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UNIVERSI DADE CA NDI DO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” I NSTITUTO A VEZ DO MESTRE A EFETIVIDADE DA P ENHORA P or: Ivana Milhomem Sá O rientador Prof. Jean Alves Pereira Alme ida Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A EFETIVIDADE DA PENHORA

Por: Ivana Milhomem Sá

Orientador

Prof. Jean Alves Pereira Almeida

Rio de Janeiro

2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A EFETIVIDADE DA PENHORA

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre, da Universidade Candido Mendes, como

condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-

Graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil.

Por: Ivana Milhomem Sá

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AGRADECIMENTOS

... aos colegas Oficiais de Justiça, pelo

incentivo à busca do aprimoramento

profissional, e aos professores pela

concretização de mais esta etapa.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minhas duas

queridas filhas, ao meu marido e a minha

mãe, que me incentivaram a fazer este

curso de pós-graduação e sempre me

apoiaram em todos os momentos.

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RESUMO

Cuidamos de tratar no presente trabalho da questão dos entraves

existentes para a satisfação do crédito do exeqüente, especialmente por

ocasião da efetivação da penhora, e as diversas formas de proteção garantidas

ao devedor para não cumprir sua prestação, visualizados sob o prisma da

doutrina e da jurisprudência.

Primeiramente, pesquisamos os antecedentes históricos da penhora,

para descobrir a partir de quando ela deixou de recair sobre o corpo do

devedor e passou a atingir somente seu patrimônio.

Em seguida, estudamos os princípios informativos da penhora, para

verificar que na execução há garantias tanto para o direito do credor quanto

para o devedor.

Tratando também sobre os efeitos da penhora, vimos que, realizada de

forma adequada sobre bens integrantes do patrimônio do devedor, produz

efeitos que garantem ao exeqüente a expectativa real de recebimento do

crédito.

Não deixamos de lado a pesquisa sobre os bens penhoráveis e

impenhoráveis, além de abordar meios coativos à disposição do credor, tais

como o arresto anterior à citação e a penhora “on line”, bem como a defesa do

executado, na forma dos embargos do devedor e da exceção de pré-

executividade.

Por fim, concluímos que há uma efetiva alteração de postura geral das

partes envolvidas em um processo e que o Judiciário não tem poupado

esforços para tornar efetivos os seus atos e decisões.

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METODOLOGIA

Cumprir as ordens judiciais no sentido de penhorar os bens dos

devedores faz parte do meu dia-a-dia, como Oficial de Justiça Federal, há oito

anos. Porém, muitas vezes, surgiram-me dúvidas quanto à real efetividade

dessas medidas, que me inspiraram a produzir o presente trabalho, elaborado

com base na leitura da doutrina sobre o processo de execução, artigos na

Internet e consulta à mais atualizada jurisprudência, através do sítio do

Superior Tribunal de Justiça. A pesquisa se completou com consulta à

legislação e a livros jurídicos da Biblioteca da Universidade Cândido Mendes –

Campus Ipanema.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Antecedentes Históricos da Penhora 09

CAPÍTULO II - Princípios Informativos da Penhora 16

CAPÍTULO III – Efeitos da Penhora 39

CAPÍTULO IV – Bens Penhoráveis e Impenhoráveis 21

CAPÍTULO V _ O Arresto Anterior à Citação 38

CAPÍTULO VI – A Penhora “On Line” 40

CAPÍTULO VII – Defesa do Executado 42

CONCLUSÃO 45

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 48

ÍNDICE 50

FOLHA DE AVALIAÇÃO 52

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INTRODUÇÃO

Não é de hoje que o processo vem se caracterizando como instrumento

moroso, inábil à prestação de uma justiça célere e eficaz, a ponto de, já em

sua época, Rui Barbosa ter proferido frase que se tornou célebre: "A justiça

atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta ".

A execução por título judicial traz em seu bojo um objetivo que se soma

à pretensão do credor de ver satisfeito seu crédito: a necessidade das

decisões do Poder Judiciário serem cumpridas, respeitadas e serem, como diz

o nomen juris, efetivas.

Mas, a rotina das lides forenses tem mostrado, ao longo do tempo, que

o processo de execução se afastou – e muito – dos princípios que regulam e

norteiam os direitos do credor. Em direção oposta, por uma série de razões

que dispensam uma repartição de responsabilidades entre todas as

personagens de um processo judicial, a execução produz no credor a

sensação de que, como se diz na língua do povo, "se ganha, mas não se

leva".

No processo de execução são encontrados diversos entraves para a

satisfação do crédito. Também o devedor sofre o perigo de ver seus bens

sofrerem agressão desproporcional ao crédito perquirido.

Por outro lado, o devedor conta com diversas formas de proteção, como

os recursos e as limitações legais à penhora. O credor, por sua vez, possui

os instrumentos do arresto anterior à citação e, mais recentemente, o sistema

da penhora “on line”, que são tentativas de dar mais efetividade ao processo

de execução. Porém, se não forem utilizados de forma correta acabam por se

traduzir em agressão aos direitos fundamentais consagrados em nossa

Constituição.

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CAPÍTULO I

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA PENHORA

1.1 A Penhora na Antigüidade

No Direito Babilônico era comum entre caldeus e assírios, livres,

darem em garantia de uma dívida a colheita do trigo, os animais dos seus redis

ou, ainda, escravos ou pessoas de sua família, quando não era o próprio

devedor que se dava como caução frente ao débito assumido (parágrafos 113

a 126 do Código de Hammurabi; parágrafo A 44 das Leis Assírias). Mas nem

por isso poderia o credor vir desde logo em busca do seu direito, tomando a

colheita do devedor sem o seu consentimento prévio. Se assim o fizesse,

perderia tudo quanto houvesse emprestado. Se o devedor não pudesse pagar

a dívida, entregaria esposa, filho, ou a si próprio em serviço do credor, por três

anos e, após tal prazo, eram libertados. Hammurabi evitava assim excessos

cometidos pelos credores contra seus devedores, impedindo-os de ficar

indefinidamente em situação de escravidão. Já segundo as leis assírias, a

pessoa dada em garantia, desde o momento em que vencido e não satisfeito o

débito, acabava se tornando propriedade do credor e podia ser açoitada, ter os

cabelos arrancados, suas orelhas furadas ou machucadas. Hammurabi , por

sua vez, possuía uma organização judiciária regular e tudo se passava sob as

vistas dos juízes e funcionários do reino, no decorrer de um processo. Mesmo

assim, ainda que o credor pudesse sujeitar o devedor a maus-tratos, não podia

tirar-lhe a vida. Tais textos tratam de aspectos relativos ao penhor, direito real

de garantia, ou a contrato realizado entre credor e devedor.

Processo havia também no Direito Hindu. O Código de Manú

determinava que se um credor reclamasse ao rei o recebimento de uma soma

emprestada, deveria primeiro apresentar a prova do débito e depois fazer o

devedor cumprir a obrigação. Para isso tinha vários recursos: admoestá-lo e

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incitá-lo a atender ao dever de resgatar o compromisso, buscar a solução

judicial mediante o processo, empregar a astúcia, expressar aflição e, por fim,

tomar medidas violentas (parágrafo 49).

No Direito Hebraico se originam as normas relativas aos bens

impenhoráveis. Recomendava-se que não se tomasse o vestido à viúva, que

não se empenhasse um moinho, nem o manto que fosse a única coberta. A

penhora não podia ser usada como meio de perseguição, nem para satisfazer

capricho ou rivalidade.

O legislador ateniense Sólon alterou profundamente, no Direito Grego,

a maneira de solucionar os problemas resultantes do não pagamento dos

empréstimos, desviando a execução de natureza civil, que recaía sobre o corpo

do devedor, para o patrimônio dele. Assim, obtida a sentença condenatória e

decorrido certo prazo, podia o credor, por sua própria conta e risco, sem

intervenção direta da autoridade, penhorar os bens móveis ou imóveis do

devedor. O bem apreendido não podia ser vendido pelo credor – ele apenas

o detinha, até que fosse liquidada a dívida. Porém, tratando-se de ação

comercial, o credor, imitido na posse dos bens do devedor, poderia, após certo

prazo, vendê-los para se ressarcir do não pagamento do débito. Além disso, o

devedor sujeitava-se à pena de prisão – estava, nesses casos, mantida a pena

corporal.

1.2 A Penhora no Direito Romano

O processo romano passou por três períodos sucessivos no curso de

sua evolução. No período pré-clássico surge a “manus iniectio”, um meio de

execução do julgamento, só podendo ser intentada em razão de uma sentença

anterior, proferida por um ou mais árbitros privados, ou por uma confissão do

demandado. Pela Lei das XII Tábuas, o devedor tinha 30 dias para pagar. Se

não o fizesse, seria agarrado e levado à presença do juiz. Se ninguém se

apresentasse como fiador, seria levado pelo credor e amarrado pelo pescoço e

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pés com cadeias. Poderia ficar preso por 60 dias, durante os quais seria

conduzido em 3 dias de feira ao “comitium” , onde se proclamaria o valor da

dívida. Se muitos fossem os credores, era permitido que após o 3º.dia de feira

o corpo do devedor fosse dividido em tantos pedaços quantos fossem os

credores, mas, se estes preferissem, poderiam vender o devedor a um

estrangeiro. A Lex Poetelia Papiria, dando o primeiro impulso para tornar a

execução patrimonial - e não mais pessoal -, alterou este procedimento,

proibindo cadeias e grilhões, a morte e venda do devedor como escravo e

possibilitou a substituição da execução sobre a pessoa do devedor se este

afirmasse, sob juramento, que possuía patrimônio suficiente para o pagamento

do débito. Manteve, no entanto, a custódia do devedor até que este saldasse

a dívida. Assim se aboliam as medidas cruéis do processo arcaico,

constrangendo o devedor a pagar, sem reduzi-lo à condição de escravo.

Surge, no período clássico, a “pignoris capio” na qual o credor, por

suas próprias mãos, apoderava-se dos bens móveis do devedor, forçando-o

assim a pagar o débito. Esta ação podia ser cumprida a qualquer momento,

mesmo na ausência do juiz e não necessitava a presença de ambas as partes.

Assim podia ser realizada extra-judicialmente, colocando o credor em situação

de vantagem perante o devedor. Mas somente em casos específicos, tais

como créditos do soldado quanto a seu soldo ou do cavaleiro quanto a

importância destinada à compra do cavalo ou à alimentação deste. Nos

demais casos, embora perdurasse a execução pessoal, admitia-se a execução

contra os bens do devedor, autorizando-se o credor a se imitir na posse da

totalidade do patrimônio do devedor. A princípio teria alcançado somente os

devedores do Estado, mas, depois, passou a ser empregado também contra

os débitos particulares. Mesmo assim o credor não deveria utilizar excesso ou

arbítrio. Se os bens pudessem ser conservados onde se encontrassem,

poderiam ali permanecer. A violência contra o devedor deveria ser evitada. O

credor só tinha direito a guarda e custódia dos bens apreendidos, não tendo o

direito integral à posse. Credor e devedor deviam conservar os bens até que

estes fossem vendidos. Nesse período, mesmo estando abrandados os efeitos

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da execução, a injustiça e severidade persistiam, por não existir a execução

sobre bens suficientes à satisfação do débito, mas somente sobre a totalidade

do patrimônio do devedor.

Somente no final do período clássico é que surge a “distractio

bonorum”, que consistia na venda dos bens suficientes à satisfação do débito e

não mais de todos os bens. No período pós-clássico surge o processo

estatal, regido por autoridade com funções jurisdicionais específicas que

dispõe de meios para assegurar o cumprimento de seus julgados, através de

“apparitores” ou “exsecutores”, que seriam os precursores dos atuais oficiais de

justiça, encarregados de executar a “pignus ex causa iudicati captum” –

penhora de bens suficientes à garantia da execução, realizada em razão de

julgamento, após o decurso de um certo prazo sem que a ordem tenha sido

atendida. Em primeiro lugar, penhoravam-se as coisas móveis e os animais.

Caso não fossem suficientes, a penhora alcançaria os imóveis e os direitos,

mas cumpria, sempre, averiguar a existência de outros bens antes de se

alcançar os imóveis, tais como créditos, frutos ou quaisquer outros recursos.

O caráter público da penhora fornecia maior garantia para as partes.

Ocorrendo excesso, permitia-se ao devedor recorrer, mas se este fosse

considerado injusto, a condenação poderia ser agravada

Entre a penhora e a venda deveria transcorrer o prazo de dois meses,

durante o qual o devedor podia solver o débito. Realizada a venda, inexistindo

comprador, o bem poderia ser adjudicado ao pleno domínio do credor. Eram

impenhoráveis bens imprescindíveis a certas atividades, tais como escravos,

animais ou instrumentos do agricultor. Concediam-se privilégios a grandes

dignatários do poder imperial e a advogados, principalmente quando patronos

do fisco: não precisavam prestar caução nem seu patrimônio era atingido.

Bastava que prestassem juramento.

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1.3 A Penhora no Direito Ibérico

Chegamos agora ao antigo direito foraleiro da península ibérica, ao

tempo de sua reconquista pelos cristãos frente aos muçulmanos. Naquela

época, a penhora não se relacionava sempre com a execução de um julgado.

Podia surgir de imediato, por conta do autor e sem intervenção do oficial

público, com o propósito de compelir o réu a comparecer em juízo para

solucionar o litígio. Alguns forais mais antigos admitem a penhora

extrajudicial. Outros já a reprimem, preferindo o pedido prévio ao senhor ou

juiz local, mas continuava sendo realizada pelo próprio credor, na presença de

vizinhos, do saião ou do andador. Num momento posterior, a realização da

penhora torna-se privativa desses funcionários da justiça. Exigia-se a

presença de duas ou três testemunhas por ocasião da diligência, para evitar

excessos. Não podia haver resistência, sob pena de se agravar a situação do

devedor. Não havendo patrimônio, a execução se dirigia para o corpo do

devedor, condenando este à servidão. Alguns forais reconheciam legítimo o

fato do credor trazer o devedor preso com ferros nas mãos ou nos pés.

1.4 A Penhora no Direito Luso-Brasileiro

As ordenações Afonsinas, de 1446, afastaram a penhora feita pelo

próprio credor, de sorte que o representante judicial – o porteiro - seria o único

a realizá-la. Não poderiam ser executados bens além dos necessários à

satisfação do débito, devendo recair antes nos bens móveis que nos imóveis.

Há preocupação em se resguardar os bens de uso pessoal e doméstico,

dando ao devedor a possibilidade de indicação de bens antes do credor.

Nas ordenações Manuelinas surgem casos de impenhorabilidade

relativa: cavalos e armas dos fidalgos, bem como vestidos das senhoras, são

impenhoráveis, desde que sejam necessários para serviço e uso. Se houvesse

muitos, o excesso não seria excluído da penhora.

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As ordenações Filipinas, que teriam vigência no Brasil, confirmaram as

disposições relativas ao modo de se proceder na penhora. Excluiu da

penhora diversos bens como os do morgado ou da capela, benefícios, ofícios

públicos, soldos, ordenados dos juízes e emolumentos dos oficiais da Justiça

e da Fazenda, vencimentos dos caixeiros e guarda-livros das casa de

comércio, bens do patrimônio do eclesiástico, imagens sagradas, ornamentos

do altar, bens dotais, edifícios públicos, materiais necessários às obras, tenças

das obras pias, bens de uso dos fidalgos, cavaleiros, desembargadores e suas

mulheres, dentre outros. Evitava-se também a penhora dos livros dos

estudantes, professores e magistrados, armas dos cavaleiros, e ferramentas,

desde que fossem necessárias ao exercício da profissão. Em princípio, dirigia-

se contra os bens do executado e não contra a sua pessoa. Porém, não

possuindo bens suficientes, seria o devedor preso e retido na cadeia até pagar

o débito. Assim, a ordem de prisão alcançava tanto os devedores que

escondiam seus bens, tanto os que retardavam a execução, com os devedores

de boa fé que não possuíam bens. O Alvará de 18 de agosto de 1774

determinou o fim desse procedimento.

As Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil mesmo após a

proclamação da independência. Em 1832 baixou-se disposição provisória

acerca da administração da Justiça Civil. Seguiram-se outras leis processuais

como a lei 261, de 1841, e seu Regulamento, de no. 143, de 1842, bem como

o Regulamento n. 737, de 1850, que disciplinou o processo das causas

comerciais e, posteriormente, o das execuções civis (1886). Assim, não

pagando nem nomeando bens, o executado ficava sujeito à penhora, a recair

sobre dinheiro, ouro, prata, pedras preciosas, títulos da dívida pública, móveis

e semoventes, bens de raiz ou imóveis, direitos ou ações, nessa ordem de

preferência. Previa a prisão para quem resistisse à ordem judicial, escondesse

os bens ou se desfizesse deles para frustrar o pagamento do débito.

Proclamada a república, o Regulamento 737 continuou a ser aplicado e em

1905 os Estados-membros da Federação passaram a aprovar os seus códigos

processuais civis, como previsto na Constituição de 1891. Somente em 1939

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foi editado o Código de Processo Civil de âmbito nacional. Nele o tratamento

dado à penhora segue o sistema tradicional oriundo do direito luso-brasileiro

anterior: recai em tantos bens quantos bastem para assegurar a execução, não

sendo levada a efeito se o produto dos bens encontrados servir apenas para o

pagamento das custas. Mantém como impenhoráveis os bens indispensáveis

ao executado e à sua família e caso a penhora resultasse excessiva, o

interessado poderia requerer ao juiz que a reduzisse aos limites da execução.

Finalmente, em 11 de janeiro de 1973, foi editada a Lei n.5869, que instituiu o

atual Código de Processo Civil.

O progresso das instituições jurídicas sepultou de vez a autotutela

consistente na coação do credor diretamente contra o devedor e seu

patrimônio, consagrando a intervenção dos órgãos jurisdicionais do Estado

para impor as medidas coativas necessárias ao recebimento do crédito em

aberto. E a penhora é o primeiro ato executivo, por meio do qual o Estado

apreende bens do patrimônio do devedor, individualizando-os, com vistas à

expropriação e posterior pagamento ao credor, que obtém assim a satisfação

do seu crédito.

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CAPÍTULO II

PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DA PENHORA

Os princípios informativos são as regras gerais do nosso ordenamento

jurídico que inspiram o legislador e servem como norte para definir um sistema

e como fonte de interpretação das normas. Tratando-se a penhora do primeiro

ato executório da execução por quantia certa, podemos afirmar que a ela se

aplicam os princípios específicos do processo de execução, abaixo descritos.

1 – Princípio do artigo 583 do Código de Processo Civil: Toda

execução pressupõe um título executivo. O título executivo é pressuposto

de validade de qualquer processo de execução, e deve obrigatoriamente

acompanhar a petição inicial que visa a instaurá-lo, no caso de execução por

título extrajudicial, ou estar nos autos em que se promove a execução, no caso

de esta ser por título judicial. Sua ausência constitui violação de direito

líquido e certo do executado.

2 – Princípio do artigo 612 do Código de Processo Civil: A

execução se realiza no interesse do credor. O objetivo da execução é

satisfazer o crédito do exeqüente, de forma ampla e rápida. Por isso, somente

ele, como titular do direito de exigir do devedor determinada prestação, tem

interesse em promovê-la. Também o executado tem interesse na execução, a

fim de que os atos executórios não lhe causem prejuízo maior que o

estritamente necessário para satisfazer o credor. Mas o dele é um interesse

derivado da sujeição dos seus bens aos atos que se destinam a satisfazer a

pretensão do credor. De qualquer forma, a execução só trará prejuízo ao

devedor.

3 – Princípio do artigo 569 do Código de Processo Civil:

Disponibilidade da execução. É a possibilidade do exeqüente desistir da

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execução ou da penhora de determinado bem a qualquer tempo, por ato de

sua exclusiva vontade, e, de forma diversa à do processo de conhecimento,

independentemente da concordância do executado.

4 – Princípio dos artigos 620 do Código de Processo Civil:

Princípio da economia e da fungibilidade da execução. A execução deve

ser feita de forma menos prejudicial possível ao executado. Se o juiz verificar

que a prestação pode ser satisfeita por meio diverso do que foi pleiteado,

menos oneroso para o interesse do devedor, deverá de ofício determinar a

satisfação do credor por essa outra forma.

5 – Princípio do artigo 591 do Código de Processo Civil: Toda

execução é real. Toda execução só pode incidir sobre os bens do patrimônio

do devedor, e não sobre a sua pessoa. O moderno direito brasileiro não

contempla a prisão civil por dívida, sendo as únicas exceções a do devedor de

prestação alimentícia e a do depositário infiel. Por isso, não se encontrando

bens de propriedade do devedor, suspende-se a execução (CPC, art. 791, III).

6 – Princípio do artigo 659 do Código de Processo Civil: Utilidade

da execução. A penhora deverá atingir apenas a porção de bens

indispensável para a satisfação do direito do credor. Assim, só devem ser

penhorados “tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal,

juros, custas e honorários advocatícios” (art.659, caput), nem “se levará a efeito

a penhora quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados

será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução“

(parágrafo 2º.). Baseada neste princípio, a lei também proíbe que seja “aceito

lanço que em segunda praça ou leilão, ofereça preço vil” (artigo 692, caput).

7 – Princípio do respeito à dignidade humana. A penhora não pode

recair sobre bens que constituam o indispensável para a vida do executado e

de sua família, causando-lhes a ruína, a fome e o desabrigo. Daí a

impenhorabilidade de certos bens, previstas no artigo 649 do CPC e na Lei n.

8009/90.

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8 – Princípio do ônus da execução. A execução corre às expensas

do executado, vez que esta só teve lugar devido ao descumprimento da sua

obrigação em seu termo. Assim, deverá suportar todas as conseqüências do

retardamento da prestação, reparando, tanto a dívida principal, como todos os

prejuízos acarretados ao credor, incluindo os honorários do advogado dele.

CAPÍTULO III

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EFEITOS DA PENHORA

O primeiro efeito da penhora é a individualização dos bens destinados

a atender a finalidade da execução e sobre os quais recairão os demais atos

executórios (alienação e pagamento). Isso não quer dizer que a penhora

libere os demais bens do devedor da possibilidade de sofrer nova penhora,

caso não sejam suficientes aqueles inicialmente penhorados.

O segundo efeito da penhora é submeter os bens à guarda e

conservação de um depositário, para preservar sua existência e valor e, assim,

garantir que a sua transformação em dinheiro vá atingir os objetivos da

execução: satisfação do credor e onerosidade mínima do devedor. Os bens

deverão permanecer no mesmo estado de conservação em que se achavam ao

tempo em que a penhora se realizou, devendo o depositário zelar para que

não sejam deteriorados, destruídos ou subtraídos. Mesmo que o devedor seja

nomeado depositário, a partir da penhora ele perde a posse direta e a livre

disponibilidade dos bens e, embora proprietário, responderá como depositário

infiel se não guardar e conservar a coisa penhorada. Essa condição limita o

poder de fruição do devedor, que não pode se descuidar da conservação do

bem, sob pena de violar o encargo de depositário.

O terceiro efeito da penhora é tornar inoponível ao exeqüente eventual

ato de disposição que o devedor venha a praticar em relação ao bem

penhorado. Sim, porque o devedor, pela penhora, não deixa de ser

proprietário daquele bem. A penhora não torna o bem indisponível, podendo o

devedor, inclusive, aliená-lo. No entanto, a eventual alienação posterior é

irrelevante para o processo de execução. A expropriação do bem prosseguirá,

ainda que esteja em poder de terceiro. Os atos de alienação dos bens

penhorados são ineficazes em relação ao processo de execução.

O quarto efeito da penhora é a preferência no pagamento do credor

que primeiro conseguiu que se efetivasse a penhora, após a transformação em

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dinheiro dos bens penhorados. O crédito desse exeqüente se sobrepõe à

execução individual de eventuais credores concorrentes, exceto aqueles que

forem titulares de um crédito privilegiado

O quinto efeito da penhora é obrigar ao terceiro, possuidor de crédito

ou bem do executado atingido pela penhora, a respeitar o gravame como se

depositário fosse, efetuando sua prestação em juízo, através de depósito à

ordem judicial, no devido tempo.

CAPÍTULO IV

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BENS PENHORÁVEIS E IMPENHORÁVEIS

4.1 Bens Penhoráveis

A penhora visa dar início à transmissão forçada de bens do devedor

para satisfazer o crédito. Nos termos do artigo 655 do Código de Processo civil,

são penhoráveis tanto os bens corpóreos (dinheiro, móveis e semoventes,

imóveis, pedras e metais preciosos), como os incorpóreos (títulos de dívida

pública, direitos e ações).

O princípio elementar que deve orientar a realização da penhora é que

os bens penhorados sejam de propriedade do devedor, pois é ele o sujeito

passivo da execução, o qual deverá responder pela dívida, e que esses bens

ou o produto de sua alienação possam ser transmitidos a outrem. Somente os

bens de quem for parte na execução se sujeitam a ela. A penhora em bens

que não integram o patrimônio do devedor ocasionará a interposição de

embargos de terceiro pelo real proprietário, prejudicando o andamento

processual da execução. Por isso, antes de se efetuar a penhora, é

necessário saber se realmente o bem é de propriedade do executado, sob

pena de nulidade do ato.

Dispõe assim o artigo 592 do CPC, sobre a responsabilidade

secundária, na qual terceiros, embora não sejam devedores, sujeitam seus

bens à penhora, respondendo por uma dívida contraída por outrem:

“Ficam sujeitos à execução os bens:

I – do sucessor a título singular, tratando-se de execução de

sentença proferida em ação fundada em direito real;

II – do sócio, nos termos da lei;

III – do devedor, quando em poder de terceiros;

IV – do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios,

reservados ou de sua meação, respondem pela dívida;

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V – alienados ou gravados com ônus real em fraude de

execução.”

O primeiro inciso trata da constrição dos bens do sucessor singular do

devedor, seja a título oneroso ou gratuito, no caso de execução fundada em

sentença de ação acerca de direito real sobre o próprio bem que fora

transmitido ao sucessor. Então, por exemplo, no caso de uma disputa em

juízo, na qual a parte vencida transmitiu a terceiro o direito, impedindo o

vencedor de executar a sentença, o credor deverá ajuizar execução, recaindo a

penhora diretamente sobre o bem gravado. O adquirente, como sucessor

singular, deverá ser intimado da constrição e poderá se defender através de

embargos de terceiro.

O segundo inciso trata da constrição de bens do sócio. A lei prevê

casos em que o sócio responde pela obrigações contratadas pela sociedade

comercial da qual faz parte. Mas essa responsabilidade é secundária, pois a

constrição não poderá se iniciar em bens seus, mas sim da sociedade

devedora. Somente na falta ou insuficiência de bens da sociedade para a

garantia da execução movida contra ela é que os bens dos sócios poderão ser

penhorados.

O terceiro inciso trata da constrição sobre os bens do devedor, quando

em poder de terceiros. O fato de os bens patrimoniais do devedor suscetíveis

de penhora estarem em poder de terceiros não impede que sejam

penhorados, considerando-se que são de propriedade do devedor, e não do

terceiro. Eventual direito de terceiro sob a coisa em seu poder deverá ser

respeitado, como nos casos de locação, arrendamento, comodato, etc. No

caso de penhora sobre bem do devedor locado a terceiro, terá o credor de

respeitar o direito do inquilino de manter-se no imóvel até o final da locação,

vez que é dever do locador garantir o uso pacífico do imóvel locado durante o

tempo da locação (Lei n. 8245/91, arts. 22, II e III). É necessário, para a

admissibilidade da penhora, que o terceiro utilize-se do bem em nome do

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devedor. Se possuir o bem de propriedade do devedor em nome próprio, sem

a obrigação assumida de restituir o bem, poderá se valer de embargos de

terceiro para a defesa de sua posse contra o credor que requereu a penhora

de tal bem. Esta só poderá incidir sobre o direito à ação reivindicatória do

devedor, para sub-rogar o credor no direito de promovê-la.

O quarto inciso trata da constrição dos bens do cônjuge, nos casos em

que os seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondam pela

dívida. O artigo 3º. da Lei n. 4121/62 (Estatuto da Mulher Casada) continua

em vigor, mesmo após a revogação do Código Civil de 1916, pela Lei n.

10.406/2002, prevendo que “pelos títulos da dívida de qualquer natureza,

firmados por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime de

comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário

e os comuns até o limite de sua meação”. A contrário senso, temos como

exemplo a fiança, em que é obrigatória a assinatura de ambos os cônjuges,

independentemente do regime de casamento. Neste caso é admissível a

constrição em bens do casal, sem respeitar-se a meação, considerando que a

mulher, neste caso, também tornou-se devedora face a fiança outorgada.

O quinto inciso trata da constrição sobre os bens alienados ou

gravados com ônus real em fraude de execução. Ainda que tenham sido

alienados ou gravados com ônus real, os bens do devedor em poder de

terceiro podem ser penhorados. Tais atos são ineficazes em relação ao

credor-exeqüente e à própria execução, restando aos adquirentes ação de

perdas e danos.

4.2 Impenhorabilidade

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4.2.1 Classificação

Os bens patrimoniais do devedor estão sujeitos à expropriação,

excetuando-se aqueles tidos como impenhoráveis por expressa disposição

legal. A doutrina costuma classificar a impenhorabilidade em absoluta – como

dispõe o próprio artigo 649 do CPC - e relativa, sendo esta última verificada

quando os bens podem ser penhorados à falta de outros. A alegação de

impenhorabilidade absoluta poderá ser feita pela parte mediante simples

petição, independentemente de embargos, sem prazo preclusivo, e conhecida

pelo juiz, de ofício, em qualquer fase do processo, por se tratar de questão de

direito material, ditada por princípio de ordem pública. Nesse sentido

entendeu o STJ:

“Em se tratando de nulidade absoluta, a exemplo do que se dá com os

bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art.649), prevalece o interesse

de ordem pública, podendo ser ela argüida em qualquer fase ou

momento, devendo inclusive ser apreciada de ofício. O executado pode

alegar a impenhorabilidade de bem constrito mesmo quando já designada

a praça e não tenha ele suscitado o tema em outra oportunidade,

inclusive em sede de embargos do devedor, pois tal omissão não significa

renúncia a qualquer direito, ressalvada a possibilidade de condenação do

devedor nas despesas pelo retardamento injustificado, sem prejuízo de

eventual acréscimo na verba honorária, a final.” (REsp 192.133-MS, rel.

Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJMG 06/08/99).

Leonardo Greco, por sua vez, classifica a impenhorabilidade em

intrínseca, voluntária, instrumental e residual1 . Segundo o renomado

processualista, a impenhorabilidade intrínseca é aquela em que o bem é

essencialmente inalienável ou está fora do comércio. Sua inobservância

acarretará a nulidade absoluta da penhora, decretável de ofício pelo juiz

a

1 Leonardo Greco, “O Processo de Execução”, vol. 2, Renovar, Rio de Janeiro, 2001, pág.13

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qualquer tempo, para resguardar o interesse público ou o caráter

personalíssimo de certos direitos. Decorre da natureza inalienável do bem e é

inderrogável pela vontade das partes. Possuem impenhorabilidade intrínseca

os bens públicos e os bens de caráter pessoal cujos direitos não podem ser

exercidos por outrem, como a habitação, o usufruto legal do pai ou da mãe

sobre os bens dos filhos menores, o direito à vida humana, às partes

destacadas do corpo e ao cadáver humano, as servidões, o direito ao

emprego e ao cargo público.

Impenhorabilidade voluntária decorre de ato de vontade do devedor

ou de terceiro que institui a inalienabilidade ou impenhorabilidade do bem.

Sua exclusão somente é possível com a anuência do devedor e a

concordância do instituidor e dos beneficiários do gravame. Sem essa

anuência, o juiz decretará de ofício a nulidade absoluta da penhora. Estão

incluídos nesse tipo de impenhorabilidade os bens gravados com a cláusula

de inalienabilidade e as cotas de sociedade, quando o contrato social exigir,

para a sua alienação, a concordância dos demais sócios.

Impenhorabilidade instrumental é instituída por lei para proteger os

meios de sobrevivência condigna do devedor, em seus aspectos econômicos,

sociais e morais. O próprio devedor poderá renunciar a ela, porém a sua

inobservância acarretará a nulidade relativa da penhora, cabendo ao devedor

argüi-la na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, sob pena

de preclusão. Dentre as hipótese de impenhorabilidade instrumental temos as

descritas nos incisos II a X do artigo 649 do Código de Processo Civil:

alimentos e combustível necessários para um mês, anel nupcial e retratos de

família, salários e vencimentos de magistrados, funcionários públicos e

professores, os instrumentos de trabalho do devedor, pensões percebidas dos

cofres públicos ou de institutos de previdência destinados ao sustento do

devedor e sua família, materiais para obras, seguro de vida e o único imóvel

rural até um módulo.

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Impenhorabilidade residual é aquela do artigo 650 do CPC, e inclui os

bens que poderão ser penhorados, no caso de não haver outros no patrimônio

do devedor, ou na execução de certos créditos aos quais estão vinculados. No

inciso I temos os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, que, somente

quando destinados a alimentos de incapazes ou de pessoa idosa, tornam-se

caso de impenhorabilidade. Para alegar tal impenhorabilidade, o devedor

deverá provar a destinação alimentar dos frutos desses bens. No inciso II

vemos o caso das imagens e objetos de culto religioso que não sejam de

grande valor, valor este comparado com o de outros objetos que tenham a

mesma utilização. Cabe ao devedor alegar a nulidade dessa penhora e, caso

não o faça, esta será admitida.

4.2.2 O Artigo 649 do Código de Processo Civil

Passamos a analisar agora cada inciso do artigo 649 do Código de

Processo Civil, que trata dos bens absolutamente impenhoráveis.

I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não

sujeitos à execução;

Inalienáveis são os bens que, em virtude de restrição imposta ao

direito de propriedade, não podem ser vendidos nem cedidos. Os bens

inalienáveis não podem ser penhorados porque toda penhora visa a alienação

para a satisfação de um crédito reclamado em juízo.

Dentre esses bens estão os públicos, os de família e os recebidos por

doação ou testamento com a cláusula de inalienabilidade (cf. Código Civil,

artigos 100, 1717 e 1911).

Sobre a impenhorabilidade dos bens públicos, assim se pronunciou o

STJ:

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“A fundação de direito público integra o complexo político-administrativo

das pessoas jurídicas do direito público interno. Substancialmente, é

capital público com destinação específica. Os bens públicos são

impenhoráveis. A jurisprudência firmou-se no sentido de integrá-la no

gênero autarquia” (MS 633-SP, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU

31/03/97).

Porém, em confrontação com o direito fundamental à saúde, a mesma

Corte entendeu da seguinte forma:

“Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar

quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de

entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF,

art. 100 da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g.,

desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a

possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de

dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis.

Todavia, em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental

à saúde e o regime de impenhorabilidade dos bens públicos, prevalece o

primeiro sobre o segundo. Sendo urgente e impostergável a aquisição do

medicamento, sob pena de grave comprometimento da saúde do

demandante, não se pode ter por ilegítima, ante a omissão do agente

estatal responsável, a determinação judicial do bloqueio de verbas

públicas como meio de efetivação do direito prevalente.

5. Recurso especial a que se nega provimento.”

(REsp 851760/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 11-09-2006, p.

238)

Quanto às sociedades de economia mista, somente não poderão ser

penhorados os bens diretamente comprometidos com a prestação do serviço

público (STJ, Resp 176.078-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 08/03/99).

No que tange ao bem de família, acórdão da 1ª. Câm. Civ. Do TJRJ, na

Ap.Civ. 4.441/96, j. 14-03-97, entendeu que

“A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando

o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família

e ficará isento de execução por dívida. Para a inscrição do bem de

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família, o instituidor apresentará ao oficial do registro a escritura pública

de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e,à falta, na

da Capital do Estado ou do Território - cf. arts. 260 e 261 da Lei n.6.015,

de 1973 (...) Penhora regularmente efetivada. Provimento do recurso”.

A inscrição aqui mencionada caiu em desuso após o advento da Lei

n.8.009/90, que trata da impenhorabilidade do imóvel residencial próprio da

família e sobre a qual falaremos mais adiante.

A penhora de um bem de família é um ato ineficaz, por sua flagrante

nulidade. Tampouco pode ser oferecido à penhora pelo devedor, por se tratar

de regra de caráter público, insuscetível de alteração pelo particular.

II – as provisões de alimentos e de combustível necessárias à

manutenção do devedor e de sua família durante um mês;

A impenhorabilidade do inciso II resulta de uma questão humana,

protegendo-se o direito do devedor e de sua família à sobrevivência. Não

haveria sentido serem penhorados alimentos que visam a mantença de uma

família. Indiretamente, assim, o Estado protege a entidade familiar, tornando

impenhoráveis suas provisões para um mês.

Tal inciso se afigura sem sentido prático nos tempos atuais, vez que,

além de não se saber ao certo o que seria necessário para a sobrevivência do

devedor e de sua família, parece impraticável que alguém faça estoque de

provisões de alimentos para mais de um mês, tampouco de combustível, pois

os veículos normalmente são abastecidos em postos de gasolina e não é

necessário que esta seja guardada em casa.

III – o anel nupcial e os retratos de família;

O anel ou aliança usados na cerimônia de casamento, bem como os

retratos de família, sendo obras de arte ou simples fotografias, são bens de

valor afetivo do devedor e seus familiares que, independentemente de seu

valor econômico, são impenhoráveis.

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IV – os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos

funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de

prestação alimentícia;

Os vencimentos, o soldo e os salários representam a remuneração

mensal paga a tais funcionários pelo desempenho de suas atividades, e a

mesma regra se estende aos subsídios do vereador e aos proventos de

aposentadoria. São impenhoráveis, salvo para pagamento de prestações

alimentícias, porque todos possuem caráter alimentar em relação ao

funcionário e sua família. Porém alguns tribunais têm interpretado que a

impenhorabilidade só se verifica quando o vencimento, soldo ou salário

estiverem ainda em poder da fonte pagadora. A partir do momento em que

entram na esfera de disponibilidade do funcionário, transformando-se em

dinheiro, poderão ser penhorados, eis que os saldos de conta corrente e

importâncias em dinheiro são suscetíveis de penhora. Assim decidiram a 2ª.

Câmara Cível do TJSC, na Ap. Cív. 12.507, j. 08-07-77 e a 7ª. Câm. Civ. Do

TAMG, na Ap. Civ. 152.761-3, j. 04-03-94, respectivamente:

“Os vencimentos do funcionário público, depois de percebidos, passam a

integrar o patrimônio ativo de quem os recebe e, se aí forme

encontrados, como dinheiro ou convertidos em outros bens, são

penhoráveis”

“Sujeitam-se à penhora os valores constantes da conta corrente de

servidor público, se não comprovar ser ela exclusivamente utilizada para

depósito de seus vencimentos ou proventos”.

Entretanto, a interpretação do STJ, especialmente de sua 3ª. Turma,

tem sido bem mais benéfica ao devedor, como nestes exemplos:

“Na expressão "salários", empregada pelo artigo 649, IV do C.P.C., há de

compreender-se a remuneração percebida por diretores de sociedades

anônimas, não se justificando exegese restritiva que não se compadece

com a razão de ser da norma. Impenhorável aquela remuneração, não se

verifica a compensação.” (REsp 20247/SP , Rel. Min. Eduardo Ribeiro,

DJU 08-03-93, p. 3113)

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“Comissão de leiloeiro. Impenhorabilidade. Na expressão "salários",

empregada pelo artigo 649, IV do CPC, há de compreender-se a

comissão, percebida por leiloeiros, não se justificando exegese restritiva

que não se compadece com a razão de ser da norma. Impenhorável

aquela remuneração, não se admite seja colocada à disposição do juízo,

com a finalidade de garantir a execução.” (REsp 204066/RJ, Rel. Min.

Eduardo Ribeiro, DJU 31-05-99,p. 147).

“Os rendimentos do trabalho profissional como médico estão alcançados

pela regra do art. 649, IV, do Código de Processo Civil, sendo, portanto,

impenhoráveis.” (REsp 599602/PR, Rel. Min.Carlos Alberto Menezes

Direito, DJU 18-04-2005, p.314).

Leonardo Greco considera exagero do legislador a impenhorabilidade

total dos salários e vencimentos, detectando um desequilíbrio entre o interesse

do credor e o do devedor, vez que este poderá continuar desfrutando de suas

comodidades, em detrimento do prejuízo dos seus credores. Cita como

exemplo a legislação vigente em países como a Alemanha, França, Espanha,

Portugal e Estados Unidos, nos quais a impenhorabilidade dos vencimentos é

apenas parcial 2

V – os equipamentos dos militares;

Equipamentos como fardas, armas e insígnias normalmente são bens

públicos, mas em certas corporações militares alguns desses objetos de uso

necessário em serviço pertencem como bens particulares aos membros da

organização. A finalidade pública da sua utilização é que determina a sua

impenhorabilidade, tornando-os indisponíveis.

VI – os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos,

necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;

A impenhorabilidade desses bens decorre do dever do Estado de

assegurar condições de trabalho a todos os cidadãos. Protege-se, assim, os

instrumentos de trabalho de qualquer atividade profissional lícita, desde as

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mais simples até as mais sofisticadas. A profissão que torna esses bens do

devedor impenhoráveis deve estar sendo exercida pelo devedor por ocasião da

penhora. A impenhorabilidade desse inciso, porém, não alcança as máquinas

e utensílios de sociedade industrial ou comercial (REsp. 60.039-1/SP, Rel. Min.

Garcia Vieira, DJ 08-05-95, p. 12.327).

Observe-se, a propósito, que a lei considera impenhoráveis não

apenas os bens indispensáveis ao exercício da profissão, mas também os úteis

a tal finalidade. Vejamos o entendimento do STJ sobre a matéria.

“PROCESSO CIVIL – PENHORA – VEÍCULO DE REPRESENTANTE

COMERCIAL.

1. Na dicção do art. 649, VI, do CPC, para ser considerado impenhorável

um bem, não se faz necessária a sua indispensabilidade no exercício da

profissão. A simples utilidade é suficiente para mantê-lo fora da

constrição judicial.

2. Divergência na jurisprudência do STJ, que se resolve em favor da

impenhorabilidade.”

(REsp 710716/RS, Min. Eliana Calmon, DJU 21-11-2005, p.197).

No caso em tela, o representante comercial que se utilize de veículo de

sua propriedade para visitar clientes, poderia passar a viajar de ônibus ou em

veículo da empresa em que trabalha, se esta o tiver e o permitir. Mas a

retirada do veículo de seu poder, sem dúvida prejudicará seu próprio trabalho,

alterando substancialmente sua atividade e seu desempenho profissional. A

penhora, portanto, comprometeria o exercício amplo da profissão e da

atividade do devedor, retirando-lhe um bem útil a tal exercício.

Em vista das inúmeras microempresas que existem no país

atualmente, o STJ vem estendendo a elas o benefício do inciso VI do artigo

649.

2 Ob. cit. , pg. 19-22

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“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. MICROEMPRESA. BENS

INDISPENSÁVEIS AO EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA.

IMPENHORABILIDADE.

O disposto no art. 649 do CPC aplica-se às pessoas jurídicas somente

em casos excepcionais. Hipótese em que se trata de microempresa cujos

bens penhorados são indispensáveis à manutenção do seu

funcionamento. Precedentes: REsp 681.581/RS, 2ª T., Min. Franciulli

Netto, D.J. de 25.04.2005 e REsp 512.564/SC, 1ª T., Min. Francisco

Falcão, DJ de 15.12.2003.”

(REsp 749081/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 05-09-2005, p.

307).

“RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA.

MICROEMPRESA. IMPENHORABILIDADE DE BENS ESSENCIAIS AO

EXERCÍCIO PROFISSIONAL. ART.649, VI, DO CPC. PRECEDENTES.

Este colendo Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento segundo

o qual "é absolutamente impenhorável veículo necessário ou útil ao

exercício de atividade de micro-empresário, titular de firma individual, que,

em última análise, coincide ou muito se aproxima da sua profissão.

Aplicação do art. 649, VI, do CPC" (REsp 58.869/SP, Rel. Min. Antônio

de Pádua Ribeiro, DJ 23.10.1995). Precedentes.

Dessarte, na espécie, deve ser reconhecida a impenhorabilidade dos dois

microônibus penhorados, uma vez que a recorrente é microempresa

dedicada ao transporte de passageiros e o artigo 649, VI, do Estatuto

Processual Civil, veda a penhora dos bens necessários ou úteis ao

exercício da profissão.”

(REsp 667866/RS, Min. Franciulli Netto, DJU 05-09-2005, p. 368).

Assim, se as máquinas, os utensílios e os instrumentos utilizados em

uma microempresa onde o titular exerça sua atividade laborativa são

indispensáveis ao seu funcionamento e existência, não poderão ser

penhorados, pois o inciso em questão visa a proteção do trabalho do cidadão,

viabilizando seu meio de renda. Nem se confunda uma sociedade comercial

ou industrial com o microempresário que exerça sua atividade laboral, ainda

que com o auxílio de alguém. Caberá ao juiz a análise do caso concreto,

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constatando a utilidade ou necessidade do objeto penhorado, a fim de não

cometer injustiça.

Nesse passo, um motorista profissional que trabalhe com táxi não

poderá ter seu veículo penhorado, eis que, ainda que esse bem tenha valor

considerável, é indispensável ao exercício de sua profissão. Uma empresa de

táxis, todavia, poderá ter veículos penhorados, eis que não se trata, no caso,

de profissão, mas sim de atividade comercial, que não deixará de existir pela

penhora de um dos seus veículos. Para a profissão do advogado, os livros de

direito lhe são necessários e úteis, sendo portanto impenhoráveis. Mas se os

livros constituem uma biblioteca de obras raras, cuja consulta ou leitura lhe

servem essencialmente de entretenimento, a impenhorabilidade pode cair por

terra, em benefício do credor.

VII – as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos

cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os

provenientes de liberalidade de terceiro, quando destinados ao sustento

do devedor ou da sua família;

Segundo o “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, “pensão” é

a “renda anual ou mensal paga a alguém durante toda a vida”; “tença” é a

“pensão periódica, ordinariamente em dinheiro, que alguém recebe do Estado,

ou de particular, para seu sustento”; e “montepio” é a “instituição em que,

mediante uma cota, e satisfeitas outras condições, cada membro adquire o

direito de, por morte, deixar pensão pagável a alguém de sua escolha”.

Protege-se, com este dispositivo, o direito à subsistência do devedor e

seus familiares, pelo recebimento de tais rendimentos, em face do seu caráter

alimentar. Se estiver ausente o requisito da necessidade, o vínculo processual

da penhora poderá ser estabelecido.

VIII – os materiais necessários para obras em andamentos, salvo

se estas forem penhoradas;

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Os materiais de construção, uma vez empregados na obra, aderem ao

imóvel e se tornam dele inseparáveis. Tratando-se de obra em andamento,

onde existam materiais necessários a sua continuidade e nela empregados,

são eles impenhoráveis, sob pena de se prejudicar o andamento de uma

construção já iniciada. A penhora é admitida, contudo, sobre o imóvel em seu

todo.

IX – o seguro de vida;

A impenhorabilidade neste caso atinge o seguro de vida, caso seja o

devedor o beneficiário ou o segurado. No primeiro caso, porque o seguro não

pertence ao devedor, já que, recebida a soma, deixou de haver o seguro,

podendo, portanto, incidir sobre ela a penhora. No segundo, porque o

beneficiário é terceira pessoa que pode não ser herdeira do segurado devedor.

A finalidade do seguro é trazer um rendimento de caráter alimentar ao

beneficiário, na falta do segurado. Daí a razão da impenhorabilidade: o caráter

alimentar que possui.

X- o imóvel rural, até um módulo, desde que este seja o único de

que disponha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de

financiamento agropecuário.

O imóvel rural de dimensão até um módulo, quando o único de que

disponha o devedor, é impenhorável, exceto para saldar hipoteca para fins de

financiamento agropecuário. O módulo rural é a unidade de medida da

propriedade familiar, expressa em hectares, definida pelo INCRA de acordo

com a região. Cuida-se de mais uma proteção da lei ao pequeno proprietário

rural, que utiliza o imóvel para seu trabalho, sustento e residência com seus

familiares. Necessária, portanto, a comprovação de exploração familiar com o

fim de subsistência. Se o imóvel tiver área superior ao mínimo legal também

não será impenhorável. Seguem-se decisões do STJ a esse respeito.

“Processo civil. Impenhorabilidade de imóvel rural.

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35

Para declarar a impenhorabilidade com fundamento no art. 649, X do

CPC, necessária a comprovação de exploração familiar com fim de

garantir a subsistência. Precedentes.

Recurso conhecido e provido”

(REsp 492934/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 18-10-2004,p.266)

“Penhora. Art. 649, X, do Código de Processo Civil. Art. 4°, § 2°, da Lei

nº 8.009/90. Precedente da Corte.

1. A impenhorabilidade prevista no art. 649, X, do Código de Processo

Civil não tem como prosperar quando os titulares do domínio sequer

residem na Comarca nem o imóvel é trabalhado por sua família.

2. Recurso especial conhecido e provido.”

(REsp 469496/PR, rel. Min.Carlos Alberto Menezes Direito, DJU

01/09/2003,p.282)

“PROCESSUAL CIVIL. MÓDULO RURAL. IMPENHORABILIDADE. CPC,

ART. 649, X. EXEGESE VALORATIVA. RECURSO ESPECIAL.

REEXAME DOS FATOS. VEDAÇÃO. SÚMULA/STJ, ENUNCIADO Nº 7.

RECURSO NÃO CONHECIDO.

Tendo a Turma julgadora entendido que o imóvel rural do recorrente não

se enquadrava na hipótese do artigo 649, X, CPC, por se destinar à

criação e comercialização de cavalos de raça, aduzindo que já havia duas

penhoras decorrentes de créditos trabalhistas no mencionado imóvel,

tendo, ainda, nada afirmado a respeito do tamanho do imóvel e quanto à

existência de outros bens em nome do executado, inviável o cabimento do

recurso especial, por incidência do enunciado nº 7 da súmula/STJ.”

(REsp. 138097/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 21-06-99,

p.159).

4.2.3 A Impenhorabilidade da Lei 8009/90

A Lei n. 8.009, de 29/03/90, instituiu a impenhorabilidade do imóvel

residencial do casal ou da entidade familiar, por qualquer dívida, salvo as

exceções constantes em seus artigos 3º. e 4º. Para os efeitos dessa

impenhorabilidade a Lei considera “residência um único imóvel utilizado pelo

casal ou pela entidade familiar para moradia permanente” (art. 5º.). Havendo

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pluralidade de imóveis utilizados para aquele fim, a impenhorabilidade recairá

sobre o de menor valor (art. 5º., parágrafo único). Seus benefícios atingem o

solo, a construção, as plantações, as benfeitorias e todos os equipamentos ou

móveis que guarnecem a casa, desde que quitados (art. 1º., parágrafo único).

Os móveis que guarnecem a residência do devedor locatário, que sejam de

sua propriedade e estejam quitados, também foram beneficiados pela

impenhorabilidade (art. 2º. parágrafo único). Quando entrou em vigor, a Lei n.

8.009/90 foi aplicada às penhoras realizadas anteriormente a sua vigência, que

foram canceladas, se tivessem contrariado seus dispositivos.

O STJ vem admitindo a impenhorabilidade mesmo na hipótese do

único imóvel estar locado, desde que o valor auferido sirva para complementar

a renda familiar ou pagar outro aluguel. É que, mesmo alugado, o imóvel não

perde a sua destinação imediata, que continua sendo a de garantir a moradia

familiar, que é justamente o que a lei pretende proteger. Nesse sentido, o

acórdão abaixo.

“O entendimento predominante nesta Corte é no sentido de que a

impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 1º da Lei n.º

8.009/90, se estende ao único imóvel do devedor, ainda que este se

encontre locado a terceiros, por gerar frutos que possibilitam à família

constituir moradia em outro bem alugado ou mesmo para garantir a sua

subsistência. “

(AgRg no Ag. 679695/DF, Rel. Min. Félix Fischer, DJU 28-11-05, p.328).

Embora em seu texto a lei n. 8.009/90 mencione casal ou entidade

familiar para se referir aos devedores beneficiados pela impenhorabilidade do

imóvel próprio, nossos tribunais tem interpretado que o devedor que reside

solitário em seu imóvel deve receber o mesmo tratamento que aqueles, pois o

escopo da lei é proteger a pessoa, independente do número delas que resida

no imóvel (REsp 182.223-SP, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 10-05-99, p.

234). Também tem entendido como impenhorável o imóvel em construção

destinado à residência da família, que mora em imóvel alugado (REsp 96046-

SP, Rel. Min. Peçanha Martins). Porém o imóvel pertencente a empresa, ainda

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que de pequeno porte e de caráter familiar, não é tido como impenhorável, por

não abranger o conceito de “bem de família” (RSTJ 73/261). A vaga de

garagem, desde que seja individualizada como unidade autônoma, com

registros e matrículas próprias, pode ser penhorada, não se enquadrando na

hipótese do artigo 1º. da Lei n. 8009/90 (REsp 311.408/SC, rel. Min. Antonio de

Pádua Ribeiro, DJU 01-10-2001, p.212).

Quanto aos bens que guarnecem a residência, tem-se entendido, em

sede jurisprudencial, que são impenhoráveis os seguintes bens móveis:

televisor, rádio, aparelho de som, aparelho de jantar, exaustor, cristaleira,

conjunto de mesa, arca, buffet, conjunto da sala, armário da cozinha,

geladeira, freezer, máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, passadora

de roupa, secadora de roupa, dormitório, guarda-roupas, computador, teclado,

vez que não podem ser considerados adornos suntuosos.

A regra da impenhorabilidade alcança as execuções civis, fiscais,

previdenciárias, trabalhistas ou de outra natureza, salvo as exceções

delineadas nos incisos I a VII do art. 3º da Lei n.8009/90. Face as diretrizes

do inciso II do art. 3º., a impenhorabilidade não pode ser oposta quando se

tratar de execução decorrente de financiamento destinado à construção ou à

aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos.

CAPÍTULO V

O ARRESTO ANTERIOR À CITAÇÃO

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Se o devedor não for encontrado para a citação, o oficial de justiça,

com base no artigo 653 do Código de Processo Civil, arrestar-lhe-á tantos bens

quantos bastem para garantir a execução, independentemente de novo

despacho judicial. O arresto se cumpre através da apreensão dos bens do

devedor pelo oficial de justiça, lavratura do respectivo auto e a sua entrega à

guarda de depositário. Nos dez dias seguintes à efetivação do arresto, o oficial

de justiça procurará o devedor três vezes em dias distintos; não o

encontrando, certificará o ocorrido. Compete ao credor, dentro de dez dias

contados da intimação do arresto, requerer a citação por edital do devedor.

Findo o prazo do edital ou se o devedor for encontrado para a citação,

passado o prazo de 24 horas para a nomeação de bens à penhora, o arresto

converte-se em penhora.

O arresto aqui tratado é medida cautelar inserida no processo de

execução e visa a garantia da eficácia dos atos executórios subseqüentes,

tendo em vista o perigo, que a lei presume, de que o executado se aproveite

do retardamento da citação para ocultar, dilapidar, consumir ou destruir os

bens do seu patrimônio, frustrando o objetivo do credor de receber seu crédito.

Deve obedecer aos seguintes pressupostos:

a) suspeita ou prognóstico de dificuldade na citação. Se o devedor se

encontra em viagem, devendo retornar breve, deverá ser aguardado para a

citação inicial. Se a demora trouxer perigo à efetividade da execução, caberá

ao credor requerer ao juiz, justificadamente, a providência cautelar ;

b) suposição que o devedor está em local incerto e não sabido. O

devedor deve ter sido procurado pelo oficial de justiça nos endereços onde

normalmente poderia ser encontrado e essa busca deve ter sido infrutífera;

c) conhecimento do credor ou do juízo de bens do devedor e onde eles

se encontram. Se não forem conhecido os bens do devedor ou a sua

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localização, não se realizará o arresto, devendo ser promovida a citação

editalícia do devedor, para que se produzam os efeitos do artigo 219 do CPC.

O arresto, tendo a mesma natureza executiva da penhora, assegura

ao credor que o efetiva direito de preferência em relação ao bem apreendido.

Interpretando-se sistematicamente a legislação processual civil, constatamos a

equiparação do arresto incidental ou executivo (art. 653 do CPC) à penhora,

haja vista a natureza constritiva do ato, inclusive designado de "pré-penhora",

vez que meramente antecipatório da penhora, em hipóteses nas quais não

localizado o devedor. Trata-se de atos processuais de idêntico fim, decorrendo

automaticamente a conversão do arresto em penhora em não se verificando o

pagamento pelo executado, nos termos do art. 654 do CPC.

De igual forma, o arresto previsto no art. 7º, III, da Lei 6.830/80 (Lei de

Execuções Fiscais) é medida executiva decorrente do recebimento da inicial,

que, por força de lei, traz em si três ordens: citação do executado; penhora, no

caso de não haver pagamento da dívida nem garantia da execução; e arresto,

se o executado não tiver domicílio ou dele se ocultar. Trata-se, portanto, de

medida semelhante ao arresto previsto no art. 653 do CPC: ambos são

providências cabíveis quando há empecilhos à normal e imediata citação do

devedor e não se submetem aos requisitos formais e procedimentais da ação

cautelar disciplinada nos arts. 813 a 821 do CPC.

CAPÍTULO VI

A PENHORA “ON LINE”

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A penhora “on line” nada mais é do que a utilização pelo Judiciário de

um sistema de informática – o Bacen-Jud - que permite efetuar a penhora em

dinheiro de forma eletrônica, mediante envio de ordens judiciais aos bancos

pela Internet. Através de uma solicitação em forma de documento eletrônico

repassado a todas as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional,

as ordens judiciais são cumpridas instantaneamente, em havendo saldo em

alguma conta do executado.

Embora a gradação legal de bens que podem ser indicados à penhora

(art.655 do CPC) não tenha um caráter absoluto e o juiz possa, observando o

caso concreto, decidir pela constrição de outro bem que não o dinheiro, deve

ele sempre ter em conta que isso pode acarretar ao credor uma série de

dificuldades práticas que podem levar o processo de execução a não atingir o

seu fim. É que todos os outros bens têm maior ou menor dificuldade de

conversão em dinheiro, e quase sempre essa conversão implica em um

procedimento longo e penoso, com o surgimento de inúmeros incidentes

processuais nesse caminho.

A possibilidade da penhora “on line” praticamente elimina os

expedientes antes utilizados pelos devedores de retirar numerário de suas

contas bancárias, antes que fossem bloqueadas. É certo que o devedor de

má fé poderá sempre levantar o dinheiro da conta assim que é citado para a

execução, mas, diferentemente da época em que o bloqueio da conta era feito

através de ofício à instituição bancária, o executado não tem conhecimento

exato do momento em que poderá ocorrer a constrição judicial. Por isso, os

juízes tem se inclinado cada vez mais em rejeitar a opção por outro bem,

quando o devedor dispõe de dinheiro depositado em instituição bancária.

Trata-se tão-somente de aplicar a regra do art. 656, I do CPC, que prevê a

ineficácia da nomeação à penhora que não obedece a ordem legal. Tal

providência é acolhida pelo STJ, como demonstra o seguinte Acórdão:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. NOMEAÇÃO DE IMÓVEL DE

DIFÍCIL VENDA. GRADAÇÃO LEGAL. PENHORA DE NUMERÁRIO À

DISPOSIÇÃO DA EXECUTADA. ADMISSIBILIDADE.

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Indicado bem imóvel pelo devedor, mas detectada a existência de

numerário em conta-corrente, preferencial na ordem legal de gradação, é

possível ao juízo, nas peculiaridades da espécie, penhorar a importância

em dinheiro, nos termos dos arts. 656, I e 657 do CPC.

(REsp 537667/SP, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 09.02.04).

Há quem argumente que a utilização da penhora de dinheiro

depositado em conta-corrente contraria o princípio da economia, previsto no

artigo 620 do CPC. O fundamento é que a utilização da penhora “on line”

possibilita um bloqueio indiscriminado de contas bancárias, acarretando ônus

excessivo ao devedor. Argumenta-se, também, que o bloqueio eletrônico pode

alcançar contas e depósitos destinados a pagamento de obrigações do

devedor ou até mesmo sobre verbas de natureza impenhorável, como as de

natureza alimentar ou que representem exclusivamente ganhos salariais.

A corrente contrária observa que o princípio da economia não se

sobrepõe ao do artigo 612 do CPC, que consagra o princípio da maior utilidade

da execução para o credor e impede que seja realizada por meios ineficientes

à solução do crédito exeqüendo. Alegam seus defensores que a penhora de

valores depositados em conta bancária, sobretudo na sua modalidade

eletrônica, representa, isso sim, uma economia para o próprio devedor, que

não tem que arcar com custos como registro da penhora, publicações de

editais, honorários de avaliador e leiloeiro e outras despesas comuns ao

procedimento de praça e leilão para a conversão de outros bens em dinheiro.

Por outro lado, o juiz tem sempre a possibilidade de determinar o desbloqueio

total ou parcial de contas, quando a constrição se revela excessiva ou recai

sobre valores que possuam natureza de impenhorabilidade.

CAPÍTULO VII

DEFESA DO EXECUTADO

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O contraditório e a ampla defesa são garantias constitucionais de

qualquer processo judicial, de acordo com o inciso LV do artigo 5º. da

Constituição Federal. Segundo esses princípios, ninguém pode ser atingido

por um ato de autoridade na sua esfera de interesses, sem que lhe seja

assegurado o direito de argüir questões que influam eficazmente na formação

dessa decisão. Por isso, tem o devedor o direito de libertar-se de uma

execução injusta, defendendo-se dos atos coativos que o processo de

execução venha a lhe impor, para que o credor não receba além daquilo que

lhe é devido, e objetivando que os meios executórios lhe sejam minimamente

onerosos. Além disso, o título executivo pode ter defeitos, os atos executórios

podem ser ilegais ou abusivos e a dívida constante do título pode estar extinta.

Assim, prevê o Código de Processo Civil a defesa do executado na forma dos

embargos do devedor. Utilizam-se os advogados também de meios informais

de impugnação de atos executórios, as chamadas exceções de pré-

executividade, aceitas com maior ou menor generosidade pelos juízes, uma

vez que não previstas em lei.

7.1 Embargos do Devedor

Os embargos do devedor são ação de conhecimento, incidente ao

processo de execução, que visa a declarar a inexistência da dívida, a nulidade

ou ineficácia do título, a nulidade daquele processo ou de qualquer dos seus

atos. Distribuído por dependência à execução e autuado em apartado, sua

admissibilidade é condicionada à prévia segurança do juízo, que se faz pela

penhora ou depósito. Não exige a lei que a garantia do juízo seja total. Pode,

muitas vezes, acontecer que inexistam bens do executado para cobrir todo o

valor da dívida exeqüenda. Nem por isso deixará de ser permitido ao devedor

oferecer os embargos.

O prazo para o oferecimento é de dez dias contados da juntada ao

autos da prova da intimação da penhora, do termo de depósito, da juntada

aos autos do mandado de imissão na posse ou de busca e apreensão na

execução para a entrega de coisa ou da juntada aos autos do mandado de

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citação, na execução das obrigações de fazer ou de não fazer. Serão sempre

recebidos com efeito suspensivo, exceto se forem parciais, hipótese na qual a

execução prosseguirá quanto à parte não embargada. Recebidos os

embargos, o credor será intimado para impugná-los em dez dias. O juiz

designará audiência de instrução e julgamento ou poderá dispensá-la,

proferindo sentença, caso versem somente sobre matéria de direito ou a prova

seja exclusivamente documental (CPC, artigos 738 a 740).

Leonardo Greco, em uma visão crítica dos embargos do devedor,

consideram-nos um verdadeiro ”tormento para o credor e para o devedor: o

primeiro, apesar de detentor do título executivo, vê a execução paralisar-se

pelos embargos, em grande maioria meramente procrastinatórios, retardando

indefinidamente a satisfação do seu crédito; o segundo, não podendo

defender-se sem prévia penhora ou depósito, mesmo para alegar nulidades

absolutas, a inexistência da dívida ou ineficácia do título, de que tem prova

cabal, e sendo obrigado a aguardar os momentos próprios para interpô-los.

Quanto à imposição do efeito suspensivo automático, conferido aos

embargos, entende ele que, “se os embargos alegam e provam liminarmente a

existência de fundamento relevante, elisivo da executoriedade do título, e o

juízo está garantido pela penhora ou pelo depósito, podem eles ser recebidos

com efeito suspensivo. Caso contrário, deveria a execução prosseguir, sem

prejuízo de, se acolhidos viessem a ser os embargos, fossem as coisas

repostas no estado anterior ou restituído ao devedor o seu equivalente em

dinheiro” 3

7.2 Exceção de Pré-Executividade

Trata-se de criação doutrinária e jurisprudencial que objetiva combater

o desencadeamento dos atos coativos inerentes à execução,

independentemente de prestação da garantia da penhora ou do depósito.

Assim, pode o executado, a partir do momento em que tomar conhecimento da

3 Ob. cit. págs. 583-585

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execução contra ele proposta, dirigir-se ao juiz através de petição apontando

vícios graves do processo que, se não forem desde logo apreciados,

sujeitariam-no a uma coação ilegal. Se dispuser de prova cabal de fato

extintivo, modificativo ou impeditivo do direito material do exeqüente, também

deverá argüir essa matéria.

Como instrumento da garantia constitucional da ampla defesa, a

exceção de pré-executividade poderá argüir tanto matéria de ordem pública

quanto nulidades relativas e exceções substanciais como a prescrição. Pode

também ser oferecida antes ou depois dos embargos, neste último caso desde

que a matéria não esteja preclusa. Assim, o seu campo de atuação tende a

cada vez mais se alargar.

Seu processamento é informal, mas deve conceder a garantia do

contraditório ao exeqüente, devendo o juiz ouvi-lo ante de apreciar a exceção

de pré-executividade. Para sua oposição não é exigido prazo, nem forma

especial. Mas sua tramitação não pode tumultuar o processo, nem provocar a

instauração de extravagante dilação probatória na execução. Por isso, a prova

deve ser pré-constituída e a execução não fica suspensa. O acolhimento da

exceção por matéria processual implicará em indeferimento da petição inicial

da execução ou extinção do processo com ou sem julgamento do mérito,

conforme o caso.

CONCLUSÃO

Temos acompanhado, ao longo dos últimos tempos, pequenos ajustes

nas regras processuais que tem sido feitos com o intuito de evitar a

desmoralização do Judiciário como solucionador de conflitos sociais.

A Lei 10.358 de 27.12.01 é exemplo adequado da movimentação

legislativa na ordem processual. Vejamos um comando inserido na citada Lei.

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"Art. 14 – São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer

forma participam do processo:

(...)

V – Cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar

embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza

antecipatória ou final."

Além das alterações legais, cuja utilização nos casos concretos nem

sempre é feita com a velocidade imaginada, há uma efetiva alteração da

postura geral das partes envolvidas em um processo.

O Judiciário não tem poupado esforços para tornar efetivas as suas

decisões. A penhora “on line” é um exemplo de concretização desses objetivos.

Mas há outro lado: o lado do devedor. Não de qualquer devedor, mas

sim a visão do devedor de boa-fé, assim entendido aquele que, tal como o

credor, tenta proteger aquilo que entende ser o seu direito e se vale das regras

que o legislador criou.

Ao contrário do entendimento hoje majoritário, nem sempre aquele que

se vê no pólo passivo de uma execução, ainda que por título judicial, ali está

com o objetivo de fugir ao cumprimento de sua obrigação.

É preciso que o julgador jamais perca de vista o princípio contido no

artigo 620 do CPC que exige que a execução se faça da forma menos onerosa

para o devedor. Nesse sentido é o ensinamento colhido do RESP 264495/SP,

relatado pelo festejado Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

“Processo Civil. Execução. Penhora de TDAs (Títulos de Dívida Agrária)

por Oficial de Justiça. Princípios da Adequação e da Satisfação do

Interesse do Credor. Doutrina. Recurso Provido.

(...)

II – Ao escolher os bens para a penhora, o oficial de justiça deve adequar

os interesses contrapostos de menor onerosidade para o devedor e de

satisfação do interesse do credor, que limitam a sua liberdade de

escolha, devendo atentar, sempre que possível, para a gradação legal”.

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No curso do voto, a matéria é exaurida.

"A conciliação desses dois princípios contrapostos é que deve nortear a

solução de cada caso concreto e mediar a aplicação dos arts. 655, 656 e

620 do Código de Processo Civil. A respeito, o RESP 1.813-RJ, de que

fui relator:

1. O princípio segundo o qual a execução deve realizar-se da forma

menos onerosa possível para o devedor não tem o condão de subverter o

procedimento contemplado em lei, um dos sustentáculos do devido

processo legal”.

E , ainda sobre o tema, o magistério de Enrico Túlio Liebman:

“A gradação é estabelecida para facilitar o melhor andamento da

execução, dando preferência aos bens que se podem mais facilmente

alienar, e com melhores resultados. Mas, na escolha dos bens, os oficiais

de justiça devem também procurar conciliar possivelmente os interesses

das partes, evitando prejudicar o executado mais do que for necessário.

As disputas eventuais deverão ser resolvidas tendo em mente estas

finalidades da lei."4

Assim, o que se espera do Judiciário é o equilíbrio, a cautela a e análise

de cada caso, pontualmente, evitando que a generalização de uma conduta

produza injustiças de difícil e tardia recuperação.

Tomando como exemplo a penhora “on line”, podemos considerá-la uma

ferramenta positiva? Não se tem a menor dúvida. É ela um instrumento hábil a

retirar da sociedade a sensação de injustiça.

Não se pode, porém, esquecer que, muitas vezes, da penhora até a

entrega do bem penhorado – ou do resultado de sua alienação – ao credor,

muitos anos podem se passar, sem que para isto concorra o devedor.

Por tudo isso, podemos concluir que as tentativas de dar mais

efetividade ao processo de execução, notadamente com modificações no ato

4 Processo de Execução, 4a ed., São Paulo: Saraiva, 1980, no. 61, p.133

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executivo da penhora, são válidas, desde que não se traduzam em agressão a

direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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1994.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, volume II.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

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METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

Antecedentes Históricos da Penhora 9

1.1 – A Penhora na Antiguidade 9

1.2 - A Penhora no Direito Romano 10

1.3 – A Penhora no Direito Ibérico 13

1.4 – A Penhora no Direito Luso-Brasileiro 13

CAPÍTULO II

Princípios Informativos da Penhora 16

CAPÍTULO III

Efeitos da Penhora 19

CAPÍTULO IV

Bens Penhoráveis e Impenhoráveis 21

4.1 – Bens Penhoráveis 21

4.2 – Impenhorabilidade 24

4.2.1 - Classificação 24

4.2.2 – O artigo 649 do Código de Processo Civil 26

4.2.3 – A Impenhorabilidade da Lei 8.009/90 35

CAPÍTULO V

O Arresto Anterior à Penhora 38

CAPÍTULO VI

A Penhora On Line 40

CAPÍTULO VII

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Defesa do Executado 42

7.1 – Embargos do Devedor 42

7.2 – Exceção de Pré-Executividade 44

CONCLUSÃO 45

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 48

ÍNDICE 50

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes – Instituto A Vez do

Mestre

Título da Monografia: A Efetividade da Penhora

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Autor: Ivana Milhomem Sá

Data da entrega: 10 de outubro de 2006

Avaliado por: Conceito: