UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … · Mendes – Projeto A Vez ... mercado para...
Transcript of UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … · Mendes – Projeto A Vez ... mercado para...
1
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A NOVA LEI DE FALÊNCIAS 11.101/2005: Análise da Recuperação Judicial no Direito Falimentar Brasileiro
Rio de Janeiro
2012
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A NOVA LEI DE FALÊNCIAS 11.101/2005: ANÁLISE DA
RECUPERAÇÃO JUDICIAL NO DIREITO FALIMENTAR BRASILEIRO
Por: Alessandra Gargano Figueiredo Lopes
Orientador:
Prof. Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2012
3
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A NOVA LEI DE FALÊNCIAS 11.101/2005: ANÁLISE DA
RECUPERAÇÃO JUDICIAL NO DIREITO FALIMENTAR BRASILEIRO
Apresentação de monografia à Universidade Cândido
Mendes – Projeto A Vez do Mestre, como requisito parcial
para obtenção do grau de especialista em Direito
Empresarial e dos Negócios.
Por: Alessandra Gargano Figueiredo Lopes
Rio de Janeiro
2012
4
AGRADECIMENTOS
Ao professor Francis Rajzman pelo conhecimento e horas
a mim dispensadas, que me permitiram a concretização
deste trabalho e a professora Ieda Tatiana Cury pela
ajuda na seleção do material de pesquisa utilizado na
elaboração deste.
5
DEDICATÓRIA
Dedico ao meu maior tesouro, minha amada filha Luisa
por ter compreendido a minha falta de tempo por conta
dessa pesquisa e ao pai dela Celso por todo apoio,
durante este período tão importante em minha vida.
6
“A liberdade é o direito fazer o próprio dever.” (Auguste
Comte).
7
RESUMO
LOPES, Alessandra Gargano Figueiredo. A Nova Lei de Falências 11.101/2005:
Análise da Recuperação Judicial no Direito Falimentar Brasileiro. Monografia (Pós
Graduação em Direito Empresarial e dos Negócios) pela Universidade Cândido
Mendes - Projeto A Vez do Mestre.
Este trabalho tem como objetivo analisar a Lei nº 11.101/2005, denominada
de Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, a fim de verificar se a nova lei
realmente trouxe efetividade, no sentido de recuperar as empresas, suprindo a
ineficácia da concordata para alcançar esse fim. Para tanto, realizou-se uma
pesquisa bibliográfica, partindo-se da leitura do conteúdo jurídico acerca do tema na
nova lei falimentar, avaliando a importância social da empresa, bem como as
conseqüências negativas na hipótese de extinção de uma unidade empresarial de
uma determinada região.
Os resultados indicam também que a Lei nº 11.101/2005, foi um avanço
legislativo, em virtude do antigo sistema estar obsoleto, desta maneira, não
oferecendo condições de recuperação para a atividade empresarial. Tais resultados
permitem concluir que uma empresa tem um papel fundamental dentro de uma
sociedade, pois é através da atividade empresarial que gira toda a economia de um
País, sendo imprescindível que se preserve a unidade produtiva para que esta
cumpra a sua função social.
Método de pesquisa é o Indutivo e o do relato é o dedutivo.
Palavras-Chave:
Função social. Empresa. Recuperação Judicial. Concordata. Credor.
8
METODOLOGIA
A principal metodologia a ser utilizada envolve revisão literária acerca do
tema, abrangendo tanto as publicações voltadas à ao Direito Falimentar e
Empresarial, quanto àquelas que tratam de casos concretos, nas quais é possível
visualizar a - quase sempre bem sucedida - aplicação destes novos institutos às
empresas brasileiras.
No âmbito normativo, será feito o exame das normas, regulamentos e regras
procedimentais utilizadas para embasar e fundamentar as decisões tomadas pelo
judiciário nacional na tentativa de dirimir as questões advindas da recuperação
judicial. Paralelamente, recorre-se a fontes do Direito Comparado, tais como as
soluções consuetudinárias, legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias, adotadas
também com o intuito fazer valer os princípios que regem o Direito Falimentar, quais
sejam: função social e preservação da empresa. Assim como nos conceitos de
Augusto Geraldo Eizen Junior, em seu livro, “A função social no Código Civil”.
De igual maneira, examina-se a criação jurisprudencial pátria no que tange
aos diversos tópicos atinentes à Recuperação Judicial de empresas, limitando-se a
pesquisa ao âmbito do Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal,
Tribunais Regionais Federais e Estaduais das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Para
tanto, servimo-nos do procedimento bibliográfico para a coleta de dados, utilizando
as fontes de pesquisas secundárias como livros, periódicos e artigos científicos que
serviram de matéria-prima para a construção deste trabalho, exemplificado Rubens
Requião em seu livro “Curso de Direito Falimentar”; Mônica Gusmão com “Lei de
Recuperação e Falências”; Fabio Ulhoa Coelho no “Curso de Direito Comercial”;
Maria Bernadete Miranda trazendo “Nova Lei de Falências: (comparativos e
comentários); André Luiz Santa Cruz Ramos com “Falência e Recuperação de
Empresas – Lei n. 11.201/2005 e Sérgio Campinho em “Falência e Recuperação de
Empresas – O Novo Regime de Insolvência Empresarial”.
9
INTRODUÇÃO
A gestão de uma empresa, para ser bem sucedida, há de buscar a constância
dos resultados ao longo do tempo. No entanto, a situação econômica atual tem
demonstrado que o faturamento está sendo pressionado cada vez para níveis mais
baixos, revelando um dado preocupante. Ou seja, as empresas necessitavam ir ao
mercado para financiar suas atividades, só que esses recursos, evidentemente,
elevavam o seu grau de endividamento. Assim, as despesas financeiras acabavam
por reduzir o lucro final, absorvendo fatia maior da receita.
Desde 1945 estávamos sob a égide da Lei de Falência e Concordata, que
disciplinava o processo de restauração ou de extinção da empresa, só que esta lei já
não era mais compatível com a atual situação do mercado produtivo, sendo então
considerada obsoleta. Diante dessa situação foi promulgada em 2005, a Lei de
Falências e de Recuperação de Empresas, que além de tratar das condições
objetivas, impõe, sobretudo, a obrigatoriedade de se pugnar pela restauração da
unidade produtiva.
Assim, o presente trabalho terá como objetivo geral analisar a função social
da empresa e os instrumentos trazidos pela Lei nº. 11.101/05, mais especificamente
a recuperação judicial. Como objetivos específicos, procurar-se-á analisar quais os
princípios norteadores da atividade empresarial, demonstrar a necessidade de
preservação da empresa, demonstrar a importância social de uma empresa dentro
de um contexto econômico, analisar o papel de uma empresa dentro da sociedade
e, finalmente, analisar os detalhes envolvendo as diversas fases do procedimento da
recuperação judicial nos termos da novel legislação.
Ademais, pretende-se ao longo desta monografia demonstrar que o novo
instituto de recuperação traz uma importante inovação ao direito concursal brasileiro,
bem como a criação do Administrador Judicial, a mudança de perfil da Assembléia
de Credores, a figura do Gestor Judicial, que, por sua vez, buscam dar maior
isenção e participação do devedor no compromisso de reerguer seu negócio.
Percebe-se que a revitalização da participação dos credores nos destinos da
10 empresa em recuperação visa criar possibilidades de manutenção de atividades
efetivamente produtivas.
O estudo em questão está organizado em quatro capítulos. No primeiro, será
apresentado um apanhado histórico sobre a Lei de Falências, sua base no direito
romano, quando as obrigações do devedor eram respondidas com a sua liberdade e
até mesmo com a sua vida, demonstrando, assim, uma clara preocupação em punir
o devedor insolvente, sem a distinção entre ele próprio e seus bens, passando pela
Idade Média, e seguindo até os dias atuais, onde serão apresentados os artigos
tema desta monografia.
O segundo capítulo trata-se da função social da empresa, neste sentido fica
demonstrada que a nova Lei 11.101/2005 visa dar maior segurança jurídica às
partes e delinear um caminho seguro na busca pela efetiva recuperação da empresa
que está com dificuldades financeiras, e não simplesmente a sua liquidação.
O terceiro capítulo discursa sobre a Recuperação Judicial, propriamente dita,
onde será elucidado que não se trata mais de uma moratória, mas de uma
ferramenta legal que possibilita à empresa buscar a sua recuperação empresarial,
com a participação de todos os envolvidos, como credores, bancos, empregados,
prestadores de serviço, acionistas, o próprio Estado e a sociedade.
No quarto e último capítulo serão apresentadas alguns princípios norteadores
da Recuperação Judicial, em especial o princípio da preservação e manutenção das
empresas, o qual é o ponto distintivo entre a antiga lei e a nova, sendo considerado
o princípio maior e o objetivo da recuperação, ao expressar a importância social da
empresa dentro de seu meio de autuação.
Por todos estes motivos é que a Nova Lei de Falências se tornou um objeto
tão rico de estudos, face às significativas inovações que apresentou no cenário
falimentar brasileiro. De tal sorte, este estudo visa proporcionar maior compreensão
aos acadêmicos do Curso de Direito, aos operadores do Direito, bem como à
sociedade acerca da importância da Lei nº 11.101/2005, denominada de Lei de
Falências e de Recuperação de Empresas, daí decorrendo sua pertinência e
relevância.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................9
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO SOBRE E LEI DE FALÊNCIAS....................................12
CAPÍTULO 2 – DOS PRINCÍPIOS.............................................................................18
2.1 – Do Princípio da Função Social da Empresa......................................................20
2.2 – Do Princípio da Preservação da Empresa........................................................22
CAPÍTULO 3 – DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL........................................................24
3.1 – Dos requisitos para ter acesso à Recuperação Judicial....................................27
3.2 – Credores não sujeitos à Recuperação Judicial.................................................31
3.3 – Dos meios de recuperação da empresa............................................................32
3.4 – Do encerramento da Recuperação Judicial .....................................................36
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES
TRAZIDAS PELA LEI 11.101/05................................................................................38
CONCLUSÃO.............................................................................................................42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................49
ÍNDICE.......................................................................................................................51
FOLHA DE AVALIAÇÃO............................................................................................52
12
CAPÍTULO 1
HISTÓRICO DA LEI DE FALÊNCIAS
O instituto da falência encontra sua base no Direito Romano, quando as
obrigações do devedor eram respondidas com a sua liberdade e até mesmo com a
sua vida. Demonstrando, assim, uma clara preocupação em punir o devedor
insolvente, sem a distinção entre ele próprio e seus bens.
Esse sistema, que foi aplicado até 428 a.C, era baseado em execuções
pessoais, nas quais o credor detinha a posse da pessoa do devedor, sendo este
aprisionado por até sessenta dias, servindo-lhe de escravo. Após tal prazo, e não
sendo extinta a obrigação nem pelo devedor nem por qualquer outra pessoa que
cumprisse com a mesma em seu lugar, poderia o devedor ser morto ou vendido
como escravo em outra localidade1.
Durante a Idade Média, o Direito Falimentar foi organizado e sistematizado
pelos Italianos, tendo como base o Direito Romano, que formularam suas mais
intrínsecas características, muitas destas presentes até os dias atuais. De acordo
com os ensinamentos de Rubens Requião:
“Na Idade Média, a partir do século XII, forma-se, com base no direito romano e no direito canônico, um direito comum. Através dos usos e costumes, consagrados nas decisões dos juízes consulares, no âmbito das corporações constitui-se o direito comercial, de sentido informal e cosmopolita”.2
Começou a se fazer presente e indispensável a figura do Estado como
mediador em procedimentos falimentares, havendo ainda nessa época sérias e
graves conseqüências para o devedor insolvente, com distinção entre aquele que
agia sem dolo e aquele que agia com fraude.
Com o passar dos séculos, surgiu na França, mais precisamente em 1807, a
edição do Código Napoleônico, tendo grande importância para o desenvolvimento
1 Dados cotejados de LOBO, Jorge. Direito concursal contemporâneo. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999. p. 7. 2 Dados cotejados de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 9.
13 do instituto da falência. Também era chamado de Code de Commerce (Código de
Comércio)3, impulsionado pelos ideais da Revolução Francesa.
Este restringia a falência ao devedor comerciante e continuava considerando
o devedor faltoso como um criminoso, que passou a ser tratado com menos
severidade com o fim do império de Napoleão, sendo o primeiro código a separar o
comerciante do não-comerciante no tocante à falência.
No Brasil, em seu período como colônia portuguesa, aplicavam-se aqui as
mesmas normas que lá eram utilizadas. Primeiro as Ordenações Afonsinas, depois
as Manuelinas, que previam que, ocorrendo a falência, o devedor seria preso até
pagar o que devia aos credores. Por outro lado, levando em consideração a
influência do Direito Italiano, poderia o devedor ceder seus bens aos credores,
evitando assim sua prisão4.
Terminando o período colonial, surgiu o Alvará de 13 de novembro de 1756,
promulgado pelo Marquês de Pombal. O Alvará foi considerado como marco
decisivo no Direito falimentar brasileiro. Neste sentido, tem-se:
“Impunha-se ao falido apresentar-se á junta do Comércio, perante a qual "jurava a verdadeira causa da falência". Após efetuar a entrega das chaves "dos armazéns das fazendas", declarava todos os seus bens "móveis e de raiz", fazendo entrega, na oportunidade, do Livro Diário, no qual deveriam estar lançados todos os assentos de todas as mercadorias, com a discriminação das despesas efetuadas. Ultimado o inventário dos bens do falido, seguir-se-ia a publicação do edital, convocando os credores. Do produto da arrecadação, dez por cento eram destinados ao próprio falido para o seu sustento e de sua família, repartindo-se o restante entre os credores. Fraudulenta que fosse a falência, era decretada a prisão do comerciante, seguindo-se-lhe o processo penal”. 5
No período Imperial, com a proclamação da Independência, a legislação
falimentar foi regulada por lei promulgada em 30 de outubro de 1823. Entretanto, 3 Dados cotejados de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 2. 24 ed. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 325. 4 Dados cotejados de LOBO, Jorge. Direito concursal contemporâneo. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999. p. 15. 5 FERREIRA apud ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva. 1996. p. 3.
14 essa lei remetia à lei da Boa Razão - Alvará de 18 de agosto de 1769, e outras leis
de nações civilizadas que poderiam ser aplicadas subsidiariamente6.
Com esta lacuna da norma jurídica, deu-se preferência, obviamente
compreensível pela qualidade do texto legal, à aplicação do Código Comercial de
Napoleão, de 1807. Desta forma, o direito francês foi um marco na evolução do
direito comercial pátrio bem como para matéria falimentar.
A França, inclusive, sempre teve imensa importância no ordenamento jurídico
brasileiro, em especial o comercial e falimentar, como bem dispõe o Professor Fábio
Comparato:
“Foi somente na França que o legislador percebeu o fato óbvio de que a insolvabilidade de uma empresa de interesse social pode afetar não apenas a massa de credores, mas também e sobretudo o equilíbrio econômico social da região, ou mesmo do país. A ordenação Francesa número 67-820 de 23 de setembro de 1967, instituiu um processo extraordinário de reerguimento econômico e financeiro para as empresas insolváveis cujo desaparecimento poderia causar grave perturbação à economia nacional ou regional e ser evitado em condições compatíveis com os interesses dos credores”.7
Neste mesmo sentido, observa-se as palavras do Desembargador do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Paulo Fernando Campos Salles de
Toledo:
“A França tem demonstrado, especialmente ao longo dos últimos anos, a preocupação de constantemente apurar e aperfeiçoar o sistema de normas jurídicas disciplinador das relações atinentes às empresas em dificuldade. Tão freqüentes têm sido as alterações que Roger Houin, Professor Emérito da Universidade de Paris II, nelas entrevê o risco da incerteza, a contrabalançar os efeitos positivos da reforma”.8
A partir do período Republicano, diversas leis foram editadas no sentido de
criar e modificar nosso direito falimentar. O primeiro foi o Decreto-Lei n. 917 de 1890,
que instituiu como meio preventivo da decretação da falência a moratória, a cessão
6 Dados cotejados de REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 14 7 COMPARATO, Fábio apud LUCCA, Newton de; SIMÃO, Adalberto Filho. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. São Paulo: Quartier Latin do Brasil. 2005. p. 48 8Op. Cit. p. 49.
15 de bens e o acordo preventivo. Em 1902 criou-se a Lei n. 859, com a mera finalidade
de acabar com as fraudes ocorridas na época, mas logo foi revista, uma vez que não
atendeu aos seus objetivos principais.
Logo em seguida entrou em vigor a Lei n. 2.024, de 1908, elaborada por
Carvalho de Mendonça, ficando por muito tempo em vigor, tendo tido grande
importância para o desenvolvimento do Direito Falimentar brasileiro.
A norma que se seguiu, Lei n. 5.746 de 1929, não trouxe brilhantes
modificações, permanecendo em vigor até 1945, quando surgiu, então, o Decreto-
Lei n. 7.661, em meio a Segunda Guerra Mundial, e que permaneceu em plena
utilização até 2005, quando foi finalmente introduzida em nosso ordenamento a Lei
n. 11.101, que deverá se adaptar às profundas alterações político-sociais do mundo
moderno e ao novo papel da empresa.
A lei de falências como se conhece hoje foi fruto de um longo processo
legislativo. O primeiro projeto de reforma da Lei de Falências da época, antigo
Decreto-Lei n. 7.661 de 1945, que vigorou por 60 anos no território nacional, foi de
iniciativa do Poder Executivo em 1993, quando Itamar Franco era o Presidente da
República e Maurício Corrêa seu Ministro da Justiça9.
Inicialmente era bastante diferente do texto final conhecido por nós, embora já
apresentasse inovações reais, como a alienação imediata dos bens do falido e a
profissionalização do administrador falimentar. Debatida amplamente com a
sociedade e com os diversos segmentos que a representam, todas as emendas e
substitutivos modificavam radical e substancialmente o Decreto-Lei n. 7.661, de
1945, que após meio século de vida e face às tendências da economia globalizada,
perdeu seu condão prático.
Apresentava-se a referida norma ultrapassada em muitos aspectos,
principalmente em relação à nova realidade da economia e dos negócios, das
sucessivas alterações na legislação que vêm renovando os institutos jurídicos do
9Dados cotejados de LUCCA, Newton de; SIMÃO, Adalberto Filho. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. São Paulo: Quartier Latin do Brasil. 2005. p. 248.
16 país, a exemplo da própria Constituição Federal e do Código Civil que vieram, neste
século, estabelecer novas regras para as sociedades empresárias.
Pode-se dizer, com apoio da doutrina dominante, que uma análise crítica ao
Decreto-Lei n. 7.661, de 1945 leva a conclusão de que este não pôde refletir as
conseqüências sócio-econômicas produzidas pela Segunda Guerra Mundial, além
de ter sido dirigido diretamente ao comerciante individual, que era maioria na época
de sua elaboração.
Outra característica daquele instituto era não fazer a distinção necessária
entre empresário e empresa, como bem elucidou parte da doutrina. Para Newton de
Lucca:
“Estabeleceu um esquema repressivo em relação ao empresário e trouxe conseqüências desastrosas em relação à empresa enquanto instituição social com múltiplos interesses a serem preservados. As disposições constantes nos artigos 140, inciso III, e 111 do texto legal são suficientes para demonstrar, por si sós, a evidência de tal assertiva”.10
Cabe salientar que voltou-se o antigo Decreto-Lei para regular a situação
obrigacional entre devedores e credores, maquiando seu verdadeiro objetivo, que
seria a realização dos direitos dos credores. Por fim, permaneciam fortes e
excessivos os privilégios estabelecidos em favor do Fisco, fazendo com que nem
mesmo os credores com garantia real se sentissem seguros no momento em que
concordavam com a concessão de crédito.
A lei atual foi apresentada como projeto de lei em meados de abril de 2004,
pelo Senador Ramez Tebet, e foi aprovado em julho do mesmo ano pelo Senado,
voltando à Câmara dos Deputados para apreciação das emendas. Em 17 de
dezembro de 2004, foi finalmente votado o projeto final, tendo sido sancionado pelo
Presidente da República em 9 de fevereiro de 2005, com três vetos, entrando em
vigor quatro meses depois.
10 LUCCA, Newton de; SIMÃO, Adalberto Filho. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. São Paulo: Quartier Latin do Brasil. 2005. p. 24.
17
A Nova Lei de Falências apresentou inúmeras novidades revolucionárias,
destacando-se o instituto da recuperação judicial e extrajudicial da empresa, o qual
visa reorganizá-la ao invés de destruí-la, predominando a manutenção dos
empregados e a preservação da produção e circulação da riqueza, tendo em vista o
desenvolvimento e o bem estar social, assim como a alteração na ordem de
pagamento aos credores da empresa falida, tema deste trabalho.
Nota-se que o novo texto legal baseou-se na Teoria da Empresa, acolhendo o
moderno princípio da conservação da empresa, o que fez com que alguns
doutrinadores a chamassem de Lei de Recuperação de Empresas, confirmando a
intenção do legislador em transmitir ao novo diploma legal elementos fáticos e
institutos jurídicos capazes de reestruturar economicamente as empresas durante
períodos de crises e dificuldades em sua gestão.11
Abordando temas hodiernos relacionados à atividade econômica, como já se
faz em outros países europeus, como a França, assumiu o diploma legal,
nitidamente, um caráter social, deixando de tratar unicamente da falência das
sociedades e passando a priorizar sua recuperação, garantindo empregos e
preservando sua produção.
O instituto da recuperação judicial e extrajudicial demonstra claramente a
intenção do legislador em abraçar esse novo conceito, seguindo o célebre jurista
francês Roger Houin, pioneiro nesse entendimento:
“Numa economia de grandes empresas, tomando geralmente a forma de sociedades, ela interessa também aos assalariados, que a liquidação do negócio dispersa; interessa também aos sócios, especialmente aos acionistas, que não cometeram outra imprudência senão a de deixar dirigentes incapazes ou desonestos tomar o poder e exercê-lo. Enfim, ela pode concernir à economia do país, que sofrerá a desaparição de uma unidade econômica em estado de funcionamento que, melhor gerida, teria sido viável e produtiva”.12
11 Dados cotejados de COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial – de acordo com a Nova Lei de Falências. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 300. 12HOUIN, Roger apud LUCCA, Newton de; SIMÃO, Adalberto Filho. Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. São Paulo: Quartier Latin do Brasil. 2005. p. 24.
18
CAPÍTULO 2
DOS PRINCÍPIOS
A aprovação da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas constitui
um marco na agenda de aperfeiçoamento institucional que o governo vem
implementando na economia brasileira. A nova Lei 11.101/2005 visa dar maior
segurança jurídica às partes e delinear um caminho seguro na busca pela efetiva
recuperação da empresa que está com dificuldades financeiras, e não simplesmente
a sua liquidação.
O regime anterior de falências e concordatas, regulado pelo Decreto Lei nº
7.661 de 1945, apesar de ter sido um marco para sua época, como anteriormente
mencionado, acabou não sendo mais compatível com a dinâmica econômica atual,
tampouco atendia os anseios inerentes a um fenômeno de insolvência econômica
que assola o mundo moderno.
Nesse contexto, a Lei de 1945 foi incapaz de preservar importantes
empresas, muitas delas tradicionais e com marcas enraizadas na cultura nacional,
fazendo com que importantes ativos se perdessem. Na maior parte dos casos, esta
antiga lei, não foi capaz de preservar as empresas, que deixaram assim de cumprir
sua função social no seio da sociedade, gerou-se: fim de postos de trabalho,
arrecadação de tributos, desabastecimento da economia, fim de circulação de
riquezas, e neste caso toda a sociedade acabou sendo atingida.
Luiz Fernando Valente de Paiva acerca da implementação da Lei nº
11.101/2005 preceitua: “O espírito geral que norteou a elaboração da nova lei foi
justamente a adequação do sistema falimentar no atual estágio de desenvolvimento
da economia brasileira em geral, e das relações comerciais em particular.”13
A nova Lei trouxe em seu bojo a idéia de que a empresa deve ser, sempre
que possível, preservada, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda,
contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do país. Tanto isso é
13 PAIVA, Luiz Fernado Valente de. Direito falimentar e a nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 42.
19 verdade que procura recuperar a empresa, mantendo a estrutura organizacional,
ainda que com modificações, fornecendo instrumentos e condições para que a
empresa se recupere. E, também, protege o trabalhador não só com a procedência
no recebimento dos seus créditos, mas com instrumentos que objetivam preservar a
empresa, pois assim preservará, inclusive, os empregos e criará novas
oportunidades para os desempregados.
Por outro lado, disponibiliza a Lei instrumentos para inviabilizar a recuperação
de empresas que possuam problemas crônicos no desenvolver de sua atividade,
evitando, assim, a potencialização dos problemas e o agravamento da situação dos
que com elas negociam.
A nova Lei criou, ainda, dispositivos que estimulam a negociação entre
devedor e credores, de maneira a permitir a recuperação de empresas em
dificuldades. Entendendo os credores que a recuperação de empresas não é
possível, a Lei estimula a sua venda num rito expresso, possibilitando que, sob uma
nova administração, a empresa continue a exercer sua função social de gerar
empregos e renda.
Assim, verificando que o negócio não mais é viável, a Lei criou condições
favoráveis para que haja uma liquidação eficiente dos ativos, com maximização dos
valores realizados e, consequentemente, minimização de perdas gerais. Buscou,
também, evitar o quadro observado no regime anterior, em que a ausência de um
ambiente de negociação entre credores e devedor e processos falimentares
extremamente morosos levavam à deterioração dos ativos tangíveis e intangíveis da
empresa.
Na busca da preservação da função social da empresa, foram criados dois
institutos que compõem o novo arcabouço falimentar. Para os casos em que a
empresa tiver condições de se reerguer, foi desenvolvido o regime de recuperação,
podendo ser judicial ou extrajudicial.
Vale ressaltar que nesse trabalho iremos tratar apenas da Recuperação
Judicial. Mas, caso a continuidade do negócio seja inviável economicamente sob a
gestão original no seu encerramento inevitável, o novo regime falimentar prevê
20 regras e instrumentos para a liquidação da empresa e a alienação de seus ativos de
maneira eficiente e rápida, evitando a sua deterioração.
Faz-se necessário acrescentar que a nova Lei de Falências possui dupla
natureza, eis que por um lado traz normas de direito processual, indispensáveis à
boa condução das falências e das recuperações de empresas. Por outro lado, prevê
regras de direito material, estabelecendo em que hipóteses e sob que condições as
pessoas e as sociedades em dificuldades têm direito à tutela do estado para se
recuperar e, caso isso não seja possível, como deve ser conduzido o processo para
que sejam afastadas das atividades empresariais.
Ademais, cabe registrar que os dispositivos legais da nova Lei não afetam
somente as empresas em dificuldades, mas também repercutem sobre o
planejamento das empresas em regular funcionamento e das pessoas que com elas
negociam, pois têm influência sobre a avaliação de riscos e sobre o conjunto das
transações que regem o processo econômico.
Trata-se, portanto, de matéria com impacto na segurança jurídica de muitos
agentes, aí incluídos os trabalhadores, os fornecedores, os financiadores, os
investidores e os clientes das empresas. Assim, podemos afirmar que a nova Lei de
Falências dói calçada na preocupação acentuada de sanear a empresa em crise,
reorganizá-la e recuperá-la, ou seja, na função social da empresa, em detrimento da
visão patrimonialista e tradicional que privilegia a realização do crédito – a falência
unicamente como meio de cobrança e pagamento.
Portanto, a nova Lei de Falências busca evitar o quadro observado no regime
anterior, em que a ausência de um ambiente de negociação entre credores e
devedores, e processos falimentares extremamente morosos, levavam à
deterioração dos ativos da empresa. Como não poderia deixar de ser, o Direito
Empresarial está submetido a princípios jurídicos os quais norteiam o equilíbrio entre
os objetivos de devedor e do credor.
2.1 - Do princípio da função social da empresa
21
O princípio da função social da empresa surgiu na legislação brasileira em
1976, portanto antes da Constituição de 1988, com a Lei 6.404 de 15 de dezembro
de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas).14
Este princípio aplica-se à empresa com a finalidade de considerar o interesse
da sociedade como um todo, ainda que se trate de atividade privada, regida por
regime jurídico privado. Não se pode deixar de considerar o interesse da coletividade
na existência e no exercício, ou não, das faculdades privadas: a cada faculdade,
mesmo individual, corresponde uma razão de ser (uma função) dentro da sociedade.
Acrescenta Eros Grau que, o que mais releva enfatizar, é o fato de que o
princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário, ou quem detém o
poder de controle, na empresa, o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não,
apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a função social
da propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos,
prestação de fazer, portanto, e não, meramente, de não fazer, ao detentor do poder
que deflui da propriedade.15
A atividade econômica organizada para a produção de riqueza, pela produção
e circulação de bens e/ou pela prestação de serviços, embora tenha finalidade
imediata de remunerar o capital nela investidos, beneficiando os seus sócios,
beneficia igualmente ao restante da sociedade. Nessa seara, pode-se afirmar que a
empresa cumpre com sua função social.
A proteção da empresa, portanto, não é proteção do empresário, nem da
sociedade empresária, mas a proteção da comunidade e do Estado que se
beneficiam, com a produção de riquezas. Aliás, não apenas o empreendedor, o
empresário, mas também os terceiros que mantenham relações negociais com
empresa e cujos direitos e interesses possam ser também afetados pela função
social da empresa.16
14O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. FIGUEIREDO, 2006, p. 965. 15 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 269. 16 MAMED, 2006a, p. 55.
22
Nesse ínterim, Augusto Geraldo Teizen Júnior:17
“O controlador das empresas tem o poder-dever insculpido na exploração empresarial cujo escopo da função social o conduz aos ditames não mais com as características egoísticas e única do lucro, mas também, com os princípios da ordem econômica constitucional [...] tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.
Por outro lado, a função social da empresa se reflete num princípio correlato,
que será visto adiante.
2.2 - Do princípio da preservação da empresa
O princípio da função social da empresa está intimamente ligado com o
princípio da preservação da empresa. É preciso preservar a empresa para que ela
cumpra a sua função social. Há a existência de um interesse público na preservação
da estrutura e da atividade empresarial, isto é, na continuidade das atividades de
produção de riquezas pela circulação de bens ou prestação de serviços, certo que a
empresa atende não apenas aos interesses de seu titular, de seus sócios (se
sociedade), e de seus parceiros negociais.
Este é o princípio mais moderno do novo processo falimentar, pois, a
empresa é composta de empregados que servem para a mão de obra, sócios para
cuidar do passivo e do ativo da empresa, de fornecedores que fornecem a matéria-
prima e outros tipos de matéria para o acontecimento do produto final, do fisco que
traz tributos a serem pagos, dos consumidores que vão consumir os produtos e
serviços despejados pela empresa no mercado de capitais18.
Desse modo, a empresa é fonte geradora de empregos, de recolhimento de
tributos e de ativação da economia. Desempenha papel preponderante no equilíbrio
da balança de pagamentos do País. Destarte, pode-se afirmar que a empresa é um
bem social, antes mesmo de ser um bem que pertence ao empresário ou seus
sócios. Em linguagem inversa, o sócio tem cotas ou ações de uma empresa que
pertence à sociedade. É por isso que a empresa tem uma função social a cumprir.
17 TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: RT, 2004. p. 158 – 159. 18 MAMED, 2006a, p. 58.
23
Complementa Gladston Mamed que, o princípio da função social da empresa
reflete-se, por certo, no princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente:
tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas
como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em
oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que
prejudica não só o empresário ou sociedade empresária prejudica também todos os
demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o
Estado.19
Diante da importância social que as empresas desempenham na sociedade,
seja pela colocação no mercado de bens e serviços, seja pela geração de empregos
que resultam em pagamentos de salários e conseqüentemente dão acesso a certos
confortos, o Estado não poupou esforços para preservar a sua saúde financeira.
Cabe acrescentar, que o desenvolvimento de uma sociedade moderna
depende do fortalecimento de sua economia, sendo que sobre a empresa repousam
as expectativas de manutenção deste ciclo, como elemento que realiza a produção e
a circulação de riquezas. Neste cenário o novo diploma legal tem como objetivo
precípuo reestruturar, sanear as empresas em crise econômico-financeira, mas que
sejam viáveis, para isto, criou o instituto da recuperação judicial que se passa a
analisar.
19 Id. Manual de direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2005, p. 417.
24
CAPÍTULO 3
DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A antiga Lei das Falências revelou-se ineficiente para a recuperação das
empresas porque o único dispositivo existente era a concordata, que nada mais era
que uma moratória das dívidas do concordatário, incapaz de soerguer devedores em
dificuldades. Dessa maneira, a nova Lei de Falências trouxe uma nova possibilidade,
qual seja, a Recuperação Judicial, aplicável à sociedade empresária ou sociedade
simples ou ao empresário que exerça profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.
Para fins de reestruturação da empresa, a recuperação judicial não é uma
substituta da falecida concordata. É muito mais que isso, e qualquer semelhança
com a antiga concordata não deve ser levada em consideração no ato de julgar a
empresa em processo de reestruturação, como antigamente faziam os credores em
relação aos comerciantes que impetravam uma moratória.20
Não se trata mais de uma moratória, mas de uma ferramenta legal que
possibilita à empresa buscar a sua recuperação empresarial, com a participação de
todos os envolvidos, como credores, bancos, empregados, prestadores de serviço,
acionistas, o próprio Estado e a sociedade.
Cabe-nos inicialmente comentar que o novo instituto é substancialmente mais
moderno que a concordata preventiva, pois possui mecanismos mais eficientes no
procedimento da Recuperação Judicial de empresas, cujo passivo esteja fora de
controle. Traz em seu bojo inúmeros mecanismos que permitem a recomposição
empresarial. Entre eles, encontramos a possibilidade de cisão, incorporação, fusão,
cessão de cotas de capital, ou ações da empresa devedora.
Neste sentido, o papel principal da Recuperação Judicial é dar continuidade à
empresa para continuar produzindo, sem qualquer interrupção, gerando empregos e
recolhendo tributos para o fim de concluir, no menor espaço de tempo possível, sua
20 MANDEL, Júlio Kahan; TOMMASI, Marcelo. A nova recuperação judicial da empresa. Revista Jurídica Consulex. Ano 10, n. 238, p. 33. dez. 2006.
25 reestruturação econômico-finaceira. A empresa em crise não só pode como tem o
legítimo direito de se manter no mercado para o efeito de buscar solução viável para
sua crise financeira junto aos credores – por meio de um plano de recuperação,
apresentado aos credores e submetido ao judiciário para homologação. O
importante é que a empresa se mantenha no mercado, produzindo e gerando
empregos, evitando o agravamento da crise.
Vale-nos ressaltar que o sistema jurídico brasileiro é fundamentado em
princípios, que introduzem valores relevantes no próprio sistema, influindo
vigorosamente sobre orientações de setores da ordem jurídica. Em razão disso,
muitas vezes são superiores às regras jurídicas, pois, estando no topo do
ordenamento jurídico e servindo como norteadores da interpretação das Leis, eles
servem como forma de solucionar litígios quando não forem encontradas normas
específicas para aplicação a determinado caso concreto ou mesmo em conjunto com
essas normas, imprimindo-lhes determinado significado.
Assim, o princípio tem caráter de norma, e uma de suas características é seu
dinamismo, pois atualmente o direito encontra-se mais do que nunca em constante
evolução e muitas vezes a Lei é retrógrada para garantir o direito da parte, levando o
juiz a buscar embasamento para sua decisão nos princípios, por serem normas
jurídicas fundamentais do direito21.
A recuperação judicial baseia-se nos seguintes princípios: i) Conservação e
função social da empresa; ii) dignidade da pessoa humana e valorização do
trabalho; iii) segurança jurídica e efetiva do direito22.
O artigo 47 da Lei prevê o princípio da Preservação da Empresa, o qual é o
ponto distintivo entre a antiga Lei e a nova. Ressaltamos que este é considerado o
princípio maior da recuperação, ao expressar a importância social da empresa
dentro de seu meio de atuação, a seguir:
21 SALAMACHA, José Eli. A recuperação judicial de empresas e as dívidas fiscais. São Paulo. 21de junho de 2006. Disponível em <HTTP://abdir.com.br/artigos/ver.asp?art_id=322> Acesso em 10/06/2012. 22 TOLEDO, P. F. C. de; ABRÃO, C. H. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 128.
26
“É o processo que tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
Contudo, percebe-se que o novo instituto está ancorado na busca do
interesse coletivo da sociedade. Não se quis com tais alterações facilitar a vida do
empresário, mas sim propiciar a preservação da empresa como unidade produtiva,
visando os interesses da sociedade no tocante à preservação de empregos,
produção de riquezas e arrecadação de tributos.
Nesse contexto, Fabio Ulhoa ensina que a Recuperação Judicial visa: i)
sanear a crise econômico-financeira da empresa; ii) preservar a atividade da
empresa; iii) atender os interesses dos credores; iv) manter os empregos e a
arrecadação de impostos e tributos pelo Governo. Além disso, considera que a
empresa ao ser recuperada poderá cumprir sua função social23.
Ainda, Amador Paes de Almeida diz que o conceito de Recuperação Judicial
traz a importância da preservação da atividade empresarial, sendo a empresa vista
como instituição social, conjugando diversos interesses, como: lucro do titular da
empresa; salários dos trabalhadores; crédito dos fornecedores; tributos do fisco24.
A crise de uma empresa pode ser fatal, gerando prejuízos não só para os
empreendedores e investidores que empregaram capital no seu desenvolvimento,
mas também para os credores e outros agentes econômicos. Esta crise pode
desencadear o fim de postos de trabalho, desabastecimento de produtos ou
serviços, diminuição da arrecadação de impostos, e dependendo do porte da
empresa acarretará problemas sérios para a economia local, regional, ou até
mesmo, nacional.25
Quando as estruturas do sistema econômico não funcionam
convenientemente, a solução de mercado simplesmente não ocorre. Nesse caso, o
23 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial de Acordo com a Nova Lei de Falências. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. Pg. 383. 24 ALMEIDA, Amador Paes de. Ob. Cit, Pg.305. 25 COELHO, 2004, p. 233.
27 Estado deve intervir, por intermédio do Poder Judiciário, para zelar pelos vários
interesses que gravitam em torno da empresa: os empregados, os consumidores, o
Fisco, a comunidade, dentre outros.
3.1 – Dos requisitos para se ter acesso à Recuperação Judicial
Primeiramente, reitera-se que somente o empresário (sociedade empresária
ou empresário individual) pode ter acesso à recuperação judicial. As restrições,
contudo, não param por aí. Mesmo sendo empresário, o interessado tem ainda que
atender a certos requisitos impostos pela nova Lei de Falências. Nessa linha, poderá
requerer recuperação judicial o devedor empresário que atenda os requisitos do
artigo 48, da Lei nº 11.101/200526, senão vejamos:
a) exercício regular da atividade econômica pelo empresário há mais de dois anos,
com registro na Junta Comercial;27
b) não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em
julgado, a responsabilidades daí decorrentes;
c) não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido a concessão de recuperação judicial;
d) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador,
pessoa condenada por crimes falimentares.
O processo de Recuperação Judicial possui três fases, quais sejam: i)
postulatória; ii) deliberatória; iii) executória.
A fase inicial, a postulatória, é aquela na qual o empresário devedor irá
requerer judicialmente o deferimento da recuperação de sua empresa, mostrando o
motivo da inadimplência das suas obrigações, expondo as causas concretas de sua 26 Se quem pleiteia a recuperação judicial é empresário individual além do atendimento às condições apontadas para a legitimação da sociedade empresária terá que cumprir outros requisitos.a) a lei legitima o devedor pessoa física que, embora falido, teve declaradas extintas por sentença definitiva suas responsabilidades; b) ele não está legitimado se, nos 5 anos anteriores, requereu a recuperação judicial, obteve-a e deixou de cumpri-la, tendo, em decorrência, sua quebra decretada; c) na hipótese de morte, a recuperação judicial pode ser pedida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros ou inventariante. 27 O que já exclui os empresários e sociedades empresárias informais, visto que o exercício regular é comprovado mediante a certidão de registro na Junta competente.
28 situação patrimonial e as razões da crise econômico-financeira; preenchimento dos
pressupostos para concessão da recuperação, além de demonstrar sua legitimação,
nos termos do art. 48 da nova Lei, para propositura do referido pedido.
Consoante art. 49 da Lei em tela, o empresário deverá relatar todos os
créditos envolvidos, atentando-s para o parágrafo 4º que prevê uma exceção. Por
fim, apresentará os documentos referentes e a petição inicial contendo os requisitos
do art. 51 da Lei, a saber:
a) a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das
razões da crise econômico-financeira;
b) as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as
levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita
observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
I) balanço patrimonial;
II) demonstração de resultados acumulados;
III) demonstração do resultado desde o último exercício social;
IV) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
c) a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de
fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a
classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos
respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação
pendente;
d) a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções,
salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente
mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
e) certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato
constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;
f) a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do
devedor;
29
g) os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais
aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento
ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;
h) certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do
devedor e naquelas onde possuem filial;
i) a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure
como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos
valores demandados.
Caso o devedor não atenda os requisitos do artigo acima mencionado na
petição inicial, o juiz indeferirá o processamento da Recuperação Judicial. Este é o
entendimento da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro28:
“Pedido de Recuperação Judicial. Indeferimento do Processamento. Apelante que não atendeu integralmente os requisitos da petição inicial previstos no artigo 51 da Lei n. 11.101/2005, mesmo após a determinação por três vezes de emenda. Informação trazida aos credores, contrariando o regramento da Recuperação Judicial, por quebra da isonomia concursal de que trata o artigo 49 da Lei n. 11.102/2005. Desprovimento da Apelação”.
Ao analisar a jurisprudência, observa-se que o devedor deve obedecer os
requisitos da petição inicial e todos os demais pressupostos previstos na Lei para
obter o deferimento da recuperação Judicial. Em contrapartida, estando a petição
inicial apta, o juiz deferirá o processamento da recuperação Judicial e realizará ao
atos dispostos no art. 52, como a nomeação do administrador judicial e a suspensão
de todas as ações ou execuções contra o devedor pelo prazo de 180 dias, conforme
dispõe o art. 6º desta Lei.
Os credores poderão requerer convocação da assembléia-geral para
constituição do Comitê de Credores, observando o art. 36 da referida Lei. Após, o
28 Apelação Cível 2008.001.08940. Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Desembargadora Ana Maria Oliveira. Julgamento: 05/08/2008.
30 deferimento do processamento do pedido de recuperação Judicial o devedor não
poderá desistir do mesmo, salvo hipótese de aprovação desta assembléia.
O despacho do juiz deferindo o processamento da recuperação dá início à
segunda fase, a deliberatória (artigo 6º). Nesta fase será feita a habilitação dos
créditos, cujo o principal objetivo é a votação do plano de recuperação. Havendo
divergência entre administrador e um ou mais credores acerca dos próprios créditos,
caberá ao juiz decidir o conflito.
Na habilitação dos créditos os credores irão verificar se seus créditos estão
corretamente colocados. Também nesta segunda fase haverá a apresentação do
plano de recuperação, podendo os credores, nos termos do art. 55, manifestar ao
juiz sua objeção ao mesmo no prazo de 30 (trinta) dias contados da publicação da
relação de credores prevista no parágrafo 2º, do art. 7º.
Não havendo objeção o plano será aprovado tacitamente e os autos
conclusos para o juiz analisar o mérito. Havendo-a o juiz convocará assembléia-
geral de credores para deliberar sobre o plano, consoante disposição expressa no
art. 56 da Lei.
Assim, a assembléia-geral votará o plano e caso rejeite-o, o juiz decretará a
falência, conforme art. 73, inciso III, salvo se puder e preferir aplicar o parágrafo 1º,
do art. 58. Neste sentido, a assembléia poderá alterar o plano, desde que o devedor
concorde expressamente (art. 65, parágrafo 3º). Contudo, se o plano for aprovado, o
devedor deverá apresentar as certidões negativas de débitos (art. 57) e os autos
serão conclusos ao juiz, o qual deferirá ou não o pedido de recuperação.
Ressaltamos que a decisão de deferimento é interlocutória (art. 59, parágrafo
1º) e à decisão cabe agravo interposto por qualquer credor ou Ministério Público (art.
59, parágrafo 2º). Inicia-se o prazo de dois anos do deferimento da recuperação para
o empresário cumpri-la em juízo.
Entretanto, não podemos deixar de mencionar o relevante papel do Ministério
Público na Recuperação Judicial. Este órgão tem a função de investigar às violações
31 da Lei que lhe forem notificadas pelo juiz, pelos credores, pelo administrador judicial
ou pelo devedor, instaurando as medidas competentes.
A terceira e última fase, a executória, é onde ocorre a sentença de
encerramento da recuperação. O empresário continuará cumprindo às obrigações
que vencerem após os dois anos e caso descumpra, posteriormente, os credores
poderão, nos termos do art. 62, requerer a falência ou a execução específica do
plano (título executivo judicial).
3.2 - Credores não sujeitos à Recuperação Judicial
Uma das críticas que era feita ao antigo instituto da concordata era no sentido
de que não possibilitava uma efetiva recuperação da empresa. Com efeito, muitos
empresários recorriam à concordata com o intuito de postergar a decretação de sua
falência, fraudando credores. Uma das razões desse desvirtuamento era,
precisamente, o fato de a concordata sujeitar apenas os credores quirografários, ou
seja, fornecedores em geral, credores sem qualquer garantia, não facultando aos
empresários uma solução que viabilizasse o saneamento da empresa em crise29.
Assim, nos moldes da atual legislação, os únicos credores excluídos do
âmbito da recuperação judicial são:
a) credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de
arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel, cujos
respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade,
inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda
com reserva de domínio;30
b) proprietário de importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional,
decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação;31
29 Os credores, os quais os créditos se constituírem depois de o devedor ter ingressado em juízo com o pedido de recuperação judicial estão absolutamente excluídos deste feito. 30 Conforme dispõe o artigo 49, § 3º da Lei 11.101/2005. Deste modo, não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial aquele credor cuja obrigação constituiu-se após o dia da distribuição do pedido de recuperação judicial. COELHO, 2007c, p. 130. 31 Conforme disposição legal contida no artigo 49, § 4º c/c o artigo 86, II da novel Legislação. Cf. FIGUEIREDO, 2006, p. 1337.
32
c) créditos tributários. Salienta-se que o recuperado após a juntada aos autos do
plano aprovado pela assembléia-geral de credores deverá apresentar as certidões
negativas de créditos tributários.32
Convém mencionar, que apesar de não terem sido excluídos da recuperação
judicial, os créditos decorrentes da legislação do trabalho e de acidente de trabalho
foram contemplados com um tratamento privilegiado. De fato, nos termos do artigo
54, da Lei 11.101/2005, o plano não poderá prever prazo superior:
a) de 1 (um) ano para o pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho
ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de
recuperação judicial;
b) de 30 (trinta) dias para o pagamento dos créditos trabalhistas de valor
correspondente até 5 (cinco) salários mínimos.
3.3 – Dos meios de recuperação da empresa
Ao lado da ampliação do universo de credores sujeitos ao pálio da
recuperação judicial, a Lei 11.101/2005 permitiu ao devedor empresário valer-se de
novos meios de recuperação da empresa, conferindo-lhes maiores probabilidades de
superação da crise econômico-financeira. Salienta-se que tais meios poderão ser
utilizados de forma isolada ou conjunta, conforme os interesses das partes.
A escolha do meio de recuperação judicial é deixada pela Lei ao alvitre do
devedor com a participação dos credores em assembléia-geral. Veja-se que, ao
dispor sobre essa matéria, o artigo 50 da Lei 11.101/2005, realiza enorme esforço
exemplificativo, ao expor, didaticamente os itens, o que deve ser objeto de cogitação
pelo devedor e pelos credores, a fim de reestruturar a empresa.
32 Conforme o que dispõe o artigo 151 do Código Tributário Nacional. Consoante o artigo 68 da Lei 11.101/2005, as Fazendas Públicas e o INSS poderão deferir, nos termos de legislação especifica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros do Código Tributário Nacional, conforme disposto no artigo 191-A, do Código Tributário Nacional, acrescentado pela Lei Complementar 118/2005. Cf. FIGUEIREDO, 2006, p. 696.
33
A assembléia-geral de credores consiste na reunião dos credores sujeitos aos
efeitos da falência ou da recuperação judicial, ordenados em categorias derivadas
da natureza de seus respectivos créditos, com o fim de deliberar sobre as matérias
que a lei venha exigir sua manifestação, ou sobre aquelas que possam lhes
interessar.33
São meios de recuperação da empresa:
a) concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações
vencidas ou vincendas;34
b) cisão35, incorporação36, fusão37 ou transformação38da sociedade;39
c) alteração do controle societário; 40
d) substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação se
seus órgãos administrativos. A substituição de alguns ou todos os administradores é
medida geralmente necessária em qualquer recuperação de empresa. Além da
substituição dos administradores, pode-se mostrar útil à reorganização da atividade
econômica a modificação dos órgãos societários ou mesmo algum grau de
ingerência dos credores na administração da sociedade empresária em crise.
33 CAMPINHO, 2006, p. 75. imaginação negocial criadora o campo aberto para a consecução do objetivo de recuperação. 34 Com o abatimento no valor de suas dividas ou o aumento do prazo de vencimento, a sociedade empresária devedora tem a oportunidade de se reestruturar, sendo que, deste modo disporá, por algum tempo, de mais recursos em caixa – seja para investimentos, seja para redução de gastos com empréstimos bancários. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2007b, p. 385. 35 Cisão é o processo através do qual o patrimônio de uma sociedade é dividido em duas ou mais partes, para a constituição de nova ou novas companhias ou para integrar o patrimônio de sociedades já existentes. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e de recuperação de empresa. 22. ed. rev. e atual. São Paulo:Saraiva, 2006, p. 309. 36 Incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Ibid., p. 310. 37 Fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações. Ibid., p. 311. 38 Transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro. Ibid., loc. cit. 39 Constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente. A cessão de quotas ou ações pode ser uma forma de injetar capital na empresa, tornando-a rentável. 40 A alteração pode ser total ou parcial. Espera-se, que a alteração seja acompanhada de medidas de revitalização da empresa, como aumento de capital e mudanças ma administração. No primeiro caso, opera-se a venda do poder de controle, enquanto no segundo, a admissão de novo sócio no bloco controlador. COELHO, 2007c, p. 135. 37 COELHO, 2007b, p. 387.
34
e) concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e
de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar. O processo de
recuperação judicial é uma medida sob constante fiscalização, não só do
administrador, como do Ministério Público e, obviamente, dos credores que podem,
não só opor-se ao plano, como inclusive, apresentar plano alternativo41.
f) aumento de capital social. O aumento do capital social é um ótimo meio de
recuperação, pois eleva o índice de liquidez da empresa, embora possa abalar o
poder de controle caso o controlador não subscreva as novas quotas ou ações42.
g) trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída
pelos próprios empregados43.
h) redução salarial, compensação de horários e redução de jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva. Essa medida, claro, depende não só da aceitação
dos órgãos da recuperação judicial, durante a tramitação do
processo, como principalmente dos empregados atingidos e do sindicato que os
assiste. Sem o contrato coletivo de trabalho, não há renegociação das obrigações ou
do passivo.
i) dação em pagamento ou novação44de dívidas do passivo45;
j) constituição de sociedade de credores. Os credores podem, em assembléia geral
e, obviamente, com a concordância do devedor, constituírem, entre si, uma
sociedade empresária, dando por satisfeitos os seus créditos, desta forma, injetando
recursos que permitam a sobrevivência da empresa como força produtora de
riqueza.
41 ALMEIDA, 2006, p. 314. 42 TOLEDO; ABRÃO, 2007, p. 144. 43 A alienação do estabelecimento, ou seu simples arrendamento, inclusive à sociedade eventualmente constituída pelos próprios empregados, também é uma forma de angariar dinheiro indispensável à recuperação econômico-financeira da empresa. Estes são, não só os maiores interessados na preservação de seus postos de trabalho como os mais familiarizados com a realidade da empresa. COELHO, 2007c, p. 137. 44 Novação é quando substituem-se elementos das obrigações existentes, dando ensejo à sua substituição por outras, novas. 45 O plano de recuperação judicial poderá prever a amortização ou a liquidação de dívidas mediante dação em pagamento por meio de bens da empresa em crise ou de propriedade de sócios ou acionistas. TOLEDO; ABRÃO, 2007, p. 145.
35
l) venda parcial dos bens. A venda de bens do patrimônio da sociedade devedora
pode-se revelar medida importante na obtenção dos recursos necessários ao
patrocínio da recuperação judicial. Contudo, deve-se, averiguar a importância do
bem a alienar para a continuidade da empresa46.
m) equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza47;
n) usufruto48 da empresa. Trata-se de uma medida destinada a transferir a direção
da atividade econômica em crise para mãos hábeis e preparadas.
o) administração compartilhada. Esta pressupõe a participação de credores
ou de terceiros, na administração da atividade empresarial.
p) emissão de valores imobiliários49;
q) constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar50, em
pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
Outros meios de recuperação da empresa em crise podem ser examinados e
considerados no plano de recuperação. Normalmente, aliás, os planos deverão
combinar dois ou mais meios, tendo em vista a complexidade que cerca as
recuperações empresariais.
Assim, o processo de recuperação judicial substitui a concordata para dar
maior fôlego aos empreendimentos empresariais com dificuldades financeiras e
46 COELHO, 2007c, p. 139. 47 Tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação especifica. A equalização de encargos financeiros significa a definição igualitária ou uniforme dos encargos financeiros, adequando-os às necessidades do devedor, como por exemplo, a redução de juros e outros expedientes bancários. 48 Usufruto é o direito real conferido a alguém, facultando-lhe extrair da coisa alheia os frutos e utilidades que ela produz. ALMEIDA, 2006, p. 316. 49 Se a sociedade empresária que pleiteia a recuperação judicial é por ações, ela pode, por exemplo, emitir debêntures ou outros valores mobiliários. Sendo que estes instrumentos são fonte de captação de recursos que podem ser indispensáveis para a recuperação da empresa. 50 Adjudicação é o ato pelo qual os bens do devedor são transmitidos aos credores. È o ato judicial pelo qual se dá ao credor a posse de certos bens. ALMEIDA, 2006, p. 317.
36 econômicas, introduzindo com a nova lei muitos meios de uma empresa se
reestruturar.
3.4 – Do encerramento da Recuperação Judicial
Após cumprir todas as obrigações vencidas no prazo de dois anos, a contar
da concessão da Recuperação Judicial (art. 61), o juiz decretará – através de
sentença – o encerramento da recuperação, determinando, em observância ao art.
63:
a) pagamento dos honorários ao administrador judicial;
b) apresentação e aprovação do relatório circunstanciado do administrador judicial
versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor;
c) apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas;
d) dissolução do Comitê de Credores;
e) exoneração do administrador judicial;
f) comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis.
Por todo o exposto, é notável a melhor adequação da nova lei com o cenários
econômico-social atual, corroborando o novo instituto da recuperação judicial com a
efetiva reestruturação das empresas em dificuldades através de um planejamento
estratégico adequado à sua condição financeira no momento.
O empresário devedor não está restrito à simples negociação de suas dívidas,
por meio de dilação dos prazos ou remissão das dívidas, podendo elaborar o plano
de recuperação contendo além dos meios legais, previstos no art. 50 da lei, outros
que julgue adequados à sua condição financeira e que virão a possibilitar –
efetivamente – o erguimento da empresa. Este foi um relevante avanço trazido pela
nova lei.
37 Diversos fatores podem levar uma empresa à crise criando a necessidade de
reestruturá-la, como, por exemplo, o declínio das margens de lucros, o aumento do
custo financeiro, o advento de novas tecnologias, entrada de novos concorrentes no
mercado.
A partir do objetivo maior da Lei 11.101, qual seja, a preservação e
manutenção das empresas viáveis, as empresas inviáveis têm seu processo de
decretação de falência acelerado, pois só devem ser recuperadas as empresas
viáveis, tendo em vista a segurança jurídica necessária à sociedade.
Com isso, a nova lei de falências gerou efeitos práticos na economia
brasileira, a partir da desestimulação do requerimento do instituto de recuperação de
empresas como instrumento de cobrança, como ocorria com a concordata,
passando a ser, com a Recuperação Judicial, um meio de realmente reestruturar a
atividade produtiva, refletindo na redução do número de falências. Aliado a este
entendimento, seguem dois estudos realizados pelo Serasa:
38
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES
TRAZIDAS PELA LEI 11.101/05
A Lei 11.101/05 trouxe alguns princípios norteadores de sua essência. O art.
47 preconiza o princípio da preservação e manutenção das empresas, o qual é o
ponto distintivo entre a antiga lei e a nova, sendo considerado o princípio maior e o
objetivo da recuperação, ao expressar a importância social da empresa dentro de
seu meio de autuação.
O artigo supracitado é de suma importância, visto que uma empresa gera
riqueza econômica, cria empregos e renda, gera impostos e tributos, contribuindo,
assim, para o crescimento o desenvolvimento social do país, sendo importante
preservá-la. Sua extinção acarretaria perda econômica, frustraria os interesses dos
credores, dos trabalhadores, do fisco e da sociedade como um todo. Diante disto e
devido à função social da empresa, prevalece e preservação e manutenção da
empresa cuja recuperação seja viável. Ressalta-se que somente as
economicamente viáveis deverão ser recuperadas, não sendo este princípio
aplicado absoluta e indiscriminadamente.
Em contrapartida, o Decreto-Lei 7.661/45 não previa o princípio em tela, tendo
como objetivo principal de buscar garantias para que os credores recuperassem
seus créditos, não enfocando na importância econômica e social da empresa e na
necessidade de preservá-la em prol da sociedade e não apenas dos credores.
Este princípio está ligado a outros dois: i) retirada do mercado de sociedades
ou empresários não recuperáveis; ii) participação ativa dos credores. O primeiro
significa que as empresas cuja recuperação não seja viável, deverão ser retiradas do
mercado, visto que a preservação dever prevalecer, porém não a todo custo.
Sempre que a manutenção for possível, ainda que com modificações na estrutura
organizacional, a atividade empresarial deverá ser estimulada, sendo fornecidos ao
empresário devedor instrumentos e condições para que se recupere. O segundo
preconiza a participação dos credores ativamente e intensamente, sendo
39 responsáveis pela aprovação ou rejeição do plano de recuperação judicial
apresentando pelo devedor, além de fiscalizar seu cumprimento.
O plano somente irá prosperar se os credores consentirem, isto é, aprovarem-
no, já que eles são os maiores interessados na recuperação da sociedade. Já nos
termos do Decreto-Lei 7.661/45, o comerciante decidia unilateralmente sobre o
pedido e a forma de pagamento. Preenchidos os requisitos e pressupostos legais
pelo concordatário, o pedido de concordata seria homologado pelo juiz, sujeitando
todos os credores quirografários, independentemente de sua concordância, o que
significa que não havia consentimento dos credores.
Outro princípio é o da separação dos conceitos de empresas e de empresário.
Não se deve confundir estes conceitos. A empresa é o conjunto estruturado
empresariamente para o exercício da atividade econômica, objetivando a produção e
circulação de bens e serviços, conforme lição de Amador Paes de Almeida51. Já o
empresário é pessoa natural ou jurídica titular de empresa, sendo quem a criou e a
dirige. Empresário é quem exerce atividade econômica organizada e empresa é o
conjunto estruturado para este exercício.
A proteção aos trabalhadores era um princípio também previsto na antiga lei,
porém na nova lei houve mitigação, limitando o montante a 150 (cento e cinqüenta
salários mínimos). Esta limitação de valor fundamenta-se no princípio da paridade,
isto é, igualdade dos credores da mesma classe, para que mais credores da mesma
classe possam receber seus créditos.
Ao chegar na fase falimentar de liquidação de créditos, os credores
trabalhistas receberiam conforme o art. 83, I, da Lei 11.101/05, porém, devido a
referida limitação feita nesta lei, eles receberão no máximo o valor referente aos 150
(cento e cinqüenta) salários mínimos. O crédito que exceder este valor máximo será
considerado como quirografário.
A Lei 11.101 de 2005 trouxe outros princípios visando recuperar a sociedade:
i) redução do custo do crédito no Brasil; ii) celeridade e eficiência dos processos
51 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, Pg 307.
40 judiciais; iii) princípio da segurança jurídica; iv) maximização do valor dos ativos do
falido, estando estes quatro princípios conciliados. O princípio da redução do custo
do crédito visa minimizar o custo do crédito para o devedor junto às instituições
financeiras, cobrando juros mais baixos nos empréstimos realizados. O princípio da
celeridade e eficiência dos processos judiciais está em conformidade com o princípio
constitucional da celeridade, previsto nos direitos fundamentais da Constituição
Federal, art. 5º, inciso LXXVIII. Este princípio preconiza a prestação da tutela
jurisdicional mais célere, visto que isto refletirá numa maior segurança jurídica,
sendo este o terceiro princípio. Vale destacar que a nova lei reflete até na Bolsa de
Valores, posto que com maior segurança jurídica, as ações das empresas brasileiras
possuem maior credibilidade.
O quarto princípio significa melhor aproveitamento do ativo da empresa. Pelo
antigo instituto, havia um momento exato para venda do ativo da empresa. Porém,
muitas vezes, até chegar neste momento o bem se deteriorava, perdendo-se o valor
que poderia ser obtido com este ativo inutilizado. A nova lei trouxe diversos
mecanismos que facilitam a venda do ativo a fim de haver melhor aproveitamento e
arrecadação do máximo possível para satisfazer o passivo posteriormente.
A arrecadação dos bens da empresa será feito pelo administrador judicial, o
antigo síndico do Decreto-Lei 7.661/45. Caso algum bem esteja se deteriorando ou
desvalorizando, o administrador judicial vende este bem antes mesmo de chegar na
fase de liquidação do ativo, depositando o valor arrecadado em conta judicial.
Outro princípio é o rigor na punição de crimes relacionados à falência e à
recuperação, posto que a nova lei ao modificar os artigos 503 a 512 do Código de
Processo Penal trouxe maior rigor, pois aumentou a pena dos referidos crimes,
visando coibir o empresário de praticar atos que são crimes falimentares.
Concernente a este princípio há discussão doutrinária. A primeira corrente critica-o,
argüindo a constitucionalidade desta alteração, pois cerceia o direito de defesa e
diminui o contraditório e a ampla defesa.
O procedimento adotado pela antiga lei era o do rito ordinário, porém ao
aumentar a pena, a nova lei instituiu um novo procedimento, adotando o rito sumário
para os referidos crimes. Em contrapartida, a segunda corrente não considera tal
41 alteração inconstitucional, argumentando que o fato de aumentar a pena não
significa que o rito seja alterado e mesmo sendo um o rito sumário, que é um rito
mais célere, este rito estará coadunando com o princípio da celeridade e eficiência e
não há cerceamento de defesa.
42
CONCLUSÃO
O instituto da falência é a insolvência do devedor comerciante que tem seu
patrimônio submetido a um processo de execução coletiva, onde seus bens são
arrecadados e levados à venda judicial forçada, com a distribuição proporcional do
ativo entre os credores habilitados e que em nosso ordenamento jurídico.
Caracteriza-se pela impontualidade, que faz presumir o estado de insolvência
do devedor comerciante, melhor dizendo, é aquele devedor que não consegue pagar
pontualmente seu débito. Tendo em mente tal descrição, é grande a expectativa
entre os empresários e a comunidade financeira sobre os reflexos e os efeitos a
curto, médio e longo prazos da Nova Lei de Falências, aprovada após longa batalha
na Câmara dos Deputados e Senado, e que veio atender os reclamos desses
segmentos.
As severas transformações sócio-econômicas, fundadas na livre concorrência
e na dignidade da pessoa humana, conduziram o legislador a repensar uma norma
falimentar mais voltada para a salvação das empresas do que para a punição das
mesmas com a decretação da quebra, o que conduzia, a um só tempo, devedores e
credores para situações desvantajosas.
O direito concursal anterior não atendia mais as violentas crises da empresa,
impondo-se um marco entre o passado e o presente, sendo no passado marcado
por um processo liquidatório e hoje como sendo um processo recuperatório de
empresas.
Prova disso é o esforço legislativo de elaboração da nova lei de falências,
denominada de lei de recuperação econômica das empresas, que fundada nos
princípios da preservação e da socialidade, prestigia a manutenção do
empreendimento, sempre que possível, visando assegurar o desenvolvimento
econômico, reduzir o custo do crédito e, acima de tudo, proteger os postos de
trabalho.
43
O principal objetivo do novo diploma jurídico é reestruturar, sanear e salvar a
empresa econômica e financeiramente viável. Com isso, cria-se a possibilidade de
superação da crise pelo devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do
emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.
Preocupou-se a lei com a recuperação econômica da empresa, ao invés de
esmagá-la. Sendo que, com o desaparecimento de uma empresa acaba
exterminando com os postos de trabalho, com a arrecadação tributária, e
dependendo do porte da empresa e da cidade onde ela está localizada, o seu
fechamento pode acarretar o desaparecimento da própria cidade.
Ficou claro que a nova norma respeitou preceitos basilares do direito
falimentar, dispensando tratamento igualitário aos credores, um dos principais
objetivos do processo falimentar. Para isso, assegura aos credores com créditos da
mesma natureza a igualdade e gera hierarquia em favor dos mais necessitados, no
caso os empregados, e do interesse público, representado pelos créditos fiscais,
obedecendo, ainda, ao indivisível juízo da falência, uma vez que este atrai todas as
ações e questões atinentes aos bens, interesses e negócio da falida.
A eficiência da lei, porém, demandará uma nova postura das empresas, seus
mandatários, os trabalhadores e seus órgãos representativos, e os credores em
geral, onde se procurará, por certo, a todo custo se evitar a decretação da falência
da empresa, com a novidade da recuperação judicial e extrajudicial, e pelo fato de
não se mostrar a norma favorável ao trabalhador, como fora um dia.
Também exigirá um melhor aparelhamento do próprio Poder Judiciário, uma
vez que se trata de matéria especializada, para a qual os magistrados não foram
previamente preparados para executá-la. No mais, os próprios funcionários do Poder
Judiciário, conviverão com uma nova situação que foge ao dia a dia das atividades
forenses, o que certamente demandará treinamento adequado.
A aprovação da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas constitui
um marco na agenda de aperfeiçoamento institucional que o governo vem
implementando na economia brasileira. A nova Lei 11.101/2005 visa dar maior
segurança jurídica às partes e delinear um caminho seguro na busca pela efetiva
44 recuperação da empresa que está com dificuldades financeiras, e não simplesmente
a sua liquidação.
O regime anterior de falências e concordatas, regulado pelo Decreto Lei nº
7.661, de 1945, apesar de ter sido um marco para sua época, acabou não sendo
mais compatível com a dinâmica econômica atual, tampouco atendia os anseios
inerentes a um fenômeno de insolvência econômica que assola o mundo moderno.
Nesse contexto, a Lei de 1945 foi incapaz de preservar importantes
empresas, muitas delas tradicionais e com marcas enraizadas na cultura nacional,
fazendo com que importantes ativos se perdessem. Na maior parte dos casos, esta
antiga lei, não foi capaz de preservar as empresas, que deixaram assim de cumprir
sua função social no seio da sociedade, gerou-se: fim de postos de trabalho,
arrecadação de tributos, desabastecimento da economia, fim de circulação de
riquezas, e neste caso toda a sociedade acabou sendo atingida.
Verificamos que a nova Lei de Falências busca evitar o quadro observado no
regime anterior, em que a ausência de um ambiente de negociação entre credores e
devedores, e processos falimentares extremamente morosos, levavam à
deterioração dos ativos da empresa. Desde que a nova legislação de falências
entrou em vigor, mais de duzentas empresas solicitaram a recuperação judicial,
dentre elas: Varig, Vasp, Panashop, Parmalat e Bombril52.
Os primeiros planos de recuperação, nos quais as empresas desenham as
estratégias a serem utilizadas para o restabelecimento financeiro, estão sendo
implementados. Como não poderia deixar de ser, o Direito Empresarial está
submetido a princípios jurídicos os quais norteiam o equilíbrio entre os objetivos de
devedor e do credor.
Os princípios essenciais ao desenvolvimento econômico e social da
sociedade são molas propulsoras do processo de evolução das relações
econômicas, processo de modernização, permitindo que os particulares se
52 A informação foi dada pelo presidente do Conselho do Instituto Brasileiro de Gestão e Turnaround (IBGT), Jorge Queiroz, durante o Seminário sobre Recuperação de Empresas, realizado em Porto Alegre, na data de 15 de maio de 2007.
45 antecipem às leis na criação de novas modalidades negociais. E para que isto ocorra
foi realizada a construção dos dois institutos que compõem o novo arcabouço
falimentar.
Foi desenvolvido o regime da Recuperação, decomposto nas suas opções
judicial e extrajudicial. A judicial é decretada pelo Judiciário, mediante a aprovação
de um plano de recuperação judicial. Já na extrajudicial, o Judiciário funciona
apenas como órgão homologador de um acordo extrajudicial já entabulado entre o
devedor empresário e alguns credores.
Diante disso, necessário se faz analisar os princípios que norteiam sua
criação, vejamos. Estando o direito empresarial submetido a princípios jurídicos que
tutelam o desempenho de sua atividade, tais como:
Da livre iniciativa, que é considerado como fundamento da ordem econômica
e atribui à iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de bens ou
serviços, constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem econômica, cabendo
ao Estado apenas uma função supletiva, pois a Constituição Federal determina que
a ele cabe apenas a exploração direta da atividade econômica quando necessária a
segurança nacional ou relevante interesse econômica;
Da liberdade de contratar, sendo esta o poder conferido às partes e suscitar
os efeitos que pretendem sem que uma lei imponha seus preceitos, ou seja, em
decorrência desse princípio, acima de tudo, vale a vontade das partes e o que por
elas foi convencionado;
Da livre concorrência, ela visa assegurar o regime de mercado no cenário
econômico, repelindo formas abusivas de dominação, seja mediante conduta estatal,
seja privada, impondo-se a obediência a determinados padrões normativos. A
fixação de limites normativos parte da premissa de que a atuação do Estado não crie
distorções no mercado, preservando-se a isonomia entre os concorrentes. A livre
concorrência decorre a liberdade de iniciativa, enquanto um aspecto e uma das
extensões das liberdades individuais.
46
O princípio da função social da empresa surgiu na legislação brasileira em
1976, portanto antes da Constituição de 1988, com a Lei 6.404 de 15 de dezembro
de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas). Este princípio aplica-se à empresa com a
finalidade de considerar o interesse da sociedade como um todo, ainda que se trate
de atividade privada, regida por regime jurídico privado. Não se pode deixar de
considerar o interesse da coletividade na existência e no exercício, ou não, das
faculdades privadas: a cada faculdade, mesmo individual, corresponde uma razão
de ser (uma função) dentro da sociedade.
A atividade econômica organizada para a produção de riqueza, pela produção
e circulação de bens e/ou pela prestação de serviços, embora tenha finalidade
imediata de remunerar o capital nela investidos, beneficiando os seus sócios,
beneficia igualmente ao restante da sociedade. Nessa seara, pode-se afirmar que a
empresa cumpre com sua função social.
A proteção da empresa, portanto, não é proteção do empresário, nem da
sociedade empresária, mas a proteção da comunidade e do Estado que se
beneficiam, com a produção de riquezas. Aliás, não apenas o empreendedor, o
empresário, mas também os terceiros que mantenham relações negociais com
empresa e cujos direitos e interesses possam ser também afetados pela função
social da empresa.
O princípio da função social da empresa está intimamente ligado com o
princípio da preservação da empresa. É preciso preservar a empresa para que ela
cumpra a sua função social. Há a existência de um interesse público na preservação
da estrutura e da atividade empresarial, isto é, na continuidade das atividades de
produção de riquezas pela circulação de bens ou prestação de serviços, certo que a
empresa atende não apenas aos interesses de seu titular, de seus sócios (se
sociedade), e de seus parceiros negociais.
Este é o princípio mais moderno do novo processo falimentar, pois, a
empresa é composta de empregados que servem para a mão de obra, sócios para
cuidar do passivo e do ativo da empresa, de fornecedores que fornecem a matéria-
prima e outros tipos de matéria para o acontecimento do produto final, do fisco que
47 traz tributos a serem pagos, dos consumidores que vão consumir os produtos e
serviços despejados pela empresa no mercado de capitais.
Desse modo, a empresa é fonte geradora de empregos, de recolhimento de
tributos e de ativação da economia. Desempenha papel preponderante no equilíbrio
da balança de pagamentos do País. Destarte, pode-se afirmar que a empresa é um
bem social, antes mesmo de ser um bem que pertence ao empresário ou seus
sócios. Em linguagem inversa, o sócio tem cotas ou ações de uma empresa que
pertence à sociedade. É por isso que a empresa tem uma função social a cumprir.
Diante da importância social que as empresas desempenham na sociedade,
seja pela colocação no mercado de bens e serviços, seja pela geração de empregos
que resultam em pagamentos de salários e conseqüentemente dão acesso a certos
confortos, o Estado não poupou esforços para preservar a sua saúde financeira.
O raciocínio natural que se tem a respeito da importância social das empresas
para a comunidade, é que o Estado deve envidar todos os esforços para preservar a
saúde financeira delas. Inegavelmente, todas as espécies empresárias contribuem
fundamentalmente para toda sociedade, seja pela produção de mercadorias, seja
pela colocação no mercado de bens e serviços que facilitam a vida das pessoas,
seja pela geração de empregos que resultam em pagamentos de salários que dão
acesso a esses confortos.
É possível dizer, portanto, que o desenvolvimento de uma sociedade moderna
depende do fortalecimento de sua economia, sendo que sobre a empresa repousam
as expectativas de manutenção deste ciclo, como elemento que realiza a produção e
a circulação de riquezas e de rendas. Não há como se vislumbrar atividade
empresarial desgarrada de uma função social, assim como o dever de solidariedade
deve constituir um critério conformativo da liberdade de iniciativa econômica.
Deve o instituto da função social da empresa procurar zelar pelo pleno
exercício da atividade empresarial, gerando riquezas, mantendo empregos, pagando
impostos, enfim movimentando o mercado econômico, entre outros fatores, tendo o
Estado papel decisivo na aplicação normativa, elaborando políticas públicas de
48 fiscalização, proteção e incentivo ao desenvolvimento, especialmente para as
médias e pequenas empresas.
A lei falimentar deve atender à sociedade, visto que, a empresa é, hoje,
encarada como uma entidade de suma importância e sua recuperação não advém
de mera abstração, e sim de uma necessidade incontestável, sendo o Estado o
principal interventor da magna questão.
A manutenção de empregos, pagamento de impostos, desenvolvimento
tecnológicos, movimentação do mercado econômico, entre os outros fatores, é que
devem ser analisados, para impulsionarem o ciclo econômico, realimentando o
processo de novos empregos, novos investimentos assim sucessivamente.
Cabe acrescentar, que o desenvolvimento de uma sociedade moderna
depende do fortalecimento de sua economia, sendo que sobre a empresa repousam
as expectativas de manutenção deste ciclo, como elemento que realiza a produção e
a circulação de riquezas. Neste cenário o novo diploma legal tem como objetivo
precípuo reestruturar, sanear as empresas em crise econômico-financeira, mas que
sejam viáveis, para isto, criou o instituto da recuperação judicial, objeto do presente
trabalho.
Desta forma, pode-se afirmar que o cunho social da empresa é obrigação que
incide em sua atividade, ou seja, no exercício da atividade empresarial. O lucro,
então, não pode se levado à prioridade máxima, em prejuízo dos interesses coletivos
estabelecidos. A geração de lucros constitui, na verdade, o fim específico para o
qual o empreendimento foi constituído. Isso, porém, nada tem com a função social,
que diz respeito com a liberdade de atuação empresarial encontrada no interesse
público e no dever de solidariedade social.
Na verdade, a função social da empresa dará maior ênfase à sua própria
sobrevivência, não esquecendo do lucro, porque uma posição não exclui a outra. O
lucro é importante, mas a sobrevivência do social da empresa é mais importante.
49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Falência e Recuperação de Empresas – Lei n.
11.101/2005. Ed. Jus Podivm. 2010.
CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa. Ed. Renovar. 2008.
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva.
1996.
BRASIL. Decretos-Leis. Decreto-Lei n.° 7.661, de 21 de julho de 1945. Diário Oficial
da União, Brasília, 31 jul. 1945. Lei de Falências.
BRASIL. Leis. Lei n.° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Diário Oficial da União,
Brasília, 14 mar. 1967. Código Tributário Nacional.
BRASIL. Leis. Lei n.° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União,
Brasília, 11 jan. 2002. Código Civil.
BRASIL. Leis. Lei n.° 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Diário Oficial da União,
Brasília, 09 fev 2005. Edição extra. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência do empresário e da sociedade empresária.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial – de acordo com a nova lei de
falências. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
FONTELES, Cláudio. Parecer da procuradoria geral da república. Revista Consultor
Jurídico. 12 mai. 2005.
GRAU, Eros. A ordem econômica na constituição de 1988 - interpretação e crítica. 2
ed. São Paulo: RT, 2001.
50 GUERRA, Érica; LITRENTO, Maria Cristina Frascari. Nova lei de falências
comentada. 1ed. Campinas, São Paulo: LZN, 2005.
GUSMÃO, Mônica. Nova lei de falências – estudo comparado com o decreto-lei
7.661/1945. 1 ed. Niterói, RJ: Impetus, 2004.
JÚNIOR, Waldo Fazzio. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 1 ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2005.
LOBO, Jorge. Direito concursal contemporâneo. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999.
MARTINS, Sérgio Pinto. Limitação ao direito do trabalhador. Revista Forense. Vol.
187. 2005.
MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NERI JR., Nelson. Novo código civil. São Paulo: RT, 2002, em Nota ao art. 7º da Lei
de Falência (DL 7661/45).
PAIVA, Luiz Fernando Valente de. Direito falimentar e a nova lei de falências e
recuperação de empresas. 1 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Reflexos tributários da nova lei de falência. 1 ed.
São Paulo: MP Editora, 2005.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. São Paulo: Saraiva, 1998.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 2. 24 ed. São Paulo: Saraiva,
2005.
SALAMACHA, José Eli. A recuperação judicial de empresas e as dívidas fiscais.
Disponível em <http://www.abdir.com.br/artigos/ver.asp?art_id=322> Acesso em: 08
jul. 2012, 18:40.
51
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO......................................................................................................2
AGRADECIMENTO......................................................................................................4
DEDICATÓRIA.............................................................................................................5
PENSAMENTO............................................................................................................6
RESUMO......................................................................................................................7
METODOLOGIA...........................................................................................................8
INTRODUÇÃO..............................................................................................................9
SUMÁRIO...................................................................................................................11
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO SOBRE E LEI DE FALÊNCIAS....................................12
CAPÍTULO 2 – DOS PRINCÍPIOS.............................................................................18
2.1 – Do Princípio da Função Social da Empresa......................................................20
2.2 – Do Princípio da Preservação da Empresa........................................................22
CAPÍTULO 3 – DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL........................................................24
3.1 – Dos requisitos para ter acesso à Recuperação Judicial....................................27
3.2 – Credores não sujeitos à Recuperação Judicial.................................................31
3.3 – Dos meios de recuperação da empresa............................................................32
3.4 – Do encerramento da Recuperação Judicial .....................................................36
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES
TRAZIDAS PELA LEI 11.101/05................................................................................38
CONCLUSÃO.............................................................................................................42
52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................49
ÍNDICE.......................................................................................................................51
FOLHA DE AVALIAÇÃO............................................................................................53
53
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Universidade Cândido Mendes – Projeto A Vez do Mestre
Curso Direito Empresarial e dos Negócios
Título: A nova Lei de Falências 11.101/2005: análise da Recuperação Judicial no
Direito Falimentar Brasileiro.
Alessandra Gargano Figueiredo Lopes – Matrícula K210668
Avaliado por: ________________________________________________
Conceito: ___________________________________________________
Considerações avalistas:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________