Anais do ENADIS 2018 ENADIS v. 2...Freda Indursky - UFRGS Juciele Pereira Dias - UNIVÁS Lauro José...

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ÉLCIO ALOISIO FRAGOSO et al (orgs.) Anais do ENADIS 2018 II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE DISCURSO: Conhecimento, História e Língua PORTO VELHO RO - 2018 GRUPO DE PESQUISA: CONHECIMENTO, HISTÓRIA E LÍNGUA (GPECHELI/CNPQ); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS (PPGML); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS (PPGMEL); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO ESCOLAR (PPGMEPE); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA E ESTUDOS CULTURAIS (PPGMHEC). Fundação Universidade Federal de Rondônia/UNIR Porto Velho 2019

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ÉLCIO ALOISIO FRAGOSO

et al (orgs.)

Anais do ENADIS 2018

II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE DISCURSO:

Conhecimento, História e Língua

PORTO VELHO – RO - 2018

GRUPO DE PESQUISA: CONHECIMENTO, HISTÓRIA E LÍNGUA (GPECHELI/CNPQ);

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS (PPGML);

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO

ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS (PPGMEL); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO

PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO ESCOLAR (PPGMEPE); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO

ACADÊMICO EM HISTÓRIA E ESTUDOS CULTURAIS (PPGMHEC).

Fundação Universidade Federal de Rondônia/UNIR

Porto Velho

2019

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Élcio Aloisio Fragoso

Carlos Barroso de Oliveira Júnior

Juciele Pereira Dias

Rodrigo Oliveira Fonseca

(Orgs.)

PORTO VELHO, 2018.

GRUPO DE PESQUISA: CONHECIMENTO, HISTÓRIA E LÍNGUA (GPECHELI/CNPQ);

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS (PPGML);

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS (PPGMEL);

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO ESCOLAR

(PPGMEPE); PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO

ACADÊMICO EM HISTÓRIA E ESTUDOS CULTURAIS (PPGMHEC).

Fundação Universidade Federal de Rondônia/UNIR

ANAIS DO ENADIS

2018 II ENCONTRO NACIONAL

EM ANÁLISE DE DISCURSO:

Conhecimento, História e Língua

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COMISSÃO ORGANIZADORA

II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE DISCURSO: Conhecimento, História e Língua

COORDENAÇÃO GERAL

Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso TAES. Me. Carlos Barroso de Oliveira Júnior

COORDENAÇÃO EXTERNA

Profa. Dra. Juciele Pereira Dias Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca

COMISSÃO ORGANIZADORA

Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso TAES. Me. Carlos Barroso de Oliveira Júnior Profa. Dra. Juciele Pereira Dias - Membro Externo (Univás) Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca - Membro Externo (Ufsb) Prof. Dr. Fábio Robson Casara Cavalcante Profa. Dra. Ilka De Oliveira Mota - Membro Externo (Ufscar) Profa. Dra. Juracy Machado Pacífico Profa. Dra. Lilian Maria Moser Prof. Dr. Lucas Martins Gama Khalil Profa. Dra. Lusinilda Carla Pinto Martins Profa. Dra. Mara Genecy Centeno Nogueira Profa. Dra. Maria de Fátima Castro de Oliveira Molina Profa. Dra. Marília Lima Pimentel Cotinguiba Profa. Dra. Nair Ferreira Gurgel do Amaral Profa. Dra. Sonia Maria Gomes Sampaio

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)

E56

Encontro Nacional em Análise de Discurso ENADIS (2. : 2018 : Porto Velho, RO)

Anais do II Encontro Nacional em Análise de Discurso ENADIS:

Conhecimento, História e Língua [recurso eletrônico] / organizado por Élcio

Aloisio Fragoso, Juciele Pereira Dias, Rodrigo Oliveira Fonseca, Carlos Barroso

de Oliveira Júnior et al. – Porto Velho: UNIR, 2018.

Modo de acesso: <www.enadis.unir.br> Encontro realizado nos dias 25 a 27

de julho, com o tema ―Conhecimento, História e Língua‖.

1. Análise de Discurso. 2. História. 3. Ideologia. 4.Língua. 5. Sujeito. I.

Fragoso, Élcio Aloisio. II. Dias, Juciele Pereira. III. Fonseca, Rodrigo Oliveira. IV.

Oliveira Júnior, Carlos Barroso. V. Título.

ISSN 2674-7650

CDU 81‘42

Bibliotecária Responsável: Cristiane Marina T. Girard CRB11/897

[2019]

Capa, revisão e diagramação

Carlos Barroso de Oliveira Júnior – [email protected]

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EQUIPE EXECUTORA DO II ENADIS: Conhecimento, História e Língua

COORDENAÇÃO GERAL

Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso TAES. Me. Carlos Barroso de Oliveira Júnior

COORDENAÇÃO EXTERNA

Profa. Dra. Juciele Pereira Dias Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca

COMISSÃO ORGANIZADORA

Prof. Dr. Élcio Aloisio Fragoso

TAES. Me. Carlos Barroso de Oliveira Júnior

Profa. Dra. Juciele Pereira Dias - Membro Externo (Univás)

Prof. Dr. Rodrigo Oliveira Fonseca - Membro Externo (Ufsb) Prof. Dr. Fábio Robson Casara Cavalcante

Profa. Dra. Ilka de Oliveira Mota - Membro Externo (Ufscar) Profa. Dra. Juracy Machado Pacífico Profa. Dra. Lilian Maria Moser Prof. Dr. Lucas Martins Gama Khalil

Profa. Dra. Lusinilda Carla Pinto Martins Profa. Dra. Mara Genecy Centeno Nogueira Profa. Dra. Maria de Fátima Castro de Oliveira Molina Profa. Dra. Marília Lima Pimentel Cotinguiba Profa. Dra. Nair Ferreira Gurgel do Amaral Profa. Dra. Sonia Maria Gomes Sampaio

COMISSÃO DE APOIO

MONITORES(AS)

Adriano da Silva Borges Agenor Augusto Macedo Prado de Melo

Alan de Souza Prazeres Aleandro Gonçalves Leite Ana Beatriz Lúcio de Souza Andreia da Silva Mesquita Andressa Viana da Silva

Angela Ferreira Gahú da Silva Anna Jamilly Santos Martins Camila Giovana Souza Melo Carla Vanessa Vieira do Nascimento Carlos Eduardo do Vale Ortiz

Carmelita da Silva Santos Cecília Martiniano de Sousa Clara Maria Felício Najar Cleiton Leirson das Neves Cristiane Marina Teixeira Girard

Cyntia Alyne Nascimento Moura Daniela Hilary Nunes Nascimento Daniela Mendonça da Silva Darlan Batalha Sampaio Dejane Rolim de Araújo Silva Delcilene Rubira Fogaça Diego Figueredo Moura

II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE

DISCURSO:

Conhecimento, História e Língua

PORTO VELHO – RO – 2018

Elaine Porto Chiullo

Eliane do Santos Ramos Eliane Ricarte Rodrigues

Elizete Vieira de Melo Emanuel Jadir Correa Siqueira Erick Breno da Silva Borges Ester Quinto Beleza Evânia Lima de Barros Fabrício Veloso de Souza

Fernanda Gonçalves Pimentel - Membro Externo Fernando Silva de Almeida Francisco Alexandre da Silva Francisco Gabriel Moreira da Silva Francisco Geane Ramos da Conceição

Geanne Ferreira Leite Geovânia de Souza Andrade Maciel Heliana Passos Jordão Helioene Ribeiro dos Santos Humberto Bacic

Irismar Gomes Silva Iule Carla Pinheiro Vargas Iza Queiroz Barroso Janaina Kelly Leite Chaves Joelton Rezende Gomes

Joely Coelho Santiago Josy Alves de Souza Juliane Cristina Meireles Venâncio Kessia Raiane Pinheiro de Souza Ketiele de Oliveira Lima

Klivy Ferreira dos Reis Larissa Gonzaga Branco Laudenice Freitas da Silva Leonilson Bittencourt Botelho Lídia Maria Cordeiro Donato Luciana Oliveira Monteiro

Magno Prado Gama Prates Maira Valente Pereira Maria Dulce Pereira da Silva Maria Janete Gonçalves Machado Rodrigues

Maria Norma Lopes Souza Silva Maria Vitória Loureiro do Nascimento Vieira Marta de Paula Vieira de Paula Vieira - Membro Externo Nair Araújo Moreira Nataly Rodrigues Barros

Nayara de Souza Silva Pollyana Woida Rosália Aparecida da Silva Rosane Serra Pereira Rosângela da Silva Santos Rosenita Maia dos Santos

Samara Menezes Campos Suéllen Lemos Silva dos Santos Tainá Costa da Silva

Thais Oliveira dos Santos Ferreira Thalia Chipana Ilorca Thalya Abreu Alves Vitória Siton Buganeme Viviane de Oliveira Bitencourte Dalberto Viviane Silva de Oliveira Nolasco

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COMITÊ CIENTÍFICO

Amanda Eloina Scherer - UFSM

Ana Cláudia Fernandes Ferreira - UNICAMP

Atilio Catosso Salles - UNIVÁS

Ana Luiza Artiaga Rodrigues da Motta - UNEMAT

Bethania Sampaio Corrêa Mariani - UFF

Carolina María Rodríguez Zuccolillo - UNICAMP

Claudia Regina Castellanos Pfeiffer - UNICAMP

Débora Raquel Hettwer Massmann

Élcio Aloisio Fragoso - UNIR

Evandra Grigoletto - UFPE

Freda Indursky - UFRGS

Juciele Pereira Dias - UNIVÁS

Lauro José Siqueira Baldini - UNICAMP

Lucília Maria Abrahão e Sousa - USP

Luiz Carlos Martins de Souza - UFAM

Luiza Kátia Andrade Castello Branco - UFF

Mara Ruth Glozman - Universidad de Buenos Aires

Maria do Socorro Pereira Leal - UFRR

Mónica Graciela Zoppi Fontana - UNICAMP

Rodrigo Oliveira Fonseca - UFSB

Silvia Regina Nunes - UNEMAT

Suzy Maria Rodrigues Lagazzy - UNICAMP

Tania Conceição Clemente de Souza - UFRJ

Verli Fátima Petri da Silveira - UFSM

II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE

DISCURSO:

Conhecimento, História e Língua

PORTO VELHO – RO – 2018

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II ENCONTRO NACIONAL EM ANÁLISE DE DISCURSO:

Conhecimento, História e Língua

REALIZAÇÃO

GRUPO DE PESQUISA: CONHECIMENTO, HISTÓRIA E LÍNGUA Prof. Élcio Aloisio Fragoso – Líder

TAES. Carlos Barroso de Oliveira Júnior – Pesquisador Profa. Juciele Pereira Dias – Líder

Prof. Rodrigo Oliveira Fonseca – Pesquisador

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

Profa. Marília Lima Pimentel Cotinguiba Coordenadora

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA E ESTUDOS CULTURAIS Profa. Lilian Maria Moser

Coordenadora

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS

Profa. Mara Genecy Centeno Nogueira Coordenadora

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO

ESCOLAR

Profa. Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos Farias Coordenadora

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

REITORIA Prof. Ari Miguel Teixeira Ott

Reitor

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

Prof. Carlos Luís Ferreira da Silva Pró-Reitor

PRÓ-REITORIA DE CULTURA, EXTENSÃO E ASSUNTOS ESTUDANTIS

Profa. Marcele Regina Nogueira Pereira Pró-Reitora

NÚCELO DE CIÊNCIAS HUMANAS

Profa. Dra. Walterlina Barboza Brasil Diretora do Núcleo

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE LÍNGUAS VERNÁCULAS

Prof. Lucas Martins Gama Khalil Chefe do Departamento

Fundação Universidade Federal de Rondônia - Campus Universitário José Ribeiro Filho BR 364, Km 9,5, sentido Rio Branco/Acre

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APRESENTAÇÃO

Com o tema ―Conhecimento, História e Língua‖, o II Encontro Nacional em

Análise de Discurso - ENADIS foi realizado na Fundação Universidade Federal de

Rondônia (UNIR), em Porto Velho (RO), de 25 a 27 de julho de 2018 e contou com a

participação de pesquisadores do Brasil e do exterior em Análise de Discurso nas

Mesas-redondas, Conferências, Seminários temáticos e Atividades culturais.

Promovido, nessa edição, pelo Grupo de Pesquisa: Conhecimento, História e Língua

(GPeCHeLI/CNPq), pelo Mestrado Acadêmico em Letras, pelo Mestrado Acadêmico

em História e Estudos Culturais, pelo Mestrado Acadêmico em Estudos Literários e

pelo Mestrado Profissional em Educação Escolar, o ENADIS vem produzindo

condições para diálogos e promovendo laços acadêmicos outros, voltados para a

formação e a produção consistentes em Análise de Discurso enquanto espaço de

entremeio entre diferentes campos do saber das ciências da linguagem e áreas

afins.

Nesta edição, o evento contou com a conferência de abertura da Profa. Dra.

Eni Orlandi - autora e pesquisadora que introduziu e consolidou a Análise de

Discurso no Brasil. Em três dias, foram realizadas, de acordo com a programação,

as conferências de abertura e de encerramento, mesas-redondas, minicursos,

simpósios temáticos, seminário de pesquisa e integração, sessão de lançamento de

livros e a sessão Discurso em Análise, com o debate do documentário Selva na

Selva (Luiz Carlos Martins e Paulo Cezar Freire, 2004). Cabe salientar que em sua

segunda edição o ENADIS foi contemplado com o financiamento externo do

Programa de Apoio a Eventos Científicos e Tecnológicos (PAE), Chamada FAPERO

n. 004/2017, categoria B.

A publicação dos Anais do ENADIS 2018 reúne trabalhos de pós-graduandos

de diferentes campos do conhecimento, o que constitui uma inserção social dos

supracitados Programas de Pós-Graduação, da Fundação Universidade Federal de

Rondônia, em Porto Velho, na região Norte do país, na Amazônia, em outras regiões

do Brasil e no exterior, com articulação com outras instituições: Universidade do

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Vale do Sapucaí (UNIVÁS), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB),

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal de Santa

Maria (UFSM), Universidad de Buenos Aires (UBA), Universidade Federal do

Amazonas (UFAM), Secretaria Estadual de Educação de Rondônia (SEDUC/RO),

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO) e

Faculdade Cenecista de Varginha (FACECA). Essa produção acadêmica vem

contribuindo com o trabalho de formação de pesquisadores por meio de sua

participação em seminários, simpósios, palestras, minicursos e conferências no

evento com forte integração, como por meio da publicação dos trabalhos

apresentados. Os trabalhos publicados nestes Anais passaram pela apreciação do

Comitê Científico formado por avaliadores externos nacionais e internacionais do

campo da Análise de Discurso.

Por esse movimento, o ENADIS se constituiu sob o pressuposto de que a

Análise de Discurso produz realmente uma outra forma de conhecimento, com seu

objeto próprio, que é o discurso. E esse objeto, conforme nos diz Orlandi (1994, p.

54), trabalhando esse espaço disciplinar, faz aparecer uma outra noção de ideologia,

passível de explicitação a partir da noção mesma de discurso e que não separa

linguagem e sociedade na história. E finalizando, retomamos mais uma vez Orlandi

(idem, p. 59), quando diz que a noção de discurso se coloca como historicamente

necessária para o deslocamento dessas relações entre disciplinas e aponta para

uma nova organização, novos recortes, novos desenhos de formas de conhecimento

se não se pensam mais essas regiões disciplinares (com seus ―conteúdos‖), mas um

novo jogo entre as formas do saber.

A Comissão Organizadora agradece à Fundação Universidade Federal de

Rondônia (UNIR), às agências de fomento, CAPES e FAPERO, e a todos os

colaboradores (professores, monitores, funcionários e técnicos) que são parte da

organização e da realização do ENADIS 2018, que resulta na presente publicação.

Carlos Barroso de Oliveira Júnior Élcio Aloisio Fragoso Juciele Pereira Dias

Rodrigo Oliveira Fonseca

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SUMÁRIO

IDEOLOGIA JURÍDICA E AMBIGUIDADE NO SUJEITO NO DISCURSO DE COOFICIALIZAÇÃO DE LÍNGUAS..................................................................... Carlos Barroso de Oliveira Júnior

10

CONSTRUÇÃO DE UM GLOSSÁRIO EM LIBRAS DA CIDADE DE VILHENA: PRODUÇÃO DE EFEITOS DE SENTIDOS NOS ALUNOS SURDOS................

Marta de Paula Vieira de Paula Vieira

26

AO CABARÉ NUNCA MAIS: O IDEAL FEMININO E A RESTRIÇÃO DOS SEUS ESPAÇOS NO ALTO MADEIRA...............................................................

Alex Filipe Gomes dos Santos e Aleandro Gonçalves Leite

42

A PLASTICIDADE E A METALINGUAGEM COMO ELEMENTOS CONSTITUIDORES DE SENTIDO NA OBRA LITERARIA “A PALAVRA FALTA”.................................................................................................................

José De Ribamar Muniz Ribeiro Neto

58

SUJEITO E RESISTÊNCIA: A CONDIÇÃO HUMANA NO CONTO "NEGRINHA", DE MONTEIRO LOBATO............................................................

Marcos Aurélio Bitencourt dos Santos

69

ANÁLISE DOS EFEITOS DE SENTIDOS DA MÚSICA PAIS E FILHOS............ Ana Beatriz Santos Braz e Sara Almieira da Rocha

80

GÊNEROS TEXTUAIS COMO INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS: ESTUDOS E REFLEXÕES DA PRÁTICA EDUCATIVA........................................................

Ana Kely de Souza Viana, Elizane Assis Nunes e Gleidenira Lima Soares

94

A RESISTÊNCIA DA MULHER NAS OBRAS SERINGAL E TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA.....................................................................

Ariceneide Oliveira da Silva

109

A MATERIALIDADE DISCURSIVA DO POEMA “VOZES-MULHERES” DE CONCEIÇÃO EVARISTO..................................................................................... Gabriela Gomes Reis

124

O DISCURSO, IDEOLOGIA E O SUJEITO DO CLIP DA MÚSICA: “O TRONO DO ESTUDAR”..................................................................................................... Graziely Cristiny Ferreira Cardoso, Lucas Gabriel Brasil Desmarest e Valéria França dos Santos

133

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AS FORMAS INTERPELATIVAS DA MÍDIA SOBRE A IDENTIDADE DO CORPO FEMININO.............................................................................................. Laís dos Santos Bezerra e Maria da Conceição de Figueiredo

143

O DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL SOB O VIÉS DA DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM ESCOLAR........................................................................ Luciana Oliveira Monteiro, Niuara dos Santos Lima e João Elói de Melo

156

ROLIM DE MOURA POR MEIO DOS DISCURSOS DE SUA FORMAÇÃO ESPACIAL............................................................................................................ Michelle Fernandes Figueiredo Jandre e Zairo Carlos da Silva Pinheiro

178

CHARGE: O DISCURSO SOBRE O MEIO AMBIENTE...................................... Tomé Fernandes Caitano e Agostinho Filho Da Silva Lima

194

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 10

IDEOLOGIA JURÍDICA E AMBIGUIDADE NO SUJEITO NO DISCURSO DE COOFICIALIZAÇÃO DE LÍNGUAS

CARLOS BARROSO DE OLIVEIRA JÚNIOR1

Departamento Acadêmico de Ciências Sociais e Ambientais Fundação Universidade Federal de Rondônia

Rodovia BR-425, 6656 - St. 08, Guajará-Mirim - RO, 76850-000

Programa de Pós-Graduação em Letras – Linguagem e Identidade Universidade Federal do Acre

Campus Universitário – BR 364, Km 04 – Distrito industrial – CEP: 69.920-900 Rio Branco – Acre. Bloco da Pós-Graduação. Rio Branco – AC, Brasil.

[email protected]

Resumo. O presente trabalho filia-se na perspectiva teórica da Análise de Discurso de linha francesa – enquanto dispositivo teórico e analítico – fundada por Michel Pêcheux, na França, e difundida e desenvolvida por Eni Orlandi, no Brasil. A pesquisa tem como objetivo refletir sobre a noção de ideologia jurídica no discurso das leis de cooficialização de línguas. Ideologia, esta, que instala uma ambiguidade no sujeito, que dele é constitutiva. A fim de alcançar o objetivo proposto, ter-se-á como aporte teórico, para a temática específica, os estudos empreendidos por Eni Orlandi, Suzy Lagazzi, Bethania Mariani, entre outros, dos quais se buscará as noções precisas para análise engendrada, como a noção de: ideologia, ideologia jurídica, ambiguidade, assujeitamento e resistência. Através da análise, que está em andamento, já é possível refletir, pela noção de ideologia jurídica, que o Estado trata de maneira homogênea, sujeitos que são heterogêneos, como se todos fossem um, em direitos e deveres (pelo corpus, trata-se de direitos e deveres de falantes de línguas de minorias). O Estado, então, trabalha com o individual como se coletivo fosse e vice-versa. Nessa relação de força e de poder, dá continuidade a manutenção do poder entre os que o constitui, enquanto Estado. É aí que se percebe a ambiguidade no sujeito, que é observado e tratado como intercambiável pelo Estado.

1 Doutorando em Letras: linguagem e identidade, pela UFAC; Mestre em Letras (2018), pela UNIR;

Especialista em Formação para Professores do Ensino Superior (2014), pela UNIP; Graduado em licenciatura plena em Letras Português e respectivas literaturas (2010) e em bacharelado em Direito (2018), ambas pela UNIR; Técnico Administrativo da Educação Superior – Técnico em Assuntos Educacionais, no DACSA/UNIR.

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Palavras-Chave. Ideologia. Sujeito. Discurso. Ambiguidade. Ideologia Jurídica.

Resumen. El presente trabajo se alía en la perspectiva teórica del Análisis de Discurso de línea francesa – como dispositivo teórico y analítico – desarrollada por Michel Pêcheux, en Francia, y difundida y continuada por Eni Orlandi, en Brasil. La investigación tiene como objetivo reflexionar sobre la noción de ideología jurídica en el discurso de cooficialización de lenguas. Ideología, ésta, que instala una ambigüedad en el sujeto, que de él es constitutiva. A fin de alcanzar el objetivo propuesto, se tendrá como aporte teórico los estudios emprendidos por Eni Orlandi, Suzy Lagazzi, Bethania Mariani, entre otros, de los cuales se buscará las nociones precisas para análisis engendrado, como la noción de: ideología, ideología jurídica, ambigüedad, sujeción y resistencia. A través del análisis, que está en marcha, ya es posible reflexionar, por la noción de ideología jurídica, que el Estado trata de manera homogénea, sujetos que son heterogéneos, como si todos fuesen uno, en derechos y deberes (por el corpus, se trata de derechos y deberes de hablantes de lenguas de minorías). El Estado, entonces, trabaja con el individual como si colectivo fuera y viceversa. En esa relación de fuerza y poder, da continuidad el mantenimiento del poder entre los que lo constituye, en cuanto Estado. Es ahí donde se percibe la ambigüedad en el sujeto, que es observado y tratado como intercambiable por el Estado.

Palabras clave. Ideología. Sujeto. Discurso. Ambigüedad. Ideología Jurídica.

1 Considerações iniciais

O presente trabalho resulta de uma das pesquisas realizadas durante o

movimento de escrita da dissertação de mestrado intitulada ―O PROCESSO DE

INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO À LÍNGUA: uma análise discursiva dos

sentidos de línguas (co)oficiais em legislações municipais brasileiras‖, apresentada e

defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Fundação

Universidade Federal de Rondônia.

Tal pesquisa, revista e atualizada, é contemplada nos projetos do Grupo de

Pesquisa: Conhecimento, História e Língua (GPeCHeLi).

Buscou-se, por esse gesto de estudo, compreender e refletir sobre o sujeito e

sobre a ideologia, nos discursos de cooficialização de línguas, num batimento entre

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os efeitos de sentido sobre língua oficial e língua cooficial, que determinam sentidos

sobre o direito e sobre os falantes de línguas outras (assim entendidas as línguas de

minorias).

Para tanto, o trabalho filia-se Análise de Discurso de linha francesa, enquanto

dispositivo teórico e dispositivo de análise. O trabalho, desta maneira, está

organizado em duas partes, sendo que em sua primeira parte discute sobre o sujeito

de direito nas questões jurídicas de minorias linguísticas, refletindo nela sobre as

noções de minoria, imaginário, cultura, forma-sujeito, entre outras. Em sua segunda

parte, trata diretamente da ideologia jurídica e da ambiguidade do sujeito,

observando, para tanto, as noções de ideologia, ambiguidade, juridismo, comando-

obediência, sobre a perspectiva teórico-analítica da Análise de Discurso.

2 O sujeito de direito nas questões jurídicas de minorias linguísticas

Os direitos das minorias, assunto amplamente discutido por políticos,

organizações, institutos, militantes e juristas é uma característica fundamental da

sociedade contemporânea. Esses direitos estão diretamente relacionados à coerção,

por normatização ou omissão, imposta pelos Estados, nas relações de força e poder

em suas sociedades.

Orlandi compreende minoria – ao incluir a história, o político, a ideologia e o

sujeito – como um dispositivo simbólico com um vetor material ético-político dentro

da luta contra-hegemônica, ―porque é uma força dinâmica, na direção da

transformação, e não é da ordem jurídico-social instituída‖ (ORLANDI, 2016, p. 24).

Trata-se, para a autora, de um movimento na sociedade, o que ela define como

―força viva dos corpos que se deslocam. Espaços em ruptura na formação social.

Irrupção do irrealizado, passagem do sem-sentido para o sentido outro‖ (ORLANDI,

idem).

Ao compreender que as minorias não são da ordem jurídico-social instituída,

a autora esclarece que a partir do momento em que são nomeadas como minorias,

elas saem da força de deslocamento e se estabilizam, na ordem jurídico-social

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 13

instituída. Em outras palavras, por esta análise, quando o Estado2 reconhece as

minorias enquanto minorias, elas passam a compor a ordem jurídico-social, por ele

estabelecida. Deixam, assim, de ser a resistência. Nesse sentido, é interessante o

que diz Orlandi, a respeito dos sentidos diferentes que as mesmas coisas, seres e

fatos possuem em razão de suas condições de produção e de existência, porém,

considerando em sua fala o imaginário que vai constituindo essas direções, ao

referir que

No entanto, há um imaginário social que vai constituindo direções para esses sentidos, hierarquizando-os, valorizando uns em detrimento de outros, de acordo com as relações de força e de poder que presidem a vida social, e a relação com a alteridade. Elas vão fazer com que as diferenças sejam silenciadas em suas especificidades e signifiquem em relação a esse imaginário que administra as relações de sentidos e, logo, as relações sociais e de poder simbolizadas, ou seja, políticas (ORLANDI, 2017, p. 94).

No caso das línguas, o que está silenciado são as línguas outras, as línguas

de minorias, que é parte daquilo que Orlandi (2017, p.96) chama de ―processo de

individuação do sujeito pelo Estado, e de tal modo que, pela divisão social de

sujeitos e sentidos produzida pelo político‖, a língua é institucionalizada: ―a língua

oficial é a língua portuguesa‖. Gesto que fica silenciado nos direitos de falantes de

línguas ―A‖, ou ―B‖, ou ―C‖, que arcam o preço de ter que falar a língua

institucionalizada como oficial.

Nesse quadro têm-se as minorias linguísticas, que se institucionalizam por

meio de legislações específicas, normas que as configuram enquanto cooficiais, em

2

Não se nega as contradições existentes no Estado, em suas relações de força e poder. Pelo contrário, compreende-se que há resistência até nos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE). Porém, ao instituir um AIE, o Estado se coloca enquanto dominante, a submissão, ou não, a esse AIE, passa a determinar a resistência daquele que (não) se submete a ele. Justamente por isso, observa-se esse processo de resistência por parte das minorias enquanto não reconhecidas pelo estado ―legalmente‖. O gesto de legalizar uma minoria a coloca sobre a égide do Estado que passa a determinar o lugar dessa minoria enquanto minoria. Assim, percebe-se tensões na relação Estado X minorias, em relação à lei, ao direito, à resistência, ou não-resistência, complexidades estas que são constituídas em um jogo de forças e poder, que engendram nas disputas desses sentidos (de direito, de liberdade, de submissão, de emancipação), nessas questões sobre a resistência.

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um gesto de acepção às outras que ainda não gozam de tal caráter de

cooficialidade, que, por sua vez, não gozam do caráter de oficialidade.

Acontece que com esse deslocamento, da posição de minoria linguística, de

sem-sentido, para a posição de língua cooficializada, ou sentido outro, desloca-se da

posição de vetor material ético-político, para a posição de uma ordem jurídico-social

instituída por meio de um instrumento jurídico. Desloca-se da posição de resistência

ao Estado e passa a integrá-lo em seu rol normativo-jurídico. A resistência é assim

silenciada.

Esses outros sentidos, estabelecidos por instrumentos jurídicos, evidenciam

ideologias dos grupos de minorias linguísticas, na ilusão de terem a garantia do seu

direito à língua, no sentido de proteção, promoção, respeito entre outras, por

coerção/injunção, como os atribuídos pela Declaração Sobre os Direitos das

Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, de

1992, ou pela Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, de 1996. Porém,

Orlandi explica que

O que pode levar a uma transformação é a produção desse espaço social de convivência, politicamente significado e que afete a ideologia da divisão do fechamento, da segregação do ―outro‖. A sociedade tem que expandir o espaço público, sem dividir o lugar comum. Reconhecer as diferenças, em um espaço comum, mas não homogêneo (hospitalidade?), observando deslocamentos possíveis, trajetos diferenciados, práticas não previstas. Improvisar, re-significar (ORLANDI, 2017, p. 98).

Essas declarações são instrumentos jurídicos internacionais, que abrem

espaço, politicamente, para outras relações de poder, que são históricas e sociais,

que (re)configuram e (re)significam a política linguística interna, ou nacional,

evidenciando a presença do político na linguagem, que interpelam o sujeito que

ocupa uma posição de falante de uma língua não civilizada, como o que fala uma

língua de cultura, compreendidas como ―línguas que fazem parte do que caracteriza

as culturas dos povos que as praticam, sendo estes, então, caracterizados, entre

outras coisas, por suas línguas‖ (GUIMARÃES, 2003, p. 49). E,

contemporaneamente, não há como falar de minoria sem se remeter ao sentido de

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cultura, como Orlandi (2016), discursivamente trata da questão, ao explicar, em tom

crítico, que

a noção de cultura é facilmente pensada no paradigma positivista, relaciona-se com a política, fazendo vizinhança com a racionalidade, aquilo que se representa como visível, claro, explicável. Na atualidade, para se falar em minoria, a palavra cultura está certamente presente, assim como a de comunicação e a de política. Todas elas comprometidas com o sentido de democracia (ORLANDI, 2016, p. 20).

Esse deslocamento, a partir da posição do sujeito falante de língua de cultura,

evidencia um acontecimento3, que rompe com as formas de significar as línguas de

cultura que antes eram suplantadas pelo português. Assim, vão sendo

institucionalizadas as cooficializações e se deslocam sentidos por instituições que

têm o poder de legitimar a língua, pela lei, a grupos de minorias que pensam estar

se singularizando por ela. Sobre essa questão, Pêcheux (1988, p. 159), já alertava

que ―O futuro do subjuntivo da lei jurídica ‗aquele que causar um dano...‘ (e a lei

sempre encontra um ‗jeito de agarrar alguém‘, uma ‗singularidade‘ à qual aplicar sua

‗universalidade‘) produz o sujeito sob a forma do sujeito de direito‖.

O sujeito, em questão, não percebe que se constitui aí. Nesse espaço, por

uma interpelação dada pela formação discursiva na qual ele está inscrito, nessa

contradição, onde há a ilusão da liberdade de falar a sua própria língua, a sua língua

de cultura, de minoria. Ilusão porque ele passa a se submeter à força coercitiva da

Lei, isso é o que Orlandi chama de forma-sujeito histórica,

que corresponde à da sociedade atual representa bem a contradição: é um sujeito ao mesmo tempo livre e submisso. Ele é capaz de uma liberdade sem limites e uma submissão sem falhas: pode tudo dizer, contanto que se submeta à língua para sabê-la. Essa é a base do que chamamos assujeitamento (ORLANDI, 2015, p. 48).

3 Como discutido em O ACONTECIMENTO POLÍTICO DO PROCESSO DE COOFICIALIZAÇÃO DE

LÍNGUAS E A SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL, publicado nos Anais do ENADIS (v. 1, 2017), disponível em:< www.enadis.unir.br>.

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Essas relações de força e poder, nas garantias e nos direitos de línguas de

minorias, da sociedade atual, expressas, a exemplo, pelas declarações

supracitadas, configuram a formação discursiva, na qual o sujeito está inscrito, e o

produz sob a forma de sujeito de direito, ou sujeito jurídico, ―a noção de sujeito-de-

direito se distingue da de indivíduo‖ (ORLANDI, 2015, p. 49). Como é definida, por

Eni Orlandi, ―Essa forma-sujeito corresponde, historicamente, ao sujeito do

capitalismo, ao mesmo tempo determinado por condições externas e autônomo

(responsável pelo que diz), um sujeito com seus direitos e deveres‖ (ORLANDI,

2015, p. 43).

É válido lembrar como Bethania Mariani definiu essa forma-sujeito

com relação ao discurso jurídico, sua função de interpelação-identificação que atua sobre os processos de constituição do sujeito: o sujeito de direito tanto é aquele que se reconhece/enuncia sob a evidência do Eu – uma singularidade, com suas vontades e responsabilidades, portanto – como também é aquele que poderá-, virtualmente, ocupar o lugar ―vazio‖ instaurado pela universalidade das leis dos direitos humanos (MARIANI, 1998, p. 77).

Ao se pensar nessa forma-sujeito, de sujeito de direito, enquanto pertencente

a esse sistema capitalista, interroga-se o que são direitos de minorias linguísticas

para esse sistema? Lembra Orlandi (2016, p. 22) que ―No capitalismo, o indivíduo

não é visto como ser pensante, capaz de decidir e participar, mas como consumidor

pontencial‖.

Não há como imaginar, nesse sistema, como também em outro, a figura de

um sujeito livre em seus desejos e anseios dada as condições de existência, a

ideologia, a representação do sistema de ideias que funcionam na sociedade

capitalista. Nisso está à ilusão do sujeito de direito, ―a ideia de um sujeito livre em

suas escolhas, o sujeito do capitalismo‖ (ORLANDI, 2015, p. 49).

Esse sujeito de direito é o mesmo sujeito das minorias linguísticas, que se

coloca na posição de ser repleto de deveres e direitos, porém é válido lembrar que

ele ―não é uma entidade psicológica, ele é feito de uma estrutura social bem

determinada: a sociedade capitalista‖ (ORLANDI, 2015, p. 49).

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Por ser interpelado por essa sociedade capitalista, esse sujeito de direito é

individualizado pelo Estado – por um processo fundamentalmente capitalista para

que se possa governar – como sujeito de minorias linguísticas.

3 Ideologia jurídica e ambiguidade no sujeito

É interessante iniciar esse capítulo com a noção de ideologia, já trabalhada

por meio dos estudos de Althusser4, que de acordo com a perspectiva teórica de Eni

Orlandi (1996),

não é vista aqui como conjunto de representações nem como ocultação da realidade. Enquanto prática significante, discursiva, ela aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história, para que signifique (ORLANDI, 1996, p. 28).

Por essas palavras, compreende-se que a ideologia é efeito da relação do

sujeito5 com a língua e com a história, isso, enquanto prática significante, ou seja,

uma prática discursiva.

Quando se fala em discurso, reporta-se a um dos aspectos materiais da

própria ideologia, a saber: o encontro entre língua e ideologia, como ensina Mariani

(1998). Porém, o mais interessante a destacar é a compreensão que Orlandi (1996)

apresenta de que a ideologia não é um conjunto de representação, ou ocultação da

realidade. Não há como esconder-se por detrás ou na ideologia, ou, por outro lado,

tentar escapar do efeito do ideológico, porque ela (a ideologia) é constitutiva do

sujeito. Quanto a isso, Mariani (1998) procura

4 ―Portanto a ideologia interpela os indivíduos como sujeitos. Como a ideologia é eterna, vamos

suprimir a forma da temporalidade na qual representámos o funcionamento da ideologia e afirmar: a ideologia sempre-já interpelou os indivíduos como sujeitos, o que nos leva a precisar que os indivíduos são sempre-já interpelados pela ideologia como sujeitos, e nos conduz necessariamente a uma última proposição: os indivíduos são sempre-já sujeitos. Portanto, os indivíduos são «abstractos» relativamente aos sujeitos que sempre-já são. Esta proposição pode parecer um paradoxo (ALTHUSSER, 1980, p. 102)‖. 5

―É enquanto sujeito que qualquer pessoa é interpelada a ocupar um lugar determinado no sistema de produção‖, de acordo com Paul Henry, em ―Os fundamentos teóricos da Análise Automática do Discurso de Michel Pêcheux (1969)‖.

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chamar a atenção para o fato de que não está em jogo, aqui, a ideia de ideologia como máscara, tanto que em outros escritos Pêcheux fez questão de realçar o aspecto de falha ou enfraquecimento que sempre pode existir no ritual da interpelação ideológica (MARIANI, 1998, p. 58).

Ao se ter como base a noção de ideologia, pela compreensão do princípio

que a Análise de Discurso ensina, ao considerar que ―O indivíduo é interpelado em

sujeito pela ideologia para que se produza o dizer‖ (ORLANDI, 2015, p. 44), passa-

se a noção de ideologia jurídica fundamentada e estabelecida pelo trabalho de

Lagazzi (1987), ao escrever que a ideologia jurídica instala uma ambiguidade no

sujeito.

Essa ambiguidade é percebida no momento em que o sujeito passa a se

observar como um ser único, individual, dono, senhor e responsável de seus atos,

porém, frente ao Estado, ele (o sujeito) é observado e tratado como intercambiável,

pois o Estado se direciona aos cidadãos, de maneira geral, considerando-os como

―uma massa uniforme de sujeitos assujeitados‖ (Lagazzi, 1987, p. 7), constituídos

nessa ilusão de unicidade. O sujeito, enquanto posição sujeito se compreende como

único, mas o Estado o compreende como coletivo, porém tratando-o como único, aí

está o que se diz ambiguidade no sujeito, sobre a qual aqui se discorre. Pelo viés

discursivo, não há como o sujeito se compreender como único, pois no conjunto

social, um sujeito não ocupa apenas uma posição, como explica Mariani (1998).

A ilusão de unicidade é produzida pelo próprio Estado, que, em sua posição

de poder, impede que as características e as especificidades dos indivíduos,

enquanto sujeitos, sejam evidenciadas, ao mesmo tempo em que ela é aceita e

compreendida como natural, e certa, pelos sujeitos assujeitados6.

Esse movimento de interpelação dos indivíduos pela ideologia, ou seja, esse

assujeitamento é condição necessária para que o indivíduo se torne sujeito do

discurso, ao se submeter às condições de produção que são impostas, nesse caso

6 Sobre o assujeitamento, explica Mariani (1998, p. 25) que ―Nenhum processo de assujeitamento

pode ser completo ou imutável até porque o sujeito, no todo social, não ocupa apenas uma (1) posição. Os mecanismos de resistência, ruptura (revolta) e transformação (revolução) são, assim, igualmente constitutivos dos rituais ideológicos de assujeitamento[...]‖.

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pelo Estado, pelo discurso do jurídico, porém na ilusão de autonomia. Como explica

Althusser (1980), o indivíduo (para este estudo sujeito) se compreende como

autônomo, porque vive na ideologia, sem compreender a existência dessa ideologia

e de sua interpelação por ela. Pelas palavras de Orlandi (2015), o assujeitamento

submete o sujeito, mas ao mesmo tempo o apresenta como livre e responsável, ou

seja, ―se faz de modo a que o discurso apareça como instrumento (límpido) do

pensamento e um reflexo (justo) da realidade‖ (ORLANDI, 2015, p. 49).

Observa-se, por esse movimento de interpelação, pela noção de ideologia

jurídica, que o Estado trata de maneira homogênea, sujeitos que são heterogêneos,

como se todos fossem um, em direitos e deveres. Trabalha com o individual como se

coletivo fosse e vice-versa, e nessa relação de força dá continuidade a manutenção

do poder entre os que o constitui, enquanto Estado.

Se por um lado, constatamos a tentativa do Estado em abafar as diferenças e particularidades dos indivíduos, na busca do cidadão comum, mediano, completamente absorvido pela ‗massa‘, observamos, por outro lado, a permanência da hierarquia de poder entre as pessoas, constitutivas do próprio Estado (Lagazzi, 1987, p. 7).

Na manutenção desse poder entre as pessoas que o constituem, o Estado,

ideologicamente soberano, estabelece as relações de hierarquias, percebidas nas

mais diferentes esferas sociais, desde o âmbito familiar, escolar, religioso,

trabalhista, até as relações de gestão de cidades e municípios, Estados e Nação

(em âmbito nacional e internacional), entre outras. Além, também, das relações

autoritárias, por ele (Estado) estabelecidas, aquelas relações que se fazem, como é

definido por Lagazzi (1987),

de comando-obediência, presentes nas mais diversas situações e diferentes contextos sociais, leva as pessoas a se relacionarem dentro de uma esfera de tensão, permeada por direitos e deveres, responsabilidades, cobranças e justificativas (LAGAZZI, 1987, p. 7).

Essas relações autoritárias, de comando-obediência, chamam a atenção

desse estudo, porque são nessas relações, que há a instituição dos direitos e

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deveres, as obrigações e injunções, ou seja, são nessas relações autoritárias que o

jurídico interfere nas relações sociais, constituída nas/pelas relações pessoais. É

nessa perspectiva, que se pode observar o juridismo7, enquanto prática discursiva,

―um juridismo inscrito nas relações pessoais. É justamente esse juridismo, essas

situações de confronto‖ (LAGAZZI, 1987, p. 7) entre o que é obrigação e o que é

direito, entre a opção e a injunção.

O sujeito se coloca na posição de que tudo pode pela letra da lei, na ilusão de

que é um sujeito livre, por efeitos de sentido de ser um ser repleto de deveres e

direitos. Apaga-se no imaginário desse sujeito a sua subordinação e obediência ao

Estado, subordinação e obediência que já são ideológicas, mas se naturalizam. A

própria ideologia na qual o sujeito está não lhe é evidente. Ele (o sujeito) não

percebe que o Estado lhe homogeneíza por meio dos Aparelhos Ideológicos de

Estado (ALTHUSSER, 1980).

A partir dessa noção de ideologia jurídica e ao se perceber essas relações de

comando-obediência, compreende-se, também, tomando agora o objeto de estudo

desta pesquisa, que ao se instituir a Língua Portuguesa enquanto oficial da nação

brasileira se exclui os falantes de línguas outras. Essa instituição de uma língua trata

os falantes de línguas indígenas, quilombolas, fronteiriças, imigrantes, entre outras,

como se falantes de Língua Portuguesa fossem. Isso engendra o apagamento e o

silenciamento de tais línguas e a homogeneização da língua, aos sujeitos, pelo

Estado.

Por outro lado, ao permitir a cooficialização de línguas outras, o Estado, pelo

juridismo, põe essas outras línguas, em uma situação de subordinação à língua

oficial, no caso do Brasil, que aqui interessa, a Língua Portuguesa. A Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, em seu Art. 13, dispõe que ―A Língua

Portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil‖ (BRASIL, 2003, p.

7 Toma-se aqui, a definição de juridismo estabelecida por Lagazzi (1987, p. 02) ―Com a noção de

sujeito-de-direito, um sujeito centrado em direitos e deveres, responsabilidades, cobranças e justificativas, constitutivo das sociedades de Estado, mostramos como as relações interpessoais, caracterizadas por relações de poder, inscrevem-se numa esfera de tensão, conflitos e confrontos, que denominamos juridismo‖.

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24). Não há de fato um gesto de igualdade, de aceitação da outra língua. O que há

na verdade é a aparência de igualdade entre as línguas. O prefixo co-, já coloca as

línguas tornadas oficiais, em uma posição outra da língua então tida como oficial. A

língua agora oficializada, não é a oficial, mas, sim, a cooficial. O efeito de sentido

que fica evidenciado nesse gesto é o de que a língua outra, a cooficial, é

concomitante, simultânea, da língua oficial, portanto goza de todos os direitos a ela

permitidos em lei.

Esse processo de cooficialização acaba por evidenciar a questão do que vem

a ser a ideologia jurídica que engendra na ambiguidade do sujeito, ao se instituir, por

meio de um gesto legislativo, uma língua, como oficial para a Nação, que ressoa em

um efeito de um direito, de garantias, ao mesmo tempo em que se instituem línguas

outras, enquanto cooficiais, como efeito de direitos e deveres linguísticos, aos

cidadãos e ao Estado, forjando uma compreensão da diversidade linguística e do

plurilinguismo.

Em outras palavras, ao instituir uma língua única à Nação, o Estado coloca

em evidência que compreende os sujeitos como linguisticamente homogêneos, na

ilusão de uma igualdade linguística, que não existe, estabelecendo, por um gesto de

injunção, um monolinguismo a toda uma nação, em uma falsa-aparência dessa

possibilidade. Homogeneidade, essa, que afeta a todos, que é entendida como

lógica e como uma necessidade de um sujeito pragmático, como explica Pêcheux

(2002) ao definir que

O sujeito pragmático – isto é, cada um de nós, os ―simples particulares‖ face às diversas urgências de sua vida – tem por si mesmo uma imperiosa necessidade de homogeneidade lógica: isto se marca pela existência dessa multiplicidade de pequenos sistemas lógicos portáteis que vão da gestão cotidiana da existência (por exemplo, em nossa civilização, o porta-notas, as chaves, a agenda, os papéis, etc) até as ―grandes decisões‖ da vida social e afetiva (eu decido fazer isto e não aquilo, de responder a X e não a Y, etc...) passando por todo o contexto sócio-técnico dos ―aparelhos domésticos‖ (isto é, a série dos objetos que adquirimos e que aprendemos a fazer funcionar, que jogamos e que perdemos, que quebramos, que consertamos e que substituímos)[...] (PÊCHEUX, 2002, p.33).

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O sujeito, nessa condição, sente a necessidade de ser um com todos, de ser

igual, ter igualdade, especialmente nas garantias de direitos, isso por um efeito de

ser lógica a unidade. A interpelação ideológica leva o sujeito a esse desejo.

A imposição de uma língua, e não de outras, por omissão (histórica, política,

social) do Estado, coloca o sujeito em outra posição – como ensina Mariani (1998),

nenhum sujeito ocupa apenas uma posição –, a fim de se (re) significar na e com a

língua, por meio de um processo de resistência, compreendido na Análise de

Discurso como: ―movimento do sujeito para uma posição que não o submete

inteiramente à coerção‖ (ORLANDI, 1998, p. 17). Posição que, pela historicidade,

produz outros sentidos, no modo de funcionamento da linguagem e na constituição

dos sujeitos falantes das línguas outras – minorias, fronteiriças, indígenas,

quilombolas, etc. Como efeito desse processo de resistência, o Estado, em

contrapartida, acaba por permitir a cooficialização de línguas, na ilusão de garantir

direitos e reconhecimento das diferenças.

O sujeito, nessa condição, sente a necessidade de ser um apenas, de ser

diferente, ter diferença, especialmente nas garantias de direitos, o que já se entende

como uma interpelação ideológica.

Desse modo, busca-se ―compreender essa ambiguidade da noção de sujeito

que, se determina no que diz, no entanto, é determinado pela exterioridade na sua

relação com os sentidos [...]‖ (ORLANDI, 2015, p. 48). Essa ambiguidade, para a

Análise de Discurso, é constitutiva do/desse sujeito falante de outra(s) língua(s).

4 Considerações finais

O trabalho apresentado, resultado de pesquisas que não se constituem na

ilusão de acabadas/terminadas, já evidencia uma posição (um lugar) de fala.

Filiado a Análise de Discurso pecheutiana, nesse início de percurso de

pesquisa, de escrita e de análise, já propôs e como proposto, apresentou

compreensões sobre a língua, o sujeito e a história nos processos de cooficialização

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de línguas, no que concernem aos discursos postos acerca das minorias linguísticas

e do direito à língua.

Para isso, articulou teoria e análise durante o movimento de constituição do

material que aqui se tem, ao trabalhar a noções de ideologia, sujeito, comando-

obediência, resistência, etc. a luz da análise de discurso. Espera-se com isso,

contribuir para pesquisas futuras que, da mesma forma, visam compreender os

discursos sobre a temática.

Através da análise foi possível refletir, pela noção de ideologia jurídica, que o

Estado trata de maneira homogênea, sujeitos que são heterogêneos, como se todos

fossem um, em direitos e deveres. O Estado, então, trabalha com o individual como

se coletivo fosse e vice-versa. Nessa relação de força e de poder, ele dá

continuidade à manutenção do poder entre os que o constitui, enquanto Estado. É aí

que se percebe a ambiguidade no sujeito, que é observado e tratado como

intercambiável pelo Estado.

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Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, de 6 a 9 de junho de 1996.

Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/a_pdf/dec_universal _direitos_linguisticos.pdf> Acesso em: 20 abr. 2016. [2008].

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CONSTRUÇÃO DE UM GLOSSÁRIO EM LIBRAS DA

CIDADE DE VILHENA: PRODUÇÃO DE EFEITOS DE

SENTIDOS NOS ALUNOS SURDOS

MARTA DE PAULA VIEIRA DE PAULA VIEIRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LINGUÍSTICA Cidade Universitária: Bloco do Centro de Pesquisa e Pós-graduação em Linguagem

Av. Santos Dumont, S/nº; Bairro: DNER; CEP: 78.200-000; Cáceres-MT Tel/Fax: (65) 3223-1466; E-mail: [email protected] Site: portal.unemat.br/linguistica

[email protected]

Resumo. Este trabalho, desenvolvido no Mestrado Profissional em Letras - ProfLetras - Cáceres – MT, da Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, apresenta uma proposta didático-pedagógica, desenvolvida com os alunos surdos do 9º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Marechal Rondon, em Vilhena - RO. O projeto objetivou a nomeação, em Língua Brasileira de Sinais (Libras), de locais da cidade de Vilhena e como produto deste trabalho, a produção de um glossário. Pelo viés dos estudos semântico-discursivos, a pesquisa fundamentou-se na Semântica do Acontecimento, de Eduardo Guimarães, em articulação com a Análise de Discurso, instituída por Michel Pêcheux, na França, e Eni Orlandi, no Brasil, e a História das Ideias Linguísticas. Para alcançar os objetivos, metodologicamente, o trabalho foi organizado em quatro etapas. Na primeira etapa, construímos listas selecionado locais da cidade, sinalizados ou não, para a composição do glossário. Na segunda etapa, trabalhamos com dicionários e glossários diversos, mapas e listas telefônicas da cidade de Vilhena, documentários e fotografias da história da cidade. Na terceira etapa, procedemos à oficina de fotografia, participação na exposição fotográfica da História de Rondônia e gravação dos sinais da cidade de Vilhena para o glossário. Na quarta etapa, como efeito de fecho, publicizamos o glossário para a comunidade surda vilhenense. Compreendemos, ao final desse projeto, que as atividades desenvolvidas proporcionaram ressignificações nas práticas de ensino e aprendizagem, possibilitando compreender os sentidos produzidos pelos gestos de nomeação dos locais da cidade, como também, compreender os gestos de autoria dos alunos na produção do glossário. Enfim, pensar a cidade como espaço de significação na relação com a sala de aula oportuniza aos alunos um outro modo de ler e de compreender a língua.

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Palavras-Chave. Glossário. Libras. Nomeação. Análise de Discurso. Saber Urbano e Linguagem.

Resumè: Ce travail, élaboré lors de la Maîtrise Professionnelle en Lettres – ProfLetras - Cáceres/MT, Université de l’Etat du Mato Grosso/UNEMAT, présente une proposition didactico-pédagogique développée avec les élèves malentendants de la 9ème année de l’école publique d’enseignement primaire et secondaire Marechal Rondon, à Vilhena-RO. Le projet a pour but de nommer des lieux de la Ville de Vilhena en langue des signes brésilienne (Libras) et en conséquence de ce travail, la production d’un glossaire. Par le biais d’études discursives, la recherche s’appuie sur la Semântica do Acontecimento (Sémantique de l’évènement) d’Eduardo Guimarães en articulation avec l’Analyse du discours de Michel Pêcheux en France et Eni Orlandi au Brésil avec l’História das Ideias Linguísticas (Histoire des Idées Linguistiques). Pour atteindre ces objetifs métodiquement, le travail a été organisé en quatre étapes. A la première étape, nous avons sélectionné des listes des lieux de la ville qui ont été signalés ou pas pour la composition du glossaire. A la deuxième étape, nous avons travaillé avec des dictionnaires et glossaires divers, des cartes, annuaires téléphoniques, documentaires et photographies de la ville. A la troisième étape, nous nous sommes rendus à l’Oficina de Fotografia (Atelier de Photographie) où nous avons participé à l’exposition photographique de l’histoire de Rondônia et où on a procédé à l’enregistrement des signes des lieux de la ville de Vilhena dans le glossaire. A la quatrième étape, pour conclure, nous avons diffusé le glossaire à la communauté malentendante de Vilhena. Nous avons pu comprendre, suite à ce projet, que les activités développées donnent un nouveau sens aux pratiques de l’enseignement et de l’apprentissage, en permettant la compréhension des sens produits par les gestes de nommer les lieux de la ville, tout comme la compréhension des gestes d’auteur des élèves lors de la production du glossaire. Enfin, que considérer la ville en tant qu’espace d’importance dans la relation avec la classe offre aux élèves une autre manière de lire et de comprendre la langue.

Mots-clés: Glossaire. Libras. Dénomination. Analyse de discours. Connaissance urbaine et langage.

1 Introdução

A educação de surdos tem sido amplamente debatida no Brasil. Trata-se de

um longo percurso que pode ser exemplificado por diferentes acontecimentos, como

a criação do Collégio Nacional para Surdos-Mudos no Rio de Janeiro, por Ernest

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Huet, em 1857, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES; a

oficialização da Lei nº 10.436, a ―Lei da Libras‖, em 2002 e ao recente debate

promovido pelo tema da redação do Enem 2017: "Desafios para a formação

educacional de surdos no Brasil".

Compreendemos que educar em Libras é, também, propor materialidades

significantes em Libras que proporcionem aos alunos conhecimento de língua e

sobre a língua. Flausino da Gama inaugura, em 1857, com a ―Iconographia dos

Signaes dos Surdos-Mudos‖, a produção de dicionários e glossários em Língua de

Sinais no Brasil. Os glossários objetivam auxiliar na educação de surdos, além de

registrar e expandir os sinais da Língua de Sinais.

No trabalho que desenvolvemos com os alunos surdos, buscamos criar

condições para que os alunos conhecessem os sinais dos locais da cidade de

Vilhena, já consolidados pela comunidade surda, e nomeasse os locais da cidade

que ainda não possuem um sinal em Libras. O trabalho também buscou

compreender que os dicionários não são somente objetos detentores dos sentidos

―neutros‖ das palavras, mas, produzem sentidos sobre a língua e os sujeitos, no

movimento da história e da sociedade. A turma escolhida para o desenvolvimento do

projeto é composta por 7 alunos surdos que cursam a série numa sala denominada

bilíngue. Buscamos, por meio da leitura discursiva dos dicionários, mapas,

fotografias e documentários, proporcionar aos alunos surdos condições de

compreender como a cidade se constitui, pelos diversos discursos apresentados.

quando tomamos a nomeação de construções urbanas como lugar de reflexão, podemos dizer que a produção de uma referência no espaço tem a ver com a simbolização desse espaço: o modo como um nome (se) projeta (em) outros, identificando o espaço e recortando uma sua memória (FEDATTO, 2013, p. 114).

As diferentes materialidades trabalhadas com os alunos ampliaram as

possibilidades de interpretações, ante às diversas interpretações possíveis.

Conhecer a cidade e produzir saber na Língua de Sinais possibilita um

redimensionamento nas práticas em sala de aula, movendo, imaginariamente, esse

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espaço físico. Essas leituras discursivas também proporcionam deslocamentos de

sentidos, em relação a ser professora de língua.

Na busca pelo saber da língua e saber a língua, a Libras e a Língua

Portuguesa circulam, em intensa disputa, no espaço escolar. Dentre os muitos

espaços de circulação das línguas, a escola é um espaço privilegiado, por ser um

―espaço de relações de sentidos que investem nos sujeitos formas e gestos de

interpretação muito específicos, que conformam suas relações sociais‖ (PFEIFFER,

2011, p. 253).

A partir da compreensão da importância dos materiais em Libras, do aspecto

visual da língua e das necessidades que foram surgindo durante a intervenção,

redirecionei as atividades para exploração de mapas. Guimarães (2005, p. 59) diz

que ―Tomar o mapa como texto é considerá-lo como linguagem‖ repleta de sentidos.

Recortamos para esse artigo, algumas atividades, realizadas com os alunos, a partir

de leituras de mapas e listas telefônicas da cidade de Vilhena.

2 As atividades com mapas

Enquanto trabalhávamos as listas de lugares para a construção do glossário,

percebia o desconhecimento dos alunos com relação aos nomes dos lugares da

cidade. Alguns alunos se locomoviam pela cidade, sozinhos, normalmente de

bicicleta e, portanto, conheciam diversos lugares distantes ou próximos. Outros

apenas saíam com os pais. Embora situações comuns a qualquer adolescente, o

nome desses espaços era desconhecido. Mesmo desconhecendo os nomes

próprios dos lugares, alguns não demonstravam dificuldades de localização. Orlandi

(2011, p. 31) nos diz que ―O mapa não é só um esboço no papel. É traçado da

memória. É percurso de sentidos. Tem historicidades. Materialidade discursiva‖.

Organizei as atividades de leituras de mapas, levando, para a sala de aula,

alguns mapas da cidade de Vilhena - RO. Os alunos não conheciam o mapa da

cidade e se surpreenderam ao perceber as distâncias entre os bairros em que

residiam e a escola, além de distâncias entre outros lugares. Também observaram

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as áreas dos bairros, os formatos dos limites de bairro, os espaços mais e menos

povoados entre outras leituras.

Concordando com Guimarães (2005, p. 60) que nos diz que ―um mapa, por

mais que ele se dê como descrição de um espaço, é antes uma indicação de

acessos ao mundo do que uma descrição‖, também exploramos outros mapas de

funcionalidades diferentes, como mapas hidrográficos, de relevo e outros. Durante a

atividade com mapas, percebendo a expansão da cidade, os loteamentos novos e

outras particularidades, observei que a atividade dá visibilidade ao que nos diz

Rodríguez-Alcalá (2003, p. 78):

o que está em jogo é a relação estabelecida pelo homem com a natureza [...] que é uma relação de transformação: o homem cultiva o espaço em que vive seu espaço de vida é resultado desse trabalho de transformação. O homem não habita o meio natural, mas o espaço construído a partir do seu trabalho sobre aquele. Entre o homem e o meio natural há uma mediação necessária e intransponível, que é a condição da vida humana.

Eu havia pedido aos alunos, anteriormente, para trazerem o endereço

residencial por escrito, já que apenas dois alunos sabiam informar o endereço onde

moravam. Localizamos a casa de cada um num mapa maior, afixado na lousa. Essa

atividade foi altamente produtiva e os alunos se aglomeravam frente à lousa,

indicando no mapa e compartilhando experiências.

Percebi que esta era uma alternativa interessante para o conhecimento dos

locais da cidade, mas o tamanho e a escassez de mapas disponíveis da cidade,

interferiam negativamente na exploração feita pelos alunos de maneira coletiva.

Para dar acesso aos mapas a todos os alunos, recolhi, em casa, na escola e junto

aos colegas listas telefônicas da cidade. Levei para cada aluno uma agenda

telefônica da cidade, que contém, nas páginas iniciais, um mapa da cidade e eles

foram localizando suas residências nesses mapas. Depois todos apontavam para os

colegas a localização da casa deles no mapa maior. Também pedi que localizassem

um ponto de referência, um local público, conhecido, próximo a casa deles.

Objetivava que os alunos reconhecessem que todos os espaços da cidade, públicos

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e privados, faziam parte de um todo: a própria cidade. Era necessário que os alunos

compreendessem que esses espaços são habitados por sujeitos distintos. Lemos

em Guimarães (2005, p. 60) que

Como descrição de uma cidade um mapa seria uma imitação grosseira. Como narração, contaria uma história de épocas diferentes como sucessões que se projetaram em contiguidades progressivas. E só. Como instrução, não sendo nenhuma coisa e nem outra, ele é sentido que pode nos dizer mais, tanto do retrato como da história da cidade, do que se fosse diretamente descrição e narração.

Durante essa atividade, alguns alunos, observando o mapa, indicaram o local

de uma chácara que frequentavam no fim de semana. Em meio à conversa sobre

rios e cachoeiras da região, os alunos observaram que alguns desses lugares são

acessíveis para que todos possam frequentar, enquanto outros lugares são

cercados e só é possível a entrada, com a autorização do proprietário. Retomamos

as conversas que tivemos quando consultamos os verbetes rua, praça e cidade e

retornamos ao dicionário em busca das definições que ele trazia. Então,

conversamos sobre alguns conceitos que envolviam as distinções de público e

privado. Encontramos em Rodríguez-Alcalá (2011, p. 249, grifo do autor) a seguinte

orientação:

Quando observamos o plano de uma cidade, vemos que esta se apresenta grosso modo, em sua própria configuração arquitetônica, como um quadriculado de espaços privados (casas, edifícios), concebidos como lugares de habitar, do morar (isto é, espaços para fixar-se, assentar-se), circundados por espaços públicos, planificados para circular e encontrar-se (ruas/calçadas, para veículos/pedestres; praças). Essa divisão que envolve questões técnicas e estéticas, entre outras, para o planejamento e construção dos prédios e dos equipamentos urbanos que operacionalizem tais modalidades de moradia e de circulação/encontro, responde a modos de estar-juntos relacionados aos próprios sentidos históricos do que seja ‗público‘ ou ‗privado‘.

Outra questão que reclamava por sentidos, durante o trabalho com os mapas,

é que, não podíamos considerar a cidade sem considerar os sujeitos que a

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constituem. A cidade é o espaço para o desenvolvimento das relações interpessoais.

Baldini (2011, p. 57) nos diz que a cidade significa

um corpo imaginariamente construído, com seus limites, seus ‗de dentro‘ (cidadãos) e seus ‗de fora‘ (marginais), suas duplas articulações de sentido (a cidade como o oposto do campo, a cidade como o todo político- administrativo); de qualquer modo, como todo corpo, é necessário traçar um fim e um começo, um dentro do corpo e um fora do corpo, um público e um privado, lugares de identificação.

Muitas vezes, os alunos identificam-se com a escola, com a igreja, com

alguns espaços da cidade, mas não percebiam a cidade, como um espaço de inter-

relações. O trajeto casa-escola é a única via, muitas vezes, conhecida por esses

alunos. Fedatto (2013, p. 36) diz que

[...] a cidade não é vista apenas como um cenário ou um pano de fundo. É um espaço histórico que se edifica no correr do tempo, vai sendo burilado e gasto pela sobreposição de construções e (di)lapidado no andamento de vias e viandantes que intervêm na significação e marcam o corpo dos sentidos. o espaço citadino produz o contíguo, o imediato e o localizado e, nesse gesto, delimita o estranho, o externo e o remoto.

Eu havia pedido aos alunos que trouxessem, por escrito, os endereços de

suas residências para que as localizássemos nos mapas. Tal atividade demandou

bastante tempo, então fomos utilizando os mapas das agendas e o mapa maior,

afixado no quadro, ao mesmo tempo. Assim, não teriam que apenas aguardar o

momento de ir ao quadro localizar o endereço. Eles já iam localizando no mapa

menor, de maneira individual ou coletiva e aos poucos, individualmente, iam ao

mapa maior. Os alunos foram ao quadro, onde deixei um mapa grande da cidade, e

foram fazendo o percurso da escola até suas casas com um barbante. Devido ao

mapa ser muito pequeno, mesmo sendo o maior que conseguimos na cidade,

tivemos certa dificuldade em contornar os caminhos.

Alguns alunos pediram para fazer o percurso que o ônibus faz e o que eles

fazem quando estão de bicicleta. Dois alunos não souberem registrar o percurso e

foram auxiliados pelos colegas. Interessante analisar a fala de uma aluna, que, ao

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conversamos sobre as praças da cidade, afirmou que apenas passava perto das

praças dos bairros, pois a mãe permitia que ela frequentasse, apenas, as praças do

centro da cidade. Em debate com os demais alunos, que afirmavam que as praças

de bairros eram tão interessantes quanto as praças do centro, a aluna afirmou que

as praças dos bairros eram frequentadas por ‗pessoas ruins‘: ―bêbados, mendigos e

drogados‖.

Conversamos sobre a questão de praças e logradouros públicos servirem de

moradia aos que não têm residência, especialmente nas grandes cidades, e que em

alguns desses espaços públicos, também na nossa cidade, em virtude da violência

urbana, estabiliza-se o imaginário da aluna. Entretanto, conversamos também que

as praças, do centro ou dos bairros, são frequentadas por todos. Em nossa cidade,

as praças do centro, recebem, por parte do poder público, maior cuidado com a

iluminação, limpeza e conservação. Os eventos públicos, normalmente, acontecem

nas praças do centro, enquanto algumas praças dos bairros, por não receberem os

mesmos cuidados, reforçam o imaginário de local perigoso. Rodríguez-Alcalá (2011,

p. 252) nos explica que

A questão que se coloca é que um espaço público como a praça, assim com o as ruas e as calçadas, de lugares de circulação e de encontro passam a ser, contemporaneamente, lugares de moradia, de habitação, com a tensão que isso produz em relação tanto à concepção arquitetural do espaço como às normas de sociabilidade estabelecidas. Essas imagens são, nesse sentido, um sintoma de desagregação de fronteiras entre público e privado, resultado de problemas políticos e econômicos mais amplos [...].

As agendas telefônicas foram utilizadas para outras atividades, durante o

desenvolvimento do projeto pedagógico. Movida pela curiosidade dos alunos,

novamente o planejamento das aulas, como já acontecido anteriormente, foi

revisitado e, valendo-nos das características das agendas telefônicas que contêm

imagens do comércio, slogans, endereços e outras informações, realizamos

algumas atividades bastante produtivas. Os alunos selecionaram alguns

estabelecimentos, localizaram e apresentaram no mapa maior, explicando aos

outros colegas as atividades desses estabelecimentos comerciais, bem como a

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localização, demonstrando certa intimidade e conhecimento dos locais da cidade,

não observados nas primeiras atividades com mapas.

Mobilizamos para o trabalho com as agendas telefônicas, os conceitos de

memória e imaginário, considerando sua relação com a história e a ideologia. Ao nos

depararmos com os slogans da cidade, bem como as diversas formas de linguagem,

percebemos que, não há como não sermos tomados pelas redes de sentidos que,

no movimento da história, atualizam memórias, identificam sujeitos e inauguram

sentidos. Nunes (1998) salienta que

Construído através de frases feitas, estereótipos, expressões idiomáticas, ditos populares, provérbios, frases de efeito, o slogan atualiza memórias discursivas, reconfigurando-as. Vemos a memória como ‗um espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização... Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contradiscursos.‘ (Pêcheux 1985). Consideramos, assim, os slogans como enunciados que, aparecendo como acontecimentos públicos, inscrevem-se na história produzindo efeitos de sentido.

Não trabalhamos, especificamente, os sentidos das propagandas ou dos

slogans com os alunos, mas ao visualizar as materialidades e as discursividades, os

alunos tiveram acesso às diversas possibilidades de leituras. Observando os

diversos slogans contidos nas agendas telefônicas, concordamos com a afirmação

de Nunes (1998) ao dizer que

O imperativo, assim como o afirmativo, da publicidade é uma marca da constituição do sujeito urbano, imerso num mundo de necessidades lógico- pragmáticas: se você é assim, você compra isso; você é assim, portanto você faz isso; este objeto é assim, então ele é a sua cara; acontece isso, logo você fará aquilo. As diversas formas de interpelação dos slogans condicionam a constituição ideológica dos sujeitos nas situações cotidianas. O lugar de enunciação que aí se estabelece tem a ver com a formação histórica do sujeito urbano enquanto sujeito político.

Qualquer objeto simbólico, tomado como discurso, não significa em si mesmo.

Todo sentido é em ―relação à.‖ (Canguilhem, 1990, apud Orlandi, 2012). Nos mapas,

os discursos atravessam-no, e neles são produzidos discursos. Em Orlandi (2011, p.

21) lemos que

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O espaço é delimitado e constituído por relações de poder. E é por isso que significa. Ele tem além de tudo existência política, jurídica e administrativa reconhecidas. Essa é sua materialidade em que o simbólico e o político se conjugam.

Portanto, o espaço é significado pela relação com o poder. É um espaço

político. ―Tomar o mapa enquanto uma unidade é tomar um texto cujos enunciados

são os nomes de rua‖ (GUIMARÃES, 2005, p 63). Quando lemos os mapas, é

possível visualizar a temporalidade e o movimento da cidade. Ao perceberem as

transformações geográficas, as expansões territoriais, pela comparação de mapas

mais antigos com os mais atuais, os alunos experienciaram o movimento histórico e

geográfico da cidade.

Fizemos algumas leituras de mapas de Rondônia e Vilhena, juntamente com

as explicações que eu fazia aos alunos, em Libras. Lemos mapas mais antigos e de

diversas funcionalidades, além de mapas na internete e mapas que contam a

formação do estado de Rondônia. Este foi um momento bastante significativo do

trabalho, porque, ao contar a história da criação política do estado de Rondônia e os

processos de ocupação, os alunos fizeram relação com a história de vida da família

deles: histórias vindas de outras regiões.

Também conversamos sobre algumas mudanças percebidas nos mapas da

cidade de Vilhena. Não consegui mapas da época da criação do município, mas pela

leitura de um mapa integrante de uma lista telefônica de 2002, os alunos puderam

comparar com o mapa atual e visualizar o surgimento de seis novos bairros e vários

loteamentos.

As atividades com o mapa permitiram aos alunos, pelas leituras desses

objetos, observar movimentos históricos e geográficos dos espaços de Vilhena e

Rondônia. Eu objetivava, com essas atividades, que os alunos percebessem o

movimento da história e os discursos, pelas diversas leituras proporcionadas por

essa materialidade. Os alunos puderam observar cidade, a língua e a história.

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Ao longo desse projeto, buscamos compreender, pelo viés da Análise de

Discurso, da Semântica do Acontecimento e da História das Ideias Linguísticas,

como as nomeações de lugares da cidade de Vilhena produzem sentidos nos alunos

surdos.

É preciso pensar atividades que permitam ao aluno acessar e compreender,

também, em Língua Portuguesa. Propus-me a sair da ―zona de conforto‖ de ensinar

a ―língua imaginária‖ e aventurar-me pelo aprender, junto aos alunos, a ―língua

fluída‖. Como nos diz Orlandi (2003, p. 10), ―É no espaço da diferença que o sujeito

se constitui‖.

Questões sobre a cidade me tocam profundamente, porque dispõem de

propícias e diversas condições de produção, para o trabalho com nomeações.

Fedatto (2013, p.114) sustenta nosso dizer ao pontuar que

[...] nomear é tomar posição em relação ao objeto, mas a denominação mesma faz esquecer que há um enunciador, um ato, um discurso. a designação de logradouros se mostra, portanto, um campo fecundo que nos permite questionar como as formas da língua convocadas na textualidade dos nomes de rua se relacionam com as condições históricas que as produziram.

Realizamos as atividades com os alunos, sempre pensando em trabalhar os

deslocamentos e as reconfigurações de lugares, de aluno e de professor, na relação

com o conhecimento, nos processos educacionais. Concordamos com os dizeres de

Orlandi ao propor que

Trabalhando politicamente a relação dos sujeitos com os sentidos, procuramos aumentar a capacidade de compreensão do leitor, expondo-o a percursos de significação diferentes, abertos, sujeitos a equívocos. Não se trata de dar-lhes novos sentidos, mas de criar condições textuais, materiais para que ele trabalhe a construção de arquivos – discursos documentais de toda ordem – que abram sua compreensão para sentidos outros, mesmo os irrealizados. E isso não se faz por exclusão ou mera ou pela mera quantidade, mas pela observação do que coexiste como textualidade. Já que os sentidos são em ‗relação a‘ (ORLANDI, 2003, p. 14).

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Em nossa incursão teórica, na busca por compreender os sentidos das

nomeações de lugares, trabalhamos história e línguas, e a relação entre teoria e

prática foi um desafio constante, na elaboração desta pesquisa e na realização das

atividades. Várias foram as expectativas que se abriam antes e durante a realização

das atividades, porém, nem todas as atividades planejadas ocorreram conforme eu

previa. Diversas outras foram se agregando quando eu percebia uma possível leitura

de um objeto simbólico ou quando me sentia desafiada por algum instigante

comentário dos alunos. Concordamos com a posição de Fedatto

perguntando quem, quando, onde, como, por que e analisando o modo pelo qual, através da linguagem, o confronto com a história vai marcando a cidade e reclamando sentidos, podemos problematizar isso que é habitualmente visto como evidência e olhar para as construções urbanas como artefatos simbólicos e políticos que, pela sobreposição de determinados saberes no espaço, intervêm no modo como uma cidade, remetida a um país, significa o imaginário nacional, inaugurando e projetando posições para seus habitantes (FEDATTO, 2013, p. 27, grifo do autor).

No decorrer das atividades, os alunos refletiam, liam, participavam

ativamente, sinalizavam, discutiam muito entre eles sobre a formulação de um nome;

em outras atividades ―silenciavam‖ mediante as atividades propostas. Em diversas

vezes eu ia para sala de aula com um plano pronto, mas sabia que bastava uma das

perguntas instigantes e, lá ia toda uma aula se reorganizando. Foram muitos os

momentos em que um ―por que?‖ se transformava num novo bloco de atividades.

Exemplifico, com a apresentação de um glossário de nomes próprios, que levei para

observação dos alunos e, a partir da curiosidade deles, desenvolvemos uma oficina

de sinais-nome.

Podemos afirmar que alguns dos objetivos traçados no projeto foram

redefinidos e, a partir das atividades desenvolvidas, foram contemplados. Dentre

esses objetivos, saliento a compreensão do imbricamento de língua e sociedade e

as leituras dos mapas, documentários e fotografias, como discursos sobre a língua e

sobre a história. Conseguimos que os alunos participassem e compreendessem

todas as atividades propostas.

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A pesquisa possibilitou a abertura de diversas perspectivas de estudos, como

o aprofundamento sobre o estudo da cidade, de nomeações, de línguas,

estabelecendo relações com o ensino.

Diante disso, é que podemos afirmar que uma das maiores contribuições que

alcançamos com esse trabalho não foi o glossário em si, mas a possibilidade de

leituras que os alunos, com tantas dificuldades e defasagens, demonstraram durante

todo o percurso. Nas leituras dos mapas, os alunos questionaram (e estudamos)

sobre rural e urbano, sobre público e privado, questões históricas e geográficas; ao

assistirmos aos documentários sobre a cidade, contamos diversas histórias como as

de imigração, de ocupações, de povos indígenas entre outras, que perpassando

pela linguagem, trouxeram entendimento de que ―no processo de constituição de

sentidos entram mecanismos de funcionamento discursivo, em que são produzidas,

imagens dos sujeitos e dos objetos simbólicos, ocorrem em determinados contextos

sócio históricos‖ (SILVA, 2009, p. 32).

O projeto também me instigou a refletir e, ao mesmo tempo, avaliar o meu

fazer pedagógico. E foi isso que procurei fazer ao longo desse trabalho: estabelecer

esse diálogo da teoria com a prática pedagógica. Nesse sentido, concordamos que

Com o advento da tecnologia digital em sala de aula, o professor deixa de ocupar, junto com o livro didático, a posição de reprodutor do conhecimento, através de quem os alunos têm acesso à ‗boa resposta‘. Seu papel na relação do aluno com o conteúdo se desloca. Não se trata mais de uma questão de acesso – ele está abundantemente disponível ao aluno e prescinde o professor. Trata-se de, diante da disponibilidade absoluta, guiar a quais buscas levarão a respostas que movem, que deslocam, que educam. Para poder buscar respostas, antes de tudo, é preciso ter perguntas. O educador, então, deixa de ter autoridade sobre a ‗boa resposta‘ e, em seu lugar, passa a ter a responsabilidade sobre a ‗boa pergunta‘. É um papel pautado na criatividade responsável, que viabiliza a articulação dos conhecimentos e dos textos lidos em busca de respostas plurais. Nessa posição, o professor não mais valida sentidos, legitimando o que é verdadeiro, mas coloca em debate as interpretações diante das materialidades significantes (DE CONTI et al., 2014, p. 63).

Em todo o processo do trabalho com os alunos surdos, destaco o ressignificar

da minha prática como professora da Língua Portuguesa, para os quem têm o

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português como primeira língua e para os que, tendo a Libras como primeira língua,

aprendem a Língua Portuguesa como segunda língua. Todos nós ensinamos. Todos

somos alunos. ―Ser diferente é ser diferente‖ (Orlandi, 2016, p.33).

Referências

AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Palavras incertas: as não-coincidências do dizer.

Campinas: Editora da Unicamp, 1998.

BALDINI, Lauro José Siqueira. Cidade e sujeito na rede. In: ORLANDI, Eni P. (Org.). Discurso, espaço e memória: Caminhos da identidade no Sul de Minas. Campinas: RG, 2011. p. 57-68.

FEDATTO, Carolina Padilha. Um saber nas ruas: O discurso histórico sobre a cidade brasileira. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

GUIMARÃES, Eduardo. Semântica do acontecimento: um estudo enunciativo

designativo. Campinas: Pontes, 2005.

NUNES, José Horta. Janelas da cidade: outdoors e efeitos de sentido. In: Escritos. Ver e dizer. n. 2. Campinas, SP: LABEURB/NUDECRI, 1998.

ORLANDI, Eni. Discurso Fundador: a formação do país e a construção da

identidade nacional. Campinas: Pontes, 2003.

. Os sentidos de uma estátua: Fernão Dias, individuação e identidade pousoalegrense. In: ORLANDI, Eni (Org.). Discurso, espaço e memória. Campinas: RG, 2011. p. 13-34.

. Ser diferente é ser diferente: a quem interessam as minorias? In: BARROS, Renata Chrystina Bianchi de. CAVALLARI, Juliana Santana (Org.). Sociedade e Diversidade. v. 2. Campinas: Pontes, 2016. p. 19-34. PFEIFFER, Claudia Castellanos. Compreender discursivamente a escola: uma possibilidade construída. In: RODRIGUES, Eduardo Alves; SANTOS, Gabriel Leopoldino dos; CASTELLO BRANCO, Luiza Katia Andrade. (Org.). Análise de Discurso no Brasil: pensando o impensado sempre. Uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas, SP: Editora RG, 2011. p. 231-242.

RODRÍGUEZ, Carolina. Sentido, interpretação e história. In: ORLANDI, Eni (Org.). A leitura e os Leitores. Campinas: Pontes, 2003. p. 47-58.

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RODRÍGUEZ-ALCALÁ, Carolina. Discurso e cidade: a linguagem e a construção da ―evidência de mundo‖. In: RODRIGUES, Eduardo Alves; SANTOS, Gabriel Leopoldino dos; CASTELLO BRANCO, Luiza Katia Andrade. (Org.). Análise de Discurso no Brasil: pensando o impensado sempre. Uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas, SP: Editora RG, 2011. p. 243-258.

SILVA, Marisa Ganança Teixeira da. Outros sentidos para os Galhos Secos. In:

BOLOGNINI, Carmen Zink, PFEIFFER, Cláudia Castellanos, LAGAZZI, Suzy. (Org.). Discurso e Ensino: Práticas de linguagem na escola. Campinas: Mercado de

Letras, 2009. p. 31-46

Anexos

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AO CABARÉ NUNCA MAIS: O IDEAL FEMININO E A RESTRIÇÃO DOS SEUS ESPAÇOS NO ALTO MADEIRA.

ALEX FILIPE GOMES DOS SANTOS ALEANDRO GONÇALVES LEITE

Programa de Pós-Graduação de Mestrado Acadêmico em História e Estudos Culturais

Universidade Federal de Rondônia Campus José Ribeiro Filho, rodovia BR 364, Km. 9,5, Bloco 2K, sala 208, CEP:

76801-059, Porto Velho, Rondônia.

[email protected] [email protected]

Resumo. Esta análise busca compreender os mecanismos discursivos na formação do “ideal feminino” nas páginas do jornal Alto Madeira na década de 1980. Tendo em vista a efervescência, nesse período, dos garimpos às margens do Rio Madeira e a longa distância que muitos deles tinham de Porto Velho, pequenos núcleos urbanos improvisados formavam-se no entorno da atividade garimpeira. Mesmo erguidos com madeira não beneficiada e pedaços de lona, muitos barracos transformavam-se em pequenos comércios que possuíam múltiplas funções para atender às demandas dos trabalhadores. Não demorou para que muitos desses pontos comerciais, de tão polivalentes (sendo, muitas vezes, no mesmo local, bar-restaurante-cabelereiro-oficina mecânica), também se tornassem centros de prostituição. Em 1981, a Polícia Civil deflagrou a “Operação Garimpo” com o objetivo de garantir a segurança nos garimpos mais desassistidos. No ano seguinte, a operação foi levada adiante delimitando restrições, proibindo a entrada nos garimpos de bebidas, cocaína, maconha e mulheres. A restrição pautava-se na conjugação entre álcool e mulheres como principal responsável pelas confusões que lá ocorriam. Neste viés, os discursos veiculados pelo Alto Madeira sobre a mulher e sua função social apontavam para a naturalização da responsabilidade feminina em seus postos “dignos” de trabalho, indicando a moralidade e a pudiscidade como características a serem cultivadas. Há, discursivamente, portanto, uma seletividade dos espaços a serem ocupados na sociedade a partir de um critério de gênero, que atribui à mulher uma responsabilidade “natural”, por ser foco de “confusão” e por ter que prestar penitência em honra às conquistas desses espaços selecionados.

Palavras-Chave. Porto Velho. Formação cultural. Discurso. Imprensa.

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Abstract. This analysis seeks to understand the discursive mechanisms in the formation of the “feminine ideal” in the pages of the Alto Madeira newspaper in 1980’s. Considering the effervescence, during this period, in the mining camps on the banks of Madeira River and the long distance that many of them had of Porto Velho, small improvised urban niches were formed around the mining activity. Even raised with wood and pieces of canvas, many shacks became small trades that had multiple functions to meet the demands of the workers. It wasn’t long before many of these commercial centers, so multipurpose (often in the same place, bar- restaurant-barber-shop-garage) also became centers of prostitution. In 1981, the Police deployed the “Operação Garimpo” with the objective of guaranteeing security in the most unserviced mining camps. The following year, the operation was carried forward into the mining camps of alcohol, cocaine, marijuana and women. The restriction was based on the conjugation between alcohol and women as the main responsible for the confusions that occurred there. In this perspective, the discourses propagated by the Alto Madeira on women and their social function pointed to the naturalization of the feminine responsibility in their positions worthy of work, indicating the morality as characteristic to be cultivated. There is, therefore, a selectivity of the spaces to be occupied in society from a gender criterion, which attributes to women a natural responsibility, for being a source of confusion and having to render penitence in honor of the achievement of these selected spaces.

Keyword. Porto Velho. Cultural training. Speech. Press.

1 Introdução

O historiador inglês Eric Hobsbawm (2012, p. 341) chamou atenção para a

presença do termo ―respeitabilidade‖ na classe operária de meados do século XIX, e

que tem como uma de suas expressões a penetração de standards e valores da

classe média no âmbito do mundo operário.

Em sua obra, o historiador demonstra como após o processo de consolidação

da dupla revolução (Industrial e Francesa) no mundo ocidental houve uma forte

imposição dos valores ético-morais e dos padrões de comportamento (no que tange,

por exemplo, a religião, trabalho, família, sexualidade) típicos do mundo burguês às

classes trabalhadoras.

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Esse processo, contudo, não se restringiu aos meados do século XIX, objeto

por excelência da obra de Hobsbawm e, tampouco, podemos determinar que se

circunscreveu notadamente a Europa, ou mesmo ao mundo ocidental.

A ideia de ―respeitabilidade‖ burguesa acabou por traçar uma fronteira entre

aqueles que adotavam e reproduziam os valores da cultura hegemônica e aqueles

que a ela não se adequavam. Neste viés, de acordo com Margareth Rago (1985,

p.61), a negação da alteridade e o desejo de eliminação da diferença, se

constituíram nos motivos primários das investidas de poder sobre a classe

trabalhadora (dentro e fora das fábricas) foram sendo moldados pelo olhar analítico

e classificador de médicos, higienistas, criminologistas e inspetores públicos.

As áreas de mineração, por sua vez, têm como uma de suas principais

representações a oposição a determinados valores e padrões de comportamentos

típicos do mundo burguês, especificamente os que se referem a trabalho e,

sobretudo, sexualidade. O minerador ou garimpeiro, em uma analogia ao descrito

por Hobsbawm (2012, p.308), é a expressão do arquétipo da promiscuidade e do

folclore da masculinidade não oficial, ou seja, estrangeiros das fronteiras da

respeitabilidade do mundo burguês.

Deste modo, o ideal burguês de mulher (dona-de-casa-mãe-de-família-casta-

religiosa) circunscrito pela noção de ―respeitabilidade‖, é a contraposição do mundo

que gravita ao entorno dos centros de atividade mineradora.

O presente trabalho se pauta, portanto, no limiar da relação entre a presença

de mulheres nos garimpos do Alto Madeira e a circunscrição das suas presenças

(tendo em vista esse ―ideal feminino‖ e as funções sociais das mulheres na

sociedade) pelo discurso da polícia e imprensa portovelhense. A análise se

concentra em recortes da cobertura jornalística de uma operação policial itinerante

dentro dos garimpos que ficavam nas proximidades da cidade de Porto Velho.

Essa operação, ocorrida no início da década de 1980, tinha como objetivo

fazer uma espécie de ―higienização social‖ nas áreas de mineração, não permitindo

a circulação de elementos diversos, como álcool, maconha, cocaína e mulheres, que

seriam desviantes de uma conduta social adequada para a formação ideológica que

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sustentava as ações dominantes do período. E teve, na imprensa local, o seu

principal suporte narrativo para a construção dos instrumentos interdiscursivos que

fixavam as formas de caos, anarquia, imoralidade e subversão a esses ambientes.

Por curiosidade, o jornal de maior circulação no período, em Porto Velho, chamava-

se Alto Madeira (SOUZA, 2011), mesmo nome do trecho do Rio Madeira onde se

formaram os principais garimpos fluviais do estado.

Sob a perspectiva da Análise de Discurso, compreendemos que o discurso

veiculado no jornal Alto Madeira não se caracteriza como um mero veículo

informativo, pois, no discurso, de uma forma geral, colocam-se em relação sujeitos e

sentidos que são afetados pela língua e pela história (ORLANDI, 2001). E tendo em

vista que esses sujeitos e esses sentidos são formados em um complexo processo

constitutivo, a linguagem que os realiza possui efeitos múltiplos e variados. Todos,

porém, resultam no intenso trânsito de sentidos que tornam ―reais‖ os elementos que

se queira enunciar. Entendemos, portanto, que o discurso seja ―efeito de sentidos

entre locutores‖ (ORLANDI, 2001, p. 21).

A própria ação de restringir espacialmente a mulher, pensando

discursivamente, não se justificava apenas pela ação policial em si, mas por um

conjunto de valores que haviam se constituído ao longo do século XX sobre o corpo

feminino. A fluidez que a reprodução desses valores nas palavras possui se dá pelo

―fazer sentido‖ que se constrói no discorrer dos termos. Sendo assim, a reflexão se

propõe a uma análise da dupla restrição dos espaços do ideal feminino, ou seja,

restrição tanto na proibição da presença de mulheres nos garimpos do Alto Madeira,

quanto na formação discursiva que corroborava o cerceamento social pelo fator

gênero, concretizada na forma de notícias, colunas de opinião e declarações

múltiplas veiculadas pelo jornal Alto Madeira.

2 A década de ouro

A década de 1980 representou, para Porto Velho, um período de profundas

mudanças socioeconômicas em sua formação. Além da sua elevação à capital do

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estado de Rondônia, em 1982, a cidade também estava inserida em um intenso

processo de crescimento demográfico provocado pelo boom da extração aurífera na

Amazônia. Com a emergência do garimpo, ocorreu uma inversão no cenário

econômico das redes de fluxo migratório da Amazônia. O que Alberto Carlos Pereira

denominou de refluxo relativo, em que a frente migratória de expansão agrícola,

exógena e predominante na década de 1970, foi sobreposta e invertida por um

refluxo endógeno, provocado pela emergência na década de 1980 da mineração

como atividade econômica altamente rentável (PEREIRA, 1991). Na Amazônia,

como um todo, vários pontos de intensa atividade mineradora foram instalados, no

caso de Rondônia, esse refluxo foi delimitado pelos acessos ocasionados pelos

cenários já estabelecidos até então, que, em sua grande maioria, culminavam em

Porto Velho.

As notícias de ouro no Rio Madeira, atraíram uma grande quantidade de garimpeiros que vinham para a região com o intuito de enriquecer repentinamente. Em 1980 começaram a chegar as primeiras balsas vindas do Pará, a exploração em terra firme também aconteceu, contudo, sua participação não adquiriu a importância como a dos garimpos fluviais. (NASCIMENTO, 2009, p.169).

É importante lembrar que muitas dessas zonas de extração aurífera não

estavam necessariamente dentro da cidade (no núcleo urbano) de Porto Velho.

Grande parte dos garimpos se estabeleceu acima da cidade no curso do rio, na

região conhecida como ―Alto Madeira‖, trecho acima da antiga cachoeira de Santo

Antônio (região atualmente acima da usina hidroelétrica de Santo Antônio). Dessa

forma, os núcleos de mineração, por serem distantes dos recursos de subsistência

oferecidos na cidade, se transformaram em grandes conglomerados de atividades

econômicas informais que estavam no entorno das necessidades demandadas pela

garimpagem como um todo.

Nesses garimpos, portanto, logo se formaram as estruturas de manutenção e

acomodação dos garimpeiros, das máquinas e dos vários outros trabalhadores

direta ou indiretamente envolvidos na busca pelo ouro. Essas estruturas

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acompanhavam as demandas da extração aurífera (por exemplo com oficinas

mecânicas e dormitórios improvisados) e eram condicionadas pela distância da

cidade (havendo pequenos comércios informais, bares, restaurantes e lojas de

roupas), que fazia com que a maior parte dos garimpeiros passassem meses sem ir

à cidade.

Esse modelo de formatação dos garimpos no Rio Madeira acompanhava uma

série de mudanças que estavam ocorrendo nessa atividade na Amazônia. Arimin

Mathis (1995) ressalta que os garimpos desse período, na Amazônia, haviam

acabado de passar por uma transição estrutural, que englobava uma rápida

incorporação tecnológica para a formação das dragas, pequenas balsas de sucção,

que transformaram a rentabilidade dos garimpos e, principalmente a relação de

trabalho entre o dono do equipamento e o garimpeiro propriamente dito.

A mudança na tecnologia da extração ocorreu dentro do regime de trabalho vigente. Ou seja, o princípio da remuneração, em dependência da produção, que tinha se estabelecido como sistema padrão da contratação de mão de obra, se manteve. Mas observou-se a partir deste momento uma diminuição da quota de participação dos trabalhadores no montante da produção reduzindo-se de 50% para 40% ou 30%. Os donos dos garimpos justificaram essa mudança pelo aumento dos custos da produção e os trabalhadores aceitaram-na, devido ao aumento do valor do ganho individual, em conseqüência do aumento do preço do ouro, que conseguiu absorver a queda na produção individual. (MATHIS, 1995, p. 08).

Os garimpos do Alto Madeira, portanto, foram formados em acompanhamento

a essas mudanças, que inclusive podem ser vistas como motor da instalação de

novos garimpos fluviais. Com isso, nota-se um movimento demográfico distinto e

motivado por fatores que não envolviam uma atração direta para uma migração,

uma vez que não envolvia um destino fixo para ação de migrar. O refluxo relativo, do

qual discorre Alberto Pereira, inclui exemplos que caracterizam os migrantes

endógenos à região amazônica sendo, dessa forma, uma possibilidade pensar o

garimpo como um aglomerado de migrantes, de diferentes regiões, que, por motivos

diversos, não se fixaram naquilo que teria sido o seu destino pretendido.

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A relação de trabalho entre o dono do equipamento e o garimpeiro era,

portanto, marcada pela plena informalidade e, principalmente, pela indistinção dos

espaços de convivência e existência dentro das estruturas que faziam parte dos

garimpos. Essas estruturas, tal como as relações de trabalho, também

acompanhavam uma lógica de distribuição dos espaços. Segundo Letícia da Luz

Tedesco (2015), um típico garimpo era constituído por duas zonas distintas, os

baixões e as currutelas. ―Um garimpo é normalmente formado por uma currutela e

vários baixões que ligam-se àquela numa relação de produção (baixões) e

reprodução (currutela)‖ (TEDESCO, 2015, p. 138).

A currutela, segundo a autora, seria o lugar onde ocorreria a compra e venda

de produtos básicos, a oferta de diversões noturnas, a chegada e saída de novos

trabalhadores, a instalação de oficinas, o recebimento de notícias, correspondências

e etc. Na presente análise, é justamente nesse espaço, a currutela, que se encontra

o ponto de partida para a compreensão da relação discursiva que se estabeleceu

frente à presença de mulheres no garimpo.

Havia, por parte da elite dos grandes centros urbanos, um discurso genérico

de demonização dos garimpos, principalmente pela formação de uma espécie de

autodeterminação social que destoava de forma brusca com os parâmetros de

higiene, moralidade e pudiscidade comuns ao modo de vida formatado pelo

pensamento pequeno burguês.

É público e notório que a sociedade do garimpo não segue as leis convencionais seja as das cidades ou do campo; tem a sua própria lei que a despeito de suas qualidades e problemas está regendo a vida de centenas de milhares de homens e de mulheres da Amazônia. (JORNAL DO OURO apud TEDESCO, 2015, p. 136).

As representações demonizadas da vida no garimpo como um caos social, se

transformaram em um lugar comum dos discursos que se propunham a narrar o dia

a dia dos trabalhadores. Essas representações, logo ganharam tipos prontos no

funcionamento cotidiano. Os ―eleitos‖ como motivadores primários das confusões,

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eram divididos discursivamente em categorias muito próximas no que diz respeito ao

potencial de responsabilidade pelos conflitos: mulheres, drogas e bebidas.

Em 1981, em Porto Velho, foi deflagrada, por uma ação conjunta das polícias

civil e militar, a ―Operação Garimpo‖, que tinha como objetivo percorrer os garimpos

do Alto Madeira e manter uma presença de agentes para impedir a ocorrência dos

conflitos e distúrbios diversos que causavam a morte de muitos trabalhadores.

Depois de quase um ano de ações pontuais, a operação adquiriu uma conotação

sexista e moralizante, por meio da proibição da entrada nos garimpos de drogas,

bebidas e, principalmente, mulheres. (DELEGADO PROÍBE... 1982, p. 05).

3 O Alto Madeira e o ideal feminino

A restrição dos espaços do ideal feminino no ―Alto Madeira‖ se deu de duas

formas: nos garimpos do Alto Madeira (Rio Madeira), por meio da proibição da

presença de mulheres, por serem consideradas potenciais ―prostitutas‖ e que, por

isso, causavam brigas e assassinatos; e no jornal Alto Madeira, que incorporou

discursivamente a ação policial como uma necessidade para a manutenção dos

padrões de moralidade pública nos garimpos e, principalmente, no núcleo urbano de

Porto Velho, que seria diretamente influenciado pela imoralidade e anarquia em que

se encontravam os garimpos.

Na perspectiva da Análise de Discurso, essa relação nominal entre o jornal e

o ambiente físico das restrições representa uma paráfrase discursiva, que determina

ao ambiente o peso de coerção enunciativa que o jornal possuía na região, antes

mesmo do estabelecimento dos garimpos. O jornal chama-se Alto Madeira, constitui-

se, portanto, como sendo o noticiário legítimo do Alto Madeira. O nome de um jornal,

pensando de uma forma mais ampla, aponta para o domínio ao qual se pretende o

poder de enunciação legítima (O País, Correio da Manhã, Jornal do Comércio,

Jornal do Ouro e etc.). Neles, em um tipo de endereçamento discursivo, enuncia-se

com uma propriedade que se ancora no lugar em que se pretende ser lido. Essa

paráfrase, além de abraçar um determinado lugar da vida cotidiana, é, em si, um

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processo constitutivo da própria linguagem (ORLANDI, 2003), em que se vinculam

sentidos a determinadas frações do mundo do trabalho, da política ou dos negócios.

O ponto de inflexão, que delimita a ação feminina nos garimpos, está na

eleição de um fator de gênero, em detrimento de tantos outros possíveis, como

corresponsável pelos distúrbios e pelas violências no garimpo. O cerceamento

provocado por essa eleição, veio na forma de ações enérgicas de expulsão de uma

multidão de mulheres dos garimpos do Alto Madeira, e por meio de uma

comemorada cobertura jornalística da ―Operação Garimpo‖, tal como noticiava, em

1982, o texto a seguir:

Depois que o delegado Santos Dias entrou no comando da ―Operação Garimpo‖ não passa nada, segundo o que ele próprio declarou. Santos Dias, para finalizar, falou ―neste pouco tempo que estou no garimpo não deixo passar nada, pois em menos de uma semana prendi milhares de garrafas de cerveja, vários quilos de maconha e também proíbo a entrada de mulheres no garimpo para que não haja confusão, pois bebida e mulher vira a cabeça dos garimpeiros‖. Dias veio ontem pela manhã à capital só para trazer o traficante e voltará hoje para continuar o seu serviço. (DELEGADO PROÍBE... 1982, p. 05).

O ideal feminino, requerido pelos discursos veiculados no jornal Alto Madeira,

em muito se aproxima do cerceamento espacial experimentado pelas mulheres

ainda no começo do século XX. Segundo Margareth Rago (1985), esse ideal pautou-

se pelo condicionamento dos espaços de atuação e existência social da mulher ao

modo mais casto, pudico e menos parecido possível com o ―universo masculino‖,

das jogatinas, promiscuidade e trabalhos braçais. A condição de fragilidade da

mulher contrastava em relação à aspereza dos espaços das fábricas, neste sentido

o trânsito da mulher nos ambientes fabris incidia numa exposição temerária aos

perigos da prostituição que, por sua vez, se constituía numa afronta a esse modelo

de feminilidade que se pretendia inculcar. O espaço da fábrica passou, então, a ser

visto como inadequado ao exercício da função da mulher por excelência o de

―vigilante do lar‖ e o de ―mãe casta‖.

Deste modo, a construção de um discurso pautado em cima dos valores da

―Família‖ moldou uma concepção que excluiu indiretamente – quando não

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diretamente – a mulher dos espaços de trabalho. A noção introjetada no imaginário

social sobre a mulher enquanto ―esposa-dona-de-casa-mãe-de-família‖ embasava-

se em um valor moral de cunho elevado ―A Família‖.

Contudo, esse deslocamento da mulher dos espaços públicos para os

privados não se fundou apenas nos valores morais em si, pois a moralidade familiar

serviu de base para a construção de leis e outros mecanismos repressivos e

disciplinadores que acabavam por reforçar o direcionamento da mulher ao lar.

As condições de convivência nos garimpos do Alto Madeira reascendiam a

construção desse discurso disciplinador, que desiguala a relação de gênero nas

ações cotidianas da vida em sociedade. A justificativa da proibição da presença de

mulheres nos garimpos colocava, por eliminação, a condição feminina como uma já-

culpa, pelo desejo em que a mesma se encontrava como alvo. A alimentação dessa

responsabilidade ―natural‖ se dava, principalmente, pela consolidação de uma

representação caótica e insana da vida nos garimpos e que, por conseguinte, os

tornavam completamente inapropriados para a presença feminina.

A vida paralela ao garimpo, exige uma permanente fiscalização policial e do poder de polícia administrativa, pois além da vadiagem, prostituição, jogadores profissionais, ladrões, aproveitadores e outros marginais e, da absoluta falta de higiene nas vilas de apoio, o tráfico de drogas apavora e coloca em pânico os garimpeiros bem intencionados, que procuram fazer do seu trabalho uma honrada profissão, juntamente com os seus familiares, o que se torna impossível diante desse submundo nefasto e impudico. (GARIMPO LUTA... 1983, p. 09).

Dessa representação emergem movimentos enunciativos que denotam uma

inversão de demandas nos garimpos. O título da reportagem acima citada é

―Garimpo luta por segurança e assistência‖. Os termos indicam um clamor pela

presença policial, para que se corrijam todas aquelas que seriam ações desviantes

dos fins que caracterizariam um garimpo digno. Os atores dessas ações, porém,

(seguindo a ordem) vadios, prostitutas, jogadores profissionais, ladrões,

aproveitadores e outros marginais ainda não catalogados pela moral e bons

costumes, constituem desvios sociais muito antes do próprio garimpo, e,

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principalmente, designados por padrões não relacionados à atividade garimpeira. O

submundo nefasto e impudico, formado por esses desviantes, seria, portanto, o

norte para que a mulher fosse preservada em sua pureza e reestabelecida aos

parâmetros restritivos da sua condição natural de objeto de desejo.

4 A mobilidade restritiva dos sentidos de uma conquista

Os resultados da ―Operação Garimpo‖ não demoraram a expor suas

contradições e suas precipitações sexistas. Muitas das mulheres que foram expulsas

e depois proibidas de retornar eram trabalhadoras que ocupavam funções-chave

dentro do garimpo, tanto nos baixões quanto na currutela. Depois de uma série de

protestos violentos de grupos de mulheres e dos próprios garimpeiros, a restrição,

ainda em 1983, passou a selecionar as mulheres que poderiam ficar nos garimpos.

O fim da prostituição nos garimpos foi uma das metas alcançadas pela polícia. Mais de 200 mulheres foram expulsas da área de garimpagem: ―Estas mulheres teriam que sair, pois muitas delas estavam só tumultuando o local. Entretanto, muitas delas ficaram, pois são trabalhadoras‖. Cerca de outras 200 mulheres ficaram no garimpo, pois elas são responsáveis por parte da garimpagem e cozinham para mais de mil homens. Algumas trabalham em farmácias e ―boutiques‖ improvisadas com lonas e madeira, outras são balseiras, mergulhadoras e garimpeiras. (AÇÃO DA... 1983, p. 04).

A extensa lista de funções dentro do garimpo exercidas por ―outras 200

mulheres‖, compõe o tipo antagônico às 200 mulheres que foram expulsas por

serem prostitutas. O trajeto explicativo da notícia é composto pela incorporação de

um discurso de consolidação da liberdade feminina, mas deixa escapar a inscrição

ideológica burguesa para o ideal feminino, que admite a conquista dos espaços no

mercado de trabalho outrora monopolizada pelo público masculino, mas que

restringe, em detrimento da sua força de trabalho, a atuação da mulher sobre o seu

próprio corpo, ou, em outras palavras: sobre as que ficaram, ―ficaram, pois são

trabalhadoras‖.

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Ainda na esteira do pensamento de Rago, a construção da representação da

prostituta esteve associada, não apenas em relação à oposição ao ideal ―esposa-

dona-de-casa-mãe-de-família‖, mas também a indolência, a aversão ao trabalho, a

uma espécie de ―vício‖, e a ―tumultos e escândalos‖:

Mulheres de má vida, meretrizes insubmissas, impuras, insignificantes, o que fazer com essas loucas que recusam o aconchego do casamento, que negam a importância do lar e preferem circular enfeitada pelas ruas, desnudando partes íntimas do corpo, exalando perfumes fortes e extravagantes, provocando tumultos e escândalos, subversivas que rejeitam o mundo edificante do trabalho, surdas aos discursos masculinos moralizadores e que perseguem a todo o custo a satisfação do prazer? Assim como a masturbação a prostituição é classificada pelo saber médico e criminológico como ―vício‖, ―fermento corrosivo lançado no grêmio social‖, que tende a alastrar-se e a corromper todo o corpo social. (Grifou-se). (RAGO, 1985, p.85).

Esses paralelos com a prostituição que a autora identificou nos discursos de

médicos e delegados entre 1890 e 1930 são análogos aos observados nas páginas

do Alto Madeira e nos discursos dos responsáveis pela ―Operação Garimpo‖ na

década de 1980, demonstrando uma clara continuidade do processo de

normatização das mulheres e de seus papéis sociais e também daquilo que

Margareth Rago (1985, p.85) denominou de ―sequestro da sexualidade insubmissa‖.

No que tange às conquistas de espaço no mercado de trabalho, estas

figuravam no jornal Alto Madeira como a sombra de mais uma responsabilidade,

pela qual a mulher não poderia se dar ao luxo de arbitrar sexualmente sobre o seu

corpo (tal como fazem os homens), pois essa atitude soava como um desrespeito a

tais conquistas.

Em 1982, a mensagem de Natalina Ferreira da Cruz, então coordenadora

estadual do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), apontava

repetidamente para uma responsabilidade coletiva, de atuar na melhoria dos

espaços já conquistados e zelar pela integridade moral, fatores que caracterizariam

um ser feminino digno de ser lembrado no Dia Internacional da Mulher.

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O Dia da Mulher duplamente lembrado, parece-me servir não só de preito àqueles que criam, incentivam e promovem o processo e o bem estar coletivo, como igualmente para convite à reflexão sobre a responsabilidade que recai sobre nós, que desfrutamos os benefícios bravamente conquistados. (...) A mulher, alvo das mais significativas homenagens, deve atuar, por excelência, na expressão e defesa de sua dignidade. Sem interferência de interesses mesquinhos e alheios a sua integridade moral, precisa contribuir para alcançar a melhoria da comunidade, colaborando direta ou indiretamente, para um mundo melhor, onde a paz possa reinar. (NATALINA ENALTECE... 1982, p. 09).

A defesa da dignidade da mulher, condicionada a uma pureza moral,

transparece a forma pela qual a elite portovelhense se relacionava com a sua

própria segregação social, estabelecida, nesse caso, por um critério sexista, que

confundia o corpo feminino a um ser sagrado, inviolável para a conservação da

dignidade coletiva. Transparece, ainda, um clamor, para que as mulheres fujam dos

―cabarés‖ e para lá não retornem mais, pois de outra forma, sendo essa uma atitude

desviante da moral dominante, não se poderia ver ―consolidadas e ampliadas as

conquistas democráticas alcançadas no passado‖.

É importante ressaltar que o que se almejava era um projeto de libertação da

mulher não apenas no âmbito político, mas uma libertação completa, moral, familiar,

pessoal, etc., o que se traduzia numa busca pela ruptura da representação feminina

burguesa que propunha a ―emancipação da mulher de todas as classes sociais dos

papéis que lhe são atribuídos socialmente‖ (RAGO, 1985, p.96), inclusive a

emancipação da mulher burguesa. A luta libertária dessas mulheres passava,

portanto, por um questionamento e uma reelaboração das relações e dos papéis a

elas atribuídos tanto nos espaços públicos como nos espaços domésticos.

Tal reelaboração se demonstrou, na década de 1980 em Porto Velho,

empacada no ideal feminino quanto ao uso do próprio corpo. Seria uma experiência

de liberdade restritiva, que, nesse caso, agiria como o sentido de uma

imperatividade discursiva: livre para trabalhar (desde que as atividades laborais

exercidas pelas mulheres não fossem de encontro ao modelo de feminilidade da

esposa-dona-de-casa-mãe-de-família-casta-assexuada), não para se

autodeterminar. A materialidade desse imperativo se demonstra pelos muitos

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destinos tolerados pela colonização masculina da mulher, em nenhum deles o poder

de existência social abre mão do fator gênero, pois em todos ocorre um declínio ao

se supor a mulher, e não um homem, governando o seu próprio corpo.

5 Considerações finais

O processo de uma construção discursiva que elaborou um ―ideal feminino‖

trouxe como contrapartida a criação de modelos desviantes de condutas em relação

a este parâmetro idealizado. Nesta perspectiva, a prostituta é a representação da

antítese do arquétipo feminino que se pretendia inculcar, o de ―esposa-dona-de-

casa-mãe-de-família-casta-assexuada‖.

Em Do cabaré ao lar, Margareth Rago apresentou o processo de

normatização das mulheres no final do século XIX e início do século XX por

intermédio de discursos moralizadores, disciplinadores e punitivistas. No caso da

prostituição, a questão ganhou contornos agravantes. Destarte, Rago (1985)

demonstrou como a prostituição foi alvo de intervenção do discurso médico,

sanitarista e criminológico, sendo tratada como patologia, vício, indolência e

elemento produtor de tumultos e escândalos.

Ante o cenário exposto por Rago, a proposição de relações com o quadro que

apresentamos sobre a ―Operação Garimpo‖ e a sua cobertura nas páginas do Alto

Madeira é quase inevitável. Se, por um lado, o delegado Santos Dias não deixa

―passar nada‖: garrafas de cerveja, maconha e mulheres – ―prostitutas‖ que ―viram a

cabeça dos homens‖ – por serem focos de confusão. Por outro, aquelas mulheres

que se adequam aos ditames edificantes do trabalho foram privadas de serem

expulsas dos garimpos do Alto Madeira, ou seja, ficaram, ―pois são trabalhadoras‖.

Há, portanto, um reforço simultâneo da representação do caráter nocivo e temerário

da prostituição, enquanto ―fermento corrosivo lançado no grêmio social‖ e motivo de

desordem, e também da imagem da meretriz avessa ao trabalho.

Por fim, há ainda no Alto Madeira a reprodução de um discurso que

asseverou a seletividade dos espaços a serem ocupados na sociedade a partir de

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um critério de gênero, ou seja, existe uma circunscrição dos ―espaços‖ laborais,

morais, sexuais etc., que as mulheres podem ocupar. Neste sentido, a defesa dos

espaços conquistados se confunde com uma retórica moralizadora e paternalista,

uma espécie de penitência em honra às ―conquistas‖ desses espaços selecionados.

Referências

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Antropologia). Programa de pós-graduação em Antropologia Social (UFRGS), Amsterdam.

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A PLASTICIDADE E A METALINGUAGEM COMO

ELEMENTOS CONSTITUIDORES DE SENTIDO NA OBRA

LITERARIA “A PALAVRA FALTA”

RIBEIRO NETO, JOSÉ DE RIBAMAR MUNIZ8

Fundação Universidade Federal De Rondônia

Campus De Guajará-Mirim/RO Departamento Acadêmico De Ciências Da Linguagem

Endereço: Br 425 - Km 2,5 - Jardim Das Esmeraldas - Guajará-Mirim/RO, Cep: 76850-000

[email protected]

Resumo. Este trabalho mostra que a metalinguagem e a plasticidade são elementos constituidores de sentido nas composições poéticas da obra literária “A palavra falta” de autoria do escritor Eduardo Martins. O estudo do tema justifica-se porque traz contribuições para a constituição da Literatura brasileira. Para compreender o processo composicional de Eduardo Martins, que reside no estado de Rondônia há 31anos, é necessário mencionar que o referido autor, natural de Recife/Pernambuco, conviveu desde a infância no universo literário, especialmente sendo leitor da obra de Manuel Bandeira e de outros escritores pernambucanos consagrados pela crítica. Destaca-se que a forma utilizada pelo autor é marcada pela utilização da metalinguagem e da plasticidade, evidenciando, principalmente, a inter-relação Literatura e Pintura. Esse processo de criação aponta alguns elementos presentes na poesia moderna e pós-moderna e a participação do escritor nos espaços boêmios da grande Recife, onde ele formou, juntamente com outros escritores, o Movimento Literário dos Poetas Independentes. Os espaços que vivenciou do Nordeste ao Norte, somados a uma visão panorâmica do sofrimento dessas regiões, deram origem a estas relações e à plasticidade, o que torna sua obra singular. As análises e discussões da pesquisa estão sendo fundamentadas pela Teoria literária (poesia), destacando-se os estudos dos seguintes autores: Cortez & Rodrigues (2009), que destacam alguns operadores da leitura da poesia; Orlandi (2015), a qual apresenta os princípios e os procedimentos da análise do discurso; Bosi (2015), o qual discute sobre imagem e discurso literário; Cortes (2009), a qual discute sobre a inter-relação entre a Literatura e a

8 Acadêmico do VIII período do Curso de Letras, Campus de Guajará-Mirim, da Universidade Federal

de Rondônia/UNIR. Membro dos Grupo de Pesquisa Filologia e Modernidades e do Grupo de Estudos Interdisciplinares Fronteiriços da Amazônia-GEIFA.

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Pintura, mostrando o processo de intersemiose entre o texto poético e o texto imagético. Os resultados preliminares evidenciam a utilização da metalinguagem como recurso semântico-estilístico. Nesse sentido, o autor constrói um jogo de palavras de onde ecoam múltiplas vozes e sentidos, imagens e cores.

Palavras-Chave. Literatura. Poesia. Metalinguagem. Plasticidade.

Sentido.

Resumen. Este trabajo muestra que el metalenguaje y la plasticidad son elementos constituyentes de sentido en las composiciones poéticas de la obra literaria "La palabra falta" de autoría del escritor Eduardo Martins. El estudio del tema se justifica porque trae contribuciones para la constitución de la Literatura brasileña. Para comprender el proceso composicional de Eduardo Martins, que reside en el estado de Rondônia hace 31 años, es necesario mencionar que el referido autor, natural de Recife/Pernambuco, convivió desde la infancia en el universo literario, especialmente siendo lector de la obra de Manuel Bandeira y de otros escritores pernambucanos consagrados por la crítica. Se destaca que la forma utilizada por el autor está marcada por la utilización del metalenguaje y de la plasticidad, evidenciando, principalmente, la interrelación Literatura y Pintura. Este proceso de creación apunta algunos elementos presentes en la poesía moderna y posmoderna y la participación del escritor en los espacios bohemios de la gran Recife, donde formó junto a otros escritores el Movimiento Literario de los Poetas Independientes. Los espacios que vivenció del Nordeste al Norte, sumados a una visión panorámica del sufrimiento de esas regiones, dieron origen a estas relaciones ya la plasticidad, lo que hace su obra singular. Los análisis y discusiones de la investigación están siendo fundamentados por la Teoría literaria (poesía), destacándose los estudios de los siguientes autores: Cortez & Rodrigues (2009), que destacan algunos operadores de la lectura de la poesía; Orlandi (2015), la cual presenta los principios y los procedimientos del análisis del discurso; Bosi (2015), el cual discute sobre imagen y discurso literario; Cortes (2009), la cual discute sobre la interrelación entre la Literatura y la Pintura, mostrando el proceso de intersemiosis entre el texto poético y el texto imagético. Los resultados preliminares evidencian la utilización del metalenguaje como recurso semántico-estilístico. En ese sentido, el autor construye un juego de palabras de donde resonan múltiples voces y sentidos, imágenes y colores.

Palabras clave. La literatura. Poesía. Metalenguaje. Plasticidad. Sentido.

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1 Introdução

Este artigo apresenta resultados de uma análise poético-discursiva da obra

literária ―A palavra falta‖ de autoria do escritor Eduardo Martins, destacando-se a

inter-relação entre discurso e discurso literário e mostrando-se a utilização da

metalinguagem e da plasticidade como elementos constituidores de sentido nas

composições poéticas.

Para atingir o objetivo proposto, estabelecemos os seguintes objetivos

específicos: analisar as características formais e temáticas da obra literária ―A

palavra falta‖; Destacar a utilização da metalinguagem como recurso semântico-

estilístico na obra poética de Eduardo Martins; Mostrar que a forma utilizada pelo

autor é marcada pela utilização da plasticidade, evidenciando a inter-relação

Literatura e Pintura e Apontar, na obra ―A palavra falta‖, alguns elementos presentes

na poesia moderna e pós-moderna e Contribuir para o estudo da literatura brasileira

contemporânea.

O estudo justifica-se porque traz importantes contribuições para a

constituição da Literatura moderna e pós-moderna brasileira.

As análises e discussões da pesquisa foram fundamentadas pelos estudos

da Teoria literária (poesia), destacando-se os estudos de: Cortez & Rodrigues (2009)

e Franco Jr.(2009), que destacam alguns operadores da leitura da poesia; Bosi

(2015), o qual discute sobre imagem e discurso literário; Cortes (2009), a qual

discute sobre a inter-relação entre a Literatura e a Pintura, mostrando o processo de

intersemiose entre o texto poético e o texto imagético; Campos (2017), que

apresenta conceitos para a metalinguagem e outras metas.

Os resultados da pesquisa evidenciam que o processo de criação da poesia

de Eduardo Martins aponta alguns elementos presentes na poesia moderna e pós-

moderna. Também, identificamos a relevância da arte literária como um espaço

privilegiado para a utilização de outras linguagens, podendo-se afirmar que o autor

utiliza a metalinguagem e a plasticidade como recursos estéticos constituidores de

sentido e de subjetividade.

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2 Discurso, Discurso Literário e Formação Discursiva

Neste tópico, apresentamos conceitos e discutimos sobre os temas discurso,

discurso literário e formação discursiva, tendo como base os estudos de Orlandi

(2015) e Baccega (2007). A compreensão destes conceitos é importante porque eles

irão fundamentar as análises apresentadas no quarto tópico deste artigo.

2.1 Discurso e Discurso Literário: conceitos básicos

Conforme Orlandi: ―[...] a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a

ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra

em movimento, prática de linguagem‖ (ORLANDI, 2015, p. 7). Ou seja, quando

falamos produzimos discursos, no entanto, os discursos que proferimos se

processam de formas distintas, pois nossa formação discursiva é permeada por

múltiplas ideologias.

Dessa forma, segundo Orlandi (2015), toda materialidade discursiva

relaciona-se com a tríade sujeito-discurso-ideologia. ―Consequentemente, o discurso

é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,

compreendendo-se como a língua produz sentidos por/ para sujeitos.‖ (ORLANDI,

2015, p. 17).

Ao discutir sobre a gênese dos discursos, a autora afirma que:

Quando nascemos os discursos já estão em processo e nós e que entramos

nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que não

haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Mas

não somos o início delas. Elas se realizam em nós em sua materialidade.

Essa é uma determinação necessária para que haja sentido e sujeitos. Por

isso é que dizemos que o esquecimento é estruturante. Ele é parte da

constituição dos sujeitos de dos sentidos. (ORLANDI, 2015, p. 36).

Partindo-se da ideia de que a palavra é a base comum dos discursos, pode-

se dizer que tanto o discurso, quanto o discurso literário estão inter-relacionados,

visto que, a palavra constitui-se como um signo neutro, ―ou seja, a mesma palavra

pode estar em vários discursos, já que ela só assume seu significado no jogo das

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realidades discursivas‖ (BACCEGA, 2007, p. 64). Portanto, se levarmos em

consideração tais características da palavra, pode-se afirmar que o discurso literário

está carregado de ideologia, no entanto, não se deve confundir aquilo que está no

texto literário com aquilo que consiste em realidade, pois, conforme Baccega (2007,

p. 76), ―O discurso literário pode ser visto como a apresentação, através da palavra,

de um pensamento, de uma visão de mundo do autor [...].‖ Nessa persperctiva, a

autora também afirma que ―[...] o discurso literário sofre influência do meio literário

daquela sociedade, o qual, por sua vez, sofre a influência das várias formações

ideológicas/formações discursivas [...].‖ (BACCEGA, 2007, p. 79).

2.2 O que é formação discursiva?

No domínio da formação discursiva, a configuração de sentidos ocorre a

partir das condições de produção dos discursos, que englobam as possibilidades

discursivas e as formações sociais e ideológicas. Ou seja, o discurso está sempre

atravessado por outros discursos.

Evidentemente, a configuração de novos sentidos se dá com mais vigor

quando, numa sociedade, se agudiza um processo revolucionário, como,

por exemplo, a Revolução francesa. São novas formas e novos sentidos ou

formas antigas com novos sentidos, manifestando o avanço histórico.

(BACCEGA, 2007, p.32).

De acordo com Baccega: ―As formações discursivas predem-se sempre às

formações ideológicas, das quais são manifestações.‖ (BACCEGA, 2007, p. 92).

Corroborando com as ideias de Baccega (2007), Orlandi (2015) afirma que as

formações discursivas são marcadas pela heterogeneidade e as formações

ideológicas são marcadas pela interdiscursividade. Assim, a partir dessas

concepções, podemos inferir que a verdadeira substância da língua é construída

pela interação e que os discursos são materializados no tempo e no espaço a partir

da formação social dos sujeitos que enunciam.

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Vale ressaltar que a produção de linguagem se dá na proporção em que

sujeitos interagem em uma prática social. E esta prática é impregnada de formações

ideológicas que determinarão os sentidos entre uma formação discursiva e outra.

Assim, a produção da linguagem engloba dois processos distintos: o parafrástico e o

polissêmico.

Estas contribuições no âmbito da Linguística contribuem com a ideia de que

o texto literário entendido como tal é polissêmico, uma vez que transgride o espaço

convencional da linguagem, em seus diversos níveis (morfológico, fonológico,

sintático e semântico), de maneira a estabelecer um efeito diferente de sentido.

Assim, temos uma diferenciação da linguagem ―comum‖, presente em outros

discursos.

Um outro aspecto que podemos abordar é o que diz respeito à função

poética. Na literatura os recursos de linguagem geram significantes que pela sua

natureza polissêmica, sincrética e ambígua são desvelados na interação com o leitor

real, levando-o a se organizar e se mobilizar, de alguma forma, no seu mundo.

3 Metalinguagem e Plasticidade: alguns conceitos básicos

Neste tópico, apresentamos alguns conceitos sobre a metalinguagem e a

plasticidade, mostrando como estes recursos podem contribuir para a constituição

dos sentidos dos textos poéticos.

Conforme Cortez: ―A relação entre a palavra e a imagem, entre a palavra e

as coisas (e a sua representação) tem sido um tema constante nos processos de

comunicação entre os homens― (CORTEZ, 2009, p.355). A referida autora também

afirma que:

A poesia, segundo os críticos, rivaliza-se com a pintura, não através de

processos imitativos e descrições pictóricas, mas pela apreensão da sua

sugestão, ao conciliar o sensível com o intelectível, a sugestão pictural com

a intelectual e o seu conteúdo moral. [...] essa representação poesia/pintura

é intelectual e não sensitiva e busca o ideal, combinando, ao mesmo tempo,

elementos realistas e metafóricos, traços simbólicos e índices de conotação

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sentimental que as pinturas não poderiam oferecer. (CORTEZ, 2009, p.

363).

Na obra, ―O ser e o tempo da poesia‖ Bosi (2015), discute sobre o tema

―imagem e discurso‖, a partir do seguinte questionamento: ―O que é a imagem no

poema?‖. Posteriormente, o autor explica: ―Já não é evidentemente, um ícone do

objeto que se fixou na retina; E nem um fantasma produzido na hora do devaneio: é

uma palavra articulada. A superfície da palavra é uma cadeia sonora.‖ (BOSI, 2015,

p.29).

Em relação à metalinguagem, Roman Jakobson (1974) considera que ocorre

a função metalinguística quando a linguagem fala da linguagem, voltando-se para si

mesma. Tal função reenvia o código utilizado à língua e a seus elementos

constitutivos. Nessa perspectiva, destacamos que a gramática, por exemplo, é um

campo do conhecimento que utiliza um discurso essencialmente metalinguístico,

pois quando trata da parte conceitual utiliza a metalinguagem. ou seja, utiliza o

código para explicar o próprio código. Vale ressaltar que quando se faz uma análise

semântico-lexical, por exemplo, faz-se uso dessa função.

Dessa forma, quando um escritor escreve um poema e discute o seu próprio

fazer poético, explicitando procedimentos utilizados em sua construção, ele está

usando a metalinguagem.

4 “A Palavra Falta”: aspectos formais e temáticos

O título da obra em epígrafe é marcado pela ambiguidade e ―a palavra falta‖

também é o título do primeiro poema do livro, do qual é homônimo. Nas palavras no

poeta Rubem Vaz Cavalcante, no prefácio da obra, “A palavra falta nos ensina os

revezes das vozes performáticas que escapam ao trovador e à trova.‖ Também

mencionamos fragmento da análise construída pelo escritor Miguel Nenevé, que

afirma:

Não se pode dizer por dizer, é preciso causar impressão, é preciso dizer poeticamente [...]. Há falta do poder dizer, do poder expressar, da

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dificuldade de se fazer palavra, de se verbalizar o que é sentido pode angustiar o vivente. [...]. Não se podendo encher de Palavras, o vazio tem que ser valorizado. (NENEVÉ, 2016, p. 83).

Na obra ―A palavra falta‖, desde o princípio, o poeta Eduardo Martins propõe

reflexões sobre a complexidade do processo composicional do texto poético, por

isso, o tema da ―ausência/presença‖ é tão presente na obra. Segundo o autor, a

compreensão da poesia exige do leitor um olhar reflexivo a partir do qual ele possa

extrair a essência da poesia, pois o texto poético é aberto.

No processo composicional da obra ―A palavra falta‖, a forma utilizada pelo

escritor Eduardo Martins é marcada pela utilização da metalinguagem e da

plasticidade, evidenciando a inter-relação Literatura e Pintura. Porém, é necessário

enfatizar que a obra em questão também é constituída por outros recursos poéticos-

discursivos, tais como a musicalidade, a ambiguidade, o uso de reflexões filosóficas

e outros, sem perder o foco poético.

POEMA 1

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A incompletude semântico-lexical induz o leitor a questionar-se, a refletir

sobre o processo criativo do poeta e sobre o sentido das palavras. O autor utiliza a

metalinguagem como recurso semântico-estilístico. A própria poesia fala sobre o

processo de criação. Nas palavras de Rubens Vaz Cavalcante ―[...] o poeta e a

poesia simulam encontros e desencontros pelo viés da palavra ausente.‖ Nesse

sentido, no processo composicional ele constrói um jogo de palavras: ―vozes/mudas;

faltas/presenças‖.

POEMA 2

O processo de criação da poesia de Eduardo Martins aponta a participação

do escritor nos espaços boêmios da grande Recife, onde ele formou, juntamente

com outros escritores, o Movimento Literário dos Poetas Independentes. Os espaços

que o poeta vivenciou do Nordeste ao Norte, somados a uma visão panorâmica da

realidade dessas regiões, deram origem a estas relações plasticidade e

metalinguagem em sua obra.

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POEMA 3

Considerando que o discurso é a linguagem em movimento e que a análise

de discurso parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história,

pode-se afirmar que as vivências de Eduardo Martins, do Nordeste ao Norte,

somadas a uma visão panorâmica do sofrimento dessas regiões, deram origem a

estas relações e à plasticidade, o que torna sua obra singular.

5 Considerações finais

A partir da análise poético-discursiva, pode-se inferir na obra ―A palavra

falta‖, ecoam múltiplas vozes e sentidos, imagens e cores. Esses recursos

estilísticos contribuem para a compreensão do discurso literário e para a

constituição do sentido dos poemas.

A forma composicional utilizada pelo escritor Eduardo Martins é marcada

pela utilização da metalinguagem, possibilitando-nos a reflexão sobre a

complexidade do fazer poético. Também é possível observar a presença da

plasticidade, a qual evidencia a inter-relação entre a Literatura e a Pintura.

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Na obra ―A palavra falta‖ é possível identificar elementos presentes na

poesia moderna e pós-moderna, evidenciada principalmente pela quebra da

estrutura formal clássica dos versos. Portanto, este trabalho pode contribuir para o

estudo da literatura brasileira contemporânea.

Referências

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras,

2000.

CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem e Outras Metas. 4a edição. São Paulo:

Perspectiva, 2017.

CORTEZ, Clarice Zamonaro. Literatura e Pintura. In: BONNICI, Thomas e ZOLIN,

Lúcia Osana. (orgs.) Teoria da Literatura, abordagens históricas e tendências

contemporâneas. Maringá, Ed. da UEM, 2003.

FRANCO JR., Arnaldo. Operadores de leitura da narrativa. In: BONNICI, Thomas

e ZOLIN, Lúcia Osana. (orgs.) Teoria da Literatura, abordagens históricas e

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JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidro Blikstein e José

Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1974.

ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: Princípios e procedimentos. 12ª Edição,

Pontes Editores, Campinas (SP): Pontes, 2015.

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SUJEITO E RESISTÊNCIA: A CONDIÇÃO HUMANA NO CONTO "NEGRINHA", DE MONTEIRO LOBATO

MARCOS AURÉLIO BITENCOURT DOS SANTOS

Fundação Universidade Federal de Rondônia Departamento Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários - DELL

[email protected]

Resumo. Esta comunicação propõe uma análise do conto “Negrinha” (1922), de Monteiro Lobato, sob a perspectiva de que é necessário repensar a formação do sujeito como também a sua desconstrução a partir dos preceitos socioculturais e como reverbera essas questões no texto literário. A relação entre sociedade e literatura é uma questão abordada pela fortuna crítica existente a respeito das obras infantis de Monteiro Lobato, sobretudo pelo viés do naturalismo-nacionalismo. As obras desse escritor se tornam nesse sentido um documento literário da condição humana e social das primeiras décadas do século XX, como é representado através da personagem Negrinha, que nos permitirá discutir a situação social e as representações literárias desse momento da história, no intuito de realizar um exame da realidade enfrentada pelos negros. Nessa seara, pressupomos que a obra literária de Lobato promove, por meio da linguagem emotiva e sensível, a desrealização do olhar sobre os acontecimentos do mundo, sugerindo-nos outra visão: o repúdio à formação histórica de uma sociedade brasileira desumana através da resistência. A releitura que aqui empreendemos pretende observar a construção da personagem Negrinha sob a ótica da fenomenologia, pois acreditamos que a formação do sujeito não necessariamente está condicionada ao meio, mas que é socialmente imposta pela estratificação das classes. A partir desse contrato social, vislumbramos a possibilidade de encontrar vínculos entre constituição do ser e sociedade, estabelecendo o lugar-comum do ser humano e, consequentemente, a sua formação. Propomos, assim, analisar a figura de resistência da protagonista Negrinha, entendendo-a como uma transfiguração da realidade – pois representa a especificidade constituída à margem da sociedade e que, contudo, busca romper tal condição, estabelecendo uma postura de resistência ao lugar-comum delegado. Para essa discussão, consideraremos a perspectiva de Antonio Candido (1968;2006) em relação à sociedade e literatura brasileiras como parâmetro de nossa visão sobre a realidade tematizada em “Negrinha” (1922) e para tratarmos de resistência e sujeito, teremos por aporte teórico Regina Dalcastagnè (2018) e Bachelard (1993).

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Palavras-Chave. Formação do sujeito. Literatura Brasileira. Resistência.

Resumen. Esta comunicación propone un análisis del cuento “Negrinha” (1922), de Monteiro Lobato, en la perspectiva de que es necesario repensar la formación del individuo como también su desconstrucción a partir de los prejuicios socioculturales. La relación entre sociedad y literatura es una cuestión abordada por la fortuna crítica existente a respeto de las obras infantiles de Monteiro Lobato, sobre todo por el camino recurrido por el naturalismo-nacionalismo. Las obras de ese escritor se tornan así un documento literario de la condición humana y social de las primeras décadas del siglo XX, como es representado a través del personaje “Negrinha”, que permitirá discutir la situación social y las representaciones literarias del momento de la historia, en el intuito de realizar un examen de la realidad enfrentada por los negros. Así, presuponemos que la obra literaria de Lobato promoved, por medio del lenguaje emotivo y sensible, la des realización de la mirada acerca de los acontecimientos del mundo, sugiriéndonos otra visión: el repudio a la formación histórica de una sociedad brasileña deshumana a través de la resistencia. La relectura que aquí emprendemos pretende observar la construcción del personaje “Negrinha” en la óptica de la fenomenología, pues creemos que la formación del individuo no necesariamente está condicionada al medio, pero que es socialmente imposta por la estratificación de las clases. A partir de ese contrato social, miramos la posibilidad de encontrar vínculos entre constitución del ser y sociedad, estableciendo el lugar-común del ser humano y, consecuentemente, su formación. Proponemos, así, analizar la figura de resistencia de la protagonista “Negrinha”, entendiéndola como una transfiguración de la realidad – pues representa la especificidad constituida a la margen de la sociedad y que, con todo, busca romper tal condición, estableciendo una postura de resistencia al lugar-común delegado. Para esa discusión, consideraremos la perspectiva de Antônio Candido (1968;2006) acerca de la sociedad y literatura brasileñas como parámetro de nuestra visión sobre la realidad tematizada en “Negrinha” (1922) y para tratar de resistencia y individuo, tenemos por aporte teórico Regina Dalcastagnè (2018) e Bachelard (1993).

Palabras-Clave. Formación del individuo. Literatura Brasileña. Resistencia.

1 Conto e contradiscurso

O intuito de nossa investigação é alicerçar sentidos e relações entre a forma

do conto e a temática abordada. Investigar o uso da forma em correlação com os

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temas encaminha nossa reflexão para, pelo menos, dois pontos: a ontologia da

forma e a hagiografia (JOLLES, 1972) do ser humano representado na literatura. Por

ontologia, entendemos nesse artigo por um estudo das propriedades gerais do ser

(filosofia aristotélica) que, nesse caso, é o gênero conto, partindo de um

levantamento através de Auerbach (1970). Desse modo, encontramos

particularidades da linguagem do texto que agregam sentido a sua totalidade. Em

decorrência desse método, verificamos nos contos populares fusões na linguagem

de endeusamento de seres ao mesmo tempo que os transportam ao universo

autônomo do conto através do realismo mágico. Daí que a expressão hagiografia

aparece em nossa pesquisa: como uma transposição conceitual, portanto

metafórica, e cultural de denominação usava em seio cristão para outra realidade,

no caso, de Negrinha. Assim, abordamos o conto Negrinha (1922), de Monteiro

Lobato, pelo viés intrínseco e depois extrínseco de análise, no intuito de encontrar

no procedimento estético de construção da obra literária diálogos com aquilo que se

denomina externo ao texto literário, que é – nessa seara – o Brasil da Primeira

República.

O conto, publicado em livro homônimo no ano de 1922, é o terceiro de uma

linha cronológica que, segundo Beatriz Resende (2014, p.12),

[...] constrói a imagem do país, as imagens que apresenta da gente que o habita, as situações e os conflitos de seus personagens não só provocaram recepção favorável imediata como permanecem importantes no quadro da cultura brasileira sobretudo pela forma que Lobato, nestes textos, dá à realidade que quer mostrar, a da ficção.

Fica evidente, nesse contexto, que tratamos de um conto cujas relações com

o seu tempo são polêmicas ao mesmo tempo que denunciam a crueldade do

sistema republicano implantado no país.

Consideramos, doravante, que a forma do conto possui uma significância que,

soma ao conteúdo da linguagem, eleva o valor do texto literário por implicar em

trabalho estético, em escolha formal. Para abarcar o estado fenomenológico do ser –

a princípio, da criança, cuja percepção não captou as leis naturais e convencionais

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da realidade e, por isso, assegura-se sobre uma lógica desvencilhada dos aparelhos

ideológicos imperantes –, consideramos o seguinte: a protagonista Negrinha não é

apenas uma personagem criança, mas representa um ser humano que descobre a

sua condição no mundo e demonstra, sobretudo, a situação social do negro na

sociedade brasileira. Em complemento ao excerto de Resende (2014), as escolhas

formais de Lobato tornam latente uma extensividade (LUKÁCS, 2000) da vida vivida

antes mesmo de a criança reconhecer os aparatos ideológicos que a definem e é

nesse ponto que, mais adiante, propomos discutir a resistência humana.

Antes disso, a escolha do conto como forma fixa de expressão artística

suscita pensarmos na ontologia dessa estrutura. Segundo André Jolles (1972, p.

208), ―El Marchen […] es una forma artística en que se unen y pueden satisfacerse

dos tendencias de la naturaleza humana: la tendencia a lo maravilloso y el amor a lo

verdadero y natural.‖. Nessa perspectiva, podemos estabelecer um paralelo entre o

pensamento desse teórico e Resende (2014), pois a singularidade da representação

humana, de certo modo, é singular. Por isso, levamos em consideração a

possibilidade do maravilhoso se alicerçar na representação de Negrinha, na qual a

narrativa se concentra e sobretudo naquilo que há de mais humano na ação

fenomenológica do sujeito.

Em relação ao desejo pela verdade, esse aspecto naturalista de abordagem

presente no conto corrobora na denúncia de mazelas sociais (RESENDE, 2014), ao

mesmo tempo que se distancia do universo criado pelo conto. Esse encontro

estético de temperamento naturalista com a estrutura do conto – portanto a forma –

permite a atualização do sentido do conto ao mesmo tempo que reitera seus

princípios estéticos. Ao abordar a realidade no conto, Lobato permite que a forma

dialogue com a forma crônica e, consequentemente, move o texto pelos limítrofes

entre real e ficção.

O que assegura a ficcionalidade do texto é o fato de que toda produção

hagiográfica se pretende tal qual está ou no seu oposto. Jolles (1972) afirma que a

representação de sujeitos arquétipos na literatura se dá pelas suas virtudes ou pela

sua indolência e que, nos contos, não é diferente. A personagem do conto

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geralmente constrói um perfil a ser negado ou aceito como exemplo – a que se

chama de hagiografia do personagem. Os primeiros contos populares do ocidente

(AUERBACH, 1970) representavam – e existiram de fato – sujeitos que possuíam

algum vigor exemplar. No entanto, a fantasia que os acompanhavam servia como

um procedimento estético de mitologização do arquétipo, assegurando sua realidade

noutra instância. Surgem disso um traço estrutural, portanto de forma, no conto que

vale sua distinção das crônicas, novelas e outras formas narrativas: a construção do

mundo maravilhoso.

Negrinha, nesse sentido, é, para além de suas qualidades realísticas, um

conto imerso no universo maravilhoso, pois é próprio do conto uma realidade

verossímil, em que o maravilhoso pouco a pouco toma espaço e se distingue da

realidade na afirmação do espaço ficcional. Contudo, ainda segundo Jolles (1972), o

conto se torna uma forma simples por reger autonomamente um mundo para a

hagiografia9 do seu personagem, alicerçando um aspecto que Resende (2014, p. 13)

aponta em uma Lobato:

Contos andam aí aos pontapés, a questão é saber apanhá-los. Não há sujeito que não tenha na memória uma dúzia de arcabouços magníficos, aos quais para virarem obra de arte, só falta o vestuário da forma, bem cortado, bem cosido, com pronomes bem colocadinhos.

Os traços do maravilhoso são, dessa maneira, uma singularidade na forma do

conto que, por estar mais próximo da oralidade e em contato com modalidades de

discurso, promove fusões estruturais com o causo, por exemplo.

Si damos una mirada al campo del Marchen, reconocemos una multiplicidad de acontecimientos de índole diversa que parecen a su vez estar unidos por una característica forma de presentación. Si ahora, del mismo modo, intentamos acercar esta forma al mundo real, sentimos de inmediato que es

9 Entendemos por hagiografia, na mesma perspectiva de Jolles (1972), a construção semântica da

personagem, semelhante ao processo de construção da identidade dos santos de religiões. Negrinha, no conto, é um arquétipo enaltecedor da condição humana numa sociedade que marginaliza sua existência e inferioriza sua capacidade, marcando-nos e evocando em nós a afetividade ausente em seu tempo. De igual modo, formam-se os perfis santos, cujas dificuldades existências salientadas ressaltam sua nobreza e beleza.

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imposible; no porque los sucesos o acontecimientos deban ser en el Marchen de naturaleza maravillosa, mientras en el mundo real no lo son, sino porque tal como los encontramos en el Marchen, sólo pueden imaginarse dentro de él. Dicho brevemente: podemos muy bien acercar el mundo real al Marchen, pero no el Marchen al mundo real. (JOLLES, 1972, p. 211).

Em Negrinha, essa característica se firma na representação da criança,

exatamente pela sua anti-hagiografia e a distância da realidade latente. O

temperamento naturalista-nacionalista do narrador visualiza/narra aquilo a ser

negado, ao que deverá não-ser. Estabelecemos assim um paralelo no conto – o seu

contradiscurso enraizado no discurso do conto. A desumanização de Negrinha e

toda ação que coisifica sua existência geram um discurso contrário de humanização

e de elevação da sua existência. Cria-se, desse modo, dois eixos de hagiografia do

humano em que um concentra o menos humano e o outro o mais humano. Em

nosso ver, a ironia é um recurso utilizado por Lobato para desestruturar o sistema

que determina o sujeito à coisificação, porque cria um ambiente de contra

argumentação, como nesse trecho:

O Treze de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo. — Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!... (LOBATO, 2014, p. 308).

Nesse trecho, a representação da criança move sua condição para mais próximo do

menos humano, enquanto que eleva a condição humana da senhora. Nosso olhar

aqui busca vislumbrar essa mobilidade de Negrinha até o ponto em que desafia a

condição de humanidade da senhora. Mover-se, nessas condições, é de certo modo

reivindicar sua condição de ser humano, o que para a personagem infantil é sempre

resultado de castigo. Para a personagem Negrinha, ainda aquém de todo aparato

ideológico que a classifica socialmente, tais repreensões não possuem sentido e,

quando passam a ter sentido, desfalece.

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A autonomia do conto em relação a realidade permite que este a represente

de modos inaceitáveis, como os acontecimentos que envolvem Negrinha. Tais

acontecimentos constroem a hagiografia da personagem que corresponde a uma

classe e também a sua condição de coisa/objeto. Entender a protagonista desse

modo, permite-nos uma leitura de si como resistência – não em um sentido militante,

mas puramente fenomenológico –, pois é a partir do seu ato/presença que o algoz

age. Essa representação da condição humana corrobora com o princípio de que os

valores sociais aprisionaram sem prender fisicamente o brasileiro, sobretudo no

início do século XX no Brasil: um país que caminhava entre o conservadorismo e o

pensamento de vanguarda (RESENDE, 2014).

2 Sujeito e resistência

A personagem de ficção é antes de tudo uma intencionalidade (CANDIDO;

ROSENFELD, 1968). Ao determinar os modos de representação de uma entidade

fictícia através da forma do conto e pelo temperamento estético naturalista, Lobato

intenciona criar uma realidade subvertida. Nesse espaço de ação, os

acontecimentos dialogam com a realidade sem, contudo, fidedignidade. O

maravilhoso que constitui o universo do conto constrói os parâmetros de sua

organicidade e legitima sua verossimilhança (JOLLES, 1972).

Nesse sentido, os acontecimentos que envolvem Negrinha reclamam o seu

oposto. No protagonismo da personagem reside a intenção de se descontruir a ideia

de inferioridade do ser humano por fatores socioculturais e étnicos. Galastri (2006)

identifica em pelo menos quinze contos de Lobato a tendência a desconstrução da

realidade, em que a ironia é trabalhada para denunciar as mazelas da sociedade.

Desse modo, o racismo é uma das questões representadas nos contos, pois o Brasil

de Lobato é aquele que acaba de abolir a escravatura e não perdera seus modos

conservadores. Formighieri (2017) disserta sobre esse assunto no intuito de

esclarecer qual seria a ontologia dessa temática nas obras do escritor, se

facultativas do gênio ou representação da realidade de seu tempo.

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Podemos considerar que a utilização de recursos linguísticos que geram um

contradiscurso, como a adjetivação irônica do algoz de Negrinha, e a presença

marcante de questões raciais no texto propiciam uma distensão da condição

humana através do conto. Com alguns acontecimentos – de natureza cruel e que ao

mesmo tempo enaltece a inocência de Negrinha – notamos que o texto literário ―[...]

transforma o estado [a situação] em processo, em distensão temporal. Somente

assim se define a personagem com nitidez, na duração de estados sucessivos.‖

(CANDIDO; ROSENFELD, 1968, p. 13).

A personagem ganha legitimidade quando é colocada numa realidade aquém

a do leitor, propiciado pelas instâncias estruturais do conto. A narrativa do passado

não apenas conta, mas determina algo imutável, exatamente como era o caso dos

contos populares, segundo Auerbach (1970), que precisavam da fantasia para não

serem postos ao julgamento da verdade. Funciona assim o conto como um relator

da situação exemplar, ou, como vimos, de uma anti-hagiografia para ser negada.

Nesse sentido, Tavares (2014) discute a potencialidade desconstrutiva na escrita de

Lobato a respeito da criança como instrumento de trabalho ou coisa.

Negrinha pode ser lido como uma representação mágica da resistência

humana, pois apresenta em seu protagonista a intencionalidade contrária daquilo

que lhe exige a organicidade do mundo. Negrinha sempre age de modo não

coerente à exigência e isso configura sua resistência enquanto sujeito, enquanto ser

humano, se pensarmos nos eixos mais humano e menos humano. Toda força de

atitude na personagem vem do seu anseio puro de conhecer o mundo que lhe é

negado, não há na sua formação aspectos da intenção objetiva senão a intenção

puramente fenomenológica (Bachelard, 1993) da criança que ainda não absorveu os

parâmetros comuns de vivência social.

O rompimento por Negrinha dos parâmetros da realidade estabelecida nos

permite compreender a resistência do sujeito diante das imposições sociais que,

nesse contexto, delegam a inferioridade do negro. Negrinha e as outras

personagens crianças do conto são isentas de dados culturais que as separam em

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mundos sociais distintos e, por isso, a protagonista sofre as penalidades da

transgressão. Vejamos neste trecho:

Do seu canto na sala do trono Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo. Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos. Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos o som cruel de todos os dias: ―Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga?‖. Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral — sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos —, a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre. (LOBATO, 2014, p. 310).

Configurar esse dado na linguagem literária exige do escritor destreza em

combinar a crueza da realidade com o mundo da ficção ao ponto de suplantá-la.

Jolles (1972) diz que a legitimação de uma personagem arquetípica, nesse caso de

contradiscurso, deve ocorrer em pretérito absoluto porque permite a sua

mitologização.

3 Considerações

A urdidura das questões temáticas e a estrutura do conto, considerando

também as escolhas formais de representação da personagem no plano da

linguagem, estabelece o procedimento estético da obra. A singularidade da escrita

de Lobato perscruta o universo mágico no intuito de legitimar a desigualdade

recorrente na história do nosso país. Entendemos, dessa forma, que a condição

humana é representada em Negrinha é uma transfiguração da resistência do sujeito.

Regina Dalcastagnè (2017) trata de resistência como um fenômeno pelo qual não se

pode passar indiferente. E não devemos passar por Lobato sem mencionarmos essa

militância pela igualdade e equidade social entre os homens – que, de certo modo,

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caminha na contramão dos aspectos xenofóbicos e racistas atribuídos à literatura

desse escritor.

Em verdade, o temperamento naturalista-nacionalista presente em nossos

autores brasileiros nos tenta uma leitura referencial, mas cogitemos sempre que o

mundo da ficção é outro. Mesmo que seja um romance histórico e documental como

é o caso de Triste Fim de Policarpo Quaresma e Os Sertões, há sempre uma

intencionalidade na obra artística; necessariamente precisamos recorrer a forma

para compreender o procedimento estético alinhavado às temáticas que encorpam o

enredo da obra. O mesmo para o gênero conto, sobretudo de Monteiro Lobato, é

válido.

Referências

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BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antonio de Pádua Danesi:

revisão da tradução Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura e resistência no brasil hoje. In: Suplemento Pernambuco - Literatura e resistência no Brasil hoje, agosto de 2017. Disponível

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Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. doi:10.11606/T.8.2014.tde-22012015-182220. Acesso em 17 de jul. 2018.

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ANÁLISE DOS EFEITOS DE SENTIDOS DA MÚSICA PAIS E

FILHOS

ANA BEATRIZ SANTOS BRAZ

SARA ALMIEIRA DA ROCHA

Instituto de Educação Agricultura e Ambiente Universidade Federal do Amazonas

Rua Circular Municipal, n° bloco 1, 698000-000

[email protected] [email protected]

RESUMO: O presente trabalho traz as questões da ideologia, do sujeito e as interpelações que estes introduzem em um indivíduo através de seus discursos. O que está em questão é a relação entre os pais e os filhos e as consequências que podem causar estes conflitos familiares. O principal objetivo foi identificar quais ideologias da sociedade Renato Russo são abordadas na música “Pais e Filhos”, uma vez que esta relação é um exemplo de submissão e assujeitamento sobre o outro; além disto, aborda-se o injusto julgamento que os filhos fazem sobre os pais, sem se colocar no lugar destes. Este artigo se justifica porque pretende-se entender os conflitos existentes na constituição familiar e a maneira como este aparelho ideológico interfere nos demais. Foi utilizado como base para a estruturação deste artigo, reportagens de revistas como a Istoé; Época; G1 e autores como Brandão (2002), Claras (2015), Orlandi (1999) entre outros. A música “Pais e Filhos” de Renato Russo foi a base para esta discussão.

PALAVRAS-CHAVES: Pais, Filhos, Ideologia, Discurso

ABSTRACT: The present work brings the questions of ideology, the

subject and the interpellations that they introduce in an individual through

their speeches. The focus in question is the relationship between parents

and children and the consequences that can cause these family conflicts.

The main objective was to identify the ideologies of Renato Russo society

in the songs "Parents and Children", since this relationship is an example

of submission and assembling on the other, besides, it addresses the

unfair judgment that the children make about the parents, without putting

themselves in the place of these. This article is justified because it is

intended to understand the origin of the conflicts existing in the family

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constitution and the way in which this ideological apparatus interferes in

the others. It was used as basis for the structuring of this article, reports of

magazines like Istoé; Époa; G1 and authors such as Brandão (2002),

Claras (2015), Orlandi (1999) among others. The song "Pais e Filhos" by

Renato Russo was the basis for this discussion.

KEYWORDS: Parents, Children, Ideology, Speech.

1 Introdução

O trabalho em questão trata da reflexão existente nas músicas do cantor e

compositor Renato Russo. Este, foi um grande influenciador dos jovens de sua

época e continua sendo para a juventude atual, uma vez que ele aborda em suas

canções situações que dizem respeito ao cotidiano familiar. Sua grande inspiração

foram os altos e baixos de sua vida; alguns destes problemas serão expostos no

decorrer deste trabalho.

Tivemos como objetivo, descrever o imaginário sobre o sujeito que está

representado na letra da música. Neste caso, não deve se pensar essencialmente

nas imagens produzidas sobre os jovens, mas também nas imagens produzidas

sobre os pais destes, ambos são sujeitos a falhas uns com os outros; além disto,

identificar as posições ideológicas apresentadas por Renato Russo sobre valores

familiares, pois estas têm uma grande influência nos demais aparelhos ideológicos

e, por último, discutir sobre o sujeito e a ideologia na juventude.

O artigo está composto em um resumo, uma introdução e duas seções, a

primeira seção encontra-se dividida em cinco subtópicos, a primeira diz respeito ao

indivíduo e sujeito, a segunda linguagem e a subjetividade, a terceira discurso,

enunciados e formação discursiva, a quarta assujeitamento histórico, a quinta

Renato Russo e suas posições ideológicas. A segunda seção refere-se aos conflitos

entre ―Pais e Filhos‖ presentes na música e por fim, uma conclusão e referência

bibliográfica.

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2 Indivíduo e Sujeito

Todos nascem indivíduo, ninguém nasce com ideologias prontas. Segundo

Lowy (1995, p. 13) ―ideologia é o conjunto de concepções, ideias, representações,

teorias, que se orientam para a estabilização, ou legitimação, ou reprodução, da

ordem estabelecida‖. Desta forma, cada sociedade tem suas ideologias, e isto,

interpela cada um por meio de aparelhos ideológicos. Os aparelhos ideológicos,

segundo Althusser (1985, p. 69) ―funcionam através da ideologia‖.

A família é o primeiro meio em que o ser humano tem contato com costumes

e ideias, à medida em que ele é educado, adquire os costumes familiares para si,

deixando de ser indivíduo para ser sujeito. Conforme cresce, o indivíduo estabelece

contato com outros aparelhos ideológicos, como por exemplo a escola, no qual o ser

humano convive constantemente com diversas maneiras de pensar, pois, cada um

presente naquele ambiente cresceu com ideologias familiares distintos. Para formar

sua concepção ideológica o sujeito será interpelado pela sociedade em que está

inserido, por estar mantendo relações com o meio em que vive

Desta forma, constitui-se o sujeito interpelando o indivíduo por meio de

ideologias. Apesar do mesmo achar ser um indivíduo consciente e dono de suas

opiniões, ele não passa de um indivíduo interpelado pelos enunciados da dimensão

social, tendo todos eles uma só doutrina. Por isso, cada sujeito tem opiniões

diversas, apesar de pertencer à mesma classe social, eles crescem em aparelhos

ideológicos distintos, como as igrejas, a escola, a política, família, etc. Sobre isso,

Althusser (1985, p. 70) afirma que ―a escola, as igrejas ―moldam‖ por métodos

próprios de sanções, exclusões, seleção etc... não apenas seus funcionários, mas

também suas ovelhas. E assim a família... assim o Aparelho IE cultural (a censura,

para mencionar apenas ela)‖ cada aparelho tem uma maneira de passar seus

valores.

Portanto, o Aparelho de Estado é composto pelo governo, a administração, o

exército, a polícia, os tribunais, as prisões, entre outros, e são caracterizados pela

violência; já os Aparelhos Ideológicos do Estado, são caracterizados pela ideologia

que exercem. A mídia tem grande influência para a atual juventude, é através dela

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que os interlocutores são interpelados pelos princípios de outros. Temos como

exemplo as músicas de Renato Russo, que até hoje interpelam a sociedade por

apresentar um forte discurso – sentido – e pela identificação que muitos sujeitos

adquirem conforme o contexto em que se apresentam.

2.1 Linguagem e a Subjetividade

A língua não se confunde com a linguagem, entretanto é essencial para que a

mesma seja colocada em prática. Em decorrência disto, torna-se impossível falar da

língua sem mencionar o papel da linguagem, pois uma complementa a outra. A

língua é um ato convencional e natural, ela é algo pertencente a determinado grupo

social e que acontece naturalmente por meio da capacidade humana, assim como

afirma Saussure:

A esse princípio de classificação poder-se-ia objetar que o exercício da linguagem repousa numa faculdade que nos é dada pela Natureza, ao passo que a língua constitui algo adquirido e convencional, que deveria subordinar-se ao instinto natural em vez de adiantar-se a ele. (2006, p. 17)

Ela é o meio para reproduzir as ideias e sentimentos, e isto é possível através

dos signos. A língua só se torna algo concreto pelo fato de estar na massa coletiva,

pertencente a um determinado grupo social, e a partir disto, ela faz a unidade da

linguagem, uma vez que, sem a capacidade de comunicar-se coletivamente esta não

seria colocada em prática. Dessa maneira que a língua se perpetua na história, pois

tudo que é dito é materializado e fixado.

Existe na linguagem o aspecto individual e o aspecto social, segundo

Saussure são ―impossível conceber um sem o outro‖. A questão social diz respeito a

língua em si, aquilo que pertence a toda comunidade ―a língua existe na

coletividade‖ (SAUSSURE, p. 27); a questão individual seria a fala, pois os sujeitos

introduzem suas particularidades.

A linguagem faz do homem um ser repleto de ideias e isto é o que diferencia

ele dos animais. Segundo Bagno (2007, p. 9) ―só existe língua se houver ser

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humano que a falem‖, portanto, ela é uma característica especial do homem, sendo

indispensável para a diferenciação dos homens em relação aos animais – no qual se

comunicariam apenas por códigos de sinais, sem a capacidade de pensar.

Além disso, a linguagem serve para representar tudo aquilo que existe, que

não existe, que está presente e que está ausente. Para Benveniste a subjetividade é

fundamental para a constituição do sujeito e através dela acontece a subjetividade

enquanto capacidade do locutor se propor como sujeito na e pela linguagem, no qual

ocorre o conflito entre o locutor e alocutor, e a interpelação entre ambos, pois um

complementa o outro.

2.2 Discurso, Enunciados e Formação Discursiva

O sujeito tem uma incessante busca por um lugar na sociedade, querendo ser

reconhecido pelo que fala e pela influência que exerce sobre os demais. Desta

maneira, formam-se um discurso através de outros enunciados, por isso, é possível

em apenas um discurso várias vozes se presentificarem ―o discurso não é

simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo

por que, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar‖ (FOUCAULT,

1996, p. 10). Existem diversas formas de discursos: políticos, familiares e religiosos

– todos com o propósito de interpelar o outro, uma vez que, exprime uma só ideia.

Segundo Orlandi ―O discurso é assim palavra em movimento, prática da linguagem:

com o estudo do discurso, observa-se o homem falando‖ (1999, p. 15) ele é o que

mantem a linguagem ativa.

O enunciado é um embate de ideias, entre o locutor e o alocutor. O locutor é o

transmissor delas, é o que toma a palavra, e o alocutor é emissor, correspondendo

respectivamente ao ―Eu‖ e ao ―Tu‖. Aquele indivíduo que toma a palavra se torna o

Eu e necessariamente implanta-se uma outra face, o Tu. nesse sentido, o Eu está

acima do Tu, entretanto, nenhum dos dois tem continuidade sem o outro, ocorrendo

também a troca de papéis. Como afirma Helena Brandão ―em oposição ao Eu e ao

Tu que têm a marca de pessoa, tem-se o Ele, a não-pessoa (o ―ausente‖ dos

gramáticos árabes) que, não tendo a marca da pessoa, não refere um indivíduo

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específico‖ (2002, p. 49). Em um enunciado, nem o locutor e o alocutor são

passivos, ambos trocam de papéis tomando a palavra no decorrer da interação.

Em outros termos a formação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas. São as formações ideológicas que, em uma formação ideológica específica e levando em conta uma relação de classe, determinam ―o que pode e deve ser dito‖ a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada. (BRANDÃO, 2002, p. 47/48).

Sem discurso não seria possível obter relações e nem ser uma sociedade,

pois, a sociedade caracteriza-se em uma massa que seguem determinadas

ideologias. Sem o discurso não haveria enunciados para serem materializadas em

formações ideológicas, pois não haveria interação, enunciado e nem interpelação.

Antigamente era considerado que um enunciado carregava apenas uma FD

(formação discursiva). Mais tarde, entretanto, foi preciso repensar de que forma os

discursos se equivalem em seu interior.

A formação ideológica e formação discursiva são adquiridas através da

identificação com determinada ideologia, permitindo-se ser interpelado por isso, e

dessa forma o sujeito se insere em determinado grupo social. Estes grupos

estabelecem relações de aliança, antagonismo ou dominação, pelas suas posições

políticas e ideológicas. Se ele é dialógico, é fato que obtém uma interação,

porquanto não existe discurso sem interação, ninguém interage sozinho, todos

necessitam do outro. É no diálogo e exteriorização de seus pensamentos que o ser

humano é subjetivo.

De acordo com a sociedade em que está inserido, o sujeito se depara com

diversas ideologias, e por causa dos sentidos que as ideologias apresentam, ele se

identifica inconscientemente com determinadas FD:

Essa interpelação ideológica consiste em fazer com que cada indivíduo (sem que ele tome consciência disso, mas ao contrário, tenha a impressão de que ele é o senhor de sua própria vontade), seja levado a ocupar seu lugar em um dos grupos ou classes de uma determinada formação social. (BRANDÃO, 2002, p. 46).

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Aquilo que ele enxerga como um discurso coerente, passa a ter sentido, ao

contrário dos demais. Segundo Orlandi (1999, p.43) ―as palavras não têm um sentido

nelas mesmas, elas derivam seus sentidos nas formações discursivas em que se

inscrevem‖, não há sentido nas palavras, o que o traz é a maneira como o locutor

produz seu discurso: a coerência, a memória discursiva, a convicção que ele relata e

etc. Orlandi diz que, a memória discursiva ―sustenta o dizer em uma estratificação de

formulações já feitas mas esquecidas e que vão construindo uma história de

sentidos‖ (1999, p.54), ou seja, os discursos se perpetuam na história e conforme o

tempo passa e se torna um argumento para os discursos de outros interlocutores.

2.3 Assujeitamento histórico

Durante toda história o homem conviveu com algum tipo de domínio, e

conforme a sociedade evoluía, a forma de domínio sobre os mais fracos também

evoluiu. Corroborando com esta afirmação, Orlandi argumenta (1999, p.50) ―Ele é

capaz de uma liberdade sem limites e uma submissão sem falhas‖: a partir do

momento que o homem toma consciência de si, ele age para mudar a submissão em

que está inserido, mas inconscientemente é introduzido a outro tipo de domínio, pois

o ser humano sempre terá esta vontade de ter domínio sobre algo e ao mesmo

tempo, terá aqueles que se submetem a isto, sendo assujeitados pelos discursos

mais poderosos. Conforme Orlandi (1999, p.50) ―Esta é base do que chamamos de

assujeitamento‖. Sem o outro, o ser humano não se torna consciente de si mesmo.

A sociedade atual brasileira não vive um domínio direto sobre poder absoluto,

como em outras épocas da ditadura ou colonização. Entretanto, vive um domínio

indireto político, em que eles argumentam ser uma política democrática, mas tomam

decisões que a população não está de acordo. Desta forma, introduzem seus

discursos, que de alguma forma, determina os dizeres, os sentidos, de algumas

posições do sujeito. Conforme Orlandi (1999, p.51) ―Submetendo ao sujeito, mas ao

mesmo tempo apresentando-o como livre e responsável, o assujeitamento se faz de

modo a que o discurso apareça como um instrumento (límpido) do pensamento e um

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reflexo (justo) da realidade‖, aqueles que estão expostos a algum tipo de submissão,

faz-se acreditar que aquela realidade é algo justo, não se tratando de um poder

sobre ele.

2.4 Renato Russo e suas ideologias

Renato Manfredini Júnior foi um grande cantor e compositor da música

nacional brasileira, memorado até os dias atuais. Na juventude foi para os Estados

Unidos, por causa do trabalho de seu pai e lá teve grande influência em sua carreira

de músico. Ao voltar para o Brasil, fica doente e começa a produzir as letras de suas

músicas compulsivamente. Não previu o poder que suas músicas tinham sobre a

juventude e nem que iam ter esse poder até hoje. O indivíduo encontra certa

semelhança no que o cantor fala e se identifica. Desta forma, deixa-se ser afetado.

Ao formar uma banda, denominada ―Aborto Elétrico‖, é responsável pelo estouro

musical em Brasília na década de 80 e pelo surgimento de outras bandas.

Ao ler sobre a vida dele, fica perceptível os conflitos psíquicos que ele

convivia diariamente. Sua vida foi repleta de altos e baixos e, sem dúvida, isto

contribuiu para suas canções, como, por exemplo, o problema com seus pais. Sua

mãe relata, em uma entrevista, que apenas soube que o filho tinha aids quando ele

morreu, pois foi noticiado na TV: ―Ela soube pela tevê que o filho tinha Aids, horas

depois da morte de Renato Russo, em 11 de outubro de 1996. ―À noite, ouvi na tevê:

‗Morreu hoje de Aids o cantor Renato Russo‘. Foi um choque.‖ (istoé, 2017). Além

disto, fica claro que ele não tinha a aceitação do pai. Uma de suas amigas revela

que, antes de morrer, ele queria a presença do pai ―ele queria provas do amor do pai

e de que ele o aceitava como gay e alcoólatra‖ (istoé, 2017).

Estes fatos contribuíram para suas canções. Segundo uma reportagem da

Globo (2013) ―Renato Manfredini Junior deu lugar ao contestado compositor Renato

Russo, nome inspirado no filósofo e compositor Jean-Jacques Rousseau e no

filósofo matemático Bertrand Russell‖, bem como ele procurava em outros filósofos e

literatos tentar explicar seus sentimentos, como por exemplo na música ―Monte

Castelo‖ em que cita Camões ―o amor é fogo que arde sem se ver...‖. Renato era

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movido a amores, inclusive platônicos. Em seu diário relatou o amor platônico que

sentia por Dado Villa-Lobos, integrante da mesma banda que ele.

Renato tinha um discurso com um grau de sentido muito alto, pois falava dos

problemas de uma forma muito real, de forma que fazia com que as pessoas que

passavam/passam por aquelas situações se identificassem. Todos imaginavam ele

como um gênio, entretanto apenas falava de coisas que estavam presentes na

sociedade há muito tempo, ou seja, atualizando uma memória, com a qual as

pessoas se identificavam naquelas condições de produção do discurso. Foi um

grande influenciador da juventude da época, por ser bastante presente em suas

letras questões políticas, como em ―Que país é este‖ composta por ele. Pode-se

identificar na música “Pais e filhos” o contexto familiar e, em seguida, a forma como

este aparelho ideológico interfere em todas as outras relações da sociedade.

Sobre as posições ideológicas tomadas por Renato referente aos valores

familiares, primeiramente, ele expõe os conflitos presentes neste aparelho

ideológico. Como colocado anteriormente, todo ser humano tem o objetivo de

dominar alguém, e as famílias tem este objetivo de manter seu domínio sobre seus

dependentes – os filhos. Orlandi afirma (1999, p. 40) ―como nossa sociedade é

constituída por relações hierarquizadas, são relações de forças, sustentadas no

poder desses diferentes lugares, que se fazem valor na ―comunicação‖. A fala do

professor vale (significa) mais que a do aluno‖, ou seja, os pais tentam manter

domínio sobre seus filhos, uma vez que eles possuem mais experiência e outros

domínios.

Desta forma, acontece um embate entre pai e filho, já que, cada um tem suas

posições ideológicas, por pertencerem a épocas diferentes e conviverem com

pessoas de acordo com suas faixas etárias. Como por exemplo, os filhos pertencem

a um mundo moderno e ainda que os pais vivam neste mundo, muitas de suas

ideologias foram formadas na juventude, em outro contexto histórico.

Se os pais forem cristãos, passarão aos filhos a respectiva crença, por

―participar de certas práticas regulamentadas que são as do aparelho ideológico do

qual dependem as ideias que ele livremente escolheu, em plena consciência

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enquanto sujeito‖ (ORLANDI, 1999, p. 90). Eles acreditam que suas posições

ideológicas são as corretas e desejam que os filhos sigam os mesmos caminhos,

isso é o próprio da ideologia produzindo evidências de sentido. Os pais fazem o seu

papel enquanto sujeito dotado de consciência ―imprimindo no ato de sua prática

material as suas próprias ideias enquanto sujeito livre. Se ele não o faz, algo vai

mal‖. Dessa maneira, ocorre a formação discursiva e nela os enunciados, os

sentidos em disputa, cada um defendendo suas ideias por meio do discurso.

3 Os conflitos entre “Pais e Filhos” presentes na música

A canção pais e filhos promove uma automática reflexão ao ser ouvida. Ela

contém uma melodia triste e uma letra que faz as pessoas refletirem sobre suas

atitudes, sobre que tipo de pai ou mãe será no futuro. Rezende (2012 - online) relata

uma entrevista de Renato Russo, na qual ele afirma que "Pais e filhos é

especificamente sobre a nossa situação [dos componentes da Legião], pois nós três,

agora, somos pais. E este disco é extremamente universal, não está ligado ao

momento. Daqui a 20 anos, vamos poder ouvir Pais e Filhos", ou seja, são situações

que se perpetuam na história, é o aparelho ideológico mais intrigante levando em

consideração o lado emocional.

Os pais são indivíduos interpelados como todos, e eles querem dar condições

a seus filhos que imaginam ser as de um bom cidadão. Entretanto, nos imaginários

dos filhos isto pode ser feito de outra maneira e não da maneira que os pais

determinam. Em uma parte da música é abordada a questão dos filhos nunca se

colocarem no lugar dos pais, sempre julgá-los ao invés de compreendê-los ―você

culpa seus pais por tudo, isso é absurdo são crianças como você o que você vai ser

quando você crescer‖, os filhos um dia serão pais e cometerão os mesmos erros.

Este aparelho ideológico causa bastante conflitos internos; os pais querem deixar

seus filhos assujeitados, pois, como dito anteriormente, todo ser humano tem a

necessidade de manter domínio sobre o outro e a relação Pai/Filho não deixa de ser

um exemplo disto.

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O sujeito da música seria o locutor, ou seja, o Eu ―Sou uma gota d'água

Sou um grão de areia‖, que fala para o alocutor, o Tu ―Você me diz que seus pais

não te entendem, mas você não entende seus pais‖ e ainda coloca uma terceira

pessoa, o Ele. O Ele descreve a história de uma menina que se suicidou por conflitos

com os pais ―ela se jogou da janela do quinto andar nada é fácil de

entender‖. ―Na música, quando o ―eu‖ se refere ao papel de pais, o ―tu‖ diz

respeito aos filhos e vice-versa‖ (CLARAS, 2015), podemos notar que a

música traz diferentes vozes e apresenta os conflitos existentes dentro das

constituições familiares, como o divórcio, abandono e o suicídio:

Ao contrário do que muitos pensam, a canção conta a história de uma menina que se suicida após várias discussões e desentendimentos com seus pais. A letra é fabulosa por começar do suicídio e só depois explicar os motivos. Além disso, o refrão é uma lição de vida que diz que devemos amar as pessoas todos os dias, porque o amanhã pode não existir. (Freitas, 2011)

A música seria uma explicação para os motivos que levou a menina a

cometer suicídio.

A canção em si trata de questões familiares, como o próprio nome diz e todos

os enunciados giram em torno destas relações, como afirma CLARAS (2015):

Todas as escolhas do enunciador, por meio da delegação da voz, projetando diferentes instâncias enunciativas, ou entendidas como discurso indireto livre, têm o propósito de chamar a atenção do enunciatário para questões acerca das relações, conflitos e modelos familiares

O locutor também coloca a questão do assujeitamento na relação pai/filho em

outro momento da música. Quando ele cita que ―meu filho vai ter nome de santo

Quero o nome mais bonito‖ assumindo o papel de um futuro pai, determinando o

modo em que ele pretende moldar seus filhos ―são versos que apontam o lado

sonhador dos pais, que desejam filhos saudáveis, que sejam como santos, isto é,

pessoas boas‖ (CLARAS, 2015). Inconscientemente, ele já faz planos de agir como

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seus pais e interpelar o filho de acordo com suas crenças, seus costumes e etc. sem

que o filho tenha a oportunidade de escolher seu caminho.

A questão do divórcio e abandono também predomina na música. O locutor

deixa isso de uma maneira bem clara, quando diz ―Eu moro com a minha mãe, mas

meu pai vem me visitar eu moro na rua, não tenho ninguém eu moro em qualquer

lugar‖, como afirma (CLARAS, 2015):

Dentre estes está o divórcio, que institui uma nova relação, um modelo diferente de relacionamento entre pais e os filhos, ou seja, filhos que moram com as mães e recebem a visita do pai. Na música discute-se ainda a questão do abandono, crianças que vivem na rua, em qualquer lugar.

Por fim, nesta música é relatado os diversos problemas de relação entre pais

e filhos. Estes conflitos podem chegar em atitudes de extrema rebeldia, como por

exemplo, tirar a própria vida, os conflitos que cercam o universo familiar, elencados

na sintaxe discursiva, podem ser as razões para o suicídio. Porém os filhos um dia

entenderão os discursos paternos, uma vez que também se tornarão pais.

4 Conclusão

Diante dos resultados apresentados pode-se considerar que a constituição

familiar nem sempre tem a melhor relação para os filhos. Esta pode conter

problemas, conflitos de sentidos, como divórcio, abandono, suicídio, embates entre

pais e filhos, entre outros conflitos. Estes problemas afetam a formação ideológica

dos filhos, uma vez que cada um convive em diferentes aparelhos ideológicos e tem

a intenção de seguir suas próprias ideologias, mas os pais querem impor um

assujeitamento de suas ideologias nos filhos, formando os conflitos e embates entre

ambos.

Porém nem sempre os filhos se colocam no lugar dos pais para procurar

entendê-los. E a música retrata esta questão, uma vez que todos crescem,

constituem uma família e agirão provavelmente da mesma maneira, querendo impor

suas ideologias sobre o outro. O discurso funciona desta forma, quando faz sentido

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para o sujeito, este acaba tentando passar/impor como evidente, verdade, para

outros.

Pode-se concluir que não há sentido sem ideologia, o que há são sentidos em

circulação em diferentes condições de produção na sociedade e na história. Há

outros aparelhos que podem determinar o processo de produção de sentidos (como

a mídia), e estes podem se identificar melhor do que dentro daquele aparelho no

qual cresceu. Por isso sempre ocorrerá este embate entre pais e filhos, e isto diz

respeito ao materialismo histórico predominante na sociedade.

Referências

BARRETO, André; CARNEIRO, Claudia. Renato Russo Do inferno ao céu: 2017 (on-line). Disponível em:

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BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução à Análise do Disurso. 8. Ed. Campinas-

SP: Editora da Unicamp,2002.

FREITAS, Gustavo. Pais e filhos – Legião Urbana, 2011 (on-line). Disponível em:< https://musicasbrasileiras.wordpress.com/2011/02/15/pais-e-filhos-legiao-urbana/> acesso em: 10 nov. 2017.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Trad. Laura F. de Almeida Sampaio. Loyola. São Paulo, 1996.

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GÊNEROS TEXTUAIS COMO INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS: ESTUDOS E REFLEXÕES DA PRÁTICA

EDUCATIVA

ANA KELY DE SOUZA VIANA E-mail: [email protected]

ELIZANE ASSIS NUNES E-mail: [email protected]

GLEIDENIRA LIMA SOARES E-mail: [email protected]

Resumo. O presente artigo aborda as possíveis possibilidades de intervenções educativas com gêneros textuais no 4º ano do ensino fundamental, tal escolha deu-se por nos depararmos com alunos, nessa etapa do ensino, que ainda se encontram em processo de alfabetização. Partindo da problemática de como trabalhar gêneros textuais em sala de aula para promover a aprendizagem da leitura e da escrita, a metodologia foi pesquisa-ação, utilizando-se como instrumento de estudo a observação em campo na escola pública da rede municipal de ensino, na cidade de Guajará-Mirim. O aporte teórico foi embasado nas pesquisas desenvolvidas por CHAVES (2014); CAGLIARI (1998); GOMES e MORAES (2013); SOARES (2017); TRAVAGLIA (2013). Vale ressaltar que os teóricos e/ou cientistas asseguram que no 4º ano do ensino básico os educandos já deveriam estar alfabetizados, porém muitos ainda não estão sabendo ler e escrever nessa fase. Assim, nas considerações finais podemos afirmar que existe a possibilidade de realizar intervenções pedagógicas com o uso de gêneros diversos, sejam textos literários (poesia, fábula e parlenda), orais ou escritos, intervenções essas que servem para consolidar a junção da alfabetização e do letramento nas perspectivas das facetas: linguística, interativa e sociocultural.

Palavras-Chave: Alfabetização. Práticas Educativas. Gêneros textuais.

Abstract. This article addresses the possible possibilities of educational interventions with textual genres in the fourth year of elementary school, such choice was given by believing that students at this stage of teaching, are still in the process of literacy. Starting from the problematic how to work textual genres in the classroom to promote the learning of reading and writing, thus, the methodology was research-action, used as an instrument of study the field observation, public School of the network Municipal education system, in the city of Guajará-Mirim. The theoretical contribution was based on the researches developed by Chaves (2014); CAGLIARI (1998); GOMES and MORAES (2013); SOARES (2017);

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TRAVAGLIA (2013). It is worth pointing out that theorists and/or scientists ensure that in the 4th year of basic education the students should already be literate, and many are still not knowing how to read and write. Thus, in the final considerations we can affirm that there is the possibility of carrying out pedagogical interventions with the use of different genres, whether literary texts (poetry, fable and speech), oral or written, which serve to consolidate the junction of literacy and literacy in the perspectives of the facets: linguistic, interactive and sociocultural.

Key Words: Literacy. Educational Practice. Genres textual

1 Introdução

Abordamos sobre as intervenções educativas com o uso de gêneros textuais

no 4º ano do ensino fundamental, município de Guajará-Mirim, por acreditar que

conhecemos algumas realidades em que alunos nessa etapa do ensino, ainda

encontram-se em processo de alfabetização, vale ressaltar que os teóricos e/ou

cientistas asseguram que em tal ano os educandos já deveriam estar alfabetizados,

e muitos ainda não estão sabendo ler e escrever. Para efetivar a referida proposta

adentramos em uma instituição da rede publica de ensino.

Em virtude dos argumentos apresentados embasamos nossa pesquisa no

assunto que vem sendo discutido por diversos pesquisadores da educação. Alguns

desses autores estão fundamentando esse artigo como: Soares (2017); Cagliari

(1998); Travaglia (2013); Gomes e Moraes (2013), dentre outros.

Nesse sentido, objetivamos investigar as possibilidades de intervenções

pedagógicas com o uso de gêneros textuais no 4º ano do ensino fundamental para a

promoção da aprendizagem da leitura e da escrita. Não pretendíamos fazer uma

retrospectiva do que o aluno aprendeu ou deixou de aprender, mas, sobretudo

discutir a alfabetização e o letramento desses alunos e as intervenções pedagógicas

possíveis para fomentar o exercício da aquisição da leitura e da escrita.

A metodologia foi pesquisa ação, usamos como instrumento de pesquisa a

observação em campo, na qual convivemos com 27 alunos de uma escola pública

municipal localizada em Guajará-Mirim. Nas considerações ressaltamos a existência

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real de muitas possibilidades de intervenções pedagógicas com o uso dos gêneros

diversos para alfabetizar nas três características das facetas: linguística, interativa e

sociocultural. As atividades podem ser orais ou escritas. Essas intervenções

consolidam a alfabetização e o letramento.

2 Reflexões sobre a prática pedagógica no ensino fundamental

A escola pública, sobretudo de ensino fundamental, não é pobre apenas na fachada; também o é em seu funcionamento, por vezes indigente. Vendo o trabalho de muitas professoras por este Brasil, constatamos que em muitos casos elas não dispõem do material de que precisam para realizar o seu trabalho. (CAGLIARI, 1998, p. 09)

Iniciamos esse texto com a reflexão do autor Cagliari (1998) para imprimir a

realidade das escolas públicas brasileiras no nosso país. O que vemos são: falta de

estrutura, recursos, formação e etc. E esse contexto, contribui para que alguns

alunos cheguem ao 4º ano do ensino fundamental sem saberem ler e escrever. Para

Cagliari (1998):

Os alunos pobres têm pouco contato com a escrita e a leitura antes de entrarem para a escola. Necessitariam, portanto, de livros e materiais escritos bem impressos. Mas justamente eles é que recebem o pior material: cópias de péssima qualidade de atividades mimeografadas em tipos gráficos inadequados para as primeiras lições de escrita e leitura, quando não feitos no verso de um papel já utilizado. (CAGLIARI, 1998, p. 10)

Vale frisar que foi bem nessa conjuntura que se iniciou essa pesquisa. Ao

entrar em contato com a equipe gestora da escola para apresentar o referido projeto

de pesquisa. Nesse momento, a diretora percebeu que tinha na instituição uma

turma que se adequava à problemática da pesquisa, visto que eram perceptíveis as

dificuldades na leitura e na escrita. Soares (2017) assevera:

Nos anos iniciais do século XXI, apesar da hegemonia exercida pelo construtivismo nas duas décadas anteriores, o fracasso em alfabetização persiste, embora esse fracasso, agora, configure-se de forma diferente: enquanto, no período anterior, o fracasso, revelado por meio de sobretudo de avalições internas à escola, concentrava-se na série inicial do ensino fundamental, a então chamada ―classe de alfabetização‖, o fracasso na

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década inicial do século XXI é denunciado por avaliações externas à escola- avaliações estaduais, nacionais e até internacionais -, e já não se concentra na série inicial da escolarização, mas espraia-se ao longo de todo ensino fundamental, chegando mesmo ao ensino médio, traduzido em altos índices de precário ou nulo domínio da língua escrita, evidenciando grandes contingentes de alunos não alfabetizados ou semialfabetizados depois de quatro, seis, oito anos de escolarização. (SOARES, 2017, p. 23, grifos nosso).

Dessa forma, a diretora da escola propôs em fazer um trabalho com essa

turma do 4º ano do ensino fundamental, classe composta por 27 alunos, sendo 13

meninos e 14 meninas. Depois desse primeiro contato, nos foi apresentada a

estrutura física da instituição. A escola tem no total 19 ambientes (salas de aula,

direção, supervisão, laboratórios, refeitórios, banheiros dentre outros). O corpo

docente é composto por 09 professores para atender a demanda de 390 alunos

matriculados, a grande maioria desses estudantes são oriundos de famílias simples

e residentes de bairros periféricos do município pesquisado.

Dando prosseguimento, ocorreu apresentação e interação entre os sujeitos da

pesquisa, à professora da turma com a pesquisadora. Os estudantes estavam dando

início a observação e participação cooperativa das atividades que foram propostas

no plano de aula. Vale ressaltar que estamos refletindo sobre intervenções

pedagógicas para fomentar a aprendizagem da leitura e da escrita.

Nesse sentido, a referida professora iniciou um diálogo sobre métodos de

alfabetização, sugerindo que os alunos poderiam ter vivenciado experiências

inadequadas durante o ciclo de alfabetização e por esse motivo estaria com

dificuldades de aprendizagem. A respeito disso, trazemos à baila Soares (2017), que

anuncia que métodos de alfabetização tornaram-se controvérsia, polêmica,

divergências e desacordos. Vejamos:

Como assunto a discutir ou mais que isso dificuldade a resolver [...] controvérsia, polêmica – métodos de alfabetização como objeto de divergências, desacordos [...]. A questão dos métodos de alfabetização [...] é histórica, não é uma ocorrência atual. Esteve presente, em nosso país, ao longo da história dos métodos de alfabetização, pelo menos desde as décadas finais do século XIX, momento em que começa a consolidar-se um sistema público de ensino, trazendo a necessidade de implementação de

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um processo de escolarização que propiciasse às crianças o domínio da leitura e da escrita. Como consequência de indefinição de como garantir esse domínio, o método para a aprendizagem inicial da língua escrita tornou-se [...] uma dificuldade a resolver; e como consequência de diferentes respostas sugeridas para essa dificuldade o método tornou-se também [...] um objeto de controvérsia e polêmicas. Uma questão que atravessou o século XX e ainda persiste, recebendo ao longo do tempo, sucessivas pretensas ―soluções‖ em um movimento [...] de contínua alternância. (SOARES, 2017, p. 16).

Percebemos que a questão dos métodos é histórica e os problemas de

aprendizagem de leitura e escrita também não são atuais, pelo contrário persistem

desde o final do século XIX, como assegura Soares (2017):

Em um movimento, analisado por Mortatti (2000), de continua alternância entre ―inovadores‖ e tradicionais: um ―novo‖ método é proposto, e em seguida criticado e negado, substituído por um outro ―novo‖ método é proposto, em seguida é criticado e negado, substituído por mais um ―novo‖ que, algumas vezes, é apenas o retorno de um método que se tornara ―tradicional‖ e renasce como ―novo‖, e assim sucessivamente. (SOARES, 2017, p. 17).

É a relativa instabilidade do método de ensinar leitura e escrita. O resultado

dessa inconstância é o fracasso escolar. E ele tem sido o propulsor das periódicas

mudanças de paradigma e de concepções de métodos. Ele tem se constituído por

problemas de aprendizagem e a produção de analfabetos pelo próprio sistema

escolar. Desse modo, Soares (2017, p. 23) explica ―até os anos 1980, via-se no

método a solução para o fracasso na alfabetização, nesse período sempre

concentrado na classe ou serie inicial do ensino fundamental, traduzindo-se em altos

índices de reprovação, repetência, evasão‖. Ainda acrescenta:

A questão dos métodos de alfabetização tem-se caracterizado fundamentalmente por dúvidas e divergências sobre a adequada orientação da criança para a aprendizagem do sistema alfabético-ortográfico-para a leitura e escrita de palavras. Embora essa aprendizagem do que aqui se denomina faceta linguística deva ocorrer de forma simultânea e interativa com as duas outras facetas, a questão de métodos em relação a essas outras duas – métodos para o desenvolvimento da compreensão de texto escrito, e para a produção de texto escrito, nos contextos socioculturais – não tem merecido a centralidade que vem tendo, historicamente, a questão

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dos métodos para a aprendizagem do sistema de escrita. (SOARES, 2017, p. 36)

Como esclarecimento, Soares (2017) traz no bojo de seu livro ―Alfabetização:

a questão dos métodos‖, uma orientação que a forma mais ampla e talvez mais

adequada seja os métodos de aprendizagem inicial da língua escrita, chamando-as

de facetas, ou seja:

A faceta propriamente linguística da língua escrita – a representação visual da cadeia sonora da fala, faceta a que neste livro se reservará a designação de alfabetização. Faceta Interativa da língua escrita – a língua escrita como veículo de interação entre as pessoas, de expressão e compreensão de mensagens; a faceta sociocultural da língua escrita – os usos, funções e valores atribuídos à escrita em contextos socioculturais, estas duas últimas facetas consideradas neste livro, como letramento. (SOARES, 2017, p. 28, grifos do autor).

Nesse sentido, constatamos que Soares (2017) vincula à aprendizagem da

leitura e da escrita, a alfabetização e o letramento. A referida autora acrescenta em

seus escritos os objetos de conhecimento de cada uma das facetas, assim como

evidencia os métodos em cada uma delas. Observamos:

A faceta linguística [...] Predomina nos métodos sintéticos e analíticos [...] e as competências visadas são a codificação e decodificação da escrita [...] o objeto de conhecimento é a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e das convenções da escrita, objeto que demanda processos cognitivos e linguísticos específicos e, portanto, desenvolvimento de estratégias específicas de aprendizagem e, consequentemente, de ensino [...] a alfabetização. A faceta interativa [...] predomina no construtivismo [...] as competências são [...] a inserção da criança no mundo da cultura do escrito, ou seja, decorrência do desenvolvimento das facetas interativa e sociocultural [...] o objeto são as habilidades de compreensão e produção de textos, objeto que requer outros e diferentes processos cognitivos e linguísticos e diferentes estratégias de aprendizagem e escrita. A faceta sociocultural, o objeto são os eventos sociais e culturais que envolvem a escrita, objeto que implica conhecimentos, habilidades e atitudes específicos que promovam inserção adequada nesses eventos, isto é, em diferentes situações e contextos de uso da escrita. Essa tricotomia explica [...] as controvérsias – entre os métodos mencionados anteriormente [...] implicam seleção de diferentes objetos para o processo de aprendizagem. (SOARES, 2017, p. 29, grifos nossos)

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Convém lembrar que tudo que os escolares precisam é que sejam realizadas

todas essas intervenções pedagógicas no cotidiano da escola. Nessa seara, durante

a observação a professora permitiu que fossem realizadas algumas atividades de

intervenção pedagógica com os educandos. ―As intervenções pedagógicas [...] são

capazes de potencializar o desenvolvimento linguístico e intelectual dos escolares ‖

(CHAVES, 2014, p. 88).

Em uma sessão de estudo, entre pesquisadora e orientadora, refletimos que

seria interessante socializar as experiências vivenciadas durante a pesquisa com

acadêmicos que iriam a campo realizar estudos científicos para produção dos

Trabalhos de Conclusão de Curso e vice versa, pois uma das disciplinas oferecidas

no Curso de Pedagogia foi a de Metodologias de Alfabetização.

3 A produção de gêneros textuais na prática pedagógica no ensino

fundamental

Partindo desse pressuposto iniciamos o trabalho com uma turma de

Pedagogia (2017.1) da Fundação Universidade Federal de Rondônia, no campus de

Guajará-Mirim, na disciplina de Metodologias de Alfabetização, ministrada pela

docente Elizane Assis Nunes.

Nessa turma, a docente enfatizava a importância dos trabalhos com gêneros

textuais para o fortalecimento da alfabetização e letramento a partir da criação e

imaginação dos escolares. Aproveitando a pesquisa e fazendo a junção da teoria

com a prática foi possível realizar um trabalho cooperativo e participativo com as

turmas (Graduação e 4º Ano Ensino Fundamental). Vale frisar que as atividades

propostas na academia eram colocadas em práticas com os educandos do 4º ano,

durante a pesquisa.

Nesse contexto foram realizados diversos acrósticos em sala de aula para

depois serem doados para a escola e assim podermos iniciar a nossa intervenção.

Vejamos alguns momentos desse trabalho participativo e cooperativo com ambas

turmas:

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Ilustração 1 - Referente aos grupos de trabalhos que realizaram o trabalho

na Fundação Universidade Federal de Rondônia, Campus de Guajará-Mirim/RO, no

segundo semestre do ano de 2017.

Fonte: https://www.facebook.com/elizane.nunes.7/photos_all

A partir desse trabalho proposto e iniciado com a turma em evidencia, na

escola desenvolvemos listas temáticas, como listas de aniversários, animais, listas

de compra (supermercado), nomes de amigos. Depois realizamos atividades de

gêneros e produtos diversos, como por exemplo, acróstico e produção de textos.

Levamos os trabalhos acadêmicos para a escola e fixamos em sala de aula

para os alunos iniciarem a relação de convivência com os gêneros textuais. Para

Travaglia (2013):

No dia a dia as salas de aula, as atividades devem ser desenvolvidas em torno e a partir de textos orais e escritos de fontes e gêneros diversos e de produtores diversos, inclusive textos dos alunos. Os textos trabalhados em sala de aula irão servir de base à atividade de leitura, produção de textos, ensino do vocabulário e conhecimento da língua (ensino da gramática). (TRAVAGLIA, 2013, p.143)

A esse respeito, concordamos com o referido autor. As atividades que foram

geradas pelos textos e opiniões dos acadêmicos tiveram aceitação positiva por parte

dos alunos do 4º ano, pois serviram de estímulo para produção de atividade, sendo

proveitoso em termos de participação e aprendizagem.

Ilustração 2 - Referente ao gênero textual lista, trabalho realizado pelos

estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental, escola localizada no município de

Guajará- Mirim/RO.

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Fonte: Acervo da Ana Kelly (2017)

Ilustração 3 - Referente ao trabalho com ortografia realizado pela turma do

4º ano do Ensino Fundamental, em uma escola no município de Guajará-Mirim/RO.

Fonte: Acervo da Ana Kelly (2017)

Foi possível trabalhar número de sílabas, sílaba tônica, frases e outros

conteúdos do ensino da gramática e dos conhecimentos linguísticos. Travaglia

(2013) ressalta que:

As atividades de conhecimento linguístico devem, sobretudo nas séries iniciais, mas mesmo por todo o Ensino Fundamental, concentrar-se: a) Na significação dos recursos linguísticos, na sua contribuição para o(s) sentido(s) que se quer veicular por meio de textos; b) Na função desses mesmos recursos na constituição dos textos, quase sempre ligada às suas significação; c) Na exploração de recursos alternativos para o mesmo fim (significado e função), ressaltando a diferença entre eles, quando isto for possível [...] é sempre bom procurar introduzir primeiro o conceito, para que o aluno perceba o fato e em segundo lugar o termo ( sílaba – conceito, sílaba tônica, classificação das palavras quanto ao número de sílabas e

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quanto à sílaba tônica, palavra, frase, verso, estrofe, parágrafo, verbo etc.) (TRAVAGLIA, 2013, p. 143).

Nessa exploração dos recursos para o aprendizado dos conhecimentos

linguísticos, percebemos que essas atividades propunham muitos materiais que

podiam ser trabalhados e muitos dos conteúdos que estão fragmentados nas

unidades dos livros didáticos poderiam ser unificados e transversalizados. Dessa

forma, podíamos trabalhar realizando a aprendizagem de diversos conteúdos do

ensino da gramática e de conhecimentos linguísticos. ―Um texto sempre tem muito

material que pode ser trabalhado e, portanto, o que se trabalha depende apenas de

nosso objetivo no momento‖ (TRAVAGLIA, 2013, p.145).

Atividades e exercícios foram sendo realizados ao longo dos dias, podemos

mencionar que a professora regente sempre permitiu nossa participação,

ativamente, inclusive as intervenções que trazíamos eram aceitas. Depois das

atividades fazíamos questão de acompanhar cada um dos alunos no momento da

conversa, pois oportunizávamos aos educandos um período denominado de

socialização, em que todos podiam participar e expor suas dúvidas, ou mesmo,

hipóteses que criaram para realizar a tarefa. Travaglia (2013) resume:

Essa é sem dúvida uma opção importante, pois só assim o aluno se torna capaz de perceber, por exemplo, onde o texto apresenta uma causa, uma consequência, uma escolha, um tempo, um modo, um lugar, uma quantidade etc. e que recursos exprimem tais ideias, bem como perceber que certos recursos exprimem certos sentidos, como, por exemplo, o fato de a flexão de número exprimir quantidade. Só assim também ele se tornará capaz de perceber relações semânticas entre elementos do texto (palavras, orações etc.) e como elas se estabelecem. Sem isto jamais será um bom produtor e leitor de textos. (TRAVAGLIA, 2013, p. 146).

Nesse caso, realmente percebemos que os alunos não tinham uma boa

leitura e produção textual. É preciso reconhecermos que:

O Brasil precisa de uma modificação profunda na educação e, em especial, na alfabetização. Para isso necessita de professores com melhor formação técnica. As escolas de formação dedicam muito tempo às matérias pedagógicas, metodológicas e psicológicas e não ensinam o que devem a

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respeito da linguagem; nem sequer tem cursos de linguísticas (ou de aritmética). Como um professor pode lidar corretamente com o fenômeno linguístico, se ele nunca estudou linguística. A escola precisa saber dosar todos esses conhecimentos para poder atuar de maneira correta. Nada substitui a competência do professor e, enquanto nossas escolas continuarem a formar mal nossos professores, a alfabetização e o processo escolar como um todo continuarão seriamente comprometidos. (CAGLIARI, 1998, p. 04).

Certamente, temos que melhorar a formação de professores no país, para

que tenhamos melhores resultados na aprendizagem. Pois acreditamos que não

seja mais possível encontrarmos alunos no 4º ano do ensino fundamental sem as

mínimas habilidades de leitura e escrita.

Ao longo dos últimos anos, o processo de alfabetização foi confundido com tantas coisas e ficou amarrado a tantas atividades inúteis, que o tempo necessário para um aluno aprender a ler (e a escrever) se espichou demais. O que podia ser feito num semestre passou a ser feito em um ano. Com o ciclo básico, alguns professores passaram a entender que agora o aluno tem dois anos para se alfabetizar, o que é falso. (CAGLIARI, 1998, p.110)

Dessa forma temos vivido a protelação do ensino para o próximo semestre e

depois para o próximo ano e até para o próximo professor, e assim, os escolares

têm chegado ao 4º ano mal alfabetizados. A respeito desse assunto Cagliari (1998),

adverte:

Se essa criança tivesse sido alfabetizada de outra maneira, se tivesse tido a chance de mostrar ao professor o que pensava a respeito da fala, da escrita e da leitura, apresentando um trabalho de escrita feito por iniciativa própria e não apenas seguindo um modelo de coisas já dominadas, teria resolvido seus problemas. (CAGLIARI, 1998, p. 115)

Pensando nessa alternativa proposta pelo autor e tendo como meta levar o

aluno a refletir sobre a fala, a escrita e a leitura que propusemos a realização do

ditado divertido, chamando-o de ditado estourado. Usamos balões coloridos e

palavras que os próprios alunos escolheram para compor a atividade.

Inicialmente fizemos uma roda de conversa, resgatando a lista que fizemos

anteriormente e depois pedimos que os alunos participassem escrevendo novas

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palavras para compormos o ditado divertido. Depois íamos estourando os balões e

as palavras que estavam dentro do balão eram lidas, por e com eles, depois

passávamos para a escrita desses vocábulos por eles. Travaglia (2013) recomenda:

Deve-se também incentivar os alunos a transferirem e aplicarem o conhecimento adquirido no estudo de um determinado tópico para outros recursos que encontrarão em textos que vão ler ou produzir, essencialmente as atitudes de questionar o que algo significa ou pode significar e que diferença de significação há entre recursos alternativos para o mesmo fim. (TRAVAGLIA, 2013, p. 147).

Evidente que estávamos procurando incentivar os alunos a participar das

atividades propostas, assim como aplicarem o conhecimento que foi aprendido nas

atividades anteriores, ou seja, operacionalizar o aprendizado da gramática.

Sem dúvida falar sobre o ensino da gramática nas primeiras séries do Ensino Fundamental para levar os alunos a um conhecimento linguístico pertinente não é fácil, considerando os muitos elementos e aspectos envolvidos, já sobejamente conhecidos dos (as) professores (as). Menos fácil é operacionalizar o aprendizado em sala de aula, com alunos de níveis diferentes de aprendizado e também em condições diferentes de aprendizagem. Todavia [...] é possível trabalhar a gramática pela via do uso dos diferentes recursos da língua e do estudo da contribuição desses recursos para a significação, para o sentido dos textos, apresentando aos alunos alguns conceitos fundamentais e uma terminologia básica e mínima, apenas a necessária para ajudar a referência a elementos da língua e assim a construção do conhecimento linguístico que o aluno precisa. (TRAVAGLIA, 2013, p. 290)

Pensando no uso dos diferentes recursos da língua e no estudo da

contribuição dos recursos para a significação, que continuamos com as atividades

de intervenções durante a pesquisa de observação. Usamos às atividades do ditado

estourado e realizamos algumas reflexões de ortografia, com relevância no ensino

do ―h‖ no início de palavras e nos dígrafos.

No que tange práticas de ortografia Travaglia (2013), lembra que existem

alguns casos que merecem atenção do professor, e enumera o ensino do H no início

de palavra e no dígrafo, como exemplo. Ainda reconhece que:

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Há uma série de conhecimentos linguísticos que dizem respeito diretamente à aquisição da variedade escrita da língua e, portanto, estão muito relacionadas com o processo de alfabetização e letramento. Há várias competências e habilidades que precisam ser automatizadas e dominadas na aquisição da escrita. Essas competências e habilidades se organizam em níveis que serão desenvolvidos um por vez, mas também ao mesmo tempo. (TRAVAGLIA, 2013, p. 90)

Procurando não sermos exaustivos com as tarefas dos conhecimentos

linguísticos e ao percebermos que os alunos já estavam construindo suas

competências e habilidades para a aquisição da escrita, depois dessa atividade, em

que foram destacados os dígrafos, fizemos atividades de letramento com a tradição

oral. Nesse momento, levamos para a sala de aula atividades com fábulas.

Iniciamos com a história da raposa e o corvo, fábula infantil, um livro da editora FTD,

da autora Ana Oon.

Na fábula um corvo encontra um pedaço de queijo e voa até uma árvore para

comê-lo em paz. No entanto, não esperava que a raposa pudesse aparecer e

incomodá-la. E vejam que a raposa, que estava faminta, tenta por vários artifícios

extrair a comida dele e no final conseguindo tal artimanha. Ao narrar a história foi

possível perceber que os alunos ficaram inquietos, querendo participar da atividade,

muitos deles levantaram a mão com o desejo de oralizar suas opiniões.

Assim como os provérbios, as fábulas também podem ser vistas como um gênero da tradição oral de caráter metafórico e normativo exemplar ou moralista. No entanto enquanto os primeiros se apresentam na forma de frases curtas, estas são constituídas em narrativas, podendo ou não apresentar uma frase final que sintetize a moral por ela vinculada. (GOMES, MORAES, 2013, p. 0).

Nessa linha de pensamento em trabalhar a moral vinculada pela fábula,

colocamos em debate os seguintes questionamentos: a) Na opinião de vocês a raposa

foi esperta mesmo? b) Ao enganarmos os outros realmente estamos sendo espertos?

Essa atividade baseou-se na indicação de Gomes e Moraes (2013) quando dizem:

Em um primeiro momento, o professor apresentará algumas fábulas aos alunos (lidas em voz alta enquanto as crianças acompanham a leitura em uma

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folha com o texto impresso, ou em data show). Na ocasião da leitura em voz alta, sempre que considerar necessário, ele favorecerá a construção de sentido por meio das paráfrases elaboradas a partir de cada trecho lido, utilizando para isso de uma fala próxima à dos alunos (o que favorecerá sua produção de sentido). (GOMES & MORAES, 2013, p. 40).

Além disso, acrescentamos mais questionamento em nosso debate,

oportunizando aos alunos a construção de sentidos, porque concordamos com Soares

(2008), quando assegura:

A alfabetização, muito além de ser a aquisição de uma ―técnica‖, é um processo político que deve ser inserido em um objetivo maior na luta contra as exclusões e discriminações: o ―da construção de uma sociedade mais justa e da constituição de uma identidade política e cultural para o conjunto do povo brasileiro‖. (SOARES, 2008, p. 59).

Portanto, não é suficiente para alfabetizar letrando, ensinar a ler e escrever,

são necessárias atividades que relacionam a leitura e a escrita com as práticas

sociais. Cabe ao professor, e em específico ao docente alfabetizador, desvelar os

sentidos das leituras e desbravar caminhos para que tarefas sejam significativas aos

escolares.

4 Conclusão

Em virtude dos argumentos apresentados podemos afirmar que esse trabalho

foi de grande valia para entendermos as dificuldades do cotidiano escolar, no

decorrer do processo de alfabetizar e letrar os escolares. Compreendemos nesse

texto que os métodos não são prioridade no processo de ensino e aprendizagem.

Que não existe apenas um método e que um método não se sobressai sobre outro.

São apenas métodos e cada um tem seu objeto de aprendizagem. O que devemos

nos ater é à própria práxis educacional. Realizar intervenções pedagógicas sempre

que necessário com exímio planejamento para alcançar o sucesso no ensino-

aprendizagem.

Assim, devemos oportunizar nos planejamentos a inclusão dos diversos

gêneros textuais, orais ou escritos visto que tais materiais circulam nas sociedades e

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ao se trabalhar com eles em sala de aula poderemos promover práticas de leitura e

escrita, desse modo, caberá a nós docentes nos inteirarmos sobre os gêneros

textuais propondo atividades significativas de alfabetização e letramento, já que os

gêneros constam nos documentos oficiais como Parâmetros Curriculares Nacionais

– PCNS.

Logo, as possibilidades de intervenções com gêneros são benéficas para os

professores ao fazerem o seu uso na aquisição da leitura e da escrita e para o

conhecimento linguístico, assim como bem aceitas pelos escolares e nesse caso

com os escolares do 4º ano do ensino fundamental.

Referências

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bí-bo-bu. - São Paulo: Scipione, 1998.

GOMES, Lenice. MORAES, Fabiano. Alfabetizar letrando com a tradição oral.

São Paulo: Cortez, 2013.

SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto,

2017.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2008.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Na trilha da gramática: conhecimento linguístico na alfabetização e letramento. São Paulo: Cortez, 2013.

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A RESISTÊNCIA DA MULHER NAS OBRAS SERINGAL E

TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA

ARICENEIDE OLIVEIRA DA SILVA

[email protected]

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

RUA 29 DE AGOSTO, Nº 786, CENTRO-HUMAITÁ-AMAZONAS CEP: 69800-000

Resumo. O presente artigo tem como tema central A resistência da mulher nas obras Seringal e Tereza Batista Cansada de Guerra. As histórias narram denúncias de violências cometidas contra crianças do gênero feminino, um processo de resistência da mulher nas Regiões Norte e Nordeste. A primeira obra é do autor Miguel Jeronymo de Ferrante - acreano e, a segunda é do autor Jorge Amado - baiano. O principal objetivo do estudo dos romances foi estabelecer um diálogo entre as denúncias feitas por Jorge Amado e Miguel Jeronymo de Ferrante, obras essas da década de 70 do século XX. Outro objetivo desse estudo é mostrar a resistência da mulher no processo discursivo literário em meios às adversidades, em especial, a resistência feminina diante do discurso machista da sociedade da época. Muitas das vezes essa resistência se revela nos fenômenos naturais, simbolizados pela floresta e pela natureza que convergem com a identidade feminina com relação às adversidades colocadas pelas condições, ou seja, diante da ideologia masculina que promovia a submissão feminina. Essa submissão era configurada na opressão e violência cometidas contra a mulher em relação ao machismo da época. Essa resistência apresentada pelas personagens acontece de duas formas: uma é o desencadeamento da depressão, da dor, e da morte. A outra é representada pelo enfrentamento, pela luta corporal, violência física, resistência à tortura e o desejo de liberdade. A metodologia utilizada foi a Análise de Discurso e teorias que tratam da abordagem sobre identidade. Os teóricos que embasaram a discussão foram: Pêcheux (2014), Orlandi (2015), Amado (1996), Hall (2006), Coutinho (2002), Figueiredo (2002) e Ferrante (1972).

Palavras-Chave. Discurso. Resistência Feminina. Ideologia. Processo discursivo

Abstract. This article has as its central theme "the resistance in the discursive process of women's identity in Seringal and Tereza Batista

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Cansada de Guerra. The stories narrate denunciations of violence committed against children of the feminine gender, a process of silencing and resistance of women in the North and Northeast Regions. The first work is the author Miguel Jeronymo de Ferrante - acreano, and the second one is the author Jorge Amado - Bahia. The main objective of the study of the novels was to establish a dialogue between the denunciations made by Jorge Amado and Miguel Jeronymo de Ferrante, works of the seventies, of the twentieth century. Another objective of this study is to show the resistance and silencing of the woman in the literary discursive process in means to the adversities, in particular, the feminine resistance before the macho discourse of the society of the time. Many times this resistance is revealed in natural phenomena, symbolized by the forest and nature that converge with feminine identity in relation to the adversities posed by the conditions, that is, in the face of the male ideology that promoted female submission. This submission was shaped by the oppression and violence committed against women in relation to the machismo of the time. This resistance presented by the characters happens in two ways: one is silencing, depression, pain, and death. The other is represented by confrontation, by corporal struggle, physical violence, resistance to torture and the desire for freedom. The methodology used was the Discourse Analysis that he based on French line discourse theories and theories that deal with the approach on identity. Theorists who supported the discussion were: Pêcheux (2014), Orlandi (2015), Amado (1996), Hall (2006), Coutinho (2002), Figueiredo .

Key words. Discours. Feminine Resistance. Ideology. Discursive process

1 Discurso, texto e ideologia na perspectiva pecheutiana

Esse trabalho pauta-se na teoria de Análise de Discurso de linha francesa,

portanto, é importante compreender as noções e discurso, texto e ideologia,

conceitos fundamentais para sustentação da análise. No contraponto discurso e

texto entende-se que o discurso é o objeto da Análise de Discurso, é também o

espaço de interação entre os sujeitos, situado no tempo e no espaço com todo seu

caráter histórico-sócio-ideológico, ou seja, o discurso é o funcionamento da

linguagem entre os sujeitos afetados pela ideologia, nessa relação entre sujeitos

ideológicos se constitui a produção de sentidos assim podemos dizer que ―o

discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,

compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos‖ (ORLANDI,

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2015, p. 15). Partindo desses pressupostos chegamos à conclusão de que não

devemos ignorar que a Análise de Discurso é um método voltado para interpretação,

para análise de um corpus composto de linguagem em seu caráter histórico-sócio-

ideológico e constitui a base das leituras de um texto. Nesse caso, o texto é a

narrativa literária. Isso porque ―sai-se do positivismo da estrutura e instala-se em

uma posição materialista, a que privilegia a ideia de processo de articulação entre

estrutura e acontecimento, ganhando corpo a noção de funcionamento ‖ (ORLANDI,

2012, p.22). O que precisa ficar claro é que o discurso não é o texto, pois ―o texto é

a unidade que o analista tem diante de si e da qual ele parte‖ (ORLANDI 2015,

p.61). Dessa forma o texto é o material simbólico que servirá de partida para a

interpretação do analista de discurso, visto que o corpus é montado visando

determinados funcionamentos discursivos que atravessam o texto.

Isso acontece quando o texto revela a face do discurso, pois passa pelo

processo da discursividade, ou seja, ―quando se explicita em suas regularidades,

pelas suas referências de formas discursivas que vai ganhando sentido pela sua

formação ideológica‖ (ORLANDI, 2015, p. 61). Portanto, discurso não é texto ou

vice-versa, mas um revela a face do outro: o texto é a porta de acesso para o

discurso, pois quando o texto passa pelo processo discursivo, modo como o texto

significa, partindo das suas referências, suas formações discursivas e formações

ideológicas dá-se o discurso, o que significa dizer que ―[..] todo processo discursivo

se inscreve numa relação ideológica de classes‖ (PÊCHEUX, 2014, p.82). Então,

cabe ao analista de discurso identificar a relação com as formações discursivas,

procurando remeter os textos ao discurso e esclarecer as relações deste com a

ideologia, assim o analista deixa a superfície linguística passando ao processo

discursivo (ORLANDI, 2015).

Segundo Althusser apud Orlandi (2012, p. 75) ―ideologia é o modo através do

qual os homens vivem suas relações em relação às suas condições de existência‖.

Nessa perspectiva pode-se concluir que o sujeito no uso da linguagem atribui

sentido na relação da língua com sua exterioridade a partir da sua posição

ideológica. Assim ele produz seu dizer. Dessa forma Orlandi (2015, p. 45), diz que

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―ideologia não é ocultação, mas função da relação necessária entre linguagem e

mundo, linguagem e mundo se refletem no sentido da refração, do efeito imaginário

de um sobre o outro‖. E ainda (idem, idem), ―[...] não há discurso sem sujeito e não

há sujeito sem ideologia‖. Pois o sujeito é por natureza é um ser social, vive em

grupos, tem ideais, valores, conhecimentos e costumes, os quais constituem o

homem em um ser sócio-histórico, cultural e ideológico, pois nenhum ser humano é

destituído de cultura, de história, de valores e de ideologia. Sendo assim, para

Orlandi ―a linguagem é a materialidade do discurso, e o discurso se define como

materialidade especifica da ideologia‖ (2008, p. 35). Portanto, a literatura materializa

as ideologias da sociedade no ato de sua constituição, a literatura na sua conjuntura

social, política e econômica revela as ideologias de um povo, de uma nação.

2 Contexto histórico das obras e de seus autores

O romance Seringal foi escrito por Miguel Jeronymo Ferrante, o qual, na obra

faz uma abordagem sobre o discurso ideológico machista da sociedade da década

de 70 de forma bastante relevante. O mesmo toma a floresta como cenário, e o

seringal como espaço de constituição identitária de um tipo humano, o seringueiro,

mas também revela uma denúncia sobre a forma de ver a mulher pobre perante a

sociedade machista da época. A personagem Paula de apenas onze anos sofre

abuso sexual por um rapaz da alta sociedade de Rio Branco. No contraponto, o

romance Tereza Batista Cansada de Guerra, escrito em 1972, retrata a identidade

da mulher negra e órfã. Nessa obra Jorge Amado apresenta uma personagem que

também ainda é criança, pois sua história inicia-se aos oito anos de idade e a

menina além da beleza traz também a garra de uma raça de uma classe pouco

respeitada, sofrida, mas que não aceitou o destino e brigou por justiça, mostrou que

o sexo não é tão frágil assim, que ela tem vontade própria, tem personalidade e

resistência. Ambas, Paula e Tereza Batista representam as formas de tratar as

crianças do gênero feminino vulneráveis à sociedade e mostram de maneira

diferente a forma de resistência da mulher pela sobrevivência, pois as personagens

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ainda crianças vivem em condições subumanas. Nesse contexto, a ideologia em

relação à mulher era tê-la como objeto sexual, numa sociedade em que a luta de

classes constitui a identidade dos sujeitos.

Segundo as autoras Bordini e Aguiar (1988, p.14) ―a linguagem literária extrai

dos processos histórico-político-sociais nela representados uma visão da existência

humana‖. Esses processos históricos e políticos-sociais remetem às condições de

produção do discurso. Por isso torna-se interessante estudar as obras de Ferrante e

Amado discutindo a resistência atribuída à mulher da época, no seu contexto

histórico-social e as formas discursivas de resistência das personagens que não

aceitam a violência sofrida. Essa análise trata-se de um estudo comparativo

discursivo entre a literatura regional do Norte e a literatura regional do Nordeste.

Ambas enfatizam o papel social da identidade feminina numa sociedade no que se

refere ao final do século XX.

Antes de adentrar nos funcionamentos discursivos que serão analisados em

meio às obras, a resistência da mulher em Seringal e em Tereza Batista Cansada de

Guerra, se faz necessário retomar a apresentação dos autores das obras, Miguel

Ferrante, e em seguida de Jorge Amado. O primeiro nasceu em 1920 e morreu em

2001, no Acre. Formou-se em Direito, em Brasília, foi Diretor do Departamento de

Educação e Cultura, quando o Acre ainda era Território. Atuou no Ministério da

Justiça em Brasília e também em São Paulo. O segundo nasceu em 10 de agosto de

1912, em uma fazenda de cacau denominada Auricídia, localizada no distrito de

Ferradas, no município de Itabuna, estado da Bahia e morreu em agosto de 2001.

Jorge Amado era o filho mais velho de João Amado de Faria e de sua esposa Eulália

Leal Amado de Faria. Amado representa o regionalismo baiano da zona rural do

cacau, do agreste baiano e da zona urbana de Salvador. Sua grande preocupação foi

fixar tipos marginalizados, em especial a mulher. Então, é sob o olhar discursivo

desses autores que se analisou a resistência da menina-mulher na década de setenta

do século XX, em duas regiões distintas do país.

Sobre os conteúdos dos romances, como foi abordado acima, o tema central

são as denúncias, as diferenças sociais e a resistência dos marginalizados, nesse

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caso, o gênero feminino. Como veremos mais adiante, a obra escrita por Miguel de

Ferrante, em 1972, dialoga com a obra de Jorge Amado, também escrita em 1972 –

pois ambas destacam a vida de duas meninas entre 11 e 12 anos que são estupradas

por ―homens da sociedade‖, um era o filho do prefeito de Rio Branco, capital do Acre

e o outro um coronel no agreste baiano. Ideologicamente, o mundo feminino era

sempre ignorado socialmente, pois a mulher não tinha voz, elas apenas

desempenhavam um papel de procriar e ser objeto sexual do desejo dos homens da

sociedade de modo geral.

Os cenários nos quais se passam as tramas são: na primeira a floresta é viva, se

movimenta, tem sentimentos representados nas cores, pois a natureza vivencia os

sentimentos humanos. Dessa forma, o autor personifica o ambiente induzindo o leitor

a buscar nos personagens tamanha sensação como podemos identificar no discurso

em que revela as sensações de angústia e sofrimento. No início da história de

Seringal o ambiente é bem semelhante ao da caatinga, conforme descreve Ferrante

(1972, p.21), ―há na paisagem parada em tom de cinza, de desolação e de angústia.

O ar imobilizado. Nem uma asa, a mais ligeira brisa. Tudo estático a morrer

brutalizado pelo calor asfixiante, sob a cúpula do céu‖. Esse cenário retrata A

resistência da personagem Paula após sofrer a violência cometida por Carlinhos, filho

de um grande representante da sociedade de Rio Branco, afilhado do seringalista,

coronel da região. E mais, ―a vegetação rasteira do campo do ‗Santa Rita‘ encolhe-se

as fulgurações dos raios inclementes e, aos poucos, vai murchando, amarelando e

morrendo em lenta agonia‖ (idem). Dessa forma, descrita pelo cenário, assim tornou-

se a vida de Paula ao ser violentada por Carlinhos. Vejamos uma passagem do texto

de Ferrante (1972, p.76-77):

- Agora, vamos ver você, minha filha.

A mocinha tem gesto de quem quer fugir. Encolhe-se toda, com os olhos verdes dilatados de medo na face emagrecida. Observa Margarida: - Ela ficou com medo. Depois do que aconteceu, a pobrezinha ficou assim, por causa do malvado do seu Carlinho. (...)

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- Se chama Paula. Nhô sim. Paula. Ela não compreende, não. Não adianta. Não vai falar nada. Tá cada vez pior a pobrezinha. Virge Mãe, quem haverá de dizer que ia mudar assim. Antes, o senhor carecia de ver, era alegre como um passarinho...

Mas em seguida a floresta mostra sua outra face, ela inunda, seus rios

transbordam, coisa que não acontece na caatinga, pois ela também tem ação, seus

encantos como mostra o trecho ―o inferno dos igapós nas lombadas das enchentes. A

floresta diabolicamente verde, exuberante, estuante de seiva, avançando dominadora,

enfuirecida sobre a barraca‖ (idem, p.30). Nesse trecho o autor parece revelar a ação

avassaladora do homem sobre a mulher, vejamos (idem, p. 40-41):

Seu Carlinho ficou desarvorado, quando viu a menina. A menina era um deus-nos-acuda. Vivia grudada na saia da mãe (...). Pois deu a louca no seu Carlinho. Vivia morrendo. Macambúzio que nem bezerro desmamando. É. Ela bancando gostosa (...) Seu Carlinho ficou agitado que nem oirana. E foi aquele escarcéu. Coitada da menina... E na frente da entrevada.(Grifo meu).

Conforme os retalhos acima, há no discurso de Ferrante uma relação com os

fenômenos naturais – a caatinga revela o sofrimento da menina que foi violentada. A

menina Paula vai morrendo em lenta agonia como a vegetação da caatinga durante

a seca no sertão. Enquanto que as cheias dos igarapés, dos rios na floresta

retratam a ideologia machista, avassaladora incontrolável do homem que não se

contém e quer demostrar seu poder. Dessa forma, o homem ganha forças como as

cheias dos rios ao ver a menina indefesa, e assim como a força das águas nada

controla os impulsos doentio de Carlinhos em relação à Paula.

Veja um discurso machista de um dos personagens, Chico Xavier,

(FERRANTE, 1972, p. 39);

- Pois é. Foi como lhe estava contando. A menina é bonita. Franzina, mas bem feita. - Credo cruz! Ela tem uns onze anos !... - Ué, comadre, mulher não se avalia pela idade, não. Depois, aquela menina, com aquele jeito de santa, toda arisca, dificultando tudo... Homem gosta de mulher difícil, pode crer.

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Já na obra de Jorge Amado, o cenário não é tão relevante quanto para Ferrante.

Jorge Amado (1996) descreve que Tereza Batista Cansada de Guerra – ―custou um

conto e quinhentos mil-réis mais um vale para armazém‖. A história de Tereza Batista

se passa às margens do rio Real, nos limites da Bahia e de Sergipe. Tereza, uma

menina órfã de pai e mãe, ficou na companhia da tia Felipa que vendeu a menina

antes de completar 13 anos para o capitão Justiniano, o Justo como era chamado.

Tereza conheceu cedo a dor, o sofrimento. Ela aprendeu a brigar desde cedo com os

moleques de rua, pois brigas eram seu passatempo, a única brincadeira que tinha,

não conhecia brinquedos, brincava sempre com os meninos e um cachorrinho que

tinha. Em sua história Tereza recebe vários adjetivos como Tereza Navalha, Tereza

do Bamboleio, Tereza dos Sete Suspiros, Tereza do Pisar Macio, Tereza de Omolu,

Tereza Medo Acabou todos eles merecidos por seus feitos em sua trajetória de vida.

Isso porque Tereza acreditava em justiça e não aceitou a humilhação, resistiu, brigou,

enfrentou o coronel.

3 A resistência: uma análise discursiva sobre Seringal e Tereza Batista

Cansada de Guerra

No ano em que as obras foram publicadas, em 1972, o Brasil estava passando

por uma transição de forças políticas, saindo do período ditatorial e ingressando em

um novo regime político, e também estava em evidência a colonização na região

Norte. Os autores, então fazem uma contextualização dos fatos reais

correlacionados à ficção e tecendo um debate em torno do caráter regional, ou seja,

há nesse período um diálogo entre a ficção e os fatos do momento em que vive o

país, principalmente das questões políticas no Norte e Nordeste do país. No entanto,

o foco de análise será as formas de resistências femininas descritas nas obras, suas

condições de vidas, as denúncias de violências sociais, as lutas das personagens

Paula e Tereza Batista Cansada de Guerra, nas histórias, os autores relatam as

condições de vida da mulher negra perante a sociedade. Apesar de já ter se

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passado quase um século após a libertação dos escravos a figura do negro ainda é

ideologizada na sociedade capitalista.

Assim em Seringal, Ferrante faz as mesmas denúncias sobre a mulher feitas

por Jorge Amado. As condições de vida das meninas eram as mesmas. Crianças

desprotegidas, do gênero feminino que viviam em condições desprivilegiadas,

situadas em um contexto ideológico do machismo, do coronelismo.

Tereza ao ficar órfã aos oito anos e meio de idade, passa a viver no casebre

com o casal de tios pobres Rosalvo e Felipa. Essa antes de a menina completar os

treze anos, vende-a por ―um conto e quinhentos, uma carga de mantimentos e um

anel de pedra falsa, porém vistosa‖ (AMADO, 1996, p. 68), ao rico e infame

Justiniano Duarte da Rosa.

Felipa deseja apenas negociar, obter algum lucro, mesmo pequeno, Tereza é o único capital que lhe resta. Se pudesse esperar uns anos mais, com certeza faria melhor negócio, pois a menina desabrocha com força e as mulheres da família eram todas bonitas demais, disputadas, fatais. (...) Justiniano Duarte da Rosa tirou o maço de dinheiro, foi contando cédula por cédula, devagar, a contragosto. Não lhe apraz desprender-se de dinheiro, sente uma dor quase física quando não lhe resta outra saída senão pagar, dar ou devolver. (...) arrastaram-na para o caminhão, ele e Terto. Felipa andou para a casa, a pedra verde reluzia ao sol. (...) No estribo do caminhão estava escrito em alegres letras azuis: DEGRAU DO DESTINO. Para fazê-la subir, Justiniano Duarte da Rosa aplicou-lhe mais um tabefe, dos bons. Assim Tereza batista embarcou em seu destino, peste, fome e guerra. (AMADO, 1996, p. 71-78).

Assim inicia a vida de sofrimento de Tereza, primeiro, com a orfandade;

segundo, quando é vendida, ainda menina, a um certo capitão Justo. Sob o açoite

do seu dono, ela vai experimentar, à flor da pele e ao fundo de si mesma, o sentido

da palavra ―servidão‖. O rico e infame Justiniano Duarte da Rosa, dito capitão Justo,

a leva consigo para um sítio adjacente e depois para seus armazéns e residência

em Cajazeiras do Norte, violando-a, amedrontando-a, torturando-a até submetê-la

passivamente aos mais desumanos atos.

As personagens apresentadas por Ferrante e por Amado diante de ideologias

de dominantes e dominados, são femininas e se encontram na condição de

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 118

dominadas, condições de vida que é desumana, pois as histórias revelam um

cenário de injustiça social, de violência contra a mulher. Paula e Tereza se

manifestam ora em forma de resistência do gênero, ora silenciando e renegando a

vida, ora brigando, lutando por mudanças e enfrentando o medo. O silêncio significa

na personagem Paula como uma não aceitação do ato de Carlinhos. O silêncio de

Paula é uma manifestação da resistência à dor. Para revelar sua resistência, ela

silencia, se cala, perde a alegria de uma criança e a leveza do passarinho, conforme

relata Ferrante (1996, p.76) ―Se ao menos respondesse às minhas perguntas...‖ (...)

―Antes o senhor carecia de ver, era alegre como um passarinho...‖. Depois da

violência sofrida, a menina perde a vontade de viver, de falar.

Isso se repete com Tereza Batista na condição de criança, mulher

representante de uma classe sem força, sem voz e sem vez. E pela sociedade

machista e covarde a personagem foi transformada pela violência, pela brutalidade

de uma tia que só pensava em dinheiro e de um devorador de virgens, coronel

Justiniano. Amado (1996, p. 106) descreve: ―a pancadaria recomeçou, surras e

gritos tornaram-se monótonos, só dona Brígida ainda fugia para os matos a clamar

por justiça divina ... seria essa moleca melhor do que Doris para se fazer tão rogada

e difícil‖. Assim viveu a garota de doze anos durante dois anos e meio. Tereza

apanhou todas às vezes que o coronel a quis na cama. Isso remete à uma questão

de poder, uma questão de status social. Sobre poder e status Hall destaca que

―status, a classificação e a posição de uma pessoa na grande cadeia do ser – a

ordem secular e divina das coisas – predominavam sobre qualquer sentimento de

que a pessoa fosse indivíduo soberano‖ (HALL, 2001, p. 25).

Tereza foi vítima da soberania do capitão Justiniano de criança livre tornou-se

escrava do serviço braçal e também do desejo sexual do outro. Segundo Amado

(1996, p. 119) Tereza não era prostituta, mas dela foi arrancada a vida, a infância, a

pureza, o amor, a inocência ―a menina solta, livre, alegre, subindo pelas árvores, em

correrias como um vira-lata em macha e combate de cangaço, com os garotos

respeitada na briga‖. Era assim a vida da menina inocente até ser vendida pela tia

ao coronel.

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 119

A menina ingênua passou a fazer parte de um grupo socialmente

desrespeitado desde que o mundo é mundo – o grupo das prostitutas, das excluídas

pela sociedade, das marginalizadas. E por este grupo passou a lutar, pois Tereza

não admitia um gesto de covardia de um homem para com uma mulher. Tudo isso

porque ela conheceu cedo a dor, a covardia de um homem perante um ser frágil.

Tereza era uma menina alegre da cor da natureza do mel, rosto de cobre, gostava

de correr solta no mato, trepar nas árvores, brincar com o cachorro, mas tudo isso

acabou quando foi adquirida por um colecionador de colar de argolas de ouro, e

assim Tereza embarca em seu destino de crueldade, peste, fome e guerra. Na luta

para não ser possuída, Tereza trava luta com o capitão, dar-lhe pontapé, arranha-lhe

o rosto com as unhas, passa o candeeiro nas virilhas do capitão, o capitão surra

Tereza como jamais surrou alguma virgem para possuí-la, o homem que ama

descabaçar meninas com cheiro de leite consegue vencer Tereza e tê-la com gosto

de sangue. ―Até então fora risonha e brincalhona, muito dada e festiva, amiga de

todo mundo, doce menina. Naquela tarde e naquela noite aprendeu o ódio, de vez e

inteiro. O medo ainda não‖ (AMADO, 1996, p.103).

A resistência de Tereza resultou em muita violência, (IDEM, p. 106), vejamos

os trechos:

Tereza aguentou cada vez que o capitão a teve foi na porrada. Cada novidade, custou tempo e violência. Tereza aprendeu o ofício da cama ao lado de Justo da forma mais dura e cruel, foi queimada na sola dos pés até ouvir o chiado da pele. Aplicou ferro de engomar primeiro num pé, depois no outro. O cheiro de carne queimada, o chiado da pele, os uivos e o silêncio da morte. Depois de fazê-lo o capitão a desamarrou, já não era necessário cordas e violências cobra no corredor, fechadura na porta curso completo e medo e respeito, Tereza por fim obediente. (IDEM, 108).

De acordo com a história de Tereza Batista, as mulheres não passam a fazer

parte de grupo só porque querem ser mulher da vida fácil, mas porque muitas ficam

sem opção diante daquilo que o mundo as oferece. Tereza foi jogada neste mundo,

mesmo assim ela tentou buscar outra forma de viver dançando nos cabarés sem

precisar servir aos homens na cama, ela se tornou amante de um único homem,

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viveu uma vida conjugal, mas não casou porque a sua história a condenava,

já não tinha mais o respeito da sociedade e quem a procurava era para ser a

outra, infelizmente a sociedade é assim, os valores são bem outros,

principalmente no século XX, década de setenta. Dessa forma, Tereza era

submissa pela condição de ser possuída por um coronel, mas livre em suas

convicções E sobre isso, ela constitui a forma-sujeito histórica (ORLANDI,

2015, p. 48), ―é um sujeito ao mesmo tempo livre e submisso. Ele é capaz de

uma liberdade sem limites e uma submissão sem falhas: pode tudo dizer,

contato que se submeta à língua para sabê-la‖.

A identidade de uma pessoa ou de um grupo não é formada de forma brusca,

mas depende de uma história para ir se modelando. Hall (2001, p.38), corrobora

com esta afirmação, pois ele diz que ―a identidade é realmente algo formado, ao

longo do tempo, através de processos inconscientes e não algo inato, existente na

consciência no momento do nascimento‖. Tereza não nasceu prostituta, não nasceu

brigando para ser respeitada, ela aprendeu a gritar e lutar no decorrer de sua

história. Portanto, muda-se apenas as regiões do país, mas as condições de vida

são as mesmas e a literatura cumpre seu papel de propagar as denúncias sociais.

Essas estão presentes nas obras literárias ao longo da história do Brasil e nelas são

registradas a construção identitária de um povo, mas também o poderio dos

dominadores, as ideologias da classe dominante.

Ferrante retrata a situação de Paula, uma moça pobre, filha de mãe

paraplégica. A jovem de onze anos é estuprada, é uma vítima da humilhação e do

machismo – crime cometido pelo afilhado do seringalista do Santa Rita, coronel

Fábio. O jovem vindo de Rio Branco estupra a moça e a ele nada acontece, pois era

filho de um prefeito. A partir do ocorrido, a jovem que antes era alegre, sorridente

perde o sentido da vida, fica depressiva, sua mãe nada pode fazer pelas condições

de miséria subumana em que viviam ali – a senhora presencia a cena e tem um

acidente vascular cerebral, o que piora o quadro de saúde. A questão da identidade

abordada nas histórias narradas por Ferrante e Amado, escritores regionais, tem

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suas características asseguradas ou identificadas nas categorias apresentadas por

Hall (2001, p.36), segundo o qual, a concepção de sujeito sociológico:

Reflete a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos - acultura do mundo que eles habitavam.

Portanto, as histórias das obras citadas demonstram acima de tudo que a

complexidade das diferenças sociais do mundo moderno que exige uma tomada de

consciência do sujeito que não está só, isolado, mas que vive em comunidade e que

mantém uma relação com o outro. E que suas convicções precisam ser defendidas,

precisam atribuir-lhes sentido, assim, criam toda uma simbologia voltada para suas

culturas – seus mundos. Também há nessas obras um retrato do sujeito do

Iluminismo – ―dotado de capacidades e de razão, de consciência e de ação‖, (HALL

(2001, p.42). Por isso, a personagem Tereza Batista se reveste de uma força e vai

em busca de suas lutas e conquistas, é ativa e consciente de seus direitos. Mas

apesar da consciência, Paula não encontra força para resistir à violência assim

como fez Tereza Batista que, apesar da pouca idade sabe que não tem justiça de

seu lado, mas aprende a defender-se. Grumbrecht (1999, p.19), também trata da

questão da identidade social - ―são os papéis que todos têm‖, além disso, ele

aponta a identidade coletiva como - ―a questão da analogia bem problemática – e só

tem direito a identidade coletiva os reprimidos porque tiveram sua identidade

negada‖. Assim consta nessas obras que as personagens vivem querendo afirmar

suas identidades diante das injustiças sofridas, das lutas de classes em defesa da

ética, da liberdade e da afirmação do papel feminino perante a sociedade. Isso é

uma forma de resistência, de demarcar seu espaço social. Por isso, pode-se

confirmar que todo o processo de identidade apresentada nas obras de Ferrante e

Amado, conforme a visão defendida por Figueiredo (2002) ao abordar que a questão

da identidade, surge como uma resposta às opressões sofridas pelos povos

colonizados, pela mulher na sociedade falocrática e pelos homossexuais numa

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sociedade homofóbica. E é assim que os autores demonstram em suas literaturas,

personagens que vivem um contexto repleto de simbologia de uma realidade

identitária, a reação das personagens não revela uma rebeldia, mas um grito de

repúdio às injustiças sofridas pelas condições de vida submetidas.

Coutinho (2002, p.25) relata que:

Uma literatura se define pela sua afiliação nacional porque incorpora as características específicas de uma nação, e que esta, se divide em grupos homogêneos, embora distintos entre si, e marcados por um conjunto único de valores e preocupações [...].

O que se percebe nas obras literárias em estudo são verdadeiras narrações

de histórias que atravessaram o país, por meio de um toque especial de linguagem,

mas que não descaracterizam os acontecimentos que marcaram cada geração

vivida na década de 70 do século XX. Portanto, é possível concluir que as literaturas

são reflexos de vida coletiva, de um contexto sócio-histórico em que se insere a

história e nas ideologias retratadas nos discursos e textos literários, tais ideologias

que eram defendidas na época pela nação. Portanto, o silêncio de Paula e o

enfrentamento de Tereza significam uma forma de resistência da mulher ao não

aceitar a violência, o estupro, o desrespeito ao corpo feminino.

Referências

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Janeiro, 1996.

AGUIAR, Vera Teixeira de. E BORDINI, Mª da Glória. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. 2ª ed. Porto Alegre. Mercado Aberto. 1988.

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FERRANTE, Miguel Jeronymo. Seringal. Coleção Amazônia e Linguagem. UFAC. Departamento de Letras. 2ª ed. 1972.

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GUMBRECHT, Hans Ulrich. Minimizar identidades. In: JOBIM, José Luis. Literatura e identidades. Rio de Janeiro. J.L.J.S. Fonseca (UERJ), 1999. p. 115-124.

HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade/ Tradução. Tomaz Tadeu da Silva. Guaracira Lopes louro -6ª edição. Rio de Janeiro. DP&A, 2001.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 12ª edição. Pontes editores. Campinas, SP, 2015.

, Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Pontes Editores. 2ª Ed.

Campinas, SP. 2012.

, Terra à vista - discurso do conflito: Velho e Novo Mundo. 2ª Ed. Editora

da UNICAMP, Campinas, SP. 2008.

,As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6ª Ed. Campinas, SP. Editora UNICAMP, 2007.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi e et al Editora da UNICAMP. 5ª Ed. 2014.

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A MATERIALIDADE DISCURSIVA DO POEMA “VOZES-

MULHERES” DE CONCEIÇÃO EVARISTO

GABRIELA GOMES REIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS Endereço: Centro, Humaitá – AM, 69.800-000

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE BLOCO 01

Email: [email protected]

Resumo. O presente artigo, tem como objeto de estudo o poema vozes- mulheres, de Conceição Evaristo. Apresentando em sua materialidade discursiva sobre vozes de mulheres que sofreram desde as suas gerações antepassadas, quando foram vítimas da escravidão, remetendo também à transição da mulher negra e de classe baixa dos tempos da colonização, às da atualidade. A partir desses aspectos, analisaremos o discurso que se encontra nos versos e estrofes, servindo de aporte teórico Orlandi (2015) e Althusser (1985). Tendo uma metodologia de cunho bibliográfico, qualitativo, com o objetivo de analisar as ideologias de liberdade e direito de expressão, que levam a noção do valor da mulher negra e da luta, além da conquista de autonomia na sociedade, impondo seus ideais como sendo de valor quanto qualquer outro pudesse ser/ter.

Palavras-chave: Mulheres Negras. Ancestrais. Ideologia.

Abstract. The present article, has as object of study the poem voices- women, of Conceição Evaristo. Presenting in its discursive materiality about the voices of women who suffered from their ancestors generations, when they were victims of slavery, also referring to the transition of the black and lower class women from the times of colonization to the present. From these aspects, we will analyze the discourse that is found in the verses and stanzas, serving as a theoretical contribution Orlandi (2015) and Althusser (1985). Having a qualitative bibliographical methodology, with the objective of analyzing the ideologies of freedom and right of expression, which lead to the notion of the value of black women and of struggle, besides the conquest of autonomy in society, imposing their ideals as being of value as any other could be.

Keywords: Black Women. Ancestors Ideology

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1 Introdução

O artigo aborda uma possibilidade de análise discursiva do poema de

Conceição Evaristo, Vozes-Mulheres, no livro Cadernos negros, de 1990. Evaristo,

foi se destacando na literatura brasileira, ao trazer uma visão diferente, de uma

posição de autoria de mulheres negras, que trazem novas histórias, novos enredos e

novos personagens. Há um discurso literário que surge de experiências vivenciadas

por esses personagens, enquanto eu líricos dizendo sobre suas histórias, enquanto

autores, responsáveis pela temática e, criadores de seus próprios enredos. Ou seja,

vemos a emergência de personagens negras femininas, que, quando autoras,

entram como uma nova voz na literatura brasileira.

Uma das manifestações discursivas está presente no eu lírico que não

esquece o seu passado, empenhando-se em ter em seu discurso vivencias de suas

vozes ancestrais, histórias que ouvia em sua infância e que agora podem ser

compartilhadas aos leitores. Conquistando de certa forma, admiração por escrever

sobre o contexto social-histórico que suas antepassadas foram vítimas e mostraram

igualmente, resistência à opressão.

O poema também remete a transição da mulher negra e de classe baixa dos

tempos da colonização e as da atualidade. Em todo o contexto ao qual pertenceram

as personagens do poema, apresenta uma limitação que não permitia que estas se

expressassem como queriam ou pudessem opinar da sua forma, até certo ponto de

suas histórias/geração onde uma delas pode se expressa e demonstrar seus ideais

com diminuição de repressão ou desvalorização, na realidade da narradora, é

observado que esta é uma das mais atuais dentre suas antecessoras, e próxima de

sua filha, no entanto, ainda é notado grande preconceito para com ela por ser

moradora de favela e diarista, antes da reforma da PEC das domésticas, onde

mesmo num tempo considerado moderno os empregados domésticos eram

submetidos a trabalho escravo sem o mínimo de direito salarial possível. No tempo

de sua filha, é notado que esta consegue quebrar o tabu e impor parte dos valores e

ideal de suas antepassadas que em si procuravam características de melhorias da

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realidade para elas, com isso, é uma grande realização para a narradora que

buscava ser ouvida e reconhecida na sociedade.

2 Uma breve discussão sobre Conceição Evaristo

A escritora Conceição Evaristo é mineira, nasceu em Belo Horizonte e viveu

durante muitos anos na Favela de Pendura Saia. Conforme Leonardo Cazé:

Conceição Evaristo nasceu em uma família de mulheres negras cozinheiras, faxineiras, empregadas domésticas. Segunda filha de nove irmãos, a escritora, que completou 70 anos em novembro de 2016, diz que na infância não viveu a pobreza, mas a própria miséria na favela do Pendura Saia. Ali, da mãe e das tias, ouviu muitas histórias e inventou outras. A ficção era indispensável à sobrevivência, a realidade. Essa experiência é o alimento da sua escrita ou, como ela afirma sua ‗escrevivência‘. (CAZES, 2016, online)

Assim, como é de se esperar a autora traz em sua literatura os temas que

marcam sua existência. Segundo o site ―A notícia‖:

A poeta traz em sua literatura profundas reflexões acerca das questões de raça e de gênero, com o objetivo claro de revelar a desigualdade velada em nossa sociedade, de recuperar uma memória sofrida da população afro- brasileira em toda sua riqueza e sua potencialidade de ação. (A NOTÍCIA, 2017, online)

O poema analisado é caracterizado pelo lugar da poeta, ou seja, a autora

assume um ponto de vista negro ao narrar a trajetória de mulheres negras,

revelando a história de suas ancestrais, sendo perceptível a projeção do seu

passado ao presente e ao futuro. Apresentando as marcas de um eu lírico que tem

consciência de seu fazer histórico e tem seu lugar de discurso marcado pela cor de

sua pele.

O texto poético de Conceição Evaristo narra a trajetória de mulheres negras

em nosso país. A consciência de ser negra, o ocorrido com as mulheres negras que

eram suas ancestrais e as recordações, as marcas que são passadas por geração.

É perceptível que Conceição Evaristo se mostra um sujeito que carrega uma

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ideologia marcada pela sua cor e pela sua história, aspectos estes, que foram

vividos pelas suas ancestrais havendo grande influência em sua caminhada de

escritora, deixando bem explícito as mazelas sofridas no passado.

3 Ideologia

A obra traz diversos aspectos de um tempo anterior. De acordo com Althusser

(1985) só há ideologia pelo sujeito e para os sujeitos.

Enquanto uma pessoa for influenciada, dependendo de suas concepções e

reflexões a partir da realidade, modo de vida, meio social – e até em condições

físicas, no caso do poema, essa pessoa, não será sujeitada de acordo com os ideais

que envolvem indivíduos de ―outro nível‖ nos casos das mulheres brancas.

Althusser ressalta que:

A ideologia é forçada a reconhecer que todo ―sujeito‖ é dotado de uma ―consciência‖ e crendo nas ―ideias‖ que sua ―consciência‖ lhe inspira, aceitando-as livremente, deve ―agir segundo suas ideias‖, imprimindo nos atos de sua prática material as suas próprias ideias enquanto sujeito livre. (ALTHUSSER, 1985, P.90)

Limitando um ser humano de sua liberdade de expressão, fazendo-o um

sujeito desfavorecido. Conforme Althusser (1985, p.23) a existência da ideologia é,

portanto, [...] relações vividas, nela representadas, envolvem a participação

individual em determinadas práticas e rituais no interior de aparelhos concretos.

Todo o contexto no qual as personagens do poema pertenceram, é limitado, pelo

fato que não as permitia expressarem suas opiniões, restringindo-as até certo ponto

de suas vivências ou suas gerações, mas há o fato, no qual, uma delas – constitui-

se filha de Evaristo, pode se expressar e demonstrar seus ideais sem nenhuma

repressão ou desvalorização. Porém, apesar de não haver quase nenhuma restrição

a essa personagem, torna-se extremamente difícil para esta conseguir totalmente

sua autonomia, pelo fato de carregar consigo conforme Evaristo (1990) o ontem – o

hoje – o agora.

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4 Os efeitos do discurso e do silêncio no poema “vozes-mulheres” de

Conceição Evaristo

4.1 Silêncio

Na primeira estrofe, os três versos iniciais são curtos e precisos: ―A voz da minha

bisavó ecoou/criança/ Nos porões do navio‖. Eles indicam algo vivido, dando ideia

de um passado de sofrimento que não se pode esquecer. As imagens evocadas

sugerem a desumanidade do transporte dos navios do tráfico de escravos, o eu lírico

cita a forma triste e devastadora que foi a perda da liberdade de sua bisavó: ―Ecoou

lamentos/ De uma infância perdida‖, sendo levada à força, perdendo sua infância e,

consequentemente, tendo uma vida infeliz. Porém a segunda estrofe relata: ―A voz

de minha avó/ ecoou obediência‖, tornando-se na literatura de Conceição Evaristo, o

local de resistência.

Em Orlandi (2007) amplia os horizontes da disciplina ao complementar que o

silêncio é o real do discurso. Em outra passagem, a autora completa:

O silêncio é assim a ―respiração‖ da significação; um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido. Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é ―um‖, para o que permite o movimento do sujeito. (ORLANDI, 2007, p.13)

E tendo o claro indício de submissão pela forma que a avó era tratada, pois

ela havia nascido naquele ambiente onde existia apenas para servir ―Aos brancos-

donos de tudo‖, pelo fato de o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos serem

atribuídos historicamente ao feminino. Algumas das escravas não trabalhavam no

campo, passavam a lidar com os deveres domésticos na residência de seus donos.

Sabe-se que esse fato acarretava abusos sexuais e até gravidez indesejável

provocadas pelos mesmos.

O eu lírico, na terceira estrofe, apresenta a voz da mãe: ―A voz de minha mãe/

ecoou baixinho revolta‖, a condição de fala já se esboça. Ainda que seja apenas

sussurros, os mesmos ganham tom da ―revolta‖, pois expressa de certa forma um

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não contentamento com a maneira que ela vive, sem direitos, sem liberdade, sem

vida. Na estrofe seguinte, a fala do eu lírico se impõe: ―A minha voz ainda/ ecoa

versos perplexos‖, é perceptível que ainda ocorre o espanto do eu lírico com aquela

realidade vivida pela suas ancestrais, o ecoar é compreendido como algo herdado,

herança de sua bisavó, avó e mãe. Em seguida ―com rimas de sangue/ e/ fome‖ as

palavras utilizadas são de forma planejada, pois o sangrar sugere a injustiça

cometida com suas ascendentes e a fome propõe uma ânsia de justiça pela

conquista dos seus direitos que serão materializados com a voz de sua filha.

A partir da quinta estrofe, temos um eu lírico que apresenta a sua filha, não

apenas o presente, mas o futuro. Nos primeiros versos ―A voz de minha filha/

recolhe todas as nossas vozes/ recolhe em si/ as vozes mudas e caladas/

engasgadas nas gargantas/ a voz de minha filha/ recolhe em sim/ a fala e o ato‖ a

repetição do verbo ―recolhe‖ com a voz, que possivelmente não é mais aquela que

ecoa em silêncio, mas que é abrigada esperando ser ouvida em algum momento,

insistindo em uma repetição, que dá significado e sentido à voz da filha, que em si

guarda todas as vozes.

A repetição auxilia na ênfase de que ―todas as nossas vozes‖ que foram

―mudas caladas‖ ou que estavam ―engasgadas nas gargantas‖, agora se tornam

ouvidas, pois foram repassadas como ―herança‖ até serem livres para se ter um

som, se tornando testemunha de uma trajetória, existente de ecos, que, portanto,

projetasse a uma vida na qual, almeja-se o melhor. Nos versos seguintes temos o

estender desse guardar que é recorrente: ―A voz de minha filha/ recolhe em si/ a

fala e o ato/ O ontem – o hoje – o hoje – o agora.‖ A voz que antes era um lamento,

um silêncio, um sussurro e apenas uma imagem poética, agora não se baseia na

fala apenas, mas se faz o ato.

4.2 Discurso

O discurso é considerado um espaço onde é manifestada, materializada as

diferentes ―ideologias‖ que interpelam o sujeito. É o lugar onde a identidade é criada.

Brandão afirma que:

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Constituindo o discurso um dos aspectos matérias de ideologia, pode afirmar que o discurso é uma espécie pertencente ao gênero ideológico. Em outros termos, a afirmação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas (BRANDÃO, 2002, p.38).

É notável que a partir dos ideais presentes, são perpassados a partir de

estruturas apresentadas no discurso da obra que remetem à reflexão sobre as

classes sociais mais afetadas e de como a superação delas vem sendo cada vez

mais visadas e constituídas com o decorrer do tempo. O eu lírico utiliza-se de uma

forma discursiva que demonstra realidades diferentes mais que ao mesmo tempo se

complementam, até uma total mudança e assim conseguir se reconfigurar de acordo

com um padrão que era almejado, conforme Brandão (2004, p. 76)

consequentemente, preconiza a existência de um Discurso ideológico que,

utilizando-se de várias manobras, serve para legitimar o poder de uma classe ou

grupo social.

As posições discursivas se constituem de uma objetivação que em muito é

explicita, mesmo tratando de um poema ele traz muitas verdades sociais que em

sua maioria são destacados pelas manobras que tornam dele as resoluções

identificáveis diretamente. Para Pêcheux (1988), o sujeito do discurso não se

pertence, ele se constitui pelo esquecimento daquilo que o determina: significação

do fenômeno da interpelação do indivíduo em sujeito do seu próprio discurso. De

acordo com esse pensador, o discurso constitui-se de uma prática, não apenas de

representação do mundo, mas, sobretudo, de significação do mundo, constituindo e

construindo o mundo em significado.

Para Orlandi (2007), discurso não se trata de transmissão de informação

(menção à teoria da comunicação). Não é simplesmente um processo linear, onde

uma fala e o outro assimila, não é sequencial, uma fala o outro decodifica a

mensagem. Para o analista de discurso, o objeto é o discurso.

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Os versos que foram analisados enfatizam a necessidade do eu poético de

falar por si e pelos seus,

[...] a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando (ORLANDI, 2007, p. 15)

Esse sujeito de enunciação, ao mesmo tempo individual e coletivo,

caracteriza não apenas os escritos de Conceição Evaristo, mas da grande maioria

dos autores afro-brasileiros, voltados para a construção de uma imagem do povo

negro infensa aos estereótipos.

5 Considerações finais

Os versos finais ―Na voz de minha filha/ se fará ouvir a ressonância/ e o eco

da vida-liberdade‖, revelam um novo jeito de olhar para a vida, vencendo as

dificuldades que fizeram parte do seu passado afim de ver o presente a partir do

passado e preparar o futuro. A beleza do penúltimo verso está no uso do verbo no

futuro ―se fará ouvir‖ a voz ganha alcance e corpo tendo realmente o que dizer.

A voz da filha não é apenas a autoconsciência da avó, ou a elaboração do

discurso da mãe, mas é uma representação – é um indivíduo mulher que também

representa o coletivo de mulheres que a antecedeu por meio da ação que a leva à

liberdade.

Nessa perspectiva, esse ―o eco vida-liberdade‖, considera que para ter de fato

liberdade deve-se agregar às vozes de seus ancestrais, lembrando sua

ascendência. Para viver, como uma cidadã plena, escritora de sua história, escrita

não pelos que fizeram mal, mas por aquelas que conquistaram dignidade, força e

voz, pelas ―Vozes-Mulheres‖.

Diante do exposto, verificamos que o poema de Conceição Evaristo, mulher

do terceiro mundo, revela a voz do subalterno, existente até mesmo no momento da

escravidão, escondidas no medo, antes de se pensar na existência de tais vozes.

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Assim, numa forma de resistência, Evaristo usa o poder adquirido pelo

domínio do discurso para buscar sua subjetificação, ou seja, sua agência, o

questionamento do lugar do enunciador e do subalterno. Isso ocorre em relação a

uma mulher do terceiro mundo que, como vimos anteriormente, é triplamente

objetificada. Conforme as pesquisas feitas e os teóricos pesquisados para enfatizar

o discurso de Evaristo, remetemos a pensar em Pêcheux (1988) o sujeito do

discurso não se pertence, ele se constitui pelo esquecimento daquilo que o

determina, os relatos perpassados por suas descendentes construíram o sujeito que

Evaristo se tornou.

Referências

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos

ideológicos de estado. 10. ed. Graal, Rio de Janeiro, 1985.

BRANDÃO, Helena Hatsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2. ed.

Campinas: São Paulo: Editora UNICAMP, 2004.

CAZES, Leonardo. Conceição Evaristo: a literatura como arte da ‗escrevivência‘

Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/livros/conceicao-evaristo-literatura- como-arte-da-escrevivencia-19682928><acesso: 13 de Nov. 2017>.

EVARISTO, Conceição. Cadernos negros. vol. 13, São Paulo: 1990.

ORLANDI, Eni P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6. ed. São

Paulo: Unicamp, 2007.

. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas:

Pontes, 2007.

PÊCHEUX, Michael. Semântica e discurso. Campinas: Pontes, 1988.

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O DISCURSO, IDEOLOGIA E O SUJEITO DO CLIP DA MÚSICA: “O TRONO DO ESTUDAR”.

GRAZIELY CRISTINY FERREIRA CARDOSO LUCAS GABRIEL BRASIL DESMAREST

VALÉRIA FRANÇA DOS SANTOS

Instituto de Educação Agricultura e Ambiente Universidade Federal do Amazonas

Rua Circular Municipal, nº bloco 1, 69800-000

grazielly,[email protected] [email protected] [email protected]

Resumo. Este artigo tem por objetivo apresentar uma leitura referente a ideologia encontrada no enunciado das palavras da música O trono do Estudar de Dani Black, apresentando a significação real que essa música tem no cotidiano das pessoas ao que concerne as dificuldades para se obter a educação no discurso da música O trono do estudar, composição de Dani Black, que aborda questões do discurso, ideologia e sujeito, no qual os estudantes fizeram uma mobilização para ter vagas nas escolas que seriam transferido quase 100 unidades de ensino. Como aporte teórico, escolhemos optou-se por Brandão (2002) análise do discurso e a obra de Althusser (1995)Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. Para mostrar o modo como esses estudantes agem perante a sociedade, considerando sua prática discursiva e como os governantes paulistas se sentem produzindo um efeito que sensibilizou a ideologia de todos no país, essa ideologia veio através dos protestos, tendo a participação da comunidade envolvida. Contudo, com o grande apoio de músicos de grande nome e bem visto pela mídia, sendo assim, aglomerando ainda mais essa mobilização.

Palavras-Chave: Discurso. Ideologia. Sujeito. Ensino escolar.

Resumo. This article aims to expose the possibility of a reading referring to the ideology of the words of a song, precisely, to show how these words are enunciated, that has a real meaning, thought in the everyday of many people what they face to obtain a education in the discourse of music The throne of the study, composition of Dani Black, which addresses issues of discourse, ideology and subject, in which students made a mobilization to have places in schools that would be transferred almost 100 units of teaching. With this, we chose to opt for some theorists of the (Brandão, 2002) book of discourse analysis and the work of (Althusser, 1985)

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 134

ideological apparatuses of state: note on the ideological apparatuses of state. To show how these students act before society, considering their discursive practice and how the governors of São Paulo feel themselves producing an effect that sensitized the ideology of everyone in the country.

Palavras-Chave: Speech. Ideology. Subject. School education.

1 Introdução

O presente artigo vem fazendo uma análise da música ―o trono de estudar‖

para a análise do discurso. Vamos trazer a interpretação da música; o que ela quer

nos apresentar. Iniciando apresentando a parte do discurso, em que é preciso ter

uma ideologia materializada para praticar o discurso. E também vem trazendo essa

ideia de impor para o estado que o que eles estão fazendo nessas escolas que

prejudicam cerca de 250 mil alunos, onde estão negando pedidos, não sabendo ver

a situação desses jovens, colocando situação onde irá ficar ruim para eles.

E com a análise da música vem sempre apresentar a forma que esses

sujeitos estão fazendo esse discurso, e de que forma, porque para análise do

discurso vem mostrar o sujeito como dono de sua própria ideologia, buscando a

verdade, mas a sua e não seguindo um padrão de uma sociedade alienada. Como

que esses movimentos de ideias fizeram os estudantes a terem seus pensamentos

apitados ao movimento de ideias dos políticos, e também sabendo enfrentar a

questão econômica do estado.

A forma como cada definição dos pontos como; discurso, ideologia e sujeito.

Todavia, o sujeito está como procurador da verdade, criando sua ideologia para

fortalecer seu discurso diante da sociedade, conforme a música. A música tem sua

forma de crítica contra o poder governamental, pois apresenta uma maneira de

militar as causas que o governo impõe para aquela comunidade escolar. Podemos

analisar um ensino de estudo para todos, de qualidade, que se deve haver escolas

para assim haver uma sociedade com pensamentos críticos e autônomo, pois é na

escola que há esse contado com o meio social, assim abordando diversos valores

que o indivíduo precisa conhecer na sociedade.

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Com este trabalho, pretendemos discutir sobre a ideologia e discurso nas

letras de música do compositor Dani Black. Tendo em vista que a Análise do

Discurso ajuda na percepção que a letra mostra, porque diante disso, vai além da

compreensão, trazendo para parte da música, ela mostra a crítica do momento

histórico vivido pela comunidade escolar, estabelecendo relações de poder,

considerando reflexão de sentidos enquanto parte da vida escolar, de como a

materialidade da música específica do discurso é a língua.

2 O discurso, ideologia e o sujeito na escola

2.1 Discurso

O discurso é um papel muito importante na vida de um sujeito, em que ele vai

colocar suas ―ideologias‖, e criar sua ―identidade‖, para análise do discurso como

Brandão fala:

Constituindo o discurso um dos aspectos matérias de ideologia, pode afirmar que o discurso é uma espécie pertencente ao gênero ideológico. Em outros termos, a afirmação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas. (BRANDÃO, 2002, p.38).

A partir disso, podemos observar, que para tudo é preciso rever suas ações

que estará prestes a fazer, principalmente o discurso, como a autora traz que é

através de uma ideologia que vamos colocar o discurso, onde é preciso saber o que

fica proposto a fazer.

No caso, a música a ser analisada ―O trono de Estudar‖, a ideia a ser

apresentada é a interpretação desse clip e a utilização principalmente da voz dos

estudantes, que estão pedindo uma escolha sobre o que irão fazer com essas

escolas, onde lutam para não haver essa reforma, porque para diante de toda essa

luta, esses jovens precisam dessas escolas pelo fato maior que é morar próximo a

localidade em que as escolas se encontram.

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―O discurso é uma das instancias em que a matéria ideológica se concretiza,

isto é, é dos aspectos matérias da ―existência material‖ das ideologias‖ (BRANDÃO.

2002, p. 46). A autora, discute como o sujeito utiliza a matéria ideológica para

materializar esse discurso, e para esses jovens que estão presos à escola para que

não haja essa destruição material, na qual é o ambiente em que eles irão virar

verdadeiros cidadãos.

Nesse caso a reforma é para que haja uma melhor organização da educação

Paulista, mas essas propostas estão sendo feitas sem a visão da realidade desses

estudantes. Essa negação desses discursos dos estudantes sobre o estado vem

mostrar a interpelação que é utilizada e muitos não notam, onde gera mais

opressão, não deixando os mesmos sem sua voz, os seus diretos como estudantes

e cidadãos comuns.

O discurso é dado, como o meio que alguns indivíduos utilizam para se

comunicar e expor o seu papel na sociedade. Ao falarmos de discurso, em mente

colocamos logo um ―político‖, pelo fato de usar com frequência essa atividade

discursiva, e também sendo uma de suas características em setor, mas não é

somente ele quem promove o discurso, todos os sujeitos promovem discurso,

porque o que mostra isso é a formação discursiva que esse sujeito expõe na

sociedade.

2.2 Ideologia

O conceito de ideologia através do dicionário é a ciência proposta pelo filósofo

francês Destutt de Tracy 1754-1836, que atribui a origem das ideias humanas às

percepções sensoriais do mundo externo, é impossível analisar um discurso sem

situar de onde ele vem, para nós importa muito compreender o conceito de

ideologia, o conceito de enunciado. Então, isso leva a prática de identificar melhor a

língua e assim sucessivamente, para se estender em um conhecimento mais amplo

da análise do discurso de como são produzidas. ―Identificar a ideologia com a

separação que se faz entre a produção das ideias e as concepções sociais e

históricas em que são produzidas‖ (MARX e ENGELS, 2002, p. 19).

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A ideologia tem sua dominação importante sobre a relação do homem com as

condições essências para sua existência, de como a vivencia precisa do direito, da

família e informações do cotidiano, de como ela opera as práticas do aparelho

ideológico, assim, trazendo conhecimento na maneira de como o indivíduo vai

participar de determinada situação perante a sociedade. ―A existência da ideologia é,

portanto, materiais porque as relações vividas, nela representadas, envolvem a

participação individual em determinadas práticas e rituais no interior de aparelhos

concretos‖ (ALTHUSSER, 1985, p.23).

A ideologia é o movimento de ideias em uma sociedade, em que ela interpela

os indivíduos enquanto sujeitos, como uma determinada formação social. Com isso,

formando conjuntos de ideias no que caracteriza o pensamento de um indivíduo em

movimento, compreendendo-se que já é interpelado pela ideologia como sujeito.

Portanto a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos. Sendo a ideologia eterna, devemos agora suprimir a temporalidade em que apresentamos o funcionamento da ideologia e dizer: a ideologia sempre / já interpelou os indivíduos como sujeitos, o que quer dizer que os indivíduos foram sempre / já interpelados pela ideologia como sujeitos, o que necessariamente nos leva a uma última formulação: os indivíduos são sempre / já sujeitos. (ALTHUSSER, 1985, p. 98).

Por isso, todo sujeito é interpelado por uma ideologia, e todos os sujeitos

sempre tiveram e terão uma ideologia própria, tendo espaço de total liberdade na

sociedade para expor suas ideias e críticas, diante de tudo que se espera acontecer

no meio em que se vive.

2.3 Sujeito na escola

O sujeito tem como função representar a realidade, BRANDÃO (2002) relata

que seria como se um enunciado verdadeiro só seria verdadeiro se correspondesse

a coisas existentes. O conceito de verdade privilegia a língua e sua significação,

com tendências representativas, ―segundo a epistemologia clássica, a língua tinha

função em representar o real. Para ela, um enunciado era o verdadeiro se

correspondesse a um estado de coisas‖ (BRANDÃO, 2002, p. 53).

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Podendo, assim também, ser representada por meio demonstrativos de

estruturas, na qual pode exprimir diversas representações, deixando de lado aquela

função representativa do real. E essa tendência é uma das categorias que passa a

ser exemplo, ―o sujeito passa a ocupar uma posição privilegiada, e a linguagem

passa a ser considerada o lugar da constituição da subjetividade. E porque constitui

o sujeito, pode representar o mundo‖ (BRANDÃO, 2002, p. 54).

Apresenta três fases, que analisa o percurso da concepção do sujeito nas teorias linguísticas modernas. A primeira, concentra-se nas ideias centradas de interação, harmonia convencional, é a troca entre o eu e o tu. A segunda centrada no outro, na qual é representada pelo tu que determina o que o eu diz, havendo sempre uma teoria a ser seguida. A terceira centrada no sujeito como complementação do outro, está em um espaço que há discurso entre ambos, um completando o outro (ORLANDI, 1983).

Segundo Benveniste, ―a subjetividade é a capacidade de o locutor se propor

quanto sujeito do seu discurso ela se funda no exercício da língua‖ (BRANDÃO,

2002, p. 56). Nesse caso o locutor vive sua posição através de determinados

índices, nesse processo, ―ao instituir-se um eu, institui-se necessariamente um tu:

Imediatamente, desde que ele se declara locutor e assume a língua, ele implanta o

outro face a ele, qualquer que seja o grau de presença que ele atribui a este outro.

Toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma alocução – ela postula um

alocuntário (1947:82) (BRANDÃO, 2002, p. 56).

Em questão, são protagonistas, um indivíduo na qual apresenta sua própria

marca, distinguindo-se como eu uma pessoa subjetiva e o tu não subjetiva, assim

nem um dos termos torna completo sem um ao outro, sempre são complementares,

o eu caracteriza-se por ser único, tendo seu próprio discurso.

3 Análise da música “o trono do estudar” quanto ao discurso, ideologia

e sujeito

A música ―O trono do estudar‖ de composição de Dani Black, foi feita aos

estudantes de São Paulo em apoio às ocupações das escolas, no qual o governo

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paulista propôs fazer uma ―reorganização‖, para fechar 100 unidades de ensino,

podendo citar um trecho da música em que os músicos defendem a sociedade

escolar ―Ninguém tira o trono do estudar, ninguém é o dono do que a vida dá‖. Com

isso, ganhou dezoitos grandes vozes brasileiras, sendo um deles Chico Buarque, e

assim, gravam a canção apoiando os estudantes.

A chamada ―reorganização‖ proposta pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), fecharia quase 100 unidades de ensino e geraria a transferência de milhares de alunos, que ocuparam dezenas de escolas, fizeram protestos nas ruas e conquistaram a suspensão da medida (On- line).

Na ―reorganização‖ que o governo paulista faz sobre transferir 100 unidades

escolares, vira uma grande movimentação, os estudantes vão atrás de seus direitos,

fazendo ocupações nas escolas e usam seus discursos para lutar contra o governo,

dizem mesmo que perdendo o sono vão lutar pelo que é seu, o direito de estudar.

No qual gera um assunto extremamente complexo, fazendo uma reflexão a respeito

da maneira de como seria o remanejamento de professores, deslocamentos de

alunos até a localidade distante, na qual seriam alocados e com isso chegando na

outra escola, alguns professores seriam desempregados, condição imposta pela

secretária de educação, abordada na música ―o trono do estudar‖, podendo ser

citada a seguinte parte da música ―E tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo,

e perder o sono mesmo pra lutar pelo o que é seu, que neste trono todo ser humano

é rei, seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu, pra ter escolha, tem que ter

escola, ninguém quer esmola, e isso ninguém pode negar, nem a lei, nem estado,

nem turista, nem palácio, nem artista, nem polícia militar, vocês vão ter que engolir e

se entregar, ninguém tira o trono do estudar‖.

Para análise do discurso a temática da música é mostrar a indignação de

estudantes e professores sobre essa reorganização das escolas de São Paulo, para

enfrentar essa briga por direitos com estado é preciso uma ideologia, ou seja, o

sujeito é dado a ter uma ideologia para fazer o seu discurso, ―submetendo o sujeito

mas ao mesmo tempo apresenta-o como livre e responsável, o assujeitamento se

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faz de modo a que o discurso apareça como instrumento (límpido) do pensamento e

um reflexo (justo) da realidade‖ (ORLANDI, 2015, p.51). Citamos a parte da música

―Não venha agora fazer furo em meu futuro, me trancar num quarto escuro e fingir

que me esqueceu, vocês vão ter que acostumar‖.

Se houvesse a mudança das escolas, muitos servidores, professores

perderiam seus trabalhos, na qual realizaram por muito tempo no devido lugar, os

alunos que precisassem se deslocar de uma localidade para o outra teriam custos, e

com isso poderia haver muitas desistências por motivos da falta de dinheiro, pois

nem todos os alunos tem condições de pagar uma locomoção de ônibus ou de

outras até a exata localidade que seriam inseridos esses alunos, seria uma

dificuldade enorme para todos, pois haveria muita falta de desemprego, na qual os

profissionais não teriam como sustentar sua família, e passariam por muitas

dificuldades, assim como os alunos, por não continuarem frequentando a escola. ―A

escola continuaria máquina de sujeição, ainda que mudasse de mãos e adotasse

―valores‖ ou ―interesses‖ hipoteticamente opostos‖ (ALTHUSSER, 1985).

Sendo assim, o governo paulista não conseguiu interpelar com seu discurso

os estudantes, sendo citada a parte da música ―A vida deu os muitos anos da

estrutura, do humano à procura do que Deus não respondeu, deu a história, a

ciência, arquitetura, deu a arte, deu a cura e a cultura pra quem leu, depois de tudo

até chegar neste momento me negar, conhecimento é me negar o que é meu ‖ que

assim foram para as ruas protestar contra a tal ―reorganização‖, e também pelo fato

dos estudantes terem uma ideologia forte e de grande valor na sociedade, e não

aceitar de maneira alguma o que o estado estava colocando com essa reforma na

educação.

A compreensão dos mecanismos internos de dominação coercitiva e de sujeição ideológica é colocada como questão fundamental para a luta política, inclusive no que concerne às instituições da sociedade civil e, portanto, também aos sindicatos e partidos políticos, soi-disant revolucionários ou não (ALTHUSSER, 1985, p.17).

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Portanto, com a concepção da música ―o trono do estudar‖ a análise do

discurso vem trazer conhecimento sobre o sujeito, tendo como seguimento do

discurso através da ideologia, porque o indivíduo precisa ter uma formação

ideológica perante a sociedade, ou seja, toda pessoa tem um certo movimento de

ideia, só que nem sempre praticam como deveriam, e por isso com essa temática da

música que foi sucesso e repercutiu muito, o estado tenta interpelar esses

estudantes, porém eles reagiram, não baixaram a cabeça para os ―poderosos‖,

porque os alunos, familiares e a sociedade que estava ajudando, possuíam um total

conhecimento da situação em que se encontravam, uma ideia e por isso não

aceitaram essa proposta de locomoção da escola na qual prejudicaria todos os

aqueles que seriam afetados, por meio de ―destruições‖ governamentais.

4 Considerações finais

A música de Dani Black foi feita com o intuito da indignação de uma parte de

jovens paulistas, onde o estado estava preste a fazer uma reforma na educação,

onde esses sujeitos eram os principais afetados, principalmente pelo fato de colocar

eles em escolas mais distantes e pelo simples fato de serem maiorais a deles. O fato

de governo Paulista fazer isso foi proporcionar uma organização melhor de seu

estado com meio escolar, e não era somente os estudantes, afetaria todos os atores

dessas escolas, como os professores. E, para análise do discurso é dada as formas

que iram utilizar essa ideologia, e para que isso, vem mostrar com a interpretação do

autor da música quis colocar a essa negação desse discurso desses jovens lutando

pelos seus direitos.

Mostrando como o ensino escolar em nossa sociedade é assustador, porque

a educação não é tratada como prioridade como os demais setores do governo, pois

muitos políticos hoje não procuram melhorar a educação, cada vez mais tirando os

direitos dos alunos e da escola, pelo fato do não interesse, entre outros. Essa

música ―o trono do estudar‖ mostra como as ideologias de movimentos de ideias que

um indivíduo tem do outro, gera um acontecimento tão sensibilizador, seja em grupo,

movimento político, social, etc., no que concerne fatos que ocorrem na sociedade,

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portanto, ninguém é dono da ideologia do outro, cada um tem sua própria ideologia

social, o sujeito constrói seu próprio suas próprias ideias.

Conclui-se, com base nos conceitos da análise do discurso, que o trabalho foi

feito com um levantamento de ideologia, discurso e sujeito através da letra de

música do compositor Dani Black. Analisamos este fato que sempre estar presente

em nossa sociedade, é interessante observar esses pontos de ensino escolar, como

que ela se desenvolve no meio social, no que se refere à criticidade do ser humano.

Referências

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos

ideológicos de estado. 10. ed. Graal, Rio de Janeiro, 1985.

BRANDÂO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 8. ed.

Campinas, SP: Unicamp, 2002.

Disponível em: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/12/23/chico-buarque-e-dado- villa-lobos-gravam-musica-em-apoio-a-estudantes/

ORLANDI, Eni. Analise de Discurso: princípios & procedimentos.12. ed. Pontes,

Campinas, SP. 2015.

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AS FORMAS INTERPELATIVAS DA MÍDIA SOBRE A IDENTIDADE DO CORPO FEMININO

LAÍS DOS SANTOS BEZERRA MARIA DA CONCEIÇÃO DE FIGUEIREDO

Instituto de Educação Agricultura e Ambiente Universidade Federal do Amazonas

Rua Circular Municipal, nº bloco 1, 698000-00

[email protected] [email protected]

Resumo. Este trabalho intitulado As formas Interpelativas da Mídia sobre a identidade do corpo feminino, apresenta algumas considerações sobre as formas interpelativas que a mídia impõe, tais como, certos padrões de beleza para o corpo da mulher. Nele serão expostos os aspectos ideológicos abordados pela mídia, por meio de revistas. O mesmo tem como principal objetivo falar sobre as formas interpelativas da mídia sobre o público feminino, abordando a exposição de mulheres consideradas perfeitas aos padrões estéticos impostos pela mesma. Nesta perspectiva, vemos que as mulheres criam novas identidades, através do que é exposto pelas revistas que vendem imagens, na qual é notório que o corpo feminino deverá seguir um padrão estético, baseado nessas revistas, tais como a revista “Veja” e a “Boa Forma”. A metodologia utilizada é de cunho qualitativo e bibliográfico. Para o embasamento teórico pautou-se em: Althusser (1985), Chaui (2007), Focault (1969), Hall (2006), Hall (2009) Orlandi (2003) Ribeiro (2004)

Palavras-Chave. Mídia. Interpelação. Corpo da Mulher. Identidade.

Abstract. This work entitled The Interpersonal Forms of the Media on the identity of the feminine in the XXI century presents some considerations about the interpolative forms that the media imposes, such as, certain patterns of beauty for the body of the woman. In it will be exposed the ideological aspects addressed by the media. The main objective of this work is to talk about the interpersonal forms of the media about the female audience, addressing the exposure of women considered perfect to the aesthetic standards imposed by the same. In this perspective we see that women create new identities through what is exposed by the magazines that sell images, in which it is notorious that the female body should follow an aesthetic pattern, based on these magazines, such as Veja magazine and Boa Forma. The methodology used is qualitative and bibliographic.

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For the theoretical background it was based on: Hall (2006), Hall (2009) Focault (1969) Althusser (1985) Chaui (2007) Orlandi (2003) Ribeiro (2004)

Key words: Media. Interpellation. Body of the Woman. Identity.

1 Introdução

Este estudo tece algumas considerações acerca do estudo da Análise de

Discurso, em que se observam as formas interpelativas da mídia sobre o corpo da

mulher, cuja mesma cria uma nova identidade, tornando-se sujeito desse poder

ideológico, muitos podem acreditar que esse processo de uma nova identidade está

relacionado, à falta de pensamento sobre o poder dos meios de veiculação de

imagens.

As novas identidades surgem, a partir do momento que o ―sujeito‖ é

condicionado a uma ideologia, ou seja assujeitado pelo ―Sujeito‖. Adquirindo às

práticas discursivas do mesmo e tomando para si, um conceito diferente do

preexistente, tornando-se um indivíduo interpelado e assujeitado as ideias

discursivas do outro. Como corrobora para esta afirmação Ribeiro (2004, p. 30) A

princípio, o sujeito, para a AD, trata-se de uma posição material linguístico-histórica.

Busca-se compreender o modo de produção de sentidos resultantes da interpelação

ideológica. Por seu turno, para a psicanálise, o sujeito é ―produto da linguagem

enquanto efeito da relação entre significantes‖.

No entanto, é importante salientarmos que, essas formas interpelativas não

estão associadas à falta de conhecimento sobre interpelação, existem várias

maneiras diferentes de interpelação. Este artigo justifica-se, porque as mulheres

desejam seguir esse padrão de corpo, imposto pela mídia, não se satisfazendo com

seu próprio corpo, e acabara achando que seu corpo não é o ideal para os padrões

da sociedade atual. Ele está subdividido em quatro seções que são

respectivamente: resumo, introdução, desenvolvimento, análise de dados,

considerações finais e bibliografia.

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O texto dirige-se aos alunos do curso de Letras da Universidade Federal do

Amazonas (UFAM), às pessoas com interesse na AD, e aos estudantes do curso de

Comunicação, tendo como objetivo proporcionar as mulheres o conhecimento do

poder da mídia sobre seu corpo. Sendo seu objetivo específico analisar as formas

interpelativas impostas pela mídia com base na temática em discussão, tais como:

Estabelecer quais são as formas interpelativas que os meios de veiculação de

imagens propõem as mulheres, em busca de um corpo perfeito; Conhecer e buscar

informações sobre AD, para que assim se tenha o pontual conhecimento prévio

sobre a discussão em prática; Socializar com as demais mulheres sobre o poder

midiático imposto no corpo da mulher criando uma nova identidade.

2 Processos interpelativos do poder da mídia sobre o corpo da mulher

Muito se discute a respeito da identidade do corpo feminino, principalmente

quando se refere a um corpo esbelto, sarado e cheio de curvas. No entanto, o que

muitas não sabem, é que por traz de tudo isso, há um processo chamado

interpelação no qual, a mulher muitas vezes se inspira em outras mulheres a procura

de um corpo perfeito, através do meio de veiculação de imagens, principalmente, em

revistas de beleza e saúde. Sobre interpelação, Althusser (1985, p. 98) aborda que:

A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos. Sendo a ideologia eterna, devemos agora suprimir a temporalidade em que apresentamos o funcionamento da ideologia e dizer: a ideologia sempre/já interpelou os indivíduos como sujeitos, o que quer dizer que os indivíduos foram sempre/já interpelados pela ideologia como sujeitos.

Diante deste contexto, podemos perceber que a ideologia imposta pela

sociedade, perpetuamente interpela os indivíduos transformando-os em sujeitos. No

entanto, é de grande relevância ressaltar que, esses processos interpelativos

ocorrem, não só através dos meios de veiculação de imagens, mas também, através

do discurso. Sobre discurso: ―esse processo produz o sujeito pós-moderno,

conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente‖

(HALL, 2006, p.12). A identidade torna-se uma ―celebração móvel‖. Isso significa que

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o sujeito, após ter criado uma nova identidade ele torna-se pós-moderno e dessa

criação a identidade não se torna fixa.

Diante disso, percebe-se que, as mudanças de identidade, através das

tendências impostas pela mídia acabam gerando assim, uma nova identidade para o

corpo feminino. No século XXI, é comum vermos mulheres expondo seu corpo em

capas de revistas, com intuito de chamar a atenção para a venda destas, chegando

assim ao consumismo.

Na busca pelo corpo ideal a mulher, muitas vezes sofre a interpelação em

função de um corpo perfeito, baseado em atrizes famosas que são capas de

revistas, quando se trata do corpo da mulher, algumas mulheres são capazes de

qualquer coisa em busca do corpo ideal, imposto pela sociedade. Por isso, muitas

acabam sofrendo consequências prejudiciais à saúde, ocasionando doenças como

anorexia e bulimia, consequentemente, por conta da interpelação que sofreram em

busca do tão sonhado corpo ideal. Diante de tais concepções, veem que, o corpo

feminino passa a ser visto como um objeto de grande exposição tendo em vista, as

propagandas que geram grande audiência para alcançar o seu público-alvo, como:

de revistas, propagandas de cervejas, peças íntimas e outros, na qual passa a ter o

corpo exposto pela mídia, atraindo admiradores do público masculino, ou até mesmo

críticas.

3 Formação discursiva e formação ideológica que contribuem para a

constituição da identidade do corpo feminino

Muito se têm discutido, recentemente, a cerca, das formações discursivas e

as formações ideológicas que contribuem para a constituição da identidade do corpo

feminino. Vemos ao decorrer dos anos que, as formas discursivas vêm se

modificando e a todo o momento, modificando os indivíduos que, por elas são

influenciadas. Segundo Orlandi (2003, p.15) ―o discurso é assim palavra em

movimento, prática de linguagem com o estudo do discurso observa-se o homem

falando‖.

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Fazendo uma ressalva a respeito do discurso, é importante relembrarmos o

que já havíamos dito que, o mesmo está em constante mudança gerando assim

novas formações discursivas. Isto é, ocorre também com o corpo feminino que

perpassa por mudanças, após novas tendências, seja de moda, ou estética. A

respeito das formações discursivas Orlandi (2003, p.43) aborda que ―a formação

discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada-ou seja, a

partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio- histórica dada- determina o

que pode e deve ser dito‖. No entanto, isso ocorre muito, principalmente com a

exposição do corpo da mulher, pois a mesma é influenciada a uma dada posição

seja ela social, cultural, ou econômica, desta forma, passa a usar o seu próprio

corpo como meio de ―vender‖ algo seja, produtos de beleza ou saúde.

Em vista disso, Silva (2007, p.13) aborda que ―tornou-se um lugar comum

dizer que a mídia é o primeiro na hierarquia e que condensa e comanda os outros,

de uma ou de outra forma‖. Ou seja, através do seu discurso, ela é capaz de

comandar todos a sua volta, e vale lembrar que isso não se trata apenas de não ter

conhecimento em AD, ou interpelação. Ainda para reafirmar isso, Silva (2007, p.13)

diz que ―mídia é certamente a palavra que melhor designa a multiplicidade das

formas de circulação de discurso‖ pois a mídia é um canal aberto na qual, todas as

pessoas têm acesso a ela, diferentemente dos livros que não são tão acessíveis

como os meios de veiculação de imagens.

O meio de veiculação de imagens, principalmente revistas de beleza e saúde

ou até mesmo as propagandas, são umas das principais influenciadoras, do público

feminino, pois com a ajuda desses meios, ganham mais ainda a confiança da mulher

em expor seu corpo.

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4 O discurso sobre o sujeito nas revistas “Veja” e “Boa forma”

Figura 1

Disponível em: <<http://ego.globo.com/biquini/notícia/2016/03deborah-secco-veja/>>

Acesso em: 01/11/2017.

Diante desta capa de revista da ―Boa Forma‖ percebemos a interpelação

exposta através do corpo magro e saudável da atriz Débora Secco, na qual vem

trazendo a seguinte frase “Já está com esse corpo! E Fala em primeira mão, sobre

sua fase mais feliz”. Na seguinte frase percebemos que o corpo da atriz chama mais

atenção do que o discurso que vem abordando.

Se outras mulheres puserem os olhos na revista, elas irão ser interpeladas

pela imagem, pois a atriz está com esse corpo, mesmo sendo mãe. Sobre discurso

ideológico Chaui (2007, p.15) diz que

O discurso ideológico é aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e, destarte, engendrar uma lógica da identificação que unifiquem pensamento, linguagem e realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada, isto é, a imagem da classe dominante.

No entanto, é o que vemos nas revistas de moda e saúde, no qual o corpo

feminino é exposto de forma idealizada pela mídia para interpelar, e assim, criar

identidades universalizadas, através deste meio de veiculação de imagens. O

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discurso também interpela o público feminino através de valores obtidos pelas

mulheres bem-sucedidas socialmente como é o caso da apresentadora Sabrina

Sato.

Figura 2.

Disponível em: <<http://www.asiacomentada.com.br/tag/revista-exibe-corpo-perfeito-

>>Acesso em: 01/11/17.

Notamos que as ideologias transpassam o discurso (nesta revista é bastante

perceptível, pois com esta legenda: Burra Eu? Entende-se que a apresentadora não

precisa ser inteligente para ganhar dinheiro basta ter um corpo sarado que irá

conseguir. Em visto disso, notamos ainda, que a apresentadora fatura com seu

corpo cerca de R$ 300. 000 mil reais, através da exposição do mesmo em capas de

revistas, programas de televisão, e a dança, tendo em vista que Sabrina é rainha de

bateria de duas escolas de samba.

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Vemos nesta exposição à presença de uma ideologia, segundo Chaui (2007,

p. 16) ―ideologia é aquele discurso no qual os termos ausentes garantem a suposta

veracidade daquilo que está explicitamente afirmando‖. Como é caso da

apresentadora citada acima, na qual ela afirma que ganha dinheiro através de seu

corpo, considerado ―ideal‖ aos olhos da sociedade atual, com esse discurso a

mesma interpela várias mulheres que desejam atingir o mesmo padrão de fama,

corpo e dinheiro.

Figura 3.

Disponível em:<< https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccide>>Acesso

em: 01/11/17

Outro caso que analisamos são as revistas que expõe ―o corpo idealizado e

perfeito‖ para as mulheres que gostariam de ter um corpo que não fosse de efeito

sanfona, no qual a mulher ganha e perde peso com facilidade, visto que o ideal para

a mídia seria o corpo sarado e cheio de curvas. Ainda convém lembrar que essas

formas ideológicas causam problemas para a maioria das mulheres.

É visto que o principal objetivo das revistas é o aumento do público feminino,

em expor o seu corpo, de forma para obter sucesso e dinheiro, perante a sociedade.

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A respeito de ideologia Althusser (1985, p.93) ― só há prática através de e sob

uma ideologia‖; ―só há ideologia pelo sujeito e para o sujeito‖, as quais levam à

formulação central: ―a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos‖. Portanto,

como foi visto na citação acima, diante de uma concepção ótica da análise de

discurso, a ideologia das revistas interpela os indivíduos na produção de um

imaginário feminino.

Em vista disso, observa-se, que a ideologia exposta pela mídia através das

imagens ilustradas acima, influencia grandemente nas identidades femininas, devido

muitas mulheres desejarem a obtenção do corpo idealizado e considerado perfeito

pelos meios de veiculação de imagens, ganhando mais espaços no meio publicitário

no mundo da fama.

Desta forma, em busca do tão sonhado corpo perfeito, algumas mulheres acabam

se submetendo a qualquer coisa, para a obtenção do corpo considerado por elas o

―corpo perfeito‖, tudo isso através das mídias que impõe esses padrões de beleza

para que as mesmas sejam interpeladas e impostas a seguir uma nova identidade

devido ao discurso que a mídia utilizou para que essa formação discursiva

acontecesse.

5 As redes sociais como forma de interpelação

É de fundamental importância, fazer uma análise da sociedade,

principalmente do público feminino que, as redes sociais no século XXI, são um dos

principais meios nas quais interpelam jovens e adolescentes. Dentre as principais

redes sociais que podemos destacar são: Facebook, Instagram, Twitter entre outras,

no qual, famosas utilizam desse recurso para expor sua rotina como “story” em sua

rede social, atraindo milhares de seguidores que podem apropriar-se de dicas de

beleza, moda e saúde.

Notamos que, assim como as revistas, as redes sociais influenciam

significativamente o público feminino, a cada ―postagem‖ é fato que, constantemente

os jovens usam o aparelho celular e a maioria possui conta em rede social. Muitos

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jovens se inspiram ou seguem alguns famosos, acabam adquirindo um novo cabelo,

corpo, roupa, entre outras coisas.

Ainda convém lembrar que, não só apenas o público feminino é afetado, o

público masculino também pode adquirir essa nova identidade imposta pela mídia.

Segundo Silva (2007, p. 14)

É que as revistas não são apenas masculinas ou femininas, adultas ou juvenis. Elas retomam- e ajudam a constituir- os que têm a idade que têm, mas gostariam de ter outra, ou os que têm a idade que têm e, por isso ou apesar disso, usam tatuagens ou piercings ou frequentam academias e, por isso, precisam saber como alimentar-se e com que roupa ir aos diversos lugares, sem contar que são elas que dizem a que lugares se deve ir.

Com base nisso, podemos ressaltar aqui novamente do quanto o meio de

veiculação de imagens e as redes sociais, podem tornar-se maléficas, dependendo

do saber de uso dela. Tendo em vista que, a coletividade usa esse meio de

comunicação, e ao ser usado apodera-se dos conteúdos que estão por traz da tela

do celular, computador, ou quaisquer outros equipamentos utilizados pelo mesmo.

As perguntas são óbvias: quem são, o que fazem, o que pensam (o que

são levados a pensar) jovens, mulheres, homens? As respostas são menos óbvias. São, frequentemente, contraditórias e misturadas e certamente são esboçadas nesses lugares que põem em circulação textos e imagens segundo regras específicas, que são, ao mesmo tempo, as do mercado e as do gênero discursivos. (SILVA, p. 14).

Tendo em vista, que os indivíduos não se ocupam somente das imagens que

ali estão, mas também do discurso, que a imagem representa, tomando para si o

discurso do outro, que já se encontra pronto. No entanto, milhares de pessoas

compartilham na internet mensagens, fotos ou até mesmo o que está circulando

ultimamente que são os ―memes‖, nos quais pessoas se identificam com o

enunciado do mesmo.

Um dos aspectos importantes que pode-se perceber na AD é, investigar os

falsos discursos que estão na maioria das vezes explícitos em revistas, redes sociais

e outros que sustentam suas falsas afirmações para que, o interlocutor seja

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interpelado por esse discurso ideológico, levando o mesmo a prática de atos

erróneos. Para Silva (2007, p.13) ―analisar a mídia é hoje uma necessidade

fundamental‖. Em vista disso, os interlocutores devem averiguar a mídia de forma,

que, possam avaliar se o discurso é verdadeiro ou não.

Em razão disso, nota-se do quanto nos dias atuais há indispensabilidade de

refletir do quão é, relevante analisarmos os meios de difusão de comunicação. Pelo

fato que, a mídia assujeita a sociedade pelas suas formas discursivas, tornando-os

dependentes desses discursos com o intuito de sentir-se bem psicologicamente e

fisicamente acreditando que essa linguagem é algo essencial e verdadeiro. Silva

(2007, p.15) aborda que.

Dito de outra forma, a realidade pode não corresponder aos discursos- um dos axiomas da análise do discurso diz respeito exatamente à falácia que é sustentar essa relação, que é a que fazem muitas teorias da linguagem. Mas a questão verdadeira não é bem essa: a verdadeira questão é a da correlação entre os discursos e as ideologias, ou seja, entre os discursos e o mundo como os sujeitos ―pensam‖ que é- ou como poder ser (nessas revistas, para eles). Ou, vendo as coisas ainda mais de perto, quais a relações entre o que se diz e o conjunto de práticas que os sujeitos assumem ou a que se submetem.

A revista tem uma materialidade discursiva fundamentadas idelogicamente na

produção de um imaginário feminino. Ocorre que, esse imaginário feminino se

distancia da realidade, efeito esse não perceptível, pois como já afirmado

anteriormente a ideologia interpela os indivíduos de maneira inconsciente.

6 Considerações finais

Portanto, concluímos neste artigo que as formas interpelativas da mídia sobre

o corpo da mulher ocorrem através do discurso, da ideologia imposta pelos

conjuntos de meios de comunicação, pelas redes sociais (Facebook e Instagram

entre outras), transformando os sujeitos em assujeitados, ocorrendo assim a

mudanças de identidades.

Diante deste cenário, vemos que há uma variedade de formas com quais as

mulheres são interpeladas, seja pelo corpo magro e saudável, seja pela fama, ou

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pelo dinheiro. Muitas se inspiram em atrizes famosas ou apresentadora de TV, que

sempre vem abordar uma temática em discussão, para chamar atenção do público

feminino, que na verdade um dos principais objetivos das revistas é de chamar

atenção de um público pela sua capa, vender, e impor um discurso por meio de

imagens e textos nas quais interpelam as pessoas.

E quando isso ocorre, mulheres querem o corpo do momento, o cabelo que

está em alta, ou até mesmo as roupas que as famosas estão usando. No entanto, as

próprias atrizes famosas ou apresentadoras de TV compartilham suas vidas nas

redes sociais, para onde vai, o que vão vestir, conquistando milhões de seguidores

no mundo todo, na qual as mulheres que seguem, são interpeladas, pois buscam

atingir o mesmo padrão de beleza para sentir-se bem consigo mesma. Na sociedade

em que vivemos, é de fundamental importância que, saibamos da quão poderosa é

a mídia sobre o nosso corpo, e um dos objetivos que retomamos em nosso artigo, é

que mulheres, jovens e adolescentes adquiram conhecimentos sobre o discurso e a

ideologia das revistas e sobre à análise de discurso, por isso a relevância de analisa-

la.

Em suma, vemos que esses processos estão em constante mudança, pois os

padrões estéticos com o passar dos anos vão criando novas identidades, isto é,

interpelando novamente os sujeitos, tendo em vista que através dessas mudanças

que ocorrem ao longo dos anos, outra identidade também ocorre. No século XXI,

vemos as crianças utilizando o recurso de meios de veiculação de mensagens,

ligado no que acontece no Brasil e no mundo, desde esse momento já estão

sofrendo algum tipo de interpelação, seja por imagens ou por texto. Enfim,

deveremos procurar estudar e analisar a fim esses meios que divulgam informação.

Referências

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de janeiro: Edições Graal, 1985

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CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas/

Marilena Chaui. -12.ed.-São Paulo: Cortez, 2007

FONSECA-SILVA, Maria da Conceição. Poder- Saber- Ética nos Discursos do Cuidado de Si e da Sexualidade. Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2007.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade/ Stuart Hall; tradução

Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro- 11.ed. – Rio de Janeiro: DP&A,2006

Da diáspora: identidade e mediação culturais/ Stuart Hall;

Organização liv Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Resende... [et al.]. 1ª edição atualizada- Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009

ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 3 ed. Campinas: Pontes, 2003

RIBEIRO, M. S. M. A questão da interpretação na análise do discurso e na psicanálise: interseções. IN: Correio da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. n.131. Porto Alegre: APPOA, dez. 2004.

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O DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL SOB O VIÉS DA DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM ESCOLAR

LUCIANA OLIVEIRA MONTEIRO, NIUARA DOS SANTOS LIMA,

JOÃO ELÓI DE MELO

Fundação Universidade Federal de Rondônia Departamento Acadêmico de Ciências da Educação

Departamento Acadêmico de Ciências da Administração, Campus de Guajará-Mirim, Rod. BR 425 km 2.5, S/N, Jardins das Esmeraldas,

C.E.P: 76850-000 Guajará-Mirim/RO

[email protected] [email protected]

[email protected]

Resumo: Acredita-se que a personalidade desenvolve-se em etapas da vida, a teoria psicossocial compreende-se que o ser humano sofre o impacto da experiência social ao longo de toda a vida através interação social no desenvolvimento dos seres humanos. Diversos fatores implicam na dificuldade de aprendizagem, seja eles: afetivo, cognitivo, familiar, social e a interação escolar. Percebe-se que o discente possui base concreta, e por meio do devido acompanhamento a partir do seu ingresso nos ritos escolares, lhe dará condições para ultrapassar as dificuldades que encontrará em sua vivência. Os estudos temáticos sobre emancipação psicossocial ainda é incipiente, pois não se desenvolve no âmbito no desenvolvimento do processo educacional, de tal forma as inúmeras lacunas, destarte as obras priorizam os estudos no viés da saúde mental. Pretende-se, esclarecer o desenvolvimento psicossocial para dentro do espaço educacional. Apontar os principais fatores que correspondem às dificuldades de aprendizagens cognitivas do aluno no âmbito escolar pela repercussão psicossocial. Descrever os estágios psicossociais de vida do aluno no processo escolar. Demonstrar a problematização que a criança pode adquirir caso não possua esses estágios desenvolvidos. Ainda, analisar como ocorre a inclusão escolar a partir dos aspectos que neutralizam o desenvolvimento psicossocial entre ser humano-família-sociedade-escola. Os fundamentos teóricos apresentados por Erikson satisfaz o aporte teórico. A composição que segue pelo discurso dialético concebe o adequado trato da temática no recorte bibliográfico. A relevância em se demonstrar alguns aspectos que ocorre no espaço escolar do aluno ao ser inserido na escola nos primeiros anos de vida, tais como: aceitação, socialização com a classe, apoio e participação constante dos pais juntamente com a escola.

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Palavras-Chave. Desenvolvimento Psicossocial. Dificuldade de Aprendizagem. Espaço Escolar. Inclusão Escolar.

Resumen: Se cree que la personalidad se desarrolla en etapas de la vida, la teoría psicosocial se comprende que el ser humano sufre el impacto de la experiencia social a lo largo de toda la vida a través de la interacción social en el desarrollo de los seres humanos. Diversos factores implican en la dificultad de aprendizaje, sean ellos: afectivo, cognitivo, familiar, social y la interacción escolar. Se percibe que el alumnado posee base concreta, y por medio del debido acompañamiento a partir de su ingreso en los ritos escolares, le dará condiciones para superar las dificultades que encontrará en su vivencia. Los estudios temáticos sobre emancipación psicosocial aún es incipiente, pues no se desarrolla en el ámbito en el desarrollo del proceso educativo, de tal forma las innumerables lagunas, destete las obras priorizan los estudios en el sesgo de la salud mental. Se pretende, por lo tanto, hacer la luz del desarrollo psicosocial hacia el espacio educativo. Aponte los principales factores que corresponden a las dificultades de aprendizajes cognitivos del alumno en el ámbito escolar por la repercusión psicosocial. Describir las etapas psicosociales de vida del alumno en el proceso escolar. Demostrar la problematización que el niño puede adquirir si no tiene estas etapas desarrolladas. Además, analizar cómo ocurre la inclusión escolar a partir de los aspectos que neutralizan el desarrollo psicosocial entre ser humano-familia-sociedad-escuela. Los fundamentos teóricos presentados por Erikson satisfacen el aporte teórico. La composición que sigue por el discurso dialéctico concibe el adecuado trato de la temática en el recorte bibliográfico. La relevancia en demostrar algunos aspectos que ocurre en el espacio escolar del alumno al ser insertado en la escuela en los primeros años de vida, tales como: aceptación, socialización con la clase, apoyo y participación constante de los padres junto con la escuela.

Palabras Clave: Desarrollo Psicosocial. Dificultad de Aprendizaje. Espacio Escolar. Inclusión Escolar.

1 Considerações iniciais

Acredita-se que a personalidade desenvolve-se em etapas da vida do ser

humano, pela teoria psicossocial compreende-se que o ser social sofre o impacto da

experiência social ao longo de toda a vida através interação social no

desenvolvimento e crescimento dos seres humanos.

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Diversos fatores implicam na dificuldade de aprendizagem, sejam eles: social,

afetivo, cognitivo, familiar e a interação escolar. Acredita-se que o discente possui

base concreta, e por meio do devido acompanhamento a partir do seu ingresso nos

rito escolar lhe dará condições para ultrapassar as dificuldades que encontrará em

sua vivência.

Na nova reforma educacional é permitido que as crianças passem a ter

acesso à escola gratuita a partir dos 4 anos de vida, então esses alunos terão

experiências escolares e assim também incorporarão os espaços afetivos de tal

forma que a escola se integra em sua realidade familiar. Logo, a permanência no

espaço escolar por período integral repercute assim a “bomba” de consequências

emocionais e sociais nesta criança, de modo que falta então a aproximação

necessária para o desenvolvimento psicossocial, afetivo de esse ser.

Com o avançar dos anos nota-se que o modelo tradicional escolar

transformou-se, e, com as novas leis de inclusão escolar, a escola não pode negar a

recepção do aluno com necessidades especiais, independentemente de qual

necessidade esse aluno tem, mas percebemos que há falhas nesse processo, pois

falta profissionalização de toda parte no âmbito escolar, gestão, professores, apoio

técnico, infraestrutura, material adaptado, dentre os fatores que englobam toda essa

problemática.

Os estudos temáticos sobre emancipação psicossocial ainda é incipiente e

com tal inquietação percebe-se o desenvolvimento psicossocial que permeia a

discussão no viés da saúde mental, e não no aspecto relacionado ao que isso pode

ocasionar no desenvolvimento escolar desse aluno. A compreensão do viés de

desenvolvimento psicossocial para dentro do espaço educacional proporciona o

melhor resultado cognitivo para o indivíduo em fase de desenvolvimento social.

Estrutura-se no projeto de pesquisa o planejamento de como evoluirá seu

trabalho, para isso é necessário que aja indagações relativas a determinado

problema. Para tanto é preciso definir e planejar para que o próprio pesquisador

saiba quais caminhos percorrer no desenvolvimento do trabalho de pesquisa e

reflexão, direcionando, assim, etapas que deverão ser alcançadas, os instrumentos

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 159

e quais estratégias serão abordados no processo da pesquisa. Têm como escopo

principal desta investigação apontar os principais fatores que possam corresponder

às dificuldades de aprendizagens do aluno no âmbito escolar pela repercussão

psicossocial. Para ser possível alcançar tal condição se faz necessário estabelecer

outros três objetivos específicos: Descrever os oitos estágios psicossociais de vida

do aluno no processo escolar; Demonstrar a problematização que a criança pode

adquirir caso não possua esses estágios desenvolvidos; e Analisar como ocorre a

inclusão escolar a partir dos aspectos que neutralizam o desenvolvimento

psicossocial entre ser humano-família-sociedade-escola.

Ao estabelecer os aspectos que ocorrem no espaço escolar, no qual o aluno é

inserido nos primeiros anos de vida discente espera-se que ele seja capaz de aceitar

e aceitar-se como também socializar-se com a classe, classificando-o assim como

―normal‖ e os que diferem destes protocolos são nominados ―especiais‖. Espera-

se assim o registro da contribuição social e também acadêmica desta pesquisa.

2 Referencial teórico

O recorte contextual e temporal é constituído a partir do modo como os

teóricos estabeleceram os principais conceitos, que aportaram os demais estudos

estruturados nessa seção como elementos primordiais para permitir configurar as

assertivas que seguirão devidamente tratadas nas discussões dessa investigação.

2.1 Desenvolvimento Psicossocial

Existem oito estágios do Desenvolvimento Psicossocial no viés da Psicologia:

inicia-se com o nascer do indivíduo e finaliza com a sua morte, sendo que cada fase

assume a vertente de positiva ou não positiva na vida da pessoa, ou seja, as etapas

cooperam na construção da essência da personalidade. Para a Teoria do

Desenvolvimento Psicossocial a evolução psicológica se distingue por estágios bem

definidos em que a interação dos sujeitos com o ambiente não se faz necessário, ou

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seja, o indivíduo não necessariamente necessita do outro para ultrapassar os

estágios psicossociais, conforme o psicoanalista Erik Erikson.

A crise de identidade é a correspondente do desenvolvimento psicossocial

para cada estágio descrito as inclinações positivas ou mesmo negativas das crises

que o sujeito passa ao longo de sua vida. Ambas são fundamentais para êxito no

processo evolutivo, mas é imprescindível a sobreposição positiva para que garanta

assim o ser humano mais centrado e psicologicamente evoluído. O formato da

superação dos conflitos internos é enfrentado no decorrer dos estágios interferirá na

habilidade de solucionar impasses ao longo da vida.

2.2 Dificuldades de Aprendizagem

Na educação, decidir e definir os objetivos de aprendizagem significa

estruturar, de forma consciente, o processo educacional de modo a oportunizar

mudanças de pensamentos, ações e condutas para então ter desenvolvimento

cognitivo baseado nas fases de cognição do indivíduo, na certeza que cada ser tem

seu tempo para a compreensão de tudo e principalmente os alunos no âmbito

escolar. Essa estruturação é resultado do processo de planejamento que está

diretamente relacionado à escolha do conteúdo, de procedimentos, de atividades, de

recursos disponíveis, de estratégias, de instrumentos de avaliação e da metodologia

a ser adotada por determinado período de tempo. Basear-se para o

desenvolvimento de instrumentos de avaliação e utilização de estratégias

diferenciadas para facilitar, avaliar e estimular o desempenho dos alunos em

diferentes níveis de aquisição de conhecimento; levando em consideração seus

aspectos psicológicos e evolutivos,(FERRAZ e BELHOT 2010).

Segundo os princípios construtivistas, usam o funcionamento psicológico para

então compreender e explicar os processos de aprendizagem e desenvolvimento

educacional como também elaborar e fundamentar proposta de inovação e

melhorias na educação, sendo atualmente a prática generalizada. Portanto, o

conhecimento e aprendizagem é o fruto da atividade mental construtiva do ser, onde

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se pode fazer a conclusão das experiências adquiridas ao decorrer da vida, (COLL,

MARCHESI e PALACIOS 2004).

Abordagens cognitivas envolvem pensamentos e esquemas mentais, de

forma a lidar com o conjunto de crenças, a visão do indivíduo sobre si mesmo e o

mundo. Para entender as dificuldades que surgem no processo escolar é necessário

relacionar com a vontade de aprender com a aquisição de cada ser, baseado

perante análises intelectuais, onde o emocional é o fator primordial para a evolução

pessoal,(GONÇALVES 2003).

A avaliação é importante no processo educacional para a enfatização do

reforço do seu papel formador como fonte de valorização do ensino e aprendizagem

dos quais os alunos participam e aplicam de forma significante o conhecimento para

o mundo. No ínterim do processo avaliativo, os significados da construção prévia e o

sentido que obtiveram para os discentes, as atividades de aprendizagem e avaliação

serão elementos determinantes do resultado do sucesso ou fracasso

educacional,(COLL.C, MARCHESI.A e PALACIOS.J 2004).

Nas últimas décadas todas e quaisquer dificuldades de aprendizagem têm

sido rotuladas como ―síndromes‖, o que fez com que muitos profissionais de diversas

áreas entrassem no espaço escolar para dizer o que deveria ser feito com o

discente, desconsiderando o contexto e a especificidade da tarefa escolar. A visão

clínica de doença, de remediação e de recuperação instalou-se no ambiente escolar.

É inegável também que frente a alguns transtornos específicos se faz necessário o

uso de medicamentos monitorados pelo médico, mas não se pode generalizar. E,

assim, o aluno seria o único responsável pelo déficit na aprendizagem, tirava-se o

professor da ―jogada‖ e culpava-se o seu desempenho não cooperativo com o

tratamento. Esta visão patológica de aprendizagem desviou a escola da sua ação

educativa e as falhas foram buscadas no aprendiz, o que não é benéfico, já que isso

não promove o crescimento dos profissionais da educação e nem da própria

instituição educacional,(PADILHA 2012).

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 162

2.3 Espaço Escolar

A escola como espaço norteador da aprendizagem educativa, necessita de

diagnostico social evolutivo de avaliação e acompanhamento dos alunos com

necessidades especiais educativas decorrentes de situações sociais ou culturais

desfavorecidas, a necessidade então de visão global que inclui aluno e o ambiente

em que este vive. Concluímos que a escola é hoje uma das mais importantes

instituições sociais que faz, assim como outras, a mediação entre o indivíduo e a

sociedade, transmite cultura, valores morais, o que permite que a criança seja

humanizada e socializada para então apropriar de sua personalidade ao

pertencimento ao grupo social, (ANA 2017).

Os níveis de intervenção nesse âmbito se caracterizam em planos de

trabalho, com normas nas instruções de início de ano, as quais são três: atenção

aos alunos, e às suas famílias, atenção às escolas e atenção a sala de aula. Tais

análises nos permite estabelecer a visão ampla sobre os alunos com necessidades

especiais educacionais decorrentes de situações sociais e/ou culturais

desfavorecidas, implicando, dessa forma, no reconhecimento da importância da

situação social no processo educativo e de aprendizagem dos alunos, e no ínterim

nos permite o trabalho de avaliar o ambiente do aluno, o qual se diferencia em duas

fases: no início da escolarização e a outra nas mudanças e etapas educacionais.

Todo o processo de avaliação individual da escolarização do aluno socialmente

desfavorecido é muita importância para o crescimento do mesmo, e também para o

desenvolvimento da escola, contudo isso minimiza diversas problemáticas: Trabalho

em conjunto com toda equipe escolar para conhecer as situações que propiciam a

marginalização e oferecer recursos a fim de vincular os alunos a espaços educativos

– ocupação do tempo livre, autonomia para não aceitação do convite do possível

consumo de substâncias tóxicas. Projetos escolares que abrangem as famílias que

são socialmente desfavorecidas. Atividades de intervenção nas comunidades

educativas para que possam incluir os desfavorecidos para que possa assim abrir o

elo entre homem-escola-família-sociedade, (DOLORS LBOBET 2008).

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 163

Aponta o art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade; ao se referir ao direito à vida, a constituição não assegura somente o

direito de permanecer vivo, mas também de ter vida digna. Com crise econômica

mundial as famílias têm ficado sem trabalho, não tendo renda adequada e suficiente

para manutenção de suas necessidades, vivem em situação vulnerável, de forma a

padecer de saúde física e mental, logo, diante desse contexto enxergamos falhas

nas políticas públicas existentes no Brasil e no mundo, (BRASIL 1988).

Sabe-se que a construção do conhecimento na sala de aula implica no

processo social e compartilhado escola-aluno-professor, de forma a promover a

interação social na qual o aluno participa de projetos culturalmente organizados pela

escola e sociedade. Portanto a sala de aula define-se como comunidade de

discentes em que o docente conduz as atividades interdisciplinares de forma que

obtém êxito nos processos educativos, sociais e psicológico desse alunado,(COLL,

MARCHESI e PALACIOS 2004).

Ao referimos o espaço escolar não pode-se deixar de fora a função familiar

como forte reflexo no desempenho escolar, estudos indicam que crianças tendem

apresentar no melhor rendimento quando vivem em ambiente familiar no qual

predomina clima emocional positivo para o seu crescimento, no qual seus

responsáveis incentivam organizam e reforçam comportamentos que auxiliem no

sucesso escolar,(MARTURANO 1999).

Para concluir o embasamento teórico podemos citar a mudança ocorrida no

núcleo familiar, que culturalmente era constituído por pai, mãe e filhos, e hoje já não

se apresenta dessa forma, pois existem famílias de pais separados que casaram

novamente, pais homossexuais, avós que cuidam de netos como se fossem filhos,

mães solteiras, entre outras tantas estruturas que encontramos nas realidades de

hoje,(BAPTISTA e TEODORO 2012).

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 164

2.4 Inclusão Escolar

Algo muito importante a ser discutido é aquele referente ao modo de relações

estabelecidas em sala de aula entre diversos alunos que possuem classes econômicas,

valor social e cultural divergente. Sobretudo, algum docente que tem vida profissional

sobrecarregada acaba transparecendo isso em sala de aula, a ponto de exaustão, de modo

a excluir o aluno de sala que esteja por alguma situação perturbando o andamento escolar.

Contudo podemos analisar: Onde esta a inclusão escolar? Quais as políticas públicas que

estão sendo feita para manter esse discente em sala de forma equilibrada? A equipe escolar

tem que estar atenta com o olhar psicológico sobre esse indivíduo, pois de forma não

preconceituosa acabam excluindo e não incluindo como deveria ser feito, de modo

incondicional – por que “para todos” (AQUINO 2000).

O que se busca é apenas o conjunto de políticas para colocar pessoas com

necessidades especiais em salas regulares, como ocorre em algumas iniciativas políticas

pelo país, sendo assim é necessário à mudança cultural em relação à diferença, com a nova

forma de pensar e agir para incluir a todos em na educação em que a diversidade é regra

fundamental e não a exceção. As escolas precisam se adaptar em relação às necessidades

dos alunos, independente de suas necessidades físicas, sociais, mentais e

linguísticas,(SILVA, RAMPAZZO e PIASSA 2013).

A partir do pressuposto que a formação acadêmica do professor não o prepara para

o acolhimento da diversidade: mesmo que cursem disciplinas específicas para lidar com

alunos com necessidades especiais, a ementa educacional foca seus objetivos no aluno

pedagogicamente perfeito, a ponto de criar barreiras que defronte com a inclusão. O ponto

de partida sempre será a educação inclusiva, a formação para o atendimento de todos

independentes das necessidades, culturais, raciais, sociais e emocionais, (SKLIAR 2001).

A redefinição do papel das escolas especiais como responsáveis pelo

atendimento educacional especializado e o papel das escolas comuns como o local

onde os alunos através do aprendizado possam questionar a realidade, e

coletivamente viver experiências que reforcem o sentimento de pertencimento, é

condição para que a inclusão aconteça de forma que possa trazer resultados

positivos. Compreender a diferença não como algo fixo e incapacitante, mas

reconhecê-la como própria da condição humana ainda é utopia para a maioria dos

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professores que trabalha com a ideia de que todos os alunos são iguais e as turmas,

homogêneas,(SARTORETTO 2017).

3 Metodologia

Em linhas gerais, visando entender como se dá o Desenvolvimento

Psicossocial sob o viés da Dificuldade de aprendizagem escolar, com a base

teórico/metodológica para condução da pesquisa pretendida, a elaboração da

respectiva dissertação se delineará pelos preâmbulos da dialética (como método de

abordagem). Além da disciplina que estuda métodos, metodologia é o modo de

conduzir a pesquisa, que pode ser vista como conhecimento geral e habilidade que

são necessárias ao pesquisador para se orientar no processo de análise, tomar

decisões oportunas, selecionar conceitos, hipóteses e dados

adequados,(THIOLLINT 1985).

Alerta que a condução da pesquisa deve ser compatível com o uso das

técnicas operacionais, método e epistemologia, enquanto o método é a teoria de

ciência em ação que implica critérios de cientificidade, concepções de objeto e de

sujeito, maneiras de estabelecer essa relação cognitiva e que necessariamente

remetem a teorias de conhecimento e a concepções filosóficas do real. Antes de

detalhar os métodos supracitados, ressalte-se que, em consulta prévia, os membros

da comunidade escolar a ser estudada mostraram-se elegíveis para participar do

estudo e concordam com os encaminhamentos previstos,(GAMBOA 2007).

3.1 O Método Dialético da Pesquisa

Destaca-se, que o método dialético utilizado é o de análise crítica sobre os

objetivos ao ser pesquisado, com certos parâmetros de compreensão que deverá

contar com a totalidade do processo, a historicidade dos fatos e a contradição das

informações da pesquisa, que são categorias metodológicas para a dialética. Quanto

às categorias simples, destacamos aos objetivos que se propõem ao tema do

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 166

problema de pesquisa, o desenvolvimento psicossocial sob o viés da dificuldade de

aprendizagem escolar,(WACHOWICZ 2001).

3.2 A Abordagem Qualitativa da Investigação

O método de abordagem contemplará a pesquisa qualitativa pautada no

método dialético que ocorre através dos fenômenos, na ação recíproca dos fatos,

que norteia as mudanças ocorridas pela dialética sobre os aspectos sociais,

natureza, ser humano e seu comportamento no decorrer do todo. Aqui, se alojarão a

pesquisa bibliográfica e os encaminhamentos teóricos de análise na constituição do

estudo. Assim, pretende-se contribuir para minha pesquisa crítica através de ações

observacionais do comportamento e interação de crianças nos primeiros anos de

vida na escola, (MARCONI e LAKATOS 2009).

3.3 Técnica de pesquisa Bibliografia

A pesquisa bibliográfica divide-se em três momentos ou fases: identificação,

localização de fontes e compilação de informações com levantamentos e seleções

das fontes bibliográficas tais como: pesquisas de artigos científicos, livros, revistas,

examinar documentos, teses e dissertações que se identifica com o tema a ser

pesquisado para composição do referencial bibliográfico e teórico-metodológico. A

pesquisa bibliográfica divide-se em três momentos ou fases: Identificação e

localização de fontes e compilação de informações, (CARVALHO 1988).

3.4 Procedimentos da Investigação

Para construção do estudo foi adotado como parâmetro o discurso dialético a

fim de proporcionar o melhor dialogo sobre o tema. No emprego da abordagem

metodológica fez-se luz pela investigação bibliográfica a fim de estabelecer a

essência de todos os fundamentos relatados pela pesquisa.

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 167

4 Discussões

Essa seção está dedicada para apresentar os achados da investigação.

4.1 A descrita dos oitos estágios psicossociais de vida do aluno no processo

escolar

A Teoria do Desenvolvimento Psicossocial está constituída pela compreensão

de todas as fases da vida do ser humano isso vai do nascer até o extinguir da vida,

cada momento apresenta variações positivas ou não positivas condição esta que

constitui a formação da personalidade do indivíduo. A evolução de cada pessoa não

é dependente de outra. Durante todo trabalho será explicado sobre o

Desenvolvimento Psicossocial na percepção da dificuldade aprendizagem escolar.

4.1.1 Primeiro Estágio (Des)Confiança (Até 1º ano de idade)

Ao início da vida, o bebê (criança) é totalmente dependente dos seus

responsáveis e nessa fase da vida o indivíduo necessita de muito cuidado e

atenção. À medida que a criança está em evolução, o seu processo de

amadurecimento se desenrola de maneira harmônica somente se a criança

perceber-se protegida, no aspecto da segurança e nas questões voltadas à

afetividade. Tais condições permitirão que a criança comece a construir os

elementos necessários para lhe gerar o sentimento de segurança, (UAB - UFPB

2013).

De acordo com a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, não existe a

possibilidade de desenvolvimento pleno da confiança e da não confiança, mas que

tudo ocorra com equilíbrio a fim que tudo desenvolva de forma adequada na criança.

4.1.2 Autoconfiança x Vergonha e dúvida (2º e 3º ano de idade)

A etapa da autoconfiança versus vergonha e dúvida, de acordo com a Teoria

do Desenvolvimento Psicossocial, é focada em crianças que desenvolvem a maior

impressão de domínio pessoal e emocional. Para esses aspectos do

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 168

desenvolvimento, as crianças experimentam a ganhar pouca independência nas

iniciativas individuais de realizar das tarefas rotineiras e simples, que permitem a

elas estabelecerem opções de preferência. Por deixarem que as crianças tomem

suas escolhas, dominem situações e resolvam certas ocorrências, pais e cuidadores

ajudam as crianças a estabelecer para si a percepção de autonomia, (VERISSIMO

2002); (UAB - UFPB 2013).

4.1.3 Iniciativa x Culpa (4º e 5º ano de idade)

De acordo com a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, nesse momento

as crianças iniciam a sua relação de domínio no meio em que estabelece suas

relações de convívio, seja por meio de brincadeira e as demais interações sociais

pertinentes. Existem aquelas crianças que ao brincar com outras tornam a frente das

brincadeiras e a organização das mesmas, com facilidade de conduzir as demais

crianças do grupo da dinâmica. As crianças incapazes de desenvolver a habilidade

em questão são deixadas de lado nas brincadeiras, com a noção de culpa pré-

estabelecida, assim como a auto-dúvida, isso sem falar da passividade ou mesmo a

sensação de ser elemento social sem iniciativa.

Também, durante esse estágio psicossocial, as crianças compreendem as

variações das atribuições sociais que o homem e a mulher realizam nesse observar

e elas se percebem de maneira desigual no universo no qual elas estão inseridas.

Ao ocorrer à repressão ou mesmo punição devido à curiosidade intelectual e sexual,

é possível que isso cause a noção culpabilidade e provoque o desinteresse na

criança em buscar novas experiências ou mesmo novo saber, ou seja, os castigos

em excessos podem tolher as ações de iniciativas, abstrações e imaginações da

criança.

4.1.4 Produtividade x Inferioridade (6º ao 11º anos de idade)

No estabelecer da metade dos estágios descritos pela teoria na qual se afirma

que é através das dinâmicas sociais, nas crianças originam a noção de orgulho no

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 169

desenvolver de suas conquistas e no processo de desenvolvimento de suas

habilidades já adquiridas. O encorajamento propiciado pelos pais o responsáveis

das crianças promovem a percepção de competência por parte delas, desse modo

faz com que elas acreditem em suas capacidades e habilidades. Quando esse

encorajamento não parte do ambiente familiar, pode-se ocorrer no ambiente

educacional tendo envolvimento do quadro escolar ou de meio social. Assim,

passam a adquirir autoestima e segurança no que fazem, porém, o oposto também é

verdadeiro, isso quer dizer que as crianças que não recebem qualquer estímulo ou

incentivo não serão capazes de aceitar suas capacidades, logo passarão a duvidar

de suas competências e habilidades perante o mundo social, tal atitude pode anular

esse aluno durante toda sua vida.

4.1.5 Identidade x Confusão de papéis (12º ano de idade ao final da adolescência)

Para a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, o processo que está

denominado de quinto estágio se desperta na adolescência como fase transitória

com indícios de turbulência justamente por estabelecer a identidade social do

indivíduo nesse aspecto em que também definem seus traços comportamentais por

toda sua existência. O adolescente explora sua possível liberdade e desenvolve a

autonomia de si, e naqueles que recebem incentivos e reforço adequado para

exploração pessoal emergirá desta fase a sensação de domínio e liberdade. Aqueles

que permanecem inseguros de seus desejos e convicções sentem-se sozinhos,

muitas vezes isolam-se da família, agarram-se nas amizades, muitas vezes taxadas

de boas ou de ruins, neste processo pode-se produzir um imaginário de que os pais

tornam-se inimigos deles, ao privá-los de certas regalias.

4.1.6 Intimidade X Isolamento (Jovem Adulto)

Em cada fase desenvolvem-se destrezas específicas, em que se evolui em

relação às etapas anteriores, após passar pelo estágio da identidade ou confusão

dela. Para Erikson (ano), a noção de identidade é pessoal e intransferível o que

permite o prosperar das convivências afetuosas. Portanto, para que se tenha uma

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 170

vida adulta com sucesso é necessário ter passado pelo processo da adolescência

de forma bem sucedida. O sujeito deveria desenvolver suas ligações pessoais de

maneira bem próxima e responsável com as outras pessoas, o que seria vital, na

visão de Erikson, para que o indivíduo venha a tornar-se bem-sucedido. Na etapa

seis do desenvolvimento psicossocial os indivíduos irão formar relacionamentos que

baseado na segurança e consequentemente durável.

As pessoas que não possuem noção adequada sobre elas mesmas

costumam não estabelecer relações confiáveis ou descomprometidas, tal inclinação

propicia os sofrimentos emocionais e até mesmo casos de isolamentos afetivos. Os

sujeitos que estabelecem com sucesso o desenvolvimento dessa sexta fase

apresenta a virtude denominada de amor – é registrada pela aptidão de estabelecer

tratos sociais com maior significado e duração entre os indivíduos, Porém, caso

ocorra decepção nesses estágios, o ser humano pode vir a se isolar de forma

temporária ou duradora.

4.1.7 Generatividade X Estagnação

Quando chega na meia idade, o indivíduo que se compreende como um ser

de sucesso estará considerando que já cumpriu seu o papel social e contribuiu o

suficiente para o mundo em que vive, mas existe outra parcela de pessoas que

ainda não conseguiram se realizar justamente por não haver conseguido

desenvolver tão íntima habilidade. Diante disso, esses sujeitos sentem-se

improdutivos e não participativos diante de sua concepção de mundo. Quando o

indivíduo estiver altivo de suas conquistas, poder observar que os filhos se tornarem

adultos e desenvolver o sentido de unidade com o seu parceiro de vida são

elementos fundamentais desta fase, (VERISSIMO 2002); (UAB - UFPB 2013).

4.1.8 Integridade X Desespero

Nesta fase final do desenvolvimento psicossocial, quando a pessoa passa a

observar os acontecimentos passados ocorridos em sua vida e determinam se elas

estão felizes com o que viveram ou carregam arrependimentos em relações a

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 171

atitudes que fizeram ou deixaram de fazer. Os elementos que se detém apenas nas

memórias foram mal sucedidos vão sentir que sua vida tem sido desperdiçada e vão

experimentar muitos arrependimentos, sentimentos de amargura e desespero por

causa da vida mal administrada. Mas, para os indivíduos que experimentaram de

forma exitosa apresenta todos os elementos opostos ao desespero, (VERISSIMO

2002); (UAB - UFPB 2013).

4.2 A demonstração da problematização que a criança pode adquirir caso não

possua esses estágios desenvolvidos

Ao basear no primeiro ano escolar do aluno, podemos comparar com a

(Des)Confiança Psicossocial que se estabelece como o primeiro dos demais

estágios, pois esse discente necessita ser bem acolhido no âmbito educacional para

então desenvolver segurança além de ser primeira experiência longe de seus

responsáveis, contudo exige preparo do profissional que irá acolher esse alunado,

pois será nessa ocasião que fortalecerá ou não os laços entre professor/aluno. Se o

professor for emocionalmente inconsistente ao ponto de rejeitar, esse processo

contribuirá para o sentimento de desconfiança dessa criança, (VERISSIMO 2002);

(UAB - UFPB 2013)

Ao relacionar a autoconfiança versus vergonha e dúvida com a dificuldade de

aprendizagem escolar, pode-se salientar que o discente necessita de segurança por

parte de toda equipe educacional. Principalmente quando em sala de aula, para que

então possa assim ter vida escolar produtiva, pois, se por alguma situação esse

aluno sente-se rejeitado, excluído ou ter sido motivos de zombaria na escola, essa

situação poderá ocasionar trauma para ele. Isso causará bloqueios, nessa fase do

desenvolvimento – o respeito a essa fase de autonomia é o ponto de partida para a

criança ter a vida de atitudes, liderança, vergonha ou dúvida, desmotivada a lutar e

encarar os desafios que encontrará no decorrer de sua vida adulta.

Ao correlacionar iniciativa versus culpa psicossocial com a dificuldade de

aprendizagem escolar, percebe-se que essa etapa tem enorme equiparação com

alunos em sala de aula. No início do ano letivo, logo nas primeiras semanas, o

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 172

educador costuma desenvolver atividades de análises para então identificar na

classe os discentes que têm maior ou menor habilidade educativa, ou seja, que

possuam maiores ou menores lideranças no desempenho do conteúdo aplicado. É

nessa fase que o docente, juntamente com toda equipe escolar, necessita de maior

cuidado para estimular o aluno que já possui todas essa virtudes e tentar resgatar o

aluno introvertido, excluído; que se mantém distante dos demais, sem estímulo para

possuir assim também essa modalidade. Percebe-se então a necessidade da

minuciosa investigação a respeito de aluno ―inferior‖, pois essas atitudes podem ter

sido desencadeadas no âmbito familiar e social.

Ao analisar o estágio, produtividade versus inferioridade, encontra-se a

grande aproximação como anterior, porém o que difere é o comportamento da

escola em tentar socializar o aluno com trabalho em conjunto, a estimular ele a

superar as dificuldades encontradas nas atividades. Abortar qualquer sentimento de

inferioridade numa forma de anular críticas dos colegas, valorização das habilidades

já adquiridas para que não haja retrocesso por falta de incentivo por parte de sua

família, escola, educador e colegas de classe.

Perante a dicotomia da identidade versus confusão de papéis do

desenvolvimento psicossocial-educacional, essa é a fase de maior relevância para

formar o ser humano realizado e certo de onde quer chegar. É no espaço escolar

que os adolescentes envolvidos com os colegas de sala formam grupinhos e muitas

vezes por falta de ocupação, projetos escolares com atividade interdisciplinar e o

direcionamento de informações sobre as mais diversas temáticas.

Temáticas como: Sexualidade, Drogas, Aceitação do ―EU‖, Gravidez na

adolescência, DST´s, identidade de gênero, socialização escolar dentre outras

temática que permeiam a informação que inúmeras vezes não sé esclarecida na

família. Pelo viés educacional pode-se salvar o aluno através da informação ou

afundá-lo no abismo de angustias e insatisfação que repercutirá na sua vida adulta.

Contudo, afirmo que a escola exerce o papel fundamental na adolescência do

aluno e dentre essas atribuições é a ponte entre a família e esse adolescente, pois

se encontram diversos relatos da falta de comunicação, onde as vidas corridas dos

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 173

pais esquecem-se de terem o olhar investigativo e observador para seu filho, muitas

vezes esse adolescente passa o dia todo sozinho em casa, a mercê de qualquer

situação que acarretará danos por toda vida. Portanto, se a realidade desse aluno

seja inversa à relatada anteriormente no final desse estágio, esse adolescente

conseguirá virtude a fidelidade aos sonhos e objetivos adquiridos.

Já pelo impasse educacional, intimidade versus isolamento, essa etapa será

de suma importância, pois o alunado que não ter a etapa anterior bem resolvida fará

com isso interfira na fase adulta. Muitos alunos desistem de estudar nessa etapa,

muitos caminham para as drogas, bebidas, engravidam, ou passam por processo de

preconceito sobre sua sexualidade no interior escolar.

Na obra a PEDAGOGIA DO ARMÁRIO, os insultos que os alunos recebem no

âmbito escolar, deixam marcas, ―VOCÊ É GAY!‖ (JUNQUEIRA 2013). Estas crianças

ou adolescentes tornam-se, então, alvo de escárnio coletivo sem antes se

identificarem como a coisa ou outra. Sem meios suficientes para dissimilar a

diferença ou para impor, por exemplo, o ―viadinho da escola‖ terá seu nome escrito

em banheiros, carteiras e paredes, permanecerá alvo de zombaria, comentários e

variadas formas de violência que a pedagogia do armário pressupõe ou dispõe.

Enquanto sorrateiramente a sociedade controla e interpela cada indivíduo em vista o

agravo emocional e psicológico que podem ocasionar com essas crianças. Os

responsáveis de educação familiar e bem como toda equipe escolar devem atentar-

se sobre qualquer tipo de preconceitos que possa ocorrer no ambiente educacional.

Na etapa generatividade versus estagnação podem-se contemplar duas

classes de alunos. 1- Aqueles bem sucedidos na etapa anterior, que hoje estão á

procuram de sua realização profissional e educacional, já a cursar a faculdade

desejada e realizada afetiva economicamente ou. 2- aqueles que depois de alguns

anos fora da escola, agora voltam para curso o ensino intensivo e avançado com o

propósito de recuperar os anos perdidos por conta dos erros cometido nas etapas

anteriores, não sei se pode chamar de “erros” ou consequência da pessoa mal

assistida pelos seus responsáveis ou sociedade.

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 174

Entretanto na fase integridade versus desespero condiz com aquele em as

pessoas se sentem orgulhosas de suas realizações vão sentir a sensação de

integridade que concluíram com sucesso esta fase, significa olhar para trás com

poucos arrependimentos e sentimento geral de satisfação. Esse estágio recebe o

nome de sabedoria, mesmo quando confrontados com a morte.

4.3 A análise de como ocorre à inclusão escolar a partir dos aspectos que

neutralizam o desenvolvimento psicossocial entre ser humano-família-

sociedade-escola.

Ao estabelecer o agrupamento de pessoas por vínculo de parentesco atribui-

se o desígnio de família, e habitam o mesmo espaço residencial onde forma o

lar. O modelo tradicional de família é traçado a partir da figura central do pai (o

provedor), da mãe (a cuidadora) e dos filhos (a prole), – unidos de qualquer modo

oficial ou não oficial – forma-se assim a família. Já a família moderna está

estabelecida com as mais diversas composições da primeira, composto por pais

separados, casais homossexuais, dentre outros.

A família é convencionalmente a instituição capaz de estabelecer a educação

dos seus integrantes assim como direcionar sua postura diante da sociedade. No

aprimoramento do indivíduo, a família possui sua amalgama social fundamental. É

no interior familiar que se constrói as bases sociais de valoração dos preceitos

morais. As definições de afetos, da convivência harmônica e dos elementos

protetivos essenciais para combater impasses ou auxiliar nas transposições das

incertezas por que passa qualquer componente familiar.

O elemento familiar propicia a condição de bem-estar, que consequentemente

se estabelece por meio da confiança, conforto e a segurança das relações

fundamentais entre seus membros. Por diversos fatores essa família não repasse

esses valores, afeto e amor, ao ponto de manter distância desse ser, essa criança

crescerá isolado do mundo, não terá equilíbrio suficiente para tomar suas próprias

decisões e responsabilidades. Contudo essas ausências são refletidas no processo

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educacional, formando alunos agressivos, isolados, conturbados e afetados

psicologicamente no meio escolar.

Em sentindo mais amplo, o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos

independentes de seu talento, origem econômica, origem cultural ou deficiência, em

escolas onde ―todas‖ as necessidades dos alunos são aceitas em suas modalidades.

A educação é questão de direito humano, na qual o indivíduo com deficiência deve

fazer parte da escola, a qual deve modificar seu funcionamento para atender e

incluir a todos.

5 Considerações finais

A educação utiliza princípios e informações que as pesquisas psicológicas

oferecem acerca do comportamento humano, para tornar mais eficiente o processo

ensino aprendizagem, sob a ótica psicológica, dos quais derivam os modelos,

teorias e procedimentos de ensino, assim como, métodos práticos de instrução e

avaliação.

As divergências entre os valores promovidos pelas instituições escolares

comumente entram em rota de colisão com os diferentes princípios e valores com os

quais os alunos desfavorecidos – incluem-se vários fatores que provém do meio

familiar e social pouco favorável – isso, provoca a diminuição dos estímulos de

recepção dos elementos educacionais e motivacionais, existentes nas varias

clientelas que hoje estão presentes e em convívio no âmbito escolar.

As principais dificuldades que aqui foram tratadas referem-se sobre os

problemas que os alunos encontram em seu meio escolar e social que interferem de

forma direta em seu desenvolvimento. Tais dificuldades que emergem esses fatores

são: aceitação familiar, aceitação escolar e aceitação social – faixa etária adequada

para a sua escolarização e também alunos com enorme defasagem escolar e

cognitiva – deve-se assim estabelecer a sensibilização para que todos tenham em

principio os mesmos direitos. E, portanto, fomentar recursos e medidas que

neutralizam essa problemática no espaço escolar.

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Anais do ENADIS (v. 2, 2018) | 176

Por serem inovadores os espaços escolares apresentam ótimos desafios que

consequentemente para muitos dos educandos que inicia precocemente, a ponto de

evoluir como barreira entre escola-aluno, conforme já comprovado nas discussões

aqui proposta. Em sentido amplo, o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos

independentes de seu talento, origem econômica, origem cultural ou deficiência, em

escolas e salas de aula inclusiva, onde todas as necessidades dos alunos são

aceitas em suas modalidades e peculiaridades.

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ROLIM DE MOURA POR MEIO DOS DISCURSOS DE SUA FORMAÇÃO ESPACIAL

Michelle Fernandes Figueiredo Jandre Dr. Zairo Carlos da Silva Pinheiro

Universidade Federal de Rondônia

Campus de Rolim de Moura, situado na Av. Norte Sul, 7300 - Nova Morada, CEP 76940- 000, Rolim de Moura - RO

[email protected] [email protected]

Resumo. O presente trabalho consiste num breve ensaio sobre a criação e formação do município de Rolim de Moura – RO para compreender a prática da modernização e a conjuntura socioeconômica da população rolimourense inserida na Amazônia brasileira. O principal objetivo constitui-se em compreender os aspectos norteadores migracional e da dinâmica aplicada para gestar o espaço previamente projetado em que se desenvolveu, enquanto formas discursivas de colonização, sem as quais as dificuldades de assentamento seriam intransponíveis. O estudo dá-se a partir da análise da colonização, formação econômica e social da Amazônia e consecutivamente do Estado de Rondônia, dos projetos orquestrados para a dinâmica da imigração amazônica e a projeção do munícipio de Rolim de Moura.

Palavras-Chave. Amazônia. Rolim de Moura. Modernização.

Resumo em segunda língua. This present study consists of a brief essay on the creation and formation of the city of Rolim de Moura - RO to understand the practice of modernization and the socioeconomic situation of the RoL population inserted in the Brazilian Amazon. The main objective is to understand the migratory guiding aspects and the dynamics applied to generate the previously projected space in which it was developed, as discursive forms of colonization, without which the difficulties of settlement would be insurmountable. The study is based on the analysis of the colonization, economic and social formation of the Amazon and consecutively of the State of Rondônia, the orchestrated projects for the dynamics of Amazonian immigration and the projection of the Municipality of Rolim de Moura.

Palavras-Chave na segunda língua escolhida. Amazon. Rolim de Moura. Modernization.

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1 Introdução

A presente pesquisa busca estudar o contexto histórico econômico e social

presentes na formação do município de Rolim de Moura, em Rondônia, para

entender, em que medida, os elementos discursivos (históricos, econômicos e

sociais) trazidos pela migração moldaram e constituíram na sua formação espacial.

O processo de colonização de Rondônia eclodiu, por volta da década de

1960, após a prática intensiva do então, projeto ―Marcha para o oeste‖ do presidente

Getúlio Vargas. Em poucas palavras: concomitantemente com a proposta dos

militares de expansão da fronteira agrícola brasileira. De acordo com Bertha Becker

(1996, p. 22), ―A expansão da fronteira amazônica não se reduz a um fenômeno

agrícola‖, e que esse processo não é tão simples e muito menos um fenômeno

esporádico, tornou-se um fenômeno além da fronteira agrícola.

O discurso expansionista era o de desenvolver o país, transformando-o em

uma máquina de produção, no caso, de produção agrícola e essa expansão decorre

por meio dos ideais criados pelo Estado, dando início à transformação do país, ou

seja, o governo militar com seu ideário de desenvolvimento e expansão busca inserir

o país na corrida do desenvolvimento acelerado, implementado, em outros lugares

pelo capitalismo. A exemplo, os discursos de traduções populares destacadas como

―Panela cheia [...] plante que o governo garante‖ (BECKER, 1982, p.153). Trata-se,

assim, de traduções populares da política que retoma a importância atribuída à

agricultura no desenvolvimento do país.

Podemos, então, notar de onde vem a força do texto ―Panela cheia‖. Não

pode ser de ―um-qualquer‖. Nesse caso, é a voz do Estado que sopra nos ouvidos

dos colonos que haverá, caso se adentre a terra, ―panela cheia‖ para todos. É o que

Foucault chamou de ―efeito-autoria‖ (1992). Porém, o Estado não pode ser ―ditador‖

sem um ser a permitir. Sempre há alguém que se sinta com ―panela vazia‖ (o

migrante pobre) e não só; mas também, alguém querendo encher mais, sua ―panela

cheia‖ (o migrante rico) para que a migração e desenvolvimento do espaço seja algo

possível.

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Nesse sentido, para se compreender o contexto rolimourense como

―formações discursivas‖, fez-se necessário entender os aspectos históricos e

econômicos da formação do Estado de Rondônia e de criação do município de

Rolim de Moura, como mosaico discursivo.

Sobre a questão dos conceitos utilizados e do método, nos apropriamos,

apenas de passagem, dos elaborados pela da Análise do Discurso (AD), como por

exemplo, o conceito de ―Função-autor‖ (FOUCAULT, 1992), que nos faz entender

que todo discurso deve ter uma certa ―autoridade‖ não explícita, muitas vezes, mas

fundamental ao sentido de um texto. Mas o eixo central é o próprio ―discurso‖, que é

parte de ―formação discursiva‖, no sentido de Michel Pêcheux (1995), que nos

direciona nesse contexto presente. Pêcheux, para quem a heterogeneidade, a

incompletude e a contradição é o que garante a permanente reinvenções

discursivas, vê no ―discurso‖, como aquilo que faz sentido, apenas se o pesquisador

o tomar historicamente, ou seja, o tomar dentro de um certo contexto histórico-social.

2 Discursos Formadores: Criação e Estruturação

Com o golpe militar e seus desdobramentos entre os anos de 1964 a 1985,

percebe-se um interesse elevado na Amazônia brasileira, que para Becker, estava

―fundamentada na doutrina de Segurança Nacional e o objetivo central dar-se por

projeto de modernização e reestruturação do país, uma redistribuição territorial de

investimento em mão de obra, sob forte controle social‖ (1996, p. 12).

A ocupação do, ainda, território rondoniense eclodiu por volta da década de

1960, e naquele momento tinha como principal meta, assegurar o espaço e ocupar,

de forma não sistematizada. Mas a proposta dos militares em 1970 de expansão da

fronteira agrícola brasileira evolui e passou agir de maneira racional.

Para Octavio Ianni (1979, p. 19) ―a colonização parece ter dominado o grande

afluxo de migrantes para esse território‖, em que esse processo fora intenso e

trouxera quem buscava terras, prosperidade econômica e social. Essa etapa

demonstra um exercício na prática da disseminação de autoridade sobre a

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espacialidade e experimentado por parte do governo Federal. O fluxo que Ianni

(1997) descreve, vem demonstrar a grande estrutura articulada pelo governo para

receber a população em um ambiente com a densidade demográfica reduzida.

No processo de criação e ocupação do Estado de Rondônia, muitos

municípios (Quadro I) e foram criados ao longo da BR 364. Segundo Ianni (1997) ao

―mesmo tempo que se construíam a rodovia e colonizavam suas margens,

instalavam-se nas áreas contiguas latifúndios, fazendas e empresas de extrativismo

de produtos da mata, de mineração e agropecuária‖ (IANNI, 1997, p. 57).

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Os municípios foram formados ao longo da BR 364 (Quadros I e II), por meio

dos PA (Projeto de Assentamento), dos PAR (Projeto de Assentamento Rápido), dos

PAD (Projeto de Assentamento Dirigido) e dos PIC (Projeto Integrado de

Colonização). Antes, eram apenas vilas, acampamentos. Porto Velho, por exemplo,

foi iniciada para abrigar os seringueiros nos ciclos da borracha, no caso, a massa de

trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira Mamoré – EFMM. E no caso, de Rolim

de Moura, como polo agrícola, fazendo parte do que se denomina Zona da Mata

(Quadro III).

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Os municípios que fazem parte da Zona da Mata rondoniense descritos no

quadro III, destaca, que, na sua maioria foram surgindo como apoio aos

trabalhadores rurais, os latifúndios e minifúndios. O Núcleo Urbano de Apoio Rural –

NUAR, teve como principal meta o apoio, e eram instalados empresas e comércios

que davam suporte aos colonos. Desses núcleos, destaca-se o munícipio de Rolim

de Moura criado no ano de 1983, desmembrado do munícipio de Cacoal, pelo

projeto PIC Gy- Paraná.

Para a abertura de fronteira, o governo teria que ter uma região que

apresentasse viável para vincular-se a nova formação, pois hoje o significado de

fronteira, conforme Becker, ―É um espaço também social e político, que pode ser

definido como um espaço não plenamente estruturado, potencialmente gerador de

realidades novas (BECKER, 1996, p. 11).

Observa-se que, sob a ―realidade nova‖, temos a FD que é a possibilidade da

formação de fronteira, da forma que se produziu na Amazônia como um todo. Não

por acaso que Pêcheux (1995, p. 314), comenta que uma FD ―É constantemente

invadida por elementos que vêm de outro lugar [...] por exemplo, sob a forma de pré-

construídos e de discursos transversos‖.

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Desta forma, a fronteira tem algo da contradição, e a partir disso que retira

sua objetividade, segue não só como uma região alternativa para a nação, serve

também para o capital em toda a sua forma de atuação. O simbólico, isto é, a

heterogeneidade do conteúdo linguísticos, de elementos discursivos, de esperanças

sob propaganda dão a fronteira a possibilidade de sua formação. Não é por acaso,

que ―A fronteira é, pois, para a nação, símbolo e fato político de primeira grandeza,

como espaço de projeção para o futuro, potencialmente alternativa.‖ (BECKER,

1996, p. 11).

A fronteira amazônica, enquanto formação FD, em específico, a rolimourense,

apesar de seu valor econômico e estratégico, só se desenvolveu tardiamente,

especialmente se compararmos ao centro-sul do país. Todavia, a partir da década

de 1970 a região passou por ―uma ocupação rápida e sistemática da região, por

forças nacionais e internacionais‖ (BECKER, 1996, p. 9). Esse tardio, deve-se

compreender a partir do conteúdo histórico. Isto é, não há FD sem seu momento

histórico ―adequado‖. Que nada mais significa que, como entendi Orlandi (1996), as

práticas sociais ou a cultura determinada está sempre marcada pela incompletude.

Ou seja, no diálogo, enfrenta outros imaginários, ou outras condições existenciais.

Como tudo isso se arranja é o fator de como será o caráter dessa ou daquela

fronteira em formação. E mesmo no arranjo final (sentido de atual), ela sempre

mudará conforme outros discursos começam a adentrar ao espaço, ad infinitum.

Hoje, o aspecto e propósito, estão ligados ao de integração nacional, que já

nasce diversificada e constituída por várias frentes de trabalho, em pequenos

núcleos urbanos e essa urbanização percorre em ritmo acelerado. Por fim, a política

foi estruturada para reorganizar a massa de trabalhadores trazidos pela colonização

tanto espontânea quanto oficial10. Esta forma é recente, como aponta Kolhepp

10 Sabe-se que não há ―espontaneidade‖ nas atividades humanas. Os homens, sejam por motivos

subjetivos ou objetivos, sempre são movidos por vontades próprias, aleias entre outras. Enfim, neste texto, ao se falar de colonização espontânea, refere-se às possíveis atitudes de colonização sem interferência Estatal. A exemplo de colonização oficial, temos o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. O Decreto nº 63.104/1968 promoveu o início dos estudos dirigidos.

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(2014, p. 29), quando comenta que, ―Até meados de 1950, predominaram em

territórios florestais da América Latina, a ocupação espontânea, isto é, não dirigida‖.

Não por acaso, que para a nossa região em questão, foi a forma estatal que

garantiu o fluxo econômico a região. Além de garimpos, os rondonienses se

depararam com os investimentos de grandes empresas de capital estrangeiro.

Característica esta tão comum em toda a região amazônica, ou por uma espécie de

internacionalização dessa fronteira (SILVA, 2003). Porém, ainda com Kolhepp, na

mesma página, onde comenta que, ―Apesar do efeito psicológico do ato da posse da

terra, para a maioria dos colonos no papel de posseiros, seu peso econômico

frequentemente limitou-se às culturas de subsistências, [...] sem quaisquer vínculos

com mercados‖. Observa-se logo a complexa teia de sentidos que envolve o

econômico, o social, o político de uma forma que não se pode ver uma

predominante de um sobre o outro.

3 A análise do discurso: breve comentário sobre sua conexão com o processo histórico

O método utilizado neste trabalho, como já salientado, é uma tentativa de

conectar alguns elementos da Análise do Discurso (AD), em autores como Pêcheux

(1995), Orlandi (1996) entre outros e o processo histórico, tomando como ponto de

análise, a questão da colonização de Rolim de Moura.

Essa maneira de interpretar e compreender o mundo da linguagem foi

amplamente estudada, divulgada nas décadas de 60 e 70, não se constituindo, até

então, em um campo homogêneo, pois neste momento, ocorreram mudanças tanto

no campo econômico quanto político. Para atender as demandas demarcadas pela

Ciência da Linguagem, a AD contribui para uma nova forma de conceber a história.

O seu fundamento é o ―discurso‖, objeto que se torna com Pêcheux, algo que

não é mais um ato linguístico, mas da língua, isto é, do teor social, da história.

Nesse sentido, não há mais falta de sentido, mas esse sentido é sempre dado

dentro de um determinado conjunto social.

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Portanto, esse método busca expor o caráter histórico da linguagem, um

campo de estudo marcado neste momento por rupturas, entre a língua, a linguagem

em suas estruturas, desencadeando uma série de revisões ―no interior do próprio

fazer linguístico‖ (BRASIL, 2011, p. 172). Deste modo a linguagem passa a ser

percebida não mais como um sistema de regras formais nos estudos discursivos,

pois, ―A linguagem é pensada em sua prática, atribuindo valor ao trabalho com o

simbólico, com a divisão política dos sentidos, visto que o sentindo é movente e

instável. O objetivo de apreciação do estudo deixa de ser a frase, e passa ser o

discurso,‖ (BRASIL, 2011, p. 172).

A análise busca sempre um ―desvelamento‖, pois uma das bases

epistemológicas da AD em questão é o marxismo, em busca da ideologia. Este

conceito, sempre foi o ponto tenso do marxismo. Deve existir uma ideologia nos

discursos, pois não há discursos neutros. Caso o pesquisador seja marxista, essa

ideologia será sempre burguesa. Porém, entendemos a AD para além de um

marxismo restrito ou economicista. O que nos interessa na AD francesa é a

amplitude de ter nos discursos formas de conhecimento de fenômeno, no caso, a

formação de Rolim de Moura, como e através dessa linguagem vinda em forma de

projetos dirigidos de colonização.

A prática da linguagem, então, passa a receber o valor dos sentidos, e este,

se configura, um sentido mutante, resultante de uma formação discursiva, que é

regulado no ―tempo e espaço da prática humana‖ (ORLANDI, 2005, p. 11). Deste

modo, as características encontradas nos discursos que versam sobre a Amazônia,

e consequentemente Rolim de Moura, equalizam um discurso já experimentado,

providenciado, promovido por um conjunto de linguagem que constitui o discurso.

O discurso, então, para AD surge pela intenção de questionar as formalidades

impetradas pela linguagem. Sendo a maior diferença entre essas três linhas o

conceito de discurso. Pêcheux ―constrói o conceito de discurso a partir de conceitos

outros provenientes da Linguística e do Materialismo Histórico‖ (NARZETTI, 2010, p.

51), baseando-se em estudos provenientes de pesquisas realizadas por Georges

Canguilhem e Louis Althusser, em que para Sociolinguística ―o discurso é o produto

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de uma interação linguística de um dado grupo social ou classe social‖ (NARZETTI,

2010, p. 59).

No caso mais específico, para Foucault, o discurso designa o ―Conjunto de

enunciados que se apoia em um mesmo sistema de formação; é assim que poderei

falar de discurso clínico, do discurso econômico, do discurso da história natural, do

discurso psiquiátrico‖ (FOUCAULT, 1986, p. 124 apud NARZETTI, 2010, p. 60).

Pêcheux entrecruzará com os escritos de Foucault pelo início da década de

1980, dando a AD de Pêcheux o conteúdo de formação discursiva, tendo como base

a análise histórica. A maneira de ver o discurso de Pêcheux, desenvolveu-se por

meio de uma ―rediscussão dos conceitos de língua e fala conforme definidos por

Saussure‖ (NARZETTI, 2010, p. 53). Para Saussure a língua é externa ao indivíduo,

é social, já a fala é pessoal. Mas para Pêcheux ―esses conceitos não dão conta de

toda a produção de linguagem‖ (NARZETTI, 2010, p. 53). Há um ―nível

intermediário‖ entre esses dois conceitos que seria o discurso.

Ainda na esteira de Pêcheux (1995), para quem a existência da

heterogeneidade do discurso ou ―feixes de normas‖ só são dados, devidos existirem

campos portadores de fala. Porém, mesmos esses campos são invadidos por outras

formações discursivas, ou discursos transversos. Nesse sentido, a colonização não

é via de mão única, mas o discurso por trás da ―propaganda‖ ou de ―projetos‖ de

colonização, sempre têm resistências que a faz se desenvolver ou não, dentro do

que se tinha planejado.

Quando se trata do discurso, para Pêcheux, este está além da língua ou da

fala, tal como o entendia Saussure. Nesse caso, o discurso seria uma das categorias

que fora extraído desses conceitos. Que emanaria tanto da individualidade, o sujeito,

quanto da língua, o social. Deste modo, o discurso seria algo demarcado pelos

―interesses de determinadas classes sociais, na luta ideológica de classes‖

(NARZETTI, 2010, p. 53). Nesse sentido, a espacialidade amazônica oferece uma

gama de interesses subjetivos, de interesses vinculados aos projetos e ascensão

dos Estados amazônicos articulados pelos governos, envolvido tudo isso de classes

e ideologias de maneira complexa.

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Com isso entra em evidência o sujeito que ―é resultado da relação existente

entre a história e a ideologia‖ (BRASIL, 2011, p. 172). Nesse sentido, teria um sujeito

descentrado, constituído e atravessado pela linguagem‖ (BRASIL, 2011, p. 172)

porque não há sentido algum a priori; que é sempre produzido no discurso. Inclusive,

o sujeito depende do discurso; ou, é ―transitado‖ por ele, dentro de um sistema

social.

Esse discurso desenvolve-se por meio da estrutura criada tanto pelas normas

individuais quanto pelas universais, gestado no núcleo da formação social de certa

região. Assim, ao citar o sociólogo Octavio Ianni no Capítulo I, percebe-se os

interesses que gravitam em determinadas classes sociais, uma complexa luta

ideológica por meio de uma estrutura formada, porém desconhecida, pois, é gerada

no sujeito do inconsciente, no núcleo de uma dada formação social.

No território de Rondônia ocorreu nos últimos anos um intenso processo de colonização espontânea, mesclado com a colonização oficial e a particular. Mas a colonização parece ter dominado o grande afluxo de migrantes para esse território. Em poucos anos chegaram muitos trabalhadores rurais, e seus familiares, em busca de terras para ocupar, morar e lavrar. Também chegaram pequenos, médios e grandes empresários, ao lado de comerciantes de terras, grileiros, jagunços, funcionários governamentais, engenheiros, agrônomos, gerentes (IANNI, 1979, p. 19).

Nesse trecho, já citado, o autor nos remete ao um discurso político, sendo

este, um produto não só definido por ―elementos linguísticos‖, mas, por elementos

―extralinguísticos‖, caso em que, ―[...] os fenômenos linguísticos de dimensão

superior à frase podem, efetivamente, ser concebidos como funcionamento, mas

com a condição de acrescentar que esse funcionamento não é integralmente

linguístico, [...] senão em referência à estrutura da formação social em que se

encontram [...]‖ (PÊCHEUX, 1967, p. 218 apud NARZETTI, 2010, p.54).

Nesse momento, o materialismo histórico (MH) passa a ser peça importante

para a construção do conceito de discurso, objeto teórico de Pêcheux. Para ele o

discurso está ligado ―a uma série de conceitos da teoria marxista: estrutura da

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formação social, ideologias, posições de classe. O conceito de ideologia é aquele

com que o discurso mantém uma relação mais direta‖ (NARZETTI, 2010, p.54).

O conceito de discurso tem sua complexidade devido ao fator social-histórico.

Para isso, converge a junção do extralinguístico e da sequência linguística para se

poder compreender um efeito de sentido para determinado fato, ou produto. Em

certa medida, o discurso não advém de um consenso entre os pesquisadores.

Nesse sentido, para Pêcheux, o discurso ―É a história na língua. Temos então a

tríade língua, sujeito e história na constituição de discurso [...] material simbólico, é

janela aberta para o estudo do funcionamento dos mecanismos de produção de

sentidos, é confronto do simbólico com a ideologia‖ (BRASIL, 2011, p. 172).

Pois a língua, material formal, vem como base, ou lastro do sujeito do

inconsciente com a sua exterioridade. O discurso não se separa nem do

acontecimento ou da estrutura e é resultante desses elementos, a partir de vários

enunciados, que se desenvolve ou desencadeia dentro de uma formação

discursiva11 no interior do sujeito dentro da formação social. Deste modo, as fontes

utilizadas neste trabalho foram selecionadas da maneira que proporcionasse a visão

holística do acontecimento, para que algum sentido do discurso se evidencie.

4 Discursos Estratégicos: Formação dos Núcleos Urbanos

A região Amazônica é uma das áreas extensas do território brasileiro. Este

espaço ganha muito destaque, diante de outros que se encontravam abarrotados de

produtores e uma grande massa de trabalhadores, mas sem espaços disponíveis

para produção.

A Amazônia ocupa 50% do território brasileiro. Nas duas últimas décadas, essa região, até então considerada ―homogênea‖ pela presença da floresta amazônica, vem se transformando com incríveis contradições:

11 Temos somente tocado superficialmente e, de passagem, o termo “formação discursiva”. O motivo é que

este termo, fora dialogado por Pêcheux a partir da obra de Foucault. Para nós, este conceito, quer indicar a

dificuldade que é analisar os sentidos de um texto ou fato. Esta análise para ser completa ao máximo possível,

seria necessário destrinchar e encontrar a “sua” formação discursiva, isto é, descrever as dispersões do objeto

estudado.

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desmatamento em ritmo acelerado (169% de aumento entre 1975/78 – Landsat), área de colonização agrícola, mas ocupada por grandes empresas agropecuárias, área de segurança nacional, mas do interesse de multinacionais, área de expansão de pastos (117,14% - 1960-1970), e o finalmente a área despovoada para onde se têm desviado os densos fluxos populacionais que até pouco tempo atrás se dirigiam para o Centro-Sul (crescimento populacional em 1969 e 1970: 43,38%; entre 1970 e 1980:116%). É do trabalho desses imigrantes que surge a estruturação de novo e diferenciado espaço (BECKER, 1982, p. 185).

Becker, acima, comenta que a Amazônia brasileira, de um lugar ermo,

coberto praticamente por uma densa floresta, começa a receber investimentos

tantos nacionais quanto internacionais, por causa de seu espaço, sendo a partir

dele, que se desenvolve as estratégias para capacitá-lo a atender aos diferentes

interesses. Ocorrendo, então, a transformação e estruturação do novo espaço.

Nesse sentido, Ianni expõe que,

A política de colonização da Amazônia, posta em prática pela ditadura instalada no Brasil desde 1964, recoloca dois problemas importantes, encadeados: a questão da terra e do trabalhador sem terra. A forma pela qual o Estado foi levado a dar e desenvolver a colonização dirigida, oficial e particular, na região amazônica, repões o problema da estrutura fundiária, tanto na Amazônia como no Nordeste, Sul e outras regiões. Simultaneamente, repõe o problema da movimentação dos trabalhadores rurais das várias regiões, no âmbito da sociedade brasileira. São diversas as indicações de que a política destinada a transformar posseiros em colonos e peões, ou colonização espontânea em dirigida, situa-se no contexto da política estatal de expansão da agropecuária, mineração e extrativismo (IANNI, 1979, p. 7).

A caracterização que Ianni expõe, dá ao processo de administração do

espaço produzida pelo governo, aponta o caráter comercial que a Amazônia

proporcionou. O Banco mundial (1970) entra com recursos junto ao governo federal,

para o asfaltamento e o desenvolvimento da região. O papel do Estado que, no

caso, era representado pelo INCRA, selecionava as famílias do Nordeste, para

suprimir os conflitos lá existentes, por excesso de população, trazendo para o norte

por meio de uma política de atração, a propaganda foi a arma.

Note-se que o que gira em torno é o discurso, tomado como propaganda,

como algo neutro, próprio de incentivar a migração como colonização. Porém, não

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se pode ver apenas como ―imposição‖ do Estado. Não. Há do outro lado, os sujeitos,

que também, ―enganados‖ ou, também ―por espírito de aventura‖, de certa forma,

estão no momento certo, para que o discurso possa agir ou ter algum efeito.

Os núcleos urbanos se formavam em pontos estratégicos e eles eram o

aporte ou a segurança para a massa trabalhadora existente na região. Em sua

pesquisa, Becker (2013) atribui o fator significativo e orientador das cidades ou

núcleos urbanos, ao escrever:

Já nos primeiros contatos com a região, ainda nos anos 1970, intrigou-nos o acelerado processo de urbanização numa região florestal, cujo planejamento governamental enfatizava e subsidiava uma ocupação destinada à agropecuária. Logo ficou patente o papel das cidades na real meta do planejamento regional, qual fora finalmente promover a ocupação definitiva e explorar os recursos da Amazônia. Por essa razão, verdadeira fronteira urbana foi implantada pelo Estado na região antes mesmo da expansão da fronteira agropecuária e mineral, que caracterizou o processo de ocupação: a essa fronteira oficial associaram-se os núcleos nascido espontaneamente e o crescimento de outros. Pois que os núcleos urbanos foram o lugar de mobilização e resistência de mão de obra induzida a imigrar de todos os rincões do país; construíram o nó de articulação das redes implantadas para promover a conectividade da região e desta com o país; concentraram os serviços básicos necessários à mobilização dos recursos e ao uso da população (BECKER, 2013, p. 12).

Desta maneira, percebe-se a importância e o suporte que seria os núcleos

urbanos para o desenvolvimento da Amazônia. Os discursos do governo militar, que

naquela ocasião, era de formar a fronteira sob o comando do governo federal e para

que seja provedora de mão de obra e espaço.

5 Considerações Finais

Os espaços amazônicos têm sua materialidade muito cobiçada tanto

nacionalmente quanto internacionalmente. Sua potencialidade é vista pela sua

fauna, flora, seus produtos minerais, seu território. Deste modo, podemos

compreender qual a intencionalidade dos projetos orquestrados pelos governos

começando pelos ditatoriais aos atuais, para proteção, projeção e apropriação da

Amazônia.

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Os projetos expansionistas, estruturais, de migração entre outros, com base

na ideia de segurança nacional, tinham como objetivos, a racionalização e

constituição de áreas potencialmente favoráveis a produção de alimentícia, além de

formação de mão de obra barata, para as grandes indústrias e latifundiários. Mas

isso a partir também, de interesses dos mais diversos dos sujeitos, que seriam a

mão de obra e os trabalhadores envolvidos.

Considerando os detalhes já conhecidos da migração amazônica, mas

também expondo aspectos desconhecidos dessa jornada, em que esses espaços

―escassamente‖ povoados passaram, a pesquisa mostrou a imensa potencialidade

espacial da Amazônia rolimourense. Sua espacialidade fora conduzida para

configurar laços que o país estava criando para adentrar no sistema capitalista que

estava em crescente evolução nesses confins do Brasil. Sendo que, nesses

espaços, haviam todos os critérios exigidos para tal ação do governo, que seria o

espaço, a produção e a formação rápida de mão de obra.

No tocante as formas de criação de forças de trabalho, a criação de rede de

cidades e pequenos centros distribuidor e demarcador de fronteira, pois os discursos

articulados, nesta pesquisa, demonstram a dinâmica que o país se posicionou diante

da inquietante falta de espaço urbanizado e gestado.

Destarte, o fato do espaço ser posto pela perspectiva de arrecadação,

apoderamento e detenção de poder alavanca a quantidade de questionamento

destinado a elucidar o desenvolvimento e modernização pelo qual passou Rolim de

Moura, que foi um pequeno exemplo da imensidão e da força discursivas envolvidas

em uma complexidade ainda não pouco estudada.

Enfim, concluímos este pequeno ensaio que visa compreender a

espacialidade do munícipio de Rolim de Moura, a partir de sua inserção na grande e

cobiçada Amazônia brasileira. Evidenciando o destaque positivo para os grandes

centros, sua posição estratégica, sua formação comercial e desenvolvimento

histórico e econômico. Deixando um leque de possibilidades para a continuação

desses discursos de colonização e aventura.

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CHARGE: O DISCURSO SOBRE O MEIO AMBIENTE

TOMÉ FERNANDES CAITANO AGOSTINHO FILHO DA SILVA LIMA

Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente

Universidade Federal do Amazonas Rua Circular Municipal, n°1805 bloco 1, 698000-000

[email protected]

[email protected]

Resumo. Este artigo intitulado “Charge: o discurso sobre o meio ambiente” surgiu com o intuito de analisar a materialidade discursiva que uma charge pode apresentar ou representar em relação ao meio ambiente. Uma vez que a poluição ambiental é uma realidade enfrentada atualmente, determinados chargistas utilizam métodos e recursos que dão ênfase e criticam esse processo de degradação ambiental. A Análise de Discurso busca analisar via discursos, as diferentes materialidades e efeito de sentidos contidos nas charges por meio das formações discursivas e ideológicas apresentadas pelo exercício do chargista, ou seja, investiga as condições de produção do chargista ao compor aquele discurso por meio do gênero charge, e de como ele utilizou aqueles recursos e o porquê ele os utilizou, levando em consideração o contexto histórico em que a charge foi produzida e as condições de produção. A metodologia utilizada é de cunho qualitativo, bibliográfico. Serviram de embasamento teórico os autores: ALTHUSSER (1992), BRAIT (1996), MAINGUENEAU (1997), ROMUALDO (2000), MUSSALIM (2001)),

GREGOLIN (2006) e PECHÊUX (2012).

Palavras-Chave. Charge. Meio Ambiente. Análise de Discurso.

Abstract: This article entitled "Charge: the discourse on the environment" arose with the intention of analyzing the discursive materiality that a cartoon can present or represent in relation to the environment, since environmental degradation is a reality currently faced. Given this, certain chargers use methods and resources that emphasize and criticize this process of environmental degradation. Discourse Analysis seeks to analyze through discourses, the different materialities and effect of meanings contained in the cartoons through the discursive and ideological formations presented by the exercise of the cartoonist, that is, investigates the whole strategy used by the cartoonist in composing that discourse through the charge, how he used those resources and why he used them,

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taking into account the historical context in which the cartoon was produced. The methodology used is qualitative, bibliographic. The authors were: Althuser (1992), BRAIT (1996), MAINGUENEAU (1997), ROMUALDO (2000), MUSSALIM (2001), GREGOLIN (2006) and PECHÊUX (2012).

Key words: Cartoon. Environment. Discourse Analysis.

1 Introdução

O gênero charge é específico para fazer críticas aos problemas que estão

afetando a sociedade. Feito com uso do desenho, podendo também conter

linguagem verbal, carregada de humor e irônica, a charge é sempre produzida em

um contexto histórico, social e cultural e, por esse motivo, para entender sua crítica

é necessário analisar o contexto na qual foi produzida, ou fazer uma abordagem no

tempo e ter ciência dos acontecimentos que a gerou.

A análise do discurso é uma disciplina teórica e metodológica de entremeio

dentro do campo da linguística. Os construtos teóricos da Análise do Discurso têm

base na Psicanálise, Materialismo Histórico e Linguística. O objeto de pesquisa da

teoria do discurso é o discurso. Mas tal discurso – de acordo com a teoria, é um

discurso ideológico, construindo historicamente por uma dada sociedade,

materializado nas formas de manifestações da linguagem humana e, se

manifestando por ela no sujeito ideológico que anuncia textos. O discurso se

materializa no texto.

Com a análise do discurso é possível saber as construções ideológicas do

sujeito anunciador e suas condições de produção do discurso, e ainda, o lugar de

onde o sujeito anuncia, uma vez que, para a teoria do discurso, somos constituídos

em sujeitos pela a ideologia, a nossa fala sempre é polifônica, vem sempre

acompanhada de outras vozes que nos atravessa e, nunca, somos o dono exclusivo

de nosso discurso. Essa polifonia representada no discurso do sujeito, tem um lugar,

e esse lugar ideológico, percebe-se na linguagem do sujeito anunciador.

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Nesse sentindo, o presente trabalho usa dos conceitos e o método dessa

teoria para fazer análise de uma charge. Analisar as condições de produção de

discurso que a materializou, bem como a produção de efeito de efeito de sentido e

as formações ideológicas do sujeito do discurso e, ainda, o acontecimento que a

gerou.

2 Análise de Discurso

A Análise de Discurso é uma disciplina, um método de análise, que surgiu na

década de 60, pois Pechêux – seu fundador, percebeu que todo discurso carrega

consigo uma bagagem ideológica e que nenhum discurso é sem sentido, ou seja,

nenhum discurso é neutro. A partir dessa percepção notou-se a necessidade de

analisar as condições de produção de um discurso, ou seja, como esse discurso foi

realizado, por quais ideologias o sujeito dono do discurso se apoia para realizá-lo, e

principalmente em qual contexto histórico esse mesmo discurso foi produzido.

Diante disso, Orlandi (2012) apoiando-se no texto de Pechêux, diz que:

Podemos considerar as condições de produção e sentido estrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as consideramos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio- histórico, ideológico (2012, p. 30).

Um discurso é muito mais que o simples ato da reprodução de signos, pois

para a sua formação é necessário haver um contexto histórico, social, cultural,

político, entre diversos outros fatores que podem influenciar em sua produção.

Para que possamos melhor compreender a Análise do Discurso,

primeiramente devemos entender o que é discurso. Discurso se materializa na fala,

na escrita, gestos dos sujeitos que fazem o uso dos signos linguísticos, ou seja, é

quando o indivíduo ou, sujeito fala, escreve, expressa suas ideias, argumenta ou

anuncia algo, fazendo uso dos diversos tipos da linguagem para produzir sentidos,

que segundo Orlandi (2001, p. 15), a AD ―concebe a linguagem como mediação

necessária entre o homem e a realidade natural e social‖.

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Segundo Mussalim (2001, p. 11), a Análise de Discurso ―se refere à

linguagem apenas à medida que esta faz sentido para sujeitos inscritos em

estratégias de interlocução em posições sociais‖. Desse modo, sempre que alguém

faz uso da linguagem para falar, escrever, sinalizar, convencer, interpelar entre

outros, este alguém, consecutivamente tem uma ideia a passar para o outrem, isto

é, carregam em seus discursos várias ideologias, que são frutos de outras

ideologias, ou seja, esse discurso é consequência de toda carga ideológica que o

sujeito ou indivíduo aderiu inconscientemente em seu contexto social, sofrendo e

sendo alvo natural de interpelação por outros discursos ideológicos dos quais

circulam em seu meio social, e consequentemente e inconscientemente o sujeito vai

transferindo seu discurso ideológico para outros indivíduos.

De acordo com Orlandi Apud Brandão (2004. p. 106)

Discurso é o efeito de sentido construído no processo de interlocução (opõe-se à concepção de língua como mera transmissão de informação). O discurso não é fechado em si mesmo e nem é do domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz significado em relação ao que diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos.

Mesmo que o discurso feito tenha um determinado objetivo, ainda assim,

depende da formação ideológica do interlocutor, pois relacionado com esta

formação, o discurso pode remeter sentido diferente do qual o locutor tentou passar.

Levando em consideração tudo que foi explanado, pretende-se realizar

análise discursiva de uma charge referente ao meio ambiente, para isso contamos

com a ajuda da AD para que possamos compreender quais contextos históricos

levaram a materialização do discurso chargístico.

3 Discurso e acontecimento

Todo discurso é reproduzido causar um efeito de sentido, mas, para isso, é

levado em consideração o contexto no qual o discurso foi produzido e para quem foi

produzido. ―Toda prática discursiva está inscrita no complexo contraditório-desigual-

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sobre determinado das formações discursivas que caracteriza a instancia ideológica

em condições históricas dadas‖ (PÊCHEUX, 1975, p. 213).

Essa junção entre o contexto histórico e a possiblidade de efeito de sentido

pode ser chamada de acontecimento, como infere Gregolin (2006, p. 27)

O acontecimento é pensado como a emergência de enunciados que se inter-relacionam e produzem efeitos de sentido. Esse projeto teórico compreende o enunciado em sua singularidade de acontecimento, em sua irrupção histórica.

É preciso ser levado em consideração todos os aspectos culturais, sociais e

históricos para ter a possibilidade de analisar um acontecimento, e esse tal

acontecimento pode ser analisado com mais facilidade ou não dependendo de

vários fatores, como por exemplo, a forma como ocorreu, com quem ocorreu, quem

foi o causador, e principalmente em que período aconteceu. A materialização dos

discursos a respeito de tais acontecimentos faz com que este acontecimento seja

lembrado ainda mais, com diferenciados pontos de vista de quem o analisa. Orlandi

afirma que:

Todo discurso é um deslocamento na rede de filiações, mas este deslocamento é justamente deslocamento em relação a uma filiação (memória) que sustenta a possibilidade mesma de se produzir sentido. […] Cada acontecimento discursivo é inédito e o retorno da memória não é simples reprodução (1996, p. 92-93).

Cada acontecimento discursivo traz consigo uma carga ideológica, pois como

nos afirma Althusser (1992, p. 93) ―toda ideologia interpela os indivíduos enquanto

sujeitos‖, além da manifestação da memória discursiva.

4 Charge: função discursiva

Charge é um gênero textual que tem como papel fazer críticas àquilo que está

afetando a sociedade. Segundo o dicionário online de português Dicio Charge ―é um

desenho de teor humorístico ou cômico que, possuindo legenda ou não,

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normalmente é apresentado ou publicado em revistas ou afim, se pode referir a uma

situação (acontecimento) atual, e critica as personagens que estão envolvidas nessa

situação: caricatura‖. A charge é sempre feita por um chargista que tem um ponto de

vista critico em relação a algo ou a alguém, é perceptível que o autor faz isso

utilizando-se do humor para causar seu efeito de sentido, e por meio da

materialidade discursiva existente na charge busca interpelar o interlocutor.

Na maioria das vezes ligada a um problema que circula num dado contexto

social. E esta crítica, por meio da charge acontece de forma ilustrativa, e ainda

contendo um efeito humorístico no texto. A charge, portanto, segundo Romualdo

(2000, p.33)

Pode ser definida como ―um texto visual humorístico que critica uma personagem, fato ou acontecimento específico‖. Por focalizar uma realidade específica, ela se prende mais ao momento, tendo, uma limitação temporal.

Induzindo o apreço às ideias de Romualdo, a charge prende-se ao momento,

e guarda o fato no tempo, a charge está presa no tempo, mas com o olhar da

análise de discurso a possibilidade de diversos efeitos de sentidos é possível de

acordo com a contextualização histórica do acontecimento, podendo ainda circular

fora de seu contexto original, no qual se gerou, portanto, um olhar mais criterioso se

faz necessário, exigindo do receptor uma viagem ao passado, a buscar a

problemática que a originou para tentar compreender o seu sentido. A charge

consiste numa escritura, mas em forma de caricatura podendo ou não utilizar

palavras em sua composição, sendo de caráter humorístico e satírico, faz, contudo,

um julgamento a um caso, uma problemática social, ou a um ser, podendo também

apresentar certo grau de ironia. Para Brait (1996, p. 129-130)

O processo irônico fundamenta-se na lógica dos contrários na tensão entre o literal e o figurado e numa relação muito especial entre o enunciador e seu objeto de ironia, e entre o enunciador e o enunciatário. A ironia requer de seu produtor uma familiaridade muito grande com os elementos a serem ironizados, o que de imediato torna isomorfa a cisão constitutiva do seu sujeito, do seu produtor. Por outro lado, também o enunciatário espelha a cisão, na medida em que capta a sinalização emitida pelo discurso e,

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através dela, aciona sua competência discursiva, ou como parceiro de um ponto de vista do enunciador.

Levando essa em consideração afirmação, nota-se que para que a ironia seja

percebida é necessário que o receptor tenha entendimento sobre o contexto

histórico e cultural no qual a charge está inserida.

Até o momento mencionamos alguns aspectos para uma boa compreensão

das charges. Mas, levando ao campo da Análise de Discurso, é possível perceber

que para a materialização deste discurso presente na charge é necessário sem

exceção de um acontecimento histórico e para Orlandi ―o discurso é efeito de

sentidos entre locutores, um objeto sócio-histórico em que o linguístico está

pressuposto‖ (2005, p. 11).

Além disso, as charges carregam consigo um discurso impregnado de

posições ideológicas do enunciador, e para Maingueneau (1997, p. 77)

Os ‗enunciadores‘ são seres cujas vozes estão presentes na enunciação sem que se lhes possa, entretanto, atribuir palavras precisas; efetivamente, eles não falam, mas a enunciação permite expressar seu ponto de vista. Ou seja, o ‗locutor‘ pode pôr em cena, em seu próprio enunciado, posições diferentes da sua.

Mesmo que o enunciador pretenda transmitir uma determinada formação

ideológica com seu discurso, ainda é possível que não tenha o poder de interpelar o

receptor, pois o efeito de sentido não depende somente da posição ideológica em

que o enunciador é condicionado, mas também da maneira como o receptor vai

recebe-la e se sua filiação ideológica de aproxima da do sujeito enunciador, isto é,

de acordo com sua posição ideológica.

E neste sentido em nosso artigo focaremos em uma charge que tratam de

temas relacionados ao meio ambiente, pois é um tema de grande repercussão por

conta de acontecimentos históricos que ocorrem com a evolução industrial.

Todos sabemos que o principal meio de urbanizar um local é construindo

moradias, mas ao mesmo tempo desfazendo-se da flora para dar lugar a primeira.

Não só o ato da urbanização é responsável pelo desmatamento, mas vários outros

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fatores que envolvem o capitalismo, como por exemplo: criação de gado, plantação

de soja, arroz, trigo e etc. Mas por outro lado, segundo dados do Ministério do meio

Ambiente nos últimos anos o aquecimento global tem aumentado excessivamente

devido a ação humana. É seguindo essa linha de pensamento que o do chargista

Jarbas Domingos de Lira Jr, produziu a charge abaixo:

Figura 1.

Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brasil_A-32b.sv> acessado dia 16/10/17.

Ao observarmos a charge acima é possível notar que o autor usou elementos

relacionados ao aquecimento global, até mesmo a cor colocada na charge nos

remete a um clima quente, sendo este, uma das principais consequências do

desmatamento. É possível perceber por meio da charge, que o autor se posiciona

contra o desmatamento, o discurso se materializa no momento em que ele utiliza-se

da morte como símbolo da consequência da ação do homem. O autor materializou

seu discurso por meio desta charge sobre um acontecimento que vem ocorrendo ao

longo do tempo, e que vem sendo discutido entre os estudiosos, e causando

repercussão.

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Ao ser interpelado pela charge o individuo se identifica em sua formação

discursiva, ao reconhecer essa formação, um conceito ideológico se manifesta.

Embora a ideia da materialidade discursiva do autor tenha sido a crítica ao

aquecimento global o efeito de sentido do interlocutor está diretamente associado a

formação discursiva que ele pertence e ao contexto histórico dos acontecimentos

que a gerou.

5 Considerações finais

Os acontecimentos históricos da uma sociedade fornece as condições de

produção do sujeito que anuncia. E, ao mesmo tempo que anuncia, seguindo a linha

de raciocínio do Análise do Discurso, o sujeito também manifesta sua formação

ideológica, sua formação discursiva e o lugar de onde fala. O discurso se materializa

na linguagem. E, é nesse momento que análise discursiva se faz possível. Portanto,

a charge em análise, mostra a fala de um sujeito que se manifesta contra o

desmatamento, contra o capitalismo excessivo. E, ao mesmo tempo, manifesta a

sua preocupação com meio ambiente, e sua posição a respeito do futuro da

humanidade e do planeta. Materializando todo um momento histórico ao qual nossa

sociedade passa, e, também, todo o efeito de sentido construído historicamente

pelos acontecimentos de degradação ambiental que a sociedade passa.

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