente no século XX, década de setenta. Dessa forma, Tereza era
submissa pela condição de ser possuída por um coronel, mas livre em suas
convicções E sobre isso, ela constitui a forma-sujeito histórica (ORLANDI,
2015, p. 48), ―é um sujeito ao mesmo tempo livre e submisso. Ele é capaz de
uma liberdade sem limites e uma submissão sem falhas: pode tudo dizer,
contato que se submeta à língua para sabê-la‖.
A identidade de uma pessoa ou de um grupo não é formada de forma brusca,
mas depende de uma história para ir se modelando. Hall (2001, p.38), corrobora
com esta afirmação, pois ele diz que ―a identidade é realmente algo formado, ao
longo do tempo, através de processos inconscientes e não algo inato, existente na
consciência no momento do nascimento‖. Tereza não nasceu prostituta, não nasceu
brigando para ser respeitada, ela aprendeu a gritar e lutar no decorrer de sua
história. Portanto, muda-se apenas as regiões do país, mas as condições de vida
são as mesmas e a literatura cumpre seu papel de propagar as denúncias sociais.
Essas estão presentes nas obras literárias ao longo da história do Brasil e nelas são
registradas a construção identitária de um povo, mas também o poderio dos
dominadores, as ideologias da classe dominante.
Ferrante retrata a situação de Paula, uma moça pobre, filha de mãe
paraplégica. A jovem de onze anos é estuprada, é uma vítima da humilhação e do
machismo – crime cometido pelo afilhado do seringalista do Santa Rita, coronel
Fábio. O jovem vindo de Rio Branco estupra a moça e a ele nada acontece, pois era
filho de um prefeito. A partir do ocorrido, a jovem que antes era alegre, sorridente
perde o sentido da vida, fica depressiva, sua mãe nada pode fazer pelas condições
de miséria subumana em que viviam ali – a senhora presencia a cena e tem um
acidente vascular cerebral, o que piora o quadro de saúde. A questão da identidade
abordada nas histórias narradas por Ferrante e Amado, escritores regionais, tem
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 121
suas características asseguradas ou identificadas nas categorias apresentadas por
Hall (2001, p.36), segundo o qual, a concepção de sujeito sociológico:
Reflete a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos - acultura do mundo que eles habitavam.
Portanto, as histórias das obras citadas demonstram acima de tudo que a
complexidade das diferenças sociais do mundo moderno que exige uma tomada de
consciência do sujeito que não está só, isolado, mas que vive em comunidade e que
mantém uma relação com o outro. E que suas convicções precisam ser defendidas,
precisam atribuir-lhes sentido, assim, criam toda uma simbologia voltada para suas
culturas – seus mundos. Também há nessas obras um retrato do sujeito do
Iluminismo – ―dotado de capacidades e de razão, de consciência e de ação‖, (HALL
(2001, p.42). Por isso, a personagem Tereza Batista se reveste de uma força e vai
em busca de suas lutas e conquistas, é ativa e consciente de seus direitos. Mas
apesar da consciência, Paula não encontra força para resistir à violência assim
como fez Tereza Batista que, apesar da pouca idade sabe que não tem justiça de
seu lado, mas aprende a defender-se. Grumbrecht (1999, p.19), também trata da
questão da identidade social - ―são os papéis que todos têm‖, além disso, ele
aponta a identidade coletiva como - ―a questão da analogia bem problemática – e só
tem direito a identidade coletiva os reprimidos porque tiveram sua identidade
negada‖. Assim consta nessas obras que as personagens vivem querendo afirmar
suas identidades diante das injustiças sofridas, das lutas de classes em defesa da
ética, da liberdade e da afirmação do papel feminino perante a sociedade. Isso é
uma forma de resistência, de demarcar seu espaço social. Por isso, pode-se
confirmar que todo o processo de identidade apresentada nas obras de Ferrante e
Amado, conforme a visão defendida por Figueiredo (2002) ao abordar que a questão
da identidade, surge como uma resposta às opressões sofridas pelos povos
colonizados, pela mulher na sociedade falocrática e pelos homossexuais numa
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 122
sociedade homofóbica. E é assim que os autores demonstram em suas literaturas,
personagens que vivem um contexto repleto de simbologia de uma realidade
identitária, a reação das personagens não revela uma rebeldia, mas um grito de
repúdio às injustiças sofridas pelas condições de vida submetidas.
Coutinho (2002, p.25) relata que:
Uma literatura se define pela sua afiliação nacional porque incorpora as características específicas de uma nação, e que esta, se divide em grupos homogêneos, embora distintos entre si, e marcados por um conjunto único de valores e preocupações [...].
O que se percebe nas obras literárias em estudo são verdadeiras narrações
de histórias que atravessaram o país, por meio de um toque especial de linguagem,
mas que não descaracterizam os acontecimentos que marcaram cada geração
vivida na década de 70 do século XX. Portanto, é possível concluir que as literaturas
são reflexos de vida coletiva, de um contexto sócio-histórico em que se insere a
história e nas ideologias retratadas nos discursos e textos literários, tais ideologias
que eram defendidas na época pela nação. Portanto, o silêncio de Paula e o
enfrentamento de Tereza significam uma forma de resistência da mulher ao não
aceitar a violência, o estupro, o desrespeito ao corpo feminino.
Referências
AMADO, Jorge. Tereza Batista Cansada de Guerra. Editora Record. Rio de
Janeiro, 1996.
AGUIAR, Vera Teixeira de. E BORDINI, Mª da Glória. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. 2ª ed. Porto Alegre. Mercado Aberto. 1988.
COUTINHO, Eduardo F. Discurso Literário e construção de identidade brasileira.
Légua & Meia. Revista de Literatura e Diversidade Cultural da PPGLDC/UEFS. Feira de Santana, nº01, 2002.p.54-63.
FERRANTE, Miguel Jeronymo. Seringal. Coleção Amazônia e Linguagem. UFAC. Departamento de Letras. 2ª ed. 1972.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 123
FIGUEIREDO, Eurídice. Literatura, Nacionalidade e Identidade. In: REIS, Lívia de Freitas e PERAQUETT, Márcia (orgs). Fronteiras do literário II. Niterói. EdUFF,
2002.p.65-72.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Minimizar identidades. In: JOBIM, José Luis. Literatura e identidades. Rio de Janeiro. J.L.J.S. Fonseca (UERJ), 1999. p. 115-124.
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade/ Tradução. Tomaz Tadeu da Silva. Guaracira Lopes louro -6ª edição. Rio de Janeiro. DP&A, 2001.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 12ª edição. Pontes editores. Campinas, SP, 2015.
, Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Pontes Editores. 2ª Ed.
Campinas, SP. 2012.
, Terra à vista - discurso do conflito: Velho e Novo Mundo. 2ª Ed. Editora
da UNICAMP, Campinas, SP. 2008.
,As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6ª Ed. Campinas, SP. Editora UNICAMP, 2007.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi e et al Editora da UNICAMP. 5ª Ed. 2014.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 124
A MATERIALIDADE DISCURSIVA DO POEMA “VOZES-
MULHERES” DE CONCEIÇÃO EVARISTO
GABRIELA GOMES REIS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS Endereço: Centro, Humaitá – AM, 69.800-000
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE BLOCO 01
Email: [email protected]
Resumo. O presente artigo, tem como objeto de estudo o poema vozes- mulheres, de Conceição Evaristo. Apresentando em sua materialidade discursiva sobre vozes de mulheres que sofreram desde as suas gerações antepassadas, quando foram vítimas da escravidão, remetendo também à transição da mulher negra e de classe baixa dos tempos da colonização, às da atualidade. A partir desses aspectos, analisaremos o discurso que se encontra nos versos e estrofes, servindo de aporte teórico Orlandi (2015) e Althusser (1985). Tendo uma metodologia de cunho bibliográfico, qualitativo, com o objetivo de analisar as ideologias de liberdade e direito de expressão, que levam a noção do valor da mulher negra e da luta, além da conquista de autonomia na sociedade, impondo seus ideais como sendo de valor quanto qualquer outro pudesse ser/ter.
Palavras-chave: Mulheres Negras. Ancestrais. Ideologia.
Abstract. The present article, has as object of study the poem voices- women, of Conceição Evaristo. Presenting in its discursive materiality about the voices of women who suffered from their ancestors generations, when they were victims of slavery, also referring to the transition of the black and lower class women from the times of colonization to the present. From these aspects, we will analyze the discourse that is found in the verses and stanzas, serving as a theoretical contribution Orlandi (2015) and Althusser (1985). Having a qualitative bibliographical methodology, with the objective of analyzing the ideologies of freedom and right of expression, which lead to the notion of the value of black women and of struggle, besides the conquest of autonomy in society, imposing their ideals as being of value as any other could be.
Keywords: Black Women. Ancestors Ideology
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 125
1 Introdução
O artigo aborda uma possibilidade de análise discursiva do poema de
Conceição Evaristo, Vozes-Mulheres, no livro Cadernos negros, de 1990. Evaristo,
foi se destacando na literatura brasileira, ao trazer uma visão diferente, de uma
posição de autoria de mulheres negras, que trazem novas histórias, novos enredos e
novos personagens. Há um discurso literário que surge de experiências vivenciadas
por esses personagens, enquanto eu líricos dizendo sobre suas histórias, enquanto
autores, responsáveis pela temática e, criadores de seus próprios enredos. Ou seja,
vemos a emergência de personagens negras femininas, que, quando autoras,
entram como uma nova voz na literatura brasileira.
Uma das manifestações discursivas está presente no eu lírico que não
esquece o seu passado, empenhando-se em ter em seu discurso vivencias de suas
vozes ancestrais, histórias que ouvia em sua infância e que agora podem ser
compartilhadas aos leitores. Conquistando de certa forma, admiração por escrever
sobre o contexto social-histórico que suas antepassadas foram vítimas e mostraram
igualmente, resistência à opressão.
O poema também remete a transição da mulher negra e de classe baixa dos
tempos da colonização e as da atualidade. Em todo o contexto ao qual pertenceram
as personagens do poema, apresenta uma limitação que não permitia que estas se
expressassem como queriam ou pudessem opinar da sua forma, até certo ponto de
suas histórias/geração onde uma delas pode se expressa e demonstrar seus ideais
com diminuição de repressão ou desvalorização, na realidade da narradora, é
observado que esta é uma das mais atuais dentre suas antecessoras, e próxima de
sua filha, no entanto, ainda é notado grande preconceito para com ela por ser
moradora de favela e diarista, antes da reforma da PEC das domésticas, onde
mesmo num tempo considerado moderno os empregados domésticos eram
submetidos a trabalho escravo sem o mínimo de direito salarial possível. No tempo
de sua filha, é notado que esta consegue quebrar o tabu e impor parte dos valores e
ideal de suas antepassadas que em si procuravam características de melhorias da
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 126
realidade para elas, com isso, é uma grande realização para a narradora que
buscava ser ouvida e reconhecida na sociedade.
2 Uma breve discussão sobre Conceição Evaristo
A escritora Conceição Evaristo é mineira, nasceu em Belo Horizonte e viveu
durante muitos anos na Favela de Pendura Saia. Conforme Leonardo Cazé:
Conceição Evaristo nasceu em uma família de mulheres negras cozinheiras, faxineiras, empregadas domésticas. Segunda filha de nove irmãos, a escritora, que completou 70 anos em novembro de 2016, diz que na infância não viveu a pobreza, mas a própria miséria na favela do Pendura Saia. Ali, da mãe e das tias, ouviu muitas histórias e inventou outras. A ficção era indispensável à sobrevivência, a realidade. Essa experiência é o alimento da sua escrita ou, como ela afirma sua ‗escrevivência‘. (CAZES, 2016, online)
Assim, como é de se esperar a autora traz em sua literatura os temas que
marcam sua existência. Segundo o site ―A notícia‖:
A poeta traz em sua literatura profundas reflexões acerca das questões de raça e de gênero, com o objetivo claro de revelar a desigualdade velada em nossa sociedade, de recuperar uma memória sofrida da população afro- brasileira em toda sua riqueza e sua potencialidade de ação. (A NOTÍCIA, 2017, online)
O poema analisado é caracterizado pelo lugar da poeta, ou seja, a autora
assume um ponto de vista negro ao narrar a trajetória de mulheres negras,
revelando a história de suas ancestrais, sendo perceptível a projeção do seu
passado ao presente e ao futuro. Apresentando as marcas de um eu lírico que tem
consciência de seu fazer histórico e tem seu lugar de discurso marcado pela cor de
sua pele.
O texto poético de Conceição Evaristo narra a trajetória de mulheres negras
em nosso país. A consciência de ser negra, o ocorrido com as mulheres negras que
eram suas ancestrais e as recordações, as marcas que são passadas por geração.
É perceptível que Conceição Evaristo se mostra um sujeito que carrega uma
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 127
ideologia marcada pela sua cor e pela sua história, aspectos estes, que foram
vividos pelas suas ancestrais havendo grande influência em sua caminhada de
escritora, deixando bem explícito as mazelas sofridas no passado.
3 Ideologia
A obra traz diversos aspectos de um tempo anterior. De acordo com Althusser
(1985) só há ideologia pelo sujeito e para os sujeitos.
Enquanto uma pessoa for influenciada, dependendo de suas concepções e
reflexões a partir da realidade, modo de vida, meio social – e até em condições
físicas, no caso do poema, essa pessoa, não será sujeitada de acordo com os ideais
que envolvem indivíduos de ―outro nível‖ nos casos das mulheres brancas.
Althusser ressalta que:
A ideologia é forçada a reconhecer que todo ―sujeito‖ é dotado de uma ―consciência‖ e crendo nas ―ideias‖ que sua ―consciência‖ lhe inspira, aceitando-as livremente, deve ―agir segundo suas ideias‖, imprimindo nos atos de sua prática material as suas próprias ideias enquanto sujeito livre. (ALTHUSSER, 1985, P.90)
Limitando um ser humano de sua liberdade de expressão, fazendo-o um
sujeito desfavorecido. Conforme Althusser (1985, p.23) a existência da ideologia é,
portanto, [...] relações vividas, nela representadas, envolvem a participação
individual em determinadas práticas e rituais no interior de aparelhos concretos.
Todo o contexto no qual as personagens do poema pertenceram, é limitado, pelo
fato que não as permitia expressarem suas opiniões, restringindo-as até certo ponto
de suas vivências ou suas gerações, mas há o fato, no qual, uma delas – constitui-
se filha de Evaristo, pode se expressar e demonstrar seus ideais sem nenhuma
repressão ou desvalorização. Porém, apesar de não haver quase nenhuma restrição
a essa personagem, torna-se extremamente difícil para esta conseguir totalmente
sua autonomia, pelo fato de carregar consigo conforme Evaristo (1990) o ontem – o
hoje – o agora.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 128
4 Os efeitos do discurso e do silêncio no poema “vozes-mulheres” de
Conceição Evaristo
4.1 Silêncio
Na primeira estrofe, os três versos iniciais são curtos e precisos: ―A voz da minha
bisavó ecoou/criança/ Nos porões do navio‖. Eles indicam algo vivido, dando ideia
de um passado de sofrimento que não se pode esquecer. As imagens evocadas
sugerem a desumanidade do transporte dos navios do tráfico de escravos, o eu lírico
cita a forma triste e devastadora que foi a perda da liberdade de sua bisavó: ―Ecoou
lamentos/ De uma infância perdida‖, sendo levada à força, perdendo sua infância e,
consequentemente, tendo uma vida infeliz. Porém a segunda estrofe relata: ―A voz
de minha avó/ ecoou obediência‖, tornando-se na literatura de Conceição Evaristo, o
local de resistência.
Em Orlandi (2007) amplia os horizontes da disciplina ao complementar que o
silêncio é o real do discurso. Em outra passagem, a autora completa:
O silêncio é assim a ―respiração‖ da significação; um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido. Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é ―um‖, para o que permite o movimento do sujeito. (ORLANDI, 2007, p.13)
E tendo o claro indício de submissão pela forma que a avó era tratada, pois
ela havia nascido naquele ambiente onde existia apenas para servir ―Aos brancos-
donos de tudo‖, pelo fato de o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos serem
atribuídos historicamente ao feminino. Algumas das escravas não trabalhavam no
campo, passavam a lidar com os deveres domésticos na residência de seus donos.
Sabe-se que esse fato acarretava abusos sexuais e até gravidez indesejável
provocadas pelos mesmos.
O eu lírico, na terceira estrofe, apresenta a voz da mãe: ―A voz de minha mãe/
ecoou baixinho revolta‖, a condição de fala já se esboça. Ainda que seja apenas
sussurros, os mesmos ganham tom da ―revolta‖, pois expressa de certa forma um
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 129
não contentamento com a maneira que ela vive, sem direitos, sem liberdade, sem
vida. Na estrofe seguinte, a fala do eu lírico se impõe: ―A minha voz ainda/ ecoa
versos perplexos‖, é perceptível que ainda ocorre o espanto do eu lírico com aquela
realidade vivida pela suas ancestrais, o ecoar é compreendido como algo herdado,
herança de sua bisavó, avó e mãe. Em seguida ―com rimas de sangue/ e/ fome‖ as
palavras utilizadas são de forma planejada, pois o sangrar sugere a injustiça
cometida com suas ascendentes e a fome propõe uma ânsia de justiça pela
conquista dos seus direitos que serão materializados com a voz de sua filha.
A partir da quinta estrofe, temos um eu lírico que apresenta a sua filha, não
apenas o presente, mas o futuro. Nos primeiros versos ―A voz de minha filha/
recolhe todas as nossas vozes/ recolhe em si/ as vozes mudas e caladas/
engasgadas nas gargantas/ a voz de minha filha/ recolhe em sim/ a fala e o ato‖ a
repetição do verbo ―recolhe‖ com a voz, que possivelmente não é mais aquela que
ecoa em silêncio, mas que é abrigada esperando ser ouvida em algum momento,
insistindo em uma repetição, que dá significado e sentido à voz da filha, que em si
guarda todas as vozes.
A repetição auxilia na ênfase de que ―todas as nossas vozes‖ que foram
―mudas caladas‖ ou que estavam ―engasgadas nas gargantas‖, agora se tornam
ouvidas, pois foram repassadas como ―herança‖ até serem livres para se ter um
som, se tornando testemunha de uma trajetória, existente de ecos, que, portanto,
projetasse a uma vida na qual, almeja-se o melhor. Nos versos seguintes temos o
estender desse guardar que é recorrente: ―A voz de minha filha/ recolhe em si/ a
fala e o ato/ O ontem – o hoje – o hoje – o agora.‖ A voz que antes era um lamento,
um silêncio, um sussurro e apenas uma imagem poética, agora não se baseia na
fala apenas, mas se faz o ato.
4.2 Discurso
O discurso é considerado um espaço onde é manifestada, materializada as
diferentes ―ideologias‖ que interpelam o sujeito. É o lugar onde a identidade é criada.
Brandão afirma que:
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 130
Constituindo o discurso um dos aspectos matérias de ideologia, pode afirmar que o discurso é uma espécie pertencente ao gênero ideológico. Em outros termos, a afirmação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas (BRANDÃO, 2002, p.38).
É notável que a partir dos ideais presentes, são perpassados a partir de
estruturas apresentadas no discurso da obra que remetem à reflexão sobre as
classes sociais mais afetadas e de como a superação delas vem sendo cada vez
mais visadas e constituídas com o decorrer do tempo. O eu lírico utiliza-se de uma
forma discursiva que demonstra realidades diferentes mais que ao mesmo tempo se
complementam, até uma total mudança e assim conseguir se reconfigurar de acordo
com um padrão que era almejado, conforme Brandão (2004, p. 76)
consequentemente, preconiza a existência de um Discurso ideológico que,
utilizando-se de várias manobras, serve para legitimar o poder de uma classe ou
grupo social.
As posições discursivas se constituem de uma objetivação que em muito é
explicita, mesmo tratando de um poema ele traz muitas verdades sociais que em
sua maioria são destacados pelas manobras que tornam dele as resoluções
identificáveis diretamente. Para Pêcheux (1988), o sujeito do discurso não se
pertence, ele se constitui pelo esquecimento daquilo que o determina: significação
do fenômeno da interpelação do indivíduo em sujeito do seu próprio discurso. De
acordo com esse pensador, o discurso constitui-se de uma prática, não apenas de
representação do mundo, mas, sobretudo, de significação do mundo, constituindo e
construindo o mundo em significado.
Para Orlandi (2007), discurso não se trata de transmissão de informação
(menção à teoria da comunicação). Não é simplesmente um processo linear, onde
uma fala e o outro assimila, não é sequencial, uma fala o outro decodifica a
mensagem. Para o analista de discurso, o objeto é o discurso.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 131
Os versos que foram analisados enfatizam a necessidade do eu poético de
falar por si e pelos seus,
[...] a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando (ORLANDI, 2007, p. 15)
Esse sujeito de enunciação, ao mesmo tempo individual e coletivo,
caracteriza não apenas os escritos de Conceição Evaristo, mas da grande maioria
dos autores afro-brasileiros, voltados para a construção de uma imagem do povo
negro infensa aos estereótipos.
5 Considerações finais
Os versos finais ―Na voz de minha filha/ se fará ouvir a ressonância/ e o eco
da vida-liberdade‖, revelam um novo jeito de olhar para a vida, vencendo as
dificuldades que fizeram parte do seu passado afim de ver o presente a partir do
passado e preparar o futuro. A beleza do penúltimo verso está no uso do verbo no
futuro ―se fará ouvir‖ a voz ganha alcance e corpo tendo realmente o que dizer.
A voz da filha não é apenas a autoconsciência da avó, ou a elaboração do
discurso da mãe, mas é uma representação – é um indivíduo mulher que também
representa o coletivo de mulheres que a antecedeu por meio da ação que a leva à
liberdade.
Nessa perspectiva, esse ―o eco vida-liberdade‖, considera que para ter de fato
liberdade deve-se agregar às vozes de seus ancestrais, lembrando sua
ascendência. Para viver, como uma cidadã plena, escritora de sua história, escrita
não pelos que fizeram mal, mas por aquelas que conquistaram dignidade, força e
voz, pelas ―Vozes-Mulheres‖.
Diante do exposto, verificamos que o poema de Conceição Evaristo, mulher
do terceiro mundo, revela a voz do subalterno, existente até mesmo no momento da
escravidão, escondidas no medo, antes de se pensar na existência de tais vozes.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 132
Assim, numa forma de resistência, Evaristo usa o poder adquirido pelo
domínio do discurso para buscar sua subjetificação, ou seja, sua agência, o
questionamento do lugar do enunciador e do subalterno. Isso ocorre em relação a
uma mulher do terceiro mundo que, como vimos anteriormente, é triplamente
objetificada. Conforme as pesquisas feitas e os teóricos pesquisados para enfatizar
o discurso de Evaristo, remetemos a pensar em Pêcheux (1988) o sujeito do
discurso não se pertence, ele se constitui pelo esquecimento daquilo que o
determina, os relatos perpassados por suas descendentes construíram o sujeito que
Evaristo se tornou.
Referências
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos
ideológicos de estado. 10. ed. Graal, Rio de Janeiro, 1985.
BRANDÃO, Helena Hatsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2. ed.
Campinas: São Paulo: Editora UNICAMP, 2004.
CAZES, Leonardo. Conceição Evaristo: a literatura como arte da ‗escrevivência‘
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/livros/conceicao-evaristo-literatura- como-arte-da-escrevivencia-19682928><acesso: 13 de Nov. 2017>.
EVARISTO, Conceição. Cadernos negros. vol. 13, São Paulo: 1990.
ORLANDI, Eni P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6. ed. São
Paulo: Unicamp, 2007.
. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas:
Pontes, 2007.
PÊCHEUX, Michael. Semântica e discurso. Campinas: Pontes, 1988.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 133
O DISCURSO, IDEOLOGIA E O SUJEITO DO CLIP DA MÚSICA: “O TRONO DO ESTUDAR”.
GRAZIELY CRISTINY FERREIRA CARDOSO LUCAS GABRIEL BRASIL DESMAREST
VALÉRIA FRANÇA DOS SANTOS
Instituto de Educação Agricultura e Ambiente Universidade Federal do Amazonas
Rua Circular Municipal, nº bloco 1, 69800-000
grazielly,[email protected] [email protected] [email protected]
Resumo. Este artigo tem por objetivo apresentar uma leitura referente a ideologia encontrada no enunciado das palavras da música O trono do Estudar de Dani Black, apresentando a significação real que essa música tem no cotidiano das pessoas ao que concerne as dificuldades para se obter a educação no discurso da música O trono do estudar, composição de Dani Black, que aborda questões do discurso, ideologia e sujeito, no qual os estudantes fizeram uma mobilização para ter vagas nas escolas que seriam transferido quase 100 unidades de ensino. Como aporte teórico, escolhemos optou-se por Brandão (2002) análise do discurso e a obra de Althusser (1995)Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. Para mostrar o modo como esses estudantes agem perante a sociedade, considerando sua prática discursiva e como os governantes paulistas se sentem produzindo um efeito que sensibilizou a ideologia de todos no país, essa ideologia veio através dos protestos, tendo a participação da comunidade envolvida. Contudo, com o grande apoio de músicos de grande nome e bem visto pela mídia, sendo assim, aglomerando ainda mais essa mobilização.
Palavras-Chave: Discurso. Ideologia. Sujeito. Ensino escolar.
Resumo. This article aims to expose the possibility of a reading referring to the ideology of the words of a song, precisely, to show how these words are enunciated, that has a real meaning, thought in the everyday of many people what they face to obtain a education in the discourse of music The throne of the study, composition of Dani Black, which addresses issues of discourse, ideology and subject, in which students made a mobilization to have places in schools that would be transferred almost 100 units of teaching. With this, we chose to opt for some theorists of the (Brandão, 2002) book of discourse analysis and the work of (Althusser, 1985)
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 134
ideological apparatuses of state: note on the ideological apparatuses of state. To show how these students act before society, considering their discursive practice and how the governors of São Paulo feel themselves producing an effect that sensitized the ideology of everyone in the country.
Palavras-Chave: Speech. Ideology. Subject. School education.
1 Introdução
O presente artigo vem fazendo uma análise da música ―o trono de estudar‖
para a análise do discurso. Vamos trazer a interpretação da música; o que ela quer
nos apresentar. Iniciando apresentando a parte do discurso, em que é preciso ter
uma ideologia materializada para praticar o discurso. E também vem trazendo essa
ideia de impor para o estado que o que eles estão fazendo nessas escolas que
prejudicam cerca de 250 mil alunos, onde estão negando pedidos, não sabendo ver
a situação desses jovens, colocando situação onde irá ficar ruim para eles.
E com a análise da música vem sempre apresentar a forma que esses
sujeitos estão fazendo esse discurso, e de que forma, porque para análise do
discurso vem mostrar o sujeito como dono de sua própria ideologia, buscando a
verdade, mas a sua e não seguindo um padrão de uma sociedade alienada. Como
que esses movimentos de ideias fizeram os estudantes a terem seus pensamentos
apitados ao movimento de ideias dos políticos, e também sabendo enfrentar a
questão econômica do estado.
A forma como cada definição dos pontos como; discurso, ideologia e sujeito.
Todavia, o sujeito está como procurador da verdade, criando sua ideologia para
fortalecer seu discurso diante da sociedade, conforme a música. A música tem sua
forma de crítica contra o poder governamental, pois apresenta uma maneira de
militar as causas que o governo impõe para aquela comunidade escolar. Podemos
analisar um ensino de estudo para todos, de qualidade, que se deve haver escolas
para assim haver uma sociedade com pensamentos críticos e autônomo, pois é na
escola que há esse contado com o meio social, assim abordando diversos valores
que o indivíduo precisa conhecer na sociedade.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 135
Com este trabalho, pretendemos discutir sobre a ideologia e discurso nas
letras de música do compositor Dani Black. Tendo em vista que a Análise do
Discurso ajuda na percepção que a letra mostra, porque diante disso, vai além da
compreensão, trazendo para parte da música, ela mostra a crítica do momento
histórico vivido pela comunidade escolar, estabelecendo relações de poder,
considerando reflexão de sentidos enquanto parte da vida escolar, de como a
materialidade da música específica do discurso é a língua.
2 O discurso, ideologia e o sujeito na escola
2.1 Discurso
O discurso é um papel muito importante na vida de um sujeito, em que ele vai
colocar suas ―ideologias‖, e criar sua ―identidade‖, para análise do discurso como
Brandão fala:
Constituindo o discurso um dos aspectos matérias de ideologia, pode afirmar que o discurso é uma espécie pertencente ao gênero ideológico. Em outros termos, a afirmação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas. (BRANDÃO, 2002, p.38).
A partir disso, podemos observar, que para tudo é preciso rever suas ações
que estará prestes a fazer, principalmente o discurso, como a autora traz que é
através de uma ideologia que vamos colocar o discurso, onde é preciso saber o que
fica proposto a fazer.
No caso, a música a ser analisada ―O trono de Estudar‖, a ideia a ser
apresentada é a interpretação desse clip e a utilização principalmente da voz dos
estudantes, que estão pedindo uma escolha sobre o que irão fazer com essas
escolas, onde lutam para não haver essa reforma, porque para diante de toda essa
luta, esses jovens precisam dessas escolas pelo fato maior que é morar próximo a
localidade em que as escolas se encontram.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 136
―O discurso é uma das instancias em que a matéria ideológica se concretiza,
isto é, é dos aspectos matérias da ―existência material‖ das ideologias‖ (BRANDÃO.
2002, p. 46). A autora, discute como o sujeito utiliza a matéria ideológica para
materializar esse discurso, e para esses jovens que estão presos à escola para que
não haja essa destruição material, na qual é o ambiente em que eles irão virar
verdadeiros cidadãos.
Nesse caso a reforma é para que haja uma melhor organização da educação
Paulista, mas essas propostas estão sendo feitas sem a visão da realidade desses
estudantes. Essa negação desses discursos dos estudantes sobre o estado vem
mostrar a interpelação que é utilizada e muitos não notam, onde gera mais
opressão, não deixando os mesmos sem sua voz, os seus diretos como estudantes
e cidadãos comuns.
O discurso é dado, como o meio que alguns indivíduos utilizam para se
comunicar e expor o seu papel na sociedade. Ao falarmos de discurso, em mente
colocamos logo um ―político‖, pelo fato de usar com frequência essa atividade
discursiva, e também sendo uma de suas características em setor, mas não é
somente ele quem promove o discurso, todos os sujeitos promovem discurso,
porque o que mostra isso é a formação discursiva que esse sujeito expõe na
sociedade.
2.2 Ideologia
O conceito de ideologia através do dicionário é a ciência proposta pelo filósofo
francês Destutt de Tracy 1754-1836, que atribui a origem das ideias humanas às
percepções sensoriais do mundo externo, é impossível analisar um discurso sem
situar de onde ele vem, para nós importa muito compreender o conceito de
ideologia, o conceito de enunciado. Então, isso leva a prática de identificar melhor a
língua e assim sucessivamente, para se estender em um conhecimento mais amplo
da análise do discurso de como são produzidas. ―Identificar a ideologia com a
separação que se faz entre a produção das ideias e as concepções sociais e
históricas em que são produzidas‖ (MARX e ENGELS, 2002, p. 19).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 137
A ideologia tem sua dominação importante sobre a relação do homem com as
condições essências para sua existência, de como a vivencia precisa do direito, da
família e informações do cotidiano, de como ela opera as práticas do aparelho
ideológico, assim, trazendo conhecimento na maneira de como o indivíduo vai
participar de determinada situação perante a sociedade. ―A existência da ideologia é,
portanto, materiais porque as relações vividas, nela representadas, envolvem a
participação individual em determinadas práticas e rituais no interior de aparelhos
concretos‖ (ALTHUSSER, 1985, p.23).
A ideologia é o movimento de ideias em uma sociedade, em que ela interpela
os indivíduos enquanto sujeitos, como uma determinada formação social. Com isso,
formando conjuntos de ideias no que caracteriza o pensamento de um indivíduo em
movimento, compreendendo-se que já é interpelado pela ideologia como sujeito.
Portanto a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos. Sendo a ideologia eterna, devemos agora suprimir a temporalidade em que apresentamos o funcionamento da ideologia e dizer: a ideologia sempre / já interpelou os indivíduos como sujeitos, o que quer dizer que os indivíduos foram sempre / já interpelados pela ideologia como sujeitos, o que necessariamente nos leva a uma última formulação: os indivíduos são sempre / já sujeitos. (ALTHUSSER, 1985, p. 98).
Por isso, todo sujeito é interpelado por uma ideologia, e todos os sujeitos
sempre tiveram e terão uma ideologia própria, tendo espaço de total liberdade na
sociedade para expor suas ideias e críticas, diante de tudo que se espera acontecer
no meio em que se vive.
2.3 Sujeito na escola
O sujeito tem como função representar a realidade, BRANDÃO (2002) relata
que seria como se um enunciado verdadeiro só seria verdadeiro se correspondesse
a coisas existentes. O conceito de verdade privilegia a língua e sua significação,
com tendências representativas, ―segundo a epistemologia clássica, a língua tinha
função em representar o real. Para ela, um enunciado era o verdadeiro se
correspondesse a um estado de coisas‖ (BRANDÃO, 2002, p. 53).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 138
Podendo, assim também, ser representada por meio demonstrativos de
estruturas, na qual pode exprimir diversas representações, deixando de lado aquela
função representativa do real. E essa tendência é uma das categorias que passa a
ser exemplo, ―o sujeito passa a ocupar uma posição privilegiada, e a linguagem
passa a ser considerada o lugar da constituição da subjetividade. E porque constitui
o sujeito, pode representar o mundo‖ (BRANDÃO, 2002, p. 54).
Apresenta três fases, que analisa o percurso da concepção do sujeito nas teorias linguísticas modernas. A primeira, concentra-se nas ideias centradas de interação, harmonia convencional, é a troca entre o eu e o tu. A segunda centrada no outro, na qual é representada pelo tu que determina o que o eu diz, havendo sempre uma teoria a ser seguida. A terceira centrada no sujeito como complementação do outro, está em um espaço que há discurso entre ambos, um completando o outro (ORLANDI, 1983).
Segundo Benveniste, ―a subjetividade é a capacidade de o locutor se propor
quanto sujeito do seu discurso ela se funda no exercício da língua‖ (BRANDÃO,
2002, p. 56). Nesse caso o locutor vive sua posição através de determinados
índices, nesse processo, ―ao instituir-se um eu, institui-se necessariamente um tu:
Imediatamente, desde que ele se declara locutor e assume a língua, ele implanta o
outro face a ele, qualquer que seja o grau de presença que ele atribui a este outro.
Toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma alocução – ela postula um
alocuntário (1947:82) (BRANDÃO, 2002, p. 56).
Em questão, são protagonistas, um indivíduo na qual apresenta sua própria
marca, distinguindo-se como eu uma pessoa subjetiva e o tu não subjetiva, assim
nem um dos termos torna completo sem um ao outro, sempre são complementares,
o eu caracteriza-se por ser único, tendo seu próprio discurso.
3 Análise da música “o trono do estudar” quanto ao discurso, ideologia
e sujeito
A música ―O trono do estudar‖ de composição de Dani Black, foi feita aos
estudantes de São Paulo em apoio às ocupações das escolas, no qual o governo
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 139
paulista propôs fazer uma ―reorganização‖, para fechar 100 unidades de ensino,
podendo citar um trecho da música em que os músicos defendem a sociedade
escolar ―Ninguém tira o trono do estudar, ninguém é o dono do que a vida dá‖. Com
isso, ganhou dezoitos grandes vozes brasileiras, sendo um deles Chico Buarque, e
assim, gravam a canção apoiando os estudantes.
A chamada ―reorganização‖ proposta pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), fecharia quase 100 unidades de ensino e geraria a transferência de milhares de alunos, que ocuparam dezenas de escolas, fizeram protestos nas ruas e conquistaram a suspensão da medida (On- line).
Na ―reorganização‖ que o governo paulista faz sobre transferir 100 unidades
escolares, vira uma grande movimentação, os estudantes vão atrás de seus direitos,
fazendo ocupações nas escolas e usam seus discursos para lutar contra o governo,
dizem mesmo que perdendo o sono vão lutar pelo que é seu, o direito de estudar.
No qual gera um assunto extremamente complexo, fazendo uma reflexão a respeito
da maneira de como seria o remanejamento de professores, deslocamentos de
alunos até a localidade distante, na qual seriam alocados e com isso chegando na
outra escola, alguns professores seriam desempregados, condição imposta pela
secretária de educação, abordada na música ―o trono do estudar‖, podendo ser
citada a seguinte parte da música ―E tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo,
e perder o sono mesmo pra lutar pelo o que é seu, que neste trono todo ser humano
é rei, seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu, pra ter escolha, tem que ter
escola, ninguém quer esmola, e isso ninguém pode negar, nem a lei, nem estado,
nem turista, nem palácio, nem artista, nem polícia militar, vocês vão ter que engolir e
se entregar, ninguém tira o trono do estudar‖.
Para análise do discurso a temática da música é mostrar a indignação de
estudantes e professores sobre essa reorganização das escolas de São Paulo, para
enfrentar essa briga por direitos com estado é preciso uma ideologia, ou seja, o
sujeito é dado a ter uma ideologia para fazer o seu discurso, ―submetendo o sujeito
mas ao mesmo tempo apresenta-o como livre e responsável, o assujeitamento se
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 140
faz de modo a que o discurso apareça como instrumento (límpido) do pensamento e
um reflexo (justo) da realidade‖ (ORLANDI, 2015, p.51). Citamos a parte da música
―Não venha agora fazer furo em meu futuro, me trancar num quarto escuro e fingir
que me esqueceu, vocês vão ter que acostumar‖.
Se houvesse a mudança das escolas, muitos servidores, professores
perderiam seus trabalhos, na qual realizaram por muito tempo no devido lugar, os
alunos que precisassem se deslocar de uma localidade para o outra teriam custos, e
com isso poderia haver muitas desistências por motivos da falta de dinheiro, pois
nem todos os alunos tem condições de pagar uma locomoção de ônibus ou de
outras até a exata localidade que seriam inseridos esses alunos, seria uma
dificuldade enorme para todos, pois haveria muita falta de desemprego, na qual os
profissionais não teriam como sustentar sua família, e passariam por muitas
dificuldades, assim como os alunos, por não continuarem frequentando a escola. ―A
escola continuaria máquina de sujeição, ainda que mudasse de mãos e adotasse
―valores‖ ou ―interesses‖ hipoteticamente opostos‖ (ALTHUSSER, 1985).
Sendo assim, o governo paulista não conseguiu interpelar com seu discurso
os estudantes, sendo citada a parte da música ―A vida deu os muitos anos da
estrutura, do humano à procura do que Deus não respondeu, deu a história, a
ciência, arquitetura, deu a arte, deu a cura e a cultura pra quem leu, depois de tudo
até chegar neste momento me negar, conhecimento é me negar o que é meu ‖ que
assim foram para as ruas protestar contra a tal ―reorganização‖, e também pelo fato
dos estudantes terem uma ideologia forte e de grande valor na sociedade, e não
aceitar de maneira alguma o que o estado estava colocando com essa reforma na
educação.
A compreensão dos mecanismos internos de dominação coercitiva e de sujeição ideológica é colocada como questão fundamental para a luta política, inclusive no que concerne às instituições da sociedade civil e, portanto, também aos sindicatos e partidos políticos, soi-disant revolucionários ou não (ALTHUSSER, 1985, p.17).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 141
Portanto, com a concepção da música ―o trono do estudar‖ a análise do
discurso vem trazer conhecimento sobre o sujeito, tendo como seguimento do
discurso através da ideologia, porque o indivíduo precisa ter uma formação
ideológica perante a sociedade, ou seja, toda pessoa tem um certo movimento de
ideia, só que nem sempre praticam como deveriam, e por isso com essa temática da
música que foi sucesso e repercutiu muito, o estado tenta interpelar esses
estudantes, porém eles reagiram, não baixaram a cabeça para os ―poderosos‖,
porque os alunos, familiares e a sociedade que estava ajudando, possuíam um total
conhecimento da situação em que se encontravam, uma ideia e por isso não
aceitaram essa proposta de locomoção da escola na qual prejudicaria todos os
aqueles que seriam afetados, por meio de ―destruições‖ governamentais.
4 Considerações finais
A música de Dani Black foi feita com o intuito da indignação de uma parte de
jovens paulistas, onde o estado estava preste a fazer uma reforma na educação,
onde esses sujeitos eram os principais afetados, principalmente pelo fato de colocar
eles em escolas mais distantes e pelo simples fato de serem maiorais a deles. O fato
de governo Paulista fazer isso foi proporcionar uma organização melhor de seu
estado com meio escolar, e não era somente os estudantes, afetaria todos os atores
dessas escolas, como os professores. E, para análise do discurso é dada as formas
que iram utilizar essa ideologia, e para que isso, vem mostrar com a interpretação do
autor da música quis colocar a essa negação desse discurso desses jovens lutando
pelos seus direitos.
Mostrando como o ensino escolar em nossa sociedade é assustador, porque
a educação não é tratada como prioridade como os demais setores do governo, pois
muitos políticos hoje não procuram melhorar a educação, cada vez mais tirando os
direitos dos alunos e da escola, pelo fato do não interesse, entre outros. Essa
música ―o trono do estudar‖ mostra como as ideologias de movimentos de ideias que
um indivíduo tem do outro, gera um acontecimento tão sensibilizador, seja em grupo,
movimento político, social, etc., no que concerne fatos que ocorrem na sociedade,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 142
portanto, ninguém é dono da ideologia do outro, cada um tem sua própria ideologia
social, o sujeito constrói seu próprio suas próprias ideias.
Conclui-se, com base nos conceitos da análise do discurso, que o trabalho foi
feito com um levantamento de ideologia, discurso e sujeito através da letra de
música do compositor Dani Black. Analisamos este fato que sempre estar presente
em nossa sociedade, é interessante observar esses pontos de ensino escolar, como
que ela se desenvolve no meio social, no que se refere à criticidade do ser humano.
Referências
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos
ideológicos de estado. 10. ed. Graal, Rio de Janeiro, 1985.
BRANDÂO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 8. ed.
Campinas, SP: Unicamp, 2002.
Disponível em: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/12/23/chico-buarque-e-dado- villa-lobos-gravam-musica-em-apoio-a-estudantes/
ORLANDI, Eni. Analise de Discurso: princípios & procedimentos.12. ed. Pontes,
Campinas, SP. 2015.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 143
AS FORMAS INTERPELATIVAS DA MÍDIA SOBRE A IDENTIDADE DO CORPO FEMININO
LAÍS DOS SANTOS BEZERRA MARIA DA CONCEIÇÃO DE FIGUEIREDO
Instituto de Educação Agricultura e Ambiente Universidade Federal do Amazonas
Rua Circular Municipal, nº bloco 1, 698000-00
[email protected] [email protected]
Resumo. Este trabalho intitulado As formas Interpelativas da Mídia sobre a identidade do corpo feminino, apresenta algumas considerações sobre as formas interpelativas que a mídia impõe, tais como, certos padrões de beleza para o corpo da mulher. Nele serão expostos os aspectos ideológicos abordados pela mídia, por meio de revistas. O mesmo tem como principal objetivo falar sobre as formas interpelativas da mídia sobre o público feminino, abordando a exposição de mulheres consideradas perfeitas aos padrões estéticos impostos pela mesma. Nesta perspectiva, vemos que as mulheres criam novas identidades, através do que é exposto pelas revistas que vendem imagens, na qual é notório que o corpo feminino deverá seguir um padrão estético, baseado nessas revistas, tais como a revista “Veja” e a “Boa Forma”. A metodologia utilizada é de cunho qualitativo e bibliográfico. Para o embasamento teórico pautou-se em: Althusser (1985), Chaui (2007), Focault (1969), Hall (2006), Hall (2009) Orlandi (2003) Ribeiro (2004)
Palavras-Chave. Mídia. Interpelação. Corpo da Mulher. Identidade.
Abstract. This work entitled The Interpersonal Forms of the Media on the identity of the feminine in the XXI century presents some considerations about the interpolative forms that the media imposes, such as, certain patterns of beauty for the body of the woman. In it will be exposed the ideological aspects addressed by the media. The main objective of this work is to talk about the interpersonal forms of the media about the female audience, addressing the exposure of women considered perfect to the aesthetic standards imposed by the same. In this perspective we see that women create new identities through what is exposed by the magazines that sell images, in which it is notorious that the female body should follow an aesthetic pattern, based on these magazines, such as Veja magazine and Boa Forma. The methodology used is qualitative and bibliographic.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 144
For the theoretical background it was based on: Hall (2006), Hall (2009) Focault (1969) Althusser (1985) Chaui (2007) Orlandi (2003) Ribeiro (2004)
Key words: Media. Interpellation. Body of the Woman. Identity.
1 Introdução
Este estudo tece algumas considerações acerca do estudo da Análise de
Discurso, em que se observam as formas interpelativas da mídia sobre o corpo da
mulher, cuja mesma cria uma nova identidade, tornando-se sujeito desse poder
ideológico, muitos podem acreditar que esse processo de uma nova identidade está
relacionado, à falta de pensamento sobre o poder dos meios de veiculação de
imagens.
As novas identidades surgem, a partir do momento que o ―sujeito‖ é
condicionado a uma ideologia, ou seja assujeitado pelo ―Sujeito‖. Adquirindo às
práticas discursivas do mesmo e tomando para si, um conceito diferente do
preexistente, tornando-se um indivíduo interpelado e assujeitado as ideias
discursivas do outro. Como corrobora para esta afirmação Ribeiro (2004, p. 30) A
princípio, o sujeito, para a AD, trata-se de uma posição material linguístico-histórica.
Busca-se compreender o modo de produção de sentidos resultantes da interpelação
ideológica. Por seu turno, para a psicanálise, o sujeito é ―produto da linguagem
enquanto efeito da relação entre significantes‖.
No entanto, é importante salientarmos que, essas formas interpelativas não
estão associadas à falta de conhecimento sobre interpelação, existem várias
maneiras diferentes de interpelação. Este artigo justifica-se, porque as mulheres
desejam seguir esse padrão de corpo, imposto pela mídia, não se satisfazendo com
seu próprio corpo, e acabara achando que seu corpo não é o ideal para os padrões
da sociedade atual. Ele está subdividido em quatro seções que são
respectivamente: resumo, introdução, desenvolvimento, análise de dados,
considerações finais e bibliografia.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 145
O texto dirige-se aos alunos do curso de Letras da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), às pessoas com interesse na AD, e aos estudantes do curso de
Comunicação, tendo como objetivo proporcionar as mulheres o conhecimento do
poder da mídia sobre seu corpo. Sendo seu objetivo específico analisar as formas
interpelativas impostas pela mídia com base na temática em discussão, tais como:
Estabelecer quais são as formas interpelativas que os meios de veiculação de
imagens propõem as mulheres, em busca de um corpo perfeito; Conhecer e buscar
informações sobre AD, para que assim se tenha o pontual conhecimento prévio
sobre a discussão em prática; Socializar com as demais mulheres sobre o poder
midiático imposto no corpo da mulher criando uma nova identidade.
2 Processos interpelativos do poder da mídia sobre o corpo da mulher
Muito se discute a respeito da identidade do corpo feminino, principalmente
quando se refere a um corpo esbelto, sarado e cheio de curvas. No entanto, o que
muitas não sabem, é que por traz de tudo isso, há um processo chamado
interpelação no qual, a mulher muitas vezes se inspira em outras mulheres a procura
de um corpo perfeito, através do meio de veiculação de imagens, principalmente, em
revistas de beleza e saúde. Sobre interpelação, Althusser (1985, p. 98) aborda que:
A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos. Sendo a ideologia eterna, devemos agora suprimir a temporalidade em que apresentamos o funcionamento da ideologia e dizer: a ideologia sempre/já interpelou os indivíduos como sujeitos, o que quer dizer que os indivíduos foram sempre/já interpelados pela ideologia como sujeitos.
Diante deste contexto, podemos perceber que a ideologia imposta pela
sociedade, perpetuamente interpela os indivíduos transformando-os em sujeitos. No
entanto, é de grande relevância ressaltar que, esses processos interpelativos
ocorrem, não só através dos meios de veiculação de imagens, mas também, através
do discurso. Sobre discurso: ―esse processo produz o sujeito pós-moderno,
conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente‖
(HALL, 2006, p.12). A identidade torna-se uma ―celebração móvel‖. Isso significa que
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 146
o sujeito, após ter criado uma nova identidade ele torna-se pós-moderno e dessa
criação a identidade não se torna fixa.
Diante disso, percebe-se que, as mudanças de identidade, através das
tendências impostas pela mídia acabam gerando assim, uma nova identidade para o
corpo feminino. No século XXI, é comum vermos mulheres expondo seu corpo em
capas de revistas, com intuito de chamar a atenção para a venda destas, chegando
assim ao consumismo.
Na busca pelo corpo ideal a mulher, muitas vezes sofre a interpelação em
função de um corpo perfeito, baseado em atrizes famosas que são capas de
revistas, quando se trata do corpo da mulher, algumas mulheres são capazes de
qualquer coisa em busca do corpo ideal, imposto pela sociedade. Por isso, muitas
acabam sofrendo consequências prejudiciais à saúde, ocasionando doenças como
anorexia e bulimia, consequentemente, por conta da interpelação que sofreram em
busca do tão sonhado corpo ideal. Diante de tais concepções, veem que, o corpo
feminino passa a ser visto como um objeto de grande exposição tendo em vista, as
propagandas que geram grande audiência para alcançar o seu público-alvo, como:
de revistas, propagandas de cervejas, peças íntimas e outros, na qual passa a ter o
corpo exposto pela mídia, atraindo admiradores do público masculino, ou até mesmo
críticas.
3 Formação discursiva e formação ideológica que contribuem para a
constituição da identidade do corpo feminino
Muito se têm discutido, recentemente, a cerca, das formações discursivas e
as formações ideológicas que contribuem para a constituição da identidade do corpo
feminino. Vemos ao decorrer dos anos que, as formas discursivas vêm se
modificando e a todo o momento, modificando os indivíduos que, por elas são
influenciadas. Segundo Orlandi (2003, p.15) ―o discurso é assim palavra em
movimento, prática de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem
falando‖.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 147
Fazendo uma ressalva a respeito do discurso, é importante relembrarmos o
que já havíamos dito que, o mesmo está em constante mudança gerando assim
novas formações discursivas. Isto é, ocorre também com o corpo feminino que
perpassa por mudanças, após novas tendências, seja de moda, ou estética. A
respeito das formações discursivas Orlandi (2003, p.43) aborda que ―a formação
discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada-ou seja, a
partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio- histórica dada- determina o
que pode e deve ser dito‖. No entanto, isso ocorre muito, principalmente com a
exposição do corpo da mulher, pois a mesma é influenciada a uma dada posição
seja ela social, cultural, ou econômica, desta forma, passa a usar o seu próprio
corpo como meio de ―vender‖ algo seja, produtos de beleza ou saúde.
Em vista disso, Silva (2007, p.13) aborda que ―tornou-se um lugar comum
dizer que a mídia é o primeiro na hierarquia e que condensa e comanda os outros,
de uma ou de outra forma‖. Ou seja, através do seu discurso, ela é capaz de
comandar todos a sua volta, e vale lembrar que isso não se trata apenas de não ter
conhecimento em AD, ou interpelação. Ainda para reafirmar isso, Silva (2007, p.13)
diz que ―mídia é certamente a palavra que melhor designa a multiplicidade das
formas de circulação de discurso‖ pois a mídia é um canal aberto na qual, todas as
pessoas têm acesso a ela, diferentemente dos livros que não são tão acessíveis
como os meios de veiculação de imagens.
O meio de veiculação de imagens, principalmente revistas de beleza e saúde
ou até mesmo as propagandas, são umas das principais influenciadoras, do público
feminino, pois com a ajuda desses meios, ganham mais ainda a confiança da mulher
em expor seu corpo.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 148
4 O discurso sobre o sujeito nas revistas “Veja” e “Boa forma”
Figura 1
Disponível em: <<http://ego.globo.com/biquini/notícia/2016/03deborah-secco-veja/>>
Acesso em: 01/11/2017.
Diante desta capa de revista da ―Boa Forma‖ percebemos a interpelação
exposta através do corpo magro e saudável da atriz Débora Secco, na qual vem
trazendo a seguinte frase “Já está com esse corpo! E Fala em primeira mão, sobre
sua fase mais feliz”. Na seguinte frase percebemos que o corpo da atriz chama mais
atenção do que o discurso que vem abordando.
Se outras mulheres puserem os olhos na revista, elas irão ser interpeladas
pela imagem, pois a atriz está com esse corpo, mesmo sendo mãe. Sobre discurso
ideológico Chaui (2007, p.15) diz que
O discurso ideológico é aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e, destarte, engendrar uma lógica da identificação que unifiquem pensamento, linguagem e realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada, isto é, a imagem da classe dominante.
No entanto, é o que vemos nas revistas de moda e saúde, no qual o corpo
feminino é exposto de forma idealizada pela mídia para interpelar, e assim, criar
identidades universalizadas, através deste meio de veiculação de imagens. O
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 149
discurso também interpela o público feminino através de valores obtidos pelas
mulheres bem-sucedidas socialmente como é o caso da apresentadora Sabrina
Sato.
Figura 2.
Disponível em: <<http://www.asiacomentada.com.br/tag/revista-exibe-corpo-perfeito-
>>Acesso em: 01/11/17.
Notamos que as ideologias transpassam o discurso (nesta revista é bastante
perceptível, pois com esta legenda: Burra Eu? Entende-se que a apresentadora não
precisa ser inteligente para ganhar dinheiro basta ter um corpo sarado que irá
conseguir. Em visto disso, notamos ainda, que a apresentadora fatura com seu
corpo cerca de R$ 300. 000 mil reais, através da exposição do mesmo em capas de
revistas, programas de televisão, e a dança, tendo em vista que Sabrina é rainha de
bateria de duas escolas de samba.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 150
Vemos nesta exposição à presença de uma ideologia, segundo Chaui (2007,
p. 16) ―ideologia é aquele discurso no qual os termos ausentes garantem a suposta
veracidade daquilo que está explicitamente afirmando‖. Como é caso da
apresentadora citada acima, na qual ela afirma que ganha dinheiro através de seu
corpo, considerado ―ideal‖ aos olhos da sociedade atual, com esse discurso a
mesma interpela várias mulheres que desejam atingir o mesmo padrão de fama,
corpo e dinheiro.
Figura 3.
Disponível em:<< https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccide>>Acesso
em: 01/11/17
Outro caso que analisamos são as revistas que expõe ―o corpo idealizado e
perfeito‖ para as mulheres que gostariam de ter um corpo que não fosse de efeito
sanfona, no qual a mulher ganha e perde peso com facilidade, visto que o ideal para
a mídia seria o corpo sarado e cheio de curvas. Ainda convém lembrar que essas
formas ideológicas causam problemas para a maioria das mulheres.
É visto que o principal objetivo das revistas é o aumento do público feminino,
em expor o seu corpo, de forma para obter sucesso e dinheiro, perante a sociedade.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 151
A respeito de ideologia Althusser (1985, p.93) ― só há prática através de e sob
uma ideologia‖; ―só há ideologia pelo sujeito e para o sujeito‖, as quais levam à
formulação central: ―a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos‖. Portanto,
como foi visto na citação acima, diante de uma concepção ótica da análise de
discurso, a ideologia das revistas interpela os indivíduos na produção de um
imaginário feminino.
Em vista disso, observa-se, que a ideologia exposta pela mídia através das
imagens ilustradas acima, influencia grandemente nas identidades femininas, devido
muitas mulheres desejarem a obtenção do corpo idealizado e considerado perfeito
pelos meios de veiculação de imagens, ganhando mais espaços no meio publicitário
no mundo da fama.
Desta forma, em busca do tão sonhado corpo perfeito, algumas mulheres acabam
se submetendo a qualquer coisa, para a obtenção do corpo considerado por elas o
―corpo perfeito‖, tudo isso através das mídias que impõe esses padrões de beleza
para que as mesmas sejam interpeladas e impostas a seguir uma nova identidade
devido ao discurso que a mídia utilizou para que essa formação discursiva
acontecesse.
5 As redes sociais como forma de interpelação
É de fundamental importância, fazer uma análise da sociedade,
principalmente do público feminino que, as redes sociais no século XXI, são um dos
principais meios nas quais interpelam jovens e adolescentes. Dentre as principais
redes sociais que podemos destacar são: Facebook, Instagram, Twitter entre outras,
no qual, famosas utilizam desse recurso para expor sua rotina como “story” em sua
rede social, atraindo milhares de seguidores que podem apropriar-se de dicas de
beleza, moda e saúde.
Notamos que, assim como as revistas, as redes sociais influenciam
significativamente o público feminino, a cada ―postagem‖ é fato que, constantemente
os jovens usam o aparelho celular e a maioria possui conta em rede social. Muitos
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 152
jovens se inspiram ou seguem alguns famosos, acabam adquirindo um novo cabelo,
corpo, roupa, entre outras coisas.
Ainda convém lembrar que, não só apenas o público feminino é afetado, o
público masculino também pode adquirir essa nova identidade imposta pela mídia.
Segundo Silva (2007, p. 14)
É que as revistas não são apenas masculinas ou femininas, adultas ou juvenis. Elas retomam- e ajudam a constituir- os que têm a idade que têm, mas gostariam de ter outra, ou os que têm a idade que têm e, por isso ou apesar disso, usam tatuagens ou piercings ou frequentam academias e, por isso, precisam saber como alimentar-se e com que roupa ir aos diversos lugares, sem contar que são elas que dizem a que lugares se deve ir.
Com base nisso, podemos ressaltar aqui novamente do quanto o meio de
veiculação de imagens e as redes sociais, podem tornar-se maléficas, dependendo
do saber de uso dela. Tendo em vista que, a coletividade usa esse meio de
comunicação, e ao ser usado apodera-se dos conteúdos que estão por traz da tela
do celular, computador, ou quaisquer outros equipamentos utilizados pelo mesmo.
As perguntas são óbvias: quem são, o que fazem, o que pensam (o que
são levados a pensar) jovens, mulheres, homens? As respostas são menos óbvias. São, frequentemente, contraditórias e misturadas e certamente são esboçadas nesses lugares que põem em circulação textos e imagens segundo regras específicas, que são, ao mesmo tempo, as do mercado e as do gênero discursivos. (SILVA, p. 14).
Tendo em vista, que os indivíduos não se ocupam somente das imagens que
ali estão, mas também do discurso, que a imagem representa, tomando para si o
discurso do outro, que já se encontra pronto. No entanto, milhares de pessoas
compartilham na internet mensagens, fotos ou até mesmo o que está circulando
ultimamente que são os ―memes‖, nos quais pessoas se identificam com o
enunciado do mesmo.
Um dos aspectos importantes que pode-se perceber na AD é, investigar os
falsos discursos que estão na maioria das vezes explícitos em revistas, redes sociais
e outros que sustentam suas falsas afirmações para que, o interlocutor seja
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 153
interpelado por esse discurso ideológico, levando o mesmo a prática de atos
erróneos. Para Silva (2007, p.13) ―analisar a mídia é hoje uma necessidade
fundamental‖. Em vista disso, os interlocutores devem averiguar a mídia de forma,
que, possam avaliar se o discurso é verdadeiro ou não.
Em razão disso, nota-se do quanto nos dias atuais há indispensabilidade de
refletir do quão é, relevante analisarmos os meios de difusão de comunicação. Pelo
fato que, a mídia assujeita a sociedade pelas suas formas discursivas, tornando-os
dependentes desses discursos com o intuito de sentir-se bem psicologicamente e
fisicamente acreditando que essa linguagem é algo essencial e verdadeiro. Silva
(2007, p.15) aborda que.
Dito de outra forma, a realidade pode não corresponder aos discursos- um dos axiomas da análise do discurso diz respeito exatamente à falácia que é sustentar essa relação, que é a que fazem muitas teorias da linguagem. Mas a questão verdadeira não é bem essa: a verdadeira questão é a da correlação entre os discursos e as ideologias, ou seja, entre os discursos e o mundo como os sujeitos ―pensam‖ que é- ou como poder ser (nessas revistas, para eles). Ou, vendo as coisas ainda mais de perto, quais a relações entre o que se diz e o conjunto de práticas que os sujeitos assumem ou a que se submetem.
A revista tem uma materialidade discursiva fundamentadas idelogicamente na
produção de um imaginário feminino. Ocorre que, esse imaginário feminino se
distancia da realidade, efeito esse não perceptível, pois como já afirmado
anteriormente a ideologia interpela os indivíduos de maneira inconsciente.
6 Considerações finais
Portanto, concluímos neste artigo que as formas interpelativas da mídia sobre
o corpo da mulher ocorrem através do discurso, da ideologia imposta pelos
conjuntos de meios de comunicação, pelas redes sociais (Facebook e Instagram
entre outras), transformando os sujeitos em assujeitados, ocorrendo assim a
mudanças de identidades.
Diante deste cenário, vemos que há uma variedade de formas com quais as
mulheres são interpeladas, seja pelo corpo magro e saudável, seja pela fama, ou
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 154
pelo dinheiro. Muitas se inspiram em atrizes famosas ou apresentadora de TV, que
sempre vem abordar uma temática em discussão, para chamar atenção do público
feminino, que na verdade um dos principais objetivos das revistas é de chamar
atenção de um público pela sua capa, vender, e impor um discurso por meio de
imagens e textos nas quais interpelam as pessoas.
E quando isso ocorre, mulheres querem o corpo do momento, o cabelo que
está em alta, ou até mesmo as roupas que as famosas estão usando. No entanto, as
próprias atrizes famosas ou apresentadoras de TV compartilham suas vidas nas
redes sociais, para onde vai, o que vão vestir, conquistando milhões de seguidores
no mundo todo, na qual as mulheres que seguem, são interpeladas, pois buscam
atingir o mesmo padrão de beleza para sentir-se bem consigo mesma. Na sociedade
em que vivemos, é de fundamental importância que, saibamos da quão poderosa é
a mídia sobre o nosso corpo, e um dos objetivos que retomamos em nosso artigo, é
que mulheres, jovens e adolescentes adquiram conhecimentos sobre o discurso e a
ideologia das revistas e sobre à análise de discurso, por isso a relevância de analisa-
la.
Em suma, vemos que esses processos estão em constante mudança, pois os
padrões estéticos com o passar dos anos vão criando novas identidades, isto é,
interpelando novamente os sujeitos, tendo em vista que através dessas mudanças
que ocorrem ao longo dos anos, outra identidade também ocorre. No século XXI,
vemos as crianças utilizando o recurso de meios de veiculação de mensagens,
ligado no que acontece no Brasil e no mundo, desde esse momento já estão
sofrendo algum tipo de interpelação, seja por imagens ou por texto. Enfim,
deveremos procurar estudar e analisar a fim esses meios que divulgam informação.
Referências
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de janeiro: Edições Graal, 1985
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 155
CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas/
Marilena Chaui. -12.ed.-São Paulo: Cortez, 2007
FONSECA-SILVA, Maria da Conceição. Poder- Saber- Ética nos Discursos do Cuidado de Si e da Sexualidade. Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2007.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade/ Stuart Hall; tradução
Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro- 11.ed. – Rio de Janeiro: DP&A,2006
Da diáspora: identidade e mediação culturais/ Stuart Hall;
Organização liv Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Resende... [et al.]. 1ª edição atualizada- Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009
ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 3 ed. Campinas: Pontes, 2003
RIBEIRO, M. S. M. A questão da interpretação na análise do discurso e na psicanálise: interseções. IN: Correio da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. n.131. Porto Alegre: APPOA, dez. 2004.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 156
O DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL SOB O VIÉS DA DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM ESCOLAR
LUCIANA OLIVEIRA MONTEIRO, NIUARA DOS SANTOS LIMA,
JOÃO ELÓI DE MELO
Fundação Universidade Federal de Rondônia Departamento Acadêmico de Ciências da Educação
Departamento Acadêmico de Ciências da Administração, Campus de Guajará-Mirim, Rod. BR 425 km 2.5, S/N, Jardins das Esmeraldas,
C.E.P: 76850-000 Guajará-Mirim/RO
[email protected] [email protected]
Resumo: Acredita-se que a personalidade desenvolve-se em etapas da vida, a teoria psicossocial compreende-se que o ser humano sofre o impacto da experiência social ao longo de toda a vida através interação social no desenvolvimento dos seres humanos. Diversos fatores implicam na dificuldade de aprendizagem, seja eles: afetivo, cognitivo, familiar, social e a interação escolar. Percebe-se que o discente possui base concreta, e por meio do devido acompanhamento a partir do seu ingresso nos ritos escolares, lhe dará condições para ultrapassar as dificuldades que encontrará em sua vivência. Os estudos temáticos sobre emancipação psicossocial ainda é incipiente, pois não se desenvolve no âmbito no desenvolvimento do processo educacional, de tal forma as inúmeras lacunas, destarte as obras priorizam os estudos no viés da saúde mental. Pretende-se, esclarecer o desenvolvimento psicossocial para dentro do espaço educacional. Apontar os principais fatores que correspondem às dificuldades de aprendizagens cognitivas do aluno no âmbito escolar pela repercussão psicossocial. Descrever os estágios psicossociais de vida do aluno no processo escolar. Demonstrar a problematização que a criança pode adquirir caso não possua esses estágios desenvolvidos. Ainda, analisar como ocorre a inclusão escolar a partir dos aspectos que neutralizam o desenvolvimento psicossocial entre ser humano-família-sociedade-escola. Os fundamentos teóricos apresentados por Erikson satisfaz o aporte teórico. A composição que segue pelo discurso dialético concebe o adequado trato da temática no recorte bibliográfico. A relevância em se demonstrar alguns aspectos que ocorre no espaço escolar do aluno ao ser inserido na escola nos primeiros anos de vida, tais como: aceitação, socialização com a classe, apoio e participação constante dos pais juntamente com a escola.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 157
Palavras-Chave. Desenvolvimento Psicossocial. Dificuldade de Aprendizagem. Espaço Escolar. Inclusão Escolar.
Resumen: Se cree que la personalidad se desarrolla en etapas de la vida, la teoría psicosocial se comprende que el ser humano sufre el impacto de la experiencia social a lo largo de toda la vida a través de la interacción social en el desarrollo de los seres humanos. Diversos factores implican en la dificultad de aprendizaje, sean ellos: afectivo, cognitivo, familiar, social y la interacción escolar. Se percibe que el alumnado posee base concreta, y por medio del debido acompañamiento a partir de su ingreso en los ritos escolares, le dará condiciones para superar las dificultades que encontrará en su vivencia. Los estudios temáticos sobre emancipación psicosocial aún es incipiente, pues no se desarrolla en el ámbito en el desarrollo del proceso educativo, de tal forma las innumerables lagunas, destete las obras priorizan los estudios en el sesgo de la salud mental. Se pretende, por lo tanto, hacer la luz del desarrollo psicosocial hacia el espacio educativo. Aponte los principales factores que corresponden a las dificultades de aprendizajes cognitivos del alumno en el ámbito escolar por la repercusión psicosocial. Describir las etapas psicosociales de vida del alumno en el proceso escolar. Demostrar la problematización que el niño puede adquirir si no tiene estas etapas desarrolladas. Además, analizar cómo ocurre la inclusión escolar a partir de los aspectos que neutralizan el desarrollo psicosocial entre ser humano-familia-sociedad-escuela. Los fundamentos teóricos presentados por Erikson satisfacen el aporte teórico. La composición que sigue por el discurso dialéctico concibe el adecuado trato de la temática en el recorte bibliográfico. La relevancia en demostrar algunos aspectos que ocurre en el espacio escolar del alumno al ser insertado en la escuela en los primeros años de vida, tales como: aceptación, socialización con la clase, apoyo y participación constante de los padres junto con la escuela.
Palabras Clave: Desarrollo Psicosocial. Dificultad de Aprendizaje. Espacio Escolar. Inclusión Escolar.
1 Considerações iniciais
Acredita-se que a personalidade desenvolve-se em etapas da vida do ser
humano, pela teoria psicossocial compreende-se que o ser social sofre o impacto da
experiência social ao longo de toda a vida através interação social no
desenvolvimento e crescimento dos seres humanos.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 158
Diversos fatores implicam na dificuldade de aprendizagem, sejam eles: social,
afetivo, cognitivo, familiar e a interação escolar. Acredita-se que o discente possui
base concreta, e por meio do devido acompanhamento a partir do seu ingresso nos
rito escolar lhe dará condições para ultrapassar as dificuldades que encontrará em
sua vivência.
Na nova reforma educacional é permitido que as crianças passem a ter
acesso à escola gratuita a partir dos 4 anos de vida, então esses alunos terão
experiências escolares e assim também incorporarão os espaços afetivos de tal
forma que a escola se integra em sua realidade familiar. Logo, a permanência no
espaço escolar por período integral repercute assim a “bomba” de consequências
emocionais e sociais nesta criança, de modo que falta então a aproximação
necessária para o desenvolvimento psicossocial, afetivo de esse ser.
Com o avançar dos anos nota-se que o modelo tradicional escolar
transformou-se, e, com as novas leis de inclusão escolar, a escola não pode negar a
recepção do aluno com necessidades especiais, independentemente de qual
necessidade esse aluno tem, mas percebemos que há falhas nesse processo, pois
falta profissionalização de toda parte no âmbito escolar, gestão, professores, apoio
técnico, infraestrutura, material adaptado, dentre os fatores que englobam toda essa
problemática.
Os estudos temáticos sobre emancipação psicossocial ainda é incipiente e
com tal inquietação percebe-se o desenvolvimento psicossocial que permeia a
discussão no viés da saúde mental, e não no aspecto relacionado ao que isso pode
ocasionar no desenvolvimento escolar desse aluno. A compreensão do viés de
desenvolvimento psicossocial para dentro do espaço educacional proporciona o
melhor resultado cognitivo para o indivíduo em fase de desenvolvimento social.
Estrutura-se no projeto de pesquisa o planejamento de como evoluirá seu
trabalho, para isso é necessário que aja indagações relativas a determinado
problema. Para tanto é preciso definir e planejar para que o próprio pesquisador
saiba quais caminhos percorrer no desenvolvimento do trabalho de pesquisa e
reflexão, direcionando, assim, etapas que deverão ser alcançadas, os instrumentos
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 159
e quais estratégias serão abordados no processo da pesquisa. Têm como escopo
principal desta investigação apontar os principais fatores que possam corresponder
às dificuldades de aprendizagens do aluno no âmbito escolar pela repercussão
psicossocial. Para ser possível alcançar tal condição se faz necessário estabelecer
outros três objetivos específicos: Descrever os oitos estágios psicossociais de vida
do aluno no processo escolar; Demonstrar a problematização que a criança pode
adquirir caso não possua esses estágios desenvolvidos; e Analisar como ocorre a
inclusão escolar a partir dos aspectos que neutralizam o desenvolvimento
psicossocial entre ser humano-família-sociedade-escola.
Ao estabelecer os aspectos que ocorrem no espaço escolar, no qual o aluno é
inserido nos primeiros anos de vida discente espera-se que ele seja capaz de aceitar
e aceitar-se como também socializar-se com a classe, classificando-o assim como
―normal‖ e os que diferem destes protocolos são nominados ―especiais‖. Espera-
se assim o registro da contribuição social e também acadêmica desta pesquisa.
2 Referencial teórico
O recorte contextual e temporal é constituído a partir do modo como os
teóricos estabeleceram os principais conceitos, que aportaram os demais estudos
estruturados nessa seção como elementos primordiais para permitir configurar as
assertivas que seguirão devidamente tratadas nas discussões dessa investigação.
2.1 Desenvolvimento Psicossocial
Existem oito estágios do Desenvolvimento Psicossocial no viés da Psicologia:
inicia-se com o nascer do indivíduo e finaliza com a sua morte, sendo que cada fase
assume a vertente de positiva ou não positiva na vida da pessoa, ou seja, as etapas
cooperam na construção da essência da personalidade. Para a Teoria do
Desenvolvimento Psicossocial a evolução psicológica se distingue por estágios bem
definidos em que a interação dos sujeitos com o ambiente não se faz necessário, ou
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 160
seja, o indivíduo não necessariamente necessita do outro para ultrapassar os
estágios psicossociais, conforme o psicoanalista Erik Erikson.
A crise de identidade é a correspondente do desenvolvimento psicossocial
para cada estágio descrito as inclinações positivas ou mesmo negativas das crises
que o sujeito passa ao longo de sua vida. Ambas são fundamentais para êxito no
processo evolutivo, mas é imprescindível a sobreposição positiva para que garanta
assim o ser humano mais centrado e psicologicamente evoluído. O formato da
superação dos conflitos internos é enfrentado no decorrer dos estágios interferirá na
habilidade de solucionar impasses ao longo da vida.
2.2 Dificuldades de Aprendizagem
Na educação, decidir e definir os objetivos de aprendizagem significa
estruturar, de forma consciente, o processo educacional de modo a oportunizar
mudanças de pensamentos, ações e condutas para então ter desenvolvimento
cognitivo baseado nas fases de cognição do indivíduo, na certeza que cada ser tem
seu tempo para a compreensão de tudo e principalmente os alunos no âmbito
escolar. Essa estruturação é resultado do processo de planejamento que está
diretamente relacionado à escolha do conteúdo, de procedimentos, de atividades, de
recursos disponíveis, de estratégias, de instrumentos de avaliação e da metodologia
a ser adotada por determinado período de tempo. Basear-se para o
desenvolvimento de instrumentos de avaliação e utilização de estratégias
diferenciadas para facilitar, avaliar e estimular o desempenho dos alunos em
diferentes níveis de aquisição de conhecimento; levando em consideração seus
aspectos psicológicos e evolutivos,(FERRAZ e BELHOT 2010).
Segundo os princípios construtivistas, usam o funcionamento psicológico para
então compreender e explicar os processos de aprendizagem e desenvolvimento
educacional como também elaborar e fundamentar proposta de inovação e
melhorias na educação, sendo atualmente a prática generalizada. Portanto, o
conhecimento e aprendizagem é o fruto da atividade mental construtiva do ser, onde
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 161
se pode fazer a conclusão das experiências adquiridas ao decorrer da vida, (COLL,
MARCHESI e PALACIOS 2004).
Abordagens cognitivas envolvem pensamentos e esquemas mentais, de
forma a lidar com o conjunto de crenças, a visão do indivíduo sobre si mesmo e o
mundo. Para entender as dificuldades que surgem no processo escolar é necessário
relacionar com a vontade de aprender com a aquisição de cada ser, baseado
perante análises intelectuais, onde o emocional é o fator primordial para a evolução
pessoal,(GONÇALVES 2003).
A avaliação é importante no processo educacional para a enfatização do
reforço do seu papel formador como fonte de valorização do ensino e aprendizagem
dos quais os alunos participam e aplicam de forma significante o conhecimento para
o mundo. No ínterim do processo avaliativo, os significados da construção prévia e o
sentido que obtiveram para os discentes, as atividades de aprendizagem e avaliação
serão elementos determinantes do resultado do sucesso ou fracasso
educacional,(COLL.C, MARCHESI.A e PALACIOS.J 2004).
Nas últimas décadas todas e quaisquer dificuldades de aprendizagem têm
sido rotuladas como ―síndromes‖, o que fez com que muitos profissionais de diversas
áreas entrassem no espaço escolar para dizer o que deveria ser feito com o
discente, desconsiderando o contexto e a especificidade da tarefa escolar. A visão
clínica de doença, de remediação e de recuperação instalou-se no ambiente escolar.
É inegável também que frente a alguns transtornos específicos se faz necessário o
uso de medicamentos monitorados pelo médico, mas não se pode generalizar. E,
assim, o aluno seria o único responsável pelo déficit na aprendizagem, tirava-se o
professor da ―jogada‖ e culpava-se o seu desempenho não cooperativo com o
tratamento. Esta visão patológica de aprendizagem desviou a escola da sua ação
educativa e as falhas foram buscadas no aprendiz, o que não é benéfico, já que isso
não promove o crescimento dos profissionais da educação e nem da própria
instituição educacional,(PADILHA 2012).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 162
2.3 Espaço Escolar
A escola como espaço norteador da aprendizagem educativa, necessita de
diagnostico social evolutivo de avaliação e acompanhamento dos alunos com
necessidades especiais educativas decorrentes de situações sociais ou culturais
desfavorecidas, a necessidade então de visão global que inclui aluno e o ambiente
em que este vive. Concluímos que a escola é hoje uma das mais importantes
instituições sociais que faz, assim como outras, a mediação entre o indivíduo e a
sociedade, transmite cultura, valores morais, o que permite que a criança seja
humanizada e socializada para então apropriar de sua personalidade ao
pertencimento ao grupo social, (ANA 2017).
Os níveis de intervenção nesse âmbito se caracterizam em planos de
trabalho, com normas nas instruções de início de ano, as quais são três: atenção
aos alunos, e às suas famílias, atenção às escolas e atenção a sala de aula. Tais
análises nos permite estabelecer a visão ampla sobre os alunos com necessidades
especiais educacionais decorrentes de situações sociais e/ou culturais
desfavorecidas, implicando, dessa forma, no reconhecimento da importância da
situação social no processo educativo e de aprendizagem dos alunos, e no ínterim
nos permite o trabalho de avaliar o ambiente do aluno, o qual se diferencia em duas
fases: no início da escolarização e a outra nas mudanças e etapas educacionais.
Todo o processo de avaliação individual da escolarização do aluno socialmente
desfavorecido é muita importância para o crescimento do mesmo, e também para o
desenvolvimento da escola, contudo isso minimiza diversas problemáticas: Trabalho
em conjunto com toda equipe escolar para conhecer as situações que propiciam a
marginalização e oferecer recursos a fim de vincular os alunos a espaços educativos
– ocupação do tempo livre, autonomia para não aceitação do convite do possível
consumo de substâncias tóxicas. Projetos escolares que abrangem as famílias que
são socialmente desfavorecidas. Atividades de intervenção nas comunidades
educativas para que possam incluir os desfavorecidos para que possa assim abrir o
elo entre homem-escola-família-sociedade, (DOLORS LBOBET 2008).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 163
Aponta o art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade; ao se referir ao direito à vida, a constituição não assegura somente o
direito de permanecer vivo, mas também de ter vida digna. Com crise econômica
mundial as famílias têm ficado sem trabalho, não tendo renda adequada e suficiente
para manutenção de suas necessidades, vivem em situação vulnerável, de forma a
padecer de saúde física e mental, logo, diante desse contexto enxergamos falhas
nas políticas públicas existentes no Brasil e no mundo, (BRASIL 1988).
Sabe-se que a construção do conhecimento na sala de aula implica no
processo social e compartilhado escola-aluno-professor, de forma a promover a
interação social na qual o aluno participa de projetos culturalmente organizados pela
escola e sociedade. Portanto a sala de aula define-se como comunidade de
discentes em que o docente conduz as atividades interdisciplinares de forma que
obtém êxito nos processos educativos, sociais e psicológico desse alunado,(COLL,
MARCHESI e PALACIOS 2004).
Ao referimos o espaço escolar não pode-se deixar de fora a função familiar
como forte reflexo no desempenho escolar, estudos indicam que crianças tendem
apresentar no melhor rendimento quando vivem em ambiente familiar no qual
predomina clima emocional positivo para o seu crescimento, no qual seus
responsáveis incentivam organizam e reforçam comportamentos que auxiliem no
sucesso escolar,(MARTURANO 1999).
Para concluir o embasamento teórico podemos citar a mudança ocorrida no
núcleo familiar, que culturalmente era constituído por pai, mãe e filhos, e hoje já não
se apresenta dessa forma, pois existem famílias de pais separados que casaram
novamente, pais homossexuais, avós que cuidam de netos como se fossem filhos,
mães solteiras, entre outras tantas estruturas que encontramos nas realidades de
hoje,(BAPTISTA e TEODORO 2012).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 164
2.4 Inclusão Escolar
Algo muito importante a ser discutido é aquele referente ao modo de relações
estabelecidas em sala de aula entre diversos alunos que possuem classes econômicas,
valor social e cultural divergente. Sobretudo, algum docente que tem vida profissional
sobrecarregada acaba transparecendo isso em sala de aula, a ponto de exaustão, de modo
a excluir o aluno de sala que esteja por alguma situação perturbando o andamento escolar.
Contudo podemos analisar: Onde esta a inclusão escolar? Quais as políticas públicas que
estão sendo feita para manter esse discente em sala de forma equilibrada? A equipe escolar
tem que estar atenta com o olhar psicológico sobre esse indivíduo, pois de forma não
preconceituosa acabam excluindo e não incluindo como deveria ser feito, de modo
incondicional – por que “para todos” (AQUINO 2000).
O que se busca é apenas o conjunto de políticas para colocar pessoas com
necessidades especiais em salas regulares, como ocorre em algumas iniciativas políticas
pelo país, sendo assim é necessário à mudança cultural em relação à diferença, com a nova
forma de pensar e agir para incluir a todos em na educação em que a diversidade é regra
fundamental e não a exceção. As escolas precisam se adaptar em relação às necessidades
dos alunos, independente de suas necessidades físicas, sociais, mentais e
linguísticas,(SILVA, RAMPAZZO e PIASSA 2013).
A partir do pressuposto que a formação acadêmica do professor não o prepara para
o acolhimento da diversidade: mesmo que cursem disciplinas específicas para lidar com
alunos com necessidades especiais, a ementa educacional foca seus objetivos no aluno
pedagogicamente perfeito, a ponto de criar barreiras que defronte com a inclusão. O ponto
de partida sempre será a educação inclusiva, a formação para o atendimento de todos
independentes das necessidades, culturais, raciais, sociais e emocionais, (SKLIAR 2001).
A redefinição do papel das escolas especiais como responsáveis pelo
atendimento educacional especializado e o papel das escolas comuns como o local
onde os alunos através do aprendizado possam questionar a realidade, e
coletivamente viver experiências que reforcem o sentimento de pertencimento, é
condição para que a inclusão aconteça de forma que possa trazer resultados
positivos. Compreender a diferença não como algo fixo e incapacitante, mas
reconhecê-la como própria da condição humana ainda é utopia para a maioria dos
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 165
professores que trabalha com a ideia de que todos os alunos são iguais e as turmas,
homogêneas,(SARTORETTO 2017).
3 Metodologia
Em linhas gerais, visando entender como se dá o Desenvolvimento
Psicossocial sob o viés da Dificuldade de aprendizagem escolar, com a base
teórico/metodológica para condução da pesquisa pretendida, a elaboração da
respectiva dissertação se delineará pelos preâmbulos da dialética (como método de
abordagem). Além da disciplina que estuda métodos, metodologia é o modo de
conduzir a pesquisa, que pode ser vista como conhecimento geral e habilidade que
são necessárias ao pesquisador para se orientar no processo de análise, tomar
decisões oportunas, selecionar conceitos, hipóteses e dados
adequados,(THIOLLINT 1985).
Alerta que a condução da pesquisa deve ser compatível com o uso das
técnicas operacionais, método e epistemologia, enquanto o método é a teoria de
ciência em ação que implica critérios de cientificidade, concepções de objeto e de
sujeito, maneiras de estabelecer essa relação cognitiva e que necessariamente
remetem a teorias de conhecimento e a concepções filosóficas do real. Antes de
detalhar os métodos supracitados, ressalte-se que, em consulta prévia, os membros
da comunidade escolar a ser estudada mostraram-se elegíveis para participar do
estudo e concordam com os encaminhamentos previstos,(GAMBOA 2007).
3.1 O Método Dialético da Pesquisa
Destaca-se, que o método dialético utilizado é o de análise crítica sobre os
objetivos ao ser pesquisado, com certos parâmetros de compreensão que deverá
contar com a totalidade do processo, a historicidade dos fatos e a contradição das
informações da pesquisa, que são categorias metodológicas para a dialética. Quanto
às categorias simples, destacamos aos objetivos que se propõem ao tema do
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 166
problema de pesquisa, o desenvolvimento psicossocial sob o viés da dificuldade de
aprendizagem escolar,(WACHOWICZ 2001).
3.2 A Abordagem Qualitativa da Investigação
O método de abordagem contemplará a pesquisa qualitativa pautada no
método dialético que ocorre através dos fenômenos, na ação recíproca dos fatos,
que norteia as mudanças ocorridas pela dialética sobre os aspectos sociais,
natureza, ser humano e seu comportamento no decorrer do todo. Aqui, se alojarão a
pesquisa bibliográfica e os encaminhamentos teóricos de análise na constituição do
estudo. Assim, pretende-se contribuir para minha pesquisa crítica através de ações
observacionais do comportamento e interação de crianças nos primeiros anos de
vida na escola, (MARCONI e LAKATOS 2009).
3.3 Técnica de pesquisa Bibliografia
A pesquisa bibliográfica divide-se em três momentos ou fases: identificação,
localização de fontes e compilação de informações com levantamentos e seleções
das fontes bibliográficas tais como: pesquisas de artigos científicos, livros, revistas,
examinar documentos, teses e dissertações que se identifica com o tema a ser
pesquisado para composição do referencial bibliográfico e teórico-metodológico. A
pesquisa bibliográfica divide-se em três momentos ou fases: Identificação e
localização de fontes e compilação de informações, (CARVALHO 1988).
3.4 Procedimentos da Investigação
Para construção do estudo foi adotado como parâmetro o discurso dialético a
fim de proporcionar o melhor dialogo sobre o tema. No emprego da abordagem
metodológica fez-se luz pela investigação bibliográfica a fim de estabelecer a
essência de todos os fundamentos relatados pela pesquisa.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 167
4 Discussões
Essa seção está dedicada para apresentar os achados da investigação.
4.1 A descrita dos oitos estágios psicossociais de vida do aluno no processo
escolar
A Teoria do Desenvolvimento Psicossocial está constituída pela compreensão
de todas as fases da vida do ser humano isso vai do nascer até o extinguir da vida,
cada momento apresenta variações positivas ou não positivas condição esta que
constitui a formação da personalidade do indivíduo. A evolução de cada pessoa não
é dependente de outra. Durante todo trabalho será explicado sobre o
Desenvolvimento Psicossocial na percepção da dificuldade aprendizagem escolar.
4.1.1 Primeiro Estágio (Des)Confiança (Até 1º ano de idade)
Ao início da vida, o bebê (criança) é totalmente dependente dos seus
responsáveis e nessa fase da vida o indivíduo necessita de muito cuidado e
atenção. À medida que a criança está em evolução, o seu processo de
amadurecimento se desenrola de maneira harmônica somente se a criança
perceber-se protegida, no aspecto da segurança e nas questões voltadas à
afetividade. Tais condições permitirão que a criança comece a construir os
elementos necessários para lhe gerar o sentimento de segurança, (UAB - UFPB
2013).
De acordo com a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, não existe a
possibilidade de desenvolvimento pleno da confiança e da não confiança, mas que
tudo ocorra com equilíbrio a fim que tudo desenvolva de forma adequada na criança.
4.1.2 Autoconfiança x Vergonha e dúvida (2º e 3º ano de idade)
A etapa da autoconfiança versus vergonha e dúvida, de acordo com a Teoria
do Desenvolvimento Psicossocial, é focada em crianças que desenvolvem a maior
impressão de domínio pessoal e emocional. Para esses aspectos do
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 168
desenvolvimento, as crianças experimentam a ganhar pouca independência nas
iniciativas individuais de realizar das tarefas rotineiras e simples, que permitem a
elas estabelecerem opções de preferência. Por deixarem que as crianças tomem
suas escolhas, dominem situações e resolvam certas ocorrências, pais e cuidadores
ajudam as crianças a estabelecer para si a percepção de autonomia, (VERISSIMO
2002); (UAB - UFPB 2013).
4.1.3 Iniciativa x Culpa (4º e 5º ano de idade)
De acordo com a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, nesse momento
as crianças iniciam a sua relação de domínio no meio em que estabelece suas
relações de convívio, seja por meio de brincadeira e as demais interações sociais
pertinentes. Existem aquelas crianças que ao brincar com outras tornam a frente das
brincadeiras e a organização das mesmas, com facilidade de conduzir as demais
crianças do grupo da dinâmica. As crianças incapazes de desenvolver a habilidade
em questão são deixadas de lado nas brincadeiras, com a noção de culpa pré-
estabelecida, assim como a auto-dúvida, isso sem falar da passividade ou mesmo a
sensação de ser elemento social sem iniciativa.
Também, durante esse estágio psicossocial, as crianças compreendem as
variações das atribuições sociais que o homem e a mulher realizam nesse observar
e elas se percebem de maneira desigual no universo no qual elas estão inseridas.
Ao ocorrer à repressão ou mesmo punição devido à curiosidade intelectual e sexual,
é possível que isso cause a noção culpabilidade e provoque o desinteresse na
criança em buscar novas experiências ou mesmo novo saber, ou seja, os castigos
em excessos podem tolher as ações de iniciativas, abstrações e imaginações da
criança.
4.1.4 Produtividade x Inferioridade (6º ao 11º anos de idade)
No estabelecer da metade dos estágios descritos pela teoria na qual se afirma
que é através das dinâmicas sociais, nas crianças originam a noção de orgulho no
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 169
desenvolver de suas conquistas e no processo de desenvolvimento de suas
habilidades já adquiridas. O encorajamento propiciado pelos pais o responsáveis
das crianças promovem a percepção de competência por parte delas, desse modo
faz com que elas acreditem em suas capacidades e habilidades. Quando esse
encorajamento não parte do ambiente familiar, pode-se ocorrer no ambiente
educacional tendo envolvimento do quadro escolar ou de meio social. Assim,
passam a adquirir autoestima e segurança no que fazem, porém, o oposto também é
verdadeiro, isso quer dizer que as crianças que não recebem qualquer estímulo ou
incentivo não serão capazes de aceitar suas capacidades, logo passarão a duvidar
de suas competências e habilidades perante o mundo social, tal atitude pode anular
esse aluno durante toda sua vida.
4.1.5 Identidade x Confusão de papéis (12º ano de idade ao final da adolescência)
Para a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, o processo que está
denominado de quinto estágio se desperta na adolescência como fase transitória
com indícios de turbulência justamente por estabelecer a identidade social do
indivíduo nesse aspecto em que também definem seus traços comportamentais por
toda sua existência. O adolescente explora sua possível liberdade e desenvolve a
autonomia de si, e naqueles que recebem incentivos e reforço adequado para
exploração pessoal emergirá desta fase a sensação de domínio e liberdade. Aqueles
que permanecem inseguros de seus desejos e convicções sentem-se sozinhos,
muitas vezes isolam-se da família, agarram-se nas amizades, muitas vezes taxadas
de boas ou de ruins, neste processo pode-se produzir um imaginário de que os pais
tornam-se inimigos deles, ao privá-los de certas regalias.
4.1.6 Intimidade X Isolamento (Jovem Adulto)
Em cada fase desenvolvem-se destrezas específicas, em que se evolui em
relação às etapas anteriores, após passar pelo estágio da identidade ou confusão
dela. Para Erikson (ano), a noção de identidade é pessoal e intransferível o que
permite o prosperar das convivências afetuosas. Portanto, para que se tenha uma
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 170
vida adulta com sucesso é necessário ter passado pelo processo da adolescência
de forma bem sucedida. O sujeito deveria desenvolver suas ligações pessoais de
maneira bem próxima e responsável com as outras pessoas, o que seria vital, na
visão de Erikson, para que o indivíduo venha a tornar-se bem-sucedido. Na etapa
seis do desenvolvimento psicossocial os indivíduos irão formar relacionamentos que
baseado na segurança e consequentemente durável.
As pessoas que não possuem noção adequada sobre elas mesmas
costumam não estabelecer relações confiáveis ou descomprometidas, tal inclinação
propicia os sofrimentos emocionais e até mesmo casos de isolamentos afetivos. Os
sujeitos que estabelecem com sucesso o desenvolvimento dessa sexta fase
apresenta a virtude denominada de amor – é registrada pela aptidão de estabelecer
tratos sociais com maior significado e duração entre os indivíduos, Porém, caso
ocorra decepção nesses estágios, o ser humano pode vir a se isolar de forma
temporária ou duradora.
4.1.7 Generatividade X Estagnação
Quando chega na meia idade, o indivíduo que se compreende como um ser
de sucesso estará considerando que já cumpriu seu o papel social e contribuiu o
suficiente para o mundo em que vive, mas existe outra parcela de pessoas que
ainda não conseguiram se realizar justamente por não haver conseguido
desenvolver tão íntima habilidade. Diante disso, esses sujeitos sentem-se
improdutivos e não participativos diante de sua concepção de mundo. Quando o
indivíduo estiver altivo de suas conquistas, poder observar que os filhos se tornarem
adultos e desenvolver o sentido de unidade com o seu parceiro de vida são
elementos fundamentais desta fase, (VERISSIMO 2002); (UAB - UFPB 2013).
4.1.8 Integridade X Desespero
Nesta fase final do desenvolvimento psicossocial, quando a pessoa passa a
observar os acontecimentos passados ocorridos em sua vida e determinam se elas
estão felizes com o que viveram ou carregam arrependimentos em relações a
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 171
atitudes que fizeram ou deixaram de fazer. Os elementos que se detém apenas nas
memórias foram mal sucedidos vão sentir que sua vida tem sido desperdiçada e vão
experimentar muitos arrependimentos, sentimentos de amargura e desespero por
causa da vida mal administrada. Mas, para os indivíduos que experimentaram de
forma exitosa apresenta todos os elementos opostos ao desespero, (VERISSIMO
2002); (UAB - UFPB 2013).
4.2 A demonstração da problematização que a criança pode adquirir caso não
possua esses estágios desenvolvidos
Ao basear no primeiro ano escolar do aluno, podemos comparar com a
(Des)Confiança Psicossocial que se estabelece como o primeiro dos demais
estágios, pois esse discente necessita ser bem acolhido no âmbito educacional para
então desenvolver segurança além de ser primeira experiência longe de seus
responsáveis, contudo exige preparo do profissional que irá acolher esse alunado,
pois será nessa ocasião que fortalecerá ou não os laços entre professor/aluno. Se o
professor for emocionalmente inconsistente ao ponto de rejeitar, esse processo
contribuirá para o sentimento de desconfiança dessa criança, (VERISSIMO 2002);
(UAB - UFPB 2013)
Ao relacionar a autoconfiança versus vergonha e dúvida com a dificuldade de
aprendizagem escolar, pode-se salientar que o discente necessita de segurança por
parte de toda equipe educacional. Principalmente quando em sala de aula, para que
então possa assim ter vida escolar produtiva, pois, se por alguma situação esse
aluno sente-se rejeitado, excluído ou ter sido motivos de zombaria na escola, essa
situação poderá ocasionar trauma para ele. Isso causará bloqueios, nessa fase do
desenvolvimento – o respeito a essa fase de autonomia é o ponto de partida para a
criança ter a vida de atitudes, liderança, vergonha ou dúvida, desmotivada a lutar e
encarar os desafios que encontrará no decorrer de sua vida adulta.
Ao correlacionar iniciativa versus culpa psicossocial com a dificuldade de
aprendizagem escolar, percebe-se que essa etapa tem enorme equiparação com
alunos em sala de aula. No início do ano letivo, logo nas primeiras semanas, o
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 172
educador costuma desenvolver atividades de análises para então identificar na
classe os discentes que têm maior ou menor habilidade educativa, ou seja, que
possuam maiores ou menores lideranças no desempenho do conteúdo aplicado. É
nessa fase que o docente, juntamente com toda equipe escolar, necessita de maior
cuidado para estimular o aluno que já possui todas essa virtudes e tentar resgatar o
aluno introvertido, excluído; que se mantém distante dos demais, sem estímulo para
possuir assim também essa modalidade. Percebe-se então a necessidade da
minuciosa investigação a respeito de aluno ―inferior‖, pois essas atitudes podem ter
sido desencadeadas no âmbito familiar e social.
Ao analisar o estágio, produtividade versus inferioridade, encontra-se a
grande aproximação como anterior, porém o que difere é o comportamento da
escola em tentar socializar o aluno com trabalho em conjunto, a estimular ele a
superar as dificuldades encontradas nas atividades. Abortar qualquer sentimento de
inferioridade numa forma de anular críticas dos colegas, valorização das habilidades
já adquiridas para que não haja retrocesso por falta de incentivo por parte de sua
família, escola, educador e colegas de classe.
Perante a dicotomia da identidade versus confusão de papéis do
desenvolvimento psicossocial-educacional, essa é a fase de maior relevância para
formar o ser humano realizado e certo de onde quer chegar. É no espaço escolar
que os adolescentes envolvidos com os colegas de sala formam grupinhos e muitas
vezes por falta de ocupação, projetos escolares com atividade interdisciplinar e o
direcionamento de informações sobre as mais diversas temáticas.
Temáticas como: Sexualidade, Drogas, Aceitação do ―EU‖, Gravidez na
adolescência, DST´s, identidade de gênero, socialização escolar dentre outras
temática que permeiam a informação que inúmeras vezes não sé esclarecida na
família. Pelo viés educacional pode-se salvar o aluno através da informação ou
afundá-lo no abismo de angustias e insatisfação que repercutirá na sua vida adulta.
Contudo, afirmo que a escola exerce o papel fundamental na adolescência do
aluno e dentre essas atribuições é a ponte entre a família e esse adolescente, pois
se encontram diversos relatos da falta de comunicação, onde as vidas corridas dos
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 173
pais esquecem-se de terem o olhar investigativo e observador para seu filho, muitas
vezes esse adolescente passa o dia todo sozinho em casa, a mercê de qualquer
situação que acarretará danos por toda vida. Portanto, se a realidade desse aluno
seja inversa à relatada anteriormente no final desse estágio, esse adolescente
conseguirá virtude a fidelidade aos sonhos e objetivos adquiridos.
Já pelo impasse educacional, intimidade versus isolamento, essa etapa será
de suma importância, pois o alunado que não ter a etapa anterior bem resolvida fará
com isso interfira na fase adulta. Muitos alunos desistem de estudar nessa etapa,
muitos caminham para as drogas, bebidas, engravidam, ou passam por processo de
preconceito sobre sua sexualidade no interior escolar.
Na obra a PEDAGOGIA DO ARMÁRIO, os insultos que os alunos recebem no
âmbito escolar, deixam marcas, ―VOCÊ É GAY!‖ (JUNQUEIRA 2013). Estas crianças
ou adolescentes tornam-se, então, alvo de escárnio coletivo sem antes se
identificarem como a coisa ou outra. Sem meios suficientes para dissimilar a
diferença ou para impor, por exemplo, o ―viadinho da escola‖ terá seu nome escrito
em banheiros, carteiras e paredes, permanecerá alvo de zombaria, comentários e
variadas formas de violência que a pedagogia do armário pressupõe ou dispõe.
Enquanto sorrateiramente a sociedade controla e interpela cada indivíduo em vista o
agravo emocional e psicológico que podem ocasionar com essas crianças. Os
responsáveis de educação familiar e bem como toda equipe escolar devem atentar-
se sobre qualquer tipo de preconceitos que possa ocorrer no ambiente educacional.
Na etapa generatividade versus estagnação podem-se contemplar duas
classes de alunos. 1- Aqueles bem sucedidos na etapa anterior, que hoje estão á
procuram de sua realização profissional e educacional, já a cursar a faculdade
desejada e realizada afetiva economicamente ou. 2- aqueles que depois de alguns
anos fora da escola, agora voltam para curso o ensino intensivo e avançado com o
propósito de recuperar os anos perdidos por conta dos erros cometido nas etapas
anteriores, não sei se pode chamar de “erros” ou consequência da pessoa mal
assistida pelos seus responsáveis ou sociedade.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 174
Entretanto na fase integridade versus desespero condiz com aquele em as
pessoas se sentem orgulhosas de suas realizações vão sentir a sensação de
integridade que concluíram com sucesso esta fase, significa olhar para trás com
poucos arrependimentos e sentimento geral de satisfação. Esse estágio recebe o
nome de sabedoria, mesmo quando confrontados com a morte.
4.3 A análise de como ocorre à inclusão escolar a partir dos aspectos que
neutralizam o desenvolvimento psicossocial entre ser humano-família-
sociedade-escola.
Ao estabelecer o agrupamento de pessoas por vínculo de parentesco atribui-
se o desígnio de família, e habitam o mesmo espaço residencial onde forma o
lar. O modelo tradicional de família é traçado a partir da figura central do pai (o
provedor), da mãe (a cuidadora) e dos filhos (a prole), – unidos de qualquer modo
oficial ou não oficial – forma-se assim a família. Já a família moderna está
estabelecida com as mais diversas composições da primeira, composto por pais
separados, casais homossexuais, dentre outros.
A família é convencionalmente a instituição capaz de estabelecer a educação
dos seus integrantes assim como direcionar sua postura diante da sociedade. No
aprimoramento do indivíduo, a família possui sua amalgama social fundamental. É
no interior familiar que se constrói as bases sociais de valoração dos preceitos
morais. As definições de afetos, da convivência harmônica e dos elementos
protetivos essenciais para combater impasses ou auxiliar nas transposições das
incertezas por que passa qualquer componente familiar.
O elemento familiar propicia a condição de bem-estar, que consequentemente
se estabelece por meio da confiança, conforto e a segurança das relações
fundamentais entre seus membros. Por diversos fatores essa família não repasse
esses valores, afeto e amor, ao ponto de manter distância desse ser, essa criança
crescerá isolado do mundo, não terá equilíbrio suficiente para tomar suas próprias
decisões e responsabilidades. Contudo essas ausências são refletidas no processo
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 175
educacional, formando alunos agressivos, isolados, conturbados e afetados
psicologicamente no meio escolar.
Em sentindo mais amplo, o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos
independentes de seu talento, origem econômica, origem cultural ou deficiência, em
escolas onde ―todas‖ as necessidades dos alunos são aceitas em suas modalidades.
A educação é questão de direito humano, na qual o indivíduo com deficiência deve
fazer parte da escola, a qual deve modificar seu funcionamento para atender e
incluir a todos.
5 Considerações finais
A educação utiliza princípios e informações que as pesquisas psicológicas
oferecem acerca do comportamento humano, para tornar mais eficiente o processo
ensino aprendizagem, sob a ótica psicológica, dos quais derivam os modelos,
teorias e procedimentos de ensino, assim como, métodos práticos de instrução e
avaliação.
As divergências entre os valores promovidos pelas instituições escolares
comumente entram em rota de colisão com os diferentes princípios e valores com os
quais os alunos desfavorecidos – incluem-se vários fatores que provém do meio
familiar e social pouco favorável – isso, provoca a diminuição dos estímulos de
recepção dos elementos educacionais e motivacionais, existentes nas varias
clientelas que hoje estão presentes e em convívio no âmbito escolar.
As principais dificuldades que aqui foram tratadas referem-se sobre os
problemas que os alunos encontram em seu meio escolar e social que interferem de
forma direta em seu desenvolvimento. Tais dificuldades que emergem esses fatores
são: aceitação familiar, aceitação escolar e aceitação social – faixa etária adequada
para a sua escolarização e também alunos com enorme defasagem escolar e
cognitiva – deve-se assim estabelecer a sensibilização para que todos tenham em
principio os mesmos direitos. E, portanto, fomentar recursos e medidas que
neutralizam essa problemática no espaço escolar.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 176
Por serem inovadores os espaços escolares apresentam ótimos desafios que
consequentemente para muitos dos educandos que inicia precocemente, a ponto de
evoluir como barreira entre escola-aluno, conforme já comprovado nas discussões
aqui proposta. Em sentido amplo, o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos
independentes de seu talento, origem econômica, origem cultural ou deficiência, em
escolas e salas de aula inclusiva, onde todas as necessidades dos alunos são
aceitas em suas modalidades e peculiaridades.
Referências
ANA, M.B.B: ODAIR.F:MARIA,L.T.T.de. Uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo, 2017.
AQUINO, J.G. Do cotidiano escolar: ensaios sobre a ética e seus avessos. São Paulo:
summus, 2000.
BAPTISTA, M.N, e M.L.M TEODORO. ―Psicologia de familia:teoria, avaliação e intervenção.‖ In: Suportes de recursos familiares: relação com o contexto escolar, por A.A.A SANTOS, S.de.C MARTINELLI e R.de.M MONTEIRO. Porto Alegre: Artmed, 2012.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Brasilia: Congresso Nacional, 1988.
CARVALHO, Maria Cecília m.de (org). ―O estudo como forma de pesquisa .‖ In: Construindo o saber:técnica de metologia cientifica, por Maria Cecilia m.de(org). CARVALHO, 109;123. Campinas: Papirus, 1988.
COLL, C, A MARCHESI, e J PALACIOS. ―Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação escolar.‖ In: Construtivismos e educação: a concepção construtivista do ensino e da aprendizagem, por COLL.C. Porto Alegre: Artmed, 2004.
COLL, CESÁR, A MARCHESI, e J PALACIOS. ―Desenvolvimento Psicológico e educação.‖ In: Desenvolvimento, educação e educação escolar: a teoria sociocultural do desenvolvimento e da apredizagem, por C ROSARIO e L ALFONSO. Porto Alegre: ARTMED, 2004.
COLL.C, MARCHESI.A, e PALACIOS.J. ―Desenvolviemento psicológico e educação: psicologia da educação escolar.‖ In: Avaliação da aprendizagem escolar: dimensões psicológicas, pedagógicas e sociais, por E MARTÍN, J ONRUBIA e C COLL. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
DOLORS LBOBET, ESTHER ANDÚJAR, MONTSERRAT FONTBONA, RAMONA SUBIAS. ―Avaliação psicopedagógica.‖ In: A avaliação psicopedagógica dos alunos com um ambiente social desaforecido., por M.S: BONALS.J CANO. Porto Alegre: Artmed, 2008.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 177
FERRAZ, Ana Paula do Carmo Marcheti., e Renato Vairo. BELHOT. ―Taxonomia de Bloom: revisão teórica e apresentação das adequações dos instrumento para definição de objetivos instrucionais.‖ Gestão & Produção [on-line] 17, n. 2 (2010): 421 - 431.
GAMBOA, Silvio Sánches. Pesquisa em Educação:Métodos e epistemologias. Saão Paulo:
argos, 2007. GONÇALVES, C.E.de.S. ―Psicologia da Educação.‖ In: Aprendizagem de conceitos e processos cognitivos em crianças com dificuldades de aprendizagem, por A.C.P.L.G.C
TORRES. São Paulo: PEARSON, 2003.
JUNQUEIRA, R.D. Pedagogia do amário e currículo em ação: heteronormatividade, heterossexismo e homofobia no cotidiano escolar. Vol. 7. São Paulo: retratos da escola, 2013.
MARCONI, Marina de Andrade., e Eva Maria. LAKATOS. Metodologia do trabalho cientifico.
São Paulo: Atlas, 2009.
MARTURANO, E.M. ―Recursos do ambiente familar e dificuldades de aprendizagem na escola.‖ (revista Psicologia : Teoria e Pesquisa.), n. 2 (1999).
PADILHA, Isley Aparecida. ―DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM-UMA REFLEXÃO SOBRE A PRATICA DOCENTE.‖ Ensaios Pedagógicos - Revista Eletronica do Curso de Pedagogia [on-line] (Faculdades OPET) 1, n. 1 (jul. 2012): 1 - 15.
SARTORETTO, M.L. Inclusão escolar, um direito de todos alunos, com e sem deficiencia.
Ana Carolina Bolsson. site. São Paulo, 2017.
SILVA, S.F.K.da, S.R.dos.R RAMPAZZO, e Z.A.C PIASSA. A ação docente e a diverisdade humana. São Paulo: PEARSON, 2013.
SKLIAR, C. Pluralismo x Norma ideal. Vol. 1. Petrópolis: VOZES, 2001.
THIOLLINT, Michel. Metologia da pesquisa da ação. São Paulo: Cortez, 1985.
UAB - UFPB. Fundamentos Psicologicos da Educação. João Pessoa: UFPB, 2013.
VERISSIMO, Ramiro. Desenvolvimento psicossocial (Erik Erikson). Porto: RV Productions, 2002.
WACHOWICZ, Lílian Anna. ―A DIALÉTICA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO.‖ Revista
Diálogo Educacional 2, n. 3 (jan. / jun. 2001): 171 - 181.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 178
ROLIM DE MOURA POR MEIO DOS DISCURSOS DE SUA FORMAÇÃO ESPACIAL
Michelle Fernandes Figueiredo Jandre Dr. Zairo Carlos da Silva Pinheiro
Universidade Federal de Rondônia
Campus de Rolim de Moura, situado na Av. Norte Sul, 7300 - Nova Morada, CEP 76940- 000, Rolim de Moura - RO
[email protected] [email protected]
Resumo. O presente trabalho consiste num breve ensaio sobre a criação e formação do município de Rolim de Moura – RO para compreender a prática da modernização e a conjuntura socioeconômica da população rolimourense inserida na Amazônia brasileira. O principal objetivo constitui-se em compreender os aspectos norteadores migracional e da dinâmica aplicada para gestar o espaço previamente projetado em que se desenvolveu, enquanto formas discursivas de colonização, sem as quais as dificuldades de assentamento seriam intransponíveis. O estudo dá-se a partir da análise da colonização, formação econômica e social da Amazônia e consecutivamente do Estado de Rondônia, dos projetos orquestrados para a dinâmica da imigração amazônica e a projeção do munícipio de Rolim de Moura.
Palavras-Chave. Amazônia. Rolim de Moura. Modernização.
Resumo em segunda língua. This present study consists of a brief essay on the creation and formation of the city of Rolim de Moura - RO to understand the practice of modernization and the socioeconomic situation of the RoL population inserted in the Brazilian Amazon. The main objective is to understand the migratory guiding aspects and the dynamics applied to generate the previously projected space in which it was developed, as discursive forms of colonization, without which the difficulties of settlement would be insurmountable. The study is based on the analysis of the colonization, economic and social formation of the Amazon and consecutively of the State of Rondônia, the orchestrated projects for the dynamics of Amazonian immigration and the projection of the Municipality of Rolim de Moura.
Palavras-Chave na segunda língua escolhida. Amazon. Rolim de Moura. Modernization.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 179
1 Introdução
A presente pesquisa busca estudar o contexto histórico econômico e social
presentes na formação do município de Rolim de Moura, em Rondônia, para
entender, em que medida, os elementos discursivos (históricos, econômicos e
sociais) trazidos pela migração moldaram e constituíram na sua formação espacial.
O processo de colonização de Rondônia eclodiu, por volta da década de
1960, após a prática intensiva do então, projeto ―Marcha para o oeste‖ do presidente
Getúlio Vargas. Em poucas palavras: concomitantemente com a proposta dos
militares de expansão da fronteira agrícola brasileira. De acordo com Bertha Becker
(1996, p. 22), ―A expansão da fronteira amazônica não se reduz a um fenômeno
agrícola‖, e que esse processo não é tão simples e muito menos um fenômeno
esporádico, tornou-se um fenômeno além da fronteira agrícola.
O discurso expansionista era o de desenvolver o país, transformando-o em
uma máquina de produção, no caso, de produção agrícola e essa expansão decorre
por meio dos ideais criados pelo Estado, dando início à transformação do país, ou
seja, o governo militar com seu ideário de desenvolvimento e expansão busca inserir
o país na corrida do desenvolvimento acelerado, implementado, em outros lugares
pelo capitalismo. A exemplo, os discursos de traduções populares destacadas como
―Panela cheia [...] plante que o governo garante‖ (BECKER, 1982, p.153). Trata-se,
assim, de traduções populares da política que retoma a importância atribuída à
agricultura no desenvolvimento do país.
Podemos, então, notar de onde vem a força do texto ―Panela cheia‖. Não
pode ser de ―um-qualquer‖. Nesse caso, é a voz do Estado que sopra nos ouvidos
dos colonos que haverá, caso se adentre a terra, ―panela cheia‖ para todos. É o que
Foucault chamou de ―efeito-autoria‖ (1992). Porém, o Estado não pode ser ―ditador‖
sem um ser a permitir. Sempre há alguém que se sinta com ―panela vazia‖ (o
migrante pobre) e não só; mas também, alguém querendo encher mais, sua ―panela
cheia‖ (o migrante rico) para que a migração e desenvolvimento do espaço seja algo
possível.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 180
Nesse sentido, para se compreender o contexto rolimourense como
―formações discursivas‖, fez-se necessário entender os aspectos históricos e
econômicos da formação do Estado de Rondônia e de criação do município de
Rolim de Moura, como mosaico discursivo.
Sobre a questão dos conceitos utilizados e do método, nos apropriamos,
apenas de passagem, dos elaborados pela da Análise do Discurso (AD), como por
exemplo, o conceito de ―Função-autor‖ (FOUCAULT, 1992), que nos faz entender
que todo discurso deve ter uma certa ―autoridade‖ não explícita, muitas vezes, mas
fundamental ao sentido de um texto. Mas o eixo central é o próprio ―discurso‖, que é
parte de ―formação discursiva‖, no sentido de Michel Pêcheux (1995), que nos
direciona nesse contexto presente. Pêcheux, para quem a heterogeneidade, a
incompletude e a contradição é o que garante a permanente reinvenções
discursivas, vê no ―discurso‖, como aquilo que faz sentido, apenas se o pesquisador
o tomar historicamente, ou seja, o tomar dentro de um certo contexto histórico-social.
2 Discursos Formadores: Criação e Estruturação
Com o golpe militar e seus desdobramentos entre os anos de 1964 a 1985,
percebe-se um interesse elevado na Amazônia brasileira, que para Becker, estava
―fundamentada na doutrina de Segurança Nacional e o objetivo central dar-se por
projeto de modernização e reestruturação do país, uma redistribuição territorial de
investimento em mão de obra, sob forte controle social‖ (1996, p. 12).
A ocupação do, ainda, território rondoniense eclodiu por volta da década de
1960, e naquele momento tinha como principal meta, assegurar o espaço e ocupar,
de forma não sistematizada. Mas a proposta dos militares em 1970 de expansão da
fronteira agrícola brasileira evolui e passou agir de maneira racional.
Para Octavio Ianni (1979, p. 19) ―a colonização parece ter dominado o grande
afluxo de migrantes para esse território‖, em que esse processo fora intenso e
trouxera quem buscava terras, prosperidade econômica e social. Essa etapa
demonstra um exercício na prática da disseminação de autoridade sobre a
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 181
espacialidade e experimentado por parte do governo Federal. O fluxo que Ianni
(1997) descreve, vem demonstrar a grande estrutura articulada pelo governo para
receber a população em um ambiente com a densidade demográfica reduzida.
No processo de criação e ocupação do Estado de Rondônia, muitos
municípios (Quadro I) e foram criados ao longo da BR 364. Segundo Ianni (1997) ao
―mesmo tempo que se construíam a rodovia e colonizavam suas margens,
instalavam-se nas áreas contiguas latifúndios, fazendas e empresas de extrativismo
de produtos da mata, de mineração e agropecuária‖ (IANNI, 1997, p. 57).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 182
Os municípios foram formados ao longo da BR 364 (Quadros I e II), por meio
dos PA (Projeto de Assentamento), dos PAR (Projeto de Assentamento Rápido), dos
PAD (Projeto de Assentamento Dirigido) e dos PIC (Projeto Integrado de
Colonização). Antes, eram apenas vilas, acampamentos. Porto Velho, por exemplo,
foi iniciada para abrigar os seringueiros nos ciclos da borracha, no caso, a massa de
trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira Mamoré – EFMM. E no caso, de Rolim
de Moura, como polo agrícola, fazendo parte do que se denomina Zona da Mata
(Quadro III).
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 183
Os municípios que fazem parte da Zona da Mata rondoniense descritos no
quadro III, destaca, que, na sua maioria foram surgindo como apoio aos
trabalhadores rurais, os latifúndios e minifúndios. O Núcleo Urbano de Apoio Rural –
NUAR, teve como principal meta o apoio, e eram instalados empresas e comércios
que davam suporte aos colonos. Desses núcleos, destaca-se o munícipio de Rolim
de Moura criado no ano de 1983, desmembrado do munícipio de Cacoal, pelo
projeto PIC Gy- Paraná.
Para a abertura de fronteira, o governo teria que ter uma região que
apresentasse viável para vincular-se a nova formação, pois hoje o significado de
fronteira, conforme Becker, ―É um espaço também social e político, que pode ser
definido como um espaço não plenamente estruturado, potencialmente gerador de
realidades novas (BECKER, 1996, p. 11).
Observa-se que, sob a ―realidade nova‖, temos a FD que é a possibilidade da
formação de fronteira, da forma que se produziu na Amazônia como um todo. Não
por acaso que Pêcheux (1995, p. 314), comenta que uma FD ―É constantemente
invadida por elementos que vêm de outro lugar [...] por exemplo, sob a forma de pré-
construídos e de discursos transversos‖.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 184
Desta forma, a fronteira tem algo da contradição, e a partir disso que retira
sua objetividade, segue não só como uma região alternativa para a nação, serve
também para o capital em toda a sua forma de atuação. O simbólico, isto é, a
heterogeneidade do conteúdo linguísticos, de elementos discursivos, de esperanças
sob propaganda dão a fronteira a possibilidade de sua formação. Não é por acaso,
que ―A fronteira é, pois, para a nação, símbolo e fato político de primeira grandeza,
como espaço de projeção para o futuro, potencialmente alternativa.‖ (BECKER,
1996, p. 11).
A fronteira amazônica, enquanto formação FD, em específico, a rolimourense,
apesar de seu valor econômico e estratégico, só se desenvolveu tardiamente,
especialmente se compararmos ao centro-sul do país. Todavia, a partir da década
de 1970 a região passou por ―uma ocupação rápida e sistemática da região, por
forças nacionais e internacionais‖ (BECKER, 1996, p. 9). Esse tardio, deve-se
compreender a partir do conteúdo histórico. Isto é, não há FD sem seu momento
histórico ―adequado‖. Que nada mais significa que, como entendi Orlandi (1996), as
práticas sociais ou a cultura determinada está sempre marcada pela incompletude.
Ou seja, no diálogo, enfrenta outros imaginários, ou outras condições existenciais.
Como tudo isso se arranja é o fator de como será o caráter dessa ou daquela
fronteira em formação. E mesmo no arranjo final (sentido de atual), ela sempre
mudará conforme outros discursos começam a adentrar ao espaço, ad infinitum.
Hoje, o aspecto e propósito, estão ligados ao de integração nacional, que já
nasce diversificada e constituída por várias frentes de trabalho, em pequenos
núcleos urbanos e essa urbanização percorre em ritmo acelerado. Por fim, a política
foi estruturada para reorganizar a massa de trabalhadores trazidos pela colonização
tanto espontânea quanto oficial10. Esta forma é recente, como aponta Kolhepp
10 Sabe-se que não há ―espontaneidade‖ nas atividades humanas. Os homens, sejam por motivos
subjetivos ou objetivos, sempre são movidos por vontades próprias, aleias entre outras. Enfim, neste texto, ao se falar de colonização espontânea, refere-se às possíveis atitudes de colonização sem interferência Estatal. A exemplo de colonização oficial, temos o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. O Decreto nº 63.104/1968 promoveu o início dos estudos dirigidos.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 185
(2014, p. 29), quando comenta que, ―Até meados de 1950, predominaram em
territórios florestais da América Latina, a ocupação espontânea, isto é, não dirigida‖.
Não por acaso, que para a nossa região em questão, foi a forma estatal que
garantiu o fluxo econômico a região. Além de garimpos, os rondonienses se
depararam com os investimentos de grandes empresas de capital estrangeiro.
Característica esta tão comum em toda a região amazônica, ou por uma espécie de
internacionalização dessa fronteira (SILVA, 2003). Porém, ainda com Kolhepp, na
mesma página, onde comenta que, ―Apesar do efeito psicológico do ato da posse da
terra, para a maioria dos colonos no papel de posseiros, seu peso econômico
frequentemente limitou-se às culturas de subsistências, [...] sem quaisquer vínculos
com mercados‖. Observa-se logo a complexa teia de sentidos que envolve o
econômico, o social, o político de uma forma que não se pode ver uma
predominante de um sobre o outro.
3 A análise do discurso: breve comentário sobre sua conexão com o processo histórico
O método utilizado neste trabalho, como já salientado, é uma tentativa de
conectar alguns elementos da Análise do Discurso (AD), em autores como Pêcheux
(1995), Orlandi (1996) entre outros e o processo histórico, tomando como ponto de
análise, a questão da colonização de Rolim de Moura.
Essa maneira de interpretar e compreender o mundo da linguagem foi
amplamente estudada, divulgada nas décadas de 60 e 70, não se constituindo, até
então, em um campo homogêneo, pois neste momento, ocorreram mudanças tanto
no campo econômico quanto político. Para atender as demandas demarcadas pela
Ciência da Linguagem, a AD contribui para uma nova forma de conceber a história.
O seu fundamento é o ―discurso‖, objeto que se torna com Pêcheux, algo que
não é mais um ato linguístico, mas da língua, isto é, do teor social, da história.
Nesse sentido, não há mais falta de sentido, mas esse sentido é sempre dado
dentro de um determinado conjunto social.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 186
Portanto, esse método busca expor o caráter histórico da linguagem, um
campo de estudo marcado neste momento por rupturas, entre a língua, a linguagem
em suas estruturas, desencadeando uma série de revisões ―no interior do próprio
fazer linguístico‖ (BRASIL, 2011, p. 172). Deste modo a linguagem passa a ser
percebida não mais como um sistema de regras formais nos estudos discursivos,
pois, ―A linguagem é pensada em sua prática, atribuindo valor ao trabalho com o
simbólico, com a divisão política dos sentidos, visto que o sentindo é movente e
instável. O objetivo de apreciação do estudo deixa de ser a frase, e passa ser o
discurso,‖ (BRASIL, 2011, p. 172).
A análise busca sempre um ―desvelamento‖, pois uma das bases
epistemológicas da AD em questão é o marxismo, em busca da ideologia. Este
conceito, sempre foi o ponto tenso do marxismo. Deve existir uma ideologia nos
discursos, pois não há discursos neutros. Caso o pesquisador seja marxista, essa
ideologia será sempre burguesa. Porém, entendemos a AD para além de um
marxismo restrito ou economicista. O que nos interessa na AD francesa é a
amplitude de ter nos discursos formas de conhecimento de fenômeno, no caso, a
formação de Rolim de Moura, como e através dessa linguagem vinda em forma de
projetos dirigidos de colonização.
A prática da linguagem, então, passa a receber o valor dos sentidos, e este,
se configura, um sentido mutante, resultante de uma formação discursiva, que é
regulado no ―tempo e espaço da prática humana‖ (ORLANDI, 2005, p. 11). Deste
modo, as características encontradas nos discursos que versam sobre a Amazônia,
e consequentemente Rolim de Moura, equalizam um discurso já experimentado,
providenciado, promovido por um conjunto de linguagem que constitui o discurso.
O discurso, então, para AD surge pela intenção de questionar as formalidades
impetradas pela linguagem. Sendo a maior diferença entre essas três linhas o
conceito de discurso. Pêcheux ―constrói o conceito de discurso a partir de conceitos
outros provenientes da Linguística e do Materialismo Histórico‖ (NARZETTI, 2010, p.
51), baseando-se em estudos provenientes de pesquisas realizadas por Georges
Canguilhem e Louis Althusser, em que para Sociolinguística ―o discurso é o produto
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 187
de uma interação linguística de um dado grupo social ou classe social‖ (NARZETTI,
2010, p. 59).
No caso mais específico, para Foucault, o discurso designa o ―Conjunto de
enunciados que se apoia em um mesmo sistema de formação; é assim que poderei
falar de discurso clínico, do discurso econômico, do discurso da história natural, do
discurso psiquiátrico‖ (FOUCAULT, 1986, p. 124 apud NARZETTI, 2010, p. 60).
Pêcheux entrecruzará com os escritos de Foucault pelo início da década de
1980, dando a AD de Pêcheux o conteúdo de formação discursiva, tendo como base
a análise histórica. A maneira de ver o discurso de Pêcheux, desenvolveu-se por
meio de uma ―rediscussão dos conceitos de língua e fala conforme definidos por
Saussure‖ (NARZETTI, 2010, p. 53). Para Saussure a língua é externa ao indivíduo,
é social, já a fala é pessoal. Mas para Pêcheux ―esses conceitos não dão conta de
toda a produção de linguagem‖ (NARZETTI, 2010, p. 53). Há um ―nível
intermediário‖ entre esses dois conceitos que seria o discurso.
Ainda na esteira de Pêcheux (1995), para quem a existência da
heterogeneidade do discurso ou ―feixes de normas‖ só são dados, devidos existirem
campos portadores de fala. Porém, mesmos esses campos são invadidos por outras
formações discursivas, ou discursos transversos. Nesse sentido, a colonização não
é via de mão única, mas o discurso por trás da ―propaganda‖ ou de ―projetos‖ de
colonização, sempre têm resistências que a faz se desenvolver ou não, dentro do
que se tinha planejado.
Quando se trata do discurso, para Pêcheux, este está além da língua ou da
fala, tal como o entendia Saussure. Nesse caso, o discurso seria uma das categorias
que fora extraído desses conceitos. Que emanaria tanto da individualidade, o sujeito,
quanto da língua, o social. Deste modo, o discurso seria algo demarcado pelos
―interesses de determinadas classes sociais, na luta ideológica de classes‖
(NARZETTI, 2010, p. 53). Nesse sentido, a espacialidade amazônica oferece uma
gama de interesses subjetivos, de interesses vinculados aos projetos e ascensão
dos Estados amazônicos articulados pelos governos, envolvido tudo isso de classes
e ideologias de maneira complexa.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 188
Com isso entra em evidência o sujeito que ―é resultado da relação existente
entre a história e a ideologia‖ (BRASIL, 2011, p. 172). Nesse sentido, teria um sujeito
descentrado, constituído e atravessado pela linguagem‖ (BRASIL, 2011, p. 172)
porque não há sentido algum a priori; que é sempre produzido no discurso. Inclusive,
o sujeito depende do discurso; ou, é ―transitado‖ por ele, dentro de um sistema
social.
Esse discurso desenvolve-se por meio da estrutura criada tanto pelas normas
individuais quanto pelas universais, gestado no núcleo da formação social de certa
região. Assim, ao citar o sociólogo Octavio Ianni no Capítulo I, percebe-se os
interesses que gravitam em determinadas classes sociais, uma complexa luta
ideológica por meio de uma estrutura formada, porém desconhecida, pois, é gerada
no sujeito do inconsciente, no núcleo de uma dada formação social.
No território de Rondônia ocorreu nos últimos anos um intenso processo de colonização espontânea, mesclado com a colonização oficial e a particular. Mas a colonização parece ter dominado o grande afluxo de migrantes para esse território. Em poucos anos chegaram muitos trabalhadores rurais, e seus familiares, em busca de terras para ocupar, morar e lavrar. Também chegaram pequenos, médios e grandes empresários, ao lado de comerciantes de terras, grileiros, jagunços, funcionários governamentais, engenheiros, agrônomos, gerentes (IANNI, 1979, p. 19).
Nesse trecho, já citado, o autor nos remete ao um discurso político, sendo
este, um produto não só definido por ―elementos linguísticos‖, mas, por elementos
―extralinguísticos‖, caso em que, ―[...] os fenômenos linguísticos de dimensão
superior à frase podem, efetivamente, ser concebidos como funcionamento, mas
com a condição de acrescentar que esse funcionamento não é integralmente
linguístico, [...] senão em referência à estrutura da formação social em que se
encontram [...]‖ (PÊCHEUX, 1967, p. 218 apud NARZETTI, 2010, p.54).
Nesse momento, o materialismo histórico (MH) passa a ser peça importante
para a construção do conceito de discurso, objeto teórico de Pêcheux. Para ele o
discurso está ligado ―a uma série de conceitos da teoria marxista: estrutura da
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 189
formação social, ideologias, posições de classe. O conceito de ideologia é aquele
com que o discurso mantém uma relação mais direta‖ (NARZETTI, 2010, p.54).
O conceito de discurso tem sua complexidade devido ao fator social-histórico.
Para isso, converge a junção do extralinguístico e da sequência linguística para se
poder compreender um efeito de sentido para determinado fato, ou produto. Em
certa medida, o discurso não advém de um consenso entre os pesquisadores.
Nesse sentido, para Pêcheux, o discurso ―É a história na língua. Temos então a
tríade língua, sujeito e história na constituição de discurso [...] material simbólico, é
janela aberta para o estudo do funcionamento dos mecanismos de produção de
sentidos, é confronto do simbólico com a ideologia‖ (BRASIL, 2011, p. 172).
Pois a língua, material formal, vem como base, ou lastro do sujeito do
inconsciente com a sua exterioridade. O discurso não se separa nem do
acontecimento ou da estrutura e é resultante desses elementos, a partir de vários
enunciados, que se desenvolve ou desencadeia dentro de uma formação
discursiva11 no interior do sujeito dentro da formação social. Deste modo, as fontes
utilizadas neste trabalho foram selecionadas da maneira que proporcionasse a visão
holística do acontecimento, para que algum sentido do discurso se evidencie.
4 Discursos Estratégicos: Formação dos Núcleos Urbanos
A região Amazônica é uma das áreas extensas do território brasileiro. Este
espaço ganha muito destaque, diante de outros que se encontravam abarrotados de
produtores e uma grande massa de trabalhadores, mas sem espaços disponíveis
para produção.
A Amazônia ocupa 50% do território brasileiro. Nas duas últimas décadas, essa região, até então considerada ―homogênea‖ pela presença da floresta amazônica, vem se transformando com incríveis contradições:
11 Temos somente tocado superficialmente e, de passagem, o termo “formação discursiva”. O motivo é que
este termo, fora dialogado por Pêcheux a partir da obra de Foucault. Para nós, este conceito, quer indicar a
dificuldade que é analisar os sentidos de um texto ou fato. Esta análise para ser completa ao máximo possível,
seria necessário destrinchar e encontrar a “sua” formação discursiva, isto é, descrever as dispersões do objeto
estudado.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 190
desmatamento em ritmo acelerado (169% de aumento entre 1975/78 – Landsat), área de colonização agrícola, mas ocupada por grandes empresas agropecuárias, área de segurança nacional, mas do interesse de multinacionais, área de expansão de pastos (117,14% - 1960-1970), e o finalmente a área despovoada para onde se têm desviado os densos fluxos populacionais que até pouco tempo atrás se dirigiam para o Centro-Sul (crescimento populacional em 1969 e 1970: 43,38%; entre 1970 e 1980:116%). É do trabalho desses imigrantes que surge a estruturação de novo e diferenciado espaço (BECKER, 1982, p. 185).
Becker, acima, comenta que a Amazônia brasileira, de um lugar ermo,
coberto praticamente por uma densa floresta, começa a receber investimentos
tantos nacionais quanto internacionais, por causa de seu espaço, sendo a partir
dele, que se desenvolve as estratégias para capacitá-lo a atender aos diferentes
interesses. Ocorrendo, então, a transformação e estruturação do novo espaço.
Nesse sentido, Ianni expõe que,
A política de colonização da Amazônia, posta em prática pela ditadura instalada no Brasil desde 1964, recoloca dois problemas importantes, encadeados: a questão da terra e do trabalhador sem terra. A forma pela qual o Estado foi levado a dar e desenvolver a colonização dirigida, oficial e particular, na região amazônica, repões o problema da estrutura fundiária, tanto na Amazônia como no Nordeste, Sul e outras regiões. Simultaneamente, repõe o problema da movimentação dos trabalhadores rurais das várias regiões, no âmbito da sociedade brasileira. São diversas as indicações de que a política destinada a transformar posseiros em colonos e peões, ou colonização espontânea em dirigida, situa-se no contexto da política estatal de expansão da agropecuária, mineração e extrativismo (IANNI, 1979, p. 7).
A caracterização que Ianni expõe, dá ao processo de administração do
espaço produzida pelo governo, aponta o caráter comercial que a Amazônia
proporcionou. O Banco mundial (1970) entra com recursos junto ao governo federal,
para o asfaltamento e o desenvolvimento da região. O papel do Estado que, no
caso, era representado pelo INCRA, selecionava as famílias do Nordeste, para
suprimir os conflitos lá existentes, por excesso de população, trazendo para o norte
por meio de uma política de atração, a propaganda foi a arma.
Note-se que o que gira em torno é o discurso, tomado como propaganda,
como algo neutro, próprio de incentivar a migração como colonização. Porém, não
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 191
se pode ver apenas como ―imposição‖ do Estado. Não. Há do outro lado, os sujeitos,
que também, ―enganados‖ ou, também ―por espírito de aventura‖, de certa forma,
estão no momento certo, para que o discurso possa agir ou ter algum efeito.
Os núcleos urbanos se formavam em pontos estratégicos e eles eram o
aporte ou a segurança para a massa trabalhadora existente na região. Em sua
pesquisa, Becker (2013) atribui o fator significativo e orientador das cidades ou
núcleos urbanos, ao escrever:
Já nos primeiros contatos com a região, ainda nos anos 1970, intrigou-nos o acelerado processo de urbanização numa região florestal, cujo planejamento governamental enfatizava e subsidiava uma ocupação destinada à agropecuária. Logo ficou patente o papel das cidades na real meta do planejamento regional, qual fora finalmente promover a ocupação definitiva e explorar os recursos da Amazônia. Por essa razão, verdadeira fronteira urbana foi implantada pelo Estado na região antes mesmo da expansão da fronteira agropecuária e mineral, que caracterizou o processo de ocupação: a essa fronteira oficial associaram-se os núcleos nascido espontaneamente e o crescimento de outros. Pois que os núcleos urbanos foram o lugar de mobilização e resistência de mão de obra induzida a imigrar de todos os rincões do país; construíram o nó de articulação das redes implantadas para promover a conectividade da região e desta com o país; concentraram os serviços básicos necessários à mobilização dos recursos e ao uso da população (BECKER, 2013, p. 12).
Desta maneira, percebe-se a importância e o suporte que seria os núcleos
urbanos para o desenvolvimento da Amazônia. Os discursos do governo militar, que
naquela ocasião, era de formar a fronteira sob o comando do governo federal e para
que seja provedora de mão de obra e espaço.
5 Considerações Finais
Os espaços amazônicos têm sua materialidade muito cobiçada tanto
nacionalmente quanto internacionalmente. Sua potencialidade é vista pela sua
fauna, flora, seus produtos minerais, seu território. Deste modo, podemos
compreender qual a intencionalidade dos projetos orquestrados pelos governos
começando pelos ditatoriais aos atuais, para proteção, projeção e apropriação da
Amazônia.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 192
Os projetos expansionistas, estruturais, de migração entre outros, com base
na ideia de segurança nacional, tinham como objetivos, a racionalização e
constituição de áreas potencialmente favoráveis a produção de alimentícia, além de
formação de mão de obra barata, para as grandes indústrias e latifundiários. Mas
isso a partir também, de interesses dos mais diversos dos sujeitos, que seriam a
mão de obra e os trabalhadores envolvidos.
Considerando os detalhes já conhecidos da migração amazônica, mas
também expondo aspectos desconhecidos dessa jornada, em que esses espaços
―escassamente‖ povoados passaram, a pesquisa mostrou a imensa potencialidade
espacial da Amazônia rolimourense. Sua espacialidade fora conduzida para
configurar laços que o país estava criando para adentrar no sistema capitalista que
estava em crescente evolução nesses confins do Brasil. Sendo que, nesses
espaços, haviam todos os critérios exigidos para tal ação do governo, que seria o
espaço, a produção e a formação rápida de mão de obra.
No tocante as formas de criação de forças de trabalho, a criação de rede de
cidades e pequenos centros distribuidor e demarcador de fronteira, pois os discursos
articulados, nesta pesquisa, demonstram a dinâmica que o país se posicionou diante
da inquietante falta de espaço urbanizado e gestado.
Destarte, o fato do espaço ser posto pela perspectiva de arrecadação,
apoderamento e detenção de poder alavanca a quantidade de questionamento
destinado a elucidar o desenvolvimento e modernização pelo qual passou Rolim de
Moura, que foi um pequeno exemplo da imensidão e da força discursivas envolvidas
em uma complexidade ainda não pouco estudada.
Enfim, concluímos este pequeno ensaio que visa compreender a
espacialidade do munícipio de Rolim de Moura, a partir de sua inserção na grande e
cobiçada Amazônia brasileira. Evidenciando o destaque positivo para os grandes
centros, sua posição estratégica, sua formação comercial e desenvolvimento
histórico e econômico. Deixando um leque de possibilidades para a continuação
desses discursos de colonização e aventura.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 193
Referências
BECKER, Bertha K. Amazônia: Série Princípios. São Paulo-SP: Ártica. 1996.
FOUCAULT, M. O que é o autor? Porto: Veja, 1992.
. A Urbe Amazônia: A floresta e a cidade. Rio de Janeiro:
Garamond, 2013.
. Geopolítica da Amazônia: A nova fronteira de recursos. Rio de
Janeiro: Zahar, 1982.
BRASIL, Luciana Leão. Michel Pêcheux e a Teoria da Análise de Discurso:
Desdobramentos importantes para a compreensão de uma tipologia discursiva.
Linguagem- Estudos e Pesquisas. Vol 15, n. 01, p. 171-182, jan/jun 2011.
IANNI, Octavio. Colonização e contra reforma agrária na Amazônia:. Petrópolis:
Vozes, 1979.
KOHLHEPP, Gerd. Colonização agrária no norte do Paraná processos
geoeconômicos e sociogeográficos de desenvolvimento de uma zona pioneira
subtropical do Brasil sob a influência da plantação de café. Maringá: UEM, 2014.
NARZETTI, Claudiana. As linhas de Análise do Discurso na França nos anos 60-
70. RevLet- Revista Virtual de Letras. Vol 2, p. 51-69, n. 02, 2010.
OLIVEIRA, José Lopes de. Rondônia: geopolítica e estrutura fundiária. Porto
Velho: Grafiel, 2010.
ORLANDI, E. P. Michel de Pêcheux e a Análise de Discurso. Estudos da
Lingua(gem), n. 01, p. 9-13, jun/2005.
. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis:
vozes, 1996.
PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas:
Unicamp, 1995.
. Discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1997.
SILVA, Sílvio Simione da. Na fronteira agropecuária acreana. Rio Branco: UFAC,
2003.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 194
CHARGE: O DISCURSO SOBRE O MEIO AMBIENTE
TOMÉ FERNANDES CAITANO AGOSTINHO FILHO DA SILVA LIMA
Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente
Universidade Federal do Amazonas Rua Circular Municipal, n°1805 bloco 1, 698000-000
Resumo. Este artigo intitulado “Charge: o discurso sobre o meio ambiente” surgiu com o intuito de analisar a materialidade discursiva que uma charge pode apresentar ou representar em relação ao meio ambiente. Uma vez que a poluição ambiental é uma realidade enfrentada atualmente, determinados chargistas utilizam métodos e recursos que dão ênfase e criticam esse processo de degradação ambiental. A Análise de Discurso busca analisar via discursos, as diferentes materialidades e efeito de sentidos contidos nas charges por meio das formações discursivas e ideológicas apresentadas pelo exercício do chargista, ou seja, investiga as condições de produção do chargista ao compor aquele discurso por meio do gênero charge, e de como ele utilizou aqueles recursos e o porquê ele os utilizou, levando em consideração o contexto histórico em que a charge foi produzida e as condições de produção. A metodologia utilizada é de cunho qualitativo, bibliográfico. Serviram de embasamento teórico os autores: ALTHUSSER (1992), BRAIT (1996), MAINGUENEAU (1997), ROMUALDO (2000), MUSSALIM (2001)),
GREGOLIN (2006) e PECHÊUX (2012).
Palavras-Chave. Charge. Meio Ambiente. Análise de Discurso.
Abstract: This article entitled "Charge: the discourse on the environment" arose with the intention of analyzing the discursive materiality that a cartoon can present or represent in relation to the environment, since environmental degradation is a reality currently faced. Given this, certain chargers use methods and resources that emphasize and criticize this process of environmental degradation. Discourse Analysis seeks to analyze through discourses, the different materialities and effect of meanings contained in the cartoons through the discursive and ideological formations presented by the exercise of the cartoonist, that is, investigates the whole strategy used by the cartoonist in composing that discourse through the charge, how he used those resources and why he used them,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 195
taking into account the historical context in which the cartoon was produced. The methodology used is qualitative, bibliographic. The authors were: Althuser (1992), BRAIT (1996), MAINGUENEAU (1997), ROMUALDO (2000), MUSSALIM (2001), GREGOLIN (2006) and PECHÊUX (2012).
Key words: Cartoon. Environment. Discourse Analysis.
1 Introdução
O gênero charge é específico para fazer críticas aos problemas que estão
afetando a sociedade. Feito com uso do desenho, podendo também conter
linguagem verbal, carregada de humor e irônica, a charge é sempre produzida em
um contexto histórico, social e cultural e, por esse motivo, para entender sua crítica
é necessário analisar o contexto na qual foi produzida, ou fazer uma abordagem no
tempo e ter ciência dos acontecimentos que a gerou.
A análise do discurso é uma disciplina teórica e metodológica de entremeio
dentro do campo da linguística. Os construtos teóricos da Análise do Discurso têm
base na Psicanálise, Materialismo Histórico e Linguística. O objeto de pesquisa da
teoria do discurso é o discurso. Mas tal discurso – de acordo com a teoria, é um
discurso ideológico, construindo historicamente por uma dada sociedade,
materializado nas formas de manifestações da linguagem humana e, se
manifestando por ela no sujeito ideológico que anuncia textos. O discurso se
materializa no texto.
Com a análise do discurso é possível saber as construções ideológicas do
sujeito anunciador e suas condições de produção do discurso, e ainda, o lugar de
onde o sujeito anuncia, uma vez que, para a teoria do discurso, somos constituídos
em sujeitos pela a ideologia, a nossa fala sempre é polifônica, vem sempre
acompanhada de outras vozes que nos atravessa e, nunca, somos o dono exclusivo
de nosso discurso. Essa polifonia representada no discurso do sujeito, tem um lugar,
e esse lugar ideológico, percebe-se na linguagem do sujeito anunciador.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 196
Nesse sentindo, o presente trabalho usa dos conceitos e o método dessa
teoria para fazer análise de uma charge. Analisar as condições de produção de
discurso que a materializou, bem como a produção de efeito de efeito de sentido e
as formações ideológicas do sujeito do discurso e, ainda, o acontecimento que a
gerou.
2 Análise de Discurso
A Análise de Discurso é uma disciplina, um método de análise, que surgiu na
década de 60, pois Pechêux – seu fundador, percebeu que todo discurso carrega
consigo uma bagagem ideológica e que nenhum discurso é sem sentido, ou seja,
nenhum discurso é neutro. A partir dessa percepção notou-se a necessidade de
analisar as condições de produção de um discurso, ou seja, como esse discurso foi
realizado, por quais ideologias o sujeito dono do discurso se apoia para realizá-lo, e
principalmente em qual contexto histórico esse mesmo discurso foi produzido.
Diante disso, Orlandi (2012) apoiando-se no texto de Pechêux, diz que:
Podemos considerar as condições de produção e sentido estrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as consideramos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio- histórico, ideológico (2012, p. 30).
Um discurso é muito mais que o simples ato da reprodução de signos, pois
para a sua formação é necessário haver um contexto histórico, social, cultural,
político, entre diversos outros fatores que podem influenciar em sua produção.
Para que possamos melhor compreender a Análise do Discurso,
primeiramente devemos entender o que é discurso. Discurso se materializa na fala,
na escrita, gestos dos sujeitos que fazem o uso dos signos linguísticos, ou seja, é
quando o indivíduo ou, sujeito fala, escreve, expressa suas ideias, argumenta ou
anuncia algo, fazendo uso dos diversos tipos da linguagem para produzir sentidos,
que segundo Orlandi (2001, p. 15), a AD ―concebe a linguagem como mediação
necessária entre o homem e a realidade natural e social‖.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 197
Segundo Mussalim (2001, p. 11), a Análise de Discurso ―se refere à
linguagem apenas à medida que esta faz sentido para sujeitos inscritos em
estratégias de interlocução em posições sociais‖. Desse modo, sempre que alguém
faz uso da linguagem para falar, escrever, sinalizar, convencer, interpelar entre
outros, este alguém, consecutivamente tem uma ideia a passar para o outrem, isto
é, carregam em seus discursos várias ideologias, que são frutos de outras
ideologias, ou seja, esse discurso é consequência de toda carga ideológica que o
sujeito ou indivíduo aderiu inconscientemente em seu contexto social, sofrendo e
sendo alvo natural de interpelação por outros discursos ideológicos dos quais
circulam em seu meio social, e consequentemente e inconscientemente o sujeito vai
transferindo seu discurso ideológico para outros indivíduos.
De acordo com Orlandi Apud Brandão (2004. p. 106)
Discurso é o efeito de sentido construído no processo de interlocução (opõe-se à concepção de língua como mera transmissão de informação). O discurso não é fechado em si mesmo e nem é do domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz significado em relação ao que diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos.
Mesmo que o discurso feito tenha um determinado objetivo, ainda assim,
depende da formação ideológica do interlocutor, pois relacionado com esta
formação, o discurso pode remeter sentido diferente do qual o locutor tentou passar.
Levando em consideração tudo que foi explanado, pretende-se realizar
análise discursiva de uma charge referente ao meio ambiente, para isso contamos
com a ajuda da AD para que possamos compreender quais contextos históricos
levaram a materialização do discurso chargístico.
3 Discurso e acontecimento
Todo discurso é reproduzido causar um efeito de sentido, mas, para isso, é
levado em consideração o contexto no qual o discurso foi produzido e para quem foi
produzido. ―Toda prática discursiva está inscrita no complexo contraditório-desigual-
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 198
sobre determinado das formações discursivas que caracteriza a instancia ideológica
em condições históricas dadas‖ (PÊCHEUX, 1975, p. 213).
Essa junção entre o contexto histórico e a possiblidade de efeito de sentido
pode ser chamada de acontecimento, como infere Gregolin (2006, p. 27)
O acontecimento é pensado como a emergência de enunciados que se inter-relacionam e produzem efeitos de sentido. Esse projeto teórico compreende o enunciado em sua singularidade de acontecimento, em sua irrupção histórica.
É preciso ser levado em consideração todos os aspectos culturais, sociais e
históricos para ter a possibilidade de analisar um acontecimento, e esse tal
acontecimento pode ser analisado com mais facilidade ou não dependendo de
vários fatores, como por exemplo, a forma como ocorreu, com quem ocorreu, quem
foi o causador, e principalmente em que período aconteceu. A materialização dos
discursos a respeito de tais acontecimentos faz com que este acontecimento seja
lembrado ainda mais, com diferenciados pontos de vista de quem o analisa. Orlandi
afirma que:
Todo discurso é um deslocamento na rede de filiações, mas este deslocamento é justamente deslocamento em relação a uma filiação (memória) que sustenta a possibilidade mesma de se produzir sentido. […] Cada acontecimento discursivo é inédito e o retorno da memória não é simples reprodução (1996, p. 92-93).
Cada acontecimento discursivo traz consigo uma carga ideológica, pois como
nos afirma Althusser (1992, p. 93) ―toda ideologia interpela os indivíduos enquanto
sujeitos‖, além da manifestação da memória discursiva.
4 Charge: função discursiva
Charge é um gênero textual que tem como papel fazer críticas àquilo que está
afetando a sociedade. Segundo o dicionário online de português Dicio Charge ―é um
desenho de teor humorístico ou cômico que, possuindo legenda ou não,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 199
normalmente é apresentado ou publicado em revistas ou afim, se pode referir a uma
situação (acontecimento) atual, e critica as personagens que estão envolvidas nessa
situação: caricatura‖. A charge é sempre feita por um chargista que tem um ponto de
vista critico em relação a algo ou a alguém, é perceptível que o autor faz isso
utilizando-se do humor para causar seu efeito de sentido, e por meio da
materialidade discursiva existente na charge busca interpelar o interlocutor.
Na maioria das vezes ligada a um problema que circula num dado contexto
social. E esta crítica, por meio da charge acontece de forma ilustrativa, e ainda
contendo um efeito humorístico no texto. A charge, portanto, segundo Romualdo
(2000, p.33)
Pode ser definida como ―um texto visual humorístico que critica uma personagem, fato ou acontecimento específico‖. Por focalizar uma realidade específica, ela se prende mais ao momento, tendo, uma limitação temporal.
Induzindo o apreço às ideias de Romualdo, a charge prende-se ao momento,
e guarda o fato no tempo, a charge está presa no tempo, mas com o olhar da
análise de discurso a possibilidade de diversos efeitos de sentidos é possível de
acordo com a contextualização histórica do acontecimento, podendo ainda circular
fora de seu contexto original, no qual se gerou, portanto, um olhar mais criterioso se
faz necessário, exigindo do receptor uma viagem ao passado, a buscar a
problemática que a originou para tentar compreender o seu sentido. A charge
consiste numa escritura, mas em forma de caricatura podendo ou não utilizar
palavras em sua composição, sendo de caráter humorístico e satírico, faz, contudo,
um julgamento a um caso, uma problemática social, ou a um ser, podendo também
apresentar certo grau de ironia. Para Brait (1996, p. 129-130)
O processo irônico fundamenta-se na lógica dos contrários na tensão entre o literal e o figurado e numa relação muito especial entre o enunciador e seu objeto de ironia, e entre o enunciador e o enunciatário. A ironia requer de seu produtor uma familiaridade muito grande com os elementos a serem ironizados, o que de imediato torna isomorfa a cisão constitutiva do seu sujeito, do seu produtor. Por outro lado, também o enunciatário espelha a cisão, na medida em que capta a sinalização emitida pelo discurso e,
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 200
através dela, aciona sua competência discursiva, ou como parceiro de um ponto de vista do enunciador.
Levando essa em consideração afirmação, nota-se que para que a ironia seja
percebida é necessário que o receptor tenha entendimento sobre o contexto
histórico e cultural no qual a charge está inserida.
Até o momento mencionamos alguns aspectos para uma boa compreensão
das charges. Mas, levando ao campo da Análise de Discurso, é possível perceber
que para a materialização deste discurso presente na charge é necessário sem
exceção de um acontecimento histórico e para Orlandi ―o discurso é efeito de
sentidos entre locutores, um objeto sócio-histórico em que o linguístico está
pressuposto‖ (2005, p. 11).
Além disso, as charges carregam consigo um discurso impregnado de
posições ideológicas do enunciador, e para Maingueneau (1997, p. 77)
Os ‗enunciadores‘ são seres cujas vozes estão presentes na enunciação sem que se lhes possa, entretanto, atribuir palavras precisas; efetivamente, eles não falam, mas a enunciação permite expressar seu ponto de vista. Ou seja, o ‗locutor‘ pode pôr em cena, em seu próprio enunciado, posições diferentes da sua.
Mesmo que o enunciador pretenda transmitir uma determinada formação
ideológica com seu discurso, ainda é possível que não tenha o poder de interpelar o
receptor, pois o efeito de sentido não depende somente da posição ideológica em
que o enunciador é condicionado, mas também da maneira como o receptor vai
recebe-la e se sua filiação ideológica de aproxima da do sujeito enunciador, isto é,
de acordo com sua posição ideológica.
E neste sentido em nosso artigo focaremos em uma charge que tratam de
temas relacionados ao meio ambiente, pois é um tema de grande repercussão por
conta de acontecimentos históricos que ocorrem com a evolução industrial.
Todos sabemos que o principal meio de urbanizar um local é construindo
moradias, mas ao mesmo tempo desfazendo-se da flora para dar lugar a primeira.
Não só o ato da urbanização é responsável pelo desmatamento, mas vários outros
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 201
fatores que envolvem o capitalismo, como por exemplo: criação de gado, plantação
de soja, arroz, trigo e etc. Mas por outro lado, segundo dados do Ministério do meio
Ambiente nos últimos anos o aquecimento global tem aumentado excessivamente
devido a ação humana. É seguindo essa linha de pensamento que o do chargista
Jarbas Domingos de Lira Jr, produziu a charge abaixo:
Figura 1.
Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brasil_A-32b.sv> acessado dia 16/10/17.
Ao observarmos a charge acima é possível notar que o autor usou elementos
relacionados ao aquecimento global, até mesmo a cor colocada na charge nos
remete a um clima quente, sendo este, uma das principais consequências do
desmatamento. É possível perceber por meio da charge, que o autor se posiciona
contra o desmatamento, o discurso se materializa no momento em que ele utiliza-se
da morte como símbolo da consequência da ação do homem. O autor materializou
seu discurso por meio desta charge sobre um acontecimento que vem ocorrendo ao
longo do tempo, e que vem sendo discutido entre os estudiosos, e causando
repercussão.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 202
Ao ser interpelado pela charge o individuo se identifica em sua formação
discursiva, ao reconhecer essa formação, um conceito ideológico se manifesta.
Embora a ideia da materialidade discursiva do autor tenha sido a crítica ao
aquecimento global o efeito de sentido do interlocutor está diretamente associado a
formação discursiva que ele pertence e ao contexto histórico dos acontecimentos
que a gerou.
5 Considerações finais
Os acontecimentos históricos da uma sociedade fornece as condições de
produção do sujeito que anuncia. E, ao mesmo tempo que anuncia, seguindo a linha
de raciocínio do Análise do Discurso, o sujeito também manifesta sua formação
ideológica, sua formação discursiva e o lugar de onde fala. O discurso se materializa
na linguagem. E, é nesse momento que análise discursiva se faz possível. Portanto,
a charge em análise, mostra a fala de um sujeito que se manifesta contra o
desmatamento, contra o capitalismo excessivo. E, ao mesmo tempo, manifesta a
sua preocupação com meio ambiente, e sua posição a respeito do futuro da
humanidade e do planeta. Materializando todo um momento histórico ao qual nossa
sociedade passa, e, também, todo o efeito de sentido construído historicamente
pelos acontecimentos de degradação ambiental que a sociedade passa.
Referências
BRAIT, Beth. Ironia em perspectiva polifônica. Campinas: Editora da UNICAMP,
1996.
GREGOLIN, M. do R. AD: descrever-interpretar acontecimentos cuja materialidade funde linguagem e história. In: NAVARRO, P. (Org.). Estudos do texto e do discurso: mapeando conceitos e métodos. São Carlos: Claraluz, 2006. p. 19-34
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas:
Pontes, 1997.
MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínio de fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001, v. 2.
Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 203
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed.
Campinas: Pontes Editores, 2012.
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. 6 ed. Campinas, SP
Pontes Edições, 2012.
ROMULADO, E. C. Charge jornalística: intertextualidade e polifonia. Maringá:
Eduem, 2000. Disponível em:<<http://projetojogolimpo.blogspot.com/2008/09/humor- pela-conscientizao-ambiental.html >> acessado dia 16/10/17.