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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA PATRÍCIA SOARES MARTINS DE OLIVEIRA O PERIGO DO SILÊNCIO: O PERFIL CRIMINOLÓGICO DO PSICOPATA LABORAL Palhoça 2013

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PATRÍCIA SOARES MARTINS DE OLIVEIRA

O PERIGO DO SILÊNCIO:

O PERFIL CRIMINOLÓGICO DO PSICOPATA LABORAL

Palhoça

2013

PATRÍCIA SOARES MARTINS DE OLIVEIRA

O PERIGO DO SILÊNCIO:

O PERFIL CRIMINOLÓGICO DO PSICOPATA LABORAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Andréia Catine Cosme, MSc.

Palhoça

2013

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

O PERIGO DO SILÊNCIO:

O PERFIL CRIMINOLÓGICO DO PSICOPATA LABORAL

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta

monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e

criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça, 6 de novembro de 2013.

PATRÍCIA SOARES MARTINS DE OLIVEIRA

Dedico este trabalho às mulheres e homens

vítimas da psicopatia laboral que atinge de

forma vertente o íntimo do ser humano, no

intuito único e exclusivo de desestabiliza-los,

mergulhando-os num mar de angústias

incessantes.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Maria Venância de Faria Martins, a Dorvalina Maria Soares e

João Pedro Martins, avós amorosos que conduziram à firmeza do meu caráter.

Agradeço a Dalva Soares Martins e Francisco de Assis Martins, pais

presentes e confidentes, que proporcionaram a segurança de minhas convicções.

Agradeço ao Pedro Manoel de Oliveira, excelentíssimo marido, âncora em

meus devaneios mantendo-me segura em seu porto.

Agradeço aos meus filhos, Mateus e Lucas, com quem desvendo dia a dia

o mistério da maternidade.

Muito obrigada aos meus mestres, àqueles que me impulsionaram desde

a mais tenra idade até este momento, sei que sem sua orientação e incentivo não

teria chego até aqui.

Aos colegas, muitos dos quais sei que serão amigos eternos pelo muito

que foi compartilhado, em especial Dr. Valmir Guimarães Bittencourt.

Enfim, agradeço a Deus, origem da minha essência, pela benção de ter

me proporcionado um espírito desejoso de conhecimento e justiça; e colocado em

minha vida um ponto de apoio primordial para concretização deste trabalho, minha

orientadora Andréia.

“Dê-me um ponto de apoio e eu levantarei o mundo.” ARQUIMEDES.

RESUMO

Não é de hoje que a violência dissemina famílias inteiras sem que consigam

alcançar a justiça que tanto almejam. No entanto, muito além da violência das ruas,

vivemos a violência velada no cotidiano de nosso ambiente de trabalho. Cada vez

mais, vítimas assediadas moralmente no ambiente em que passam a maior parte de

seu tempo em detrimento do convívio familiar acabam por abarrotar os pedidos

médico de afastamento por doenças ocasionadas pelo trabalho. Os números de

vítimas acumulam-se também nos fóruns com pedidos de indenização por danos

morais. É necessário que os sindicatos sejam atuantes. Objetivando identificar o

assediador como um psicopata que age no ambiente corporativo, utiliza-se o método

dedutivo, e a partir da conceituação da psicopatia verifica-se a identificação do perfil

criminológico do psicopata laboral, pela comunicabilidade da ausência de empatia e

o descaso com o sofrimento alheio, assim ocasionado pelos Psicopatas. Há

necessidade de que seja verificada uma forma finalista de obstar a dor vivenciada

diuturnamente e que não cessa quando estas pessoas se afastam, seja por curto

período seja definitivamente, do ambiente laboral. O assediador segue imune a todo

tormento que ocasiona e as vítimas, fragilizadas, se calam, por medo, por covardia,

não testemunham, silenciam. Dessa forma faz-se necessário o presente trabalho no

intuito de verificarmos a relação existente entre a conduta empregada no ambiente

laboral pelo assediador e a forma desenvolvida pelo psicopata no emprego do crime

cometido. Verificada a personalidade psicopática, os métodos empregados na

prática do Assédio Moral, pode-se traçar um perfil criminológico, ao ponto de

possibilitar a identificação do Psicopata laboral, evitando assim maiores danos às

vítimas.

Palavras-chave: Violência. Psicopatas. Assédio Moral. Suicídio.

LISTA DE SIGLAS

PCL-R – Psychopathy Checklist Revised - Critérios para Pontuação de Psicopatia

Revisados

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 AS ESCOLAS PENAIS .......................................................................................... 12

2.1 A ESCOLA CLÁSSICA ........................................................................................ 12

2.2 A ESCOLA POSITIVA .......................................................................................... 14

2.2.1 Fase Antropológica de Lombroso ................................................................ 14

2.2.2 Fase Sociológica de Ferri .............................................................................. 15

2.2.3 Fase Jurídica de Garofalo .............................................................................. 17

2.3 CRIMINOLOGIA .................................................................................................. 19

2.3.1 Conceito .......................................................................................................... 19

2.3.1.1 O Crime ......................................................................................................... 20

2.3.1.2 O Criminoso .................................................................................................. 22

2.3.1.3 A Vítima ......................................................................................................... 23

2.3.1.4 O Controle social ........................................................................................... 25

3 PSICOLOGIA CRIMINAL ...................................................................................... 27

3.1 CONCEITO .......................................................................................................... 27

3.1.1 Psicanálise Criminal ....................................................................................... 27

3.1.2 Behaviorismo .................................................................................................. 30

3.1.3 Humanismo ..................................................................................................... 31

3.2 PERSONALIDADE .............................................................................................. 35

3.2.1 Personalidade normal e patológica .............................................................. 37

3.2.2 Transtornos da Personalidade ...................................................................... 41

4 PERFIL CRIMINOLÓGICO DO PSICOPATA LABORAL ..................................... 47

4.1 PSICOPATIA ....................................................................................................... 47

4.1.1 História do conceito ....................................................................................... 47

4.1.2 Anatomia cerebral .......................................................................................... 51

4.1.3 Elementos Caracterizadores ......................................................................... 59

4.2 O ASSÉDIO COMO CARACTERÍSTICA DO PSICOPATA .................................. 61

4.2.1 Assédio moral no trabalho ............................................................................ 61

4.3 O PERIGO DO SILÊNCIO ................................................................................... 64

5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 68

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 70

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1 INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, não podemos mais corroborar com a afirmação de que o

Assédio Moral seja pouco divulgado, pois infelizmente tornou-se parte integrante de

nossas preocupações sociais. Embora ainda existam pessoas assediadas que

sofram em silêncio, aos poucos novas vítimas adquirem esperança e ousadia na

denúncia das práticas abusivas, caracterizadoras do Assédio Moral no ambiente de

trabalho.

A justiça trabalhista, num esforço louvável, vem aprimorando seu

mecanismo na seguridade ao trabalhador quanto à respeitabilidade de que tem

direito, assegurando um fim real à jornada de humilhações. Dessa forma utilizando o

método dedutivo, a partir da conceituação da psicopatia procura-se identificar as

características do perfil criminológico do psicopata laboral.

Profissionais habilitados tornam possível a identificação das práticas

abusivas, veladas, mas que acabam por incutir o medo e o terror psicológico

transformando e degradando a vida de tantas pessoas, ao ponto de levá-las ao

suicídio. Sendo assim, o despertar de várias Associações, ONGs, psicólogos,

psiquiatras, parlamentares, nosso Ministério Público, o Judiciário, enfim,

profissionais habilitados mobilizam-se no intuito de prestar auxílio às vítimas, seja

para impedir a ocorrência, seja para instar sua progressão ou ainda para

responsabilizar o assediador. Destacando assim o campo da criminologia nas

diversas abordagens em sua multidisciplinaridade.

A composição do presente trabalho monográfico é realizada por meio de

pesquisas bibliográficas, utilização de livros, periódicos, artigos científicos, sites

oficiais como base ao desenvolvimento dos seus três capítulos teóricos. Iniciando

pelas premissas históricas sobre as duas primeiras Escolas Penais, num estudo da

Criminologia como ciência determinante para entendimento do processo crime,

criminoso, vítima, controle social, com a verificação dos ícones da Escola Positiva,

Lombroso, Ferri e Garofalo, sua conceituação, caracterização e métodos utilizados.

Posteriormente, apresenta-se a formulação da Psicologia Criminal, com a

Psicanálise, no estudo do comportamento criminoso para entendimento da

Personalidade normal e patológica e seus transtornos, que trabalham em conjunto

com a Criminologia.

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Por fim, no terceiro e último capítulo ocorre a verificação do Perfil

Criminológico do Psicopata Laboral e seus métodos para o constrangimento

reiterado caracterizador do Assédio Moral, corroborado com o silêncio da vítima e de

seus pares, colegas de trabalho, ocasionando o suicídio como medida terminal para

livrar-se da angústia vivenciada.

A presente pesquisa demonstra fundamental importância tanto para o

meio acadêmico como para a sociedade em geral, em atenção à crescente

demanda de casos apontados diuturnamente em diversos veículos de comunicação.

Havendo nos dias atuais ferramentas para análise do nexo causal das enfermidades

advindas do meio laboral, parece necessário começarmos a prevenir a enfermidade

antes que elas ocorram.

Apesar da complexidade do tema abordado, o objetivo do trabalho foi

uma reflexão a partir do campo da Criminologia, sobre a relevância da denúncia e

conscientização do trabalhador como testemunha atuante no processo de prova da

humilhação advinda do Assédio Moral. Condicionando-o à reflexão de que a falta de

colaboração acaba por tornar seus espectadores coautores de, pelo menos, um

induzimento ao suicídio. Utilizando-se dos estudos amparados pela Psicologia

Criminal para entender o tipo de comportamento criminoso empregado pelo

Psicopata no ambiente de trabalho.

Acreditamos, numa tentativa de assegurar às vítimas dessa prática

abusiva, o direito a indenização e o amparo para restituição de sua auto estima, bem

como buscar possibilidades, além da repressão, de prevenção para obstar a

continuidade dessa prática delituosa por meio da conscientização na seguridade da

dignidade do trabalhador.

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2 AS ESCOLAS PENAIS

O Direito Penal nasce com a sociedade. Originalmente a pena é

extremamente cruel, sacrificante, desumana. Diante de tanta barbárie, estudiosos

dão origem a uma nova perspectiva do crime e das penas com as duas primeiras

escolas de Direito Penal. Posteriormente com o nascimento da Criminologia, os

estudos do Crime e do Criminoso tomam novo enfoque, alargando-se para o estudo

da vítima e o controle social como condicionantes para o fato delituoso. Serão estes

os temas abordados neste capítulo.

2.1 A ESCOLA CLÁSSICA

Remonta sua origem na vingança e na retribuição do mal pelo mal, a Lei

de Talião, na vingança divina, pública, coletiva; nas penas impostas aos Cristãos, no

livre arbitrísmo, em que o delito se confundia com o pecado; no despotismo do

Santo Ofício da Inquisição, “onde aqueles que não confessassem a fé católica eram

colocados em prisões subterrâneas chamadas Penitenciários; no Ciclo do Terror; na

revolução Francesa e na Pena de Prisão.” (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 25).

Inicialmente, “Platão e Aristóteles aventaram as primeiras idéias a

respeito da ação do meio sobre o caráter do homem. Em sua ‘Retórica’ escreveu

Aristóteles: ‘O julgamento e o castigo são remédios.’” (VIEIRA, 1997, p.21).

A Escola Clássica contou com pensadores como: Diderot, Rousseau,

Voltaire, Liquet, John Howard, que se dedicaram aos estudos do crime e das penas,

mas foi Cesare Bonesana - o marques de Beccaria, com seu livro: Dos Delitos e das

Penas, símbolo de um apelo favorável à justiça e contra os métodos cruéis de

punição existentes à época, o grande precursor das pesquisas criminológicas.

(VIEIRA, 1997, p.21).

Como reação ao absolutismo do Estado, nasce a Escola Clássica.

(GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2007).

Com seu surgimento, a concepção de criminoso reside no entendimento

de que é necessário que o indivíduo “tenha responsabilidade moral e livre arbítrio”

para que seja considerado criminoso; o fundamento do direito de punir é colocado

nos limites da necessidade da defesa. (VIEIRA, 1997, p. 26):

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Só se pode imputar delito a alguém, quando dotado de livre-arbítrio, quando possua a liberdade de optar entre os motivos. Para isso deve ser psiquicamente desenvolvido e mentalmente são. Assim, a Escola Clássica admite graus de responsabilidade, que é proporcionada à intensidade do livre-arbítrio. Quanto mais perfeito o livre-arbítrio, mais completa é a responsabilidade do agente, o qual, em consequência, deve sofrer maior pena. (VIEIRA, 1997, p. 29).

São expoentes desta Escola vários estudiosos como: Pellegrino Rossi (

1768-1847), Giovanni Carmignani (1768-1847), o alemão Paulo Anselm Ritter Von

Feuerbach (1775-1833) e a maior representação é Francesco Carrara (1805–1888),

o qual declarava que, “no livre arbítrio está o fundamento da imputabilidade moral,

que é, por sua vez, o fundamento da responsabilidade penal.” (VIEIRA, 1997, p. 29).

Entendiam que, sendo o indivíduo detentor do livre arbítrio, ao optar

deliberadamente pelo mal, era um pecador e ao desrespeitar a lei quebrava o pacto

e se tornava um criminoso que, deveria ser punido na mesma proporção do mal

causado. (SHECAIRA, 2004):

Querem os Clássicos que a explicação dos delitos esteja na vontade livre e inteligente dos homens, porque eles têm liberdade moral. [...] são todos sensivelmente iguais. Não admitia que um homem pudesse nascer voltado para o crime, [...] sua preocupação com o criminoso é acidental, secundária. (VIEIRA, 1997, p. 26-27).

Dessa forma, o delito só poderia ser imputado a alguém mentalmente

são; capaz de exercer o livre arbítrio optando entre o bem e o mal, “o enfermo

mental era tão irresponsável pelo delito como quem não o tivesse praticado. Poderia

ser comparado a uma pedra, que, caindo, ocasionasse a morte de alguém.”

(VIEIRA, 1997, p. 29):

Os clássicos não emprestam importância aos fatores biológicos, físicos,[...]e sociais, como, por exemplo, o ambiente, as estações, a temperatura, as condições atmosféricas, o clima, a topografia do solo, a produção agrícola – e, já no âmbito social -, ainda, a família, a religião, a densidade da população, a educação, o alcoolismo, as drogas, a organização político-econômica, a legislação vigorante, a pobreza, a miséria, o meio em que vive o delinquente. Do ponto de vista filosófico, a Escola Clássica defende a

primazia do livre-arbítrio [...]. (VIEIRA, 1997, p. 27).

Contrapondo as idéias defendidas pela Escola Clássica, que tem seu foco

no Crime, surge a Escola Positiva, preocupada e voltada ao estudo do Criminoso,

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caracteriza-se por obras de imponentes pensadores como: Lombroso, Ferri e

Garofalo.

2.2 A ESCOLA POSITIVA

Primordial e determinista com relação ao criminoso, a Escola Positiva tem

correspondência na França, pela Escola de Lyon e na Alemanha, pela Escola

Moderna, e recusa-se a aceitar a “liberdade das ações humanas.” (VIEIRA, 1997, p.

29).

Os estudos científicos realizados anteriormente, corroborados com a

divulgação das idéias de Charles Darwin sobre a teoria da seleção natural,

enfraquecem a tese do livre arbítrio defendida pela Escola Clássica e acabam

fortalecendo o início da transição para a Escola Positiva, que defendia a conduta do

criminoso relacionada a sua carga genética.

Dessa forma a Escola Positiva assevera que:

Para os pensadores da Escola Positiva, a vontade humana não é a causa dos nossos atos: não significa mais que a consciência deles, coincide com a sua percepção, antes de se realizarem, como consequência do processo natural de transformação das forças físicas e físico-psicológicas. Sua tese baseia-se em duas leis científicas: a da transformação das forças e a da causalidade natural. (VIEIRA, 1997, p. 28).

Poderíamos destacar três Fases neste período:

2.2.1 Fase Antropológica de Lombroso

Introduzida pela obra, O Homem Delinquente, do médico legista César

Lombroso, que formula a teoria do criminoso nato após proceder à análise de 4.222

crânios, em que define os traços violentos, “referindo-se aos nascidos para matar”,

teoria explicável pelo atavinismo, em que o criminoso seria atavicamente

delinquente, por hereditariedade. (POSTERLI, 2001, p. 13).

Detêm-se o entendimento que:

CESARE LOMBROSO não recorreu apenas ao atavinismo. Ao prosseguir em suas investigações, concluiu, ao examinar outro criminoso, o conhecido Salvador Misdea, que apresentava a particularidade de uma epilepsia caracterizada. Isso fez com que CESARE LOMBROSO, médico de Turim,

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colocasse ao lado da teoria atávica um novo componente de atividade criminal, não apenas morfológico, mas funcional e mental, que seria a epilepsia. Bem anteriormente, criou-se, como substrato da gênese criminosa ou criminogênese, a expressão loucura moral, ou seja, a moral insanity. Essa denominação mais que antiga, antiquada, foi dada pelo psiquiatra inglês JAMES PRICHARD (1786-1848), ao que passou a chamar personalidades psicopáticas muito posteriormente. (POSTERLI, 2001, p. 11, grifo do autor).

O fato é que independentemente do querer, não se pode negar a

existência de indivíduos com tendência inata para a prática de delitos e outros com

disposições para a convivência pacífica em sociedade. (FERREIRA, 1986):

De CESARE LOMBROSO (1836-1909) aos tempos mais modernos passamos para as personalidades psicopáticas, conceito este estabelecido em 1923 pelo psiquiatra alemão KURT SCHNEIDER (1888-1967), que são os psicopatas os quais tem fundamental destaque na violência urbana. (POSTERLI, 2001, p. 169). O nome e a escola de Lombroso não se distanciam muito das variantes terminológicas de hoje, em que se acrescentaram até mesmo a influência dos hormônios no determinismo criminológico, com implicações endocrinopáticas. Já se presume que o homem está bem próximo de poder controlar, por meios fisiológicos, o comportamento humano, manipulando-o a seu bel prazer, no sentido de dirigir determinados instintos agressivos[...] O mal de Lombroso foi ter focalizado de maneira excessiva e exclusiva os aspectos naturalistas da criminalidade, com seu criminoso nato e o tipo antropológico do homem delinquente.(FERREIRA, 1986, p.53).

Em seu trabalho como psiquiatra e médico legista Lombroso visualizou

uma relação entre o delito e as características físicas do criminoso; considerado o

fundador da Criminologia, embora ainda não tivesse empregado esse nome em suas

pesquisas, teve suas idéias amparadas por seu genro Enrico Ferri, mas voltada às

influências sociológicas surgindo assim a segunda Fase da Escola Positiva.

2.2.2 Fase Sociológica de Ferri

Nesta segunda fase da Escola Positiva temos a Fase Sociológica,

representada por Enrico Ferri, discípulo de Lombroso que, “levantou a hipótese de

que o criminoso nato ressentir-se-ia da influência de determinados fatores físico-

ambientais para desenvolver sua potencialidade criminal.” Não sendo, portanto, um

indivíduo igual aos demais, como afirmava a Escola Clássica, deveria ser analisado

individualmente para adequação da pena a ser aplicada. (VIEIRA, 1997, p. 25):

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A Sociologia Criminal nasceu com a sua obra “Nuovi orizzonti Del diritto e della procedura penale”, editada em 1884. Na 3ª edição (1891), teve o título “Sociologia Criminale”. Propôs a sua “Lei de saturação Criminal”, em que tentava uma conexão entre a Escola Clássica e a Escola Positiva, afirmando: “Da mesma forma que num determinado liquido, a uma determinada temperatura, ocorre a diluição de certa quantidade de substância, sem uma molécula a mais ou a menos, assim também em determinadas condições sociais, serão produzidos certos delitos, nem um a mais, nem um a menos.” (VIEIRA, 1997, p. 25).

Ferri defendia a teoria jurídica da responsabilidade social, não aceitando a

liberdade da vontade psíquica do homem e afirmava:

[...] todos os criminosos, doentes mentais ou não, deveriam ser afastados da convivência social, não como castigo, expiação ou pena, mas com base na segurança geral da sociedade; ao invés do Código Penal, deveria haver apenas um código de defesa social, com fundamento na periculosidade do infrator. (FERNANDES, FERNANDES, 2002, p. 87).

Portanto, acreditava que “a razão e o fundamento da reação punitiva é a

defesa social, que se promove mais eficazmente pela prevenção do que pela

repressão aos fatos criminosos”; onde a complexidade da criminalidade decorreria

de fatores antropológicos, físicos e sociais, nomeando assim uma nova classificação

dos criminosos em que predominam os fatores sociais. Refuta o livre arbítrio da

Escola Clássica, como base para a imputabilidade, assevera que a responsabilidade

moral deve se sobrepor a responsabilidade social, por que o “livre arbítrio é uma

mera ficção.” (SHECAIRA, 2004, p. 99).

Dessa forma classifica os criminosos em cinco categorias:

O nato, conforme classificação original de Lombroso, que por impulsividade ínsita fazia com que o agente passasse à ação por motivos absoltamente desproporcionados à gravidade do delito. Eram precoces e incorrigíveis, com grande tendência á recidiva. O louco, é levado ao crime não somente pela enfermidade mental, mas também pela atrofia do senso moral, que é sempre decisiva na gênese da delinquência. O habitual preenche um perfil urbano. É a descrição daquele nascido e crescido num ambiente de miséria moral e material começa de rapaz, com leves faltas (mendicância, furtos pequenos, etc.) até uma escala obstinada no crime. Pessoa de grave periculosidade e fraca readaptabilidade, preenche um perfil que se amolda, em grande parte, ao perfil dos criminoso mais perigosos. O ocasional, condicionado por uma forte influencia de circunstâncias ambientais: injusta provocação, necessidades familiares ou pessoais, facilidade de execução comoção publica etc.; sem tais circunstancias não haveria atividade delituosa que impelisse o agente ao crime. ‘No delinquente ocasional é menor a periculosidade e maior a readaptabilidade social; e, porque ele, na massa dos autores de verdadeiros e próprios

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crimes, representa a grande maioria, que se pode computar aproximadamente na metade do total de criminosos.’ E o passional, categoria que inclui os criminosos que praticam crimes impelidos por paixões pessoais, como também políticas e sociais. (SHECAIRA, 2004, p. 99).

O homem criminoso estaria caracterizado por uma particular

insensibilidade, não só física como psíquica sendo desenvolvida na tese defendida

por Rafael Garofalo na terceira Fase da Escola Positiva.

2.2.3 Fase Jurídica de Garofalo

Esta terceira Fase, a Jurídica, é então introduzida por Rafael Garofalo,

também continuador das obras de Lombroso, “em razão de sua orientação

naturalista e evolucionista, o ponto de partida de sua doutrina é a conceituação do

que chamou de delito natural.” (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 93).

Sob a teoria do delito natural, Garofalo assinala a preocupação com a

exposição psicológica da ausência ou inoperância dos sentimentos como justificativa

para os delitos, diferenciando os delitos legais, não relacionados a anomalias, dos

delitos naturais, relacionados ao desvio de caráter. (MOLINA; GOMES, 2006).

Essa definição do delito como fenômeno natural ainda não havia sido

analisada nem mesmo por Ferri ou Lombroso até então; sua definição legal era

examinada mas sem conceituação adequada, assim é que Garofalo definiu esse

fenômeno “natural” como: “uma lesão daquela parte do sentido moral, que consiste

nos sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) [...]” conforme o

padrão médio de determinado grupo social. (MOLINA; GOMES, 2006, p. 61).

Existem, portanto diferenças entre as Escolas na maneira de encarar o

delinquente e quanto a sua responsabilidade:

Enquanto a Escola Clássica vê o indivíduo como sensivelmente igual aos demais, a Escola Positiva vê o “indivíduo provido de componentes pessoais peculiares que necessitam ser estudados e que constituem, às vezes, anomalias denunciadoras de forte propensão ao crime.” Já quanto a responsabilidade, enquanto a Escola Clássica baseia-se no “livre-arbítrio como uma dogma indiscutível (responsabilidade moral)”, a Escola Positiva “entende que a responsabilidade decorre da existência do homem em sociedade (responsabilidade social ou legal).” (VIEIRA, 1997 p. 29-30).

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Garofalo foi o terceiro grande nome do positivismo, afirmava que o crime

reside no indivíduo e, quaisquer que sejam as causas, é a revelação de uma

natureza degenerada. Ao introduzir o conceito de “temibilidade” como a

“perversidade constante e ativa do delinquente e a quantidade do mal previsto que

se deve temer por parte do mesmo delinquente”, promove a relação temibilidade-

medida de segurança, em que o tratamento do delinquente seria determinado de

maneira eficaz a proteger a sociedade. A temibilidade seria então a justificativa para

a imposição do tratamento. “Unificava os fins de proteção social e tratamento,

alcançando a eficácia com a obstrução de novos delitos.” (SHECAIRA, 2004, p.

101):

Ainda hoje, os defensores da tese da existência e predominância do livre-arbítrio asseguram que nós temos consciência plena da liberdade dos nossos atos e tal conhecimento comprova a liberdade moral. Objetam os deterministas que o enunciado dessa afirmação é falso, por não ser certo que tenhamos sempre a consciência da nossa liberdade.[...] exemplificam afirmando que, os sonâmbulos e os hipnotizados também podem ter a enganosa “consciência”da sua liberdade. (VIEIRA, 1997, p. 27).

Garofalo asseverava que o mérito e o demérito das ações humanas

continuavam a existir conforme o grau em que essas ações dependam do caráter do

homem. Portanto não estão condicionadas à noção do livre arbítrio, como querem

crer os clássicos, tampouco causaria dano à repressão da criminalidade, pois há

qualidades e defeitos que produzem mérito ou demérito, sem que provenham da

vontade. E exemplificava: “a coragem e a covardia, não dependem da vontade,

entretanto uma produz mérito e a outra, demérito.” (VIEIRA, 1997).

Sendo assim, enquanto o Direito Penal se preocupa em defender a

sociedade dos comportamentos típicos e desviantes, objetivando a “culpabilidade

latu sensu”, a Criminologia busca o delito, “objetivando o estudo da periculosidade,

tendo por meta a pesquisa teórica da etiologia do crime.” (FERNANDES;

FERNANDES, 2002, p. 32).

Sob o prisma histórico foi Cesare Lombroso (1835 – 1909), iniciador do

estudo da Antropologia Criminal, o fundador da Criminologia, a partir de 1875,

embora ainda não tivesse empregado esse nome em suas pesquisas, cabendo a

Garofalo a criação do termo em sua obra Criminologia, de 1884.

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2.3 CRIMINOLOGIA

Visando estudar a razão do ato criminoso, as causas para o seu

cometimento, estudiosos se preocupam em verificar no perfil criminal do delinquente

as características para a sua efetividade. Neste sentido verificaremos o conceito,

objeto e método da ciência criminológica como matéria interdisciplinar.

2.3.1 Conceito

Criminologia é etimologicamente derivada do latim Crimen, que significa

crime e do grego Logos, que significa estudo; sendo assim, a ciência criminológica

busca estudar seu agente como causador do delito, a vítima, as influências internas,

fatores endógenos, e as influencias do meio, fatores exógenos, além de suas causas

e consequências para o cometimento do delito, tratando o crime em sua diversidade

investigativa e de forma individualizada. (POSTERLI, 2001):

Criminologia é um nome genérico designado a um grupo de temas estreitamente ligados: o estudo e a explicação da infração legal; os meios formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e com atos desviantes; a natureza das posturas com que as vítimas desses crimes serão atendidas pela sociedade; e, por derradeiro, o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes. (SHECAIRA, 2004, p.31).

Há quem afirme ter sido essa denominação, empregada primeiramente

pelo antropólogo francês Topinard (1830-1911), no entanto “não há um conceito

pacífico do que consiste a Criminologia. Isto se deve, em primeiro lugar, à

imprecisão de seu objeto, o delito e, em segundo lugar, aos distintos enfoques com

que este objeto pode ser abordado.” (MUNÕZ, 2001).1

Interessa à Criminologia [...] a imagem global do fato e de seu autor: a etiologia do fato real, sua estrutura interna e dinâmica, formas de manifestação, técnicas de prevenção e programas de intervenção junto ao infrator, a Criminologia reclama do investigador uma análise totalizadora do delito, sem mediações formais ou valorativas que relativizem ou obstaculizem seu diagnóstico. (SHECAIRA, 2004, p. 39).

Como postulação provisória, poder-se-ia dizer que é uma ciência empírica

e causal-explicativa. Empírica por basear-se na experiência de observação dos

1 Expressão concebida pelo antropólogo francês Topinard no século XIX.

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fatos, nas peculiaridades inerentes a cada indivíduo, seus fatores endógenos e

exógenos e na complexidade do crime praticado; é interdisciplinar por contar com o

auxílio de outras disciplinas como a Medicina legal, a Psicologia, a Sociologia, a

Psiquiatria, a Psicanálise, a Ética, a Biologia, a Antropologia etc. (FARIAS JÚNIOR,

2006; SHECAIRA, 2004):

Não importa que se relacione ou se comunique com outras ciências que se preocupam também com o ser humano, o seu comportamento, o seu relacionamento no meio social, mas com relação ao comportamento criminoso, o homem criminoso em si, o seu relacionamento no meio social, a criminalidade, a insegurança que esta gera no meio social, é preocupação exclusiva da Criminologia. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 23).

Importa-nos saber qual o seu objeto de estudo e suas especificações para

abordagem no conhecimento do perfil criminológico do indivíduo nas relações com a

sociedade e no ambiente em que vive; o necessário conhecimento dos fatores

endógenos e exógenos influentes em sua conduta. Como primeiro objeto de Estudo

da Criminologia trataremos sobre o crime.

2.3.1.1 O Crime

A base do pensamento criminológico possui como objeto “o delito, o

delinquente, a vítima e o controle social, e se utiliza do método empírico, indutivo e

interdisciplinar.” (FARIAS JÚNIOR, 2006).

Em seus fatores exógenos, o Crime é um problema social, político e

econômico, pois afeta a qualidade e expectativa de vida das pessoas, demanda

iniciativa política para o seu controle, além de afetar a base econômica das famílias;

razões suficientes para que haja o envolvimento de toda a sociedade no seu

combate:

O conjunto de crimes produzidos em um tempo e lugar determinados, chamamos de Criminalidade e, “matematizando essa ocorrência, teremos o índice de criminalidade” Fazem parte da macrocriminalidade os crimes como o terrorismo, a sabotagem, a discriminação racial, o abuso de poder, o crime de colarinho branco. O crime de colarinho branco é uma “violação da lei penal por pessoas de elevado status socioeconômico, no exercicio abusivo de uma profissão lícita” onde seu tipo fundamental é a delinquência econômica, sendo portanto um crime de improbidade administrativa. (POSTERLI, 2001, p. 25).

21

Conforme depreende-se dos ensinamentos de Shecaria, dentre os

critérios adotados para que seja determinado o fato como delituoso, é necessário

que haja a reiteração, que tenha uma incidência massiva e gere um tormento de

grande persistência e relevância social, com um consenso inquestionável a respeito

de sua causa. (SHECAIRA, 2004):

Não há que atribuir a condição de crime a fato isolado, ocorrido em distante local do país, ainda que tenha causado certa abjeção da comunidade. Se o fato não reitera desnecessário tê-lo como delituoso.[...] É natural que o crime produza dor, quer à vítima, quer à comunidade como um todo. [...] desarrazoado que um fato, sem qualquer relevância social, seja punido na esfera criminal.[...] Não há que ter como delituoso um fato, ainda que seja massivo e aflitivo, se ele não se distribui por nosso território, ao longo de um certo tempo.[...] que se tenha um inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e de quais técnicas de intervenção seriam mais eficazes para o seu combate.[...] não são todos os fatos que, aflitivos e massivos, com persistência espaço-temporal, devem ser considerados crimes. (SHECAIRA, 2004, p. 44 - 46).

Cesare Bonesana, o marquês de Beccaria, autor do livro Dos delitos e

das penas, empenhava-se na busca da prevenção dos delitos, por entender “[...] que

o crime tem raízes profundas na natureza humana, as quais não podem ser

arrancadas pelos textos da lei, já que não há providências que abstraiam do homem

o seu pendor para o mal” (BECCARIA apud VIEIRA 1997) e que “pela educação, é

preciso moralizar os homens.” (VIEIRA, 1997, p.21):

Beccaria sustentava que o mais relevante não é, em si, a gravidade ou o peso das penas e sim a rapidez (imediatidade) com que são aplicadas; não são tão importantes o rigor ou a severidade do castigo quanto a sua certeza ou infalibilidade: todos saibam e comprovem, inclusive o infrator potencial, que o cometimento do crime implica inevitável e pronta imposição do castigo; que a pena não é um risco futuro e incerto, mas um mal próximo e certo, inexorável, porquanto a que realmente intimida é a que se executa - e se executa prontamente, de maneira certa e implacável. A sanção em si (e não o rigor excessivo), é, pois, preventiva, útil e eficaz, mas imediata e sem os excessos em voga. (VIEIRA, 1997, p. 22).

Nesse diapasão, Beccaria ressalta que o objetivo da pena consiste em

impedir que haja reincidência ou a incidência de indivíduos nas condutas delituosas.

Sendo assim faz-se necessário um estudo do criminoso.

22

2.3.1.2 O Criminoso

Aristóteles afirmava que ‘o homem age segundo a razão e o faz

finalisticamente’, Beccaria disse ao homem: ‘Conhece a justiça’ e Lombroso à

Justiça: ‘Conhece o homem.’ (VIEIRA, 1997, p. 49).

O estudo do criminoso tem sua primeira perspectiva influenciada pelas

idéias de Jean Jacques Rousseau no momento em que ocorre a quebra do primeiro

pacto firmado entre a sociedade e o Estado. Pode-se concluir que, o criminoso na

maioria das vezes é absolutamente normal, sujeito às influências externas, mas

capaz de transcender, com capacidade de ter opinião e vontade própria [...] “um ser

histórico, real, complexo e enigmático.” (SHECAIRA, 2004, p. 59).

Numa segunda perspectiva, em contraposição aos clássicos, os

positivistas viam o livre-arbítrio como uma ilusão, por acreditar que o infrator era um

prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico), ou de processos

causais alheios (determinismo social), um escravo de sua carga hereditária: tinha

uma regressão atávica e que, em muitas oportunidades, havia nascido criminoso.

Portanto, enquanto persistisse a patologia a medida de segurança deveria continuar.

(SHECAIRA, 2004).

E no dizer da visão correcionalista:

[...] o criminoso é um ser inferior, deficiente, incapaz de dirigir por si mesmo – livremente – sua vida, cuja débil vontade requer uma eficaz e desinteressada intervenção tutelar do Estado [...] que deve adotar em face do crime uma postura pedagógica de piedade. (SHECAIRA, 2004, p. 48).

Os fatores endógenos compõe a própria patologia do criminoso, sendo

ele “um escravo de sua carga hereditária.” (SHECAIRA, 2004, p. 48):

Não há, como se supõe, uma Criminologia genética, psiquiátrica, endocrinológica ou psicanalítica, mas apenas contribuições desses setores aos estudos de criminologia. [...] os cientistas procuram provar que o fatalismo não é mera doutrina religiosa ou filosófica, ao afirmarem que os seres humanos do sexo masculino possuem, em regra, 46 cromossomos, cuja anormalidade nas suas combinações podem provocar sérios distúrbios. Assim, a combinação normal seria XY e a anormal XYY, que para eles parece representar uma ‘semente ruim.’ Estudos realizados em várias instituições, inclusive em hospícios para psicopatas, levaram a suspeita de que os homens com XYY cromossomos se caracterizam por conduta anti-social, baixa inteligência, mau gênio, tendência para violência e marcada propensão para o crime. (FERREIRA, 1986, p. 51).

23

Os portadores da carga cromossômica XYY seriam eles, segundo os

estudiosos, homicidas e violentadores em potencial, quanto as características

físicas, são mais altos que o normal, geralmente taciturnos e anti-sociais, sabe-se

que os cromossomos podem intervir nas transmissões de traços hereditários e nas

deficiências genéticas tais como hemofilia e daltonismo. (FERREIRA, 1986, p. 51).

[...] existe um componente genético no comportamento criminal, contudo, há de se admitir, também, como verdade, que esse ingrediente genético ocorre em todas as formas de conduta humana e não propriamente para a prática criminosa. O talento artístico, o musical, o poético e até o esportivo, exemplificativamente, são muitas vezes herdados da família (cantores cujos filhos são cantores, músicos filhos de músicos, etc...) a esse componente genético ou predisposição, nós preferimos chamar de tendência, que nada tem de hereditarismo. (FERNANDES, 1998).

Poderia o criminoso ser concomitantemente vítima em decorrência de

alguns fatores, no entanto esta é uma análise a ser verificada pela vitimologia.

2.3.1.3 A Vítima

A vitimologia é a parte da Criminologia que estuda as “manifestações e

comportamentos das vítimas em relação aos delinquentes” e desses “em relação às

suas vítimas, visando a análise do ponto de vista biopsicossocial, na gênese do

delito” (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 320) “busca indicar o posicionamento

biopscicossocial da vítima diante do drama criminal, fazendo-o inclusive sob os

ângulos do Direito Penal, da Psicologia e da Psiquiatria.” (FERNANDES;

FERNANDES, 2002, p. 544).

É certo que, com os estudos criminológicos, a vítima obteve maior

relevância, podendo ser conceituada em diversos sentidos, dentre eles: o originário,

em que pessoas e animais eram sacrificados às divindades; o geral, como aquele

em que a pessoa sofre os resultados dos maus atos, sejam próprios, alheios ou do

acaso; o jurídico-geral, quando o indivíduo sofre diretamente a ofensa ou ameaça ao

bem tutelado; o jurídico-penal restrito, como aquele que sofre as consequências da

ofensa a norma penal; e o juridico-penal-amplo, em que a vítima é o indivíduo e a

sociedade, que sofrem as consequências do crime. (SHECAIRA, 2004, p.50):

24

No entanto, muitas vezes, por vários fatores que influenciam o silêncio

das vítimas, os crimes não são denunciados. Diante deste contexto Shecaria

destaca que:

Os estudos criminológicos permitem ainda, estudar a criminalidade real, mediante informes, facilitados pelas vítimas, de delitos não averiguados [...] mais que duas vezes maiores que as estimativas produzidas pelas estatísticas oficiais conforme primeira pesquisa de vitimização norte americana, realizada em 1966. A existência maior ou menor de comunicação dos delitos depende da percepção social da eficiência do sistema policial; da seriedade ou do montante envolvido no crime; do crime implicar ou não uma situação socialmente vexatória para a vítima; [...] do grau de relacionamento da vítima com o agressor; da coisa furtada estar ou não segurada contra furto; da experiência pretérita da vítima com a polícia etc. (SHECAIRA, 2004, p. 54).

Observa-se ainda que, por vezes, o mesmo executivo que receia ser a

próxima vítima de um ato criminoso e violento, reclamando de maneira inflamada

contra a invasão de criminosos em nossas cidades, é por vezes, o responsável pelo

aumento da criminalidade quando, ao consumir drogas, financia o tráfico, ou

envolve-se em crimes do colarinho branco. (FERNANDES, 1998).

Corroborando com tal assertiva:

O exame do papel desempenhado pelas vítimas do ato criminal, principalmente nos casos em que há violência ou grave ameaça à pessoa, como nos crimes que deixam marcas e causam traumas, revelam a importância dos estudos vitimológicos. Ocasionalmente, diante das dificuldades assistenciais, estes estudos, tornam possíveis medidas para que haja a indenização das vítimas por programas estatais. (SHECAIRA, 2004, p.53).

Poder-se-ia ainda considerar a vítima primária, aquela diretamente

atingida pela prática delituosa; a vítima secundária como “um derivativo das relações

existentes entre as vítimas primárias e o Estado” e a vítima terciária como aquela

que, mesmo possuindo um envolvimento com o fato delituoso, tem um sofrimento

excessivo além daquele determinado pela lei do País. “É o caso do acusado do

delito que sofre sevícias, torturas ou outros tipos de violência ou que responde a

processos que evidentemente não lhe deveriam ser imputados[...].” (SHECAIRA,

2004, p.55).

Dessa forma:

[...] evidenciando que a relação delinquente-vítima pode revelar e fornecer, como tem sido alcançado pelos adeptos da doutrina, uma espécie de chave

25

quanto à gênese do delito, que muito poderá auxiliar o juiz a resolver, de forma humana e justa, a questão da culpabilidade. (FERREIRA, 1986).

Tanto as denúncias não relatadas como os crimes cometidos decorrem

também do fator social para averiguação dos motivos que influenciam tais atitudes.

2.3.1.4 O Controle social

Sendo o crime um dos fenômenos sociais e a criminalidade dependente

de como estão sendo processados esses fenômenos, verifica-se que quanto mais

bem organizada a sociedade menor o índice de criminalidade. Nas palavras de

Edwin Sutherland, “é inútil tirar os indivíduos, um após outro, das situações que

produzem criminosos e permitir que essas situações continuem.” (FERNANDES;

FERNANDES, 2002, p. 340).

Dessa forma, pode-se verificar que:

[...] o comportamento ou a conduta de uma pessoa é governado, muitas vezes, pelo momentâneo estímulo exterior, mas também pelos atributos internos estáveis que comporta em si essa pessoa.[...] atributos esses entendidos por personalidade. (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p.41).

Por meio de mecanismos disciplinares são pautadas as condutas

humanas, as posturas pessoais e sociais necessárias à pacífica convivência; poder-

se-ia definir o controle social como o conjunto de mecanismos e sanções sociais que

pretendem submeter o indivíduo aos modelos e normas comunitários, lançando

mão, pelas organizações sociais, de dois sistemas articulados entre si, o sistema

formal e o sistema informal. (SHECAIRA, 2004):

O sistema informal, opera educando, socializando o indivíduo, é composto pela sociedade civil: família, escola, profissão, opinião pública, grupos de pressão, clubes de serviço, etc , fazendo assimilar nesses destinatários, valores e normas de uma dada sociedade e possuindo força em ambientes reduzidos e, o controle social formal, com a atuação do aparelho político do Estado. (SHECAIRA, 2004, p. 56).

Durkheim, criador das Regras do Método Sociológico, enfatizava que: “os

fenômenos sociais são fatos naturais e devem ser estudados pelo método natural,

isto é, principalmente pela observação e, quando for possível, pela experimentação.”

(FERNANDES, 1998, p.29).

26

Por conseguinte:

Mais leis, mais penas, mais policiais, mais juízes, mais prisões, significam mais presos, porém não necessariamente menos delitos. A eficaz prevenção do crime não depende tanto da maior efetividade do controle social formal, senão da melhor integração ou sincronização do controle social formal e informal. (MOLINA; GOMES apud FARIAS JUNIOR, 2006, p. 123).

Ao analisar os aspectos citados, a Criminologia fornece ao legislador

elementos para elaboração de leis utilitárias, pela análise do fator social e

criminológico, pois está ligada tanto ao direito penal quanto a sociologia, podendo

ser verificado na aplicação da dosimetria da pena:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940).

Estudando o crime como um fenômeno individual e social, a Criminologia

segue esclarecendo os fatos sobre o autor do crime, sua natureza sob aspectos

biopscicossociológico em seus atos desviantes, a infração legal, o grau de

nocividade social gerada pela insegurança causada; as formas utilizadas pela

sociedade para conviver com o crime, a forma de atendimento às vítimas desses

crimes e, por conseguinte, a solução para obstar a incidência e a reincidência

através da recuperação e readaptação do criminoso à sociedade.

Ao término deste capítulo, podemos afirmar que a Criminologia é o alvo

receptor dos subsídios da Sociologia Criminal, da Biologia Criminal e da Psicologia

Criminal, e que o homem delinquente sofre a incidência dos fatores sociológicos,

biológicos e psicológicos. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 68).

Dessa forma segue a verificação da Psicologia Criminal como marco

inicial para a verificação do perfil criminológico do Psicopata Laboral.

27

3 PSICOLOGIA CRIMINAL

Por dedicar-se ao estudo do comportamento criminoso, veremos a seguir

que a Psicologia criminal está entre a Psicologia, estudando a partir da Criminologia,

o comportamento humano e o direito, que interessa-se na disciplina desse

comportamento; estabelecendo dessa forma um elo entre as teorias psicológicas e

neuropsicológicas, entre o ato criminoso e o controle penal da justiça. O estudo da

personalidade, com seus transtornos tornam-se necessários para a análise do perfil

criminoso do psicopata em seu local de trabalho, o ambiente laboral.

3.1 CONCEITO

Primeiramente impende destacar a terminologia da palavra Psicologia

como originária da Grécia, onde Psiquê era o nome da Deusa mitológica esposa de

Eros: “Ψυχολογία = Psyche, alma ou mente; Logia vem de logos, significa discurso,

conhecimento, ciência”. (SOUZA, 2011).

A Psicologia em si é “ciência, que estuda a mente e o comportamento”,

havendo três grandes abordagens: a psicanálise, o behaviorismo

(comportamentalismo) e o humanismo que serão abordados a seguir.

3.1.1 Psicanálise Criminal

A Psicanálise tem Freud como pai; para ele a idéia central era a análise

da psique, a exploração do inconsciente como parte da mente que a ciência não

controla, através da qual explicaria os sonhos, sintomas, atos falhos, doenças

psíquicas. Teóricos como Alfred Adler, C.J. Jung e Reich, embora adotassem suas

próprias teorias em discordância com as de Freud, não abandonaram a idéia de

inconsciente. (VIEIRA, 1997):

Durante a evolução individual, uns e outros sofrem impulsões e eclipses, que caracterizam certas épocas de nossa vida instintiva, e o jogo destas tendências elementares provoca e até mesmo dirige as manifestações mais elevadas da vida psíquica. A passagem de uma para outra fase da evolução causa inevitáveis crises de adaptação, quando se trata de se desprender de uma situação habitual, para enfrentar uma nova situação. Se tais crises de adaptação ocorrem de maneira defeituosa, elas podem resultar em verdadeiros traumatismos psíquicos; e dai têm como consequência

28

perturbar a evolução das tendências, parar a progressão e determinar uma regressão [...]. (VIEIRA, 1997, p. 75).

O tratamento de pessoas afetadas por anomalias comportamentais de

fundo nervoso, que podem também incidir em crimes, são objeto de estudo da

psicanálise. Freud em suas obras, assim como seus seguidores, procura interpretar

o comportamento criminoso fixando preceitos quanto ao seu tratamento. (FARIAS

JÚNIOR, 2006).

Os traumatismos, destacados por Freud e seus adeptos no estudo do

crime, têm em seus mecanismos: a renúncia ao esforço, as associações viciosas e

os conflitos do instinto, possuindo as reações de defesa os mecanismos do

esquecimento, compensação, deslocamento, projeção, introspecção, transferência,

sublimação, racionalização etc. (VIEIRA, 1997).

A psicanálise, segundo Moniz Sodré, consiste em:

Conseguir-se a revelação do que há de mais íntimo, obscuro, oculto, nas profundezas do ser inconsciente, pelo emprego contínuo, persistente, sistemático e paciente da análise psíquica, que busca índices reveladores da natureza dos sonhos, nas obras de arte, nas produções da inteligência, nos assuntos de estudo, e em múltiplas manifestações por fatos, palavras e atos diários, gestos, lapsos de linguagem escrita ou falada, erros, distrações, delírios, falsas leituras, esquecimentos. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 66).

Para a psicanálise, deve-se rejeitar a idéia lombrosiana do delinquente

nato, por entender que a partir do nascimento todos seriam delinquentes até o

desaparecimento do complexo de Édipo e, após, assumiriam alguns uma tendência

moral ou permaneceriam delinquentes, como produto de uma educação ineficaz.

(VIEIRA, 1997).

Os dados para análise estão sujeitos às mais diversas interpretações,

pois conduzem o psicanalista a raciocínios e conclusões surpreendentes. “A

característica da psicanálise está, portanto, em desvendar o mundo oculto do

psiquismo inconsciente e subconsciente, [...] de dentro para fora, pela significação

que se atribuiu aos próprios dados fornecidos pelo paciente.” (FARIAS JÚNIOR,

2006, p. 66).

Dessa forma Freud remete às instâncias psíquicas anteriores ao

nascimento do indivíduo, “quando o Id (inconsciente) surge como núcleo do seu

psiquismo” [...] conservando-se por toda a vida, “isolado e independente do

29

consciente que é o Ego”. A partir do nascimento o ambiente começa a

operacionalização dos sentidos, na formação de imagens, na percepção das

“noções de espaço e tempo, impulsos de defesa”, enfim, é a partir do ambiente que

o “Id fabrica o Ego, através do qual o indivíduo sente, age e se personaliza.” A

personalidade completa-se, no entanto com o Superego, que ligado às questões

morais, do meio em que vivemos, impõe-se aos impulsos inconscientes do Id.

(FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 65).

Nos dizeres de Moniz Sodré:

[...] é o Superego que exerce a função fiscalizadora e coatora, advertindo o Ego, repreendendo-o, castigando-o, censurando-o. Se isso funcionasse realmente, se o Superego exercesse a sua função de controlador da conduta moral do homem, não permitindo que a ira, a emoção, a paixão, os sentimentos de amor próprio, o medo e outros atributos próprios do ser humano arrebatassem a razão a ponto de o homem praticar atos desatinados; se o Superego fosse capaz de produzir, gerar a formação moral, ou impedir que o homem se degradasse moralmente a ponto de se tornar um farrapo humano; se o Superego fosse capaz de impedir que o homem enveredasse para o vicio do álcool ou das drogas, a ponto de se tornar delas dependente e perdido, como um escombro humano, nós teríamos uma sociedade pura e só de bons costumes. É uma teoria bem montada, bem engendrada, que além dessas três instâncias da mente do homem, assenta os seus impulsos na libido, força que traduz a energia vital humana, fazendo com que o homem adquira aspectos biopsicológicos especiais e se torne um escravo dessa força. Por um lado, vai haver o complexo (um deles é o complexo de Édipo), o recalcamento, por outro, a censura, um verdadeiro conflito, sobrevindo daí as neuroses, as perversões, os crimes. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 67).

Sob a ótica psicanalítica Moniz Sodré traz ainda os ensinamentos de

Alexander e Straub sobre a impulsividade criminal, onde “dizem que o ser humano

entra no mundo como um criminoso, isto é, socialmente inadaptado.” (FARIAS

JÚNIOR, 2006, p. 67).

Ou seja:

Durante os primeiros anos, o indivíduo mantém sua criminalidade no mais alto grau. Sua verdadeira adaptação social começa somente quando o complexo de Édipo é vencido (período da puberdade). É nesse período que o desenvolvimento do criminoso começa a se diferenciar do indivíduo normal, que consegue reprimir, em parte, seus impulsos instintivos, tipicamente criminosos, impedindo assim sua exteriorização e transformando-os num esforço socialmente aceitável. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 67).

São admitidas três grandes classes de criminosos, quais sejam:

30

1) o neurótico, cuja atividade hostil contra a sociedade é o resultado de um conflito intrapsíquico entre os componentes sociais e anti-sociais de sua personalidade, nos casos de psiconeuroses que tem origem nas impressões remotas da infância e em circunstâncias de vida posterior (etiologia psicológica); 2) o normal, cuja organização psíquica é semelhante á do indivíduo normal, com a diferença que a identifica como protótipo de criminoso (etiologia sociológica); 3) o criminoso, cuja criminalidade é devida a condições oriundas de algum processo patológico de natureza orgânica (etiologia biológica). Além desses criminosos, dizem os psicanalistas que há ainda um certo número de indivíduos normais que sob determinadas condições especiais tornam-se criminosos agudos. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 68).

Diante das abordagens estudadas pela Psicologia, o Behaviorismo define

a Psicologia como a ciência que estuda o comportamento, dessa forma traz-se sua

conceituação no intuito de amparo ao posterior estudo da Psicologia Criminal.

3.1.2 Behaviorismo

O Behaviorismo, originário do inglês behavior, define a Psicologia como a

ciência que estuda o comportamento; contribuições foram dadas por autores como

Pavlov, Watson e B.F. Skinner. Pavlov estudou o comportamento pelo

condicionamento, o que explica a causa de certas fobias. Skinner aprofundou as

pesquisas inaugurando o behaviorismo radical, desenvolvendo o conceito de

condicionamento operante. O comportamento tem probabilidade de acontecer dada

sua relação com fenômenos anteriores e posteriores, ou seja, vai ser controlado pelo

aconteceu e pelo que pode acontecer. (SOUZA, 2011).

Processo muito diverso é o condicionamento operante, por via do qual uma pessoa chega a haver-se eficazmente com um novo ambiente. [...] diz-se que o comportamento é fortalecido por suas consequências epor tal razão as próprias consequências são chamadas de “reforços”. O comportamento operante é encarado como estando sob o controle da pessoa que age e tem sido tradicionalmente atribuído a um ato de vontade. (SKINNER, 2006, p. 38).

Esses comportamentos ocorrem em dependência de valores e

expectativas, portanto são variáveis:

Kienen e Wolff (2002, p.17-19) assinalam que o comportamento varia conforme a situação na qual ocorre, bem como de acordo com propriedades da ação e que é possível considerar que os seres humanos atuam a partir de uma determinada história pessoal, bem como a partir de um contexto,

31

composto por inúmeras variáveis, como o ambiente social, econômico, cultural, político. (FIORELLI; MANGINI, 2012).

A convivência em sociedade não nos permite ter um comportamento

instintivo fundado em resposta instintiva para justificá-lo, as pessoas modificam seus

comportamentos, involuntariamente, ao se perceberem observadas ou sabendo que

isso acorre ou possa acontecer. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1995, p.241 apud

FIORELLI; MANGINI, 2012, p.12).

Delinquentes, vítimas, testemunhas, profissionais do direito não fazem

exceção:

Os comportamentos acontecem em um esquema de referência de valores e expectativas. Modificam-se com o tempo e, em geral, são contingenciais. Questão sempre presente no estudo e na observação dos comportamentos, e muitas vezes lembrada para tentar justificar delitos, é o papel representado pelo instinto, o “esquema de comportamento herdado, próprio de uma espécie animal, que pouco varia de um indivíduo para outro, que se desenrola segundo uma sequência temporal pouco susceptível de alterações e que parece corresponder a uma finalidade.” (FIORELLI; MANGINI, 2012, p.12).

A personalidade “só se manifesta quando a pessoa está se comportando

em relação a um ou mais indivíduos, presentes ou não, reais ou ilusórios”. Trata-se

de uma “entidade hipotética que não pode ser isolada de situações interpessoais, e

o comportamento interpessoal é tudo o que podemos observar da personalidade.”

(FIORELLI; MANGINI 2012, p.11).

Por fim, tem-se a seguir uma abordagem sobre a Psicologia humanista.

3.1.3 Humanismo

O humanismo iniciou-se pela forte reação contra estas duas abordagens,

psicanalítica e behaviorista ou comportamental, na década de 1950, e ficou

conhecida como Psicologia humanista tendo dois importantes teóricos: Carl Rogers

e Abraham Maslow, o qual desenvolveu o conceito conhecido como hierarquia das

necessidades ao desenhar uma pirâmide sobre a ordem de prioridades de

satisfação do homem. Necessidades fisiológicas, como a fome e o sono; segurança,

como emprego, família e saúde; amizade, relacionamentos amorosos, necessidade

de estima e realização pessoal. (SOUZA, 2011). A cada conquista realizada nova

necessidade se apresentava, fazendo com que o individuo buscasse sua

32

autorrealização sucessivamente na medida em que suas necessidades fossem

satisfeitas.

Carl Rogers tomou como base para seu trabalho o indivíduo, a partir do

tratamento de pessoas perturbadas emocionalmente, trabalhou com conceito

semelhante ao de Maslow, ao qual nominou: Tendência Atualizante, sendo a

capacidade inata de cada indivíduo atualizar suas capacidades e potencialidades.

Tinha como idéia de autoconceito a característica que cada um possui desde a

infância de, racionalmente e conscientemente, substituir ou reforçar conceitos a

partir de novas experiências, o que acreditava prover a base para a formação da

personalidade. (MACHADO, 2013).

Acreditava que autoconceitos realistas advinham de indivíduos

psicologicamente bem ajustados e a desarmonia entre o autoconceito real (o que se

é de fato) e o ideal para si (o que se deseja ser) provinham de indivíduos com

angústia psicológica. Dessa forma acreditava que o tratamento psicológico deveria

ser direcionado pelo indivíduo por possuir maiores informações de autoentendimento

para mudar seus conceitos. Nascendo assim a terapia focada no indivíduo e não em

teorias. (MACHADO, 2013).

No entanto, há criticas referentes a esta abordagem referindo-se ao

indivíduo com distúrbios mais graves e, portanto sem condições emocionais

suficientes para um autoconhecimento para modificação de conceitos. (MACHADO,

2013).

Diante das abordagens apontadas, conclui-se que a Psicologia criminal

dedica-se ao estudo do comportamento e da mente do criminoso, tentando descobrir

os processos psicológicos que levam o indivíduo à criminalidade, no intuito de tentar

solucionar a motivação, determinando assim uma pena justa.

Impossível conhecer-se por completo o delinquente sem que haja o

estudo de sua vida psíquica, como bem observado por Ferri, “a vida psíquica do

criminoso tem mais importância que a puramente orgânica, uma vez que suas ações

têm seu comando no psiquismo. Tudo o que ocorre na vida do homem reflete nas

suas faculdades mentais.” (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 63).

É, portanto, a partir dos conteúdos armazenados na mente, que a

Psicologia trabalha com a realidade psíquica elaborada pelo indivíduo; sintetizando a

complexidade da investigação psicológica; poder-se-ia afirmar que , p.49 apud

FIORELLI; MANGINI, 2012,p. 7).

33

Por essa razão, a Psicologia criminal busca conhecer a história de vida do

indivíduo recolhendo essas informações para a aferição do fato desencadeador do

ato delituoso, objetivando a adequação da terapia ideal para intervir em suas causas

e efeitos. “As técnicas de Psicologia contribuem para que pessoas identifiquem

elementos desconhecidos por elas que as impulsionavam em direção a

comportamentos indesejados, a incertezas e a angustias.” (FIORELLI; MANGINI,

2012, p. 7).

A mente comanda o que está armazenado no cérebro no limite de

funcionamento e funções dessa estrutura cerebral:

O cérebro é o palco das funções mentais superiores [...] constituem uma espécie de programação por meio da qual os indivíduos desenvolvem imagens mentais de si mesmos e do mundo que os rodeia, interpretam os estímulos que recebem, elaboram a realidade psíquica e emitem comportamentos. (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 11).

Diante desta estrutura cerebral, denota-se a importância da abordagem

sobre o que se deve ter como marco para a concepção de delinquência, de

antissociabilidade, o que é oportunamente analisado por João Farias Junior na visão

de autores como: Filipo Gramatica, Calon e Basileu Garcia, os quais nesta ordem

defendiam que:

[...] a aferição do delinquente se fizesse por seu grau de anti-sociabilidade, e não pela responsabilidade moral, e que o exame psicológico, segundo critérios científicos, seria idôneo para se chegar à anti-sociabilidade. [...] quando a Psicologia estuda o estado mental geral, gerador de atos criminosos, ela está integrada também pela Psicopatologia (ou Psiquiatria Criminal). [...] a Psicologia Criminal pretende desvendar o caráter e as tendências do criminoso. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 63).

Verifica-se o estudo da “Psicologia do homem criminoso a partir de sua

consciência, de sua vontade, de seu caráter, enfim, de sua personalidade total,

pondo em debate as duas correntes: a livre-arbitrista”[...] que entende ser o homem

criminoso por determinação própria, lhe conferindo a culpabilidade, e a corrente

determinista, “afirma que o homem criminoso não tem o pleno domínio de controle

de sua vontade e de sua consciência; que a sua disposição para o ato depende da

contextura moral ou idiossincrasia” depende, portanto das influências pessoais

internas ou adquiridas pelo meio. (MONTEIRO apud FARIAS JUNIOR, 2006, p. 64).

34

Para a corrente determinista o indivíduo é influenciado por fatores

externos e internos alheios a sua vontade:

O homem, principalmente na sua infância e juventude, vai contraindo os influxos exógenos deletérios, sem se precatar, sem se aperceber, sem a necessária intervenção da consciência e da vontade, sem o necessário conhecimento prévio das consequências que esses influxos que o envolvem possam trazer-lhe. Ele não tem a predisposição inata para a opção do lugar onde nasce, de quem nasce, do lugar onde mora, das pessoas com as quais vai conviver e não tendo essa predisposição, tudo isso lhe toca por sorte. Todos os influxos, tanto os externos como os internos, tocam-lhe por sorte. Se ele tivesse essa predisposição, se tivesse o dom de se aperceber dos males, se tivesse a iluminação intelectiva e cognitiva que o capacitasse a eleger os distintos caminhos que a seu espontâneo arbítrio pudesse escolher e a neles marchar, obviamente que ele escolheria o caminho do bem, pois ele teria a capacidade suficiente para saber que o caminho do mal o levaria a sofrimentos, a dores, a torturas cruéis, a fugas, a conflitos com a policia e à morte. Como é possível conceber-se que um homem em sua sã e iluminada consciência e vontade seria capaz de eleger e construir um caminho que já sabia de antemão que o levaria para um tenebroso abismo? A vontade é livre no homem que teve boa formação moral, que não contraiu os influxos maléficos do meio em que viveu, que não sofreu nenhum distúrbio endócrino, nervoso, genético, e desajustes internos e psicológicos capazes de influir no seu comportamento, que não sofreu nenhuma ação capaz de fazê-lo sair de sua normalidade. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 65).

A normalidade é, por conseguinte, a barreira do gênio. Um “superespirito,

ou uma supermente”, não se coadunam com ela, tal a distância enorme existente

entre o gênio e o comum dos mortais. Com isso não se quer dizer que a psicopatia

produza a genialidade. (FERREIRA, 1986, p. 57).

Feitas as considerações, tem-se que a Psicologia criminal como parte

integrante da Psicologia analítica e da Criminologia clínica, objetiva analisar o estado

mental do criminoso, possíveis reincidências, término da periculosidade, além dos

fatores criminógenos; endógenos e exógenos, determinantes dos atos e motivos da

criminalidade, abrangendo muitos campos da fenomenologia psíquica da

criminalidade. Determina, portanto, os passos necessários para avaliação da

periculosidade e como por vezes residem em transtornos mentais às causas da

criminalidade. (FARIAS JÚNIOR, 2006).

No entanto, os transtornos da personalidade objetos de estudo da

psicanálise, precisam ser verificados a partir da conceituação de personalidade, feita

a seguir.

35

3.2 PERSONALIDADE

Primeiramente faz-se necessária destacar que traços da personalidade,

são características duradouras da personalidade, são inferidos a partir do

comportamento. O que chamamos de temperamento é a alusão aos aspectos da

hereditariedade que interferem no ritmo individual, no grau de vitalidade ou

emotividade, e caráter é o que designa os aspectos morais; Wilhelm Reich,

psicanalista, usa o termo caráter como substituto da personalidade. “Na medida em

que oferecem a base do modo individual de se portar ante os valores e de dirigir a

vontade, os termos personalidade e caráter (caracterologia) usam-se

frequentemente quase como sinônimos.” (FERNANDES, 1998, p. 37):

O estudo dos múltiplos traços de caráter arrasta-nos para um domínio que não mais se apóia unicamente, como o caráter propriamente dito, na estrutura de base do sujeito, mas faz interferirem, no mesmo sujeito, mecanismos bem diversos, destinados quer a manter uma estrutura em estado de adaptação “normal”, apesar de suas falhas ou deficiências, quer a ajudar uma estrutura em estado de falha patológica através de mecanismos defensivos acessórios. (BERGERET, 1998, p. 195).

Dadas as primeiras impressões, Kaplan e Sadock conceituam

personalidade como a “totalidade relativamente estável e previsível dos traços

emocionais e comportamentais que caracterizam a pessoa na vida cotidiana, sob

condições normais.” (KAPLAN; SADOCK, 1993, p.556 apud FIORELLI; MANGINI,

2012, p. 97).

Dentre as diversas conceituações poderíamos dizer que “a grosso modo,

a Personalidade é a hegemonia mental e emocional da pessoa moral, hegemonia

determinante de sua individualidade. É a maneira estável de ser, de uma pessoa,

que a distingue de outra.” (FERNANDES, 1998, p. 32).

Nos termos estudados por Gordon Allport: “a personalidade é a

organização dinâmica, dentro do indivíduo, daqueles sistemas psicofísicos que

determinam seus ajustamentos únicos ao ambiente.” (CAMPBELL et al 2000, p. 228

apud FIORELLI; MANGINI, 2012, p.97).

A personalidade manifestar-se quando em relacionamento com outras

pessoas, portanto o comportamento sofre variações dependendo do ambiente.

36

Em um ambiente sob controle (por exemplo, na presença de juiz ou delegado de polícia), uma pessoa pode se mostrar dócil, porque na corte de justiça ou na delegacia não se encontram condições estimuladoras da agressividade; contudo, a mesma pessoa pode mostrar-se agressiva em casa, no trânsito ou no trabalho. Muda o ambiente modifica-se o comportamento. (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 97).

A Personalidade para Newton Fernandes é conceituada como “aquilo que

permite uma predição de como uma pessoa agirá ou do que fará numa dada

situação”, Alfred Adler a conceitua como “o estilo de vida do indivíduo [...] a maneira

característica de reagir aos problemas da vida” e por último Kretschmer e Sheldon

“enfatizaram o temperamento como o núcleo da personalidade elaborando

tipologias.” (FERNANDES, 1998).

Corroborando as definições apresentadas, a Personalidade embora não

permanente é condição estável e duradoura dos comportamentos próprios,

constantes do indivíduo diante de um padrão para as diferentes situações do

convívio social, de trabalho e familiar, recebendo a denominação de características

de personalidade. “As manifestações dessas características formam a imagem

mental, para os observadores, do comportamento mais esperado dessa pessoa em

cada tipo de circunstância.” (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 98).

Sendo assim, cada característica da Personalidade possui aspectos

positivos e negativos e, dependendo do grau de intensidade que cada situação

exige, podem revelar comportamentos inesperados, mas que não tem o condão de

determinar qualquer sintoma de transtorno mental; são emoções momentâneas que

não se revelam boas ou más. (FIORELLI & MANGINI, 2012).

Dessa forma tem-se que:

Pessoas emocionalmente estáveis experimentam as emoções, mas não se deixam dominar por elas. Tendem a resolver, por elas mesmas, suas dificuldades, no limite de suas capacitações. A estabilidade emocional proporciona visão mais realista dos fatos e maior facilidade para administrar situações de conflito. A instabilidade emocional é uma característica de personalidade reveladora de imaturidade, incapacidade de tolerar os aborrecimentos e as frustrações ocasionadas pela impossibilidade prática de satisfazer a todos os seus interesses. (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 102).

Embora o indivíduo possa ser dominado por desejos e emoções, as

características da personalidade não devem ser pensadas como virtudes, defeitos

37

ou problemas, pois constituem comportamentos predominantes acentuados em

decorrência das situações experimentadas. (FIORELLI; MANGINI, 2012):

[...] o excesso de consciência social leva ao fanatismo; o fim se sobrepõe ao meio; o descontrole emocional pode produzir comportamentos inaceitáveis, inadequados, prejudiciais; a testemunha que interrompeu o juiz é exemplo típico; o comportamento esquizóide pode dificultar relacionamentos importantes; a pessoa não se empenha em ser ou parecer simpática; um cliente muito independente pode prejudicar a estratégia do advogado; age sem consultá-lo e cria situações difíceis; a manifestação de ousadia no momento inadequado pode invalidar estratégias do advogado; de repente, o cliente assume um compromisso que não poderá cumprir ou que não precisaria assumir; as manifestações de histrionismo, notadamente em mulheres, são conhecidas dos advogados: choros, convulsões e outras acontecem antes, durante e após audiências; o comportamento narcísico (expresso pela ostentação) pode criar antipatias desnecessárias; o excesso de imaginação leva a pessoa a sugerir ou esperar ações e decisões incompatíveis com a realidade; algo semelhante acontece quando há

demasiado otimismo. (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 103).

Com o tempo, pode haver alterações nas características da personalidade

de indivíduos saudáveis em detrimento de fatores sociais, orgânicos ou psicológicos

principalmente se decorrentes de estresse prolongado e eventos traumáticos,

gerando efeitos físicos e psíquicos:

As alterações de características da personalidade têm o objetivo de neutralizar a situação estressante. Uma pessoa expansiva poderá retrair-se; o narcisista poderá acentuar comportamentos, por exemplo, evitativos. Alguém conhecido pela sua consciência social poderá, por exemplo, deixar de participar de eventos com essa finalidade. A extensão com que ocorre a alteração de uma ou mais características de personalidade depende da intensidade e da duração do estresse experimentado. Uma alteração de característica de personalidade pode produzir prejuízos diversos para a vitima ou para o praticante de um delito, dependendo de como venha a afetar relacionamentos profissionais e pessoais. (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 104).

Embora essas modificações não sejam imprescindíveis para tirar a

funcionalidade do indivíduo, quando presentes caracterizam problemas à saúde

mental podendo desenvolver um quadro de transtorno de personalidade, como

veremos a seguir.

3.2.1 Personalidade normal e patológica

Antes de adentrarmos em transtornos da personalidade, é necessário

verificarmos o que é normal e o que é patológico, e nos dizeres de J.Alves Garcia:

38

“para os filósofos, normal é o que é como deve ser, é o bom, o justo”; Lecrére

assevera o normal como “o homem ideal possível. É normal tudo o que esteja

conforme a uma regra”. Regra esta a do viver em harmonia, em paz com os seus e

obedecendo a essas regras “o homem que respeita as normas e padrões sociais é

normal.” (GARCIA; LECRÉRE apud FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 65):

Dessa forma, verifica-se ainda que:

Se a “normalidade” se refere a uma percentagem majoritária de comportamentos ou pontos e de vista, azar daqueles que ficam na minoria. Se, por outro lado, a “normalidade” torna-se função de um ideal coletivo, muito se conhecem os riscos corridos, mesmo pelas maiorias, desde que se encontrem reduzidas ao silêncio por aqueles que se crêem ou se adjudicam a vocação de defender o dito ideal pela força; entendem limitar o desenvolvimento afetivo dos outros depois de se haverem também visto, eles mesmos, acidentalmente bloqueados e depois elaborado secundariamente sutis justificações defensivas. De fato a normalidade é mais comumente encarada em relação aos outros, ao ideal ou à regra. (BERGERET, 1998, p. 23)

A maioria dos estudiosos prefere a pesquisa da conduta patológica à

normalidade, por serem as ações do indivíduo condicionadas pelas hostilidades e

desafios, determinando assim suas predisposições de maneira mais ou menos

profunda dependendo da intensidade dos atos vivenciados, o que não significa a

indicação de qualquer anomalia psicótica ou neurótica. (VIEIRA, 1997, p. 132):

O verdadeiro “sadio” não é simplesmente alguém que se declare como tal, nem sobretudo um doente que se ignora, mas um sujeito que conserve em si tantas fixações conflituais como tantas outras pessoas, que não tenha encontrado em seu caminho dificuldades internas ou externas superiores a seu equipamento afetivo hereditário ou adquirido, às suas faculdade pessoais defensivas ou adaptativas e que se permita um jogo suficientemente flexível de suas necessidades pulsionais, de seus processos primário e secundário nos planos tanto pessoal quanto social, tendo em justa conta a realidade e reservando-se o direito de comportar-se de modo aparentemente aberrante em circunstancias excepcionais “anormais”. (BERGERET, 1998, p. 25).

A Psicologia criminal procura demonstrar que a grande maioria dos

criminosos é portador de um problema, que poderá ser testado em

eletroencefalogramas. São indivíduos virtualmente irritados e violentos, aplacáveis

com simples tranquilizantes. Além do mais, há os problemas glandulares, dos mais

variados efeitos sobre o comportamento humano. (FERREIRA, 1986, p. 58):

39

A patologia existiria desde que o indivíduo saísse do contexto de submissão ao meio correspondente à “inserção” reservada unicamente a este círculo. J. Boutonier (1945) mostrou a passagem da angustia à liberdade no indivíduo que se tornou “normal”, ao passo que a maturação afetiva, fundamento de toda “normalidade” autentica, é definida por D. Anzieu (1959) como uma atitude sem ansiedade diante do inconsciente, tanto no trabalho quanto no lazer, uma aptidão à enfrentar as inevitáveis manifestações desde inconsciente em todas as circunstancias nas quais a vida pode colocar o indivíduo. R. Diatkine (1967) propôs um marco de anormalidade no fato de o paciente “ não se sentir bem” ou “não ser feliz” e insiste, de outra parte, na importância dos fatores dinâmicos e econômicos internos no decorrer do desenvolvimento da criança nas possibilidades de adaptação e recuperação, na tendência à limitação ou extensão da atividade mental e nas dificuldades encontradas na elaboração dos fantasmas edipianos. R. Diatkine alerta-nos contra a tão frequente confusão entre os diagnósticos de estrutura mental e de normalidade psicopatológica. (BERGERET, 1998, p. 28).

A normalidade foi definida por Freud a partir do modo pelo qual se

estabelecem os aspectos dinâmicos e tópicos da personalidade e a maneira como

são resolvidos os “conflitos pulsionais”. Reportando-se às obras de Carl Spitteler e

de W. Goethe, C.G.Jung que apresentadas as “faces complementares dos

personagens míticos Prometeu (aquele que pensa antes) e Epimeteu (aquele que

pensa depois), ou seja, introvertido e extrovertido”, em que dizia que a “normalidade”

estaria ligada à união destas duas atitudes, comparando “à concepção bramânica do

símbolo de união”; o autor ainda “compara as noções de adaptação (submeter-se ao

meio), inserção (ligada unicamente à noção de meio) e ‘normalidade’, que

corresponderia a uma inserção sem fricções[...]”. (BERGERET, 1998, p. 28):

Consoante verificamos pela Psicologia profunda, o normal penetra no anormal e o anormal pode ser entendido, e indivíduos que poderão ser quase que por acidente e encontram-se em estado intermediário e há outros potencialmente criminosos grade escala, em termos do que é normal. Entre o normal e o patológico há apenas diferença de grau. Não se pode confundir, entretanto o acidental com o intencional. Há doentes em potencia e doentes em ato, ou seja, há indivíduos potencialmente criminosos e indivíduos que poderão ser quase que por acidente e se acham no estado intermediário.e outros já em ato, ou seja, patologicamente criminosos. (VIEIRA, 1997, p. 77)

Comportamentos raros nem por isso são anormais. Anteriormente a

Freud, os indivíduos eram divididos em duas categorias, quais sejam: normais e

doentes mentais, que eram subdivididos em neuróticos e psicóticos; no entanto

Freud revela através de seus trabalhos “que não existia qualquer solução de

continuidade entre certos funcionamentos mentais tidos como normais e o

funcionamento mental tido como neurótico [declarando ainda que] o que distingue o

40

normal ou o patológico situa-se no desaparecimento ou não do complexo de Édipo”

revelando a impossibilidade de se estabelecer cientificamente uma “demarcação

entre os estados normais e anormais.” (BERGERET, 1998, p. 31):

A noção de “normalidade” estaria assim, reservada a um estado de adequação funcional feliz, unicamente no seio de uma estrutura fixa, seja esta neurótica ou psicótica, sendo que a patológica corresponderia a uma ruptura do equilíbrio dentro de uma mesma linhagem estrutural. (BERGERET, 1998, p. 31). A “normalidade” não é, em suma, inquietar-se acima de tudo com o “como fazem os outros?”, mas simplesmente buscar, ao longo de toda a existência, sem demasiada angustia ou vergonha, o modo melhor de arranjar-se com os conflitos dos outros e os próprios conflitos pessoais, sem contudo alienar seu potencial criador ou suas necessidades íntimas. (BERGERET, 1998, p. 37).

O indivíduo por vezes pode parecer mais como seguidor de um padrão do

que realmente normal, sendo assim “as personalidades pseudonormais não se

encontram tão bem estruturadas no sentido neurótico ou psicótico”; embora se

apresentem de forma durável são precárias e “ segundo arranjos diversos nem tão

originais que forçam esses sujeitos a fazerem-se de gente normal, muitas vezes até

mais hipernormal do que original, para não descompensar na depressão.”

(BERGERET, 1998, p. 33):

Anormalidade é então o desvio dos padrões de comportamento socialmente aceitáveis. Ela é caracterizada pela ineficiência do desempenho das funções biopsicológicas e da interação social, mas é preciso que essa ineficiência seja persistente e o comportamento seja inerente a todas as pessoas. Devendo ser avaliada, pela frequência das ocorrências anormais, pelas características dos indivíduos e pela aferição das características através de teste e exames psicológicos. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 291).

O transtorno mental impossibilita o indivíduo a atuar dentro de padrões de

normalidade, aceitos como tais em seu ambiente isso se torna perceptível para os

demais. Destaque-se que “normalidade e anormalidade existem em um continuum

[...]. A primeira vista, pessoas com distúrbios psicológicos são geralmente indistintas

daquelas que não os têm.” (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 93-94).

Entende-se como indivíduo mentalmente saudável aquele que

compreende sua imperfeição, que não pode ser essencial para todos, vivencia

muitas emoções; enfrenta desafios e oscilações na vida cotidiana, procura ajuda

para superar seus traumas e transições importantes. (FIORELLI; MANGINI, 2012, p.

104):

41

Efetivamente, “delimitar os conceitos de saúde e doença mental não é tarefa fácil, como também definir a noção de saúde e de normalidade mental [...] as fronteiras são, em boa medida, relativas, circunstanciais e mutantes”, assinalam Gomes e Molina (1997, p.226). Por isso, o diagnóstico por profissionais especializados é indispensável. As características dos transtornos, orgânicos ou mentais, transformam-se com o passar do tempo. Novos são identificados, alguns acentuam-se, enquanto outros apresentam redução. Por exemplo, registra-se perceptível aumento de transtornos associados a estresse. O mesmo acontece com os resultados dos diagnósticos, explica Thomas Szasz (1996, p.12), professor emérito de Psiquiatria na State University of New York: pelo fato de serem “interpretações sociais, eles variam de tempo em tempo e de cultura a cultura”. (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 95).

Nos dizeres de Basileu Garcia “a Psicologia Criminal marca os

necessários rumos à avaliação da periculosidade e como as causas criminais

residem, grande número de vezes, em transtornos mentais, transitórios ou

permanentes[...].” (GARCIA apud FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 68).

Desta forma verifica-se que a psicologia criminal é de suma importância

para definir as características dos transtornos da personalidade auxiliando na

identificação dos psicopatas como sujeitos ativos da criminalidade.

3.2.2 Transtornos da Personalidade

Desde Philippi Pinel, fundador da psiquiatria, e de seu discípulo Jean-

Étienne Esquirol vem-se tentando classificar as diversas formas de abordagem aos

Transtornos mentais. (ALMEIDA, 2008).

Os Transtornos de personalidade “são padrões de comportamento

profundamente arraigados e permanentes, manifestando-se como respostas

inflexíveis”, visivelmente excessivas que comprometem situações pessoais e sociais,

podendo vir acompanhadas de sofrimento subjetivo, sem estarem associadas a

qualquer tipo de transtorno mental. “A palavra chave é o comprometimento.”

(KAPLAN; SADOCK, 1993, p. 196 apud FIORELLI; MANGINI, 2002, p.105).

Na situação de transtorno, uma ou mais características de personalidade predominam ostensivamente; a pessoa perde a capacidade de adaptação exigida pelas circunstancias do trabalho e da vida social, independentemente da situação vivenciada. Em outras palavras ocorre perda da flexibilidade situacional. (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 105).

42

Existem duas entidades responsáveis pela classificação dos distúrbios da

personalidade: o Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais2 da

Associação Norte Americana de Psiquiatria, DSM V, que está em sua 5ª (quinta)

versão, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) com o Código Internacional de

Doenças – CID, mais usado no Brasil. O CID 10, está em sua 10ª (décima) edição, e

é utilizado para padronizar e catalogar as doenças e problemas relacionados à

saúde, tendo como referência a Nomenclatura Internacional de Doenças,

estabelecida pela Organização Mundial de Saúde. (SAÚDE, 2008).

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças apresentam-se

os seguintes transtornos de personalidade:

1) paranóide: o indivíduo desconfiado, que sempre interpreta de maneira errônea ou distorcida as ações das outras pessoas, seu comportamento é generalizado, rancoroso, não perdoa injúrias ou ofensas, busca reparações e toma medidas de segurança inoportunas e ofensivas; 2) dependente: incapaz de decidir sozinho, alvo fácil de pessoas inescrupulosas. “É o apostolo preferencial do fanático; o liderado de eleição do antissocial.” 3) esquizóide: isola-se em atividades solitárias e introspectivas; não se manifesta afetivamente tampouco retribui cumprimentos. “Terá dificuldade para encontrar quem se disponha a testemunhar em seu favor, e também, não terá disposição para fazê-lo. Seu comportamento apresentará tendência a um contato frio e distante com os demais”; 4) de evitação: seu isolamento não é proposital, portanto, sofre, por não saber como obter contato afetivo, esse retraimento “vem acompanhado pelo medo de críticas, rejeição ou desaprovação”; 5) emocionalmente instável: [...]“oscila entre o melhor e o pior do mundo; sede a impulsos e prejudica-se; seus relacionamentos podem ser intensos, porém instáveis.” Envolve-se em agressões é violentamente impulsivo; 6) histriônica: “manifesta-se no uso da sedução, na busca de atenção excessiva, na expressão das emoções de modo exagerado e inadequado.” Sente-se desconfortável quando não é o centro das atenções, tem acessos de raiva, comumente tem transtornos de ansiedade, quadros de depressão e inclinação ao suicídio [...]“além de alcoolismo e abuso de outras substâncias psicoativas.” (FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 105).

Dessa forma observa-se que:

Os transtornos da personalidade e do comportamento adulto, F60-F69, compreende diversos estados e tipos de comportamento clinicamente significativos que tendem a persistir e são a expressão característica da maneira de viver do indivíduo e de seu modo de estabelecer relações consigo próprio e com os outros. Alguns destes estados e tipos de comportamento aparecem precocemente durante o desenvolvimento individual sob a influência conjunta de fatores constitucionais e sociais, enquanto outros são adquiridos mais tardiamente durante a vida. Os transtornos específicos da personalidade (F60.-), os transtornos mistos e

2 Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder

43

outros transtornos da personalidade (F61.-), e as modificações duradouras da personalidade (F62.-), representam modalidades de comportamento profundamente enraizadas e duradouras, que se manifestam sob a forma de reações inflexíveis a situações pessoais e sociais de natureza muito variada. Eles representam desvios extremos ou significativos das percepções, dos pensamentos, das sensações e particularmente das relações com os outros em relação àquelas de um indivíduo médio de uma dada cultura. Tais tipos de comportamento são geralmente estáveis e englobam múltiplos domínios do comportamento e do funcionamento psicológico. Frequentemente estão associados a sofrimento subjetivo e a comprometimento de intensidade variável do desempenho social. (SAÚDE, 2008).

Os transtornos da personalidade ficam assim especificados na literatura

clínica conforme o Código Internacional de Doenças. (SAÚDE, 2008):

F60 Transtornos específicos da personalidade F60.0 Personalidade paranóica F60.1 Personalidade esquizóide F60.2 Personalidade dissocial F60.3 Transtorno de personalidade com instabilidade emocional F60.4 Personalidade histriônica F60.5 Personalidade anancástica F60.6 Personalidade ansiosa (esquiva) F60.7 Personalidade dependente F60.8 Outros transtornos específicos da personalidade F60.9 Transtorno não especificado da personalidade

Na abordagem realizada por Flamínio Fávero, os distúrbios psíquicos

classificam-se em: “a) doenças mentais ou psicoses; b) insuficiências mentais ou

oligofrenias; c) personalidades psicopáticas e neuroses.” As psicoses são

“tradicionalmente classificadas em dois grupos: a psicose orgânica e a psicose

funcional.” (FERNANDES, 1998, p. 119):

Clinard entende que a psicose orgânica é doença originária de algum germe patógeno, de alguma lesão no cérebro ou, então, de desordem fisiológica, tudo sem conotação hereditária [...]. A psicose. funcional é distúrbio total da personalidade, é desordem mental, quando o psiquismo em sua estrutura global, no seu todo, fica temporariamente ou permanentemente danificado. (FERNANDES, 1998, p. 119).

Como exemplo de psicose orgânica tem-se a demência, a psicose

alcoólica, a arteriosclerose cerebral etc., e são exemplos de psicose funcional a

esquizofrenia, em que ocorre a cisão da mente, o autismo, a ambivalência afetiva

etc. No entanto José Antonio de Mello classifica as psicoses em: “esquizofrenias;

parafrenias ou paranóias; psicoses maníaco-depressivas; epilepsias; oligofrenias;

personalidades psicopáticas; sífilis cerebral e paralisia geral progressiva; psicoses

44

senis; psicoses alcoólicas e por psicotrópicos.” (MELLO apud FERNANDES, 1998,

p.132).

Há singulares diferenças entre as neuroses e as psicoses em que “As

neuroses são distúrbios psicológicos menos severos do que as psicoses, mas

suficientemente graves” ao ponto de comprometer a sociabilidade e a capacidade

laboral, corriqueiramente atribuem-se “a conflitos emocionais inconscientes”

constituindo o início para análise psíquica freudiana (FERNANDES, 1998, p. 54).

Na abordagem realizada por Hélio Gomes:

as neuroses são estados mórbidos caracterizados por perturbações psíquicas e somáticas, que causam grande sofrimento íntimo, determinadas por fatores psicológicos, embora em algumas intervenham fatores orgânicos.[...] levam o indivíduo a falhar no ajustamento ao ambiente, não tendo entretanto feitio anti-social. Na realidade, as neuroses são doenças mentais da personalidade, que se destacam por conflitos intrapsíquicos que inibem os comportamentos sociais. São desacertos incompletos da personalidade que incomodam muito mais o equilíbrio interior da pessoa do que o seu relacionamento com o mundo exterior. (FERNANDES, 1998, p. 116).

Os “insanos constitucionais” são as personalidades psicopáticas ou

neuróticas que cometem crimes; chamados mesoendógenos, incluindo os

criminosos por tendência, assim definidos no artigo 64, § 3º do Código Penal de

1969, “como sendo aquele que por sua periculosidade, motivos determinantes e

meios ou modos de execução, revelam extraordinária torpeza, perversão ou

maldade.” (FARIAS JÚNIOR, 2006, p.295).

Mario Pereira da Silva revela em seu livro Medicina Legal que:

As personalidades psicopáticas não constituem uma entidade uniforme, mas delimitam-se como um grupo mórbido, algo semelhante aos das esquizofrenias. [...] o portador de personalidade psicopática não é um doente mental, mas um ser com deficiência nativa e permanente para viver e comportar-se de modo satisfatório como o comum das pessoas. (SILVA apud FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 297).

Aqueles que são levados à prática delituosa em consequência de doença

mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado são chamados

Patoendógenos. (FARIAS JÚNIOR, 2006):

Incluem-se nesse tipo os criminosos portadores de demência senil ou pré-senil; psicoses associadas com infecção intracraniana ou com afecções cerebrais; psicoses associadas com afecções somáticas; esquizofrenias em

45

qualquer de suas formas; simples, hebefrênica, catatônica e paranóide; psicoses afetivas, ciclotímicas, circulares ou outras do tipo maníaco, do tipo depressivo ou do tipo maníaco-depressivo; epilepsia, paranoia, parafrenia; psicoses tóxicas; oligofrenias em todos os seus estágios alem das psicoses tóxicas. Alguns autores chamam de síndromes orgânico-cerebrais a todas essas doenças ou perturbações mentais. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 304).

Frank Costin em seu livro Psicologia do Anormal definiu essas síndromes

como “desordens causadas por, ou associadas à diminuição das funções cerebrais”.

Classificando-as em dois grandes grupos: Psicóticas e não Psicóticas, de acordo

com a patologia física dominante com a qual estão associadas, onde a diferença

entre ambas reside “na gravidade dos sintomas incluindo a extensão de perda de

contato com a realidade que os pacientes revelam.”.(COSTIN apud FARIAS

JUNIOR, 2006, p. 304-305):

Essas condições patológicas incluem doenças de sensibilidade cerebral, que envolve uma atrofia do tecido cerebral; arteriosclerose cerebral (endurecimento das artérias do cérebro); intoxicação alcoólica e outras drogas, ou intoxicação com veneno, neoplasma intercraniano (um novo crescimento, ou tumor no cérebro); infecção intercraniana; trauma físico, como por exemplo, ferimento na cabeça ou cirurgia cerebral; e doenças sistêmica gerais que podem afetar as funções cerebrais, tais como desordens endócrinas ou nutritivas, e graves infecções sistêmicas (por exemplo: pneumonia, febre tifoide, malaria e febre reumática).” (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 305).

Transtorno de personalidade antissocial, também denominado psicopatia,

sociopatia, transtorno de caráter, sociopático, dissocial; a ciência não chegou a

conclusões definitivas a respeito de suas origens, desenvolvimento e tratamento

(FIORELLI; MANGINI, 2012, p. 106).

Dentre os transtornos abordados, a verificação do presente trabalho

utilizará como conceito para análise o F 60.2, Personalidade dissocial, como

transtorno de personalidade que caracteriza-se por total desprezo e desvio às

obrigações sociais e completa falta de empatia. Tal comportamento não modifica-se

com punições ou experiências adquiridas, tem tendência a culpar os outros por seus

próprios erros, intolerância a frustrações e alguma descarga de agressividade,

entrando em conflito com a sociedade. É amoral, antissocial, associal, psicopática,

sociopática, excluindo transtorno de conduta e personalidade do tipo instabilidade

emocional (SAÚDE, 2008).

46

Dessa forma, faz-se necessária uma maior explanação à personalidade

psicopática com ênfase ao ambiente laboral, objeto do presente estudo, que será

realizada no próximo capítulo.

47

4 PERFIL CRIMINOLÓGICO DO PSICOPATA LABORAL

Neste capítulo serão abordadas as formas utilizadas pelo psicopata em

seu local trabalho para empreender seus objetivos e as consequências

experimentadas por suas vítimas, assim verificaremos as características da

psicopatia em consonância às atitudes empregadas pelo assediador moral em seu

local de trabalho.

Embora sejam encontrados mais comumente nas prisões e manicômios

judiciários, na verdade eles estão por toda parte; as empresas públicas ou privadas

são locais férteis para exercerem sua perversão no papel de liderança em cargos de

diretoria, gerência, supervisão, pois além do excelente salário, proporcionam status

social e poder de atuação e influência (SILVA, 2010).

4.1 PSICOPATIA

A psicopatia relaciona-se a um transtorno antissocial, “Psicopatas são

pessoas cujo tipo de conduta chama fortemente a atenção e que não se podem

qualificar de loucos nem de débeis; elas estão num campo intermediário.”

(BALLONE, 2011). Segue a opinião de diversos autores sobre a Personalidade

Psicopática ao longo da história.

4.1.1 História do conceito

É de Giordano Cardamo, professor de medicina da Universidade de

Pavia, uma das primeiras descrições sobre Personalidade Psicopática como

“improbidade”; referindo-se a um quadro em que não é alcançada a insanidade total,

tendo em vista que essas pessoas mantêm a aptidão para dirigir sua vontade.

(CARDAMO apud BALLONE, 2011).

Pablo Zacchia descreve em Questões Médico Legais concepções

notáveis, que logo dariam significação às "psicopatias" e aos "transtornos de

personalidade." (ZACHIA apud BALLONE, 2011).

Philippe Pinel, médico e filósofo, publica em 1801 seu Tratado sobre a

alienação mental e fala de pessoas nas quais embora haja ausência do delírio, têm

todas as características da mania, que chamava de “estados de furor persistente e

48

comportamento florido, distinto do conceito atual de mania.” (BERRIOS, 1993 apud

BALLONE, 2011):

Dizia, no tratado, que se admirava de ver muitos loucos que, em nenhum momento, apresentavam prejuízo algum do entendimento, e que estavam sempre dominados por uma espécie de furor instintivo, como se o único dano fossem em suas faculdades instintivas. A falta de educação, uma educação mal dirigida ou traços perversos e indômitos naturais, podem ser as causas desta espécie de alteração. (PINEL, 1988 apud BALLONE, 2011).

No entanto John Locke asseverava que não poderia haver mania sem

prejuízo do intelecto, o comprometimento intelectual manifestado normalmente

através do delírio era condição para que os juízes dessa época declarassem a

insanidade do indivíduo. Essa idéia era contraposta por Prichard e Pinel, pois para

eles a insanidade poderia existir sem o comprometimento intelectual sugerindo ainda

o adoecimento independente de mais duas funções mentais, a afetividade e a

vontade. (BALLONE, 2011).

James Cowles Prichard publica em 1835 o Tratado Sobre a Loucura e

Outros Distúrbios que Afetam a Mente3, referindo-se a Insanidade Moral. “A partir

dessa obra, o historiador G. Berrios (1993) discute o conceito da Insanidade Moral

como o equivalente ao nosso atual conceito de psicopatia.”(PRICHARD apud

BALLONE, 2011).

Bénédict Augustin Morel elabora em 1857 sua teoria da degeneração a

partir da concepção religiosa da criação do ser humano “segundo um tipo primitivo

perfeito” em que sua essência, isto é, a natureza humana, é a contínua supremacia

à “dominação do moral sobre o físico e todo desvio desse tipo perfeito, seria uma

degeneração”, hierarquicamente o corpo não é mais que "o instrumento da

inteligência". Esta hierarquia seria invertida pela doença mental que é a “expressão

sintomática das relações anormais que se estabelecem entre a inteligência e seu

instrumento doente, o corpo”, pois transformaria o ser humano “em besta”. (MOREL

apud BALLONE, 2011).

Esse elemento religioso de Morel foi suprimido por alguns autores e foram

acentuados os aspectos neurobiológicos. “A degeneração de um indivíduo se

transmite e se agrava ao longo das gerações, até chegar à decadência completa.”

3 Treatise on insanity and other disorders affecting the mind.

49

(BERCHERIE apud BALLONE, 2011) Sendo assim, a ideologia da hereditariedade e

da predisposição foram afirmadas por outras teorias sobre as doenças mentais.

Relacionado a defeito de caráter, pela falta de empatia e responsabilidade

ética, o termo psicopatia foi usado inicialmente por Kraepelin que afirmou em 1904:

“possuem personalidade psicopática aqueles que não se adaptam à sociedade e

sentem necessidade de ser diferentes”; corroboraram com a assertiva Morel,

Schneider, Mira y López, Cleckley, Hare, entre outros. (FRANÇA, 2004):

Emil Kraepelin (1856-1925), expoente da escola psiquiátrica alemã, empreendeu um trabalho de classificação e organização das formas de descrever a doença mental. Na sétima edição de seu Tratado de psiquiatria, de 1904 o termo “personalidade psicopática” aparece para referir-se a um tipo de pessoas que não são nem neuróticas nem psicóticas, considerando que seus defeitos se limitam à vida afetiva e à vontade (SHINE, 2000 apud CASTRO; CAMPOS, 2011).

A psicopatia é um conceito forense que na área da saúde é definido como

transtorno de conduta. As principais características que definem o transtorno, de

acordo com o checklist de pontuação do protocolo Hare - Critérios para Pontuação

de Psicopatia Revisados (PCL-R) são:

A loquacidade; charme superficial; superestima; estilo de vida parasitário; necessidade de estimulação; tendência ao tédio; mentira patológica; vigarice; manipulação; ausência de remorso ou culpa; insensibilidade afetivo-emocional; indiferença; falta de empatia; impulsividade; descontrole comportamentais; ausência de metas realistas a longo prazo; irresponsabilidade; incapacidade para aceitar responsabilidade pelos próprios atos; promiscuidade sexual; muitas relações conjugais de curta duração; transtornos de conduta na infância; delinquência juvenil; revogação de liberdade condicional; versatilidade criminal. (FIORELLI; MANGINI, 2002, p. 108).

O psicopata caracteriza-se pelo transtorno antissocial da personalidade,

ele sabe exatamente o que faz e não tem empatia, “mesmo quando não matam

possuem características que sempre os colocarão afastados da lei; exige-se,

portanto a aplicação de uma medida diferenciada [...]”. Por outro lado, o doente

mental psicótico possui reações impulsivas de extrema violência e sem consciência,

com crimes imotivados pela ruptura com a realidade e delírios causados pela

psicose como a esquizofrenia, vivendo uma realidade paralela (BORGES, 2010;

SILVA, 2010, p. 37):

50

No caso psicótico, comumente não há dissimulação, fuga ou ocultação [...] pela convicção plena de legítima defesa. Já o psicopata aquele com transtorno antissocial da personalidade, apresenta-se primeiramente, como uma pessoa absolutamente normal, com boa memória, inteligente, porém com falta extremada de senso ético, moral, sem empatia, extremado de superego, mas com seu próprio código para convivência em sociedade, sua afetividade fraca, fria, perversa, destituída de sentimentos como remorso, arrependimento.Diferentemente dos psicóticos, ele dissimula, oculta, empreende fuga, por entender a ilicitude de seus atos, sente prazer na maldade, desejando, produzindo e executando toda a ação delituosa. É irrecuperável, portanto, nasce, vive e morre psicopata. (POSTERLI, 2001 p. 116-119).

No conceito introduzido pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das

Doenças Mentais, a psicopatia encontra-se da seguinte forma:

301.7 Transtorno da Personalidade Antissocial – Característica essencial: padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que inicia na infância ou começo da adolescência e continua na idade adulta. Sinônimos: psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial. O indivíduo não se enquadra na categoria de portador de doença mental, porém encontra-se á margem da normalidade psicoemocional e comportamental. Requer dos profissionais de saúde e do direito, cautela e parcimônia na avaliação e características típicas. (BALLONE, 2011).

A psicopatia forense e a psiquiatria clínica dependem uma da outra no

que se refere a diagnóstico e prognóstico, no entanto diferem entre si, pois enquanto

a psiquiatria clínica se preocupa com o enfermo, determinando o diagnóstico e

indicando seu tratamento; a psicopatia forense visa encaixar o enfermo mental nos

dispositivos legais. “Acrescente-se a isso, conhecimentos de Criminologia e de

legislação técnica pericial, para que se possam aquilatar a impossibilidade de

adaptação do indivíduo ao meio social e o grau de perigo para a sociedade.”

(FERREIRA, 1986, p. 57).

Como não sentem remorsos, tampouco medo de represálias, tornam a

reiterar a prática da ação delituosa, por essa razão a reincidência é um fator

preponderante na personalidade psicopática.

A psiquiatra forense brasileira Hilda Morana, com base nos estudos do

americano Robert Hare, responsável pela validação no Brasil do PCL-R, afirma que

é possível a previsão da reincidência criminal nos casos de psicopatia:

[...] a taxa de reincidência criminal é ao redor de 3 vezes maior para psicopatas do que para outros criminosos. Sendo que para crimes violentos a taxa é de 4 vezes maior para psicopatas quando comparados a não psicopatas”. [...] Não há exame padronizado para avaliação da

51

personalidade do preso e a previsibilidade de reincidência criminal. (MORANA, 2003).

Não é a violência do ato praticado que indica o transtorno, mas o

comportamento frequente e habitual aliado a outros aspectos da personalidade,

como a mentira, a promiscuidade, a impulsividade, a completa ausência de

sentimento de culpa etc. ressalta-se que frequência e habitualidade são também

elementos caracterizadores do assédio moral.

Estudos revelam que o cérebro do psicopata é diferente, pois a atividade

nas áreas ligadas à razão é maior do que naquelas ligadas à emoção, ao contrário

de um cérebro normal, o que caracteriza sua ausência de empatia.

4.1.2 Anatomia cerebral

Tendo a atividade cerebral como foco principal, a neurociência se ocupa

do estudo do sistema nervoso relacionando-o a áreas do conhecimento que

envolvam a cognição, desenvolvendo teses que elucidem a base biológica do

comportamento violento (neurobiologia) relacionada aos fatores socioeconômicos e

ambientais. (GUERRA, 2011).

Contrapondo criminosos comuns que anseiam por poder, riquezas,

prestígio, os psicopatas não possuem estruturas mentais adequadas às funções de

sociabilidade, por manifestarem uma maldade gratuita. (FIORELLI; MANGINI, 2002,

p. 108).

Dessa forma, neurocientistas concluem que o cérebro de um psicopata e

de uma pessoa comum é diferente. Sendo indivíduos desprovidos de emoção, os

psicopatas têm sua área central do cérebro, o sistema límbico (sede das emoções),

quase que totalmente desativada, assim como há o comprometimento da região das

amígdalas, local onde são identificados medo e ansiedade quando há perigo.

Ballone conclui que:

O estímulo elétrico agindo nas Amígdalas provoca crises de violenta agressividade. Em humanos, a lesão da Amígdala faz, entre outras coisas, com que o indivíduo perca o sentido afetivo da percepção de uma informação vinda de fora, como a visão de uma pessoa conhecida ou querida. Ele sabe quem está vendo, mas não sabe se gosta ou desgosta da pessoa que vê. (BALLONE, 2011).

52

Conforme demonstrada na figura 1:

Figura 1 - Sistema Límbico

Fonte: DONNER, 2013.

O lobo frontal, responsável pela razão, trabalha junto com o sistema

límbico em pessoas normais, fazendo o equilíbrio entre a razão e a emoção.

No entanto, os psicopatas, além dessa carência de funcionamento do

sistema límbico, têm a funcionalidade do lobo frontal trabalhando acima do normal,

fazendo com que eles sejam 100% (cem por cento) razão e, por conseguinte, sejam

desprovidos de emoção. Contudo aprendem rapidamente a ler as emoções alheias e

conseguem dissimular suas próprias emoções no intuito de sensibilizar as pessoas e

conseguir o que desejam. Segue figura 2.

53

Figura 2 – Lobo frontal

Fonte: BALLONE, 2011.

Estudos apontam que as disfunções neuropsicológicas relacionam-se ao

comportamento violento presente no lobo frontal, onde reside a inibição e a

verificação do comportamento complexo, suas alterações como dificuldades de

atenção, concentração, motivação, a formação de intenções, aumento da

impulsividade e desinibições, perda do autocontrole, assim como a dificuldade de

reconhecimento da culpa e de avaliação das consequências, aumento do

comportamento agressivo, sintomas esses correlacionados ao comportamento

criminoso. (BALLONE, 2011):

Os Lobos Temporais regulam a vida emocional, sentimentos, instintos, comandam as respostas viscerais às alterações ambientais. Alterações nesses lobos resultam em inúmeras consequências comportamentais, das quais se destacam a dificuldade de experimentar algumas emoções, tais como o medo e outras emoções negativas e, conseqüentemente, uma incapacidade em desenvolver sentimentos de medo das sanções, postura esta freqüente em criminosos. Esses estudos procuram associar o crime com alterações cerebrais específicas. (QUEIRÓS apud BALLONE, 2011, grifo do autor).

Como região mais anterior ao cérebro, o córtex frontal subdivide-se em:

córtex motor, responsável pelo movimento; córtex pré-motor, envolvido na sequência

54

de integração dos atos do movimento e o córtex pré-frontal responsável pelo

pensamento abstrato, raciocínio e emoções. (SALLES, 2011).

Mesmo sendo verdade que o aprendizado e a cultura alteram a expressão das emoções e lhes conferem novos significados, as emoções são processos determinados biologicamente, e dependem de mecanismos cerebrais estabelecidos de modo inato, assentados em uma longa história evolutiva. (DAMÁSIO, 2000, p.75).

O caso mais conhecido de lesão na região pré-frontal é o caso marcante

no século XIX de Phineas Gage; 25 anos, 1metro e 70 centímetros, atlético, capataz

da construção civil, tinha a função de coordenar a tarefa de assentar os trilhos da

ferrovia através de Vermont, explodindo as rochas para abrir um caminho mais reto

e nivelado. Seus superiores definem-no como o homem “mais eficiente e capaz” sob

suas ordens, detentor de uma concentração apurada e destreza física, metódico no

momento de preparar as detonações. (DAMÁSIO, 1996).

No momento da detonação, era necessário primeiramente fazer um

buraco na rocha enchendo-o até a metade com pólvora, adicionar o rastilho e cobrir

a pólvora com areia, que numa cuidadosa sequência de pancadas é calcada com

uma barra de ferro. O rastilho é então acendido e a pólvora explode dentro da rocha.

A forma do ferro e o seu manuseamento também são importantes; Gage mandou

fabricar uma barra de acordo com as suas próprias indicações. (DAMÁSIO, 1996).

É agora que tudo vai se desenrolar. São 4h30 de uma tarde escaldante. Gage acabou de colocar a pólvora e o rastilho num buraco e disse ao homem que o estava ajudando para colocar a areia. Alguém atrás dele o chama e, por um breve instante, Gage olha para trás, por cima do ombro direito. Distraído, e antes de o seu ajudante introduzir a areia, Gage começa a calcar a pólvora diretamente com a barra de ferro. Num átimo, provoca uma faísca na rocha e a carga explosiva rebenta-lhe diretamente no rosto. [...] O ferro entra pela face esquerda de Gage, trespassa a base do crânio, atravessa a parte anterior do cérebro e sai a alta velocidade pelo topo da cabeça. Cai a mais de trinta metros de distância, envolto em sangue e cérebro. (DAMÁSIO, 1996, p. 24).

Gage sobrevive e é levado sentado em um carro de boi, de onde sai

“sozinho do carro com uma pequena ajuda de seus homens” até a estalagem de

Joseph Adams, juiz de paz da cidade que manda chamar o médico, doutor Harlow.

Já passada uma hora desde a explosão, chega a estalagem um colega mais novo

do doutor Harlow, o doutor Edward Williams que anos mais tarde descreve a cena.

(DAMÁSIO, 1996):

55

[...] antes mesmo de descer da minha carruagem, sendo as pulsações do cérebro claramente visíveis; a ferida tinha também um aspecto que, antes de eu ter examinado a cabeça, não consegui compreender de imediato: o topo da cabeça assemelhava-se, em certa medida, a um funil invertido. [...] O Sr. Gage, durante o tempo em que estive a examinar o ferimento, ia descrevendo aos circunstantes o modo como havia sido ferido [...] (DAMÁSIO, 1996, p. 26).

Gage sobreviveu e em menos de dois meses foi dado como são,

recuperou-se sem prejuízo da linguagem, memória ou movimentos, no entanto, “sua

disposição, seus gostos e aversões, seus sonhos e aspirações”, seu

comportamento, foi modificado. (DAMÁSIO, 1996, p. 27).

Antes considerado um trabalhador responsável, habilidoso, equilibrado,

cortês, passa a ser rude, agressivo, indisciplinado instável e impaciente com baixa

tolerância às frustrações, tornando-se desrespeitoso e incapaz de adequar-se às

normas sociais ou estabelecer vínculos afetivos durante os 13 (treze) anos seguintes

anteriores a sua morte, “o corpo de Gage pode estar vivo e são, mas tem um novo

espírito a animá-lo.” (FUMAGALLI, 2012; DAMÁSIO, 1996, p. 27). Segue figura 4.

Figura 4

Fonte: REGIÃO, 2011.

56

Fato semelhante ocorreu com um operário brasileiro, de 24 anos que

sobreviveu após um vergalhão de 2 metros cair do quinto andar de uma obra onde o

operário trabalhava, no Rio de Janeiro, perfurando o lobo parietal (parte posterior da

cabeça) e saindo por entre os olhos, atingindo a parte do lado direito do cérebro.

(ALVES, 2012).

O operário usava capacete no momento do acidente. Chegou consciente no

Hospital Miguel Couto e passou por uma cirurgia de 5 horas em que foi reconstituída a

região perfurada e rasgada do cérebro. Segundo os médicos o operário passa bem,

apresenta lucidez, não sofreu dano nos olhos e não deverá ter sequelas. A parte do

cérebro atingida é a responsável pelo comportamento e por três centímetros a região do

cérebro responsável pela coordenação motora, não foi afetada (ALVES, 2012). A figura

5 demonstra o dano.

Figura 5

Fonte: ELIZARDO, 2012.

Diante dos casos relatados conclui-se que os sintomas da psicopatia

podem ser adquiridos através de traumas causados na região do córtex frontal, sede

das emoções, que ocasionariam as características determinantes das

personalidades psicopáticas.

57

Estudos realizados nos cérebros de presos diagnosticados como

psicopatas e aqueles que não são, mostraram diferenças importantes. Os

psicopatas tem a conectividade entre a área do córtex pré-frontal e a amígdala,

reduzida. Conforme imagem à direita que segue na figura 3:

Figura 3

Fonte: ROMANZOTI, 2011.

Verifica-se na imagem à direita em vermelho o córtex pré-frontal (PFC),

em azul está a Amygdala e a via de substância branca que liga as duas estruturas

está em verde. (ROMANZOTI, 2011).

António Damásio em sua obra O Mistério da Consciência: do corpo e das

emoções ao conhecimento de si, revela que:

Uma série de estudos em meu laboratório mostrou que uma estrutura conhecida como amígdala, situada em regiões profundas de cada lobo temporal, é indispensável para reconhecer o medo em expressões faciais, para ser condicionado pelo medo e até mesmo para expressá-lo. (DAMÁSIO, 2000, p. 87).

Estudos nesta área vêm atraindo a atenção da Ética, da Psiquiatria, da

Neurologia e do Direito. As emoções, mediadas pelo córtex pré-frontal são críticas

para a moralidade humana. Por essa razão o córtex frontal é objeto de análise que,

por meio de imagens, demonstram a importância dos estudos relacionados aos

comportamentos criminosos:

A neuroimagem estrutural (ressonância magnética e tomografia computadorizada) é capaz de detectar lesões morfológicas no cérebro que

58

podem ser correlacionadas com determinados comportamentos e com a cognição. Lesões em regiões estratégicas do cérebro tem relação direta e causal com as disfunções observadas. (TABORDA, 2004, p. 70).

Imagens cerebrais de PET (Tomografia por emissão de pósitrons) foram

utilizadas por Raine em sua pesquisa para verificar diferenças entre o cérebro dos

psicopatas e de pessoas normais. A digitalização é um dos procedimentos de

imagem molecular mais utilizada e um aspecto interessante dessa pesquisa é que

ele correlacionou as imagens cerebrais de PET à história pessoal do assassino, no

intuito de serem verificados se eles haviam sido submetidos a algum trauma

prejudicial ao desenvolvimento de sua personalidade durante a infância. Entre os

assassinos pesquisados, 12 tinham sofrido abuso significativo ou recebido maus

tratos; aqueles provenientes de lares de privação tinham déficit muito maior na área

órbito-frontal do cérebro (14% em média) do que pessoas normais e assassinos

vindos de ambientes sem privação. (SABBATINI, 1998). Segue figura 6 para

verificação:

Figura 6

Fonte: RAINE apud SABBATINI, 1998.

A imagem à esquerda representa o cérebro de uma pessoa normal, no

centro um assassino com história de privação na infância e à direita a imagem do

cérebro de um assassino sem privação na infância. As áreas em vermelho e

amarelo mostram a atividade metabólica mais alta e em preto e azul uma atividade

metabólica mais baixa. O cérebro do psicopata à direita, tem uma atividade muito

baixa em muitas áreas, mas que é fortemente ausente na área frontal, parte superior

das imagens. (SABBATINI, 1998).

59

O comprometimento do córtex pré-frontal prejudica a capacidade de

avaliar as consequências, nos indivíduos acometidos por tal condição faltaria este

mecanismo inibitório ou veto, ocasionando falhas na aprendizagem, nas escolhas e

na conduta. “Assim, eles se mostram alheios às futuras consequências de seus atos

e atuam segundo suas perspectivas imediatas.” (GOLDAR, 1979 apud BUTMANN;

ALLEGRI, 2001):

O comportamento moral anormal favorece a quebra de normas e avança nos direitos civis utilizando-se da violência para a prática de atos criminosos. [...] é o produto de um processo complexo que, embora possa ser influenciado pela herança genética e/ou o ambiente é controlada em última instância pelo cérebro [...]. (FUMAGALLI 2012, p. 11).

Estudos e relatos de casos em veteranos de guerra mostraram relação

entre lesão da região pré-frontal e a observação clínica de comportamentos

agressivos e de inadequação social. (BROWER apud DEL BEM, 2005).

Essa condição de inadequação quando verificada no local de trabalho por

indivíduos portadores da psicopatia pode trazer grandes preocupações pela

gravidade das consequências geradas por seus atos.

Comportamentos agressivos de declarada perversão no ambiente laboral

poderiam ser verificados com o mapeamento das emoções cerebrais de indivíduos

que apresentem traços de comportamento comuns aos psicopatas, pois embora não

seja um serial killer, causam estrago por onde passam. Num estudo emblemático, a

autora do livro Mal-estar no trabalho, Marie France Hirigoyen, apresenta aspectos

característicos da atuação do psicopata no ambiente laboral ressaltando que, “a

piedade e a generosidade das pessoas podem se transformar em uma folha em

branco assinada nas mãos de um psicopata” (SILVA, 2010, p. 70).

Por conseguinte, partindo das premissas dos estudiosos elencados e

seguindo a perspectiva do presente compêndio, as delimitações da personalidade

psicopática no ambiente laboral, seguem algumas características peculiares a

seguir.

4.1.3 Elementos Caracterizadores

Os psicopatas laborais culpam outras pessoas por seus erros e não

aprendem com a punição. Quando ocupam cargo de relevância, utilizam o poder em

60

detrimento de colegas, subordinados e superiores, prevalecendo-se de habilidades

manipulativas, boa aparência, charme, certo grau de inteligência, cria conflitos entre

os colegas e abandona os que não são mais úteis aos seus objetivos. (FIORELLI;

MANGINI, 2012, p. 109).

Dessa forma:

Um terço das companhias sofre fraudes significativas a cada ano, de acordo com uma pesquisa de 2009 realizada pela consultoria PriceWaterhouseCoopers, que analisou 3 037 companhias em 54 países. Por causa dessas mutretas, cada uma perde, em média, US$ 1,2 milhão por ano. Muitos desses golpes podem ser obra de psicopatas corporativos. (HORTA, 2011).

Podem ser observadas falhas na formação do superego referentes aos

valores sociais, éticos e morais; o comportamento é manifestado pelo envolvimento

em conflitos, vadiagem, destruição do patrimônio, alegação falsa, sistemática e

injustificável de doenças, além de furtos na empresa, assédio moral etc. (FIORELLI;

MANGINI, 2012):

O psicopata geralmente foge à rotina e esse é, quase sempre, um dos caminhos da criminalidade. Agem mais pela audácia que propriamente pela inteligência. Os gênios, os loucos e certos tipos de delinquentes procuram mudar a ordem das coisas. (FERREIRA, 1986, p. 57)

Dentre as formas de atuação Paul Babiak, psicólogo americano, autor do

livro Cobras de terno, revela que a psicopatia é um transtorno da personalidade

caracterizado por 20 (vinte) traços, onde os mais visíveis são o charme, a

superficialidade, o excesso de autoestima, a impulsividade e a facilidade para se

entendiar. "Psicopatas são atraídos por empregos com ritmo acelerado e muitos

estímulos, com regras facilmente manipuláveis". (SILVA, 2010, p. 110)

Babiak ainda assevera que os psicopatas adotam 5 (cinco) fases para

desempenho da sua conduta, sendo elas:

1ª fase: Para ingresso na empresa, conduz sua entrevista de forma cativante e segura no intuito de impressionar, seduzindo positivamente seu entrevistador, utilizando-se por vezes de informações inverídicas; 2ª fase: Já empregado, passa a analisar o local de trabalho estreitando o relacionamento de forma íntima e pessoal com pessoas influentes; 3ª fase: Simula amizade, conta aos colegas sobre outros que o difamam e espalha inverdades de forma que seus superiores o vejam de forma positiva em detrimento de seus colegas. Evita posicionar-se em grupo 4ª fase: Abandonam os colegas que serviram para sua ascensão, usam a humilhação e diante da vergonha mantêm-se em silêncio.

61

5ª fase: Após colocar seus superiores uns contra os outros, e conservando sua boa imagem, toma o lugar do seu superior que é demitido ou rebaixado. (SILVA, 2010, p. 110).

Sendo assim, verifica-se que há uma peculiar preocupação na solução de

problemas que se tornam males crônicos dentre eles os causados por psicopatas no

ambiente laboral.

4.2 O ASSÉDIO COMO CARACTERÍSTICA DO PSICOPATA

Após sua instalação no ambiente laboral, o psicopata passa a reiteradas

condutas caracterizadoras de uma nova forma de violência, a psicológica, na qual

prioriza a estigmatização da vítima visando desestabilizar seu ambiente de trabalho

exercendo o assédio moral.

4.2.1 Assédio moral no trabalho

As primeiras pesquisas sobre o assédio moral no trabalho iniciaram no

campo da Medicina e da Psicologia do Trabalho, e o estudo científico afeto ao tema

apresenta precursores como Heiz Leymann, Marie-France Hirigoyen, e o italiano

Harald Hege. (FIORELLI; MALHADAS JUNIOR, 2008).

Dentre os conceitos fomentados destaca-se que, o assédio moral consiste

em "manobras hostis, frequentes e repetidas no local de trabalho, visando

sistematicamente à mesma pessoa. [...] provém de um conflito que degenera. [...] é

uma forma particularmente grave de estresse psicossocial." (HIRIGOYEN, 2002,

p.77 apud LEYMANN, 1996).

Essas manobras consistem basicamente em:

[...] retirar a autonomia da vítima, deixando de transmitir-lhe as informações úteis para a realização de suas tarefas diárias, contestando todas as suas decisões com críticas exageradas e injustas, impedindo seu acesso aos instrumentos necessários para conclusão e seus afazeres, induzindo-a deliberadamente ao erro, etc. Com isso retira-lhe o trabalho que normalmente lhe compete, atribuindo-lhe sistematicamente novas tarefas inferiores ou superiores às suas competências e contra sua vontade, com instruções impossíveis de serem executadas, impondo-lhe trabalhos perigosos ou incompatíveis com sua saúde. Não levando em conta as recomendações de ordem médica, causando-lhe danos. Pressiona a vítima para que não faça valer seus direitos trabalhistas como férias, horários,

62

prêmios, agindo ainda de modo que a impeça a obter promoções. (HIRIGOYEN, 2002, p. 108).

O Assédio moral dá-se pela degradação deliberada das condições de

trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a

seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos

práticos e emocionais para o trabalhador e a organização (BARRETO, 2003).

Marie-France Hirigoyen destaca a definição de assédio moral:

[...] é definido como qualquer conduta abusiva [...] que atente, por sua repetição, ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho [...] são poucas as agressões que causam distúrbios psicológicos tão graves a curto prazo e consequências tão desestruturantes a longo prazo. (HIRIGOYEN, 2002, p. 17).

Na conceituação de Margarida Barreto, o assédio moral no trabalho

depreende-se da “exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações

humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de

trabalho e no exercício de suas funções” tendo como um dos objetivos fazer com

que a vítima desista do emprego. (BARRETO, 2003, p. 57).

As empresas, cada vez mais empenhadas na busca de resultados

maiores, elevam o capital “moeda” em detrimento do capital “humano” mantém em

seus quadros indivíduos que humilham, perseguem, assediam seus pares, numa

atitude típica dos covardes (MARTINS, 2009):

O assédio moral do tipo vertical quando a violência psicológica é perpetrada

por um superior hierárquico. Neste caso, a ação necessariamente não

precisa ser deflagrada e realizada pelo superior, mas pode este contar com

a cumplicidade dos colegas de trabalho da vítima e através destes a

violência pode ser desencadeada. (GUEDES, 2003, p.36).

O assédio moral vertical descendente ocorre quando perpetrado pelo

superior hierárquico contra o empregado, “[...] tem consequências muito mais graves

sobre a saúde do que o assédio horizontal, pois a vítima se sente desamparada,

isolada e tem maiores dificuldade para achar a solução do problema.” (HIRIGOYEN,

2002, p.112):

O assédio horizontal caracteriza-se pelo “empregado que assedia outro

empregado. Este tipo de assédio é frequente quando dois empregados disputam a

63

obtenção de um mesmo cargo ou uma promoção.” Comumente se transforma em

assédio vertical descendente quando a chefia é omissa. (HIRIGOYEN, 2002, p.113).

Estas agressões podem variar entre seis meses a três anos, não sendo

vislumbrados motivos que possam elevar ou até diminuir o lapso temporal da

agressão, o que se sabe é que quanto mais cedo sua identificação, menores serão

os danos causados (HIRIGOYEN, 2002):

Há 69 milhões de psicopatas no mundo, o que dá 1% da população em geral. Eles são 20% da população carcerária e 86,5% dos serial killers. Até 3,9% dos executivos de empresas podem ser psicopatas, [...]. Uma taxa de psicopatia 4 vezes maior do que na população em geral. Eles não matam os colegas, mas usam o cargo para barbarizar. (HORTA, 2011).

Seja de forma regular e sistemática, de longa duração, ou pontual, o dano

psicológico sofrido pela vítima, principalmente quando jovens em busca de um

estágio ou de seu primeiro emprego, são arrasadores. (GUEDES, 2003).

Por serem ótimos manipuladores, os psicopatas laborais conseguem

conquistar a confiança dos colegas de trabalho traindo-os sem qualquer remorso,

dessa forma, apesar da sua violência não chegar a ser física causa enorme dano

psicológico e emocional às suas vitimas, “além de poder prejudicar muito o trabalho

e a carreira de seus rivais.” (BABIAK, 2011).

Conforme Paul Babiak, os psicopatas costumam agir quando seus

interesses então em jogo, dessa forma, “os mais talentosos parecem pessoas

normais [...] tentam sempre manipular os outros e são capazes de esconder suas

verdadeiras motivações por trás de uma atraente fachada.” (BABIAK, 2011).

Os psicopatas corporativos não são muito bons em criar e liderar equipes, eles nunca se preocupam com os interesses e objetivos da empresa, dos colegas de trabalho ou dos acionistas. Eles só pensam nos próprios interesses. E são desonestos. Por conta da falta de compaixão por suas vítimas, eles são capazes de grandes mentiras, traições e roubos. São pessoas que gostam de emoção e, por isso, estão sempre jogando. Tudo é um jogo em suas vidas, inclusive os negócios. (BABIAK, 2011).

A contratação de um psicopata pode ser temerária:

Eles podem colocar os negócios da empresa em risco. Os psicopatas mentem sobre muitas coisas, inclusive sua formação e experiência profissional. São capazes de convencer os chefes de que são talentosos e que terão uma atitude positiva em relação aos companheiros de trabalho e aos objetivos da empresa, quando na verdade eles agem contra isso. Essa

64

fachada é usada pelos psicopatas para conseguirem se posicionar cada vez melhor na empresa, conquistar poder e autoridade, e depois abusar disso. (BABIAK, 2011).

Como consequência a mobilização coletiva é neutralizada, o

comportamento torna-se individualizado, o trabalho é intensificado, o coletivo

fragilizado e o silêncio generalizado. Dessa forma abordaremos no próximo tópico o

perigo do silêncio.

4.3 O PERIGO DO SILÊNCIO

A precariedade da saúde laboral imposta pelo psicopata “vincula-se à

efemeridade do vínculo empregatício, marcado pelo crescimento dos contratos

temporários, tempo parcial, estágios e outras formas mais flexíveis de contratação.”

Reforçando dessa forma a vulnerabilidade do indivíduo, pela degradação da

condição social, num estado generalizado de insegurança que afeta inclusive aos

que possuem vínculo empregatício formal (CASTEL, 1998).

Entre as consequências do assédio ocasionado pelo psicopata laboral

estão: crises de choro, dores generalizadas, palpitações, tremores, sentimentos de

inutilidade, insônia ou sonolência excessiva, depressão, diminuição da libido, sede

de vingança, aumento da pressão arterial, dores generalizadas, dores de cabeça,

distúrbios digestivos, tonturas, idéia de suicídio, falta de apetite, falta de ar, passar a

beber, tentativa de suicídio etc. (BARRETO, 2001).

A autora de assédio moral e responsabilidade das organizações com os

direitos fundamentais dos trabalhadores, Márcia Novaes Guedes, chega a comparar

o assédio moral com o nazismo:

O mobbing visa dominar e destruir psicologicamente a vítima, afastando-a do mundo do trabalho. Nesse sentido é um projeto individual de destruição microscópica, mas que guarda profunda semelhança com o genocídio. Quando um sujeito perverso está decidido a destruir a vítima, retira-lhe o direito de conviver com os demais colegas. A vítima é afastada do local onde normalmente desempenhava suas funções, colocada para trabalhar em local em condição inferior e obrigada a desempenhar tarefas sem importância, incompatíveis com sua qualificação técnica profissional, ou é condenada a mais humilhante ociosidade. À semelhança do nazismo, o mobbing ataca a espontaneidade. (GUEDES, 2003, p.38).

O trabalhador começa a faltar ao trabalho em busca de auxilio médico:

65

A cada dose de vallium, diempax, somalium, lexotan, triptanol e outros tantos remédios que a maioria dos trabalhadores passou a conhecer (antes tidos apenas como remédios para tratamento de loucos), o nosso humor, a nossa personalidade sofre alterações bruscas. Perdemos um pouco de nós mesmos. Já não nos reconhecemos. Os amigos se afastam e acusam-nos de distantes, afastados, omissos, a família cobra por aquele homem de outrora e que agora vive recostado num canto da sala vendo televisão em seus raros momentos de folga. Um homem transformado apenas num corpo inerte submerso em sua angústia e lutando contra seus próprios demônios. Há ainda a sociedade, que exige padrões de comportamentos adequados, pois o suicida laboral, em seu ápice, vive às margens do social. A atmosfera carrega lampejos de pensamentos macabros e isso é tão-somente o começo do fim. (MARTINS, 2009, p. 69)

O suicídio laboral ocorre geralmente nesse estágio; tornando-se

insuportável a situação, o trabalhador cede e decide por fim a sua carreira

profissional sem importar-se com as consequências financeiras “assim como o

suicídio tradicional, o laboral não escolhe idade, classe social, raça, cor, religião.”

(MARTINS, 2009, p. 70)O suicídio é um ato, tanto de cometimento como de omissão realizado pela própria pessoa ou por terceiros, por meio do qual um indivíduo autonomamente pretende e deseja concretizar a própria morte, porque quer ser morto ou quer morrer uma morte que ele mesmo concretiza. (FAIRBAIRN, 1999, p. 117).

Dessa forma, os diferentes graus de deterioração social resultariam em

vivências individuais e coletivas mais árduas:

Maurice Halbwachs indicava, já em 1930, que as razões para o suicídio, vinculadas ao trabalho, não residiam apenas no desemprego, nas falências, mas, sobretudo, na existência de um sentimento obscuro de opressão que recaía sobre os operários. Tal percepção transposta à atualidade é observada no ocorrido na empresa Francetélécom – a maior empresa do setor de telecomunicações na França e que emprega cerca de 102.000 trabalhadores naquele país – que registrou quatro suicídios na empresa, em 2004, e, entre janeiro de 2008 e janeiro de 2010, contabilizou 34 suicídios no trabalho. (HALBWACHS apud VENCO; BARRETO 2010, p.4).

Alguns exemplos de suicídios ocorridos em decorrência do assédio moral

experimentado pelas vítimas seguem exemplificando:

Funcionária de 32 anos comete suicídio se jogando do quarto andar do

prédio da France Telecom após reunião em um dos escritórios do grupo em Paris.

Na última quarta-feira um técnico de 48 anos se esfaqueou durante reunião e esta

internado. Desde inicio de 2008, ocorreram 19 (dezenove) tentativas ou suicídios, 7

(sete) deles em 2009, segundo o sindicato, que acredita na incapacidade da

66

gerencia em lidar com a situação, o alto índice de suicídios é decorrente da

reestruturação da Empresa e pressões no ambiente de trabalho (REUTERS, 2011).

Professora da Faculdade de Educação, Maria da Glória do Nascimento, é

vítima de assédio moral e comete suicídio no dia 10 de julho de 2011, se jogando do

7º andar do edifício onde morava, após ter sido afastada com diagnóstico de assédio

moral, sofrido por anos na USP – Universidade de São Paulo- que está em

reparação para privatização pelo reitor João Grandino Rodas (REUTERS, 2011):

Em entrevista à Causa Operária, a funcionária da USP Rosana Bullara ao ser perguntada se os casos de assédio pioraram com a indicação por Serra (PSDB) de Rodas, firma ‘Total. Antes isso era feito nas unidades, de uma forma aleatória. Agora é totalmente orquestrado pela reitoria. A mudança da universidade com a entrada do Rodas é total. Rodas é um ditador, ele não é um reitor. Ele foi colocado lá para ser um ditador. Ele é uma total contradição histórica num momento em que se fala em democracia, teoricamente. Eu não acredito nisso. Mas na USP não se elege o reitor e por não participarmos são colocadas pessoas como o Rodas, que a meu ver, bate em reitores da ditadura. Na época da ditadura os reitores não tiveram as atitudes que tem o Rodas.’ (REUTERS, 2011).

Para a médica do trabalho Margarida Barreto, o descaso com a saúde do

trabalhador é comparável a um "homicídio culposo corporativo". A pressão excessiva

no ambiente de trabalho e metas abusivas levam a um número cada vez maior de

casos de doenças mentais. Margarida destaca, em entrevista à Rede Brasil Atual,

que casos de depressão que levam a ideação suicida merecem mais atenção da

sociedade. (BARRETO, 2003).

Essa nova e precária realidade laboral, produtora do desespero, utiliza-se

frequentemente das humilhações cotidianas e sistemáticas como instrumento de

controle para desestruturar emocionalmente trabalhadores, degradando-os e

destruindo-os psicologicamente, diuturnamente, ponto a ponto, diante do olhar

silencioso de seus pares. “Cancelam férias dos subordinados, obrigam todo mundo

a trabalhar de madrugada, assediam a secretária, demitem sem dó nem piedade.”

(HORTA, 2011).

Estes procedimentos poderiam ser evitados, na visão de Paul Babiak:

As empresas devem focar mais o comportamento dos funcionários, por exemplo, performance e hábitos no trabalho, muito mais do que em suas personalidades. Com um sistema de gestão bem estruturado, com programas de motivação, recompensa, regulamentos, divisões de funções e departamentos aplicados a toda equipe, uma empresa pode lidar com qualquer um que a desafie. (BABIAK, 2011).

67

Sendo o suicídio a consequência limite do ato perverso contra o

trabalhador, faz-se necessário que o monstro deixe de ser alimentado pelas

testemunhas que se calam, pois o perigo do silêncio reside no efeito ricochete da

injustiça presenciada.

Pode-se verificar diante do todo, que as características do assediador

laboral coadunam-se com as já mencionadas aos psicopatas. Ambos não sentem

remorso, tampouco demonstram empatia, sentimento ausente em sua estrutura

psíquica. O intuito do psicopata é o sofrimento alheio infligido pela repetição

sistematizada da perversão de seus atos. Dessa forma o ambiente laboral torna-se

terreno fértil para perpetuação de seus males pelo medo derivado de um ambiente

inócuo perpetrado pelo silêncio das vitimas.

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5 CONCLUSÃO

Complementando os pensamentos dos estudiosos da Escola Clássica,

surge a Escola Positiva, preocupada com o Criminoso, com os aspectos para o

cometimento dos delitos, sejam endógenos, próprios de sua fisiologia ou exógenos,

pertencentes a influência do meio ao qual está inserido o autor do delito. É

amparada inicialmente pelas idéias de Lombroso em sua ênfase antropológica do

criminoso nato. Passa posteriormente pela tese de Ferri com suas idéias

sociológicas e por Garofalo que sob a teoria do delito natural onde há desvio de

caráter, difere-os dos delitos legais sem qualquer relação à anomalias.

Nasce com Garofalo o termo Criminologia como sendo o estudo,

individual e social do autor do ato delituoso, do crime cometido, das vítimas, dos

fatores sociais desencadeantes e a forma utilizada pela sociedade para solucionar a

incidência e a reincidência através da recuperação e readaptação do criminoso à

sociedade.

Com a Psicologia Criminal, inicia-se o estudo do comportamento

criminoso estabelecendo o controle penal da justiça a partir de sua personalidade,

com três grandes abordagens, a Psicanálise, que se dedica a análise da psique,

explorando o inconsciente para explicação dos fatores que podem incidir em crimes;

o Behaviorismo com o estudo do comportamento e o Humanismo com o estudo do

conceito a partir da hierarquia das necessidades que o indivíduo intitula como

prioridades de sua satisfação .

Sendo assim a Psicologia Criminal objetiva o estudo do comportamento e

da mente do delinquente na verificação da motivação de seus atos, tentando

solucionar através da verificação da motivação com base em um estudo pregresso,

uma pena justa a ser imposta utilizando-se inclusive de fatores onde residem os

transtornos mentais às causas da criminalidade.

Dentre os transtornos de personalidade antissocial tem-se a psicopatia,

delimitada no campo laboral ao psicopata autor do assédio moral, objeto desse

trabalho, caracteriza-se por total desprezo e desvio às obrigações sociais e completa

falta de empatia.

Sem qualquer alteração relacionada a possíveis punições, os detentores

dessa anomalia não se modificam com punições, tem tendência a culpar os outros

69

por seus próprios erros, não toleram frustrações, mente, enganam, arrasam o

espírito de suas vítimas.

Embora boa parte dos psicopatas ocupem as prisões e os Hospitais

psiquiátricos é lamentável supor que a maioria esteja nas Empresas, ocupando

cargos de chefia e que diferentemente dos criminosos comuns buscam apenas a

destruição psicológica do trabalhador, que começa a se ausentar reiterando

atestados médicos, acometem-se por doença laboral e em casos mais extremos

cometem suicídio.

O intuito do psicopata é o sofrimento alheio infligido pela perversidade de

seus atos. Dessa forma o ambiente laboral torna-se terreno fértil para perpetuação

de seus males pelo medo derivado de um ambiente inócuo perpetrado pelo silêncio

das vitimas.

Muitos não podem sequer contar com seu colega de trabalho, que

presenciou toda a humilhação, por medo se calam e posteriormente acabam sendo

novas vitimas. É preciso dar um basta a cultura do medo e buscar formas de

criminalizar a conduta abusiva do terror psicológico vivenciado pela jornada de

humilhações.

70

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