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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA POR UMA FORMAÇÃO LINGUÍSTICA DO PSICOPEDAGOGO INSTITUCIONAL: LINGUAGEM, ESCOLA E ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA Por: Diego da Silva Vargas Orientadora Prof.ª Geni Lima Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

POR UMA FORMAÇÃO LINGUÍSTICA DO PSICOPEDAGOGO

INSTITUCIONAL: LINGUAGEM, ESCOLA E ATUAÇÃO

PSICOPEDAGÓGICA

Por: Diego da Silva Vargas

Orientadora

Prof.ª Geni Lima

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

POR UMA FORMAÇÃO LINGUÍSTICA DO PSICOPEDAGOGO

INSTITUCIONAL: LINGUAGEM, ESCOLA E ATUAÇÃO

PSICOPEDAGÓGICA

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Psicopedagogia

Por: Diego da Silva Vargas

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AGRADECIMENTOS

À minha família, pela felicidade

constante que é fazer parte dela.

Especialmente à minha mãe, por toda

dedicação, carinho, atenção e amor

que tem me dado ao longo de todos

esses anos e em todos os momentos.

À minha namorada Marina, pelo apoio

e auxílio sempre que necessários, pela

força e por acreditar em meu sucesso

sempre.

À minha pequena sobrinha Sophia, por

me mostrar na prática o que eu via na

teoria e por me mostrar a magia

incrível dos constantes primeiros

olhares.

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DEDICATÓRIA

Aos meus ex, atuais e futuros alunos, por

me ensinarem sempre, mais do que

imaginam ser possível.

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RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de explicitar possíveis relações entre as

Ciências Linguísticas e os estudos em Psicopedagogia, visando,

principalmente auxiliar o trabalho do psicopedagogo institucional que atua no

espaço escolar. Considerando que a Psicopedagogia se define como área de

atuação multidisciplinar, pretende-se, por meio deste trabalho, incorporar a

seus estudos os pressupostos da Linguística, em especial da Sociolinguística e

da Psicolinguística, aplicando-os à atuação do psicopedagogo institucional na

Escola. Nesse sentido, inicialmente, procura-se fazer uma breve descrição dos

estudos em Psicopedagogia Institucional Escolar, associando-os a uma

descrição mais generalizante da Linguística. Posteriormente, apresentam-se

pressupostos básicos da Sociolinguística e da Psicolinguística, considerando-

as como as ciências da linguagem que melhor podem contribuir para o

trabalho do psicopedagogo, levando-se em consideração também o caráter

interdisciplinar de ambas as disciplinas. Por fim, faz-se uma breve conclusão,

na qual se retoma a relevância dos conhecimentos em Linguística para um

melhor desempenho do psicopedagogo dentro, mas também fora, da Escola.

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METODOLOGIA

Este trabalho se desenvolveu basicamente por meio de pesquisa

bibliográfica, com o objetivo de se fazer um levantamento de estudos

linguísticos que permitissem o entendimento das questões de linguagem que

permeiam o ambiente escolar e os interactantes nesse espaço, bem como

noções linguísticas fundamentais para o entendimento do funcionamento da

cognição humana e da interação entre os indivíduos. Além disso, a pesquisa

bibliográfica também focou, em paralelo, o levantamento de trabalhos

essenciais para o entendimento da atuação do Psicopedagogo Institucional no

espaço escolar, de forma que se fosse possível estabelecer a relação entre

essas questões linguísticas e a atuação do psicopedagogo institucional na

Escola.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - Linguística(s) e Psicopedagogia: relações possíveis 11

CAPÍTULO II - Contribuições Sociolinguísticas à Psicopedagogia 20

CAPÍTULO III – Contribuições Psicolinguísticas à Psicopedagogia 39

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA 52

ANEXOS 58

ÍNDICE 59

FOLHA DE AVALIAÇÃO 63

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo fundamental identificar e explicitar em

que medida se podem conceber relações que se dão entre Linguagem e

Escola e o fazer psicopedagógico no ambiente escolar. Além disso, busca-se

estabelecer relações entre as Ciências Linguísticas, em especial a

Sociolinguística e a Psicolinguística, e os saberes da Psicopedagogia, visando

a contribuir para a formação e atuação do psicopedagogo institucional na

Escola.

Ele é fruto de um desconforto de seu autor, enquanto pesquisador na

área de Linguística, com algumas análises e comentários feitos por

especialistas e por futuros profissionais da área de Psicopedagogia, no que diz

respeito ao conhecimento sobre a linguagem tanto como organizadora do

pensamento humano, como meio de comunicação e interação social. Por

vezes, é comum ouvirmos expressões que revelam um preconceito linguístico

sobre os falantes, além de análises de casos mal desenvolvidas por se

ignorarem fatores linguísticos envolvidos.

Nesse sentido, este trabalho visa também a (a) conceptualizar as

relações entre Linguagem e Escola, de acordo com a teoria desenvolvida pelas

Ciências Linguísticas, em especial, a Sociolinguística e a Psicolinguística; (b)

identificar em que medida o fazer psicopedagógico na Escola é mediado por

questões de linguagem e (c) contribuir para a formação do psicopedagogo

institucional, no que concerne a questões linguísticas.

Entende-se que o psicopedagogo institucional deve atuar na Escola

como um elo que une todos os seus atores na busca da construção de um

espaço que permite o respeito às diferenças, ao mesmo tempo em que se

constroem igualmente oportunidades para que todos os aprendentes, que

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desse espaço fazem parte, desenvolvam suas potencialidades. Dessa forma,

acredita-se que o fazer psicopedagógico, não só dentro do espaço escolar,

mas também nele, perpasse de maneira profunda questões de linguagem.

É por meio da linguagem que um indivíduo conceptualiza o mundo em

que vive, estabelecendo relações sociais e aprendendo a cultura da sociedade

em que está inserida. É também por meio da linguagem que se torna possível

a alteração da realidade em que se vive. Além disso, a linguagem é

responsável por uma série de processos cognitivos fundamentais para o

desenvolvimento da intelectualidade dos indivíduos. O ser humano chegou a

tal ponto de sua evolução que não há pensamento sem linguagem, nem

linguagem sem pensamento.

Dessa forma, não é difícil entender que o ambiente escolar se constrói

basicamente por meio de questões linguísticas, que não só refletem a forma

como se vê o mundo fora da escola, como também serve para reproduzir essa

forma. Além disso, as principais dificuldades de aprendizagem apresentadas

pelos alunos nos ambientes escolares se devem principalmente a questões de

linguagem, que também exerce papel fundamental na identificação de

determinadas deficiências.

Entendendo que a Psicopedagogia se constrói como uma conjugação

de saberes advindos de diversas teorias científicas, não se podem ignorar as

questões linguísticas que envolvem a atuação do psicopedagogo institucional

dentro do ambiente escolar. Se ele não é capaz de perceber minimamente

todas essas relações e como elas afetam seu fazer, ele não se tornará capaz

de atuar plenamente na construção desse espaço que se pretende igualitário,

mas também respeitoso às diferenças.

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CAPÍTULO I

LINGUÍSTICA(S) E PSICOPEDAGOGIA: RELAÇÕES

POSSÍVEIS

Neste capítulo, pretende-se fazer uma breve revisão bibliográfica

acerca da Psicopedagogia Institucional como campo de atuação, buscando o

estabelecimento de interfaces possíveis com as Ciências Linguísticas. Nesse

sentido, busca-se estabelecer de que forma as Linguísticas poderiam contribuir

para uma melhor atuação do Psicopedagogo no ambiente escolar, levando-se

em conta as diversas funções que ele pode assumir, bem como o caráter

multidisciplinar da Psicopedagogia, enquanto campo de conhecimento que

vem buscando a atualização constante de seu escopo teórico.

1.1 – A Psicopedagogia Institucional no âmbito escolar

No Brasil, a Psicopedagogia vem caminhando há 40 anos em busca de

um reconhecimento oficial. Hoje, já se constitui como área com um corpo

teórico próprio, atuando sempre de maneira inter e multidisciplinar, permitindo

a integração constante com o conhecimento desenvolvido por outras áreas do

conhecimento, sendo essa uma característica básica de sua linha de atuação.

Entretanto, não se pode negar que ainda há muito o que se estudar e muitos

são os conhecimentos ainda ignorados pelos trabalhos em Psicopedagogia

que podem contribuir para uma melhor compreensão dos diferentes processos

de aprendizagem e seus possíveis problemas.

Como afirma Bossa (2000, p.15), o fato de a formação em

Psicopedagogia se dar em um nível de pós-graduação lato sensu contribui

para esse seu caráter multi e interdisciplinar, uma vez que, assim, é possível

que graduados de diferentes áreas do conhecimento possam enveredar-se

nesse campo de atuação, trazendo consigo os saberes construídos em sua

formação inicial. Se, por um lado, isso fragiliza a formação do profissional, que

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deve atuar isoladamente na busca de um aprofundamento teórico capaz de

articular-se à sua prática, por outro, pode trazer muitas vantagens na

constituição de um aporte teórico capaz de resolver as questões da

Psicopedagogia, uma vez que o processo de aprendizagem envolve diferentes

fatores estudados por diferentes teorias em separado.

Assim, é papel da Psicopedagogia unir esses diferentes saberes em

uma perspectiva de trabalho que visa, olhando e escutando o aprendente,

entender o seu funcionamento durante o processo de aprendizagem, em

contextos escolares e extra-escolares. Ela se constitui como um campo de

atuação que integra as grandes áreas da Saúde e da Educação, abrangendo

em seu trabalho, tanto clínico como institucional, todo o processo de

aprendizagem, intervindo nele quando necessário, mas também atuando de

maneira preventiva, de forma a evitar que se construam problemas de

aprendizagem dentro do âmbito escolar.

Inicialmente, a Psicopedagogia se construiu como um campo de

atuação clínica, focando seu trabalho especificamente na diagnose e no

tratamento de crianças que apresentassem dificuldades no seu processo

escolar de aprendizagem, seja qual fosse a razão da alteração. Entretanto, não

levou muito tempo para que os estudiosos e práticos da área se dessem conta

de que antes ou paralelamente a uma atuação clínica, era necessária a

presença de um profissional no próprio espaço escolar, para que, assim, fosse

possível a constituição também de uma atuação preventiva, que pudesse evitar

a geração de dificuldades de aprendizagem.

Dessa forma, por meio dessa necessidade de um trabalho preventivo

no espaço escolar, constituiu-se a Psicopedagogia Institucional, que, apesar de

apresentar os mesmos pressupostos da Clínica, possui muitas especificidades

em sua atuação. Hoje, é importante salientar que a Psicopedagogia

Institucional não resume apenas a sua atuação ao espaço escolar, referindo-se

também ao trabalho do psicopedagogo em empresas, hospitais, ONG’s, etc.

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Este trabalho, porém, foca apenas a Psicopedagogia Institucional desenvolvida

em ambiente escolar e sua relação com as Ciências Linguísticas.

Em uma perspectiva institucional, dentro do ambiente escolar, “o

compromisso do psicopedagogo é com a transformação da nossa realidade

escolar, e só através desse exercício reflexivo, superaremos os obstáculos que

se nos impõem” (BOSSA, 2000, p.15). Nesse sentido, Barbosa (2001, p.74)

nos lembra que “a ação psicopedagógica na instituição escolar pode se

caracterizar como diagnóstica, de intervenção corretora ou preventiva”. O

psicopedagogo institucional atuaria, principalmente, de uma maneira

preventiva, evitando que a Escola se torne um espaço gerador de dificuldades

de aprendizagem, zelando para que as individualidades nos processos de

aprendizagem sejam respeitadas.

Assim, é tarefa do psicopedagogo institucional que atua no espaço

escolar fazer a análise do funcionamento da Escola: sua estrutura, sua

ideologia, seus procedimentos pedagógicos e avaliativos (WEISS, 1997). Em

resumo, o psicopedagogo institucional deve entender como a Escola em que

ele atua está produzindo o conhecimento e buscar analisar como seus alunos

estão construindo seus processos de aprendizagem a partir dessa produção

advinda da Escola. Torna-se, então, fundamental o entendimento de como se

dá a ação pedagógica da escola (qual a sua filosofia de educação, que tipo de

homem deseja formar, se existe um planejamento em diferentes níveis, etc),

uma vez que isso se refletirá no processo de aprendizagem desenvolvido pelo

aluno (WEISS, 1997).

“No enfoque preventivo, o papel do psicopedagogo é

detectar possíveis problemas no processo ensino-

aprendizagem, participar da dinâmica das relações da

comunidade educativa, objetivando favorecer processos

de integração e trocas; realizar orientações metodológicas

para o processo ensino-aprendizagem, considerando as

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características do indivíduo ou grupo; colocar em prática

alguns processos de orientação educacional, vocacional e

ocupacional em grupo ou individual.” (PORTO, 2009,

p.110)

Sob essa perspectiva, torna-se fundamental que o psicopedagogo que

atua na Escola busque a prática constante de um trabalho preventivo no que

diz respeito ao desenvolvimento nos estudantes de problemas de

aprendizagem. Para isso, é importante o estabelecimento de uma rotina de

assessoria a professores, pedagogos, orientadores e à toda a comunidade

escolar, uma vez que, como afirma Porto (2009), o foco de seu trabalho se

encontra nas relações vinculares entre os agentes dessa educação e, quando

necessário, na redefinição de procedimentos pedagógicos.

A Psicopedagogia Institucional, então, volta os seus olhares para a

redução do fracasso escolar. Porém isso não se dá de maneira cega. É

importante salientar, como o faz Porto (2009), que uma Psicopedagogia, que

se entende compromissada eticamente com o direito à educação e à

cidadania, deve atuar na construção de “um espaço que contribui para a

reflexão do fracasso escolar em nosso país” (PORTO, 2009, P.9). Torna-se

essencial, então, uma postura crítica do psicopedagogo diante das dificuldades

de aprendizagem.

Dessa maneira, entendida a lógica institucional que se dá entre os

aprendentes, dentro do espaço escolar, e o objeto de aprendizagem, as formas

de avaliação acabam por adquirir uma atenção especial no trabalho do

psicopedagogo, uma vez que é

“a partir dessa cobrança formal, institucional, que são

definidos parâmetros em relação aos quais a escola

aponta “dificuldades de aprendizagem” na criança e faz o

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seu encaminhamento para diagnóstico psicopedagógico”

(WEISS, 1997, p.15).

A avaliação é sempre desenvolvida do ponto de vista de alguém, que

por sua vez, incorpora socialmente os valores a serem avaliados. Nesse

sentido, as dificuldades de aprendizagem são também culturais, uma vez que

refletem a dificuldade do aprendente em lidar com conceitos construídos

socialmente. Se as culturas mudam ao longo do tempo e dos diferentes

espaços, as dificuldades de aprendizagem também mudam. Não podemos,

portanto, entender a avaliação como sendo algo objetivo e infalível. É preciso

entender as subjetividades e os aspectos culturais que envolvem esse

processo.

Além disso, torna-se fundamental a compreensão, como nos lembra

Weiss (1997), de que o erro é parte constituinte do processo de construção do

conhecimento. Não existe aprendizagem sem erro, sem tentativas

equivocadas, só assim é possível chegar ao acerto. Portanto, não se pode

tomar como objeto de análise apenas o produto final da aprendizagem, que às

vezes nem é final, é apenas parte do desenvolvimento do processo pelo

aprendente. Se se toma o produto como objeto de análise, não há como

construir um entendimento dos processos mentais desenvolvidos pelos alunos

ao longo da execução das tarefas.

Como afirma Bossa (2000), a busca constante pela perfeição,

ignorando que todo processo compreende a existência de erros, apenas leva à

rotulação dos que não se encaixam nos parâmetros impostos. Assim, se

instituem os alunos-problema, os disléxicos, os hiperativos, os TDA, os

violentos etc. Como bem salienta Porto (2009), esses rótulos passam a formar

parte da identidade dos rotulados, dificultando ainda mais sua relação com a

aprendizagem, e acaba-se esquecendo de analisar o contexto que o envolve e

que gera tais dificuldades. Nesse sentido, Barbosa (2001) nos indica que a

psicopedagogia no âmbito escolar deve interferir sobre a “discidadania”, termo

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que nos remete aos famosos distúrbios de aprendizagem, com as quais a

psicopedagogia está acostumada a trabalhar: as dislexias, discalculias,

dislelias, disortografias etc:

“Encontramos, portanto, uma saída histórica: a educação

para a cidadania, que objetiva o desenvolvimento de um

ser humano comprometido com a sociedade em que vive

e capaz de transformá-la, em suas mínimas ações no

cotidiano” (BARBOSA, 2001, p.76).

Ademais, é fundamental o entendimento de que toda dificuldade de

aprendizagem é apenas um sintoma e que todo sintoma, dentro dessa visão

de psicopedagogia, deve ser analisado em suas diferentes determinações,

sejam elas culturais e/ou estejam presentes no contexto da instituição escolar

e no contexto da singularidade individual (PORTO, 2009). Nesse sentido, cabe

lembrar que:

“sintoma escolar refere-se a todo tipo de entrave que leva

ao fracasso escolar, seja decorrente de aspectos

institucionais, culturais, sociais, familiares, pedagógicos,

orgânicos, intrapsiquícos, entre outros. É importante

esclarecer que esses aspectos não existem isolados e,

com isso, quer dizer que não há nada que aconteça no

âmbito de um desses aspectos que interfira ou modifique

todos os demais” (PORTO, 2009, p.13)

Porém, para isso, a Escola precisa repensar seu papel e sua ação na

sociedade: “é preciso ensinar/aprender para colocar o conhecimento em prol

da sociedade e de sua transformação” (BARBOSA, 2001, p.77), pois a

instituição escolar trabalha com um ideal de educação e se prepara para

receber um ideal de criança, o que fada seu trabalho ao fracasso. Entretanto, a

Escola não é capaz de perceber-se como falha e se coloca em uma constante

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busca por culpados: “ora se culpa a criança, ora a família, ora uma

determinada classe social, ora todo um sistema econômico, político e social”

(PORTO, 2009, p.15).

Nesse sentido, Beauclair (2011, p.18) salienta o papel primordial

desempenhado pelo psicopedagogo “como agente fundamental para o avançar

da educação enquanto patrimônio e direito de toda a humanidade”. O autor

salienta também a necessidade do Psicopedagogo estar sempre em busca de

conhecimentos advindos das diversas áreas para que ele possa atuar de uma

melhor maneira na busca pela concretização desse ideal.

Entretanto, como nos lembra Weiss (1997), a Educação brasileira vive

um momento de grande desencontro entre teoria e prática: enquanto as

Universidades e seu meio acadêmico vêm produzindo pesquisas e discursos

inovadores, no cotidiano da sala de aula e seu mundo escolar, nenhuma

dessas práticas acabam sendo incorporadas.

Este trabalho, portanto, busca nas teorias linguísticas uma

contribuição para que essa realidade seja alterada, lembrando que hoje as

Ciências Linguísticas vêm vivendo a mesma situação: enquanto os

acadêmicos cada vez mais produzem saberes que permitem um melhor

trabalho com a linguagem em sala de aula, dentro das salas de aulas, ainda se

vê um trabalho ultrapassado, que só contribui para o fracasso escolar.

Entendendo que é através de nossa língua que pensamos,

observamos e analisamos o mundo, que o organizamos em nossa mente

(VIGOTSKI, 2008), torna-se mais que necessária a união entre os

pressupostos da Pscopedagogia e os da Linguística, de forma que se construa

uma pedagogia que leve os alunos a refletirem sobre sua condição de ser no

mundo de hoje, sobre suas próprias capacidades e o poder que podem exercer

sobre seu próprio pensar. Principalmente, porque, como salienta Soares (1997,

p.79):

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“Quando teorias sobre as relações entre linguagem e

classe social são escolhidas para fundamentar e orientar

a prática pedagógica, a opção que se está fazendo não é,

apenas, uma opção técnica, em busca de uma

competência que lute contra o fracasso na escola, que,

na verdade, é o fracasso da escola, mas é, sobretudo,

uma opção política, que expressa um compromisso com a

luta contra as discriminações e as desigualdades sociais.”

1.2. A(s) Linguística(s) e suas relações com a Psicopedagogia

A Linguística pode ser definida resumidamente como a ciência que se

dedica ao estudo da linguagem, ou seja, os processos que estão na base do

uso das línguas naturais como instrumentos de comunicação. Entretanto, é

imprescindível o entendimento de que essa ciência – a Línguística – se sub-

divide em diversas escolas teóricas, cada qual, com sua visão de língua e de

linguagem e de seu funcionamento.

Todas elas, em conjunto, acabam apontando, de alguma maneira, para

o entendimento de que a capacidade da linguagem implica: (a) uma técnica

articulatória complexa; (b) uma base neurobiológica composta de centros

nervosos que são utilizados na comunicação verbal; (c) uma base cognitiva,

que rege as relações entre o homem e o mundo biossocial e,

consequentemente, a simbolização desse mundo em termos linguísticos; (d)

uma base sociocultural que atribui à linguagem humana os aspectos variáveis

que ela apresenta no tempo e no espaço; e (e) uma base comunicativa que

fornece os dados que regulam a interação entre os falantes (CUNHA, COSTA

e MARTELOTTA, 2010).

Dessa forma, já é possível perceber uma relação muito próxima entre o

que estudam os psicopedagogos, em suas mais diversas especificidades de

trabalho e ao que se dedicam os linguistas, também em sua vasta diversidade

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de teorias e visões sobre os fenômenos linguísticos. Como apontado por

Beauclair (2011, p.18), os estudos em psicopedagogia podem abordar temas

como cognição, humanismo, inteligência, relações interpessoais, instituições,

aprendizagem e subjetividade. De igual maneira, os estudos linguísticos

também se dedicam a temas como esses, tão caros a Psicopedagogia.

“Trabalhar com os temas de língua e linguagem não é

algo simples, uma vez que várias são as visões existentes

e cada uma delas representa um modo de ver o mundo.

Entretanto, acreditamos que a linguagem deva merecer

especial atenção em propostas educacionais e científicas

devido ao papel primordial que desempenha nas

sociedades e suas instituições” (VARGAS e CABRAL,

2011, p.44).

Como salientam os autores, é imprescindível que se leve em

consideração em propostas educacionais e científicas, os aspectos linguísticos

que as envolvem. Nesse sentido, a Psicopedagogia e, em especial, a

Psicopedagogia Institucional não pode ignorar os resultados derivados dos

estudos linguísticos, uma vez que se trata de um campo de atuação, como já

dito, que se encontra na interseção entre as áreas de Educação e Saúde e

busca um aprimoramento de sua teoria, mas também de sua prática nos

âmbitos clínicos e institucionais.

Inicialmente, o estudo da linguagem não se dava pela Linguística

enquanto uma ciência autônoma, mas se dava como uma especificidade dos

estudos em Filosofia, por meio da Lógica. Essa constituição da Linguística

como uma ciencia se deu no início do século XX, com o trabalho de Saussure.

Entretanto, “isso não significa dizer que a linguística encontra-se isolada das

demais ciências e de outras áreas de pesquisa” (CUNHA, COSTA e

MARTELOTTA, 2010, p.22). Dessa forma, também podemos assinalar o

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caráter interdisciplinar da Linguística, como já assinalamos o caráter

multidisciplinar da Psicopedagogia:

“essa relação é de interface: ciências que não têm a

linguagem como seu objeto de estudo específico passam

a se interessa por ela (a Linguística), porque a linguagem

faz parte de alguns aspectos do seu objeto de estudo”

(CUNHA, COSTA e MARTELOTTA, 2010, p.22).

Além disso, como apontam Cunha, Costa e Martelotta (2010, p.20), a

Linguística, enquanto ciência geral, se dedica ao estudo da capacidade da

linguagem, a partir de enunciados falados e escritos: “esses enunciados são

investigados e descritos à luz de princípios teóricos e de acordo com uma

terminologia específica e apropriada”.

Com relação a isso, podemos lembrar que “ao entrar na escola, a

criança se apropria de uma experiência humano-social que levou séculos para

ser construída e vem sendo modificada ao longo dos tempos” (PORTO, 2009,

p.51). Se pensarmos que essa apropriação se dá, principalmente por meio da

escrita e da leitura, torna-se imprescindível o conhecimento de teorias que

investigam essa relação para o desenvolvimento de um trabalho que investigue

qualitativamente o processo de aprendizagem em um ambiente escolar.

Cabe também lembrar que a Linguística é uma ciência que tende a ser

empírica (CUNHA, COSTA e MARTELOTTA, 2010), ou seja, busca a

comprovação de suas hipóteses em dados observáveis na realidade dos

falantes. A Psicopedagogia, de igual maneira, vem a ser um campo de atuação

cujos estudos partem sempre da prática, da realidade do aprendente e a teoria

vem a desempenhar o papel de norteador dessa prática, aperfeiçoando-a por

meio de uma investigação reflexiva.

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Justamente por seu caráter empírico, a Linguística também se constitui

como uma ciência essencialmente descritiva, analítica e não prescritiva

(CUNHA, COSTA e MARTELOTTA, 2010). Dessa forma, partindo da analise

de dados oberváveis, ela não se comporta de maneira preconceituosa diante

desses fatos, tentando entendê-los e não julgá-los. Também tal característica

casa perfeitamente com a visão de trabalho defendida pelos estudos em

Psicopedagogia, uma vez que se busca, por meio de um olhar

psicopedagógico, o entendimento do processo de aprendizagem do indivíduo

em análise e não o julgamento desse processo.

Dentro de uma perspectiva escolar – foco deste trabalho -, cabe

lembrar que, dentro das teorias linguísticas, também se apresenta uma

especificidade de trabalho denominada de Linguística Aplicada. Essa vertente

da Linguística surgiu por volta dos anos 50 e se volta para a “utilização dos

resultados da pesquisa linguística e de outras áreas do conhecimento com

vistas à resolução de problemas da vida cotidiana que envolvem o uso da

linguagem” (CUNHA, COSTA e MARTELOTTA, 2010, p.27). Mais

especificamente, então, podemos dizer que a Psicopedagogia se relaciona à

Linguística Aplicada e que ambas utilizam os resultados e aportes teóricos das

diferentes Linguísticas, aplicando-os aos objetos e sujeitos de sua pesquisa.

Essa relação tão intrínseca entre o trabalho das duas áreas fica bem

nítida na definição dada abaixo:

“a linguística aplicada é uma abordagem multidisciplinar

para a solução de problemas associados à linguagem.

Logo, é uma característica dessa disciplina o fato de que

ela está relacionada a tarefas, orientada para problemas,

centrada em projetos e guiada para demanda. (...)

Contudo, a linguística aplicada não está preocupada em

descrever a linguagem em si mesma e, portanto, busca

conhecimento também em uma variedade de outras

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ciências sociais, indo da antropologia, teoria educacional,

psicologia e sociologia até a sociologia da aprendizagem,

a sociologia da informação, a sociologia do

conhecimento, etc. É, portanto, um campo interdisciplinar”

(CUNHA, COSTA e MARTELOTTA, 2010, p.27).

Como bem aponta Fernández (2001), é preciso que se entenda o

sujeito da aprendizagem como autor, o social como contexto da aprendizagem

e a própria aprendizagem como processo. A Linguística, em suas diferentes

vertentes, e mais especificamente a Linguística Aplicada nos dá, portanto, um

aporte teórico e um trabalho prático capaz de auxiliar nosso olhar em todos

esses âmbitos, tanto em um trabalho institucional como em um trabalho clínico,

uma vez que algumas áreas da Linguística, como a Neurolinguística, a

Psicolinguística ou a Linguística Cognitiva, têm voltado seus estudos para o

entendimento de como a linguagem é processada no cérebro e como podem

se desenvolver alguns problemas nesse processo.

Neste trabalho, estaremos focando apenas nas contribuições que a

Sociolinguística e a Psicolinguística podem trazer aos trabalhos dos

psicopedagogos, principalmente em uma perspectiva institucional. Assim o

fazemos, principalmente, por acreditarmos que se torna fundamental o

entendimento de como a linguagem se processa na mente do aprendente e de

como ela atua em termos macrossociais, definindo papéis e servindo como

meio de construção de uma identidade social, aspectos que não podem ser

ignorados pelo olhar psicopedagógico sobre o processo de aprendizagem.

Em seus estudos, Vigotski (2008) já apontava para essa dupla função

da linguagem, pois ao mesmo tempo em que ela atua como fator de interação

social, mediando a comunicação entre os indivíduos, ela também organiza o

nosso pensamento, articulando e orientando nossas ideias, e permitindo níveis

cada vez maiores de abstração. Sob essa perspectiva, Bakhtin (2004) também

salientava que a palavra sempre parte de alguém, mas se apresenta orientada

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para o interlocutor, sendo “determinada tanto pelo fato de que procede de

alguém, como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o

produto da interação entre o locutor e o ouvinte. Toda palavra serve de

expressão a um em relação ao outro” (BAKHTIN, 2004, p.113).

Além disso, é importante lembrar que é também por meio da

linguagem que o ser humano pode construir e expressar conceitos. “Os

conceitos são construídos de duas maneiras: por meio da experiência

individual da criança e por meio dos conhecimentos transmitidos na escola, ou

seja, a partir da relação social” (PORTO, 2009, p.55). Porém, de ambos os

modos, essa construção se dá mediada pela capacidade dos falantes em se

expressarem e pensarem por meio de uma língua.

Portanto, um psicopedagogo, clínico ou institucional, que vise o

entendimento dos processos de aprendizagem desenvolvidos por um

aprendente, em contexto formal ou não de educação, não pode ignorar

saberes advindos da Linguística, uma vez que a linguagem permeia todos

esses processos e é, muitas vezes, fator determinante para o sucesso ou o

fracasso desse processo. A Linguística, como ciência focada nos estudos da

relação que se dá entre o homem e sua língua acaba por constituir um campo

teórico muito afim ao da Psicopedagogia, podendo contribuir, em suas mais

diversas especificidades, de maneira grandiosa com o trabalho do

psicopedagogo.

1.3. O trabalho com a linguagem na Escola

Durante muito tempo, o trabalho com a linguagem na Escola brasileira

teve como base a abordagem behaviorista ou comportamental desenvolvida a

partir das teorias de Skinner, as quais estabelecem o conhecimento como o

resultado direto da experiência planejada. Sob essa perspectiva, não há uma

preocupação com os processos intermediários que podem ocorrer na mente do

aprendente durante a aprendizagem, mas sim com o controle de um

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comportamento diretamente observável. Segundo essa abordagem, o

comportamento não seria resultado de um método hipotético-dedutivo, sendo

estruturado indutivamente, via experiência concreta e mensurável.

Entretanto, já há alguns anos essa visão vem sendo criticada por

estudiosos da área, que apontam para a necessidade de sua substituição por

novos tipos de abordagem, nas quais o foco passa a se apresentar no

desenvolvimento da capacidade comunicativa dos estudantes, isto é, na

capacidade de interagir linguisticamente em diferentes situações

comunicativas.

Tal mudança foi um primeiro reflexo de uma tentativa de resolução de

um problema escolar muito antigo: a relação entre o chamado fracasso escolar

e a incapacidade da Escola de levar seus alunos a produzirem leituras e textos

escritos de qualidade. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),

enquanto documentos oficiais que visam construir referenciais para o processo

educativo no Brasil, apontam para esse caminho:

“O ensino de Língua Portuguesa tem sido, desde os anos

70, o centro da discussão acerca da necessidade de

melhorar a qualidade de ensino no país. O eixo dessa

discussão no ensino fundamental centra-se,

principalmente, no domínio da leitura e da escrita pelos

alunos, responsável pelo fracasso escolar que se

expressa com clareza nos dois funis em que se concentra

a maior parte da repetência: na primeira série (ou nas

duas primeiras) e na quinta série. No primeiro, pela

dificuldade de alfabetizar; no segundo, por não se

conseguir levar os alunos ao uso apropriado de padrões

da linguagem escrita, condição primordial para que

continuem a progredir” (BRASIL, 1998, p.17).

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O psicopedagogo como principal profissional, no meio escolar,

responsável pela unificação de saberes na luta contra o fracasso escolar deve

estar atento a essa relação quase que intrínseca e conhecer as teorias que

embasam novas possibilidades de trabalho com a linguagem na Escola,

buscando a superação da situação descrita acima.

Apostando nessa nova metodologia de trabalho com a linguagem, a

Escola busca a superação de uma concepção condutora de aprendizagem

baseada na repetição e no reforço de respostas positivas, ou seja, o

behaviorismo (ou comportamentalismo) de Skinner, que apenas contribui para

o chamado fracasso escolar. O foco deixa de estar no resultado da

aprendizagem, gerado através do estímulo-resposta e passa a estar no

processo sociocognitivo de aprendizagem, através da formulação de hipóteses

que devem ser contrastadas, confirmadas ou reformuladas a partir de

situações reais de comunicação.

Infelizmente, essa tendência ainda não se propagou pelas salas de

aula das escolas brasileiras. Desde as primeiras aulas em classes de

alfabetização, a criança é vista como um ser passivo que precisa se

desenvolver seu comportamento, nesse caso, o comportamento verbal a partir

da ação exercida por objetos externos. A aprendizagem, como já explicitado

anteriormente, passa a se dar por meio de treino, repetição e memorização.

Para que se dê tal desenvolvimento, a matéria foi dividida em

pequenos passos a fim de que se reforçassem todas as respostas e

comportamentos emitidos pelo aprendiz. Dessa forma, no trabalho com a

linguagem, o aluno começa entendendo que a língua se divide em partes

(morfologia, sintaxe, fonologia etc.) e que essas partes, por sua vez, também

se dividem em partes. E aí, proliferam os exercícios de análise sintática, de

classificação em classes de palavras e tantos outros que trabalham com a

língua de maneira não contextualizada. E claro, sempre através da repetição,

do treino e da memorização.

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Ainda que não de forma generalizada, não se nota uma perspectiva de

mudança, em sala de aula, para uma nova visão com o trabalho com a

linguagem, como vem se desenvolvendo nos ambientes acadêmicos. Essa

nova visão entende a aprendizagem como algo construído na interação de

sujeitos cooperativos com objetivos comuns. Assim, leva-se a uma necessária

mudança na perspectiva dos papéis de professores e alunos.

Uma nova tendência se apresenta com o uso de uma série de tarefas

que oferecem aos estudantes a possibilidade de aprender a aprender,

trabalhando com os conceitos de autonomia da aprendizagem e participação

ativa. O professor passa a atuar como organizador e facilitador do trabalho dos

alunos, uma vez que, como afirma Kleiman (2010, p.7):

“Não podemos ensinar um processo cognitivo. O papel do

professor é criar oportunidades que permitam desenvolver

determinados processos cognitivos. Tais oportunidades

poderão ser melhor criadas quanto mais o processo seja

melhor conhecido.”

Acreditando que o conhecimento linguístico deve estar sempre

associado à capacidade comunicativa dos falantes, o trabalho com a

linguagem a ser desenvolvido em sala de aula deve levar em consideração

sempre o conjunto de elementos necessários para a realização de

determinada tarefa, ou seja, para que o aprendente alcance um determinado

objetivo, uma vez que a dimensão formal, ou seja, a estrutura e a dimensão

instrumental – o uso – da língua se apresentam indissociavelmente, através da

interação comunicativa e do uso de uma linguagem autêntica e

contextualizada.

Os aprendentes devem ver e ter um objetivo ao aprender cada um dos

tópicos a serem ensinados em sala de aula. O objetivo apresentado é o que

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define a motivação do aluno para o engajamento em seu processo de

aprendizagem e o que contribui para o desenvolvimento de todas as

estratégias e hipóteses desenvolvidas. O aluno deve estar consciente de tal

processo para que seja capaz de desenvolver as estratégias necessárias para

o alcance de seus próprios objetivos. Assim, deve estar diretamente envolvido

nas decisões sobre o que, como e quando aprender.

Assim, uma abordagem comunicativa do trabalho com a linguagem

deve pautar-se no uso intensivo de estratégias cognitivas, metacognitivas e

sociais, contribuindo para a formação de um aprendente maduro, capaz de

regular seu próprio processo de aprendizagem, tornando-se autônomo,

independente e reflexivo. O próprio objetivo de cada aluno determina suas

escolhas pessoais, apoiadas no conhecimento prévio que gera as hipóteses e

sua verificação. Os alunos podem elaborar esquemas de conhecimento

individuais sobre cada tema ensinado, relacionando os elementos linguísticos,

comunicativos e sociais.

Para que isso seja possível, é preciso, ainda segundo a autora, que o

professor parta sempre que o aluno já sabe para que as novas informações

sejam construídas. A não valorização desse saber prévio pode ser “o ponto de

partida para a construção de dificuldades de aprendizagem” (WEISS, 1997,

p.18). Como explica Porto (2009, p.41):

“A aprendizagem deve começar pelos acontecimentos em

que os alunos estão envolvidos (suas “crenças” prévias) e

cujo significado procuram construir. Para se poder ensinar

bem, é necessário conhecer os modelos mentais que os

alunos utilizam na compreensão do mundo que os rodeia

e os pressupostos que suportam esses modelos.

Aprender é construir o seu próprio significado e não

encontrar as “respostas certas” dadas por alguém.”

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Não se pode haver uma separação entre o que deve ser ensinado e o

uso real dos conteúdos, tampouco um distanciamento entre professor (o que

transmite conteúdos) e o aluno (o que os recebe), como sujeitos apartados

dentro de um mesmo processo. Como afirma Kleiman (2001: p. 10), “o aluno

deve conhecer a natureza da tarefa e estar plenamente convencido de sua

importância e relevância”. Por isso, deve ter participação ativa na construção

dos planos de trabalho, na avaliação de seu aprendizado e no

desenvolvimento das estratégias de aprendizagem.

A explicitação de objetivos torna-se assim de fundamental importância

para o desenvolvimento do aprendizado, uma vez que possibilita a

compreensão do que se apresenta ao aprendiz, bem como sua formulação de

hipóteses. “Compreendemos e lembramos seletivamente aquela informação

que é importante para o nosso propósito” (Kleiman, 2010, p. 30-31). A

automonitoração passa a ser desenvolvida naturalmente a partir do momento

em que o aprendiz estabelece seus próprios objetivos. Dessa forma, colabora-

se também para o desenvolvimento de uma autoavaliação, contínua e final,

que também deve fazer parte do processo de aprendizagem. A avaliação se

inclui como parte da regulação de tal processo, para que alunos e professores

reflitam, o reformulem caso seja necessário e avancem quando possível.

Uma postura contrária a essa, privilegiando um trabalho

homogeneizante e baseado na construção de competências, por meio da

repetição de exercícios descontextualizados, acaba por gerar problemas para

aprendentes e ensinantes irreversíveis, impedindo que a situação de

aprendizagem se dê de forma plena e realmente significativa. Como bem

afirma Weiss (1997, p.18), situações confusas e desastrosas devem ser

evitadas em sala de aula, entendida como

“espaço privilegiado de encontro em que o professor tenta

dar a todos a mesma oportunidade, mas necessita, ao

mesmo tempo, dar a cada um, na sua própria dimensão

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psicológica e sociocultural, aquilo que permitirá o

encontro”.

Entretanto, como afirma Martins (2008),

“o aprendizado da língua materna muitas vezes não

ocorre da maneira mais produtiva (...), já que as escolas

baseiam-se no pressuposto de que se deve fundamentar

o ensino do português na gramática normativa. As

instituições de ensino costumam não reconhecer as

variações linguísticas; confundem oralidade/escrita, e não

poucas vezes deixam de trabalhar a língua escrita em

situações discursivas diversas.”

Dessa forma, é preciso que o Psicopedagogo Institucional esteja

consciente dessa discrepância entre teoria e prática no que diz respeito ao

trabalho com a linguagem na Escola. Se levarmos em conta que é por meio da

linguagem que se dá a interação entre ensinante e aprendente e que é por

meio dela que o aprendente desenvolve seu aprendizado, como já nos ensinou

Vigotskiy (2008), tal questão se torna um problema essencial em sala de aula.

Como afirma Weiss (1997), esses desencontros acabam por levar à

formação de dificuldades de aprendizagem e muitas vezes se condenam os

aprendentes por suas “falhas”, que poucas vezes são verdadeiramente suas.

Muitas vezes se tratam de “falhas” da instituição escolar que acabam

prejudicando o processo de aprendizagem do aprendente. Buscando contribuir

para a prevenção de construção de possíveis dificuldades de aprendizagem,

apresentamos, então, possíveis contribuições linguísticas para o trabalho do

psicopedagogo institucional que atua no espaço escolar, uma vez que tal

trabalho se dedicará principalmente à prevenção de geração de dificuldades de

aprendizagem.

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Nesse sentido, não podemos esquecer que:

“a escola não transmite apenas conteúdos, mas também

modos de ver e de sentir o mundo, a realidade e o

conhecimento. Assim, há que se pensar muito seriamente

em como se quer estruturar o trabalho pedagógico na

escola, porque seu impacto na qualificação do professor e

na qualidade do ensino em sala de aula é inquestionável”

(ANDRÉ, 1990, p.68 apud WEISS,1997, p.18).

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CAPÍTULO II

CONTRIBUIÇÕES SOCIOLINGUÍSTICAS À

PSICOPEDAGOGIA

2.1. A Sociolinguística: um olhar para fora do aprendente

Trabalhar com os temas de língua e linguagem não é algo simples,

uma vez que várias são as visões existentes sobre os mesmos e cada uma

delas representa um modo específico de ver o mundo (VARGAS e CABRAL,

2011). Entretanto, não há quem discuta o fato de que língua e sociedade

estejam intrinsecamente relacionados. A raça humana, em seu processo de

evolução, chegou a determinado ponto em que não há sociedade sem língua

e, obviamente, língua sem sociedade. Uma é condição essencial para a

existência da outra.

Consideramos que a língua possui em si mesma um caráter social,

pertencendo a cada um dos indivíduos que a utilizam, mas também sendo

comum a todos eles. É por meio de sua língua que o homem representa o

mundo em que vive e, por isso, Camara Jr. (1965) a descreve como um

microcosmos da cultura, expressando-a em sua totalidade, ao mesmo tempo

em que também é um dado cultural. Com relação a isso, Soares (1997)

apresenta, então, os dois papéis que uma língua assume em determinada

cultura: ao mesmo tempo em que constitui o seu mais importante produto,

também é o seu principal instrumento de transmissão.

Entretanto, como salienta Alkmin (2006), embora exista a certeza

sobre a relação linguagem-sociedade, nos estudos linguísticos, é possível

privilegiar-se uma determinada óptica que repercutirá na visão que se tem de

um determinado fenômeno. Para a autora, a Linguística do século XX se

encarregou de “excluir toda consideração de natureza social, histórica e

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cultural na observação, descrição, análise e interpretação do fenômeno

linguístico” (ALKMIN, 2006, p.23).

Labov (2008) apresenta quatro condições para o favorecimento do

predomínio dessa segunda vertente linguística: 1 – o que ele chama de

paradoxo saussuriano (o aspecto social da língua independe de uma pesquisa

social, uma vez que apenas um indivíduo representa o todo); 2 – a preferência

dos linguistas por estudos psicológicos a sociológicos; 3 – a pouca

representação dos estudos em dialetologia no século XX; e 4 – as limitações

dos próprios linguistas sociais, até então, com relação à análise do contexto

social em seus estudos, trabalhando com experimentos imaginários.

Apesar dessa corrente hegemônica que aparta língua de sociedade em

seus estudos, a partir dos anos 30, começaram a surgir trabalhos que tentam

buscar “pensar a questão do social no campo dos estudos linguísticos”

(ALKMIN, 2006, p.24). Cada um a sua perspectiva, todos passam a salientar a

necessidade de um diálogo entre as diversas ciências humanas e assim,

passam a trabalhar a Linguística em associação a outras ciências, numa

tentativa de entendimento mais amplo dos fenômenos linguísticos.

Sob essa perspectiva, surge a chamada Sociolinguística. Segundo

Alkmin (2006), esse termo como respectivo a uma área da Linguística se fixa

em 1964, por meio da proposta de Bright, que, segundo a autora, seria a de

que a Sociolinguística deveria demonstrar a covariação sistemática das

variações linguísticas e sociais, sendo, portanto, a variação linguística o objeto

da Sociolinguística.

Dessa forma, as identidades sociais de falantes e ouvintes deveriam

ser levadas em conta, bem como os contextos sociais e os julgamentos dos

falantes sobre os comportamentos linguísticos de si e dos outros. Entretanto,

como salienta Camacho (2006), é importante separar a Sociolinguística

Variacionista (utilizada neste trabalho) de outras vertentes linguísticas que

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também tem como foco a relação entre língua e sociedade, como a Sociologia

da Linguagem, a Etnografia da Comunicação e a Sociolinguística Interacional,

por exemplo. Com relação a isso, Alkmin (2006, p.31) acrescenta:

“o objeto da Sociolinguística é o estudo da língua falada,

observada, descrita e analisada em seu contexto social,

isto é, em situações reais de uso. Seu ponto de partida é

a comunidade linguística, um conjunto de pessoas que

interagem verbalmente e que compartilham um conjunto

de normas com respeito aos usos linguísticos”.

2.2. Princípios Básicos de Variação e Mudança Linguística

Uma vez que toda comunidade se caracteriza pelo emprego de

diferentes modos de falar – as variedades linguísticas - e que, portanto, língua

e variação são inseparáveis, a Sociolinguística passa a observar a variação

não como um problema, mas como uma qualidade constitutiva do fenômeno

linguístico. Como acrescenta Camacho (2006, p. 50): “o exame da linguagem

no contexto social é tão importante para a solução de problemas próprios da

teoria da linguagem, que a relação entre língua e sociedade é encarada como

indispensável, não mero recurso interdisciplinar”.

Além disso, considerando-se que todas as línguas do mundo são

continuações históricas (ALKMIN, 2006), passa-se a considerar que a

mudança também é um fenômeno intrínseco a qualquer língua:

“toda mudança é o resultado de algum processo de

variação, em que ainda coexistem a substituta e a

substituída, embora o inverso não seja verdadeiro, isto é,

nem todo processo de variação resulta necessariamente

numa mudança diacrônica, caso em que a variação é

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estável e funciona como indicador de diferenças sociais”

(CAMACHO, 2006, p. 56).

Assim, as línguas variam no espaço e no tempo. Dessa forma, as

variações linguísticas se dividem em diatópica (geográfica), diastrática (social),

diafásica (situacional) e diacrônica (temporal) e suas condições de variação,

uma vez que os domínios linguístico e social são fenômenos estruturados e

regulares, não estão sujeitas ao acaso, são motivadas pelo próprio sistema

linguístico, sendo o falante constrangido a segui-las sem escolha (CAMACHO,

2006). Labov (2008) nos mostra que a variação social e estilística pressupõe a

ideia de que se pode dizer “a mesma coisa” de maneiras diferentes – as

variantes se assimilam em seu valor de verdade, mas se diferenciam em sua

significação social e/ou estilística.

É do conhecimento de todos que existe um grande número de

variedades linguísticas e que, na realidade, elas estão sempre refletindo as

variações socioculturais. Entretanto, ao mesmo tempo, podemos notar

claramente que “a nossa sociedade tem uma longa tradição em considerar a

variação numa escala valorativa, às vezes, até moral, que leva a tachar os

usos característicos de cada variedade” (TRAVAGLIA, 1997, p.41).

Como afirma Soares (1997), os dialetos dos grupos de baixo prestígio

social são sempre avaliados em comparação com o dialeto de maior prestígio.

Esses julgamentos são representações de atitudes sociais, que não são

baseadas em conhecimentos linguísticos. “Na verdade, são julgamentos sobre

os falantes, não sobre a sua fala” (SOARES, 1997: p.41) e isso não pode

deixar de ser considerado em um trabalho que busque um aprofundamento

linguístico.

Apesar de levar em consideração o julgamento de seus falantes sobre

a língua, a Sociolinguística não compartilha deles, uma vez que se trata a

língua de modo não preconceituoso, já que toda variedade é adequada à

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comunidade que a utiliza, sendo um sistema completo e perfeito

gramaticalmente, não existindo, portanto, variedade inferior (ALKMIN, 2006): “a

diversidade é uma propriedade funcional e inerente aos sistemas linguísticos e

o papel da Sociolinguística é exatamente enfocá-la como objeto de estudo, em

suas determinações linguísticas e não linguísticas” (CAMACHO, 2006, p. 55).

Acredita-se que a variação, fruto do processo de mudança linguística,

esteja presente na estrutura de qualquer língua; a mudança estrutural não

afeta a estruturalidade da língua. É o que se chama de heterogeneidade

ordenada, sendo sua compreensão parte da competência linguística dos

falantes (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006).

A complexidade com relação ao estudo da mudança é tamanha que

Labov (2008) nos explica que a compreensão plena da mudança linguística

exige investigações detalhadas das relações sociais vigentes, mas também

fatos que nem sempre estão intimamente ligadas ao quadro social: deve-se

levar em conta os condicionamentos universais – independentes da

comunidade -, o período de transição entre dois estágios quaisquer, o

encaixamento – linguístico e/ou social -, o problema da avaliação por parte dos

falantes e o problema da implementação – por que a mudança ocorreu em um

tempo e lugar específicos e não em outros.

“...se milhões de brasileiros dizem trabaio – e não

"trabaco", "trabavo", "trabazo", etc. – é porque a

transformação de "lh" em "i" é um fenômeno previsto na

própria arquitetura fonológica da língua portuguesa. Só se

poderia falar em "erro" se cada cidadão errasse,

individualmente e de modo particular, no momento de

produzir aquele fonema. Como chamar de erro um

fenômeno que se verifica de norte a sul do país? Como

milhões de cidadãos conseguiram "combinar" para "errar"

todos da mesma maneira nos mesmo contextos

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fonológicos e morfossintáticos?” (BORTONI-RICARDO,

2004, p. 37)

Como bem salienta Bortoni-Ricardo (2004), é preciso entender que as

diferentes variedades linguísticas têm sua explicação no próprio sistema da

língua e em seu processo evolutivo de mudança. Assim, segundo a autora,

podemos pensar num “condicionamento comum”, que permite e determina o

processo de mudança linguística. Entretanto, essas variações da língua, que,

sofrendo um processo natural de mudança linguística, se diferenciam da

norma padrão, estagnada pela instituição de uma gramática normativa acabam

sendo tratadas como deficiências daqueles que a utilizam - palavra já bastante

conhecida por um psicopedagogo.

Nesse sentido, assim como o psicopedagogo faz com as chamadas

deficiências físicas, mentais, psicológicas, etc., é preciso, repensar esse

conceito, inclusive, analisando cientificamente se se tratam mesmo de

deficiências ou se são apenas diferenças linguísticas. Diversos autores na área

da Linguística, e, em especial, da Sociolinguística já apontaram para o fato de

que não há uma variante mais correta que outra e que é preciso trocar a noção

de “certo x errado” para uma noção de adequação (BAGNO, 2006), uma vez

que cada variedade se adéqua melhor a um determinado contexto.

2.3. A Sociolinguística na Escola e a atuação psicopedagógica

Dentro de uma perspectiva psicopedagógica, Porto (2009) afirma que

em escolas que trabalham com estudantes de classes sociais mais baixas, a

linguagem utilizada, justamente pela desconsideração das diversas variedades

linguísticas, é um dos fatores que contribui para o fracasso escolar, uma vez

que exige que esses alunos falem e escrevam de acordo com a norma padrão,

estigmatizando e censurando as formas de falar e escrever que provêm de seu

grupo social. Portanto, reconhece a autora, que é preciso que se assuma uma

postura política em relação ao trabalho com a linguagem na escola, por meio

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do qual a linguagem das classes privilegiadas deve ser colocada a serviço das

classes desfavorecidas.

Entretanto, como salienta Martins (2008), lamentavelmente, a escola

tem apresentado, como único papel, ensinar apenas a modalidade padrão da

língua, reproduzindo um ensino preconceituoso e segregador, baseado apenas

na gramática normativa. A Escola tem se colocado como local de trabalho

apenas com a norma padrão, baseando-se em uma Gramática Normativa, que

dita as regras do “bem falar” e do “bem escrever”. Tais regras não revelam a

realidade linguística em que seus alunos vivem e tem se mostrado como o

principal empecilho para o desenvolvimento escolar de muitas crianças.

Não negamos, aqui, a importância do aprendizado de uma norma

padrão na Escola, uma vez que seu domínio é um dos principais instrumentos

de ascensão social para alunos de classes desfavorecidas

economicamente,sendo exigida em provas e concursos públicos, instrumentos

de avaliação, entrevistas de trabalho, enfim, nos principais meios públicos de

comunicação.

Entretanto, é preciso que a Escola se livre do Preconceito Linguístico

(BAGNO, 2006) para que possa desenvolver um trabalho de qualidade com

todos os seus alunos. Uma Escola entendida como Inclusiva, deve ser

inclusiva em todos os seus sentidos, não apenas aceitando as peculiaridades

no processo de aprendizagem de alunos com necessidades especiais. A

questão da inclusão perpassa a Escola em todos os seus âmbitos, inclusive o

linguístico. Uma escola inclusiva deve aceitar, como a Linguística já faz, que

todos os falares são corretos e que a variação linguística é inerente a qualquer

língua.

Como afirma Possenti (1996), saber falar significa saber uma língua;

saber uma língua significa saber gramática e, saber gramática significa saber

dizer e saber entender frases. Um falante nativo de Língua Portuguesa (ou de

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qualquer língua) só não saberia falar essa língua se construísse frases como

*“Bola verde casa está na.”, pois essa forma de construção sim nega as regras

básicas da língua e dificilmente seria compreendida por outros falantes.

Nesse sentido, Bagno (2002) salienta que, há algum tempo, nas

instituições de ensino superior, a prescrição gramatical, isto é, o tratamento da

língua submetido a uma Gramática Normativa já cedeu espaço às pesquisas

linguísticas, em espacial, às sociolinguísticas, no sentido de validar e respaldar

um tratamento não preconceituoso aos diferentes falares, bem como, a partir

disso, se repensar os processos envolvidos no ensino formal da língua.

Se tratarmos nossos alunos que chegam com falares e normas

linguísticas diferente do que nos aponta a gramática – o que na verdade

acontece com todos nós – preconceituosamente, impondo-lhes uma norma

padrão e negando-lhes o valor de suas variedades linguísticas, estaremos

contribuindo para a multiplicação do temor e da insegurança desses alunos em

se expressarem em sua própria língua. Assim, eles passam até mesmo a

acreditar que "não sabem português”, a língua que eles falam desde a mais

tenra infância.

Como afirma Bortoni-Ricardo (2004), a Gramática Normativa se baseia

nos falares de uma elite financeira e historicamente privilegiada no que se

refere ao acesso à educação de qualidade. Uma vez que a Escola reafirme a

negação dos falares mais populares ou de regiões desprivilegiadas do país,

focando seu ensino, que deveria ser de Língua Materna, apenas na Gramática

Normativa, ela se encontra em um papel de reprodução das desigualdades

sociais que existem fora dela e contribui para a geração de preconceitos,

dentro e fora dela.

No entanto, Bagno (2002) nos revela que, na prática das salas de aula

e dentro do sistema básico de ensino, a abordagem sobre as questões de

linguagem não se alterou e a Escola parece ainda buscar corrigir os erros de

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língua dos alunos que recebe em seu espaço. Esses alunos acabam sendo

tratados, portanto, como deficientes linguístico, ignorando-se, assim, todo o

conhecimento linguístico que já traz à sala de aula, uma vez que é seu falante

nativo.

Segundo o autor, a Escola deveria proporcionar a seus alunos uma

visão de língua que não se reduzisse apenas a um conjunto de regras

normativas, mas sim o entendimento de que a língua é um sistema que inclui a

existência de variação. Assim, é preciso que a escola inclua o trabalho com a

variação linguística, associado ao desenvolvimento de habilidades de

adequação aos diversos contextos linguísticos, para que a Escola deixe de ser

um espaço exclusivo de valorização da cultura de maior prestígio social.

Como salienta Bagno (2006), nossa sociedade vive hoje um momento

de luta contra os preconceitos. Entretanto, um deles ainda passa despercebido

e continua sendo propagado e, até mesmo, estimulado, inclusive, em espaços

escolares – o preconceito linguístico, que só vem a contribuir para a ampliação

do fracasso escolar, negando os saberes trazidos pelos alunos e ensinado-

lhes a noção errada de que não sabem falar a própria língua.

“Muito pelo contrário, o que vemos é esse preconceito ser

alimentado diariamente em programas de televisão e

rádio, em colunas de jornal e revista, em livros e manuais

que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”,

sem falar é claro nos instrumentos tradicionais de ensino

da língua: a gramática normativa e os livros didáticos”

(BAGNO, 2006, p. 13).

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CAPÍTULO III

CONTRIBUIÇÕES PSICOLINGUÍSTICAS À

PSICOPEDAGOGIA

3.1. A Psicolinguística: um olhar para dentro do aprendente

Como já dito anteriormente, muitos são os campos teóricos, dentro e

fora da Linguística, que focam seus estudos na relação entre o homem e sua

linguagem, sob seus mais diversos aspectos. Neste momento do trabalho,

busca-se levantar um breve resumo de como se dá a construção dessa visão,

sob a ótica da Psicolinguística, enquanto disciplina fundadora de um estudo

das conexões entre a linguagem e a mente, buscando analisar as estruturas

cognitivas e psicológicas que nos capacitam a produzir e entender enunciados

linguísticos (SCLIAR-CABRAL, 1991).

Em resumo, podemos dizer que a psicolinguística se preocupa

basicamente em responder três perguntas básicas: “a) Como as pessoas

adquirem a linguagem verbal?; b) Como as pessoas produzem a linguagem

verbal?; c) Como as pessoas compreendem a linguagem verbal?” (LEITÃO,

2010, p.220). Assim, busca compreender o funcionamento das habilidades

cognitivas relacionadas à linguagem em uma perspectiva interdisciplinar. O

objeto da psicolinguística pode ser definido então como sendo os processos de

codificação e decodificação, uma vez que a língua é tratada como “um código

que permite gerar mensagens através de um canal, graças aos processos de

codificação de que resulta o output (ou saída), produzido pelo emissor, e de

decodificação do input (entrada), pelo receptor” (SCLIAR-CABRAL, 1991,

p.14).

Esse campo específico da Linguística surgiu por volta dos anos 50,

com o impacto da Segunda Guerra Mundial e a necessidade de compreensão

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sobre os sistemas de comunicação, pela busca de linguistas, psicólogos e

engenheiros da comunicação em aumentarem as “possibilidades de acesso

aos processos que ocorrem na mente/cérebro enquanto compreendemos e

produzimos estímulos linguísticos” (LEITÃO, 2010, p.217). Ao longo desses

cerca de 60 anos de evolução da teoria, muitas foram as mudanças ocorridas

e, enquanto psicopedagogos institucionais, nos cabe entender também esse

processo de evolução da teoria, no sentido de buscar a compreensão de como

ela vai alterando sua visão de ser humano e em que medida isso auxilia o

trabalho na Escola.

Seus estudos se iniciaram a partir da idéia difundida pelo psicólogo

Wundt sobre a impossibilidade da psicologia cognitiva se apresentar

autonomamente em relação à linguística e vice-versa (LEITÃO, 2010). Porém,

de acordo com Scliar-Cabral (1991), os psicólogos se mostraram muito mais

receptivos às contribuições da linguística do que os linguistas às contribuições

que a psicologia poderia oferecer-lhes. Da interação entre, essencialmente, as

duas disciplinas surge a Psicolinguística, em associação aos estudos em

engenharia da comunicação. Assim, ela já nasce com um caráter

interdisciplinar muito caro aos estudos em Psicopedagogia. Como as relações

entre linguagem e mente são fundamentais para o aprendizado, não é difícil

perceber em que medida esses estudos podem auxiliar os estudos em

Psicopedagogia a se constituírem.

Ela nasce com um caráter ainda muito ligado aos estudos

behavioristas de Skinner, uma vez que essa era a teoria da psicologia mais

difundida e aceita na época, principalmente, nos Estados Unidos. Assim,

“acreditava-se em uma teoria do aprendizado que tinha como base

associações a determinados comportamentos linguísticos gerados em resposta

a estímulos externos ao indivíduo que seriam fixados pela repetição” (LEITÃO,

2010, p.218). O foco da psicolinguística estava, então, na relação estímulo-

resposta e, assim, acreditava-se que se estruturava a linguagem e todos os

processos que dependiam dela:

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“o propósito de Skinner era chegar a uma teoria integrada

do comportamento humano, porém, entre outros aspectos

atacáveis de sua proposta, não só nega a especificidade

da linguagem verbal, como distinta de outros

comportamentos, como também não aceita uma diferença

qualitativa entre estes mesmos comportamentos e o

comportamento animal” (SCLIAR-CABRAL, 1991, p.17).

Com o surgimento da teoria chomskyana sobre a linguagem, que veio

justamente a negar as hipóteses behavioristas de Skinner, a psicolinguística

também se transformou, adotando para si essa perspectiva sobre as relações

entre linguagem e mente. Essa virada se deu na década de 60, quando

Chomsky cria a teoria gerativa, a qual entende que “a linguagem humana não

pode ser caracterizada como um sistema de hábitos e repetições, já que um

dos princípios que a norteiam, distinguindo-a da linguagem animal, é o da

criatividade” (LEITÃO, 2010, p.218).

Além disso, entendia-se (ou ainda entende-se dentro de uma teoria

gerativista sobre a língua) que a linguagem constitui uma faculdade mental

inata, o que quer dizer que se entende que a língua se encontra na mente do

falante, em contraponto à uma visão estruturalista saussuriana que entende a

linguagem como um fato social e que se trata de uma faculdade com a qual a

criança já nasce, apenas desenvolvendo-a por meio do convívio com outros

falantes: “Chomsky propõe um novo modelo de gramática, que deverá refletir o

conhecimento que um falante-ouvinte ideal tem de sua língua” (SCLIAR-

CABRAL, 1991, p.31).

A esse tempo, a psicolinguística passou a dedicar-se mais a pesquisas

que buscassem as explicações para os resultados alcançados na teoria da

gramática gerativo-transformacional, buscando muito mais elaborar testes que

comprovassem as hipóteses chomskyanas sobre a linguagem: “a crença

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exagerada na proposta de Chomsky levou os psicolinguistas de então a

subordinar a psicolinguística ao modelo gerativo e transformacional” (SCLIAR-

CABRAL, 1991, p.22).

Como esses estudos não conseguiram associar completamente os

resultados de seus experimentos aos pressupostos gerativistas, a

psicolinguística passou, por volta dos anos 70, a se desvincular dessa teoria

gerativa, porém permaneceu entendendo que a linguagem se encontra na

mente, ampliando apenas o escopo sobre seu processamento. As pesquisas

em psicolinguística passaram a nortear-se, em sua grande maioria, pelos

estudos em Psicologia Cognitiva, porém seguiram-se também os trabalhos que

mantinham uma perspectiva chomskyana, havendo, cada vez mais, uma

diversificação teórica nos trabalhos em psicolinguística.

Esses que seguiam uma orientação teórica derivada da Psicologia

Cognitiva passaram, então, a focalizar “processos relacionados à compreensão

do discurso e também ao reconhecimento de palavras (acesso lexical). Os

resultados com foco na sintaxe dão lugar aos estudos com foco na semântica”

(LEITÃO, 2010, p.220). Passam a exercer influência, então, sobre a

psicolinguística, aspectos da pragmática, como a teoria dos atos de fala – de

Searle; as máximas conversacionais de Grice; os estudos em metáfora; os

modelos de representação textual; e os estudos sobre os processos

inferenciais.

Com a inserção de novos elementos nos estudos em pscolinguística,

elabora-se então um novo modelo “integrado, contextual, interativo, dinâmico e

criativo de recepção e produção” (SCLIAR-CABRAL, 1991, p.6). Assim, a

psicolinguística abandona de vez uma visão essencialmente modular e inatista

da linguagem, passando a levar em consideração também elementos

extralinguísticos e subjetivos nesse processo.

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Hoje, acredita-se, então, que ocorrem interações entre os diferentes

módulos relacionados às habilidades linguísticas, uma vez que o processo é

recursivo. Passa-se também a levar em consideração o fato de que o ato de

comunicação se dá pela presença simultânea de emissor e receptor que,

portanto, interagem, dentro de um contexto, para a construção de significados

criativamente, uma vez que ambos conseguem processar uma variedade

infinita de informações que se modificam dinamicamente (SCLIAR-CABRAL,

1991). Resumindo:

“o debate na psicolinguística não se resume à discussão

sobre as relações entre cognição e linguagem (sejam elas

de subordinação, de coordenação ou até de autonomia),

mas recai, igualmente, sobre a delimitação dos níveis de

processamento (principalmente nos modelos de

recepção): das colocações iniciais da primeira fase da

psicolinguística sobre um processamento linear e

sequencial, inspirado nas gramáticas de estados finitos,

chega-se ao debate contemporâneo entre a teoria da

modularidade e o conexionismo” (SCLIAR-CABRAL,

1991, p.15).

3.2. O processamento interativo da informação

Dentro de uma linha temporal, podemos situar os estudos sobre o

processamento da informação em duas posições teóricas opostas, que

correspondem aos dois tipos básicos de processamento da informação: a

hipótese top-down ou descendente e a hipótese bottom-up ou ascendente, e,

posteriormente a fundação de uma terceira posição intermediária, a qual

consideraria a leitura como o resultado da articulação entre ambas as formas

de processamento da informação.

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A hipótese ascendente do processamento da informação, derivada de

uma visão estrutural e mecanicista da linguagem, foca apenas na informação

recebida (via auditiva ou via visual), como ponto de partida e como fonte única

de sentido para a compreensão por parte do receptor. Por meio do

processamento denominado de bottom-up, o leitor faz o uso linear e indutivo

das informações recebidas, construindo o significado por meio de um processo

de síntese do significado das partes (KATO, 1990; KLEIMAN, 2001;

FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; VIEIRA, 2008).

Já a hipótese descendente, provinda de estudos orientados pela

psicologia cognitiva, entende que toda informação linguística é indeterminada e

incompleta. O receptor ganha um novo papel, funcionando como a fonte única

do sentido, uma vez que ele acionaria esquemas cognitivos – conhecimentos

estruturados prototipicamente sobre objetos e eventos, que atuam como

padrões para o entendimento das coisas – para a construção do significado da

informação que recebe. O receptor processaria a informação de forma não

linear, fazendo o uso intensivo e dedutivo das informações prévias, sendo sua

direção sempre da macro para a microestrutura e da função para a forma

(KATO, 1990; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; VIEIRA, 2008).

Neste trabalho, opta-se, porém, partindo-se dos pressupostos de uma

Psicopedagogia com foco no desenvolvimento da aprendizagem por um sujeito

que é ativo no processo, por uma visão que articula as duas anteriores. Tal

visão foi inicialmente proposta por Rumelhart e McClelland (1982), ao

defenderem a existência de um processamento interativo – top-down e bottom-

up – no ato de leitura. Assim, a compreensão da linguagem por parte do

falante ocorre por meio de uma complexa interação de sistemas, uma vez que

se dá pela recuperação de experiências prévias e de conceitos culturais e

linguísticos em interação com o que se recebe de informação.

Dessa forma, para que se dê um processamento eficiente da

informação e, consequentemente, para que haja uma aprendizagem real,

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diversos fatores entram em interação, tais como o conhecimento prévio, a

motivação e o interesse pelo que está sendo tratado, por exemplo. Dessa

forma, a compreensão, em seu sentido amplo, se dá em uma constante

interação entre a informação captada pelos olhos e/ou pelos ouvidos e o

chamado conhecimento prévio, estocado em nossa memória de longo prazo e

que permite dar sentido ao que se recebe.

A interação entre os dois tipos de informação, em leitores e/ou

ouvintes eficientes, se dá numa relação inversamente proporcional – quanto

mais conhecimento prévio dispõem, menos necessitam retirar do que recebem,

uma vez que utilizam seu conhecimento prévio para prever uma maior parte da

informação. Sendo assim, trata-se a compreensão e o aprendizado como

resultados de um processo interativo, no qual emissor e receptor interagem na

construção de significados: o receptor aciona seus esquemas adquiridos ao

longo da vida e os confronta com os dados recebidos, sendo assim construído

o sentido.

Por isso, o aprendizado passa a ser entendido como uma atividade de

“responsabilidade mútua” (KLEIMAN, 2010, p. 65), uma vez que a

responsabilidade da compreensão não deve ser atribuída apenas ao produtor

do texto, enquanto pessoa que deve escrever e falar de forma clara e

coerente. Também o receptor deve contribuir com certos conhecimentos e

atitudes diante do texto, colocando-se como alguém que busca significados e

que, por isso, tem algo a dizer ao que está lendo/ouvindo, contribuindo para a

construção desse significado.

Em Kato (1990), a autora aponta para o fato de que um mesmo leitor

maduro pode – e deve – variar o tipo de processamento que usa, o que vai

depender do texto com o qual está interagindo e com os objetivos que possui

ao ler determinado texto. O mesmo, podemos dizer, vale para atividades de

escuta. Assim, cabe salientar que como em leitores não eficientes, em ouvintes

também não eficientes, é possível encontrar o predomínio de um

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processamento ascendente ou descendente da leitura, de maneira

desequilibrada:

“Teríamos o tipo que privilegia o processamento

descendente (...) É o leitor que aprende facilmente as

idéias gerais e principais do texto, é fluente e veloz, mas

por outro lado faz excessos de adivinhações, sem

procurar confirmá-las com os dados do texto, (...) faz mais

uso de seu conhecimento prévio do que da informação

efetivamente dada pelo texto. O segundo tipo de leitor é

aquele que se utiliza basicamente do processo

ascendente, que constrói o significado com base nos

dados do texto, fazendo pouca leitura nas entrelinhas,

que aprende detalhes detectando até erros de ortografia,

mas que ao contrário do primeiro tipo, não tira conclusões

apressadas. É, porém, vagaroso e pouco fluente e tem

dificuldade de sintetizar as idéias do texto por não saber

distinguir o que é mais importante do que é meramente

ilustrativo ou redundante” (KATO, 1990, pp.40-41)

Como podemos ver em Fulgêncio e Liberato (2003), essa interação

entre informação nova (recebida) e informação velha (conhecimento prévio) no

processamento da informação tem seu respaldo na fisiologia do cérebro

humano. O cérebro não é capaz de processar toda a informação visual

alcançada pelos olhos ou pelos ouvidos, o que tomaria muito tempo. O

processamento se dá de maneira complexa porque exige do receptor a

manutenção de um grande número de palavras em sua memória antes de

poder fechar uma unidade significativa.

Por isso, ele precisa prever parte da informação a ser processada e

saltar trechos que não necessitam da intermediação dos sentidos, gastando,

assim menos tempo. O tempo gasto pelo cérebro para interpretar um estímulo

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é proporcional às possibilidades de alternativas possíveis, entre as quais o

cérebro deve se decidir. Por meio do uso da informação velha, o cérebro reduz

o número de alternativas possíveis para a compreensão e ganha tempo.

Uma primeira identificação da informação nova se dá na memória de

curto termo, também chamada de memória de curto prazo ou memória de

trabalho, que por ter uma capacidade de tempo e espaço reduzida, armazena

a informação até que seja construído um significado para ela. Construído o

significado, ele é enviado para a memória de longo termo, também chamada

de memória de longo prazo, memória semântica ou profunda, onde ficará

armazenado. O receptor retém apenas o conteúdo semântico da informação,

abandonando a forma literal apresentada pelo texto. Os esquemas cognitivos,

já citados, estariam, então, armazenados nessa memória de longo prazo,

podendo modificar-se conforme recebem novas informações capazes de

aumentá-los ou alterá-los (KATO, 1990; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996,

2003).

A memória de trabalho é de extrema relevância do ponto de vista

funcional, exercendo uma função fundamental nas mais diversas atividades

cognitivas executadas pelos seres humanos. Na compreensão da linguagem,

ela desempenha papel fundamental, pois permite a interação entre as

informações novas e velhas, possibilitando a geração de significados. A

memória de trabalho poderia ser definida, então, como:

“(...) uma memória de múltiplos componentes, controlados

por um executivo central, cujas funções estão voltadas

para (a) o controle do fluxo de informação na nossa MT;

(b) o acesso à informação armazenada na nossa memória

de longo prazo; (c) o armazenamento e processamento

da informação que recebemos auditiva e visualmente”

(BUCHWEITZ, 2008, p.74).

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Dessa forma, é torna-se essencial o entendimento de que a memória

de trabalho tem uma capacidade limitada, que é distribuída entre as funções

citadas acima. Como estratégia cognitiva para uma melhor utilização da

memória de curto prazo, a mente humana utiliza o que se chama de fatiamento

ou segmentação – em inglês, chunking (MILLER, 1965), por meio do qual as

partes se agrupam em unidades significativas, constituindo um único item a ser

armazenado, sendo mais facilmente retidas.

Em termos de unidades linguísticas, o fatiamento se dá por meio do

conhecimento gramatical sobre as regras da língua. O leitor busca, em sua

memória de longo prazo, essas regras e por meio delas agrupa, na memória

de trabalho, a informação recebida, criando unidades significativas cada vez

maiores, a partir da identificação de categorias e de funções e, assim,

ampliando o material a ser armazenado e aumentando a velocidade do

processamento da informação (FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; KLEIMAN,

2001, 2010).

“Para montar as fatias, é preciso que o cérebro veja

sentido no material percebido; não basta captar muito

material, se o cérebro não vê a relação entre as suas

partes, e portanto não pode agrupar os elementos em

fatias maiores. (..). É então preciso “limpar” a MCT, se

não a sua capacidade se esgota em pouco tempo. Por

isso, o material guardado na MCT deve ser interpretado

tão rapidamente quanto possível, para que o significado

montado possa ser enviado para a memória de longo

termo” (FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003, p.26)

Portanto, é preciso que se conceba o aprednizado também nesses

termos, uma vez que ele depende de um processamento interativo e

significativo da informação recebida. Como se pode ver, esse processo é

seletivo, uma vez que o cérebro humano é incapaz de receber toda a

informação que se lhe oferece. Com relação a nossa capacidade de

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percepção, é interessante lembrar que se trata de um fenômeno individual,

uma vez que nós não percebemos tudo o que vemos e, consequentemente,

cada pessoa tem uma percepção única de um mesmo objeto (KLEIMAN,

2001).

Além da existência da memória de longo prazo e da memória de curto

prazo, Chafe (1974) propõe a existência de um estado intermediário da

memória humana, ao qual ele dá o nome de consciousness, ou estado de

consciência, também chamado de memória rasa ou memória de médio prazo

(KATO, 1990).

O estado de consciência pode ser definido como uma parte temporária

da memória, na qual se focalizam as partes do conhecimento geral dado,

necessárias para o entendimento de novas informações. Nele se daria o

reconhecimento do que já foi introduzido na memória: a informação dada é

focalizada e a informação nova é introduzida, de modo que interajam para a

geração de novos significados por parte do leitor.

Portanto, para um aprendizado efetivo, torna-se necessário que o

aprendente já tenha em sua memória de longo prazo informações dadas

suficientes a serem ativadas no estado de consciência, de modo que se possa

haver um bom aproveitamento da informação nova. O desequilíbrio entre os

dois tipos de informação torna o aprendizado improdutivo, não acrescentando

nada novo, seja pela falta de informações novas a serem aprendidas ou pela

falta de informação velha em sua memória de longo prazo: “a nossa

compreensão não só de textos mas da realidade como um todo está

condicionada à nossa experiência anterior” (FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003,

p.86).

Como conhecimento prévio, entende-se aqui o “conjunto de saberes que

a pessoa traz como contribuição à sua própria leitura, e que toma parte no

movimento descendente de fluxo informativo” (GERHARDT et al., 2009), ou

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seja toda a informação que a pessoa tem armazenada em sua memória de

longo prazo e que é ativada, no estado de consciência, no momento da

compreensão. Ele abarca diversos tipos de conhecimento, que se encontram

em constante interação:

“quando há problemas no processamento em um nível,

outros tipos de conhecimento podem ajudar a desfazer a

ambiguidade ou obscuridade, num processo de

engajamento da memória e do conhecimento do leitor que

é, essencialmente, interativo e compensatório”

(KLEIMAN, 2010, p.16).

Esses conhecimentos se unem e se organizam em esquemas

cognitivos, como já dito anteriormente. Durante o aprendizado, esses

esquemas, que são prototipicamente definidos, são ativados. As variáveis

possíveis são preenchidas de forma que se relacionem as informações

recebidas aos esquemas, passando a constituir, assim, uma representação

mental no estado de consciência. Consecutivamente, as informações

construídas passam a constituir-se como velhas, o que possibilita a integração

com novas informações, formando uma sucessão de integrações para a

geração da compreensão do texto.

Nesse sentido, Kato (1990, p.82) salienta o fato de que a vantagem de

se conceber a noção de esquema como estruturadora do conhecimento prévio

é que se passa a constituir uma “teoria do conhecimento que engloba uma

teoria prototípica do significado e ser, ao mesmo tempo, uma teoria de

procedimento, cuja função é reconhecer a sua adequação aos dados que

estão sendo processados”.

Dessa forma, novamente retoma-se a ideia de que o aprendizado se dá

processualmente, não existindo produtos acabados em si para a própria

estruturação do conhecimento humano. Não podemos esquecer que, durante a

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atividade de compreensão, os esquemas também são ativados por meio de

processamento interativo – bottom-up e top-down -, ou seja, atuam do todo

para as partes (esquemas em direção a subesquemas), por adivinhação, e das

partes para o todo (dos subesquemas para os esquemas), por confirmação,

refinamento e revisão.

Portanto, se formula um papel fundamental para o conhecimento prévio

na compreensão da linguagem, e consequentemente, para a aprendizagem.

Para que o aprendizado se dê de maneira eficiente, é preciso, então, que as

partes relevantes de todos esses tipos de conhecimento estejam plenamente

ativadas no estado de consciência do leitor, para que ele possa estabelecer a

sua compreensão interativamente.

3.3. A psicolinguística na Escola e a atuação psicopedagógica

Muitos são os estudos que já comprovaram que a Escola, enquanto

instituição formal de ensino, não busca entender as perspectivas assumidas

pelos aprendentes em seu espaço, ou seja, não se interessa em entender a

forma como o aluno cogniza, seus caminhos para a efetivação do aprendizado.

Dentro de uma ótica psicopedagógica, podemos afirmar que essa é uma das

principais razões do fracasso escolar, uma vez que sem entender como se dá

o aprendizado individualmente, torna-se muito complicado auxiliar o

aprendente nessa tarefa.

Os estudos em psicolinguística podem auxiliar o psicopedagogo no

entendimento da lógica de base cognitiva que orienta o processo de

aprendizagem de nossos alunos. Muitas vezes, o que tomamos como um

produto errado da aprendizagem é revelador de um processo de raciocínio.

Mais do que avaliar esse processo, o psicopedagogo deve buscar entender

que lógica é essa que se apresenta, uma vez que, na maioria das vezes, a

Escola prefere desconsiderá-la e tratar o resultado do processo cognitivo do

aluno como erro (GERHARDT, 2010).

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Portanto, dentro de uma visão pscipodegógica do processo de ensino-

aprendizagem, acreditamos que o ensino deva articular ambientes e saberes

de diferentes universos de experiências, de forma que os saberes que os

alunos trazem à escola sejam reconhecidos e integrados aos definidos pelos

currículos escolares. Nesse sentido, a psicolinguística contribui para o

reconhecimento desse processo de integração desses saberes, bem como o

embasamento teórico para atividades escolares mais produtivas e significativas

ao aprendente.

O estudo das capacidades cognitivas - e dos processos envolvidos no

desenvolvimento dessas capacidades - de um aluno ao realizar atividades

escolares, bem como a possibilidade de gerar meios para que os professores

possam desenvolver tais capacidades em seus alunos (e em si mesmos) vai

ao encontro dos pressupostos psicopedagógicos da aprendizagem, uma vez

que um aprendente maduro, bem como um ensinante competente, é capaz de

pensar criticamente sobre seu processo de aprendizagem.

Dentro de uma perspectiva focada na aquisição da linguagem,

salientamos que

“ao investigar como tão rapidamente numa criança normal

a linguagem se desenvolve, contribuem decisivamente

para as teorias sobre os determinantes biopsicológicos

específicos da espécie humana e, nos estudos inter e

intraculturais, elucidam as relações entre os fatores

inatos, maturacionais e experenciais que influem neste

desenvolvimento” (SCLIAR-CABRAL, 1991, p.147).

Além disso, várias foram as contribuições trazidas por estudos em

psicolinguística aplicados ao ensino, principalmente, no que se refere ao

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trabalho com a linguagem em sala de aula. Vários já foram os ganhos trazidos

para a Escola por estudos que buscaram vincular as relações entre

pensamento e linguagem, focando-se majoritariamente na aquisição e no

processamento do sistema de lecto-escrita, investigando-se possíveis motivos

dificultadores desse processo de aquisição e como prevenir ou remediar

problemas de aprendizagem relacionados a essas habilidades.

Como afirma Weiss (1997), os resultados das pesquisas de Emilia

Ferrero e Ana Teberosky sobre a psicogênese da escrita acabaram alterando a

visão que se tinha de alfabetização e, consequentemente, das até então

patologias de aprendizagem da escrita, nessa etapa inicial. O processo de

alfabetização passou a ser entendido como exigindo do aluno a construção e a

constante reformulação de hipóteses: “um processo dialético através do qual

ela se apropria da escrita e de si mesmo como usuário-produtor da escrita”

(WEISS, 1997, p.17).

Scliar-Cabral (1991, p.151) salienta, porém, que é uma temeridade

afirmar que a psicolinguística tenha o poder de resolver os problemas de

ensino no Brasil: “Nossa posição é totalmente relativística, no sentido de que a

psicolinguística, mercê dos avanços teóricos já alcançados, pode contribuir

para minorar o insucesso escolar”. Assim, podemos seguramente estabelecer

uma relação entre os princípios da psicopedagogia institucional, uma vez que

seu foco está na prevenção do fracasso escolar, e os pressupostos teóricos da

psicolinguística.

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CONCLUSÃO

Pela forma como o trabalho foi sendo organizado, pretendemos ir, ao

longo do texto, estabelecendo-se conclusões a partir das associações que

estavam sendo buscadas. Nesta seção do trabalho, pretende-se então, de

alguma maneira, retomar essas ideias já concretizadas conforme as seções

anteriores foram sendo desenvolvidas, principalmente no que diz respeitos aos

ganhos que as teorias linguísticas citadas podem trazer ao trabalho do

psicopedagogo.

Dentro de uma perspectiva institucional, o foco do trabalho do

psicopedagogo no âmbito escolar está na prevenção ao fracasso escolar,

sendo essa a principal preocupação dos estudos em Psicopedagogia. A

Linguística, em especial, em seus estudos aplicados, também vem tomando o

fracasso escolar como uma de suas principais preocupações e vem focando

seu trabalho também na luta pela sua prevenção e pela sua redução depois

que já está instituído.

Focalizamos as contribuições trazidas pela Sociolinguística e pela

Psicolinguística, especificamente, por acreditarmos que esses dois ramos da

linguística trazem olhares específicos para questões altamente debatidas no

campo da Psicopedagogia, ambas ligadas ao problema do fracasso escolar.

Enquanto a Sociolinguística pode contribuir para as discussões sobre as

relações entre homem, linguagem e sociedade, a Psicolinguística pode

contribuir para um debate sobre as relações entre homem, pensamento e

linguagem.

Considerando-se que a aprendizagem se constitui na integração entre

todos esses fatores, uma vez que o homem é um ser biológico, psicológico e

social, as contribuições trazidas por esses escopos teóricos são de grande

valia para a constituição da formação de um psicopedagogo institucional. Se

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integradas à sua formação multidisciplinar, as percepções teóricas trazidas

pelas ciências linguísticas podem auxiliar o psicopedagogo no

desenvolvimento de uma melhor prática, pois não podemos negar o fato de

que quanto mais se sabe, maiores são as alternativas de atuação.

Entendemos que a tarefa do psicopedagogo para a auto-constituição

de um profissional consciente e verdadeiramente capaz de atuar na área é

complexa, devido aos problemas de formação e valorização do campo de

atuação no Brasil. Portanto, não se pretende esgotar o tema deste trabalho por

aqui. Como salientado nos títulos dos capítulos, este trabalho visa a apontar

apenas contribuições aos saberes dos psicopedagogos. Na verdade, visa a

trazer pequenas contribuições, mais como um estímulo à pesquisa do que um

manual de respostas prontas.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

LINGUÍSTICA(S) E PSICOPEDAGOGIA: RELAÇÕES POSSÍVEIS 10

1.1 – A psicopedagogia no âmbito escolar 10

1.2 – A(s) linguística(s) e suas relações com a psicopedagogia 17

1.3 – O trabalho com a linguagem na Escola 22

CAPÍTULO 2

CONTRIBUIÇÕES SOCIOLINGUÍSTICAS À PSICOPEDAGOGIA 30

2.1. A Sociolinguística: um olhar para fora do aprendente 30

2.2. Princípios básicos de variação e mudança e linguística 32

2.3. A Sociolinguística na Escola e a atuação psicopedagógica 35

CAPÍTULO 3

CONTRIBUIÇÕES PSICOLINGUÍSTICAS À PSICOPEDAGOGIA 39

2.1. A Psicolinguística: um olhar para dentro do aprendente 39

2.2. O processamento interativo da informação 43

2.3. A Psicolinguística na Escola e a atuação psicopedagógica 51

CONCLUSÃO 54

BIBLIOGRAFIA 56

ÍNDICE 59