Unidade 3

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UNIDADE III - INSTITUIÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO O estudo das instituições e movimentos sociais do campo, aqui apresentado, tem como propósito discorrer sobre formas de ação coletiva, caracterizadas por sua organicidade no que diz respeito a propósito de ação transformadora da realidade, ainda que não possamos falar, ao menos no período que antecedeu a década de 40 do século passado, na existência de um projeto de caráter efetivamente nacional, como salienta a bibliografia especializada. São inúmeras as lutas sociais que tiveram no campo ou na contestação da estrutura fundiária-agrária brasileira, sua principal pauta reivindicatória, ainda que os cientistas sociais continuem a estabelecer níveis de importância hieraquizados na análise da lutas sociais, tomando como referencial paradigmas europeus. Para tanto cabe destacar dois momentos distintos, que têm como marco divisor a década de 30 do século passado com a chegada de Getulio Vargas ao poder. 1. Reação e resistência no campo brasileiro até 1930 Como referido na unidade anterior, o pleno desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, ocorreu com a otimização da estrutura tradicional de produção (grande propriedade, abastecimento do mercado externo e mão de obra escrava ou livre expropriada) pressupondo a adequação da terra e do trabalho à nova lógica capitalista, que teve na Lei de Terras o seu principal arranjo institucional, pois a constituição de um mercado de terras transformava paulatinamente uma fração da aristocracia rural em burguesia agrária.

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  • UNIDADE III - INSTITUIES E MOVIMENTOS SOCIAIS

    DO CAMPO

    O estudo das instituies e movimentos sociais do campo, aqui

    apresentado, tem como propsito discorrer sobre formas de ao coletiva,

    caracterizadas por sua organicidade no que diz respeito a propsito de ao

    transformadora da realidade, ainda que no possamos falar, ao menos no

    perodo que antecedeu a dcada de 40 do sculo passado, na existncia de

    um projeto de carter efetivamente nacional, como salienta a bibliografia

    especializada.

    So inmeras as lutas sociais que tiveram no campo ou na contestao

    da estrutura fundiria-agrria brasileira, sua principal pauta reivindicatria,

    ainda que os cientistas sociais continuem a estabelecer nveis de importncia

    hieraquizados na anlise da lutas sociais, tomando como referencial

    paradigmas europeus.

    Para tanto cabe destacar dois momentos distintos, que tm como marco

    divisor a dcada de 30 do sculo passado com a chegada de Getulio Vargas

    ao poder.

    1. Reao e resistncia no campo brasileiro at 1930

    Como referido na unidade anterior, o pleno desenvolvimento do

    capitalismo no campo brasileiro, ocorreu com a otimizao da estrutura

    tradicional de produo (grande propriedade, abastecimento do mercado

    externo e mo de obra escrava ou livre expropriada) pressupondo a adequao

    da terra e do trabalho nova lgica capitalista, que teve na Lei de Terras o seu

    principal arranjo institucional, pois a constituio de um mercado de terras

    transformava paulatinamente uma frao da aristocracia rural em burguesia

    agrria.

  • Ainda que possamos identificar na historiografia agrria brasileira uma

    srie de contestaes estrutura agrria, foi aps a Lei de Terras que esse

    quadro se intensifica, especialmente com o advento da Repblica no Brasil em

    1889, sendo conveniente recordar que a marca do republicanismo brasileiro foi

    o positivismo de tradio comteana, que atribua modernizao o poder de

    superar o atraso atribudo sociedade brasileira.

    Nesse contexto, a ttulo de reflexo cabe destacar a obra de Euclides da

    Cunha Os Sertes - e o tratamento atribudo aos sertanejos e ao serto

    identificado pelo autor como tpicos de um Brasil que deveria desaparecer,

    dando lugar ao Brasil do litoral e das grandes cidades.

    Ademais, a centralidade dos militares com o advento da repblica,

    tambm fez com que esse grupo fosse o principal ator na represso as lutas

    camponesas no Brasil desde ento, vistas at a dcada de 1930, por um

    prisma linear e etapista que concebia que esse grupo social fatalmente

    desapareceria, alm de consider-los incapazes de agir politicamente, da

    decorrendo a sua identificao, hoje equivocada, de que essas aes

    representam um momento pr poltico desses movimentos, marcadamente

    orientados por variveis de ordem religiosa.

    Feitas essas consideraes passaremos agora a apontar os principais

    movimentos do perodo;

    1.1 - Canudos

    Ocorrido na Bahia nos anos de 1896-97, organizado por Antonio

    Conselheiro liderana de uma importante manifestao da religiosidade

    popular brasileira, denominada de messianismo.

    O contexto brasileiro na poca era bastante tenso, provocando

    migraes de agricultores empobrecidos que, seguindo Conselheiro, dirigiam-

    se ao Arraial de Canudos, formando ali uma comunidade inspirada na obra

    Utopia de Thomas Morus, em um evidente conflito com as elites locais que se

    sentiam ameaada pela alternativa representada pelo Arraial de Canudos,

    pressionando o poder pblico a tributar a referida comunidade, que diante da

  • recusa de pagamento passa a ser identificada como monarquista, o que faz

    com que o governo federal fosse mobilizado para combater Conselheiro e seus

    seguidores, que somente aps duras batalhas, acabam derrotados.

    1.2. Guerra do Contestado

    Movimento ocorrido na atual divisa entre o Estado do Paran e Santa

    Catarina entre os anos de 1912 e 1916, cuja origem estava relacionada ao

    conflito entre coronis da regio que, na sequncia, acaba envolvendo

    posseiros que foram expulsos da regio em razo de disputas entre empresas

    colonizadoras e exploradoras de madeira que eram responsveis pela

    construo de uma ferrovia. A liderana desse movimento tambm foi atribuda

    ao um religioso popular de nome Jos Maria que assumiu o papel de um

    monge de mesmo nome que teria vivido no sculo XIX na regio, a quem era

    atribudo uma srie de milagres, e que acaba denunciado de monarquista. Ao

    fugir com seus seguidores para o estado do Paran, so considerados

    Gnero: Drama

    Ano: 1997

    Durao: 169 minutos

    Origem: Brasil

    Distribuidora: Columbia TriStar Pictures

    Direo: Srgio Rezende

    Roteiro: Srgio Rezende e Paulo Halm

    Msica: Edu Lobo

    Fotografia: Antnio Lus Mendes

  • invasores, organizando-se brigadas contra esses lavradores, que em ltima

    instncia reagiram a expropriao de terras ocupadas desde tempos

    imemoriais.

    Assim como o que ocorrera com Canudos, os camponeses do sul do

    Brasil acabam duramente reprimidos, sob a acusao de fanatismo religioso e

    ignorncia, pois resistiam ao que havia de mais avanado, na tica das elites

    locais, qual seja, a ferrovia.

    Indicao de vdeo:

    1.3. Lutas do cangao no nordeste brasileiro

    As primeiras dcadas do sculo XX no nordeste brasileiro foram

    marcadas pelo que a bibliografia especializada denomina de banditismo social,

    que teve nas aes de Lampio e seu grupo a maior notoriedade, pois ainda

    que parte significativa desses cangaceiros tenham lutado por questes de

    ordem pessoal, de honra e de sangue, muitos deles se mostraram sensveis s

    lutas camponesas reativas aos desmando dos coronis locais.

    A Guerra dos Pelados

    Gnero: Drama

    Ano: 1970

    Durao: 98 min.

    Direo: Sylvio Back

    Tipo: Longa-metragem / Colorido

    Distribuidora(s): CIC Vdeo

    Paran Filmes, Servicine

  • Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampio, foi o

    cangaceiro de maior destaque. Lampio coordenou um bando que atuou no

    serto nordestino, enfrentando coronis, policiais e bandos rivais. Perseguido

    foi assassinado em 1938, na divisa entre os estados da Bahia e de Sergipe.

    Com a sua morte, o cangao entrou em um processo de refluxo, ainda que

    tenha passado para o imaginrio popular como um movimento de revolta

    contra o descaso dos rgos pblicos em relao ao serto nordestino, sendo

    na atualidade identificado com a fora e determinao do sertanejo nordestino.

    Indicao de vdeo:

    1.4 Revolta dos Muckers

    O movimento denominado revolta dos muckers ocorreu no final da

    dcada de 1860 at 1874, no interior do Rio Grande do Sul, onde hoje

    encontra-se a cidade de Sapiranga, na rea de colonizao alem.

    Diretor: Carlos Coimbra

    Produo: Oswaldo Massaini

    Roteiro: Carlos Coimbra, Talma de Oliveira

    Fotografia: Tony Rabatoni

    Trilha Sonora: Gabriel Migliori

    Durao: 110 min.

    Ano: 1962

    Pas: Brasil

    Gnero: Drama

    Cor: Colorido

    Distribuidora: No definida

  • Quando os imigrantes alemes chegaram ao Brasil, receberam terras e

    incentivos do governo, o que no foi capaz de impedir a fragmentao das

    propriedades em razo das sucessivas partilhas decorrentes de herana, de tal

    forma a gerar propriedades muito pequenas. Cabe destacar ainda que o Brasil

    e a regio de So Leopoldo era oficial e majoritariamente catlica, de forma

    que os imigrantes luteranos acabavam sendo prejudicados, pois todos os

    registros de batismo, casamento e bito deveriam estar cadastrados na Igreja,

    no reconhecendo, portanto, a herana de quem no fosse catlico.

    Naquele contexto, existiam disputas ora explicitas ora veladas entre

    imigrantes alemes luteranos e catlicos, moradores do meio rural e do meio

    urbano, cabendo destacar que os comerciantes, eram o grupo social mais

    importante da rea colonial. Foi naquele contexto que surgiu a figura do casal

    Jacobina e Joo Jacob Maurer.

    Os Muckers, denominao atribuda aos agricultores de ascendncia

    alem, pelas autoridades locais com a conotao de falso santo, viviam em

    uma regio de difcil acesso, onde a presena do poder pblico praticamente

    inexistia. Nesse contexto, Jacobina Mentz Maurer e seu marido Joo Maurer,

    lideram um conjunto de colonos, que em razo de uma conduta moral bastante

    restritiva acabam por entrar em conflito com a comunidade local, resultando na

    priso dos lderes do movimento pela polcia local com posterior libertao a

    pedido do presidente da Provncia do Rio Grande do Sul.

    Os muckers, cada vez mais crentes no carter messinico de Jacobina,

    passaram a combater de forma mais enftica os que se opunham ao

    movimento, acabando por provocar, acidentalmente a morte da esposa e dos

    filhos de um dissidente do grupo, e de um importante comerciante local, alm

    executaram um tio de Joo Maurer, que se opunha abertamente ao movimento.

    Acirrados pela profecia de que quem acreditasse em Jacobina seria imune

    morte, os muckers entram em confronto com foras policiais, saindo vitoriosos.

    A 18 de julho de 1874, as foras policiais cercaro a casa onde o grupo

    religioso se mantinha, matando dezesseis muckers. Jacobina conseguiu fugir

    at, que em 2 de agosto, Carlos Luppa, um dissidente mucker traiu o grupo,

  • levando as tropas militares at ao morro Ferrabrs onde Jacobina se refugiou,

    sendo os revoltosos executados pelas militares.

    A revolta dos muckers foi um movimento social religioso milenarista, que

    via em Jacobina o seu Messias. Ao mesmo tempo, foi depreciado tanto pelas

    autoridades eclesisticas, como por pastores luteranos. Mesmo assim, a

    mensagem de Jacobina atingiu uma ampla parcela da sociedade, visto que

    tanto pobres quanto pessoas mais abastadas se identificaram com suas ideias.

    Durante aproximadamente um sculo o tema dos muckrs, foi tabu na

    regio de Sapiranga, sendo que seus intrpretes, ora responsabilizavam a

    ignorncia dos colonos; ora o abandono dos mesmos por parte da Igreja

    Alem; ora a maonaria e os polticos locais, ferrenhos antireligiosos; ora a

    esperteza dos Maurers para compreender acontecido.

    Uma diferena do movimento Mucker em relao aos demais

    movimentos mencionados que os Muckers foram preponderantemente

    protestantes, tendo sido liderados por vulto feminino, Jacobina Mentz Maurer.

    Ttulo A Paixo de Jacobina Pas de Origem: Brasil Gnero: Romance Classificao etria: 12 anos Tempo de Durao: 101 minutos Ano de Lanamento: 2002 Estdio/Distrib.: PlayArte Direo: Fbio Barreto

  • 2. Movimentos sociais e organizao sindical ps 1930

    Com a chegada de Vargas ao poder, no ano de 1930, o Brasil passava

    por profundas transformaes, identificadas principalmente por um processo de

    progressiva industrializao e urbanizao percebidas como sinnimo de

    modernizao. O momento em anlise foi marcado por um contexto de

    crescente movimento migratrio no sentido campo cidade, que funcionava

    como um atrativo para as populaes rurais, ainda sob o controle do poder

    local, materializado no coronelismo.

    No final da dcada de 1930 e incio da dcada de 1940, a

    reconfigurao econmica e demogrfica do Brasil foi potencializada por

    movimentos sociais urbanos protagonizados pelos trabalhadores, fazendo com

    que o governo Vargas editasse uma srie de legislaes protetivas as relaes

    de trabalho que, em 1943, foram reunidas em um nico texto legal conhecido

    como Consolidao das Leis do Trabalho CLT, cuja caracterstica que nos

    interessa nesse momento diz respeito ao fato que esse conjunto de direitos

    sociais, trabalhistas e previdencirios incidiam apenas nos trabalhadores

    urbanos sindicalizados, o que provocou o descontentamento dos camponeses,

    que apoiaram o governo Vargas desde o primeiro momento.

    Cabe destacar um elemento apontado pelos estudiosos da matria, no

    sentido de identificar uma perspectiva linear e etapista do desenvolvimento

    social, na qual os camponeses deveriam desaparecer dando lugar a um

    proletariado urbano, coordenado pelo partido de Getulio Vagas, qual seja o

    PTB.

    Foi nesse cenrio de descontentamento que os trabalhadores rurais

    passaram a se organizar em associaes, pois era vetada a sindicalizao dos

    mesmos, prerrogativa essa exclusiva dos trabalhadores urbanos. Estas

    associaes, cuja origem encontramos principalmente o nordeste, recebiam o

    nome de Ligas de Lavradores, que impunham seu reconhecimento a

    sociedade, fazendo do tema da reforma agrria um importante eixo de

    discusso poltica no Brasil de ento, liderado pelo Partido Comunista

  • Brasileiro, o que acabou por provocar o descontentamento dos grandes

    proprietrios, organizados a partir da Unio Democrtica Nacional UDN,

    agremiao poltica que reunia a elite proprietria brasileira da poca.

    A aproximao dos lavradores com o Partido Comunista Brasileiro

    PCB, acabou atribuindo as reivindicaes camponesas a percepo de tratar-

    se de ao de agentes externos que incitavam a revolta perturbando a paz no

    campo brasileiro, segundo argumento articulado pela UDN.

    Essa leitura da ao dos camponeses fragilizava a luta dos lavradores,

    escondendo a real dimenso dos embates e conflitos que marcavam o campo

    brasileiro, alm de identificar as demandas sociais desses segmentos no

    como direitos mas sim como um pedido, que poderia ou no ser acolhido pela

    ddiva do patro ou do Estado, como bem assevera Jos de Souza Martins.

    A centralidade do perodo ps dcada de 1940 para os debates sobre a

    questo agrria brasileira decorre, principalmente, do fato que os movimentos

    sociais tenderam a se generalizar, perdendo seu carter local, articulando

    formas mais abrangentes de organizao progressivamente distanciados das

    orientaes messinicas que orientavam os organizaes dos camponeses no

    perodo anterior.

    Naquele contexto surgiam propostas polticas diversas vinculando a

    temtica agrria com o projeto de desenvolvimento implementado para o pas,

    forjando-se questes que at hoje so centrais nas lutas camponesas: direitos

    trabalhistas e previdencirios e necessidade de uma efetiva reforma agrria.

    Utilizando um balizamento cronolgico possvel perceber dois

    momentos distintos:a) aquele que se inicia em 1945 perdurando at 1964 e, b)

    um segundo momento que inicia em 1964 com a chegada dos militares ao

    poder e vai at os dias atuais, com algumas nuances.

    O primeiro momento assinalado, qual seja, 1945-1964, pode ser

    identificado como um momento de grande efervescncia democrtica que

    permitiu vir luz diversos conflitos e demandas do campo, capitaneado por

    uma matriz sindicalista vinculada ao Estado, de tal sorte a potencializar a

    extenso dos direitos dos trabalhadores urbanos para os trabalhadores rurais,

  • com a promulgao do Estatuto dos Trabalhadores Rurais no ano de 1963.

    Entre os anos de 1949 e 1954 possvel identificar no pas um total de 55

    greves em fazendas de caf, cana e cafezais, demandando, via de regra,

    aumento salarial e/ou pagamento de salrios atrasados, o que demonstra a

    mobilizao dos trabalhadores rurais no perodo.

    Outra frente importante de mobilizao de camponeses no perodo

    referido encontramos na organizao de posseiros atingidos pela expanso da

    fronteira agrcola e pela ao de grileiros no sentido de lhe expropriar a terra.

    Essas lutas foram frequentes e se notabilizaram especialmente no sudoeste do

    Paran, no que ficou conhecido como revolta dos posseiros ou Guerrilha do

    Porecatu, na qual os posseiros resitiam armados ao seu despejo da terra.

    Esse processo acaba se esgotando com a chegada dos militares ao

    poder, o que inaugura um momento de intensa represso e perseguio das

    lideranas camponesas, de tal sorte que as lutas do campo acabam por

    atomizar-se, ainda que no tenham desaparecido, ganhando inclusive uma

    maior intensidade, pelo processo de modernizao agrcola implementado pelo

    governo brasileiro com a edio do Estatuto da Terra, sendo importante a

    constituio de um sindicalismo rural centralizado pela Confederao Nacional

    dos Trabalhadores na Agricultura CONTAG.

    No final dos anos de 1970 o regime militar comea a dar sinais de

    esgotamento, agudizando s contradies pela ineficcia do milagre

    econmico, surgindo tambm uma crtica crescente a estrutura sindical vigente

    no perodo. Naquele cenrio as lutas no campo se diversificaram, incorporando

    a luta social a questo da reforma agrria, greves de assalariados, lutas de

    pequenos produtores por melhores preos, entre outras.

    2.1 As Primeiras Organizaes: ligas, associaes e unies

    Foram duas as principais formas de organizao dos camponeses no

    perodo de 1945-1964: sindicatos e organizaes civis (associao, ligas,

    unio, irmandades, etc.)

  • Os sindicatos eram organizaes de trabalhadores considerados

    assalariados, que viam na sindicalizao o mecanismo mais adequado para

    acessar direitos trabalhistas e previdencirios.

    As associaes civis, destinavam-se a aglutinar lavradores que tinham

    acesso a terra de forma precria, no sendo proprietrios, tais como posseiros,

    arrendatrios, meeiros, etc., cuja principal demanda dizia respeito a

    modificao da estrutura agrria brasileira, profundamente excludente.

    Nesse contexto foram inmeros os encontros de trabalhadores, o que

    indica uma efetiva articulao entre as diferentes organizaes que

    congregavam as demandas camponesas.

    2.1.1 ULTAB Unio dos Lavradores e Trabalhadores Agrcolas do

    Brasil

    Em 1953 foi realizado em Viana a Conferncia Internacional dos

    Trabalhadores Agrcolas, o que fez com que o PCB organizasse um encontro

    nacional para indicar representantes e organizar a pauta a ser encaminhada ao

    encontro internacional, tendo sido elaborado um documento intitulado Carta

    dos Direitos e das Reivindicaes dos Lavradores e Trabalhadores Agrcolas,

    apontando de forma incisiva a temtica da reforma agrria como uma medida

    de justia social, a denncia de formas semifeudais de explorao do trabalho,

    alm da demanda de apoio produo.

    Naquele contexto o latifndio foi identificado como a causa da explorao

    do campons, de tal forma a denominao campons adquirir um significado

    social e sentido poltico, criando-se uma entidade capaz de unificar as

    demandas mais diversificadas do campo brasileiro, com atuao no mbito

    nacional Ultab, que representou um esforo do PCB em aglutinar as lutas em

    diferentes locais do pas.

  • 2.1.2 A luta dos posseiros

    Nas regies de fronteira agrcola foram inmeros os conflitos, opondo

    principalmente posseiros e grileiros, especialmente em decorrncia da

    expressiva valorizao e especulao imobiliria em reas de fronteira.

    Naquele contexto destacamos Trombas e Formoso em Gois; os posseiros do

    sudoeste do Paran e na Baixada de Guanabara.

    Acerca de Trombas e Formoso cabe destacar a intensa valorizao

    fundiria da regio em razo da criao da Colnia Agrcola de Gois, o que

    fez com que a rea, ocupada por populaes tradicionais, resistissem a intensa

    grilagem, auxiliados por quadros do PCB e liderados pelo posseiro Joo

    Porfrio, em um dos mais violentos conflitos agrrios do pas. A importncia da

    Organizao de Posseiros de Trombas e Formoso foi tamanha, que os

    mesmos conseguiram um acordo com o governo de Gois no sentido de

    afastar o controle policial e disponibilizar a titulao das posses, havendo um

    controle absoluto dos posseiros sobre a regio, que foi capaz de eleger Joo

    Porfrio deputado estadual em 1962.

    No sudeste do Paran, local de intensas correntes migratrias e local de

    instalao de uma Colnia Agrcola Federal, uma transao imobiliria ilegal

    atribui a propriedade da regio a CITLA Empreendimentos imobilirios, que

    passou a expulsar os colonos da rea ocupada desde tempos imemoriais ou

    for-los a assinar contratos de arrendamento.

    A resistncia dos posseiros ganhou intensidade em agosto de 1957 com

    confrontos abertos com as companhias, o que fez com que os posseiros

    acabassem por ocupar as cidades de Pato Branco e Francisco Beltro,

    obrigando o governo a negociar. A partir de 1960 comeam a ser emitidos os

    ttulos de propriedade aos colonos.

    No estado do Rio de Janeiro, na regio denominada de Baixada da

    Guanabara foi criada no ano de 1948, com a articulao do PCB, a Associao

    dos Lavradores Fluminenses, como uma forma de resistir aos ataques dos

    grileiros e aos despejos arbitrrios que atingiam os posseiros, demandando no

  • poder judicirios, inmeras aes de usucapio, que na grande maioria foram

    improcedentes, tal era a fora da elite agrria regional.

    2.1.3- Ligas Camponesas

    A partir da dcada de 1950 verificamos no nordeste significativas

    transformaes nas relaes de trabalho, merecendo destaque o ocorrido no

    Engenho da Galilia no interior de Pernambuco quando, em razo da

    excessiva cobrana de tributos para a utilizao do Engenho, os trabalhadores

    se organizam e contratam o advogado Francisco Julio, deputado estadual

    recm eleito para a defesa dos interesses do lavradores que realizaram

    inmeras mobilizaes, marchas, comcios, congressos, dando visibilidade a

    questo. Ganhando uma dimenso que extrapolou o nordeste brasileiro, e

    servindo de referncia para a organizao dos lavradores, as Ligas

    Camponesas, entram em rota de coliso com a ULTAB, uma vez que at

    aquele momento o PCB monopolizava a luta camponesa no Brasil.

    A principal causa de divergncia entre os dois grupos decorria da

    concepo de reforma agrria. Enquanto o PCB via a reforma agrria como um

    momento para a constituio de revoluo democrtica burguesa, as Ligas

    viam no campons o protagonista da revoluo socialista inspirada na

    experincia cubana.

    Sugesto de Filme.

    Diretor: Eduardo Coutinho Produo: Zelito Viana Roteiro: Eduardo Coutinho Fotografia: Edgar Moura Trilha Sonora: Rogrio Rossini Durao: 119 min. Ano: 1984 Pas: Brasil Gnero: Documentrio Distribuidora: H2O Filmes

  • 2.1.4 MASTER

    No Rio Grande do Sul, o ento governador Leonel de Moura Brizola,

    alm de dar apoio aos acampamentos de trabalhadores rurais sem terra, que

    surgiram no estado nos final dos anos de 1950 e se organizaram no Movimento

    dos Agricultores Sem Terra MASTER, especialmente nos municpios de

    Camaqu, Santa Maria, Caapava, Alegrete, So Francisco de Assis, entre

    outros. Brizola declarou essa organizao de utilidade pblica, criando o

    Instituto Gacho de Reforma Agrria IGRA, com a finalidade de agilizar o

    processo de assentamento desses agricultores, sob forte influncia do PTB.

    2.2 A Organizao Sindical

    Durante a dcada de 1950 foi possvel perceber uma acentuada atuao

    dos partidos polticos, especialmente PCB, PSB e PTB na organizao dos

    camponeses, o que provocou no interior da Igreja Catlica uma significativa

    reorientao, sendo expressivos os documentos eclesiais que tm como pauta

    a situao dos trabalhadores rurais, sendo que, por volta de 1960, a Igreja

    volta-se para o trabalho organizativo investindo na sindicalizao, alm de

    mobilizar e orientar lderes sindicais, seguindo a orientao da Comisso dos

    Bispos do Brasil CNBB, no sentido de fomentar o sindicalismo cristo.

    No mesmo sentido foi expressiva a constituio da Ao Catlica como

    organizao de leigos mobilizados pela transformao social, bem como a

    fora da Igreja Catlica nos quadros da CONTAG, criada em 1962.

    3. Ps 1964 at hoje

    Com o golpe militar de 31 de maro de 1964, as lutas do campo e da

    cidade entram, em um processo de refluxo diante da represso que passam a

    enfrentar, sendo que a ao dos militares, no que tange a temtica agrria,

    estava assentada em dois pressupostos: a) represso aos movimentos e

  • organizaes populares que existiam no Brasil e b) a aprovao do Estatuto

    da Terra, propondo a denominada modernizao conservadora, no campo

    brasileiro.

    Com exceo aos sindicatos, todas as outras organizaes foram postas

    na clandestinidade, ainda que vrios sindicatos tenham sido fechados e

    lideranas sindicais presas, num intenso processo de interveno nesses

    espaos. Cabe destacar que em 1971 foi institudo o Funrural - Previdncia

    Social dos Trabalhadores Rurais.

    No perodo em pauta havia dois balizadores para a discusso da

    temtica agrria no Brasil: o Estatuto do Trabalhador Rural disciplinando as

    relaes entre trabalho e capital e o Estatuto da Terra regulamentando as

    formas de acesso a terra.

    Ainda diante do refluxo dos movimentos sociais do campo, no perodo

    dos governos militares, as tenses no campo brasileiro ganhavam significativa

    visibilidade, sendo apropriado referir que ao final do perodo - inicio da dcada

    de 1980 - tivemos importantes articulaes entre diferentes segmentos

    identificados com a luta pela terra.

    Em 1984, apoiados pela Comisso Pastoral da Terra, representantes

    dos movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores rurais e outras

    organizaes, reuniram-se em Cascavel no estado do Paran, no 1 Encontro

    Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, para fundar o MST, que se

    identifica como herdeiro ideolgico de todos os movimentos de base social

    camponesa. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve

    como primeira ao efetiva a com a ocupao da Fazenda Anoni, no Rio

    Grande do Sul, em outubro de 1985, na qual 1500 famlias montaram um

    acampamento, sendo oportuno destacar que o processo de desapropriao da

    rea durou 14 anos.

    O MST um movimento social brasileiro com inspirao marxista e do

    cristianismo progressista (teologia da libertao), cujo objetivo a realizao

    da reforma agrria no Brasil, conforme denota-se pela leitura se sua pagina

    oficial.

  • Bernardo Manano Fernandes em seu livro A formao do MST no

    Brasil (2000), informa que o MST nasceu da ocupao da terra e tem nesta

    ao seu instrumento de luta contra a concentrao fundiria e o prprio

    Estado.

    Na atualidade os objetivos do MST, vo para alm da reforma agrria,

    trazendo discusses sobre as transformaes sociais importantes ao Brasil,

    principalmente quelas no tocante incluso social em uma clara articulao

    com os movimentos sociais do campo.

    O MST compe juntamente com o Movimento de Mulheres Camponesas

    (MMC), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento dos

    Pequenos Agricultores (MPA), a Via Campesina. Alm desses possvel

    identificar outras trs organizaes brasileiros articulados Via Campesina

    Internacional: a Comisso Pastoral da Terra (CPT), a Federao dos

    Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) e a Pastoral da Juventude Rural

    (PJR).

    A Via Campesina uma organizao internacional que coordena

    entidades camponesas de pequenos e mdios agricultores, trabalhadores

    agrcolas, mulheres rurais e comunidades indgenas e negras da sia, frica,

    Amrica e Europa, tendo como principal bandeira a temtica relacionada

    defesa da soberania alimentar.

    Para maiores aprofundamentos sobre a transnacionalizao dos

    movimentos sociais no urbanos sugerimos a leitura dos textos constantes nos

    endereos que seguem:

    http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/9463/9463_5.PDF

    http://www.lagea.ig.ufu.br/xx1enga/anais_enga_2012/gts/1448_1.pdf

    Sobre a temtica agrria na perspectiva dos movimentos sociais do

    campo, sugiro assistir vdeos constantes no site da Videoteca Virtual Gregrio

    Bezerra do MST no endereo que abaixo segue:

  • http://www.armazemmemoria.com.br/cdroms/videotecas/MST/00ArmazemMemor

    ia/Tema/01_catalogos/terra.html

    REFERENCIAS

    IOKOI, Zilda Maria Gricolli. Lutas Sociais na Amrica Latina. Porto Alegre:

    Mercado Aberto, 1989.

    FERNANDES, Bernardo Manano. A Formao do MST no Brasil. So

    Paulo, Editora Vozes, 2000.

    MARTINS, Jos de Souza. Os Camponeses e a Poltica no Brasil: As Lutas

    Sociais e seu Lugar no Processo Poltico. Petrpolis: Vozes, 1986.

    MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Histria dos Movimentos Sociais no

    Campo. Rio de Janeiro: FASE, 1989.