Pesquisa quantitativa e qualitativa em sociolinguística: dadaísmo ...
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1Licenciatura em Letras
Língua Portuguesa modalidade a distância
Disciplina
Sociolinguística
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância2
MATERIAL DIDÁTICOELABORAÇÃO DO CONTEÚDO
Abdelhak Razky
Marilucia Barros de Oliveira
REVISÃO
Abdelhak Razky Marilucia Barros de Oliveira
COORDENAÇÃO DE EDIÇÃOMaria Cristina Ataide Lobato
CAPA, PROJETO GRÁFICO
E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Ana Petruccelli
Káyra Matos Badarane
IMPRESSÃOGráfica Universitária - UFPA
2a. edição 2014
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) –Biblioteca do ILC/ UFPA, Belém – PA
Fairchild, omas Massao.
Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa I/ omas Massao Fairchild.– Belém: EditAedi, 2014. v.12. Textos didáticos do Curso de Licenciatura em Letras – Habilitação emLíngua Portuguesa – Modalidade a Distância. ISBN:
1. Ensino-Aprendizagem. 2. Língua Portuguesa. 3. Linguística. I. omasMassao Fairchild. II. Título.
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3Licenciatura em Letras
Língua Portuguesa modalidade a distância
Belém-Pa
2014
volume 13
Disciplina
Sociolinguística
Abdelhak RazkyMarilucia Barros de Oliveira
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância4
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Aloizio Mercadante Oliva
SECRETÁRIO EXECUTIVO DO MEC
José Henrique Paim Fernandes
DIRETOR DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
João Carlos Teatini de Souza Clímaco
REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
Carlos Edilson de Almeida Maneschy
VICE-REITOR
Horácio Schneider
PRÓ-REITORA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO (UFPA)
Marlene Rodrigues Medeiros Freitas
ASSESSOR ESPECIAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (AEDI)
José Miguel Martins Veloso
DIRETOR DO INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO (ILC)
Otacílio Amaral Filho
DIRETOR DA FACULDADE DE LETRAS (FALE)
Elizabeth Ferreira Vasconcelos de Andrade
COORDENADORA DO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA – MODALIDADE A DISTÂNCIA
Maria de Fátima do Nascimento
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5Licenciatura em Letras
Língua Portuguesa modalidade a distância
SUMÁRIO
Unidade 1 – Relação entre Língua e Sociedade ..... 13
Atividade 1 – Diversidade e diversidade linguística no Brasil ..... 15
Atividade 2 – Um breve histórico do tratamento dado
à variação e à mudança linguística ..... 23
Unidade 2 – Teoria da Variação ..... 31
Atividade 3 – Teoria da Variação: definindo termos ..... 33
Atividade 4 – Aspectos teórico-metodológicos da Teoria da Variação ..... 45
Unidade 3 – A Pesquisa Variacionista no Português Brasileiro (PB) ..... 55Atividade 5 – Exemplificando a variação no Português Brasileiro ..... 57
Atividade 6 – Procedimentos da Pesquisa Variacionista ..... 67
Unidade 4 – Variação Linguística e Ensino de Língua Portuguesa ..... 75
Atividade 7 – Dialetologia e Sociolinguística como ferramentas
para a Formação de Docentes ..... 77
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7Licenciatura em Letras
Língua Portuguesa modalidade a distância
APRESENTAÇÃO
Caros alunos,
A disciplina Sociolinguística está voltada ao estudo da variação e mudança lin-
guísticas e se destina a formar professores para identificar, descrever, reconhecer e refle-
tir sobre fenômenos variacionistas. Mas além desse objetivo de natureza investigativa,
a disciplina tem como meta, como deveria ser num curso de licenciatura, levar vocês,
futuros professores de língua materna, a refletirem sobre a postura que se deve adotar
diante desses fenômenos – e que se deve incentivar os alunos a adotarem – valorizando
as diferentes identidades, aqui entendidas como conjunto de diferenças e peculiaridades
dos indivíduos e dos agrupamentos de indivíduos.
Iniciaremos essa disciplina com a leitura de um texto que aborda praticamente
tudo o que iremos tratar durante o curso, mas de forma bem sucinta. Na verdade, o texto
só tangencia pontos que serão explicitados, discutidos, nas sete Atividades que iremos
estudar. Desejamos que esse texto fomente em cada um de vocês maior “amplitude do
olhar”, no sentido de lhes possibilitar enxergar aspectos de língua e de linguagem vincu-
lados ao “uso”, à manifestação efetiva desses em contextos socioculturais diferenciados.
É com esse “olhar” diferenciado, cada vez mais próximo dos usos efetivos de lin-
guagem, e, concomitantemente, mais distanciado de preconceitos, que pretendemos tratar
a variação linguística, objeto dessa disciplina.
Na primeira unidade, estudaremos a relação entre língua e sociedade, focalizando
a diferença e a identidade. Na segunda, abordaremos a teoria da variação, apresentando
conceitos e definições úteis à compreensão do suporte teórico-metodológico da Sociolin-
guística Variacionista. Iniciaremos as orientações para a realização de pesquisa de campo,
a fim de que sejam identificados e descritos fenômenos variacionistas. Na terceira unidade,
apresentaremos diferentes resultados oriundos de realização de pesquisa variacionista
no Brasil. Na quarta unidade, concluindo nossos estudos, a discussão será em torno da
Dialetologia e Sociolinguística na perspectiva do ensino-aprendizagem. Focalizaremos
como essas duas disciplinas podem trazer contribuições para a formação do professor epara o conhecimento da realidade linguística com a qual ele se depara diariamente.
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância8
Agora, para que você possa iniciar os estudos e discussões sobre esses temas, cabe
se perguntar: como eu devo me portar diante de um aluno quando esse diz [kã´nu] em
vez de [kã´no] ? Ou [ ſ ´na], em vez de [ ſ ´naw]? E o que fazer quando os alunos riem
dessas pronúncias? Talvez, neste momento, você ainda não tenha segurança em relação à
maneira mais adequada de se portar diante dessas situações, principalmente na condição
de professor de língua portuguesa, já que as pessoas exigem que esse profissional use e
ensine o português dito correto, mas, com certeza, ao final da disciplina, você vai poder
responder de forma habilitada essas questões.
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9Licenciatura em Letras
Língua Portuguesa modalidade a distância
Propiciar o conhecimento de teorias e modelos variacionistas no sentido de de-
senvolver competências relativas à análise de fenômenos variacionistas e a reflexão so-
bre a postura do professor diante de variação linguística no ensino-aprendizagem de
língua materna.
• Conhecer teorias e modelos variacionistas;
• utilizar adequadamente os procedimentos investigativos relativos ao estudo da
variação e da mudança linguística;
• conhecer diferentes modelos de análise da variação linguística;
• distinguir variação de mudança linguística;
• organizar dados coletados de acordo com a orientação sociolinguística;
• reconhecer frequências e probabilidades de fenômenos variacionistas;
• identicar e descrever fenômenos de variação linguística encontrados na vidacotidiana e reetir sobre suas implicações no ensino de língua portuguesa;
• distinguir erro de variação linguística;
• reetir sobre o preconceito linguístico.
A disciplina Sociolinguística apresenta carga horária de 68 horas. Será desenvol-
vida na modalidade a distância, com encontros presenciais nos fins de semana. O curso
atenderá alunos de diferentes pólos. Os trabalhos serão orientados pelo professor-coor-denador da disciplina e por tutores presenciais e a distância.
A concepção pedagógica do curso pauta-se no conhecimento dos modelos de aná-
lise da variação linguística e na reflexão sobre seu impacto no ensino-aprendizagem de
língua materna, dando-se especial relevo à postura de respeito às diferenças. Sendo as-
sim, privilegiaremos atividades que impliquem reflexão e interação dos alunos não só
com os tutores, com o professor, mas com o próprio material didático que visa ao acesso
à informação e à produção de conhecimentos. Durante a leitura deste texto-base você
encontrará alguns itens sobre os quais deve se ater. São eles: , ,
, , , . Eles podem auxiliá-lo a avançarna compreensão do texto, propiciando melhor entendimento do conteúdo tratado.
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Durante o curso serão desenvolvidas as seguintes atividades:
• leitura do texto-base;
• leitura de textos teóricos e de descrição sociolinguística;
• estudo e análise de fenômenos variacionistas a partir de discussão de textos
escritos e/ou de vídeos;
• apresentação de pontos de vista no fórum;
• postagem de atividades que correspondam às “tarefas”;
• resolução de exercícios;
• pesquisa de campo;
• apresentação de seminários.
A avaliação será realizada com base nos seguintes critérios:
• relevância da contribuição nas postagens do fórum, inclusive em relação aos
questionamentos dos colegas;
• relevância da contribuição nos encontros presenciais, inclusive em relação aosquestionamentos dos colegas;
Etapas CH Data
Unidade I - Atividade 01: Diversidade e diversidade linguística no Brasil
Atividade 02: Um breve histórico do tratamento dado à variação
e à mudança linguística.
15h
Unidade II- Atividade 03: Teoria e Variação: definindo termos
Atividade 04: Aspectos teórico-metodológicos da Teoria da Variação.
20h
Unidade III: Atividade 05: Exemplificando a variação no Português Brasileiro.
Atividade 06: Procedimentos da Pesquisa Variacionista.
20h
Unidade IV: Atividade 07: Dialetologia e Sociolinguística como ferramentas paraa Formação de Docentes.
13h
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• resolução e entrega das atividades no prazo estipulado;
• qualidade da produção escrita quanto à pertinência em relação à adequação da
linguagem e à reexão sobre o conteúdo tratado;
• adequação dos registros dos dados coletados;
• apresentação de seminário.
É importante lembrar que a frequência do aluno será avaliada a partir da parti-
cipação no fórum e das informações fornecidas pelos tutores nos encontros presenciais.
Não é demais chamar a atenção para a importância de seu envolvimento na disciplina,
demonstrado por meio de perguntas, reflexões, discussões desenvolvidas tanto presen-
cialmente quanto via Plataforma Moodle.
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13Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
RELAÇÃOENTRE LÍNGUA
E SOCIEDADE
u n i d a d e 1
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15Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
a t i v i d a d e 1
DIVERSIDADE
E DIVERSIDADELINGUÍSTICA NO BRASIL
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Ao final desta atividade, você deverá:
- compreender a relação entre língua e sociedade;
- identicar fenômenos de variação linguística;
- discutir conceitos de diferença e identidade;
- reetir sobre a postura de cada um da turma diante de fenômenos de variação linguística;
- apontar possíveis fatores condicionadores da variação linguística.
A variação linguística não é um fenômeno recente nas línguas. Antes mesmo de
se propor o estudo sistemático da variação, ela acontecia abundantemente em vários
momentos da história, em diferentes línguas. Os estudos sobre o fenômeno confirmam
que a variação é inerente a todas as línguas.
A relação entre língua e sociedade tem sido tema de vários estudos na atualidade,
mas nem sempre foi assim. Quando se iniciaram os estudos sobre a língua ou sobre a
linguagem, não se deu espaço adequado à influência de fatores sociais sobre essas “ações”
humanas. Atribuía-se a outros condicionadores a variação ou a mudança linguística. Na
verdade, a variação teve espaço nos estudos da linguagem bem depois do estudo sobre
a mudança linguística.
Entretanto, cabe dizer que o estudo sobre a mudança linguística praticado há sé-
culos não era o mesmo praticado pela sociolinguística variacionista, corrente que vamos
estudar mais detalhadamente aqui. Essa corrente pressupõe que os condicionadores so-
ciais sejam levados em consideração quando do estudo da língua, pois para seus adeptosé clara a relação entre língua e sociedade. Por isso, no sentido de esclarecer os diferentes
aspectos destacados no estudo da variação e da mudança linguísticas, vamos fazer um
breve histórico sobre os diferentes estudos a respeito da variação linguística, a fim de
que você perceba as diferenças entre as abordagens. Em seguida, trataremos do estudo
sociolinguístico que prevê o estudo da língua em contexto social, já que concebe que as
forças sociais condicionam, assim como os fatores estruturais, a variação nas línguas.
Mas antes de fazermos todo esse trajeto que corresponde à próxima Atividade, va-
mos desenvolver algumas práticas relativas à Atividade 01 que tratam do tema Diversidade
e diversidade linguística. Essa Atividade apresenta um caráter diferente das demais. Issoporque é você quem vai desenvolvê-la. Quem sabe, escrevê-la. Essa Unidade vai iniciar
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17Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
com sua perspectiva sobre o conceito de diferença e identidade, e diversidade linguística
(cf. vídeos e fotos para discutir diferença e identidade).
Ao final da disciplina, retomaremos essa discussão inicial no sentido de saber
se você alteraria ou ampliaria, ou mesmo manteria, as impressões apresentadas nesse
primeiro momento.
Para falarmos da relação entre língua e sociedade, precisamos entender que além
da língua, outros hábitos, modos, maneira de vestir, costumes estão ligados à interferência
de fatores sociais. É importante que você saiba que os valores, assim como as diferençasque existem numa língua, não levam em consideração exatamente fatores linguísticos,
mas sociais. É por isso que a língua ou variedade linguística de uma classe econômica
favorecida na sociedade é considerada “boa” ou “correta”. Não é difícil entender como essa
“valoração” se dá. Basta que observemos outros fenômenos como os relativos à moda, por
exemplo. Em termos gerais, o “valor” atribuído à roupa, ao acessório, ao tipo de cabelo,
ao feitio do calçado etc. – como “elegantes”, “atuais”, “bonitos” – também provêm de
um grupo privilegiado economicamente. A língua é, como os demais fenômenos sociais,
impregnada de “valor social”, fruto de “jogos de poder”.
Aspectos relacionados à diversidade e diversidade linguística, bem como à diferençae à identidade serão discutidos durante o curso. Antes, no entanto, de continuar lendo
este texto base, convidamos você a fazer a leitura do texto “Fale que te direi quem és”,
disponível, também, na Plataforma Modlle. A partir dessa leitura, você poderá despertar
para questões que vão enriquecer nosso estudo e discussão. Use o conhecimento de mundo
de que dispõe para avaliar cuidadosamente o texto. Reflita, faça comentários, indique que
outros aspectos você considera relevantes no texto e que vale a pena discutir, identifique
intertextualidades; faça relações com outros textos e discursos. Vamos à leitura?
Fale que te direi quem és!
Josué Machado publicou instigante artigo sobre a influência "nefasta" que os
tropeços gramaticais do novo presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, são
suscetíveis de ter nas salas de aula do país – "Lula e a língua do povo" [,
São Paulo, 3.2003]
Os "escorregões" de Lula da Silva no exercício do português padrão – seus
"menas", "percas", "acho de que"; a avidez com que "devora os 's' do plural" etc. –
constituem um pretexto para o autor debater a variedade linguística com a qual a
escola deveria operar.
No Brasil, nos últimos tempos, a variação linguística na escola tem sido objeto
de complexos debates linguístico-pedagógicos, ensejando profunda insegurança
sobretudo entre os professores e futuros professores que atuam em escolas populares.
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância18
Há alguns anos, para a grande maioria dos professores de português, essa
questão não existia, predominando a visão de que a principal função da escola era
enquadrar os alunos à variedade culta da língua nacional.
Com esse pressuposto inquestionável, professores bem intencionados con-
fundiam comumente a educação com a caça às formas sintáticas, lexicais e fonéticas
desviantes, transformando as aulas de português em ensino da gramática normativa.
A grande função do professor era corrigir o "português errado".
A ciência ajuda
Novas investigações sobre os fenômenos psico e sócio-linguísticos, a psi-
cogênese da escrita e os processos de aprendizagem, etc. determinaram mudançasprofundas na visão do que deve ser a prática de professores de português nos diversos
níveis de escolaridade.
No citado artigo, Josué Machado alude negativamente ao que considera uma
"sobrecarga de informações teóricas e nomenclaturas linguísticescas" que resultariam
"num formidável caos teórico, capaz de confundir o professor comum".
Para ele, dentre as teorias linguísticas, apenas a desenvolvida por Noam
Chomsky contribuiria realmente a uma maior eficiência escolar. Para essa última,
todo "falante sabe instintivamente sua língua e só precisa ser ajudado a desenvolver-
-se nela por meio de prática e de exercícios agradáveis".
As grandes questões postas pelo artigo, a exclusividade dada pela escola à
variedade culta do português e a discriminação das formas linguísticas populares,
não envolvem apenas os processos de aprendizagem da sintaxe estudados por
Chomsky. Também englobam múltiplos outros componentes de ordem linguística,
sociológica, histórica, pedagógica, etc.
Língua para uso
De um ponto de vista psicolinguístico, Josué Machado tem razão. Foi
essencial o reconhecimento que todo ser social possui competência linguístico-
-comunicativa e gramática intuitiva, interior, mesmo sem jamais ter frequentado
a escola. Por si só, esse reconhecimento põe fim à ideia que a escola deve "ensinar"
a língua materna.
Mas, contrariamente à opinião do autor, a Linguística pode e deve contri-
buir muito mais à prática dos professores de português. Sobretudo, deve ensejar a
compreensão de que a língua constitui um instrumento de comunicação destinado
a cobrir uma grande diversidade de necessidades humanas – comunicação racional,
afetiva, argumentativa, informativa, etc.
Essa compreensão permitirá que o professor de português não caia na
tentação de transformar as aulas de expressão linguística em lições de ortografia,
de gramática normativa ou, o que é pior, de nomenclatura linguística e enfatize,
ao contrário, o desenvolvimento da competência textual dos alunos, para o maior
número possível de necessidades comunicativas e discursivas.
Os avanços alcançados nos estudos de Linguística Social podem igualmente
contribuir – e já contribuem em larga medida – para a resolução da questão da
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19Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
variação linguística na sala de aula. Apesar da tendência da escola e da sociedade de
apresentarem a língua como organismo monolítico e natural, ela é uma construção
social e histórica, com vínculos essenciais com a formação social de seus locutores.
O essencial e o acessório
O fato que as divisões e conflitos de toda ordem – socioeconômicos, socio-
culturais, de gerações, de gênero, etc. – materializam-se e manifestam-se plenamente
na língua, de forma explícita ou implícita, comprova o seu caráter social e histórico.
É também preciso enfatizar que todos os elementos que compõem a estru-
tura das línguas, fazendo delas eficientes instrumentos de comunicação social, não
têm a mesma importância. Alguns de seus componentes, como os fonemas, têmpapel secundário nos processos de significação, essência da linguagem e das línguas
naturais nas quais se manifesta.
O mesmo pode ser dito das unidades de nível imediatamente superior, os
morfemas, cuja função é indicar modificações de número, de gênero, de pessoa
ou diferenciar palavras pertencentes a categorias gramaticais diversas – um verbo
de um substantivo, por exemplo. É através de unidades maiores – os enunciados
e as palavras que os compõem – que se dá a significação dos intercâmbios verbais.
Portanto, compreende-se que as manifestações mais visíveis da variação
linguística apareçam precisamente nos fonemas e morfemas, elementos da língua
que interferem menos nos processos de construção do sentido, não interferindo,
assim, no processo de intercompreensão.
Onde se fixa o estigma
Não atrapalha a comunicação a confusão entre a lateral [l] e a vibrante [r] em
palavras como garfo – galfo; solvente - sorvente; voltar – vortar; etc. Não diculta
o entendimento a substituição da fricativa [v] pela oclusiva [b] em vassoura – bas-
sora. O mesmo pode ser dito da troca do morfema de primeira pessoa do plural no
presente e passado dos verbos de primeira conjugação: amos – emo, etc.
A repressão, discriminação e correção sistemáticas dessas variantes justifi-
cam-se apenas do ponto de vista – estético – da variante dominante, e não a partir
de critérios linguístico-comunicativos. Portanto, não são práticas necessárias nem,
o que é mais grave, inocentes e sem consequências.
Em teoria, qualquer criança, locutora de uma variedade de português não
padrão, é perfeitamente capaz de aprender as variantes fonológicas e morfológicas
padrão, como aprenderia uma língua estrangeira, próxima de sua língua-mãe.
O problema está no enaltecimento das variantes cultas pela escola, atribuin-
do-lhes uma natureza que não possuem: comunicar melhor do que as variantes não
padrão; possuir valores estéticos, identitários e patrióticos, etc. superiores – como
se a troca do [lh] de "filho" por um [i] diminuísse a brasilidade do locutor.
O consenso em relação à necessidade para a escola de eleger como língua
de ensino apenas a variedade linguística praticada sobretudo pelas camadas econô-
mica, política e culturalmente dominantes, é também alimentado por julgamentos
preconceituosos e depreciativos emitidos por indivíduos que gozam de prestígio
social, muitas vezes desprovidos de más intenções.
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância20
O papel da escola
Ao estigmatizar variantes linguísticas não prejudiciais à comunicação,
valorizadas e utilizadas majoritariamente por comunidades populares, a escola
enseja dificuldades de aprendizagem e contribui para a perda da auto-estima e a
insegurança linguística dos alunos.
A repressão linguística é igualmente caminho para a repressão social e cidadã.
Ela contribui para a reprodução das desigualdades sociais. Um locutor que é levado a
desprezar o falar seu e de sua comunidade, tende a desprezar-se e a sua comunidade.
A essência da linguagem verbal não está nos elementos fônicos e mórficos,
mas na possibilidade de construção do sentido, realizada sobretudo através dapalavra, do enunciado, do texto, do discurso, elementos também embutidos das
concepções de mundo dos locutores.
Ao defender a legitimidade e superioridade da variedade linguística padrão
e rejeitar a prática de um "multilinguismo nacional", muitos professores, em geral
desconhecedores das consequências de suas práticas, contribuem para o estabele-
cimento da hegemonia das visões de mundo das elites, participando aos processos
de unificação e uniformização ideológica, política e cultural da sociedade.
A prática do xibolete
Não se trata de deixar simplesmente os alunos das classes populares utili-
zarem suas variedades linguísticas, sem introduzi-los ao uso da chamada normaculta. A função da escola é sobretudo ajudar a criança a compreender a realidade
material, social e espiritual, com suas contradições e sua variedade, para que possa
atingir sua emancipação individual e coletiva.
Com sua diversidade e suas potencialidades, a língua faz parte da realidade
social, construída pelos seres humanos para os seres humanos. O ensino da língua
materna deve sobretudo ensejar que as crianças compreendam a estrutura, o fun-
cionamento, as funções da língua – instrumento de comunicação –, com todas as
suas variedades, sociais, regionais e situacionais.
A escola deve ser espaço emancipatório. Portanto, não pode utilizar-se de
práticas de dominação. Para não fortalecer interpretações apologéticas sobre a línguae perpetuar a discriminação social, deve mostrar que todo preconceito linguístico
apoia-se num preconceito social.
No Antigo Testamento, o livro dos Juízes relata um episódio da história de
duas tribos de Israel, os guileaditas e os efraditas, que praticavam línguas muito
próximas. Em ocasião de uma guerra, para impedir que seus então inimigos, os
efraditas, atravessassem o rio Jordão, os guileaditas os obrigavam a pronunciarem
a palavra "Xibolet" ('espiga').
Incapazes de expressar-se com perfeição no padrão superior da língua de
Guilead, os efraditas diziam 'Sibolet', pois tinham uma fricativa sibilante [s] no lugar
da fricativa chiada [ch]. Devido a essa variante fonética, "morreram quarenta e dois
mil dos de Efraim" [Bíblia sagrada. Lisboa: Sociedade Bíblica de Portugal, 2001: p.
262]. No Brasil de hoje, simples variantes fonéticas servem também para justificar
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21Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
a discriminação social, e portanto, a dominação política e econômica, pelas elites,
da imensa maioria das classes trabalhadoras.Por
Ítalo-belga, é doutora em Liguística pela Université Catholique de Louvain,Bélgica, e professora do Curso de Letras da UPF, RS, Brasil.
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/023/23ccarboni.htm
PARA REFLETIR
• Você concorda com o ponto de vista defendido no texto “Fale que te direi
quem és”? Por quê?• O que você entende por prática do xibolete?
• Qual a sua avaliação sobre os escorregões que o Presidente Lula apresentou
em alguns discursos?
• Você acha que o modo de falar do Presidente o envergonha, afeta sua credibi-
lidade ou lhe subtrai respeito?
• Você ri quando uma pessoa usa uma variante linguística diferente da sua? Em
caso positivo, por que o faz? Considera isso preconceito?
Essas questões não esgotam as possibilidades de reflexão sobre o texto. Pense em
outras questões que poderiam ser exploradas e as apresente à turma para discussão.
Fizemos a leitura e discussão do texto “Fale que te direi quem és”? Agora, passe-
mos ao vídeo sobre a diversidade linguística no Paraná. Depois da assistência, poste suas
impressões e opiniões no fórum.
, Fernando. Tempos Linguísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2 ed., São
Paulo: Editora: Ática, 1994.
, William. On the use of the present to explain the pas. In: L. Heilmann (ed.). Proceedingsof the 11th International Congress of Linguistic, Bologna: II Mulino, 1982.
, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
, Vanderci. Atlas Linguístico do Paraná. Universidade Federal do Paraná, 1994.
., . Matoso. Dicionário de Linguística e Gramática: referente à língua portuguesa.13 ed., Petrópolis: Vozes, 1996.
, Dermeval. (Org.) Diversidade Linguística no Brasil . João Pessoa: Ideia, 1997. p. 131-140.
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Nesta Atividade, iniciamos o estudo da relação entre língua e sociedade. Apresentamos
um conjunto de materiais que focalizam a diversidade e a diversidade linguística. Vimos
que as pessoas não falam de forma uniforme e que as diferenças encontradas nos diferen-
tes falares do Brasil estão diretamente ligadas à relação que há entre língua e sociedade.
Concluímos que as diferenças estão relacionadas à identidade e que a maneira como as
pessoas falam identificam-nas como pertencentes a determinados grupos. Isso revela
também que a diversidade linguística é uma forma de identificar não apenas o indivíduo
que fala, mas o grupo que esse indivíduo representa quando fala.
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23Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
UM BREVE HISTÓRICODO TRATAMENTO DADO
À VARIAÇÃO E À MUDANÇALINGUÍSTICA
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Ao final desta atividade, você deverá:
- compreender as diferentes abordagens dadas ao estudo da variação e da mudança
linguísticas;
- apontar as diferenças entre as diferentes abordagens da variação e da mudança lin-
guísticas;
- apontar pontos fortes e fracos das diferentes abordagens dadas à variação e à mudança
linguísticas.
Como dissemos anteriormente, a mudança linguística não se constitui objeto
recente de investigação. Há muito, diversos estudiosos da língua se interessaram em es-
tudar esse fenômeno utilizando-se de olhares diferentes sobre a língua com a finalidade
de saber o que causava a mudança. Entretanto, a pergunta direta Por que mudam as
línguas? – de resposta fácil, poder-se-ia pensar – é, na verdade, uma pergunta que exige,
como diz Katz (1982), ao discutir o que é significado, não uma resposta direta, simples,
mas uma teoria a respeito da variação e da mudança linguísticas.
ANOTE
na Unidade , estudaremos detalhadamente os pressupostos
teóricos metodológicos da Teoria da Variação.
Esse empreendimento teve como precursor, na década de 60, William Labov (cf.
, 2002). Entretanto, muitos outros autores que escreveram antes de Labov (1966)
levantaram questões pertinentes que ajudam a refletir sobre esse fenômeno linguísticoe a relação entre língua e sociedade. Antes, vamos ver como outros abordaram o estudo
da variação e da mudança linguísticas.
-
Conforme foi dito anteriormente, foram diversas as perspectivas adotadas para o
estudo da mudança linguística. Os primeiros investimentos nesse estudo tinham como
objetivo saber como uma dada língua se desdobrava em outras línguas, os fenômenos
comuns às línguas no sentido de se conhecer os motivos que faziam com que as línguas variassem. Assim, a evolução e a mudança das línguas, nos termos dos estudos históricos,
foram durante muito tempo objeto de estudo dos historiadores das línguas. Nesse período,
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25Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
priorizou-se o estudo diacrônico – ou a descrição de uma língua ao longo de sua história,
especificando-se as mudanças que sofreu – cujos seguidores se voltavam sobre dados de
línguas antigas. Esses historiadores comparavam dados, a fim de reconstruir a língua-mãe.
No século , a teoria de Darwin veio trazer status científico ao estudo da
mudança linguística. Para os adeptos dessa perspectiva, “as línguas não evoluíam pela
aplicação aleatória das regras; mudavam em virtude da ‘lei da selva’; no nal de cadamudança triunfava a configuração linguística que fosse mais apta e natural” (-, 1996, p. 566). Trata-se das regularidades fonéticas. Assim, surgem, na Alemanha,
as leis fonéticas paralelas às ciências naturais. Os neogramáticos acreditavam que essas
leis não apresentavam exceção. Ora, não se podia admiti-las sob pena de que a língua se
constituísse um objeto que não poderia ser estudado cientificamente.
Na perspectiva dos neogramáticos, as mudanças deveriam ser explicadas levando-se
em consideração o aspecto fisiológico e o psicológico. Para eles, a mudança sonora era
mecânica e não admitia exceções. Porém, a analogia poderia se constituir a causa da mu-
dança; a tendência a associações realizadas pelas pessoas seria responsável pelas exceções.
A analogia, grosso modo, seria um processo no qual as formas modificadas ou criadas
tinham como base padrões preexistentes no sistema. Assim, constituía-se um processo
gramatical, mas não fonológico, pois o princípio da regularidade fonológica não admitia
exceções. Por outro lado, a mudança poderia ser reflexo de desvios constantes, quando
da articulação de um som. Muito timidamente, esses estudiosos também lançaram mão
do contato entre línguas para explicar algumas exceções. Os neogramáticos levaram às
últimas consequências a defesa à analogia, utilizando-a abusivamente para explicar as
exceções, o que lhes rendeu muitas críticas.
Segundo os estruturalistas, a mudança é necessária. Para eles, a mudança na ma-
téria fônica não altera a oposição das unidades distintivas, o que não se constitui de todo
verdade, pois é sabido que algumas formas sofrem transformações e usos que alteram,
inclusive, seu significado. O desequilíbrio é visto como causa da mudança e essa como
busca do equilíbrio. Essa oscilação no sistema, por sua vez, não deveria ser atribuída a
condicionamentos de ordem social.
Estruturalistas como Bloomfield (1933), Hjelmeslev (1971) e Chomsky (1965), por
exemplo, diferenciavam-se em relação às descrições que propunham para a estrutura
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linguística, mas eram unânimes no que se referia a conceber seu objeto de estudo como
uma estrutura abstrata. Para os estruturalistas, a interpretação linguística tinha de se
pautar sobre relações internas, fatores estruturais internos. Isso exclui o estudo do
comportamento social, em outras palavras, o estudo da fala.
Hjelmeslev (1971, p. 30-31) assinalava que a preocupação da linguística estrutural
devia ser pautada nas relações internas da língua:
La linguistique structurale étudie le langage pour en dégager la partie essentielle, qui
est, selon l’ hypothèse, une entité autonome de dependences internes (...) La linguistique
structurale n’approche pas du langage du dehors, mas du dedans. Elle y reste, tout entenant compte de ses rapports extérieurs.
ANOTE
Isso não significa dizer que a linguística estrutural não teve
seu lugar dentro da linguística variacionista, pois Labov (1976)
recorre à linguística estruturalista de Praga e, posteriormente,
à Gramática Gerativa, quando de suas descrições linguísticas.
A visão da Geografia Linguística opunha-se ao pressuposto neogramático de que asleis fonéticas não apresentam exceções, assim como ao seu caráter gradual. Enquanto os
neogramáticos defendiam o pressuposto de que a mudança fonológica era foneticamente
gradual e lexicalmente abrupta, os defensores da difusão lexical, baseados na ideia de que
cada palavra tem sua história, acreditavam que a mudança era lexicalmente gradual e
foneticamente abrupta. Para eles, o fato de as palavras terem histórias diferentes justificava
as irregularidades. Assim, um caso de irregularidade poderia ser explicado pela ocorrência
de duas mudanças fonológicas regulares e não pela ação da analogia.
Os estudos de Dialetologia, oficialmente divulgados na França, a partir de Julles
Guilliéron (1918), tiveram por objetivo identificar as formas lexicais sobreviventes em
cada dialeto. Nessas formas encontraram-se motivos para se acreditar que não só as
regularidades fonéticas eram responsáveis pela coexistência de algumas formas num
mesmo dialeto, mas que essa coexistência poderia estar ligada a fatores de ordem social.
Surge, anos depois, por volta da década de 60, a Sociolinguística, tendo como
um dos precursores William Labov, para quem a mudança num determinado sistema
linguístico resulta sempre de um período de variação no qual coexistiam formas que
“lutavam entre si”.
Como vimos, as diferentes abordagens da variação e da mudança linguísticas
não admitiam a interferência de fatores externos, sociais, sobre esses fenômenos. Ou se
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27Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
admitiam, faziam-no muito timidamente. Não era considerada a relação entre língua e
sociedade. Entretanto, com o advento dos estudos variacionistas, a abordagem do fenô-
meno mudou, inclusive a natureza dos dados sobre os quais se pautava a análise, como
veremos mais adiante.
Agora que estudamos diferentes abordagens dadas ao estudo da variação e das
mudanças linguísticas, passemos ao estudo mais detalhado da abordagem que considera,
impreterivelmente, a relação entre o linguístico e o social. Iniciaremos, focalizando a
complexidade que envolve esse estudo.
A mudança linguística, diga-se, foi desde muito tempo concebida como uma
transgressão à forma considerada padrão. Marquilhas (1996) faz referência a um mito
brahmana no qual se dizia que o povo usura era privado de linguagem correta, pois apre-
sentava língua bárbara que não se devia imitar. Usavam as he lavo e he lavar, variantes
das formas sânscritas consideradas padrão he rayo, he rayah, respectivamente.
A mesma autora (op. cit.) atribui a Sócrates um enunciado em que a evolução dos
sons é considerada como afastamento condenável da língua padrão. Esse olhar estigma-
tizante sobre a língua pode ser encontrado mesmo em um dos nossos grandes filólogos,
a saber, Melo (1981), que avalia a variação linguística como própria dos incultos que
descaracterizam a língua pura. Como se apenas esses fossem os responsáveis pela variação
e pela mudança na língua.
ANOTE
estudos realizados no Brasil com falantes de língua culta revelam que esses
usuários apresentam em sua fala muitas variações linguísticas. Não há quem
use variações na língua. Mesmo o falante mais conhecedor da norma culta usa variantes ditas não cultas em seu falar.
Muitos dos estudos realizados a partir das mudanças que ocorreram no latim
ajudam a compreender melhor as regularidades fonológicas. Entretanto, há que se fazer
referência a outros fatores que contribuem para que a mudança linguística aconteça,
pois mesmo as mudanças mais regulares deixam espaço para as exceções. Nem sempre
a configuração que parece mais simples e natural é adotada pelos falantes de uma língua.
De outra parte, parafraseando Labov (1976), não há nada que comprove que as formas
estigmatizadas, as quais se opõem ao padrão culto, sejam mais fáceis de ser pronunciadas
do que as formas consideradas de prestígio. Isso enfraquece a hipótese segundo a qual a
variação e a mudança linguísticas estariam diretamente relacionadas ao menor esforço.
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A constante oscilação nos sistemas linguísticos e a mudança que neles se verifica
levam a inferir que a língua não é homogênea. As mudanças fonológicas e fonéticas não
são de todo regulares, o que convoca a interferência de outros fatores que justifiquem
tais mudanças. Em alguns casos, há mudanças que se proliferam em uma determinada
forma lexical, podendo-se estender a outras formas muito frequentes e, posteriormen-
te, mesmo àquelas menos frequentes, afetando, depois de algum tempo, praticamente
todas as formas lexicais nas quais se encontre contexto. Esse princípio foi formulado
por Guilliéron (1918). Para ele, cada palavra tem uma história. Tudo isso aponta para a
complexidade da mudança linguística.
SAIBA MAIS
para mais detalhes a respeito de estudos sobre língua culta, consulte
Projeto , http://www.ffl ch.usp.br/dlcv/nurc/index.html .
Segundo Labov (1976), as irregularidades linguísticas devem ser estudadas levando-
-se em conta as oscilações da estrutura social, dada a relação direta que há entre línguae sociedade. Esse tipo de procedimento já pode ser encontrado no trabalho desse autor,
publicado em 1966. Trata-se de um estudo em que utilizou os dados de fala de lojas de
departamento nova-iorquinas para descrever a estratificação social do (r), mostrando,
por meio de dados retirados de situações concretas, a relação entre a estrutura linguís-
tica e a estrutura social. Outro estudo que teve grande significado para o fortalecimento
da Sociolinguística foi Sociolinguistics Patterns, cuja primeira publicação aconteceu em
1972. A partir daí, foram inúmeros os trabalhos que levaram em consideração a estrutura
interna e a externa no estudo da língua.
Um dos pressupostos básicos da Sociolinguística é que toda variação e mudançalinguísticas são motivadas por fatores de natureza linguística e social. Não se pode, assim,
atribuir uma dada variação só à influência de um ou de outro fator. Deve-se considerar
a atuação concomitante de fatores internos e externos sobre a língua.
DICA
há alguns fenômenos cuja variação, inicialmente, parece estar diretamente
ligada à estrutura interna, fato que poderá levar a que se pense que essa
estrutura seria suficiente para explicar a variação. Mas, como se verá adiante,
há uma correlação de forças internas e externas que motivam e estruturam
os diferentes processos de variação. Segundo Labov (1972), as forças internase externas alternam sua pressão sobre os diferentes fenômenos de variação
e de mudança linguísticas.
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29Unidade 1
Relação entreLíngua e Sociedade
Para Labov (1976), é apenas aparente a desorganização que resulta da variação
linguística, pois as variações e mudanças na língua são sistemáticas, previsíveis e regulares.
Para o autor (op. cit.), o tipo de convivência entre as diferentes variantes pode indicar em
que sentido caminha a mudança, a partir da avaliação da probabilidade correspondente
a diferentes grupos sociais. A renda financeira, o gênero, a idade são alguns dos indica-
dores da direção da mudança linguística, do seu caráter estável ou de progressão. Labov
(1976) apresenta duas possibilidades por meio das quais se pode medir o estágio de uma
mudança. O autor propõe o estudo em tempo aparente e em tempo real.
SAIBA MAIS
para mais informações sobre pesquisa em tempo real e em tempo
aparente, consulte texto disponível em http://www.vertentes.ua.br/
a-teoria-da-variacao-linguistica
A Sociolinguística guarda, sem dúvida, relação com a Gramática Histórica e com a
Dialetologia, pois está interessada na mudança linguística. Cabe, entretanto, ressaltar que,
como diz Wetzels (2002), ela não se interessa pelo produto da mudança, mas pelo próprio
processo de variação, que pode resultar em mudança linguística. É possível, a partir dessa
perspectiva, apontar as tendências, ou seja, a direção que segue a mudança linguística.
Essa problemática amplamente discutida pelos sociolinguistas pode ser, ainda que
timidamente, encontrada no trabalho de Sapir (1921). Esse autor explica que a mudança
linguística pode caminhar em diferentes direções, mas obedece a uma deriva linguística,
ou seja, a variação e a mudança em uma determinada língua não se dão aleatoriamente,
mas seguem determinadas tendências. Essas, do ponto de vista sociolinguístico, são
motivadas linguística e socialmente.
Sapir (1921) não chega a tratar diretamente de fatores de ordem social, mas tan-
gencia outro ponto importante que é a diversidade motivada pelo espaço geográfico. Nãose pode esquecer que o espaço é também um fator de ordem social, sendo, por sua vez,
um condicionador social. A unidade e diversidade dentro de um determinado espaço
geográfico estão ligadas a relações sociais.
Outro autor merece ser citado quando se trata de considerar a língua como fato
social: Meillet (1921). Nas palavras de Calvet (2002), diferentemente de Sausssure (1921),
que também afirmava ser a língua um fato social, Meillet (op. cit .) considerava que se devia
levar em consideração, quando do estudo linguístico, a parte externa dos fatos da língua.
Entretanto, sua argumentação, ao defender esse ponto de vista em termos práticos, não
foi muito convincente. Apesar de reconhecer que o estudo da linguagem deveria levar emconsideração o contexto social, ateve seus estudos principalmente à investigação de línguas
mortas para fins de comparação. Isso o fez distanciar do pressuposto sociolinguístico que
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prevê o estudo da língua a partir de dados colhidos de situações concretas. Porém, sua
discussão a respeito de se considerar o contexto social na abordagem linguística foi de
suma importância para discussões posteriores da sociolinguística.
Vamos parar por aqui, pois o detalhamento sobre a Teoria da Variação e sobre a
Sociolinguística será realizado na Unidade . Antes, porém, precisamos entender o que
é uma teoria. É por esse tema que iniciaremos a Atividade 03.
, Fernando. Tempos Linguísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2 ed., SãoPaulo: Editora: Ática, 1994.
, William. Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
, Rita. Mudança Linguística. In: Introdução à Linguística Geral e Portuguesa ., Isabel Hub et al. (Org.). Lisboa: Editora Caminho, 1996, p. 563-588. Série Linguística.
, Maria do Socorro & , Cleusa P. Bezerra. Atlas Linguístico da Paraíba: cartas
léxicas e fonéticas. Brasília: /q - Coordenação Editorial, 1985.
, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers, 1994.
, William. e social stratification of English in New York city. Washington: Center ofApplied Linguistics, 1966.
Nesta Atividade, apresentamos um breve histórico do tratamento dado à variação e à mu-
dança linguísticas. Estudamos a abordagem dada aos fenômenos pelo Método Histórico-
-Comparativo, pelos Neogramáticos, pelo Estruturalismo, pela Geografia Linguística, pelaDifusão Lexical e pela Sociolinguística Variacionista. Estudamos também a mudança lin-
guística e sua complexidade, mostrando que o estudo desse fenômeno não é recente, mas
antigo e muito complexo. Concluímos que a variação e a mudança não são concebidas de
maneira uniforme. A depender da abordagem, elas são entendidas de forma diferente. No
entanto, há de comum entre as diferentes abordagens apresentadas o fato de que o objeto
da linguística sempre foi a estrutura interna da língua, excetuando-se a sociolinguística.
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31Unidade 2
Teoria da Variação
TEORIADA VARIAÇÃO
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33Unidade 2
Teoria da Variação
TEORIA E VARIAÇÃO:DEFININDO CONCEITOS
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Ao final desta unidade, você vai poder:
- entender o conceito de teoria e da teoria linguística;
- compreender o conceito de variação em geral e de variação na/da língua;
- identicar os mecanismos que regem a variação linguística;
- compreender os métodos cientícos de uma descrição sociolinguística;
- compreender como a Teoria da Variação reavaliou alguns princípios da teoria
estruturalista e gerativista.
:
Antes de abordarmos a questão da teoria da variação, temos que estudar esses dois
termos: “teoria” e “variação”.
O que é teoria
A palavra “teoria” significa um número de coisas diferentes, dependendo do contex-to. Em matemática e ciências, por exemplo, uma teoria é um conceito usado para explicar
um fato. Para estudantes das artes, “a teoria” refere-se ao aspecto não-prático do seu tra-
balho, enquanto os leigos a tratam como ideias não comprovadas, frutos de especulação.
As diferentes interpretações desta palavra podem levar a conflitos, mas o seu ob-
jetivo é geralmente claro dentro de seu contexto.
O termo “teoria” data de 1592 e foi usado para se referir a ideia de um conceito ou
esquema. Na década de 1630, os cientistas usaram o termo para descrever uma explicação
ou um pensamento baseado em observação e comprovação. O termo “teorizar” também
emergiu nessa época.
Nas artes, muitos se referem a um trabalho não-prático como um trabalho teórico.
Por exemplo, um músico que toca a tuba (instrumento musical) consideraria o estudo
da história da música, a matemática da música, e outros, como teoria. A crítica da arte
é também um campo da teoria pelo fato de os críticos discutirem a obra de arte, em vez
de produzi-la ativamente. Em decorrência das discussões na crítica da arte, compõe-se
a teoria da arte.
Para leigos, uma teoria é simplesmente uma ideia. Algumas pessoas usam “teoria”
no sentido de “hipótese”, ou seja, uma ideia a ser testada. Em outros momentos, uma ideiapode ser descartada por constituir “somente uma teoria”, tomando-se “teoria” como algo
que não pode ser comprovado, como uma “ideia vaga”, não um fato firme ou uma opinião.
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em média. Às vezes, esse tempo pode ser mais longo ou mais curto. Mas enquanto você
está dentro de certa variabilidade desse tempo, você não fica preocupado, pois ela está
praticamente dentro do esperado. Por exemplo, esse tempo pode variar entre 25 e 35
minutos para mais ou para menos. Essa variação é chamada de variação de causa comum.
É a variação que está sempre presente no processo. Esse tipo da variação é consistente
e previsível. Você não sabe quanto tempo leva até o trabalho, mas você sabe que estará
entre 25 e 35 minutos enquanto o processo permanece o mesmo.
Agora, suponha que o pneu do seu carro furasse no caminho, quanto tempo levaria
até seu trabalho? Definitivamente, mais do que os 25 ou 35 minutos usados na sua variação“normal”. Poderia gastar, talvez, uma hora a mais. A variação dessa natureza é chamada
de variação de causa especial , ou seja, algo aconteceu; não era previsto; não fazia parte do
processo normal. As causas especiais não são previsíveis e são esporádicas na natureza.
Mas você pode estar se perguntando: por que é importante saber o tipo de variação
presente no processo? Pelo simples fato de que a ação que você toma para melhorar o
processo depende do tipo de variação que você tem1. Essa discussão vai nos ser útil, mais
a diante, quando nos reportarmos aos fatos da língua, tipos de variações linguísticas que
foram descritas e analisadas e as usarmos para fins educacionais.
Vamos agora nos debruçar sobre a questão da variação e sua relação com a língua
e a sociedade. A investigação dessa relação resultou numa disciplina chamada de socio-
liguística (termo que apareceu primeiro em 1939 segundo Hodson(2004)2 que retomou
os princípios subjacentes à teoria linguística e desenvolveu uma teoria da variação – ou
teoria da mudança – linguística.
SAIBA MAIS
para mais detalhes sobre a discussão de teoria, consulte
http://www.wisegeek.com/topics/theory.htm
Em dupla ou individualmente, responda as seguintes questões, tomando por base as
disciplinas que já cursou ou fazendo uma pesquisa bibliográfica.
1) Quais são as teorias linguísticas que você conhece?
1 http://www.spcforexcel.com/variation2 T. C. Hodson and the Origins of British Socio-linguistics by John E. Joseph Sociolinguistics Symposium 15,Newcastle-upon-Tyne, April 2004
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Teoria da Variação
2) Faça uma pesquisa rápida na internet ou na sua biblioteca e cite alguns exemplos de
teorias linguísticas.
3) Quais critérios conferem o título de teoria à linguística?
4) É possível teorizar sobre algo que varia? Por quê?
:
Nessa secção, abordaremos a questão da variabilidade na língua. Veremos que para
uma teoria da língua obter tal título, precisa levar em consideração a estrutura externacomplexa do falante (fatores sociais, por exemplo) e a estrutura complexa do produto
verbal e não verbal desse falante. Sendo assim, se queremos ter uma teoria da variação é
preciso, antes de tudo, situar o falante nos seus vários ambientes de interação; acompanhá-
-lo por meio de vários mecanismos de observação (técnicas de observação, de pesquisa de
campo etc.); situá-lo em relação ao espaço geográco, sociológico, psicológico, político etc;
analisar seu produto linguístico nesse contínuo externo para poder descrever cientifica-
mente a sua fala, a fala do seu grupo e/ou grupos (comunidade/s) dentro de um formato
em que o conceito de variação é visto como uma riqueza que ultrapassa os conceitos de
norma para atingir o conceito de variabilidade.
Vamos acompanhar esse percurso para alcançarmos o conceito da variação
linguística?
A variação na língua que só foi estudada cientificamente no final do século 19 e
mais intensamente nos meados do século 20 já era objeto de estudo da biologia (natureza
dos seres vivos), da antropologia (cultura do homem e suas variações). Os biólogos, por
exemplo, já estudaram e estudam na natureza as variações dos insetos, dos animais, das
plantas etc. Também estudaram a variação do homem (homem mulher, jovem/adulto etc.).
Os sociolinguistas estendem essa variação para o estudo da fala humana e seus efeitos
sobre os processos de interação. Os antropólogos, além de estudar a variação na cultura do
homem, estudaram as variações em relação às diferentes maneiras de se vestir, de andar,
de cantar, de falar, de se relacionar com o tempo e o espaço.
Os sociolinguistas e os filósofos da língua especializaram-se no estudo da língua
em contexto. Essa perspectiva de integração do contexto nos estudos da língua mostrou
o quanto é complexo o fenômenos que a língua engloba. Veja por exemplo, a definição
de língua segundo Davidson (1992)3:
3 Davidos, D. e Second Person. Midwest Studies In Philosophy Volume 17, Issue 1, pages 255–267,September 1992
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Teoria da Variação
impacto sobre as tomadas de decisões a respeito das línguas do que fatores meramente
mecânicos de descrição pura dos sistemas dessas línguas. Assim, podemos dizer que a
variação está por toda parte ao redor de uma língua ou grupos de línguas.
ANOTE
é possível de um ponto de vista puramente descritivo, por exemplo,
instituir dialetos falados por várias comunidades linguísticas como integrantes
de uma mesma língua. Mas os falantes desses “dialetos” não necessariamente
aceitarão generalizações dessa natureza pois podem afirmar que falam
diferente de uma outra comunidades e por consequência decidir que temuma língua diferente de uma outra comunidade não muito distante.
Esse tipo de decisão se deve a fatores externos à língua como o fator étnico,
religioso, geográfico, social e político etc.
Hoje, estima-se que as línguas mais faladas do mundo não
ultrapassam o número de 20. Dentre essas línguas estão, por exemplo,
o inglês, o chinês, o árabe, o francês, o português. Elas só conseguem
impor-se por motivos, principalmente, políticos, econômicos e sociais
(por exemplo, o desenvolvimento científico e econômico, o número
de faltantes nativos, o grau de presença na imprensa etc.)
Vimos que existe uma variação no número de línguas faladas
no mundo e o peso de algumas delas no cenário internacional. Podemos também falar
de variação que existe dentro do que passou a ser chamado na literatura linguística de
família de línguas.
Podemos, ao consultar livros sobre a história das línguas, observar o quanto olatim ainda é presente em todas as línguas ditas românicas e como ele é presente em
línguas germânicas também (inglês, alemão etc.). Existe uma variação entre as línguas
latinas como o português, o francês, o italiano, o espanhol etc. Essa variação diz respeito,
primeiro, ao léxico, organização gramatical e fonologia. Podemos observar essa variação
também na família de línguas germânicas (alemão, inglês...), ou na família de línguas
semíticas (árabe, hebraico).
Variação dentro de uma língua
Na própria evolução de uma língua podemos ter variações:
• o inglês de Shakespeare em relação ao inglês moderno;
• o árabe clássico em relação ao árabe moderno;
COMUNIDADE LINGUÍSTICA
Uma comunidade linguísticaé vista não como um conjuntode indivíduos que falam umamesma lingua, mas sim comoum grupo de indivíduos quecompartilham um conjuntode atitudes em relação ao usoe às funções que essa línguapreenche na comunidade.
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• o inglês britânico, australiano, nigeriano, sul-africano;
• o inglês como língua estrangeira (o inglês falado por um francês, brasileiro,
japonês, etc.);
• o português do século 16 e o português moderno;
• o português do Portugal, Cabo verde, São Tome e Príncipe, Angola.
Variação dentro de um território nacional
• Canadá: duas línguas (inglês e francês) co-existem ocialmente gerando variações
dentro de cada uma dessas línguas;
• Suécia: 3 línguas ociais (italiano, o alemão e o francês);• Bélgica: 3 línguas ociais (o neerlandês, o francês e o alemão);
• Espanha: o castelhano, o catalã, o galego e o basco.
Esses e outros exemplos não mencionados aqui demonstram o quanto é variável a
situação das línguas dentro do mesmo território político. As perguntas que seguem são
validas para pesquisas sobre essa variabilidade: Quais são as consequências de contato
entre essas línguas do ponto de vista de uso de mais de uma língua
por mais de um falante? Quais são as influências mútuas que cada
sistema linguístico importa e/ou exporta? Quais influências políticas
uma língua pode exercer sobre outras línguas por razões econômicas,políticas e/ou sociais?
Essas e outras perguntas estão dentro da chamada variação macro-sociolinguística
que remete à disciplina sociologia da língua que, por sua vez, compartilha com a socio-
linguística objetivos semelhantes quando se trata de estudar a variação linguística, as
variações sociais e suas consequências sobre a língua e a sociedade.
Variação no Brasil
O português brasileiro convive com outras línguas que fazem parte da paisagem
linguística do Brasil (línguas indígenas e línguas de imigrantes e suas diversidades). Estima--se que no Brasil existem 180 línguas além do português e das línguas de outros países
(verifique, por exemplo, na internet, quais são as populações que compõem o Brasil e
quais são as línguas que eles falam). Os linguistas, no Brasil, vêm mapeando a diversidade
linguística do país e mostrando o quanto o território brasileiro é rico em sonoridades de
famílias de línguas próximas ou distantes. Os especialistas da variação linguística vêm
demonstrando essa diversidade e suas possíveis repercussões sobre o sistema de ensino de
língua materna e de línguas estrangeiras. Se considerarmos o português falado no Brasil,
podemos rapidamente distinguir os chamados dialetos regionais (nordestino, mineiro,
baiano, sulista etc.) que compõem o mosaico dos falares brasileiros. Foram primeiramenteos dialetólogos e, depois, os sociolinguístas que trouxeram a maior parte da contribuição
sobre a diversidade do português falado no Brasil.
VARIÁVEL
Conjunto de fatores
linguísticos e não linguísticos
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41Unidade 2
Teoria da Variação
SAIBA MAIS
consulte na página do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB) quantos atlas
linguísticos já foram publicados no Brasil e selecione alguns livros
ou artigos sobre o assunto para leitura, acessando http://twiki.ua.br/
twiki/bin/view/Alib/WebHome
1 Qual é a atual situação das línguas indígenas faladas no Brasil?2) Você saberia apontar as variações fonéticas que caracterizam algumas áreas brasileiras?
Cite exemplos.
3) Quais são as famílias de línguas indígenas faladas no Brasil? Ver o site: http://pib.socio-
ambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/linguas/troncos-e-familias
4) Cita alguns exemplos do léxico que caracteriza algumas cidades brasileiras.
Utilizamos o termo língua e dialeto tão naturalmente no nosso quotidiano que
achamos que esses conceitos são bem delimitados. De fato, não temos mecanismos cien-
tíficos para definir o que é uma língua e o que é um dialeto porque esses conceitos não
estão dentro do sistema linguístico, mas fora dele. Eles só podem ser abordados do ponto
de vista de fatores políticos, sociais e geográficos. Uma língua adquire o status de língua
apenas se ela tem uma política que a sustenta e a defende, senão ela perde esse status,
sobretudo num território onde duas variedades próximas coexistem e onde apenas uma
deve permanecer para o controle de todas as instituições e os sistemas desse território.
Por essa razão, quando falamos de variação no sentido da presença de mais de um falar
num dado território geográfico, utilizamos o termo variedade. Assim, podemos falar de
uma tipologia da variedade linguística:
• variedade de origem individual (idioleto: caraterísticas individuais na fala das
pessoas);
• variedade de origem social (socioleto: o falar dos jovens, de uma categoria social);
• variedade de origem geográca (dialeto: o falar de determinada região dentro do
mesmo território nacional; ex.: O dialeto baiano, mineiro etc.);
• variedade de origem religiosa/étnica (etnoleto: o falar de um dado grupo religioso
ou étnico);
• variedade “padrão” que possui uma dimensão simbólica, intelectual, ocial e queé politicamente chamada de “língua”.
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância42
Percebemos, então, que dentro de cada variedade existe variação. A variação está
presente no tempo (história da língua), no espaço fisico (geografia), no espaço social
(classe social), no espaço psicológico (as atitudes sobre as variedades) e no espaço político
(decisões políticas sobre uma dada variedade).
Depois de tudo isso, você pode ainda se perguntar: por que existe variação? Ora,
diferentemente do que alguns podem pensam, a língua não é lógica, ela é apenas regular.
Se fosse lógica, ela seria artificial (linguagem do computador, por exemplo). Se fosse
lógica, não inventaríamos as línguas lógicas.
Por que a língua varia? Ela é viva (mas não é um organismo vivo, ela é produto
dos falantes). Por ser viva, precisa crescer, entrar em conflito, vencer e ser vencida. Pode
morrer e, às vezes, depois de morta, ressuscitar, a exemplo do hebraico moderno.
Outros questionamentos podem surgir em meio a toda essa discussão: quem é
responsável pela mudança? Os indivíduos de uma comunidade, no tempo e no espaço
físico e social.
Dito isso, passemos ao estudo da tipologia da variação. Temos vários tipos de varia-
ção linguística. Dentre eles as variações extralinguísticas e as variações intralinguísticas.
São exemplos de variação extralinguística:
• variação histórica (diacrônica, há evolução do português até hoje, por exemplo);
• variação geográca (diatópica – regional, o português mineiro e baiano);
• variação sociocultural (diastrática, variação de acordo com a classe social);
• variação de idade (diageracional, variação dos jovem e adultos);
• variação de sexo (diagenérica, diferenças entre homens e mulheres);
• variação de situação (variação de uso, ligada ao fato de se estar numa sala de aula
ou num mercado popular);
• variação de estilo (diafásica: variação relacionada ao uso formal e informal, por
exemplo, o oral e o escrito);
• variação de indivíduo (ou grupo) (variação de indivíduo para indivíduo);
• variação de escolarização (escolarizados, não escolarizados ou pouco escolari-
zados);
• variação de prossão ou jargão (jargão do médico, do advogado etc.);
• variação de bairro residencial (bairro nobre e bairro de periferia, ou entre um
bairro de periferia e um outro bairro de periferia).
Alguns agrupamentos, no entanto, são possíveis aqui. Por exemplo, a variação de
situação inclui a variação de profissão.
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43Unidade 2
Teoria da Variação
São exemplos de variação intralinguística:
• variação fonética: a diferença na pronúncia de ditongos (caixa, caxa) no portu-
guês brasileiro;
• variação morfossintática: a presença ou ausência da marca do plural (duas caixa,
duas caixas),
• variação lexical (aipim, macaxeira).
1) A variação de idade é importante para o futuro professor de língua. Observe, em grupo,
o léxico dos jovens do seu bairro ou de sua escola e faça uma lista do vocabulário que
mais caracteriza esse grupo.
2) Entreviste um professor ou uma professora sobre o tipo de variação que ela observa na
sua sala de aula e verifique até que ponto o professor tem consciência da diversidade que
caracteriza seu ambiente de trabalho. Socialize seus resultados no encontro presencial
com o tutor e os colegas.
, Louis-Jean. Sociolinguística : uma introdução crítica. Tradução de Marcos Marcionilo.São Paulo: Parábola, 2002.
, William. Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
, William. Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers, 1994.
, William. e social stratification of English in New York city. Washington: Center of
Applied Linguistics, 1966., . Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.
, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Linguística. São Paulo: Editora global, 1986, pp.203-238.
Nesta Atividade, apresentamos, primeiramente, o conceito de teoria e definimos alguns ter-
mos atrelados à teoria e à variação. Vimos alguns princípios e leis necessários à existência de
uma teoria. Tratamos da relação entre língua e sociedade e dos diferentes tipos de variação
que podemos encontrar nas línguas. Mostramos, também, que pode haver variação e mu-dança nas línguas e que essa variação pode se dar entre famílias de línguas, como aconteceu
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância44
no latim. Concluímos que pode ocorrer variação dentro de uma determinada língua e que
pode haver, ainda, variação dentro de um dado território nacional quando há coexistência
de várias línguas num mesmo território. Por fim, abordamos a variação que ocorre no Brasil,
focalizando a diferença entre variação, diversidade e a variação extralinguística.
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45Unidade 2
Teoria da Variação
ASPECTOS
TEÓRICO-METODOLÓGICOSDA TEORIA DA VARIAÇÃO
a t i v i d a d e 4
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância46
Ao final dessa unidade, você deverá:
• estabelecer diferença entre a abordagem das diferentes teorias sobre o objeto da lin-
guística;
• compreender a diferença entre variação e mudança;
• apontar a diferença entre variável e variantes (linguísticas e sociais);
• compreender como a teoria da variação reavaliou alguns princípios da teoria estrutu-
ralista e gerativista;
• entender os procedimentos práticos de um trabalho de campo;• distinguir estudo em tempo real de estudo em tempo aparente;
O estudo da variação possibilita a investigação da estrutura
e da mudança linguística e permite fazer uma ponte entre as duas.
A Sociolinguística Variacionista demonstrou que existe uma cor-relação entre a estrutura da língua e a estrutura social. A socio-
linguística busca o que não varia dentro da variação, o invariante
dentro da variação. A sociolinguística investiga:
• o uso quotidiano da língua nas comunidades urbanas;
• os pidgins e os crioulos;
• a geograa dialetal (estudo dos dialetos urbanos ou geogra-
camente distribuídos);
• as comunidades minoritárias (línguas indígenas, línguas em perigo),
• a política linguística;• as situações de contato de línguas;
• a variação linguística, a mudança social e políticas de ensino.
ANOTE
Pidgin é o nome dado a qualquer língua que é criada, normalmente
de forma espontânea, de uma mistura de outras línguas, e serve
de meio de comunicação entre os falantes de idiomas diferentes.
Os pidgins têm, normalmente, gramáticas rudimentares e um vocabulário
restrito, servindo como línguas de contacto auxiliares. São improvisadas
e não são aprendidas de forma nativa. O crioulo é uma designaçãocomum a várias línguas mistas surgidas a partir do contato entre línguas
europeias e línguas nativas da África, Ásia ou Américas.
MUDANÇA
De acordo com a teoria da variação, toda mudança éacompanhada necessariamentede variação: a mudança implica
a variação. Há mudança quandouma dada variante vence a batalha
entre variantes, assumindoo lugar de outra variante.
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47Unidade 2
Teoria da Variação
A sociolinguística, como toda ciência, procura validar seu campo de investigação
por meio de modelos de descrição científicos, como apresentamos a seguir.
Descrições indutivas
A sociolinguística integrou a abordagem indutiva e dedutiva. A Sociolinguística,
quando de sua investigação indutiva sobre a heterogeneidade na língua, segue essas etapas:
a) Observação: observação objetiva da fala cotidiana, coleta de dados (corpus)
e realização de classificação para identificar os princípios gerais que regem a
relação dentro da língua e fora dela.
b) Hipóteses: elaboração de hipóteses a serem testadas a partir dos dados coletados.
c) Experimentação: condução de experimentos ou exercícios que permitam testar
as hipóteses levantadas.
d) Formulação de regras: uma vez que o resultado do experimento é consistente
com as hipóteses, o sociolinguista formula regras ou leis; essas regras são cha-
madas de regras variáveis, pois tratam de dar conta de uma realidade que não
pode ser vista em termos do errado/certo, mas em termos do que é aceitável
pela comunidade e pelo contexto de comunicação.
Nessa abordagem indutiva, o sociolinguista vai do específico para o geral (em
linguística geral, partia-se do componente fonético para o sintático, passando-se pelo
fonológico e morfológico).
Descrições dedutivas
A descrição dedutiva é uma descrição oposta à indutiva. Parte do geral para o
especifico (gerativistas como Chomsky utilizaram essa descrição, pois partiam de com-
ponentes intuitivos presentes na gramática interna, no cérebro de cada falante). Para a
sociolinguística, esse componente é válido também quando se trata, por exemplo, de
pedir o ponto de vista de um falante sobre sua maneira de falar e sobre a maneira defalar dos outros. A teoria da variação integrou essa descrição para poder quantificar as
atitudes linguísticas da comunidade linguística a respeito do seu modo de ver a língua. O
respeito à diversidade passa por uma atitude descritiva dos pontos de vista, concepções,
preconceitos, aspirações, dentre outros, dos próprios falantes autores dos seus discursos
e membros ativos dentro de seus respectivos grupos sociais. Essa descrição é acoplada
na sociolinguística a outra descrição que veremos a seguir.
Descrições probabilísticas
Além de seguir as dimensões de descrição indutiva e dedutiva, a sociolinguística
incorporou os métodos de trabalho da estatística para validar o seu modelo de descrição
e análise. Aqui, estamos no centro dos métodos de investigação da atualidade, pois tudo
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância48
o que fazemos hoje é mensurado por agências que usam cálculo de frequências, cálculo
de pesos dos fenômenos estudados. Podemos ver que, ao nosso redor, tudo é número;
todas as projeções e decisões econômicas e políticas são baseadas em cálculos estatísticos
(exemplo: eleições, políticas de ensino etc.). Todas as ciências sociais já utilizavam proce-
dimentos estatísticos que, inicialmente, eram do domínio das ciências naturais e de outras
ciências exatas. A maior contribuição da teoria da variação para os estudos das ciências
da linguagem foi demonstrar que o fato linguístico não é um fato puro, homogêneo, mas
um fato heterogêneo, contrariando o Estruturalismo.
O Estruturalismo europeu e o americano não aceitavam a variação como compo-nente natural da descrição linguística, pois seu formato de descrição (do Estruturalismo)
era baseado em um corpus fabricado e não num corpus autêntico da fala autêntica não
apenas de um informante isolado ou ideal (Chomsky), mas de um grupo de indivíduos
que formam uma comunidade. Para descrever a variação, fenômeno natural de uma
comunidade linguística, a sociolinguística foi a primeira a desenvolver o conceito de
regra variável . A regra variável, nesse sentido, é um dado fenômeno linguístico que
apresenta duas ou três formas diferentes para o mesmo fenômeno sem mudar o sentido
(exemplo: a regra de concordância nominal diz respeito ao uso da marca de plural ou
ausência dessa marca na fala dos brasileiros. Um outro exemplo é a variação no uso dopronome tu e você).
Na teoria da variação, apresentamos a presença/ausência da marca do plural, res-
pectivamente, –s ou ø (as casas e as casaø), dentro de uma regra que demonstra quais são
os fatores linguísticos e não linguísticos que influenciam a realização de
uma ou outra variante. Para se chegar a elaborar um modelo de análise
dessa regra variável, é preciso incorporar um modelo estatístico que mos-
tre não apenas as frequências de presença ou ausência desse fenômeno
em função de fatores como natureza da sílaba, natureza da palavra que
precede o substantivo etc. (fatores internos ou linguísticos), influênciada escolaridade, idade, sexo etc. (fatores externos ou sociais) que influenciam essa regra
variável, mas que aponte probabilidades.
Podemos ver, assim, que o uso do método estatístico dá ao modelo da teoria de
variação um caráter robusto, pois indica o peso de cada fator interno ou externo sobre a
realização da regra variável. No Brasil, um dos programas que mais se destacaram para
efetuar essa análise é o pacote de programas (Variable Rule Analysis), o pro-
grama de análise de regra variável.
Descrição funcionalista
Além dessas abordagens, a teoria da variação integrou ao seu processo descritivo-
-analítico o componente funcional. Por exemplo, a tarefa de uma gramática funcional é,
VARIANTE
Diferentes maneiras
de se dizer a mesma coisa.
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49Unidade 2
Teoria da Variação
como enfatiza Beaugrande (1993, cap. . apud. Neves, 2004, p. 03), “fazer correlações
ricas entre forma e significado dentro do contexto global do discurso”. Como enfatiza
Neves (2004), “uma teoria da organização gramatical das línguas naturais procura se
integrar a uma teoria global da interação social” (Neves, 2004, p. 15). Nesse sentido, uma
teoria da variação integra o componente funcional, pois ele se ocupa da estrutura interna
da língua, mas, também, da análise da situação comunicativa.
Descrições genéticas
A sociolinguística incorporou ainda descrições sobre as análises históricas e as
aproximações entre famílias de línguas ou influências de línguas majoritárias sobre outrasminoritárias, para estudar as diversas situações de contato de línguas. Por exemplo, muitos
trabalhos mostram resultados curiosos sobre o perfil linguístico das chamadas línguas
pidgin e crioulo. A sociolinguística tem estudado essas situações de contato em vários
lugares do mundo e tem contribuído para a teoria da variação e mudança linguística. Os
estudos sobre a história das línguas têm também lugar importante na descrição socio-
linguística. O estudo da variação não rompeu com a tradição da dialetologia (o estudo
comparativo dos dialetos) e geolinguística (o método da dialetologia para a elaboração
de mapas linguísticos denominados de atlas linguísticos).
1) Procure um artigo sobre a variação linguística no português brasileiro que tome por
base uma análise estatística que utiliza o pacote Varbrul. Tente entender as tabelas e
procure tirar as dúvidas no fórum e no encontro com o tutor.
2) Procure saber o que é um peso relativo e como interpretá-lo. Poste sua resposta ou
dúvida no fórum. A resposta pode estar atrelada à questão 1.
Agora que já estudamos aspectos relacionados à sociolinguística, vamos elencar
alguns princípios da linguística moderna e como a sociolinguística se posicionou em
relação a eles.
Língua/fala (langue-parole) e competência/desempenho
Saussure, apesar de suas novas ideias, estava procurando um sistema homogêneo
que existia na mente coletiva da comunidade (langue). Para Chomsky, a forma pura
(competência) é ainda mais abstrata, ela existe no cérebro de um falante-ouvinte ideal.O que é comum a todas estas teorias é que o desempenho na fala é heterogêneo e desafia
a sistematização.
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância50
A Teoria da variação não aceita esse postulado redutor segundo o qual a fala não
pode ser sistimetizada. Assim, William Labov, o pesquisador que mais popularizou a
Sociolinguística, não aceitou que a performace seja uma manifestação deformada da com-
petência. A fala segue um modelo complexo que, para ser sistematizado, deve integrar,
além do aspecto interno da língua (gramática), seu aspecto externo (social e psciológico).
Desse modo, ser competente numa língua presume saber quando e como falar, pois sem
essa capacidade o “falante ouvinte ideal”, termo utilizado por Chomsky, seria, como
afirma Dell Hymes (1967b, p. 639), “um monstro cultural”.
Mas você deve se perguntar: o que isso quer dizer? Falar não é apenas uma decisãomecânica que o cérebro toma sem influência do mundo externo. Se o mundo externo age
sobre a maneira de falar, é preciso verificar quais são os fatores no mundo externo que
influenciam o que dizer, quando dizer, e por que dizer. Quando falamos, não falamos por
falar, mas sempre para transmitir algo, mudar algo, exigir algo, reivindicar algo etc. Isso
porque, antes de falar, decidimos de uma maneira consciente e/ou inconsciente responder
a perguntas como: com quem eu vou falar?; onde me econtro?; quando devo falar?; por
que eu falo algo?; como devo falar?; o que eu devo falar?; qual o efeito que minha fala
terá sobre meu ouvinte? etc. Essas mesmas questões se aplicam à escrita de um texto.
Sincronia e diacronia
A dicotomia Saussuriana sincronia/diacronia foi uma reação aos estudos puramente
históricos do século 19. A sincronia caracteriza-se pelo estudo da língua num dado mo-
mento da sua história, por exemplo, estudar o fenômeno do léxico dos adolescentes no
presente. Foi um marco do estruturalismo moderno iniciado por Saussure no início do
século . Já a diacronia caracteriza-se pelo estudo da evolução da língua num período
de tempo relativamente longo a partir de documentos escritos. Recentemente, é tomada
como estudo de documentos sonoros que datam do início da tecnologia de gravação da
fala para efeito de comparações históricas etc.
Para a Teoria da Variação, essa visão binária, hoje, caracteriza apenas uma como-
didade metodológica, ou seja, o sociolinguista, num dado estudo, procura evidenciar mas
o componente histórico ou o atual, pois o passado explica o presente e o presente explica
o passado. O sociolinguista tenta estudar a língua no chamado tempo real ao analisar,
por exemplo, a fala de uma comunidade que ele pretende observar por longo tempo; ou
pode entrar em contato com participantes de uma pesquisa linguística que foi feita há 20
anos para verificar mudanças linguísticas decorrentes desse tempo que pode ser maior
ou menor a depender do tempo etc.
O sociolinguista pode também decidir estudar a língua em tempo aparente. Nessa
perspectiva, ele procurará dividir os participantes de sua pesquisa em faixas etárias se-
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51Unidade 2
Teoria da Variação
paradas que vão dos mais jovens aos mais idosos. Aqui, ele observará a evolução da fala
em dois momentos da história da língua num dado momento.
Os dados linguísticos (o corpus)
A linguística tem por objetivo criar modelos (teorias, gramáticas) que refletem
aproximadamente os dados reais da língua. O estruturalismo tradicional afirmava que
um informante bem escolhido tem condições de fornecer dados linguísticos suficientes
para a descrição de uma língua. Assim, os estruturalistas descartaram de sua descrição
a variação linguística de dado indivíduo em relação a outro. De fato, a descrição da fala
de um informante significa descrever os hábitos linguísticos de apenas um informante,o idioleto, e não o dialeto.
Os gerativistas, ao tentar descrever os dados linguísticos, apegaram-se mais à
questão do “um falante ouvinte ideal”, de testes de avaliação de gramaticalidade e/ou
aceitabilidade de sentenças geralmente fabricadas e não autênticas. A integração da intui-
ção do próprio linguista serviu de método para descrever a gramática de uma língua. As
pesquisas decorrentes dessa corrente teórica mostraram sua incapacidade em descrever
o uso real e autêntico da língua devido ao fato de que o modelo tinha, e tem ainda, nas
suas versões atuais, uma visão limitada do que é o uso real da língua.
Na tentativa de não negar os legados históricos dessas duas correntes que tratam
do mesmo objeto da Teoria da Variação, a estrutura da língua, a sociolinguística elegeu
a comunidade linguística como objeto de estudo. O indivíduo é parte de um grupo que
ele influencia e por ele é influenciado. O indivíduo se move em contextos diferentes em
interações com outros indivíduos que têm características sociais diferentes, o que faz com
que sua maneira de falar e de agir se compatibilizem com situações físicas e psicológicas.
Assim, para descrever a língua, segundo o pressuposto sociolinguístico, é preciso primeiro
situar o indivíduo num contexto maior para poder descrever a fala da comunidade ou
as comunidades as quais ele pertence. Para conseguir fazer essa descrição complexa, asociolinguística integrou o componente estatístico, probabilístico, em sua análise.
Por que a sociolinguística utiliza a estatística?
Ao tentar descrever a comunidade, a sociolinguística se depara com um problema
que as outras teorias sempre ignoraram, a complexidade dos fatores que fazem com que
um indivíduo decida falar algo diferente dependendo da situação em que ele se encontra,
por exemplo, falar com um amigo, ou falar numa situação de entrevista de emprego. Os
fatores, então, diversificam-se (idade, sexo, etnia, classe social, escolaridade etc.) e ne-
cessitam de um método não binário (certo, errado), mas de um método que se inscreve
no chamado contínuo, que diz que um fenômeno acontece vezes num contexto e vezes noutro contexto. O método que daria conta dessa exigência seria o probabilístico.
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DICA
No Brasil, temos a cultura de utilizar o programa Varbrul (Variable
Rule Analysis), um conjunto de programas que permite codificar
os dados linguísticos coletados e analisar os pesos dos fatores sociais
e linguísticos que influenciam um dado fenômeno linguístico.
Podemos ver, aqui, um avanço metodológico na abordagem sociolinguística que
tenta conceber a língua no seu aspecto real e contínuo que é, para o sociolinguista, uma
variável determinante quando decide abordar um dado fenômeno linguístico.
A Teoria da variação tentou, ao longo das investigações sociolinguísticas no Brasil,
demonstrar a diversidade linguística que caracteriza o português brasileiro. Vários
pesquisadores, no Brasil, sejam eles dialetólogos (estudo comparativo dos dialetos) ou
sociolinguistas, identificaram os componentes linguísticos (fonéticos, morfossintaticos e
lexicais) que variam no português. Para fazer isso, o método sempre é o mesmo, identificar
primeiro a comunidade linguística a ser estudada (um grupo étnico, uma aldeia, uma
cidade, uma região etc.) e, após a seleção do grupo, identificar uma amostra estratificada,
ou seja, o número de indivíduos representantes dessa comunidade que serviriam como
objeto de investigação no que diz respeito à fala. Essa amostra é, geralmente, constituída
levando-se em consideração grupos de fatores (variáveis) externos ou extralinguísticos
(idade, sexo, escolaridade etc.). Em seguida, o pesquisador procede à observação por
meio de técnicas (gravação, questionário, observação, anotações etc.), a fim de coletar
os dados linguísticos que serviriam de corpus para a análise de fenômenos linguísticos
predefinidos, como, por exemplo, o uso ou não da marca de plural.
1) Quais são as técnicas de trabalho de campo em linguística que você conhece?2) O que é uma amostra sociolinguística? Como proceder à escolha de uma amostra
sociolinguística?
3) Qual é a importância de se utilizar ferramentas de análise computacional na socio-
linguística?
, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos Marcionilo.São Paulo: Parábola, 2002.
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53Unidade 2
Teoria da Variação
, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers, 1994.
, William. e social stratification of English in New York city. Washington: Center ofApplied Linguistics, 1966.
, . Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.
, Jürgen. Sociolinguística. In: Manual de Linguística. São Paulo: Editora global, 1986,.203-238.
nesta Atividade, estudamos aspectos teórico-metodológicos da Teoria da Variação.
Abordamos os modelos de descrição da Teoria da Variação, focalizando diferentes tipos
de descrições, tais como: indutivas, dedutivas, probabilísticas, funcionalistas e genéticas.
Tratamos, também, dos axiomas da linguística descritiva, e dos pares língua/fala (langue-
-parole), competência/desempenho, sincronia e diacronia, a fim de compreendermos a
diferença de abordagem dada pela sociolinguística à análise da língua. Finalizamos com
o estudo das características dos dados linguísticos (o corpus) para análise sociolinguísticae do tratamento estatístico feito pela sociolinguística quantitativa.
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55Unidade 3
A Pesquisa Variacionistano Português Brasileiro
A PESQUISAVARIACIONISTA NO
PORTUGUÊS BRASILEIRO
u n i d a d e 3
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57Unidade 3
A Pesquisa Variacionistano Português Brasileiro
EXEMPLIFICANDOA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
a t i v i d a d e 5
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Ao final desta Atividade, você deverá:
• conhecer diferentes fenômenos de variação linguística;
• identicar a variação linguística nos diferentes níveis da língua;
• apontar condicionadores linguísticos e sociais da variação;
• relacionar variantes a uma determinada variável e vice-versa.
Apresentamos aqui alguns traços que caracterizam o português falado no Rio de
Janeiro por falantes de classe social e escolaridade baixas. Os exemplos retirados de uma
pesquisa sociolinguística vão mostrar alguns usos da língua portuguesa numa dada comu-
nidade linguística com características sociais definidas. Aqui, podemos fazer a diferença
entre os tipos de variação linguística que vimos numa seção anterior.
Fatos morfofonêmicos
a) A síncope nas proparoxítonas
Na lista 1, abaixo, pode-se visualizar a queda da vogal pós-tônica:
Padrão Popular
cócega cosca
abóbora abobra
xícara xícra
Na lista 2, observa-se a queda da vogal pós-tônica. Aqui, pode-se perder a con-
soante seguinte:
árvore arvre, arveóculos oclos, ocos
Petrópolis Pertróplis, petropis
Na lista 3, pode-se notar a queda da vogal pós-tônica e da consoante que a segue:
lâmpada lempa
sábado sabo
fígado figo
bêbado bebo
almôndega almonda
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Lista 5
Padrão Popular
paciência paciença
polícia poliça
edifício edifiço
salário salaro
O curioso é que essa redução não é permitida em outros vocábulos.
Lista 6lábio *labo
câmbio *cambo
gêmio *gemo
Note que, na lista 5, a consoante que precede a semivogal [j] tem o traço [+ coronal]
alveolar. Na lista 6 isso não ocorre.
c) Ditongos decrescentes
Em relação às semivogais que seguem a vogal, a supressão de ditongos já avançou
muito no Rio de janeiro. Ela não constitui mais uma marca linguística da fala não padrão.
Lista 7
beijo bejo
queijo quejo
peixe pexe
feijão fejão
Aqui, temos algumas possibilidades de interpretação. Apresentamos uma delas.
[e] e [j] são vogais coronais, anteriores, frontais, ou seja, segmentos muito parecidos. É
possível que tenha se aplicado o Princípio de Contorno Obrigatório (), que favoreceu
a supressão de um dos segmentos parecidos na estrutura. Não se pode esquecer que [∫]também apresenta características muito semelhantes a das vogais mencionadas, o que
pode ter intensificado a aplicação do .
ANOTE
o é um princípio que se aplica quando ocorrem sequências ou estruturas
idênticas ou parecidas que, em tese, seriam mal formadas. O objetivo do
é desconstruir essas estruturas. Isso se dá por meio de apagamentos, fusão,
dissimilação, dentre outros.
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61Unidade 3
A Pesquisa Variacionistano Português Brasileiro
Lista 8
queima
peito
leite
feita
azeite
Curiosamente, nesses casos, não há redução do ditongo, ou ocorrem muito espo-
radicamente.
Lista 9
padeiro
janeiro
beira
Dados estatísticos mostram produtiva a redução do ditongo nesses casos. O tepe
[ɾ ] parece favorecer essa redução. È o que tem mostrado vários estudos realizados no
Brasil. Em alguns casos a aplicação da monotongação é muito alta, alcançando índices
quase categóricos.
A hipótese da redução do ditongo decrescente diante da consoante [+alto] se ve-rifica também muito produtiva na lista 10. Compare-se os contextos com a lista 11 onde
há baixa ocorrência do fenômeno.
Lista 10 Lista 11
caixa caxa baile
faixa faxa raiva
baixo baxo paiva
paixão paxão
O ditongo [ou] indica também uma tendência de redução diante de consoantes labiais.
Lista 12
poupa popa
ouve ove
soube sobe
Note que, aqui, também é possível que se aplique o , visto que, além de haver
semelhanças entre [o] e [u], temos consoantes muito parecidas com eles, [p], [b].
d) Supressão de r final
Observe os contextos fonéticos que precedem e sucedem o /r/. Eles interferemsobre a queda do /r/ final de palavras. Examinemos os exemplos.
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância62
(1) quero rever esse
(2) Quero rever isso
(3) Quero rever o segundo gol
- Em (1) e (2) a vogal seguinte é tônica; no (3) ela é átona.
- Em (1) a vogal seguinte e a precedente ao -r são idênticas.
Tais características podem influir na probabilidade de supressão de -r.
Outro fator importante para o estudo da supressão do /r/ é a categoria gramatical.
Sebastião Votre afirma que a supressão na chamada quarta conjugação (-or) é mais baixa
do que na terceira (-ir), e nesta, por sua vez, a supressão é mais baixa do que nas primeirae segunda conjugações (-ar e -er).
ANOTE
com relação à conjunção, é preciso dizer que alguns atrelam os verbos
que terminam em –or à quarta conjugação. Outros os classificam mesmo
entre os verbos de segunda conjugação, visto que derivam de verbos
pertencentes à segunda conjugação no latim, como pôr, que veio de ponere.
e) Outros fatores de variação fonética• Redução do grupo consonantal -nd para n
(1) jogno, faze no, ouvi no ===> gerúndio verbais
(2) mundo, bando, síndico ===> outras categorias gramaticais
• Supressão de nasalização das vogais átonas finais
(1) home(m), onte (m), faze (m), come (m)
(2) passagem de /l/ a /r/ em grupos consonantais ou supressão desses fonemas
(negro > nego, planta > pranta, clube > crube;
(3) descoronalização da fricativa /s/ (alveolar) que passa a [h], ou desaparece
completamente; mas passa a ser [mah] ou [ma].Concordância nominal
A queda de /s/ está também relacionada à regra da concordância nominal. A pes-
quisa da Maria Luiza Braga sobre “A concordância de número no Sintagma Nominal
no Triângulo Mineiro (1977)” revela isso. Ela mostrou que a variação de número no
Sintagma Nominal é relacionada a fatores linguísticos internos e a fatores sociais, como
a diferença entre classe baixa e classe média.
a) Posição da variável no Note que a posição que o vocábulo ocupa no sintagma nominal interfere na sua variação:
(1) primeira posição: as perna toda marcada/coisas lindas;
(2) segunda posição: os mesmos direitos/ doze latinha;
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63Unidade 3
A Pesquisa Variacionistano Português Brasileiro
(3) terceira posição: as duas palavras/ essas estradas nova/ três colega meu/ essas
bestera toda.
Tomando por base os dados analisados, a autora chegou à conclusão de que a
primeira posição parece favorecer a retenção do <s>. Os resultados estatísticos mostram
que as outras posições tendem a desfavorecer de forma decrescente a presença da marca
formal do plural.
b) Classe gramatical
(1) As casas
(2) As casa
(3) casas pequenas
(4) casas pequena
DICA
para mais detalhes sobre a concordância nominal no , consulte a
publicação de Marta Scherre “Sobre a influência de três variáveis relacionadas
na concordância nominal no Portugês”, no livro Padrões Sociolinguísticos.
Tempo Brasileiro , 1996.
c) Condicionamento fonológico
Os determinantes favorecem a retenção do <s> enquanto substantivos e adjetivos
favorecem sua supressão. A posição do substantivo e adjetivo na segunda ou terceira
posição também interfere sobre a manutenção da marca de plural. Observe:
(1) as casas amarela
(2) as casa pequena
Podemos explicar (2) invocando a posição do substantivo no . O substantivo
não marcado (casa) está na segunda posição e tem o determinante marcado (as), na
primeira posição. Em (1), a presença da marca do plural na segunda posição (casas)pode ser explicada, objetivamente, em função do sistema silábico do português,
(consonante-vogal). O -s de casas é seguido de uma vogal, formando a estrutura silábica
básica: (casaz amarela).
d) Saliência fônica da oposição singular plural
A Saliência fônica diz respeito a maior ou menor diferença formal entre as formas
do singular e do plural. O plural “casas” é mais simples do que o plural “ovos” (em ovos
temos diferença entre vogal tônica fechada e aberta: ôvo/ óvos. Outros exemplos são
hotéis, corações). O [s] é mais retido em casas do que em ovos, já que o plural pode ser
indicado pela abertura da vogal em ovos. O plural, nesse vocábulo, é redundante.
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância64
Estrutura morfossintática
• Sentenças interrogativas
a) (O) que eles fizeram?
b) (O) que fizeram eles?
c) Eles fizeram o quê?
d) (O) que é que eles fizeram?
Uso do foi
e) (O) que é que foi que eles fizeram?
f) (O) quê que foi que eles fizeram?g) (O) quê que eles fizeram?
Segundo Miriam Lemle, a e b são as mais acordes com a norma gramatical, não
sendo porém empregadas no uso linguístico real. As formas c, d, e são utilizadas pelos
falantes da variedade padrão no uso coloquial cuidado. As formas f e g são de emprego
usual no registro mais distenso possível.
• Negação (variação popular)
Não vou mais conversar não
Vou mais conversar não
• Relativização
(1)
a) Eu nasci numa cidade onde faz muito frio
b) Eu nasci numa cidade que lá faz muito frio
(2)
a) Vai ser preciso trocar a porta cuja a fechadura emperrou.
b) Vai ser preciso trocar a porta que a fechadura dela emperrou
(a) e (b) representam, respectivamente, a forma padrão e a forma não padrão.Na forma padrão, a oração subordinada adjetiva tem uma posição sintática vazia, cor-
respondendo à posição original do sintagma anteposto pela relativização. O dialeto não
padrão tem essa posição plenamente preenchida por uma forma anafórica do nome que
é o termo central da construção.
Muitas pesquisas foram desenvolvidas a respeito da concordância verbal. Vamos
mencionar a pesquisa feita por Anthony J. Naro e Miriam Lemle sobre o desempenholinguístico de alunos cariocas do Mobral. Um dos seus objetivos é analisar os fatores que
regem a aplicação da regra variável.
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65Unidade 3
A Pesquisa Variacionistano Português Brasileiro
a) Variável morfológica
Existe uma correlação entre a probabilidade de emprego da forma verbal com a
marca do plural e o grau de saliência fônica (a oposição entre a forma verbal do singular
e a do plural). Podemos perceber, nos exemplos que seguem, que a diferença fonética
entre o singular e o plural é gradual:
- ele come - eles comem
- ele dá - eles dão
- ele teve - eles tiveram
A hipótese é de que a probabilidade de aplicação da marca do plural é relacionadaà percepção da diferença fonética entre a forma verbal do singular e a do plural.
1) come- comem: a diferença é marcada apenas pela nasalização da vogal átona final.
2) fala – falam: mudança da qualidade vocálica e nasalização da vogal átona.
3) faz – fazem: adição de segmento vocálico nasalizado.
4) está – estão: qualidade vocálica e nasalidade.
b) Variável posicional
Essa variável está relacionada à posição do sujeito e do verbo.
1) Aqueles tempos foram muito difíceis(sujeito imediatamente anteposto ao verbo)
2) Sumiu muitas das minhas coisas
(sujeito posposto ao verbo)
3) Os barracos lá naquele morro não tinham luz
(sujeito anteposto, mas separado do verbo por palavras acentuadas)
4) Elas era de menor e por causa disso não puderam frequentar lá
(Sujeito oculto)
c) Variável semântica
Parece existir uma correlação entre o caráter definido (referência delimitada) ou
indefinido do sujeito (indefinido = um sujeito plural sem referência exata)
- Sujeito indefinido: (tendência ao emprego do plural)
- Dizem que o companheiro traía ela.
- Aí levaram ela pro pronto-socorro.
- Sujeito definido
- Os garotos ficam furiosos quando eles perde um capítulo.
d) Variável estilística
Um alto grau de formalidade corresponde a um alto grau de emprego das formas
verbais do plural (a formalidade depende da situação da fala).
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1) Consulte na internet vídeos que apresentem exemplos de variação linguística no Brasil.
Socialize os links com seus colegas no fórum. O que você percebe de diferente entres os
dialetos que você observou e o seu?
, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos Marcionilo.
São Paulo: Parábola, 2002.
, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers, 1994.
, William. e social stratification of English in New York city. Washington: Center ofApplied Linguistics, 1966.
, . Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.
, Jürgen. Sociolinguística. In: Manual de Linguística. São Paulo: Editora global, 1986,
pp.203-238.
Nesta Atividade, estudamos diferentes fenômenos variacionistas com base no português
brasileiro, abordando alguns fatos morfofonêmicos como, por exemplo, a síncope nas
proparoxítonas, a redução de ditongos decrescentes, a supressão de <r> final de palavra, a
redução do grupo consonantal -nd para n, e a supressão de nasalização das vogais átonas
finais. Além do nível morfofonêmico, abordamos o nível morfosintático. Estudamos a
concordância nominal e a concordância verbal, chegando, inclusive, ao estudo semântico.Tratamos a relevância de alguns fatores para a variação a depender do nível que se avalia
como, por exemplo, a saliência fônica. Por fim, concluímos que não só fatores estrutu-
rais interferem na variação, mas que fatores sociais, juntamente com os estruturais, são
responsáveis pela variação e mudança linguísticas.
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67Unidade 3
A Pesquisa Variacionistano Português Brasileiro
PROCEDIMENTOS DAPESQUISA VARIACIONISTA
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4
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância68
Ao final desta atividade, você deverá:
• conhecer diferentes instrumentos de coleta de dados linguísticos;
• usar adequadamente os procedimentos de coleta de dados da sociolinguística;
• observar e descrever, na prática, um fenômeno de variação linguística a partir de dados
do português brasileiro.
Agora que você já estudou diferentes tipos de variação em diferentes níveis, pas-
semos ao estudo prático de que procedimentos se devem adotar para proceder de forma
adequada a uma pesquisa variacionista. Depois, você irá aplicá-los numa pesquisa piloto
cujos resultados deverão ser apresentados ainda nessa disciplina.
Nessa seção, veremos como um pesquisador em sociolinguística e/ou em dialeto-
logia procede para coletar dados úteis à análise da fala de uma comunidade.
( )
1) Escolher a comunidade a ser pesquisada;
2) Procurar se informar sobre a comunidade antes de ir a campo;
3) Denir o perl dos informantes (ou seja, montar o quadro da amostra);
4) Testar os gravadores, vericar as pilhas e acessórios;
5) Levar gravador (ou o ), questionários e, em alguns casos, gravuras, textos para
leitura, reália;6) Levar máquina fotográfica (e filmadora), pilhas e fitas (ou );
7) Etiquetar as fitas (ou );
8) Levar bloco para anotações, caneta, lápis;
9) Usar roupa e calçado confortáveis e adequados ao lugar, ao clima e ao ambiente em
que se realizará o inquérito;
4 Essas orientações foram preparadas pela professora, diretora científica do projeto ALiB, Vanderci deAndrade Aguilera. Fizemos algumas alterações e adaptações ao texto original, para que ficasse de acordocom o objetivo desta disciplina.
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância70
5) Certicar-se da voltagem da energia, se se trata de aparelhos elétricos;
6) Ficar atento a ruídos externos: animais, carros, panela de pressão, telefone, crianças;
7) Certificar-se de que o informante escolhido apresenta o perfil desejado (naturalidade —
inclusive dos país — , sexo, idade, grau de escolaridade, integração social na comunidade
a que pertence, bairro em que mora e em que trabalha). Quanto à naturalidade dos pais,
registrar também a dos pais adotivos, quando for o caso. Evitar informantes que tenham
sido criados em ambientes coletivos (orfanatos, por exemplo), onde tenham recebido
inuências linguísticas diversas;
8) Atentar para algum defeito físico do informante ou familiar: surdez, gagueira, ausênciade dentes, problemas de articulação de determinados sons por qualquer outro motivo;
9) Agir com naturalidade, caso tenha que dispensar o informante.
DICA
no que se refere ao item 9, é importante que o pesquisador faça contato
com a pessoa a ser entrevistada, mesmo que esta tenha sido indicada
por alguém de sua confiança, a fim de evitar constatar, no início da entrevista
– ou depois, o que é mais indesejável ainda – que o informante apresenta
problemas físicos que impossibilitam o uso dos dados.
1) Ser amável e atencioso sem ser afetado;
2) Evitar dizer no início da gravação que “vai entrevistar” ou “está entrevistando”, pre-
ferindo “vamos conversar”, “estamos conversando”;
3) Não insistir demais em questões não respondidas adequadamente;
4) Registrar o número das questões não respondidas e voltar a elas no final do inquérito,
quando o informante estiver menos tenso e mais familiarizado com o questionário. Reto-
mar, no nal, essas questões, perguntando ao informante se ele já se lembrou das respostas;
5) Ter sempre em mente que o informante tem uma história de vida e um conhecimento
de mundo diferentes dos seus;
6) Observar quando a questão fere ideologias, princípios religiosos ou tabus. Conversar,
no nal, sobre isso, respeitando o modo de pensar do informante;
7) Evitar comentários ou brincadeiras que possam magoar o interlocutor;
8) Passar uma imagem de tranquilidade. Não demonstrar impaciência ou pressa;
9) Se o informante demonstrar impaciência, conversar para saber o que o aflige: horário
de trabalho, cansaço, etc.;
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71Unidade 3
A Pesquisa Variacionistano Português Brasileiro
10) Ao chegar visitas: interromper a entrevista (pausa), explicando na gravação por que
está interrompendo;
11) Manter sempre o microfone mais próximo do informante do que do inquiridor;
12) Evitar ruídos que prejudiquem a gravação (batidas com a mão na mesa, por exemplo);
13) Evitar falar mais do que o informante. Se sentir que as vozes se sobrepuseram, pedir-
-lhe para repetir, explicando que falou junto;
14) Conversar com o informante sobre a possibilidade de ter que voltar, caso a gravação
apresente problemas.
ANOTE
essas informações estão baseadas nas orientações usadas
pelo Projeto i para a pesquisa de campo.
1) Ouvir as fitas para se certificar de que a gravação está completa e dentro dos
padrões técnicos pré-determinados (em boa altura, sem a interferência excessiva de
ruídos externos);
2) Avaliar o desenvolvimento do inquérito; para corrigir problemas, voltar ao
informante ou, se for o caso, realizar um novo inquérito;
A gravação deve ter em média 30min (trinta minutos) de duração de fala contí-
nua do informante (mas dependendo do objetivo da pesquisa, é necessário um tempo
maior), assim:
1) Se o objetivo da entrevista for a fala “natural”, deve-se sugerir ao informantefalar sobre algum fato ou acontecimento que lhe tenha sido marcante;
2) Se o objetivo da entrevista for observar o controle (monitoração) da fala (pelo
informante), pode-se sugerir temas especícos;
3) A entrevista pode ser feita com dois ou mais informantes conversando entre si
(diálogo monitorado ou interação monitorada).
I. Terminológico e socioterminológico:a) Como são chamadas as pescarias que são feitas perto da costa?
b) E as realizadas em alto mar, que nome recebe?
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância72
II. Dialetológico e sociolingüístico (a sociolinguística trabalha mais com narrativas):
1) Fonético fonológico ():
a) Onde se constrói uma casa? ();
b) Como se chama o objeto com que se corta pano? ();
c) Quando a água da panela está bem quente, cheia de bolinhas, como é que se
diz que ela está? ().
DICA
no , o objetivo é coletar dados para se analisar um fenômeno fonético-fonológico. Geralmente, o contexto a ser analisado vem previamente
indicado, como acima, em negrito. Nesses casos, se quer analisar a pronúncia
do /r/ prevocálico (a), posvocálico (c) e a realização do ditongo (b).
2) Questionário semântico lexical ():
a) Como se chama aquele morrinho atravessado no asfalto para os carros dimi-
nuírem a velocidade? (, -, );
b) Como se chama o objeto de metal ou plástico que se pega de um lado a
outro da cabeça e serve para prender os cabelos (mímica)? (, ,, );
c) Como se chama a ave de criação parecida com a galinha, de penas pretas
com pintinhas brancas? (-', , , ,);
3) Questionário morfossintático ():
a) Você (ou senhor/a) tem filhos / irmãos? Como se chama? O que eles fazem?
( );
b) Se nós dois estamos tomando café e queremos mais uma pessoa na mesa,
dizemos que essa pessoa venha tomar café __________? (, , );
c) O que você (ou senhor/a) fez ontem (de diferente)? (
).
4. Questões de pragmática:
a) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de um rapaz jovem e ele não
viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção desse rapaz?
b) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de uma mulher jovem e ela
não viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção dessa jovem?
c) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de um senhor idoso e ele não
viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção desse senhor?
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância74
coleta de dados, assim como dos procedimentos que devem ser adotados antes, durante
e depois das entrevistas, no sentido de se evitar inconvenientes. Abordamos, por fim, a
coleta de narrativas e apresentamos trechos de diferentes tipos de questionários usados
para a pesquisa dialetológica.
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75Unidade 4
Variação linguística eEnsino de Língua Portuguesa
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO
DA LÍNGUA PORTUGUESA
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77Unidade 4
Variação linguística eEnsino de Língua Portuguesa
DIALETOLOGIA ESOCIOLINGUÍSTICA COMO
FERRAMENTAS PARAA FORMAÇÃO DOCENTE
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância78
Ao final desta Atividade, você deverá:
- reconhecer a contribuição da Dialetologia e Sociolinguística para a formação do
professor;
- identicar problemas de escrita que decorrem de variações linguísticas;
- identificar problemas de escrita que decorrem de falta de conhecimento do sistema
ortográco;
- desenvolver procedimentos atitudinais, conceptuais e procedimentais que tratem com
respeito às diferenças e os "erros" em Língua Portuguesa.
Nessa atividade, você aprenderá sobre temas relacionados à variação e ensino a
partir da discussão sobre resultados de pesquisa na área de Sociolinguística e Geogra-
fia Linguística (temas 1, 2 e 3). Além de ler o texto base, você terá de ler dois artigos
que estão disponíveis na Plataforma Moodle. O primeiro é sobre letramento, variaçãolinguística e ensino de português. O segundo artigo é sobre norma, variação e ensino
da concordância verbal (temas 4 e 5). Abaixo, apresentamos alguns tópicos que serão
abordados nesta Unidade:
1) as ferramentas teóricas para formação do professor;
2) pesquisa sobre a variação nas escolas;
3) variação fonética nos atlas linguísticos;
4) letramento, variação e ensino;
5) Norma, ensino e concordância.
:
Durante muito tempo os estudos linguísticos priorizaram a língua escrita, ficando
a fala relegada ao segundo plano. A Dialetologia e a Sociolinguística surgiram da necessi-
dade de se estudar a língua em seu contexto social ou, mais especificamente, da intenção
de se estudar a diversidade linguística a partir da fala.
No Brasil, um dos primeiros a nos alertar para a importância dos estudos da fala,
em contexto social, foi Antenor Nascentes. O autor, que é considerado um dos precur-
sores da Dialetologia no Brasil. No Prefácio da primeira edição de O linguajar carioca,
em 1922, afirmava:
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Paciência. Nosso trabalho não é para a geração atual; daqui a cem anos os estudiosos
encontrarão nele uma fotografia do estado da língua e neste ponto serão mais felizes do
que nós, que nada encontramos do falar de 1822.” (Nascentes, 1953. p. 7)
Nascentes parecia prever o que aconteceria nas décadas seguintes, pois, conforme
veremos mais adiante, os estudos sobre a diversidade linguística no Brasil alcançaram
um desenvolvimento bastante significativo e passaram a ocupar um espaço de destaque
no cenário dos estudos linguísticos, principalmente a partir da publicação do primeiro
atlas linguístico no Brasil: o Atlas Prévio dos Falares Baianos (, 1963).
:
A Dialetologia e a Sociolinguística alcançaram um avanço significativo nos estu-
dos sobre a fala, a partir da publicação de resultados de pesquisas de campo em várias
regiões do país. O desenvolvimento da Dialetologia pode ser cronologicamente descrito
pela publicação de atlas estaduais que resultaram do esforço de grupos de pesquisas ou
de elaboração de dissertações e teses. Seguem alguns desses atlas:
1) Atlas Prévio dos Falares Baianos () – publicado em 1963;
2) Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais (
) – publicado em 1977;
3) Atlas Linguístico da Paraíba () – publicado em 1984;
4) Atlas Linguístico de Sergipe I () – publicado em 1987;
5) Atlas Linguístico do Paraná I () – publicado em 1994-96;
6) Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil () – publicado em 2002;
7) Atlas Linguístico Sonoro do Pará (i) – publicado em 2004;
8) Atlas Linguístico do Amazonas () – tese de doutorado defendida em 2004;
9) Atlas Linguístico de Sergipe – (-) – publicado em 2005;
10) Atlas Fonético do entorno da baía de Guanabara (
e
) – dissertação defendida
em 2006;
11) Atlas Linguístico rural do município de Ponta Porã-MS (li): um registro
das línguas em contato na fronteira do Brasil com o Paraguai – dissertação
defendida em 2006;
12) Atlas Geolinguístico do Litoral Potiguar – tese de doutorado defendida em 2007;
13) Atlas Linguístico do Mato Grosso do Sul () – publicado em 2007;
14) Atlas Linguístico do Paraná – tese de doutorado defendida em 2007;
15) Micro-atlas Fonético do Estado do Rio de Janeiro: uma contribuição para o
conhecimento dos falares fluminenses – tese de doutorado defendida em 2008;
16) Atlas Lingüístico do Ceará () – publicado em 2010;
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17) Atlas Linguístico do Centro-Oeste Potiguar – tese de doutorado defendida em 2012;
18) Atlas Linguístico do Maranhão (li) – em andamento;
19) Atlas Linguístico do Mato Grosso (Li) – em fase de elaboração;
20) Atlas Etnolinguístico dos Pescadores do estado do Rio de Janeiro () –
não há informações precisas sobre o estágio atual desse atlas;
21) Atlas Etnolinguístico do Acre () – em andamento;
22) Atlas Geossociolinguístico do Pará (li) – em fase avançada de elaboração;
23) Atlas Linguístico do Espírito Santo () –em fase avançada de realização;
24) Atlas Linguístico do Rio Grande do Norte (li) – em fase de realização;
25) Atlas Linguístico de Rondônia – em andamento;
26) Atlas Linguístico de São Francisco do Sul () – tese de doutorado defendida em 2008;
27) Atlas Linguístico da Ilha de Marajó – s/d – dissertação de mestrado defendida na ;
28) Atlas linguístico da mesorregião sudeste de Mato Grosso – dissertação defendida
em 2009;
29) Atlas Linguístico de Adrianópolis- – s/d – dissertação defendida na ;
30) Atlas Linguístico de Ortigueira- – s/d – dissertação defendida na ;31) Atlas Linguístico do Piauí (i) – em fase inicial de elaboração, segundo Aragão (2011);
32) Atlas Linguístico do Iguatu- – s/d – dissertação defendida na ;
33) Atlas linguístico da Mata Sul de Pernambuco – s/d – dissertação defendida na ;
34) Atlas Linguístico do Oeste de São Paulo – s/d – dissertação defendida na ;
35) Esboço de um Atlas Linguístico de Mato Grosso: um registro da língua falada
na mesorregião Sudeste – s/d – dissertação defendida na ;
36) Atlas Linguístico do Acre: cartas fonéticas da região do Purus – dissertação
defendida em 2011; 37) Atlas Linguístico do Estado de São Paulo – em fase de elaboração;
38) Atlas Linguístico-etnográfico de Comunidade Quilombolas do Nordeste
Paraense – tese em andamento.
ANOTE
o é o primeiro atlas linguístico do Brasil a abranger toda uma região.
Já o é o primeiro atlas sonoro publicado no Brasil.
Os primeiros atlas publicados apresentam um intervalo de tempo mais longo entreuma publicação e outra e se concentram na região Nordeste do país. Mais recentemen-
te, esse espaço temporal entre os atlas diminuiu. Além disso, outras regiões brasileiras
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Variação linguística eEnsino de Língua Portuguesa
também já possuem atlas linguísticos publicados, como é o caso da região Sul, Sudeste,
Centro-Oeste e Norte.
No campo da Sociolinguística, muitos trabalhos foram desenvolvidos a partir do
final da década de 70. Citaremos alguns, aqui, mas não sem receio de omitir outros que
também contribuíram significativamente para o avanço desse campo da investigação
linguística no Brasil. Assim, temos: Votre (1978); Callou (1979, 1996, 1998); Braga &
Naro (1981, 1983, 1986); Scherre (1988; 1993; 1996); Mollica (1995, 1996, 1998); Paiva
(1996); Bisol (1996) e várias outras pesquisas, incluindo dissertações de mestrado e teses
de doutorado.
No Pará, a investigação tomou impulso a partir de 1996, com a implantação de uma
linha de pesquisa de cunho variacionista na Universidade Federal do Pará. A instituição
dessa linha de pesquisa criou as condições para o desenvolvimento, na pós-graduação
do curso de Letras dessa universidade, de dissertações de mestrado e teses em fonética
variacionista. Dentre esses trabalhos, cabe citar: Nina (1991), Carvalho (2001); Oliveira
(2002); Negrão (2002); Lopes (2002); Lima (2003); Machado (2003). Deve-se acrescentar a
esses os vários artigos elaborados, a partir dos dados de fala coletados no Pará, publicados
local, nacional e internacionalmente.
O trabalho da Dialetologia apresenta, dentre outros, uma significativa contribui-
ção para o conhecimento da realidade linguística do Brasil. As pesquisas implementadas
com base nessa orientação metodológica têm sido utilizadas para a elaboração de atlas
linguísticos que documentam, registram a variação linguística. Apresentam, desse modo,
as especificidades e generalidades encontradas nos falares brasileiros, indicando áreas
dialetais. Daí, a afirmação de Nascentes (1958, p.7):
Poucos sabem aqui (...) qual é o valor de um atlas, qual a sua necessidade para a soluçãode múltiplos problemas e, dos que sabem, poucos dão importância a essas questões.
Mas além dessa contribuição para a Linguística, a Dialetologia também oferece
subsídios a outras áreas consideradas afins como a História, a Sociologia, a Antropolo-
gia, a Etnologia. Podemos estender essa contribuição ao ensino-aprendizagem de língua
materna, conforme veremos a diante.
Apresentamos, abaixo, três argumentos que justificam a construção de um atlas
linguístico. São eles:
• Pesquisa linguística variacionista (fonética, morfossintaxe, léxico).
• História da língua (documentação).
• Política linguística (política de ensino).
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Nosso comentário, entretanto, deve ater-se ao terceiro tópico apresentado, ou seja,
ao que diz respeito à política linguística de ensino, visto que pouca atenção tem sido
dada à contribuição que esse tipo de registro linguístico, os atlas, pode proporcionar ao
ensino de língua materna.
Segundo Cardoso (1998, p.169):
O quadro histórico-social do Brasil, hoje, e a necessidade do conhecimento sistemático
e geral da realidade linguística brasileira, necessário sobremodo à difusão de um ensino
adequado ao caráter pluricultural do país (grifo nosso), estão a exigir, sem mais demora,
um esforço coletivo na tentativa de concretizar estudos mais amplos que levem a esseconhecimento global. Essa pode e deve ser tarefa da Dialetologia brasileira nesse final de
milênio, a se concretizar com a realização do Atlas linguístico geral do Brasil.”
Antes de focalizar mais precisamente esse aspecto, parece relevante referir os ins-
trumentais utilizados na coleta de dados para a construção de um atlas. Esse dado que,
a princípio, não parece se mostrar muito relevante para a discussão referente às políticas
para o ensino, pois parece estar mais atrelado à pesquisa, propriamente dita, do que a
aspectos didático-pedagógicos, constitui-se, na perspectiva aqui adotada, um argumento
em favor da riqueza e complexidade linguísticas que um atlas apresenta e, reafirma, assim,
sua importância.A coleta de dados para a construção de um atlas era feita, inicialmente, por meio
da aplicação de questionários. Para torná-lo ainda mais completo, a atual equipe do i
(Projeto Atlas Linguístico do Brasil) acrescentou à aplicação já existente outros tipos de
questionários e algumas outras formas de coleta de dados que trouxeram mais completude
aos resultados obtidos ( i, 2001). Esses instru-
mentais estão relacionados abaixo:
• Questionário Fonético-fonológico
• Questionário Morfossintático
• Questionário Semântico-lexical• Questões de prosódia
• Questões de pragmática
• Leitura de texto
• Discurso livre
SAIBA MAIS
para mais informações sobre o i e outros trabalhos dialetológicos,
consulte www.alib.ua.br .
Esse conjunto variado de instrumentos de coleta de dados, obviamente, permite
flagrar de maneira mais ampla a diversidade linguística. Temos, a partir dos dados cole-
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A autora acrescenta, no prefácio do trabalho de Silva (1981):
“É muito importante que se entenda o quanto a variação dialetal tem a ver com aalfabetização. É que os ‘núcleos problemáticos’ diferem segundo as característicaslocais da pronúncia. Numa região em que o l depois de consoante soa com um r, étão idiossincrática a aprendizagem de que Flamengo se escreve com l mas frangocom r quanto a de que passo se escreve com dois esses e laço com cê cedilhado. Eessas coisas variam de região para região e de um subgrupo social para outro”.
A pesquisa de Franchi (apud Aguilera, 1997), numa escola da periferia de um
distrito de Campinas-, revela que:
“A distância entre a grafia e a representação da pronúncia de seu dialeto torna oproblema da ortografia mais do que um problema de ortografia: é preciso levar ascrianças a compreender as variações dialetais e comparar a sua pronúncia com apronúncia padrão.” (grifo nosso)
A autora (op. cit) também distingue dificuldades que chama de erros:
• uma letra é substituída por outra que apresenta, em alguns casos a mesma forma
fonética (belesa); a graa não corresponde à representação fonética, mesmo
pronunciada segundo padrões habituais, (comesou);
• diculdades ligadas à variação dialetal (famiia);
• diculdades em separar ou juntar unidades na escrita (porisso, apaixonouse, em
com trou).
DICA
Esse último exemplo guarda relação com o vocábulo formal e o vocábulo
fonológico. A forma inacentuada se junta, quando da fala, à forma
acentuada, formando um único vocábulo formal, ou seja, vocábulo
que tem apenas um acento. Consulte o material de Fonética e Fonologia
do Curso e saiba mais sobre o assunto.
Paiva (1984) analisou dados de alunos de 3ª e 5ª séries de uma escola pública e
de uma escola particular da cidade do Rio de Janeiro. Seu objetivo era testar a influên-
cia da escola na resolução dos problemas que apareciam na escrita dos alunos. Apontou
duas classes de dificuldades, assim classificadas:
a) aquelas que constituem uma influência da fala
operaro – operário tauba – tábua
brusa – blusa jogano – jogando
xicra – xícara oferecê – oferecer
ixame – exame cumendo – comendotreise – treze familha – família
ingual – igual douze – doze
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Variação linguística eEnsino de Língua Portuguesa
b) aquelas relacionadas à própria orientação da ortografia
esplosão – explosão ezame – exame
interece – interesse relógio – relógio
escêntrico – excêntrico orta – horta
picina – piscina sauto – salto
escelente – excelente ritimo – ritmo
Aguilera (1997) analisou 325 redações escolares no Estado Paraná. Concluiu que
a complexidade do sistema ortográfico, existência de diferentes grafemas para um fone-
ma, por exemplo, era responsável por 42% dos « erros ». A autora enfatiza que o fonemafricativo-alveolar /s/ pode ser representado por diferentes grafemas e/ou dígrafos (saúde,
ascender, desço, raça, cedo, excêntrico, , feliz), o que exemplifica a complexidade desse
sistema. A variação dialetal é um complicador que se apresenta em terceiro lugar, com
12%, segundo a Aguilera (op. cit).
Você poderia citar outros fonemas da Língua portuguesa que podem ser represen-
tados por mais de um grafema? Dê exemplos.
:
Um atlas linguístico pode fornecer uma imagem multidimensional. Mostra onde e
como se dão as variações fonéticas no espaço físico e social. As cartas linguísticas, por sua
vez, facilitam a leitura desse complexo linguístico e confirmam, reafirmam ou indicam
mudanças de natureza fonética. É importante notar que essas variações não acontecem
apenas no ambiente escolar. Elas estão presentes no cotidiano dos falantes da nossa língua.
Por isso, não devem ser encaradas como anormais, mas como integrantes do sistema.
São várias as variações fonéticas que aparecem nos atlas linguísticos. A seguir,
citamos algumas:a) Consoantes
- Variação de /s/ em situação posvocálica
[‘kaſ k ~ ‘kask ], [‘azg ‘a g], [‘mesm ~ ‘mem ~ ‘me m];
- Variação de /l/ em situação posvocálica
[‘kas ~ ‘kaws], [‘pug ~ ‘pug];
- Variação de /r/ em situação posvocálica
[‘pht ~ ‘pxt ~ ‘pɾ t];
- Palatalização de /t/ e /d/ diante de vogais altas anteriores [‘ti ‘t i], [‘dig ‘d ig]
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- Palatalização de /l/ e /n/ diante de vogais altas anteriores
/l/ [‘liv ɾ ~ ‘ iv ɾ ];
/ ɲ/ [‘i ɲ ~ ‘ ɲ ɲ];
- iotização de lh
/ / [ u‘ ~ u‘ejj];
- apagamento de /d/ no grupo /-nd /: [ 'd ~ 'dn];
- alternância entre /l/ e /r/ nos grupos /pl, kl/: ['plt ~ 'pɾ t], ['klaɾ ~ 'k ɾ ɾ ];
- alternância entre /b/ e /v/: [tɾ avi'sejɾ ~ tɾ abi'sejɾ ];
- apocope de /r/ e /s/ em posição nal absoluta: ['bei' ah ~ 'bej a], ['k t ~ 'k t];
- síncope nas proparoxítonas: ['lpad ~ 'lp], ['f f ɾ ~ 'f f ɾ ~ 'f f ɾ ];
- metástese do /r/: [pɾ at i'lejɾ ~ pat i'leɾ ], [bɾ a'gi ~ ba'gi ];
- alternância entre /Z/ e /h/ em posição de onset: [' e m ~ 'e m].
b) Vogais
- alteamento de vogais médias pretônicas: [me' ɲ i nu ~ mi' ɲi nu], [ko 'pɾ id ~
kuà”p|idU];
- alteamento da vogal média posterior tônica: ['tod ~ 'tud];
- nasalização de vogais: [ka'mi nha ~ ka 'mi nha], [pe'neiɾ ~ pe 'neiɾ ];
- monotongação: ['pej ~ 'pe ], ['kaj ~ 'ka ], ['kow ɾ ~ 'koɾ ];
- ditongação das vogais tônicas em posição nal absoluta antes de /s, z/: ['lu ~ 'luj ],
['tɾ e ~ 'tɾ ej ; em outras posições: [efej'sw ~ efe'sw] [b'de ~ b'dej ].
Um número extremamente alto de variedades poderia ser aqui apresentado no
sentido de comprovar o registro de diferentes fenômenos linguísticos nos atlas linguísticos.
Abaixo, apresentamos uma carta linguística que indica a frequência do (r) no
Brasil, de acordo com (Razky & Lima, 2004). O objetivo é mostrar que essas variaçõesocorrem em várias regiões do país. Em outras palavras, ocorrem em qualquer lugar
onde se fala a língua, pois fazem parte dela.
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Variação linguística eEnsino de Língua Portuguesa
Perfil do (r) em posição interna
Perfil do (r) em posição final
Belém
[] 93%
Recife
[] 50%
Salvador
[] 62%
Belo Horizonte
[] 64%
Rio de Janeiro
[] 47%
São Paulo
[] 49%
Curitiba
+ []
Florianópolis
+ []
Porto Alegre
[ɾ ] 57%
FONTE: Razky et Lima, 2004.
FONTE: Razky et Lima, 2004.
Belém
[h] 94%
Recife
[h] 56% Salvador
[] 55%
Belo Horizonte
+ []
Rio de Janeiro
[] 54%
São Paulo
[ɾ ] 87%
Curitiba + [ɾ ]
Florianópolis
+ [ɾ ]
Porto Alegre
[ɾ ] 83%
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Além dessa variação, muito produtiva em posição posvocálica, abaixo, apresen-
tam-se duas cartas que representam a variação de /t/ e /d/ em posição prevocálica:
Palatalização de /t/ no Estado do Pará
Palatalização de /d/ no Estado do Pará
Fonte: Oliveira e Ferreira (2014)
Fonte: Oliveira (2014)
Breves[d] = 14,3%[dӡ = 85,7%
Belém[d] = 7,9%[dӡ = 92,1%
Bragança[d] = 6,2%[dӡ = 93,8%
Abaetetuba[d] = 27,6%[dӡ = 72,4%
Cametá[d] = 12,1%[dӡ = 87,9%
Marabá[d] = 31,2%[dӡ = 68,8%
Conceição do
[d] = 11,8%[dӡ = 88,2%
Araguaia
Santarém[d] = 27%[dӡ = 73%
Itaituba[d] = 6,1%[dӡ = 93,9%
Altamira[d] = 17,5%[dӡ = 82,5%
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Variação linguística eEnsino de Língua Portuguesa
Observamos que os fenômenos encontrados nos trabalhos dos autores citados neste
texto podem ser encontrados também nos atlas publicados. Parece que seu uso na sala
de aula poderia se constituir um instrumento muito peculiar aos alunos. Essa identidade
poderia ser utilizada de maneira habilidosa pelo professor de língua materna.
1) Com base naquilo que você vivencia cotidianamente, indique que realizações fonéticas
presentes nas cartas linguísticas apresentadas são comumente usadas pelos falantes queintegram sua comunidade?
2) Relate uma situação ligada à variação linguística/norma linguística que você vivenciou
na sala de aula como aluno/a ou como professor, que lhe causou espanto, mas que hoje
você encara como um uso linguístico natural.
3) Na Atividade 7 várias vezes é ,emcionada a forma "erro". Faça um breve levantamen-
to bibliográfico sobre o termo e o diferencie de desvio.
Esse breve panorama de pesquisas relatadas aqui e de outras que não citamos, por
questões de tempo e espaço, mostram uma distância entre um código fechado, consa-
grado socialmente, e o uso de um código em movimento que só é fotografado por meio
da pesquisa de campo. Essa distância sempre levanta uma discussão sobre a qualidade
de ensino de língua materna em diversos países (não apenas em relação à ortografia).
Gagné (2002; p. 205) faz a seguinte armação em relação à situação do francês:
“Enquanto não houver simplificação da ortografia francesa, os erros de ortografiacontinuarão a existir entre as crianças e... entre os adultos. E enquanto se permanecer
numa perspectiva social e pedagógica centrada no código, as gerações de adultosesquecerão as dificuldades de aprendizado que tiveram e seus próprios erros deortografia para criticar a qualidade de ensino do francês dado a seus filhos.”
Outros minimizam as dificuldades da aquisição da ortografia apostando no tempo.
Paiva (1985: 127-128) assinala que:
“a consciência das especificidades dialetais se estabelece muito cedo, de forma queos alunos que são falantes do dialeto estigmatizado tratam de substituir, desde cedo,por conta própria, suas formas estigmatizadas pelas aceitáveis.” (grifo nosso).
O primeiro inconveniente da armação de Paiva (op; cit) diz respeito, inicialmente,
às formas vagas utilizadas pela autora, como, por exemplo, muito cedo. Não fica claro,
por outro lado, o que significa a expressão tratam de substituir. As pesquisas citadas
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neste trabalho demonstram resultados que vão de encontro ao sugerido pela autora
nessa expressão.
Câmara Jr. (1957), por exemplo, aponta produtiva ocorrência de formas conside-
radas estigmatizadas em textos escritos de alunos. Se eles se apresentam na forma escrita,
devem ser muito mais incidentes na fala. Assim, a substituição referida por Paiva (1985)
não parece se dar de forma simples e categórica como diz a autora. É como se não hou-
vesse nenhuma resistência por parte do falante às formas novas que lhe são apresentadas.
Como se essa pretensa substituição se desse de forma pacífica sem a presença da batalha,
de que fala Labov (1972), traçada pelas variantes linguísticas.
É preciso lembrar que essas variantes convivem entre si. Diz Bortoni-Ricardo (2004;
p. 37) a respeito da convivência entre as diferentes variedades da língua:
“Com frequência, essas diferenças se apresentam entre a variedade usada no do-
mínio do lar, onde predomina uma cultura de oralidade, em relações permeadas
pelo afeto e informalidade, como vimos, e culturas de letramento, como a que é
cultivada pela escola.”
De outra parte, é preciso refletir sobre o "por conta própria". De acordo com Labov
(1972), não são os indivíduos que, individualmente, engendram as mudanças na língua.Uma dada variação não corresponde à maneira de falar, à escolha de um único indivíduo
como se ele fosse responsável e, sempre, conscientemente, pelas modificações que se
implementam na língua. É preciso lembrar, antes, que esses indivíduos representam um
grupo social e que as manifestações linguísticas apresentam um caráter extremamente
complexo e abstrato.
Essa forma simplista de pensar o tratamento da diversidade linguística em sala de
aula simplifica toda a complexidade linguística que pode ser visualizada nos trabalhos
aqui citados e nos atlas. Por outro lado, não discute de maneira adequada os problemas
de ensino-aprendizagem de língua materna decorrentes da diversidade linguística, visto
que a complexidade mencionada fica superada pela substituição automática das formas
estigmatizadas.
Um atlas linguístico é o resultado de um trabalho de pesquisa árduo que pode
servir de base para que o mecânico da língua (cf. Calvet, 2004) passe a relativizar seu
ponto de vista, dando atenção à observação em contexto físico e social. Neste sentido,
um atlas linguístico oferece subsídios para a formação do professor na área de variaçãoe política da língua.
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Variação linguística eEnsino de Língua Portuguesa
Se as perguntas são universais, as respostas devem ser locais. Atitude comum de
um turista num país que não conhece é carregar um dicionário e/ou um mapa que pos-
sam lhe facilitar a vida. O sucesso da sua estada, no entanto, não depende apenas dessas
duas ferramentas. Ele precisa também observar o contexto, interagir com os falantes para
atingir seu destino e seus objetivos.
A ilustração acima é valida também para o professor de língua materna. Adotar
um método, um manual e se submeter a uma formação geral não lhe asseguram um
bom desempenho para alcançar seus objetivos pedagógicos, seus problemas locais. Os
resultados das pesquisas nas ciências de linguagem, inclusive os resultados de um atlaslinguístico regional e/ou nacional, dentro de uma perspectiva geo-sociolinguística, devem
servir de base para uma observação participativa do contexto local que é caracterizado
pelo espaço que constitui a sala de aula. Entretanto, para poder adotar a prática de uma
observação participativa, o professor deve ter na sua formação uma iniciação à pesquisa
linguística que contemple, dentre outros, a questão da geografia linguística moderna.
Os atlas linguísticos já publicados, os que estão por ser publicados, bem como o
futuro Atlas Linguístico do Brasil, constituem fontes de consulta para que as respostas às
perguntas universais não sejam universais, mas locais, conforme dissemos acima.
Para finalizar, cabe ressaltar o efeito positivo que os atlas digitais (cf. Razky, 2004)
exercem sobre os alunos. A consulta à informação é otimizada em termos de espaço, tempo
e recursos materiais. Sua utilização só pode otimizar e motivar as atividades em sala de
aula, pois sua interface interativa também se constitui um atrativo a mais quando de seu
uso. Muitas pesquisas têm indicado a colaboração efetiva de ferramentas computacionais,
obviamente, quando bem utilizadas, no ensino-aprendizagem de modo geral.
Some-se a isso, ainda, o fato de os atlas poderem ser explorados nas demais disci-
plinas do currículo escolar, como Geografia, História, Informática, Sociologia etc, pois,
para repetir Boléo (1976: 342), "um Atlas é uma fonte para outros ramos de ciência".
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, dominar a língua é um grande
passo para que o educando possa ter uma participação social plena e concreta, já que
é por meio dela que o ser humano pode expressar suas opiniões e defender suas ideias.
De acordo com os : "A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas varieda-
des dialetais. Identificam-se geograficamente e socialmente as pessoas pela forma como
falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído
aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades linguísticas
de menor prestígio como inferior ou erradas." (, 2001, p.31).
O sistema educacional tendo como objetivo principal uma educação democrática
e social, bem como cultural, tem por responsabilidade proporcionar a todos os seus
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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância92
educando o acesso real aos saberes linguísticos necessários para que possam exercer sua
cidadania, já que esta é um direito inalienável de todos.
Com todas as mudanças que aconteceram nas últimas décadas no ensino de Língua
Portuguesa, depois de anos de discussões nas universidades brasileiras, podemos observar
que há hoje um enorme interesse em discutir e priorizar os objetivos desse ensino e desejo
de que as propostas dos documentos oficiais de ensino também passem por mudanças,
tentando se aproximar dos estudos mais inovadores sobre a prática de ensino da língua
e sobre suas variações.
Para discussão e reflexão mais detalhadas sobre temas afetos à variação e ensino,
propomos a leitura dos seguintes textos. Eles estão disponíveis na Plataforma Moodle.
1) Letramento, variação linguística e ensino de português.
2) Norma, variação e ensino: a concordância verbal.
Após a leitura desses textos, escreva um bilhete a um colega professor, dizendo-lhe
como o estudo da variação linguística mudou sua atitude e postura diante dos "erros" dos
alunos em sala de aula. Não esqueça de mencionar a postura relativa ao antes e ao depois
da disciplina e do curso de Letras.
Durante o encontro presencial, será apresentado o . Observe algumas variações
presentes nesse atlas e que você identifica (ou) no seu cotidiano como educador. Tente
apresentar aos colegas algumas hipóteses linguísticas e sociais para a ocorrência de alguns
fenômenos.
- , Stella Maris. Um modelo para a análise sociolinguística do português doBrasil. In: , Marcos (org.) Linguística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, p.333-350, 2002.
-, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística & educação.São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
, Ângela e , Inês (orgs.). O ensino e a formação do professor. Porto Alegre:Artmed, 2000.
, Maria Cecília . Da linguagem coloquial à escrita padrão. Rio de Janeiro: 7. Letras, 2003.
, Maria da Conceição Auxiliadora de. Supressão das semivogais nos ditongos decrescentes.In: , Gisele Machline de. e , Maria Marta Pereira (orgs.). Padrões
8/20/2019 Livro Sociolinguística - EAD - UFPA.pdf
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93Unidade 4
Variação linguística eEnsino de Língua Portuguesa
sociolinguísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p.219-236, 1996.
, Maria Cecília . Da linguagem coloquial à escrita padrão. Rio de Janeiro: 7. Letras, 2003.
Nesta Atividade, você estudou aspectos relacionados à Dialetologia e Sociolinguística
como ferramentas para a formação de docentes. Fizemos um breve histórico a respeito
dos estudos sobre a fala no passado e no presente, considerando o espaço brasileiro. Vocêaprendeu também a importância que a Dialetologia e a Sociolinguística para a formação
do professor e percebeu que é possível fazer pesquisa sobre os falares na escola; que os
atlas linguísticos são ótimos aliados do professor no estudo e compreensão das variações
que ocorrem numa língua. Por fim, focalizamos a complexidade da variação linguística e
seu uso na escola e como os atlas linguísticos podem enriquecer as aulas de língua dada
à riqueza de informações sobre a língua que eles trazem.