UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Graduação em Gestão de Políticas Públicas
TECNOLOGIAS APROPRIADAS: APROXIMAÇÕES AO CONCEITO – UM
MÉTODO PARA A IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE EM CONTEXTOS RURAIS
São Paulo
2010
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Graduação em Gestão de Políticas Públicas
TECNOLOGIAS APROPRIADAS: APROXIMAÇÕES AO CONCEITO – UM
MÉTODO PARA A IDENTIDICAÇÃO E ANÁLISE EM CONTEXTOS RURAIS
Monografia apresentada para o Trabalho de
Conclusão de Curso como requisito final para
obtenção do diploma de bacharelado em Gestão
de Políticas Públicas, sob orientação do Prof. Dr.
Eduardo de Lima Caldas.
São Paulo
2010
4
"O fim duma viagem é apenas o começo
doutra. É preciso ver o que não foi visto,
ver outra vez o que se viu já. É preciso
voltar aos passos que foram dados, para
os repetir, e traçar caminhos novos ao
lado deles. É preciso recomeçar a
viagem. Sempre. O viajante volta já."
José Saramago
5
Sumário
Índice de gráficos, tabelas e figuras ........................................................................6
Resumo....................................................................................................................7
1. Introdução...........................................................................................................8
2. Metodologia.......................................................................................................13
3. O que são Tecnologias Apropriadas? ...............................................................14
3.1. Tecnologia Apropriada: o surgimento do termo...........................................14
3.2. Em busca de uma taxonomia......................................................................19
3.3. Aplicação da Tecnologia Apropriada no Brasil.............................................24
4. Um novo olhar sobre as Tecnologias Apropriadas: valorizando a proposta
multidimensional.................................................................................................30
5. Tecnologias Apropriadas e a sua contribuição para um novo paradigma de
desenvolvimento.................................................................................................33
6. Tecnologias Apropriadas: uma estratégia para o Desenvolvimento Rural..........43
7. Uma nova proposta de análise multidimensional: um salto no escuro? ............50
7.1. A dimensão ambiental..................................................................................53
7.2. A dimensão cultural......................................................................................55
7.3. A dimensão econômica................................................................................58
7.4. A dimensão política......................................................................................61
7.5. A dimensão social........................................................................................64
7.6. A dimensão sociotécnica..............................................................................66
7.7. Síntese e conclusão.....................................................................................69
8. Estudos ilustrativos.............................................................................................71
8.1. Projeto Educação Ambiental para a Agricultura Orgânica nas APAs
Bororé-Colônia e Capivari-Monos.......................................................................73
8.2. Centro de Educação para a Sustentabilidade..............................................82
9. Considerações finais...........................................................................................90
Referências bibliográficas.........................................................................................94
6
Índice de gráficos, tabelas e figuras
Tabelas
Tabela 1 – Parâmetros para a dimensão ambiental
Tabela 2 – Parâmetros para a dimensão cultural
Tabela 3 – Parâmetros para a dimensão econômica
Tabela 4 – Parâmetros para a dimensão política
Tabela 5 – Parâmetros para a dimensão social
Tabela 6 – Parâmetros para a dimensão sociotécnica
Tabela 7 – Método dos estudos ilustrativos
Tabela 8 – Dimensão ambiental: estudo ilustrativo 1
Tabela 9 – Dimensão cultural: estudo ilustrativo 1
Tabela 10 – Dimensão econômica: estudo ilustrativo 1
Tabela 11 – Dimensão política: estudo ilustrativo 1
Tabela 12 – Dimensão social: estudo ilustrativo 1
Tabela 13 – Dimensão sociotécnica: estudo ilustrativo 1
Tabela 14 – Parâmetros para a dimensão ambiental
Tabela 15 – Dimensão ambiental: estudo ilustrativo 2
Tabela 16 – Dimensão cultural: estudo ilustrativo 2
Tabela 17 – Dimensão política: estudo ilustrativo 2
Tabela 18 – Dimensão social: estudo ilustrativo 2
Tabela 19 – Dimensão sociotécnica: estudo ilustrativo 2
Figuras
Figura 1 – Modelo do instrumento analítico
Figura 2 – Agricultores e grupo técnico do projeto Orgânicos das APAS
Figura 3 – Cesta de alimentos produzidos pelos agricultores
Figura 4 – Construção coletiva de composteiras
Figura 5 – Resultado da aplicação do instrumento no estudo ilustrativo 1
Figura 6 – Vista panorâmica do Centro de Educação para Sustentabilidade
Figura 7 – Telhado verde e sistema de captação de água da chuva
Figura 8 – Vista frontal do CES
Figura 9 - Resultado da aplicação do instrumento no estudo ilustrativo 2
7
Resumo
Este trabalho tem como objetivo principal a construção de um instrumento analítico
e metodológico capaz de compreender e avaliar as Tecnologias Apropriadas em
sentido multidimensional e a sua utilização como meios para o Desenvolvimento
Rural, contribuindo para qualificar as experiências que são concebidas em oposição
ao modelo tecnológico convencional da Revolução Verde. Para isso, buscou-se
orientar tal construção analítica a partir da base conceitual advinda das teorias do
desenvolvimento que interpretam a realidade a partir de um espectro holístico e
complexo, superando assim a tradição minimalista que traduz desenvolvimento
como um sinônimo de crescimento econômico. Também com o intuito de qualificar a
proposta deste trabalho, foi realizada uma revisão bibliográfica a respeito do tema
das Tecnologias Apropriadas, buscando entender como tal tema vem sendo tratado
historicamente. Esse conjunto de teorias forma o guia de orientação que conduziu a
definição dos critérios e dimensões de análise para as Tecnologias Apropriadas,
que, a partir desta perspectiva, são analisadas através das dimensões ambiental,
cultural, econômica, política, social e sociotécnica.
O instrumento analítico foi aplicado em dois estudos ilustrativos com características
voltadas para o meio rural, com o objetivo maior de testar a aplicabilidade da análise
das dimensões e dos níveis de performance propostos. As experiências analisadas
foram o projeto de agroecologia Educação Ambiental para a Agricultura Orgânica
nas APAS Bororé-Colônia e Capivari Monos, realizado pelo Instituto 5 Elementos na
região sul do município de São Paulo, e as iniciativas de bioconstrução do Centro de
Educação para a Sustentabilidade (CES) em Alphaville (Santana do Parnaíba – SP)
8
1.1.1.1. Introdução
Discutir questões existentes no âmbito das escolhas tecnológicas vai muito
além do esforço em averiguar a evolução e a eficiência técnica dos métodos
organizacionais e dos instrumentos ao longo do tempo. A tecnologia é muito mais do
que simples opções instrumentais que contribuem para o aumento da eficácia dos
meios de produção ou do crescimento econômico, uma vez que sua elaboração e
utilização envolvem necessariamente outras implicações de origem, social,
ambiental, política e cultural. É a partir dessa noção que se orientam os trabalhos e
pesquisas que compõem o campo do conhecimento chamado Ciência, Tecnologia &
Sociedade (CTS), organizando um importante referencial teórico que nega a
determinação tecnicista da ciência e da tecnologia. Entende-se, por tanto, que as
tecnologias não estão dadas por si só, e que, por essa razão, sofrem influência em
outros aspectos. A proposta deste trabalho enquadra-se nesta macro-área, e busca
tratar especificamente sobre o tema das Tecnologias Apropriadas em contextos
rurais, de modo a avançar na consolidação um olhar multidimensional para essas
tecnologias no campo, que em linhas gerais, podem ser definidas como opções
alternativas ao modelo de desenvolvimento tecnológico convencional. A esse
respeito, o objetivo deste trabalho é a construção de um instrumento capaz de
identificar e analisar como são desenvolvidas e implementadas as Tecnologias
Apropriadas para o uso em territórios rurais em suas diferentes dimensões, e assim,
contribuir para qualificar as experiências que se diferenciam dos moldes
tecnológicos convencionais da chamada Revolução Verde. Ressalto aqui que o
intuito de construir tal instrumento analítico não tem a pretensão de enquadrar ou
classificar as Tecnologias Apropriadas em categorias normativas e estanques, e por
essa razão, é pensado como um conjunto de diretrizes, e não como uma ferramenta
rígida e fechada em si mesma.
A compilação de elementos complexos em um indicador de análise é um
desafio que não é novo. Muitos índices e indicadores compostos que se propõem a
análises de objetos complexos e difusos são alvos de críticas que apontam falhas e
viés na sua construção, haja vista as ponderações que vêm sendo feitas com
relação ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), inclusive pelo próprio Amartya
Sen, um de seus idealizadores. Entretanto, o que não é segredo para ninguém é o
fato de que os indicadores estabelecem um “padrão normativo (standart) a partir do
qual avalia-se o estado social da realidade..” (CALDAS & KAYANO, 2002:297), e
9
dessa maneira, são naturalmente embutidos de viés que interpretam a realidade sob
um determinado enfoque. Sem querer fugir a esse fato, o que pretendo neste
trabalho é construir um instrumento analítico de caráter semi-estruturado e flexível,
de modo que ganhe significado e amplitude a partir do momento em que seja re-
significado pelos processos de utilização, tanto para um contexto e uma tecnologia
determinada, quanto para a elaboração, implementação, ou avaliação de alguma
política pública de desenvolvimento rural, contribuindo para a construção de
estratégias e diretrizes tecnológicas mais condizentes com a realidade do campo,
não no sentido biofísico, mas também em acordo com as dinâmicas sociais,
políticas e culturais existentes nos espaços rurais.
Os caminhos escolhidos aqui para tal construção teórico-metodológica fazem
menção direta às pesquisas de alguns importantes autores que trabalharam
especificamente com a questão tecnológica e suas implicações sociais, políticas,
culturais e ambientais, tal como Amílcar Herrera (1973, 2010), Nicolas Jequier
(1976, 1983), Renato Dagnino (1977, 2004, 2010) e Belmiro Valverde Castor (1983)
e Ramon Garcia (1987). A revisão de tal bibliografia, para além de embasar
teoricamente a proposta deste trabalho, também revelou um fato comum entre os
autores: a necessidade de construir um arcabouço metodológico que ao identificar,
analisar e avaliar, contribui para reforçar o conceito e a prática do que estamos
chamando de Tecnologias Apropriadas. Segundo Barbieri & Rodrigues (2008), os
trabalhos realizados sobre o tema até o momento, apontam para a necessidade de
se evoluir no que diz respeito ao desenvolvimento de critérios específicos que
possibilitem um maior entendimento da idéia de apropriabilidade. Esse argumento
reforça, portanto a proposta central deste trabalho em se constituir mais como um
conjunto de diretrizes e menos como um método de enquadramento de experiências
em critérios pré-estabelecidos. É nesse sentido que buscarei propor dimensões
analíticas que estejam em consonância com a complexidade e os múltiplos aspectos
existentes no âmbito das tecnologias.
As Tecnologias Apropriadas, no sentido pelo qual são abordadas neste
trabalho, devem ser entendidas como elementos que compõem os fins e os meios
de um projeto de desenvolvimento para o meio rural (HERRERA, 2010). Por essa
razão, esta pesquisa propõe um olhar para as tecnologias que leva em conta um
espectro multidimensional do contexto rural, capaz de entendê-las no campo da
Ciência, Tecnologia e Sociedade, sob a mesma égide de teorias que pensam o
10
conceito de desenvolvimento em seu sentido mais amplo e atual (FURTADO, 1974,
2002; SACHS, 2002, 2004; SEN, 2000; VEIGA, 2008), superando a tradição
minimalista que o interpreta como um sinônimo de crescimento e expansão
econômica. Assim, este trabalho também pode ser visto como uma contribuição
para análises e avaliações de políticas de desenvolvimento rural, tendo como ponto
de partida a observação das escolhas tecnológicas, seja para a prática agrícola em
si, seja para os outros aspectos desenvolvidas para a manutenção da qualidade de
vida no campo, entendendo que a complexidade dos cenários rurais é marcada por
uma variedade de atividades que configuram o que Sérgio Schneider (2003)
classifica como pluriatividade.
O objetivo geral deste trabalho é compreender as Tecnologias Apropriadas
utilizadas nos espaços rurais em sentido multidimensional, como condição para
construção de um instrumento capaz de identificar e analisar como são
desenvolvidas e implementadas as Tecnologias Apropriadas em suas diferentes
dimensões, e assim, contribuir para qualificar as experiências que se diferenciam
dos moldes tecnológicos convencionais. Por sua vez, os objetivos específicos deste
trabalho são:
• Contribuir para as discussões teóricas e metodológicas sobre a elaboração
de uma proposta multidimensional para identificar e avaliar as Tecnologias
Apropriadas utilizadas em territórios rurais;
• Elaborar um instrumento metodológico capaz de orientar análises
qualificadas sobre o uso e o desempenho das Tecnologias Apropriadas em cada
uma das dimensões propostas;
• Testar o instrumento metodológico em estudos ilustrativos com características
voltadas para o meio rural para averiguar a eficácia do mesmo no que tange ao seu
propósito orientação de diretrizes;
Os estudos ilustrativos escolhidos para a aplicação do instrumento proposto,
referem-se a duas experiências que, de um modo geral, orientam-se a partir de uma
perspectiva tecnológica alternativa, fazendo uso de diferentes conjuntos de
conhecimentos, técnicas, instrumentos ou métodos organizacionais, que podem ser
entendidos como heterodoxos e contra-hegemônico com relação ao modelo
tecnológico convencional, e que, por essa razão, são passíveis de análise sob o
11
espectro das Tecnologias Apropriadas. O primeiro caso refere-se a uma experiência
de agroecologia desenvolvida pelo Instituto 5 Elementos com comunidades rurais no
extremo sul da cidade de São Paulo (APAs Bororé-Colônia e Capivari-Monos). O
segundo caso refere-se à iniciativa do Centro de Educação para a Sustentabilidade
(CES) que utiliza a bioconstrução como princípio orientador de suas ações. Este
empreendimento, apesar de não situar-se em um contexto tipicamente rural,
apresenta práticas que podem ser consideradas como exemplares de Tecnologias
Apropriadas para o meio rural, como, por exemplo, os biodigestores. Os objetos a
serem analisados como Tecnologias Apropriadas serão, respectivamente, a
agroecologia e a bioconstrução.
O interesse e a relevância de trabalhar com o tema das Tecnologias
Apropriadas no meio rural, justifica-se em campos diversos e complementares, tais
como o político-institucional, o acadêmico e o pessoal.
No campo político-institucional, muitas mudanças vem marcando as decisões
sobre as políticas de Ciência e Tecnologia (C&T) que tomam novos contornos a
partir de uma recente inserção de outras dimensões de análise e entendimento do
fator tecnológico, tal qual o olhar social, ambiental e cultural. No próprio escopo do
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a criação da Secretaria da Ciência e
Tecnologia para a Inclusão Social (Secis) é um exemplo claro desse movimento que
passa a promover um novo prisma para a concepção de políticas públicas de
tecnologia. Nesse sentido as Tecnologias Apropriadas ganham importância
considerável.
Vale também ressaltar o importante diálogo que vem sendo estabelecido entre
o MCT, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e o Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) para a elaboração e
implementação de ações conjuntas que aliam as Tecnologias Apropriadas às
políticas públicas para o desenvolvimento rural, a partir de uma perspectiva
endógena e que valoriza os fatores e as características específicas do contexto
territorial.
Ainda no campo politico-institucional, cabe destacar as importantes iniciativas
de Organizações Não-Governamentais no que tange à consolidação dessa nova
perspectiva de se pensar as tecnologias, que embora não tratem do termo
12
Tecnologias Apropriadas1, são instituições importantes no contexto nacional. O
Instituto de Tecnologia Social (ITS), por exemplo, é uma das instituições respeitadas
que encabeçou o movimento político pela elaboração de novas bases para as
políticas tecnológicas. Outra instituição da sociedade civil que tem contribuído para
fortalecer o tema da Tecnologia Apropriada na agenda do governo é a Rede de
Tecnologia Social (RTS). Já no que concerne às experiências de Tecnologias
Apropriadas voltadas para territórios rurais, destacam-se as iniciativas que
consolidaram a chamada rede do Projeto de Tecnologias Alternativas (Rede PTA).
No campo governamental, a Fundação Banco do Brasil criou um ciclo de premiação
como forma e gesto de valorização da Tecnologia Apropriada.
Em outro aspecto, o tema de discussão deste projeto ancora-se em um
conjunto de produções acadêmicas que lhe garante importante relevância nesse
campo. Não é por menos que nos últimos anos o volume da produção acadêmica
que disserta sobre ciência, tecnologia e sociedade vem crescendo
consideravelmente. Como exemplo, temos a consolidação de programas de pós-
graduação que se dedicam exclusivamente ao tema, como o caso do Programa de
Pós-Graduação em Ciência Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de
São Carlos (Ufscar) e o Programa de Pós-Graduação em Política Científica e
Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A intenção deste trabalho é unir, em um mesmo escopo, diferentes campos do
conhecimento, fortalecendo e dando um significado à proposta de se pensar as
tecnologias sob uma perspectiva ampla. Desse modo, a proposta aqui é aliar os
conteúdos produzidos no campo das Tecnologias Apropriadas com a vasta literatura
acerca da idéia de desenvolvimento.
Por fim, no que diz respeito aos motivos pessoais que me levaram a
construção deste projeto, sobressai-se o fato de que venho trabalhando com o tema
das Tecnologias Apropriadas em âmbito profissional na minha atuação no Centro de
Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais e Qualidade de Vida (CEPPS) e em
alguns projetos de extensão universitária, desenvolvidos pela EACH/USP também
em parceria com o CEPPS, como o projeto “Desenvolvimento Local e o Uso de
Tecnologias Apropriadas”. Para além dos projetos de extensão, o tema vem sendo
1 A discussão sobre o surgimento no Brasil do termo Tecnologia Social em detrimento da Tecnologia Apropriada
será mais bem detalhado ao longo deste trabalho.
13
abordado pelo CEPPS também dentro do Grupo de Estudos e Pesquisas
Socioambientais (GEPS), que trabalha o tema das Tecnologias Apropriadas e
Desenvolvimento Rural em seus encontros a partir de uma perspectiva transversal.
2.2.2.2. Metodologia
Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa de caráter qualitativo, cujos
objetivos são entender a complexidade do desenvolvimento do conceito e do uso
das Tecnologias Apropriadas a partir de uma ótica multidimensional e propor um
método de avaliação capaz de qualificar o uso e o desempenho de experiências de
Tecnologias Apropriadas em ambientes rurais. Trata-se, portanto, de medidas
qualitativas em detrimento de medidas quantitativas. Esta opção se justifica por dois
motivos: a dificuldade em se estabelecer medidas mensuráveis e comparáveis entre
si em contextos históricos e geográficos muitas vezes completamente diferentes; a
arbitrariedade em atribuir pesos e medidas a situações e condições tão sensíveis e
ainda pouco exploradas do ponto de vista avaliativo como as Tecnologias
Apropriadas.
A pesquisa tem caráter exploratório e propositivo, sem que exista a exigência
de uma comprovação hipotética ao final do estudo. Assim, a base metodológica
adotada está amparada pela Grounded Theory. Essa teoria tem como princípio
básico “um método de análise de dados, particularmente sensível aos contextos,
que permite a compreensão do sentido de determinadas situações” (YUNES &
SZYMANSCKI, 2005).
Para a realização desta pesquisa foi utilizado um conjunto de ferramentas
metodológicas, que compreende inicialmente uma investigação bibliográfica e a
imediata análise de conteúdo do material encontrado, passando, por fim, pela
realização de estudos ilustrativos sumários.
A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio do “método bola de neve” que
compreende em procurar a literatura disponível a partir de algumas palavras-chave.
Neste caso, as palavras-chave são: “tecnologia apropriada” e “tecnologia social”.
Encontrada a literatura inicial, realizou-se uma segunda busca a partir da bibliografia
citada no material encontrado inicialmente. Este procedimento foi adotado em
rodadas sucessivas de busca até que a literatura adicional citada tornou-se marginal
e incrementalmente baixa.
14
Essa bibliografia orientou o debate sobre as questões tecnológicas,
influenciando a construção das dimensões, que por sua vez foram identificadas ao
longo do percurso histórico percorrido pela idéia de Tecnologia Apropriada e pelo
conjunto de críticas que incidiram tanto sobre a idéia quanto sobre as tecnologias
convencionais. As dimensões propostas também têm relação estreita com um
conjunto de produções acadêmicas que buscam entender o conceito de
desenvolvimento a partir de um espectro que dê conta de lidar com a complexidade
da questão (FURTADO 2002 ; SEN, 2000; SACHS 2004; VEIGA 2008). Desse modo
buscou-se entender as Tecnologias Apropriadas como uma questão
multidimensional e holística, e que, por essa razão, não deve ser analisada ou
mensurada sob uma perspectiva monolítica e estanque, incapaz de assimilar as
diferentes características que implicam em um processo de desenvolvimento,
principalmente no meio rural. Assim, as dimensões a serem consideradas são as
seguintes: ambiental, cultural, econômica, política, social e sociotécnica.
A aplicação do instrumento analítico buscará ilustrar uma interpretação
baseada nos dados obtidos em experiências práticas de utilização do mesmo, e que
por sua vez terá um papel fundamental na identificação dos pontos positivos e
também das falhas na construção do método analítico proposto.
3.3.3.3. O que são Tecnologias Apropriadas?
3.1. Tecnologia Apropriada: o surgimento do termo
Os trabalhos de Graeml (1996) e Jequier (1983, apud BARBIERI, 1989) tiveram a
preocupação de entender quais foram os principais momentos referentes às origens
dos movimentos das Tecnologias Apropriadas. As pesquisas realizadas por eles nos
indicam que as Tecnologias Apropriadas tiveram origem em diversos momentos
distintos e em localidades também diversas. Em seus trabalhos, Graeml e Jequier
nos apresentam alguns casos simbólicos e que nos ajudarão a compreender o que
são e como surgiram as Tecnologias Apropriadas.
O primeiro caso que apresentarei aqui, também tratado por Graeml e Jequier, diz
respeito à experiência conduzida por Mahatma Gandhi na Índia. De um modo geral,
parece ser consenso entre outros teóricos envolvidos no tema (BARBIERI, 1989;
HERRERA, 2010; JEQUIER, 1983; ROSA, 1989) o fato das Tecnologias
15
Apropriadas terem uma de suas origens significativas na Índia, à época em que
Gandhi iniciou todo o processo político revolucionário em busca da independência
de seu país. Gandhi pautava sua atuação e de seus seguidores a partir de três
princípios: a auto-suficiência; a crítica ao consumo desnecessário; e a ausência do
medo. Esses fundamentos compunham a estratégia de Gandhi rumo a um cenário
de desenvolvimento da nação indiana. Embora todos os três sejam fatores
importantes, destacaremos o elemento da auto-suficiência como ponto de partida
para explicar a origem de experiências de Tecnologias Apropriadas no contexto em
questão.
Para Gandhi, a auto-suficiência das nações seria um ponto-chave no que diz
respeito ao livre desenvolvimento das sociedades. A utilização e a valorização dos
recursos disponíveis no contexto local, tais como a terra, a mão-de-obra, os
equipamentos manuais e tradicionais, e os riquíssimos saberes populares,
aparecem para o autor indiano como elementos indispensáveis para o
desenvolvimento de uma nação. A partir deste ideal, Gandhi iniciou um intenso
movimento para a disseminação desses e de outros valores. Alguns deles ganharam
proporções muito relevantes no contexto nacional daquele país, com contribuição
determinante na luta contra o imperialismo inglês. Destacarei aqui, a título de
exemplificação, os esforços de Gandhi quanto à valorização da “roca”, um tear
manual amplamente difundido na cultura indiana, mas que devido à opressão
inglesa e a imposição de tecnologias exógenas era subutilizada pela população
local. Gandhi, percebendo o evidente potencial de mobilização e contestação que
este instrumento guardava, sabiamente articulou um movimento de valorização da
produção local de tecidos a partir do uso da roca. Organizou-se então uma
verdadeira campanha em prol do uso da roca por todos os indianos, cada qual
fazendo seu próprio tecido a partir dos recursos que tinham disponíveis. Isso acabou
por promover um colapso na indústria têxtil britânica, que até então mantinha
considerável poder de monopólio no mercado de tecidos.
Vemos então, que a partir do uso de um instrumento simples como a roca,
Gandhi conseguiu subverter uma ordem pré-definida, provocando uma
emancipação, mesmo que momentânea, da sociedade indiana. Através dessa nova
organização social em torno da produção de tecido por meio da roca, vê-se um claro
exemplo de Tecnologia Apropriada, que tem como uma característica marcante o
rompimento de um sistema de dependência advindo da submissão ocasionada pela
16
importação inadequada de tecnologia. Gandhi traçou estratégias de
desenvolvimento onde os indivíduos não mais seriam obrigados a se submeter a um
sistema e a uma lógica opressiva e cerceadora de liberdades. Com a alternativa da
roca, os cidadãos passariam a poder fazer escolhas (SEN, 2000). Amilcar Herrera
(2010) nos trás uma passagem bastante interessante que discute um elemento
importante na experiência de Gandhi, referente ao que ele chama de inteligência
criativa:
“La base de la lucha contra la pobreza era el pleno empleo. El desarrollo
moral y mental pleno del individuo era para Gandhi la consideración
suprema. Era esencial encontrar trabajo que diera la oportunidad de auto
expresarse y desarrollar inteligencia creativa. La educación basada en el
trabajo manual y en la identificación y solución de problemas de relevancia
inmediata era la herramienta para desarrollar esa inteligencia creativa”
(HERRERA, 2010:23)
Vale destacar que tal debate a respeito da “criatividade” também será bastante
abordado no decorrer deste trabalho, principalmente com referência aos trabalhos
de Celso Furtado (2002) sobre criatividade política e cultural, pressupostos
necessários para a superação do subdesenvolvimento.
O segundo caso que podemos observar para entender a complexidade do
conceito de Tecnologias Apropriadas, diz respeito ao movimento de industrialização
súbita que ocorreu nos Estados Unidos, à época em que o comércio e a importação
de bens manufaturados do continente europeu (principalmente da Inglaterra)
encontravam-se seriamente comprometido em função das guerras napoleônicas.
Nesse cenário, os EUA se viram em uma situação onde tiveram que encontrar uma
solução interna para continuar consumindo determinados bens e produtos de
origem industrial, que naquele momento tinham apenas a importação como fonte de
oferta de tais bens. Como àquela época os EUA não contavam com uma quantidade
suficiente de mão-de-obra especializada que pudesse ser alocada em atividades de
produção industrial desses bens e produtos, a opção adotada foi apostar nos
recursos disponíveis para o desenvolvimento de tecnologias que pudessem suprir
esse problema, e assim possibilitar a produção dos bens industrializados.
Vemos no caso norte-americano um exemplo muito peculiar e que nos ajudará
bastante a entender o que estamos chamando aqui de Tecnologias Apropriadas.
Talvez pareça um tanto quanto estranho classificar um caso de industrialização
17
como um exemplo de Tecnologias Apropriadas. Porém, essa passagem nos trás
uma indicação bastante consistente do que são essas tecnologias. Vemos que
àquele momento específico nos EUA, a mão-de-obra era um recurso escasso, e não
seria viável apostar em um modelo de desenvolvimento tecnológico que se
ancorasse no fator trabalho. Desse modo, a opção norte-americana teve que se
estruturar na mecanização dos processos industriais.
Esse caso também nos possibilita refletir sobre o caráter essencialmente
temporal do conceito de apropriabilidade, assim como nos aponta Amílcar Herrera
(1973) quando enfatiza que as tecnologias apropriadas são adequadas segundo um
determinado contexto e em um determinado momento histórico, sendo que uma
mesma tecnologia ou uma mesma forma de organizar a sociedade pode ser
radicalmente maléfica em outro contexto territorial que não o de sua origem, ou até
mesmo em um mesmo contexto, mas em outro momento histórico. Assim, vemos
que as Tecnologias Apropriadas tendem a obedecer ao que Graeml denomina de
“domínio operacional”, que se trata, em suma, da adequação temporal e territorial
dos instrumentos tecnológicos. Nesse sentido, fica claro que a opção pela
mecanização foi apropriada nos EUA naquele determinado momento da história,
mas que essa opção não pode, e nem deve, ser universalmente transposta para
outros locais como panacéia de desenvolvimento, uma vez que são bastante
conhecidas as implicações negativas que a mecanização excessiva dos processos
produtivos pode ocasionar à sociedade, tal como o aumento agudo do desemprego.
O terceiro exemplo a ser lembrado aqui é a construção teórica de Ernest Friedrich
Schumacher, pensador alemão que ganhou notoriedade com a publicação de Small
is beautiful (SCHUMACHER, 1977). Os trabalhos de Schumacher são bastante
relevantes para pensarmos as origens do debate a respeito das Tecnologias
Apropriadas. Pensador crítico ao modelo de desenvolvimento ocidental e adepto da
idéia de tecnologias intermediárias, Schumacher sofre clara influência de Gandhi,
compartilhando de muitos de seus ideais. O autor alemão nos traz uma noção muito
importante no que tange ao tema específico das Tecnologias Apropriadas. Trata-se
do que ele denomina “tecnologias intermédias”. Para Schumacher, essas
tecnologias são uma alternativa tanto ao uso de tecnologias de ponta,
comprometidas com o padrão convencional de exploração econômica, política, e
outras mais, como também ao retrocesso e uso de técnicas arcaicas e rudimentares
que não são capazes de promover índices interessantes de produção e nem
18
possibilitam outras externalidades positivas que contribuam para o desenvolvimento
do contexto em que estão inseridos. Schumacher ainda define as tecnologias
intermediárias como instrumentos simples e compreensíveis, de fácil acesso e
manutenção, geradoras de empregos, e promovedoras de liberdades de escolha,
claramente corroborando com os dizeres da auto-suficiência de Gandhi.
Porém, cabe estabelecer aqui um fator de diferenciação entre as circunstâncias e
o contexto de onde surgem os trabalhos de Gandhi e de Schumacher, o que é um
fator decisivo para a diferenciação dos dois enfoques. O primeiro busca nas
Tecnologias Apropriadas um meio de melhorar os padrões de vida em um país em
desenvolvimento (Índia, ex-colônia do Império Britânico), e para isso aposta em
instrumentos e técnicas que possibilitem o rompimento com a lógica perversa de
dominação que impõem uma situação de eterno subdesenvolvimento. Demonstra-
se assim a necessidade de alcançar outras bases que não as convencionais para se
atingir o desenvolvimento em um país pobre e em condições socioeconômicas
preocupantes. A experiência gandhiana faz uso de uma importante prerrogativa de
articulação política e social, organizando os indivíduos para pensar um projeto de
desenvolvimento “a partir de dentro”, fazendo suas escolhas tecnológicas com base
nos recursos disponíveis no contexto em questão.
Por outro lado, Schumacher desenvolve sua teoria a partir do seu olhar para a
Europa ocidental, onde o padrão de industrialização já havia se estabelecido há
bastante tempo. Nesse caso, a opção pelas Tecnologias Apropriadas aparece com
um significado diferente e que faz menção a uma oposição ao modelo de
desenvolvimento adotado até então. Esse movimento vem calcado no emergente
ecologismo e em teorias econômicas heterodoxas (década de 1970), e simboliza-se
em movimentos estudantis que ganham relativa força na Europa nesta época. O que
podemos observar é que Schumacher, apesar da inspiração na trajetória de Gandhi,
não conseguiu sustentar em sua proposta de tecnologia intermédia alguns
elementos que, no enfoque gandhiano, são de vital importância, tais como o
desenvolvimento de tecnologias a partir de uma perspectiva endógena, o
alicerçamento das tecnologias no contexto local, e a articulação política
emancipadora, com características contra-hegemônicas. Os desdobramentos do
trabalho de Schumacher acabaram por configurar processos de desenvolvimento
das tecnologias intermédias simplesmente para exportação, seguindo as bases do
modelo tecnológico convencional. Pelo fato de que no contexto da Europa ocidental
19
essas tecnologias não conseguiram angariar espaço, e muito menos entrar de fato
na agenda pública dos Estados europeus, elas não conseguiram configurar as
bases de um processo de desenvolvimento pautado por um novo paradigma
tecnológico. As tecnologias intermédias acabaram por ser direcionadas para a
aplicação em países subdesenvolvidos em um processo de transferência
tecnológica. Por essa razão, a proposta de Schumacher recebeu muitas críticas.
Como exemplo, temos uma trecho de um texto de Ignacy Sachs (2009). Nas
palavras do autor:
“Schumacher formulou uma proposta bem intencionada, porém
extremamente redutora, que lhe valeu grande popularidade: recorrer a
tecnologias “intermediárias” que já saíram fora do uso nas economias
desenvolvidas, mas ainda assim constituem um progresso com relação às
tecnologias atrasadas que ainda predominam nos países do Sul. Dentro de
certos limites, as tecnologias intermediárias têm sua utilidade. Mas não dá
para renunciar aos setores avançados da indústria, nem para transformar
Small is Beautiful em uma ideologia, para não dizer religião.” (SACHS,
2009:141)
De todo modo, é a partir da teoria de Schumacher que se desencadeou um
processo de propulsão de inúmeras outras experiências e trabalhos que buscavam
entender essas iniciativas que se apresentam no sentido de estruturar alternativas
contra-hegemônicas em termos do uso e desenvolvimento de tecnologias para os
mais variados proveitos. Nessa onda de fortalecimento e divulgação do termo,
inúmeras denominações diferentes começaram a aparecer, mas que em tese,
representavam, mais ou menos, o mesmo fenômeno, referente ao desenvolvimento
de um contraponto e uma resposta aos problemas advindos da adoção ao padrão
tecnológico convencional.
3.2. Em busca de uma taxonomia
Barbieri (1989) denomina a efervescência de trabalhos, pesquisas e iniciativas
no campo da Ciência, Tecnologia e Sociedade como “movimento da tecnologia
apropriada”, e nos traz uma listagem das principais características que essas novas
(ou nem tão novas) tecnologias têm em comum. Essa listagem também corrobora
com os trabalhos de Jequier & Blanc (1983, apud BARBIERI, 1989) quando estes
autores nos dizem que as Tecnologias Apropriadas são instrumentos de:
20
• baixo investimento por posto de trabalho
• baixo capital investido por unidade de produção
• baixo custo do produto final
• simplicidade organizacional
• alto grau de adaptabilidade ao ambiente social e cultural
• economia no uso dos recursos naturais
• grande potencial na geração de empregos
Outra classificação genérica acerca dessas novas experiências, pode ser
encontrada no trabalho de Dickson (1978). Esse autor propõe que as tecnologias
apropriadas podem ser assim classificadas quando referirem-se aos seguintes
preceitos:
• mínima utilização de recursos não renováveis
• mínima interferência ecológica
• auto-suficiência regional ou sub-regional
• eliminação da alienação ou exploração dos indivíduos
Para se ter uma idéia do alcance que essas iniciativas tiveram, podemos
novamente recorrer à contribuição de Barbieri (1989). O autor seleciona na literatura
algumas denominações mais comumente utilizadas para alternativas ao padrão
tecnológico convencional, como “tecnologia alternativa, tecnologia intermediária,
tecnologia de baixo custo, tecnologia suave, tecnologia de vila, tecnologia
comunitária, tecnologia poupadora de capital, tecnologia ambientalmente
apropriada…” (BARBIERI, 1989:40)
Embora cada uma delas mantenha características particulares que mereçam
as diferentes denominações, podemos entender que, de maneira geral, todas elas
corroboram, pelo menos em parte, de um mesmo princípio básico, referente à
contestação e oposição ao modelo tecnológico convencional. Nas palavras de
Ramon M. Garcia (1987), outro importante autor que trabalhou com o tema das
Tecnologias Apropriadas, “...os diferentes nomes refletem justamente as diferentes
prioridades que se podem atribuir a uma dimensão em face das demais.” (GARCIA,
1987:69).
Tendo em vista as possíveis classificações e algumas tentativas de se
21
estabelecer os limites e as principais características comuns do conceito da
Tecnologia Apropriada, cabe uma ressalva muito importante acerca do termo
“apropriada”. Reddy (1979), nos trás uma questão crucial para o entendimento e as
discussões desta pesquisa. O autor problematiza o caso a partir da seguinte
pergunta: “Tecnologia apropriada a quê?”. Segundo Reddy, a chave central da idéia
das Tecnologias Apropriadas somente pode ser plenamente compreendida quando
conseguimos responder a questão acima, entendendo os fatores que implicam a
avaliação das políticas tecnológicas, e os seus respectivos determinantes, que
variam desde as implicações técnicas e de engenharia, até os valores sócio-
culturais contidos no processo de escolha e utilização das tecnologias como um
todo. Pretende-se com este trabalho encontrar subsídios para que possamos
compreender esta questão mais a fundo. Para entender a complexidade inerente ao
conceito de Tecnologias Apropriadas, vale observar as palavras de Jequier (1976) a
respeito:
“Assessing the appropriateness of a technology necessarily implies
some sort of value judgment both on the part of those who develop it and
those who will be using it, and when ideological considerations come into
play, as they often do, appropriateness is at less a fluctuating concept.”
(JEQUIER, 1976:19)
Ainda a respeito do trabalho de Ramon Garcia, é importante lembrarmos aqui
algumas de suas contribuições que nos ajudam a compreender o conceito das
Tecnologias Apropriadas. O autor nos apresenta em seus trabalhos uma série
críticas realizadas a partir da repercussão dos trabalhos iniciais sobre Tecnologias
Apropriadas. Garcia organiza esses argumentos como base no que ele chama de
críticas de direita e críticas de esquerda. As primeiras referem-se às considerações
que representam o retrocesso e a incompreensão de um processo de vanguarda:
“Com as reações e as “críticas de direita” é fácil lidar. Elas são o resultado de uma
possível união existente entre ignorância e a insegurança psicológica”
(GARCIA,1987:68). O segundo grupo seria formado pelas críticas de esquerda2 que
apontam falhas verdadeiras e que se apresentam como riscos para o movimento
das Tecnologias Apropriadas.
2Tratarei mais a respeito dessas críticas logo a seguir nas discussões sobre as repercussões dos trabalhos de
Schumacher
22
É a partir desses argumentos contrários às Tecnologias Apropriadas que
Garcia busca consolidar uma concepção ampla e consistente para essas
tecnologias. Segundo o autor, para a melhor compreensão e implementação das
Tecnologias Apropriadas, é necessário “a adoção de um novo paradigma de
conhecimento, de vida e de trabalho” (GARCIA, 1987:68) que permita que tais
tecnologias possam alcançar seus objetivos reais, que, de um modo geral, têm
muitas relações com a construção de um ideal de desenvolvimento alternativo. Em
outras palavras, para Castor, assim como para Herrera (2010) e Buarque & Buarque
(1983), as Tecnologias Apropriadas devem ser compreendidas essencialmente sob
um enfoque multidimensional e que leva em conta as transformações ocasionadas
em diferentes dimensões. Nas palavras de Buarque & Buarque:
“... o conceito de tecnologia apropriada (em suas diferentes
interpretações) tem a sua origem na reconsideração do aspecto social no
desenvolvimento econômico, na busca do bem-estar para o conjunto da
população e em uma perspectiva de desenvolvimento auto-sustentado e de
longo prazo.” (BUARQUE & BUARQUE, 1983:71 apud GARCIA, 2010)
Após termos nos atentado a essas importantes contribuições teóricas sobre
essas Tecnologias Apropriadas e suas respectivas disputas semânticas, e
observando os trabalhos mais recentes a respeito do tema, vemos que,
curiosamente tal tema assume um novo contorno que descarta o termo Tecnologia
Apropriada e passa a utilizar a denominação Tecnologia Social. Essa nova
configuração é observada a partir de alguns trabalhos capitaneados por Renato
Dagnino. Muito embora Dagnino justifique sua opção pela substituição dos termos
em sua produção teórica (DAGNINO, 2004) vemos que os principais argumentos
pelos quais o autor sustenta a necessidade da substituição da nomenclatura podem
ser passíveis de contra-argumentação. Dagnino apresenta a idéia de que as
Tecnologias Apropriadas carecem de elementos que são vitais para que tais
tecnologias logrem o sucesso. Esses elementos dizem respeito à mobilização, a
articulação política das iniciativas e de seus atores sociais, e a construção coletiva e
com bases sociais das tecnologias. Entretanto, o que também é importante destacar
é que tais fatores são considerações extremamente presentes na perspectiva
teórica de Tecnologias Apropriadas advinda do que podemos chamar de enfoque
gandhiano, e que também está bastante presente na contribuição dos autores que
23
apresentei acima. Como também já dito anteriormente, embora Gandhi não utilize a
denominação Tecnologias Apropriadas, é consenso que o autor indiano seja um dos
principais precursores de iniciativas a partir de tais tecnologias, inclusive para o
próprio Dagnino. Portanto, a mobilização/articulação política e o desenvolvimento
das tecnologias a partir de uma perspectiva endógena e com enfoque nas
características sociais da população local são componentes que, mesmo
discretamente, já apareciam nas Tecnologias Apropriadas. O que de fato podemos
entender (e esse argumento sim nos faz todo sentido) é que a proposição de
Tecnologia Social trazida por Renato Dagnino é ancorada em um conjunto de
críticas realizadas com relação aos desdobramentos das chamadas tecnologias
intermediárias, advindas do enfoque de Schumacher, e que de uma maneira geral
acabaram por cooptar o movimento das Tecnologias Apropriadas3. As iniciativas
derivadas desta concepção apresentaram resultados desarticulados e meramente
pontuais, e que não conseguiram sustentação no longo prazo. Além disso,
apresentam um desvio muito significativo à concepção de Gandhi, uma vez que não
são desenvolvidas levando em conta a participação e o envolvimento de quem dela
fará uso. Pelo contrário, são propostas no contexto dos países desenvolvidos com o
intuito de serem utilizadas nos países do terceiro mundo, seguindo a mesma égide
de exportação/importação tecnológica do modelo convencional. Nesse sentido é
possível que se corrobore com as críticas feitas por Renato Dagnino e seus
seguidores com relação ao termo Tecnologia Apropriada. Porém, também é muito
importante observarmos a contribuição trazida pelos autores apresentados acima,
que de uma maneira geral, mantém a essência do enfoque gandhiano e lapidam em
bases consistentes o conceito de Tecnologias Apropriadas. De todo modo, é a partir
da nova denominação “Tecnologia Social” que o movimento pela inserção social da
tecnologia ganha campo. Basta ver a intensa contribuição de Dagnino e dos grupos
de pesquisa do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT -
UNICAMP) para os evidentes avanços no campo da Ciência, Tecnologia e
Sociedade, advindos da atuação tanto no campo acadêmico, como também na
perspectiva político-institucional, haja vista a difusão e amplitude que o tema ganhou
3Neste ponto retomo as considerações feitas por Ramon Garcia (1987) a respeito do que denominou de “críticas
de esquerda”.
24
a partir do ativismo político entorno da Tecnologia Social4.
A partir dessas considerações, opto pela utilização do termo Tecnologia
Apropriada com a intenção maior de preservar e resgatar contribuições que julgo
importantes para discutir o presente tema. Embora faça essa opção, não nego em
hipótese alguma a construção conceitual e a amplitude que o termo Tecnologia
Social vem tomando recentemente. Tal escolha representa apenas um
posicionamento diante de uma disputa semântica a qual considero o lado das
Tecnologias Apropriadas mais sólido conceitualmente, embora mais discreto no
âmbito político. Vale destacar, por fim, que a utilização declarada do termo
Tecnologia Apropriada, mesmo após o movimento da Tecnologia Social, também é
feita por outros importantes autores que orientam a construção deste trabalho, tal
como Ignacy Sachs (2004; 2009), Cristovam Buarque (1983) e Lynaldo de
Albuquerque (2009), como podemos ver no trecho a seguir:
“As minhas reflexões e colocações sobre o tema das Tecnologias
Apropriadas (TA) – termo original e seminal que precede historicamente o
termo Tecnologias Sociais, sendo o primeiro de minha preferência – estão
relacionadas à minha gestão como presidente do CNPq (...) Às vezes, acho
o termo Tecnologias Sociais (TS) muito amplo e genérico, perdendo em
substância aquilo que caracteriza as TAs, este um termo muito mais
concreto e focado tal como são as tecnologias específicas que ele engloba”
(ALBUQUERQUE, 2009:15-23)
3.3. Aplicação da Tecnologia Apropriada no Brasil
Em contexto nacional, a acumulação de experiências que utilizam Tecnologias
Apropriadas não é tão extensa como no exterior. Apresentarei brevemente algumas
das experiências que mais se destacam, tanto em ações da sociedade civil
organizada, como em casos de políticas públicas no âmbito do Estado. Entende-se
que experiências no âmbito da gestão pública são indicadores muito importantes
quanto à permanência e ao fortalecimento do tema das tecnologias apropriadas,
entendendo que o Estado resguarda um papel muito importante na figura de indutor
de processos de desenvolvimento. Vemos que no campo político-institucional,
muitas mudanças vêm marcando as decisões sobre as políticas de Ciência e
Tecnologia (C&T) que tomam novos contornos a partir de uma recente inserção de
4 É a partir dos trabalhos de Renato Dagnino sobre o termo Tecnologia Social que são criados o ITS (Instituto de
25
outras dimensões de análise e entendimento do fator tecnológico, tal qual o olhar
social, ambiental e cultural. No próprio escopo do Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT), a criação da Secretaria da Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social
(SECIS) é um exemplo claro desse movimento que passa a promover um novo
prisma para a concepção de políticas públicas de tecnologia. O foco principal de
atuação da SECIS/MCT resume-se em:
“Propor políticas, programas, projetos e ações que viabilizem o
desenvolvimento econômico, social e regional, e a difusão de
conhecimentos e tecnologias apropriadas em comunidades carentes nos
meios rural e urbano” 5.
Nesse sentido as Tecnologias Apropriadas ganham importância considerável.
Diversos seminários e eventos vêm sendo realizados por intermédio do MCT e em
parceria com outros ministérios, em especial o Ministério do Desenvolvimento
Agrário, demonstrando a grande interface que o tema das Tecnologias Apropriadas
guarda com relação às questões da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento
Rural. Um bom exemplo disso foi o seminário “Tecnologia Social e agricultura
familiar: semeando diferentes saberes” realizado em parceria entre a SECIS/MCT e
a Secretaria de Agricultura Familiar/MDA, em conjunto com o ITS.
Porém, antes mesmo da criação da SECIS/MCT, algum esforço de inclusão do
tema das Tecnologias Apropriadas já vinha sendo realizado no campo institucional,
ainda que sob uma perspectiva frágil e com um pressuposto muito parecido com as
proposições de transferência tecnológica de Schumacher. Haja vista a criação e os
trabalhos desenvolvidos pelo Programa de Transferência de Tecnologias
Apropriadas (PTTA) no âmbito do CNPq, entre os anos de 1983-1988.
Posteriormente, o PTTA acabou dando origem ao Programa de Apoio às
Tecnologias Apropriadas (PTA), também do CNPq, que buscou dar seqüência aos
trabalhos durante os anos de 1993-2000. O intuito primordial desses dois programas
voltava-se para a identificação, catalogação e difusão de um banco de experiências
existentes em âmbito nacional e que envolvessem casos de desenvolvimento ou
utilização de Tecnologias Apropriadas. Por motivos de inconstância e
Tecnologia Social) e a RTS (Rede de Tecnologia Social) 5Portal do Ministério da Ciência e Tecnologia - http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/78953.html;
(2010).
26
descontinuidade de interesses da instituição, tanto o PTTA, quanto o PTA, tiveram
vida curta no CNPq, e o tema acabou perdendo espaço (ALBUQUERQUE. 2010) 6.
Antes de apresentar as experiências, cabe um breve apontamento do que
estamos entendendo nesses casos por Tecnologias Apropriadas. A noção de
Tecnologia Apropriada aqui apresentada inclui também as iniciativas de gestão
(orgware) de caráter inovador, que, pela utilização dos recursos disponíveis, ou por
fazerem um contraponto aos modelos de organização e gestão tradicionais, podem
se enquadrar no que Dagnino et al. (2010) denomina de inovação social, que por
sua vez, se expressa em três categorias diferentes. Nas palavras do autor:
“O conceito de inovação social, entendido ali a partir do conceito de
inovação – concebido como o conjunto de atividades que pode englobar
desde a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico até a introdução de
novos métodos de gestão da força de trabalho, e que tem como objetivo a
disponibilização por uma unidade produtiva de um novo bem ou serviço para
a sociedade – é hoje recorrente no meio acadêmico e cada vez mais
presente no ambiente de “policy making. “Esse conceito engloba, portanto
desde o desenvolvimento de uma máquina (hardware), até um sistema de
processamento de informação (software) ou de uma tecnologia de gestão –
organização ou governo – de instituições públicas e privadas (orgware)”
(DAGNINO et al, 2010:86)
Tratarei os casos apresentados abaixo também sobre uma da perspectiva de
tecnologia de gestão ou organização, apontando que, por razão de serem contra-
hegemônicas e por estarem direcionadas a outro modelo de desenvolvimento,
podem ser entendidas como Tecnologias Apropriadas.
O primeiro caso a ser levado em conta é a experiência de Franco Montoro (1985
– 1986), em sua gestão do governo do estado de São Paulo durante a década de
80. Àquela época, a maioria dos estados da Federação apresentavam enormes
déficits nas contas públicas, e uma inevitável necessidade de se romper com a
antiga lógica de financiamento e endividamento utilizada até então. Em São Paulo, o
cenário não era distinto. Fazia-se necessário então, repensar as formas de gestão
6De todo modo, em termos de ações e programas estatais integrados às Tecnologias Apropriadas os avanços
ainda são discretos. O que vemos são experiências desarticuladas entre si e que representam mais os reflexos da
atuação de empreendedores políticos, a partir da perspectiva de Kingdon (1995), do que de fato um planejamento
para a disseminação das Tecnologias Apropriadas em contexto nacional.
27
dos gastos públicos. Assim, uma das diretrizes da gestão Montoro foi à busca por
alternativas baratas e ao mesmo tempo eficazes e em consonância com uma
concepção de desenvolvimento diferenciada. Foram implantadas algumas
experiências que obtiveram considerável sucesso, partindo sempre do princípio do
uso racional de recursos e de soluções simples, coletivas e inteligentes para os
problemas da agenda pública.
Inúmeras ações se espalharam pelo interior do estado e obtiveram êxito
interessante. Vale destacar no que diz respeito a uma iniciativa relacionada aos
contextos rurais, uma iniciativa de nome um tanto quanto inusitado, mas que
simboliza bastante o uso da Tecnologia Apropriada nessa época. Trata-se da
chamada “Vaca Mecânica”, uma engenhoca desenvolvida pelo governo Montoro no
intuito de enriquecer o leite comum com a proteína da soja. Nada muito inovador,
sabendo que o leite de soja é uma receita bastante antiga. Entretanto, a produção
do leite de soja em moldes tecnológicos convencionais é demasiadamente cara, o
que inviabiliza a produção por parte dos pequenos produtores de leite e também o
acesso desse produto à população de baixa renda. Assim, a idéia de se desenvolver
um instrumento que possibilitasse a produção e a distribuição do leite de soja, a
partir do conhecimento tradicional (receita) e de um instrumento simplificado (Vaca
Mecânica) que fosse de fácil acesso aos pequenos produtores de leite do interior
paulista, e utilizando recursos adequados, configura a iniciativa como uma
experiência interessante em termos de Tecnologia Apropriada.7
Outra iniciativa importante no âmbito da gestão pública, relacionada ao
desenvolvimento no meio rural e que teve a Tecnologia Apropriada como princípio
orientador é a experiência desenvolvida no governo de Cristovam Buarque, no
Distrito Federal. Vale ressaltar que Buarque, além de cumprir o papel de gestor
público, também construiu uma importante carreira acadêmica estudando inclusive o
tema específico das Tecnologias Apropriadas (BUARQUE & BUARQUE, 1983). O
autor mantém vínculos teóricos, conceituais e intelectuais muito estreitos com
Ignacy Sachs, orientador de sua pós-graduação na França (EHESS – L’École des
7Embora todas essas ações e políticas públicas do governo Montoro tenham trazido à tona um caráter inovador e
estruturado um interessante laboratório de Tecnologias Apropriadas no estado de São Paulo, após essa gestão,
todas essas políticas acabaram por cair no esquecimento, sucumbindo a um inevitável processo de
descontinuidade de políticas públicas, muito comum àquela época e também nos dias atuais.
28
Hautes Estudes em Sciences Sociales), e que no caso deste trabalho, figura como
um importante referencial no que tange ao pensamento sobre desenvolvimento,
obviamente, fazendo o devido paralelo com o debate tecnológico.
No governo de Buarque (1995 - 1998) no Distrito Federal, chamam atenção
alguns experimentos e políticas públicas que faziam uso de mecanismos
simplificados e novos desenhos organizacionais capazes de romper com problemas
e barreiras apresentados pelos contextos sociais e econômicos em questão.
Ressalto aqui o entendimento da organização do trabalho ou do arranjo institucional
como uma ferramenta que deve ser considerada uma tecnologia em si,
principalmente pela sua capacidade de inovação, fazendo referência à contribuição
da escola sociotécnica da Administração, a qual será mais bem apresentada no item
5.1.1 deste trabalho. Um dos projetos mais significativos nesse sentido é o Prove
(Programa de Verticalização da Pequena Produção Agrícola). O Prove8 era um
programa de incentivo e de inserção socioeconômica do pequeno produtor rural em
mercados locais como rede de supermercados e no sistema de compras públicas. O
programa, através de capacitação técnica, administrativa e financeira, conseguiu
reorganizar a pequena produção agrícola local através de um esquema simples de
redesenho organizacional das relações deste mercado, utilizando-se apenas das
potencialidades e conhecimentos existentes no contexto em questão para o
desenvolvimento de pequenas agroindústrias. O Prove também centrou esforços na
alteração do arcabouço legal que impedia a ampliação das transações econômicas
do comércio local com a agricultura familiar, realizando uma importante reforma
institucional.
Ainda em termos de políticas públicas no âmbito do Estado, podemos citar
brevemente outras tantas experiências significativas no que tange a adoção e
valorização de Tecnologias Apropriadas em contextos rurais, e que não foram
menos importantes que as descritas acima. As iniciativas no estado do Paraná,
capitaneadas por Belmiro Valverde Castor; o caso do município de Lages em Santa
Catarina, sob a tutela e o espírito inovador e empreendedor do prefeito Dirceu
Carneiro na década de 80; as experiências de José Lutzemberger, tanto à frente da
8 Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque (2009), em artigo intitulado “Tecnologias Sociais ou Tecnologias
Apropriadas? O resgate do termo” destaca o Prove como um exemplo de Tecnologia Apropriada dentro do
Programa de Transferência de Tecnologias Apropriadas (PTTA) do CNPq.
29
Secretaria Especial de Meio Ambiente do governo federal na gestão Collor, como
também em diversas outras ações que protagonizou como membro e líder de
organizações da sociedade civil.
Por outro lado, quando se trata do envolvimento da sociedade civil organizada
acerca do tema e da prática de Tecnologias Apropriadas, podemos lembrar algumas
experiências emblemáticas.
A primeira delas refere-se aos trabalhos de Zilda Arns e a Pastoral da Criança. A
frente desse movimento, Zilda Arns buscava atrelar sabedoria popular com
conhecimento científico na luta contra a desnutrição infantil, a segurança alimentar e
outros problemas de saúde enfrentados por crianças em condições de pobreza
agravada, principalmente em ambientes rurais, onde as condições socioeconômicas
eram mais alarmantes. Somando essas técnicas e instrumentos alternativos ao
princípio da ação coletiva e do voluntariado, Arns conseguiu feitos incríveis e
proporcionou soluções simples e caseiras para o grave problema da fome e da
desnutrição infantil a um número incontável de mães e crianças carentes pelo Brasil
a fora. Como exemplo, podemos mencionar o caso da “multimistura”, importante e
eficiente composto alimentar desenvolvido pela Pastoral da Criança formado por
restos de alimentos quase nunca aproveitados, como a folha da mandioca, o farelo
do arroz, a semente de abóbora e a casca de ovo, encontrados em abundância
como restos da produção rural. A multimistura da Pastoral reflete muito mais do que
um reforço alimentar. Ela aparece como uma alternativa eficaz no combate à fome e
á desnutrição infantil, construída a partir do conhecimento popular e dos recursos
disponíveis no contexto local.
No caso de instituições não-governamentais que tratam especificamente das
questões tecnológicas, merecem destaque duas delas: O Instituto de Tecnologia
Social (ITS), a Rede de Tecnologia Social (RTS) e a AS-PTA, antiga Rede de
Tecnologias Alternativas (Rede PTA). O ITS é uma das instituições mais respeitada
do ramo, e encabeçou o movimento político pela elaboração de novas bases para
as políticas tecnológicas, fortalecendo a dimensão social no debate sobre C&T em
âmbito político-institucional. Fundado em 2001, o ITS tem como objetivo principal
promover a geração, o desenvolvimento e o aproveitamento de tecnologias voltadas
para o interesse social e reunir as condições de mobilização do conhecimento, a fim
30
de que se atendam as demandas da população9.
Já a RTS caracteriza-se como uma instituição talvez com menos aplicação
prática em termos de projetos desenvolvidos, mas que desenvolve um
importantíssimo papel de organização e integração das experiências no território
nacional. Pelo caráter ainda frágil das iniciativas que levam em conta as Tecnologias
Apropriadas, a integração dessas em rede é um pressuposto para a consolidação
do movimento e dos atores envolvidos como um grupo político realmente capaz de
consolidar o referido tema na agenda publica, tanto em âmbito nacional na relação
com os ministérios, como em âmbito local influindo em políticas públicas de estados
e municípios. Nesse enfoque, a RTS conduz um trabalho muito relevante, como é
possível observar no trabalho realizado por Dagnino sobre a Rede (BRANDAO,
DAGNINO & NOVAES, 2004).
Por fim, a AS-PTA, como já apontado acima, é herdeira da história da Rede
PTA, que emergiu no bojo das iniciativas dos movimentos sociais rurais na década
de 1970, e que buscava alternativas para a situação de crise apresentada no campo
naquele contexto, com o advento da Revolução Verde. Como desdobramento atual
dessa iniciativa, a AS-PTA vem buscando trabalhar as questões tecnológicas sob
uma égide ampla e com enfoque específico para a agricultura familiar, reforçando
principalmente a perspectiva agroecológica, como podemos ver num trecho extraído
do portal da instituição sobre a concepção dos projetos de desenvolvimento local
implementados:
“... os Programas de Desenvolvimento Local da AS-PTA constituem espaços
de exercício de enfoques inovadores de construção do conhecimento
agroecológico orientados para a constituição de redes sociais conformadas
por agricultores-experimentadores responsáveis pela emergência de
projetos locais de ocupação e uso dos territórios rurais.” (AS-PTA, 2010:
Trecho extraído do portal: www.aspta.org.br)
4.4.4.4. Um novo olhar sobre as Tecnologias Apropriadas: va lorizando a
proposta multidimensional.
Quando se pensa no conceito de Tecnologias Apropriadas, logo se faz uma
reflexão que, invariavelmente, conduz a seguinte pergunta: apropriada a quê?
apropriada a quem?. Belmiro Valverde Castor (1983) e Nicolas Jequier (1976) nos
9 Portal do Instituto de Tecnologia Social - www.itsbrasil.org.br ; (2010).
31
mostram que a idéia de apropriabilidade pode assumir diversos contornos,
dependendo sempre do ponto de vista de quem está pensando. Herrera (2010)
também aponta para a complexidade e para o caráter dúbio do termo quando
enfatiza que “todas las tecnologias son apropriadas: la pregunta es para que?”. Ou
seja, uma tecnologia nos moldes convencionais pode ser apropriada para uma elite,
que através dela mantém um sistema de lucratividade e poder. Obviamente, essa
mesma tecnologia não é apropriada para uma gama de outros atores sociais que
estão na outra ponta da sociedade, subordinados a uma lógica de submissão
política e econômica, por exemplo. Por essa razão, a idéia de apropriabilidade é
delicada e exige cautela no seu tratamento. O fato das Tecnologias Apropriadas
serem historicamente entendidas sob uma diversidade grande de interfaces, nos
trás uma questão bastante importante quando nos propomos a discutir as suas
características de maneira holística, e suas diversas interpretações a respeito de
seu papel “apropriado”. O olhar segmentado e setorial não vem se apresentando
como uma estratégia eficaz no que diz respeito à compreensão dos vários aspectos
que envolvem as Tecnologias Apropriadas, haja vista o esforço freqüente em
dialogar as questões tecnológicas sob perspectivas cada vez mais complexas,
refutando a análise técnica e economicista como a única interface relacionada ao
desenvolvimento tecnológico. Entender os usos da tecnologia exclusivamente sob a
ótica econômica, atentando, por exemplo, para a capacidade de redução de
insumos ou para os ganhos de produtividade de determinado instrumento, é limitar-
se a uma compreensão parcial de um fenômeno que possui características e
peculiaridades muito mais complexas, como podemos observar na afirmação de
Buaque & Buarque:
“É ponto pacífico entre os estudiosos da tecnologia, apropriada ou
não, que essa envolve múltiplas dimensões, não podendo ser plenamente
compreendida se considerarmos apenas sua dimensão econômica”
(BUARQUE & BUARQUE, 1983 apud GARCIA, 1987)
A outra “face da moeda” também não configura uma observação adequada a
respeito das tecnologias. Refiro-me àquelas experiências que exaltam, também em
caráter exclusivo, outras dimensões, como por exemplo as questões ambientais e
ecológicas, mas não levam em conta na análise os outros fatores, inclusive os
32
próprios fatores econômicos. Essas iniciativas, por serem muitos radicais e, acabam
por cair no descrédito e não encontram sustentação no debate público.
A respeito de propostas que avançaram no sentido de incorporar a perspectiva
multidimensional para a questão tecnológica, temos como um dos bons exemplos o
trabalho de Valverde Castor (1983), que nos trás uma contribuição muito importante
no que diz respeito à análise de diferentes categorias de Tecnologias Apropriadas. O
seu esforço de determinar alguns critérios para o entendimento das tecnologias é
interessante, embora deva ser examinado com ponderações. Primeiramente, deve-
se observar o contexto em que o autor escreve, entendendo que no início da década
de 80, existia um movimento considerável que se propôs a pensar as Tecnologias
Apropriadas. Esse movimento tinha como particularidade o vínculo de seus
membros com esferas governamentais.
As experiências mais significativas nesse contexto concentraram-se em São
Paulo, sob a tutela do governo Franco Montoro, e no Paraná, onde Valverde Castor
esteve fortemente envolvido. Nesse sentido, é válido ressaltar que a proposição de
método de avaliação feita por Valverde Castor talvez esteja atrelada a uma
necessidade de legitimação de um conjunto de experiências em que o próprio autor
esteve envolvido, tanto é que na finalização de seu artigo (CASTOR, 1983), o autor
relata um caso específico da região paranaense. De modo algum esse fato tira o
mérito da construção realizada por Castor, embora seja pertinente observar que a
definição dos critérios de identificação e análise têm relações substanciais com o
contexto em que se insere. Essa contestação é importante no âmbito deste trabalho,
cuja principal intenção é a contribuir para o debate e propor uma metodologia
diferente para a identificação e análise das Tecnologias Apropriadas, e que não está
necessariamente vinculada a nenhum caso ou contexto específico, ou melhor, não é
um exercício que visa à comprovação de alguma experiência específica.
Uma segunda ressalva a ser feita refere-se ao avanço nas discussões
referentes ao tema das Tecnologias Apropriadas feitas daquela época até os dias
atuais. Nesse ínterim, inúmeros trabalhos sobre o tema foram produzidos,
fomentando muitas novas reflexões a respeito. Basta ver a intensa produção e
discussão teórica sobre ciência, tecnologia e sociedade que vem sendo realizada
tanto no âmbito acadêmico10, como na perspectiva do Estado ou de instituições da
10Destaca-se nesse sentido o Departamento de Política, Ciência e Tecnologia do Instituto de Geociências da
33
sociedade civil. Além disso, a evolução de outras áreas de conhecimento, não
consideradas na pesquisa bibliográfica de Valverde Castor, é latente, principalmente
no que diz respeito à temática do desenvolvimento que deve ser levada em conta
quando se propõem a analisar as diferentes dimensões que envolvem o conceito e
a prática das Tecnologias Apropriadas.
Outra iniciativa que também merece destaque quando se trata de construção
de parâmetros e dimensões de análises das Tecnologias Apropriadas é o trabalho
de Ramon Garcia. Em seu artigo publicado nos cadernos da FUNDAP, intitulado
“Tecnologias Apropriadas: amiga ou inimiga oculta” (GARCIA, 1987), o autor realiza
uma discussão de alto nível intelectual a respeito das questões tecnológicas,
propondo alguns critérios que seriam relevantes para a observação e qualificação
da “pertinência” (ou appropriateness, nas palavras do autor) das tecnologias. Como
já demonstrado acima, Garcia é um autor de grande importância para a
compreensão e defesa do tema das Tecnologias Apropriadas. É exatamente nesse
sentido que o autor nos propõem algumas dimensões de análise, que segundo ele
“a maioria dos autores são concorde em aponta (las)” (GARCIA, 1987:69). A saber,
as dimensões propostas por Ramon Garcia são: econômica, sócio-cultural, política,
científico-tecnológica e ecológica. De um modo geral, tais dimensões podem ser
consideradas como uma referência de suma importância para a construção do
instrumental analítico deste trabalho, o qual será apresentado mais adiante.
5.5.5.5. Tecnologias Apropriadas e sua contribuição para um novo paradigma de
desenvolvimento
A proposta deste trabalho consiste no esforço de contribuir para as iniciativas
supracitadas relacionadas à construção de métodos de análises e definição de
critérios que sejam capazes de apreender as diversas formas de expressão e
manifestação contidas no âmbito das tecnologias. Para isso, ao mesmo tempo em
que serão consideradas as empreitadas anteriores de Valverde Castor (1983) e de
Garcia (1987), buscarei avançar na consolidação de dimensões analíticas que
mantenham relação estreita com a construção teórica de uma importante vertente
de pensadores que tem como objeto principal de estudo o conceito de
desenvolvimento, no sentido amplo da palavra. Nesse sentido, pretende-se observar
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
34
as Tecnologias Apropriadas sob o mesmo espectro que Amartya Sen (2000), Celso
Furtado (2002), Ignacy Sachs (2004), e José Eli da Veiga (2008) vêm discutindo o
conceito de desenvolvimento, entendendo-a como uma questão multidimensional e
holística, e que, por essa razão, não deve ser analisada ou mensurada sob uma
perspectiva monolítica e estanque. O cerne da contribuição desses autores é
exatamente a ampliação do escopo de análise acerca do conceito de
desenvolvimento, questionando o paradigma ultrapassado que entendia
desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, e promovendo um
novo modo de observar a evolução das sociedades que leve em conta os mais
variados aspectos da vida humana, e não exclusivamente o acompanhamento dos
índices que mensuram a “saúde da economia”. É nesse novo contexto teórico-
acadêmico, marcado pela interdisciplinaridade e pela valorização do entendimento
multidimensional dos fatores complexos que o desafio de alterar o paradigma
essencialmente econômico das teorias do desenvolvimento aparece como o fator
comum que estimula as obras desses autores. Seus trabalhos nos guiam para um
patamar mais elevado de compreensão, segundo o qual a idéia de desenvolvimento
deve abarcar outros focos de análise que são relevantes à qualidade da vida, tais
como os aspectos sociais, ambientais, políticos e culturais.
De uma maneira geral, esses autores buscam trabalhar a complexificação do
ideal de desenvolvimento a partir de uma ampliação do escopo analítico. Embora
cada um deles centre esforços em processos diferentes, é possível afirmar que
todos são contrários a idéia de crescimento econômico como sinônimo de
desenvolvimento, tal como foi por muito tempo entendido o conceito no âmbito das
teorias econômicas. Realizarei a seguir uma breve descrição a respeito dos autores
citados, no sentido de elucidar como elas abordam a idéia de desenvolvimento a
partir de um novo paradigma. Esse exercício servirá como pressuposto básico para
a formulação das categorias referentes à proposta multidimensional de análise das
Tecnologias Apropriadas, conforme demonstrarei mais adiante.
Para começar o discussão sobre desenvolvimento, nada melhor do que
analisarmos as contribuições que nos trás Celso Furtado (2002). Antes de tratar de
fato a respeito do conteúdo teórico apresentado por Furtado, é válido, para o melhor
entendimento das contribuições conceituais, que algumas considerações sejam
feitas sobre o autor. Celso Furtado se auto-intitulava como um economista
heterodoxo, que não via a economia tradicional como uma possibilidade real de
35
explicar e entender os fenômenos sociais. Suas contribuições teóricas sempre
guardaram um tom crítico aos modelos tecnicistas como meios para explicar a
realidade. Furtado também fez parte da CEPAL (Comissão Econômica para a
América Latina), onde juntamente com outros economistas adeptos de teorias
alternativas puderam desenvolver importantes trabalhos que contribuíram para o
desenvolvimento de novas maneiras de entender as dinâmicas dos países
subdesenvolvidos latino-americanos.
É justamente sobre essa idéia de subdesenvolvimento-desenvolvimento que
Furtado desenvolve seu pensamento. Para o autor, a idéia evolucionista que vê o
subdesenvolvimento como uma etapa precedente do desenvolvimento, incorre em
um erro fundamental de análise, não percebendo que os dois fenômenos são
complementares e se estruturam de modo recíproco. De maneira similar, Albert O.
Hischmann (1996), em sua Auto-subversão, também nos trás essa idéia de que a
evolução econômica das nações não respeita uma regra estigmatizada através de
etapas pré-desenhadas. Pelo contrário. Segundo Hischmann, melhor se sucedem
aqueles países que depositam suas fichas e apostam na inovação e na audácia,
revolucionando os preceitos de uma evolução programática. Assim, em consonância
com a impossibilidade evolutiva, Furtado entendia que a existência do
desenvolvimento requeria necessariamente a existência do subdesenvolvimento.
Nas palavras do autor:
“A verdade é que todos já percebemos que o subdesenvolvimento não
constitui uma etapa necessária do processo de formação das economias
capitalistas. É, em si, uma situação particular, resultante da expansão
destas, que buscam utilizar recursos naturais e mão-de-obra de áreas de
economia pré-capitalista” (FURTADO, 2002 :30).
Nesse sentido a busca pelo desenvolvimento requer Nesse sentido a busca
pelo desenvolvimento requer antes de tudo uma indagação primordial. É possível
que o modelo tradicional de desenvolvimento seja importado dos países avançados
para os países subdesenvolvidos? Para Celso Furtado a resposta é negativa.
Devido ao fato desse modelo de desenvolvimento com base no crescimento
econômico ser fundado a partir de uma lógica de exploração dual, de acumulação e
de utilização intensiva de capital natural esgotável, fica evidente que ele não pode
ser replicado indefinidamente, uma vez que corre riscos de manutenção, devido às
36
implicações ecológicas, até mesmo nos locais onde há tempos estão instaurados11.
Por outro lado, o autor também nos aponta que os países subdesenvolvidos
apresentam características tais que lhes configuram peculiaridades muito distintas
da realidade dos países desenvolvidos. Ou seja, as características sociais, políticas,
culturais, econômicas e ambientais do subdesenvolvimento são substancialmente
diferenciadas, e por essa razão não se adéquam ao modelo de crescimento
econômico ilimitado.
Para Furtado, é necessário, portanto, que sejam idealizadas novos modelos,
a partir de processos endógenos e de acordo com a cultura local para se pensar a
especificidade do ideal de desenvolvimento para os países subdesenvolvidos, de
modo que sejam superados impasses estruturais, tais como o autoritarismo político,
a imitação cultural e econômica, a crescente desigualdade social, o consumo
exacerbado de bens supérfluos, entre tantos outros problemas sociais que esses
países apresentam.
Nessa empreitada, Furtado dá destaque ao elemento da criatividade humana,
no sentido que somente a partir da inovação social é que novas alternativas podem
ser desenhadas de acordo com os aspectos específicos que condicionam o
subdesenvolvimento. O autor também enfatiza que esse processo criativo deve ser
estabelecido internamente e livre da influência negativa que tende a enquadrar as
inovações na mesma lógica a serviço do desenvolvimento em sua concepção
tradicionalista. A criatividade, portanto, deve ser expressa nas mais variadas formas,
materializando o ideal de desenvolvimento em uma perspectiva multidimensional.
Celso Furtado também salienta a importância do papel da criatividade e da
atuação política como um elemento importante para superar o subdesenvolvimento.
Para o autor, é através de processos políticos consistentes e comprometidos com
um novo ideal de progresso capaz de fomentar a “liberdade de criar” do ser humano,
que novas alternativas para o desenvolvimento podem ser estruturadas. Por fim,
vale também apontar o papel de destaque que Furtado estabelece para a inclusão
da população em processos participativos acerca das decisões públicas, reiterando
que sem a qual “o desenvolvimento não se alimentará de autêntica criatividade e
pouco contribuirá para a satisfação dos anseios legítimos da nação” (Furtado, op. cit
:36
11 Nesse ponto o pensamento de Furtado antecipa uma corrente que discute a idéia de desenvolvimento sob
37
A segunda referência sobre o conceito de desenvolvimento a ser analisada
refere-se à importante contribuição teórica de Amartya Sen, economista indiano que,
assim como Furtado, também tem em sua linha de pesquisa um objetivo de
extrapolar os limites das análises econômicas convencionais. O livro
Desenvolvimento como liberdade (SEN, 2000) é considerado uma das obras de
maior expressão de Sen, que em 1998 foi congratulado com o Prêmio Nobel de
Economia. As idéias deste livro também tiveram grande influência para a elaboração
do Índice de Desenvolvimento Humano (ONU), que hoje vêm sendo amplamente
difundido como indicador de desenvolvimento, apesar das críticas que já recebeu.
A obra de Sen é considerada por muitos como inovadora por adentrar em
uma perspectiva muito pouco explorada até então. Sen, para além de refutar, pura e
simplesmente a idéia de desenvolvimento como elevação das taxas de crescimento
econômico, propõem-nos uma teoria que entende desenvolvimento como um
processo contínuo de “ampliação das liberdades”.
Para o autor a ampliação e expansão das liberdades são os meios e os fins
do desenvolvimento, configurando, respectivamente, a dimensão constitutiva (ou
instrumental) e a dimensão substantiva. Sen apresenta-nos cinco categorias nas
quais classifica tais liberdades. São elas: liberdades políticas; facilidades
econômicas; oportunidades sociais; garantias de transparência; e segurança
protetora. Essas liberdades instrumentais têm o papel estrutural de possibilitar os
meios para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, são também o principal fim do
processo de desenvolvimento, uma vez que o pleno exercício de tais liberdades
configuram-se como um objetivo importante ao desenvolvimento. Para além disso, a
garantia ou a expansão de uma dessas liberdades contribui para o que o autor
denomina de complementaridade entre as liberdades, entendendo que a linha que
as divide é significativamente tênue, e por essa razão é necessário que se leve em
conta as interconexões existentes entre elas. Nas próprias palavras do autor “O
processo de desenvolvimento é fortemente influenciado por essas interconexões”
(SEN, 2000:71). Sen ressalta que da mesma maneira que a expansão das
liberdades políticas, por exemplo, podem implicar em um aumento progressivo das
oportunidades sociais, a supressão a uma determinada liberdade têm efeito
deletério também nas outras dimensões.
o ponto de vista ecológico/ambiental, a qual é bem apresentada na obra de José Eli da Veiga (2008).
38
Ainda no sentido de complementaridade entre as liberdades, Sen nos trás um
importante debate a respeito da relação entre a ampliação das oportunidades
sociais em relação ao aumento das facilidades econômicas. O autor enfatiza que,
embora elas tenham relações próximas, não é correto entender que o crescimento
econômico automaticamente implicará em um aumento das oportunidades sociais,
uma vez que essas são também influenciadas pela expansão das outras liberdades,
e também pelo próprio incentivo de ações que contribuam diretamente para a o
aumento de tais oportunidades. Sen baseia-se em dados empíricos para demonstrar
que a idéia de crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento é
infundada. O autor faz longas análises a respeito das condições socioeconômicas
de alguns países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia. No seu texto é
possível perceber que o crescimento econômico desses países não teve como
conseqüências inerentes a melhoria no quadro social. Sen, assim como Furtado,
reforça que fenômenos como a concentração de renda e o autoritarismo político são
elementos que impedem que a geração de riqueza seja destinada à elaboração de
alternativas para mitigar a pobreza, a fome, o déficit habitacional, e outras
características do subdesenvolvimento.
Outro ponto de suma importância na idéia de desenvolvimento como liberdade
refere-se à concepção de progresso orientada para o indivíduo como agente atuante
e delimitador do conceito e do próprio processo de desenvolvimento. Segundo
palavras do próprio autor, referindo-se à sua idéia de desenvolvimento como
liberdade:
“(o) processo de desenvolvimento centrado na liberdade é em grande
medida uma visão orientada para o agente. Com oportunidades sociais
adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar o seu próprio destino
e ajudar uns aos outros” (SEN, 2000:26)
Por fim, Amartya Sen entende que o desenvolvimento se dá a partir do trinfo
da sociedade perante as privações de liberdades que o cenário atual lhe impõe.
Mais que a eliminação dos entraves incrustados na própria noção de
desenvolvimento como crescimento econômico, é importante que avancemos numa
perspectiva que proporcione às populações no mundo um cenário de ampliação
efetiva das liberdades, em sentido multidimensional, contribuindo assim para as
inter-relações entre elas, e, de um modo geral, para os processos de
39
desenvolvimento sob um novo e complexo paradigma.
Assim como Amartya Sen e Celso Furtado, José Eli da Veiga também tem
como objeto principal de seus estudos um esforço em re-significar a idéia de
desenvolvimento. A proposta de Veiga (2008) consiste em uma profunda revisão
acerca do que vem sendo discutido sobre do tema do desenvolvimento, no intuito de
fortalecer o movimento de consolidação de um novo paradigma. Para isso, o autor
estabelece uma divisão entre três maneiras de como a idéia de desenvolvimento é
concebida.
A primeira tendência de interpretação refere-se especificamente às teorias
que compreendem desenvolvimento como expressão estrita de crescimento
econômico. O autor nos aponta que muitos trabalhos teóricos foram produzidos ao
longo desses anos com o intuito de subsidiar e dar significado, mesmo que
inconsistente, a esse modelo de desenvolvimento tradicional. Para Veiga, esse
modelo fracassa por inúmeros motivos, com algum destaque para a incapacidade
do mesmo em lidar com as limitações apresentadas pelo meio físico-natural. Ou
seja, para além de acarretar em outras tantas implicações e impedimentos
socioeconômicos (tais quais muito bem apontados por Furtado e Sen), o
desenvolvimento como crescimento econômico tem seus limites claros no que diz
respeito a sua sustentabilidade socioambiental. A segunda tendência de
pensamento sobre desenvolvimento diz respeito a uma vertente teórica
desacreditada, e que por essa razão passou a tratar do tema do desenvolvimento a
partir de uma ótica que considerava-o como utopia ou quimera, e que portanto não
poderia ser alcançado. Em adição aos que negavam as implicações do modelo
tradicional, essa vertente, ao invés de se aprofundar nos debates a partir de uma
perspectiva de resolução e descoberta de alternativas, fez a escolha de,
sumariamente, descartar tal debate, tendo como argumento essa noção de
“inviabilidade” de aplicação prática do desenvolvimento. Após termos discutido as
contribuições de Furtado e Sen, vemos que, obviamente, a questão do
desenvolvimento não é um tema simples, e que merece sim uma abordagem que dê
conta de compreendê-lo de maneira ampla. O fato é que a compreensão de tais
complexidades realmente não pode ser realizada partindo-se do paradigma
convencional. É exatamente essa proposta de Veiga quando enfatiza que é
necessário concentrar esforços na construção de um “caminho do meio”, a terceira
vertente, que não nega a complexidade e a dificuldade de tal empreitada (mantendo
40
inclusive um nível importante de utopismo com relação ao desenvolvimento) 12, mas
que ao mesmo tempo supera os modelos tradicionais comprovadamente
fracassados. A partir desse pressuposto, Veiga nos apresenta importantes
contribuições que visam este objetivo maior de repensar o conceito de
desenvolvimento. Como não poderia deixar de ser, o autor cita sistematicamente, e
faz longos relatos a respeito das obras de Furtado, Sachs e Sen, mostrando o
quanto os pensamentos desses autores contribuem para trilhar o que Veiga chamou
de “caminho do meio”.
Em adição às reflexões a respeito do conceito de desenvolvimento e sua
nova abordagem holística, Veiga trabalha em Desenvolvimento sustentável: o
desafio do século XIX (VEIGA, 2008), como o próprio título indica, com a idéia de
sustentabilidade. Da mesma maneira como o autor trata a questão e os debates
sobre desenvolvimento, o faz também com relação à idéia de sustentabilidade,
apresentando como no decorrer dos tempos tal conceito foi trabalhado por
diferentes perspectivas. O importante a se ressaltar aqui é que a partir da noção de
sustentabilidade como um processo de eqüidade intertemporal, garantindo às
gerações futuras condições adequadas de acesso às condições socioeconômicas e
aos bens naturais, tais como elas devem ser, e não transformadas por atividades
antrópicas que transformam o capital natural através de processos produtivos em
matérias com alto grau de entropia13, Veiga eleva o debate do conceito de
desenvolvimento para uma perspectiva ainda maior, buscando impor limites aos
reflexos do crescimento das sociedades, e inserindo a economia dentro de uma
perspectiva que a entenda como um subsistema dentro de um todo. Ou seja, a
economia passa a partir de então não mais a entender o meio ambiente como
apenas fornecedor de matéria-prima e como espaço de absorção dos recursos, e
começa a ganhar força a idéia de que as atividades econômicas devem estar
alinhadas e adequadas aos limites, tanto de absorção, quanto de provimento
estabelecidos pela natureza. Dessa forma, Veiga nos traz que a idéia de
crescimento econômico também é incipiente do ponto de vista ambiental,
contribuindo com a idéia de refutação do modelo tradicional apresentada pelos
12Uma interessante abordagem sobre o utopismo é feita por Boaventura S. Santos (2000) no livro A crítica à
razão indolente; capítulo “Não disparem sobre o utopista” 13 Sobre as idéias da chamada Economia Ecológica, ver Martinez Alier (2007) e Daly & Farley (2008)
41
outros autores acima.
Finalizando a apresentação dos teóricos do desenvolvimento, trago a seguir as
contribuições trazidas por Ignacy Sachs, talvez um dos mais importantes
pensadores da atualidade. Vale destacar também que Sachs é profundo conhecedor
do fenômeno do desenvolvimento em países pobres, tendo acumulado em seu
currículo experiências importantes em países como o Brasil, a Índia e no Leste
Europeu. Sachs, assim como os outros autores apresentados acima, faz parte de
uma linha heterodoxa do pensamento econômico que busca em outros campos do
conhecimento subsídios para a interpretação dos fenômenos da realidade. O autor é
responsável, nada mais nada menos, pela origem da idéia de desenvolvimento
sustentável, uma vez que desde meados da década de 1970, já vinha discutindo o
que denominava de “ecodesenvolvimento”, conceito o qual compõe a orientação
geral para todos os trabalhos posteriores que se propõem a discutir sustentabilidade
e desenvolvimento sustentável, inclusive sendo componente central do livro
“Desenvolvimento Sustentável: caminhos para o século XIX” de Veiga, o qual Sachs
escreve o prefácio14. Sachs sempre foi um defensor assíduo da incorporação da
interface e dos conhecimentos sobre a ecologia no cálculo do bem-estar das
sociedades, fortalecendo assim uma nova concepção da relação indivíduo-
sociedade-natureza, pautada pela conservação e pelo uso racional dos recursos
naturais.
A partir deste paradigma, o autor lança mão de uma concepção revolucionária
para se pensar o desenvolvimento, que se materializa em uma proposta
multidimensional condizente com a complexidade do próprio tema. A respeito desta
complexidade, Sachs nos aponta a necessidade de buscarmos insistentemente
novas formas de entender, pesquisar, e colocar em prática o desenvolvimento,
mostrando que o conceito por si só é “fugidio e em evolução” (SACHS, 2004:30).
Nesse sentido, Sachs buscará interpretar em sua obra o desenvolvimento a partir de
algumas dimensões, as quais ele denomina de cinco pilares do desenvolvimento
sustentável, a saber: social, ambiental, territorial, econômico e político. É importante
14 É válido destacar a intensa inter-relação entre os autores apresentados nessa sessão, que se materializa nos
prefácios das obras dos mesmos. Ao mesmo tempo em que Ignacy Sachs escreve o prefácio de Veiga (2008), em
seu livro “Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado” (SACHS, 2004) o autor recebe um texto de
Celso Furtado como seu prefácio.
42
destacar aqui a grande influência que esta construção teórica mantém na proposta
apresentada neste presente trabalho, onde o intuito de observação das tecnologias
sob um espectro holístico e complexo, guarda relações inegáveis com a proposta
multidimensional apresentada por Ignacy Sachs.
Outro elemento importante presente nas obras de Sachs, refere-se à
impossibilidade do “desenvolvimento imitativo”, com base na importação dos
padrões de crescimento econômico dos países do capitalismo avançado. Neste
ponto, Sachs se aproxima bastante de Celso Furtado quando afirma a necessidade
de inventividade endógena do desenvolvimento de países em desenvolvimento
como o Brasil, por exemplo. Nesse processo de estimulo à inventividade, Sachs
destaca o elemento do empoderamento e da participação dos indivíduos como
agentes transformadores da própria realidade, orientados a partir de valores e
razões de origem local15. Nas palavras do autor:
“A enorme diversidade das configurações socioeconômicas e
culturais, bem como das dotações de recursos que prevalecem em
diferentes micro e mesorregiões, excluem a aplicação generalizada de
estratégias uniformes de desenvolvimento. Para serem eficazes, estratégias
devem dar respostas aos problemas mais pungentes e às aspirações de
cada comunidade, superar os gargalos que obstruem a utilização de
recursos potenciais e ociosos e liberar as energias sociais e a imaginação.
Para tanto, deve-se garantir a participação de todos os atores envolvidos
(trabalhadores, empregadores, o Estado e a sociedade civil organizada) no
processo de desenvolvimento.” (SACHS, 2004:61)
Para Sachs, estratégias pensada a partir da idéia de vivir con lo nuestro, são
fundamentais para estruturar políticas públicas de desenvolvimento capazes de
conduzir os países do terceiro mundo a um processo evolutivo que “pule etapas”, e
não seja suscetível às armadilhas da idéia de desenvolvimento como sinônimo de
crescimento econômico, acumulação material e exploração intensiva da natureza.
Nesse sentido, Sachs nos aponta algumas estratégias que podem servir como pano
de fundo para esses países na busca pelo desenvolvimento, como por exemplo a
idéia de civilizações estruturadas no que o autor denomina de paradigma B ao cubo,
ou bio-bio-bio (biodiversidade, biomassa e biotecnologias). Para o autor é
necessário que façamos uso intenso de biotecnologias no trato com os recursos
15 Nesse ponto, Sachs se aproxima dos trabalhos de Amartya Sen (2000).
43
naturais, de modo a explorá-los racionalmente e sem comprometer as gerações
atuais e futuras (solidariedade sincrônica e diacrônica), estimulando assim o uso da
chamada biomassa como fonte de energia renovável, condizente com novos
padrões de conservação e uso consciente da biodiversidade (SACHS, 2002).
Apesar de trazer uma conotação de inovação em suas propostas, Sachs
sustenta que tais apontamentos relacionados à necessidade de se buscar
estratégias endógenas de desenvolvimento e progresso social não são tão
novidadeiros assim, uma vez que podem ser observados, por exemplo, na literatura
brasileira do pensamento econômico e social, como em Raízes do Brasil, de Sérgio
Buarque de Holanda:
“...a tentativa de implantação da cultura européia em extenso território,
dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua
tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e
mais rico em conseqüências... O certo é que todo o fruto de nosso trabalho
ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio
de outro clima e de outra paisagem...” (BUARQUE DE HOLANDA, 1996:31)
Para finalizar a apresentação da obra de Ignacy Sachs, é importante no âmbito
deste trabalho que seja demonstrada a afinidade do autor com a proposta das
Tecnologias Apropriadas, cuja idéia está presente em inúmeros textos do autor. De
todo modo, seleciono abaixo um trecho escrito por Cristovam Buarque para o
prefácio do livro Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado (SACHS,
2004), que simboliza bastante a proximidade de Ignacy Sachs ao debate sobre as
tecnologias:
“Sachs fez balançar estas crenças. Fez-nos ver os riscos do avanço
técnico e trouxe o conceito de tecnologia adaptada em resposta às
tecnologias inadaptadas. Desde os primeiros seminários de Sachs, perdi a
crença na positiva neutralidade do avanço técnico. Passei a ver com
desconfiança as conseqüências de seu uso e procurar encontrar formas de
subordinar o avanço técnico aos valores éticos e objetivos sociais.”
(BUARQUE, in SACHS, 2002:16)
6.6.6.6. Tecnologias Apropriadas: uma estratégia para o Des envolvimento Rural
Após termos apresentado as bases conceituais que estruturam a concepção
de desenvolvimento norteadora deste trabalho, e cuja orientação é elemento
fundamental para a elaboração, criação e utilização de Tecnologias Apropriadas, no
44
sentido amplo o qual é entendida aqui, podemos então nos aproximar ao contexto
específico dos ambientes rurais e a proeminente reflexão da importância da adoção
das Tecnologias Apropriadas para o desenvolvimento desses territórios. Para
Herrera (2010) em seu artigo denominado La generación de tecnologias em las
zonas rurales, fica evidente como tais tecnologias podem colaborar para um
processo de enfrentamento e resistência aos chamados “pacotes tecnológicos”.
Herrera enfatiza a relação existente entre a proposta de Tecnologias Apropriadas e
os ambientes rurais definindo três razões principais que reforçam a necessidade de
adoção de tais tecnologias. Nas palavras do próprio autor, podemos observar tais
argumentos:
“… a) Para la mayoría de países en desarrollo los problemas más urgentes
están en las áreas rurales. Además como ellas tienen más “especificidad
tecnológica” que las áreas urbanas ejercen, por lo menos en el principio,
más demanda potencial en tecnología apropiada;
b) Es mejorando principalmente la condición de las áreas rurales, y creando
en ellas las raíces de un nuevo estilo de desarrollo, que será posible
finalmente cerrar la brecha entre los llamados sectores “moderno” y
“tradicional” por la construcción de una nueva sociedad integrada.
c) Los principios básicos involucrados en la generación de tecnologías para
las áreas rurales también son válidos para la sociedad entera, aunque los
mecanismos para su aplicación pudieran ser algo diferentes;” (HERRERA,
2010:37)
É importante perceber que ao mesmo tempo em que Herrera enfatiza a
necessidade de se pensar as Tecnologias Apropriadas especificamente para os
contextos rurais, o autor também ressalta a importância de entendermos o meio
rural como um lócus onde emergem possibilidades de construção de um novo
paradigma de desenvolvimento, levando em conta os saberes e fazeres do
chamado conhecimento empírico ou tradicional, extremamente abundante na
sabedoria popular dos homens do campo. Para Herera, juntamente com a
valorização do conhecimento tradicional, a participação popular e o envolvimento
dos diversos atores sociais existentes no contexto rural, formam a dupla estratégia
para que novas alternativas tecnológicas sejam pensadas, respeitando as
características e as peculiaridades de cada território. É nesse sentido que o autor
valoriza o papel das Tecnologias Apropriadas como estratégias de desenvolvimento
no meio rural.
45
Para reforçar a importância da associação proposta entre Tecnologias
Apropriadas e o meio rural, podemos refletir um pouco mais a respeito dos impactos
negativos ocasionados pelas práticas agrícolas fundamentadas no modelo
tecnológico convencionais, uma vez que, conforme já apontado acima, a presente
proposta pretende refletir acerca do conceito de Tecnologias Apropriadas no campo,
estruturadas como uma alternativa consistente em oposição às opções tecnológicas
convencionais adotadas no meio rural.
Para Barbosa (2009) a idéia de modernização da agricultura, trazida como
bandeira da chamada Revolução Verde, teve apoio estratégico de importantes
órgãos governamentais e de renomadas instituições de pesquisa do setor agrícola,
além de ter grande respaldo de organizações internacionais como o Banco Mundial,
a ONU, por meio da FAO (Agência Nacional das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação) entre outras instituições de renome, o que lhe garantiu grande alcance
e abrangência, principalmente nos países em desenvolvimento, onde o perfil
agrícola e a necessidade de apoio e financiamento estrangeiro para impulsionar a
atividade agropecuária apareciam como elementos de atração para esses pacotes
tecnológicos. Para entendermos melhor os impactos da Revolução Verde e sua
relação com a dimensão tecnológica, podemos observar as palavras de Weid (1997)
sobre o assunto:
“... com o marco da Revolução Verde, que implica o uso de insumos
industriais, variedades melhoradas e híbridas e a motomecanização, gerou-
se uma conseqüente especialização da produção em monoculturas,
homogeneizando as propriedades e regiões em função de produtos que
tiveram vantagens para reprodução no mercado e a perda dos vínculos com
as lógicas locais, voltadas para a reprodução das condições sociais e
ambientais que favorecem a sustentabilidade nos agroecossistemas.”
(WEID, 1997 apud BARBOSA, 2003:40)
Anteriormente tida como um conjunto de transformações necessárias para
alcançar-se o desenvolvimento na agricultura, a Revolução Verde é conhecida hoje
pela agressividade de seus impactos, e como um fenômeno social que orientado por
uma lógica capitalista de acumulação econômica, não foi capaz de observar a
complexidade existente nos territórios rurais. Os resultados negativos desta
proliferaram-se em múltiplas dimensões. A utilização irrestrita de agrotóxicos e
46
outros insumos químicos na produção agrícola é fator preocupante no que tange à
degradação dos recursos naturais no ambiente rural, como, por exemplo, a
contaminação dos corpos hídricos e a perda da qualidade dos solos. A mecanização
do trabalho no campo resultou em um processo incontrolável de êxodo rural, que,
sem uma política adequada de absorção nos centros urbanos, torna-se um
pesadelo para o planejamento territorial, formando enormes bolsões de pobreza no
entorno das grandes cidades, que, por sua vez, não possuem infra-estrutura física,
econômica e social para absorver tal contingente de desempregados. Soma-se a
isso um feroz processo de aculturação e de desmantelamento da organização sócio-
cultural estabelecida tradicionalmente no campo, onde o trabalho e os meios pelos
quais este era desenvolvido mantinham significados para além da ordem produtiva,
e que sua substituição irreflexiva por instrumentos modernos e de alta tecnologia
não pode preservar. Trata-se de uma interface cultural que, de um modo geral, é
muito valiosa nos ambientes rurais e que sustenta elementos de extrema
importância na organização e reprodução social desses territórios.
O que também é importante apontar é o fato de que o progresso técnico na
agricultura encara alguns elementos cruciais para o seu desenrolar, referente a
fatores limitantes tanto de ordem natural e biológica, como também com relação às
deficiências da estrutura capitalista em adaptar-se às especificidades existentes na
atividade agrícola, ou seja, “no processo de produção agrícola sempre intervêm
forças naturais que o condicionam e até mesmo o determinam” (GRAZIANO DA
SILVA, 2003:28). Desse modo, o progresso técnico no meio rural, e especialmente
na produção agrícola deve seguir um ritmo compassado aos processos naturais, e,
ao contrário do que propõe a Revolução Verde, não pode ser sempre artificializado e
controlado pela introdução de instrumentos tecnológicos, que, por mais que
otimizem a produção, têm um resultado marginal decrescente em relação ao
aumento de sua utilização. Ainda com referência aos dizeres de José Graziano da
Silva, podemos extrair uma passagem de seu texto que ilustra essa importante
consideração acerca dos caminhos complexos e tortuosos do desenvolvimento
tecnológico no meio rural, em um perspectiva que relaciona-o às funções do capital:
“... o que dificulta o progresso técnico na agricultura é o próprio capital. ... Ao
que tudo indica, a resposta (aos problemas do progresso técnico na
agricultura) tem de ser buscada não nas barreiras naturais que se antepõem
ao capital, mas nos próprios limites que esse modo de produção coloca para
47
si mesmo no seu desenvolvimento na agricultura. Não parece possível, no
sistema capitalista, atingir um grau de desenvolvimento das forças
produtivas no campo que se equipare ao da indústria.” (GRAZIANO DA
SILVA, 2003:47)
Entretanto, para além de discutirmos as características, os impactos e as
implicações da Revolução Verde no que diz respeito à Ciência e Tecnologia,
necessitamos também observá-la sob uma perspectiva organizacional, entendendo
como e por quais razões ela teve tão grande abrangência nos contextos rurais.
Nesse sentido, é interessante apontar que as ações de assistência técnica e de
extensão rural configuraram o principal meio pelo qual tal fenômeno se reproduziu,
tendo as décadas de 50 e 60 como marco inicial de atuação.
O esforço em discutir o tema da extensão rural no presente contexto, mesmo
que brevemente, diz respeito ao papel que a mesma teve com relação à difusão dos
pacotes tecnológicos, e portanto na perpetuação de um modelo padronizado de
produção e difusão de conhecimento e tecnologia para o meio rural. Tal modelo,
pensado e estruturado com pouca aderência aos contextos socioambientais e
culturais onde se inseriram, mas desenhados a partir dos interesses de grandes
corporações internacionais e com o apoio maciço de instituições políticas de grande
porte, teve como missão primordial difundir um modelo específico de tecnologia nos
ambientes rurais, principalmente, nos países em desenvolvimento, onde a produção
agrícola carecia à época de apoio técnico. Entretanto, o caráter da extensão rural
implantado estabeleceu-se de maneira unidirecional, desconsiderando qualquer
outra forma de conhecimento que divergia ao padrão de pesquisa dos centros
acadêmicos e tecnológicos, fortalecendo ainda mais a perversa dicotomia entre o
saber técnico e os saberes tradicionais, ou nas palavras de Herrera (2010), do
conhecimento convencional ao conhecimento empírico-tradicional. Para Barbosa
(2003) os métodos de intervenção da extensão rural oficial eram dirigistas e
enquadradores, condicionando o crédito e o acesso a qualquer auxílio técnico ao
uso dos pacotes tecnológicos. Dessa forma, a extensão rural configurou-se como o
principal aliado da Revolução Verde, ajudando a proliferá-la amplamente nos
contextos rurais e instaurando, àquele tempo, uma, e somente uma possibilidade de
assistência técnica aos agricultores.
Entretanto, a extensão rural, nos moldes como se estruturou no início da
48
década de 50 e 60, teve sua crise construída pari passo aos problemas advindos da
utilização das práticas e tecnológicas propagadas pela Revolução Verde. Ou seja,
foi vítima dos problemas sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais
impulsionados por ela própria.
Esta crise se refletiu inclusive em âmbito institucional com a extinção no início
dos anos 90 da Embrater (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão
Rural), e com os problemas de gestão e concepção técnica enfrentados pelas
unidades estaduais, as chamadas Ematers. Com tais eventos, a extensão rural
enfrentou um vazio institucional até o ano de 2003, quando o governo federal
retomou essa agenda pública e inicia a elaboração de novas políticas públicas para
a área, com destaque especial para a Pnater (Política Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural). Podemos ver no trecho extraído abaixo como essa
política foi concebida a partir de uma perspectiva que buscou enfrentar os
empecilhos conceituais do modelo de extensão rural anterior:
“Mais recentemente, em função da valorização da agricultura familiar pelo
Governo Federal, a extensão rural foi induzida a se reestruturar e a atuar de
forma mais participativa, alterando o perfil de transferência de tecnologias e
conhecimentos – difusionismo, para uma ação que se utiliza de
metodologias participativas e centradas na troca de conhecimentos entre os
técnicos e agricultores”. (THEODORO et al, 2003:21)
Em face ao caráter de emergência provocado por esses fenômenos, faz-se
urgente o exercício de se repensar a adoção de modelos tecnológicos inapropriados
para as reais necessidades existentes nos contextos rurais. Para além do objetivo
mercantilista de elevar as taxas de produtividade dos gêneros agrícolas e possibilitar
a exportação em larga escala dos mesmos, a qual era o principal pretexto para
adoção dos adventos tecnológicos da Revolução Verde e da extensão rural
convencional, vemos que as tecnologias devem se mostrar eficientes em múltiplos
sentidos, possibilitando avanços e contribuindo para processos de desenvolvimento
que se façam positivos não somente com relação ao crescimento econômico mas,
necessariamente, para todos os aspectos da vida nos ambientes rurais, valorizando
portanto a cultura e os elementos socioambientais, estabelecendo uma ordem
política com afinco às relações democráticas que fomentem a participação,
utilizando o fator trabalho de acordo com a necessidade e a capacidade e as
característica de cada território, e de um modo geral, possibilitando a indução de
49
processos de desenvolvimento que façam com que o meio rural seja fortalecido
como um todo.
Nesse sentido, o referencial teórico das Tecnologias Apropriadas apresentado
aqui neste trabalho, aparece como uma opção interessante uma vez que coaduna
com a perspectiva multidimensional e complexa do conceito de desenvolvimento.
Em contextos rurais são inúmeras as experiências de Tecnologias Apropriadas que
vem se multiplicando em âmbito nacional, haja vista os vários casos de iniciativas
para meio rural que aparecem nas principais listagens de tecnologias alternativas,
como o catálogo da RTS16, por exemplo. Dentre elas, podemos destacar as
experiências voltadas para a agricultura alternativa, como a agroecologia, a
agricultura biodinâmica, a permacultura, entre outras, que, pensadas como
estratégias de oposição aos preceitos da Revolução Verde, colecionam resultados
positivos desenvolvendo uma agricultura com bons índices de produtividade, e
capaz de evoluir em harmonia com as características ambientais, culturais e sociais
dos territórios onde se inserem. Valem-se também de metodologias desenvolvidas
com o intuito de valorizar o acúmulo sedimentado no conhecimento tradicional do
homem do campo, em resposta ao esquecimento da Revolução Verde com relação
a essa rica fonte de saberes e fazeres. Nas palavras de Miguel Altieri, importante
referência conceitual acerca da agroecologia, podemos ver essa latente
preocupação:
“Os agroecologistas, ao contrário, enfatizam que, para o
desenvolvimento ser realmente de baixo para cima, deve começar com
aqueles pequenos agricultores da parte inferior do gradiente. Assim, a
abordagem agroecológica provou ser culturalmente compatível, na medida
em que se constrói com base no conhecimento agrícola tradicional,
combinando-o com elementos da moderna ciência agrícola” (ALTIERI, 2001
apud DE BIASE & DONATO, 2010:27)
Valorizando os saberes tradicionais e as práticas culturalmente instaladas nos
territórios rurais, as Tecnologias Apropriadas buscam uma adaptação e uma mescla
entre os instrumentos convencionais e os instrumentos tradicionais, ou nas palavras
de Sevilla Guzmán (2000 apud DE BIASE & DONATO, 2010) fomentam o
intercâmbio simétrico de conhecimentos, possibilitando arranjos adequados e
16 Ver o site: www.rts.org.br
50
benéficos para o desenvolvimento rural.
Por fim, também é importante sinalizar outro fator relevante acerca das
Tecnologias Apropriadas nos territórios rurais, referente à potencialidade e
diversidade de benefícios trazidos por essas experiências. O portfólio de iniciativas
que temos hoje no cenário nacional, configuram um rico mosaico que conta com
uma série de casos de sucesso, sejam eles voltados para a otimização e adequação
da prática agrícola, como o caso dos projetos de agricultura alternativa, sejam
direcionados para a realização de outras tantas atividades desenvolvidas no meio
rural e que não estão necessariamente atreladas à agricultura, mas que garantem a
manutenção da qualidade de vida nesses territórios, como, por exemplo, o
artesanato, o turismo rural e a preservação dos recursos naturais, representando
assim a pluriatividade e a multifuncionalidade dos contextos rurais (SCHNEIDER,
2003).
7.7.7.7. Uma nova proposta de análise multidimensional: um salto no escuro?
A chave da proposta deste trabalho está justamente no entendimento das
opções tecnológicas a partir do olhar específico para os territórios rurais e da égide
ampla pensada pelos autores apresentados acima, e que, por essa razão, extrapola
o entendimento das tecnologias como meros instrumentos de aplicação e
materialização do conhecimento científico ou como ferramentas para a utopia do
crescimento econômico. Mais que isso, entende-se aqui que as tecnologias, e em
especial as Tecnologias Apropriadas, são fatores fundamentais e que determinam as
diretrizes das políticas de desenvolvimento em variadas dimensões. Em
“Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado”, Ignacy Sachs (2004) nos
traz uma importante visão sobre o papel das Tecnologias Apropriadas. Para o
renomado autor, as Tecnologias Apropriadas aparecem como um dos elementos
potenciais de indução do desenvolvimento em países periféricos, entre outros
motivos, por possibilitarem que os recursos abundantes nesses contextos sejam
explorados de maneira sustentável (dimensão econômica e ambiental). Já em
consonância com a obra de Amartya Sen (2000), vemos que a opção das
Tecnologias Apropriadas, por subverterem a lógica de dominação instaurada no
âmbito do desenvolvimento tecnológico nos moldes convencionais, aparecem como
verdadeiros catalisadores de um processo contínuo de ampliação de liberdades
51
individuais e da sociedade como um todo (dimensão política, social e cultural). Por
fim, Herrera (2010) aponta para uma necessidade substancial de qualquer
movimento articulado com as Tecnologias Apropriadas estar ancorado em um ideal
de desenvolvimento, fazendo com que a “apropriação” das tecnologias ocorra no
sentido de corroborar com um novo paradigma (Garcia, 1987), em oposição aos
modelos de desenvolvimento como crescimento econômico, e que fazem amplo uso
das tecnologias convencionais. Nas palavras do autor:
“En los países en desarrollo sin embargo está construyéndose un
nuevo concepto de desarrollo que puede constituir el marco de referencia de
la nueva tecnología. Su elemento substantivo es que centra em los seres
humanos concretos: El bienestar de los indivíduos no será un producto
colateral del crecimiento económico indiscriminado, sino un objectivo
específico cuyo logro condicionará toda la organización social y económica
del país” (HERRERA, 2010:28)
A partir dessa correlação teórica e metodológica a respeito da proposta
multidimensional advinda dos trabalhos de Furtado, Sachs, Sen e Veiga, buscou-se
estruturar esses diferentes aspectos e nuances em seis grandes dimensões que,
em especial nos territórios rurais, se fazem mais latentes, e em linhas gerais, são
indicações freqüentes nas análises dos referidos autores: ambiental, cultural,
econômica, política, social e sociotécnica. Ressalta-se, entretanto, que a última
dimensão citada vem em adição à contribuição desses autores. Trata-se de uma
perspectiva relacionada à teoria organizacional, mais especificamente a escola
sociotécnica (SPINK, 2003) que contribui para a ampliação do leque de
entendimento das tecnologias, conduzindo a observação para os aspectos
concernentes à organização nas sociedades, e aos processos adaptativos
concernentes às tecnologias. Tal abordagem não é novidadeira no âmbito do debate
tecnológico, uma vez que Dagnino et al. (2004) nos trazem uma importante análise
a esse respeito em seus trabalhos.
É importante também assinalar que as linhas de divisão entre cada uma das
dimensões propostas não são, per se, situações claras e definidas de onde se
encerra uma análise e inicia-se outra. Pelo próprio caráter complexo e difuso das
tecnologias, seria impossível desenhar estruturas analíticas que não mantivessem
correspondência umas com as outras. Assim, as dimensões propostas no escopo
deste trabalho detêm uma característica intrínseca de sobreposição e
52
complementaridade entre si, de modo que, por exemplo, a dimensão sociotécnica
guarda relações muito próximas com as dimensões cultural e social, e vice-versa.
Além disso, as subdivisões entre os níveis de performance na análise interna de
cada uma das dimensões não podem também ser consideradas como
completamente estruturadas. Esse fato evidencia talvez a principal característica
dessa proposta de dimensões. Este trabalho não almeja propor categorias pré-
definidas e unânimes, capazes de enquadrar estaticamente diferentes experiências
rurais ou tecnologias para o meio rural em diferentes níveis fixados. O que se
pretende aqui é propor uma espécie de orientação de diretrizes que, embora não
aponte definitivamente o grau de apropriabilidade de uma tecnologia, apresenta-se
como orientador para a identificação e análise. A proposta de dimensões, portanto,
não tem a intenção de esgotar o debate e classificar as tecnologias de maneira
autoritária. Pelo contrário. Trata-se de uma proposição que ganhará cada vez mais
razão de ser a partir do momento em que for re-significada em momentos
posteriores, seja para a adequação a um determinado contexto, seja para a análise
de alguma tecnologia específica, ou por outras razões pertinentes.
Em adição às ressalvas apresentadas acima, cabe apontar que, embora não
tenha a intenção de “construir uma única realidade” através do indicador, a
elaboração do mesmo foi estruturada a partir da escolha de determinados aspectos
dos espaços rurais que foram selecionados para a análise de cada um das
dimensões, e que, por sua vez, emolduram uma determinada “realidade ideal”,
construída a partir de escolhas realizadas ex-ante. Por outro lado, essa realidade é
hipotética e aparece como um “tipo ideal”, em um enfoque sociológico weberiano, e
que pode ou não materializar-se na observação empírica.
A respeito do procedimento de escolha dos critérios para a análise de cada
dimensão, duas considerações devem ser feitas. A primeira diz respeito ao ideal
norteador apresentado pelos teóricos do desenvolvimento e pelas teorias das
questões rurais, que tiveram papel contundente na determinação e na seleção dos
critérios para a qualificação das dimensões. A segunda consideração refere-se ao
viés pessoal e a minha afinidade com alguns elementos específicos no escopo da
análise das dimensões que também contribuíram para a seleção de outros critérios
que não necessariamente estão presente na descrição dos trabalhos apresentados.
Pelo caráter “audacioso” que permeia esta tentativa metodológica de
classificação de conceitos tão complexos em critérios normativos (standartização),
53
somado ao alto grau de incerteza proveniente do modelo flexível e colaborativo,
classifico a proposta deste trabalho como um “salto no escuro”, que pode apontar
tanto para um avanço metodológico consistente, como também para uma situação
de não aderência e inadequação da proposta.
Feitas essas importantes considerações, serão apresentadas a seguir as
dimensões e um breve debate sobre cada uma delas, bem como os cinco níveis de
performance que formarão os patamares estruturais para a construção do
instrumento metodológico de identificação e avaliação de Tecnologias Apropriadas
para os territórios rurais.
7.1. A dimensão ambiental
O estudo a respeito do uso de Tecnologias Apropriadas deve levar em conta a
dimensão ambiental, uma vez que não podemos deixar de lado o importante papel
que a produção tecnológica exerce no que diz respeito as suas interferências no
ambiente rural, seja em escala local ou global. Os avanços no debate internacional
sobre desenvolvimento sustentável, podem nos guiar quanto ao entendimento e a
ampliação do nosso olhar frente à temática ambiental (SACHS, 2002; VEIGA, 2008),
ressaltando a relevância dessa interface. Porém, uma das contribuições mais
importantes que esses autores nos trazem, diz respeito à noção de que a dimensão
ambiental não pode ser entendida de maneira solitária, uma vez que,
necessariamente, faz menção e ganha significado no seu relacionamento com as
outras dimensões. É necessário que se faça um esforço constante para entender as
questões ambientais a partir de uma perspectiva ampla, fugindo do reducionismo
restrito a uma lógica dual entre causa e efeito, buscando a matricialidade entre as
dimensões, do mesmo modo como são propostas as dimensões (e suas respectivas
intersecções) neste trabalho.
Dessa maneira as Tecnologias Apropriadas devem fazer referência às
características e situações ambientais dos espaços rurais onde são desenvolvidas
e/ou aplicadas. Assim, presume-se que uma tecnologia que seja realmente
apropriada, tenha seus impactos controlados e calculados com relação ao meio
ambiente onde se insere, prezando pela conservação dos recursos naturais.
Entretanto, para além da idéia de conservação ambiental, as Tecnologias
Apropriadas também podem desempenhar um papel multifuncional, proporcionando
uma série de externalidades interessantes, especialmente nas dimensões social,
54
econômica e ambiental. Essa idéia é aqui tratada sob a mesma ótica que Sérgio
Schneider (2003) entende a multifuncionalidade da agricultura, ressaltando, para
além do caráter essencialmente agrícola, as outras inúmeras funções que a
agricultura pode desempenhar. Da mesma forma, é possível entender que as
Tecnologias Apropriadas também são ambientalmente multifuncionais, no sentido
que, para além do seu papel estritamente técnico, também podem proporcionar
benefícios outros para a sociedade em questão, e, especialmente no caso que
tratamos aqui, para a dimensão ambiental. No âmbito dessas benesses
relacionadas ao meio ambiente, o desenvolvimento e o uso adequado das
Tecnologias Apropriadas é extremamente importante, por exemplo, no que diz
respeito à contenção de práticas antrópicas degradantes e que consomem de modo
descontrolado os recursos naturais.
Em outro foco, mas ainda sob a ótica da dimensão ambiental, as Tecnologias
Apropriadas aparecem também como interessantes instrumentos pedagógicos,
capazes de orientar processos educativos para a produção rural sustentável com o
intuito de ampliar o entendimento a respeito da necessidade de se manter relações
mais saudáveis entre o homem e a natureza. O que colabora para esse caráter
didático-pedagógico é o fato de que as Tecnologias Apropriadas, como a
agroecologia, por exemplo, possibilitam um retorno visivelmente interessante em
termos de redução dos impactos ambientais. Quando comparados os cenários de
uso tecnologias convencionais e de Tecnologias Apropriadas, a diferença é
significativa em favor das ultimas, o que lhes confere um alto grau de credibilidade,
que por sua vez, é fator condicionante para o sucesso dos processos pedagógicos
de Educação Ambiental.
Em suma, as Tecnologias Apropriadas têm a capacidade de proporcionar uma
série de impactos positivos que, direta ou indiretamente, são muito importantes para
a preservação e para a recuperação do meio ambiente como um todo, o que nos
leva a crer que a dimensão ambiental é uma importante faceta quando nos
propomos a realizar uma análise a respeito dessas tecnologias.
Visto isso, os cinco níveis de performance relacionados à dimensão ambiental
são:
Tabela 1 – Parâmetros para a dimensão ambiental
55
DIMENSÃO AMBIENTAL
Nível 5
• Tecnologias que proporcionam benefícios à conservação dos recursos naturais,
bem como a gestão adequada dos resíduos impactantes ao meio ambiente produzidos na
atividade agrícola;
• Implantação de processos de Educação Ambiental a partir dos instrumentos
utilizados nos espaços rurais;
Nível 4
• Tecnologias que proporcionam conservação dos recursos naturais, porém sem
realização de controle e gestão dos resíduos impactantes ao meio ambiente produzidos
na atividade agrícola;
• Implantação de processos de Educação Ambiental a partir dos instrumentos
empregados;
Nível 3
• Tecnologias que proporcionam a gestão adequada dos resíduos impactantes ao
meio ambiente produzidos com relação ao seu uso, porém que não conserva os recursos
naturais;
• Reconhecimento dos problemas ambientais, mas inação com relação aos
mesmos;
Nível 2
• Tecnologias que acarretam impactos agressivos ao meio ambiente relacionados
ao uso de instrumentos tecnológicos, sem que exista conservação dos recursos naturais
e gestão adequada dos resíduos produzidos na atividade tecnológica;
• Ausência de atividades de Educação Ambiental com relação aos instrumentos
tecnológicos empregados;
Nível 1
• Tecnologias que acarretam em progressiva intensificação dos impactos
agressivos ao meio ambiente relacionados ao uso de instrumentos tecnológicos, sem que
exista conservação dos recursos naturais e gestão adequada dos resíduos produzidos na
atividade tecnológica;
• Ignorância a respeito dos impactos ambientais;
7.2. A dimensão cultural
Assim como as questões apontadas na descrição referente à dimensão
ambiental, quando pensamos nos aspectos culturais que influenciam o uso e o
desenvolvimento das Tecnologias Apropriadas nos territórios rurais, temos que levar
em conta o quanto essas características são relevantes no entendimento desses
instrumentos. Na esfera cultural, assim como será feito na descrição da dimensão
sociotécnica, também relativizaremos a idéia da apropriabilidade. Nesse caso, cabe
a reflexão do quanto os aspectos e as tradições culturais das sociedades rurais são
fatores decisivos no âmbito de uma tecnologia. Nos dias atuais, parece ser uma
missão impossível tentar desvendar as raízes culturais das maiorias das tecnologias
56
de caráter convencional utilizadas na produção agrícola. Ou melhor, talvez não seja
tão difícil assim, uma vez que sabemos que a raiz cultural das tecnologias
convencionais tangencia de perto os ideais da Revolução Verde apresentada acima,
e em adição aos preceitos da globalização, do capitalismo, da exploração, do
enriquecimento das elites, da concentração de renda, e por ai vai. De todo modo, o
que se propõe aqui é a discussão do pressuposto que as Tecnologias Apropriadas
devem carregar consigo um conjunto específico de características culturais, que lhes
dêem razão de existência e significação em um determinado território, ou em uma
determinada sociedade. É nessa sociedade onde a Tecnologia Apropriada alcança o
seu maior grau de apropriabilidade, obviamente tratando especificamente da
dimensão cultural.
Entretanto, cabe fazer uma ressalva a um ponto importante que Castor (2003)
e outros tantos autores denominaram de replicabilidade. Para esses autores, as
Tecnologias Apropriadas devem manter um perfil que lhe permita a sua transposição
para diversos outros contextos e sociedades. Podemos fazer um paralelo dessa
discussão com as outras dimensões de análise. Do ponto de vista político, esse
intercâmbio é extremamente interessante, uma vez que propaga a idéia (ou a
técnica) para grandes escalas, fazendo com que o movimento social e político que
capitaneia tal inovação se fortaleça. Do ponto de vista econômico, também é um
excelente negócio, uma vez que a difusão de tal tecnologia pode ser um catalisador
para o desenvolvimento econômico dos locais de sua aplicação, inclusive podendo
implicar em aumento nas rendas das famílias. Por outro lado, quando pensamos
sobre duas outras óticas, vemos que na realidade, o propósito de replicabilidade
pode contrastar gravemente com a idéia da apropriabilidade.
O primeiro ponto a respeito disserta sobre a inconsistência e a situação
paradoxal causada pelo princípio da replicabilidade. Ora, se um dos principais
intuitos do movimento das Tecnologias Apropriadas é romper com a lógica de
exportação tecnológica instaurada no âmbito das tecnologias convencionais, cujo
exemplo clássico é o pacotes tecnológicos da Revolução Verde, já discutidos acima,
porque é que se pensa em massificar e se difundir amplamente uma solução ou
uma única alternativa? Por mais que determinada idéia ou técnica tenham
características facilmente transponíveis, o simples fato de elas serem importadas de
outro contexto sinaliza uma barreira ao incentivo e ao desenvolvimento de
alternativas em âmbito local, o que, em termos de afirmação sócio-cultural, é de
57
extrema valia para o desenvolvimento endógeno dos territórios rurais. De um modo
geral, parece-nos que o princípio da replicabilidade é o alvo central das críticas
feitas ao enfoque de Schumacher, como demonstrado no item 3.2
Outra consideração, voltando-se especificamente à discussão acerca da
dimensão cultural, refere-se à necessidade de representatividade cultural das
tecnologias apropriadas. Em outras palavras, as tecnologias só obterão seu maior
grau de apropriabilidade à medida que sejam aplicadas no âmbito em que foram
desenvolvidas. No contexto em que foram cunhadas, elas exercem um papel
específico, para além da sua execução prática e técnica, mantendo uma série de
relações subjetivas que lhes dão significado de existência. Há existência de algumas
técnicas é tão importante culturalmente que podem acabar sendo decisivas no que
diz respeito a toda a organização de uma sociedade.
Por outro lado, simplesmente negar a idéia de replicabilidade das Tecnologias
Apropriadas também pode ser um erro estrutural. Sabemos que muitas técnicas,
instrumentos ou métodos organizacionais podem ser muito bem recebidos em
contextos diferentes dos quais foram desenvolvidos, e não por esse motivo
configuram-se como elementos que prejudicam a formação e a tradição cultural da
sociedade receptora. O fator que problematizo aqui, diz respeito justamente à
variabilidade entre a recepção de tecnologias, onde podemos encontrar, de um lado,
casos onde a importação tecnológica não é reflexiva (HERRERA, 1973) e
apresentam-se como prejudicial à cultura local, e, de outro lado, casos onde a
recepção de tecnologias externas se adéquam perfeitamente aos hábitos e
tradições culturais da sociedade em questão, inclusive passando por adaptações
mútuas, como será explicado na descrição da dimensão sociotécnica.
Vemos então, que quando se pretende analisar o uso de Tecnologias
Apropriadas, necessariamente deve-se estudar e entender as facetas culturais que
estão por detrás do desenvolvimento e do uso desses instrumentos, o que, como
vimos, os torna muito mais do que meros instrumentos e técnicas. A partir do debate
proposto, elencamos os cinco níveis de performance referentes à dimensão cultural:
Tabela 2 – Parâmetros para a dimensão cultural
DIMENSÃO CULTURAL
Nível 5 • Tecnologia desenvolvida em contexto local, capaz de preservar e fomentar o
desenvolvimento cultural da sociedade onde está inserida;
58
Nível 4 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo, capaz de preservar e fomentar o
desenvolvimento cultural da sociedade onde está inserida;
Nível 3 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo, que não preserva ou fomenta a
cultura, mas também que não causa impactos negativos à cultura local;
Nível 2 • Tecnologia desenvolvida em contexto local, mas que acarreta conseqüências
negativas para a cultura local;
Nível 1 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo e que acarreta conseqüências
negativas para a cultura local;
7.3. A dimensão econômica
Discutiremos a seguir o papel fundamental que o fator econômico representa
na consolidação de experiências estruturadas no uso de Tecnologias Apropriadas
para o meio rural. Resgata-se aqui o caráter emancipatório que, embora também
possam ser discutidos com relação aos seus nuances políticos, representam
também um incremento significativo no que tange à dimensão econômica.
De uma maneira geral, a produção de Tecnologias Apropriadas configura-se
como uma alternativa ao mercado das tecnologias convencionais, subvertendo a
lógica imposta e figurando como verdadeira opção de contenção de gastos. Sabe-se
que o mercado tecnológico está vinculado a uma cadeia de dependência que
submete os seus usuários a um sistema de pagamento, não só da tecnologia ou do
instrumento em si, mas de todos os bens e serviços secundários que circundam o
uso delas. Ao final da somatória, observa-se que os gastos reais superam muito a
simples compra de um determinado instrumento, devendo levar em conta os gastos
indiretos com manutenção, insumo, recuperação física do meio, etc.
Por outro lado, uma vez que as Tecnologias Apropriadas não estão imbuídas
dessa cadeia de dependência econômica que opera a serviço de um ideal de
exploração financeira, elas não oneram os seus usuários indiretamente e de forma
intencional. Os custos para a implantação de uma Tecnologia Apropriada podem
inclusive ser revertidos em benefícios econômicos para quem dela faz uso, uma vez
que elas são capazes de gerar produtos e externalidades positivas no contexto em
que estão inseridas, configurando um sistema de ganhos de escopo. É o caso, por
exemplo, das caixas de compostagem. A compostagem é uma prática muito antiga
que consiste em uma técnica muito simples e eficaz de destinação e controle
adequado da decomposição de materiais orgânicos, utilizada tradicionalmente nas
propriedades rurais. Na maioria das vezes, para a montagem da caixa é necessário
59
apenas um estreito espaço de terra, algumas tábuas de madeira, e palha seca, ou
seja, todos os materiais que qualquer pequeno produtor rural obtêm sem grandes
esforços em sua propriedade, e que por isso não demanda gastos externos. Por fim,
a compostagem proporciona como resultado final uma dupla contribuição
econômica aos seus usuários. Primeiro, a compostagem evita o gasto com a
destinação convencional desses resíduos, seja na forma de lixo, seja despejando
em rios, lagos, etc. Dessa forma, a economia financeira acontece também em longo
prazo, pois se sabe que a destinação inadequada de materiais orgânicos gera
custos futuros de reparo e restauração do ambiente degradado. O segundo
resultado positivo diz respeito à produção de um excelente adubo orgânico, a partir
da decomposição e da transformação dos materiais orgânicos na compostagem.
Esse adubo orgânico possibilita, por sua vez, uma redução de inúmeros insumos da
prática agrícola convencional, uma vez que não só substitui a adubação química
adquirida a altos preços no mercado, como também acaba por evitar o uso de
outros tantos produtos químicos industrializados de combate a pragas e outros tipos
de doenças, já que a adubação e o cultivo a partir dos princípios orgânicos evita que
as culturas agrícolas adoeçam com facilidade (EHLERS, 1999). Vê-se que,
diretamente ou indiretamente, o fator econômico é uma dimensão que deve sempre
estar presente quando observamos o desempenho das Tecnologias Apropriadas,
tendo visto a capacidade dessas em reduzir custos e gastos excessivos, atrelados a
um esquema de cadeia de dependência instaurado na adoção de tecnologias
convencionais.
Para além dos ganhos de escopo e da redução da dependência econômica, é
importante discutir também no âmbito da dimensão econômica a interface do
trabalho. Esse é um tema que já foi amplamente abordado nos debates acerca das
opções tecnológicas e das teorias de desenvolvimento. Ignacy Sachs (2004) por
exemplo, faz algumas importantes considerações a esse respeito. Em seus
trabalhos, o autor nos mostra o quanto à adoção de tecnologias convencionais
poupadoras do fator trabalho humano e que se estruturam com bases na
mecanização/informatização dos processos, podem ser perversa em contextos onde
a mão-de-obra é barata e abundante. Nesse cenário, a adoção de tais tecnologias
contribuem para a exclusão e para o agravamento das condições socioeconômicas,
aumentando os índices de desemprego. Desse modo, Sachs faz menção a
alternativas econômicas que se estabeleçam a partir de Tecnologias Apropriadas
60
que valorizem os modos de produção “trabalho-intensivo”, adequados aos contextos
socioeconômicos das regiões e países subdesenvolvidos, por exemplo.
Por outro lado, negar a importância da mecanização como um fator
importante e que contribui para o desenvolvimento rural é um deslize pouco
inteligente. De fato, não há como negar os substanciais ganhos de produtividade
que a modernização tecnológica acarretou nos mais diversos contextos e atividades
rurais. Este trabalho não pretende negar esse fenômeno, pura e simplesmente. O
que se pretende aqui é refletir criticamente e ponderar em até que ponto a extrema
mecanização dos processos produtivos é adequada para o desenvolvimento da
sociedade como um todo. Seguindo o ditado popular “nem tanto ao céu, nem tanto a
terra”, o objetivo aqui é perseguir as situações mais adequadas entre a adoção de
instrumentos mecanizados, poupadores de trabalho, e a adoção de instrumentos
não-mecanizados que necessitam de trabalho intensivo. Perceba que nem uma,
nem outra situação são tidas como adequadas, sendo portanto necessário uma
adequação entre ambas para que assim possa se aproximar de um cenário
“apropriado”. Herrera (2010), refletindo sobre o movimento de Gandhi na Índia, nos
trás uma passagem que exemplifica bastante tal colocação:
“La insistencia de Gandhi en la protección de destrezas de los
poblados no significaba una conservación estática de la tecnología
tradicional. Al contrario, implicaba la actualización de las técnicas locales, la
adaptación de tecnología moderna a las condiciones y ambiente de la India y
el estímulo de la investigación científica y tecnológica para identificar y
resolver problemas pertinentes inmediatos” (HERRERA, 2010:24)
Me permito a uma pequena ilustração do debate feito acima. Analisemos,
sumariamente, o caso das plantações de cana-de-açúcar. Tradicionalmente, esse
cultivo é realizado no Brasil com bases na produção em grande escala, em grandes
propriedades e a partir do trabalho humano. A colheita da cana, apesar do imenso
volume de produto recolhido, é feito quase que essencialmente pelo trabalho
contratado dos chamados bóias-frias, que, na maioria das vezes, são submetidos a
condições de trabalho extremamente precárias e até mesmo desumanas. Apesar
dos suntuosos debates contra a adoção de maquinários agrícolas na colheita da
cana, respaldados em argumentos que receiam o aumento ainda maior do êxodo
rural e do desemprego, muitas críticas também aparecem no outro sentido,
defendendo o fim da super-exploração desses trabalhadores, e alegando que tal
61
trabalho, em tal ritmo e em tal proporção, não é mais adequado ao trabalho
humano, sendo, portanto, mais interessante a adoção de instrumentos mecanizados
para realizá-lo.
Trouxe esse caso específico para o debate a fim de problematizar o sub-tema
do trabalho intensivo, mostrando que nem sempre a utilização de tecnologias que
exijam trabalho intensivo podem ser consideradas apropriadas, sendo portanto
necessário uma adequação ao contexto onde se inserem, com a devida mescla com
as tecnologias poupadoras de mão-de-obra.
Visto todo esse debate sobre a dimensão econômica, segue abaixo a
apresentação dos níveis de performance selecionados:
Tabela 3 – Parâmetros para a dimensão econômico
DIMENSÃO ECONÔMICA
Nível 5
• Identificação de ganhos de escopo derivados da utilização dos instrumentos
tecnológicos;
• Adequação socioeconômica entre os fatores trabalho e
mecanização/informatização, sem que existam conseqüências negativas para a
população como um todo;
Nível 4
• Identificação de ganhos de escopo derivados da utilização dos instrumentos
tecnológicos;
• Mecanização dos processos produtivos sem conseqüências sociais e de
desemprego;
Nível 3
• Economia financeira relacionada à redução dos gastos diretos e indiretos com
os instrumentos tecnológicos;
• Mecanização excessiva com conseqüências sociais negativas e aumento no
nível de desemprego;
Nível 2
• Situação econômica relacionada à redução dos gastos diretos e indiretos com
os instrumentos tecnológicos;
• Não mecanização dos processos, mas situação de exploração intensiva e
precarização do fator trabalho;
Nível 1
• Gastos freqüentes, diretos e indiretos, com relação aos instrumento
tecnológicos;
• Desemprego ou sub-emprego em altos índices, relacionados diretamente com
as opções tecnológicas;
7.4. A dimensão política
Para que possamos compreender de modo adequado o que chamarei aqui de
62
dimensão política das Tecnologias Apropriadas, é valido debatermos a respeito do
papel geral das tecnologias e sua influência na sociedade, da não neutralidade do
avanço tecnológico e de sua inegável faceta política e de manutenção de estruturas
de poder.
É sabido que as tecnologias cumprem um papel maior do que o verificável no
plano tático e operacional, estabelecendo diversas conexões em sentido amplo.
Essas conexões, por sua vez, referem-se à função que os instrumentos tecnológicos
mantêm no que diz respeito à padronização de uma lógica que em si não é neutra
(DAGNINO et al, 2004). Para longe de serem apenas simples instrumentos técnicos,
as tecnologias, concebidas no âmbito convencional, acabam por reproduzir um
ideal, uma ordem de dominação, que se desenrola há muito tempo, em sintonia com
a origem e o desenvolvimento do capitalismo industrial.
A tecnologia convencional, nos moldes em que vêm se reproduzindo, são um
dos principais meios de fortalecimento e reafirmação de uma lógica que organiza e
dita as regras da sociedade moderna. As relações de dependência que se
estruturam na utilização desses instrumentos são fatores chave para entendermos
essa dimensão política que orbita a produção e o desenvolvimento do padrão
tecnológico convencional. A desvinculação dessa dependência é pressuposto
estrutural no desenvolvimento de novas técnicas, orientando a elaboração e até
mesmo a qualidade desses instrumentos. Quando analisamos um exemplo breve a
respeito da dependência tecnológica, como por exemplo o uso de insumos químicos
industrializados na agricultura, vemos claramente o fator de exploração política e
econômica, e a manutenção de uma lógica de poder por detrás da aparente difusão
tecnológica. Ressalto aqui que a interconexão entre as dimensões econômica e
política é um elemento intrínseco na análise do “fator dependência”.
O desenvolvimento de insumos químicos para o uso-fruto da produção
agrícola, data da origem da Revolução Verde. Sumariamente, podemos explicar o
fenômeno da Revolução Verde mediante três fatores principais que foram
introduzidos nas práticas agrícolas a partir de então: a mecanização dos
instrumentos e técnicas; a adoção dos insumos químicos; e as técnicas de
melhoramento e alteração genética (EHLERS, 1999). Observando o caso específico
dos insumos químicos (sejam eles pesticidas ou adubos químicos) e sua relação
com as sementes geneticamente modificadas, vemos que o uso desses materiais,
63
desenvolvidos a partir de uma evolução tecnológica no âmbito da química industrial,
está estruturado em uma lógica de dependência fundamental. Isso porque, é fato
comprovado que, as sementes alteradas só mantêm alto nível de produção se forem
tratadas mediante a alta incidência dos insumos químicos, que por sua vez,
transformam as características biofísicas do meio, de modo a permitir que somente
as mesmas sementes modificadas possam obter resultados positivos. Os impactos
e as transformações são tantos que a opção pelo abandono dessas técnicas torna-
se inviável para o produtor, devido, entre outros fatores, aos altos custos para a
recuperação ambiental. É clara a configuração de um sistema de dependência
ocasionado pela adoção de formas de produzir atreladas a determinadas
tecnologias, que, de modo geral, usurpam a autonomia decisória de quem as utiliza.
Percebe-se então que, por detrás da aparente neutralidade no
desenvolvimento tecnológico no meio rural, ancora-se uma lógica fundamental de
reprodução de poder, forçando os tomadores de tecnologias a entrar em um estado
de submissão, com poucas possibilidades de contestação. É nesse limite que
trazemos à tona a dimensão política das Tecnologias Apropriadas para o
desenvolvimento rural, entendendo que elas podem apresentar um canal de
emancipação a essa determinação impositiva de poder e submissão instaurada no
âmbito da produção e uso das tecnologias convencionais no campo. O
desenvolvimento das Tecnologias Apropriadas e a utilização de outras fontes de
conhecimento e matéria-prima aparecem como fatores importantes para a
dissociação e ruptura do jogo de poder ocasionado pelo desenvolvimento
tecnológico atual. Ao mesmo tempo, um movimento articulado e fortalecido em torno
das práticas que envolvem as tecnologias alternativas, no meio rural, por exemplo,
emerge como um contraponto fundamental para a disputa política (GRAZIANO DA
SILVA, 2003). Se bem articuladas, essas iniciativas podem aparecer como
potenciais atores políticos, com capacidade de figurar como uma oposição concisa,
que luta por um ideal de desenvolvimento mais interessante e completo,
considerando inclusive a questão tecnológica. Um bom exemplo de articulação
política nesse sentido é a própria Rede de Tecnologia Social (RTS), já mencionada
neste trabalho.
Podemos, a partir das considerações feitas acima, apresentar os cinco níveis
de performance relacionados à análise da dimensão política:
64
Tabela 4 – Parâmetros para a dimensão política
DIMENSÃO POLÍTICA
Nível 5
• Liberdade de escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos
fatores tecnológicos;
• Articulação e mobilização política em formato de rede em prol das Tecnologias
Apropriadas, tanto em escala local, como também regional;
Nível 4
• Liberdade de escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos
fatores tecnológicos;
• Nenhuma articulação ou mobilização política com relação às Tecnologias
Apropriadas;
Nível 3
• Escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos fatores
tecnológicos limitadas por fatores exógenos;
• Nenhuma articulação ou mobilização política com relação às Tecnologias
Apropriadas;
Nível 2
• Escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos fatores
tecnológicos limitadas por fatores exógenos;
• Relação de submissão política com relação ao uso dos fatores tecnológicos;
Nível 1
• Dependência e nenhuma autonomia de decisão com relação aos instrumentos
tecnológicos;
• Relação de submissão política com relação ao uso dos fatores tecnológicos;
7.5. A dimensão social
No que diz respeito às contribuições do enfoque social das Tecnologias
Apropriadas a proposta aqui descrita centrará esforços em ressaltar a importância
da articulação social em torno do desenvolvimento e do uso das tecnologias, seja no
processo de elaboração dessas técnicas e instrumentos, seja na sua utilização.
Entende-se que, para além de apresentarem-se através de ofertas tecnológicas, as
Tecnologias Apropriadas devem ser concebidas por processos de interação social,
que leve em conta uma ampla gama de atores no estabelecimento do que de fato
será esta tecnologia e qual o seu verdadeiro papel no âmbito das sociedades rurais.
Assim, busca-se no processo de um desenvolvimento tecnológico alternativo
consolidar uma espécie de envolvimento associativo, onde atores sociais
interessados organizam-se de modo a possibilitar trocas de informação e
conhecimento, debates e disputas, possibilitando ao todo uma construção coletiva
do problema social, através do qual é concebida a Tecnologia Apropriada.
65
Os esforços para tal empreitada não são poucos. Sabemos o quanto é
complexo estabelecer o diálogo entre diferentes segmentos da sociedade, com
opiniões e estratégias políticas divergentes, o que claramente demonstra a
intersecção desta dimensão com a interface política das tecnologias. A elaboração e
definição de prioridades tecnológicas para o meio rural historicamente vem sendo
construída em um círculo social bastante fechado, restrito praticamente ao setor
privado, representado pelas grandes empresas investidoras em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), pela academia e pelo Estado, ficando as instituições da
sociedade civil e os próprios agricultores praticamente ausente de tais decisões.
Sabe-se ainda que o setor privado coopta o interesse tanto do Estado quanto da
acadêmica através de intensos processos de lobby e investimento pesado. Dessa
forma, a esfera de decisão a respeito do desenvolvimento tecnológico fica ainda
mais homogênea, voltada cada vez mais para os interesses de uma única parcela
da sociedade, que, por sua vez, serve fielmente aos moldes convencionais de
reprodução e desenvolvimento tecnológico, cada vez mais distante do real interesse
social das comunidades rurais.
É nesse sentido que entendemos que a opção pelas Tecnologias Apropriadas
deve estruturar-se através de uma nova estrutura de governança entre os atores
sociais envolvidos, privilegiando a interação entre os mesmos, e dando ênfase à
participação social nos processos decisórios. É importante frisar o papel que as
Tecnologias Apropriadas estabelecem no sentido de construir uma diferenciação do
modelo de intervenção tecnológica. Ou seja, o modelo de desenvolvimento
tecnológico alternativo busca sair de uma lógica “ofertista”, com a delimitação de
pacotes e soluções tecnológicas nos moldes convencionais que alcançam limitada
efetividade e baixa capacidade de inclusão e coalizão social, e busca alcançar uma
lógica que se estabeleça em princípios de aprendizagem e criatividade tecnológica a
partir da interação social (learning by interacting), com o objetivo maior de atuar sob
uma égide de resolução de problemas construídos coletivamente, mitigando-os
através de ações pactuadas em esferas pluralistas de decisão. Reforçando esse
argumento da importância da coalizão e interação social para a resolução de
problemas e definição das opções tecnológicas, Thomas e Fressoli (2010) nos
trazem a seguinte passagem:
“... es tan necesario como ineludible revisar las
conceptualizaciones sobre tecnologías (...) disponibles,
66
abandonando su concepción original como recursos paliativos
de situaciones de pobreza y exclusión, para pasar a
concebirlas como sistemas tecnológicos orientados a la
generación de inclusión, vía la resolución de problemas
sociales...” (THOMAS & FRESSOLI, 2010:223)
Visto isso, tentarei equacionar esse debate na proposta dos cinco níveis de
performance relacionados à análise da dimensão social:
Tabela 5 – Parâmetros para a dimensão social
DIMENSÃO SOCIAL
Nível 5
• Arena de decisão pluralista, com intensa participação e interação de todos os
atores sociais nas decisões tecnológicas;
• Modelo de desenvolvimento tecnológico estruturado na resolução de problemas
detectados coletivamente (bottom-up);
Nível 4
• Arena de decisão pluralista, com intensa participação e interação de todos os
atores sociais nas decisões tecnológicas;
• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista (top-down)
Nível 3
• Arena de decisão pluralista, com participação de diferentes atores, mas baixo
grau de assimilação das demandas sociais;
• Modelo de desenvolvimento tecnológico estruturado na resolução de problemas
detectados coletivamente (bottom-up);
Nível 2
• Arena de decisão pluralista, com participação de diferentes atores, mas baixo
grau de assimilação das demandas sociais;
• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista e apenas pontual (top-down)
Nível 1
• Decisões sobre as opções tecnológicas restrita ao interesse de um grupo seleto,
sem a existência de participação social;
• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista e apenas pontual (top-down)
7.6. A dimensão sociotécnica
Por fim, apresentarei a dimensão sociotécnica, que talvez apareça neste
estudo como uma das principais interfaces no que diz respeito à investigação das
características do conceito de Tecnologias Apropriadas, dada o seu caráter
transversal. Em virtude desse fato, muito me perguntei se tal dimensão não deveria
compor um critério perene a todas as outras dimensões, ao invés de figurar como
uma dimensão única. Por razões de organização do pensamento, e pela
necessidade de re-construir a idéia da adequação sociotécnica de maneira mais
67
clara e de fácil compreensão, optei então por organizar esta dimensão em separado.
A teoria sociotécnica pode ser entendida como um método híbrido de análise
organizacional. Ou melhor, uma mescla entre diferentes enfoques para uma
observação mais completa de situações que são holísticas por natureza. A saber, os
enfoques que juntos originam a teoria sociotécnica são oriundos das análises
sociológicas e das análises essencialmente técnicas, onde o entendimento da
relação causal entre ambas é a proposta principal (SPINK, 2003). Para além do
caráter de hibridismo conceitual, a teoria sociotécnica também é concebida a partir
de princípios que buscam entender as dinâmicas sociais de organização do trabalho
não apenas a partir da visão e da concepção teórica, demonstrando e testando seus
avanços também em âmbito prático, em uma perspectiva de construção coletiva
através da práxis, o que configurava-se à época de sua criação como um avanço
claro frente aos modos tradicionais de se pensar as organizações (taylorismo e
fordismo).
Mas o que isso tudo tem a ver com as Tecnologias Apropriadas? O que se
pretende aqui é reforçar a importância do olhar sociotécnico sobre a prática e o
desenvolvimento das Tecnologias Apropriadas, assim como indicou Renato Dagnino
em trabalhos anteriores (DAGNINO & NOVAES, 2003; DAGNINO et al, 2004).
A tecnologia e o conhecimento são muito mais do que simples técnicas e
instrumentos de trabalho prático, sustentando e sendo sustentadas por toda uma
estrutura sócio-organizacional nos contextos em que se inserem. Nas palavras de
Spink: “O conhecimento tácito ou enraizado não é um fenômeno simplesmente
social, mas sociotecnico, na medida em que se enraíza em produtos, instrumentos,
e seqüência de ações” (SPINK, 2003). Assim, não podemos compreender as
tecnologias sem que façamos um esforço de observá-las tanto em âmbito técnico
quanto em âmbito social, entendendo as inter-relações entre ambos, o que em
suma, configura o olhar sociotécnico.
Permito-me aqui trazer uma breve passagem muito interessante que ilustra a
idéia da “adequação sociotécnica” proposta por Dagnino et al (2004):
“... a AST (adequação sociotécnica) pode ser entendida como um
processo que busca promover uma adequação do conhecimento científico e
tecnológico (esteja ele já incorporado em equipamentos, insumos e formas
de organização da produção, ou ainda sob a forma intangível e mesmo
tácita) não apenas aos requisitos e finalidades de caráter técnico-
68
econômico, como até agora tem sido usual, mas ao conjunto de aspectos de
natureza socioeconômica e ambiental que constituem a relação CTS.”
(DAGNINO et al, 2004: 52)
A contribuição da teoria sociotécnica com relação às Tecnologias Apropriadas
também alimenta as discussões sobre o desenvolvimento e a aplicação das
tecnologias em ambiente específico. É nesse âmbito específico e local onde é
possível que as relações sociais e os aspectos técnicos se relacionem de maneira a
proporcionar uma organização social capaz de desenvolver alternativas que
realmente se adéqüem ao contexto apresentado. Em outras palavras, é em nível
local onde os elementos técnicos e sociológicos podem colaborar para o
fortalecimento da apropriabilidade no uso das tecnologias, e, ao mesmo tempo,
confrontar o determinismo tecnológico imposto pelos moldes convencionais.
No que diz respeito às intersecções existentes entre as dimensões, a
dimensão sociotécnica guarda relações e influências com outras dimensões, com
destaque para a dimensão social e cultural. A dimensão social, buscará analisar os
fatores associativos referentes à elaboração e utilização de uma tecnologia, o que,
de fato, influi, determinantemente, nos processos de adequação sociotécnica,
entendendo que essa é condicionada também pelo grau de organização e coalizão
entre os indivíduos de uma sociedade. Já com relação à dimensão cultural, a
intersecção diz respeito a uma problemática que foi discutida na descrição da
dimensão cultural, tratando do debate sobre replicabilidade x apropriabilidade,
apontando uma situação complexa e um trade off existente entre desenvolver uma
tecnologia a partir de características endógenas, ou promover uma difusão de
práticas e tecnologias alternativas para outros contextos que não os quais elas
foram desenvolvidas.
Apresentarei a seguir os cinco níveis de performance referentes à dimensão
sociotécnica. O principal parâmetro para a construção dessa escala são as sete
modalidades de adequação sociotécnica apontadas por Dagnino, Brandão e Novaes
(2004). Entretanto, como a proposta deste trabalho consiste em determinar cinco
níveis de performance, realizarei algumas adaptações necessárias.
Tabela 6 – Parâmetros para a dimensão sociotécnica
DIMENSÃO SOCIOTÉCNICA
69
Nível 5
• Inovação do tipo “radical”, realizadas a partir de uma perspectiva essencialmente
endógena, onde o desenvolvimento das tecnologias acontece a partir de processos
adaptativos entre a sociedade e o instrumentos tecnológicos alternativos por elas
criados;
• Impactos positivos na organização do trabalho e em seus processos, tanto em
termos de produtividade, como também nas relações sociais;
Nível 4
• Inovação do tipo “seleção e processamento de tecnologias alternativas”,
realizadas a partir de uma perspectiva exógena-endógena, onde o desenvolvimento das
tecnologias não é realizado pela sociedade local, mas os processos adaptativos entre a
sociedade e o instrumentos tecnológicos alternativos são freqüentes em âmbito interno;
• Impactos positivos na organização do trabalho e em seus processos em termos
de relações sociais;
Nível 3
• Inovação do tipo “seleção e processamento de tecnologias convencionais”,
realizadas a partir de uma perspectiva exógena-endógena, onde o desenvolvimento das
tecnologias é realizado fora da sociedade local, e os processos adaptativos entre a
sociedade e o instrumentos tecnológicos acontecem internamente, porem as tecnologias
têm características convencionais;
• Impactos positivos na organização do trabalho e em seus processos em termos
de produtividade;
Nível 2
• Inovação do tipo “seleção de tecnologias alternativas”, realizadas a partir de uma
perspectiva exógena, onde o desenvolvimento das tecnologias é realizado fora da
sociedade local, e não são verificados processos adaptativos entre a sociedade e o
instrumentos tecnológicos alternativos;
• Impactos negativos na organização do trabalho e em seus processos em termos
de produtividade ou nas relações sociais;
Nível 1
• Inovação do tipo “seleção de tecnologias convencionais”, realizadas a partir de
uma perspectiva exógena, onde o desenvolvimento das tecnologias é realizado fora da
sociedade local e não são verificados processos adaptativos entre a sociedade e o
instrumentos tecnológicos convencionais adquiridos;
• Impactos negativos na organização do trabalho e em seus processos em termos
de produtividade e nas relações sociais;
7.7. Síntese e Conclusão
Após a apresentação da proposta das seis dimensões e do panorama de cada
uma delas, é possível que se tenha uma noção acerca do caráter complexo e
holístico existente no âmbito das tecnologias. A proposta aqui construída, como já
mencionado, não pretende ser um parecer auto-conclusivo sobre uma dada
70
realidade, sendo cabível, portanto, a proposição de outras dimensões analíticas não
contempladas no presente esforço. Da mesma forma, os elementos escolhidos para
a análise específica de cada uma das dimensões não esgota a abrangência dos
conceitos. A escolha dos mesmos teve como referência as indicações apontadas
nas bibliografias trabalhadas, bem como uma opção pessoal acerca do
entendimento de cada dimensão. Ou seja, assim como outras dimensões poderiam
ser propostas, outros elementos balizadores poderiam ser elencados para a
construção dos níveis de performance.
De todo modo, a intenção maior na elaboração e descrição de cada uma das
seis dimensões, e seus respectivos níveis de performance, é avançar nos debates e
nas construções teóricas e metodológicas que têm como intuito identificar e avaliar
as tecnologias em contextos rurais, tencionando mensurar o grau de
apropriabilidade das mesmas. Assim, no intuito de proporcionar uma visão holística
a respeito de uma determinada tecnologia, proponho que as dimensões analisadas
sejam examinadas de modo concomitante, através de um instrumento que
possibilite a observação comparativa entre as mesmas. A figura abaixo busca
aproximar-se de um mecanismos de análise complexa das seis dimensões
simultaneamente. Nele podem ser visualizadas o desempenho de uma determinada
tecnologia dentro das escalas propostas entre cada uma das dimensões. Por
motivos de representação gráfica, as dimensões foram categoricamente separadas
umas das outras. Porém como já apontado acima, a relação e o limite entre elas é
extremamente delicado e tênue, sendo uma fortemente influenciada pelas outras.
Veja abaixo a figura:
Figura 1 – Modelo do instrumento analítico
71
0
5
10
15
20
25Sociotécnica
Cultural
Política
Social
Econômica
Ambiental
Tecnologia Apropriada A
Tecnologia Apropriada B
8.8.8.8. Estudos Ilustrativos
A proposta central do instrumento analítico ora desenvolvido não tem o objetivo
primordial de estabelecer uma definição normativa sobre o grau de apropriabilidade
de uma determinada tecnologia observada. Mais que isso, o intuito de desenvolver
tal ferramenta guarda relação com o propósito de contribuir para os avanços na
formulação de critérios adequados para entender e avaliar as Tecnologias
Apropriadas utilizadas nos territórios e nas práticas rurais. Desse modo, reitero mais
uma vez que o objetivo do instrumento proposto por este trabalho é apresentar uma
horizonte de diretrizes e um novo modo de observar as tecnologias, guardando
relação intrínseca com o enfoque multidimensional e holístico das teorias do
desenvolvimento e da discussão das questões sobre o meio rural aqui
apresentadas.
Nesse sentido, os estudos ilustrativos realizados foram pensados com a
intenção de servirem como objeto de aplicação e teste do instrumento analítico aqui
construído, buscando observar se a proposição de dimensões, bem como os seus
respectivos níveis de performance, têm ou não aderência e condição de aplicação e
generalização em estudos ilustrativos.
A escolha dos estudos ilustrativos teve como parâmetro dois critérios
principais. O primeiro refere-se à seleção de experiências que levem em conta o uso
de Tecnologias Apropriadas para iniciativas que colaborem para o desenvolvimento
72
rural, entendendo tais tecnologias como instrumentos, ferramentas, processos,
meios de organização e ações que se estruturem em oposição ao modelo
tecnológico convencional, representado pelos pacotes tecnológicos da Revolução
Verde. Já o segundo critério, refere-se à disponibilidade por parte das instituições
convidadas em receber e participar esta pesquisa em tempo hábil para a
concretização do termino deste trabalho, uma vez que o convite foi feito a diversas
instituições.
O método de aplicação dos instrumento analítico junto aos estudos ilustrativos
escolhidos teve particularidades e especificidades, mas, de modo geral, seguiu as
seguintes etapas orientadoras:
Tabela 7 – Método dos Estudos Ilustrativos
Fase A
1. Apresentação da proposta do encontro juntamente com os objetivos do
trabalho;
2. Apresentação do caso visitado por parte do entrevistado;
3. Interação e conversa não direcionada sobre o tema das Tecnologias
Apropriadas;
Fase B
4. Apresentação geral do conceito de Tecnologias Apropriadas;
5. Apresentação do instrumento analítico e sua respectiva metodologia de
construção;
6. Processo de avaliação e aplicação participativa do instrumento analítico;
Fase C
7. Compilação das informações e re-desenho do instrumento analítico;
Durante a Fase A o entrevistado já conhece a proposta do trabalho, porém
ainda não observou o instrumento analítico e suas respectivas dimensões
construídas por mim. Durante esta fase da entrevista centrei esforços em identificar
na fala do entrevistado os elementos que corroboram com os critérios propostos em
cada uma das dimensões, bem como outros elementos que não necessariamente
estavam contidos nas dimensões, mas que pela razão de comporem o discurso do
responsável pelo projeto, são passíveis de inclusão em uma proposta analítica.
73
A Fase B , por outro lado, configura o momento da entrevista onde o
entrevistado toma conhecimento do instrumental analítico e de suas dimensões.
Nesse momento o entrevistado é convidado a apresentar novas sugestões com
relações aos critérios propostos e até mesmo a proposições de novas dimensões de
análise que não estão compreendidas na proposta apresentada.
A Fase C compreende a etapa final do processo de aplicação do instrumento,
referindo-se especificamente a compilação das informações e enquadramento das
mesmas dentro dos critérios previamente propostos. Num segundo momento, são
também identificadas as novas dimensões e critérios de análise observados durante
a entrevista.
A realização destes estudos ilustrativos buscou envolver os responsáveis pelas
iniciativas durante o processo de avaliação, nos permitindo, dessa forma, classificar
os resultados da aplicação deste instrumental analítico como um indicador de
“terceira geração” 17, que preza pela participação ativa e com autonomia de decisão
na avaliação.
Visto isso, apresentarei abaixo a descrição das ilustrações realizadas, bem
como o resultado da aplicação do método de análise em cada uma delas.
8.1. Projeto Educação Ambiental para a Agricultura Orgânica nas APAs
Bororé-Colônia e Capivari-Monos
Este estudo ilustrativo foi realizado a partir de uma entrevista realizada na sede
da ONG 5 Elementos – Instituto de Educação e Pesquisa Ambiental, com Arpad
Spalding, gestor responsável pelo projeto “Educação Ambiental para a Agricultura
Orgânica nas APAs Bororé-Colônia”. Infelizmente não foi possível uma visita para
interação direta com os agricultores participantes no local onde o projeto foi
desenvolvido. De todo modo, as informações contidas tanto na descrição do projeto
como no resultado da aplicação do instrumental analítico são oriundas de minhas
anotações durante a entrevista, bem como da consulta à publicação oficial
produzida pela equipe do projeto18. O objeto principal de análise desta experiência é
a agroecologia como um conjunto de técnicas, saberes e fazeres que orientaram
17Para saber mais sobre a evolução do conceito de indicadores ver CALDAS & KAYANO (2002); 18Instituto de Educação e Pesquisa Ambiental - 5 Elementos Educação ambiental para a agricultura orgânica
nas APAs Bororé-Colônia e Capivari-Monos, São Paulo 2010
74
processos de desenvolvimento rural no território.
Figura 2 – Agricultores e grupo técnico do projeto
Fonte: Blog 5 Elementos (5elementos.wordpress.com)
Apresentação
Este projeto, doravante denominado Orgânicos das APAs19, é uma iniciativa do
Instituto de Educação e Pesquisa Ambiental – 5 Elementos, com financiamento do
Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FEMA), em
parceria com a Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD) e com o
Centro Paulus e Servir (localizado na APA Bororé-Colônia). A proposta principal do
projeto Orgânicos das APAs visa incentivar a agricultura orgânica nas Áreas de
Proteção Ambiental (APAs) Bororé-Colônia e Capivari-Monos. O projeto teve
duração de um ano, tendo sido finalizado no início de 2010. A estratégia de
implementação dos objetivos do projeto se estrutura, em linhas gerais, em quatro
eixos de atuação: formação técnica (curso de capacitação em instrumentos e
técnicas para a conversão agroecológica); visitas técnicas (acompanhamento dos
técnicos do projeto junto às propriedades dos agricultores para implementação das
técnicas apresentadas no curso); visitas externas a outras experiências (interação
com outros grupos de agricultores orgânicos e com redes de produção e
comercialização); interação e formação de um coletivo (encontros e atividades
coletivas para a consolidação de uma associação dos agricultores orgânicos que
lhes garanta sustentabilidade no longo prazo). O total de público atingido
diretamente compreende os moradores de 12 propriedades rurais. Por esse número
19 Esta é a denominação utilizada pelo grupo de agricultores para se referir ao projeto. Vale ressaltar que esta
nomenclatura foi cunhada com o objetivo de fortalecer a identidade do grupo e consolidá-lo como um coletivo.
75
restrito, a equipe responsável pelo projeto vem buscando novas formas para dar
seqüência aos trabalhos realizados, de modo a ampliar o público atendido. É valido
destacar que nem todas as 12 propriedades mantinham atividades agrícolas
anteriormente à implementação do projeto, sendo que alguns dos participantes
optaram por iniciar a produção agrícola após o envolvimento com as atividades do
projeto. Os participantes do projeto configuravam então um grupo bastante
heterogêneo e diverso, composto desde pessoas que historicamente mantinham
vínculo com a agricultura, como também por indivíduos que nunca haviam se
dedicado às atividades agrícolas. A heterogeneidade do grupo também se mostrou
nas características das propriedades trabalhadas (de 5 a 120 mil m²), sendo
algumas onde produção agrícola é a principal atividade, e outras onde esta aparece
apenas como mais uma iniciativa paralela a outras atividades centrais, tal como
hospedagem, turismo e culinária.
Em termos dos resultados gerais obtidos com a implementação da proposta
podemos elencar alguns dos mais expressivos, como a conversão para a agricultura
orgânica (ou o processo de conversão) que se estabeleceu nas propriedades
trabalhadas no projeto; a diminuição dos impactos antrópicos causados pela
atividade agrícola convencional na região das APAs; e a consolidação do grupo
Orgânicos das APAs, em termos de articulação social e política, envolvendo-se com
o setor público para o acesso a novas linhas de crédito, utilização de espaços e
instituições, etc; e em termos de atuação econômica, comercializando seus
produtos de forma coletiva e articulada.
Figura 3 – Cesta de alimentos produzidos pelos agri cultores
76
Fonte: Blog 5 Elementos (5elementos.wordpress.com)
Figura 4 – Construção coletiva de composteiras
Fonte: Blog 5 Elementos (5elementos.wordpress.com)
Aplicação do instrumento analítico
Durante a entrevista com o gestor responsável pelo projeto, foi possível
observar na fala livre do entrevistado e também nas respostas às perguntas
direcionadas, uma série de elementos que descrevem o projeto, cujos quais busquei
organizar a partir das dimensões propostas por este trabalho. Seguem nos tópicos a
baixo a síntese das informações obtidas:
• Dimensão Ambiental: Proposta de Educação Ambiental contida durante toda
a idealização e implementação do projeto, principalmente no curso de formação e
nas vivências e visitas externas; Agroecologia como um “sistema fechado” que
utiliza os recursos naturais e faz a destinação dos resíduos produzidos de maneira
adequada, contribuindo para o desenvolvimento rural sustentável; Adequação da
produção agrícola segundo a legislação das APAs;
• Dimensão Cultural: Identificação de algumas atividades agroecológicas na
práticas tradicionais dos agricultores, porém sem o “conhecimento técnico”.
Exemplos: rotação de cultura, compostagem e consorciamento de culturas;
Investigação e mapeamento discreto sobre as práticas tradicionais dos agricultores
e sua importância socioeconômica;
77
• Dimensão Econômica: Aumento na produção devido à maior resistências às
pragas em função da conversão à agroecologia; Produção satisfatória mesmo em
épocas inadequadas, como a “época das chuvas”; Os produtores deixaram de ter
gastos com insumos químicos, que representavam grande parcela de seu
orçamento; Adequação entre o fator trabalho e a utilização das tecnologias
empregadas; Inserção econômica no “mercado de orgânicos”; Intenção para uma
futura certificação dos agricultores para a produção e comercialização de orgânicos;
Intenção de formalização para o acesso às linhas de créditos públicos (PRONAF,
por exemplo);
• Dimensão Política: Inserção política dos agricultores, com incentivo ao
envolvimento em instâncias participativas como por exemplo os conselhos da região
das APAs; Emancipação aos “pacotes tecnológicos” da agricultura convencional;
Criação de rede local formada pelos agricultores para a divulgação e replicação das
práticas aprendidas no projeto; Articulação dos agricultores em redes e
comunicação com outros grupos externos (visitas a outras experiências
agroecológicas, feiras, exposições, etc); Articulação do projeto com outras iniciativas
e instituições da região, incluindo o poder público (Casa da Agricultura);
• Dimensão Social: Realização de atividades formativas a partir de uma
perspectiva que valoriza a coletividade (mutirões e ações de colaboração entre os
vizinhos); Consolidação do grupo “Orgânicos das APAs”; Criação de um Fundo, cuja
gestão dos valores é feita coletivamente a partir das decisões do grupo;
• Dimensão Sociotécnica: Realização de algumas adaptações feitas pelos
agricultores no processo de assimilação das técnicas agroecológicas utilizadas,
como por exemplo a elaboração e a aplicação dos “biofertilizantes” que ganhou
características diferentes em cada uma das propriedades; Inserção “reflexiva” de
técnicas que não reproduzem a lógica dos pacotes tecnológicos; Processos de
adequação técnica (adição de conhecimento técnico) aos fazeres tradicionais dos
agricultores, tal como o consorciamento de culturas, a compostagem e a produção
de sementes; Identificação de algumas inovações em termos de técnicas de
78
produção que não estavam presentes na orientação fornecida pelo projeto, como
por exemplo, o consorciamento do cultivo de “couve” com o cultivo de ”cebolinha”
que obteve altos índices de produção;
Além da descrição dos elementos que podem ser classificados dentro da
perspectivas de dimensões exposta acima, a entrevista também proporcionou a
análise de um conjunto de considerações que, a meu ver, podem compor outra
dimensão de análise não prevista na idealização do instrumento de análise deste
projeto. Trata-se dos elementos concernentes ao que denominei de “dimensão
psicológica”, que estiveram fortemente presentes no discurso do entrevistado e que,
segundo o mesmo, são fatores bastante importantes para a avaliação do projeto.
Seguem abaixo a apresentação de tais fatores.
• Dimensão Psicológica: Processo de valorização dos indivíduos e de
reconhecimento dos mesmos como cidadãos capazes de serem agentes de seu
próprio desenvolvimento; Aumento da auto-estima e da “felicidade” dos agricultores;
Respeito mútuo dos agricultores e valorização do papel da agricultura na região;
Classificação das dimensões
Após apresentadas a descrição dos elementos identificados em cada uma das
dimensões, e também a proposição de uma nova dimensão (psicológica), centrarei
esforços a seguir no processo de adaptação e enquadramento dos fatores
apresentados acima, dentro dos níveis de performance propostos para cada uma
das dimensões. Embora a dimensão psicológica apresente-se como uma
consideração importante na análise do projeto observado, por hora não realizarei a
análise da mesma. As reflexões a respeito da contribuição desta e de outras
dimensões serão realizadas nas considerações finais deste trabalho quando
discutirei a avaliação da utilização do instrumento analítico proposto.
Visto isso, segue a baixo a classificação do projeto analisado com relação às
dimensões e suas respectivas considerações:
Tabela 8 – Dimensão ambiental: ilustração 1
DIMENSÃO AMBIENTAL
79
Nível 5
• Tecnologias que proporcionam benefícios à conservação dos recursos naturais,
bem como a gestão adequada dos resíduos impactantes ao meio ambiente produzidos na
atividade agrícola;
• Implantação de processos de Educação Ambiental a partir dos instrumentos
utilizados nos espaços rurais;
Considerações:
• A proposta do projeto, baseada na agroecologia, proporciona claro benefícios à conservação
dos recursos naturais, bem como a gestão dos resíduos produzidos na atividade agrícola, através da
utilização dos mesmos em processos de compostagem para a produção de adubo orgânico;
• Como visto na organização do projeto, a etapa de formação e as visitas técnicas são
permeadas por processos educativos que já apresentaram efetividade na atuação e na mudança de
comportamento dos agricultores;
Outros critérios identificados 20:
• Perspectiva relacionada ao cumprimento da legislação ambiental;
Tabela 9 – Dimensão cultural: ilustração 1
DIMENSÃO CULTURAL
Nível 4 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo, capaz de preservar e fomentar o
desenvolvimento cultural da sociedade onde está inserida;
Considerações:
• A grande maioria das tecnologias utilizadas no projeto são oriundas de contextos externos;
• Embora tais tecnologias sejam idealizadas em contexto externo, as mesmas podem se
apresentar como elementos importantes de resgate dos saberes e fazeres tradicionais dos
agricultores;
Tabela 10 – Dimensão econômica: ilustração 1
DIMENSÃO ECONÔMICA
Nível 5
• Identificação de ganhos de escopo derivados da utilização dos instrumentos
tecnológicos;
• Adequação socioeconômica entre os fatores trabalho e
mecanização/informatização, sem que existam conseqüências negativas para a
população como um todo;
20 Assim como as novas dimensões observadas, os novos critérios identificados não serão levados em conta na classificação das dimensões. Os mesmos também serão analisados nas considerações finais do trabalho.
80
Considerações:
• Os ganhos de escopo podem ser detectados no projeto observando os benefícios diretos e
indiretos que as tecnologias agroecológicas proporcionam para os agricultores, como por exemplo a
utilização da adubação orgânica que além de substituir os altos gastos com adubação química
(benefício direto), também acarreta em outros fatores benéficos como o fortalecimento do solo, a
melhor qualidade dos alimentos produzidos, e a redução da quantidade de água para a produção, que
por sua vez, configuram os ganhos de escopo.
• As técnicas e práticas agroecológicas aplicadas no projeto não negam a utilização de
mecanização na produção. Porém não é observado alterações significativas que configurem impactos
ou problemas socioeconômicos quanto à utilização desses instrumentos;
Outros critérios identificados:
• Acesso a um novo nicho de mercado através da adoção das tecnologias agroecológicas;
• Implicações da organização social para atividade econômica coletiva;
• Relacionamento e parcerias para o fortalecimento da atividade agrícola;
Tabela 11 – Dimensão política: ilustração 1
DIMENSÃO POLÍTICA
Nível 5
• Liberdade de escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos
fatores tecnológicos;
• Articulação e mobilização política em formato de rede em prol das Tecnologias
Apropriadas, tanto em escala local, como também regional;
Considerações:
• Como demonstrado na descrição do projeto, os agricultores receberam grandes incentivos
para a articulação política em rede, e acabaram por consolidar tanto canais de contatos externos com
outras instituições e iniciativas, como também um grupo para a atuação na região;
• A proposta agroecológica apresentada pelo projeto desvincula os agricultores de um sistema
de dependência tecnológica, proporcionando autonomia dos mesmos quanto à escolha das técnicas
utilizadas;
Outros critérios identificados:
• Institucionalização dos processos participativos junto às instâncias democráticas formais, tais
como conselhos e fóruns;
• Relacionamento e articulação de iniciativas junto ao poder público;
Tabela 12 – Dimensão social: ilustração 1
DIMENSÃO SOCIAL
Nível 4
• Arena de decisão pluralista, com intensa participação e interação de todos os
atores sociais nas decisões tecnológicas;
• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista (top-down)
81
Considerações:
• A adoção das técnicas para a conversão agroecológica é feita de maneira coletiva de modo a
envolver os agricultores no processo de capacitação para utilização das mesmas. Porém, a escolha
dos instrumentos tecnológicos é realizada a priori pela equipe técnica, e transferida para a utilização
dos agricultores.
• Identificação dos principais problemas e demandas da produção agrícola através de um
processo de visitação técnica e de atividades coletivas proporcionadas pelo projeto possibilitam a
interação e integração dos agricultores;
Outros critérios identificados:
• Institucionalização e formação de grupos/associações para atuação coletiva (Orgânicos das
APAs)
Tabela 13 – Dimensão sociotécnica: ilustração 1
DIMENSÃO SOCIOTÉCNICA
Nível 4
• Inovação do tipo “seleção e processamento de tecnologias alternativas”,
realizadas a partir de uma perspectiva exógena-endógena, onde o desenvolvimento das
tecnologias não é realizado pela sociedade local, mas os processos adaptativos entre a
sociedade e o instrumentos tecnológicos alternativos são freqüentes em âmbito interno;
• Impactos positivos na organização do trabalho e em seus processos em termos
de relações sociais;
Considerações:
• Mesmo as tecnologias utilizadas no projeto não sendo desenvolvidas a partir de uma
perspectiva essencialmente endógena, é possível observar que as mesmas passam por certo grau
de adequação sociotécnica com relação à adaptação das mesmas ao contexto local;
• A adequação também é realizada na direção inversa, onde os conhecimentos e as práticas
locais sofrem a adição das diretrizes técnicas que qualificam a utilização de algumas tecnologias
(compostagem, adubação verde, consorciamento de culturas, etc);
• Em termos de re-organização do trabalho, a conversão para a agroecologia possibilitou aos
agricultores novas relações e dinâmicas de trabalho, organizadas a partir de uma relação mais
próxima com a natureza, e desse modo, reaproximando a prática agrícola com o ritmo dos processos
naturais. Em adição a essa alteração da organização do tempo e das formas de trabalho, vê-se
também um incremento considerável na verificação nos índices de produtividade dos cultivos obtidos
após a inserção das técnicas orientadas pelo projeto;
Podemos então, com a compilação dos níveis de performance, observar no
gráfico abaixo o desempenho da iniciativa observada em uma perspectiva
multidimensional:
82
Figura 5 – Resultado da aplicação do instrumento no estudo ilustrativo 1
Projeto "Orgânicos das APAs" (Agroecologia)
-5
5
15
25
Sociotécnica
Cultural
Política
Social
Econômica
Ambiental
Projeto "Orgânicos das
APAs" (Agroecologia)
8.2. Centro de Educação para a Sustentabilidade – C ES
Este estudo ilustrativo foi realizado a partir da visita à experiência de do Centro
de Educação para a Sustentabilidade (CES), e também da entrevista com Denise
Mazeto (Instituto Ambiental) e Gustavo Aloe (CES), que estiveram envolvidos no
processo de implantação do CES. Também foram utilizados para esta análise alguns
materiais de divulgação21 cedidos pelo CES durante a visita. O objeto principal de
análise neste estudo ilustrativo é a bioconstrução, segundo a qual é orientada a
atuação e as ações do CES. Apesar do CES não estar inserido em um ambiente
rural22, a experiência que trás a bioconstrução como princípio orientador apresenta-
se como um conjunto de possibilidades tecnológicas muito interessantes para a
aplicação em propriedades rurais. Desse, modo o estudo ilustrativo mostra-se
pertinente para a presente proposta de investigação.
Figura 6 – Vista panorâmica do Centro de Educação p ara Sustentabilidade
21Centro de Educação Para a Sustentabilidade – CES Bioconstrução Passo a Passo: São Paulo 2010 22 O CES está inserido dentro de uma área de grandes condomínios na região metropolitana de São Paulo.
83
Fonte: do autor
Apresentação
O Centro de Educação para a Sustentabilidade (CES) é uma iniciativa da
Fundação Alphaville (Alphaville Urbanismo), e está localizado no condomínio
Alphaville Burle Marx, em Santana do Parnaíba - SP. O CES é resultado de uma
parceria que também envolveu o Centro de Referência em Sustentabilidade (CRIS)
e a prefeitura de Santana do Parnaíba, esta última com uma participação bastante
discreta e pontual no início do projeto. O CES foi concebido a partir dos princípios
da bioconstrução, com a participação ativa de outras instituições que, durante o
projeto de implantação, ficaram responsáveis pela realização de oficinas e
conferências sobre as técnicas sustentáveis utilizadas, além do processo de
construção propriamente dito. Destacam-se nesse sentido o Instituto Ambiental
(OIA) e o GAIA Education, programa internacional com influência do GEESE (Global
Ecovillage Educators for a Sustainable Earth).
A intenção principal da implantação do CES é consolidar um espaço de
referência e divulgação das técnicas da bioconstrução e da arquitetura sustentável,
demonstrando a capacidade que esses empreendimentos possibilitam para a
redução dos impactos ambientais, para o alcance da eficiência energética e para o
melhor descarte dos resíduos. Vale ressaltar que um dos principais focos de
atuação deste empreendimento é a influência nos projetos de algumas grandes
construtoras que detêm empreendimentos imobiliários de alto padrão na região
onde o CES está localizado. Para além disso, o CES também desenvolve iniciativas
que buscam repensar a relação homem-natureza a partir da bioconstrução, não
apenas como técnica, mas também como mudança para um paradigma holístico e
84
sistêmico, com mudanças nos hábitos de consumo. A partir deste enfoque são
trabalhadas atividades de Educação para a Sustentabilidade, onde o CES recebe
visitantes para palestras e oficinas. O CES também desenvolve alguns programas
contínuos de formação para jovens e professores, além de um curso voltado para a
formação de jardineiros, recebendo público oriundo da APAE de Santana do
Parnaíba.
Figura 7 – Telhado verde e sistema de captação de á gua da chuva
Fonte: do autor
Figura 8 – Vista frontal
Fonte: do autor
85
Aplicação do instrumento analítico
Conforme apontado na orientação metodológica construída para os estudos
ilustrativos deste trabalho, durante a visita foram coletadas informações a respeito
de elementos gerais que descrevem o projeto, sem a indução ou direcionamento do
instrumento analítico, cujos quais organizei a partir das dimensões propostas. Segue
a apresentação desses nos tópicos a baixo:
• Dimensão Ambiental: Utilização de técnicas de bioconstrução com o intuito
de alcançar a eficiência energética e a gestão/destinação adequada dos resíduos; O
CES está inserido em um espaço de reserva ambiental, e por essa razão guarda
também um papel de manutenção e conservação desta área; A Educação Ambiental
é um dos eixos de atuação do CES, porém as principais oficinas e atividades de
formação desenvolvidas são visitas pontuais ao espaço;
• Dimensão Cultural: A proposta da bioconstrução utilizada pelo CES leva em
conta os elementos culturais dos participantes envolvidos no processo de
construção e implantação do empreendimento, mas não é pensada levando em
conta as características do contexto local, em termos culturais; Por outro lado, o
CES está inserido em um contexto formado por um público de alto padrão de renda,
e desta maneira busca se adaptar a essas características; As tecnologias de
bioconstrução utilizadas na implantação do CES, tais como as técnicas de utilização
do bambu, o telhado verde, a captação de água de chuva e o biossistema
(tratamento de esgoto), são todas de origem externa e não guardam relação com os
aspectos culturais locais;
• Dimensão Econômica: Redução dos gastos com energia em função do uso
de outras matrizes energéticas, como a solar, a eólica e o gás do biossistema.
Entretanto, no momento da visita apenas a energia solar estava em operação;
Apesar da redução dos gastos, as tecnologias da bioconstrução tem um custo alto
de implantação e necessitam de investimentos consideráveis, o que acaba
inviabilizando um processo de universalização; Objetivo de incentivar/influenciar
mudanças em um mercado específico, tal como o mercado de empreendimentos
imobiliários;
86
• Dimensão Política: O CES mantém articulação com outras iniciativas e
instituições que trabalham com a bioconstrução, tais como o OIA e o GEESE; Pouco
relacionamento com o poder público, sendo este restrito ao período de implantação
do empreendimento, e a algumas visitas de escolas públicas de Santana do
Parnaíba; Interface de relacionamento e articulação com o setor privado,
principalmente com as construtoras e imobiliárias da região; Utilização das
tecnologias da bioconstrução possibilita uma autonomia e uma emancipação quanto
ao uso das tecnologias convencionais, principalmente em termos de meios
energéticos. Porém, no momento da visita, a energia eólica e o gás proveniente do
biossistema, não estavam sendo utilizados, forçando a utilização da energia elétrica
advinda do sistema convencional de fornecimento;
• Dimensão Social: O processo de implantação do CES foi concebido a partir
de atividades de interação e envolvimento dos participantes, promovendo a
valorização da coletividade por meio de mutirões e ações de colaboração para o
trabalho conjunto. De todo modo, tal enfoque ficou restrito ao período de
implantação e não pode ser observado durante a utilização de tais instrumentos; A
proposta do CES guarda relações com um objetivo específico de atender demandas
mercadológicas do perfil de público de alto padrão de renda característico da região,
e desse modo não está direcionada a um enfoque de atendimento das demandas
sociais;
• Dimensão Sociotécnica: Realização de algumas adaptações de acordo com
o contexto local, exclusivamente com relação ao conjunto de técnicas utilizadas no
processo de implantação da estrutura do CES, sem sustentação da mesma prática
para o uso de tais tecnologias que se mantém inalteradas desde sua implantação;
Durante a entrevista, ficou bastante evidente o caráter de difusionista que o
CES mantém para a sua proposta de bioconstrução e tecnologias sustentáveis.
Essa característica é peça fundamental para entender a atuação e a proposta desta
iniciativa, e também nos remete à discussão já realizada neste trabalho a respeito
da “replicabilidade” das Tecnologias Apropriadas. Como demonstrado, a proposta de
87
replicação de tecnologias é arriscada e pode colidir com a idéia de
“apropriabilidade”. A replicabilidade das tecnologias dissociada de um processo de
adequação sociotécnica, do envolvimento social, e da relação com os aspectos
cultural locais, se aproxima muito do enfoque de tecnologias intermédias baseado
na exportação e no modelo ofertista defendido por Schumacher.
O fenômeno da replicabilidade x apropriabilidade, no meu entender, é de suma
importância na análise das Tecnologias Apropriadas, porém deve ser entendido de
forma transversal, perpassando pelas interfaces cultural, social e sociotécnica, e
desse modo, não configura uma dimensão adicional a este trabalho.
Classificação das dimensões
Tendo apresentado a descrição dos elementos identificados em cada uma das
dimensões, organizo a seguir o processo de adaptação e enquadramento dos
fatores apresentados acima dentro dos níveis de performance propostos para cada
uma das dimensões.
Tabela 14 – Parâmetros para a dimensão social
DIMENSÃO AMBIENTAL
Nível 5 • Tecnologias que proporcionam benefícios à conservação dos recursos naturais,
bem como a gestão adequada dos resíduos impactantes ao meio ambiente produzidos
na atividade agrícola;
• Implantação de processos de Educação Ambiental a partir dos instrumentos
utilizados nos espaços rurais;
Considerações:
• A metodologia e as técnicas de bioconstrução utilizadas pelo CES possibilitam a gestão
adequada dos resíduos produzidos e também promovem a conservação dos recursos naturais, uma
vez que auxiliam na proteção de uma área de reserva ambiental;
• O CES também busca trabalhar com a interface pedagógica da dimensão ambiental,
desenvolvendo atividades educativas em seus espaços, mesmo que ainda de forma pontual e
fragmentada;
Outros critérios identificados 23:
• Perspectiva relacionada alcance da eficiência energética;
Tabela 15 – Dimensão ambiental: estudo ilustrativo 2
23 Assim como as novas dimensões observadas, os novos critérios identificados não serão levados em conta na classificação das dimensões. Os mesmos também serão analisados nas considerações finais do trabalho.
88
DIMENSÃO CULTURAL
Nível 3 • Tecnologia desenvolvida em contexto externo, que não preserva ou fomenta a
cultura, mas também que não causa impactos negativos à cultura local;
Considerações:
• As tecnologias de bioconstrução utilizadas na implantação do CES são oriundas de contextos
externos;
• As tecnologias utilizadas não são agressivas ou depreciam os aspectos culturais locais, mas
também não se apresentam com um enfoque específico para valorização dos mesmos, nem tão
pouco foram construídas para tal propósito;
Tabela 16 – Dimensão cultural: estudo ilustrativo 2
DIMENSÃO ECONÔMICA
Nível 3
• Economia financeira relacionada à redução dos gastos diretos e indiretos com os
instrumentos tecnológicos;
* Não foi considerado o critério relacionado ao fator trabalho pela razão que a iniciativa
do CES não envolve processos produtivos;
Considerações:
• A utilização das tecnológicas de bioconstrução possibilitam uma real redução nos custos
diretos e indiretos oriundos das tecnologias convencionais. Entretanto, não configuram um cenário de
ganhos de escopo;
Outros critérios identificados:
• Incentivo/influencia em mudanças para um mercado específico, tal como o mercado de
empreendimentos imobiliários;
Tabela 17 – Dimensão política: estudo ilustrativo 2
DIMENSÃO POLÍTICA
Nível 3
• Escolha e autonomia de decisão com relação à adoção e uso dos fatores
tecnológicos limitadas por fatores exógenos;
• Nenhuma articulação ou mobilização política com relação às Tecnologias
Apropriadas;
Considerações:
• As tecnologias adotadas na bioconstrução adotada pelo CES não são resultado de um
processo de escolha, mas sim da simples adoção de um pacote de técnicas concebido e definido em
contexto exógeno;
• Apesar do relacionamento com outras instituições e iniciativas, não é possível entender tal
atividade como uma mobilização política, ou como um articulação de atores por um objetivo maior.,
tanto é que as aproximações com o poder público são secundárias;
89
Tabela 18 – Dimensão social: estudo ilustrativo 2
DIMENSÃO SOCIAL
Nível 1
• Decisões sobre as opções tecnológicas restrita ao interesse de um grupo seleto,
sem a existência de participação social;
• Modelo de desenvolvimento tecnológico ofertista e pontual (top-down)
Considerações:
• A proposta do CES, apesar de envolver algumas atividades de cunho social, mantém
características voltadas prioritariamente para um público de alto padrão de renda e para o setor de
construção imobiliária da região de Alphaville;
• As tecnologias utilizadas pelo CES estão ancoradas em uma perspectiva de “importação
tecnológica” e não guardam relação como demandas específicas ou resolução de problemas
identificados coletivamente;
Tabela 19 – Dimensão sociotécnica: estudo ilustrati vo 2
DIMENSÃO SOCIOTÉCNICA
Nível 2
• Inovação do tipo “seleção de tecnologias alternativas”, realizadas a partir de uma
perspectiva exógena, onde o desenvolvimento das tecnologias é realizado fora da
sociedade local, e não são verificados processos adaptativos entre a sociedade e o
instrumentos tecnológicos alternativos;
* Não foi considerado o critério relacionado à organização do trabalho pela razão que a
iniciativa do CES não envolve processos produtivos;
Considerações:
• Apesar das adaptações e adequações realizadas durante o processo de implantação do CES,
não é possível observar uma continuidade em tais ações, configurando portanto um cenário de
seleção não adaptativa de tecnologias;
Podemos então, com a compilação dos níveis de performance, observar no gráfico
abaixo o desempenho da iniciativa observada em uma perspectiva multidimensional:
Figura 9 - Resultado da aplicação do instrumento no estudo ilustrativo 2
90
Centro de Educação para a Sustentabilidade
(Bioconstrução)
-5
5
15
25Sociotécnica
Cultural
Política
Social
Econômica
Ambiental
Centro de Educação para
a Sustentabilidade
(Bioconstrução)
9.9.9.9. Considerações finais
A aplicação do instrumento analítico nos estudos ilustrativos analisados nos
possibilita algumas reflexões importantes a respeito da proposta deste trabalho. A
título de organização das idéias, apresentarei primeiro algumas considerações a
respeito da aplicação do instrumento analítico em cada um dos estudos ilustrativos,
problematizando a análise em contexto específico. Na seqüencia, buscarei discorrer
sobre os resultados mais gerais, apresentando algumas considerações a respeito da
proposta da construção analítica como um todo.
A análise do primeiro estudo ilustrativo, referente ao projeto Orgânicos das
APAs, apresentou resultados bastante positivos nas dimensões avaliadas, como
pode ser visto na Figura 5. Podemos entender que a orientação multidimensional da
proposta agroecológica adotada pelo projeto é um dos principais elementos que
proporcionaram este bom desempenho na avaliação. A agroecologia é considerada
um conjunto de saberes e fazeres que leva em conta as características específicas
dos ecossistemas, as especificidades culturais, e os aspectos da realidade
socioeconômica, e não tem a intenção de fornecer um modelo de agricultura, mas
sim de indicar os fundamentos e orientações necessárias a elaboração de uma
proposta (DE BIASE & DONATO, 2010). Nesse sentido, é possível entender a
agroecologia como um dos bons exemplos de Tecnologias Apropriadas, uma vez
que é capaz de reorganizar a prática agrícola em oposição ao modelo tecnológico
91
convencional da Revolução Verde. Porém não o faz apenas nos aspectos
agronômico, técnico ou físico, tendo preocupações permanentes em reverter os
impactos negativos causados em âmbito social, cultural e político, advindo da
adoção irreflexiva dos “pacotes tecnológicos”.
De um modo geral, foi possível observar na análise do projeto o esforço da
equipe gestora em trabalhar a prática agroecológica sob esta égide holística e de
multidimensões, objetivando, não só a recuperação dos ecossistemas, mas também
um ganho na qualidade de vida como um todo aos participantes do projeto.
A análise deste caso também trouxe a possibilidade de inclusão de uma série
de outros elementos que não os previstos na proposta de dimensões desenhadas
para este trabalho, inclusive um conjunto novo e específico de características que,
segundo o entrevistado, comporiam outra interface de análise chamada “dimensão
psicológica”, que levaria em conta aspectos muito importantes a serem analisados
quando se trata da utilização de técnicas e conhecimentos da agroecologia.
O segundo estudo ilustrativo, referente à experiência do Centro de Educação
para a Sustentabilidade (CES), ao contrário do observado no primeiro caso, não
obteve resultados muito satisfatórios na avaliação do instrumento metodológico.
Analisando a Figura 9 é possível observar que o resultado positivo alcançado na
dimensão ambiental (nível 5), não é acompanhado por bons desempenhos nas
outras dimensões. Esse fato evidencia o principal enfoque da proposta da
bioconstrução utilizada pelo CES, que prioriza a interface ambiental, em detrimento
de uma atuação voltada também para a perspectiva social, cultural ou política.
O contexto e o objetivo do CES são substancialmente diferentes dos
observados no primeiro estudo ilustrativo, uma vez que estão diretamente
relacionado a uma perspectiva mercadológica que busca inserir o produto das
“tecnologias de bioconstrução” como um novo produto para os empreendimentos
imobiliários do público local de alto-padrão de renda (Alphaville). Vale ressaltar que
a bioconstrução é um dos principais elementos componentes da permacultura, uma
importante orientação teórica e metodológica dos movimentos de agriculturas
alternativas, que embora não esteja conceitualmente vinculada à perspectiva
mercadológica como a utilizada pelo CES, pode ser entendida como um conjunto de
técnicas para a “criação de sistemas que sejam ecologicamente corretos e
economicamente viáveis; que supram suas próprias necessidades, não explorem ou
poluam e que, assim sejam sustentáveis a longo prazo” (MOLLISON apud DE
92
BIASE & DONATO, 2010), o que de fato evidencia a priorização das dimensões
ambiental e econômica. Talvez seja em função desse motivo a razão pela qual os
critérios ora propostos não obtiveram resultados positivos nessa avaliação.
Por outro lado, este estudo ilustrativo além de proporcionar outros possíveis
critérios de análise, trouxe à tona a importância de observar com maiores atenções
o debate existente entre replicabilidade vs. apropriabilidade, entendendo os riscos
de assumir uma postura com foco exclusivo à replicação de tecnologias, como
aparenta seguir o CES.
Observando os estudos ilustrativos, e tendo como pano de fundo a orientação
teórica apresentada, podemos refletir um pouco a respeito da construção do
instrumento analítico ora proposto. Quando, no decorrer deste trabalho, afirmei que
tal proposta configurava um “salto no escuro”, era porque de fato naquele momento
a tinha como tal. Entretanto, ao final das análises das ilustrações de aplicação do
instrumental analítico, é possível que comecemos a identificar o “terreno” em que
estamos entrando após tal “salto”. De um modo geral, os resultados apresentam-se
de maneira satisfatória. A proposta multidimensional oriunda da perspectiva do
desenvolvimento proporcionou um espectro de observação realmente capaz de
identificar os diferentes elementos das experiências analisadas, e contribuiu para
uma observação crítica e holística dos conjuntos de técnicas, conhecimentos,
métodos organizacionais, saberes tradicionais característicos do meio rural, os quais
entendemos como Tecnologias Apropriadas.
Porém, é importante que algumas ressalvas sejam feitas com relação ao
processo e aos resultados. A dificuldade em estabelecer os critérios adequados para
cada uma das dimensões é talvez o elemento mais crítico do instrumental analítico
aqui construído. Como já apontado durante o texto, é a partir deles que se
“constroem os padrões de realidade”, estabelecendo portanto os níveis de
performance. O que quero, mais uma vez, chamar atenção é o fato de que tal ação
é imbuída de valores, crenças e preferências, e que, por essa razão, não devem ser
encarada como unânime e definitiva. Desse modo, aponto para a possibilidade de
revisão dos critérios que compõem cada uma das dimensões, seja por motivos de
discordância quanto ao conteúdo, ou (e principalmente) por razões de
inadequação/inaplicação de tais critérios com relação ao contexto analisado.
A adequação do instrumento ao contexto é outro elemento que vale a pena ser
observado com bastante cautela. Neste trabalho busquei construir as dimensões e
93
seus níveis de performance de maneira abrangente e que fosse capaz de analisar
contextos com características diversas, tendo como cerne orientador o conceito de
Tecnologias Apropriadas e a as teorias do desenvolvimento abordadas durante a
primeira parte do trabalho. Entretanto, ao realizar a aplicação nos casos estudados,
percebi ao identificar alguns elementos, critérios ou dimensões que não
necessariamente estavam previstos no instrumento analítico, que os mesmos
deveriam ser levados em conta na avaliação, uma vez que refletem características
importantes da experiência em questão. Porém, optei pela não inclusão de tais
elementos na análise final dos estudos pela razão de que talvez não fosse o
momento ideal para fazê-lo. Digo isso em função de que entendo que tal empreitada
deva ser realizada a partir de um processo metodológico específico, que consiga, ao
mesmo tempo, (1) preservar a estrutura e a orientação principal do instrumento, (2)
subtrair os critérios que não se aplicam, (3) e inserir os novos fatores que se
mostrarem importantes. No momento em que realizava os estudos ilustrativos ainda
não havia alcançado este grau de reflexão sobre este problema, e em virtude disso,
optei por deixar tal adaptação para um próximo trabalho a ser realizado a partir
desta construção.
Apesar das ressalvas apontada acima, entendo que a realização deste
trabalho, principalmente acerca da revisão bibliográfica e das novas relações
propostas entre temas diferentes, em especial entre as questões rurais e o
referencial teórico de Ciência, Tecnologia e Sociedade, conseguiu resultar em
contribuições para avanços acerca do tema das Tecnologias Apropriadas,
proporcionando, através do instrumental analítico e metodológico construído, um
ponto de partida para iniciativas que busquem compreender as tecnologias a partir
de um enfoque multidimensional, capaz de fornecer uma visão mais abrangente,
não só a respeito das tecnologias e de suas implicações nos ambientes rurais, mas
também da perspectiva de se pensar novas estratégias para desenvolvimento rural
como um todo, com base na análise científico-tecnológica.
Por fim, é ainda importante ressaltar que este trabalho aponta para um cenário
ainda frágil e que exige maiores esforços pra que possamos construir bases
consistentes para que as Tecnologias Apropriadas não sejam mais encaradas como
materialização da ingenuidade heterodoxa, e possam sim ser vistas como
estratégias para alcançarmos o caminho do desenvolvimento.
“Não se pense com isso que a tecnologia apropriada deva ser
94
considerada uma panacéia para todos os problemas de desenvolvimento de
uma nação. Essa forma distinta de viver e de produzir depende de
condições institucionais e políticas mas, também, de esforços de criação,
adaptação e investigação em ciência e tecnologia ; do esforço para
adequar a tecnologia já existente e para desenvolver mais tecnologia,
sobretudo, em relação aos novos produtos” (BUARQUE & BUARQUE,
1983:68 apud GARCIA, 1987)
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