UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · constitucionalização do direito civil,...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
APLICAÇÃO DA BO-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS
COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Por: Cristiane Medeiros Gonçalves Dias
Orientador
Prof. Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
APLICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS
COM A ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA
Apresentação de monografia à
Universidade Candido Mendes como requisito
parcial para obtenção do grau de especialista em
Direito Privado e Civil
Por: Cristiane Medeiros Gonçalves Dias
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AGRADECIMENTOS
Aos professores que sempre
foram alvos de admiração e me
inspiraram a vereda do estudo e do
conhecimento.
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DEDICATÓRIA
À Tereza, meu maior amor,
que sempre se dedicou de corpo e alma
aos filhos.
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RESUMO
O presente trabalho desenvolve um estudo sobre o movimento
difundido na ordem jurídica pátria sobre a constitucionalização do direito civil, e
sobre seus efeitos no campo contratual brasileiro.
O principal objetivo é demonstrar os princípios constitucionais que
ora vigoram na órbita dos contratos, princípios que abalaram de forma
definitiva a visão privativista do Direito Civil, do pacta sunt servanda e do res
inter alios acta neque nocet neque prodest.
E, nesse novo momento jurídico e legislativo, de grandes mudanças,
onde é possível a aplicação de garantias fundamentais em relações
exclusivamente privadas, em nome da dignidade da pessoa humana, surge o
questionamento: o Poder Público poderá valer-se do interesse público para
afastar a observância do princípio da boa-fé objetiva nos contratos
administrativos?
No modelo de Estado Democrático de Direito, onde o Estado é
diligente, terá lugar a existência de cláusulas exorbitantes que criam uma
relação de verticalidade entre a Administração Pública e os administrados?
Certamente a concepção do interesse público concebida à época dos Estados
Absolutistas não encontra mais lugar nos dias de hoje.
Hoje a correta leitura das cláusulas exorbitantes existentes na
legislação pátria deverá ser de uma modulação contratual, que será inserida
sempre que motivadamente exigível pela matéria administrativa versada. Pois
é fundamental que a Administração Pública observe o princípio da boa-fé
objetiva, decorrente da dignidade da pessoa humana, e respeite a confiança
legítima que foi deflagradora.
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METODOLOGIA
O problema proposto neste trabalho surgiu do estudo da
constitucionalização do direito civil, movimento este que proporcionou uma
ideia do direito atrelado à justiça, mas que em determinado momento avaliza
um controle estatal extremado nas relações privadas, em nome da dignidade
da pessoa humana.
O que propomos no presente estudo é um movimento contrário, onde o
Poder Público nos contratos celebrados com os particulares não se valha de
uma posição de superioridade, fundamentando-se justamente na ideia inicial
da constitucionalização, que justificou a sua intervenção nos contratos
particulares. Ou seja, preservar a dignidade da pessoa humana e o princípio da
segurança jurídica.
A indagação que se faz presente decorre, principalmente, das aulas
ministradas por professores como o Dr. Rafael Oliveira, o Dr. Diogo de
Figueiredo Moreira Neto e do Dr. Fabrício Carvalho.
Também foi muito importante o comparecimento às palestras
ministradas pelo Dr. Gustavo Tepedino, e o Dr. Luís Paulo Vieira de Carvalho.
Certamente a bibliografia utilizada foi de suma importância, porém, a
semente do questionamento que decorreu esse estudo de pesquisa deu-se
pelas palavras ministradas pelos grandes educadores acima citados.
SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Os Princípios Constitucionais 11
CAPÍTULO II - Interesse Público X Princípios Constitucionais 17
CAPÍTULO III – Manutenção da cláusulas exorbitantes
nos contratos administrativos 24
CONCLUSÃO 35
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 37
ÍNDICE 36
INTRODUÇÃO
Numa época em que a normatividade da Constituição é reconhecida,
bem como a sua superioridade hierárquica houve a necessidade da
adequação do ordenamento jurídico perante o texto constitucional.
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O Código Civil de 1916 foi extremamente inspirado pelo Código Civil
Francês, código este que foi influenciado pela Revolução Francesa, onde havia
três postulados básicos: liberdade, igualdade e fraternidade. Porém a
perspectiva da igualdade encontrada na Revolução Francesa era apenas
formal, e nesse contexto onde todos são iguais a intervenção do Estado nas
relações privadas torna-se desnecessária.
Ocorre que com o surgimento do Estado Democrático de Direito, e a
necessidade de efetivar a isonomia material, o Código Civil de 1916 não
correspondia às necessidades da sociedade, e com isso a solução
implementada pelo nosso ordenamento jurídico foi a criação de
microssistemas, o chamado movimento de descodificação.
E, neste movimento de descodificação, o Código Civil de 1916 perdeu,
gradativamente, a sua centralidade, porque várias leis extravagantes
(microssistemas) passaram a regular vários setores da vida privada, como
exemplo de microssistemas encontram-se o estatuto da terra, a lei de
locações, o Código de Defesa do Consumidor.
E dentro dessa perspectiva de garantir o sistema jurídico único, o
Direito Civil será interpretado em harmonia com os princípios constitucionais.
Trata-se da pirâmide de Kelsen onde a Constituição encontra-se no topo,
servindo de fundamentação para todo o ordenamento jurídico.
Neste momento surge o Código Civil de 2002, e inicia-se o movimento
denominado “A Constitucionalização do Direito Civil”. Os princípios
constitucionais são aplicados diretamente nas relações privadas, onde as
normas do Direito Civil devem ser aplicadas de acordo com os valores
encontrados no sistema.
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A constitucionalização do Direito é um processo dinâmico-interpretativo
de releitura do ordenamento jurídico que passa a ser impregnado pelas
normas constitucionais.
Nesta ótica o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ganhou
importante destaque dentro do Direito Civil, concluindo que diante de um
conflito entre interesse de direito patrimonial e interesse existencial
preponderará este último.
No Direito Civil contemporâneo a preocupação deixa de ser o
contratante e o proprietário e passa a ser a pessoa humana. E, cada vez mais,
há uma mitigação na dicotomia direito público e direito privado.
E nesta ótica onde se privilegia a dignidade da pessoa humana, o
princípio da boa-fé objetiva com sua tríplice função de: interpretação do
negócio jurídico, limitação ao exercício de direitos e integração dos negócio
jurídicos. Será que se coaduna com essa nova perspectiva as cláusulas
exorbitantes existentes nos Contratos Administrativos?
Poderá a Administração Pública afastar a observância da boa-fé
objetiva em nome de um pretenso interesse público? Ou deverá, sim, a
Administração Pública, dentro de um Estado Democrático de Direito, diligente,
promover a eficácia da boa-fé trazendo com isto a segurança jurídica aos
administrados?
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Iniciando a temática dos princípios se faz necessário algumas
considerações a respeito da Boa-Fé Objetiva dentro do Direito Brasileiro.
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O fundamento constitucional da boa-fé objetiva é o princípio da
dignidade da pessoa humana, através do sub-princípio da solidariedade.
Como visto anteriormente, a boa-fé objetiva possui uma função
interpretativa dos negócios jurídicos (art. 113 do Código Civil), outra função de
limitar o exercício de direitos e a última função de integração dos negócios
jurídicos.
Dentro da função interpretativa da boa-fé objetiva, prevista no art. 113
do Código Civil, retira-se o princípio da confiança. Como exemplo do princípio
da confiança no Direito Civil encontramos a sistemática do erro, art. 138 C.C.,
que traz a perceptibilidade do erro a outra parte para que possa propiciar-se a
anulabilidade.
Quanto a boa-fé objetiva limitando o exercício de direitos, encontra-se
como exemplo dessa manifestação o abuso de direito previsto no ar. 187 do
C.C.
Outra manifestação dessa segunda função da boa-fé objetiva, como
limitadora do exercício de direitos, encontramos o instituto da tu quoque, que
diz que aquele que viola a lei ou o contrato não pode exigir do outro o
cumprimento da regra por ele transgredida.
A função da boa-fé objetiva como integrativa dos negócios jurídicos
verifica-se através dos chamados deveres anexos. Os deveres anexos estão
intimamente ligados a ideia da obrigação como um processo. Os deveres
anexos têm como principal objetivo o correto processamento da relação
obrigacional, atingindo dessa maneira uma determinada finalidade do negócio
jurídico, não se restringindo apenas ao pagamento.
11
1.1 – Princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e
da boa-fé
Os princípios da segurança jurídica, confiança legítima e da boa-fé
guardam estreitas semelhanças entre si.
Em relação ao princípio da segurança jurídica, é lícito afirmar que este
princípio possui conotação ampla que abrange a ideia de confiança legítima.
O princípio da segurança jurídica possui dois aspectos, um objetivo e
outro subjetivo. De acordo com seu aspecto objetivo a segurança jurídica traz
uma estabilidade ao ordenamento jurídico, tendo que se respeitar o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CRFB). Já
no seu aspecto subjetivo, a segurança jurídica proporciona a proteção da
confiança das pessoas em relação às expectativas geradas por promessas e
atos estatais.
Apesar do princípio da proteção da confiança estar relacionado com o
aspecto subjetivo do princípio da segurança jurídica, a sua importância gerou a
necessidade de consagrá-lo como princípio autônomo.
A segurança jurídica possui caráter genérico, podendo ser invocado
pelos particulares ou pelo Estado. Já a confiança legítima protege a esfera
jurídica do particular em face de atuações arbitrárias do Estado.
Existe, também, uma profunda relação entre a boa-fé e o princípio da
confiança legítima. A boa-fé objetiva trata do respeito à lealdade e à lisura da
atuação dos particulares. E, por esta razão, para restar caracterizada a
confiança legítima é necessário observar a boa-fé do agente. Ausente a boa-fé
não há que se falar em confiança legítima.
12
1.2 – Da confiança legítima e da boa-fé nas relações entre
particulares e a Administração Pública
O princípio da confiança legítima nasce a partir do término da II Guerra
Mundial, principalmente a partir dos tribunais.
O professor Rafael Oliveira traz em seu livro exemplo do Tribunal
Administrativo de Berlim, datado de 14 de novembro de 1956, que atrela ao
princípio da segurança jurídica o princípio da confiança legítima.
“No referido caso, a viúva de um funcionário alemão, que
residia na República Democrática Alemã, mudou-se para
Berlim Ocidental, após ter recebido informação, por meio
de notificação oficial, de que com a efetivação da referida
mudança, receberia pensão do Estado. A pensão, no
entanto, foi posteriormente retirada da viúva, sob o
argumento de que a sua concessão descumpriu as
normas vigentes. O Tribunal entendeu que, na hipótese, o
princípio da legalidade deveria ceder espaço ao princípio
da proteção da confiança legítima e que a viúva deveria
continuar recebendo a pensão.” (OLIVEIRA, Rafael.
Princípios do Direito Administrativo, 1ª ed., Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.178/179.)
A proteção da confiança legítima é uma reação à utilização abusiva de
normas jurídicas e de atos administrativos que surpreendam os seus
destinatários.
O princípio da segurança jurídica em virtude da sua amplitude, inclui
na sua concepção a boa-fé e a confiança legítima. E, apesar de não haver uma
13
norma constitucional que traga expressamente o presente princípio, este pode
ser retirado do art. 1º da CRFB, estaria implícito na própria cláusula do Estado
Democrático de Direito, que pressupõe em sua definição a noção da
segurança jurídica.
Na legislação infraconstitucional, o princípio da segurança jurídica é
mencionado no art. 2º da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo.
“Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros aos
princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança
jurídica, interesse público e eficiência.” (Grifo nosso)
Ocorre que o princípio da proteção da confiança ainda não foi
consagrado definitivamente na jurisprudência pátria, que costuma invocar os
princípios da segurança jurídica e da boa-fé pra proteger as legítimas
expectativas dos particulares.
O Estado deve respeitar a segurança jurídica como forma de zelar pela
confiança que os particulares de boa-fé têm por seus atos.
A incidência do princípio da confiança legítima é muito vasto. Este
princípio pode ser aplicado com diversas finalidades, tais como: garantia de
tratamento igualitário entre os administrados, limitação do exercício de
autotutela da Administração Pública, dentre outros fins.
Os efeitos que se obtém a partir do princípio da proteção da confiança
podem ser classificados entre efeitos negativos e efeitos positivos.
Dentre os efeitos negativos o Estado deverá abster-se de adotar atos
restritivos, como por exemplo, limitar o poder de autotutela administrativa.
Quanto aos efeitos positivos a Administração Pública tem o dever de editar
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atos administrativos benéficos que reconheçam os direitos dos administrados,
bem como deverá ressarcir os administrados que tiverem a confiança violada.
Em ambos os efeitos, negativos e positivos, o princípio da confiança
funciona como um mecanismo de redução da discricionariedade do
administrador.
A título de exemplo podemos imaginar que o Poder Público prometa
deduções fiscais para empresas que estabeleçam-se em determinada área.
Tais empresas de boa-fé, confiantes nas promessas da Administração Pública,
fazem investimento consideráveis nessa região. Não poderá o Poder Público
se furtar a conceder o benefício, pois estaria contrariando a confiança legítima.
Salienta-se, ainda, que por causa da segurança jurídica, o exercício da
autotutela administrativa deve ser limitado no tempo, bem como pela confiança
legítima gerada aos administrados dos atos serem revestidos de legalidade e
legitimidade.
É certo que os princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e
da boa-fé não objetivam petrificar o direito, mas, sim, impedir as alterações
jurídicas e normativas inesperadas que aniquilam a confiança dos particulares
em relação às promessas estatais e às consequências em determinadas
relações jurídicas.
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CAPÍTULO II
INTERESSE PÚBLICO X PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS
O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado foi, por
muito tempo, considerado como pilar básico da Administração Pública.
A doutrina tradicional, distingue interesse público em duas espécies,
interesse público primário e interesse público secundário.
Entende-se como interesse público primário aquele relacionado com a
necessidade de satisfação de necessidades coletivas. Envolve a satisfação
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dos direitos fundamentais por meio de atividades administrativas prestadas à
sociedade.
O interesse público secundário é o interesse do Estado como sujeito
de direitos e obrigações.
Diante desta distinção entre interesse jurídico primário e interesse
jurídico secundário, a doutrina entende que há supremacia do interesse público
primário sobre o secundário.
Luis Roberto Barroso, defende que apenas o interesse público primário
seria superior ao interesse particular. Diante de eventual colisão entre o
interesse público secundário e interesse do particular, haveria necessidade da
ponderação dos interesses em jogo, para que o problema seja solucionado,
onde será observado o uso da razão pública e a dignidade humana.
Porém, modernamente, com mitigação da dicotomia entre público e
privado, vem ganhando força a ideia de “desconstrução” do princípio da
supremacia do interesse público em abstrato.
2.1 – A alteração do atuar estatal frente o princípio da
subsidiariedade
A evolução do Estado para um Estado Democrático de Direito, teve
uma importante influência na mitigação entre público e privado, conforme já
comentado anteriormente.
A constitucionalização do Direito Civil refletiu no reconhecimento da
força normativa da Constituição. Verifica-se o fenômeno da filtragem
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constitucional, onde a Constituição é um filtro pelo qual deve ser feita a leitura
de toda legislação infraconstitucional.
Com a constitucionalização do Direito Civil, o Código Civil deixa de ser
o centro nas relações privadas. Há uma aproximação entre o Direito e a idéia
de justiça.
O princípio da dignidade da pessoa humana é o centro do
ordenamento jurídico, pontecializando a importância dos valores existenciais
no Direito Civil, em oposição aos valores patrimoniais.
Nas palavras de Daniel Sarmento, “o princípio da dignidade da pessoa
humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando
efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos
estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se
desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado”. (SARMENTO, Daniel.
A ponderação de interesses na Constituição Federal, 1ª ed., Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2002, p. 59/60.)
A utilização das cláusulas gerais pelo novo Código Civil facilita a
aplicação dos princípios constitucionais nas relações privadas, mas a
irradiação dos princípios constitucionais observa-se em todas as relações
privadas, e não somente às clausulas gerais previstas na legislação civil.
Pelas mesmas razões, o Direito Público sofre a influência das normas
de Direito Privado. A utilização de figuras privadas na organização do Estado e
o auxílio de entidades particulares na consecução do interesse público,
demonstram a flexibilização do aparelho estatal.
Num sistema de proeminência da dignidade da pessoa humana, perde
eficácia a oposição entre público e privado, o uso axiológico destas duas
esferas não mais admite a sua conceituação como esferas exclusivas.
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O Estado Democrático de Direito marca a aproximação entre o Estado
e a sociedade civil.
A atuação do Estado é regida pelo princípio da subsidiariedade que
enfatiza os limites à ação do Estado, no sentido negativo, que deverá respeitar
as competências dos indivíduos, bem como o dever estatal de auxiliar a
sociedade a atingir o bem comum.
A subsidiariedade denota, também, a maior importância à atuação do
particular na realização de tarefas públicas, na satisfação do interesse público.
Como exemplo notório dessa afirmação temos as entidades privadas não-
lucrativas que formam o Terceiro Setor.
A relativização do interesse público X interesse privado, proporciona
uma reflexão sobre o princípio da supremacia do interesse público sobre o
privado.
2.2 – Da “reconstrução” do princípio do interesse público e o
princípio da finalidade pública
Após a Revolução Francesa a noção de interesse público passou a
ser vastamente utilizada, e tornou-se uma das bases do Direito Administrativo,
conforme visto anteriormente.
Como bem ressalta Rafael Oliveira, “A Administração Pública era
encarada como executora da vontade geral, expressa na lei, e guardiã do
interesse público, ao passo que os particulares atuavam no campo dos
interesses privados”. (OLIVEIRA, Rafael. Constitucionalização do Direito
Administrativo, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.104)
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A doutrina clássica, como visto anteriormente, inspira-se na distinção
entre interesse público primário e secundário, e declara a superioridade do
interesse público primário em face do interesse privado.
Sendo o interesse público primário aquele que satisfaz as
necessidades coletivas e o secundário seria o interesse do próprio Estado
como sujeito de direitos e deveres.
Marçal Justen Filho reconhece a dificuldade de se formular um
conceito preciso ao que seria interesse público primário. Já que estaríamos
diante de um conceito jurídico indeterminado. Dispõe, ainda, esse autor, que o
interesse público não se confunde com o interesse do Estado, sendo este
criado para satisfazer as necessidades coletivas.
Não se pode confundir interesse público com interesse da
Administração Pública (zona de certeza negativa), esse último, classificado
como secundário. Apenas o interesse público primário pode ser considerado
como objetivo finalístico da atuação administrativa e, portanto, legitimador da
própria criação do Estado.
O Conceito de interesse público não se opõe necessariamente ao
interesse privado. A atuação do Estado deve ser pautada pela defesa e
promoção dos direitos e garantias fundamentais, respeitando a dignidade da
pessoa humana. Quando o Poder Público promove direitos fundamentais está
satisfazendo as finalidades públicas estabelecidas na própria Constituição.
Numa sociedade pluralista existem diversos interesses públicos e
privados em conexão, de forma que poderão surgir conflitos em interesses
denominados públicos e outros denominados particulares. A solução de tais
conflitos são sinalizadas pela própria legislação, como por exemplo, o art. 60,
parágrafo 4º , IV da CRFB.
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Nas situações em que o legislador não pauta a solução do conflito, o
mesmo deverá se dar pelo princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.
Mas não se pode admitir é que o atuar estatal se fundamente em um abstrato
interesse público.
Humberto Bergmann Ávila, já dizia que o princípio da supremacia do
interesse público não pode ser entendido como norma-princípio. O referido
princípio determina a preferência ao interesse público diante de um caso de
colisão com qualquer seja o interesse privado, independentemente das
variações presentes no caso concreto, e assim termina por suprimir os
espaços para ponderações.
O Citado autor acima traz fundamentos para negar o qualificativo
“princípio” à supremacia do interesse público. Em primeiro lugar, afirma que a
CRFB/88 protege a esfera individual, não sendo lícito afirmar que pela
interpretação sistemática exista uma prevalência do interesse público. Depois
porque não há definição do que seria interesse público. Sendo, também, o
interesse público indissociável do privado, pois ambos são previstos na
Constituição, e elementos privados estão incluído nas finalidades do Estado. E,
por último, a incompatibilidade da supremacia do interesse público com os
postulados constitucionais como a proporcionalidade e a concordância prática.
A atuação do Estado não pode ser pautada pela supremacia do interesse
público, e sim pela ponderação e máxima realização dos interesses envolvidos.
O princípio da supremacia do interesse público mostra-se incompatível
com os preceitos normativos erigidos pela Constituição, porque não decorre da
análise sistemática do ordenamento jurídico e por ser associado tão-somente
ao interesse privado.
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A Constituição brasileira precipuamente trata da proteção dos
interesses do indivíduo e não do Estado. A Lei Maior é orientada pelo princípio
da dignidade da pessoa humana.
Não há uma prevalência normativa ou lógica da supremacia do
interesse público sobre o privado, deverá, sim, haver uma ponderação entre os
interesses em jogo e proporcionar uma solução capaz de realizá-los ao
máximo.
Modernamente com a relativização entre público e privado, a
democratização da defesa do interesse público e a complexidade da sociedade
atual, a ideia da “desconstrução” do princípio da supremacia do interesse
público ganha força.
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CAPÍTULO III
MANUTENÇÃO DAS CLÁUSULAS EXORBITANTES NOS
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Os contratos da Administração Pública são subdivididos em: Contratos
Administrativos e Contratos Privados da Administração Pública.
Os contratos privados da Administração Pública são aqueles regidos
pelos institutos do Direito Privado, não há uma relação de verticalidade entre o
Pode Público e o particular.
Os Contratos Administrativos caracterizam-se por apresentarem uma
relação de verticalidade entre a Administração Pública e os particulares. O
Estado está numa posição de superioridade em relação ao particular
contratado. Isso se dá pela presença das cláusulas exorbitantes que são da
essência do contrato administrativo.
As cláusulas exorbitantes previstas no art. 58 da Lei 8.666/93,
estabelecem prerrogativas ao Poder Público e sujeições ao particular
contratado. Há um desequilíbrio em favor do Estado.
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Outra característica do Contrato Administrativo é o regime jurídico de
direito público, apenas supletivamente aplicar-se-ão as regras do Direito Civil.
No Contrato Administrativo diferentemente dos Contratos Privados da
Administração Pública a aplicação das cláusulas exorbitantes poderá se
efetuar independentemente de previsão contratual expressa, pois estas
cláusulas são da essência do Contrato Administrativo.
Uma das principais características do Contrato Administrativo é a
MUTABILIDADE, sendo da essência do Contrato Administrativo a possibilidade
da alteração do acordado unilateralmente pelo Pode Público.
A Administração Pública impõe ao particular a alteração contratual
administrativamente, independentemente de verificação pelo Poder Judiciário.
Como é por todos sabido, nos contratos privados a exceção é
alterabilidade, e quando esta é promovida se faz necessário o acordo de
vontades, ou a revisão judicial operada pelo Poder Judiciário.
A mutabilidade dos Contratos Administrativos justifica-se pelo interesse
público, sendo os interesses públicos mutáveis por natureza, os Contratos
Administrativos também precisam ser mutáveis.
As cláusulas exorbitantes trazem um desequilíbrio inerente aos
Contratos Administrativos. Há um “natural” desequilíbrio em favor do Poder
Público em nome do interesse público.
3.1 – Do fundamento das prerrogativas da Administração
Pública
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O fundamento das prerrogativas da Administração Pública sofre uma
evolução através do tempo.
À época dos Estados Absolutistas, encontravámos o jus imperii como
fundamento formal das prerrogativas do Poder Público. Decorrente das
características juspolíticas destes modelos de Estado.
Dentro do conceito de imperatividade recepcionado pela Revolução
Francesa e que encontrou na interpretação radical dada ao princípio da
separação de poderes o fundamento para o desenvolvimento do sistema do
contencioso administrativo, insuscetível de correção pela justiça comum. Foi
onde desenvolveu-se as prerrogativas do Poder Público.
Já o fundamento moderno para as prerrogativas da Administração
Pública encontra como pilar o interesse público, assunto este tratado no
capítulo anterior. O interesse público seria o fundamento substantivo das
prerrogativas do Estado, resolvendo o problema da exceção ao princípio da
igualdade perante a lei. Pois seria a lei que estabeleceria as situações de
desigualdade.
As prerrogativas atribuídas à Administração Pública existiriam para que
se promovessem os interesses públicos. Mas lembrando que numa visão
moderna, não se pode aceitar a existência de um interesse público
indeterminado, que possa ser imposto em abstrato pela Administração sobre
os interesses individuais.
O professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, já afirmava que a
realidade do Direito conhece os interesses públicos específicos, que são
legalmente definidos, de modo que, em consequência, as prerrogativas a eles
referidas deverão ser com estes compatíveis e servir efetivamente à sua
realização.
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3.2 – Dos contratos de direito público
Inicialmente é necessário indagar se a razão da distinção entre
contratos administrativos e contratos privados da administração ainda se
justifica, de acordo com Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón
Fernández, em ambos os contratos a “Administração atua no mercado de bens
e serviços, intercambiando prestações com os administrados e com empresas
especializadas”. (GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-
Rámos. Curso de Derecho Adminstrativo. 12.ed. Madrid: Civitas, 2004. P.
688/704)
A afirmação que se sucede é a de que a disciplina tradicional e básica
do contrato sempre foi de Direito Privado, pois sempre partiu-se das ideias de
liberdade e de igualdade ente as partes contratante, a teorização da figura do
contrato administrativo como contrato regido pelo Direito Público é restrito o
Direito Francês e a outros países hispano-americanos, incluindo o Brasil.
A distinção entre contratos da administração e contratos privados da
administração têm lugar quando se considera o contrato administrativo como
um ato de gestão.
Atualmente é defendido que os contratos da administração pública
nada mais seriam do que contratos privados que admitiriam modulações,
conforme o tipo de contrato de que se trate, sem que tais variações se lhes
desfigure a regência privada.
Parece irrefutável, na perspectiva pós-moderna do Direito
Administrativo, que as exorbitâncias nada mais representem que meras
modulações contratuais, que são inseridas sempre que motivadamente
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exigíveis pela matéria administrativa, ou seja, em se tratando de obras e
serviços públicos, em geral.
As modulações poderão se observar por diversos aspectos. O primeiro
seria pela tipicidade, quando vários contratos se reiteram, e por isso, caberia à
Administração inserir cláusulas de adesão uniformes, que embora vistas
sempre com temores e suspeitas quando utilizadas na órbita privada, não
suscita, repúdio quando se trata do Estado.
A mera existência das cláusulas exorbitantes, consideradas em si
mesmas, como modulações contratuais, não tornaria ilícito os contratos
puramente privados se neles se inserissem.
3.3 – Das cláusulas exorbitantes
Neste momento trataremos da tipologia das cláusulas exorbitantes nos
contratos da Administração Pública.
Cláusulas de executoriedade, Lei 8.666/93, art. 58, incisos II, III, IV e
V, onde encontra-se as prerrogativas mais amplas do Poder Público, referem-
se ao plano de exercício dos direitos e não propriamente ao de sua substância.
Em outros termos: as cláusulas que exprimem a executoriedade são
extracontratuais, porque afinal, também extracontratual o privilégio da
execução prévia.
Cláusulas de jus variandi, Lei 8.666/93, art. 58, inciso I, é aquela que
traz a possibilidade de alterar unilateralmente contratos, hoje há um grande
movimento que elas se submetam a um juízo de razoabilidade, e também
deve-se observar que não há um impedimento para que elas possam ser
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incluídas em contratos privados, desde que não rompam a equivalência das
prestações e não sejam abusivas.
Há, ainda, as cláusulas de previsão de efeito sobre terceiros, Lei
8.897/95, art. 31, inciso VII, são as cláusulas que atribuem direitos de
expropriação, de receber tarifas, de exercer atividades de polícia e outras, que
podem se refletir sobre terceiros, e que por isso, revogariam a regra da res
inter alios acta nec nocet, no caso de contratos administrativos resultam
apenas da aplicação das leis. Não sendo criações contratuais, eis que, por isso
neles se incluem apenas para efeitos declarativos e não constitutivos, como
poderia parecer.
As vantagens das cláusulas exorbitantes durante a história eram
inegáveis, visto que o sistema econômico existente era o de economia
semidirigida, as cláusulas exorbitantes combinavam com esse sistema, sob o
conceito de supremacia indiscriminada do Estado.
Neste contexto de economia preponderantemente fechada, explicava-
se a baixa preocupação om a competitividade por capitais e tecnologias, pois o
Estado aspirava gerá-los por si mesmo, a partir de políticas públicas dirigistas.
Nos Estado Moderno essas vantagens perderam sentidos e estão em
via de desaparecer nos quadros atuais da economia de mercado, demandante
de alta competitividade para atrair capitais, tecnologias e mercado, levando o
Estado a atuar não mais como mero executor, mas, preferentemente, como
formulador político de instrumentos de fomento.
No novo cenário globalizado que se abre no mundo pós-guerra,
passam a ser necessários novos mecanismos de regulação extra-estatais, que
passam a conviver com os tradicionais mecanismos de regulação infra-estatais
e, em especial, os megafluxos de investimentos determinam o aparecimento
das agencias de risco.
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As empresas globalizadas respondem por um terço da produção
mundial de bens e serviços, concentrando um poder econômico em escala
planetária, que raros Estados podem alcançar.
Neste contexto atual as cláusulas exorbitantes apresentar
desvantagens, tais como: o agravamento dos custos de transação pelo
aumento do risco devido às cláusulas exorbitantes; o déficit de transparência
da transação, pois as prerrogativas como são estabelecidas na lei não
correspondem as situações fáticas peculiares de cada contrato; e o sacrifício
da confiança legítima do administrado, pois as prerrogativas podem servir a
propósitos ilegítimos como disfarçar intenções e difundir corrupção.
3.4 – Venire contra factum proprium pela Administração
Pública
A venire contra factum proprium nada mais é do que a teoria dos atos
próprios tão difundidos no direito civil sob a perspectiva do atual Código Civil.
A teoria dos atos próprios, ou teoria da contradição com a própria
conduta, busca limitar condutas contraditórias que venham atingir a legítima
expectativa de terceiros, servindo como fundamentos jurídicos o princípio da
igualdade, da boa-fé, da segurança jurídica e da confiança legítima.
A título elucidativo cumpre diferenciar o instituto da venire contra
factum proprium do instituto da tu quoque. Enquanto a tu quoque trata da
violação a lei ou ao contrato. Ou seja, quem deu causa a transgressão à lei ou
ao contrato não pode exigir de outrem o cumprimento da regra por ele
transgredida. O instituto da venire contra factum proprium a contradição se
29
origina de uma conduta lícita, mas que apesar da lícita abala a expectativa da
outra parte.
Na venire contra factum proprium há uma conduta anterior válida e
unívoca que gera uma legítima expectativa na outra parte da relação jurídica, e
posteriormente há uma atuação contraditória incompatível entre o ato anterior
com o ato posterior.
O principal efeito da teoria dos atos próprios é impedir toda e qualquer
atuação contrária à conduta administrativa anterior e vinculante. Esta teoria
encontra fundamento no princípio da confiança legítima.
Não obstante, não se pode usar a teoria dos atos próprios para limitar
o exercício da autotutela administrativa. A teoria dos atos próprios é aplicada
no âmbito das relações jurídicas concretas. Desse modo, no caso de um
contrato administrativo, a discussão quanto à atuação de uma das partes
contratantes que gerou confiança na outra parte será resolvida, eventualmente,
pela venire contra factum proprium. E, o princípio da confiança, será observado
sempre que a parte contratante afetada estiver de boa-fé.
O professor Rafael Oliveira traz o seguinte exemplo: “O STJ, com
fundamento na teoria dos atos próprios (nemo postet venire contra factum
proprium), limitou o poder de anulação (autotutela) de contratos de promessas
de compra e venda de lotes de imóvel municipal, celebrados por determinado
Município. A pretensão de anulação dos contratos por parte do Poder Público
municipal fundava-se na impossibilidade de regularização dos lotes. A decisão
judicial concluiu pela necessidade de manutenção dos contratos e
regularização dos lotes, pois a anulação geraria prejuízo os particulares
(adquirentes) que confiaram na regularidade do procedimento”. OLIVEIRA,
Rafael. Princípios do Direito Administrativo, 1ª ed., Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011. (Resp 141.879/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta
Turma, DJ 22/06/98).
30
3.5 – Dos novos parâmetros para contratação pública
O Direito Administrativo evoluiu para conforma-se ao Estado
Democrático de Direito, passou a atuar não somente sob o império da lei, mas
sob o império do direito. Com isso, a marca dominante dessa nova
conformação do poder estatal deslocou-se para a supremacia dos direitos
fundamentais, sob o principal argumento prático da sua transcendência lógica
sobre a crescente pluralidade de ordenamentos que se multiplicam na
sociedade global.
A sociedade pós-moderna expressa-se nos seguintes parâmetros nas
contratações públicas: a preeminência dos direitos fundamentais; a exigência
de legitimidade; a necessidade de assegurar a competitividade; a importância
da publicidade e da validade da atuação pública; a obrigatoriedade da
motivação e a inafastabilidade de controle.
Como reflexo das novas relações entre o Estado e a sociedade, a
consensualidade passa a ser uma forma privilegiada de administrar os
interesses públicos nas relações entre a Administração Pública e os
administrados. Trazendo flexibilidade à negociação o uso criterioso da
discricionariedade, a ponderação de interesses, valores e direitos, e,
sobretudo, a motivação possibilitando o exercício da democracia.
O futuro da contratação como instrumento da governança política
aponta para a adoção das cláusulas discricionárias. Para superar as antigas
desvantagens, que encarecem a Administração e favorecem a corrupção, é
necessário trazer a flexibilização, ante a diversidade contratual existente. Não
pode o administrador permanecer preso a comandos padronizados, que são
31
demasiadamente gerais, e não permitem a modulação necessária para tender
as necessidades de cada contratação.
Embora seja razoável a padronização de algumas cautelas, deverá a
Administração ter a discricionariedade de avaliar casuisticamente conveniência
e oportunidade de inserir ou não, em cada contrato, as modulações ditas
exorbitantes.
O professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto defende a adoção da
teoria da dupla motivação no processo de escolha discricionária delegada à
Administração, que seria feita da seguinte maneira: num primeiro momento
haveria a motivação, para o afastamento ou adoção da cláusula exorbitante, e
num segundo momento a motivação para aplicação de uma determinada
cláusula exorbitante, inserida em determinado contrato com previsão para
atuar em determinadas circunstâncias.
“Como se pode observar, a dupla motivação estabelece, assim, não só
uma dupla garantia de legitimidade como uma dupla garantia de segurança
jurídica para o contratante privado; isso, sem qualquer prejuízo para o
atendimento casuístico do interesse público, pois tudo resta dependendo de
como este se apresente em qualidade e intensidade na relação contratual”.
(Conferência proferida no encerramento de seminário sobre contratos
administrativos promovido pelo Centro de Estudo, Pesquisa e Atualização em
Direito (CEPAD), Rio de Janeiro, em agosto de 2005).
3.6 – Das tendências
São crescentes as tendências e influências que vem sofrendo o
ordenamento jurídico e político nacional para uma nova percepção
flexibilizadora das cláusulas exorbitantes.
32
As tendências são trazidas pelos seguintes princípios:
O princípio da confiança legítima, que recomenda o máximo de
transparência e a motivação dos atos que afetem relações entre o Poder
Público e entidades privadas, afastando dúvidas e desconfianças que possam
existir.
O princípio da eficiência que indica a necessidade do Poder Público
ampliar sempre que possível o universo dos possíveis fornecedores de bens e
serviços para possibilitar a escolha da proposta realmente mais vantajosa.
O princípio do fomento público, que encontramos na nossa
Constituição nos comandos de otimização a serem executados pelas
entidades públicas para estimular os empreendimentos econômicos no País e,
comandos impeditivos de ações voltadas a desestimulá-los.
Em razão dessas tendências surgem propostas das cláusulas
discricionárias, contrato a contrato, segundo o juízo da conveniência e da
oportunidade a ser feitos pela Administração Pública em cada contrato
específico que venha a realizar, observando sempre a teoria da dupla
motivação.
33
CONCLUSÃO
A aproximação entre o Estado e a sociedade civil marca o Estado
Democrático de Direito, e como consequência deste fenômeno surge a
constitucionalização do Direito Civil.
O princípio da subsidiariedade estabelece que o Estado deverá
respeitar as competências dos indivíduos. E, também denota, a maior
importância à atuação do particular na realização das tarefas públicas.
Dentro dessa nova perspectiva há uma relativização da dicotomia entre
interesse público e interesse privado. Existem diversos interesses públicos e
privados em conexão, e os mesmos devem ser interpretados sobre a égide da
razoabilidade.
Não há uma prevalência normativa ou lógica da supremacia do
interesse público sobre o privado, deverá, sim, haver uma ponderação entre os
interesses em jogo e proporcionar uma solução capaz de efetivá-los ao
máximo.
E, nesta nova égide devemos dar uma nova interpretação as cláusulas
exorbitantes existentes no ordenamento pátrio, dentro dos contratos
administrativos, não mais se justifica manter a relação de verticalidade entre a
Administração Pública e os particulares.
As cláusulas exorbitantes traduzem desvantagens para o estado
Democrático de Direito, tais como: o déficit de transparência da transação, o
sacrifício da confiança legítima do administrado, já que as prerrogativas podem
servir a propósitos ilegítimos disfarçando intenções e difundindo a corrupção.
34
Atualmente, a única forma de admitirmos a permanências das
cláusulas exorbitantes no nosso ordenamento, é interpretá-las como meras
modulações contratuais, que serão inseridas sempre que motivadamente
exigíveis pela matéria, em se tratando de obras e serviços públicos.
Desta forma, tão-somente, poderão as cláusulas exorbitantes
coexistirem com os princípios da boa-fé objetiva, o princípio da confiança
legítima e o princípio da segurança jurídica.
35
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação
dos princípios jurídicos, Mallheiros, 2003.
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Constituição, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.
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Janeiro: Renovar, 2006.
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controvérsias na parte geral, no Direito de Família e no Direito de Sucessões,
4ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Rámos.
Curso de Derecho Adminstrativo. 12.ed. Madrid: Civitas, 2004.
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Janeiro: Lumen Juris, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo,
21ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
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Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
OLIVEIRA, Rafael. Constitucionalização do Direito Administrativo, 2ª
ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
36
OLIVEIRA, Rafael. Princípios do Direito Administrativo, 1ª ed., Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição
Federal, 1ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002.
ÍNDICE
37
FOLHA DE ROSTO
2
AGRADECIMENTOS 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
Dos Princípios Constitucionais 10
1.1 – Princípios da segurança jurídica, da confiança
legítima e da boa-fé 11
1.2 – Da confiança legítima e da boa-fé nas relações entre
particulares e a Administração Pública 12
CAPÍTULO II
Interesse Público X Princípios Constitucionais 16
2.1 – A alteração do atuar estatal frente o princípio da subsidiariedade 17
2.2 – Da “reconstrução” do princípio do interesse
público e o princípio da finalidade pública 19
CAPÍTULO III
Manutenção das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos 23
3.1 – Do fundamento das prerrogativas da Administração Pública 24
3.2 – Dos contratos de direito público 25
3.3 – Das cláusulas exorbitantes 27
3.4 – Venire contra factum proprium pela Administração Pública 29
3.5 – Dos novos parâmetros para contratação pública 31
3.6 – Das tendências 32
CONCLUSÃO 34
38
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 36
ÍNDICE 38