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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Escola de Artes, Ciências e Humanidades Graduação em Gestão de Políticas Públicas TECNOLOGIAS APROPRIADAS: APROXIMAÇÕES AO CONCEITO – UM MÉTODO PARA A IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE EM CONTEXTOS RURAIS São Paulo 2010

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Escola de Artes, Ciências e Humanidades

Graduação em Gestão de Políticas Públicas

TECNOLOGIAS APROPRIADAS: APROXIMAÇÕES AO CONCEITO – UM

MÉTODO PARA A IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE EM CONTEXTOS RURAIS

São Paulo

2010

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Escola de Artes, Ciências e Humanidades

Graduação em Gestão de Políticas Públicas

TECNOLOGIAS APROPRIADAS: APROXIMAÇÕES AO CONCEITO – UM

MÉTODO PARA A IDENTIDICAÇÃO E ANÁLISE EM CONTEXTOS RURAIS

Monografia apresentada para o Trabalho de

Conclusão de Curso como requisito final para

obtenção do diploma de bacharelado em Gestão

de Políticas Públicas, sob orientação do Prof. Dr.

Eduardo de Lima Caldas.

São Paulo

2010

3

Este trabalho é dedicado à memória de

meu pai, que foi, e sempre será, meu

eterno exemplo

4

"O fim duma viagem é apenas o começo

doutra. É preciso ver o que não foi visto,

ver outra vez o que se viu já. É preciso

voltar aos passos que foram dados, para

os repetir, e traçar caminhos novos ao

lado deles. É preciso recomeçar a

viagem. Sempre. O viajante volta já."

José Saramago

5

Sumário

Índice de gráficos, tabelas e figuras ........................................................................6

Resumo....................................................................................................................7

1. Introdução...........................................................................................................8

2. Metodologia.......................................................................................................13

3. O que são Tecnologias Apropriadas? ...............................................................14

3.1. Tecnologia Apropriada: o surgimento do termo...........................................14

3.2. Em busca de uma taxonomia......................................................................19

3.3. Aplicação da Tecnologia Apropriada no Brasil.............................................24

4. Um novo olhar sobre as Tecnologias Apropriadas: valorizando a proposta

multidimensional.................................................................................................30

5. Tecnologias Apropriadas e a sua contribuição para um novo paradigma de

desenvolvimento.................................................................................................33

6. Tecnologias Apropriadas: uma estratégia para o Desenvolvimento Rural..........43

7. Uma nova proposta de análise multidimensional: um salto no escuro? ............50

7.1. A dimensão ambiental..................................................................................53

7.2. A dimensão cultural......................................................................................55

7.3. A dimensão econômica................................................................................58

7.4. A dimensão política......................................................................................61

7.5. A dimensão social........................................................................................64

7.6. A dimensão sociotécnica..............................................................................66

7.7. Síntese e conclusão.....................................................................................69

8. Estudos ilustrativos.............................................................................................71

8.1. Projeto Educação Ambiental para a Agricultura Orgânica nas APAs

Bororé-Colônia e Capivari-Monos.......................................................................73

8.2. Centro de Educação para a Sustentabilidade..............................................82

9. Considerações finais...........................................................................................90

Referências bibliográficas.........................................................................................94

6

Índice de gráficos, tabelas e figuras

Tabelas

Tabela 1 – Parâmetros para a dimensão ambiental

Tabela 2 – Parâmetros para a dimensão cultural

Tabela 3 – Parâmetros para a dimensão econômica

Tabela 4 – Parâmetros para a dimensão política

Tabela 5 – Parâmetros para a dimensão social

Tabela 6 – Parâmetros para a dimensão sociotécnica

Tabela 7 – Método dos estudos ilustrativos

Tabela 8 – Dimensão ambiental: estudo ilustrativo 1

Tabela 9 – Dimensão cultural: estudo ilustrativo 1

Tabela 10 – Dimensão econômica: estudo ilustrativo 1

Tabela 11 – Dimensão política: estudo ilustrativo 1

Tabela 12 – Dimensão social: estudo ilustrativo 1

Tabela 13 – Dimensão sociotécnica: estudo ilustrativo 1

Tabela 14 – Parâmetros para a dimensão ambiental

Tabela 15 – Dimensão ambiental: estudo ilustrativo 2

Tabela 16 – Dimensão cultural: estudo ilustrativo 2

Tabela 17 – Dimensão política: estudo ilustrativo 2

Tabela 18 – Dimensão social: estudo ilustrativo 2

Tabela 19 – Dimensão sociotécnica: estudo ilustrativo 2

Figuras

Figura 1 – Modelo do instrumento analítico

Figura 2 – Agricultores e grupo técnico do projeto Orgânicos das APAS

Figura 3 – Cesta de alimentos produzidos pelos agricultores

Figura 4 – Construção coletiva de composteiras

Figura 5 – Resultado da aplicação do instrumento no estudo ilustrativo 1

Figura 6 – Vista panorâmica do Centro de Educação para Sustentabilidade

Figura 7 – Telhado verde e sistema de captação de água da chuva

Figura 8 – Vista frontal do CES

Figura 9 - Resultado da aplicação do instrumento no estudo ilustrativo 2

7

Resumo

Este trabalho tem como objetivo principal a construção de um instrumento analítico

e metodológico capaz de compreender e avaliar as Tecnologias Apropriadas em

sentido multidimensional e a sua utilização como meios para o Desenvolvimento

Rural, contribuindo para qualificar as experiências que são concebidas em oposição

ao modelo tecnológico convencional da Revolução Verde. Para isso, buscou-se

orientar tal construção analítica a partir da base conceitual advinda das teorias do

desenvolvimento que interpretam a realidade a partir de um espectro holístico e

complexo, superando assim a tradição minimalista que traduz desenvolvimento

como um sinônimo de crescimento econômico. Também com o intuito de qualificar a

proposta deste trabalho, foi realizada uma revisão bibliográfica a respeito do tema

das Tecnologias Apropriadas, buscando entender como tal tema vem sendo tratado

historicamente. Esse conjunto de teorias forma o guia de orientação que conduziu a

definição dos critérios e dimensões de análise para as Tecnologias Apropriadas,

que, a partir desta perspectiva, são analisadas através das dimensões ambiental,

cultural, econômica, política, social e sociotécnica.

O instrumento analítico foi aplicado em dois estudos ilustrativos com características

voltadas para o meio rural, com o objetivo maior de testar a aplicabilidade da análise

das dimensões e dos níveis de performance propostos. As experiências analisadas

foram o projeto de agroecologia Educação Ambiental para a Agricultura Orgânica

nas APAS Bororé-Colônia e Capivari Monos, realizado pelo Instituto 5 Elementos na

região sul do município de São Paulo, e as iniciativas de bioconstrução do Centro de

Educação para a Sustentabilidade (CES) em Alphaville (Santana do Parnaíba – SP)

8

1.1.1.1. Introdução

Discutir questões existentes no âmbito das escolhas tecnológicas vai muito

além do esforço em averiguar a evolução e a eficiência técnica dos métodos

organizacionais e dos instrumentos ao longo do tempo. A tecnologia é muito mais do

que simples opções instrumentais que contribuem para o aumento da eficácia dos

meios de produção ou do crescimento econômico, uma vez que sua elaboração e

utilização envolvem necessariamente outras implicações de origem, social,

ambiental, política e cultural. É a partir dessa noção que se orientam os trabalhos e

pesquisas que compõem o campo do conhecimento chamado Ciência, Tecnologia &

Sociedade (CTS), organizando um importante referencial teórico que nega a

determinação tecnicista da ciência e da tecnologia. Entende-se, por tanto, que as

tecnologias não estão dadas por si só, e que, por essa razão, sofrem influência em

outros aspectos. A proposta deste trabalho enquadra-se nesta macro-área, e busca

tratar especificamente sobre o tema das Tecnologias Apropriadas em contextos

rurais, de modo a avançar na consolidação um olhar multidimensional para essas

tecnologias no campo, que em linhas gerais, podem ser definidas como opções

alternativas ao modelo de desenvolvimento tecnológico convencional. A esse

respeito, o objetivo deste trabalho é a construção de um instrumento capaz de

identificar e analisar como são desenvolvidas e implementadas as Tecnologias

Apropriadas para o uso em territórios rurais em suas diferentes dimensões, e assim,

contribuir para qualificar as experiências que se diferenciam dos moldes

tecnológicos convencionais da chamada Revolução Verde. Ressalto aqui que o

intuito de construir tal instrumento analítico não tem a pretensão de enquadrar ou

classificar as Tecnologias Apropriadas em categorias normativas e estanques, e por

essa razão, é pensado como um conjunto de diretrizes, e não como uma ferramenta

rígida e fechada em si mesma.

A compilação de elementos complexos em um indicador de análise é um

desafio que não é novo. Muitos índices e indicadores compostos que se propõem a

análises de objetos complexos e difusos são alvos de críticas que apontam falhas e

viés na sua construção, haja vista as ponderações que vêm sendo feitas com

relação ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), inclusive pelo próprio Amartya

Sen, um de seus idealizadores. Entretanto, o que não é segredo para ninguém é o

fato de que os indicadores estabelecem um “padrão normativo (standart) a partir do

qual avalia-se o estado social da realidade..” (CALDAS & KAYANO, 2002:297), e

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dessa maneira, são naturalmente embutidos de viés que interpretam a realidade sob

um determinado enfoque. Sem querer fugir a esse fato, o que pretendo neste

trabalho é construir um instrumento analítico de caráter semi-estruturado e flexível,

de modo que ganhe significado e amplitude a partir do momento em que seja re-

significado pelos processos de utilização, tanto para um contexto e uma tecnologia

determinada, quanto para a elaboração, implementação, ou avaliação de alguma

política pública de desenvolvimento rural, contribuindo para a construção de

estratégias e diretrizes tecnológicas mais condizentes com a realidade do campo,

não no sentido biofísico, mas também em acordo com as dinâmicas sociais,

políticas e culturais existentes nos espaços rurais.

Os caminhos escolhidos aqui para tal construção teórico-metodológica fazem

menção direta às pesquisas de alguns importantes autores que trabalharam

especificamente com a questão tecnológica e suas implicações sociais, políticas,

culturais e ambientais, tal como Amílcar Herrera (1973, 2010), Nicolas Jequier

(1976, 1983), Renato Dagnino (1977, 2004, 2010) e Belmiro Valverde Castor (1983)

e Ramon Garcia (1987). A revisão de tal bibliografia, para além de embasar

teoricamente a proposta deste trabalho, também revelou um fato comum entre os

autores: a necessidade de construir um arcabouço metodológico que ao identificar,

analisar e avaliar, contribui para reforçar o conceito e a prática do que estamos

chamando de Tecnologias Apropriadas. Segundo Barbieri & Rodrigues (2008), os

trabalhos realizados sobre o tema até o momento, apontam para a necessidade de

se evoluir no que diz respeito ao desenvolvimento de critérios específicos que

possibilitem um maior entendimento da idéia de apropriabilidade. Esse argumento

reforça, portanto a proposta central deste trabalho em se constituir mais como um

conjunto de diretrizes e menos como um método de enquadramento de experiências

em critérios pré-estabelecidos. É nesse sentido que buscarei propor dimensões

analíticas que estejam em consonância com a complexidade e os múltiplos aspectos

existentes no âmbito das tecnologias.

As Tecnologias Apropriadas, no sentido pelo qual são abordadas neste

trabalho, devem ser entendidas como elementos que compõem os fins e os meios

de um projeto de desenvolvimento para o meio rural (HERRERA, 2010). Por essa

razão, esta pesquisa propõe um olhar para as tecnologias que leva em conta um

espectro multidimensional do contexto rural, capaz de entendê-las no campo da

Ciência, Tecnologia e Sociedade, sob a mesma égide de teorias que pensam o

10

conceito de desenvolvimento em seu sentido mais amplo e atual (FURTADO, 1974,

2002; SACHS, 2002, 2004; SEN, 2000; VEIGA, 2008), superando a tradição

minimalista que o interpreta como um sinônimo de crescimento e expansão

econômica. Assim, este trabalho também pode ser visto como uma contribuição

para análises e avaliações de políticas de desenvolvimento rural, tendo como ponto

de partida a observação das escolhas tecnológicas, seja para a prática agrícola em

si, seja para os outros aspectos desenvolvidas para a manutenção da qualidade de

vida no campo, entendendo que a complexidade dos cenários rurais é marcada por

uma variedade de atividades que configuram o que Sérgio Schneider (2003)

classifica como pluriatividade.

O objetivo geral deste trabalho é compreender as Tecnologias Apropriadas

utilizadas nos espaços rurais em sentido multidimensional, como condição para

construção de um instrumento capaz de identificar e analisar como são

desenvolvidas e implementadas as Tecnologias Apropriadas em suas diferentes

dimensões, e assim, contribuir para qualificar as experiências que se diferenciam

dos moldes tecnológicos convencionais. Por sua vez, os objetivos específicos deste

trabalho são:

• Contribuir para as discussões teóricas e metodológicas sobre a elaboração

de uma proposta multidimensional para identificar e avaliar as Tecnologias

Apropriadas utilizadas em territórios rurais;

• Elaborar um instrumento metodológico capaz de orientar análises

qualificadas sobre o uso e o desempenho das Tecnologias Apropriadas em cada

uma das dimensões propostas;

• Testar o instrumento metodológico em estudos ilustrativos com características

voltadas para o meio rural para averiguar a eficácia do mesmo no que tange ao seu

propósito orientação de diretrizes;

Os estudos ilustrativos escolhidos para a aplicação do instrumento proposto,

referem-se a duas experiências que, de um modo geral, orientam-se a partir de uma

perspectiva tecnológica alternativa, fazendo uso de diferentes conjuntos de

conhecimentos, técnicas, instrumentos ou métodos organizacionais, que podem ser

entendidos como heterodoxos e contra-hegemônico com relação ao modelo

tecnológico convencional, e que, por essa razão, são passíveis de análise sob o

11

espectro das Tecnologias Apropriadas. O primeiro caso refere-se a uma experiência

de agroecologia desenvolvida pelo Instituto 5 Elementos com comunidades rurais no

extremo sul da cidade de São Paulo (APAs Bororé-Colônia e Capivari-Monos). O

segundo caso refere-se à iniciativa do Centro de Educação para a Sustentabilidade

(CES) que utiliza a bioconstrução como princípio orientador de suas ações. Este

empreendimento, apesar de não situar-se em um contexto tipicamente rural,

apresenta práticas que podem ser consideradas como exemplares de Tecnologias

Apropriadas para o meio rural, como, por exemplo, os biodigestores. Os objetos a

serem analisados como Tecnologias Apropriadas serão, respectivamente, a

agroecologia e a bioconstrução.

O interesse e a relevância de trabalhar com o tema das Tecnologias

Apropriadas no meio rural, justifica-se em campos diversos e complementares, tais

como o político-institucional, o acadêmico e o pessoal.

No campo político-institucional, muitas mudanças vem marcando as decisões

sobre as políticas de Ciência e Tecnologia (C&T) que tomam novos contornos a

partir de uma recente inserção de outras dimensões de análise e entendimento do

fator tecnológico, tal qual o olhar social, ambiental e cultural. No próprio escopo do

Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a criação da Secretaria da Ciência e

Tecnologia para a Inclusão Social (Secis) é um exemplo claro desse movimento que

passa a promover um novo prisma para a concepção de políticas públicas de

tecnologia. Nesse sentido as Tecnologias Apropriadas ganham importância

considerável.

Vale também ressaltar o importante diálogo que vem sendo estabelecido entre

o MCT, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e o Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) para a elaboração e

implementação de ações conjuntas que aliam as Tecnologias Apropriadas às

políticas públicas para o desenvolvimento rural, a partir de uma perspectiva

endógena e que valoriza os fatores e as características específicas do contexto

territorial.

Ainda no campo politico-institucional, cabe destacar as importantes iniciativas

de Organizações Não-Governamentais no que tange à consolidação dessa nova

perspectiva de se pensar as tecnologias, que embora não tratem do termo

12

Tecnologias Apropriadas1, são instituições importantes no contexto nacional. O

Instituto de Tecnologia Social (ITS), por exemplo, é uma das instituições respeitadas

que encabeçou o movimento político pela elaboração de novas bases para as

políticas tecnológicas. Outra instituição da sociedade civil que tem contribuído para

fortalecer o tema da Tecnologia Apropriada na agenda do governo é a Rede de

Tecnologia Social (RTS). Já no que concerne às experiências de Tecnologias

Apropriadas voltadas para territórios rurais, destacam-se as iniciativas que

consolidaram a chamada rede do Projeto de Tecnologias Alternativas (Rede PTA).

No campo governamental, a Fundação Banco do Brasil criou um ciclo de premiação

como forma e gesto de valorização da Tecnologia Apropriada.

Em outro aspecto, o tema de discussão deste projeto ancora-se em um

conjunto de produções acadêmicas que lhe garante importante relevância nesse

campo. Não é por menos que nos últimos anos o volume da produção acadêmica

que disserta sobre ciência, tecnologia e sociedade vem crescendo

consideravelmente. Como exemplo, temos a consolidação de programas de pós-

graduação que se dedicam exclusivamente ao tema, como o caso do Programa de

Pós-Graduação em Ciência Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de

São Carlos (Ufscar) e o Programa de Pós-Graduação em Política Científica e

Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A intenção deste trabalho é unir, em um mesmo escopo, diferentes campos do

conhecimento, fortalecendo e dando um significado à proposta de se pensar as

tecnologias sob uma perspectiva ampla. Desse modo, a proposta aqui é aliar os

conteúdos produzidos no campo das Tecnologias Apropriadas com a vasta literatura

acerca da idéia de desenvolvimento.

Por fim, no que diz respeito aos motivos pessoais que me levaram a

construção deste projeto, sobressai-se o fato de que venho trabalhando com o tema

das Tecnologias Apropriadas em âmbito profissional na minha atuação no Centro de

Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais e Qualidade de Vida (CEPPS) e em

alguns projetos de extensão universitária, desenvolvidos pela EACH/USP também

em parceria com o CEPPS, como o projeto “Desenvolvimento Local e o Uso de

Tecnologias Apropriadas”. Para além dos projetos de extensão, o tema vem sendo

1 A discussão sobre o surgimento no Brasil do termo Tecnologia Social em detrimento da Tecnologia Apropriada

será mais bem detalhado ao longo deste trabalho.

13

abordado pelo CEPPS também dentro do Grupo de Estudos e Pesquisas

Socioambientais (GEPS), que trabalha o tema das Tecnologias Apropriadas e

Desenvolvimento Rural em seus encontros a partir de uma perspectiva transversal.

2.2.2.2. Metodologia

Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa de caráter qualitativo, cujos

objetivos são entender a complexidade do desenvolvimento do conceito e do uso

das Tecnologias Apropriadas a partir de uma ótica multidimensional e propor um

método de avaliação capaz de qualificar o uso e o desempenho de experiências de

Tecnologias Apropriadas em ambientes rurais. Trata-se, portanto, de medidas

qualitativas em detrimento de medidas quantitativas. Esta opção se justifica por dois

motivos: a dificuldade em se estabelecer medidas mensuráveis e comparáveis entre

si em contextos históricos e geográficos muitas vezes completamente diferentes; a

arbitrariedade em atribuir pesos e medidas a situações e condições tão sensíveis e

ainda pouco exploradas do ponto de vista avaliativo como as Tecnologias

Apropriadas.

A pesquisa tem caráter exploratório e propositivo, sem que exista a exigência

de uma comprovação hipotética ao final do estudo. Assim, a base metodológica

adotada está amparada pela Grounded Theory. Essa teoria tem como princípio

básico “um método de análise de dados, particularmente sensível aos contextos,

que permite a compreensão do sentido de determinadas situações” (YUNES &

SZYMANSCKI, 2005).

Para a realização desta pesquisa foi utilizado um conjunto de ferramentas

metodológicas, que compreende inicialmente uma investigação bibliográfica e a

imediata análise de conteúdo do material encontrado, passando, por fim, pela

realização de estudos ilustrativos sumários.

A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio do “método bola de neve” que

compreende em procurar a literatura disponível a partir de algumas palavras-chave.

Neste caso, as palavras-chave são: “tecnologia apropriada” e “tecnologia social”.

Encontrada a literatura inicial, realizou-se uma segunda busca a partir da bibliografia

citada no material encontrado inicialmente. Este procedimento foi adotado em

rodadas sucessivas de busca até que a literatura adicional citada tornou-se marginal

e incrementalmente baixa.

14

Essa bibliografia orientou o debate sobre as questões tecnológicas,

influenciando a construção das dimensões, que por sua vez foram identificadas ao

longo do percurso histórico percorrido pela idéia de Tecnologia Apropriada e pelo

conjunto de críticas que incidiram tanto sobre a idéia quanto sobre as tecnologias

convencionais. As dimensões propostas também têm relação estreita com um

conjunto de produções acadêmicas que buscam entender o conceito de

desenvolvimento a partir de um espectro que dê conta de lidar com a complexidade

da questão (FURTADO 2002 ; SEN, 2000; SACHS 2004; VEIGA 2008). Desse modo

buscou-se entender as Tecnologias Apropriadas como uma questão

multidimensional e holística, e que, por essa razão, não deve ser analisada ou

mensurada sob uma perspectiva monolítica e estanque, incapaz de assimilar as

diferentes características que implicam em um processo de desenvolvimento,

principalmente no meio rural. Assim, as dimensões a serem consideradas são as

seguintes: ambiental, cultural, econômica, política, social e sociotécnica.

A aplicação do instrumento analítico buscará ilustrar uma interpretação

baseada nos dados obtidos em experiências práticas de utilização do mesmo, e que

por sua vez terá um papel fundamental na identificação dos pontos positivos e

também das falhas na construção do método analítico proposto.

3.3.3.3. O que são Tecnologias Apropriadas?

3.1. Tecnologia Apropriada: o surgimento do termo

Os trabalhos de Graeml (1996) e Jequier (1983, apud BARBIERI, 1989) tiveram a

preocupação de entender quais foram os principais momentos referentes às origens

dos movimentos das Tecnologias Apropriadas. As pesquisas realizadas por eles nos

indicam que as Tecnologias Apropriadas tiveram origem em diversos momentos

distintos e em localidades também diversas. Em seus trabalhos, Graeml e Jequier

nos apresentam alguns casos simbólicos e que nos ajudarão a compreender o que

são e como surgiram as Tecnologias Apropriadas.

O primeiro caso que apresentarei aqui, também tratado por Graeml e Jequier, diz

respeito à experiência conduzida por Mahatma Gandhi na Índia. De um modo geral,

parece ser consenso entre outros teóricos envolvidos no tema (BARBIERI, 1989;

HERRERA, 2010; JEQUIER, 1983; ROSA, 1989) o fato das Tecnologias

15

Apropriadas terem uma de suas origens significativas na Índia, à época em que

Gandhi iniciou todo o processo político revolucionário em busca da independência

de seu país. Gandhi pautava sua atuação e de seus seguidores a partir de três

princípios: a auto-suficiência; a crítica ao consumo desnecessário; e a ausência do

medo. Esses fundamentos compunham a estratégia de Gandhi rumo a um cenário

de desenvolvimento da nação indiana. Embora todos os três sejam fatores

importantes, destacaremos o elemento da auto-suficiência como ponto de partida

para explicar a origem de experiências de Tecnologias Apropriadas no contexto em

questão.

Para Gandhi, a auto-suficiência das nações seria um ponto-chave no que diz

respeito ao livre desenvolvimento das sociedades. A utilização e a valorização dos

recursos disponíveis no contexto local, tais como a terra, a mão-de-obra, os

equipamentos manuais e tradicionais, e os riquíssimos saberes populares,

aparecem para o autor indiano como elementos indispensáveis para o

desenvolvimento de uma nação. A partir deste ideal, Gandhi iniciou um intenso

movimento para a disseminação desses e de outros valores. Alguns deles ganharam

proporções muito relevantes no contexto nacional daquele país, com contribuição

determinante na luta contra o imperialismo inglês. Destacarei aqui, a título de

exemplificação, os esforços de Gandhi quanto à valorização da “roca”, um tear

manual amplamente difundido na cultura indiana, mas que devido à opressão

inglesa e a imposição de tecnologias exógenas era subutilizada pela população

local. Gandhi, percebendo o evidente potencial de mobilização e contestação que

este instrumento guardava, sabiamente articulou um movimento de valorização da

produção local de tecidos a partir do uso da roca. Organizou-se então uma

verdadeira campanha em prol do uso da roca por todos os indianos, cada qual

fazendo seu próprio tecido a partir dos recursos que tinham disponíveis. Isso acabou

por promover um colapso na indústria têxtil britânica, que até então mantinha

considerável poder de monopólio no mercado de tecidos.

Vemos então, que a partir do uso de um instrumento simples como a roca,

Gandhi conseguiu subverter uma ordem pré-definida, provocando uma

emancipação, mesmo que momentânea, da sociedade indiana. Através dessa nova

organização social em torno da produção de tecido por meio da roca, vê-se um claro

exemplo de Tecnologia Apropriada, que tem como uma característica marcante o

rompimento de um sistema de dependência advindo da submissão ocasionada pela

16

importação inadequada de tecnologia. Gandhi traçou estratégias de

desenvolvimento onde os indivíduos não mais seriam obrigados a se submeter a um

sistema e a uma lógica opressiva e cerceadora de liberdades. Com a alternativa da

roca, os cidadãos passariam a poder fazer escolhas (SEN, 2000). Amilcar Herrera

(2010) nos trás uma passagem bastante interessante que discute um elemento

importante na experiência de Gandhi, referente ao que ele chama de inteligência

criativa:

“La base de la lucha contra la pobreza era el pleno empleo. El desarrollo

moral y mental pleno del individuo era para Gandhi la consideración

suprema. Era esencial encontrar trabajo que diera la oportunidad de auto

expresarse y desarrollar inteligencia creativa. La educación basada en el

trabajo manual y en la identificación y solución de problemas de relevancia

inmediata era la herramienta para desarrollar esa inteligencia creativa”

(HERRERA, 2010:23)

Vale destacar que tal debate a respeito da “criatividade” também será bastante

abordado no decorrer deste trabalho, principalmente com referência aos trabalhos

de Celso Furtado (2002) sobre criatividade política e cultural, pressupostos

necessários para a superação do subdesenvolvimento.

O segundo caso que podemos observar para entender a complexidade do

conceito de Tecnologias Apropriadas, diz respeito ao movimento de industrialização

súbita que ocorreu nos Estados Unidos, à época em que o comércio e a importação

de bens manufaturados do continente europeu (principalmente da Inglaterra)

encontravam-se seriamente comprometido em função das guerras napoleônicas.

Nesse cenário, os EUA se viram em uma situação onde tiveram que encontrar uma

solução interna para continuar consumindo determinados bens e produtos de

origem industrial, que naquele momento tinham apenas a importação como fonte de

oferta de tais bens. Como àquela época os EUA não contavam com uma quantidade

suficiente de mão-de-obra especializada que pudesse ser alocada em atividades de

produção industrial desses bens e produtos, a opção adotada foi apostar nos

recursos disponíveis para o desenvolvimento de tecnologias que pudessem suprir

esse problema, e assim possibilitar a produção dos bens industrializados.

Vemos no caso norte-americano um exemplo muito peculiar e que nos ajudará

bastante a entender o que estamos chamando aqui de Tecnologias Apropriadas.

Talvez pareça um tanto quanto estranho classificar um caso de industrialização

17

como um exemplo de Tecnologias Apropriadas. Porém, essa passagem nos trás

uma indicação bastante consistente do que são essas tecnologias. Vemos que

àquele momento específico nos EUA, a mão-de-obra era um recurso escasso, e não

seria viável apostar em um modelo de desenvolvimento tecnológico que se

ancorasse no fator trabalho. Desse modo, a opção norte-americana teve que se

estruturar na mecanização dos processos industriais.

Esse caso também nos possibilita refletir sobre o caráter essencialmente

temporal do conceito de apropriabilidade, assim como nos aponta Amílcar Herrera

(1973) quando enfatiza que as tecnologias apropriadas são adequadas segundo um

determinado contexto e em um determinado momento histórico, sendo que uma

mesma tecnologia ou uma mesma forma de organizar a sociedade pode ser

radicalmente maléfica em outro contexto territorial que não o de sua origem, ou até

mesmo em um mesmo contexto, mas em outro momento histórico. Assim, vemos

que as Tecnologias Apropriadas tendem a obedecer ao que Graeml denomina de

“domínio operacional”, que se trata, em suma, da adequação temporal e territorial

dos instrumentos tecnológicos. Nesse sentido, fica claro que a opção pela

mecanização foi apropriada nos EUA naquele determinado momento da história,

mas que essa opção não pode, e nem deve, ser universalmente transposta para

outros locais como panacéia de desenvolvimento, uma vez que são bastante

conhecidas as implicações negativas que a mecanização excessiva dos processos

produtivos pode ocasionar à sociedade, tal como o aumento agudo do desemprego.

O terceiro exemplo a ser lembrado aqui é a construção teórica de Ernest Friedrich

Schumacher, pensador alemão que ganhou notoriedade com a publicação de Small

is beautiful (SCHUMACHER, 1977). Os trabalhos de Schumacher são bastante

relevantes para pensarmos as origens do debate a respeito das Tecnologias

Apropriadas. Pensador crítico ao modelo de desenvolvimento ocidental e adepto da

idéia de tecnologias intermediárias, Schumacher sofre clara influência de Gandhi,

compartilhando de muitos de seus ideais. O autor alemão nos traz uma noção muito

importante no que tange ao tema específico das Tecnologias Apropriadas. Trata-se

do que ele denomina “tecnologias intermédias”. Para Schumacher, essas

tecnologias são uma alternativa tanto ao uso de tecnologias de ponta,

comprometidas com o padrão convencional de exploração econômica, política, e

outras mais, como também ao retrocesso e uso de técnicas arcaicas e rudimentares

que não são capazes de promover índices interessantes de produção e nem

18

possibilitam outras externalidades positivas que contribuam para o desenvolvimento

do contexto em que estão inseridos. Schumacher ainda define as tecnologias

intermediárias como instrumentos simples e compreensíveis, de fácil acesso e

manutenção, geradoras de empregos, e promovedoras de liberdades de escolha,

claramente corroborando com os dizeres da auto-suficiência de Gandhi.

Porém, cabe estabelecer aqui um fator de diferenciação entre as circunstâncias e

o contexto de onde surgem os trabalhos de Gandhi e de Schumacher, o que é um

fator decisivo para a diferenciação dos dois enfoques. O primeiro busca nas

Tecnologias Apropriadas um meio de melhorar os padrões de vida em um país em

desenvolvimento (Índia, ex-colônia do Império Britânico), e para isso aposta em

instrumentos e técnicas que possibilitem o rompimento com a lógica perversa de

dominação que impõem uma situação de eterno subdesenvolvimento. Demonstra-

se assim a necessidade de alcançar outras bases que não as convencionais para se

atingir o desenvolvimento em um país pobre e em condições socioeconômicas

preocupantes. A experiência gandhiana faz uso de uma importante prerrogativa de

articulação política e social, organizando os indivíduos para pensar um projeto de

desenvolvimento “a partir de dentro”, fazendo suas escolhas tecnológicas com base

nos recursos disponíveis no contexto em questão.

Por outro lado, Schumacher desenvolve sua teoria a partir do seu olhar para a

Europa ocidental, onde o padrão de industrialização já havia se estabelecido há

bastante tempo. Nesse caso, a opção pelas Tecnologias Apropriadas aparece com

um significado diferente e que faz menção a uma oposição ao modelo de

desenvolvimento adotado até então. Esse movimento vem calcado no emergente

ecologismo e em teorias econômicas heterodoxas (década de 1970), e simboliza-se

em movimentos estudantis que ganham relativa força na Europa nesta época. O que

podemos observar é que Schumacher, apesar da inspiração na trajetória de Gandhi,

não conseguiu sustentar em sua proposta de tecnologia intermédia alguns

elementos que, no enfoque gandhiano, são de vital importância, tais como o

desenvolvimento de tecnologias a partir de uma perspectiva endógena, o

alicerçamento das tecnologias no contexto local, e a articulação política

emancipadora, com características contra-hegemônicas. Os desdobramentos do

trabalho de Schumacher acabaram por configurar processos de desenvolvimento

das tecnologias intermédias simplesmente para exportação, seguindo as bases do

modelo tecnológico convencional. Pelo fato de que no contexto da Europa ocidental

19

essas tecnologias não conseguiram angariar espaço, e muito menos entrar de fato

na agenda pública dos Estados europeus, elas não conseguiram configurar as

bases de um processo de desenvolvimento pautado por um novo paradigma

tecnológico. As tecnologias intermédias acabaram por ser direcionadas para a

aplicação em países subdesenvolvidos em um processo de transferência

tecnológica. Por essa razão, a proposta de Schumacher recebeu muitas críticas.

Como exemplo, temos uma trecho de um texto de Ignacy Sachs (2009). Nas

palavras do autor:

“Schumacher formulou uma proposta bem intencionada, porém

extremamente redutora, que lhe valeu grande popularidade: recorrer a

tecnologias “intermediárias” que já saíram fora do uso nas economias

desenvolvidas, mas ainda assim constituem um progresso com relação às

tecnologias atrasadas que ainda predominam nos países do Sul. Dentro de

certos limites, as tecnologias intermediárias têm sua utilidade. Mas não dá

para renunciar aos setores avançados da indústria, nem para transformar

Small is Beautiful em uma ideologia, para não dizer religião.” (SACHS,

2009:141)

De todo modo, é a partir da teoria de Schumacher que se desencadeou um

processo de propulsão de inúmeras outras experiências e trabalhos que buscavam

entender essas iniciativas que se apresentam no sentido de estruturar alternativas

contra-hegemônicas em termos do uso e desenvolvimento de tecnologias para os

mais variados proveitos. Nessa onda de fortalecimento e divulgação do termo,

inúmeras denominações diferentes começaram a aparecer, mas que em tese,

representavam, mais ou menos, o mesmo fenômeno, referente ao desenvolvimento

de um contraponto e uma resposta aos problemas advindos da adoção ao padrão

tecnológico convencional.

3.2. Em busca de uma taxonomia

Barbieri (1989) denomina a efervescência de trabalhos, pesquisas e iniciativas

no campo da Ciência, Tecnologia e Sociedade como “movimento da tecnologia

apropriada”, e nos traz uma listagem das principais características que essas novas

(ou nem tão novas) tecnologias têm em comum. Essa listagem também corrobora

com os trabalhos de Jequier & Blanc (1983, apud BARBIERI, 1989) quando estes

autores nos dizem que as Tecnologias Apropriadas são instrumentos de:

20

• baixo investimento por posto de trabalho

• baixo capital investido por unidade de produção

• baixo custo do produto final

• simplicidade organizacional

• alto grau de adaptabilidade ao ambiente social e cultural

• economia no uso dos recursos naturais

• grande potencial na geração de empregos

Outra classificação genérica acerca dessas novas experiências, pode ser

encontrada no trabalho de Dickson (1978). Esse autor propõe que as tecnologias

apropriadas podem ser assim classificadas quando referirem-se aos seguintes

preceitos:

• mínima utilização de recursos não renováveis

• mínima interferência ecológica

• auto-suficiência regional ou sub-regional

• eliminação da alienação ou exploração dos indivíduos

Para se ter uma idéia do alcance que essas iniciativas tiveram, podemos

novamente recorrer à contribuição de Barbieri (1989). O autor seleciona na literatura

algumas denominações mais comumente utilizadas para alternativas ao padrão

tecnológico convencional, como “tecnologia alternativa, tecnologia intermediária,

tecnologia de baixo custo, tecnologia suave, tecnologia de vila, tecnologia

comunitária, tecnologia poupadora de capital, tecnologia ambientalmente

apropriada…” (BARBIERI, 1989:40)

Embora cada uma delas mantenha características particulares que mereçam

as diferentes denominações, podemos entender que, de maneira geral, todas elas

corroboram, pelo menos em parte, de um mesmo princípio básico, referente à

contestação e oposição ao modelo tecnológico convencional. Nas palavras de

Ramon M. Garcia (1987), outro importante autor que trabalhou com o tema das

Tecnologias Apropriadas, “...os diferentes nomes refletem justamente as diferentes

prioridades que se podem atribuir a uma dimensão em face das demais.” (GARCIA,

1987:69).

Tendo em vista as possíveis classificações e algumas tentativas de se

21

estabelecer os limites e as principais características comuns do conceito da

Tecnologia Apropriada, cabe uma ressalva muito importante acerca do termo

“apropriada”. Reddy (1979), nos trás uma questão crucial para o entendimento e as

discussões desta pesquisa. O autor problematiza o caso a partir da seguinte

pergunta: “Tecnologia apropriada a quê?”. Segundo Reddy, a chave central da idéia

das Tecnologias Apropriadas somente pode ser plenamente compreendida quando

conseguimos responder a questão acima, entendendo os fatores que implicam a

avaliação das políticas tecnológicas, e os seus respectivos determinantes, que

variam desde as implicações técnicas e de engenharia, até os valores sócio-

culturais contidos no processo de escolha e utilização das tecnologias como um

todo. Pretende-se com este trabalho encontrar subsídios para que possamos

compreender esta questão mais a fundo. Para entender a complexidade inerente ao

conceito de Tecnologias Apropriadas, vale observar as palavras de Jequier (1976) a

respeito:

“Assessing the appropriateness of a technology necessarily implies

some sort of value judgment both on the part of those who develop it and

those who will be using it, and when ideological considerations come into

play, as they often do, appropriateness is at less a fluctuating concept.”

(JEQUIER, 1976:19)

Ainda a respeito do trabalho de Ramon Garcia, é importante lembrarmos aqui

algumas de suas contribuições que nos ajudam a compreender o conceito das

Tecnologias Apropriadas. O autor nos apresenta em seus trabalhos uma série

críticas realizadas a partir da repercussão dos trabalhos iniciais sobre Tecnologias

Apropriadas. Garcia organiza esses argumentos como base no que ele chama de

críticas de direita e críticas de esquerda. As primeiras referem-se às considerações

que representam o retrocesso e a incompreensão de um processo de vanguarda:

“Com as reações e as “críticas de direita” é fácil lidar. Elas são o resultado de uma

possível união existente entre ignorância e a insegurança psicológica”

(GARCIA,1987:68). O segundo grupo seria formado pelas críticas de esquerda2 que

apontam falhas verdadeiras e que se apresentam como riscos para o movimento

das Tecnologias Apropriadas.

2Tratarei mais a respeito dessas críticas logo a seguir nas discussões sobre as repercussões dos trabalhos de

Schumacher

22

É a partir desses argumentos contrários às Tecnologias Apropriadas que

Garcia busca consolidar uma concepção ampla e consistente para essas

tecnologias. Segundo o autor, para a melhor compreensão e implementação das

Tecnologias Apropriadas, é necessário “a adoção de um novo paradigma de

conhecimento, de vida e de trabalho” (GARCIA, 1987:68) que permita que tais

tecnologias possam alcançar seus objetivos reais, que, de um modo geral, têm

muitas relações com a construção de um ideal de desenvolvimento alternativo. Em

outras palavras, para Castor, assim como para Herrera (2010) e Buarque & Buarque

(1983), as Tecnologias Apropriadas devem ser compreendidas essencialmente sob

um enfoque multidimensional e que leva em conta as transformações ocasionadas

em diferentes dimensões. Nas palavras de Buarque & Buarque:

“... o conceito de tecnologia apropriada (em suas diferentes

interpretações) tem a sua origem na reconsideração do aspecto social no

desenvolvimento econômico, na busca do bem-estar para o conjunto da

população e em uma perspectiva de desenvolvimento auto-sustentado e de

longo prazo.” (BUARQUE & BUARQUE, 1983:71 apud GARCIA, 2010)

Após termos nos atentado a essas importantes contribuições teóricas sobre

essas Tecnologias Apropriadas e suas respectivas disputas semânticas, e

observando os trabalhos mais recentes a respeito do tema, vemos que,

curiosamente tal tema assume um novo contorno que descarta o termo Tecnologia

Apropriada e passa a utilizar a denominação Tecnologia Social. Essa nova

configuração é observada a partir de alguns trabalhos capitaneados por Renato

Dagnino. Muito embora Dagnino justifique sua opção pela substituição dos termos

em sua produção teórica (DAGNINO, 2004) vemos que os principais argumentos

pelos quais o autor sustenta a necessidade da substituição da nomenclatura podem

ser passíveis de contra-argumentação. Dagnino apresenta a idéia de que as

Tecnologias Apropriadas carecem de elementos que são vitais para que tais

tecnologias logrem o sucesso. Esses elementos dizem respeito à mobilização, a

articulação política das iniciativas e de seus atores sociais, e a construção coletiva e

com bases sociais das tecnologias. Entretanto, o que também é importante destacar

é que tais fatores são considerações extremamente presentes na perspectiva

teórica de Tecnologias Apropriadas advinda do que podemos chamar de enfoque

gandhiano, e que também está bastante presente na contribuição dos autores que

23

apresentei acima. Como também já dito anteriormente, embora Gandhi não utilize a

denominação Tecnologias Apropriadas, é consenso que o autor indiano seja um dos

principais precursores de iniciativas a partir de tais tecnologias, inclusive para o

próprio Dagnino. Portanto, a mobilização/articulação política e o desenvolvimento

das tecnologias a partir de uma perspectiva endógena e com enfoque nas

características sociais da população local são componentes que, mesmo

discretamente, já apareciam nas Tecnologias Apropriadas. O que de fato podemos

entender (e esse argumento sim nos faz todo sentido) é que a proposição de

Tecnologia Social trazida por Renato Dagnino é ancorada em um conjunto de

críticas realizadas com relação aos desdobramentos das chamadas tecnologias

intermediárias, advindas do enfoque de Schumacher, e que de uma maneira geral

acabaram por cooptar o movimento das Tecnologias Apropriadas3. As iniciativas

derivadas desta concepção apresentaram resultados desarticulados e meramente

pontuais, e que não conseguiram sustentação no longo prazo. Além disso,

apresentam um desvio muito significativo à concepção de Gandhi, uma vez que não

são desenvolvidas levando em conta a participação e o envolvimento de quem dela

fará uso. Pelo contrário, são propostas no contexto dos países desenvolvidos com o

intuito de serem utilizadas nos países do terceiro mundo, seguindo a mesma égide

de exportação/importação tecnológica do modelo convencional. Nesse sentido é

possível que se corrobore com as críticas feitas por Renato Dagnino e seus

seguidores com relação ao termo Tecnologia Apropriada. Porém, também é muito

importante observarmos a contribuição trazida pelos autores apresentados acima,

que de uma maneira geral, mantém a essência do enfoque gandhiano e lapidam em

bases consistentes o conceito de Tecnologias Apropriadas. De todo modo, é a partir

da nova denominação “Tecnologia Social” que o movimento pela inserção social da

tecnologia ganha campo. Basta ver a intensa contribuição de Dagnino e dos grupos

de pesquisa do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT -

UNICAMP) para os evidentes avanços no campo da Ciência, Tecnologia e

Sociedade, advindos da atuação tanto no campo acadêmico, como também na

perspectiva político-institucional, haja vista a difusão e amplitude que o tema ganhou

3Neste ponto retomo as considerações feitas por Ramon Garcia (1987) a respeito do que denominou de “críticas

de esquerda”.

24

a partir do ativismo político entorno da Tecnologia Social4.

A partir dessas considerações, opto pela utilização do termo Tecnologia

Apropriada com a intenção maior de preservar e resgatar contribuições que julgo

importantes para discutir o presente tema. Embora faça essa opção, não nego em

hipótese alguma a construção conceitual e a amplitude que o termo Tecnologia

Social vem tomando recentemente. Tal escolha representa apenas um

posicionamento diante de uma disputa semântica a qual considero o lado das

Tecnologias Apropriadas mais sólido conceitualmente, embora mais discreto no

âmbito político. Vale destacar, por fim, que a utilização declarada do termo

Tecnologia Apropriada, mesmo após o movimento da Tecnologia Social, também é

feita por outros importantes autores que orientam a construção deste trabalho, tal

como Ignacy Sachs (2004; 2009), Cristovam Buarque (1983) e Lynaldo de

Albuquerque (2009), como podemos ver no trecho a seguir:

“As minhas reflexões e colocações sobre o tema das Tecnologias

Apropriadas (TA) – termo original e seminal que precede historicamente o

termo Tecnologias Sociais, sendo o primeiro de minha preferência – estão

relacionadas à minha gestão como presidente do CNPq (...) Às vezes, acho

o termo Tecnologias Sociais (TS) muito amplo e genérico, perdendo em

substância aquilo que caracteriza as TAs, este um termo muito mais

concreto e focado tal como são as tecnologias específicas que ele engloba”

(ALBUQUERQUE, 2009:15-23)

3.3. Aplicação da Tecnologia Apropriada no Brasil

Em contexto nacional, a acumulação de experiências que utilizam Tecnologias

Apropriadas não é tão extensa como no exterior. Apresentarei brevemente algumas

das experiências que mais se destacam, tanto em ações da sociedade civil

organizada, como em casos de políticas públicas no âmbito do Estado. Entende-se

que experiências no âmbito da gestão pública são indicadores muito importantes

quanto à permanência e ao fortalecimento do tema das tecnologias apropriadas,

entendendo que o Estado resguarda um papel muito importante na figura de indutor

de processos de desenvolvimento. Vemos que no campo político-institucional,

muitas mudanças vêm marcando as decisões sobre as políticas de Ciência e

Tecnologia (C&T) que tomam novos contornos a partir de uma recente inserção de

4 É a partir dos trabalhos de Renato Dagnino sobre o termo Tecnologia Social que são criados o ITS (Instituto de

25

outras dimensões de análise e entendimento do fator tecnológico, tal qual o olhar

social, ambiental e cultural. No próprio escopo do Ministério da Ciência e Tecnologia

(MCT), a criação da Secretaria da Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social

(SECIS) é um exemplo claro desse movimento que passa a promover um novo

prisma para a concepção de políticas públicas de tecnologia. O foco principal de

atuação da SECIS/MCT resume-se em:

“Propor políticas, programas, projetos e ações que viabilizem o

desenvolvimento econômico, social e regional, e a difusão de

conhecimentos e tecnologias apropriadas em comunidades carentes nos

meios rural e urbano” 5.

Nesse sentido as Tecnologias Apropriadas ganham importância considerável.

Diversos seminários e eventos vêm sendo realizados por intermédio do MCT e em

parceria com outros ministérios, em especial o Ministério do Desenvolvimento

Agrário, demonstrando a grande interface que o tema das Tecnologias Apropriadas

guarda com relação às questões da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento

Rural. Um bom exemplo disso foi o seminário “Tecnologia Social e agricultura

familiar: semeando diferentes saberes” realizado em parceria entre a SECIS/MCT e

a Secretaria de Agricultura Familiar/MDA, em conjunto com o ITS.

Porém, antes mesmo da criação da SECIS/MCT, algum esforço de inclusão do

tema das Tecnologias Apropriadas já vinha sendo realizado no campo institucional,

ainda que sob uma perspectiva frágil e com um pressuposto muito parecido com as

proposições de transferência tecnológica de Schumacher. Haja vista a criação e os

trabalhos desenvolvidos pelo Programa de Transferência de Tecnologias

Apropriadas (PTTA) no âmbito do CNPq, entre os anos de 1983-1988.

Posteriormente, o PTTA acabou dando origem ao Programa de Apoio às

Tecnologias Apropriadas (PTA), também do CNPq, que buscou dar seqüência aos

trabalhos durante os anos de 1993-2000. O intuito primordial desses dois programas

voltava-se para a identificação, catalogação e difusão de um banco de experiências

existentes em âmbito nacional e que envolvessem casos de desenvolvimento ou

utilização de Tecnologias Apropriadas. Por motivos de inconstância e

Tecnologia Social) e a RTS (Rede de Tecnologia Social) 5Portal do Ministério da Ciência e Tecnologia - http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/78953.html;

(2010).

26

descontinuidade de interesses da instituição, tanto o PTTA, quanto o PTA, tiveram

vida curta no CNPq, e o tema acabou perdendo espaço (ALBUQUERQUE. 2010) 6.

Antes de apresentar as experiências, cabe um breve apontamento do que

estamos entendendo nesses casos por Tecnologias Apropriadas. A noção de

Tecnologia Apropriada aqui apresentada inclui também as iniciativas de gestão

(orgware) de caráter inovador, que, pela utilização dos recursos disponíveis, ou por

fazerem um contraponto aos modelos de organização e gestão tradicionais, podem

se enquadrar no que Dagnino et al. (2010) denomina de inovação social, que por

sua vez, se expressa em três categorias diferentes. Nas palavras do autor:

“O conceito de inovação social, entendido ali a partir do conceito de

inovação – concebido como o conjunto de atividades que pode englobar

desde a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico até a introdução de

novos métodos de gestão da força de trabalho, e que tem como objetivo a

disponibilização por uma unidade produtiva de um novo bem ou serviço para

a sociedade – é hoje recorrente no meio acadêmico e cada vez mais

presente no ambiente de “policy making. “Esse conceito engloba, portanto

desde o desenvolvimento de uma máquina (hardware), até um sistema de

processamento de informação (software) ou de uma tecnologia de gestão –

organização ou governo – de instituições públicas e privadas (orgware)”

(DAGNINO et al, 2010:86)

Tratarei os casos apresentados abaixo também sobre uma da perspectiva de

tecnologia de gestão ou organização, apontando que, por razão de serem contra-

hegemônicas e por estarem direcionadas a outro modelo de desenvolvimento,

podem ser entendidas como Tecnologias Apropriadas.

O primeiro caso a ser levado em conta é a experiência de Franco Montoro (1985

– 1986), em sua gestão do governo do estado de São Paulo durante a década de

80. Àquela época, a maioria dos estados da Federação apresentavam enormes

déficits nas contas públicas, e uma inevitável necessidade de se romper com a

antiga lógica de financiamento e endividamento utilizada até então. Em São Paulo, o

cenário não era distinto. Fazia-se necessário então, repensar as formas de gestão

6De todo modo, em termos de ações e programas estatais integrados às Tecnologias Apropriadas os avanços

ainda são discretos. O que vemos são experiências desarticuladas entre si e que representam mais os reflexos da

atuação de empreendedores políticos, a partir da perspectiva de Kingdon (1995), do que de fato um planejamento

para a disseminação das Tecnologias Apropriadas em contexto nacional.

27

dos gastos públicos. Assim, uma das diretrizes da gestão Montoro foi à busca por

alternativas baratas e ao mesmo tempo eficazes e em consonância com uma

concepção de desenvolvimento diferenciada. Foram implantadas algumas

experiências que obtiveram considerável sucesso, partindo sempre do princípio do

uso racional de recursos e de soluções simples, coletivas e inteligentes para os

problemas da agenda pública.

Inúmeras ações se espalharam pelo interior do estado e obtiveram êxito

interessante. Vale destacar no que diz respeito a uma iniciativa relacionada aos

contextos rurais, uma iniciativa de nome um tanto quanto inusitado, mas que

simboliza bastante o uso da Tecnologia Apropriada nessa época. Trata-se da

chamada “Vaca Mecânica”, uma engenhoca desenvolvida pelo governo Montoro no

intuito de enriquecer o leite comum com a proteína da soja. Nada muito inovador,

sabendo que o leite de soja é uma receita bastante antiga. Entretanto, a produção

do leite de soja em moldes tecnológicos convencionais é demasiadamente cara, o

que inviabiliza a produção por parte dos pequenos produtores de leite e também o

acesso desse produto à população de baixa renda. Assim, a idéia de se desenvolver

um instrumento que possibilitasse a produção e a distribuição do leite de soja, a

partir do conhecimento tradicional (receita) e de um instrumento simplificado (Vaca

Mecânica) que fosse de fácil acesso aos pequenos produtores de leite do interior

paulista, e utilizando recursos adequados, configura a iniciativa como uma

experiência interessante em termos de Tecnologia Apropriada.7

Outra iniciativa importante no âmbito da gestão pública, relacionada ao

desenvolvimento no meio rural e que teve a Tecnologia Apropriada como princípio

orientador é a experiência desenvolvida no governo de Cristovam Buarque, no

Distrito Federal. Vale ressaltar que Buarque, além de cumprir o papel de gestor

público, também construiu uma importante carreira acadêmica estudando inclusive o

tema específico das Tecnologias Apropriadas (BUARQUE & BUARQUE, 1983). O

autor mantém vínculos teóricos, conceituais e intelectuais muito estreitos com

Ignacy Sachs, orientador de sua pós-graduação na França (EHESS – L’École des

7Embora todas essas ações e políticas públicas do governo Montoro tenham trazido à tona um caráter inovador e

estruturado um interessante laboratório de Tecnologias Apropriadas no estado de São Paulo, após essa gestão,

todas essas políticas acabaram por cair no esquecimento, sucumbindo a um inevitável processo de

descontinuidade de políticas públicas, muito comum àquela época e também nos dias atuais.

28

Hautes Estudes em Sciences Sociales), e que no caso deste trabalho, figura como

um importante referencial no que tange ao pensamento sobre desenvolvimento,

obviamente, fazendo o devido paralelo com o debate tecnológico.

No governo de Buarque (1995 - 1998) no Distrito Federal, chamam atenção

alguns experimentos e políticas públicas que faziam uso de mecanismos

simplificados e novos desenhos organizacionais capazes de romper com problemas

e barreiras apresentados pelos contextos sociais e econômicos em questão.

Ressalto aqui o entendimento da organização do trabalho ou do arranjo institucional

como uma ferramenta que deve ser considerada uma tecnologia em si,

principalmente pela sua capacidade de inovação, fazendo referência à contribuição

da escola sociotécnica da Administração, a qual será mais bem apresentada no item

5.1.1 deste trabalho. Um dos projetos mais significativos nesse sentido é o Prove

(Programa de Verticalização da Pequena Produção Agrícola). O Prove8 era um

programa de incentivo e de inserção socioeconômica do pequeno produtor rural em

mercados locais como rede de supermercados e no sistema de compras públicas. O

programa, através de capacitação técnica, administrativa e financeira, conseguiu

reorganizar a pequena produção agrícola local através de um esquema simples de

redesenho organizacional das relações deste mercado, utilizando-se apenas das

potencialidades e conhecimentos existentes no contexto em questão para o

desenvolvimento de pequenas agroindústrias. O Prove também centrou esforços na

alteração do arcabouço legal que impedia a ampliação das transações econômicas

do comércio local com a agricultura familiar, realizando uma importante reforma

institucional.

Ainda em termos de políticas públicas no âmbito do Estado, podemos citar

brevemente outras tantas experiências significativas no que tange a adoção e

valorização de Tecnologias Apropriadas em contextos rurais, e que não foram

menos importantes que as descritas acima. As iniciativas no estado do Paraná,

capitaneadas por Belmiro Valverde Castor; o caso do município de Lages em Santa

Catarina, sob a tutela e o espírito inovador e empreendedor do prefeito Dirceu

Carneiro na década de 80; as experiências de José Lutzemberger, tanto à frente da

8 Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque (2009), em artigo intitulado “Tecnologias Sociais ou Tecnologias

Apropriadas? O resgate do termo” destaca o Prove como um exemplo de Tecnologia Apropriada dentro do

Programa de Transferência de Tecnologias Apropriadas (PTTA) do CNPq.

29

Secretaria Especial de Meio Ambiente do governo federal na gestão Collor, como

também em diversas outras ações que protagonizou como membro e líder de

organizações da sociedade civil.

Por outro lado, quando se trata do envolvimento da sociedade civil organizada

acerca do tema e da prática de Tecnologias Apropriadas, podemos lembrar algumas

experiências emblemáticas.

A primeira delas refere-se aos trabalhos de Zilda Arns e a Pastoral da Criança. A

frente desse movimento, Zilda Arns buscava atrelar sabedoria popular com

conhecimento científico na luta contra a desnutrição infantil, a segurança alimentar e

outros problemas de saúde enfrentados por crianças em condições de pobreza

agravada, principalmente em ambientes rurais, onde as condições socioeconômicas

eram mais alarmantes. Somando essas técnicas e instrumentos alternativos ao

princípio da ação coletiva e do voluntariado, Arns conseguiu feitos incríveis e

proporcionou soluções simples e caseiras para o grave problema da fome e da

desnutrição infantil a um número incontável de mães e crianças carentes pelo Brasil

a fora. Como exemplo, podemos mencionar o caso da “multimistura”, importante e

eficiente composto alimentar desenvolvido pela Pastoral da Criança formado por

restos de alimentos quase nunca aproveitados, como a folha da mandioca, o farelo

do arroz, a semente de abóbora e a casca de ovo, encontrados em abundância

como restos da produção rural. A multimistura da Pastoral reflete muito mais do que

um reforço alimentar. Ela aparece como uma alternativa eficaz no combate à fome e

á desnutrição infantil, construída a partir do conhecimento popular e dos recursos

disponíveis no contexto local.

No caso de instituições não-governamentais que tratam especificamente das

questões tecnológicas, merecem destaque duas delas: O Instituto de Tecnologia

Social (ITS), a Rede de Tecnologia Social (RTS) e a AS-PTA, antiga Rede de

Tecnologias Alternativas (Rede PTA). O ITS é uma das instituições mais respeitada

do ramo, e encabeçou o movimento político pela elaboração de novas bases para

as políticas tecnológicas, fortalecendo a dimensão social no debate sobre C&T em

âmbito político-institucional. Fundado em 2001, o ITS tem como objetivo principal

promover a geração, o desenvolvimento e o aproveitamento de tecnologias voltadas

para o interesse social e reunir as condições de mobilização do conhecimento, a fim

30

de que se atendam as demandas da população9.

Já a RTS caracteriza-se como uma instituição talvez com menos aplicação

prática em termos de projetos desenvolvidos, mas que desenvolve um

importantíssimo papel de organização e integração das experiências no território

nacional. Pelo caráter ainda frágil das iniciativas que levam em conta as Tecnologias

Apropriadas, a integração dessas em rede é um pressuposto para a consolidação

do movimento e dos atores envolvidos como um grupo político realmente capaz de

consolidar o referido tema na agenda publica, tanto em âmbito nacional na relação

com os ministérios, como em âmbito local influindo em políticas públicas de estados

e municípios. Nesse enfoque, a RTS conduz um trabalho muito relevante, como é

possível observar no trabalho realizado por Dagnino sobre a Rede (BRANDAO,

DAGNINO & NOVAES, 2004).

Por fim, a AS-PTA, como já apontado acima, é herdeira da história da Rede

PTA, que emergiu no bojo das iniciativas dos movimentos sociais rurais na década

de 1970, e que buscava alternativas para a situação de crise apresentada no campo

naquele contexto, com o advento da Revolução Verde. Como desdobramento atual

dessa iniciativa, a AS-PTA vem buscando trabalhar as questões tecnológicas sob

uma égide ampla e com enfoque específico para a agricultura familiar, reforçando

principalmente a perspectiva agroecológica, como podemos ver num trecho extraído

do portal da instituição sobre a concepção dos projetos de desenvolvimento local

implementados:

“... os Programas de Desenvolvimento Local da AS-PTA constituem espaços

de exercício de enfoques inovadores de construção do conhecimento

agroecológico orientados para a constituição de redes sociais conformadas

por agricultores-experimentadores responsáveis pela emergência de

projetos locais de ocupação e uso dos territórios rurais.” (AS-PTA, 2010:

Trecho extraído do portal: www.aspta.org.br)

4.4.4.4. Um novo olhar sobre as Tecnologias Apropriadas: va lorizando a

proposta multidimensional.

Quando se pensa no conceito de Tecnologias Apropriadas, logo se faz uma

reflexão que, invariavelmente, conduz a seguinte pergunta: apropriada a quê?

apropriada a quem?. Belmiro Valverde Castor (1983) e Nicolas Jequier (1976) nos

9 Portal do Instituto de Tecnologia Social - www.itsbrasil.org.br ; (2010).

31

mostram que a idéia de apropriabilidade pode assumir diversos contornos,

dependendo sempre do ponto de vista de quem está pensando. Herrera (2010)

também aponta para a complexidade e para o caráter dúbio do termo quando

enfatiza que “todas las tecnologias son apropriadas: la pregunta es para que?”. Ou

seja, uma tecnologia nos moldes convencionais pode ser apropriada para uma elite,

que através dela mantém um sistema de lucratividade e poder. Obviamente, essa

mesma tecnologia não é apropriada para uma gama de outros atores sociais que

estão na outra ponta da sociedade, subordinados a uma lógica de submissão

política e econômica, por exemplo. Por essa razão, a idéia de apropriabilidade é

delicada e exige cautela no seu tratamento. O fato das Tecnologias Apropriadas

serem historicamente entendidas sob uma diversidade grande de interfaces, nos

trás uma questão bastante importante quando nos propomos a discutir as suas

características de maneira holística, e suas diversas interpretações a respeito de

seu papel “apropriado”. O olhar segmentado e setorial não vem se apresentando

como uma estratégia eficaz no que diz respeito à compreensão dos vários aspectos

que envolvem as Tecnologias Apropriadas, haja vista o esforço freqüente em

dialogar as questões tecnológicas sob perspectivas cada vez mais complexas,

refutando a análise técnica e economicista como a única interface relacionada ao

desenvolvimento tecnológico. Entender os usos da tecnologia exclusivamente sob a

ótica econômica, atentando, por exemplo, para a capacidade de redução de

insumos ou para os ganhos de produtividade de determinado instrumento, é limitar-

se a uma compreensão parcial de um fenômeno que possui características e

peculiaridades muito mais complexas, como podemos observar na afirmação de

Buaque & Buarque:

“É ponto pacífico entre os estudiosos da tecnologia, apropriada ou

não, que essa envolve múltiplas dimensões, não podendo ser plenamente

compreendida se considerarmos apenas sua dimensão econômica”

(BUARQUE & BUARQUE, 1983 apud GARCIA, 1987)

A outra “face da moeda” também não configura uma observação adequada a

respeito das tecnologias. Refiro-me àquelas experiências que exaltam, também em

caráter exclusivo, outras dimensões, como por exemplo as questões ambientais e

ecológicas, mas não levam em conta na análise os outros fatores, inclusive os

32

próprios fatores econômicos. Essas iniciativas, por serem muitos radicais e, acabam

por cair no descrédito e não encontram sustentação no debate público.

A respeito de propostas que avançaram no sentido de incorporar a perspectiva

multidimensional para a questão tecnológica, temos como um dos bons exemplos o

trabalho de Valverde Castor (1983), que nos trás uma contribuição muito importante

no que diz respeito à análise de diferentes categorias de Tecnologias Apropriadas. O

seu esforço de determinar alguns critérios para o entendimento das tecnologias é

interessante, embora deva ser examinado com ponderações. Primeiramente, deve-

se observar o contexto em que o autor escreve, entendendo que no início da década

de 80, existia um movimento considerável que se propôs a pensar as Tecnologias

Apropriadas. Esse movimento tinha como particularidade o vínculo de seus

membros com esferas governamentais.

As experiências mais significativas nesse contexto concentraram-se em São

Paulo, sob a tutela do governo Franco Montoro, e no Paraná, onde Valverde Castor

esteve fortemente envolvido. Nesse sentido, é válido ressaltar que a proposição de

método de avaliação feita por Valverde Castor talvez esteja atrelada a uma

necessidade de legitimação de um conjunto de experiências em que o próprio autor

esteve envolvido, tanto é que na finalização de seu artigo (CASTOR, 1983), o autor

relata um caso específico da região paranaense. De modo algum esse fato tira o

mérito da construção realizada por Castor, embora seja pertinente observar que a

definição dos critérios de identificação e análise têm relações substanciais com o

contexto em que se insere. Essa contestação é importante no âmbito deste trabalho,

cuja principal intenção é a contribuir para o debate e propor uma metodologia

diferente para a identificação e análise das Tecnologias Apropriadas, e que não está

necessariamente vinculada a nenhum caso ou contexto específico, ou melhor, não é

um exercício que visa à comprovação de alguma experiência específica.

Uma segunda ressalva a ser feita refere-se ao avanço nas discussões

referentes ao tema das Tecnologias Apropriadas feitas daquela época até os dias

atuais. Nesse ínterim, inúmeros trabalhos sobre o tema foram produzidos,

fomentando muitas novas reflexões a respeito. Basta ver a intensa produção e

discussão teórica sobre ciência, tecnologia e sociedade que vem sendo realizada

tanto no âmbito acadêmico10, como na perspectiva do Estado ou de instituições da

10Destaca-se nesse sentido o Departamento de Política, Ciência e Tecnologia do Instituto de Geociências da

33

sociedade civil. Além disso, a evolução de outras áreas de conhecimento, não

consideradas na pesquisa bibliográfica de Valverde Castor, é latente, principalmente

no que diz respeito à temática do desenvolvimento que deve ser levada em conta

quando se propõem a analisar as diferentes dimensões que envolvem o conceito e

a prática das Tecnologias Apropriadas.

Outra iniciativa que também merece destaque quando se trata de construção

de parâmetros e dimensões de análises das Tecnologias Apropriadas é o trabalho

de Ramon Garcia. Em seu artigo publicado nos cadernos da FUNDAP, intitulado

“Tecnologias Apropriadas: amiga ou inimiga oculta” (GARCIA, 1987), o autor realiza

uma discussão de alto nível intelectual a respeito das questões tecnológicas,

propondo alguns critérios que seriam relevantes para a observação e qualificação

da “pertinência” (ou appropriateness, nas palavras do autor) das tecnologias. Como

já demonstrado acima, Garcia é um autor de grande importância para a

compreensão e defesa do tema das Tecnologias Apropriadas. É exatamente nesse

sentido que o autor nos propõem algumas dimensões de análise, que segundo ele

“a maioria dos autores são concorde em aponta (las)” (GARCIA, 1987:69). A saber,

as dimensões propostas por Ramon Garcia são: econômica, sócio-cultural, política,

científico-tecnológica e ecológica. De um modo geral, tais dimensões podem ser

consideradas como uma referência de suma importância para a construção do

instrumental analítico deste trabalho, o qual será apresentado mais adiante.

5.5.5.5. Tecnologias Apropriadas e sua contribuição para um novo paradigma de

desenvolvimento

A proposta deste trabalho consiste no esforço de contribuir para as iniciativas

supracitadas relacionadas à construção de métodos de análises e definição de

critérios que sejam capazes de apreender as diversas formas de expressão e

manifestação contidas no âmbito das tecnologias. Para isso, ao mesmo tempo em

que serão consideradas as empreitadas anteriores de Valverde Castor (1983) e de

Garcia (1987), buscarei avançar na consolidação de dimensões analíticas que

mantenham relação estreita com a construção teórica de uma importante vertente

de pensadores que tem como objeto principal de estudo o conceito de

desenvolvimento, no sentido amplo da palavra. Nesse sentido, pretende-se observar

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

34

as Tecnologias Apropriadas sob o mesmo espectro que Amartya Sen (2000), Celso

Furtado (2002), Ignacy Sachs (2004), e José Eli da Veiga (2008) vêm discutindo o

conceito de desenvolvimento, entendendo-a como uma questão multidimensional e

holística, e que, por essa razão, não deve ser analisada ou mensurada sob uma

perspectiva monolítica e estanque. O cerne da contribuição desses autores é

exatamente a ampliação do escopo de análise acerca do conceito de

desenvolvimento, questionando o paradigma ultrapassado que entendia

desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, e promovendo um

novo modo de observar a evolução das sociedades que leve em conta os mais

variados aspectos da vida humana, e não exclusivamente o acompanhamento dos

índices que mensuram a “saúde da economia”. É nesse novo contexto teórico-

acadêmico, marcado pela interdisciplinaridade e pela valorização do entendimento

multidimensional dos fatores complexos que o desafio de alterar o paradigma

essencialmente econômico das teorias do desenvolvimento aparece como o fator

comum que estimula as obras desses autores. Seus trabalhos nos guiam para um

patamar mais elevado de compreensão, segundo o qual a idéia de desenvolvimento

deve abarcar outros focos de análise que são relevantes à qualidade da vida, tais

como os aspectos sociais, ambientais, políticos e culturais.

De uma maneira geral, esses autores buscam trabalhar a complexificação do

ideal de desenvolvimento a partir de uma ampliação do escopo analítico. Embora

cada um deles centre esforços em processos diferentes, é possível afirmar que

todos são contrários a idéia de crescimento econômico como sinônimo de

desenvolvimento, tal como foi por muito tempo entendido o conceito no âmbito das

teorias econômicas. Realizarei a seguir uma breve descrição a respeito dos autores

citados, no sentido de elucidar como elas abordam a idéia de desenvolvimento a

partir de um novo paradigma. Esse exercício servirá como pressuposto básico para

a formulação das categorias referentes à proposta multidimensional de análise das

Tecnologias Apropriadas, conforme demonstrarei mais adiante.

Para começar o discussão sobre desenvolvimento, nada melhor do que

analisarmos as contribuições que nos trás Celso Furtado (2002). Antes de tratar de

fato a respeito do conteúdo teórico apresentado por Furtado, é válido, para o melhor

entendimento das contribuições conceituais, que algumas considerações sejam

feitas sobre o autor. Celso Furtado se auto-intitulava como um economista

heterodoxo, que não via a economia tradicional como uma possibilidade real de

35

explicar e entender os fenômenos sociais. Suas contribuições teóricas sempre

guardaram um tom crítico aos modelos tecnicistas como meios para explicar a

realidade. Furtado também fez parte da CEPAL (Comissão Econômica para a

América Latina), onde juntamente com outros economistas adeptos de teorias

alternativas puderam desenvolver importantes trabalhos que contribuíram para o

desenvolvimento de novas maneiras de entender as dinâmicas dos países

subdesenvolvidos latino-americanos.

É justamente sobre essa idéia de subdesenvolvimento-desenvolvimento que

Furtado desenvolve seu pensamento. Para o autor, a idéia evolucionista que vê o

subdesenvolvimento como uma etapa precedente do desenvolvimento, incorre em

um erro fundamental de análise, não percebendo que os dois fenômenos são

complementares e se estruturam de modo recíproco. De maneira similar, Albert O.

Hischmann (1996), em sua Auto-subversão, também nos trás essa idéia de que a

evolução econômica das nações não respeita uma regra estigmatizada através de

etapas pré-desenhadas. Pelo contrário. Segundo Hischmann, melhor se sucedem

aqueles países que depositam suas fichas e apostam na inovação e na audácia,

revolucionando os preceitos de uma evolução programática. Assim, em consonância

com a impossibilidade evolutiva, Furtado entendia que a existência do

desenvolvimento requeria necessariamente a existência do subdesenvolvimento.

Nas palavras do autor:

“A verdade é que todos já percebemos que o subdesenvolvimento não

constitui uma etapa necessária do processo de formação das economias

capitalistas. É, em si, uma situação particular, resultante da expansão

destas, que buscam utilizar recursos naturais e mão-de-obra de áreas de

economia pré-capitalista” (FURTADO, 2002 :30).

Nesse sentido a busca pelo desenvolvimento requer Nesse sentido a busca

pelo desenvolvimento requer antes de tudo uma indagação primordial. É possível

que o modelo tradicional de desenvolvimento seja importado dos países avançados

para os países subdesenvolvidos? Para Celso Furtado a resposta é negativa.

Devido ao fato desse modelo de desenvolvimento com base no crescimento

econômico ser fundado a partir de uma lógica de exploração dual, de acumulação e

de utilização intensiva de capital natural esgotável, fica evidente que ele não pode

ser replicado indefinidamente, uma vez que corre riscos de manutenção, devido às

36

implicações ecológicas, até mesmo nos locais onde há tempos estão instaurados11.

Por outro lado, o autor também nos aponta que os países subdesenvolvidos

apresentam características tais que lhes configuram peculiaridades muito distintas

da realidade dos países desenvolvidos. Ou seja, as características sociais, políticas,

culturais, econômicas e ambientais do subdesenvolvimento são substancialmente

diferenciadas, e por essa razão não se adéquam ao modelo de crescimento

econômico ilimitado.

Para Furtado, é necessário, portanto, que sejam idealizadas novos modelos,

a partir de processos endógenos e de acordo com a cultura local para se pensar a

especificidade do ideal de desenvolvimento para os países subdesenvolvidos, de

modo que sejam superados impasses estruturais, tais como o autoritarismo político,

a imitação cultural e econômica, a crescente desigualdade social, o consumo

exacerbado de bens supérfluos, entre tantos outros problemas sociais que esses

países apresentam.

Nessa empreitada, Furtado dá destaque ao elemento da criatividade humana,

no sentido que somente a partir da inovação social é que novas alternativas podem

ser desenhadas de acordo com os aspectos específicos que condicionam o

subdesenvolvimento. O autor também enfatiza que esse processo criativo deve ser

estabelecido internamente e livre da influência negativa que tende a enquadrar as

inovações na mesma lógica a serviço do desenvolvimento em sua concepção

tradicionalista. A criatividade, portanto, deve ser expressa nas mais variadas formas,

materializando o ideal de desenvolvimento em uma perspectiva multidimensional.

Celso Furtado também salienta a importância do papel da criatividade e da

atuação política como um elemento importante para superar o subdesenvolvimento.

Para o autor, é através de processos políticos consistentes e comprometidos com

um novo ideal de progresso capaz de fomentar a “liberdade de criar” do ser humano,

que novas alternativas para o desenvolvimento podem ser estruturadas. Por fim,

vale também apontar o papel de destaque que Furtado estabelece para a inclusão

da população em processos participativos acerca das decisões públicas, reiterando

que sem a qual “o desenvolvimento não se alimentará de autêntica criatividade e

pouco contribuirá para a satisfação dos anseios legítimos da nação” (Furtado, op. cit

:36

11 Nesse ponto o pensamento de Furtado antecipa uma corrente que discute a idéia de desenvolvimento sob

37

A segunda referência sobre o conceito de desenvolvimento a ser analisada

refere-se à importante contribuição teórica de Amartya Sen, economista indiano que,

assim como Furtado, também tem em sua linha de pesquisa um objetivo de

extrapolar os limites das análises econômicas convencionais. O livro

Desenvolvimento como liberdade (SEN, 2000) é considerado uma das obras de

maior expressão de Sen, que em 1998 foi congratulado com o Prêmio Nobel de

Economia. As idéias deste livro também tiveram grande influência para a elaboração

do Índice de Desenvolvimento Humano (ONU), que hoje vêm sendo amplamente

difundido como indicador de desenvolvimento, apesar das críticas que já recebeu.

A obra de Sen é considerada por muitos como inovadora por adentrar em

uma perspectiva muito pouco explorada até então. Sen, para além de refutar, pura e

simplesmente a idéia de desenvolvimento como elevação das taxas de crescimento

econômico, propõem-nos uma teoria que entende desenvolvimento como um

processo contínuo de “ampliação das liberdades”.

Para o autor a ampliação e expansão das liberdades são os meios e os fins

do desenvolvimento, configurando, respectivamente, a dimensão constitutiva (ou

instrumental) e a dimensão substantiva. Sen apresenta-nos cinco categorias nas

quais classifica tais liberdades. São elas: liberdades políticas; facilidades

econômicas; oportunidades sociais; garantias de transparência; e segurança

protetora. Essas liberdades instrumentais têm o papel estrutural de possibilitar os

meios para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, são também o principal fim do

processo de desenvolvimento, uma vez que o pleno exercício de tais liberdades

configuram-se como um objetivo importante ao desenvolvimento. Para além disso, a

garantia ou a expansão de uma dessas liberdades contribui para o que o autor

denomina de complementaridade entre as liberdades, entendendo que a linha que

as divide é significativamente tênue, e por essa razão é necessário que se leve em

conta as interconexões existentes entre elas. Nas próprias palavras do autor “O

processo de desenvolvimento é fortemente influenciado por essas interconexões”

(SEN, 2000:71). Sen ressalta que da mesma maneira que a expansão das

liberdades políticas, por exemplo, podem implicar em um aumento progressivo das

oportunidades sociais, a supressão a uma determinada liberdade têm efeito

deletério também nas outras dimensões.

o ponto de vista ecológico/ambiental, a qual é bem apresentada na obra de José Eli da Veiga (2008).

38

Ainda no sentido de complementaridade entre as liberdades, Sen nos trás um

importante debate a respeito da relação entre a ampliação das oportunidades

sociais em relação ao aumento das facilidades econômicas. O autor enfatiza que,

embora elas tenham relações próximas, não é correto entender que o crescimento

econômico automaticamente implicará em um aumento das oportunidades sociais,

uma vez que essas são também influenciadas pela expansão das outras liberdades,

e também pelo próprio incentivo de ações que contribuam diretamente para a o

aumento de tais oportunidades. Sen baseia-se em dados empíricos para demonstrar

que a idéia de crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento é

infundada. O autor faz longas análises a respeito das condições socioeconômicas

de alguns países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia. No seu texto é

possível perceber que o crescimento econômico desses países não teve como

conseqüências inerentes a melhoria no quadro social. Sen, assim como Furtado,

reforça que fenômenos como a concentração de renda e o autoritarismo político são

elementos que impedem que a geração de riqueza seja destinada à elaboração de

alternativas para mitigar a pobreza, a fome, o déficit habitacional, e outras

características do subdesenvolvimento.

Outro ponto de suma importância na idéia de desenvolvimento como liberdade

refere-se à concepção de progresso orientada para o indivíduo como agente atuante

e delimitador do conceito e do próprio processo de desenvolvimento. Segundo

palavras do próprio autor, referindo-se à sua idéia de desenvolvimento como

liberdade:

“(o) processo de desenvolvimento centrado na liberdade é em grande

medida uma visão orientada para o agente. Com oportunidades sociais

adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar o seu próprio destino

e ajudar uns aos outros” (SEN, 2000:26)

Por fim, Amartya Sen entende que o desenvolvimento se dá a partir do trinfo

da sociedade perante as privações de liberdades que o cenário atual lhe impõe.

Mais que a eliminação dos entraves incrustados na própria noção de

desenvolvimento como crescimento econômico, é importante que avancemos numa

perspectiva que proporcione às populações no mundo um cenário de ampliação

efetiva das liberdades, em sentido multidimensional, contribuindo assim para as

inter-relações entre elas, e, de um modo geral, para os processos de

39

desenvolvimento sob um novo e complexo paradigma.

Assim como Amartya Sen e Celso Furtado, José Eli da Veiga também tem

como objeto principal de seus estudos um esforço em re-significar a idéia de

desenvolvimento. A proposta de Veiga (2008) consiste em uma profunda revisão

acerca do que vem sendo discutido sobre do tema do desenvolvimento, no intuito de

fortalecer o movimento de consolidação de um novo paradigma. Para isso, o autor

estabelece uma divisão entre três maneiras de como a idéia de desenvolvimento é

concebida.

A primeira tendência de interpretação refere-se especificamente às teorias

que compreendem desenvolvimento como expressão estrita de crescimento

econômico. O autor nos aponta que muitos trabalhos teóricos foram produzidos ao

longo desses anos com o intuito de subsidiar e dar significado, mesmo que

inconsistente, a esse modelo de desenvolvimento tradicional. Para Veiga, esse

modelo fracassa por inúmeros motivos, com algum destaque para a incapacidade

do mesmo em lidar com as limitações apresentadas pelo meio físico-natural. Ou

seja, para além de acarretar em outras tantas implicações e impedimentos

socioeconômicos (tais quais muito bem apontados por Furtado e Sen), o

desenvolvimento como crescimento econômico tem seus limites claros no que diz

respeito a sua sustentabilidade socioambiental. A segunda tendência de

pensamento sobre desenvolvimento diz respeito a uma vertente teórica

desacreditada, e que por essa razão passou a tratar do tema do desenvolvimento a

partir de uma ótica que considerava-o como utopia ou quimera, e que portanto não

poderia ser alcançado. Em adição aos que negavam as implicações do modelo

tradicional, essa vertente, ao invés de se aprofundar nos debates a partir de uma

perspectiva de resolução e descoberta de alternativas, fez a escolha de,

sumariamente, descartar tal debate, tendo como argumento essa noção de

“inviabilidade” de aplicação prática do desenvolvimento. Após termos discutido as

contribuições de Furtado e Sen, vemos que, obviamente, a questão do

desenvolvimento não é um tema simples, e que merece sim uma abordagem que dê

conta de compreendê-lo de maneira ampla. O fato é que a compreensão de tais

complexidades realmente não pode ser realizada partindo-se do paradigma

convencional. É exatamente essa proposta de Veiga quando enfatiza que é

necessário concentrar esforços na construção de um “caminho do meio”, a terceira

vertente, que não nega a complexidade e a dificuldade de tal empreitada (mantendo

40

inclusive um nível importante de utopismo com relação ao desenvolvimento) 12, mas

que ao mesmo tempo supera os modelos tradicionais comprovadamente

fracassados. A partir desse pressuposto, Veiga nos apresenta importantes

contribuições que visam este objetivo maior de repensar o conceito de

desenvolvimento. Como não poderia deixar de ser, o autor cita sistematicamente, e

faz longos relatos a respeito das obras de Furtado, Sachs e Sen, mostrando o

quanto os pensamentos desses autores contribuem para trilhar o que Veiga chamou

de “caminho do meio”.

Em adição às reflexões a respeito do conceito de desenvolvimento e sua

nova abordagem holística, Veiga trabalha em Desenvolvimento sustentável: o

desafio do século XIX (VEIGA, 2008), como o próprio título indica, com a idéia de

sustentabilidade. Da mesma maneira como o autor trata a questão e os debates

sobre desenvolvimento, o faz também com relação à idéia de sustentabilidade,

apresentando como no decorrer dos tempos tal conceito foi trabalhado por

diferentes perspectivas. O importante a se ressaltar aqui é que a partir da noção de

sustentabilidade como um processo de eqüidade intertemporal, garantindo às

gerações futuras condições adequadas de acesso às condições socioeconômicas e

aos bens naturais, tais como elas devem ser, e não transformadas por atividades

antrópicas que transformam o capital natural através de processos produtivos em

matérias com alto grau de entropia13, Veiga eleva o debate do conceito de

desenvolvimento para uma perspectiva ainda maior, buscando impor limites aos

reflexos do crescimento das sociedades, e inserindo a economia dentro de uma

perspectiva que a entenda como um subsistema dentro de um todo. Ou seja, a

economia passa a partir de então não mais a entender o meio ambiente como

apenas fornecedor de matéria-prima e como espaço de absorção dos recursos, e

começa a ganhar força a idéia de que as atividades econômicas devem estar

alinhadas e adequadas aos limites, tanto de absorção, quanto de provimento

estabelecidos pela natureza. Dessa forma, Veiga nos traz que a idéia de

crescimento econômico também é incipiente do ponto de vista ambiental,

contribuindo com a idéia de refutação do modelo tradicional apresentada pelos

12Uma interessante abordagem sobre o utopismo é feita por Boaventura S. Santos (2000) no livro A crítica à

razão indolente; capítulo “Não disparem sobre o utopista” 13 Sobre as idéias da chamada Economia Ecológica, ver Martinez Alier (2007) e Daly & Farley (2008)

41

outros autores acima.

Finalizando a apresentação dos teóricos do desenvolvimento, trago a seguir as

contribuições trazidas por Ignacy Sachs, talvez um dos mais importantes

pensadores da atualidade. Vale destacar também que Sachs é profundo conhecedor

do fenômeno do desenvolvimento em países pobres, tendo acumulado em seu

currículo experiências importantes em países como o Brasil, a Índia e no Leste

Europeu. Sachs, assim como os outros autores apresentados acima, faz parte de

uma linha heterodoxa do pensamento econômico que busca em outros campos do

conhecimento subsídios para a interpretação dos fenômenos da realidade. O autor é

responsável, nada mais nada menos, pela origem da idéia de desenvolvimento

sustentável, uma vez que desde meados da década de 1970, já vinha discutindo o

que denominava de “ecodesenvolvimento”, conceito o qual compõe a orientação

geral para todos os trabalhos posteriores que se propõem a discutir sustentabilidade

e desenvolvimento sustentável, inclusive sendo componente central do livro

“Desenvolvimento Sustentável: caminhos para o século XIX” de Veiga, o qual Sachs

escreve o prefácio14. Sachs sempre foi um defensor assíduo da incorporação da

interface e dos conhecimentos sobre a ecologia no cálculo do bem-estar das

sociedades, fortalecendo assim uma nova concepção da relação indivíduo-

sociedade-natureza, pautada pela conservação e pelo uso racional dos recursos

naturais.

A partir deste paradigma, o autor lança mão de uma concepção revolucionária

para se pensar o desenvolvimento, que se materializa em uma proposta

multidimensional condizente com a complexidade do próprio tema. A respeito desta

complexidade, Sachs nos aponta a necessidade de buscarmos insistentemente

novas formas de entender, pesquisar, e colocar em prática o desenvolvimento,

mostrando que o conceito por si só é “fugidio e em evolução” (SACHS, 2004:30).

Nesse sentido, Sachs buscará interpretar em sua obra o desenvolvimento a partir de

algumas dimensões, as quais ele denomina de cinco pilares do desenvolvimento

sustentável, a saber: social, ambiental, territorial, econômico e político. É importante

14 É válido destacar a intensa inter-relação entre os autores apresentados nessa sessão, que se materializa nos

prefácios das obras dos mesmos. Ao mesmo tempo em que Ignacy Sachs escreve o prefácio de Veiga (2008), em

seu livro “Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado” (SACHS, 2004) o autor recebe um texto de

Celso Furtado como seu prefácio.

42

destacar aqui a grande influência que esta construção teórica mantém na proposta

apresentada neste presente trabalho, onde o intuito de observação das tecnologias

sob um espectro holístico e complexo, guarda relações inegáveis com a proposta

multidimensional apresentada por Ignacy Sachs.

Outro elemento importante presente nas obras de Sachs, refere-se à

impossibilidade do “desenvolvimento imitativo”, com base na importação dos

padrões de crescimento econômico dos países do capitalismo avançado. Neste

ponto, Sachs se aproxima bastante de Celso Furtado quando afirma a necessidade

de inventividade endógena do desenvolvimento de países em desenvolvimento

como o Brasil, por exemplo. Nesse processo de estimulo à inventividade, Sachs

destaca o elemento do empoderamento e da participação dos indivíduos como

agentes transformadores da própria realidade, orientados a partir de valores e

razões de origem local15. Nas palavras do autor:

“A enorme diversidade das configurações socioeconômicas e

culturais, bem como das dotações de recursos que prevalecem em

diferentes micro e mesorregiões, excluem a aplicação generalizada de

estratégias uniformes de desenvolvimento. Para serem eficazes, estratégias

devem dar respostas aos problemas mais pungentes e às aspirações de

cada comunidade, superar os gargalos que obstruem a utilização de

recursos potenciais e ociosos e liberar as energias sociais e a imaginação.

Para tanto, deve-se garantir a participação de todos os atores envolvidos

(trabalhadores, empregadores, o Estado e a sociedade civil organizada) no

processo de desenvolvimento.” (SACHS, 2004:61)

Para Sachs, estratégias pensada a partir da idéia de vivir con lo nuestro, são

fundamentais para estruturar políticas públicas de desenvolvimento capazes de

conduzir os países do terceiro mundo a um processo evolutivo que “pule etapas”, e

não seja suscetível às armadilhas da idéia de desenvolvimento como sinônimo de

crescimento econômico, acumulação material e exploração intensiva da natureza.

Nesse sentido, Sachs nos aponta algumas estratégias que podem servir como pano

de fundo para esses países na busca pelo desenvolvimento, como por exemplo a

idéia de civilizações estruturadas no que o autor denomina de paradigma B ao cubo,

ou bio-bio-bio (biodiversidade, biomassa e biotecnologias). Para o autor é

necessário que façamos uso intenso de biotecnologias no trato com os recursos

15 Nesse ponto, Sachs se aproxima dos trabalhos de Amartya Sen (2000).

43

naturais, de modo a explorá-los racionalmente e sem comprometer as gerações

atuais e futuras (solidariedade sincrônica e diacrônica), estimulando assim o uso da

chamada biomassa como fonte de energia renovável, condizente com novos

padrões de conservação e uso consciente da biodiversidade (SACHS, 2002).

Apesar de trazer uma conotação de inovação em suas propostas, Sachs

sustenta que tais apontamentos relacionados à necessidade de se buscar

estratégias endógenas de desenvolvimento e progresso social não são tão

novidadeiros assim, uma vez que podem ser observados, por exemplo, na literatura

brasileira do pensamento econômico e social, como em Raízes do Brasil, de Sérgio

Buarque de Holanda:

“...a tentativa de implantação da cultura européia em extenso território,

dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua

tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e

mais rico em conseqüências... O certo é que todo o fruto de nosso trabalho

ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio

de outro clima e de outra paisagem...” (BUARQUE DE HOLANDA, 1996:31)

Para finalizar a apresentação da obra de Ignacy Sachs, é importante no âmbito

deste trabalho que seja demonstrada a afinidade do autor com a proposta das

Tecnologias Apropriadas, cuja idéia está presente em inúmeros textos do autor. De

todo modo, seleciono abaixo um trecho escrito por Cristovam Buarque para o

prefácio do livro Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado (SACHS,

2004), que simboliza bastante a proximidade de Ignacy Sachs ao debate sobre as

tecnologias:

“Sachs fez balançar estas crenças. Fez-nos ver os riscos do avanço

técnico e trouxe o conceito de tecnologia adaptada em resposta às

tecnologias inadaptadas. Desde os primeiros seminários de Sachs, perdi a

crença na positiva neutralidade do avanço técnico. Passei a ver com

desconfiança as conseqüências de seu uso e procurar encontrar formas de

subordinar o avanço técnico aos valores éticos e objetivos sociais.”

(BUARQUE, in SACHS, 2002:16)

6.6.6.6. Tecnologias Apropriadas: uma estratégia para o Des envolvimento Rural

Após termos apresentado as bases conceituais que estruturam a concepção

de desenvolvimento norteadora deste trabalho, e cuja orientação é elemento

fundamental para a elaboração, criação e utilização de Tecnologias Apropriadas, no

44

sentido amplo o qual é entendida aqui, podemos então nos aproximar ao contexto

específico dos ambientes rurais e a proeminente reflexão da importância da adoção

das Tecnologias Apropriadas para o desenvolvimento desses territórios. Para

Herrera (2010) em seu artigo denominado La generación de tecnologias em las

zonas rurales, fica evidente como tais tecnologias podem colaborar para um

processo de enfrentamento e resistência aos chamados “pacotes tecnológicos”.

Herrera enfatiza a relação existente entre a proposta de Tecnologias Apropriadas e

os ambientes rurais definindo três razões principais que reforçam a necessidade de

adoção de tais tecnologias. Nas palavras do próprio autor, podemos observar tais

argumentos:

“… a) Para la mayoría de países en desarrollo los problemas más urgentes

están en las áreas rurales. Además como ellas tienen más “especificidad

tecnológica” que las áreas urbanas ejercen, por lo menos en el principio,

más demanda potencial en tecnología apropiada;

b) Es mejorando principalmente la condición de las áreas rurales, y creando

en ellas las raíces de un nuevo estilo de desarrollo, que será posible

finalmente cerrar la brecha entre los llamados sectores “moderno” y

“tradicional” por la construcción de una nueva sociedad integrada.

c) Los principios básicos involucrados en la generación de tecnologías para

las áreas rurales también son válidos para la sociedad entera, aunque los

mecanismos para su aplicación pudieran ser algo diferentes;” (HERRERA,

2010:37)

É importante perceber que ao mesmo tempo em que Herrera enfatiza a

necessidade de se pensar as Tecnologias Apropriadas especificamente para os

contextos rurais, o autor também ressalta a importância de entendermos o meio

rural como um lócus onde emergem possibilidades de construção de um novo

paradigma de desenvolvimento, levando em conta os saberes e fazeres do

chamado conhecimento empírico ou tradicional, extremamente abundante na

sabedoria popular dos homens do campo. Para Herera, juntamente com a

valorização do conhecimento tradicional, a participação popular e o envolvimento

dos diversos atores sociais existentes no contexto rural, formam a dupla estratégia

para que novas alternativas tecnológicas sejam pensadas, respeitando as

características e as peculiaridades de cada território. É nesse sentido que o autor

valoriza o papel das Tecnologias Apropriadas como estratégias de desenvolvimento

no meio rural.

45

Para reforçar a importância da associação proposta entre Tecnologias

Apropriadas e o meio rural, podemos refletir um pouco mais a respeito dos impactos

negativos ocasionados pelas práticas agrícolas fundamentadas no modelo

tecnológico convencionais, uma vez que, conforme já apontado acima, a presente

proposta pretende refletir acerca do conceito de Tecnologias Apropriadas no campo,

estruturadas como uma alternativa consistente em oposição às opções tecnológicas

convencionais adotadas no meio rural.

Para Barbosa (2009) a idéia de modernização da agricultura, trazida como

bandeira da chamada Revolução Verde, teve apoio estratégico de importantes

órgãos governamentais e de renomadas instituições de pesquisa do setor agrícola,

além de ter grande respaldo de organizações internacionais como o Banco Mundial,

a ONU, por meio da FAO (Agência Nacional das Nações Unidas para a Agricultura e

Alimentação) entre outras instituições de renome, o que lhe garantiu grande alcance

e abrangência, principalmente nos países em desenvolvimento, onde o perfil

agrícola e a necessidade de apoio e financiamento estrangeiro para impulsionar a

atividade agropecuária apareciam como elementos de atração para esses pacotes

tecnológicos. Para entendermos melhor os impactos da Revolução Verde e sua

relação com a dimensão tecnológica, podemos observar as palavras de Weid (1997)

sobre o assunto:

“... com o marco da Revolução Verde, que implica o uso de insumos

industriais, variedades melhoradas e híbridas e a motomecanização, gerou-

se uma conseqüente especialização da produção em monoculturas,

homogeneizando as propriedades e regiões em função de produtos que

tiveram vantagens para reprodução no mercado e a perda dos vínculos com

as lógicas locais, voltadas para a reprodução das condições sociais e

ambientais que favorecem a sustentabilidade nos agroecossistemas.”

(WEID, 1997 apud BARBOSA, 2003:40)

Anteriormente tida como um conjunto de transformações necessárias para

alcançar-se o desenvolvimento na agricultura, a Revolução Verde é conhecida hoje

pela agressividade de seus impactos, e como um fenômeno social que orientado por

uma lógica capitalista de acumulação econômica, não foi capaz de observar a

complexidade existente nos territórios rurais. Os resultados negativos desta

proliferaram-se em múltiplas dimensões. A utilização irrestrita de agrotóxicos e

46

outros insumos químicos na produção agrícola é fator preocupante no que tange à

degradação dos recursos naturais no ambiente rural, como, por exemplo, a

contaminação dos corpos hídricos e a perda da qualidade dos solos. A mecanização

do trabalho no campo resultou em um processo incontrolável de êxodo rural, que,

sem uma política adequada de absorção nos centros urbanos, torna-se um

pesadelo para o planejamento territorial, formando enormes bolsões de pobreza no

entorno das grandes cidades, que, por sua vez, não possuem infra-estrutura física,

econômica e social para absorver tal contingente de desempregados. Soma-se a

isso um feroz processo de aculturação e de desmantelamento da organização sócio-

cultural estabelecida tradicionalmente no campo, onde o trabalho e os meios pelos

quais este era desenvolvido mantinham significados para além da ordem produtiva,

e que sua substituição irreflexiva por instrumentos modernos e de alta tecnologia

não pode preservar. Trata-se de uma interface cultural que, de um modo geral, é

muito valiosa nos ambientes rurais e que sustenta elementos de extrema

importância na organização e reprodução social desses territórios.

O que também é importante apontar é o fato de que o progresso técnico na

agricultura encara alguns elementos cruciais para o seu desenrolar, referente a

fatores limitantes tanto de ordem natural e biológica, como também com relação às

deficiências da estrutura capitalista em adaptar-se às especificidades existentes na

atividade agrícola, ou seja, “no processo de produção agrícola sempre intervêm

forças naturais que o condicionam e até mesmo o determinam” (GRAZIANO DA

SILVA, 2003:28). Desse modo, o progresso técnico no meio rural, e especialmente

na produção agrícola deve seguir um ritmo compassado aos processos naturais, e,

ao contrário do que propõe a Revolução Verde, não pode ser sempre artificializado e

controlado pela introdução de instrumentos tecnológicos, que, por mais que

otimizem a produção, têm um resultado marginal decrescente em relação ao

aumento de sua utilização. Ainda com referência aos dizeres de José Graziano da

Silva, podemos extrair uma passagem de seu texto que ilustra essa importante

consideração acerca dos caminhos complexos e tortuosos do desenvolvimento

tecnológico no meio rural, em um perspectiva que relaciona-o às funções do capital:

“... o que dificulta o progresso técnico na agricultura é o próprio capital. ... Ao

que tudo indica, a resposta (aos problemas do progresso técnico na

agricultura) tem de ser buscada não nas barreiras naturais que se antepõem

ao capital, mas nos próprios limites que esse modo de produção coloca para

47

si mesmo no seu desenvolvimento na agricultura. Não parece possível, no

sistema capitalista, atingir um grau de desenvolvimento das forças

produtivas no campo que se equipare ao da indústria.” (GRAZIANO DA

SILVA, 2003:47)

Entretanto, para além de discutirmos as características, os impactos e as

implicações da Revolução Verde no que diz respeito à Ciência e Tecnologia,

necessitamos também observá-la sob uma perspectiva organizacional, entendendo

como e por quais razões ela teve tão grande abrangência nos contextos rurais.

Nesse sentido, é interessante apontar que as ações de assistência técnica e de

extensão rural configuraram o principal meio pelo qual tal fenômeno se reproduziu,

tendo as décadas de 50 e 60 como marco inicial de atuação.

O esforço em discutir o tema da extensão rural no presente contexto, mesmo

que brevemente, diz respeito ao papel que a mesma teve com relação à difusão dos

pacotes tecnológicos, e portanto na perpetuação de um modelo padronizado de

produção e difusão de conhecimento e tecnologia para o meio rural. Tal modelo,

pensado e estruturado com pouca aderência aos contextos socioambientais e

culturais onde se inseriram, mas desenhados a partir dos interesses de grandes

corporações internacionais e com o apoio maciço de instituições políticas de grande

porte, teve como missão primordial difundir um modelo específico de tecnologia nos

ambientes rurais, principalmente, nos países em desenvolvimento, onde a produção

agrícola carecia à época de apoio técnico. Entretanto, o caráter da extensão rural

implantado estabeleceu-se de maneira unidirecional, desconsiderando qualquer

outra forma de conhecimento que divergia ao padrão de pesquisa dos centros

acadêmicos e tecnológicos, fortalecendo ainda mais a perversa dicotomia entre o

saber técnico e os saberes tradicionais, ou nas palavras de Herrera (2010), do

conhecimento convencional ao conhecimento empírico-tradicional. Para Barbosa

(2003) os métodos de intervenção da extensão rural oficial eram dirigistas e

enquadradores, condicionando o crédito e o acesso a qualquer auxílio técnico ao

uso dos pacotes tecnológicos. Dessa forma, a extensão rural configurou-se como o

principal aliado da Revolução Verde, ajudando a proliferá-la amplamente nos

contextos rurais e instaurando, àquele tempo, uma, e somente uma possibilidade de

assistência técnica aos agricultores.

Entretanto, a extensão rural, nos moldes como se estruturou no início da

48

década de 50 e 60, teve sua crise construída pari passo aos problemas advindos da

utilização das práticas e tecnológicas propagadas pela Revolução Verde. Ou seja,

foi vítima dos problemas sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais

impulsionados por ela própria.

Esta crise se refletiu inclusive em âmbito institucional com a extinção no início

dos anos 90 da Embrater (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão

Rural), e com os problemas de gestão e concepção técnica enfrentados pelas

unidades estaduais, as chamadas Ematers. Com tais eventos, a extensão rural

enfrentou um vazio institucional até o ano de 2003, quando o governo federal

retomou essa agenda pública e inicia a elaboração de novas políticas públicas para

a área, com destaque especial para a Pnater (Política Nacional de Assistência

Técnica e Extensão Rural). Podemos ver no trecho extraído abaixo como essa

política foi concebida a partir de uma perspectiva que buscou enfrentar os

empecilhos conceituais do modelo de extensão rural anterior:

“Mais recentemente, em função da valorização da agricultura familiar pelo

Governo Federal, a extensão rural foi induzida a se reestruturar e a atuar de

forma mais participativa, alterando o perfil de transferência de tecnologias e

conhecimentos – difusionismo, para uma ação que se utiliza de

metodologias participativas e centradas na troca de conhecimentos entre os

técnicos e agricultores”. (THEODORO et al, 2003:21)

Em face ao caráter de emergência provocado por esses fenômenos, faz-se

urgente o exercício de se repensar a adoção de modelos tecnológicos inapropriados

para as reais necessidades existentes nos contextos rurais. Para além do objetivo

mercantilista de elevar as taxas de produtividade dos gêneros agrícolas e possibilitar

a exportação em larga escala dos mesmos, a qual era o principal pretexto para

adoção dos adventos tecnológicos da Revolução Verde e da extensão rural

convencional, vemos que as tecnologias devem se mostrar eficientes em múltiplos

sentidos, possibilitando avanços e contribuindo para processos de desenvolvimento

que se façam positivos não somente com relação ao crescimento econômico mas,

necessariamente, para todos os aspectos da vida nos ambientes rurais, valorizando

portanto a cultura e os elementos socioambientais, estabelecendo uma ordem

política com afinco às relações democráticas que fomentem a participação,

utilizando o fator trabalho de acordo com a necessidade e a capacidade e as

característica de cada território, e de um modo geral, possibilitando a indução de

49

processos de desenvolvimento que façam com que o meio rural seja fortalecido

como um todo.

Nesse sentido, o referencial teórico das Tecnologias Apropriadas apresentado

aqui neste trabalho, aparece como uma opção interessante uma vez que coaduna

com a perspectiva multidimensional e complexa do conceito de desenvolvimento.

Em contextos rurais são inúmeras as experiências de Tecnologias Apropriadas que

vem se multiplicando em âmbito nacional, haja vista os vários casos de iniciativas

para meio rural que aparecem nas principais listagens de tecnologias alternativas,

como o catálogo da RTS16, por exemplo. Dentre elas, podemos destacar as

experiências voltadas para a agricultura alternativa, como a agroecologia, a

agricultura biodinâmica, a permacultura, entre outras, que, pensadas como

estratégias de oposição aos preceitos da Revolução Verde, colecionam resultados

positivos desenvolvendo uma agricultura com bons índices de produtividade, e

capaz de evoluir em harmonia com as características ambientais, culturais e sociais

dos territórios onde se inserem. Valem-se também de metodologias desenvolvidas

com o intuito de valorizar o acúmulo sedimentado no conhecimento tradicional do

homem do campo, em resposta ao esquecimento da Revolução Verde com relação

a essa rica fonte de saberes e fazeres. Nas palavras de Miguel Altieri, importante

referência conceitual acerca da agroecologia, podemos ver essa latente

preocupação:

“Os agroecologistas, ao contrário, enfatizam que, para o

desenvolvimento ser realmente de baixo para cima, deve começar com

aqueles pequenos agricultores da parte inferior do gradiente. Assim, a

abordagem agroecológica provou ser culturalmente compatível, na medida

em que se constrói com base no conhecimento agrícola tradicional,

combinando-o com elementos da moderna ciência agrícola” (ALTIERI, 2001

apud DE BIASE & DONATO, 2010:27)

Valorizando os saberes tradicionais e as práticas culturalmente instaladas nos

territórios rurais, as Tecnologias Apropriadas buscam uma adaptação e uma mescla

entre os instrumentos convencionais e os instrumentos tradicionais, ou nas palavras

de Sevilla Guzmán (2000 apud DE BIASE & DONATO, 2010) fomentam o

intercâmbio simétrico de conhecimentos, possibilitando arranjos adequados e

16 Ver o site: www.rts.org.br

50

benéficos para o desenvolvimento rural.

Por fim, também é importante sinalizar outro fator relevante acerca das

Tecnologias Apropriadas nos territórios rurais, referente à potencialidade e

diversidade de benefícios trazidos por essas experiências. O portfólio de iniciativas

que temos hoje no cenário nacional, configuram um rico mosaico que conta com

uma série de casos de sucesso, sejam eles voltados para a otimização e adequação

da prática agrícola, como o caso dos projetos de agricultura alternativa, sejam

direcionados para a realização de outras tantas atividades desenvolvidas no meio

rural e que não estão necessariamente atreladas à agricultura, mas que garantem a

manutenção da qualidade de vida nesses territórios, como, por exemplo, o

artesanato, o turismo rural e a preservação dos recursos naturais, representando

assim a pluriatividade e a multifuncionalidade dos contextos rurais (SCHNEIDER,

2003).

7.7.7.7. Uma nova proposta de análise multidimensional: um salto no escuro?

A chave da proposta deste trabalho está justamente no entendimento das

opções tecnológicas a partir do olhar específico para os territórios rurais e da égide

ampla pensada pelos autores apresentados acima, e que, por essa razão, extrapola

o entendimento das tecnologias como meros instrumentos de aplicação e

materialização do conhecimento científico ou como ferramentas para a utopia do

crescimento econômico. Mais que isso, entende-se aqui que as tecnologias, e em

especial as Tecnologias Apropriadas, são fatores fundamentais e que determinam as

diretrizes das políticas de desenvolvimento em variadas dimensões. Em

“Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado”, Ignacy Sachs (2004) nos

traz uma importante visão sobre o papel das Tecnologias Apropriadas. Para o

renomado autor, as Tecnologias Apropriadas aparecem como um dos elementos

potenciais de indução do desenvolvimento em países periféricos, entre outros

motivos, por possibilitarem que os recursos abundantes nesses contextos sejam

explorados de maneira sustentável (dimensão econômica e ambiental). Já em

consonância com a obra de Amartya Sen (2000), vemos que a opção das

Tecnologias Apropriadas, por subverterem a lógica de dominação instaurada no

âmbito do desenvolvimento tecnológico nos moldes convencionais, aparecem como

verdadeiros catalisadores de um processo contínuo de ampliação de liberdades

51

individuais e da sociedade como um todo (dimensão política, social e cultural). Por

fim, Herrera (2010) aponta para uma necessidade substancial de qualquer

movimento articulado com as Tecnologias Apropriadas estar ancorado em um ideal

de desenvolvimento, fazendo com que a “apropriação” das tecnologias ocorra no

sentido de corroborar com um novo paradigma (Garcia, 1987), em oposição aos

modelos de desenvolvimento como crescimento econômico, e que fazem amplo uso

das tecnologias convencionais. Nas palavras do autor:

“En los países en desarrollo sin embargo está construyéndose un

nuevo concepto de desarrollo que puede constituir el marco de referencia de

la nueva tecnología. Su elemento substantivo es que centra em los seres

humanos concretos: El bienestar de los indivíduos no será un producto

colateral del crecimiento económico indiscriminado, sino un objectivo

específico cuyo logro condicionará toda la organización social y económica

del país” (HERRERA, 2010:28)

A partir dessa correlação teórica e metodológica a respeito da proposta

multidimensional advinda dos trabalhos de Furtado, Sachs, Sen e Veiga, buscou-se

estruturar esses diferentes aspectos e nuances em seis grandes dimensões que,

em especial nos territórios rurais, se fazem mais latentes, e em linhas gerais, são

indicações freqüentes nas análises dos referidos autores: ambiental, cultural,

econômica, política, social e sociotécnica. Ressalta-se, entretanto, que a última

dimensão citada vem em adição à contribuição desses autores. Trata-se de uma

perspectiva relacionada à teoria organizacional, mais especificamente a escola

sociotécnica (SPINK, 2003) que contribui para a ampliação do leque de

entendimento das tecnologias, conduzindo a observação para os aspectos

concernentes à organização nas sociedades, e aos processos adaptativos

concernentes às tecnologias. Tal abordagem não é novidadeira no âmbito do debate

tecnológico, uma vez que Dagnino et al. (2004) nos trazem uma importante análise

a esse respeito em seus trabalhos.

É importante também assinalar que as linhas de divisão entre cada uma das

dimensões propostas não são, per se, situações claras e definidas de onde se

encerra uma análise e inicia-se outra. Pelo próprio caráter complexo e difuso das

tecnologias, seria impossível desenhar estruturas analíticas que não mantivessem

correspondência umas com as outras. Assim, as dimensões propostas no escopo

deste trabalho detêm uma característica intrínseca de sobreposição e

52

complementaridade entre si, de modo que, por exemplo, a dimensão sociotécnica

guarda relações muito próximas com as dimensões cultural e social, e vice-versa.

Além disso, as subdivisões entre os níveis de performance na análise interna de

cada uma das dimensões não podem também ser consideradas como

completamente estruturadas. Esse fato evidencia talvez a principal característica

dessa proposta de dimensões. Este trabalho não almeja propor categorias pré-

definidas e unânimes, capazes de enquadrar estaticamente diferentes experiências

rurais ou tecnologias para o meio rural em diferentes níveis fixados. O que se

pretende aqui é propor uma espécie de orientação de diretrizes que, embora não

aponte definitivamente o grau de apropriabilidade de uma tecnologia, apresenta-se

como orientador para a identificação e análise. A proposta de dimensões, portanto,

não tem a intenção de esgotar o debate e classificar as tecnologias de maneira

autoritária. Pelo contrário. Trata-se de uma proposição que ganhará cada vez mais

razão de ser a partir do momento em que for re-significada em momentos

posteriores, seja para a adequação a um determinado contexto, seja para a análise

de alguma tecnologia específica, ou por outras razões pertinentes.

Em adição às ressalvas apresentadas acima, cabe apontar que, embora não

tenha a intenção de “construir uma única realidade” através do indicador, a

elaboração do mesmo foi estruturada a partir da escolha de determinados aspectos

dos espaços rurais que foram selecionados para a análise de cada um das

dimensões, e que, por sua vez, emolduram uma determinada “realidade ideal”,

construída a partir de escolhas realizadas ex-ante. Por outro lado, essa realidade é

hipotética e aparece como um “tipo ideal”, em um enfoque sociológico weberiano, e

que pode ou não materializar-se na observação empírica.

A respeito do procedimento de escolha dos critérios para a análise de cada

dimensão, duas considerações devem ser feitas. A primeira diz respeito ao ideal

norteador apresentado pelos teóricos do desenvolvimento e pelas teorias das

questões rurais, que tiveram papel contundente na determinação e na seleção dos

critérios para a qualificação das dimensões. A segunda consideração refere-se ao

viés pessoal e a minha afinidade com alguns elementos específicos no escopo da

análise das dimensões que também contribuíram para a seleção de outros critérios

que não necessariamente estão presente na descrição dos trabalhos apresentados.

Pelo caráter “audacioso” que permeia esta tentativa metodológica de

classificação de conceitos tão complexos em critérios normativos (standartização),

53

somado ao alto grau de incerteza proveniente do modelo flexível e colaborativo,

classifico a proposta deste trabalho como um “salto no escuro”, que pode apontar

tanto para um avanço metodológico consistente, como também para uma situação

de não aderência e inadequação da proposta.

Feitas essas importantes considerações, serão apresentadas a seguir as

dimensões e um breve debate sobre cada uma delas, bem como os cinco níveis de

performance que formarão os patamares estruturais para a construção do

instrumento metodológico de identificação e avaliação de Tecnologias Apropriadas

para os territórios rurais.

7.1. A dimensão ambiental

O estudo a respeito do uso de Tecnologias Apropriadas deve levar em conta a

dimensão ambiental, uma vez que não podemos deixar de lado o importante papel

que a produção tecnológica exerce no que diz respeito as suas interferências no

ambiente rural, seja em escala local ou global. Os avanços no debate internacional

sobre desenvolvimento sustentável, podem nos guiar quanto ao entendimento e a

ampliação do nosso olhar frente à temática ambiental (SACHS, 2002; VEIGA, 2008),

ressaltando a relevância dessa interface. Porém, uma das contribuições mais

importantes que esses autores nos trazem, diz respeito à noção de que a dimensão

ambiental não pode ser entendida de maneira solitária, uma vez que,

necessariamente, faz menção e ganha significado no seu relacionamento com as

outras dimensões. É necessário que se faça um esforço constante para entender as

questões ambientais a partir de uma perspectiva ampla, fugindo do reducionismo

restrito a uma lógica dual entre causa e efeito, buscando a matricialidade entre as

dimensões, do mesmo modo como são propostas as dimensões (e suas respectivas

intersecções) neste trabalho.

Dessa maneira as Tecnologias Apropriadas devem fazer referência às

características e situações ambientais dos espaços rurais onde são desenvolvidas

e/ou aplicadas. Assim, presume-se que uma tecnologia que seja realmente

apropriada, tenha seus impactos controlados e calculados com relação ao meio

ambiente onde se insere, prezando pela conservação dos recursos naturais.

Entretanto, para além da idéia de conservação ambiental, as Tecnologias

Apropriadas também podem desempenhar um papel multifuncional, proporcionando

uma série de externalidades interessantes, especialmente nas dimensões social,

54

econômica e ambiental. Essa idéia é aqui tratada sob a mesma ótica que Sérgio

Schneider (2003) entende a multifuncionalidade da agricultura, ressaltando, para

além do caráter essencialmente agrícola, as outras inúmeras funções que a

agricultura pode desempenhar. Da mesma forma, é possível entender que as

Tecnologias Apropriadas também são ambientalmente multifuncionais, no sentido

que, para além do seu papel estritamente técnico, também podem proporcionar

benefícios outros para a sociedade em questão, e, especialmente no caso que

tratamos aqui, para a dimensão ambiental. No âmbito dessas benesses

relacionadas ao meio ambiente, o desenvolvimento e o uso adequado das

Tecnologias Apropriadas é extremamente importante, por exemplo, no que diz

respeito à contenção de práticas antrópicas degradantes e que consomem de modo

descontrolado os recursos naturais.

Em outro foco, mas ainda sob a ótica da dimensão ambiental, as Tecnologias

Apropriadas aparecem também como interessantes instrumentos pedagógicos,

capazes de orientar processos educativos para a produção rural sustentável com o

intuito de ampliar o entendimento a respeito da necessidade de se manter relações

mais saudáveis entre o homem e a natureza. O que colabora para esse caráter

didático-pedagógico é o fato de que as Tecnologias Apropriadas, como a

agroecologia, por exemplo, possibilitam um retorno visivelmente interessante em

termos de redução dos impactos ambientais. Quando comparados os cenários de

uso tecnologias convencionais e de Tecnologias Apropriadas, a diferença é

significativa em favor das ultimas, o que lhes confere um alto grau de credibilidade,

que por sua vez, é fator condicionante para o sucesso dos processos pedagógicos

de Educação Ambiental.

Em suma, as Tecnologias Apropriadas têm a capacidade de proporcionar uma

série de impactos positivos que, direta ou indiretamente, são muito importantes para

a preservação e para a recuperação do meio ambiente como um todo, o que nos

leva a crer que a dimensão ambiental é uma importante faceta quando nos

propomos a realizar uma análise a respeito dessas tecnologias.

Visto isso, os cinco níveis de performance relacionados à dimensão ambiental

são:

Tabela 1 – Parâmetros para a dimensão ambiental

55

DIMENSÃO AMBIENTAL

Nível 5

• Tecnologias que proporcionam benefícios à conservação dos recursos naturais,

bem como a gestão adequada dos resíduos impactantes ao meio ambiente produzidos na

atividade agrícola;

• Implantação de processos de Educação Ambiental a partir dos instrumentos

utilizados nos espaços rurais;

Nível 4

• Tecnologias que proporcionam conservação dos recursos naturais, porém sem

realização de controle e gestão dos resíduos impactantes ao meio ambiente produzidos

na atividade agrícola;

• Implantação de processos de Educação Ambiental a partir dos instrumentos

empregados;

Nível 3

• Tecnologias que proporcionam a gestão adequada dos resíduos impactantes ao

meio ambiente produzidos com relação ao seu uso, porém que não conserva os recursos

naturais;

• Reconhecimento dos problemas ambientais, mas inação com relação aos

mesmos;

Nível 2

• Tecnologias que acarretam impactos agressivos ao meio ambiente relacionados

ao uso de instrumentos tecnológicos, sem que exista conservação dos recursos naturais

e gestão adequada dos resíduos produzidos na atividade tecnológica;

• Ausência de atividades de Educação Ambiental com relação aos instrumentos

tecnológicos empregados;

Nível 1

• Tecnologias que acarretam em progressiva intensificação dos impactos

agressivos ao meio ambiente relacionados ao uso de instrumentos tecnológicos, sem que

exista conservação dos recursos naturais e gestão adequada dos resíduos produzidos na

atividade tecnológica;

• Ignorância a respeito dos impactos ambientais;

7.2. A dimensão cultural

Assim como as questões apontadas na descrição referente à dimensão

ambiental, quando pensamos nos aspectos culturais que influenciam o uso e o

desenvolvimento das Tecnologias Apropriadas nos territórios rurais, temos que levar

em conta o quanto essas características são relevantes no entendimento desses

instrumentos. Na esfera cultural, assim como será feito na descrição da dimensão

sociotécnica, também relativizaremos a idéia da apropriabilidade. Nesse caso, cabe

a reflexão do quanto os aspectos e as tradições culturais das sociedades rurais são

fatores decisivos no âmbito de uma tecnologia. Nos dias atuais, parece ser uma

missão impossível tentar desvendar as raízes culturais das maiorias das tecnologias

56

de caráter convencional utilizadas na produção agrícola. Ou melhor, talvez não seja

tão difícil assim, uma vez que sabemos que a raiz cultural das tecnologias

convencionais tangencia de perto os ideais da Revolução Verde apresentada acima,

e em adição aos preceitos da globalização, do capitalismo, da exploração, do

enriquecimento das elites, da concentração de renda, e por ai vai. De todo modo, o

que se propõe aqui é a discussão do pressuposto que as Tecnologias Apropriadas

devem carregar consigo um conjunto específico de características culturais, que lhes

dêem razão de existência e significação em um determinado território, ou em uma

determinada sociedade. É nessa sociedade onde a Tecnologia Apropriada alcança o

seu maior grau de apropriabilidade, obviamente tratando especificamente da

dimensão cultural.

Entretanto, cabe fazer uma ressalva a um ponto importante que Castor (2003)

e outros tantos autores denominaram de replicabilidade. Para esses autores, as

Tecnologias Apropriadas devem manter um perfil que lhe permita a sua transposição

para diversos outros contextos e sociedades. Podemos fazer um paralelo dessa

discussão com as outras dimensões de análise. Do ponto de vista político, esse

intercâmbio é extremamente interessante, uma vez que propaga a idéia (ou a

técnica) para grandes escalas, fazendo com que o movimento social e político que

capitaneia tal inovação se fortaleça. Do ponto de vista econômico, também é um

excelente negócio, uma vez que a difusão de tal tecnologia pode ser um catalisador

para o desenvolvimento econômico dos locais de sua aplicação, inclusive podendo

implicar em aumento nas rendas das famílias. Por outro lado, quando pensamos

sobre duas outras óticas, vemos que na realidade, o propósito de replicabilidade

pode contrastar gravemente com a idéia da apropriabilidade.

O primeiro ponto a respeito disserta sobre a inconsistência e a situação

paradoxal causada pelo princípio da replicabilidade. Ora, se um dos principais

intuitos do movimento das Tecnologias Apropriadas é romper com a lógica de

exportação tecnológica instaurada no âmbito das tecnologias convencionais, cujo

exemplo clássico é o pacotes tecnológicos da Revolução Verde, já discutidos acima,

porque é que se pensa em massificar e se difundir amplamente uma solução ou

uma única alternativa? Por mais que determinada idéia ou técnica tenham

características facilmente transponíveis, o simples fato de elas serem importadas de

outro contexto sinaliza uma barreira ao incentivo e ao desenvolvimento de

alternativas em âmbito local, o que, em termos de afirmação sócio-cultural, é de

57

extrema valia para o desenvolvimento endógeno dos territórios rurais. De um modo

geral, parece-nos que o princípio da replicabilidade é o alvo central das críticas

feitas ao enfoque de Schumacher, como demonstrado no item 3.2

Outra consideração, voltando-se especificamente à discussão acerca da

dimensão cultural, refere-se à necessidade de representatividade cultural das

tecnologias apropriadas. Em outras palavras, as tecnologias só obterão seu maior

grau de apropriabilidade à medida que sejam aplicadas no âmbito em que foram

desenvolvidas. No contexto em que foram cunhadas, elas exercem um papel

específico, para além da sua execução prática e técnica, mantendo uma série de

relações subjetivas que lhes dão significado de existência. Há existência de algumas

técnicas é tão importante culturalmente que podem acabar sendo decisivas no que

diz respeito a toda a organização de uma sociedade.

Por outro lado, simplesmente negar a idéia de replicabilidade das Tecnologias

Apropriadas também pode ser um erro estrutural. Sabemos que muitas técnicas,

instrumentos ou métodos organizacionais podem ser muito bem recebidos em

contextos diferentes dos quais foram desenvolvidos, e não por esse motivo

configuram-se como elementos que prejudicam a formação e a tradição cultural da

sociedade receptora. O fator que problematizo aqui, diz respeito justamente à

variabilidade entre a recepção de tecnologias, onde podemos encontrar, de um lado,

casos onde a importação tecnológica não é reflexiva (HERRERA, 1973) e

apresentam-se como prejudicial à cultura local, e, de outro lado, casos onde a

recepção de tecnologias externas se adéquam perfeitamente aos hábitos e

tradições culturais da sociedade em questão, inclusive passando por adaptações

mútuas, como será explicado na descrição da dimensão sociotécnica.

Vemos então, que quando se pretende analisar o uso de Tecnologias

Apropriadas, necessariamente deve-se estudar e entender as facetas culturais que

estão por detrás do desenvolvimento e do uso desses instrumentos, o que, como

vimos, os torna muito mais do que meros instrumentos e técnicas. A partir do debate

proposto, elencamos os cinco níveis de performance referentes à dimensão cultural:

Tabela 2 – Parâmetros para a dimensão cultural

DIMENSÃO CULTURAL

Nível 5 • Tecnologia desenvolvida em contexto local, capaz de preservar e fomentar o

desenvolvimento cultural da sociedade onde está inserida;

58

Nível 4 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo, capaz de preservar e fomentar o

desenvolvimento cultural da sociedade onde está inserida;

Nível 3 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo, que não preserva ou fomenta a

cultura, mas também que não causa impactos negativos à cultura local;

Nível 2 • Tecnologia desenvolvida em contexto local, mas que acarreta conseqüências

negativas para a cultura local;

Nível 1 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo e que acarreta conseqüências

negativas para a cultura local;

7.3. A dimensão econômica

Discutiremos a seguir o papel fundamental que o fator econômico representa

na consolidação de experiências estruturadas no uso de Tecnologias Apropriadas

para o meio rural. Resgata-se aqui o caráter emancipatório que, embora também

possam ser discutidos com relação aos seus nuances políticos, representam

também um incremento significativo no que tange à dimensão econômica.

De uma maneira geral, a produção de Tecnologias Apropriadas configura-se

como uma alternativa ao mercado das tecnologias convencionais, subvertendo a

lógica imposta e figurando como verdadeira opção de contenção de gastos. Sabe-se

que o mercado tecnológico está vinculado a uma cadeia de dependência que

submete os seus usuários a um sistema de pagamento, não só da tecnologia ou do

instrumento em si, mas de todos os bens e serviços secundários que circundam o

uso delas. Ao final da somatória, observa-se que os gastos reais superam muito a

simples compra de um determinado instrumento, devendo levar em conta os gastos

indiretos com manutenção, insumo, recuperação física do meio, etc.

Por outro lado, uma vez que as Tecnologias Apropriadas não estão imbuídas

dessa cadeia de dependência econômica que opera a serviço de um ideal de

exploração financeira, elas não oneram os seus usuários indiretamente e de forma

intencional. Os custos para a implantação de uma Tecnologia Apropriada podem

inclusive ser revertidos em benefícios econômicos para quem dela faz uso, uma vez

que elas são capazes de gerar produtos e externalidades positivas no contexto em

que estão inseridas, configurando um sistema de ganhos de escopo. É o caso, por

exemplo, das caixas de compostagem. A compostagem é uma prática muito antiga

que consiste em uma técnica muito simples e eficaz de destinação e controle

adequado da decomposição de materiais orgânicos, utilizada tradicionalmente nas

propriedades rurais. Na maioria das vezes, para a montagem da caixa é necessário

59

apenas um estreito espaço de terra, algumas tábuas de madeira, e palha seca, ou

seja, todos os materiais que qualquer pequeno produtor rural obtêm sem grandes

esforços em sua propriedade, e que por isso não demanda gastos externos. Por fim,

a compostagem proporciona como resultado final uma dupla contribuição

econômica aos seus usuários. Primeiro, a compostagem evita o gasto com a

destinação convencional desses resíduos, seja na forma de lixo, seja despejando

em rios, lagos, etc. Dessa forma, a economia financeira acontece também em longo

prazo, pois se sabe que a destinação inadequada de materiais orgânicos gera

custos futuros de reparo e restauração do ambiente degradado. O segundo

resultado positivo diz respeito à produção de um excelente adubo orgânico, a partir

da decomposição e da transformação dos materiais orgânicos na compostagem.

Esse adubo orgânico possibilita, por sua vez, uma redução de inúmeros insumos da

prática agrícola convencional, uma vez que não só substitui a adubação química

adquirida a altos preços no mercado, como também acaba por evitar o uso de

outros tantos produtos químicos industrializados de combate a pragas e outros tipos

de doenças, já que a adubação e o cultivo a partir dos princípios orgânicos evita que

as culturas agrícolas adoeçam com facilidade (EHLERS, 1999). Vê-se que,

diretamente ou indiretamente, o fator econômico é uma dimensão que deve sempre

estar presente quando observamos o desempenho das Tecnologias Apropriadas,

tendo visto a capacidade dessas em reduzir custos e gastos excessivos, atrelados a

um esquema de cadeia de dependência instaurado na adoção de tecnologias

convencionais.

Para além dos ganhos de escopo e da redução da dependência econômica, é

importante discutir também no âmbito da dimensão econômica a interface do

trabalho. Esse é um tema que já foi amplamente abordado nos debates acerca das

opções tecnológicas e das teorias de desenvolvimento. Ignacy Sachs (2004) por

exemplo, faz algumas importantes considerações a esse respeito. Em seus

trabalhos, o autor nos mostra o quanto à adoção de tecnologias convencionais

poupadoras do fator trabalho humano e que se estruturam com bases na

mecanização/informatização dos processos, podem ser perversa em contextos onde

a mão-de-obra é barata e abundante. Nesse cenário, a adoção de tais tecnologias

contribuem para a exclusão e para o agravamento das condições socioeconômicas,

aumentando os índices de desemprego. Desse modo, Sachs faz menção a

alternativas econômicas que se estabeleçam a partir de Tecnologias Apropriadas

60

que valorizem os modos de produção “trabalho-intensivo”, adequados aos contextos

socioeconômicos das regiões e países subdesenvolvidos, por exemplo.

Por outro lado, negar a importância da mecanização como um fator

importante e que contribui para o desenvolvimento rural é um deslize pouco

inteligente. De fato, não há como negar os substanciais ganhos de produtividade

que a modernização tecnológica acarretou nos mais diversos contextos e atividades

rurais. Este trabalho não pretende negar esse fenômeno, pura e simplesmente. O

que se pretende aqui é refletir criticamente e ponderar em até que ponto a extrema

mecanização dos processos produtivos é adequada para o desenvolvimento da

sociedade como um todo. Seguindo o ditado popular “nem tanto ao céu, nem tanto a

terra”, o objetivo aqui é perseguir as situações mais adequadas entre a adoção de

instrumentos mecanizados, poupadores de trabalho, e a adoção de instrumentos

não-mecanizados que necessitam de trabalho intensivo. Perceba que nem uma,

nem outra situação são tidas como adequadas, sendo portanto necessário uma

adequação entre ambas para que assim possa se aproximar de um cenário

“apropriado”. Herrera (2010), refletindo sobre o movimento de Gandhi na Índia, nos

trás uma passagem que exemplifica bastante tal colocação:

“La insistencia de Gandhi en la protección de destrezas de los

poblados no significaba una conservación estática de la tecnología

tradicional. Al contrario, implicaba la actualización de las técnicas locales, la

adaptación de tecnología moderna a las condiciones y ambiente de la India y

el estímulo de la investigación científica y tecnológica para identificar y

resolver problemas pertinentes inmediatos” (HERRERA, 2010:24)

Me permito a uma pequena ilustração do debate feito acima. Analisemos,

sumariamente, o caso das plantações de cana-de-açúcar. Tradicionalmente, esse

cultivo é realizado no Brasil com bases na produção em grande escala, em grandes

propriedades e a partir do trabalho humano. A colheita da cana, apesar do imenso

volume de produto recolhido, é feito quase que essencialmente pelo trabalho

contratado dos chamados bóias-frias, que, na maioria das vezes, são submetidos a

condições de trabalho extremamente precárias e até mesmo desumanas. Apesar

dos suntuosos debates contra a adoção de maquinários agrícolas na colheita da

cana, respaldados em argumentos que receiam o aumento ainda maior do êxodo

rural e do desemprego, muitas críticas também aparecem no outro sentido,

defendendo o fim da super-exploração desses trabalhadores, e alegando que tal

61

trabalho, em tal ritmo e em tal proporção, não é mais adequado ao trabalho

humano, sendo, portanto, mais interessante a adoção de instrumentos mecanizados

para realizá-lo.

Trouxe esse caso específico para o debate a fim de problematizar o sub-tema

do trabalho intensivo, mostrando que nem sempre a utilização de tecnologias que

exijam trabalho intensivo podem ser consideradas apropriadas, sendo portanto

necessário uma adequação ao contexto onde se inserem, com a devida mescla com

as tecnologias poupadoras de mão-de-obra.

Visto todo esse debate sobre a dimensão econômica, segue abaixo a

apresentação dos níveis de performance selecionados:

Tabela 3 – Parâmetros para a dimensão econômico

DIMENSÃO ECONÔMICA

Nível 5

• Identificação de ganhos de escopo derivados da utilização dos instrumentos

tecnológicos;

• Adequação socioeconômica entre os fatores trabalho e

mecanização/informatização, sem que existam conseqüências negativas para a

população como um todo;

Nível 4

• Identificação de ganhos de escopo derivados da utilização dos instrumentos

tecnológicos;

• Mecanização dos processos produtivos sem conseqüências sociais e de

desemprego;

Nível 3

• Economia financeira relacionada à redução dos gastos diretos e indiretos com

os instrumentos tecnológicos;

• Mecanização excessiva com conseqüências sociais negativas e aumento no

nível de desemprego;

Nível 2

• Situação econômica relacionada à redução dos gastos diretos e indiretos com

os instrumentos tecnológicos;

• Não mecanização dos processos, mas situação de exploração intensiva e

precarização do fator trabalho;

Nível 1

• Gastos freqüentes, diretos e indiretos, com relação aos instrumento

tecnológicos;

• Desemprego ou sub-emprego em altos índices, relacionados diretamente com

as opções tecnológicas;

7.4. A dimensão política

Para que possamos compreender de modo adequado o que chamarei aqui de

62

dimensão política das Tecnologias Apropriadas, é valido debatermos a respeito do

papel geral das tecnologias e sua influência na sociedade, da não neutralidade do

avanço tecnológico e de sua inegável faceta política e de manutenção de estruturas

de poder.

É sabido que as tecnologias cumprem um papel maior do que o verificável no

plano tático e operacional, estabelecendo diversas conexões em sentido amplo.

Essas conexões, por sua vez, referem-se à função que os instrumentos tecnológicos

mantêm no que diz respeito à padronização de uma lógica que em si não é neutra

(DAGNINO et al, 2004). Para longe de serem apenas simples instrumentos técnicos,

as tecnologias, concebidas no âmbito convencional, acabam por reproduzir um

ideal, uma ordem de dominação, que se desenrola há muito tempo, em sintonia com

a origem e o desenvolvimento do capitalismo industrial.

A tecnologia convencional, nos moldes em que vêm se reproduzindo, são um

dos principais meios de fortalecimento e reafirmação de uma lógica que organiza e

dita as regras da sociedade moderna. As relações de dependência que se

estruturam na utilização desses instrumentos são fatores chave para entendermos

essa dimensão política que orbita a produção e o desenvolvimento do padrão

tecnológico convencional. A desvinculação dessa dependência é pressuposto

estrutural no desenvolvimento de novas técnicas, orientando a elaboração e até

mesmo a qualidade desses instrumentos. Quando analisamos um exemplo breve a

respeito da dependência tecnológica, como por exemplo o uso de insumos químicos

industrializados na agricultura, vemos claramente o fator de exploração política e

econômica, e a manutenção de uma lógica de poder por detrás da aparente difusão

tecnológica. Ressalto aqui que a interconexão entre as dimensões econômica e

política é um elemento intrínseco na análise do “fator dependência”.

O desenvolvimento de insumos químicos para o uso-fruto da produção

agrícola, data da origem da Revolução Verde. Sumariamente, podemos explicar o

fenômeno da Revolução Verde mediante três fatores principais que foram

introduzidos nas práticas agrícolas a partir de então: a mecanização dos

instrumentos e técnicas; a adoção dos insumos químicos; e as técnicas de

melhoramento e alteração genética (EHLERS, 1999). Observando o caso específico

dos insumos químicos (sejam eles pesticidas ou adubos químicos) e sua relação

com as sementes geneticamente modificadas, vemos que o uso desses materiais,

63

desenvolvidos a partir de uma evolução tecnológica no âmbito da química industrial,

está estruturado em uma lógica de dependência fundamental. Isso porque, é fato

comprovado que, as sementes alteradas só mantêm alto nível de produção se forem

tratadas mediante a alta incidência dos insumos químicos, que por sua vez,

transformam as características biofísicas do meio, de modo a permitir que somente

as mesmas sementes modificadas possam obter resultados positivos. Os impactos

e as transformações são tantos que a opção pelo abandono dessas técnicas torna-

se inviável para o produtor, devido, entre outros fatores, aos altos custos para a

recuperação ambiental. É clara a configuração de um sistema de dependência

ocasionado pela adoção de formas de produzir atreladas a determinadas

tecnologias, que, de modo geral, usurpam a autonomia decisória de quem as utiliza.

Percebe-se então que, por detrás da aparente neutralidade no

desenvolvimento tecnológico no meio rural, ancora-se uma lógica fundamental de

reprodução de poder, forçando os tomadores de tecnologias a entrar em um estado

de submissão, com poucas possibilidades de contestação. É nesse limite que

trazemos à tona a dimensão política das Tecnologias Apropriadas para o

desenvolvimento rural, entendendo que elas podem apresentar um canal de

emancipação a essa determinação impositiva de poder e submissão instaurada no

âmbito da produção e uso das tecnologias convencionais no campo. O

desenvolvimento das Tecnologias Apropriadas e a utilização de outras fontes de

conhecimento e matéria-prima aparecem como fatores importantes para a

dissociação e ruptura do jogo de poder ocasionado pelo desenvolvimento

tecnológico atual. Ao mesmo tempo, um movimento articulado e fortalecido em torno

das práticas que envolvem as tecnologias alternativas, no meio rural, por exemplo,

emerge como um contraponto fundamental para a disputa política (GRAZIANO DA

SILVA, 2003). Se bem articuladas, essas iniciativas podem aparecer como

potenciais atores políticos, com capacidade de figurar como uma oposição concisa,

que luta por um ideal de desenvolvimento mais interessante e completo,

considerando inclusive a questão tecnológica. Um bom exemplo de articulação

política nesse sentido é a própria Rede de Tecnologia Social (RTS), já mencionada

neste trabalho.

Podemos, a partir das considerações feitas acima, apresentar os cinco níveis

de performance relacionados à análise da dimensão política:

64

Tabela 4 – Parâmetros para a dimensão política

DIMENSÃO POLÍTICA

Nível 5

• Liberdade de escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos

fatores tecnológicos;

• Articulação e mobilização política em formato de rede em prol das Tecnologias

Apropriadas, tanto em escala local, como também regional;

Nível 4

• Liberdade de escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos

fatores tecnológicos;

• Nenhuma articulação ou mobilização política com relação às Tecnologias

Apropriadas;

Nível 3

• Escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos fatores

tecnológicos limitadas por fatores exógenos;

• Nenhuma articulação ou mobilização política com relação às Tecnologias

Apropriadas;

Nível 2

• Escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos fatores

tecnológicos limitadas por fatores exógenos;

• Relação de submissão política com relação ao uso dos fatores tecnológicos;

Nível 1

• Dependência e nenhuma autonomia de decisão com relação aos instrumentos

tecnológicos;

• Relação de submissão política com relação ao uso dos fatores tecnológicos;

7.5. A dimensão social

No que diz respeito às contribuições do enfoque social das Tecnologias

Apropriadas a proposta aqui descrita centrará esforços em ressaltar a importância

da articulação social em torno do desenvolvimento e do uso das tecnologias, seja no

processo de elaboração dessas técnicas e instrumentos, seja na sua utilização.

Entende-se que, para além de apresentarem-se através de ofertas tecnológicas, as

Tecnologias Apropriadas devem ser concebidas por processos de interação social,

que leve em conta uma ampla gama de atores no estabelecimento do que de fato

será esta tecnologia e qual o seu verdadeiro papel no âmbito das sociedades rurais.

Assim, busca-se no processo de um desenvolvimento tecnológico alternativo

consolidar uma espécie de envolvimento associativo, onde atores sociais

interessados organizam-se de modo a possibilitar trocas de informação e

conhecimento, debates e disputas, possibilitando ao todo uma construção coletiva

do problema social, através do qual é concebida a Tecnologia Apropriada.

65

Os esforços para tal empreitada não são poucos. Sabemos o quanto é

complexo estabelecer o diálogo entre diferentes segmentos da sociedade, com

opiniões e estratégias políticas divergentes, o que claramente demonstra a

intersecção desta dimensão com a interface política das tecnologias. A elaboração e

definição de prioridades tecnológicas para o meio rural historicamente vem sendo

construída em um círculo social bastante fechado, restrito praticamente ao setor

privado, representado pelas grandes empresas investidoras em Pesquisa e

Desenvolvimento (P&D), pela academia e pelo Estado, ficando as instituições da

sociedade civil e os próprios agricultores praticamente ausente de tais decisões.

Sabe-se ainda que o setor privado coopta o interesse tanto do Estado quanto da

acadêmica através de intensos processos de lobby e investimento pesado. Dessa

forma, a esfera de decisão a respeito do desenvolvimento tecnológico fica ainda

mais homogênea, voltada cada vez mais para os interesses de uma única parcela

da sociedade, que, por sua vez, serve fielmente aos moldes convencionais de

reprodução e desenvolvimento tecnológico, cada vez mais distante do real interesse

social das comunidades rurais.

É nesse sentido que entendemos que a opção pelas Tecnologias Apropriadas

deve estruturar-se através de uma nova estrutura de governança entre os atores

sociais envolvidos, privilegiando a interação entre os mesmos, e dando ênfase à

participação social nos processos decisórios. É importante frisar o papel que as

Tecnologias Apropriadas estabelecem no sentido de construir uma diferenciação do

modelo de intervenção tecnológica. Ou seja, o modelo de desenvolvimento

tecnológico alternativo busca sair de uma lógica “ofertista”, com a delimitação de

pacotes e soluções tecnológicas nos moldes convencionais que alcançam limitada

efetividade e baixa capacidade de inclusão e coalizão social, e busca alcançar uma

lógica que se estabeleça em princípios de aprendizagem e criatividade tecnológica a

partir da interação social (learning by interacting), com o objetivo maior de atuar sob

uma égide de resolução de problemas construídos coletivamente, mitigando-os

através de ações pactuadas em esferas pluralistas de decisão. Reforçando esse

argumento da importância da coalizão e interação social para a resolução de

problemas e definição das opções tecnológicas, Thomas e Fressoli (2010) nos

trazem a seguinte passagem:

“... es tan necesario como ineludible revisar las

conceptualizaciones sobre tecnologías (...) disponibles,

66

abandonando su concepción original como recursos paliativos

de situaciones de pobreza y exclusión, para pasar a

concebirlas como sistemas tecnológicos orientados a la

generación de inclusión, vía la resolución de problemas

sociales...” (THOMAS & FRESSOLI, 2010:223)

Visto isso, tentarei equacionar esse debate na proposta dos cinco níveis de

performance relacionados à análise da dimensão social:

Tabela 5 – Parâmetros para a dimensão social

DIMENSÃO SOCIAL

Nível 5

• Arena de decisão pluralista, com intensa participação e interação de todos os

atores sociais nas decisões tecnológicas;

• Modelo de desenvolvimento tecnológico estruturado na resolução de problemas

detectados coletivamente (bottom-up);

Nível 4

• Arena de decisão pluralista, com intensa participação e interação de todos os

atores sociais nas decisões tecnológicas;

• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista (top-down)

Nível 3

• Arena de decisão pluralista, com participação de diferentes atores, mas baixo

grau de assimilação das demandas sociais;

• Modelo de desenvolvimento tecnológico estruturado na resolução de problemas

detectados coletivamente (bottom-up);

Nível 2

• Arena de decisão pluralista, com participação de diferentes atores, mas baixo

grau de assimilação das demandas sociais;

• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista e apenas pontual (top-down)

Nível 1

• Decisões sobre as opções tecnológicas restrita ao interesse de um grupo seleto,

sem a existência de participação social;

• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista e apenas pontual (top-down)

7.6. A dimensão sociotécnica

Por fim, apresentarei a dimensão sociotécnica, que talvez apareça neste

estudo como uma das principais interfaces no que diz respeito à investigação das

características do conceito de Tecnologias Apropriadas, dada o seu caráter

transversal. Em virtude desse fato, muito me perguntei se tal dimensão não deveria

compor um critério perene a todas as outras dimensões, ao invés de figurar como

uma dimensão única. Por razões de organização do pensamento, e pela

necessidade de re-construir a idéia da adequação sociotécnica de maneira mais

67

clara e de fácil compreensão, optei então por organizar esta dimensão em separado.

A teoria sociotécnica pode ser entendida como um método híbrido de análise

organizacional. Ou melhor, uma mescla entre diferentes enfoques para uma

observação mais completa de situações que são holísticas por natureza. A saber, os

enfoques que juntos originam a teoria sociotécnica são oriundos das análises

sociológicas e das análises essencialmente técnicas, onde o entendimento da

relação causal entre ambas é a proposta principal (SPINK, 2003). Para além do

caráter de hibridismo conceitual, a teoria sociotécnica também é concebida a partir

de princípios que buscam entender as dinâmicas sociais de organização do trabalho

não apenas a partir da visão e da concepção teórica, demonstrando e testando seus

avanços também em âmbito prático, em uma perspectiva de construção coletiva

através da práxis, o que configurava-se à época de sua criação como um avanço

claro frente aos modos tradicionais de se pensar as organizações (taylorismo e

fordismo).

Mas o que isso tudo tem a ver com as Tecnologias Apropriadas? O que se

pretende aqui é reforçar a importância do olhar sociotécnico sobre a prática e o

desenvolvimento das Tecnologias Apropriadas, assim como indicou Renato Dagnino

em trabalhos anteriores (DAGNINO & NOVAES, 2003; DAGNINO et al, 2004).

A tecnologia e o conhecimento são muito mais do que simples técnicas e

instrumentos de trabalho prático, sustentando e sendo sustentadas por toda uma

estrutura sócio-organizacional nos contextos em que se inserem. Nas palavras de

Spink: “O conhecimento tácito ou enraizado não é um fenômeno simplesmente

social, mas sociotecnico, na medida em que se enraíza em produtos, instrumentos,

e seqüência de ações” (SPINK, 2003). Assim, não podemos compreender as

tecnologias sem que façamos um esforço de observá-las tanto em âmbito técnico

quanto em âmbito social, entendendo as inter-relações entre ambos, o que em

suma, configura o olhar sociotécnico.

Permito-me aqui trazer uma breve passagem muito interessante que ilustra a

idéia da “adequação sociotécnica” proposta por Dagnino et al (2004):

“... a AST (adequação sociotécnica) pode ser entendida como um

processo que busca promover uma adequação do conhecimento científico e

tecnológico (esteja ele já incorporado em equipamentos, insumos e formas

de organização da produção, ou ainda sob a forma intangível e mesmo

tácita) não apenas aos requisitos e finalidades de caráter técnico-

68

econômico, como até agora tem sido usual, mas ao conjunto de aspectos de

natureza socioeconômica e ambiental que constituem a relação CTS.”

(DAGNINO et al, 2004: 52)

A contribuição da teoria sociotécnica com relação às Tecnologias Apropriadas

também alimenta as discussões sobre o desenvolvimento e a aplicação das

tecnologias em ambiente específico. É nesse âmbito específico e local onde é

possível que as relações sociais e os aspectos técnicos se relacionem de maneira a

proporcionar uma organização social capaz de desenvolver alternativas que

realmente se adéqüem ao contexto apresentado. Em outras palavras, é em nível

local onde os elementos técnicos e sociológicos podem colaborar para o

fortalecimento da apropriabilidade no uso das tecnologias, e, ao mesmo tempo,

confrontar o determinismo tecnológico imposto pelos moldes convencionais.

No que diz respeito às intersecções existentes entre as dimensões, a

dimensão sociotécnica guarda relações e influências com outras dimensões, com

destaque para a dimensão social e cultural. A dimensão social, buscará analisar os

fatores associativos referentes à elaboração e utilização de uma tecnologia, o que,

de fato, influi, determinantemente, nos processos de adequação sociotécnica,

entendendo que essa é condicionada também pelo grau de organização e coalizão

entre os indivíduos de uma sociedade. Já com relação à dimensão cultural, a

intersecção diz respeito a uma problemática que foi discutida na descrição da

dimensão cultural, tratando do debate sobre replicabilidade x apropriabilidade,

apontando uma situação complexa e um trade off existente entre desenvolver uma

tecnologia a partir de características endógenas, ou promover uma difusão de

práticas e tecnologias alternativas para outros contextos que não os quais elas

foram desenvolvidas.

Apresentarei a seguir os cinco níveis de performance referentes à dimensão

sociotécnica. O principal parâmetro para a construção dessa escala são as sete

modalidades de adequação sociotécnica apontadas por Dagnino, Brandão e Novaes

(2004). Entretanto, como a proposta deste trabalho consiste em determinar cinco

níveis de performance, realizarei algumas adaptações necessárias.

Tabela 6 – Parâmetros para a dimensão sociotécnica

DIMENSÃO SOCIOTÉCNICA

69

Nível 5

• Inovação do tipo “radical”, realizadas a partir de uma perspectiva essencialmente

endógena, onde o desenvolvimento das tecnologias acontece a partir de processos

adaptativos entre a sociedade e o instrumentos tecnológicos alternativos por elas

criados;

• Impactos positivos na organização do trabalho e em seus processos, tanto em

termos de produtividade, como também nas relações sociais;

Nível 4

• Inovação do tipo “seleção e processamento de tecnologias alternativas”,

realizadas a partir de uma perspectiva exógena-endógena, onde o desenvolvimento das

tecnologias não é realizado pela sociedade local, mas os processos adaptativos entre a

sociedade e o instrumentos tecnológicos alternativos são freqüentes em âmbito interno;

• Impactos positivos na organização do trabalho e em seus processos em termos

de relações sociais;

Nível 3

• Inovação do tipo “seleção e processamento de tecnologias convencionais”,

realizadas a partir de uma perspectiva exógena-endógena, onde o desenvolvimento das

tecnologias é realizado fora da sociedade local, e os processos adaptativos entre a

sociedade e o instrumentos tecnológicos acontecem internamente, porem as tecnologias

têm características convencionais;

• Impactos positivos na organização do trabalho e em seus processos em termos

de produtividade;

Nível 2

• Inovação do tipo “seleção de tecnologias alternativas”, realizadas a partir de uma

perspectiva exógena, onde o desenvolvimento das tecnologias é realizado fora da

sociedade local, e não são verificados processos adaptativos entre a sociedade e o

instrumentos tecnológicos alternativos;

• Impactos negativos na organização do trabalho e em seus processos em termos

de produtividade ou nas relações sociais;

Nível 1

• Inovação do tipo “seleção de tecnologias convencionais”, realizadas a partir de

uma perspectiva exógena, onde o desenvolvimento das tecnologias é realizado fora da

sociedade local e não são verificados processos adaptativos entre a sociedade e o

instrumentos tecnológicos convencionais adquiridos;

• Impactos negativos na organização do trabalho e em seus processos em termos

de produtividade e nas relações sociais;

7.7. Síntese e Conclusão

Após a apresentação da proposta das seis dimensões e do panorama de cada

uma delas, é possível que se tenha uma noção acerca do caráter complexo e

holístico existente no âmbito das tecnologias. A proposta aqui construída, como já

mencionado, não pretende ser um parecer auto-conclusivo sobre uma dada

70

realidade, sendo cabível, portanto, a proposição de outras dimensões analíticas não

contempladas no presente esforço. Da mesma forma, os elementos escolhidos para

a análise específica de cada uma das dimensões não esgota a abrangência dos

conceitos. A escolha dos mesmos teve como referência as indicações apontadas

nas bibliografias trabalhadas, bem como uma opção pessoal acerca do

entendimento de cada dimensão. Ou seja, assim como outras dimensões poderiam

ser propostas, outros elementos balizadores poderiam ser elencados para a

construção dos níveis de performance.

De todo modo, a intenção maior na elaboração e descrição de cada uma das

seis dimensões, e seus respectivos níveis de performance, é avançar nos debates e

nas construções teóricas e metodológicas que têm como intuito identificar e avaliar

as tecnologias em contextos rurais, tencionando mensurar o grau de

apropriabilidade das mesmas. Assim, no intuito de proporcionar uma visão holística

a respeito de uma determinada tecnologia, proponho que as dimensões analisadas

sejam examinadas de modo concomitante, através de um instrumento que

possibilite a observação comparativa entre as mesmas. A figura abaixo busca

aproximar-se de um mecanismos de análise complexa das seis dimensões

simultaneamente. Nele podem ser visualizadas o desempenho de uma determinada

tecnologia dentro das escalas propostas entre cada uma das dimensões. Por

motivos de representação gráfica, as dimensões foram categoricamente separadas

umas das outras. Porém como já apontado acima, a relação e o limite entre elas é

extremamente delicado e tênue, sendo uma fortemente influenciada pelas outras.

Veja abaixo a figura:

Figura 1 – Modelo do instrumento analítico

71

0

5

10

15

20

25Sociotécnica

Cultural

Política

Social

Econômica

Ambiental

Tecnologia Apropriada A

Tecnologia Apropriada B

8.8.8.8. Estudos Ilustrativos

A proposta central do instrumento analítico ora desenvolvido não tem o objetivo

primordial de estabelecer uma definição normativa sobre o grau de apropriabilidade

de uma determinada tecnologia observada. Mais que isso, o intuito de desenvolver

tal ferramenta guarda relação com o propósito de contribuir para os avanços na

formulação de critérios adequados para entender e avaliar as Tecnologias

Apropriadas utilizadas nos territórios e nas práticas rurais. Desse modo, reitero mais

uma vez que o objetivo do instrumento proposto por este trabalho é apresentar uma

horizonte de diretrizes e um novo modo de observar as tecnologias, guardando

relação intrínseca com o enfoque multidimensional e holístico das teorias do

desenvolvimento e da discussão das questões sobre o meio rural aqui

apresentadas.

Nesse sentido, os estudos ilustrativos realizados foram pensados com a

intenção de servirem como objeto de aplicação e teste do instrumento analítico aqui

construído, buscando observar se a proposição de dimensões, bem como os seus

respectivos níveis de performance, têm ou não aderência e condição de aplicação e

generalização em estudos ilustrativos.

A escolha dos estudos ilustrativos teve como parâmetro dois critérios

principais. O primeiro refere-se à seleção de experiências que levem em conta o uso

de Tecnologias Apropriadas para iniciativas que colaborem para o desenvolvimento

72

rural, entendendo tais tecnologias como instrumentos, ferramentas, processos,

meios de organização e ações que se estruturem em oposição ao modelo

tecnológico convencional, representado pelos pacotes tecnológicos da Revolução

Verde. Já o segundo critério, refere-se à disponibilidade por parte das instituições

convidadas em receber e participar esta pesquisa em tempo hábil para a

concretização do termino deste trabalho, uma vez que o convite foi feito a diversas

instituições.

O método de aplicação dos instrumento analítico junto aos estudos ilustrativos

escolhidos teve particularidades e especificidades, mas, de modo geral, seguiu as

seguintes etapas orientadoras:

Tabela 7 – Método dos Estudos Ilustrativos

Fase A

1. Apresentação da proposta do encontro juntamente com os objetivos do

trabalho;

2. Apresentação do caso visitado por parte do entrevistado;

3. Interação e conversa não direcionada sobre o tema das Tecnologias

Apropriadas;

Fase B

4. Apresentação geral do conceito de Tecnologias Apropriadas;

5. Apresentação do instrumento analítico e sua respectiva metodologia de

construção;

6. Processo de avaliação e aplicação participativa do instrumento analítico;

Fase C

7. Compilação das informações e re-desenho do instrumento analítico;

Durante a Fase A o entrevistado já conhece a proposta do trabalho, porém

ainda não observou o instrumento analítico e suas respectivas dimensões

construídas por mim. Durante esta fase da entrevista centrei esforços em identificar

na fala do entrevistado os elementos que corroboram com os critérios propostos em

cada uma das dimensões, bem como outros elementos que não necessariamente

estavam contidos nas dimensões, mas que pela razão de comporem o discurso do

responsável pelo projeto, são passíveis de inclusão em uma proposta analítica.

73

A Fase B , por outro lado, configura o momento da entrevista onde o

entrevistado toma conhecimento do instrumental analítico e de suas dimensões.

Nesse momento o entrevistado é convidado a apresentar novas sugestões com

relações aos critérios propostos e até mesmo a proposições de novas dimensões de

análise que não estão compreendidas na proposta apresentada.

A Fase C compreende a etapa final do processo de aplicação do instrumento,

referindo-se especificamente a compilação das informações e enquadramento das

mesmas dentro dos critérios previamente propostos. Num segundo momento, são

também identificadas as novas dimensões e critérios de análise observados durante

a entrevista.

A realização destes estudos ilustrativos buscou envolver os responsáveis pelas

iniciativas durante o processo de avaliação, nos permitindo, dessa forma, classificar

os resultados da aplicação deste instrumental analítico como um indicador de

“terceira geração” 17, que preza pela participação ativa e com autonomia de decisão

na avaliação.

Visto isso, apresentarei abaixo a descrição das ilustrações realizadas, bem

como o resultado da aplicação do método de análise em cada uma delas.

8.1. Projeto Educação Ambiental para a Agricultura Orgânica nas APAs

Bororé-Colônia e Capivari-Monos

Este estudo ilustrativo foi realizado a partir de uma entrevista realizada na sede

da ONG 5 Elementos – Instituto de Educação e Pesquisa Ambiental, com Arpad

Spalding, gestor responsável pelo projeto “Educação Ambiental para a Agricultura

Orgânica nas APAs Bororé-Colônia”. Infelizmente não foi possível uma visita para

interação direta com os agricultores participantes no local onde o projeto foi

desenvolvido. De todo modo, as informações contidas tanto na descrição do projeto

como no resultado da aplicação do instrumental analítico são oriundas de minhas

anotações durante a entrevista, bem como da consulta à publicação oficial

produzida pela equipe do projeto18. O objeto principal de análise desta experiência é

a agroecologia como um conjunto de técnicas, saberes e fazeres que orientaram

17Para saber mais sobre a evolução do conceito de indicadores ver CALDAS & KAYANO (2002); 18Instituto de Educação e Pesquisa Ambiental - 5 Elementos Educação ambiental para a agricultura orgânica

nas APAs Bororé-Colônia e Capivari-Monos, São Paulo 2010

74

processos de desenvolvimento rural no território.

Figura 2 – Agricultores e grupo técnico do projeto

Fonte: Blog 5 Elementos (5elementos.wordpress.com)

Apresentação

Este projeto, doravante denominado Orgânicos das APAs19, é uma iniciativa do

Instituto de Educação e Pesquisa Ambiental – 5 Elementos, com financiamento do

Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FEMA), em

parceria com a Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD) e com o

Centro Paulus e Servir (localizado na APA Bororé-Colônia). A proposta principal do

projeto Orgânicos das APAs visa incentivar a agricultura orgânica nas Áreas de

Proteção Ambiental (APAs) Bororé-Colônia e Capivari-Monos. O projeto teve

duração de um ano, tendo sido finalizado no início de 2010. A estratégia de

implementação dos objetivos do projeto se estrutura, em linhas gerais, em quatro

eixos de atuação: formação técnica (curso de capacitação em instrumentos e

técnicas para a conversão agroecológica); visitas técnicas (acompanhamento dos

técnicos do projeto junto às propriedades dos agricultores para implementação das

técnicas apresentadas no curso); visitas externas a outras experiências (interação

com outros grupos de agricultores orgânicos e com redes de produção e

comercialização); interação e formação de um coletivo (encontros e atividades

coletivas para a consolidação de uma associação dos agricultores orgânicos que

lhes garanta sustentabilidade no longo prazo). O total de público atingido

diretamente compreende os moradores de 12 propriedades rurais. Por esse número

19 Esta é a denominação utilizada pelo grupo de agricultores para se referir ao projeto. Vale ressaltar que esta

nomenclatura foi cunhada com o objetivo de fortalecer a identidade do grupo e consolidá-lo como um coletivo.

75

restrito, a equipe responsável pelo projeto vem buscando novas formas para dar

seqüência aos trabalhos realizados, de modo a ampliar o público atendido. É valido

destacar que nem todas as 12 propriedades mantinham atividades agrícolas

anteriormente à implementação do projeto, sendo que alguns dos participantes

optaram por iniciar a produção agrícola após o envolvimento com as atividades do

projeto. Os participantes do projeto configuravam então um grupo bastante

heterogêneo e diverso, composto desde pessoas que historicamente mantinham

vínculo com a agricultura, como também por indivíduos que nunca haviam se

dedicado às atividades agrícolas. A heterogeneidade do grupo também se mostrou

nas características das propriedades trabalhadas (de 5 a 120 mil m²), sendo

algumas onde produção agrícola é a principal atividade, e outras onde esta aparece

apenas como mais uma iniciativa paralela a outras atividades centrais, tal como

hospedagem, turismo e culinária.

Em termos dos resultados gerais obtidos com a implementação da proposta

podemos elencar alguns dos mais expressivos, como a conversão para a agricultura

orgânica (ou o processo de conversão) que se estabeleceu nas propriedades

trabalhadas no projeto; a diminuição dos impactos antrópicos causados pela

atividade agrícola convencional na região das APAs; e a consolidação do grupo

Orgânicos das APAs, em termos de articulação social e política, envolvendo-se com

o setor público para o acesso a novas linhas de crédito, utilização de espaços e

instituições, etc; e em termos de atuação econômica, comercializando seus

produtos de forma coletiva e articulada.

Figura 3 – Cesta de alimentos produzidos pelos agri cultores

76

Fonte: Blog 5 Elementos (5elementos.wordpress.com)

Figura 4 – Construção coletiva de composteiras

Fonte: Blog 5 Elementos (5elementos.wordpress.com)

Aplicação do instrumento analítico

Durante a entrevista com o gestor responsável pelo projeto, foi possível

observar na fala livre do entrevistado e também nas respostas às perguntas

direcionadas, uma série de elementos que descrevem o projeto, cujos quais busquei

organizar a partir das dimensões propostas por este trabalho. Seguem nos tópicos a

baixo a síntese das informações obtidas:

• Dimensão Ambiental: Proposta de Educação Ambiental contida durante toda

a idealização e implementação do projeto, principalmente no curso de formação e

nas vivências e visitas externas; Agroecologia como um “sistema fechado” que

utiliza os recursos naturais e faz a destinação dos resíduos produzidos de maneira

adequada, contribuindo para o desenvolvimento rural sustentável; Adequação da

produção agrícola segundo a legislação das APAs;

• Dimensão Cultural: Identificação de algumas atividades agroecológicas na

práticas tradicionais dos agricultores, porém sem o “conhecimento técnico”.

Exemplos: rotação de cultura, compostagem e consorciamento de culturas;

Investigação e mapeamento discreto sobre as práticas tradicionais dos agricultores

e sua importância socioeconômica;

77

• Dimensão Econômica: Aumento na produção devido à maior resistências às

pragas em função da conversão à agroecologia; Produção satisfatória mesmo em

épocas inadequadas, como a “época das chuvas”; Os produtores deixaram de ter

gastos com insumos químicos, que representavam grande parcela de seu

orçamento; Adequação entre o fator trabalho e a utilização das tecnologias

empregadas; Inserção econômica no “mercado de orgânicos”; Intenção para uma

futura certificação dos agricultores para a produção e comercialização de orgânicos;

Intenção de formalização para o acesso às linhas de créditos públicos (PRONAF,

por exemplo);

• Dimensão Política: Inserção política dos agricultores, com incentivo ao

envolvimento em instâncias participativas como por exemplo os conselhos da região

das APAs; Emancipação aos “pacotes tecnológicos” da agricultura convencional;

Criação de rede local formada pelos agricultores para a divulgação e replicação das

práticas aprendidas no projeto; Articulação dos agricultores em redes e

comunicação com outros grupos externos (visitas a outras experiências

agroecológicas, feiras, exposições, etc); Articulação do projeto com outras iniciativas

e instituições da região, incluindo o poder público (Casa da Agricultura);

• Dimensão Social: Realização de atividades formativas a partir de uma

perspectiva que valoriza a coletividade (mutirões e ações de colaboração entre os

vizinhos); Consolidação do grupo “Orgânicos das APAs”; Criação de um Fundo, cuja

gestão dos valores é feita coletivamente a partir das decisões do grupo;

• Dimensão Sociotécnica: Realização de algumas adaptações feitas pelos

agricultores no processo de assimilação das técnicas agroecológicas utilizadas,

como por exemplo a elaboração e a aplicação dos “biofertilizantes” que ganhou

características diferentes em cada uma das propriedades; Inserção “reflexiva” de

técnicas que não reproduzem a lógica dos pacotes tecnológicos; Processos de

adequação técnica (adição de conhecimento técnico) aos fazeres tradicionais dos

agricultores, tal como o consorciamento de culturas, a compostagem e a produção

de sementes; Identificação de algumas inovações em termos de técnicas de

78

produção que não estavam presentes na orientação fornecida pelo projeto, como

por exemplo, o consorciamento do cultivo de “couve” com o cultivo de ”cebolinha”

que obteve altos índices de produção;

Além da descrição dos elementos que podem ser classificados dentro da

perspectivas de dimensões exposta acima, a entrevista também proporcionou a

análise de um conjunto de considerações que, a meu ver, podem compor outra

dimensão de análise não prevista na idealização do instrumento de análise deste

projeto. Trata-se dos elementos concernentes ao que denominei de “dimensão

psicológica”, que estiveram fortemente presentes no discurso do entrevistado e que,

segundo o mesmo, são fatores bastante importantes para a avaliação do projeto.

Seguem abaixo a apresentação de tais fatores.

• Dimensão Psicológica: Processo de valorização dos indivíduos e de

reconhecimento dos mesmos como cidadãos capazes de serem agentes de seu

próprio desenvolvimento; Aumento da auto-estima e da “felicidade” dos agricultores;

Respeito mútuo dos agricultores e valorização do papel da agricultura na região;

Classificação das dimensões

Após apresentadas a descrição dos elementos identificados em cada uma das

dimensões, e também a proposição de uma nova dimensão (psicológica), centrarei

esforços a seguir no processo de adaptação e enquadramento dos fatores

apresentados acima, dentro dos níveis de performance propostos para cada uma

das dimensões. Embora a dimensão psicológica apresente-se como uma

consideração importante na análise do projeto observado, por hora não realizarei a

análise da mesma. As reflexões a respeito da contribuição desta e de outras

dimensões serão realizadas nas considerações finais deste trabalho quando

discutirei a avaliação da utilização do instrumento analítico proposto.

Visto isso, segue a baixo a classificação do projeto analisado com relação às

dimensões e suas respectivas considerações:

Tabela 8 – Dimensão ambiental: ilustração 1

DIMENSÃO AMBIENTAL

79

Nível 5

• Tecnologias que proporcionam benefícios à conservação dos recursos naturais,

bem como a gestão adequada dos resíduos impactantes ao meio ambiente produzidos na

atividade agrícola;

• Implantação de processos de Educação Ambiental a partir dos instrumentos

utilizados nos espaços rurais;

Considerações:

• A proposta do projeto, baseada na agroecologia, proporciona claro benefícios à conservação

dos recursos naturais, bem como a gestão dos resíduos produzidos na atividade agrícola, através da

utilização dos mesmos em processos de compostagem para a produção de adubo orgânico;

• Como visto na organização do projeto, a etapa de formação e as visitas técnicas são

permeadas por processos educativos que já apresentaram efetividade na atuação e na mudança de

comportamento dos agricultores;

Outros critérios identificados 20:

• Perspectiva relacionada ao cumprimento da legislação ambiental;

Tabela 9 – Dimensão cultural: ilustração 1

DIMENSÃO CULTURAL

Nível 4 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo, capaz de preservar e fomentar o

desenvolvimento cultural da sociedade onde está inserida;

Considerações:

• A grande maioria das tecnologias utilizadas no projeto são oriundas de contextos externos;

• Embora tais tecnologias sejam idealizadas em contexto externo, as mesmas podem se

apresentar como elementos importantes de resgate dos saberes e fazeres tradicionais dos

agricultores;

Tabela 10 – Dimensão econômica: ilustração 1

DIMENSÃO ECONÔMICA

Nível 5

• Identificação de ganhos de escopo derivados da utilização dos instrumentos

tecnológicos;

• Adequação socioeconômica entre os fatores trabalho e

mecanização/informatização, sem que existam conseqüências negativas para a

população como um todo;

20 Assim como as novas dimensões observadas, os novos critérios identificados não serão levados em conta na classificação das dimensões. Os mesmos também serão analisados nas considerações finais do trabalho.

80

Considerações:

• Os ganhos de escopo podem ser detectados no projeto observando os benefícios diretos e

indiretos que as tecnologias agroecológicas proporcionam para os agricultores, como por exemplo a

utilização da adubação orgânica que além de substituir os altos gastos com adubação química

(benefício direto), também acarreta em outros fatores benéficos como o fortalecimento do solo, a

melhor qualidade dos alimentos produzidos, e a redução da quantidade de água para a produção, que

por sua vez, configuram os ganhos de escopo.

• As técnicas e práticas agroecológicas aplicadas no projeto não negam a utilização de

mecanização na produção. Porém não é observado alterações significativas que configurem impactos

ou problemas socioeconômicos quanto à utilização desses instrumentos;

Outros critérios identificados:

• Acesso a um novo nicho de mercado através da adoção das tecnologias agroecológicas;

• Implicações da organização social para atividade econômica coletiva;

• Relacionamento e parcerias para o fortalecimento da atividade agrícola;

Tabela 11 – Dimensão política: ilustração 1

DIMENSÃO POLÍTICA

Nível 5

• Liberdade de escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos

fatores tecnológicos;

• Articulação e mobilização política em formato de rede em prol das Tecnologias

Apropriadas, tanto em escala local, como também regional;

Considerações:

• Como demonstrado na descrição do projeto, os agricultores receberam grandes incentivos

para a articulação política em rede, e acabaram por consolidar tanto canais de contatos externos com

outras instituições e iniciativas, como também um grupo para a atuação na região;

• A proposta agroecológica apresentada pelo projeto desvincula os agricultores de um sistema

de dependência tecnológica, proporcionando autonomia dos mesmos quanto à escolha das técnicas

utilizadas;

Outros critérios identificados:

• Institucionalização dos processos participativos junto às instâncias democráticas formais, tais

como conselhos e fóruns;

• Relacionamento e articulação de iniciativas junto ao poder público;

Tabela 12 – Dimensão social: ilustração 1

DIMENSÃO SOCIAL

Nível 4

• Arena de decisão pluralista, com intensa participação e interação de todos os

atores sociais nas decisões tecnológicas;

• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista (top-down)

81

Considerações:

• A adoção das técnicas para a conversão agroecológica é feita de maneira coletiva de modo a

envolver os agricultores no processo de capacitação para utilização das mesmas. Porém, a escolha

dos instrumentos tecnológicos é realizada a priori pela equipe técnica, e transferida para a utilização

dos agricultores.

• Identificação dos principais problemas e demandas da produção agrícola através de um

processo de visitação técnica e de atividades coletivas proporcionadas pelo projeto possibilitam a

interação e integração dos agricultores;

Outros critérios identificados:

• Institucionalização e formação de grupos/associações para atuação coletiva (Orgânicos das

APAs)

Tabela 13 – Dimensão sociotécnica: ilustração 1

DIMENSÃO SOCIOTÉCNICA

Nível 4

• Inovação do tipo “seleção e processamento de tecnologias alternativas”,

realizadas a partir de uma perspectiva exógena-endógena, onde o desenvolvimento das

tecnologias não é realizado pela sociedade local, mas os processos adaptativos entre a

sociedade e o instrumentos tecnológicos alternativos são freqüentes em âmbito interno;

• Impactos positivos na organização do trabalho e em seus processos em termos

de relações sociais;

Considerações:

• Mesmo as tecnologias utilizadas no projeto não sendo desenvolvidas a partir de uma

perspectiva essencialmente endógena, é possível observar que as mesmas passam por certo grau

de adequação sociotécnica com relação à adaptação das mesmas ao contexto local;

• A adequação também é realizada na direção inversa, onde os conhecimentos e as práticas

locais sofrem a adição das diretrizes técnicas que qualificam a utilização de algumas tecnologias

(compostagem, adubação verde, consorciamento de culturas, etc);

• Em termos de re-organização do trabalho, a conversão para a agroecologia possibilitou aos

agricultores novas relações e dinâmicas de trabalho, organizadas a partir de uma relação mais

próxima com a natureza, e desse modo, reaproximando a prática agrícola com o ritmo dos processos

naturais. Em adição a essa alteração da organização do tempo e das formas de trabalho, vê-se

também um incremento considerável na verificação nos índices de produtividade dos cultivos obtidos

após a inserção das técnicas orientadas pelo projeto;

Podemos então, com a compilação dos níveis de performance, observar no

gráfico abaixo o desempenho da iniciativa observada em uma perspectiva

multidimensional:

82

Figura 5 – Resultado da aplicação do instrumento no estudo ilustrativo 1

Projeto "Orgânicos das APAs" (Agroecologia)

-5

5

15

25

Sociotécnica

Cultural

Política

Social

Econômica

Ambiental

Projeto "Orgânicos das

APAs" (Agroecologia)

8.2. Centro de Educação para a Sustentabilidade – C ES

Este estudo ilustrativo foi realizado a partir da visita à experiência de do Centro

de Educação para a Sustentabilidade (CES), e também da entrevista com Denise

Mazeto (Instituto Ambiental) e Gustavo Aloe (CES), que estiveram envolvidos no

processo de implantação do CES. Também foram utilizados para esta análise alguns

materiais de divulgação21 cedidos pelo CES durante a visita. O objeto principal de

análise neste estudo ilustrativo é a bioconstrução, segundo a qual é orientada a

atuação e as ações do CES. Apesar do CES não estar inserido em um ambiente

rural22, a experiência que trás a bioconstrução como princípio orientador apresenta-

se como um conjunto de possibilidades tecnológicas muito interessantes para a

aplicação em propriedades rurais. Desse, modo o estudo ilustrativo mostra-se

pertinente para a presente proposta de investigação.

Figura 6 – Vista panorâmica do Centro de Educação p ara Sustentabilidade

21Centro de Educação Para a Sustentabilidade – CES Bioconstrução Passo a Passo: São Paulo 2010 22 O CES está inserido dentro de uma área de grandes condomínios na região metropolitana de São Paulo.

83

Fonte: do autor

Apresentação

O Centro de Educação para a Sustentabilidade (CES) é uma iniciativa da

Fundação Alphaville (Alphaville Urbanismo), e está localizado no condomínio

Alphaville Burle Marx, em Santana do Parnaíba - SP. O CES é resultado de uma

parceria que também envolveu o Centro de Referência em Sustentabilidade (CRIS)

e a prefeitura de Santana do Parnaíba, esta última com uma participação bastante

discreta e pontual no início do projeto. O CES foi concebido a partir dos princípios

da bioconstrução, com a participação ativa de outras instituições que, durante o

projeto de implantação, ficaram responsáveis pela realização de oficinas e

conferências sobre as técnicas sustentáveis utilizadas, além do processo de

construção propriamente dito. Destacam-se nesse sentido o Instituto Ambiental

(OIA) e o GAIA Education, programa internacional com influência do GEESE (Global

Ecovillage Educators for a Sustainable Earth).

A intenção principal da implantação do CES é consolidar um espaço de

referência e divulgação das técnicas da bioconstrução e da arquitetura sustentável,

demonstrando a capacidade que esses empreendimentos possibilitam para a

redução dos impactos ambientais, para o alcance da eficiência energética e para o

melhor descarte dos resíduos. Vale ressaltar que um dos principais focos de

atuação deste empreendimento é a influência nos projetos de algumas grandes

construtoras que detêm empreendimentos imobiliários de alto padrão na região

onde o CES está localizado. Para além disso, o CES também desenvolve iniciativas

que buscam repensar a relação homem-natureza a partir da bioconstrução, não

apenas como técnica, mas também como mudança para um paradigma holístico e

84

sistêmico, com mudanças nos hábitos de consumo. A partir deste enfoque são

trabalhadas atividades de Educação para a Sustentabilidade, onde o CES recebe

visitantes para palestras e oficinas. O CES também desenvolve alguns programas

contínuos de formação para jovens e professores, além de um curso voltado para a

formação de jardineiros, recebendo público oriundo da APAE de Santana do

Parnaíba.

Figura 7 – Telhado verde e sistema de captação de á gua da chuva

Fonte: do autor

Figura 8 – Vista frontal

Fonte: do autor

85

Aplicação do instrumento analítico

Conforme apontado na orientação metodológica construída para os estudos

ilustrativos deste trabalho, durante a visita foram coletadas informações a respeito

de elementos gerais que descrevem o projeto, sem a indução ou direcionamento do

instrumento analítico, cujos quais organizei a partir das dimensões propostas. Segue

a apresentação desses nos tópicos a baixo:

• Dimensão Ambiental: Utilização de técnicas de bioconstrução com o intuito

de alcançar a eficiência energética e a gestão/destinação adequada dos resíduos; O

CES está inserido em um espaço de reserva ambiental, e por essa razão guarda

também um papel de manutenção e conservação desta área; A Educação Ambiental

é um dos eixos de atuação do CES, porém as principais oficinas e atividades de

formação desenvolvidas são visitas pontuais ao espaço;

• Dimensão Cultural: A proposta da bioconstrução utilizada pelo CES leva em

conta os elementos culturais dos participantes envolvidos no processo de

construção e implantação do empreendimento, mas não é pensada levando em

conta as características do contexto local, em termos culturais; Por outro lado, o

CES está inserido em um contexto formado por um público de alto padrão de renda,

e desta maneira busca se adaptar a essas características; As tecnologias de

bioconstrução utilizadas na implantação do CES, tais como as técnicas de utilização

do bambu, o telhado verde, a captação de água de chuva e o biossistema

(tratamento de esgoto), são todas de origem externa e não guardam relação com os

aspectos culturais locais;

• Dimensão Econômica: Redução dos gastos com energia em função do uso

de outras matrizes energéticas, como a solar, a eólica e o gás do biossistema.

Entretanto, no momento da visita apenas a energia solar estava em operação;

Apesar da redução dos gastos, as tecnologias da bioconstrução tem um custo alto

de implantação e necessitam de investimentos consideráveis, o que acaba

inviabilizando um processo de universalização; Objetivo de incentivar/influenciar

mudanças em um mercado específico, tal como o mercado de empreendimentos

imobiliários;

86

• Dimensão Política: O CES mantém articulação com outras iniciativas e

instituições que trabalham com a bioconstrução, tais como o OIA e o GEESE; Pouco

relacionamento com o poder público, sendo este restrito ao período de implantação

do empreendimento, e a algumas visitas de escolas públicas de Santana do

Parnaíba; Interface de relacionamento e articulação com o setor privado,

principalmente com as construtoras e imobiliárias da região; Utilização das

tecnologias da bioconstrução possibilita uma autonomia e uma emancipação quanto

ao uso das tecnologias convencionais, principalmente em termos de meios

energéticos. Porém, no momento da visita, a energia eólica e o gás proveniente do

biossistema, não estavam sendo utilizados, forçando a utilização da energia elétrica

advinda do sistema convencional de fornecimento;

• Dimensão Social: O processo de implantação do CES foi concebido a partir

de atividades de interação e envolvimento dos participantes, promovendo a

valorização da coletividade por meio de mutirões e ações de colaboração para o

trabalho conjunto. De todo modo, tal enfoque ficou restrito ao período de

implantação e não pode ser observado durante a utilização de tais instrumentos; A

proposta do CES guarda relações com um objetivo específico de atender demandas

mercadológicas do perfil de público de alto padrão de renda característico da região,

e desse modo não está direcionada a um enfoque de atendimento das demandas

sociais;

• Dimensão Sociotécnica: Realização de algumas adaptações de acordo com

o contexto local, exclusivamente com relação ao conjunto de técnicas utilizadas no

processo de implantação da estrutura do CES, sem sustentação da mesma prática

para o uso de tais tecnologias que se mantém inalteradas desde sua implantação;

Durante a entrevista, ficou bastante evidente o caráter de difusionista que o

CES mantém para a sua proposta de bioconstrução e tecnologias sustentáveis.

Essa característica é peça fundamental para entender a atuação e a proposta desta

iniciativa, e também nos remete à discussão já realizada neste trabalho a respeito

da “replicabilidade” das Tecnologias Apropriadas. Como demonstrado, a proposta de

87

replicação de tecnologias é arriscada e pode colidir com a idéia de

“apropriabilidade”. A replicabilidade das tecnologias dissociada de um processo de

adequação sociotécnica, do envolvimento social, e da relação com os aspectos

cultural locais, se aproxima muito do enfoque de tecnologias intermédias baseado

na exportação e no modelo ofertista defendido por Schumacher.

O fenômeno da replicabilidade x apropriabilidade, no meu entender, é de suma

importância na análise das Tecnologias Apropriadas, porém deve ser entendido de

forma transversal, perpassando pelas interfaces cultural, social e sociotécnica, e

desse modo, não configura uma dimensão adicional a este trabalho.

Classificação das dimensões

Tendo apresentado a descrição dos elementos identificados em cada uma das

dimensões, organizo a seguir o processo de adaptação e enquadramento dos

fatores apresentados acima dentro dos níveis de performance propostos para cada

uma das dimensões.

Tabela 14 – Parâmetros para a dimensão social

DIMENSÃO AMBIENTAL

Nível 5 • Tecnologias que proporcionam benefícios à conservação dos recursos naturais,

bem como a gestão adequada dos resíduos impactantes ao meio ambiente produzidos

na atividade agrícola;

• Implantação de processos de Educação Ambiental a partir dos instrumentos

utilizados nos espaços rurais;

Considerações:

• A metodologia e as técnicas de bioconstrução utilizadas pelo CES possibilitam a gestão

adequada dos resíduos produzidos e também promovem a conservação dos recursos naturais, uma

vez que auxiliam na proteção de uma área de reserva ambiental;

• O CES também busca trabalhar com a interface pedagógica da dimensão ambiental,

desenvolvendo atividades educativas em seus espaços, mesmo que ainda de forma pontual e

fragmentada;

Outros critérios identificados 23:

• Perspectiva relacionada alcance da eficiência energética;

Tabela 15 – Dimensão ambiental: estudo ilustrativo 2

23 Assim como as novas dimensões observadas, os novos critérios identificados não serão levados em conta na classificação das dimensões. Os mesmos também serão analisados nas considerações finais do trabalho.

88

DIMENSÃO CULTURAL

Nível 3 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo, que não preserva ou fomenta a

cultura, mas também que não causa impactos negativos à cultura local;

Considerações:

• As tecnologias de bioconstrução utilizadas na implantação do CES são oriundas de contextos

externos;

• As tecnologias utilizadas não são agressivas ou depreciam os aspectos culturais locais, mas

também não se apresentam com um enfoque específico para valorização dos mesmos, nem tão

pouco foram construídas para tal propósito;

Tabela 16 – Dimensão cultural: estudo ilustrativo 2

DIMENSÃO ECONÔMICA

Nível 3

• Economia financeira relacionada à redução dos gastos diretos e indiretos com os

instrumentos tecnológicos;

* Não foi considerado o critério relacionado ao fator trabalho pela razão que a iniciativa

do CES não envolve processos produtivos;

Considerações:

• A utilização das tecnológicas de bioconstrução possibilitam uma real redução nos custos

diretos e indiretos oriundos das tecnologias convencionais. Entretanto, não configuram um cenário de

ganhos de escopo;

Outros critérios identificados:

• Incentivo/influencia em mudanças para um mercado específico, tal como o mercado de

empreendimentos imobiliários;

Tabela 17 – Dimensão política: estudo ilustrativo 2

DIMENSÃO POLÍTICA

Nível 3

• Escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos fatores

tecnológicos limitadas por fatores exógenos;

• Nenhuma articulação ou mobilização política com relação às Tecnologias

Apropriadas;

Considerações:

• As tecnologias adotadas na bioconstrução adotada pelo CES não são resultado de um

processo de escolha, mas sim da simples adoção de um pacote de técnicas concebido e definido em

contexto exógeno;

• Apesar do relacionamento com outras instituições e iniciativas, não é possível entender tal

atividade como uma mobilização política, ou como um articulação de atores por um objetivo maior.,

tanto é que as aproximações com o poder público são secundárias;

89

Tabela 18 – Dimensão social: estudo ilustrativo 2

DIMENSÃO SOCIAL

Nível 1

• Decisões sobre as opções tecnológicas restrita ao interesse de um grupo seleto,

sem a existência de participação social;

• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista e pontual (top-down)

Considerações:

• A proposta do CES, apesar de envolver algumas atividades de cunho social, mantém

características voltadas prioritariamente para um público de alto padrão de renda e para o setor de

construção imobiliária da região de Alphaville;

• As tecnologias utilizadas pelo CES estão ancoradas em uma perspectiva de “importação

tecnológica” e não guardam relação como demandas específicas ou resolução de problemas

identificados coletivamente;

Tabela 19 – Dimensão sociotécnica: estudo ilustrati vo 2

DIMENSÃO SOCIOTÉCNICA

Nível 2

• Inovação do tipo “seleção de tecnologias alternativas”, realizadas a partir de uma

perspectiva exógena, onde o desenvolvimento das tecnologias é realizado fora da

sociedade local, e não são verificados processos adaptativos entre a sociedade e o

instrumentos tecnológicos alternativos;

* Não foi considerado o critério relacionado à organização do trabalho pela razão que a

iniciativa do CES não envolve processos produtivos;

Considerações:

• Apesar das adaptações e adequações realizadas durante o processo de implantação do CES,

não é possível observar uma continuidade em tais ações, configurando portanto um cenário de

seleção não adaptativa de tecnologias;

Podemos então, com a compilação dos níveis de performance, observar no gráfico

abaixo o desempenho da iniciativa observada em uma perspectiva multidimensional:

Figura 9 - Resultado da aplicação do instrumento no estudo ilustrativo 2

90

Centro de Educação para a Sustentabilidade

(Bioconstrução)

-5

5

15

25Sociotécnica

Cultural

Política

Social

Econômica

Ambiental

Centro de Educação para

a Sustentabilidade

(Bioconstrução)

9.9.9.9. Considerações finais

A aplicação do instrumento analítico nos estudos ilustrativos analisados nos

possibilita algumas reflexões importantes a respeito da proposta deste trabalho. A

título de organização das idéias, apresentarei primeiro algumas considerações a

respeito da aplicação do instrumento analítico em cada um dos estudos ilustrativos,

problematizando a análise em contexto específico. Na seqüencia, buscarei discorrer

sobre os resultados mais gerais, apresentando algumas considerações a respeito da

proposta da construção analítica como um todo.

A análise do primeiro estudo ilustrativo, referente ao projeto Orgânicos das

APAs, apresentou resultados bastante positivos nas dimensões avaliadas, como

pode ser visto na Figura 5. Podemos entender que a orientação multidimensional da

proposta agroecológica adotada pelo projeto é um dos principais elementos que

proporcionaram este bom desempenho na avaliação. A agroecologia é considerada

um conjunto de saberes e fazeres que leva em conta as características específicas

dos ecossistemas, as especificidades culturais, e os aspectos da realidade

socioeconômica, e não tem a intenção de fornecer um modelo de agricultura, mas

sim de indicar os fundamentos e orientações necessárias a elaboração de uma

proposta (DE BIASE & DONATO, 2010). Nesse sentido, é possível entender a

agroecologia como um dos bons exemplos de Tecnologias Apropriadas, uma vez

que é capaz de reorganizar a prática agrícola em oposição ao modelo tecnológico

91

convencional da Revolução Verde. Porém não o faz apenas nos aspectos

agronômico, técnico ou físico, tendo preocupações permanentes em reverter os

impactos negativos causados em âmbito social, cultural e político, advindo da

adoção irreflexiva dos “pacotes tecnológicos”.

De um modo geral, foi possível observar na análise do projeto o esforço da

equipe gestora em trabalhar a prática agroecológica sob esta égide holística e de

multidimensões, objetivando, não só a recuperação dos ecossistemas, mas também

um ganho na qualidade de vida como um todo aos participantes do projeto.

A análise deste caso também trouxe a possibilidade de inclusão de uma série

de outros elementos que não os previstos na proposta de dimensões desenhadas

para este trabalho, inclusive um conjunto novo e específico de características que,

segundo o entrevistado, comporiam outra interface de análise chamada “dimensão

psicológica”, que levaria em conta aspectos muito importantes a serem analisados

quando se trata da utilização de técnicas e conhecimentos da agroecologia.

O segundo estudo ilustrativo, referente à experiência do Centro de Educação

para a Sustentabilidade (CES), ao contrário do observado no primeiro caso, não

obteve resultados muito satisfatórios na avaliação do instrumento metodológico.

Analisando a Figura 9 é possível observar que o resultado positivo alcançado na

dimensão ambiental (nível 5), não é acompanhado por bons desempenhos nas

outras dimensões. Esse fato evidencia o principal enfoque da proposta da

bioconstrução utilizada pelo CES, que prioriza a interface ambiental, em detrimento

de uma atuação voltada também para a perspectiva social, cultural ou política.

O contexto e o objetivo do CES são substancialmente diferentes dos

observados no primeiro estudo ilustrativo, uma vez que estão diretamente

relacionado a uma perspectiva mercadológica que busca inserir o produto das

“tecnologias de bioconstrução” como um novo produto para os empreendimentos

imobiliários do público local de alto-padrão de renda (Alphaville). Vale ressaltar que

a bioconstrução é um dos principais elementos componentes da permacultura, uma

importante orientação teórica e metodológica dos movimentos de agriculturas

alternativas, que embora não esteja conceitualmente vinculada à perspectiva

mercadológica como a utilizada pelo CES, pode ser entendida como um conjunto de

técnicas para a “criação de sistemas que sejam ecologicamente corretos e

economicamente viáveis; que supram suas próprias necessidades, não explorem ou

poluam e que, assim sejam sustentáveis a longo prazo” (MOLLISON apud DE

92

BIASE & DONATO, 2010), o que de fato evidencia a priorização das dimensões

ambiental e econômica. Talvez seja em função desse motivo a razão pela qual os

critérios ora propostos não obtiveram resultados positivos nessa avaliação.

Por outro lado, este estudo ilustrativo além de proporcionar outros possíveis

critérios de análise, trouxe à tona a importância de observar com maiores atenções

o debate existente entre replicabilidade vs. apropriabilidade, entendendo os riscos

de assumir uma postura com foco exclusivo à replicação de tecnologias, como

aparenta seguir o CES.

Observando os estudos ilustrativos, e tendo como pano de fundo a orientação

teórica apresentada, podemos refletir um pouco a respeito da construção do

instrumento analítico ora proposto. Quando, no decorrer deste trabalho, afirmei que

tal proposta configurava um “salto no escuro”, era porque de fato naquele momento

a tinha como tal. Entretanto, ao final das análises das ilustrações de aplicação do

instrumental analítico, é possível que comecemos a identificar o “terreno” em que

estamos entrando após tal “salto”. De um modo geral, os resultados apresentam-se

de maneira satisfatória. A proposta multidimensional oriunda da perspectiva do

desenvolvimento proporcionou um espectro de observação realmente capaz de

identificar os diferentes elementos das experiências analisadas, e contribuiu para

uma observação crítica e holística dos conjuntos de técnicas, conhecimentos,

métodos organizacionais, saberes tradicionais característicos do meio rural, os quais

entendemos como Tecnologias Apropriadas.

Porém, é importante que algumas ressalvas sejam feitas com relação ao

processo e aos resultados. A dificuldade em estabelecer os critérios adequados para

cada uma das dimensões é talvez o elemento mais crítico do instrumental analítico

aqui construído. Como já apontado durante o texto, é a partir deles que se

“constroem os padrões de realidade”, estabelecendo portanto os níveis de

performance. O que quero, mais uma vez, chamar atenção é o fato de que tal ação

é imbuída de valores, crenças e preferências, e que, por essa razão, não devem ser

encarada como unânime e definitiva. Desse modo, aponto para a possibilidade de

revisão dos critérios que compõem cada uma das dimensões, seja por motivos de

discordância quanto ao conteúdo, ou (e principalmente) por razões de

inadequação/inaplicação de tais critérios com relação ao contexto analisado.

A adequação do instrumento ao contexto é outro elemento que vale a pena ser

observado com bastante cautela. Neste trabalho busquei construir as dimensões e

93

seus níveis de performance de maneira abrangente e que fosse capaz de analisar

contextos com características diversas, tendo como cerne orientador o conceito de

Tecnologias Apropriadas e a as teorias do desenvolvimento abordadas durante a

primeira parte do trabalho. Entretanto, ao realizar a aplicação nos casos estudados,

percebi ao identificar alguns elementos, critérios ou dimensões que não

necessariamente estavam previstos no instrumento analítico, que os mesmos

deveriam ser levados em conta na avaliação, uma vez que refletem características

importantes da experiência em questão. Porém, optei pela não inclusão de tais

elementos na análise final dos estudos pela razão de que talvez não fosse o

momento ideal para fazê-lo. Digo isso em função de que entendo que tal empreitada

deva ser realizada a partir de um processo metodológico específico, que consiga, ao

mesmo tempo, (1) preservar a estrutura e a orientação principal do instrumento, (2)

subtrair os critérios que não se aplicam, (3) e inserir os novos fatores que se

mostrarem importantes. No momento em que realizava os estudos ilustrativos ainda

não havia alcançado este grau de reflexão sobre este problema, e em virtude disso,

optei por deixar tal adaptação para um próximo trabalho a ser realizado a partir

desta construção.

Apesar das ressalvas apontada acima, entendo que a realização deste

trabalho, principalmente acerca da revisão bibliográfica e das novas relações

propostas entre temas diferentes, em especial entre as questões rurais e o

referencial teórico de Ciência, Tecnologia e Sociedade, conseguiu resultar em

contribuições para avanços acerca do tema das Tecnologias Apropriadas,

proporcionando, através do instrumental analítico e metodológico construído, um

ponto de partida para iniciativas que busquem compreender as tecnologias a partir

de um enfoque multidimensional, capaz de fornecer uma visão mais abrangente,

não só a respeito das tecnologias e de suas implicações nos ambientes rurais, mas

também da perspectiva de se pensar novas estratégias para desenvolvimento rural

como um todo, com base na análise científico-tecnológica.

Por fim, é ainda importante ressaltar que este trabalho aponta para um cenário

ainda frágil e que exige maiores esforços pra que possamos construir bases

consistentes para que as Tecnologias Apropriadas não sejam mais encaradas como

materialização da ingenuidade heterodoxa, e possam sim ser vistas como

estratégias para alcançarmos o caminho do desenvolvimento.

“Não se pense com isso que a tecnologia apropriada deva ser

94

considerada uma panacéia para todos os problemas de desenvolvimento de

uma nação. Essa forma distinta de viver e de produzir depende de

condições institucionais e políticas mas, também, de esforços de criação,

adaptação e investigação em ciência e tecnologia ; do esforço para

adequar a tecnologia já existente e para desenvolver mais tecnologia,

sobretudo, em relação aos novos produtos” (BUARQUE & BUARQUE,

1983:68 apud GARCIA, 1987)

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